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projeto de estudo do património

histórico-arqueológico
de vouzela (viseu): objetivos
e primeiros resultados
Manuel Luís Real1, António Faustino Carvalho2, Catarina Tente3

Resumo
O presente projeto (2016-2019) visa o estudo do património histórico-arqueológico vouzelense. Encontra-se
estruturado em quatro eixos de investigação – levantamento toponímico e documental, prospeção arqueológi-
ca, estudo de materiais conservados em museus, e escavação de sítios selecionados – que produzirão os conhe-
cimentos científicos necessários para a valorização futura daquele património. O território é tratado diacroni-
camente, desde a Pré-História (o megalitismo em particular) à Idade Média, incluindo os vestígios de mineração
até épocas mais recentes. Como resultado final, obter-se-ão não apenas as bases programáticas daquele projeto
de valorização, mas também um inventário detalhado do património, permitindo a atualização e aprofunda-
mento da carta arqueológica já existente, com dados inéditos e outros que se encontram por ora dispersos.
Palavras-chave: Vouzela, Património cultural, Idade Média, Megalitismo, Mineração.

Abstract
This project (2016-2019) focuses on the historic and archaeological heritage of the Vouzela municipality. It is
structured according to four research lines – toponymical and documental inventory, archaeological survey,
study of materials stored in museums, and excavation of selected sites – that will produce the scientific knowl-
edge necessary for subsequent valorisation of this heritage. The territory is approach diachronically, from the
Prehistory (megalithism in particular) to the Middle Ages, including the mining testimonies dated to more re-
cent times. The outcome will be twofold: on the one hand, a basis for the valorisation program, and on the other
a detailed inventory of the heritage. The latter outcome will allow the updating of the available archaeological
mapping with presently scattered, unpublished data.
Keywords: Vouzela, Cultural heritage, Middle Ages, Megalithism, Mining.

1. INTRODUÇÃO informação então disponível, enriquecida com da-


dos de terreno obtidos pelo próprio, pelo que cons-
O estudo sistemático do património histórico­ titui, ainda hoje, uma referência incontornável. O
‑arqueológico vouzelense não se pode dissociar da conhecido mapa publicado nesta monografia, que
figura de Aristides de Amorim Girão (1895­‑1960), reproduzimos na nossa Figura 1, é eloquente quanto
natural de Fataunços e pioneiro dos estudos arqueo- aos resultados desse esforço (Figura 1).
lógicos da região de Lafões. No domínio da arqueolo- O prosseguimento da investigação arqueológica no
gia, a sua obra maior, as “Antiguidades Pré­‑Históricas município de Vouzela tem, desde então, decorrido
de Lafões” (Girão, 1921), é uma compilação de toda a de forma intermitente e com trabalhos mais ou me-

1. Centro de Investigação Transdisciplinar “Cultura, Espaço e Memória”, Faculdade de Letras da Universidade do Porto; Instituto
de Estudos Medievais, Universidade Nova de Lisboa; [email protected].

2. Universidade do Algarve, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Campus de Gambelas, 8000-117 Faro; [email protected].

3. Instituto de Estudos Medievais, Universidade Nova de Lisboa, Av. de Berna, 26C, 1069-061 Lisboa; [email protected].

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nos sistemáticos, incluindo levantamentos arque- metade do século XX no nosso País – veja­‑se, a tí-
ológicos vários (p. ex., Marques, 1999). Hoje, esse tulo de exemplo, as considerações que lhes dedica
trabalho resulta num conjunto muito assinalável de Mendes Correia (1924) em “Os Povos Primitivos da
informação que, no entanto, urge reunir, organizar Lusitânia”. Depois, a investigação foi interrompi-
e interpretar para valorização futura. Nesse senti- da e mesmo ultrapassada pelos desenvolvimentos
do, e por iniciativa da própria Câmara Municipal de que tiveram lugar em concelhos limítrofes, de que o
Vouzela, foi solicitada aos signatários a elaboração caso de Antelas (Castro et al., 1957) é apenas o mais
de um projeto de investigação no domínio da His- eloquente. Nesta fase, os sítios vouzelenses cons-
tória e da Arqueologia que visasse, numa primeira tam de listagens e inventários megalíticos a escalas
fase, a sistematização da informação disponível, regionais (Castro et al., 1956; Moita, 1966; Leisner,
desde a toponímia aos achados no terreno, e a rea- 1998), mas não terão sido objeto de novos trabalhos
lização de novos trabalhos de prospeção e escavação de escavação (Cardoso, 1999). Só muito mais tarde,
que pudessem proporcionar novos elementos para na década de 1990, voltaria a ser investigada a Ma-
o conhecimento do passado vouzelense. Este pro- lhada de Cambarinho, pela empresa ArqueoHoje
jeto, intitulado “Estudo do Património Histórico­ (Carvalho et al., 1993), e ainda assim apenas para fins
‑Arqueológico de Vouzela” – ou, de modo simbó- de limpeza e consolidação do monumento. Ou seja,
lico e abreviado, “Lafões” – teve início em 2016 e mesmo este importante património pré­‑histórico
prolongar­‑se­‑á até 2019. O objetivo do presente tex- encontra­‑se muito mal documentado no municí-
to é, pois, a apresentação do mesmo e dos principais pio, limitação agravada pela persistente escassez
resultados obtidos do decorrer do seu primeiro ano de espólio que tem revelado até hoje. Com efeito,
de funcionamento. apenas o monumento n.º 1 desta necrópole propor-
cionou um conjunto artefactual expressivo que in-
2. HISTÓRIA E ARQUEOLOGIA clui geométricos, pontas de seta e lâminas em sílex
DE VOUZELA, UMA BREVE PANORÂMICA (Leisner, 1998: tafel 10, n.º I­‑14­‑19).
DIACRÓNICA No entanto, o concelho de Vouzela situa­‑se em plena
área megalítica do médio Vouga, isto é, uma região
Do período pré­‑histórico conhecem­‑se em Vouze- charneira entre o litoral de Aveiro e os planaltos da
la numerosos monumentos megalíticos, cujas fases Beira Alta, palco de um dos mais expressivos conjun-
iniciais de construção deverão datar da passagem tos megalíticos conhecidos em território nacional. E
do V para o IV milénio a.C., se se extrapolar para nesta sua localização reside a importância muito sin-
a região as cronologias absolutas disponíveis para gular que o megalitismo vouzelense assume, não só
outros setores da Beira Alta (p. ex., Cruz, 2001). A local ou regionalmente, mas também a outra escala:
inexistência de ocorrências pré­‑neolíticas – assim a das redes de interação e de circulação de pessoas e
como de contextos habitacionais anteriores ao fi- bens que se terão desenvolvido no – e, segundo di-
nal da Idade do Bronze – dever­‑se­‑á a lacunas na versos autores, terão mesmo dado origem ao – mega-
investigação que não se poderão desligar de fatores litismo da fachada atlântica do continente europeu.
tafonómicos de escala regional responsáveis pela Aspetos como a arquitetura dos monumentos, a sua
obliteração de sítios abertos e sem estruturas pere- cultura material (em particular, se incluir artefactos
nes (principalmente, erosão de vertentes e acumu- fabricados em matérias­‑primas exógenas, tais como
lação de espessos depósitos nos fundos dos vales). a variscite ou a fibrolite) ou as manifestações de arte
Para além desta dificuldade, note­‑se ainda que, das megalítica, são elementos que poderão fornecer in-
27 entradas de monumentos megalíticos e mamoas formações cruciais a este respeito.
constantes da base de dados Endovélico à data de Na sequência diacrónica, o momento seguinte re-
início deste projeto, apenas as necrópoles da Ma- presentado no município de Vouzela é a Proto­
lhada de Cambarinho e do Ventoso (ou da Cova da ‑História, de que se conhecem diversos povoados
Moura) ou a anta da Lapa da Meruje terão sido esca- fortificados, alguns dos quais já objeto de interven-
vadas com caráter sistemático. A maior parte destes ções arqueológicas sistemáticas. É o caso do Cabe-
trabalhos teve lugar no início do século XX, por ini- ço do Couço (Marques, 2014) e do Paços de Vilha-
ciativa de Girão (1921), tendo tido um impacte mui- rigues (Marques, 2014; Pedro et al., 1994: 146), que
to significativo nos estudos megalíticos da primeira conterão ocupações da Idade do Bronze e do Ferro

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(no primeiro caso) e da Idade do Ferro e de época o reinado de Afonso Magno (866­‑910). A verdadeira
romana (no segundo caso). Alguns destes castros colonização nortenha dá­‑se na transição do século
vouzelenses terão sido depois romanizados, à se- IX para X com a chegada de um grupo de membros
melhança de outras situações homólogas documen- da alta nobreza galaico­‑asturiana, que se tinha re-
tadas nas áreas regionais envolventes (p. ex., Silva e belado contra o seu rei. O mais veterano era o seu
Pereira, 2010). Vouzela foi, na época romana, um próprio irmão, Bermudo, apoiado pelo conde Dio-
importante eixo de ligação entre o litoral e a civitas go Fernandes e outros nobres. Dados documentais
de Vissaium (Marques, 2014). Por aqui passariam e toponímicos apontam para o seu estabelecimento
duas vias principais, de que se conhecem diversos nas duas margens do Vouga, em Bordonhos e em
marcos miliários, um deles, atribuído ao século III, Moçâmedes (Real, 2013a: 211­‑217; 2013b: 84­‑88).
integrado na coleção do Museu Municipal de Vou- Nesta última localidade terá sido criado, pelos con-
zela (miliário de Vouzela, milha XVIII). Para além des Diogo Fernandes e Onega, o terceiro filho do
dos vestígios epigráficos, alguns deles existentes em príncipe Ordonho – sendo este, então, senhor da
afloramentos, pouco mais se conhece sobre as carac- Galiza – o qual veio a ser temporariamente rei em
terísticas do povoamento romano, uma vez que não Viseu (926­‑930), antes de ascender ao trono de Leon
existem dados provenientes de escavações arqueo- com o epíteto de Ramiro II.
lógicas de sítios de fundação romana ou localizados Deste período conservam­‑se vestígios arqueológi-
nas áreas de vale. Apenas estão identificados alguns cos, entre outros locais: na capela de S. Martinho,
locais onde se fizeram recolhas de superfície e que nas Caldas de Lafões; no lugar do primitivo assento
constam da carta arqueológica (Quintas da Tapada, da igreja de Santa Marinha, em Paços de Vilharigues;
da Cruz, do Paço, do Sabugueiro, etc.; cfr. Marques, e, também, em prédios vizinhos da igreja de Figuei-
1999: 32­‑38). É muito provável, no entanto, que redo das Donas. Na Senhora do Castelo localizava­
possa ter existido uma exploração sistemática dos ‑se o célebre castelo de Lafões, que no século XI se
recursos minerais durante esta fase histórica, como tornará a cabeça de terra, e cujo nome deriva aparen-
o parecem sugerir alguns dados já compilados no temente da designação dada aos dois montes que aí
decorrer do presente projeto (ver adiante). se erguem, lado a lado, e que em árabe eram conhe-
Ainda são reduzidos os conhecimentos sobre o perí- cidos por al­‑ahwayn, ou “Os Dois Irmãos” (Aillet,
odo correspondente às monarquias suevo­‑visigoda. 2005a: 300; 2005b).
Apenas uma lucerna, de provável de fabrico braca- Após a reconquista de Almançor (c. 987­‑997), esta
rense, com iconografia cristã, encontrada em tra- região atravessou um período de grande estabilida-
balhos agrícolas e que se encontra hoje no Museu de, que foi acompanhado pela afirmação progressi-
Municipal de Vouzela, documenta para já o perí- va de elites locais. E, efetivamente, o aparecimento
odo histórico de transição. Apesar do silêncio das precoce de informações sobre uma série de templos
fontes para os primeiros contactos entre as gentes no aro imediato de Vouzela demonstra, claramente,
de Lafões com o mundo islâmico, os mesmos apa- a existência de uma sociedade com meios e ambição
rentam ter sido pacíficos, como o comprovam as suficientes para fundar edifícios religiosos, uma das
breves alusões documentais referentes a cidades do prerrogativas na manifestação de poder usada pelas
ocidente peninsular que negociaram a rendição e, elites da época. É notória a concentração de igrejas
inclusivamente, como o parece testemunhar o pró- nesta região face a outros territórios do centro de
prio topónimo “Sul” (ou “Sur”, nos textos medie- Portugal, onde as mesmas são escassas ou inexis-
vais), derivado de “Suhl”, que significa “Pacto” em tentes até ao século XII. Em contrapartida, em La-
árabe (Real, 2013a: 208­‑209; 2015: 39­‑41). Assim, fões são poucas as sepulturas escavadas na rocha,
e contrariando a tradicional teoria do ermamento, que, no entanto, são muito abundantes nos terri-
o território continuou ocupado, à semelhança de tórios vizinhos. Esta análise comparativa e as suas
outros seus vizinhos. Durante este período parece explicações foram já encetadas (Tente, 2017), mas
ter emergido uma elite local que terá sido o ponto desenvolver­‑se­‑ão no decurso deste projeto.
de contacto privilegiado com a gentes do Norte e Um outro lugar de referência medieval do concelho
do Sul. A presença de uma incipiente estrutura de de Vouzela é a velha honra de Moçâmedes, antiga
poder deverá ter sido o elemento impulsionador dos casa­‑mãe da estirpe lafonense e que, por motivos
primeiros contactos com presores cristãos, durante ainda não totalmente esclarecidos, aparece reguen-

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ga nos inícios do século XII. Na verdade, em 1133, mais salientes. O conjunto de dados assim reunidos
a respetiva “villa” será doada por D. Afonso Henri- constituirá a base sobre a qual se procederá, com a
ques, possivelmente a um bastardo da rainha D. Ur- conclusão do presente projeto, à elaboração de um
raca, Fernão Peres “Furtado”. Mais tarde, em 1389, programa que vise, através de diversas valências e
na sequência da instabilidade ocorrida com a crise ações a definir nesse momento, a valorização deste
dinástica, estes bens vão parar às mãos de Gonçalo património e a definição de estratégias para o seu
Pires Almeida, do qual descendem os Senhores de usufruto público. Para o efeito, o projeto estrutura­
Moçâmedes, que desempenharam papel relevante ‑se em quatro eixos de investigação, que se cons-
na região e em vários momentos da História nacio- tituem como os objetivos principais do mesmo: 1)
nal. Ao que parece, a segunda mulher deste Gonçalo levantamento documental e toponímico detalhado;
Pires, D. Inês Anes, terá sido ama de leite do Infante 2) prospeção arqueológica direcionada para pontos­
D. Henrique. Foram igualmente aios do príncipe, o ‑chave do território; 3) estudo dos espólios de es-
cavaleiro da Ordem de Cristo, D. Vasco Gonçalves cavações antigas; 4) escavação e/ou sondagem de
de Almeida, e sua mulher D. Mécia Lou­renço. Mas sítios arqueológicos selecionados.
a epígrafe em que estes atestam essa honraria – con- A pesquisa documental tem­‑se orientado em dois
servada na casa­‑mãe da Ordem – refere simplesmen- sentidos: recenseamento e estudo de fontes escritas
te que foram seus “amos”. Tal pode ter acontecido já sobre o território de Lafões; levantamento da mi-
quando ele era criança mais crescida ou quase ado- crotoponímia do concelho de Vouzela. Quanto ao
lescente. É abusivo considerar que foram os únicos primeiro aspeto, tem­‑se procurado identificar toda
amos, especialmente como criadores logo à nascen- a documentação existente até finais do século XII,
ça, e tem­‑se caído insistentemente nesse erro. De relativa à antiga Terra de Lafões. A recolha estende­
facto, um documento referente ao dote de casamen- ‑se a períodos mais recentes para o território do con-
to de um filho de Gonçalo Pires e Inês Anes, João de celho, com particular incidência para a baixa Idade
Almeida, aponta este último, expressamente, como Média, se bem que, pontualmente e em casos jus-
“colaço” do Infante D. Henrique (Comissão… 1962: tificados, também se faça recurso a fontes de época
287). Ora, isto pode indiciar que ele tenha passado os moderna e contemporânea. Da pesquisa já efetuada
primeiros anos de vida nesta localidade. E o apare- e em conjugação com trabalho de campo, foi já pos-
cimento de diversas casas nobres na região de Vou- sível identificar vinte e oito igrejas e mosteiros em
zela, entre os séculos XIII e XV, com algumas ainda Lafões, entre os séculos IX e XI. A outra vertente
de pé, explica que este concelho seja um exemplo diz respeito à inventariação sistemática da microto-
invulgar de preservação de casas­‑torre senhoriais, ponímia em todas as freguesias que hoje integram
de que são exemplo as de Cambra, Vilharigues e Al- o município de Vouzela4. A estratégia seguida pas-
cofra (Fig. 2). Duas destas torres tiveram trabalhos sa pela consulta dos registos prediais constantes do
arqueológicos de escavação. A torre de Vilharigues arquivo do Serviço de Finanças de Vouzela. Foram
foi intervencionada em 2011 no âmbito do projeto consultadas mais de duas dezenas de livros, con-
de valorização pela empresa ArqueoHoje, estando tendo dados sobre matrizes antigas (a. 1899 e princ.
os resultados prestes a ser publicados (Santos et al., séc. XX), bem como as respeitantes às reformas de c.
s.d.). A Torre de Cambra foi intervencionada em 1935/37 e c. 1976. Durante este primeiro ano de vi-
1997, por J.A. Marques (1999: 40; 2005: 61), tendo gência do projeto foram vistos os livros de cinco das
sido recolhidos vestígios diversos que o autor bali- freguesias, tendo­‑se registado o seguinte número
za entre os séculos XII/XIII e os séculos XVI/XVII de microtopónimos: Cambra (2422 mtop), Fataún-
(Figura 2). ços (932 mtop), Paços de Vilharigues (985 mtop), S.
Miguel do Mato (518 mtop) e Ventosa (2623 mtop).
3. OBJETIVOS DO PROJETO E PRIMEIROS Neste cômputo incluem­‑se nomes compostos e
RESULTADOS seus derivados, por desdobramento. Há repetição
de nomes em localidades distintas, por desconheci-
O projeto Lafões visa, em essência, a sistematização
da informação histórico­‑arqueológica do concelho 4. Esta tarefa está a cargo de Daniel Melo, colaborador da
de Vouzela e a obtenção de novos dados que permi- Câmara Municipal de Vouzela, e que integra a equipa do
tam colmatar algumas das lacunas de conhecimento presente projeto.

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mento ou flutuação dos respetivos limites. Trata­‑se do Castro de Zibreiro (situado entre Alcofra e Vilha-
de um instrumento de pesquisa que se está a revelar rigues) e um presumível povoado mineiro, inédito,
essencial para múltiplos objetivos: inventário ar- em Santa Cruz, nas proximidades de Caria.
queológico (covas, antas, castros, marcos divisórios, Para se atingir uma visão estrutural da organização
calçadas, pontes, antigos templos ou oragos, sepul- do território, as pesquisas no terreno também estão
turas, fojos mineiros, forca, soengas, achados for- a ser orientadas para dois tipos de testemunhos. A
tuitos, etc.); localização de topónimos constantes identificação de caminhos tradicionais, mesmo os
da documentação medieval e cuja memória quase de carácter secundário – de que restam inúmeras
desapareceu; caracterização do território do ponto calçadas, algumas delas hoje já intransitáveis – po-
de vista orográfico, hidrográfico, geológico, agrícola, derão fornecer importantes pistas sobre a dinâmica
florestal, ganadeiro, etc., assim como sobre diver- socioeconómica da região, em épocas mais recu-
sas formas de povoamento (aldeias, casais, quin- adas. Outro aspeto não menos relevante é o da in-
tas, etc.) e de aproveitamento dos recursos naturais ventariação das antigas balizas de demarcação da
(represas, moinhos, minas, etc.). A oportunidade propriedade, pois refletem o quadro da implantação
desta pesquisa é revalorizada pela circunstância de senhorial. O zonamento da exploração do território
estar a desaparecer a memória de muitos microto- não se pode desligar das características e potencia-
pónimos, seja pelo abandono das terras de lavoura e lidades económicas das diversas partes que o com-
pastoreio, seja porque no cadastro mais recente, por põem, assim como das vicissitudes do devir histó-
mero facilitismo, se tenham agregado vários nomes rico da região. Para já, estão identificados marcos
antigos numa única e imperfeita designação. Com o divisórios relacionados com propriedades do Rei,
apoio da população local – lavradores, pastores e an- do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, da Univer-
tigos exploradores de volfrâmio – tem­‑se consegui- sidade de Coimbra e de senhorios particulares que,
do identificar muitos locais com potencial interesse provisoriamente, relacionamos com Abreu e Melo
arqueológico, os quais estão a ser georreferenciados (senhor de Alcofra) e Almeida e Vasconcelos (se-
por GPS. nhor de Moçâmedes).
Até ao momento, a prospeção arqueológica foi fun- Sendo a Senhora do Castelo (Figura 3) um local de
damentalmente dirigida para a relocalização das re- referência em todo o território, não só pelo papel
ferências a sítios já conhecidos e à avaliação das suas que desempenhou como castelo cabeça­‑de­‑Terra em
atuais condições de conservação. Um dos principais época medieval, mas também como elemento geo-
problemas encontrado na prospeção é a densa ve- gráfico de referência na paisagem, foi já realizada a
getação que, em muitos dos casos, impossibilita a prospeção sistemática das suas vertentes. O topo
visualização do solo ou a própria progressão no ter- do monte foi profundamente alterado, não só por
reno. Ainda assim, alguns progressos foram já atin- sucessivas obras de construção da capela dedicada
gidos (ver abaixo). Foi feito algum reconhecimento à Senhora do Castelo, que sofreu vários momentos
no terreno, a partir de indicações obtidas junto da de construção e ampliação, mas também pela im-
população local sobre eventuais vestígios antigos. plementação de antenas de comunicação. Nas ver-
Tal estratégia possibilitou a identificação de alguns tentes é possível ainda reconhecer duas sepulturas
abrigos sob rocha, dois dos quais a intervencionar escavadas na rocha, já referenciadas (Girão, 1921: 16;
em 2017: o Abrigo da Abelheira, sítio inédito loca- Marques, 1999:49; 2005: 71; 2014: 57), e diversos
lizado próximo da anta da Lapa da Meruje, e a Casa derrubes de muralhas, bem como alguns pedaços
dos Mouros de Vale do Redondo, também inédito, de cerâmica. Tudo indica, portanto, que o antigo
situado próximo da aldeia de Queirã. Os vários cas- castelo se encontra praticamente destruído. Porém,
tros proto­‑históricos conhecidos foram já visitados, pretende­‑se no âmbito deste projeto realizar ali al-
tendo­‑se observado a sua afetação pela atividade dos gumas sondagens, para averiguar a eventual exis-
madeireiros, nomeadamente no Outeiro do Castro, tência de contextos arqueológicos preservados.
após o incêndio que atingiu a zona de Fornelo do Outros dados importantes da prospeção relacionam­
Monte. Apesar das referidas dificuldades sentidas ‑se com o reconhecimento de elementos arquite-
no terreno, os trabalhos de prospeção permitiram tónicos e epigráficos, hoje dispersos, mas que in-
já a identificação povoados menos conhecidos e em tegrariam antigos templos medievais. Entre eles,
excelentes condições de conservação, como é o caso conta­‑se um fuste de coluna recentemente vanda-

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lizado, com seu capitel, que serviam de apoio a um das zonas de exploração está a fornecer dados mui-
cruzeiro, junto à igreja de Queirã. Mas um dos mais to interessantes, nomeadamente pela associação de
emblemáticos achados, neste âmbito, foi a inscrição parte da rede viária à estrutura geológica do subsolo.
hoje integrada na parede de um curral na aldeia de A estreita relação entre certos troços de via e a orien-
Figueiredo das Donas (Figura 4) e que, conjunta- tação de alguns dos principais filões de minério (por
mente com outros elementos arquitetónicos inte- exemplo, entre a Mina do Cume e Carvalhal de Esta-
graria, certamente, a igreja que ali existiu entre os nho, ou entre Queirã e Vasconha) faz supor um ante-
séculos X e XI. É a seguinte, a sua leitura: + AURIA- cedente remoto para o traçado dos velhos caminhos,
SU / CRESCON[es] / FECIT. Pelo respetivo teor, os quais poderão acaso remontar ao Bronze Final,
estaremos perante o nome do patrono ou constru- quando o território era já procurado para a explora-
tor, alguém que, devido à sua riqueza ou por estar ção de estanho. Ainda estamos numa fase inicial da
ligado à prospeção aurífera, recebeu ou adotou o investigação, mas parece haver indícios de um poço
nome de Auriasu (“Auri+assu”, que em latim signi- e galerias de exploração romana, ainda conservados
ficaria “de ouro puro”). na Senhora do Castelo, assim como, na vertente de
Também no que se refere às torres senhoriais da bai- Fataunços, de um possível moinho de trituração de
xa Idade Média, foram recolhidas informações orais minério. Para além disso, foi identificado um recinto
e toponímicas para a existência de mais constru- até hoje inédito, no outeiro de Santa Cruz, próximo
ções deste tipo, o que possibilitou a identificação de de Caria e sobranceiro à Ribeira das Levadas – topó-
outras que eram, até ao momento, desconhecidas: nimo eloquente, pois foi uma zona rica em explora-
Loumão, Levides e Sacorelhe. E existem pistas que ções de aluvião – lugar esse que corresponderá a um
nos apontam para mais sítios ainda por explorar. To- povoado mineiro de época romana, senão mesmo a
davia, tem sido infrutífera a demanda para encon- um local para controlo das explorações antigas entre
trar o local onde se situaria a torre de Bendavises, Queirã e S. Miguel do Mato.
que Amorim Girão refere ter sido demolida em 1886 A única escavação arqueológica encetada no ano
para edificar uma casa particular (Girão, 1921: 13; ver de 2016 incidiu num dos numerosos monumentos
também Marques, 1999: 43). megalíticos vouzelenses, a Lapa da Meruje (Carva-
Um tema identitário da região que estamos a anali- lhal de Vermilhas), um grande dólmen de câmara e
sar é o da mineração. O seu estudo não pode deixar corredor, diferenciáveis em planta e alçado, e com
de considerar a intensa atividade de exploração aí mamoa preservada em mais de metade da sua es-
desenrolada até aos anos 70 do século passado, até pessura original. Os critérios subjacentes a esta es-
porque frequentemente ela incidiu sobre locais in- colha derivaram, essencialmente, de dois fatores:
tervencionados desde alta antiguidade. Para o efeito, em primeiro lugar, da sua localização privilegiada
a equipa tem­‑se socorrido de fontes bibliográficas e numa depressão a meia­‑encosta e a existência de
documentais diversas, com destaque para os regis- infraestruturas de apoio a visitas (que serão fun-
tos oficiais da concessão de minas5 e da microtopo- damentais na valorização futura do sítio arqueoló-
nímia, assim como do apoio entusiástico de antigos gico); em segundo lugar, da verificação do enorme
exploradores de volfrâmio, que muito têm contri- potencial científico que esta anta ainda apresenta.
buído para o mapeamento das jazidas e locais de O facto de ter sido o primeiro dólmen intervencio-
interesse arqueológico a elas associados. O concelho nado por Amorim Girão, que nele fez “uma ligeira
de Vouzela, além da intensa produção de volfrâmio, escavação” (1921: 47) a 29 de março de 1917, confere­
tem permitido explorar estanho (Figueiredo, Bejan- ‑lhe um valor simbólico acrescido no contexto do
ca, Fojo, Vale de Susão, etc.) e ouro (Vouzela, Vila projeto Lafões, inclusive por se estar a comemorar o
Nova, Bejanca, Porteira, Vale de Susão, etc.) e, in- centenário dessa pioneira intervenção. A relocaliza-
clusive, possui algum urânio (Fundegos, Serrinha, ção da escavação inicial e a avaliação da sua extensão,
etc). Houve explorações, tanto por intermédio de foi aliás um dos objetivos principais da campanha
galerias e poços, como através de do garimpo de alu- de 2016. Outro grande objetivo foi também, desde
vião ou com perfurações a céu aberto. A cartografia logo, a documentação da estrutura da mamoa do
monumento e a sondagem do paleossolo subjacen-
5. Existem oito livros de registo no arquivo da Câmara, en- te. Para estes efeitos, decidiu­‑se abrir uma sanja de
tre 1907­‑1979, faltando, porém, o primeiro volume da série. 14×2 m na metade sul da mamoa abarcando também

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parte da câmara onde tiveram lugar os trabalhos de mentos megalíticos e mamoas referenciados
1917 (Figura 5). em diversas publicações e bases de dados – e
Os resultados obtidos em 2016 deixam antever, de identificação de novos locais com interesse ar-
facto, um monumento ainda muito bem preserva- queológico.
do. Com efeito, tendo a escavação na câmara atin- – Continuação da pesquisa nas fontes medievais,
gido cerca de metade da potência total do seu pre- tanto cristãs como árabes, que permita referen-
enchimento (estimada em c. 200 cm), foi possível ciar toda a documentação antiga disponível so-
verificar que a escavação de 1917 não terá ultrapas- bre este território e, mais importante, que pos-
sado os 60 cm de profundidade em relação à cota da sibilite a correlação objetiva entre referências
sua superfície à data de realização dos trabalhos, o documentais e vestígios arqueológicos, assim
que perfaz c. 85 cm abaixo da cota atual. O achado como a interpretação conjunta dos mesmos.
apenas de artefactos esparsos (três micrólitos em – Realização do inventário do património arqueo-
sílex) sugere que os níveis in situ estarão ainda con- lógico em articulação com a base de dados geor-
servados a cotas inferiores, daqui se percebendo, referenciada em uso pelos serviços camarários,
portanto, as razões do lamento de Girão (1921: 47) para gestão do território, de forma a inserir em
ao concluir que a sua escavação “[…] nada produziu tempo útil os dados patrimoniais na gestão cor-
digno de menção”. A campanha de 2017 deverá es- rente da autarquia. Deste inventário constam
clarecer em definitivo esta questão. Note­‑se ainda todos os dados requeridos pelo Regulamento
que, nos sedimentos revolvidos do topo do preen- de Trabalhos Arqueológicos de forma a que haja
chimento da câmara e área imediatamente adjacen- uma articulação facilitada e direta entre o que é
te se identificaram artefactos cerâmicos e metálicos exigido pela Tutela e os dados necessários a uma
que testemunham eventos de reutilização deste es- gestão sustentada dos recursos naturais e cul-
paço em época proto­‑histórica e medieval. turais do território.
A escavação da mamoa, por seu lado, permitiu do- – Cartografia sistemática de todos os caminhos
cumentar os restos de uma couraça pétrea (severa- e calçadas antigas, quer de cronologia romana,
mente afetada nalguns setores pela extração de pe- quer medieval e moderna. Estes vestígios, com
dra, provavelmente para a construção dos muros de importantes troços ainda muito bem preserva-
divisão de propriedade da envolvência) e um con- dos em Vouzela, são eixos centrais da estrutu-
traforte erigido com grandes lajes de granito dispos- ração do povoamento e fulcrais para a compre-
tas na vertical em torno da câmara do monumento. ensão do território a partir da época romana.
Os sedimentos da mamoa são muito homogéneos, – Limpeza da vegetação e levantamento topográ-
de colorações negras, e com uma importante com- fico sistemático de alguns povoados fortifica-
ponente argilosa, distinguindo­‑se com dificuldade dos, como será o caso de Castêlo, em Alcofra.
do paleossolo subjacente no processo de escavação. – Escavação arqueológica precedida de sondagem
Ainda assim, foi possível identificar um nível arque- nos abrigos sob rocha da Abelheira (Carvalhal
ológico na interface entre a mamoa e o solo original, de Vermilhas) e da Casa dos Mouros de Vale
composto por cerâmica lisa, de cozeduras oxidan- do Redondo (Queirã) para verificação dos seu
tes, e talhe do quartzo, de muito boa fatura. Este potencial arqueológico, no primeiro caso, ou
nível deverá ser melhor caracterizado em termos para documentação das ocupações da Idade do
cronológicos e funcionais na campanha de 2017. Bronze final já conhecidas em achados de su-
perfície, no segundo caso. Estes trabalhos es-
4. PERSPETIVAS DE TRABALHOS FUTUROS tão previstos para 2017. Está também prevista,
conquanto em datas ainda por estabelecer, a
Tendo o projeto tido o seu início apenas em 2016, realização de sondagens na Senhora do Castelo
muito trabalho está ainda por realizar. Dentro da (Vouzela) a fim de averiguar a conservação de
planificação do mesmo, prevê­‑se ainda o seguinte eventuais contextos arqueológicos sobreviven-
conjunto de ações concretas: tes às múltiplas obras a que o monte foi sujeito
– Prosseguimento das prospeções arqueológicas nas últimas centúrias (ver acima). Será ainda
visando a relocalização de sítios já conhecidos avaliada a pertinência de uma sondagem no jar-
— como, por exemplo, dos numerosos monu- dim interior do Paço de Moçâmedes.

119
– Continuação dos trabalhos na anta da Lapa da CORREIA, A. Mendes (1924) – Os povos primitivos da Lu-
Meruje. Com efeito, para além da escavação sitânia (Geografia, Arqueologia, Antropologia). Porto: Tipo-
atualmente em curso e que se prolongará até grafia Sequeira Lda.

2019, realizar­‑se­‑ão igualmente trabalhos de CRUZ, Domingos J. (2001) – O Alto Paiva: Megalitismo, di‑
consolidação e restauro do monumento, se en- versidade tumular e práticas rituais durante a Pré­‑História
cessário, para que possa, concluído o seu estu- recente. Coimbra: Universidade de Coimbra (Dissertação de
Doutoramento; policopiada).
do in situ, ser revalorizado no próprio local de
implantação e reforçar a disponibilização de co- GIRÃO, António Amorim (1921) – Antiguidades pré­‑histó­
nhecimentos sobre o mesmo à população vou- ri­cas de Lafões. Contribuição para o estudo da arqueologia
zelense e visitante para seu usufruto. portuguesa. Coimbra: Imprensa da Universidade.

– Em termos de difusão de resultados e de casos MARQUES, Jorge Adolfo Meneses (1999) – Carta Arqueo‑
concretos de valorização patrimonial, a equipa lógica do Concelho de Vouzela. Vouzela: Câmara Municipal
continuará a prestar acompanhamento cientí- de Vouzela.
fico à autarquia e encarregar­‑se­‑á da produção MARQUES, Jorge Adolfo Meneses (2005) – Vouzela. Patri‑
de conteúdos para os projetos de requalificação mónio Arqueológico. Sítios e rotas. Vouzela: Câmara Muni-
e musealização das torres medievais de Vilha- cipal de Vouzela.
rigues, Cambra e Alcofra. Paralelamente, será MARQUES, Jorge Adolfo Meneses (2014) – Lafões. História
preparado um guião para a requalificação do e Património. Viseu: edições Esgotadas.
Museu Municipal de Vouzela, projeto que irá
PEDRO, Ivone; VAZ, J.L.I.; ADOLFO, Jorge (1994) – Rotei‑
ser levado a cabo a médio prazo. ro arqueológico da região de turismo Dão–Lafões. Viseu.

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Figura 1 – Mapa retirado das “Antiguidades Pré-Históricas de Lafões”, com indicação de monumentos megalíti-
cos, “grutas”, castros e vias romanas (segundo Girão, 1921).

121
Figura 2 – Torres senhoriais medievais de Vouzela: A. Vilharigues, B. Cambra, C. Alcofra.

Figura 3 – Postal datado de 1920 ilustrando, em primeiro plano, a vila de Vouzela e a sua ponte ferroviária e em fundo,
à esquerda, o Monte da Senhora do Castelo (antiga cabeça-de-terra do território medieval de Lafões) e, no horizonte,
o Monte Lafão.

122
Figura 4 – Elemento epigráfico encontrado em Figueiredo das Donas.

Figura 5 – Vista geral dos trabalhos de escavação na anta da Lapa da Meruje em Julho de 2016, com a sanja aberta nesse
ano em primeiro plano (fotografia aérea com drone, por Júlio Rocha).

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