Sobrados e Mucambos - Uli
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O pai e o filho
Neste capítulo, Gilberto Freyre apresenta as mudanças na estrutura social brasileira focando
seu olhar nas relações geracionais. Para o autor, no Brasil patriarcal a relação entre o pai e
seus filhos era marcada por um traço de sadismo. O domínio do pai sobre o filho, assim como
do senhor sobre o escravo, era marcado pelo “gosto de judiar”. Os pais mandavam matar não
só os negros como os meninos e as moças, seus filhos. “Velhos ásperos para quem julgar e
justiçar a própria família era uma das imposições tristes, porém inevitáveis, da autoridade
patriarcal” (p.70). Freyre argumenta que esse sadismo segue para o sobrado, porém mais
amenizado.
No Brasil patriarcal, os meninos estudavam nos colégios de padres onde também era exercida
a pedagogia sádica, onde os pais autorizavam os padres castigar os meninos. Desse modo, o
meninos e jovens eram silenciados. É importante notar que através do colégio, os jesuítas
procuraram tirar da casa-grande duas de suas mais importantes funções: a de escola e de
igreja. Assim, embora a educação do Jesuíta tentasse diminuir a autoridade do senhor da casa-
grande ela também se empenhava em formar adultos passivos e subservientes.
A escola jesuíta foi importante para formar os primeiros bacharéis. Para Freyre, esses alunos
foram importantes elementos de urbanização e de universalização num meio que era
dominado pelos autocratas das casas grandes e dos sobrados patriarcais. Aí entra um
elemento importante na mudança na estrutura social brasileira que é a tendência ao
predomínio do espírito europeu e de cidade sobre o meio rural encarnados pelos pais e avôs.
É importante salientar que para Freyre foi através do esforço dos colégios em corrigir os “vícios
de linguagem” e em manter uma unidade linguística que o país conseguiu manter a integração
nacional. Através dos colégios de padre, a língua exerceu ação unificadora e urbanizadora da
sociedade brasileira.
Convém ressaltar a mudança no foco da educação, como o ensino de ciências úteis de modo a
torna o rapaz “mais apto a corresponder às necessidades do meio brasileiro, cuja transição do
patriarcado agrário para um tipo de vida mais urbano e industrial, exigia orientadores técnicos
bem instruídos (...)”. Para Freyre o meio em transição exigia o estudo dos problemas
econômicos criados pela mineração, pela industrialização, pelo declínio da economia baseada
simplesmente na monocultura ou no monopólio. Assim, aqui temos visão da transformação
que ocorria na economia brasileira. A força da educação acompanhou essa mudança e por sua
vez operou outras mudanças no plano social.
O ponto chave na relação geracional é a figura de Dom Pedro II. Por ser ainda um jovem
quando chegou ao posto de Imperador, a sua figura e mesmo a sua política (???) operaram
mudanças fundamentais. O patriarcado começava a se desestabilizar com a ação dos meninos,
agora moços formados, bacharéis, agindo na política. Dom Pedro II era protetor do moço
contra o velho no conflito que caracterizou seu reinado entre o patriarcado rural e as novas
gerações. Esses moços formados representaram uma nova ordem social e jurídica. Essa
ascensão do jovem foi tomada com resistência pelo poder patriarcal. Para o Imperador, esses
jovens eram seus aliados na sua política de urbanização e centralização, de ordem, de paz, de
tolerância e de justiça (p.82). De certo modo, o reinado de Dom Pedro II era antipatriarcal.
A mulher e o homem
Freyre demonstra nesse capítulo as transformações que se operaram nas relações de gênero
no processo de urbanização brasileiro. A mulher que era invisibilisada na casa-grande pela
ação do patriarca e mesmo pela Igreja, começa a mostrar certo grau de influência, ainda que
sobre o marido, no sobrado.
Foi característico do regime patriarcal o homem fazer da mulher uma criatura tão diferente
dele quanto possível. Ele, o sexo forte, ela o fraco; ele o sexo nobre, ela o belo. Para Freyre,
em sociedades notadamente do tipo patriarcal-agrário, à exploração da mulher pelo homem
convém a extrema especialização ou diferenciação dos sexos. Tal diferenciação em belo sexo e
sexo frágil, fez da mulher de senhor de engenho e de fazenda e mesmo da mulheres do
sobrado um ser artificial, mórbido. “Uma doente, deformada no corpo para ser serva do
homem e a boneca de carne do marido.”
Por essa diferenciação exagerada, se justifica o chamado padrão duplo de moralidade, dando
ao homem todas as liberdades de gozo físico do amor e limitando o da mulher. Gozo
acompanhado da obrigação, para a mulher, de conceber, parir, ter filho, criar menino.” Por
outro lado, Freyre nota que “através de toda a época patriarcal, houve mulheres, sobretudo
senhoras de engenho, em que explodiu uma energia social, e não simplesmente doméstica,
maior que a do comum dos homens.” Essas era quase matriarcas algumas com características
mais conservadoras outras mais liberais no tempo do Império.
No período patriarcal, nota-se um culto à mulher. Para Freyre “esse culto pela mulher, bem
apurado, é, talvez, um culto narcisista do homem patriarcal, do sexo dominante, que se serve
do oprimido – dos pés, das mãos, (...) como alguma coisa de quente e doce que lhe amacie e
lhe excite e lhe aumente a volutuosidade e o gozo. O homem patriarcal se roça pela mulher
macia, frágil, fingindo adorá-la, mas na verdade para sentir-se mais forte, mais sexo nobre,
mais sexo dominador.”
Assim, percebemos aqui a extrema subordinação da mulher ao homem através desse alto grau
de diferenciação. Além de invisibilisada, a mulher também era imobilizada, restingindo a sua
circulação ao interior da casa-grande. Com a decadência do patriarcalismo rural é que as
mulheres começaram a ter possibilidade de mobilidade através do cavala. Aí apareceram as
primeiras amazonas de engenho: “as senhoras que montavam a cavalo sentadas de lado...”.
Gilberto Freyre insiste nas diferenças biológicas entre os sexos e mesmo de suas
predispocisões para determinadas atividades, muito embora afirme que os fatos
socioeconômico e cultural são determinantes na definição dos papéis. Nessa questão, Freyre
traça uma discussão com Boas, criticando a desqualificação que seus discípulos fazem da
categoria raça e das diferenças biológicas. Freyre argumenta e insiste na diferenciação física
entre os sexos e as raças, no entanto para ele o erro de interpretação dos antropólogos recaia
na idéia de superioridade de uma raça por outra, ou de um sexo por outro, o que seria um erro
de análise.
Segundo Freyre, imperou no Brasil patriarcal um subjetivismo dos homens da classe
dominante ralo e medíocre, havendo uma ausência completa de objetividade. Ele acredita que
o caráter objetivo da mulher com seu maior realismo prático, como ele coloca, daria à política
brasileira uma grande contribuição, no entanto ela era calada pelo poder patriarcal.
Nesse processo de urbanização aparece uma figura de grande importância para a mulher. O
médico de família. Esse pode ser visto como um mediador entre a vida social e a mulher. O
confessionário deu lugar as escutas do médico. Era também a aproximação da mulher com um
homem que não fosse da família. Isso marcou a nova fase na situação da mulher. O médico foi
para a mulher um meio de desafogar-se da opressão patriarcal e da clerical.
Outros mediadores surgem também nessa relação com a mulher como o mestre-regio, o
presidente da província, o juiz, o chefe de policia. A medida que outras instituições cresceram
em torno da casa-grande foram diminuindo e despretigiando a sua influência. Assim “com a
ascendência dessas figuras, a figura da mulher foi, por sua vez, libertando-se da excessiva
autoridade patriarcal, e, com o filho e o escravo – ou seja , as outras figuras oprimidas –
elevando-se jurídica e moralmente”.
Interessante observar que nesse processo, as mulheres se deixavam raptar por seus amores.
Esses raptos marcam de maneira dramática, o declínio da família patriarcal no Brasil e o
começo da instável e romântica. A ascensão do mulato e do bacharel – através de uniões com
mulheres de sobrenome tradicional – acentuou-se através desses raptos; mas também a
ascensão da mulher.
Outra figura importante que surge nesse período é o juiz de justiça que se intrometeu na
relação do pai com a filha. Sendo ela maior de idade, o pai já não podia desautorizar essas
uniões realizadas através do rapto.
É bastante interessante pontuar que no fim do capítulo em que Freyre trata da relação
homem-mulher, foi a extrema divisão do trabalho que se dá nesse processo de urbanização,
desenvolvendo-se uma gama de serviços dos quais muito convinham à vida da mulher. É na
cidade que surgem as farmácias, sorveterias, cocheiras, armazéns, ferragens, casa de médicos,
relojoarias, colégios, bancos e cafés. Aqui podemos relembrar a perspectiva de Simmel, para
quem as cidades são acima de tudo o lugar de divisão econômica do trabalho mais avançada,
dando-se aí a criação de novas demandas e conseqüentes especialidades.
O sobrado e o mucambo
Para Freyre, os antagonismos entre as matrizes culturais africana, portuguesa e indígena, antes
em equilíbrio dentro da casa-grande, foram intensificados com a urbanização. “o equilíbrio
entre os brancos de sobrado e pretos, caboclos e pardos livres dos mucambos não seria o
mesmo que entre os brancos das velhas casas-grandes e os negros das senzalas.” Por outro
lado, Freyre aponta que apesar da acentuação desses antagonismos, havia uma maior
possibilidade de ascensão social nas cidades para os escravos e filhos de escravos. Para ele, a
miscigenação “amaciou” esses antagonismos extremos.
Segundo o autor, a casa-grande tinha uma grande função que era a de guardar mulheres e
valores. Assim, o sobrado da cidade ainda haveria de conservar tal função, desenvolvendo-se,
sobretudo através de sua arquitetura, um inimigo da rua. Era preciso ainda guardar mulheres e
valores. Os muros grandes com cacos de vidros e os quartos sem janela dos sobrados
representavam essa tentativa de proteção.
A reeuperização dos costumes, sobretudo feminino, passou através da arquitetura que foi
gradualmente se transformando. Os sobrados, agora com varandas que davam para a rua
proporcionou uma “desorientalização” da vida da mulheres no Brasil.” Como aponta Freyre, “a
varanda e o caramanchão marcam uma das vitórias da mulher sobre o ciúme sexual do
homem e uma das transigências do sistema patriarcal com a cidade antipatriarcal.” (p.154)
Nesse processo de urbanização, Freyre marca a libertinagem que passava a se dar nas cidades.
Nesse ponto, podemos observar o surgimento das “mulheres de janela” ou as também
chamadas “mulheres públicas”. Grande parte dessas mulheres passaram a vir da Europa,
majoritariamente, francesas e polacas.
Acrescenta nesse ponto o surgimento de outros personagens que davam vasão a essa
libertinagem como os cocheiros e vendedoras de doces. Acreditava-se que nesse período
ocorria uma “dissolução dos costumes”. Alem da libertinagem, o uso do álcool de modo mais
intensificado também foi característico nesse processo.
- artigo Luis Fernando: psicanálise surgindo comom mediação entre psiquiatria, educação
(Arthur ramos) ortofrenia.
Como Gilberto Velho chama atenção, Freyre dialoga com várias e diferentes correntes
teóricas. Nesse sentido, podemos identificar uma perspectiva de influência marxista quando
Freyre faz a análise da alimentação diferenciada entre as classes sociais assim como elucida a
concentração dos meios de produção por uma elite. Ele aponta para o monopólio dos meios
de produção por uma elite focado na monocultura o que acaba por afetar o abastecimento das
cidades. “É das que marcam com nitidez a supremacia da economia privada sobre a pública;
dos interesses particulares, sobre os gerais. Supremacia tão ostensiva na formação brasileira.”
(p. 168)
O monopólio se estendia as atividades marítimas. Assim, Freyre argumenta que “a raiz do mal
talvez fosse o sistema econômico: os sobrados, as casas-grandes, as chácaras estendendo seu
poder mar a dentro, ou se assenhoreando do produto das pescarias através dos negros
pombeiros; dominando esse comercio, do mesmo modo que dominando, ou então
dificultando, o de carne verde, o de cereais e legumes, o de leite, o da própria água de
beber...” (p. 174)
Os abusos da monocultura do café e do açúcar no meado do século XIX foi a responsável pela
falta de alimento nas províncias onde ai se realizavam. Esses abusos se acentuaram sob o
liberalismo econômico do Império. Assim, os monocultores se beneficiavam dos lucros da
Ainda no que diz respeito aos aspectos econômicos, o surto do café representou a transição da
economia patriarcal para a industrial desenvolvendo-se, com isso, a escravidão industrial, a
qual muitos escravos temiam, pois mudam as relações que estabeleciam com a família
tornando-se operários, “máquinas de fazer dinheiro”(p.178).
A situação social podia ser observada a parir da diferenciação dos elementos utilizados na
construção das casas. Aqui observamos os contrastes das habitações: sobrados, casas-grandes,
casas de sítio ou chácaras habitados pelas elites e as senzalas, os mucambos e os cortiços
habitadas majoritariamente por negros fugidos ou libertos. A cidade aumentou e com ela os
cortiços que se estendiam aos morros. Para Freyre, o mucambo se generalizou no pais devido
a pobreza e ao nomadismo da população, por sua situação de constante mobilidade social
tanto horizontal quanto vertical.
“De modo que a casa ideal para as regiões tropicais do Brasil não seria a que desprezasse o
material empregado pelos indígenas e pelos africanos nem o seu plano de construção (...) A
casa ideal para estas regiões seria a que utilizasse melhor a experiência dos indígenas e a dos
africanos” (231)