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Literatura Brasileira Prosa

Material Teórico
Pré-Modernismo e Modernismo

Responsável pelo Conteúdo:


Profa. Dra. Vivian Steinberg

Revisão Textual:
Profa. Ms. Silvia Augusta Albert
Pré-Modernismo e Modernismo

• Introdução

• Monteiro Lobato

• Oswald de Andrade (1890-1954) - Memórias


Sentimentais de João Miramar (1924)

• Modernismo no Brasil

• Considerações Finais

Estudaremos “Urupês” de Monteiro Lobato e Memórias


Sentimentais de João Miramar. O primeiro marca o surgimento
do personagem caipira na prosa brasileira, tentando desmistificar
as personagens românticas de nossa prosa. O segundo é a
estreia do modernismo brasileiro em romance com todas as
inovações que esse novo olhar contempla.

É importante que você leia o conto e o romance na íntegra. Leia os manifestos sugeridos,
veja os vídeos sobre esse período na história literária do Brasil e os filmes que foram feitos a
partir de romances dessa época, como o filme Macunaíma, um clássico do cinema nacional;
que acompanhe o desenvolvimento dos manifestos do modernismo como o teatro de José
Celso Martinez e o Tropicalismo, na música popular brasileira. Há muito material desse
período disponível na internet. É um momento decisivo nas artes brasileiras.

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Unidade: Pré-Modernismo e Modernismo

Contextualização

O começo do século no Brasil mostrou uma notória efervescência no mundo intelectual e


artístico que desencadeou a “Semana de Arte Moderna” nos dias 13 a 17 de fevereiro de 1922.
Transportar-se para outra época é fundamental para a compreensão do momento histórico.

Há um documentário de Roberto Moreira que expõe os momentos fundamentais da trajetória


do Modernismo no Brasil. Faz parte da iniciativa do Itaú Cultural de pesquisar e de divulgar
os Aspectos da Cultura Brasileira. Disponível em: https://youtu.be/pO4t9UmF2us.

Há uma convergência entre várias expressões artísticas dessa época. A pintura, a seguir,
de Tarsila do Amaral, por exemplo, foi fundadora do tema para o manifesto histórico de
Oswald de Andrade.

Tarsila do Amaral, óleo sobre tela, 1929.

O quadro acima foi batizado de “Antropofagia”, de Tarsila do Amaral, e representa a junção


de duas obras da pintora: “Abaporu” e “A Negra” , a qual deu nome ao manifesto Antropófago
que foi publicado no primeiro número da Revista de Antropofagia, em 1º de maio de 1928.

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Manifesto Antropófago
Oswald de Andrade

Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.


(...)
Tupy, or not tupy is the question.
Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos.
Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago.
(...)
O que atrapalhava a verdade era a roupa, o impermeável entre o mundo interior e o mundo exterior.
A reação contra o homem vestido. O cinema americano informará.
(...)
in: SWARTZ, Jorge. Vanguardas latino-americanas - Polêmicas, manifestos e textos críticos. São
Paulo: EDUSP-Iluminuras, 1995. (p.142-147).
Essas manifestações influenciaram toda a literatura brasileira posterior e também outras expressões
artísticas como o teatro de José Celso Martinez e o movimento musical conhecido como Tropicalismo
ou movimento tropicalista, cujos maiores representantes foram Caetano Veloso, Gilberto Gil, Torquato
Neto, Os Mutantes e Tom Zé.

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Unidade: Pré-Modernismo e Modernismo

Introdução

Caro aluno, o nosso percurso ocorre no começo do século XX,


Wikimedia Commons

num momento perturbado mundialmente e também no Brasil,


com a instauração da “Era Vargas”, depois da Proclamação da
República, em 15 de novembro de 1894, e a quebra da República
Velha (1894-1930).

“República velha”

A “República Velha” representou o poder das oligarquias rurais no cenário político e econômico brasileiro.
A República Velha, ou Primeira República, é o nome dado ao período compreendido entre a
Proclamação da República, em 1889, e a eclosão da Revolução de 1930.
(...) a República Velha é dividida em dois momentos: a República da Espada e a República
Oligárquica.
A República da Espada abrange os governos dos marechais Deodoro da Fonseca e Floriano
Peixoto. Foi durante a República da Espada que foi outorgada a Constituição que iria nortear as
ações institucionais durante a Primeira República. Além disso, o período foi marcado por crises
econômicas, como a do Encilhamento, e por conflitos entre as elites brasileiras, como a Revolução
Federalista e a Revolta da Armada.
A República Oligárquica foi marcada pelo controle político exercido sobre o governo federal pela
oligarquia cafeeira paulista e pela elite rural mineira, na conhecida “política do café com leite”. Foi
nesse período que se desenvolveu ainda mais fortemente o coronelismo, garantindo poder político
regional às diversas elites locais do país.
O período marca também a ascensão e queda do poder econômico dos fazendeiros paulistas, baseado
na produção do café para a exportação. Além disso, os capitais acumulados com a exportação do
produto garantiram o início da industrialização do país, ao menos na região Sudeste.
Essa industrialização proporcionou mudanças na estrutura social brasileira, com a formação de
uma classe operária e o crescimento do espaço urbano. As mudanças políticas e sociais, também
conhecidas pelo termo modernização, resultaram ainda em agudos conflitos sociais, tanto no
campo, como no caso da Guerra de Canudos, quanto nas cidades, como a Revolta da Vacina e as
greves operárias na década de 1910.
A crise das oligarquias rurais e a crise econômica mundial, atingindo profundamente a produção
cafeeira, representaram a agonia da República Velha. A insatisfação com a eleição de Júlio Prestes,
em 1930, deu à elite os motivos para derrubar os fazendeiros paulistas que estavam no poder,
através da Revolução de 1930. Era o fim da República Velha e o início da Era Vargas.
Por Tales Pinto
Graduado em História
Disponível em: http://www.brasilescola.com/historiab/republica-velha-1889-1930.htm (acesso: 1/10/2014)

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Nesta unidade, vamos estudar um texto inicial de José Bento Monteiro Lobato (1882-1948)
“Urupês”, publicado no final de 1914. Nessa data, foram publicados dois artigos: “ Velha Praga” e
“Urupês”, no jornal “O Estado de S. Paulo”. Devido à repercussão, o autor se sentiu autorizado a
se dedicar à literatura, então vende a fazenda que herdou do avô, vem para São Paulo, e entrega-
se à Literatura e a outras atividades afins: compra a Revista do Brasil, na qual passa a trabalhar,
e inaugura uma editora, impulsionando o processo de edição e distribuição de livros no Brasil. O
artigo foi publicado em seu primeiro livro de contos e deu nome ao livro, cuja primeira edição data
de 1920. Esse é o começo de uma longa carreira literária, recheada de polêmicas.

Monteiro Lobato

“Universo paralelo - fiapos de biografia de Monteiro Lobato”

Vamos ler trechos de uma biografia comentada de Monteiro Lobato, escrita por Maria Angélica Ferrasoli:
“Universo paralelo”.
Assim começam muitas cronologias e biografias: “Aos 18 de abril de 1882 nasce em Taubaté,
demonstrando desde muito cedo grande interesse pela escrita, pintura e desenho... Ao completar
18 anos, ingressa na Faculdade de Direito...”. Muito chato, não é mesmo? Algumas, porém, não
deveriam jamais merecer tal maçante destino. Muito menos a do homem do porviroscópio, aquele
que antecipava o porvir, ou a do verdadeiro “furacão na Botocúndia”, o escritor que revolucionou
a literatura infantil, mandou às favas os rapapés ortográficos de sua época e impulsionou o processo
de edição e venda de livros no Brasil. Você já sabe que se trata de Monteiro Lobato. Mas faz de conta
que, bem a calhar, estamos no mundo do faz-de-conta e ainda não caiu a ficha, certo? Então, vamos
lá: prove um pouco do pó de pirlimpimpim.
Primeira dica: ele não era o Peter Pan, embora pudesse ter vestido a carapuça do menino fantástico e
destemido. Mas, longe da Terra do Nunca, depois do tuim tradicional causado pelo pó, vamos pisar
mesmo é no ano de 1919, bem na esquina da Rua Boa Vista com a Ladeira Porto Geral, no centro
de São Paulo. Ali funciona a Revista do Brasil. Está em sua 47ª edição. Seu proprietário esmera-se em
produzir o editorial.
“Há por aí inúmeros artistas populares, abafados, asfixiados pela indiferença ambiente, sem meios de
alcançar a publicidade (...) a Revista abre-se a todos eles...” O convite, democrático, é mais uma das
muitas empreitadas de José Bento Monteiro Lobato, o primeiro brasileiro a compreender que crianças
são seres pensantes e inteligentes e, talvez tarde demais, a compreender também que o progresso de seu
país nunca esteve nas mãos de gente do mesmo naipe.
O Monteiro Lobato do Sítio do Picapau Amarelo não é novidade para quase ninguém, nem seu mérito
questionável. “À minha filha e a todos os meninos e meninas de sua idade, cujos pais estavam em
condições de comprar um livro, Lobato deu uma infância maravilhosa, que minha geração não conhecera,
na falta de boas histórias nacionais para crianças”, atestou o mineiro Carlos Drummond de Andrade. O
poeta de Itabira, porém, não deixou de acrescentar que, no entanto, “a lição maior de Lobato é sua
própria e tumultuosa riqueza humana”.
(...)
Disponível em: http://lobato.globo.com/novidades/novidades01.asp – Acesso: 3/10/2014.

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Unidade: Pré-Modernismo e Modernismo

O texto de Maria Angélica Ferrasoli, embora num tom coloquial, apontou para algumas
vertentes desse escritor: a versatilidade, um intelectual que escrevia sobre os acontecimentos
políticos, culturais e econômicos; um homem que revolucionou a literatura infantil; e que se
preocupou em publicar, traduzir e vender livros pelo Brasil todo, democratizando a literatura.
Como finaliza esse trecho, com palavras de Carlos Drummond de Andrade: “a lição maior de
Lobato é sua própria e tumultuosa riqueza humana”.
Perseguindo a questão da identidade brasileira, que necessariamente passa pelos textos
literários, “Urupês” é um dos primeiros artigos a ser considerado no que diz respeito à definição
de um “caráter brasileiro”. O autor contrapõe o idealizado indianismo de José de Alencar ao
degradado realismo rural do caipira, de acordo com Jorge Schwartz1, que descreve o caminho
de Lobato em relação a seu personagem Jeca Tatu da seguinte forma:
Talvez influenciado pelas teorias racistas ainda vigentes, (...) Lobato i dentifica
no caboclo uma espécie de indolência inata - antes atribuída aos índios e
aos negros -, causa dos males do país.(...).
O dinâmico criador de Jeca Tatu não demora a mudar radicalmente de posição
ao perceber que o problema não é de ordem genética, mas estrutural. Aliando-
se a um programa nacional de saneamento público contra a verminose que
assolava a população caipira, Lobato percebe que há possibilidade de mudar
socialmente o caboclo, caso lhe sejam dadas as condições. Passa assim para
uma posição diametralmente oposta 2.

Monteiro Lobato sempre esteve envolvido em questões polêmicas. O texto, publicado em


1914, é impregnado por teorias racistas, mas o autor ousa rever seu personagem e denuncia
o descaso nacional em relação à população marginal - aqueles que não vivem nos centros
urbanos, os trabalhadores rurais, os caipiras paulistas, principalmente em relação a um tema
ainda fundamental como o saneamento básico e a cegueira que toma conta das autoridades em
relação à sociedade periférica, o olhar das autoridades não os enxerga, como se não existissem.
Vamos ler o começo de “Urupês“:
Urupês – Monteiro Lobato
Esboroou-se o balsâmico indianismo de Alencar ao advento dos Rondons
que, ao invés de imaginarem índios num gabinete, com reminiscências de
Chateaubriand na cabeça e a Iracema aberta sobre os joelhos, metem-se a
palmilhar sertões de Winchester em punho.
Morreu Peri, incomparável idealização dum homem natural como o sonhava
Rousseau, protótipo de tantas perfeições humanas que no romance, ombro a
ombro com altos tipos civilizados, a todos sobrelevava em beleza d’alma e corpo.
Contrapôs-lhe a cruel etnologia dos sertanistas modernos um selvagem real, feio
e brutesco, anguloso e desinteressante, tão incapaz, muscularmente, de arrancar
uma palmeira, como incapaz, moralmente, de amar Ceci.
Por felicidade nossa – a de D. Antonio de Mariz – não os viu Alencar; sonhou-
os qual Rousseau. Do contrário lá teríamos o filho de Arará a moquear a linda
menina num bom braseiro de pau brasil, em vez de acompanhá-la em adoração
pelas selvas, como o Ariel benfazejo do Paquequer.

1 SWARTZ, Jorge. Vanguardas latino-americanas - Polêmicas, manifestos e textos críticos. São Paulo: EDUSP-Iluminuras, 1995.
(p.539-548).
2 id. ibidem. p.540-541.

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A sedução do imaginoso romancista criou forte corrente. Todo o clã plumitivo
deu de forjar seu indiozinho refegado de Peri e Atala. Em sonetos, contos e
novelas, hoje esquecidos, consumiram-se tabas inteiras de aimorés sanhudos,
com virtudes romanas por dentro e penas de tucano por fora.
Vindo o público a bocejar de farto, já céptico ante o crescente desmantelo do
ideal, cessou no mercado literário a procura de bugres homéricos, inúbias,
tacapes, borés, piágas e virgens bronzeadas. Armas e heróis desandaram
cabisbaixos, rumo ao porão onde se guardam os móveis fora de uso, saudoso
museu de extintas pilhas elétricas que a seu tempo galvanizaram nervos. E lá
acamam poeira cochichando reminiscências com a barba de D. João de Castro,
com os frankisks de Herculano, com os frades de Garrett e que tais…
Fonte: Publicado em O Estado de S.Paulo, 1914. Todas as referências estão em: LOBATO,
Monteiro. “Urupês” in Urupês. São Paulo: Globo, 2012.

No começo do artigo, Lobato critica o ideal do índio criado por José de Alencar, que
influenciado pelo francês Chateaubriand e Rousseau, criou Iracema e Peri. No momento que
escreve, sabe que Rondons não imaginam os índios, mas, lidam com a realidade, “palmilham
os sertões”. Não é uma crítica apenas ao escritor, mas a uma forma de pensar, a de idealizar o
outro, no caso o índio.

O autor se refere ao Marechal Rondon (1865-1958), responsável por desbravar terras, que
realizou expedições com o objetivo de explorar a região Amazônica, estabeleceu relações cordiais
com os índios. Em 1899, participou das articulações que resultaram na proclamação da república
brasileira, junto com Benjamin Constant.

E Monteiro Lobato, continua em seu texto:


Não morreu, todavia.
Evoluiu.
O indianismo está de novo a deitar copa, de nome mudado. Crismou-se de “caboclismo”.
O cocar de penas de arara passou a chapéu de palha rebatido à testa; o ocara virou rancho
de sapé; o tacape afilou, criou gatilho, deitou ouvido e é hoje espingarda troxadal o boré
descaiu lamentavelmente para pio de inambu; a tanga ascendeu a camisa aberta ao peito.
Mas o substrato psíquico não mudou: orgulho indomável, independência, fidalguia, coragem,
virilidade heróica, todo o recheio em suma, sem faltar uma azeitona, dos Perís e Ubirajaras.
Estes setembrino rebrotar duma arte morta inda se não desbagoou de todos os frutos. Terá o
seu “I Juca Pirama”, o seu “Canto do Piaga” e talvez dê ópera lírica.
Mas, completado o ciclo, virão destroçar o inverno em flor da ilusão indianista os prosaicos
demolidores de ídolos – gente má e sem poesia. Irão os malvados esgaravatar o ícone com
as curetas da ciência. E que feias se hão de entrever as caipirinhas cor de jambo de Fagundes
Varela! E que chambões e sornas os Peris de calça, camisa e faca à cinta!
Isso, para o futuro. Hoje ainda há perigo em bulir no vespeiro: o caboclo é o “Ai Jesus!” nacional.
É de ver o orgulhoso entono com que respeitáveis figurões batem no peito exclamando com
altivez: sou raça de caboclo!

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Unidade: Pré-Modernismo e Modernismo

Anos atrás o orgulho estava numa ascendência de tanga, inçada de penas de tucano, com
dramas íntimos e flechaços de curare.
Dia virá em que os veremos, murchos de prosápia, confessar o verdadeiro avô: – um dos
quatrocentos de Gedeão trazidos por Tomé de Souza¹ num barco daqueles tempos, nosso
mui nobre e fecundo “Mayflower”.
Porque a verdade nua manda dizer que entre as raças de variado matiz, formadoras da
nacionalidade e metidas entre o estrangeiro recente e o aborígene de tabuinha no beiço,
uma existe a vegetar de cócoras, incapaz de evolução, impenetrável ao progresso. Feia e
sorna, nada a põe de pé.
Quando Pedro I lança aos ecos o seu grito histórico e o país desperta estrouvinhado à crise
duma mudança de dono, o caboclo ergue-se, espia e acocora-se de novo.
(LOBATO, Monteiro. “Urupês” in Urupês. São Paulo: Globo, 2012).

Nesse trecho, Lobato diz que o ideal do índio mudou para o ideal do caboclo. Todas as
virtudes que cabiam ao índio literário, agora pertencem ao caboclo: “orgulho indomável,
independência, fidalguia, coragem, virilidade heroica” e que ainda vai existir obras de arte
inspiradas nesse ideal de homem. Mas que, na posteridade, vai-se perceber a realidade do povo
que é uma mistura entre o índio e o estrangeiro. Lobato descreve pejorativamente o degradado
realismo rural do caipira, descrevendo com humor a atitude que tiveram ao ouvir a declaração
da independência: o caboclo deu uma espiada e voltou a se acocorar.
Lobato está impregnado pelas teorias racistas da época e continua a descrição de atitudes, cria
uma personagem: Jeca Tatu, que é preguiçoso e acomodado. Esse personagem é um estereótipo,
uma generalização, um personagem de história em quadrinhos. Ao mesmo tempo, há uma
denúncia social, chamando a atenção para o descaso que existe para toda uma população
encoberta por teorias idealistas.

Depois, o autor descreve o personagem em “ação”:


(...)
Jeca Tatu é um piraquara do Paraíba, maravilhoso epítome de carne onde se resumem todas
as características da espécie.
Ei-lo que vem falar ao patrão. Entrou, saudou. Seu primeiro movimento após prender entre
os lábios a palha de milho, sacar o rolete de fumo e disparar a cusparada d’esguicho, é
sentar-se jeitosamente sobre os calcanhares. Só então destrava a língua e a inteligência.
- Não vê que…
De pé ou sentado as idéias se lhe entramam, a língua emperra e não há de dizer coisa com coisa.
De noite, na choça de palha, acocora-se em frente ao fogo para “aquentá-lo”, imitado da
mulher e da prole.
Para comer, negociar uma barganha, ingerir um café, tostas um cabo de foice, fazê-lo noutra
posição será desastre infalível. Há de ser de cócoras.
Nos mercados, para onde leva a quitanda domingueira, é de cócoras, como um faquir do
Bramaputra, que vigia os cachinhos de brejaúva ou o feixe de três palmitos.

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Pobre Jeca Tatu! Como és bonito no romance e feio na realidade!
Jeca mercador, Jeca lavrador, Jeca filósofo…
Quando comparece às feiras, todo mundo logo advinha o que ele traz: sempre coisas que
a natureza derrama pelo mato e ao homem só custa o gesto de espichar a mão e colher
– cocos de tucum ou jissara, guabirobas, bacuparis, maracujás, jataís, pinhões, orquídeas
ou artefatos de taquara-poca – peneiras, cestinhas, samburás, tipitis, pios de caçador ou
utensílios de madeira mole – gamelas, pilõesinhos, colheres de pau.
Nada Mais.
Seu grande cuidado é espremer todas as conseqüências da lei do menor esforço – e nisto
vai longo.
Começa na morada. Sua casa de sapé e lama faz sorrir aos bichos que moram em toca e
gargalhar ao joão-de-barro. Pura biboca de bosquimano. Mobília, nenhuma. A cama é uma
espipada esteira de peri posta sobre o chão batido.
Às vezes se dá ao luxo de um banquinho de três pernas – para hóspedes. Três pernas
permitem equilíbrio inútil, portanto, meter a Quarta, o que ainda o obrigaria a nivelar o
chão. Para que assentos, se a natureza os dotou de sólidos, rachados calcanhares sobre os
quais se sentam?
(...)
LOBATO, Monteiro. “Urupês” in Urupês. São Paulo: Globo, 2012.

Para aprofundar os seus estudos acerca do tema


estudado, é importante ler a obra na íntegra.

Lobato criou um personagem típico, um estereótipo como


qualquer personagem de história em quadrinhos. O humor
que lhe é atribuído é pelo exagero e grotesco, além de ser
acomodado a seu destino. Pinta o Jeca Tatu com tintas
fortes, e assim ficou imortalizado o personagem e criticado
seu autor, que ao longo da vida se redimiu, criando outros
personagens como o Jeca Tatuzinho (1924), e o Zé Brasil
(1947). Mudou radicalmente de posição ao perceber que
o problema não é de ordem genética, mas estrutural.
Denuncia a falta de saneamento público contra a verminose
que assolava a população caipira. O Jeca Tatu passa a ser
visto como vítima do sistema, e assim ficou conhecido o
slogan: “O jeca não é assim: está assim”.

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Unidade: Pré-Modernismo e Modernismo

A editora Globo está reeditando toda a obra de Monteiro Lobato com muito esmero,
organizou vários artigos que saíram na imprensa sobre o autor no site: http://lobato.
globo.com/novidades/novidades49.asp. Recomendamos o artigo, já comentado
de Maria Angélica Ferrasoli: “Universo paralelo”. Há links relacionados a Monteiro
Lobato: http://lobato.globo.com/rede_link.asp. Há um livro de ensaios sobre a obra
adulta de Monteiro Lobato: Monteiro Lobato - livro a livro, com organização de
Marisa Lajolo, da editora unesp.
Há um artigo de Monteiro Lobato sobre Machado de Assis, escrito em 1939,
disponível no site http://lobato.globo.com/novidades/novidades66.asp

Vimos um pouco da obra adulta de Monteiro Lobato, mas não podemos deixar de comentar
sobre a obra infantil desse autor, o introdutor dessa literatura no Brasil. Ele via a criança como
um ser, não como um mini adulto como até então as crianças eram tratadas. Escreveu para
seu amigo: “Ainda acabo fazendo livros onde as nossas crianças possam morar.”3. Criou,
então, o Sítio do Pica-pau Amarelo, que mistura o real e o maravilhoso numa só realidade
literária, como uma realidade melhor que o mundo dos adultos - “bichos sem graça”. A
República ideal é a das crianças, elas que poderiam modernizar a sociedade. Essa obra foi
um divisor de águas na literatura infantil brasileira. Publicado em 1920, com o título de A
menina do narizinho arrebitado, sai, posteriormente, em 1921, outra edição com o título
definitivo, Reinações de Narizinho.
A personagem mais peculiar dessa obra, e mais significativa, vista como um alter ego de
Lobato, é a boneca de pano, a Emília. Feita por Tia Nastácia com retalhos de uma velha saia,
com o corpo desajeitado, com olhos de retrós preto, sobrancelha meio fora do lugar e recheio
de macela, para Narizinho, o apelido de Lúcia. A boneca nasceu muda, mas o doutor Caramujo
curou a mudez da boneca com uma pílula falante. Vamos ler, a seguir, dois trechos do livro
Reinações de Narizinho:
(...)
Na casa ainda existem duas pessoas — tia Nastácia, negra de estimação que carregou Lúcia
em pequena, e Emília, uma boneca de pano bastante desajeitada de corpo. Emília foi feita
por tia Nastácia, com olhos de retrós preto e sobrancelhas tão lá em cima que é ver uma
bruxa. Apesar disso Narizinho gosta muito dela; não almoça nem janta sem a ter ao lado,
nem se deita sem primeiro acomodá-la numa redinha entre dois pés de cadeira.
(...)
Veio a boneca. O doutor escolheu uma pílula falante e pôs-lhe na boca.
— Engula duma vez! — disse Narizinho, ensinando à Emília como se engole pílula. E não
faça tanta careta que arrebenta o outro olho.
Emília engoliu a pílula, muito bem engolida, e começou a falar no mesmo instante. A
primeira coisa que disse foi: “Estou com um horrível gosto de sapo na boca!” E falou, falou,
falou mais de uma hora sem parar. Falou tanto que Narizinho, atordoada, disse ao doutor
que era melhor fazê-la vomitar aquela pílula e engolir outra mais fraca.
— Não é preciso — explicou o grande médico. — Ela que fale até cansar. Depois de algumas
horas de falação, sossega e fica como toda gente. Isto é “fala recolhida”, que tem de ser
botada para fora.

3 Carta a Godofredo Rangel, Rio de Janeiro, 7/5/1926).

14
E assim foi. Emília falou três horas sem tomar fôlego. Por fim calou-se.
— Ora graças! — exclamou a menina. (...)
(LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. São Paulo: Círculo do Livro, 1986).

Assim surge a voz transgressora da personagem que subverte a ordem do mundo adulto, no
Sítio. Ela ficou conhecida como torneirinha de asneiras e criou o verbo “asneirar”. Emília foi
comparada ao personagem modernista, Macunaíma, fazendo-lhe uma contraposição, ou seja,
um outro olhar para montarmos a identidade polifônica do Brasil.
Gabriela Romeu4 cita Laura Sandroni, no livro De Lobato a Bojunga: “Vista por muitos como
o alter ego de Lobato, através de quem ele emite os seus pontos de vista, denuncia os absurdos
do mundo civilizado, ri da empáfia dos sábios e poderosos. Sendo uma boneca, embora evolua
e vire gente de verdade, ela está livre das obrigações sociais impostas pela educação à criança.
Ela pode dizer o que pensa sem nenhum tipo de coerção”, afirma.
Conhecemos, assim, outro personagem para montarmos o palimpsesto da identidade
polifônica brasileira.

Sobre Emília:
Ler, na íntegra, o artigo: “Independência ou morte em Emília - a voz transgressora
de Lobato” de Gabriela Romeu, disponível em: http://www.revistaemilia.com.br/
mostra.php?id=46
Ler “Nem tudo tá dominado” de Amália Safatle. Disponível em: http://lobato.globo.
com/novidades/novidades49.asp

Sobre a polêmica atual:
Em relação à censura sobre as obras infantis de Monteiro Lobato, alegando termos
preconceituosos, ou politicamente incorretos, há dois artigos de Márcia Leite em:
http://www.revistaemilia.com.br/mostra.php?id=258

Depois de Lobato, vamos conhecer outro autor, transgressor como Emília, e figura marcante
no movimento modernista brasileiro.

4 Em “Independência ou morte em Emília - a voz transgressora de Lobato”. Disponível em: http://www.revistaemilia.com.br/mostra.php?id=46.


(acesso 6/10/2014).

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Unidade: Pré-Modernismo e Modernismo

Oswald de Andrade (1890-1954) - Memórias Sentimentais de João Miramar (1924)

Vamos dar um novo passo na aventura brasileira na modernidade com o romance


“Memórias sentimentais de João Miramar” de Oswald de Andrade. Esse que foi
comparado a Ulysses, de James Joyce, por Haroldo de Campos, em relação às novidades
experimentais do “romance”, e considerado um divisor de águas da nossa prosa. O próprio
autor sentia essas experiências como invenções.
O romance sai em 1924, dedicado a Paulo Prado e Tarsila do Amaral, com capa ilustrada
pela pintora. Mário de Andrade, numa carta a Manuel Bandeira, datada de 1923, escreveu
“Osvaldo e Sérgio chegam em dezembro. (...). Osvaldo traz um romance Memórias de João
Miramar - segundo me contam interessantíssimo, moderníssimo, exageradamente de ficção.
Morro de curiosidade”5. O autor chamou seu primeiro romance de “o primeiro cadinho de
nossa nova prosa”, num artigo de 1943.
O romance começa com “À guisa de prefácio” assinada por Machado Penumbra, autor que
extrapola seu texto para se tornar, ele próprio, personagem do livro. É uma voz carregada de
beletrismo oratório-acadêmico (“orador ilustre escritor”), em vários episódios - o livro não é
dividido em capítulos, mas em fragmentos numerados e com títulos, por exemplo, no 137,
podemos ler:
Cap. 137 – Baile
“A sua loira e estranha divindade dominou a sala fantástica até extinguir-se a última nota da
mágica orquestra”. Para o álbum de Mlle. Rolah. Machado Penumbra.

O pseudo-autor, ou o heterônimo, Machado Penumbra, se mostra encantado com Mlle. Rolah, a


amante de Miramar.
No fragmento 89, “Literatura”, comparece como conferencista em “excursão histórica”, para
uma reverência póstuma “à malograda morte do Conselheiro Zé Alves”. E assim por diante.
Aparecem outros intelectuais da província (São Paulo de 1912 era uma província no sentido
exato do termo), por exemplo, Dr. Pôncio Pilatos da Glória; Dr. Mandarim Pedroso, Presidente
do “Recreio Pingue-Pongue, “chiquíssima sociedade de moças que a sua personalidade centrava
como um coreto” e que ele definia como “uma forja de temperamentos e um ninho de pombas
gárrulas”. Todas essas figuras são basicamente extraídas do ambiente em que circulava Oswald
de Andrade na São Paulo anterior e contemporânea à Primeira Guerra, o que dá um tom de
paródia ao romance, de acordo com Haroldo de Campos, em “Miramar na mira”.
O livro é composto por 163 fragmentos, numerados e intitulados. Narra a história de João
Miramar com sarcasmo e numa certa sequência. A história começa na infância do narrador
e termina quando este tem 35 anos. A ação não é tão importante quanto o relato, isto é, a
linguagem utilizada, em que prosa e poesia se confundem, estreitando os limites entre os gêneros.
De acordo com Antônio Cândido, e depois reiterado por Haroldo de Campos, é interessante
comparar essa narrativa com Um homem sem profissão, 1º. volume da autobiografia de Oswald
de Andrade, único publicado, e que cobre o período de 1890-1919. “Sob esse ponto de vista,
esta autobiografia é um livro-chave para a compreensão da obra de ficção oswaldiana” 6.

5 Extraído de “Miramar na mira” de Haroldo de Campos, in ANDRADE, Oswald de. Memórias sentimentais de João Miramar. São Paulo:
editora Globo, 1997. Disponível em: http://goo.gl/lguok2 (acesso: 6/10/2014).
6 op.cit. p.12

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Enquanto nos fragmentos iniciais, a linguagem se aproxima do universo infantil, ao longo da
narrativa, se transforma, tornando-se mais adulta. Há intervenções, por exemplo, do Machado
Penumbra que, em alguns episódios, é o narrador, com uma dicção empolada, diferente da
linguagem de Miramar. Outras vozes cruzam o romance, como cartas e intervenções em outras
línguas como, por exemplo, no fragmento 148, em que há influência da migração árabe, ou
no 68, em que se implode a sociedade burguesa e seus valores. Há a sátira dentro de sátira
e o recurso da paródia, presente também em outras prosas modernistas, como a de Mário de
Andrade, em Macunaíma, ou a de James Joyce, em Ulisses.
Vamos ler alguns trechos:
À guisa de prefácio
João Miramar abandona momentaneamente o
“O estilo empolado do prefácio,
periodismo para fazer a sua entrada de homem
que não combina com a
moderno na espinhosa carreira das letras. E linguagem do resto do romance,
apresenta-se como o produto improvisado e portanto é intencional: na realidade, é um
imprevisto, e quiçá chocante para muitos, de uma antiprefácio, em que Machado
época insofismável de transição. Como o tanks, os Penumbra (uma personagem
aviões de bombardeio sobre as cidades encolhidas que representa um autor) satiriza
a função do escritor.” Note-se a
de pavor, os gases asfixiantes e as terríveis minas,
caracterização feita do próprio
o seu estilo e sua personalidade nasceram das romance: um ‘ensaio satírico’
clarinadas caóticas da guerra.
Porque eu continuarei a chamar guerra a toda esta época embaralhada de inéditos valores e
clangorosas ofensivas que nos legou o outro lado do Atlântico com as primeiras bombardas
heróicas da tremenda conflagração europeia.
(...)
Esperemos com calma os frutos dessa nova revolução que nos apresenta pela primeira vez o
estilo telegráfico e a metáfora lancinante. O Brasil, desde a idade trevosa das capitanias, vive
em estado de sítio. Somos feudais, somos fascistas, somos justiçadores. Época nenhuma
da história foi mais propícia à nossa entrada no concerto das nações, pois que estamos na
época dos desconcertos. O Brasil, país situado na América, continente donde partiram as
sugestões mecânicas e coletivistas da modernidade literária e artística, é um país privilegiado
e moderno. Nossa natureza como nossa bandeira, feita de glauco verde e de amarelo jalde, é
propícia às violências maravilhosas da cor. Justo é pois que nossa arte também o queira ser.
Quanto à glória de João Miramar, à parte alguns lamentáveis abusos, eu o aprovo sem,
contudo, adotá-la nem aconselhá-la. Será esse o Brasileiro do Século XXI? Foi como ele a
justificou, ante minhas reticências críticas. O fato é que o trabalho de plasma de uma língua
modernista, nascida da mistura do português com as contribuições das outras línguas imigradas
entre nós e contudo tendendo paradoxalmente para uma construção de simplicidade latina,
não deixa de ser interessante e original. A uma coisa apenas oponho legítimos embargos – é
à violação das regras comuns da pontuação. Isso resulta em lamentáveis confusões, apesar
de, sem dúvida, fazer sentir “a grande forma da frase”, como diz Miramar pro domo sua.

“Memórias Sentimentais” – por que negá-lo? – é o quadro vivo de nossa máquina social
que um novel romancista tenta escalpelar com a arrojada segurança dum profissional do
subconsciente das camadas humanas.

17
Unidade: Pré-Modernismo e Modernismo

Há, além disso, nesse livro novo, um sério trabalho em torno da “volta ao material” –
tendência muito da nossa época como se pode ver no Salão d’Outono, em Paris.

Pena é que os espíritos curtos e provincianos se vejam embaraçados no decifrar do estilo em


que está escrito tão atilado quão mordaz ensaio satírico.

Machado Penumbra

Cap. 1 – O Pensieroso
“João Miramar dá início às suas
Jardim desencanto memórias com recordações
fragmentárias de sua infância. No
O dever e procissões com pálios último parágrafo, vemos como se
cruzam no seu pensamento pedaços
E cônegos
da oração Ave Maria e a descrição
Lá fora do manequim de sua mãe”.
E um circo vago e sem mistério
Urbanos apitando nas noites cheias
Mamãe chamava-me e conduzia-me para dentro do oratório de mãos grudadas.
- O Anjo do Senhor anunciou à Maria que estava para ser a mãe de Deus. Vacilava o morrão
do azeite bojudo em cima do copo. Um manequim esquecido vermelhava.
- Senhor convosco, bendita sois entre as mulheres, as mulheres não têm pernas, são como o
manequim de mamãe até em baixo. Para que pernas nas mulheres, amém.

Cap. 3 – Gare do Infinito


De uma forma sutil e poética, o
Papai estava doente na cama e vinha um carro e um narrador comunica a morte de
homem e o carro ficava esperando no jardim. seu pai. O olhar e as palavras são
de uma criança, verificamos isso
Levaram-me para uma casa velha que fazia
nas caracterizações dos lugares:
doces e nos mudamos para a sala do quintal onde
“...para uma casa velha que fazia
tinha uma figueira na janela.
doces...”
No desabar do jantar noturno a voz toda preta de
mamãe ia me buscar para a reza do Anjo que carrega meu pai.

Cap. 4 – Gatunos de Crianças

O circo era um balão aceso com música e pastéis na estrada.


E funâmbulos cavalos palhaços desfiaram desarticulações risadas para meu trono de pau
com gente em redor.
Gostei muito da terra da Goiabada e tive inveja da vontade de ter sido roubado pelos ciganos.

18
Cap. 8 – Fraque do Ateu “ A caracterização se faz por meio
de um detalhe caricaturado do
Saí de D. Matilde porque marmanjo não podia
corpo. O estilo sintético tem um
continuar na classe com meninas. exemplo criativo com “silêncio tic
Matricularam-me na escola modelo das tiras de tac da sala”, no lugar de “barulho
do relógio na sala silenciosa”.
quadros nas paredes alvas escadarias e um cheiro de
Observe-se ainda como o texto
limpeza. alude à dispensa de um professor,
cujas ideias religiosas (Deus era a
Professora marinha e recreio alegre começou a aula
Natureza) divergiam do Catolicismo”
da tarde um bigode de arame espetado no grande
professor Seu Carvalho.

No silêncio tic tac da sala de jantar informei mamãe que não havia Deus porque Deus
era a natureza.

Nunca mais vi o Seu Carvalho que foi para o Inferno.

Explore

Esses trechos estão disponíveis em: http://goo.gl/4nqRhI (acesso: 6/10/2014)


Há misturas de notas, algumas do site outras da autora deste livro. As que estão estre aspas são do site.

Importante
Ler na íntegra o romance, a leitura é deliciosa. No site acima, há disponíveis alguns trechos. O
romance inteiro pode ser acessado em: http://goo.gl/iZjUeT

A dicção de Oswald de Andrade não é a única nesse começo do século XX. O interesse em
experimentar novas linguagens e em conquistar maior liberdade na criação literária era um
discurso comum. Ouvimos esse brado já em Monteiro Lobato e em outros autores da mesma
geração. Porém, em 1922, aconteceu a “Semana de Arte Moderna”, marcando o desejo de
inovar nas linguagens artísticas. Nesse momento, o romance de Oswald de Andrade estava
em processo. Surgiram vários manifestos, revistas, espalhados pelo país todo, algumas com
caráter nacionalista, outras preocupadas em entender, sem ufanismos, a identidade brasileira ou
a multiplicidade de identidades.

19
Unidade: Pré-Modernismo e Modernismo

Modernismo no Brasil

Vamos ver alguns aspectos históricos e estéticos do Modernismo no Brasil.


Oswald de Andrade viaja a Paris e entra em contato com os manifestantes futuristas, volta ao
Brasil em 1912. (Podemos associar a viagem que relata em Memórias sentimentais de João
Miramar à do autor).
Resumidamente, o Manifesto Futurista (1909) de Marinetti (1876-1944) anuncia o
compromisso da literatura com a nova civilização técnica, o combate ao academismo e a
exaltação ao culto às “palavras em liberdade”.
Graça Aranha (1868-1931), embora sua obra Canãa, lançada em 1902, se situe mais
próxima de Euclides da Cunha do que de Oswald ou de Mário de Andrade, apoiou a nova
geração, promovendo a “Semana de Arte Moderna”. Seu apoio foi fundamental porque já era
reconhecido no meio intelectual brasileiro. Era diplomata e membro da Academia Brasileira de
Letras e viveu na Europa de 1900 a 1921, conhecendo de perto a agitação intelectual da Belle
Époque. Ele também assimilou o sentido geral de renovação literária.
No Brasil, houve uma exposição histórica de Anita Malfatti, em 1917, ano em que ela volta
de Berlim e de Nova York. Nessas viagens, a pintora assimila novas tendências inclusive uma
pincelada expressionista. Houve burburinho, por ocasião dessa exposição, com um artigo de
Monteiro Lobato criticando “os estrangeirismos”: “(...). Estas considerações são provocadas
pela exposição da sra. Malfatti onde se notam acentuadíssimas tendências para uma atitude
estética forjada no sentido da extravagâncias de Picasso & Companhia. (...)”7 . Depois o autor
se retratou, inclusive pediu colaboração dela para fazer capas e ilustrações para os livros de
sua editora, mas esse artigo e sua repercussão acabaram por afastá-lo, momentaneamente, do
grupo que promoveria a Semana de Arte Moderna. Foi uma lástima, visto que Monteiro Lobato
também era inovador em muitos aspectos.
O grupo de jovens intelectuais passou a se reunir e a discutir aspectos estéticos, combatendo a
arte acadêmica, continuando a divulgar pela imprensa muitas de suas concepções inovadoras. Em
1919 integrou-se ao grupo o escultor Victor Brecheret, recém chegado de seus estudos em Roma.
Semana de Arte Moderna ( 13 a 17 de fevereiro de 1922)

Capa do catálogo e cartaz


da exposição criados por Di
Cavalcanti

7 LOBATO, Monteiro. Idéias de Jeca Tatu. 2a.ed., São Paulo: Revista do Brasil, 1920. p.93-101.

20
O ano de 1922 é simbólico para o Brasil, pois coincide com o centenário da Independência.
O fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) influenciou tanto o crescimento econômico,
principalmente, o crescimento da indústria, como as relações políticas e os costumes. Sobre esse
momento histórico e social brasileiro, Antonio Candido e José Aderaldo Castello escreveram:
(...) surge uma mentalidade renovadora na educação e nas artes, como se
principia a questionar seriamente a legitimidade do sistema político, dominado
pela oligarquia rural. Torna-se visível, principalmente nos Estados do Sul,
que dominam a vida econômica e política, a influência da grande leva de
imigrantes, que forneceram mão-de-obra e quadros técnicos depois de 1890,
trazendo elementos novos ao panorama material e espiritual. Em 1922 irrompe
a transformação literária, ocorre o primeiro dos levantes político-militares que
acabariam por triunfar com a Revolução de Outubro de 1930, funda-se o
Partido Comunista Brasileiro, etapa significativa da política de massas, que se
esboçava e que avultaria cada vez mais.
(MELLO E SOUSA, Antonio Candido; CASTELLO, José Aderaldo. Presença da
Literatura Brasileira. 8a. ed. São Paulo: Difel, 1981, p.7-8).

Os autores descrevem nesse trecho, panoramicamente, o momento social, político e


econômico dos primórdios do século XX.

Semana de Arte Moderna


A programação da semana é a seguinte:
Aconteceu nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo.
Foi aberta com a conferência de Graça Aranha: “A emoção estética na arte moderna”, a que
se seguiram números de música e de declamações. Na segunda parte, Ronald de Carvalho
pronunciou a conferência: “A pintura e a escultura moderna no Brasil”. No dia 15, houve a
conferência de Menotti del Picchia: “Arte Moderna”, na qual foi vaiado. Mário de Andrade, no
intervalo, pronunciou uma palestra sobre a exposição de artes plásticas no hall do teatro. No
dia 17, Villa-Lobos fez apresentações de música. Estiveram presentes Guilherme de Almeida,
Ronald de Carvalho, Elísio de Carvalho, Oswald de Andrade, Renato de Almeida, Luís Aranha,
Mário de Andrade, Agenor Barbosa, Moacir de Abreu, Rodrigues de Almeida e Sérgio Milliet.
Manuel Bandeira e Ribeiro Couto mandaram poemas para que fossem lidos.

Sobre esse tema há muita bibliografia:


Sobre o Modernismo no Brasil, consultar a enciclopédia do Itaú Cultural, inclusive tem um
pequeno vídeo esclarecedor sobre os primórdios da semana, sobre a exposição de Anita Malfatti,
há possibilidades de visualizar as principais obras modernistas. Disponível em: http://enciclopedia.
itaucultural.org.br/termo359/Modernismo-no-Brasil-
Sobre a Semana de 1922, consultar o site da prefeitura de São Paulo, no sistema municipal
de bibliotecas. Nesse site, estão disponíveis vários artigos, teses e ensaios sobre esse período, por
ocasião da comemoração dos noventa anos da semana. Disponível em:
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/bibliotecas/noticias/?p=9997

Há também um vídeo da Globo News: “Semana de Arte Moderna - 1922” que vale a pena
conferir, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=tJKYZdGU4rA

21
Unidade: Pré-Modernismo e Modernismo

Nesse período da literatura brasileira, Oswald de Andrade e Mário de Andrade foram


figuras centrais, participaram ativamente, escreveram manifestos, romances, poemas e artigos
que refletem um modo de escritura novo. Dispomos, a seguir, uma lista de textos e revistas
fundamentais para a compreensão da história da literatura e de um momento transgressor na
literatura brasileira. Transgressor principalmente em questões do uso da linguagem e na forma
como os limites entre os gêneros foram ampliados. Não deixe de consultá-los para ampliar e
aprofundar seus conhecimentos sobre esse importante período da literatura brasileira!

Primeiras manifestações do Modernismo no Brasil

• “Prefácio Interessantíssimo” de Paulicéia Desvairada, de Mário de Andrade. (1922).


• Revista Klaxon: considerada a mais radical das revistas de vanguarda. Os primeiros
artigos falam da arte moderna, assinados por Mário de Andrade, Oswald de Andrade e
Menotti del Picchia. (1922).
• Manifesto Pau-Brasil, de Oswald de Andrade. (1924).
• Memórias sentimentais de João Miramar - Oswald de Andrade. (1924).
• A Escrava que não é Isaura - Mário de Andrade. (1925).
• Manifesto do Grupo de Cataguases. (1927).
• “Manifesto Antropófago”, em Revista de Antropofagia, Oswald de Andrade. (1928).
• Macunaíma - Mário de Andrade. (1928).
• Manifesto Nhengaçu Verde-Amarelo. (1929).
• Serafim Ponte Grande - Oswald de Andrade. (1933).

Esses textos são extremamente importantes para compreendermos a abrangência e o impacto


que essas obras causaram na literatura, na música e nas artes plásticas.

SCHWARTZ, Jorge. Vanguardas latino-americanas - Polêmicas, manifestos e


textos críticos. São Paulo: Iluminuras/ EDUSP, 1995.
TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e Modernismo brasileiro.
Rio de Janeiro: Vozes, 1982.

22
Considerações Finais

Nesta unidade fizemos um passeio pelo começo do século XX, no Brasil, através do texto
de estreia de Monteiro Lobato, “Urupês”, que trouxe para a literatura brasileira o tipo caipira,
nomeado de Jeca Tatu. Esse texto foi considerado um texto pré-modernista, com elementos
que prenunciam o modernismo. O criador do Sítio do Pica-pau Amarelo e de seus personagens
maravilhosos sabia que as crianças são seres pensantes.Esse é outro tema que poderíamos
discorrer eternamente.
Em contrapartida, estudamos trechos do primeiro romance da prosa modernista brasileira,
Memórias sentimentais de João Miramar de Oswald de Andrade. Nota-se a inovação que
esse autor traz. Ao nos determos apenas na forma, teremos vários elementos que corroboram
para essa ideia de novidade. Em primeiro lugar, a questão de ser construído por fragmentos, que
têm sentido por si só. Ao inovar na narrativa, o autor nos impossibilita uma leitura tradicional e
linear da história. Depois, a inovação da linguagem e um agudo senso crítico da sociedade, da
burguesia fazem desse texto uma grande obra de vanguarda.
Revivemos, ainda, a Semana de Arte Moderna com todas as inovações estéticas que os
artistas e intelectuais propunham à época. Hoje são ideias que estão assimiladas, mas naquele
momento causaram profundo estranhamento. Foi um momento extremamente rico em
experiências artísticas e da valorização do brasileiro com todo seu linguajar, não de uma maneira
ufanista (criticada pelos modernistas de 1922), mas de maneira integralizada, não ignorando as
influências estrangeiras, mas sim as deglutindo, como foi proposto no manifesto antropofágico
de Oswald de Andrade.
Foram grandes as contribuições que essa geração nos legou e que, hoje, estão incorporadas no
nosso pensar sobre a identidade do brasileiro. Assimilamos que não há uma identidade brasileira,
mas muitas, infinitas e que cada novo texto lido e escrito acrescenta outras possibilidades de
reflexão sobre o mundo, sobre nós mesmos e sobre o Brasil.

23
Unidade: Pré-Modernismo e Modernismo

Material Complementar

Para complementar seu conhecimento sobre o tema dessa unidade, além da insistência para
que leia as obras na íntegra, ressaltamos a importância das seguintes leituras: O Manifesto da
Poesia Pau-Brasil; o Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade e o discurso de Mário de
Andrade: “A Escrava que não é Isaura”. Disponível em:

• http://www.ufrgs.br/cdrom/oandrade/oandrade.pdf

• http://www.letras.ufmg.br/profs/sergioalcides/dados/arquivos/AndradeEscrava.pdf

Esses textos trazem aspectos e tendências da poética modernista imprescindíveis não só para
a compreensão da literatura moderna como também da contemporânea. Vale destacar que até
a leitura de obras anteriores a esse período da literatura brasileira ganham nova coloração com
os estudos da poética modernista.

24
Referências

ANDRADE, Oswald. Memórias sentimentais de João Miramar. 9a. ed. São Paulo: Editora
Globo, 1997.

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 47. ed. São Paulo: Cultrix, 2006.

CAMPOS, Haroldo de. “Miramar na mira” in Memórias sentimentais de João Miramar.


9a. ed. São Paulo: Editora Globo, 1997.

LOBATO, Monteiro. Idéias de Jeca Tatu. 2a.ed., São Paulo: Revista do Brasil, 1920.

______________. Urupês. São Paulo: Ed. Globo, 2012.

______________. Reinações de Narizinho. São Paulo: Círculo do Livro, 1986.

LUKACS, G. A teoria do romance. São Paulo: Editora 34, 2003.

MELLO E SOUSA, Antonio Candido; CASTELLO, José Aderaldo. Presença da Literatura


Brasileira. 8a. ed. São Paulo: Difel, 1981,

SWARTZ, Jorge. Vanguardas latino-americanas - Polêmicas, manifestos e textos


críticos. São Paulo: EDUSP-Iluminuras, 1995.

SCHWARZ, R. Ao vencedor as batatas. 5. ed. São Paulo: Editora 34, 2003.

Referências Bibliográficas (disponível para consulta)

Academia.edu: http://www.academia.edu/

Brasil escola: http://www.brasilescola.com/

Domínio Público: http://www.dominiopublico.gov.br/

Itaú Cultural: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/

E-Dicionário de Termos Literários, Carlos Ceia: http://www.edtl.com.pt.

Editora Globo: http://lobato.globo.com

Portal G1 – globo.com: http://g1.globo.com.

Portal de literatura: http://www.portaldaliteratura.com/autores

http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/bibliotecas

Revista Emília: http://www.revistaemilia.com.br/

http://repositorio.geracaoweb.com.br/20120921_160532memrias_sentimentais_de_joo_
miramar__oswald_de_andrade.pdf

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Unidade: Pré-Modernismo e Modernismo

Anotações

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