Literatura Novilatina em Portugal Entre 1485 e 1537

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TURA NOVILATINA EM PORTUGAL ENTRE 1485 E 1537 os estrangeiros que melhor conheceram a Literatura Portu- igualmente conhecedor das principais literaturas europeias, he Portuguese is the greatest literature produced by a with the exception of ancient Greece ...» —«A Portu- maior literatura produzida por um pequeno pais com a a Grécia antiga ...» Isto declarou em Junho de 1922, Aubrey Bell, na Fortnightly Review. pudesse dizer algo de semelhante da literatura em latim, Portugal, mas ai sem abrir excepedo, se tivesse chegado udo quanto foi escrito em latim neste Pais, desde o século XV, antes. Ao colocar o termo a quo nos anos de Quatrocentos, m especial ao latim dos humanistas do Renascimento. © livro que encontramos foi escrito, por volta de 1460, 0 de Gesta Illustrissimi Regis Iohannis De Bello Septensi, Reuerendum Matthaeum de Pisano, Artium Magistrum Poe- escrito provayelmente no ano do falecimento do Infante 86 veio a ser impresso em 1790, por iniciativa do Abade la da Serra, mais famoso como cientista do que como Tetras. Na sua qualidade de Secretario da Academia das | de Lisboa, Correia da Serra incluiu-o como 1.° volume da © de Livros Inéditos dos Reinados de D. Joao I, D. Duarte, $0 V ¢ D. Joao Il, publicados por ordem da Academia Real tias de Lisboa» era italiano de origem, foi mestre e secretério latino do NSO V, falecido em 1481. Apesar de se intitular poeta laureado, até nds um s6 dos seus versos. Mas a construcio do 4 Guerra de Ceuta revela capacidade de expressio drama- do pitoresco. em que se baseou a edigao do Abade Correia da Serra desaparecera e 9 tradutor, o coronel de Engenharia Roberto Correia Pinto, Sango) Ppro- fessor do Colégio Militar, no péde sequer verificar as mds leituras do manuserito ou os erros tipograficos que, uma e outros, m4 leitura © erros, dificultam, por vezes, de forma invencivel a boa tradugdo de um texto latino, seja ele qual for. Alias, ndlo obstante a impresso favordvel que se colhe da compe- téncia do tradutor, penso que esta versio do latim quatrocentista nao deve ser impressa sem uma revisio prévia—o livro est esgotado — © nunca sem o latim em face do portugués. Por outro lado, uma vez que 0 texto latino, impresso em 1790, apresenta variantes em Telac&o ao ‘inico manuscrito existente, o da Biblioteca de D. Manvel Tl, em Vila Vigosa, 0 estabelecimento de um texto critico deve preceder a prépria tradugio. Mateus de Pisano gozou de um ambiente de simpatia que o seu sucessor mais préximo, no posto de professor da corte e de secretério latino da realeza, no conheceu. Refiro-me a Cataldo Parisio Siculo. Com efeito, Mateus de Pisano e © cronista seu contemporineo, Gomes Eanes de Zurara, trocaram tamalhetes de flores: Zurara chamou a Pisano, como é sabido, «poeta laureado, e um dos suficientes fild- do cronista ter sido «bom gramatico, notavel astrélogo ¢ grande cro- nista» (Livro da Guerra de Ceuta, p. 21). Cataldo nao encontrou a mesma simpatia entre os intelectuais da corte portuguesa. Para dar um sé exemplo, o seu discurso na entrada solene em Evora, em 28 de Novembro de 1490, da princesa Isabel de - . Afonso de Portugal, é cuidadosamente omitido pelos cronistas contemporaneos, E Rui de Pina contenta-se com dizer, algo depreciativamente © ocultando que o discurso foi em Jatim: «E assi chegaram aa Porta de Aviz, onde se fez hiia arenga ...» (Cronica @EIRey D. Jodo II, cap. XLVI). _A correspondéncia de Cataldo Teflecte a sua Ansia em obter infor- r a Expansio Portuguesa, que gostaria a Tudo quanto conseguiu foi compor poemas e escrever Mabas pape) Um desses poemas foi a Arcitinge, sobre a con- Ore! D. Afonso V cee ™ 1471, que 0 poeta aproveita para exaltar isi ee eat ye D. Joao, seu filho. 6 © primeiro carme a 10 Por Mi oh em Bolonha, de onde cana © oh ter sido principiado ainda em 1485, sy Portugal, provavelmente 109 ‘As Grdnicas que Cataldo gostaria de ter escrito a Angelo Policiano que, para o efeito, 1p, Joo Hl, induzido certamente pelos filhos do chanceler Jodo Teixeira Lebo que eram gous, alunos em Florenga. Mas Policiano morreu gin 1494 @ no Ano seguinte falecia D, Joio H, Também o legado ponti- ¢ depois bispo de Ceuta, Giusto Baldino que, segundo parece, idéntico encargo ainda no tempo de D. Afonso V, falecia em Almada, em 1493, nada deixando, © comego da historiografia humanistica esta claramente ligado ao Humanismo Italiano, Na tarefa estiveram implicados, como acabamos de ver, Mateus de Pisano, Cataldo Parisio, Justo Baldino, Angelo Poli- clano, Mas sé possuimos o livro de Mateus de Pis poems de contetido histsrico de Cataldo Parisio, Entretanto, faziam a sua formagio em Itilia numerosos portu- gueses que estudavam Direito, Teologia e Medicina, formas de prepa- raglio especializada que entio vinham apés uma iniciagio mais ou menos longa em Humanidades. Muitos sio hoje desconhecidos ou ape nas NoMes sem significado especial. Outros adquiriram notoriedade, por serem referidos numa carta ou num epigrama. E sao para nés mais do que nomes aqueles que deixaram alguma coisa escrita. Quatro estiio ligados ao chanceler Jodo Teixeira de que j& falei: Seu Irmo Luis; seus filhos Luis, Alvaro e Tristio. Todos gente de Direito. Martim Figueiredo, seu sobrinho Aires Barbosa, Henrique Chiado, Fernando Coutinho, ete. De passagem, Diogo Pacheco, Diogo de Sousa, D. Fernando de Almei De alguns destes falarei adiante A historiografia do final do século XV perdeu-se. As cronicas em latim que deviam ter sido escritas, em Florenga, por Angelo Policiano, inekistentes, as de Justo Baldino ¢ de Cataldo Paris Portugal, que existiram provavelmente, mas se perderam Todavia, Cataldo compensa em parte a falta das cromicas com @iguns discursos ¢ poemas que possuem inegiv contedido hist6rico Coircunstancial. E também com algumas cartas que sio, no hatte Teportagens biogrificas e mundanas, como aquela que acorn aoe Poema Verus Salomon Martinus, dirigida ao conde de Alooatim,D. in ME Meneses, onde se faz a biografia do herdi do poems, | Me ‘ ne Gisielo Branco, 1.° conde de Vila Nova de Portimio, &¥¢ OS especial ao mais famoso dos seus gen"O’s : vont ‘uma obra do de Meneses, de que adiante falarei, per estiveram para ser Se oferecera ao rei NO © as cartas & e muitos outros scritas em 110 com a lenda de que o célebre alcaide-mor do Porto fora disefpulo de iciano, em Florenga, eal em confronto com 0 curriculum vitae de D, Diogo de Almeida, coloca-nos em plena aventura guerreira da Graciosa, q fortaleza que D. Joo II tentou construir em Africa asobre 0 rio, acima de Larache» e teve de abandonar. Apesar de se ter cifrado numa derrota para os portugueses, a retirada da Graciosa foi conduzida com tanta coragem e sangue-rio que o prestigio do Rei se viu acrescido, nio obstante © insucesso, Na correspondéncia de Cataldo e em cartas diferentes encontram-se dois dos herdis da Graciosa, D. Martinho Castelo Branco e D. Diogo de Almeida, A carta referente a este tiltimo é diri- sida ao papa Inocéncio VII, falecido em 1491, © versa a existéncia herdica de D. Diogo de Almeida, futuro prior do Crato, que se estreou has armas, combatendo aos 15 anos de idade em Africa, ao lado de D. Afonso V. A propésito do cerco da Graciosa pelas tropas incontiveis dos mouros ¢ da resisténcia da pequena forga de elite portuguesa, de 1500 homens, que se encontrava dentro, Cataldo escreve na carta referente a D. Martinho Castelo Branco: «Se este feito tivesse sido pra- ticado no tempo dos romanos, sobre ele teriam composto os autores uma longa histéria.» Passava-se isto em 1489, O espirito que levara a Os Lusiadas comegou em Portugal na Literatura Novilatina, A carta ao Papa Inocéncio VIII, redigida por Cataldo em latim, em nome de D. Diogo de Almeida, foi traduzida por Francisco Rodrigues Lobo ¢ publicada por Ricardo Jorge, a partir de um manuscrito que se encontra no Museu Britanico. Pode ler-se em Cartas dos Grandes do Mundo de Ricardo Jorge, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1934. novo Papa era eleito, também Do final do século XV, possuimos Varias oragdes: a do Dr. Vasco Fernandes de Lucena, em 9 de Dezembro de 1485, em nome de D. Jodo Il, 40 papa Inocéncio VIII: a do bispo de Ceuta, D. Fernando de Almeida, ss oe Alexandre VI, em nome de D. Jo&o I, na derradeira metade n i Teinado de D. Manuel, femos a oragdo pronunciada pelo iogo Pacheco, ao Papa Julio II, em 4 de Junho de 1505; ¢ a do mesmo Diogo Pacheco, cm nome igualmente do rej D. Manuel, ao papa Lelio X, em 2 de Abril de 1514. Bsta embaixada que ficou conhecida i por embaixada de Tristio da Cunha, do nome do seu chefe, deixou fama nos anais da diplomacia europeia da época, como um aconteci- mento de fausto ¢ exotismo que encontrou ampla repercussio nas paginas da Crénica de D. Manuel de Damiio de Géis. Ficou particular- mente famoso 0 elefante que nela seguia. As suas habilidades nao foram esquecidas pelo cronista, Dos oradores subsequentes, recordamos que no tempo de D. Sebas- tido um deles foi Aquiles Estacgo que vivia em Roma na corte ponti- ficia onde foi secretrio latino dos papas e um dos humanistas de pres- tigio internacional no seu tempo. Estas oragdes de obediéncia nao eram apenas modelos de boa prosa latina, mas serviam para que os estados, e, no caso vertente, Portugal, anunciassem os acontecimentos mais notaveis da sua vida politica, desde a ultima obediéncia prestada. Os oradores portugueses, através delas, informavam a Europa das vicissitudes da expansao ultra- marina, entZio em curso, pois as orationes eram logo impressas e distri- buidas, a partir de Roma. Com alcance politico semelhante, embora se nao trate de uma oracio de obediéncia, foi o discurso pronunciado em 31 de Agosto de 1481, perante o papa Sisto IV, por D. Garcia de Meneses, bispo de Evora. E um texto eloquente, escrito — sem exagero! latim que ainda hoje se 18 com surpresa, pois tal nfo seria de esperar de um portugués, em 1481. Mas D. Garcia de Meneses havia estudado em Italia na Universidade de Pertsia. © vigor do estilo ajuda & expresso dos sentimentos de horror ¢ indignacdo perante as atrocidades cometidas pelo invasor turco, através de uma Europa enfronhada no mais profundo egoismo de cada pequena Comunidade em relacao aos vizinhos, permitindo, da Fé avancasse ¢ Prosperasse. A esquadra portu; 8 turcos que haviam ocupado Otranto nao che; Porque os turcos do seu género, —em magnifico assim, que o inimigo guesa enviada contra gou a entrar em acgio, Partiram, mas ficou um texto latino que é um modelo A guerra, endémica como a peste, continuava em Itilia, 12° complicada pela invasto estrangeira: em Agosto de 1494, Car. los VIII de Franga vinha A conquista de Na; poles, aproveitando as tas intestinas de ttélia, © Portugués Caiado que nesse mesmo ano, possivelmente, se dirigia 4 Florenca para ouvir Angelo Policiano, por morte deste, dirige os seus Desnos Para Bolonha onde se encontra em 1495 ¢ publica no ano pauinte as suas éclogas. Aprendera o atim com Pedro Rombo e Cataldo ‘S10, como informa NOS seus versos. Mas no Siculo nao se encontra qualquer retribuigho ao lisonjeiro epigrama que Caiado Ihe dedicoy, E no entanto ser elogiado por Henrique Caiado era uma homenagem prestigiosa, sobretudo vinda de Italia. Caiado, tido por um dos melhores poetas bucdlicos neolatinos da Europa do seu tempo, tem sido frequen. temente reeditado ¢ traduzido no estrangeiro em anos recentes, A poesia de Caiado, socialmente, inverte a situag’o do Siculo em Portugal. Agora ¢ um portugués que conta entre os seus mecenas ¢ as pessoas das suas relagdes, a gente grada de Bolonha, Florenca e Milo. Caindo morreu jovem em Italia. Por isso, toda a sua actividade poética se concentra entre 1495 e 1501, quando em Bolonha sio reedi- tadas as éclogas ¢ acrescentadas as silvas ¢ dois livros de epigramas, onde hi numerosos portugueses, uns j4 mencionados, outros ainda nao, como Luis de Melo, D. Joao Castelo Branco e Frei Gomes de Lisboa. Nos anos finais da sua vida, Caiado parece ter feito a vontade aos ‘seus familiares e concluido 0 curso de Direito. Datam desse periodo dois discursos, pronunciados em Padua, e publicados em Veneza, um em 1504 e outro em 1507. Tudo isto se passa nos finais do século XV. De 1500, é 0 primeiro volume das cartas © oragdes de Cataldo Parisio, impresso em Lisboa. Os livros de poemas sio dos anos subsequentes. As cartas € as oragdes, embora escritas por um italiano, tém muito que ver com Portugal, mas a escassez do tempo obriga-me a omitir este tépico que, alias, ja tratei em outras ocasides. Quero apenas salientar que as duas primeiras décadas do séc. XVI no estilo vazias de produgdes literarias, pois além do 2.° volume das cartas € oragdes de Cataldo, publicado por volta de 1513, das Visiones © poemas como 0 Verus Salomon Martinus jé citado, que sao da mesma situra, a grande massa dos Poemata, em que est incluido o livro chamado Aquila, & decerto anterior, isto é, da primeira década do século XVI. Também importa referir aqui o livro de epigramas de Lourenco de Caceres, que Eugenio Asensio data de 1518 © eu creio ser anterior, por motivos que tenciono apresentar noutra ocasifio, Os epigramas dio-nos conta da existéncia de rivalidades com émulos que recebem alfinetadas sob a capa de pseuddnimos, Lourengo de Caceres pertence claramente 4 um grupo que nio inclui Cataldo e lhe é Provavelmente hostil. Um 86 nome é comum a Caceres ¢ a Cataldo, 0 de Diogo Pacheco que, alids, também celebrado nas éclogas ¢ epigramas de Henrique Caiado. Os poetas mencionados nos versos de Lourengo de Caceres sio Luis Teixeira, Aires Barbosa, Diogo Pacheco, Domingos da Fonseca, Lourengo Rodrigues, Mestre Gongalo. Destes dois Uultimos so inclufdos 113 na colectinea. Roque de Almeida figura numa ode em que dle e Lourengo de Caceres se encontram & beira do Tormes, portanto em Salamanca. No final de outra ode sAfica de 14 estincias, dedicada a Joao da Silveira, 0 poeta Caceres declara que é nestes ritmos, portanto os da ode sifiea, que deve ser celebrado 0 elogio dos herdis, mas s6 pelos bons poetas. E termina em ar de captatio beneuolentiae: «Ego uero tam sum malus poeta, quam tu es optimus heros», em que hé, como todos reconhecerao facilmente, uma reminiscéncia catuliana. Seguem-se algu- mas cartas em prosa, dois epigramas em disticos elegiacos, em que Aires Barbosa elogia Lourenco de Caceres, e o libellus termina com mais um epigrama em louvor do poeta, este de André Pereira. Detive-me um pouco neste pequeno livro, da segunda década do século XVI, porque ele nos da testemunho de um ambiente humanis- tico que estabelece a continuidade entre o mundo de Cataldo ¢ os anos trinta do século XVI. Alias, como atrés sugeri, € possivel que alguns dos epigramas aludam a Cataldo, como nio sera fantasia admitir que naquela declaragiio de Lourengo de Caceres, de que era no metro sdfico das odes que deviam elogiar-se os herdis, se encontre uma alusio a Cataldo, cujos poemas encomidsticos e outros, geralmente longos, sfio em hexametros e pentimetros dactilicos. Cataldo faleceu no muito depois de 1516 ¢ os versos de Caceres sio desta mesma década. Por outro lado, os elogios dos herdis continuardo a ser feitos em ritmos dactilicos, mas os metros horacianos das odes, particularmente 0 séfico, serfio usados mais tarde nos elogios dos santos. Todavia, o livro que considero mais notavel deste periodo € uma gramitica latina. Nao uma gramética qualquer, mas a Nowa gramma- tices marie matris dei uirginis ars, cuius author est magister Stephanus eques lusitanus, publicada em 1516. £ um livro extraordindrio, bem digno de uma tese de doutoramento. S¢ o seu prefacio dava para uma longa conferéncia: nifio apenas pelas questées que desvenda, como a existéncia de uma querela gramatical de antigos e modernos na Univer- sidade de Lisboa, mas também pelos conceitos sobre lingua e império, na sequéncia de Lourenco Valla e Antonio de Nebrija, ¢ ainda por outras questdes doutrinais. Sem me deter nos livros de Aires Barbosa, quer os de matéria gramatical, quer a Historia Apostolica de Arator, publicados entre 15H @ 1517, passo aos anos trinta. De 1527 € a primeira redaccio do De Platano de Joio Rodrigues de S4 de Meneses, de que j4 tratei em ‘Outtas ocasiées — livro verdadeiramente extraordindrio, pelo que nos revela da cultura intelectual e da circulagio de livros ¢ ideias, por ® tt volta de 1530, A segunda redacgllo é de 1537, com a resposta as Objeccdes do Juan Fernindes, professor de Retsrica na Universidade de Coimins Participam na diseussio Jorge Coelho, futuro secretirio latino go Infante D, Henrique, methor prosador ¢ epistolégrafo que poeta, e 1D. Miguel da Silva, entito bispo eleito ¢ futuro cardeal (1541) em Roma, 4 quem Baltasar Castiglione dedicara ja em 1527 1 Cortegiano. Em, Roma, para onde fugiv d edlera do rei D. Jodo IIL, ser poeta latino, cuja obra esti por coligir ¢ estudar. Em 1530, em Lovaina, André de Resende publica o Encomium wrbis et academiae Louaniensis, um louvor a Erasmo ¢ seus discipulos, © em 1531, ¢ 0 préprio Erasmo que faz publicar em Basileia 0 Carmen eruditum et elegans Angeli Andreae Resendii, aduersus stolidos poli. tioris litteraturae oblatratores. O autor usava entio o praenomen Angelus que sera substituido mais tarde pelo de Lucius. Além do eneémio que tanto encantou o humanista de Roterdio, que niio mais seri omitido entre os testimonia nas edigdes completas das suas obras, saidas depois da morte, em 1536, ai sio mencionados alguns dos seus admiradores portugueses, entre os quais D. Joao III que, como é sabido, pensou em trazer Erasmo para Coimbra. A morte do grande humanista deu origem em Portugal a poemas de André de Resende e de Nicolau Clenardo, flamengo que era pro- fessor do Infante D. Henrique, futuro cardeal e rei, Resende e Clenardo honraram a meméria de Erasmo. Aires Barbosa publicara neste ano de 1536, em Coimbra, Antimoria, Eiusdem nonnulla Epigrammata contra a Moria ou Elogio da Loucura de Erasmo. Alguns dos epigramas valem bastante mais do que a Antimoria. O poema é precedido de uma carta-preficio de Jorge Coelho em que este niio consegue esconder o despeito pela pouca atengdo que Erasmo lhe dera em vida. Entretanto, os portugueses no estrangeiro, e em particular na Flandres com a qual existia uma tradig&o de relagdes_principescas ¢ diplomaticas —a mae de Carlos o Temerario, morto em 1477, er Portuguesa —na Flandres, que se tornara um importante centro cul- tural da Europa, ao mesmo tempo que empério econdémico em relagdes com Portugal, os portugueses informavam e esclareciam sobre 0 que se passava no Oriente. André de Resende publica em Lovaina, em 1531, a Epitome rerum sestarum in India a Lusitanis, anno superiori, iuxta exemplum epistolac quam Nonius Cugna, dux Indiae maximus designatus, ad regem misit ex urbe Cananorio, IIIT Idus Octobris, Anno M.D.XXX. Igualmente em Lovaina, em 1539, Damido de Géis faz sair dos prelos os Commentari' rerum gestarum in India, anno MDXXXVIII, us _ Chegamos assim a 1537, ano da O termo transferéncia & sidade que j4 tinha estado em transferéncia da Universidade para mais honroso para a nossa Univer- Coimbra, nos séculos XIV ¢ XV, a lo XVI considerava-se de maior presti- gio falar da fundacdo da Universidade de Coimbra, em 1537, do que da sua transferéncia de Lisboa, Seja como for, este ano de 1537 € considerado por muitos como 0 do inicio do Humanismo Renascentista em Portugal. Outros, insis- findo em que o Humanismo Greco-Latino é um fenémeno tardio entre nds, consideram que ele s6 passa a existir em Portugal com a fundacdo do Colégio das Artes, em 1548. E como se tudo aquilo de que falei nesta pequena comunicacao, nunca tivesse existido. E notem que sobre 0 petiodo considerado, omiti muitos factos, nomes ¢ obras. Nao falei, por exemplo, do movimento humanistico na Corte onde em 1529, Rodrigo Sanches, mestre dos mogos da capela da rainha D. Catarina, assinava um recibo de dois Virgilios, dois Lucanos, um Horacio, dois Teréncios, duas Epistolas de Ovidio, dois Coléquios de Erasmo. Este Rodrigo Sanches fomenta na Corte a correspondéncia em latim, por volta de 1533, estimulado por Joana Vaz. Gostaria de dedicar as minhas iiltimas palavras a uma breve consi- deragéo sobre a poesia novilatina, com exclusio do teatro. O conhecido lugar comum sobre a falta de originalidade e de vida da poesia dos humanistas em latim, formulado, ha quase um século por Philippe Monnier, esti hoje muito mitigado. Poetas como Angelo Policiano, Michelle Marullo, Sannazaro, loannes Secundus ¢ outros sio agora considerados poetas por direito proprio. Entre nds, algumas composigées de André de Resende, Inacio de Morais, Diogo de Teive, Diogo Pires, para nao voltar a referir as Bucdlicas de Henrique Caiado, podem competir com o que de melhor se escreveu em portugués na Mesma época, excepcdo feita, naturalmente, de Camées. Outra nocio corrente é a de que a poesia latina escrita por portu- ‘Bueses se encontra toda ou quase toda, ¢ certamente a melhor, nos ‘ito volumes do Corpus Illustrium Poetarum Lusitanorum Qui Latine Scripserunt, publicado no século XVII. Nada mais falso. Nem 14 esta a maioria, mas apenas alguns, nem 08 melhores, se exceptuarmos Caiado, Manuel da Costa ¢ Anténio de Gouveia. Os quatro poetas, todos do século XVI, que ha pouco mencio- ‘Rei, como autores de poemas que rivalizam com os escritos em portu- _ Sues, a saber, Morais, Resende, Teive e Pires, figuram entre os ausentes. EB Stio na moda as antologias de poesia latina dos humanistas, para francés, inglés, italiano e alem&o. Possuimos no Centro 16 de Estudos Clissicos ¢ Humanisticos alguns desses livros, publicados em anos recentes. Na minha biblioteca pessoal, tenho outros, com. prados no estrangeiro. Nés fariamos melhor em publicar 0 nono volume do Corpus com as melhores poesias de alguns dos que Ié faltam. E a sugestio que aqui deixo como final desta comunicagao, demasiado breve para a importincia da matéria. N.B. A maior parte dos autores e obras referidos atras, encontra-se no livro de Isaltina das Dores Figueiredo Martins, Bibliografia do Humanismo em Portugal no século XVI. Coimbra, Centro de Estudos Classicos ¢ Humanisticos (I. N. I. C.), 1986. A ratio de D. Garcia de Meneses, pronunciada em 1481 fica, natu- ralmente, fora do ambito da Bibliografia. Mas pode ver-se, publicada ¢ traduzida por Américo da Costa Ramalho, Latim Renascentista em Portugal, Coimbra, Centro de Estudos Clissicos e Humanisticos (LN.I.C), 1985, pp. 2-25.

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