Cinema Semiologia
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Cinema Semiologia
O artigo Interferências Gráficas é parte de um estudo maior de tipografia e design gráfico entitulado
Cinedesign: a tipografia e o design gráfico no cinema. Neste estudo, são analisadas, à luz de aspectos estético-
funcionais, da comunicação visual e da cultura, as manifestações de tipografia e do design gráfico nos filmes
vencedores no desenvolvimento da premiação do Oscar de Melhor Filme pela Academy of Motion Pictures Arts and
Sciences (AMPAS) dos EUA. Neste artigo são estudadas as manifestações da tipografia e grafismos como
elementos narrativos usados na construção dos significados e da forma cinematográfica.
The article Graphic Interferences is part of a major study named Cinedesign: typography and graphic design in
motion pictures. In this research, typography and graphic design are studied as visual communication under the light
of aesthetical, functional and cultural aspects, in the movies winners of the Best Picture awards by the Academy of
Motion Pictures Arts and Sciences. In Graphic Interferences typography is viewed as a narrative element used in the
construction of meaning and as cinematographic form.
Fig. 1 - Acompanhando a narrativa da voz em off , elementos caligráficos são incorporados à imagem de ação
graciosamente auxiliando a construção dos significados e o acompanhamento da narrativa. Le fabuleux destin
d’Amelie Poulain (2001)
1. Simulacro gráfico
Os recursos gráficos utilizados no cinema têm a sua história atrelada ao
desenvolvimento dos efeitos óticos, já que estão intimamente ligados em termos de
produção. Ao mesmo tempo, a estética e a linguagem cinematográficas do passado
incluiam elementos gráficos de maneira muito sutil e parcimoniosa, na tentativa de
emprestar à narrativa um realismo ligado ao olhar do observador. Assim, podemos
observar que os primeiros efeitos utilizados tinham a sua carga semântica associada
aos aspectos da verossimilhança e ao conceito de simulacro, pois, inseridos no
contexto realista das narrativas hollywoodianas, tinham a função de dar credibilidade e
fluidez à cena de ação. Quando um oficial de cavalaria, por exemplo, observava ao
longe o inimigo no campo, com sua luneta, uma imagem circular enegrecida e
esfumaçada poderia ser utilizada para reproduzir a visão do referido militar através do
instrumento ótico. De fato, são signos que reproduzem diferentes visões de uma cena
ou seqüência cinematográfica, dão fluidez e inserem “realísticamente” o espectador na
narrativa.
Fig. 2 – Cena de Dances with wolves (1990) onde se vê o tradicional efeito visual de simulacro.
2. A retórica gráfica
O mais interessante sobre o uso de elementos gráficos e tipográficos na narrativa
do cinema, na forma sobreposta, ou seja, por meio de elementos incorporados
posteriormente sobre a película cinematográfica, é que acontece uma mudança no
discurso audiovisual. Esta mudança é decorrente de valores estéticos e semânticos
que afetam o discurso cinematográfico.
Por um lado temos a narrativa cinematográfica tradicional, onde os autores1
funcionam como observadores de cenas e situações, ao mesmo tempo em que as
1
Vale ressaltar que embora na tradição dos créditos de cinema ao diretor do
filme é reservada à autoria, a concepção do argumento e a construção do
roteiro são fundamentais para a criação do filme e portanto merecedores do
crédito da autoria.
relatam e comentam, semelhante a uma narrativa verbal. De outro, temos o nível das
interferências gráficas, onde os autores passam a interferir manualmente e
deliberadamente sobre as cenas de ação com caligrafias e outros elementos gráficos,
de uma maneira semelhante a um caderno de anotações, ou mesmo um diário pessoal,
registrando ali opiniões, comentários e devaneios. O caráter metafórico destas
interferências encontra ressonância na própria forma de produção, quando na fase de
acabamento do filme, após a montagem do copião, os elementos gráficos são
incorporados. De uma camada superior aterrisam na superfície bidimensional da
película, expandindo o discurso em formas e cores.
Fig. 4 – Fim de cena: fade out com ponto focal, onde o círculo vai fechando até o escuro total. The sting
(1970)
2.2. Imagem e ação
A categoria Imagem e Ação é constituída de animações – ou efeitos óticos
especiais - que alteram a configuração da cena de ação, com a função de expandir e
conectar significados que ajudam a construir a estrutura narrativa. Se por um lado têm
um forte componente tecnológico, os cineastas têm cada vez mais se utilizado deste
recurso de forma poética e inteligente. Algumas animações são concebidas de forma
integrada à ação, trazendo consigo a natureza verossímil mas modificando o real
aparente ou traduzindo sonhos visualmente.
Como primeiro exemplo, são os efeitos visuais integrados à ação e ao cenário do
filme A beautiful mind (2001) que, neste contexto específico, têm a função de traduzir o
olhar da personagem que, observando um céu estrelado, desenha com os dedos uma
constelação cujas estrelas vão, aos poucos, aumentando a intensidade luminosa.
Desta forma, os autores tornam visível ao espectador o olhar esquizofrênico da
personagem, que via coisas no cotidiano que normalmente não se pode ver, assim
demonstrando sua capacidade de abstrair forma do caos aparente, num ambiente de
pura emoção.
2.3. Escrituras
Assim como escrevemos em nossos diários, cadernos escolares e blocos de
anotações, os autores cinematográficos vêm, mais recentemente, escrevendo sobre as
imagens de ação, fazendo registros, indicando situações e criando poesia visual. Este é
um indício de uma nova maneira narrativa de se fazer filmes, um jeito pósmoderno de
interpretar e traduzir eventos. O fato peculiar desta categoria de design gráfico no
cinema é que há poucos registros em filmes vencedores do Oscar de Melhor Filme.
Os autores se utilizam de grafismos produzidos posteriormente e sobrepostos à
imagem de ação, e, ao mesmo tempo, inseridos no desenvolvimento da história. É
neste contexto que surgem variadas maneiras de escrita sobre a película, seja de forma
caligráfica, tipográfica ou mesmo por meio da garatuja.
No singelo filme Stealing beauty (1996) de Bernardo Bertolucci, por exemplo, a
caligrafia da personagem Lucy Hamon, protagonizada pela bela Liv Tyler, passeia em
poesia pela tela ao som da lânguida voz de Billie Holliday, enquanto a personagem,
sentada no beiral de uma janela medieval, fuma um “baseado” “curtindo” fotos de
família enquanto vai escrevendo.
a. b.
Fig. 7 – Por meio de animações simples, as linhas escritas do poema entram e saem de cena deslizando para
a direita e assim desaparecendo. Stealing beauty (1996).
O uso da tipografia digitada, ou seja, escrita à máquina, também tem seu espaço
reservado na narrativa cinematográfica. Surpreendentemente temos dois exemplos
magníficos nos Oscar de Melhor Filme, nos roteiros de Annie Hall (1977) e A beautiful
mind (2001).
São, de fato, duas formas bem distintas de retórica; enquanto no primeiro há uma
forma de subversão da linguagem, no segundo temos uma forma de verossimilhança,
por meio da tradução visual da interpretação – ou alucinações do protagonista - de
certos fatos apresentados no enredo.
a. b.
Fig. 8 - No filme Annie Hall (1977) as legendas são utilizadas de maneira subversiva, traduzindo
pensamentos.
a. b.
Fig. 9 - Traduções visuais do pensamento da personagem, A beautiful mind (2001).
Este tipo de efeito é, ao mesmo tempo, de uma dupla natureza; por um lado não
deixa de ser uma interferência gráfica de caráter verossímil, pois está intimamente
ligado à ação integrada da personagem, ou seja, ligado àquilo o que ele está fazendo.
Por outro lado, faz parte da retórica cinematográfica na medida em quê, visualmente,
participa como intérprete do pensamento e assim, transcende a função do simulacro.
Vale, finalmente, ressaltar que, comparando as Figuras 8 e 9, cada uma é resultado de
diferentes níveis tecnológicos, já que as legendas são facilmente produzidas e cuja
qualidade é produto do seu uso alterado, enquanto os efeitos gráficos observados em A
beautiful mind são resultado de alta tecnologia computacional.
2.4. Riscos e Rabiscos
Nesta categoria, ao invés de recursos da escrita, temos desenhos, marcas e
signos que fazem parte da narrativa. Diferentemente das animações, que promovem
interferências perfeitamente inseridas no contexto da ação, os exemplos a seguir são
representantes de uma categoria muito especial de interferência gráfica, parte
constante na retórica cinematográfica mais recente. A característica principal desta
categoria é o risco e o rabisco, fazendo jus ao título da categoria Interferência Gráfica.
Aqui podemos observar a “mão” do autor desenhando – ou rabiscando – na película
como se fora uma página de classificados, um caderno de esboços ou um muro para
pichar, muito similar à interferência caligráfica do filme Stealing beauty (1994), que
exemplificamos anteriormente.
Um dos exemplos mais esclarecedores desta qualidade de interferência gráfica e
tradução da sua mais verdadeira natureza, podemos observar no filme Pulp fiction
(1994) onde uma imagem substitui uma palavra, ou seja, um signo visual em troca de
um signo oral, uma transferência de significantes de diferentes naturezas onde o
conteúdo se mantém intacto, puro.
Fig. 10 - “Não seja quadrado...”: transferência de significantes: uma imagem substitui uma palavra. Pulp
fiction (1994).
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