Zerbini - Lei 9474-97

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Os possíveis efeitos da extradição de um

refugiado reconhecido pela Lei 9.474/97


Renato Zerbini Ribeiro Leão*

Não se trata este de um artigo de centro, de direita ou de esquerda. É um artigo técnico que
aventará os possíveis efeitos da extradição de um refugiado reconhecido pelo Brasil no atual
estágio do ordenamento jurídico pátrio sobre o tema. A Lei 9.474/97 relativa à temática dos
refugiados é inovadora. Além de incorporar os conceitos previstos pela ONU na matéria,
dispostos tanto na Convenção de 1951 quanto no seu Protocolo de 1967 sobre refugiados,
agrega como definição de refugiado, todas aquelas pessoas que “devido à grave e generalizada
violação de direitos humanos, é obrigada a deixar seu país de nacionalidade para buscar
refúgio em outro país.” Ou seja, admite como causal do instituto do refúgio a aplicação do
conceito de grave e generalizada violação de direitos humanos. Este conceito nasceu a partir
de uma realidade específica do continente africano e foi incorporado na normativa da
América Latina a partir da Declaração de Cartagena de 1984. Estas características, fazem
desta Lei brasileira o espelho da harmonização legislativa no âmbito do MERCOSUL acerca
do refúgio.

O refúgio é, portanto, um instituto de proteção à vida. Não é simplesmente um “asilo


político.” Apesar de aparentemente sinônimos, os termos “asilo” e “refúgio” ostentam
características singulares. O termo “asilo” comumente utilizado possui matizes no universo
jurídico internacional. O “asilo” também pode ser uma faculdade discricionária do Estado, ou
seja, o Estado concede de maneira arbitrária e por essa decisão não deverá satisfação a
ninguém. Trata-se de um ato soberano e ponto. Neste caso, a maioria da doutrina reconhece
como sendo “asilo diplomático”. O “refúgio” é um instituto de proteção à vida decorrente de
compromissos internacionais (Convenção de 1951 e seu Protocolo de 1967 das Nações Unidas
sobre o Estatuto dos Refugiados) e, como no caso brasileiro, constitucionais (parágrafo 1,4 do
artigo 1º; artigo 4º, X e artigo 5º de nossa Carta Magna). Este último é costumeiramente
reconhecido pela doutrina como “asilo territorial”.

Em conseqüência, a obrigação pátria com relação ao refúgio advém, essencialmente, do


Estatuto dos Refugiados das Nações Unidas de 1951 e de seu Protocolo de 1967. A estes
instrumentos internacionais soma-se a Lei 9.474/97. Esta determina outras providências que
deverão ser adotadas pelo Estado brasileiro no tocante à temática do refúgio e cria o Comitê
Nacional para os Refugiados – CONARE; instituição caracterizada por guiar-se, na tomada
de suas decisões e em suas atuações, pela prevalência de um caráter democrático e
humanitário. Portanto, o Brasil, à luz do instrumentário internacional e nacional
retromencionado, possui um sistema coeso e integral de refúgio.

A extradição, pelo Brasil, de refugiado reconhecido nos termos da Lei 9.474/97 acarretará o
cometimento de um ilícito internacional que fatalmente levará o país à jurisdição
internacional. O princípio do non refoulement ou da não devolução é um princípio angular na
proteção internacional do refúgio. Trata-se de uma norma de ius cogens. Por meio de sua
aplicação, os Estados partes da Convenção de 51 (artigos 32 e 33) e do Protocolo de 67 das
Nações Unidas sobre Refugiados encontram-se terminantemente proibidos a expulsar,
devolver ou extraditar refugiados.

Também a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, tratado interamericano do qual o


Brasil é Estado parte e aceita a competência contenciosa de seu órgão de supervisão
jurisdicional, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, estipula em seu artigo 22 (Direito
de Circulação e de Residência), parágrafos 6, 7 e 8 o princípio da não devolução. Por isso,
decidir pela extradição de um refugiado reconhecido à luz da Lei 9.474/97, é abrir as portas
para a condenação brasileira nas jurisdições do sistema das Nações Unidas -ONU- e da
Organização dos Estados Americanos -OEA-, por violação flagrante e literal do princípio da
não devolução.

Ademais, crucificará a Lei 9.474/97, que se verá atingida em sua medula. Esta é uma Lei que
tem servido de modelo para a harmonização legislativa da matéria no âmbito do MERCOSUL
e de exemplo legislativo a ser seguido em países de diferentes partes do mundo. Seu revés,
desde a perspectiva do Poder Judiciário pátrio que já reconheceu a importância desta Lei,
seria um castigo descabido para a afirmação da dignidade humana no Brasil e alhures.

* Doutor em Direito Internacional e Relações Internacionais. Antigo Oficial de Programa


do Instituto Interamericano de Direitos Humanos de San José da Costa Rica (1995-1998).
Antigo Consultor Jurídico do Escritório para o Sul da América Latina do Alto Comissariado
das Nações Unidas para os Refugiados (1999-2004). Autor da obra: “O reconhecimento dos
refugiados pelo Brasil: comentários sobre decisões do CONARE” (2007). Professor da
FAJS/UniCEUB

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