A Questão Sinótica - de Brian Kibuuka
A Questão Sinótica - de Brian Kibuuka
A Questão Sinótica - de Brian Kibuuka
Nesta parte é levantada a questão dos evangelhos sinóticos, com a apresentação das fontes que
possibilitam seu estudo, a apresentação da história do problema e as tentativas de solução da
questão sinótica.
Sinopses
Kümmel aqui reapresenta as sinopses que já indicou, dividindo-as agora em:
- sinopses com uso lingüístico: além da sinopse, há no arranjo em colunas
paralelas uma análise abrangente do uso lingüístico de cada perícope.
- sinopses com visões de conjunto: são sinopses diagramadas.
- sinopses com concordância vocabular: apresenta, além do texto com os três
sinóticos, sucessivamente, com sinais a core, identificadores da
concordância vocabular.
- sinopses com subsídios lingüísticos-estatísticos: estatísticas dos vocábulos
dos três sinóticos e a seqüência das frases e das perícopes.
Estudos
- estudos sobre a questão sinótica: são mencionados os autores que
apresentam a história desta questão, bem como dão seu parecer, que tem
importância considerável na pesquisa. Entre estes estão: Holtzmann,
Fascher, Grobel, Vaganay, Farmer, Schniewind, Schmid, Léon-Dufour,
Heuschen e Evans.
- estudos sobre as fontes e crítica literária: aqui são apresentados autores e
obras que analisam a questão sinótica por estes dois aspectos.
- estudos sobre o problema da tradição oral e crítica formal.
Definição
“A questão sinótica consiste a questão a respeito da relação literária dos três primeiros evangelhos
entre si Como explicar a notável e complexa teia de concordâncias e discordâncias entre Mateus,
Marcos e Lucas? A questão é tanto mais premente quanto se sabe que João nada absolutamente tem
a ver com ela.”
1. A questão
Trata-se aqui do conteúdo, da disposição, das características, das semelhanças entre os sinóticos e
das distinções entre esses.
Características:
as características dos evangelhos sinóticos são as seguintes:
i) Mateus e Lucas têm material mais rico que Marcos
ii) Os três evangelhos sinóticos coincidem na descrição da atividade de Jesus
iii) Os três evangelhos sinóticos não são biografias de Jesus
iv) Os três evangelhos sinóticos não procuram retratar a personalidade de Jesus
v) Os três evangelhos sinóticos apresentam em linguagem popular as ações e
palavras de Jesus, bem como as impressões decorrentes dessas naqueles que as
presenciavam.
Características literárias:
A exposição sinótica consiste:
i) em unidades de narrativas e discursos completas em si mesmas e postas uma
após a outra, independente de ligações espaciais ou temporais
ii) em seções homogêneas, onde um material de conteúdo semelhante é reunido.
Ex. 1:os três discursos polêmicos (perdão de pecados, ligação com os
pecadores e sobre o jejum): Mc 2.1-22 e paralelos
Ex. 2: as questões a respeito da observância do sábado: Mc 2.23-3.6
Ex. 3: o capítulo das parábolas: Mc 4 e paralelos.
iii) estilo com a linguagem de Jesus sendo a mesma através dos sinóticos:
sem longas discussões
com ditos separados, rápidos e característicos
discursos e fragmentos de discursos, todos muito curtos
nítida predileção por parábolas
narrativas da infância
As narrativas da infância contradizem-se uma à outra em pontos essenciais:
- em Mateus, a narrativa do nascimento é contada do ponto de vista de José em
Lucas, a narrativa do nascimento é contada do ponto de vista de Maria
- em Mateus, Belém é o local da residência da família de Jesus em Lucas, o local
da residência é Nazaré
- Em Mateus estão presentes as narrativas da fuga para o Egito (Mt 2.13ss) e da visita
dos magos (Mt 2.1ss) não há menção da viagem para o Egito ou da visita de
magos em Lucas
- A genealogia de Mateus apresenta 3 ciclos de 14 gerações, sendo progressiva (Mt
1.1ss) a genealogia de Lucas é diferente da de Mateus, e é retroativa (Lc 3.23ss)
- Marcos não apresenta nenhum relato da infância de Jesus
relatos da ressurreição
Os relatos da ressurreição não apresentam uma tradição uniforme:
- Lucas só conhece aparições de Jesus em Jerusalém (Lc 24)
- Mateus coloca aparições de Jesus na Galiléia (Mt 28)
- Marcos simplesmente ignora qualquer aparição
discursos
A localização dos discursos são o principal diferencial entre Mateus e Lucas:
- Mateus apresenta os grandes discursos em forma de discursos elaborados e
distribuídos no evangelho: Mt 5-7, serão da montanha; Mt 10, discurso da missão
dos doze; Mt 12, primeira discussão com os fariseus; Mt 13, parábolas relativas ao
reino de Deus; Mt 18, discurso sobre a comunidade; Mt 23, segunda discussão com
os fariseus; Mt 24-25, discurso escatológico
- Lucas concentra a grande maioria do material dos discursos em seções, misturando
este material com o material narrativo: Lc 6.20-8.3; 9.51-18.14. Além disto, o
discurso da planície de Lucas (Lc 6.20ss), comparado com Mt 5-7, é breve.
- Cada um dos três sinóticos contém material especial que lhe é peculiar, sendo este
material muito mais abundante em Mateus e Lucas que em João. Marcos não contém
a infância de Jesus ou as aparições do ressuscitado.
textos e contextos
Parte do sermão da montanha de Mateus está em Lucas em lugares e contextos totalmente
diferentes, muito embora com sentidos semelhantes.
material especial
O material especial em Mateus e Lucas geralmente está ligado aos materiais que ambos têm em
comum (ex.: comparação entre o sermão da montanha em Mateus e o sermão da planície de Lucas).
Em suma, nos textos contidos pelos três evangelhos, ora os três estão de acordo; ora Mateus e
Marcos coincidem e diferem de Lucas; ora Lucas e Marcos coincidem e diferem de Mateus; ora
Mateus e Lucas concordam e diferem de Marcos; ora os três diferem.
A história do problema sinótico surgiu na segunda metade do século XVIII, quando se tomou
consciência da questão, não obstante antes algumas discrepâncias e contradições já chamassem a
atenção da igreja primitiva e seus opositores.
Introdução
Agostinho de Hipona foi o primeiro a se dedicar a esta questão: na obra De consunsu
evangelistarum, I, 2, ele traz informações históricas sobre a origem dos evangelhos. Afirma nesta
obra que Marcos é resumo de Mateus, e antecipa a c´ritica do século XVIII.
J.B. Michaelis: afirmou, em sua introdução publicada em 1750 (Einleitung in die göttlichen
Schriften des Neuen Bundes, 1788 4a ed.), que os sinóticos concordavam em muito por usarem
vários evangelhos apócrifos em comum como fontes.
G.E. Lessing: em sua obra Theses aus der Kirchengeschichte, publicada em 1776; e na sua obra
Hypotesen über die Evangelisten als bloss menschliche Geschichtschreiber betrachtet, de 1778;
Lessing afirma que os Evangelhos são traduções de um texto aramaico antigüíssimo de origem
apostólica, o evangelho dos nazarenos – nazarenos estes conhecidos por Jerônimo no século IV.
H.E.G. Paulus: ele admitiu a hipótese de que Marcos e Lucas se desenvolveram a partir de
resumos (memorabilia) de cada dia da atividade de Jesus.
F. Schleiermacher: na obra Über die Schriften das Lukas ein kritischer Versuch, de 1917,
conjecturou que os autores originais (apóstolos) anotavam as pregações de Jesus. Estes resumos
(diegeseis) passaram a ser procurados quando a primeira geração começou a desaparecer, sendo os
colecionadores aqui compiladores, que reuniram, cada um, aquilo que mais o interessava. Os
resumos sobre a vida de Jesus, seus atos, narrativas da paixão entre outras foram conservadas no
material evangélico, que têm em sua base estas testemunhas.
Elogio de Kümmel: Num estudo chamado Über die Zeugnisse des Papias von unsern beiden
ersten, de 1832, Schleiermacher afirma que uma coleção de logia de Jesus estava em Mateus, sendo
anterior a este.
3. A hipótese da tradição
Esta hipótese afirma que, ao invés de evagelhos escritos, o que circulavam eram tradições orais
uniformes, que se desenvolveram espontaneamente em Jerusalém a partir dos apóstolos para uso na
pregação.
Herder: avançando na hipótese de Lessing de que exitiria um evangelho primitivo, afirmou que
este seria um evangelho oral primitivo, surgido a partir de fragmentos isolados (1796-1797).
J. W. Doeve: Estaria por detrás do evangelho uma única narrativa, que foi tomando forma em
conexão com a exegese dos textos do AT (Recherches Bibliques, 1957).
Stather Hunt: o início do relato de Jesus, em conexão com as profecias do AT, estão no início do
proceso de formação do Evangelho
Elogio de Kümmel: a hipótese de Gieseler está correta ao ver a tradição oral como tradição que
precedeu os evangelhos, durante o qual se transicionou o idioma do querigma do aramaico para o
grego.
Agostinho: foi o precursor desta teoria, ao afirmar que Marcos resumiu Mateus. A extensão ou
variação desta teoria foi feita por:
Lindsey: Lucas dependeria de uma narrativa primitiva e de Q; e Marcos dependeria de
Lucas, de maneira primitiva, e de Q.
West: Marcos e uma versão primitiva de Lucas seriam fonte de Mateus; e Lucas é uma
extensão de versão primitiva.
Ambas carecem de fundamentação.
Progresso na teoria das duas fontes: nos últimos cem anos, a teoria obteve ampla aceitação
(Albertz, Feine-Behm, Fuller, Heard, Henshaw, Jülicher, Klijn, McNeile-Williams, Marxens,
Michaelis, Vögtle, Filson, Geldenhuys, Grundmann, Haenchen, Johnson, Schniewind,
Schweitzer, De Solages, Schmid, Perry, Vielhauer, Bradby, Bornkamm, Beare, Dalmau,
McLoughlin, Honoré, Fitzmyer, Carlston e Norlin, Morgenthaler.
b) Mateus:
- Pápias fala de Mateus como fonte comum aos sinóticos
Benoit e Vaganay:
* 3 sinóticos usaram um Mateus traduzido ao grego de diferentes maneiras:
* Mateus canônico é testemunha de um Mateus aramaico
* Marcos resume o Mateus aramaico e acrescenta promenores da pregação de Pedro em Roma
Parker:
* Marcos depende de um evangelho aramaico, do qual Mateus é o maior representante
* Lucas depende de Marcos
* Não há um Mateus aramaico primitivo
Outros:
Harrington, Léon-Dufour, Cerfaux, Levie: evangelho aramaico escrito ou oral, ou múltiplas
fontes de tais escritos, que subjazem nos sinóticos.
Wrede e Welhausen: o primeiro, na obra Das Messiasgeheimnis in den Evv (1901), e o segundo
em seus comentários aos evangelhos sinóticos (1903 e 1904) chamaram a atenção à influência da fé
a comunidade na formação e transformação da tradição sinótica e na teologia de cada evangelista.
Isto passou a ser estudado pela chamada abordagem cítico-formal (Formgeschichtlich) doe
evangelhos. Esta é uma investigação histórico-literária (literaturgeschichtlich).
K. L. Schmidt: afirmou que a estrutura básica de Marcos é trabalho do autor, sendo o evangelho
uma coleção de histórias e logia separados, reunidos de maneira livre e que teriam circulado na
tradição oral de uma maneira independente.
* Bultmann: afirmou serem estas tradições apoftegmas (unidades com logia de Jesus estratificado
numa forma breve). Somente a paixão seria um relato coerente.
P RE G AÇÃ O CR IS T Ã P RIM I TI V A
GRUPOS PRÉ-LITERÁRIOS
O ponto de vista crítico-formal foi largamente aceito em sua essência, mas encontrou
oposição e repulsa nos juízos históricos nele implicados:
A.
Riesenfeld e Gerhardsson: é falso o pressuposto do criticismo formal de que a formação da
tradição foi dentro da comunidade: Jesus, na realidade, entregou seu ensino aos discípulos em
fórmulas fixas.
B.
Redaktionsgeschichte:
Pela apresentação dos resultados dos antigos estudiosos, foi focalizada a atenção sobre as
pressuposições literárias, sociológicas e teológicas, e sobre os métodos e tendências individuais dos
evangelistas, para demonstrar um terceiro Sitz im Leben, o da crítica da redação
(Redaktionsgeschichte).
Sitzes im Leben
Conteúdo e natureza do
material empregado nas fontes
Eichhorn: lança a hipótese de que os sinóticos são traduções de escritos aramaicos primitivos.
Objeções:
1) erros de tradução alegados não são convincentes
2) ninguém provou que os evangelhos foram traduzidos
3) relação literária entre os sinóticos é grega
4) Marcos não tem indício de ser uma tradução do aramaico
5) Papias não é uma fonte segura
Conclusão: tradição oral era aramaica: esta é a única certeza.
4. Uma comparação dos três sinóticos demonstra a ampla semelhança em relação a material
entre Marcos e Mateus e Marcos e Lucas.
Exceções:
Só não estão em Mateus ou em Lucas
A cura do surdo-mudo:
Marcos 7:31-37 31 De novo, se retirou das terras de Tiro e foi por Sidom até ao mar da Galiléia,
através do território de Decápolis. 32 Então, lhe trouxeram um surdo e gago e lhe suplicaram que
impusesse as mãos sobre ele. 33 Jesus, tirando-o da multidão, à parte, pôs-lhe os dedos nos ouvidos
e lhe tocou a língua com saliva; 34 depois, erguendo os olhos ao céu, suspirou e disse: Efatá!, que
quer dizer: Abre-te! 35 Abriram-se-lhe os ouvidos, e logo se lhe soltou o empecilho da língua, e
falava desembaraçadamente. 36 Mas lhes ordenou que a ninguém o dissessem; contudo, quanto
mais recomendava, tanto mais eles o divulgavam. 37 Maravilhavam-se sobremaneira, dizendo:
Tudo ele tem feito esplendidamente bem; não somente faz ouvir os surdos, como falar os mudos.
O cego de Betsaida:
Marcos 8:22-26 22 Então, chegaram a Betsaida; e lhe trouxeram um cego, rogando-lhe que o
tocasse. 23 Jesus, tomando o cego pela mão, levou-o para fora da aldeia e, aplicando-lhe saliva aos
olhos e impondo-lhe as mãos, perguntou-lhe: Vês alguma coisa? 24 Este, recobrando a vista,
respondeu: Vejo os homens, porque como árvores os vejo, andando. 25 Então, novamente lhe pôs as
mãos nos olhos, e ele, passando a ver claramente, ficou restabelecido; e tudo distinguia de modo
perfeito. 26 E mandou-o Jesus embora para casa, recomendando-lhe: Não entres na aldeia.
O homem fugitivo
Marcos 14:51-52 51 Seguia-o um jovem, coberto unicamente com um lençol, e lançaram-lhe a
mão. 52 Mas ele, largando o lençol, fugiu desnudo.
Em Marcos:
571 versículos estão em Mateus e/ou Lucas
Marcos tem 8.189 palavras, das 10.650, em Mateus ou em Lucas.
Das 10.650 palavras de Marcos, 7.040 estão em Lucas e 7.760 estão em Mateus.
* a atitude de parentes (Marcos 3:20-21) de Jesus é ofensiva: “...os parentes de Jesus ouviram isto,
saíram para o prender; porque diziam: Está fora de si.”
Razão da relação Mt-Mc e Lc-Mc: qualquer outro arranjo traz omissões inexplicáveis.