Tese Giglio Final PDF

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 518

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE EDUCAÇÃO FÍSICA E ESPORTE

COI x FIFA: A HISTÓRIA POLÍTICA DO FUTEBOL NOS JOGOS OLÍMPICOS

SÉRGIO SETTANI GIGLIO

SÃO PAULO
2013
SÉRGIO SETTANI GIGLIO

COI x FIFA: A HISTÓRIA POLÍTICA DO FUTEBOL NOS JOGOS OLÍMPICOS

Tese apresentada à Escola de Educação


Física e Esporte da Universidade de São
Paulo, como requisito parcial para obtenção
do grau de Doutor em Ciências. Programa
Educação Física.

Orientadora: Profª Drª Katia Rubio

SÃO PAULO
2013
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a
fonte.

Catalogação da Publicação
Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo

Giglio, Sérgio Settani


COI x FIFA: a história política do futebol nos Jogos Olímpicos /
Sérgio Settani Giglio. – São Paulo : [s.n.], 2013.
518p.
Tese (Doutorado) - Escola de Educação Física e
Esporte da Universidade de São Paulo.
Orientadora: Profa. Dra. Katia Rúbio.

1. Futebol (História) 2. Jogos olímpicos 3. Copa do mundo


I. Título.
Nome: GIGLIO, Sérgio Settani
Título: COI x FIFA: A histórica política do futebol nos Jogos Olímpicos

Tese apresentada à Escola de Educação


Física e Esporte da Universidade de São
Paulo, como requisito parcial para obtenção
do grau de Doutor em Ciências. Programa
Educação Física.

Aprovado em:

Banca Julgadora

Profª. Drª. Katia Rubio (orientadora) Instituição: USP

Julgamento: ______________________ Assinatura: ____________________

Prof. Dr. Arlei Sander Damo Instituição: UFRGS

Julgamento: ______________________ Assinatura: ____________________

Prof. Dr. Fábio Franzini Instituição: UNIFESP

Julgamento: ______________________ Assinatura: ____________________

Prof. Dr. José Paulo Florenzano Instituição: PUC-SP

Julgamento: ______________________ Assinatura: ____________________

Prof. Dr. Wanderley Marchi Jr. Instituição: UFPR

Julgamento: ______________________ Assinatura: ____________________


Dedicatória

Dedico este trabalho ao Rafael e à


Ivana que me fazem sorrir todos os dias.
Agradecimentos

O dicionário Aurélio informa que agradecimento é “o ato ou efeito de agradecer;


gratidão, reconhecimento; palavras ou fatos com que o agradecimento se
manifesta”. É com o significado desta simples palavra que escrevo os meus
agradecimentos, como forma de reconhecer e ser grato a todos aqueles que
cruzaram meu caminho ao longo de minha trajetória. O produto final de um longo
trabalho de pesquisa que aqui representa a conclusão do doutorado, após quatro
anos de muito estudo, incertezas, alegrias, decepções, dedicação, organização etc.
leva apenas o meu nome como autor da tese. Por um lado isso é justo, pois fiquei
várias horas em frente ao computador para escrevê-lo. Por outro lado isso não é
justo, pois mesmo o trabalho de escrita foi permeado por uma série de sugestões,
olhares, dúvidas, questionamentos, apontamentos, enfim, possibilidades a serem
traçadas. Inúmeras pessoas fizeram parte desses momentos e envio a elas os meus
sinceros cumprimentos por terem feito parte da tese. Sem vocês nada do que está
sendo apresentado aqui seria possível.

Desse modo, agradeço aos jogadores que se dispuseram a participar da pesquisa,


abrir suas casas, contar as suas histórias sem ao menos me conhecer. Confiaram
em mim, no projeto de pesquisa coordenado pela minha orientadora, a professora
Katia Rubio, a quem sou muito grato por ter me dado a oportunidade de estudar os
Jogos Olímpicos e nele encontrar um futebol de certa forma esquecido pelo mundo
atual, mas que foi de fundamental importância para entender como os rumos dessa
modalidade foram traçados.

Agradeço também aos membros da banca que aceitaram participar desse momento
especial de minha carreira acadêmica. Ao José Paulo Florenzano (PUC-SP) que ao
longo dos anos se tornou um grande amigo; ao Fabio Franzini (UNIFESP) que, além
de ter partilhado por pouco tempo a sala de professores da Uninove, também se
tornou um grande amigo; ao Arlei Sander Damo (UFRGS) com quem desde 2006
mantenho um contato próximo que só não é mais frequente pela distância entre São
Paulo e Porto Alegre; e ao Wanderley Marchi Junior (UFPR) que, apesar de ter feito
doutorado na FEF-Unicamp enquanto eu estava por lá, só o conheci pessoalmente
no momento da defesa. Aos suplentes, Alcides José Scaglia (UNICAMP), Bernardo
Borges Buarque de Hollanda (FGV), Flavio de Campos (USP) e Luiz Henrique de
Toledo (UFSCAR) que também aceitaram fazer parte desse quadro de professores a
compor a banca.

Agradeço a paciência e o entendimento da minha esposa Ivana, que sempre


entendeu e me incentivou para me dedicar à pesquisa, mesmo que isso significasse
minha ausência. Ao Rafael, nosso filho, que se antecipou aos nossos planos e
nasceu logo após a qualificação. Certamente ele não lembrará, mas fiquei com ele
menos tempo do que desejava, para poder concluir o que tinha começado antes de
ele existir.

Sem a ajuda da minha irmã Luciana na transcrição de inúmeras entrevistas eu não


teria dado conta de tudo o que me propus a fazer. Também agradeço a ajuda da
Mariana, minha outra irmã, que fez o download de vários anos dos Boletins
Olímpicos. A tese é feita também por uma série de trabalhos braçais e altamente
cansativos. Por isso agradeço imensamente a ajuda delas.

Agradeço aos meus pais, que sempre me incentivaram na busca de meus sonhos e
também ao fato de me ajudarem a ficar com o Rafael nos dias em que precisava
trabalhar à noite. Essa “dura” tarefa de avós também foi partilhada com a minha
sogra Regina e com a Lucimar, que é da família faz um tempão. Sem a ajuda de
todos esses “avós” teria sido complicado.

À Regina, minha sogra, e ao Dani, meu cunhado, que em suas viagens aos Estados
Unidos sempre voltavam com um livro sobre Jogos Olímpicos que eu não
encontrava aqui no Brasil.

Ao Dalvio, meu sogro, que diante da minha corrida contra o tempo para finalizar a
tese, gentilmente, fez o resumo em inglês.

Na busca pelos contatos ou no agendamento das entrevistas, agradeço ao meu


amigo Thiago Zambelli; ao Cesar Oliveira do site Livros de futebol; ao Rodrigo
Weber da assessoria do Internacional de Porto Alegre; ao Bruno de Lucena do
Departamento de Patrimônio Histórico do Flamengo; ao Ricardo Pinto do Centro de
Memória e ao João Ernesto da Costa Ferreira, vice-presidente do Departamento de
Relações Especializadas, ambos do Vasco da Gama; ao Fernando Razzo Galuppo
do Palmeiras, que me indicou o José Ezequiel Filho também do Palmeiras; Carolina
Rodrigues do Santos Futebol Clube; ao meu primo Bruno Setani, que me levou até o
seu amigo Thiago Reggiani do Ituano; aos amigos Paulo Favero do jornal O Estado
de S. Paulo e Daniel Vaina do Terra; ao Thiago Arantes da ESPN-Brasil; ao Rodrigo
Linhares da Rádio Pairaquê; Ednilson Valia e Marcos Júnior, do site Terceiro Tempo,
que se disponibilizaram a ajudar com os contatos dos ex-jogadores; aos jornalistas
José Cruz e Juca Kfouri a quem procurei em alguns momentos para tentar encontrar
alguns atletas; aos vários membros do Memofut, em especial ao Gustavo Carvalho e
ao senhor Domingos D’Angelo que me ajudaram a decifrar a lista dos convocados
das mais diversas edições dos Jogos Olímpicos.

À Shirley Ito, da LA Foundation, pela pronta ajuda e atenção dispensada quando


pedi algum documento que não estava disponível no site da Fundação. Ela me
ajudou todas as vezes em que precisei.

Ao Anthony Th. Bijerk, que me indicou a Nuria Puig, que me levou até o Olympic
Studies Centre do COI para conseguir a lista completa de todos os membros do COI.

Aos membros do Grupo de Estudos Olímpicos (GEO) e, em especial, ao Raoni que


escaneou vários materiais que não havia na biblioteca da USP, ao Bernard pelas
conversas e pela organização do material das entrevistas e ao Birigui.

Aos membros do Grupo Interdisciplinar de Estudos sobre Futebol (GIEF),


especialmente aos que debateram comigo tanto o texto da qualificação quanto das
versões seguintes: Diego Frank Marques Cavalcante, Diana Mendes Machado da
Silva, Giovana Capucim e Silva, Marcel Diego Tonini, Marco Antunes de Lima,
Marco Aurélio Duque Lourenço, Marcos Marques dos Santos Jr., Marina Oliveira,
Max Filipe Nigro Rocha, Paulo Henrique do Nascimento, Ricardo André Richter,
Tiago Machado Rosa, Victor de Leonardo Figols e Vitor Canale. Ao Ademir Takara
que participou de algumas reuniões.

Ao Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Futebol e Modalidades Lúdicas


(LUDENS), em especial aos pesquisadores que participaram do projeto de pesquisa
do qual fiz parte: Marcel Tonini, Paulo Nascimento, Daniela Alfonsi, Aira Bonfim,
Bruna Gottardo. Além deles, também integram a pesquisa os estagiários do
LUDENS: o André Feres, Willian Contini, Breno Macedo, Bruno Jeuken e Amanda
Macedo, que nos auxiliaram nas entrevistas com a produção do roteiro acerca dos
principais fatos da vida dos atletas e no manuseio do equipamento profissional que
utilizamos nas filmagens. Aos professores Flavio de Campos (coordenador) e ao
professor Marco Antonio Bettine de Almeida (vice-coordenador). Ao funcionário
William Maranhão, que sempre nos auxiliou diante das inúmeras burocracias que
precisavam ser entendidas. Também aos membros com quem participei de algumas
reuniões, os professores José Geraldo Vinci de Moraes, Luiz Henrique de Toledo e
Fatima Martin R. F. Antunes.

Ao Márcio Morato, ou simplesmente Véi, com sua leitura atenta e sugestões


precisas.

Ao Victor Lugli pela ajuda com algumas expressões em Latim.

Agradeço aos funcionários da secretaria da pós-graduação, a Ilza, o Márcio, o Paulo


e a Mariana pela paciência diante das minhas inúmeras perguntas.

Aos coordenadores da Universidade Nove de Julho que permitiram reduzir a carga


horária para me dedicar ao doutorado.

Ao Fundo Sasakawa, que me concedeu uma bolsa de estudos no último ano da


tese. Bolsa que permite ao pesquisador ter vínculo empregatício. Aos comentários e
sugestões dos professores Adalberto Américo Fischmann, Carlos Roberto Azzoni e
Pedro Bohomoletz de Abreu Dallari feitos por ocasião das apresentações dos
relatórios parciais e do relatório final da bolsa.
GIGLIO, Sérgio S. COI x FIFA: a história política do futebol nos Jogos Olímpicos.
2013. 518f. Tese (Doutorado em Ciências) - Escola de Educação Física e Esporte.
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.

RESUMO

Esta tese trata da constituição do campo esportivo (BOURDIEU, 1983) do futebol


nos Jogos Olímpicos. Para apresentar a configuração dessa estrutura foi utilizada
uma análise documental juntamente com a história de vida dos atletas brasileiros
que participaram do torneio olímpico entre 1952 e 1988. O tema referente ao
amadorismo e profissionalismo estruturou toda a tese. Os conflitos políticos em torno
do COI e da FIFA pelo controle do futebol foram amparados na disputa de poder
para estabelecer como seria definido o termo amador. As divergências sobre esse
assunto fizeram com que a FIFA criasse a sua Copa do Mundo em 1930 e que o
futebol ficasse fora do programa olímpico dos Jogos de 1932. Foi a partir desse
debate que os múltiplos olhares em relação ao futebol e aos Jogos Olímpicos
sustentaram a tese. Esses olhares foram construídos a partir da história de vida dos
atletas brasileiros que defenderam o país no futebol, dos membros e presidentes do
COI e da FIFA, dos dirigentes do COB e da CBD, depois CBF, e da imprensa que
apareceu nos jornais Folha da Manhã, Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, e
nos Boletins Olímpicos do COI. Desse modo, construiu-se a tese de que foram os
conflitos políticos entre o COI e a FIFA em torno do estabelecimento das definições
da condição de atleta amador e profissional que ditaram os rumos do futebol
olímpico e da modalidade no mundo.

Palavras-Chave: Futebol; História; Política, Jogos Olímpicos; Copa do Mundo; COI;


FIFA.
GIGLIO, Sérgio S. IOC x FIFA: the political history of football at the Olympic Games.
2013. 518f. Tese (Doutorado em Ciências) - Escola de Educação Física e Esporte.
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.

ABSTRACT

This thesis deals with the establishment of football as a sport field (BOURDIEU,
1983) in the Olympic Games. In order to present the configuration of this structure, a
documental analysis was performed as well as the review of Brazilian athletes’ life
history, since 1952 until 1988. The theme related to amateurism and professionalism
has completely structured this thesis. Political conflicts developed in the relationship
of COI and FIFA for control of football activities were based on the power dispute on
how amateur should be defined. Deviations related to this subject lead to FIFA
launching of its 1930 World Cup, and prevented football from being excluded in the
Olympic Games of 1932. Rooted on this debate, multiple views related to football and
Olympic Games maintained the thesis. Those multiple views were built upon the life
history of Brazilian athletes that defended the country in football games, of members
and presidents of COI and FIFA, of the leaders of COB and CBD, later on CBF, and
upon press articles shown on Folha da Manhã, Folha de S. Paulo and O Estado de
S. Paulo diaries, as well as on COI Olympic Bulletins. In this way, it was built the
thesis that political conflicts between COI and FIFA were the root for the
establishment of the definitions on amateur and professional athlete conditions,
which ruled the track of Olympic football, as well as professional football, worldwide.

Keywords: Football; History; Politic, Olympic Games; World Cup; IOC; FIFA.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Fase de estabelecimento – membros do COI (1894-1912) ________________________ 81 


Figura 2 - Fase de afirmação – membros do COI (1913-1936) ______________________________ 82 
Figura 3 - Fase de conflito – membros do COI (1937-1983) ________________________________ 84 
Figura 4 - Fase profissional – membros do COI (1984-2012) _______________________________ 85 
Figura 5 - Organograma relaciona a estrutura do futebol mundial com a do futebol brasileiro 89 
Figura 6 - Charge publicada no jornal O Estado de S. Paulo no dia da eleição (11.06.1974) para
presidente da FIFA que aconteceu dias antes do início da Copa do Mundo de 1974 ___ 101 
Figura 7 - Coca-Cola nos Jogos Olímpicos de 1928. Fonte: Olympic Review, n. 247, junho de
1988, p. 212. _____________________________________________________________________ 102 
Figura 8 - Comparação entre os presidentes do COI e da FIFA ____________________________ 107 
Figura 9 - Sedes, por continentes, dos Jogos Olímpicos e da Copa do Mundo _____________ 108 
Figura 10 - Comparação entre os integrantes do Comitê Executivo do COI e da FIFA por
continente _______________________________________________________________________ 110 
Figura 11 - Foto de Galzel disponibilizada no site Lume da UFRGS _______________________ 161 
Figura 12 - A luta pelo amadorismo representada pelo Boletim Olímpico __________________ 218 
Figura 13 - Charge de Killanin diante da greve dos operários em Montreal publicada no
Olympic Review, n. 99-100, jan./fev. 1976, p. 22 _____________________________________ 262 
Figura 14 - Quadro comparativo da importância dos campeonatos de futebol. Fonte: Olympic
Football Tournament Moscow 1980 Technical Study, p. 91 __________________________ 278 
Figura 15 - A seleção brasileira nos Jogos Olímpicos de 1952 (Arquivo Público do Estado de
São Paulo) _______________________________________________________________________ 321 
Figura 16 - Número de jogadores e tempo de preparação de cada seleção. Fonte: Olympic
Football Tournament Los Angeles 1984 Technical Report, p. 20. _____________________ 437 
Figura 17 - Estrutura hierárquica dos campeonatos promovidos pela FIFA. Fonte: Olympic
Football Tournament Los Angeles 1984 Technical Report, p. 23. _____________________ 439 
Figura 18 - Seleções agrupadas a partir do regulamento do futebol olímpico para os Jogos de
1984. Fonte: Olympic Football Tournament Los Angeles 1984 Technical Report, p. 18. 446 
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Ano de fundação dos Esportes Amadores e das Federações Internacionais ______ 62 
Tabela 2 - Presidentes do COI ___________________________________________________________ 69 
Tabela 3 - Congressos Olímpicos _______________________________________________________ 72 
Tabela 4 - Membros do COI por continente (1894-1912) ___________________________________ 82 
Tabela 5 - Membros do COI por continente (1913-1936) ___________________________________ 83 
Tabela 6 - Membros do COI por continente (1937-1983) ___________________________________ 84 
Tabela 7 - Membros do COI por continente (1984-2012) ___________________________________ 85 
Tabela 8 - Presidentes da FIFA __________________________________________________________ 94 
Tabela 9 - Comitês Olímpicos Nacionais fundados até 1902 ______________________________ 120 
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

A.A.A. Associação de Atletismo Amador


ABA Associação de Boxe Amador
AFA Associação de Esgrima Amador
AGA Associação de Ginástica Amador
ARA Associação de Remo Amador
ASA Associação de Natação Amador
CBD Confederação Brasileira de Desportos
CBV Confederação Brasileira de Voleibol
COB Comitê Olímpico Brasileiro
COI Comitê Olímpico Internacional
CON Comitê Olímpico Nacional
CND Conselho Nacional de Desportos
CONMEBOL Confederação Sul-Americana de Futebol
DED Departamento de Educação Física e Desportos
ESP Espanha
FA Associação de Futebol
FEG Federação Europeia de Ginástica
FIBA Federação Internacional de Boxe Amador
FIE Federação Internacional de Esgrima
FIFA Federação Internacional de Futebol
FIG Federação Internacional de Ginástica
FILT Federação Internacional de Tênis de Campo
FINA Federação Internacional de Natação
FISA Federação Internacional de Remo
FPF Federação Paulista de Futebol
GANEFO Games of the New Emerging Forces
GEO Grupo de Estudos Olímpicos
IAAF Federação Internacional de Atletismo Amador
IBU União Internacional de Boxe
ISL International Sport and Leisure
ISU União Internacional de Patinação
ITA Itália
LPF Liga Paulista de Futebol
LTA Associação de Tênis
MEC Ministério da Educação e Cultura
NSAGB Associação Nacional de Patinação da Grã-Bretanha
ONU Organizações das Nações Unidas
OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte
PNED Plano Nacional de Educação Física e Desportos
POR Portugal
SEED Secretaria de Educação Física e Desporto
UCI União de Ciclistas Internacionais
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
Organização das Nações Unidas para a Educação, a
UNESCO
Ciência e a Cultura
SUMÁRIO
“... O TEMPO NÃO PARA”______________________________________________ 18 

INTRODUÇÃO________________________________________________________ 31 

MÉTODO ____________________________________________________________ 45 


Memórias que contam histórias ________________________________________________________________ 52 
Entrevistas realizadas e atletas selecionados ______________________________________________________ 58 

1.  O COI E A FIFA ___________________________________________________ 62 


1.1  O COI ________________________________________________________________________________ 68 
1.2  A FIFA _______________________________________________________________________________ 87 
1.3  Jogo de poder entre a FIFA e o COI ______________________________________________________ 104 

2  FASE DE ESTABELECIMENTO (1894-1912) ___________________________ 117 


2.1  “A César o que é de César” ______________________________________________________________ 117 
2.2  Atenas (1896): nenhum país se interessa pelo futebol _________________________________________ 127 
2.3  Paris (1900): o futebol é modalidade exibição _______________________________________________ 129 
2.4  Saint Louis (1904): o grande evento é a Exposição Universal __________________________________ 130 
2.5  Atenas (1906): os Jogos Intermediários ____________________________________________________ 136 
2.6  Londres (1908): o futebol é incluído no programa oficial _____________________________________ 137 
2.7  Estocolmo (1912): cogita-se retirar o futebol do programa olímpico ____________________________ 140 

3  FASE DE AFIRMAÇÃO (1913-1936) _________________________________ 144 


3.1  Antuérpia (1920): a final que não terminou ________________________________________________ 144 
3.2  Paris (1924): futebol é um esporte opcional _________________________________________________ 145 
3.2.1  Começam as divergências entre a FIFA e o COI __________________________________________ 148 
3.3  Amsterdã (1928): a FIFA e o COI não entram em acordo _____________________________________ 156 
3.3.1  A formação de um aparato burocrático para controlar o esporte ______________________________ 162 
3.4  Los Angeles (1932): a saída do futebol do programa olímpico não está relacionada com a
popularidade do esporte nos Estados Unidos ____________________________________________________ 172 
3.5  Berlim (1936): na volta aos Jogos Olímpicos o futebol é marcado pela briga política _______________ 180 

4  FASE DE CONFLITO (1937-1983) ___________________________________ 188 


4.1  Anos sem Jogos (1940 e 1944): o amadorismo em pauta novamente_____________________________ 188 
4.1.1  A FIFA quer o futebol nos Jogos Olímpicos _____________________________________________ 191 
4.2  Londres (1948): após 40 anos, o futebol volta à Grã-Bretanha _________________________________ 195 
4.3  Helsinque (1952): o futebol está ameaçado de sair do programa olímpico? _______________________ 198 
4.3.1  O COI quer reduzir o programa olímpico _______________________________________________ 201 
4.3.2  Sob os ecos de Helsinque 1952 a FIFA apresenta sua definição de amador _____________________ 203 
4.4  Melbourne (1956): podem os amadores se profissionalizar? ___________________________________ 206 
4.4.1  Os profissionais nos tempos do amadorismo _____________________________________________ 207 
4.4.2  A desistência de alguns países enfraquece o futebol em 1956 ________________________________ 212 
4.4.3  O mundo de Sofia é dos amadores_____________________________________________________ 216 
4.5  Roma (1960): os Jogos são para os amadores, mas os “profissionais” participam _________________ 220 
4.5.1  A FIFA quer distinguir a Copa do Mundo do torneio Olímpico ______________________________ 221 
4.5.2  Ainda o amadorismo _______________________________________________________________ 222 
4.6  Tóquio (1964): os novos rumos do movimento olímpico_______________________________________ 224 
4.6.1  O referendo do COI revela que o futebol não possui prestígio interno _________________________ 226 
4.6.2  Reduzir o programa olímpico torna-se a preocupação do COI _______________________________ 229 
4.6.3  As regras do amadorismo são revisadas ________________________________________________ 231 
4.7  Cidade do México (1968): o ano em que o mundo mudou _____________________________________ 233 
4.7.1  O COI e a FIFA retomam o debate ____________________________________________________ 234 
4.7.2  A política e o esporte se aproximam: os Panteras Negras ___________________________________ 237 
4.8  Munique (1972): “os Jogos devem continuar” ______________________________________________ 244 
4.8.1  Os Jogos Olímpicos estão ameaçados __________________________________________________ 249 
4.8.2  Alguns esportes coletivos podem ser eliminados do programa olímpico _______________________ 251 
4.9  Montreal (1976): os Jogos mais caros da história olímpica ____________________________________ 255 
4.9.1  Mudanças no amadorismo: as novas regras sobre a elegibilidade dos atletas ____________________ 263 
4.10  Moscou (1980): esporte e política cada vez mais juntos _____________________________________ 266 
4.10.1  O COI não usa mais a palavra amador e os assuntos políticos continuam na pauta _______________ 267 
4.10.2  Os Estados Unidos lideram o maior boicote da história dos Jogos Olímpicos ___________________ 270 
4.10.3  Em discussão o lugar do futebol olímpico _______________________________________________ 274 

5  FASE PROFISSIONAL (1984-1988) __________________________________ 280 


5.1  Los Angeles (1984): os jogadores de futebol podem ser profissionais ____________________________ 281 
5.1.1  O troco soviético: “olho por olho, dente por dente” _______________________________________ 282 
5.1.2  Mudança na regra da elegibilidade ____________________________________________________ 286 
5.2  Seul (1988): os profissionais ganham espaço ________________________________________________ 288 
5.2.1  Após a experiência com o futebol a regra de elegibilidade é alterada __________________________ 292 
5.2.2  O limite idade vai ser implantado no futebol olímpico _____________________________________ 295 

6  O FUTEBOL BRASILEIRO NOS JOGOS OLÍMPICOS ___________________ 297 


O mosaico de figurinhas _____________________________________________________________________ 297 
O não dito, o silêncio e o esquecimento _________________________________________________________ 301 
6.1  O futebol brasileiro quer participar dos Jogos Olímpicos _____________________________________ 305 
6.2  Em 52 temia-se um fracasso do futebol brasileiro ___________________________________________ 314 
6.2.1  Carlos Alberto Martins Cavalheiro (1952): “O futebol olímpico é brincadeira perto do futebol de
Copa” 321 
6.3  As desconfianças em torno do futebol brasileiro para os Jogos de Roma _________________________ 329 
6.3.1  Edmar Japiassu Maia (1960): “O problema do futebol olímpico é que não é um futebol com
jogadores já consagrados” __________________________________________________________________ 335 
6.4  A CBD impede a profissionalização dos jogadores pré-convocados _____________________________ 343 
6.4.1  Humberto André Rêdes Filho (1964): “A seleção adulta é a principal e a seleção olímpica vai ser
sempre um espetáculo menor” _______________________________________________________________ 345 
6.5  O Brasil consegue a classificação no futebol, mas os problemas estruturais do esporte amador no
país continuam _____________________________________________________________________________ 353 
6.5.1  Hamilton Chance Rubio (1968): “o amador sente mais a perda do que o profissional” ____________ 358 
6.6  Nos anos 70 o debate é sobre futebol, Educação Física e estrutura do esporte amador brasileiro _____ 368 
6.6.1  Jorge Osmar Guarnelli (1972): “Olímpicos estão em busca da experiência” ____________________ 379 
6.7  Enquanto o COB e a CBD querem transformar o Brasil em uma potência esportiva, Havelange vai
para a FIFA _______________________________________________________________________________ 392 
6.7.1  “Por que os tricampeões mundiais de futebol não podem ser campeões olímpicos?” ______________ 397 
6.7.2  Carlos Roberto Rocha Gallo (1976): “a força máxima do futebol é a Copa do Mundo”____________ 410 
6.8  Não muda a situação do esporte amador no país e o futebol brasileiro não se classifica para os Jogos
de Moscou_________________________________________________________________________________ 419 
6.9  Apesar da tumultuada preparação o Brasil conquista a primeira medalha do futebol ______________ 428 
6.9.1  Gilmar Popoca (1984): “não valorizam muito a Olimpíada”_________________________________ 442 
6.10  Brasil: dos conflitos no Pré-Olímpico à medalha de prata em Seul ___________________________ 453 
6.10.1  Neto (1988): “O futebol olímpico não deveria ser profissional” ______________________________ 467 

CONCLUSÕES ______________________________________________________ 474 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ______________________________________ 481 

ANEXOS ___________________________________________________________ 502 


Carta de Baillet-Latour informa o retorno do futebol aos Jogos Olímpicos (1935)________________________ 502 
Formulário de inscrição para os Jogos Olímpicos e declaração de amador (1967) _______________________ 504 
Comitê Executivo da FIFA (2013) ______________________________________________________________ 505 
Comitê Executivo do COI (2013) _______________________________________________________________ 506 

APÊNDICE _________________________________________________________ 508 


Apêndice A: Termo de consentimento livre e esclarecido __________________________________________ 508 
Apêndice B: Entrevistados do futebol masculino pelo Projeto Memórias Olímpicas por Atletas Olímpicos _ 509 
Apêndice C: Tabela dos quatro primeiros colocados em cada edição olímpica do futebol masculino ______ 518 
18

“... o tempo não para”


O título acima é o mesmo do álbum de um dos grandes músicos
brasileiros de minha geração, o Agenor de Miranda Araújo Neto ou simplesmente
Cazuza, lançado no ano de 1988. Tomei conhecimento de sua discografia somente
alguns anos depois do seu lançamento e, é inegável, suas produções estiveram
presentes em minha trajetória pessoal. Essa máxima, carregada de força poética,
revela o quanto estamos vinculados ao tempo e nos informa que Cazuza não se deu
por vencido, pois, afinal, “... o tempo não para”.
A constatação óbvia de que “o tempo não para” só pode ser
percebida quando olhamos para os inúmeros acontecimentos pelos quais passamos
ao longo de nossas vidas. Desse modo, a minha trajetória na Universidade permitiu
que eu chegasse até aqui, no doutorado, com a possibilidade de continuar a estudar
um tema que sempre fez parte de minhas escolhas. Sem que o tempo de fato
parasse, acumulei uma série de experiências que foram fundamentais para a
construção desta tese.
No entanto, para chegar até aqui tive de passar boa parte da minha
vida na escola. Nunca fui um estudante exemplar. Acredito que em poucas situações
a escola conseguiu transformar o conhecimento em algo realmente significativo e
carregado de sentido para mim. Uma pena, afinal, foram tantos anos que poderiam
ter sido mais bem aproveitados.
Meu gosto por esporte vem desde que eu era pequeno. Todos os
domingos, ouvia os jogos pelo rádio na companhia de meu pai. Além disso, todas as
manhãs meu avô materno, que morava conosco, separava o caderno de esporte do
jornal para eu ler.
Fortemente influenciado pelos textos jornalísticos que lia, deixei a
timidez de lado, e resolvi prestar jornalismo ao final do então terceiro colegial. Como
nunca tinha sido um aluno muito dedicado aos estudos, não passei no vestibular.
Hoje, com mais experiência, vejo que foi bom não ter ingressado, pois com apenas
18 anos eu não tinha maturidade suficiente para escolher uma carreira ou estar em
uma Universidade. Não me recordo exatamente do período em que desisti do
jornalismo, mas ainda no ano do primeiro vestibular, tive acesso ao programa do
curso de Esporte da USP. Várias disciplinas me chamaram a atenção, dentre elas,
19

jornalismo esportivo. Naquele momento mudei minha opção de curso. Pensei que
seria uma ótima oportunidade para unir duas coisas que gostava: esporte e
jornalismo.
Minha motivação em cursar Educação Física nunca foi provocada
pelas aulas que tive na escola ou por algum professor que tenha sido fundamental
na minha formação. Pelo contrário, foi o meu gosto pessoal, especialmente pelo
futebol, que me direcionou para a Educação Física.
Prestei novamente o vestibular, para ingressar em 1998, mas agora
para as carreiras de Esporte na USP e Educação Física na UNICAMP e PUC de
Campinas. Cheguei à segunda fase da UNICAMP, mas fui desclassificado pela nota
de corte de Biologia (não obtive a nota mínima - três). Naquele ano houve um fato
curioso no vestibular da UNICAMP, no qual metade das vagas do diurno e do
noturno não foram preenchidas nas três primeiras chamadas, pois os candidatos não
obtiveram a nota de corte. Minha esperança acabou quando foi divulgada a quarta e
última lista. Neste ano passei na PUC de Campinas, mas naquele momento pagar
uma mensalidade de 450 reais e arcar com os gastos de moradia e alimentação em
outra cidade não seria possível. Além disso, conseguir um emprego para pagar a
faculdade seria difícil, pois o curso tinha aulas de manhã e de tarde. Resolvi
enfrentar mais um ano de cursinho, até porque tinha garantido bolsa de estudos,
pelo fato do meu pai trabalhar no Anglo, para entrar numa Universidade pública.
Geralmente, muitas pessoas que prestam vestibular para o curso de
Educação Física não têm apoio dos pais. No meu caso sempre tive plena liberdade
de escolher o curso que mais me agradava. Em nenhum momento houve cobrança
deles para eu mudar de opção. Acredito que esse fato serviu como um estímulo para
eu estudar mais e entrar numa boa Universidade.
No final do ano de 1998, prestei vestibular somente para USP e para
UNICAMP. Passei para a segunda fase dos dois vestibulares. O ano de 1999, mais
especificamente aquele verão, foi muito importante para mim, pois a minha vida de
estudante começou a tomar novos caminhos. Infelizmente, em janeiro deste mesmo
ano, meu avô materno e, principalmente, meu companheiro de conversas esportivas,
já com 95 anos, faleceu. Isso aconteceu cerca de uma semana antes de ser
divulgado o resultado do vestibular e, para minha felicidade, fui aprovado na
UNICAMP. Esse fato modificou bruscamente a minha vida. Mudei de São Paulo para
Campinas, já que não tinha sido aprovado na USP.
20

Toda mudança, por menor que seja, provoca alterações em nossas


vidas. Aqui não foi diferente. Cheguei à Universidade com a expectativa e a ideia de
tornar-me um técnico ou preparador físico para realizar o meu desejo de infância e
fazer parte do mundo do futebol. Logo me decepcionei com as disciplinas da área
das Ciências Biológicas, provocando um grande desinteresse nos assuntos
relacionados ao treinamento esportivo e, com isso, a ideia inicial foi gradativamente
deixada de lado. Ao mesmo tempo fiquei fascinado pela área das Ciências
Humanas. Aulas interessantes, textos empolgantes e discussões que não tinham fim
me fascinaram. A cada matéria de Humanas que cursava sabia que ali estava o meu
foco de interesse e o que realmente proporcionava sentido para os meus estudos
acerca da Educação Física.
O segundo semestre de 2000 foi fundamental para o
encaminhamento do que eu realmente iria me interessar na vida acadêmica. A
disciplina responsável por isso foi “Aspectos Antropológicos da Motricidade
Humana”, ministrada pelo professor Jocimar Daolio.
Muitos perguntavam, inclusive eu, o que uma disciplina de
Antropologia fazia em um currículo de Educação Física. A curiosidade foi a principal
motivadora no início dessa disciplina e, após os primeiros contatos com o conteúdo,
sabíamos que o professor Jocimar tinha muita coisa interessante para nos transmitir,
principalmente em relação aos temas sobre cultura, Educação Física e futebol. Além
disso, nas últimas aulas do curso houve uma que foi ministrada pelo então aluno de
doutorado (atualmente professor da UFMG) Silvio Ricardo da Silva em que
apresentou as possibilidades de pesquisa entre os elementos da cultura e do
futebol.
No semestre seguinte, passei a fazer parte do Grupo de Estudo e
Pesquisa Educação Física e Cultura (GEPEFIC). Lá aprofundamos nossas leituras
com autores que somente ouvíamos o Jocimar dizer: “esse autor é muito bom, mas
estudamos somente na pós”. E foi assim que fui apresentado formalmente à
Laplantine, Geertz, DaMatta e outros.
Nesse grupo tive maior contato com o professor Jocimar, e no final
do semestre entreguei-lhe um texto sobre um assunto de meu interesse. Como não
podia ser diferente, associei os conceitos que aprendi sobre cultura com o tema que
mais me motivou a cursar Educação Física: o futebol.
21

E foi assim que a minha vida acadêmica começou. Primeiro, um


texto de duas laudas, depois a elaboração de um projeto de Iniciação Científica. A
partir daí, a busca por textos, livros e artigos não parou mais. O processo da
Iniciação Científica não foi fácil, fui somente aprovado com bolsa do CNPq na sexta
chamada. Lembro-me de quando saiu o resultado da primeira chamada, procurei
meu nome, mas ele não estava lá. Fiquei chateado, pois havia investido e dedicado
muito tempo para estruturar o projeto. Em conversa com o professor Jocimar Daolio,
meu orientador, resolvi enviar o projeto para a FAPESP. As palavras dele não foram
de incentivo, já que disse que poderíamos enviar, mas que as chances de se
conseguir a bolsa com um projeto sobre futebol, na perspectiva das Ciências
Humanas, seria muito pequena. Mesmo assim disse que não tinha nada a perder e
resolvi enviar. Nesse ínterim, saíram outras chamadas para a bolsa do CNPq e eu
fui aprovado.
O trabalho envolvia realizar uma pesquisa de campo com entrevistas
semiestruturadas junto aos técnicos de futebol, com o objetivo de discutir a questão
do futebol-arte e futebol-força a partir da visão deles. Com quatro meses de bolsa do
CNPq meu projeto foi aprovado na FAPESP. Desta forma, tive a oportunidade de
realizar uma pesquisa privilegiada, pois, além dos meses em que já havia iniciado a
pesquisa com o apoio do CNPq, tive mais 12 meses de apoio da FAPESP, e com
isso minha pesquisa durou 16 meses. Essa pesquisa possibilitou que eu
apresentasse um trabalho no CONBRACE em 2003 e um capítulo no livro (GIGLIO,
2005) organizado pelo professor Jocimar Daolio.
Após a realização da pesquisa surgiu a oportunidade, por meio da
Empresa Júnior da Educação Física, de participar de um projeto extracurricular no
Colégio Rio Branco de Campinas. Durante o ano de 2003, juntamente com um
pequeno grupo formado por estudantes da minha turma, desenvolvemos e
implantamos uma série de atividades esportivas na escola. Depois de alguns meses
de trabalho, pela dificuldade em conciliar os horários, o coordenador do projeto, meu
amigo Eduardo Roberto Uhle, deixou o cargo e eu me tornei o coordenador do
grupo. Além de coordenador, trabalhei como professor de futsal e de xadrez com
alunos do Fundamental I e II. Apesar do contrato não ter sido renovado no final do
ano, finalizamos o trabalho com a certeza de termos conquistado uma experiência
profissional importante.
22

Minha decisão de seguir para o mestrado foi consequência de ter


conhecido tanto a área acadêmica, via Iniciação Científica e participações em
Congressos, quanto a área escolar, quando tive a experiência prática ao atuar como
professor na escola. Pelo fato da área acadêmica permitir uma maior possibilidade
de atuação, optei por tentar o mestrado.
Não pleiteei o mestrado com o professor Jocimar Daolio pelo fato de
seus trabalhos estarem atrelados à linha de pesquisa da Educação Física Escolar,
enquanto o meu projeto versava sobre a formação de ídolos e heróis no futebol.
Para manter um diálogo com a escola eu teria de modificar bastante o projeto, até
porque a pesquisa seria desenvolvida com entrevistas junto aos atletas profissionais.
Inscrevi-me na área de Lazer, pois nessa linha estava a professora Heloísa Reis,
que estuda futebol, numa perspectiva das torcidas. Como a minha pesquisa era
sobre futebol, pensei que ela poderia se interessar pela discussão. A minha surpresa
e felicidade foi ter o projeto aprovado com o professor Sérgio Stucchi, da área de
Lazer e muito interessado no tênis. Com o mestrado iniciei uma nova etapa de
minha carreira acadêmica.
No segundo semestre de 2005, junto ao Programa de Pós-
Graduação do Departamento de História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, foi ministrada a disciplina
“História sociocultural do futebol” pelos docentes Flávio de Campos e Hilário Franco
Júnior, cujas discussões resultaram no ensaio “A dança dos deuses: futebol,
sociedade e cultura” (FRANCO JÚNIOR, 2007). Alunos de diversas áreas das
Ciências Humanas estiveram reunidos nesta ocasião e, ao final do curso, formaram
um grupo de estudos para dar continuidade às discussões sobre o assunto. Pela
pluralidade das áreas representadas pelos seus participantes, optou-se por destacar
seu caráter interdisciplinar com o nome “Grupo Interdisciplinar de Estudos sobre
Futebol” (GIEF)1. Ao longo da existência do grupo (formado em 2006) foi possível
realizar uma série de debates para entender o futebol como um “fenômeno social
total” (MAUSS, 2003).
Ao longo dos dois anos de mestrado, tive bolsa do CNPq, o que me
permitiu dedicar-me exclusivamente ao projeto e realizar a pesquisa de campo junto
aos jogadores. Participei do Congresso de Países de Língua Portuguesa em 2006

1
Grupo atualmente coordenado pela Profª Drª Katia Rubio da Escola de Educação Física e Esportes da USP e
cadastrado no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
23

(GIGLIO e STUCCHI, 2006) e no mesmo ano organizei na Faculdade de Educação


Física da UNICAMP, por ocasião da Copa do Mundo, um debate que reuniu dois
autores que eu conhecia apenas por meio das leituras: José Paulo Florenzano
(PUC-SP) e Arlei Sander Damo (UFRGS). O debate entre os professores foi muito
interessante. Damo apresentou os dados relativos ao seu doutorado recém-
concluído, em que trabalhou com o tema da formação de jogadores, e em sua fala
focou a questão do dom. Florenzano apresentou a ginga como um elemento central
para entender o jogador brasileiro. Não sendo uma qualidade natural, pelo contrário,
algo forjado por meio dos diferentes usos do corpo. No entender de Florenzano a
ginga possui uma dimensão política quando atrelada aos jogadores que ficam
conhecidos como problemáticos e que contestam a estrutura vigente2. Essa foi uma
rica oportunidade para ouvir pessoalmente os autores que eu lia desde a Iniciação
Científica.
Além dessas experiências, os professores que compuseram a
banca, tanto de qualificação quanto de defesa de minha dissertação, o professor
Jocimar Daolio e a professora Katia Rubio, foram fundamentais para acertar as
arestas que fazem parte de qualquer trabalho acadêmico.
Terminado o mestrado (GIGLIO, 2007), precisava saber se tinha
feito a escolha certa ao optar pela vida acadêmica. Em outras palavras, precisava
dar aula. Defendi o mestrado no dia 30 de março de 2007 e no final de maio fui
contratado temporariamente pela Universidade Nove de Julho (UNINOVE) para
ministrar duas disciplinas que seriam oferecidas em módulos: História da Educação
Física e Iniciação à Pesquisa Acadêmica. Após essa experiência fui efetivamente
contratado em agosto do mesmo ano e estou na Universidade até hoje.
A realidade da Universidade particular nos faz assumir uma série de
aulas que não são especificamente de seu campo de estudo. Cheguei a trabalhar
com muitas disciplinas, tais como História do Pensamento Pedagógico e Didática.
Mas ao longo do tempo foi possível criar uma identidade como professor e consegui
ministrar as disciplinas de meu campo de atuação. Atualmente sou professor
especialmente da disciplina de Antropologia e Sociologia da Educação.

2
Consultar: http://www.unicamp.br/unicamp/noticias/arlei-damo-processo-de-forma%C3%A7%C3%A3o-do-
atleta-%C3%A9-longo-e-penoso e http://www.unicamp.br/unicamp/noticias/copa-do-mundo-%C3%A9-tema-
de-palestra-na-educa%C3%A7%C3%A3o-f%C3%ADsica.
24

Entre 2009 e 2012 assumi o cargo de Nucleador, no qual era o


responsável por um conjunto de disciplinas. Estive à frente do Núcleo de Formação
Docente que conta com as seguintes disciplinas: História e Introdução à Educação
Física; Didática; Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS; Educação Física Adaptada;
Estrutura e Funcionamento do Ensino; Psicologia da Educação; Filosofia e Ética na
Educação Física; Antropologia e Sociologia da Educação; Estágio Supervisionado I,
II e III; Eletiva I e II; Práticas de Ensino e Metodologia da Pesquisa Aplicada à
Educação Física.
Por conta desse início intenso na carreira universitária, devido ao
grande número de disciplinas e, consequentemente, à preparação de diversas aulas,
me mantive afastado da elaboração de artigos que poderiam ser produzidos a partir
da dissertação. Mas assim que estruturei as aulas e me organizei melhor, produzi
em conjunto com um amigo, que fez a graduação e o mestrado comigo, Márcio
Pereira Morato, e os respectivos orientadores, um artigo publicado na Revista
Horizontes Antropológicos (GIGLIO et alii, 2008) que teve como dossiê temático
Antropologia e Esporte, e outro na Revista Motriz (MORATO, GIGLIO e GOMES,
2011) alguns anos depois, também com a participação de outra aluna do mestrado,
Mariana Pimentel Gomes.
Como fruto das experiências como coordenador do projeto
extracurricular que desenvolvemos na escola, conforme relatado anteriormente,
participei da produção de um artigo sobre o processo de ensino do Handebol
(CASTRO, GIGLIO e MONTAGNER, 2008) e que serviu de base para a publicação
de um capítulo de livro sobre o mesmo tema (CASTRO, GIGLIO e MONTAGNER,
2011), ambos escritos em conjunto com o Jefferson Castro e o professor Paulo
Cesar Montagner.
Ao final de 2008 comecei a estruturar um projeto para o doutorado.
Havia passado um bom tempo desde a defesa do mestrado e com uma maturidade
maior aliada à experiência da docência, estruturei um projeto para ingressar em
2009. Tentei somente na UNICAMP, mas não fui selecionado pelo professor Jocimar
Daolio, que seguia na linha da pesquisa escolar, e o meu projeto, naquele momento,
sobre o sonho dos meninos em serem jogadores de futebol, não se encaixava nessa
linha de pesquisa.
O GIEF já contava com três anos de discussões e por meio de
conversas e ideias decidimos estruturar um site acadêmico sobre futebol, o
25

Ludopédio, que tem como objetivo principal reunir o material acadêmico produzido e
disponível sobre o tema. O convite para desenvolver o site foi feito para todos os
membros do grupo, mas apenas quatro integrantes3 se interessaram e deram início
ao projeto.
Em meados de 2009 fui convidado pelo professor Flavio de Campos,
do Departamento de História da USP, para compor a Comissão Científica do I
Simpósio de Estudos sobre Futebol a ser realizado em maio de 2010. Foi uma
experiência muito enriquecedora para conhecer o funcionamento de um Simpósio.
Nesse mesmo Simpósio o GIEF produziu um texto coletivo sobre a sua trajetória
(CANALE, GIGLIO e LIMA, 2010) que foi apresentado por mim, pelo Marco Antunes
e pelo Vitor Canale.
Diante da não aprovação para realizar o doutorado na UNICAMP, fiz
contato com a professora Katia Rubio, que havia integrado minha banca de
mestrado, para conhecer e me informar sobre o processo de ingresso no doutorado
da USP. Pelas regras de ingresso teria que ser aprovado na prova de inglês para
depois dar andamento ao processo. Estudei intensivamente inglês durante alguns
meses até ser aprovado no final de dezembro de 2009. Feitos os trâmites
burocráticos, ingressei como aluno regular do doutorado da Educação Física da USP
em janeiro de 2010.
Entrei no programa de doutorado com um projeto de pesquisa
voltado ao estudo dos processos, conhecidos popularmente como “peneiras”, pelos
quais passam os meninos que tentam ingressar na carreira de jogador de futebol por
meio de testes. A pesquisa consistiria em realizar uma etnografia durante as
peneiras dos clubes de futebol. Concomitantemente ao desenvolvimento de meu
projeto, comecei a conhecer um pouco mais sobre o trabalho de pesquisa
desenvolvido pela minha orientadora. Juntamente com os demais colegas de grupo,
está em andamento uma pesquisa com todos os atletas olímpicos brasileiros,
intitulada “Memórias Olímpicas por Atletas Olímpicos”.
Desta forma, o ingresso no Grupo de Estudos Olímpicos (GEO),
coordenado pela professora Drª Katia Rubio, no início do doutorado, permitiu que eu
me familiarizasse com o rico universo teórico-metodológico associado a esse tema.

3
Eu, da Educação Física, o Enrico Spaggiari, da Antropologia, o Marco Antunes de Lima, da História e o Paulo
Miranda Favero, da Geografia. Além dessa configuração original, o Marco Lourenço e o Max Rocha integram os
editores do site, ambos são da História.
26

Trabalhar com a história de vida dos atletas olímpicos tornou-se algo muito
interessante ao longo dos meses em que me dediquei a estudar e a entender esse
método de pesquisa.
Embora já tivesse feito leituras a partir do referencial das Ciências
Humanas desde o período de minha Iniciação Científica, não havia dialogado com
os autores da história oral, como meio para acessar a história de vida dos atletas
feita a partir das memórias deles.
Para participar desse projeto de pesquisa teria que conciliá-lo com o
meu doutorado, com as aulas que leciono na Universidade e com as atividades
vinculadas ao site Ludopédio. Em pouco tempo, percebi que teria que optar por
ajudar na pesquisa do Grupo de Estudos Olímpicos (GEO) ou desenvolver o projeto
com o qual ingressara no doutorado.
A necessidade de mudança do foco da pesquisa tornou-se clara
durante a realização dos créditos obrigatórios e devido à grande demanda gerada
pelo acúmulo de atividades, estava com pouco tempo para desenvolver a pesquisa
propriamente dita. Nesse período, comecei a acompanhar algumas entrevistas para
entender como funcionava na prática o que líamos no grupo. Embora tenha
participado de entrevistas com atletas de outras modalidades, e não do futebol,
resolvi modificar o projeto para poder participar de maneira mais presente nessa
pesquisa junto aos atletas olímpicos e, consequentemente, otimizar o tempo para a
realização do doutorado. Após várias conversas com a minha orientadora
resolvemos estruturar o projeto para estudar os atletas do futebol, já que o futebol
era o meu tema inicial e o que me motivou a fazer o doutorado. Agora, o estudo
seria sobre o futebol olímpico. Um tema desafiador pela pouca atenção dada no
Brasil para essa competição.
O trabalho foi estruturado a partir das entrevistas com os atletas
brasileiros que tinham participado dos Jogos Olímpicos. As entrevistas com os
jogadores de futebol, das quais participei, aconteceram em São Paulo, Campinas,
São José dos Campos, Santos e Rio de Janeiro. Embora meu foco fosse entrevistar
os jogadores de futebol, devido às viagens que fiz, acabei por realizar entrevistas
com atletas de outras modalidades para o projeto “Memórias Olímpicas por Atletas
Olímpicos”. O mais interessante dessa experiência foi a mudança de olhar que cada
história me permitiu fazer, pois cada modalidade possui a sua especificidade. E cada
27

atleta, por meio de suas idiossincrasias, me permitiu lançar um novo olhar para as
histórias dos atletas do futebol.
Colecionar essas histórias fez com que eu acessasse a minha
memória para entender algumas coisas a respeito da própria pesquisa. Meu vínculo
com o futebol foi construído muito antes da entrada na Universidade. Foi
estabelecido a partir dos estímulos dados pelo meu pai e pelo meu avô, quando eu
ainda era criança. Foram eles que plantaram a semente do futebol quando ouviam e
viam os jogos pelo rádio ou pela televisão. Poucas coisas que não fossem relativas
ao mundo do futebol me interessaram durante a minha infância e adolescência.
Embora meu pai goste muito de acompanhar futebol, não posso dizer que ele seja
um fanático, porém, ele sempre gostou de colecionar objetos e, em especial,
guardou algumas preciosidades futebolísticas desde a sua adolescência. Por conta
disso, tenho os times de botão feitos com as peças que dão o nome a esse tipo de
futebol, ou seja, meu pai os confeccionava com muita habilidade diretamente no
botão das roupas, desde os escudos até o uniforme do goleiro. Faz parte deste
acervo também alguns álbuns e figurinhas das balas Futebol, uma das primeiras
Revistas Placar (número 12) e o jornal A Gazeta Esportiva, todos alusivos à
conquista da Copa do Mundo de 1970.
Como cresci nesse ambiente repleto de recordações de histórias do
futebol, e inspirado por meu pai, também me interessei em colecionar objetos do
mundo futebolístico. Tenho muitas revistas, livros, selos e vídeos que guardei/gravei
quando encontrava alguma reportagem ou programa interessante. Porém, todo esse
material foi produzido por um terceiro e chegou até mim após uma série de decisões
editoriais, configurando-se em materiais de segunda ou terceira mãos (GEERTZ,
1989).
A oportunidade em realizar essa pesquisa permitiu-me ser um
agente ativo no registro em primeira mão de uma série de histórias dos atletas que
defenderam o país. Muitos deles, não haviam contado suas experiências. Esse
trabalho representa uma grande oportunidade para ouvi-los, para documentar e
preservar uma parte da história do futebol brasileiro.
No campo da produção científica, publiquei em 2010, com
modificações, parte do trabalho desenvolvido para a disciplina do mestrado que fiz
no Departamento de História da USP (GIGLIO, 2010). Também publiquei em
conjunto com outros dois integrantes do GIEF uma resenha sobre o livro do Arlei
28

Damo (SILVA, NASCIMENTO e GIGLIO, 2010) que foi lido e discutido nas reuniões
do grupo. Por fim, publiquei em conjunto com Enrico Spaggiari, um artigo no Dossiê
História e Futebol da Revista de História da USP, no qual realizamos um
mapeamento da produção das Ciências Humanas sobre futebol a partir de dossiês
temáticos das revistas acadêmicas e das dissertações e teses produzidas no Brasil
(GIGLIO e SPAGGIARI, 2010).
No final desse mesmo ano um novo projeto iniciou-se: a formação
de um Núcleo de Estudos sobre Futebol na USP que integrou os principais
pesquisadores de futebol e esportes do Estado de São Paulo. Nessa data foi
divulgado um edital da reitoria de pesquisa da Universidade de São Paulo para a
formação de novos núcleos de estudos. A partir de uma produção coletiva em que
os integrantes do GIEF e alguns professores da USP montaram um projeto de
formação de um Núcleo de Pesquisa. Esse Núcleo foi aprovado em abril de 2011
(terá duração de três anos) e conseguiu recursos financeiros para a realização de
vários projetos de pesquisas. O núcleo chama-se Ludens (Núcleo Interdisciplinar de
Estudos sobre Futebol e Modalidades Lúdicas) e tem como coordenador o professor
Flavio de Campos da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FFLCH-USP).
No Ludens participo do projeto de pesquisa “Memórias dos boleiros:
histórias de vida de atletas e de integrantes de comissões técnicas brasileiros que
atuaram no exterior”. Realizamos entrevistas interessantes com atletas conhecidos e
com outros desconhecidos do grande público (que atuaram ou atuam nos
campeonatos de várzea de São Paulo), mas que tiveram experiências no exterior.
Em meio a esse processo de formação do Ludens também estava
animado com a possibilidade de ficar um período fora do Brasil por meio do
doutorado-sanduíche. O país de destino escolhido foi a Inglaterra e a partir dessa
delimitação fiz inúmeras pesquisas para encontrar algum professor que pudesse me
receber pelo período de um ano. Depois de dois contatos infrutíferos – um disse que
não tinha interesse em me receber e o outro depois de alguns contatos não
respondeu meus emails – estava desanimando com a ideia de ter essa experiência.
Entre essa dúvida em ir para o exterior recebi um e-mail de um
professor conhecido no meio do futebol, Richard Giulianotti. O e-mail chegou via
Ludopédio e Richard fazia o contato porque queria conhecer os grupos existentes
sobre futebol em sua visita que faria ao Brasil. A partir daí trocamos vários e-mails
sobre a possibilidade de realizar o sanduíche, e quando ele veio ao Brasil
29

conversamos melhor sobre o que seria meu período de pesquisa na Inglaterra. Ele
aceitou, mas disse que havia um problema: estava se mudando de Universidade e
precisaria ver como funcionava esse processo em seu novo trabalho. Enquanto
esperava uma resposta oficial da Universidade da Inglaterra tive a confirmação de
que seria pai. Estava decidido: a viagem para o exterior seria adiada.
Para completar todo esse quadro dos anos que compuseram a
pesquisa, eu tinha como prazo final para a entrega do texto de qualificação o dia 26
de maio de 2012. Como o meu primeiro filho, Rafael, estava previsto para nascer
entre o final de maio e início de junho, estabeleci na minha corrida contra o tempo
que até o dia 26 de maio eu teria qualificado. Se até então havia escrito pouca coisa
do meu texto da tese, nada melhor do que o prazo de nove meses para focar e
escrever já que supunha (e de fato estava certo) que os primeiros meses de vida do
Rafael representariam uma grande adaptação para mim e para a minha esposa. Por
uma coincidência de datas, Rafael nasceu no dia 26 de maio e eu consegui realizar
a qualificação 15 dias antes.
As alterações solicitadas na qualificação levaram cerca de três
meses para serem realizadas devido a uma nova dinâmica de vida a qual estava
submetido com um novo membro na família. A demora na continuidade do texto
também se deu devido a leituras que tive de fazer para contemplar as sugestões.
Além disso, não foi fácil alterar a estrutura em que eu havia pensado durante meses.
A sugestão do professor José Paulo Florenzano de deslocar a parte em que discutia
o Esporte Moderno como o primeiro capítulo da tese para a introdução me fez
dialogar intensamente com a estrutura que havia pensado, pois a alteração desta
ordem representou um desafio, mas depois de concretizada, consegui deixar o texto
mais conciso.
Durante esse processo de reestruturação da tese recebi, em 2013,
um convite para integrar como “professor-parceiro” o quadro de docentes do
Mestrado Profissional em Gestão do Esporte da UNINOVE. Apesar de continuar na
graduação do curso de Educação Física, essa oportunidade representou um
recomeço pelo fato de eu ir em busca de outros referenciais teóricos.
Nesse mesmo ano foi aprovado para publicação um artigo em que,
juntamente com a professora Katia Rubio, analisamos a trajetória de Neymar e
Paulo Henrique Ganso diante do modo como agiram no processo que culminou com
a demissão do técnico Dorival Junior (GIGLIO e RUBIO, 2013). Também nesse
30

mesmo ano organizei juntamente com a amiga e pesquisadora Diana Mendes


Machado da Silva um livro sobre Copa do Mundo a ser publicado em 2014 (GIGLIO
e SILVA, 2014). O livro era fruto de um desejo dos integrantes do GIEF em
transformar as nossas reflexões compartilhadas nas reuniões internas do grupo para
um público mais amplo.
Desse modo, a finalização da pesquisa se deu depois de muitas
horas de trabalho em frente ao computador, no cruzamento das entrevistas, dos
dados dos Boletins Olímpicos e das informações dos jornais. Um trabalho exaustivo
que foi dividido entre as aulas na Universidade, as demandas do Ludopédio e a
família. Todo esse esforço de conciliar o tempo foi possível pelo entendimento da
minha esposa de que sem essa dedicação, que muitas vezes representou minha
ausência de momentos em família, não seria possível construir a tese.
Enquanto tudo isso acontecia, o Rafael não parava de crescer e
descobrir o mundo. A cada linha escrita da tese, uma nova descoberta ele fazia. A
cada ano consultado, um novo domínio do corpo ele fazia. A cada fechamento dos
capítulos, o engatinhar se dava cada vez mais veloz. A cada revisão feita, ampliava-
se a sua tentativa de falar. Com a tese pronta, ele já podia andar e falar algumas
palavras. Agora, o final dessa etapa para nós dois representa o começo de outra!
Que venham novos desafios, pois tal qual aconteceu com o Rafael, pode-se afirmar
que o processo de doutoramento permite ao pesquisador falar com as suas palavras
e andar com as suas pernas e ideias.
31

Introdução
O Esporte Moderno surgido no final do século XIX como fruto da
Revolução Industrial foi um dos produtos das transformações pelas quais passava a
sociedade inglesa. Estava inserido numa estrutura capitalista e, posteriormente, foi
exportado para outros países (ARDOINO e BROHM, 1995; BOURDIEU, 1983;
ELIAS, 1992a; RUBIO, 2001). Dentre os esportes que eram praticados nesses
primórdios do Esporte Moderno, o futebol ganhou grande número de adeptos e, no
Brasil, acabou tornando-se o principal esporte4.
Da forma como se estruturou, o Esporte Moderno teve como
características inerentes os mesmos valores da sociedade capitalista, como a
necessidade de mensuração dos resultados, a competitividade e a seriedade
(ELIAS, 1992c). Dessa forma, a qualidade e eficiência foram mensuradas a partir
dos resultados produzidos e os vencedores agraciados com troféus, medalhas,
prêmios simbólicos ou materiais como forma de recompensar a posição alcançada.
Essa necessidade de quantificar o desempenho foi responsável pela
tecnologização total dos corpos, pela regulação burocrática, pelas competições e
pela espetacularização das práticas esportivas tratadas como mercadorias
(ARDOINO e BROHM, 1995). Para sustentar toda essa estrutura fez-se necessária a
criação de um sistema hierárquico que foi e é responsável por gerir o mundo do
esporte. Duas das entidades máximas dessa estrutura são o Comitê Olímpico
Internacional (COI) que é responsável pelos esportes olímpicos e a Federação
Internacional de Futebol (FIFA) pelo futebol.
No entanto, antes da constituição dessas instituições que organizam
os esportes houve um processo de reconfiguração das práticas de lazer. Nesse
sentido Elias (1992b) afirma que as atividades de lazer ao se transformarem em
esporte passaram a ter regras orientadas pela lógica de “justiça”5 e de igualdade de
oportunidades para os participantes. Conforme as regras tornaram-se mais rígidas, a
vigilância quanto ao cumprimento das mesmas também se intensificou.
A formalização dos esportes, inicialmente na Inglaterra, ofereceu aos
seus praticantes o modelo e o vocabulário que rapidamente se alastrou por outros
4
No Brasil, antes do futebol, os dois esportes mais praticados eram o turfe e o remo (MELO, 2001; LUCENA,
2001).
5
Destaque dado pelo próprio Elias em seu texto (p. 224).
32

países. Inicialmente “esteve associada à classe média e não necessariamente à


classe alta” (HOBSBAWM, 2006, p. 256)6. Sobre a configuração dos praticantes, o
autor completa que os jovens da aristocracia podiam experimentar as mais variadas
formas de atividades físicas, especialmente as que necessitavam de maiores
recursos financeiros, tal como o recém-inventado automóvel que a “burguesia, como
sempre, não apenas adotou como transformou os modos de vida dos nobres”
(HOBSBAWM, 2006, p. 256), sendo que para os operários ingleses o futebol tornou-
se a grande febre mesmo antes de 1914. Apesar dessa relação com as classes
operárias, durante muito tempo o esporte esteve confinado a um estilo de vida
aristocrático, pois essa era uma forma de mantê-lo restrito a um público específico
(HOBSBAWM, 1997).
Portanto, na Inglaterra, o esporte foi apropriado por cada grupo
social de uma forma diferente. Aos aristocratas couberam as atividades que
permitiam distingui-los socialmente, especialmente de práticas corporais ou esportes
que poderiam evidenciá-los e diferenciá-los dos demais, pelo fato de realizarem
práticas dispendiosas. Na outra ponta, os esportes também foram apropriados pelos
trabalhadores e frequentemente receberam a denominação de esportes populares,
como foi o caso do futebol. Entre esses grupos encontrava-se a burguesia que, por
sua vez, foi a responsável por transformar os passatempos em esportes e,
consequentemente, implantou novos padrões de vida e de relações sociais
(HOBSBAWM, 2006).
A burguesia, ao constituir-se como a responsável por controlar os
processos relacionados ao esporte, promoveu a criação de novos estilos de vida,
perceptível com a incorporação de palavras originalmente do esporte em situações
da vida cotidiana. Além desses elementos, segundo DaMatta (1994, p. 13) a função
do esporte possui relação direta com dois aspectos da vida burguesa ao produzir a
disciplina por meio dos horários dos jogos e da valorização do fair play. Esses dois
elementos colocam os corpos numa relação com as cidades que passaram a se
urbanizar.

6
Hobsbawm (2006) distingue uma classe média reconhecida e a ‘nova’ burguesia. A primeira é definida pela
origem da pessoa, pelo nascimento sendo evidenciada por meio de uma educação e estilo de vida diferenciados e
distantes das classes baixas. E a ‘nova’ burguesia corresponde a uma posição conquistada pelo dinheiro. “O
principal objetivo da ‘nova’ pequena burguesia era o de demarcar tão nitidamente quanto possível a distância
que as separava das classes operárias – objetivo que geralmente as inclinava para a direita radical, na política.
Sua forma de esnobismo era a reação” (p. 255).
33

É sobre essa relação entre as pessoas, lugares e práticas corporais


que Hobsbawm (1997) sustenta o seu argumento para entender como funciona a
criação das tradições, ou em suas palavras, as tradições inventadas. Para o autor, é
possível obter dados relevantes sobre a dinâmica cultural dos operários ingleses a
partir das histórias das finais dos campeonatos de futebol desse país. Seu
argumento para entender as tradições é associar os acontecimentos ao contexto
mais amplo da sociedade.
Sobre os fatos mais abrangentes pode-se analisar, segundo Leite
Lopes (1995), que o enquadramento disciplinar dos jovens em internato ocorrido nos
colégios ingleses de elite7 (public schools) foi um dos responsáveis por transformar
os passatempos em esportes, o que, consequentemente, foi fundamental para que o
esporte fosse rapidamente reapropriado também no enquadramento disciplinar e
moral dos jovens das classes populares (ELIAS e DUNNING, 1992; BOURDIEU,
1983).
E essa transformação dos passatempos em esporte não foi
realizada sem conflitos ou obstáculos, já que “Depois de muita resistência os
estudantes conseguiram manter a sua tradicional autonomia em relação ao uso do
tempo livre” (RUBIO, 2006, p. 48). Conforme afirma Leite Lopes (1995, p. 156), esse
é um ponto que a análise de Elias e Dunning (1992) não discute e deixa de lado os
processos conflituosos da transformação dos passatempos inventados nos colégios
internos ingleses em espetáculos de massa. Ao não considerá-la, acabam por
reforçar uma visão de “linearidade desse processo evolutivo” em detrimento das
resistências e conflitos que fizeram parte das mudanças. Nesse sentido, DaMatta
(2003) afirma que o modelo proposto por Elias e Dunning (1992) é funcional e
utilitarista8.
Seguramente a participação das public schools foi fundamental
nesse processo de disseminação dos esportes entre as comunidades locais. De
acordo com Murray (2000), os ex-alunos (old boys) continuaram a praticar e,
consequentemente, a difundir os esportes prediletos fora do contexto escolar. Taylor
7
Rubio (2006, p. 49) ressalta que algumas escolas recebiam os filhos dos trabalhadores. “Ainda que as public
schools estivessem voltadas para formação dos filhos da aristocracia e da alta burguesia e aparentassem
representar um único modelo educacional inglês, havia as escolas que abrigavam as crianças filhas da classe
trabalhadora”.
8
Para DaMatta (2003), Elias e Duning (1992) ao assumirem esse viés utilitarista entendem que os esportes são,
por natureza, competitivos gerando-se a possibilidade de agressividade. A crítica de DaMatta centra-se no
argumento de que a violência pode ser uma criação do próprio esporte e não que o esporte foi criado para
controlar a violência.
34

(2008) completa que a ligação entre o futebol das public schools e da Associação de
Futebol (FA) aconteceu por meio da criação dos times dos old boys. Embora as
public schools tenham sido muito importantes na disseminação do futebol, outros
lugares também contribuíram para que mais pessoas entrassem em contato com
essa prática: as Igrejas9 e as fábricas10.
Sobre as Igrejas, González (1993) afirma que tiveram um papel
fundamental na difusão de uma mensagem esportiva pelo fato de terem um acesso
direto à comunidade e aos bairros dos operários, especialmente, por possuírem
campos para a prática do futebol. Campos geralmente localizados ao lado das
próprias Igrejas.
Esse movimento de promover a realização de exercícios físicos de
forma vinculada à Igreja, principalmente à Igreja Anglicana (GUTTMANN, 2004),
ficou conhecido por meio da expressão Cristandade Muscular e muitas dessas
pessoas foram responsáveis, pelo fato de ocuparem cargos importantes, por levar
elementos da cultura inglesa para outros lugares (RUBIO, 2006). Além disso, sob a
ótica de manter em harmonia o corpo, a mente e o espírito a Cristandade Muscular
defendia “[...] que o fortalecimento do corpo moralizava os costumes e fortalecia o
caráter” (DIAS, 2012, p. 152).
De acordo com Lucas (1975, p. 458), os primeiros usos dessa
expressão aconteceram na Inglaterra no século XIX, no seio de movimentos
culturais e sociais, que naquele momento passava pela Revolução Industrial. De
acordo com Jameson (1999), esse período corresponde ao segundo momento da
Revolução Industrial, caracterizado pelo imperialismo representado pela exaltação
da máquina, especialmente pela criação da metralhadora e do automóvel.
Para Sevcenko (1994), um fator que potencializou o interesse pelo
futebol foi o fato dele ter sido incorporado pelas massas populares por meio das
cidades industriais. Com a expansão dos esportes e, em especial do futebol, para
além do espaço escolar houve uma ampliação do círculo familiar, que antes era
muito restrito, e criaram um universo social para além da casa.
Associado aos elementos apresentados na configuração do Esporte
Moderno, a estruturação das Federações Internacionais também foi responsável

9
Sobre o papel da Igreja, assim relata González (1993, p. 21) indica que vários clubes ingleses se constituíram
em torno das Igrejas: Aston Villa, Bolton Wandeerers, Birmingham City, Everton e Tottenham Hotspur, além de
todos os clubes fundados na cidade de Liverpool.
10
Para saber sobre a relação das fábricas com o futebol de São Paulo consultar Antunes (1992).
35

pela disseminação dos esportes entre as nações, principalmente “quando o futebol


desenvolveu sua própria autonomia, a FA tornou-se o organismo a que todos os
clubes e instituições menores se filiaram” (GIULIANOTTI, 2002, p. 19).
Em relação ao futebol britânico, Giulianotti (2002, p. 142) aponta
que, embora o amadorismo tenha acabado no final do século XIX o debate sobre o
tema aconteceu até a década de 30. Nessa nova composição do futebol a estrutura
se apropriou dessa prática, ou seja, “a aristocracia e a classe média alta, que
cuidavam das regras; os homens de negócios da classe média, que controlavam os
clubes; os profissionais da classe operária, que jogavam”. Se, num primeiro
momento, é a burguesia que controla a transformação dos passatempos em
esportes, posteriormente, com a institucionalização dessas práticas por meio das
Federações, coube à aristocracia o controle das ações desses espaços.
A institucionalização funcionou como uma vitrine para os esportes e,
consequentemente, uma forma de ampliar e abranger uma parte cada vez maior das
“classes médias”. Essa institucionalização “constituiu um mecanismo de reunião de
pessoas de status social equivalente [...]” (HOBSBAWM, 1997, p. 307, grifo do
autor). Cada esporte criou as suas comunidades artificiais quando esses grupos
seletos começaram a se enfrentar, seja porque pertenciam às escolas ou às
Universidades. Quem ocupava esses espaços nas sociedades europeias eram os
membros da elite.
O que aproxima os esportes de massa dos praticados pela
aristocracia foi a invenção de tradições sociais e políticas, constituindo uma forma de
identificação nacional e comunidade artificial (HOBSBAWM, 1997). A tradição social
associada à comunidade artificial representa a condição de pertencimento que
relaciona o esporte à elite. Participar do esporte significou pertencer a uma classe
social distinta e atenta a esse fato a burguesia começou a se interessar por essa
manifestação. A burguesia observou na possibilidade da prática esportiva um
símbolo de sua ascensão social, equiparando-a aos nobres (GALATTI, 2010, p. 39).
Essa estrutura do Esporte Moderno foi fundamental para balizar e
entender em qual contexto estava inserido os Jogos Olímpicos. De início havia um
planejamento de realizarmos entrevistas com os atletas brasileiros que disputaram o
futebol nos Jogos Olímpicos entre 1952 e 2008. No entanto, esse percurso foi
bastante alterado a partir das histórias contadas pelos entrevistados. Muitos dos
atletas do futebol que disputaram os Jogos até o início dos anos 70 frequentemente
36

relataram que a condição amadora funcionava como uma dupla situação, pois os
colocavam em desigualdade frente aos países da Cortina de Ferro11 já que os
amadores, geralmente vinculados ao Estado, tinham a possibilidade de treinar
integralmente para as atividades esportivas e por essa condição possuíam uma
rotina de treinamento semelhante (e muitas vezes iguais) aos atletas profissionais.
Embora eles me apontassem quais eram as lógicas contidas no
momento da participação no evento, eu ainda queria entender melhor como se
davam os embates em torno do que era ser amador e profissional nesse contexto. A
literatura acadêmica sobre o tema trazia a preocupação em discutir a situação atual
dos jogadores de futebol profissional, sob a perspectiva do direito do trabalho
(CORREA, 2002; MACHADO, 2002; PELUSO, 2009; ZAINAGHI, 1997), das
alterações na Lei do Passe (RODRIGUES, 2007) ou a partir de questões pontuais e
de relações específicas que envolviam o amadorismo e o profissionalismo, tais como
a mudança desses períodos no futebol brasileiro (CALDAS, 1990), a partir de algum
clube (SANTOS, 2010) ou da transição de carreira (MARQUES, 2008).
Além dessas referências, uma tese de doutorado (SALLES, 2004)
analisou a temática com o objetivo de mapear os conceitos dos referidos termos no
esporte com a intenção de se chegar ao modo pelo qual o profissionalismo surgiu na
Inglaterra e tempos depois se refletiu no contexto do futebol brasileiro.
Entretanto, a proposta de Bourdieu (1983) quando afirma que não
estava interessado em definir academicamente o termo esporte, pelo contrário,
queria entender em que contexto o esporte surgiu encaixou-se com a proposta que
pretendia desenvolver. Diante dessa perspectiva é que propus entender o
amadorismo e o profissionalismo, ou seja, não como uma definição ou categoria

11
Utilizo o termo “Cortina de Ferro” pelo fato de que foi dessa forma que os atletas entrevistados se referiram
aos países do Leste Europeu. Essa expressão referia-se à barreira invisível que separava a Europa Ocidental
(capitalista) da Europa Oriental (comunista). Por meio da Cortina de Ferro a União Soviética exercia controle
político e economia sobre a Alemanha Oriental, Polônia, Tchecoslováquia, Hungria, Áustria, Sérvia, Bulgária e
Romênia. Segundo Castaño (2008, p. 161): “[...] a expressão «cortina de ferro» imortalizada por Churchill no
seu discurso de Fulton em Março de 1946, tinha já sido usada por Goebbels quando o Exército Vermelho chegou
a Viena, ao avisar os alemães para não deixarem de combater porque «uma cortina de ferro cairá sobre este
enorme território controlado pela União Soviética, para lá da qual vão ser massacradas nações»” (p. 453), e “que
essa expressão seria ainda utilizada antes de Fulton pelo primeiro-ministro britânico em Potsdam, na presença de
Estaline, que respondeu dizendo que isso eram «contos de fadas»” (p. 481). O referido discurso de Churchill foi:
“From Stettin in the Baltic to Trieste in the Adriatic an iron curtain has descended across the Continent. Behind
that line lie all the capitals of the ancient states of Central and Eastern Europe. Warsaw, Berlin, Prague, Vienna,
Budapest, Belgrade, Bucharest and Sofia; all these famous cities and the populations around them lie in what I
must call the Soviet sphere, and all are subject, in one form or another, not only to Soviet influence but to a very
high and in some cases increasing measure of control from Moscow” (ARNOLD e WIENER, 2012, p. 252).
37

acadêmica e sim a partir do contexto em que foram estabelecidas e,


consequentemente, passaram a integrar a história de vida dos atletas entrevistados.
A partir das histórias e da recorrência da narrativa dos atletas de que
eram amadores e os atletas socialistas eram de fato profissionais mesmo sendo
considerados amadores construí a tese de que os conflitos políticos entre o COI e a
FIFA em torno do estabelecimento das definições da condição de atleta amador e
profissional ditaram os rumos do futebol no mundo e por extensão, essa dinâmica
colocou os atletas como agentes que viveram e foram influenciados por esse rumo.
Em síntese, ao longo do texto construo a tese de que as ações políticas entre o COI
e a FIFA definiram a existência do campo esportivo (BOURDIEU, 1983) do futebol.
Portanto, a tese se sustenta em dois pilares: o primeiro, já citado,
amparado por Bourdieu (1983) trato da formação do campo esportivo do futebol
olímpico. A partir de 1952, com a estreia do futebol brasileiro nos Jogos Olímpicos,
um novo campo se consolida: o campo esportivo brasileiro nos Jogos. Para constituir
esse campo, que pertence ao campo esportivo mais amplo, discuto, a partir das
histórias e dos jornais consultados como foi a preparação, participação e análise dos
resultados obtidos pelo Brasil que apareceram nas narrativas dos entrevistados.
Ao trabalhar com a História de Vida dos atletas Olímpicos do futebol
tive a oportunidade de dialogar com os atletas, agentes primários dessa ação. É
nesse sentido que Geertz (1989) afirma ser um relato de primeira mão, pois são
somente os nativos que fazem uma interpretação dessa perspectiva. Desse modo,
as histórias contadas pelos atletas são construídas por essa ótica já que foram
vivenciadas por eles.
Nessa busca pelas histórias em primeira mão algumas dificuldades
surgiram. A primeira delas foi a dificuldade em encontrar os atletas olímpicos,
principalmente, os que foram aos primeiros jogos dos quais o Brasil participou
(1952). Muitos deles tiveram seu auge, ainda jovens, quando defenderam a seleção
brasileira nessa competição. Outros, além de participarem da Olimpíada,
posteriormente defenderam o Brasil em uma Copa do Mundo. Ao longo do tempo,
conforme a pesquisa avançou pude entender as histórias de duas formas: a história
individual, da trajetória de cada atleta que seguiu rumos distintos; e a história
coletiva, daquilo que os integrantes da mesma seleção lembraram e compartilharam
por meio de suas memórias.
38

As fontes secundárias ou terciárias que aparecem ao longo do texto


a partir das informações contidas nos Boletins Olímpicos12 e nos jornais têm por
finalidade trazer aspectos de como estavam sendo feitas as análises da preparação
e participação brasileira nos Jogos Olímpicos. Tanto as histórias dos atletas quanto
as opiniões expressas pelos jornais indicam a verdade do seu narrador/veículo de
informação e para o escopo da tese revelam o modo como cada um analisou os
fatos e contou a sua verdade, e não teve como objetivo validar a verdade sobre
algum fato ou de corrigir o que foi dito pelo atleta.
Por meio das histórias individuais percebi que havia uma série de
referências a uma história dos Jogos Olímpicos e com isso se tornou essencial
dialogar com as histórias dos atletas em sintonia com a história da competição.
Portanto, os documentos oficiais, tal como as histórias de vida apresentadas na tese
revelam narrativas, óticas particulares e fornecem elementos de análise.
Nesses documentos oficiais pude encontrar uma série de embates
sobre o desenvolvimento do futebol olímpico e da sua relação direta com as
discussões sobre amadorismo-profissionalismo. A análise dos Boletins Olímpicos se
iniciou em 1894, por ocasião do primeiro Congresso Olímpico para estruturar a
reedição dos Jogos e terminou em 1988, ano em que finalizei a pesquisa. Além
disso, os documentos foram analisados juntamente com as histórias narradas pelos
atletas do futebol, a partir de 1952, ano da primeira participação brasileira no torneio
Olímpico.
Recorrer aos dados oficiais pode ser um elemento de crítica, afinal,
os dados podem ter sido selecionados para que pudessem valorizar a presença do
COI nas decisões que foram tomadas em relação ao futebol olímpico. Sobre os
documentos Le Goff (2003, p. 110) afirma:

[...] as condições de produção do documento devem ser


minuciosamente estudadas. As estruturas do poder de uma
sociedade compreendem o poder das categorias sociais e dos
grupos dominantes ao deixarem, voluntariamente ou não,
testemunhos suscetíveis de orientar a história num ou noutro sentido;
o poder sobre a memória futura, o poder de perpetuação, deve ser
reconhecido e desmontado pelo historiador. Nenhum documento é
inocente. Deve ser analisado.

12
É preciso salientar o importante trabalho do site da Fundação Los Angeles’84
(http://www.la84foundation.org/) que disponibiliza, gratuitamente em pdf, os boletins de 1901 a 1915 e 1926 a
2003.
39

Tendo isso claro, não me proponho saber os motivos pelos quais as


informações registradas foram selecionadas para integrar os Boletins, os jornais e as
entrevistas, mas atentei ao fato de que as notícias ao serem selecionadas revelam
uma visão de como se estabeleceram os discursos e como se articularam sob o
ponto de vista da instituição esportiva.
O próprio Geertz (1989, p. 25-26), embora discorra sobre etnografia,
nos aponta caminhos para entendermos a estrutura da tese quando afirma que a
interpretação é uma ficção, isto é, “ficções no sentido de que são ‘algo construído’,
‘algo modelado’ – o sentido original de fictio – não que sejam falsas, não fatuais ou
apenas experimentos do pensamento”. As análises apresentadas ao longo do
trabalho foram produzidas a partir da interação entre os autores lidos e as falas dos
atletas e, portanto, são reflexões e apontamentos do que foi dito, do que ficou
subentendido, dos silêncios que foram gerados durante as entrevistas, da emoção
possível de ser verificada nos atletas por recordar algum fato, enfim, elas são o
desafio de transformar a fala, a expressão do entrevistado em texto passível de ser
interpretado.
Desse modo, tomo emprestada a analogia que Ginzburg (2007) faz
entre o fio e os rastros13 para estabelecer a relação entre as histórias dos jogadores
brasileiros com as dos Jogos Olímpicos. Trazer as histórias narradas por aqueles
que a produziram fez com que esse fio – que aqui representa o contexto histórico e,
portanto, os Jogos Olímpicos – ao se tensionar, ganhasse vida conforme as
narrativas se avolumaram. Ao mesmo tempo em que o fio era tensionado, os rastros
começaram a aparecer e a investigação deles fez com que fossem analisadas as
histórias dos atletas, os Boletins Olímpicos e os jornais da época (Folha da Manhã,
Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo). Portanto, será a relação entre o fio – a
reconstrução da história do futebol Olímpico (os fatos, as mudanças ocorridas na
modalidade, os elementos históricos etc.) – e os rastros – as histórias dos jogadores
brasileiros (o humano, o palpável, o vivido, as experiências, as interpretações, as
lembranças) e os documentos investigados (aspectos históricos e políticos) –
Boletins Olímpicos e os Relatórios Oficiais – que funciona como a base da tese.

13
Ginzburg (2007, p. 7) pensa essa relação a partir do mito. Segundo ele: “Os gregos contam que Teseu recebeu
de presente de Ariadne um fio. Com esse fio Teseu se orientou no labirinto, encontrou o Minotauro e o matou.
Dos rastros que Teseu deixou ao vagar pelo labirinto, o mito não fala”. Agradeço a sugestão do professor Fabio
Franzini, na qualificação, para associar com a tese os elementos apresentados por Ginzburg.
40

Embora tenha optado por apresentar o texto cronologicamente, a


sua construção não seguiu necessariamente essa linha. O processo de pesquisa
não é linear, pelo contrário, é cheio de desafios, questionamentos, reflexões e
dúvidas, pois os rumos tomados pela pesquisa indicaram que “É caminhando que se
faz o caminho” e que “O caminho só existe quando você passa”. Dúvidas que muitas
vezes me fizeram perguntar se estava no caminho certo, se haveria um caminho a
seguir, se deveria ter seguido outras pistas. Apesar da construção não ter sido
linear, a opção pela cronologia deveu-se, durante o processo de pesquisa, ao fato
de eu ter encontrado os Boletins Olímpicos que relatavam os debates feitos pelo COI
acerca do amadorismo e profissionalismo. Foi a essa discussão que o futebol
olímpico esteve vinculado desde o início dos Jogos.
Antes de desenvolver as histórias de vida dos atletas entrevistados,
apresento o método utilizado e esclareço alguns pressupostos do trabalho com
História Oral e análise de documentos, e também apresento uma tabela com
informações sobre os entrevistados selecionados para a tese.
No primeiro capítulo faço uma discussão sobre como estão
estruturadas as duas maiores entidades esportivas da atualidade, o COI e a FIFA.
Foi por meio dessas entidades que o esporte se consolidou enquanto o fenômeno
que conhecemos na atualidade. Para entender a conjuntura esportiva, faço uma
análise com o objetivo de relacionar como essas entidades, por meio dos seus
presidentes, se aproximam e revelam uma visão europeia pelo fato terem sido
controladas majoritariamente por europeus. Essa conjuntura é construída a partir
das divergências entre as duas maiores instituições esportivas, o COI e a FIFA,
fundadas respectivamente em 1894 e 1904, em relação ao futebol ser ou não ser
uma modalidade olímpica.
Ainda nesse capítulo, apresento como o tema amadorismo está
enraizado nas discussões olímpicas e analiso, a partir da literatura sobre o tema, os
motivos de ter se tornado um dos grandes lemas do COI. Para compor esse quadro,
também discuto como o profissionalismo se estruturou e foi entendido pelos
membros do COI como sendo antagônico em relação ao amadorismo.
Essas discordâncias em vários momentos manifestaram-se em
edições dos Jogos Olímpicos por meio de sanções e/ou restrições da participação
do futebol como modalidade olímpica, como aconteceu em Los Angeles (1932),
permissão de jogadores profissionais desde que nunca tivessem participado de uma
41

Copa do Mundo (1984 e 1988) e a partir de 1992 foi implantado o limite de idade no
futebol em que estabelece que somente poderiam participar os atletas com idade
igual ou menor a 23 anos sendo permitida a presença de até três atletas com idade
superior ao limite estabelecido. O ano de 1988 representa, do ponto de vista
simbólico, o final da tese, pois o período posterior (1992-2012) necessitaria de uma
análise específica, já que o futebol passou por inúmeras transformações e, no caso
do futebol brasileiro, representou um aumento do fluxo dos jogadores para o
exterior, fato que também afetou o futebol olímpico.
Nos capítulos seguintes (do dois ao cinco) reconstituo a história do
futebol olímpico a partir do cruzamento de três fontes de informações: os Boletins
Olímpicos (1894-1989)14 e os Relatórios Oficiais (1894-1988) produzidos pelo COI;
os jornais Folha da Manhã (1925-1959) que depois se transforma em Folha de S.
Paulo (1960-1988) e O Estado de S. Paulo (1896-1988)15 para estabelecer o diálogo
com a literatura sobre os períodos analisados. Por meio dessa documentação,
reconstituí os acontecimentos relativos à história dos Jogos Olímpicos,
principalmente sob a perspectiva das ações políticas que envolveram o futebol.
Os referidos capítulos recebem o nome da periodização proposta
por Rubio (2010) com uma alteração para contemplar a modalidade futebol e as
decisões do COI tomadas antes de alguma edição dos Jogos Olímpicos. Com isso,
os períodos referentes à periodização foram ampliados.
Desse modo, no capítulo dois discuto a Fase de Estabelecimento
(1894-1912) em que os Jogos Olímpicos estão em sua fase inicial e o futebol
começa a ganhar espaço no mundo inteiro. Com esse novo espaço conquistado, é
nesse período que existe o primeiro questionamento se o futebol deve continuar ou
sair do programa olímpico.
No capítulo seguinte, a Fase de Afirmação (1913-1936) é o período
de extensa divergência entre o COI e a FIFA, que culmina com a criação da Copa do

14
Somente no Boletim Olímpico avancei até 1989 por ser nesse ano que se adota o limite de idade para o
futebol.
15
Ambos os jornais encontram-se integralmente disponíveis na internet para consulta, fato que facilitou a busca
e a escolha desses jornais para a pesquisa. O Estado de S. Paulo pode ser consultado em
<http://acervo.estadao.com.br/> e a Folha da Manhã e Folha de S. Paulo em <http://acervo.folha.com.br/>.
Quando as informações presentes nesses jornais não foram suficientes para compreender os fatos, consultei o
Jornal do Brasil. A escolha desses jornais também se deu pelo fato de serem os dois veículos de comunicação
com maior circulação em São Paulo e a ideia de trabalhar com os dois jornais foi uma forma de contemplar duas
concepções ideológicas diferentes.
42

Mundo em 1930 a saída do futebol dos Jogos de 1932 e o seu retorno nos Jogos de
1936.
No capítulo quatro, a Fase de Conflito (1937-1983) é o período mais
longo abordado na tese, e nele discuto como os fatores políticos estavam cada vez
mais presentes nas discussões, bem como as diferentes questões que viriam a
surgir em torno do tema amadorismo, especialmente em relação ao futebol.
No quinto capítulo, a Fase Profissional (1984-1988), é analisada a
entrada dos atletas profissionais no futebol olímpico, o que por sua vez estabelece a
continuidade das divergências entre o COI e a FIFA a respeito dos regulamentos
referentes ao futebol dentro dos Jogos Olímpicos.
É a partir do sexto e último capítulo que são introduzidas as
entrevistas com os atletas brasileiros (1952-1988). Os elementos comuns presentes
nas trajetórias dos entrevistados funcionam como sendo os lugares da memória dos
atletas, com a finalidade de entender o percurso do atleta olímpico no futebol. Para
Nora (1993), os lugares da memória são constituídos por três sentidos da palavra:
material, simbólico e funcional; e os três aspectos coexistem constantemente16.
Ao associar os lugares das memórias, os entrevistados trouxeram à
tona a interação dos três elementos propostos por Nora (1993) quando falaram da
origem deles e o vínculo com a família, do início como um rito de passagem, dos
elementos da carreira esportiva (tais como o dom, as dificuldades com o estudo, a
fama, as relações com os técnicos, o fim da carreira, o preconceito e a dor)17.
As representações foram entendidas a partir da definição de Chartier
(1988) que as entende como não sendo neutras, pelo fato de terem sido
construídas, o que faz com que sejam determinadas pelos grupos que as produzem.
Desse modo, as histórias coletadas e os documentos consultados trouxeram indícios
da forma pela qual os Jogos Olímpicos e o futebol, especificamente, se modificaram
ao longo dos anos. Portanto, segundo o autor, é possível constituir como
representações os vestígios que aqui são especialmente discursivos e escritos, e
que podem ser entendidos como indicativos de práticas constituídas por uma

16
Segundo Nora (1993, p. 22): “É material por seu conteúdo demográfico; funcional por hipótese, pois garante,
ao mesmo tempo, a cristalização da lembrança e sua transmissão; mas simbólica por definição visto que
caracteriza por um acontecimento ou uma experiência vividos por um pequeno número uma maioria que deles
não participou”.
17
Embora as entrevistas tenham indicado esses temas, para essa tese serão utilizadas somente a narrativas
referentes aos Jogos Olímpicos.
43

objetivação histórica. Completa que é preciso estabelecer uma relação entre as


diversas representações e as práticas que constituem a referência externa.
As representações do futebol olímpico e da Copa do Mundo foram
construídas por meio da inter-relação dos vestígios-rastros das falas dos
entrevistados, dos documentos oficiais e das reportagens publicadas nos jornais. A
todo o momento os vestígios (CHARTIER, 1988) e os rastros (GINZBURG, 2007)
pertencem ao fio histórico que está centrado nos Jogos Olímpicos, mas que dialoga
com a Copa do Mundo. Além disso, as narrativas sobre a participação do futebol
brasileiro também são trabalhadas a partir da ótica dos atletas e dos jornais.
Pelo fato da estrutura da tese transitar inicialmente entre as tensões
produzidas pelo COI e pela FIFA, outros elementos compõem esse cenário.
Conforme a discussão se amplia, o Brasil começa a se organizar para participar de
seu primeiro torneio do futebol. É nesse contexto que aparecem informações sobre o
COB, a CBD e posteriormente sobre a CBF. Em certos momentos, essas relações
aparecem como blocos articulados internamente; em outros, as instituições se
cruzam para constituírem uma articulação externa. Desse modo, é o fluxo entre o
interno e o externo que dita o ritmo da escrita da tese. Embora possam ser lidos de
modo independente quando vistos internamente, é essencial que toda a discussão
esteja articulada com as relações entre os blocos, pois por mais independentes que
possam parecer, as discussões pertencem ao mesmo contexto.
Juntamente com essas entidades uma série de personagens (os
membros das entidades) aparecerá na tese. Como nem todos são conhecidos
dentro do cenário esportivo brasileiro, colocarei quando aparecerem uma nota de
rodapé extraída dos documentos e artigos consultados para situar o leitor.
Portanto, o objetivo desse estudo foi discutir e entender as questões
históricas e políticas relativas ao futebol nos Jogos Olímpicos. Como extensão deste
escopo foram incorporados à análise os acontecimentos referentes à participação
brasileira no torneio de futebol. O acesso às narrativas da história de vida dos atletas
foi essencial para entender a participação brasileira no torneio de futebol, bem como
o registro em vídeo dos discursos desses atletas quanto à trajetória do futebol
olímpico brasileiro, o ingresso no futebol profissional, a convocação para a seleção
brasileira, a influência que os Jogos Olímpicos e/ou a Copa do Mundo tiveram na
sua carreira, elementos da história do futebol Olímpico e o modo com que os
44

jogadores constroem as representações sobre o futebol nos dois maiores eventos


esportivos mundiais.
45

Método
Embora exista na literatura especializada uma discussão acerca das
definições e confusões em torno da utilização dos termos história oral, história de
vida e biografia (PEREIRA, Lígia, 2000; SILVA, 2002), não faço uma discussão
metodológica sobre cada um dos termos. Durante todo o trabalho utilizo o método da
história oral com foco na história de vida do entrevistado (RUBIO, 2006) e apresento
como esse método é essencial para o tipo de proposta aqui realizada.
O método utilizado na pesquisa de campo foi a história de vida dos
jogadores de futebol que defenderam a seleção brasileira em Jogos Olímpicos18. As
entrevistas de história de vida realizadas com os atletas de futebol foram gravadas
em vídeo e depois transcritas literalmente para análise. Todos os entrevistados
receberam “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido”, em que estavam cientes
de que as informações por eles concedidas seriam usadas exclusivamente para a
pesquisa do projeto “Memórias Olímpicas por Atletas Olímpicos”, do qual essa tese
faz parte. O termo encontra-se no apêndice A.
As histórias de vida permitem resgatar o processo pelo qual
passaram até chegarem à categoria profissional e à seleção brasileira. Esse
rememorar, embora parta do passado, é construído a partir da visão de mundo que
esse atleta possui no presente. Segundo Rubio (2006, p. 21-22), a importância da
discussão sobre as histórias de vida:

[...] se dá em função dos relatos orais terem se constituído desde o


final do século XIX como uma técnica qualitativa por excelência. Isso
porque eles permitem ao pesquisador por meio do som e do tom da
fala do entrevistado, da sutileza dos detalhes da narrativa e das
várias facetas do fato social vivido, ter acesso aos conteúdos de uma
vida que pode ser tomada como individual, mas que carrega consigo
os elementos do momento histórico e das instituições com os quais
manteve relação.

Com as histórias de vida, como afirma Debert (2004, p. 142), não se


esperam verdades absolutas sobre o que vai ser contado pelo entrevistado, o “[...]

18
Por integrar a pesquisa Memórias Olímpicas por atletas olímpicos brasileiros, coordenado pela minha
orientadora, professora Drª Katia Rubio, participarei das entrevistas com os atletas brasileiros que foram aos
Jogos Olímpicos. Ao todo, em nosso levantamento realizado, no futebol masculino (1952-2012) foram
identificados 214 jogadores olímpicos e desse total 24 já faleceram. Alguns dos atletas do futebol também
participaram da Copa do Mundo.
46

que se espera é que a partir dela, da experiência concreta de uma vida específica,
possamos reformular nossos pressupostos e nossas hipóteses sobre um
determinado assunto”. Sobre essa perspectiva Rubio (2006, p. 23) afirma que “A
história de vida é uma forma particular de história oral, que interessa ao pesquisador
por captar valores que transcendem o caráter individual do que é transmitido e que
se insere na cultura do grupo social ao qual o ator social que narra pertence”.
Desse modo, em história oral não existem mentiras em narrativas.
Os entrevistados contam a sua verdade, sendo as versões dos fatos, o modo como
será construído o que mais interessa (BOSI, 2003; MEIHY e HOLANDA, 2007), a
partir do que o entrevistado destaca como mais significativo em sua trajetória.
As histórias de vida permitem o acesso a elementos agora vistos por
outro ângulo, seja o do observador e/ou observado, sempre possibilitando o
exercício proposto por DaMatta (1978) de se familiarizar com o estranho quando
somos confrontados com outra sociedade e estranhar tudo aquilo que é familiar
quando estudamos a nossa própria sociedade, pois assim conseguiremos acessar
os pormenores, os detalhes daquilo que está dado.
Ter acesso às narrativas no sentido de obter “uma outra história” ou
a “história vista por outro ângulo” é fundamental para não ficarmos restritos à versão
dos fatos que é considerada como a oficial. Embora Magnani (2009, p. 135), escreva
sobre etnografia, é possível relacioná-la com a história oral quando analisa a
presença do pesquisador. Desse modo entende:

[...] que o pesquisador entra em contato com o universo dos


pesquisados e compartilha seu horizonte, não para permanecer lá ou
mesmo para atestar a lógica de sua visão de mundo, mas para,
seguindo-os até onde seja possível, numa verdadeira relação de
troca, comparar suas próprias teorias com as deles e assim tentar
sair com um modelo novo de entendimento ou, ao menos, com uma
pista nova, não prevista anteriormente.

Nessa mesma linha Oliveira19 propõe acessar a “sociedade e a


cultura do outro ‘de dentro’ por meio do exercício de olhar e de ouvir” (2006, p. 34),
ou no dizer de Magnani (2002, p. 18) deve-se olhar de perto e de dentro. Nessa
perspectiva, conforme as entrevistas foram realizadas pude perceber o quanto as
histórias individuais estavam conectadas com o momento histórico vivido pelos

19
Para o autor, o trabalho do antropólogo envolve: olhar, ouvir, escrever.
47

atletas durante a disputa dos Jogos Olímpicos. Várias referências à condição de


amador indicaram a necessidade de relacionar as histórias narradas com a história
do evento, pois a restrição da participação para os amadores era a condição que
permitiu a participação dos entrevistados nos Jogos, mas os motivos dessa restrição
eram elementos importantes para eles. Diante disso, recorri aos documentos oficiais
e aos jornais da época para entender como as regras foram constituídas e
debatidas.
Utilizo todas as fontes coletadas, as entrevistas, os documentos e os
jornais, como sendo testemunhos, ciente da observação feita por Bloch (2001, p.
142) quando entende que “o vocabulário dos documentos não é, a seu modo, nada
mais que um testemunho precioso, sem dúvida, entre todos; mas como todos os
testemunhos, imperfeito; portanto, sujeito à crítica”.
Os boletins oficiais e os jornais podem conter erros, imprecisões ou
omissões, tal qual a fala dos jogadores nas entrevistas. Não cabe ao pesquisador
controlar algo que não o pertence. Apenas deve estar ciente, conforme Bosi (2003)
que o entrevistado conta a verdade dele e do mesmo modo afirma Bloch (2001, p.
77) “[...] a deformação aqui, a supor que exista, pelo menos não foi concebida
especialmente em intenção da posterioridade”. Sobre os documentos Le Goff (2003,
p. 109) completa “[...] um documento ‘falso’ é um documento histórico e pode ser um
testemunho precioso da época em que foi forjado e do período durante o qual foi
considerado autêntico e, como tal, utilizado”.
O pesquisador deve saber interrogar (BLOCH, 2001), mas por mais
óbvio que seja só será possível esse exercício se tiver acesso aos documentos e/ou
entrevistas que possibilitem o questionamento e a interação com a pesquisa. Le Goff
(2003, p. 109) baseado em Michel de Certeau afirma que é preciso questionar as
lacunas das documentações históricas. Além disso, completa que é preciso
investigar os silêncios da historiografia tradicional e olhar para temas como a
feitiçaria, a loucura, a festa etc para que seja feito um inventário dos arquivos do
silêncio.
Nesse sentido, pode-se tomar o futebol olímpico como pertencente
ao campo dos silêncios dessa historiografia que frequentemente analisa a Copa do
Mundo e desconsidera o futebol dos Jogos Olímpicos como um tema a ser
estudado. Isso pode ser constatado ao analisar a historiografia do futebol e percebe-
se que o futebol olímpico é pouco mencionado ou quando existe uma referência aos
48

Jogos Olímpicos é feita, majoritariamente, pela ótica dos resultados das partidas
e/ou por meio de informações gerais sobre os acontecimentos da edição dos Jogos
(AGOSTINO, 2002; FREITAS e VIEIRA, 2006; MURRAY, 2000; NEGREIROS, 2009;
PRONI, 2000). Esse tipo de informação acaba por pouco contribuir para o
entendimento do futebol e dos seus protagonistas.
A história de vida possibilita todo esse exercício, já que o ponto de
partida desse método é ouvir a história a partir do relato do entrevistado. Para a
realização das entrevistas não seguimos um roteiro fechado no qual deveríamos
sempre interagir do mesmo modo ou na mesma sequência da conversa. O que se
repetiu enquanto padrão para a execução da entrevista foi a pergunta inicial -
“Gostaria que você contasse a sua história de vida” - em alguns casos, aconteceu do
atleta perguntar: “Da minha vida pessoal ou do esporte?” Sempre o deixava à
vontade para começar por onde quisesse. Além disso, acredito que pelo fato de
existir a gravação em vídeo, esse registro da imagem fez com que antes do início da
gravação, alguns atletas indagassem qual seria a primeira pergunta. Tendo claro
que qualquer pergunta feita por mim influenciou os caminhos da conversa, procurei
ao máximo não interromper o entrevistado com uma nova questão antes de concluir
a resposta para que pudesse explorar com maior profundidade a linha de raciocínio
que estava construindo. Conforme realizei um maior número de entrevistas consegui
perceber quais eram os melhores momentos para fazer as intervenções. Ao mesmo
tempo em que a ação do pesquisador interfere na narrativa, ela é essencial para a
proposta da entrevista que é dialogar com o entrevistado, pois várias vezes as
perguntas foram colocadas na tentativa de aprofundar algum tema ou de não deixar
a conversa ser breve.
Segundo Pollak (1992, p. 208-209), “[...] o que devemos fazer é
levantar meios de controlar as distorções ou a gestão da memória. Quanto menos
uma história de vida for pré-construída, mais isso funcionará”. Porém, conforme as
entrevistas se avolumaram, percebi que muitos dos jogadores de futebol gostavam
de seguir uma linha cronológica e de pontuar, em boa parte dos casos, os clubes
defendidos e os títulos conquistados. Entendo que esses fatores tenham sido
apresentados pelo fato da carreira deles estarem diretamente vinculadas aos clubes
de futebol e a visibilidade conquistada foi possível também, entre tantos outros
fatores, por meio dos títulos.
49

As entrevistas de história de vida possuem um caráter subjetivo. Ao


contar a sua história o entrevistado (re)constrói as partes mais significativas de sua
história e apresenta os fatos ao entrevistador. A seleção dos fatos é feita a partir de
um critério subjetivo, fruto da experiência de vida de cada pessoa e não cabe ao
entrevistador questionar se o que está sendo dito é verdade ou mentira. O que
interessa ao entrevistador é entender o caráter subjetivo da fala. Sobre os possíveis
problemas da subjetividade e das fontes, Pollak (1992, p. 208) afirma que “[...] tais
como uma história de vida individual, podem sofrer uma crítica, por cruzamento de
informações obtidas a partir de fontes diferentes. Mas acredito que, ao fazê-lo, [...],
chegamos rapidamente a esgotar a capacidade de trabalho dos pesquisadores”.
De acordo com Meyer (2009), na entrevista individual a subjetividade
se manifesta por meio do esquecimento voluntário ou involuntário de algo, da
parcialidade e do modo como se posiciona o entrevistado. Além disso, Tonini (2010,
p. 25) completa que a subjetividade é uma essência da memória e em relação ao
entrevistado afirma que:

A subjetividade – que está no cerne da memória – do entrevistado


permite várias interpretações: quais experiências e fatos são eleitos
para serem contados (já que ele sabe que sua história se tornará
pública); por onde ele começa a narrar (vida dos pais, infância,
trabalho, viagem etc.); em que local marca a entrevista (lugares da
memória: casa, trabalho, rua, clube, sítio, etc.); como narra (falante,
lacônico, alegre, triste, com ou sem gestos etc.); como encadeia as
suas ideias; o que é omitido, silenciado e esquecido propositalmente
(traumas); o que e por que mente; como se veste, usa adereços;
quais opções religiosas, políticas, sexuais, musicais etc.; como
constrói o tempo passado; como projeta o futuro; qual o sentido ou
mensagem que quer passar sobre sua história de vida etc..

Quando se utiliza a história oral como método de pesquisa a


presença da subjetividade estará presente. O que se tem em mãos ao empregar as
entrevistas de história de vida é não ter certeza sobre o fato relatado, se ele
aconteceu do modo como foi narrado ou de outro jeito. E é exatamente a
interpretação das histórias o elemento central das análises das entrevistas. Portanto,
o que se tem é a existência da narração, e para Portelli (1996, p. 63) quando o
entrevistado recorda os fatos e os conta, traz em sua fala elementos subjetivos. O
autor defende que “a subjetividade se revelará mais do que uma interferência; será a
50

maior riqueza, a maior contribuição cognitiva que chega a nós das memórias e das
fontes orais”.
Além disso, o local em que foi realizada a entrevista pode fornecer
alguns indicativos do quanto o entrevistado quer apresentar a respeito de suas
memórias. Se o local é a casa, indica que o entrevistado quer compartilhar muitas
coisas; se é o hall do prédio ou uma área aberta (pátio, churrasqueira), indica certo
distanciamento para contar as suas memórias; se é um local público (shopping,
clube esportivo, aeroporto) indica que espera ser visto pelos outros e que não
pretende compartilhar elementos mais particulares de sua vida. Esses elementos
não funcionam como uma regra, pois alguém pode conceder uma entrevista em uma
lanchonete lotada e apresentar elementos pessoais em sua narrativa, mas o que
indica, ao menos em um primeiro momento, é decifrar o que entrevistado
compartilha com o entrevistador a respeito da sua história e cabe ao pesquisador
encontrar meios para acessá-la, sempre respeitando os limites estabelecidos pelo
entrevistado.
Pollak (1992, p. 215) afirma a respeito de suas entrevistas que,
embora necessite de um amparo de outras pesquisas, pôde estabelecer três tipos de
estilos: cronológico, temático e factual, mesmo que os três estilos possam ser
identificados em uma mesma entrevista ele afirma que existe uma predominância de
estilo na fala do entrevistado.
Para o autor, o estilo cronológico está associado ao grau de
escolarização do entrevistado. Nesse aspecto corroboro com Pollak (1992) que o
estilo cronológico apareça na entrevista, porém descarto esse aspecto ser relativo
ao grau de escolaridade. Se a construção do raciocínio é direcionada pelo
entrevistado, como é possível dizer que seu grau de escolaridade seja menor
apenas pelo fato de recorrer a uma cronologia para contar a sua história? Considero
que os atletas do futebol que recorreram ao estilo cronológico o fizeram por ser esse
caminho um dos modos pelos quais seja possível contar a sua história e pelo qual
são constantemente estimulados a contá-las.
O estilo temático para Pollak (1992) é aquele que não se liga ao
tempo cronológico. O entrevistado pode falar da infância e rapidamente passar para
a vida adulta. Na pesquisa com os atletas olímpicos quando o entrevistado recorreu
a esse estilo ele já começava por sua história esportiva e mesmo quando
51

perguntado sobre a infância e/ou a família falava brevemente e retomava a narrativa


para contar os acontecimentos esportivos.
O último estilo apresentado por Pollak (1992) foi o factual que
consiste em um relato desordenado. Com os atletas olímpicos, diferentemente da
classificação apontada pelo autor como sendo esse estilo representado por um grau
de instrução baixíssimo, esse elemento apareceu junto aos atletas mais idosos como
se as lembranças viessem em ondas, estimuladas pela conversa, e que a cada onda
um fato novo poderia brotar e ilustrar a história de vida do atleta. Segundo Bosi
(2010, p. 60):

Um verdadeiro teste para a hipótese psicossocial da memória


encontra-se no estudo das lembranças das pessoas idosas. Nelas é
possível verificar uma história social bem desenvolvida: elas já
atravessaram um determinado tipo de sociedade, com características
bem marcadas e conhecidas; elas já viveram quadros de referência
familiar e cultural igualmente reconhecíveis: enfim, sua memória
atual pode ser desenhada sobre um pano de fundo mais definido do
que a memória de uma pessoa jovem, ou mesmo adulta, que, de
algum modo, ainda está absorvida nas lutas e contradições de um
presente que solicita muito mais intensamente do que uma pessoa
de idade.

A história de vida permite ter acesso a uma pluralidade de discursos


e não somente a uma história oficial. É um método que possibilita
conservar/preservar/registrar a voz do entrevistado em primeira mão como um
sujeito que produz e modifica a sua história. Ser realizada em primeira mão significa,
por consequência, que a narrativa é apresentada em primeira pessoa, uma
testemunha ocular dos fatos.
A mescla dos três estilos apontados por Pollak (1992) revela o que é
algo importante para o entrevistado, o que ficou marcado como algo significativo em
sua memória ou nas palavras de Bosi (2003), o entrevistado conta a verdade dele.
Fixar as histórias por escrito (transcrições) e em imagens (gravações
em vídeo) são formas de mantê-las vivas, pois conforme afirma Halbwachs (2006, p.
101) “[...] o único meio de preservar essas lembranças é fixá-los por escrito em uma
narrativa, pois os escritos permanecem, enquanto as palavras e o pensamento
morrem”.
52

Por meio da história de vida foi possível acessar a trajetória desses


jogadores até a chegada à seleção brasileira de futebol olímpica e/ou a principal20.
Ao optar pela história de vida a partir desse amplo universo de atletas, tornou-se
possível acessar histórias pouco ou nada contadas por alguns protagonistas. É
muito comum as entrevistas serem feitas com os jogadores mais famosos e esses,
por sua vez, devido à repetição de entrevistas acabam por produzir uma “verdade”
em relação ao fato descrito como se outras versões não fossem legitimas quando
contadas.
A análise dos dados foi feita por meio da interpretação das
narrativas das histórias de vida dos atletas, dos fatos relacionados nos documentos,
nas reportagens dos jornais, e do modo pela qual podem ser entendidas como parte
de uma estrutura maior, no caso as competições organizadas pela FIFA e pelo COI,
que colocam as narrativas como parte integrante do contexto vivido pelos atletas.
Sem essas relações o entendimento do contexto apresentado pelos entrevistados
faz com que as histórias percam densidade.
Essa junção será fundamental para se pensar/discutir/interpretar as
representações dos jogadores acerca dos Jogos Olímpicos, da Copa do Mundo e de
outros temas comuns, tal como a infância, o início no futebol, a trajetória nos clubes,
a seleção brasileira etc., levantados por meio das entrevistas.

Memórias que contam histórias

Aqueles que gostam de acompanhar o futebol de espetáculo, os


jogos do clube pelo qual torce ou mesmo da seleção brasileira, são capazes de
estabelecer uma relação de proximidade com a sua própria história de vida. Por
meio do futebol podemos relacionar nossa memória com a memória coletiva. Ao
fazer isso percebemos que o futebol está presente em nossa memória quando nos
lembramos de algum evento futebolístico e por meio dele podemos dizer com
precisão detalhes do local, das pessoas e situações compartilhadas de modo que o
futebol pode caminhar em paralelo e pontuar a vida de muitos brasileiros.
Mas por qual motivo essa memória coletiva pontua a nossa memória
individual? Halbwachs (2006, p. 80) oferece subsídios para pensarmos esta relação:

20
Principal é o termo utilizado para se referir a seleção brasileira que disputa uma Copa do Mundo.
53

“[...] é na memória histórica que temos de nos basear. É através dela que esse fato
exterior à minha vida vem assim mesmo deixar sua impressão tal dia, tal hora, e a
vista dessa impressão me fará recordar a hora ou o dia [...]”. Afirma o autor que
sempre nos relacionamos com duas memórias: a nossa, que é individual e a
coletiva, que é construída a partir da relação com a sociedade.
No caso dos atletas olímpicos, quando cada entrevistado narra a sua
trajetória, seleciona os fatos, fala de algo que é particular, individual, ele apresenta a
sua autobiografia. No entanto, essa autobiografia necessariamente aparece
conectada aos acontecimentos mais amplos da Olimpíada e da sua carreira, isto é,
essa memória está conectada a uma memória histórica (HALBWACHS, 2006) e,
consequentemente, aos fatos daquela Olimpíada e das relações com os outros
atletas que conheceram ao longo da carreira. Seguindo essa linha, Pollak (1992)
afirma que existem três elementos constituintes da memória: os acontecimentos, as
pessoas e os lugares.
Se pensarmos na seleção brasileira como possibilidade de acessar
essa relação entre memória individual e memória coletiva e tomarmos a Copa do
Mundo como exemplo21 podemos nos lembrar com quem e onde estávamos quando
o Brasil venceu a Itália nos pênaltis em 1994; ou quando perdeu a final para a
França na Copa de 1998; ou quando se sagrou pentacampeão em 2002; ou quando
foi desclassificado pela França em 2006, e pela Holanda em 2010.
A primeira reflexão que é preciso ser feita refere-se ao fato de eu ter
mencionado a Copa do Mundo e não a Olimpíada para recuperarmos informações a
respeito da nossa vida e do futebol. Se parto dos atletas olímpicos como forma de
entender as relações entre os dois maiores eventos do futebol de seleções, pode-se
pensar que o exemplo acima não seja ilustrativo. Porém, recorro a esse exemplo e
não a uma situação olímpica, pois, no caso brasileiro, talvez pelo fato do país nunca
ter vencido a competição olímpica e, além disso, a variedade de esportes presentes
nos Jogos Olímpicos faz com que o futebol seja mais um entre tantos outros
esportes, visão corroborada por vários atletas entrevistados.
Com o futebol feminino isso se inverte. Embora a Copa do Mundo do
futebol feminino tenha sido criada antes do torneio de futebol feminino dos Jogos

21
Essa ideia encontra-se em uma crônica de Matthew Shirts. Jogador dá entrevista em língua indígena. O
Estado de S. Paulo, 26 de dezembro de 1998, p. C2 – Cidades.
54

Olímpicos, o grande evento dessa modalidade acontece nos Jogos Olímpicos22.


Segundo Giulianotti (2002, p. 201): “O futebol feminino internacional recebe a maior
cobertura da mídia global durante as Olimpíadas, onde o interesse do público e das
grandes empresas no torneio masculino permanece relativamente baixo”.
A memória coletiva apontada por Halbwachs (2006) é construída por
vários elementos, dentre os quais hoje podemos incluir a mídia23. Segundo Gastaldo
(2004, p. 117):

[...] embora não determine ou condicione comportamentos ou ações


sociais, a mídia certamente atua como um fator de poderosa
influência no campo social. Na medida em que o discurso da mídia
articula determinados significados aos fatos enquanto oculta outros,
é construída nesse discurso uma determinada “definição de
realidade”, que, dada a imensa difusão social de seus veículos, tem
grande possibilidade de tornar-se (ou “manter-se”) hegemônica,
colaborando assim de modo ativo na manutenção de uma dada
relação de forças no interior da sociedade.

Se a construção da memória coletiva se faz na relação e interação


com o outro, nesse sentido a Copa do Mundo promove, no caso do futebol, essa
fixação quanto ao local, com quem estava, em que ano aconteceu etc. Durante a
Copa do Mundo as ruas são transformadas com bandeirinhas do país e grafites
incentivando a seleção. Telões são colocados para que a rua seja um espaço
coletivo para compartilhar emoções. A rotina é transformada, o horário do trabalho é
alterado, a aula na escola é suspensa. Quando a seleção brasileira está em campo
numa Copa do Mundo, o trânsito caótico de boa parte das grandes cidades é
substituído pelo silêncio e calmaria das ruas. Sobre a transformação da cidade de
Campinas em dia de jogo do Brasil na Copa do Mundo de 1998, novamente
Gastaldo (2001, s/p) ilustra o que acontece:

22
A Copa do Mundo de futebol feminino acontece a cada quatro anos desde 1991 enquanto a inclusão do futebol
feminino nos Jogos Olímpicos aconteceu apenas cinco anos depois, nos Jogos de 1996.
23
Embora Halbwachs não utilize o termo mídia, é possível fazer uma associação do modo como as informações
circulam e constituem elementos da memória quando apresenta o conceito de quadro social da memória. Santos
(1998, s/p) ilustra como a informação circula na perspectiva de Halbwachs: “[...] mesmo sem presenciar as
revoluções tecnológicas e informacionais com que vivemos recentemente, o autor, ao destacar a influência dos
escritos de Dickens sobre a forma pela qual ele foi capaz de reconhecer Londres, mostrou a importância da
informação como mediadora do processo de construção de identidade. Se passarmos a compreender que nossas
lembranças relacionam-se a quadros sociais mais amplos, compreendemos também que o passado só aparece a
nós a partir de estruturas ou configurações sociais do presente, e que memórias, embora pareçam ser
exclusivamente individuais, são peças de um contexto social que não só nos contém como é anterior a nós
mesmos”.
55

Uma vez a cada quatro anos, o Brasil é um país quieto e vazio. As


ruas das cidades, grandes e pequenas, calam seus muitos decibéis
de buzinas e motores, os pedestres apressados desaparecem. Os
vendedores ambulantes, sem compradores, somem das ruas. Portas
metálicas fecham as entradas de lojas e bancos. Apenas alguns
ônibus, cumprindo sua obrigação, percorrem seus itinerários em vão.
Andando pelas ruas desertas, ouve-se o vento do inverno tropical
soprar folhetos de propaganda, decorados com bolas de futebol e
bandeiras brasileiras, anunciando as ofertas de ocasião. Olhando
para o alto, as fachadas desertas dos edifícios de apartamentos
exibem para ninguém sua decoração feita de bandeiras nacionais e
grandes faixas de pano verde e amarelo tocadas pelo vento
indiferente.

A seleção brasileira transformou-se ao longo dos anos na maior


vencedora da Copa do Mundo, e ostenta duas marcas que nenhuma outra seleção
possui: a de ter participado de todas as edições e de ser sozinha a maior vencedora
da competição. Por outro lado, o futebol olímpico masculino nunca foi campeão e
tampouco participou de todas as edições dos Jogos Olímpicos com o futebol (foram
ao todo 12 participações, iniciadas em 1952, sendo a última em 2012).
Se há um interesse maior pela Copa do Mundo no Brasil que pode
ser mensurada pela transformação das cidades brasileiras, nas alterações da rotina
de trabalho e das instituições de ensino quando o Brasil está em campo, durante os
Jogos Olímpicos isso não acontece. Nessa lógica, pode-se afirmar que a Copa do
Mundo representa “[...] momentos extraordinários, dentro da rotina do futebol”
(VOGEL, 1982, p. 82). Porém, o fato do Brasil nunca ter vencido a competição
olímpica faz com que a participação da seleção masculina seja tratada com grande
expectativa pela conquista da medalha de ouro24 por parte dos atores que compõe o
cenário futebolístico: os profissionais, os especialistas e os torcedores (TOLEDO,
2002).
Nesse sentido, uma questão fundamental se colocou: para esses
atores o futebol não seria nos Jogos Olímpicos a principal competição da
modalidade. Ao menos era essa a ideia inicial antes de realizarmos um grande
número de entrevistas com os atletas do futebol. A partir desses pressupostos
resolvemos entender, por meio das histórias de vida dos atletas, como os grandes
eventos esportivos (assim considerados atualmente) aparecem nas carreiras desses
24
Os dois maiores rivais sul-americanos do Brasil, os uruguaios (1924 e 1928) e os argentinos (2004 e 2008) já
conquistaram duas vezes a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos. Essa relação com os rivais sul-americanos será
desenvolvida durante a sequência do texto.
56

sujeitos. Ou seja, como jogadores que estiveram envolvidos nessas competições


estabeleceram um diálogo entre a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos.
Em busca de sua linha interpretativa Geertz (1989, p. 283) afirma
que “Da mesma forma que a América do Norte se revela num campo de beisebol,
num campo de golfe ou em torno de uma mesa de pôquer, grande parte de Bali se
revela numa rinha de galos”. Por analogia à proposta de Geertz, o corpo da tese
trará indícios para responder se o Brasil se revela por meio dos Jogos Olímpicos.
Ou, ainda, se o Brasil se revela no futebol olímpico. Ou o que o futebol nos Jogos
Olímpicos revela do Brasil, o país do futebol, quando se fala em Copa do Mundo25.
Portanto, durante a tese, os Jogos Olímpicos foram pensados como um texto cultural
porque sem essa perspectiva não teríamos como fazer a intersecção de diversos
olhares sobre o mesmo tema, feito aqui a partir dos atletas, presidentes e membros
do COI, dirigentes da CBD e da CBF e imprensa.
Nesse jogo de espelhos, quando analisamos a literatura sobre a
história do futebol, percebe-se que o reflexo produzido por esse jogo versa em sua
maior parte, conforme já mencionado, sobre as Copas do Mundo. Porém questões
relativas ao futebol nos Jogos Olímpicos poderiam suscitar interessantes elementos
de análise. Por exemplo, a primeira participação da seleção brasileira masculina
aconteceu nos Jogos Olímpicos de Helsinque em 1952, ou seja, dois anos após o
vice-campeonato mundial em pleno estádio do Maracanã. Será que os atletas do
futebol receberam cobranças na expectativa de projetar o futebol brasileiro
internacionalmente e garantir uma repercussão mundial?
Vale ressaltar que existe uma relação entre a memória coletiva e a
cultura. Ambas são dinâmicas, influenciadas por modos de pensar e agir específicos
do grupo cultural em que foram produzidas e compartilhadas. Segundo Durham
(2004, p. 231), a análise de fenômenos culturais sempre corresponde a uma análise
da dinâmica cultural que indica um “[...] processo permanente de reorganização das
representações da prática social, representações estas que são simultaneamente
condição e produto desta prática”.
A partir das múltiplas entrevistas realizadas, essa dinâmica cultural
pôde ser vista quando reconstituímos a história do futebol olímpico e nos permitiu
entender o quanto o futebol brasileiro se transformou desde a década de 50, ou seja,

25
Agradeço a sugestão do professor José Paulo Florenzano, na qualificação, para incorporar na tese a discussão
de Geertz (1989) sobre a briga de galos em Bali a partir destes questionamentos.
57

as transformações culturais também afetaram o futebol, seja por meio das mudanças
nos padrões de vida dos atletas, do processo de formação dos jogadores e da
relação deles com os clubes, e a seleção brasileira.
Foi possível captar elementos da interação entre a cultura e as
histórias de vida que, segundo Meyer (2009), se constituem sistemas de
representação cultural, pois expressam sentimentos e identidades. Os sistemas de
representação cultural funcionam como sendo parte de um universo simbólico que
faz parte de todas as sociedades. Para Ortiz (2000), o universo simbólico interpreta
e ordena a história e faz com que a respeito do passado seja estabelecida uma
memória que será partilha pelos membros do grupo no qual foi produzida.
A história individual está associada à memória coletiva, pois a sua
experiência está sempre conectada a um contexto mais amplo (OLIVEIRA, 2005),
sendo esse contexto chamado por vários autores de memória coletiva. Sobre a
memória coletiva Ortiz (2000, p. 75) afirma:

O choque ou a assimilação cultural se faz sempre no seio de um


território, a nação, a cidade, o bairro. Dentro desse quadro, o
conceito de memória coletiva torna-se fundamental para a análise
antropológica, pois sabemos que as trocas se fazem em detrimento
do grupo que parte para se implantar, em condições adversas, em
terras estranhas. Ora, Halbwachs já nos dizia que o ato mnemônico
requer a partilha e a participação daqueles que solidariamente se
comunicam uns com os outros. A lembrança é possível porque o
grupo existe, o esquecimento decorre de seus desmembramentos.
Entretanto, para ser vivificada, a memória necessita de uma
referência territorial, ela se atualiza no espaço envolvente.

Em síntese, como afirma Bosi (2003), a memória é um trabalho


sobre o tempo vivido, relacionado com a cultura e o indivíduo. Quando Bloch (2001)
afirma que o objeto de estudo da história é analisar os homens no tempo, o autor
coloca no centro do debate que o interesse está no modo como aconteceram os
processos relativos aos fatos investigados e afirma que nessa relação temporal o
entrevistado irá partir do presente para analisar o passado. Portanto, por meio das
histórias de vida dos atletas, ficou evidente a articulação entre presente e o passado,
tendo claro que o passado é algo que não se modificará mais, o que se modifica é o
conhecimento em relação ao passado (BLOCH, 2001). E esse conhecimento em
relação ao passado pode ser interpretado como o tempo vivido (BOSI, 2003).
58

Entrevistas realizadas e atletas selecionados

O Brasil participou no futebol masculino em 12 edições dos Jogos


Olímpicos (1952, 1960, 1964, 1968, 1972, 1976, 1984, 1988, 1996, 2000, 2008 e
2012). No entanto, para a presente pesquisa foi selecionado um jogador brasileiro
do futebol masculino de cada edição desde a sua estreia em 1952 até os Jogos de
1988, chegando-se ao número de oito entrevistas. Porém, durante o percurso da
pesquisa, conseguimos realizar uma entrevista com João Havelange que foi atleta
olímpico da natação (1936) e do polo aquático (1952). Além de ter sido um atleta,
sua história esportiva também foi construída como um influente dirigente esportivo,
tanto em âmbito nacional quanto internacional. No projeto inicial estava previsto
somente entrevistar os jogadores de futebol, porém, pelo fato dele ter sido
presidente da Confederação Brasileira de Desportos (CBD) e da FIFA sua história de
vida foi utilizada como suporte para entender as relações entre o futebol olímpico e
da Copa do Mundo, sob a perspectiva do dirigente esportivo.
A opção por apresentar na tese nove entrevistas deveu-se ao fato da
presença de algumas limitações quando se utiliza o método da história oral. Entre
elas, destaco a dificuldade em transcrever e analisar na íntegra todo o material
coletado. Ao longo da pesquisa percebi que essa é uma tarefa para vários anos e
que não se esgota em apenas um trabalho. O período correspondente aos Jogos de
1992 a 2012 necessita de uma análise particular, pois esse período representa o
tempo em que está em vigor o limite de idade de 23 anos para os atletas do futebol.
E no caso da formação das equipes brasileiras, existe um predomínio,
diferentemente do período estudado, da presença dos atletas em clubes do exterior.
Portanto, a nova configuração da circulação dos jogadores necessitaria de outra
pesquisa.
Em nenhum momento apresento as ideias e as conversas como
sendo algo que represente integralmente a visão daquele grupo de atletas que foram
a determinados Jogos. Tudo o que apresento é no sentido de estruturar o diálogo
com a literatura especializada para entender como se estabeleceu a carreira do
atleta e como se constituiu a formação do campo esportivo (BOURDIEU, 1983). Não
resta dúvida que o foco da pesquisa parte da participação na Olimpíada e da relação
com a Copa do Mundo. É esse o ponto de partida, mas o ponto de chegada tornou-
59

se multifacetado na medida em que os atletas apresentavam, valorizavam,


recordavam, esqueciam-se de coisas diferentes. O que os une é a participação
olímpica. Conforme as entrevistas tomaram corpo percebi que alguns falavam mais
do clube e da sua carreira do que propriamente da Olimpíada. Por isso, o ponto de
partida é comum, mas a chegada é revelada por cada história em particular.
As entrevistas somente puderam ser realizadas graças à confiança e
disponibilidade dos atletas para contarem as suas histórias para mim e para os
demais membros do GEO que estiveram nas entrevistas. Nesse sentido, Meyer
(2009, p. 37) afirma: “Homens e mulheres que se arriscam a compartilhar suas
lembranças dividem conosco a cumplicidade da recuperação do passado, contra a
passagem inexorável do tempo, para contradizer o ditado popular que a sua
passagem apaga tudo”.
Embora em um primeiro momento houvesse certa desconfiança por
parte do entrevistado por não me conhecer, isso não se tornou, em grande parte dos
casos, um empecilho para a realização da entrevista, sendo que muitas delas foram
realizadas nas residências dos entrevistados.
Desde o momento do contato com o atleta, feito principalmente por
telefone, e após a explicação dos objetivos da pesquisa, tornou-se uma forma dele
retomar elementos do fato vivido, embora tenha escutado de um atleta do futebol de
1984: “Olha, eu não me recordo nada de 84!”. Se num primeiro momento essa fala
indicou que o atleta não queria falar, num segundo momento, após uma conversa de
uma hora e de detalhes que fez questão de apresentar sem que eu tenha
perguntado revelou o quanto é importante deixar o entrevistado expor as suas ideias
da forma como ele quiser.
Outro fato que aconteceu em grande parte com os atletas que
disputaram alguma edição dos Jogos Olímpicos até o final dos anos 60 foi o
prolongamento da conversa ao telefone. Com alguns conversei durante 40 minutos
sobre a vida deles. Isso aconteceu pelo fato de que os jogadores aposentados há
algum tempo queriam falar sobre suas experiências e compartilhar o que viveram.
Quando o indivíduo conta a sua história, uma série de elementos compõe a narrativa
e entre eles está a subjetividade.
De acordo com Tonini (2010), as informações objetivas que muitas
vezes assumem um caráter para situar o entrevistador, tais como fatos, datas,
nomes etc., podem ser consultadas por meio de outras fontes e, portanto, no
60

entender de Tonini (2010, p. 18) passam a interessar “[...] os aspectos subjetivos


(imprecisões, omissões, mentiras, intenções, distorções, ironias, sonhos, silêncios,
pensamentos, sentimentos, visões de mundo etc.) [...]”.
Embora a construção das entrevistas por meio da história oral seja
um elemento fundamental quando se quer trabalhar com as histórias em primeira
pessoa, existe uma dificuldade ao se trabalhar com a narrativa produzida pelo
protagonista, pois algumas coisas são perdidas ao transformá-las em texto. As
expressões são suprimidas, o silêncio perde força, os olhares no vazio não podem
ser contemplados. De acordo com Wacquant (2002, p. 90), “[...] a simples passagem
para a escrita transforma irremediavelmente a experiência que se trata de
comunicar”.
Na tabela abaixo estão todos os jogadores entrevistados, os que
estão contemplados no trabalho e quem realizou a entrevista26. O critério para a
seleção das entrevistas foi a minha participação na realização da mesma pelo fato
de estabelecer uma condição de apropriação mais densa da fala do entrevistado,
pois ao estar presente pude seguir a linha de raciocínio dele e, sempre que
necessário, realizar alguma pergunta para tentar esclarecer algum ponto ou saber
um pouco mais sobre determinada situação. No entanto, somente esse critério não
foi suficiente devido ao fato de eu ter participado de um número grande de
entrevistas com os jogadores de futebol. O segundo critério foi estabelecido por meio
de elementos subjetivos em que optei por utilizar as entrevistas que me fizeram
refletir sobre a própria pesquisa, que conseguiram me fazer penetrar em suas
histórias e entender como se estruturou a carreira deles até a participação olímpica e
de alguns até a Copa do Mundo.
Entrevistas utilizadas na tese

Jogos Atleta Entrevistado Duraç Local de Idade (na Data da

Olímpicos por ão realização entrevista) entrevista

1936 / Jean-Marie Katia Rubio e 3h30 Rio de 95 anos 25 e

Berlim - Faustin Sérgio Settani Janeiro 26/01/2012

1952 Berlim Goedefroid de Giglio

26
Por pertencer a um projeto de pesquisa mais amplo, que envolve todos os atletas olímpicos brasileiros, não fiz
todas as entrevistas com os jogadores de futebol devido a própria demanda e tempo de agendamento. Porém,
participei de boa parte delas. Os demais atletas entrevistados estão indicados no apêndice B.
61

/ Helsinque Havelange

1952 – Carlos Alberto Sérgio Settani 3h16 Rio de 79 anos 14/11/2011

Helsinque e Martins Giglio Janeiro

1960 - Roma Cavalheiro

1960 - Roma Edmar Japiassu Sérgio Settani 53m41 Rio de 70 anos 15/11/2011

Maia Giglio Janeiro

1964 - Humberto André Sérgio Settani 2h07 Rio de 66 anos 18/11/2011

Tóquio Rêdes Filho Giglio Janeiro

1968 – Hamilton Sérgio Settani 52m28 São 62 anos 06/07/2011

Cidade do Chance Rubio Giglio Bernardo

México do Campo

1972 – Jorge Osmar Sérgio Settani 58m13 Rio de 59 anos 16/11/2011

Munique Guarnelli Giglio Janeiro

1976 – Carlos Roberto Sérgio Settani 2h03 Campinas 55 anos 10/08/2011

Montreal Rocha Gallo Giglio

1984 – Los Augilmar Silva Sérgio Settani 1h37 Rio de 46 anos 14/11/2011

Angeles de Oliveira Giglio Janeiro

(Gilmar Popoca)

1988 - Seul José Ferreira Sérgio Settani 1h40 São Paulo 44 anos 27/01/2011

Neto Giglio, Paulo

Henrique do

Nascimento,

Enrico

Spaggiari, Max

Filipe N.

Rocha e Ana

Carolina O.

Guariento
62

1. O COI e a FIFA
Pelo fato de o Esporte Moderno ter surgido na Inglaterra, as
primeiras federações esportivas são, por consequência, inglesas. Desse modo, as
datas de fundação dos esportes amadores ingleses são anteriores às datas de
formação das Federações Internacionais exatamente pelo fato da origem do esporte
ter acontecido no contexto inglês e posteriormente se expandido para outros países.
Conforme os esportes se proliferavam pelos mais diferentes lugares, as Federações
surgiram com o objetivo unificar e centralizar as ações por modalidades.

Tabela 1 - Ano de fundação dos Esportes Amadores e das Federações Internacionais


Esporte Federação Britânica Ano Federação Internacional Ano
Atletismo AAA 1880 IAAF 1912
Boxe ABA 1880 IBU (profissionais) 1911
FIBA (amadores)
Esgrima AFA 1902 FIE 1913
Futebol FA 1863 FIFA 1904
Ginástica AGA 1890 FIG 188127
Patinação NSAGB 1879 ISU 1892
no gelo
Tênis de LTA 1888 FILT 1913
campo
Remo ARA 1882 FISA 1892
Natação ASA 1886 FINA 1908
Fonte: Krüger (1999, p. 6).

Ao caminharem para a estruturação das regras uma nova condição


se solidificou no campo esportivo: as competições internacionais. Foi nessas
competições internacionais, no caso das seleções dos países, uma forma possível
de confronto entre as nações. O que mudou em relação à unificação das regras
entre diferentes public schools foi a escala, se antes era feito um acerto para que o
jogo entre duas escolas pudesse acontecer, naquele contexto a unificação das
regras dialogava com uma condição mais ampla.

27
Krügger (1999) indica como ano de fundação da FIG 1897 enquanto MacDonald (1998) indica 1881. Esse
último ano está colocado no site oficial da Federação Internacional de Ginástica. No site é informado que em
1881 foi fundada a FEG (Federação Europeia de Ginástica) que posteriormente tornou-se FIG em 1921. Em
1896 o COI reconhece a FEG, porém, não participa dos Jogos Olímpicos como uma Federação Internacional.
Somente em 1908 que a FEG foi oficialmente reconhecida como uma Federação Internacional. Disponível em
<http://www.fig-gymnastics.com/vsite/vcontent/page/custom/0,8510,5187-204412-221635-49054-313081-
custom-item,00.html>. Acesso em 7 de março de 2012.
63

Com o passar do tempo, por meio da estruturação das federações


começaram a acontecer as disputas entre as nações, que por sua vez, colocavam
em confronto elementos de identificação nacional, tais como as bandeiras, os hinos
e os uniformes que representam as cores nacionais. Esses elementos se
manifestavam quando os países participavam de uma competição internacional.
Nesse sentido, afirma Hobsbawm (1997, p. 309-310):

[...] os campeonatos esportivos internacionais que logo


complementaram os nacionais, e alcançaram sua expressão típica
quando da restauração das Olimpíadas em 1896. Embora estejamos
hoje bastante cientes da escala de identificação nacional indireta que
estes campeonatos proporcionam, é importante lembrar que antes de
1914 eles mal tinham começado a adquirir seu caráter moderno. A
princípio, os campeonatos “internacionais” serviam para sublinhar a
unidade das nações ou impérios da mesma forma que os
campeonatos inter-regionais.

Junto com o processo de formação de muitas das Federações


Internacionais foi preciso debater um novo item para a consolidação dos esportes
em diversas regiões do planeta. Tudo passaria a girar em torno da decisão de quais
regras deveriam ser seguidas. A fim de estabelecer a unificação das regras
esportivas foram apresentadas três propostas para o COI, sendo uma vinda de
representantes alemães, outra do Comitê Sueco feito por Balck28 e por P. Sheldon
representando a União de Atletismo Amador dos Estados Unidos. As propostas
feitas pelos alemães e pelo Comitê Sueco sugeriam a produção de um código
esportivo que seria obrigatório ser seguido em todas as competições olímpicas.
Essas propostas foram rejeitadas, pois naquele momento o COI entendia que não
era o responsável pelas questões técnicas. Para realizar uma discussão
aprofundada sobre o tema o COI decidiu promover um debate sobre o assunto em
um Congresso Universal29.
Os Congressos promovidos pelo COI aconteceram em diversas
ocasiões a fim de discutir os rumos do esporte, afinal, conforme aponta MacDonald

28
O sueco Viktor Gustaf Balck foi o 5º membro do COI (1894-1920). Em 1861, ingressou na academia militar
Karlberg e cinco anos depois se retirou como brigadeiro. Durante sua carreira militar fundou vários clubes
esportivos, principalmente voltados para prática da Ginástica. Fundou o Clube de Patinação de Estocolmo em
1883 e em 1892 ajudou a fundar a União Internacional de Skate, da qual foi presidente (1893-1925). Além disso,
foi o presidente fundador do Comitê Olímpico sueco em 1905. Tentou ajudar a organizar os Jogos Olímpicos de
Inverno, mas Coubertin não mostrou interesse. Com isso, ajudou a organizar os Jogos Nórdicos que aconteceram
pela primeira vez em 1901 (BUCHANAN e LYBERG, 2009a).
29
Revue Olympique, n. 3, julho de 1901, p. 35-36. L’unification des règlements sportifs.
64

(1998), os Jogos Olímpicos contribuíram para a unificação das regras. Embora,


como será tratado ao longo do texto, essa unificação não tenha sido consensual
entre os membros do COI e das Federações Internacionais, os inúmeros debates
realizados nos Congressos Olímpicos constituíram-se como um espaço privilegiado
para a definição de quais regras seriam adotadas e do posicionamento político dos
países membros da entidade.
O Congresso realizado em Paris (1914), convocado pelo COI, teve
por objetivo discutir a unificação das regras junto aos Comitês Olímpicos
Nacionais30. De acordo com MacDonald (1998), o COI atento ao espaço
internacional conquistado resolveu utilizar esse Congresso para evitar mal-
entendidos e protestos. Em Paris foram apresentados quatro princípios
fundamentais estabelecidos pelo COI31:
1) Os Jogos Olímpicos têm por objetivo reunir os atletas amadores de todas as
nações para competir em igualdade de condições.
2) São realizados a cada quatro anos. A celebração da Olimpíada pode ser
omitida, mas não podem ser alteradas a ordem e o intervalo.
3) A nomeação do local da Olimpíada pertence ao COI.
4) De um modo geral, as exigências para que os competidores estejam aptos para
participar dos Jogos Olímpicos são: que sejam naturais do país que defenderão
ou devidamente naturalizados desde que sejam reconhecidos como amadores
pelo Comitê Olímpico dos países.
A pauta do Congresso também previa discutir temas latentes do
período em questão com a finalidade de serem decididos coletivamente. Entre os
temas presentes estava o questionamento sobre a participação das mulheres nos
Jogos Olímpicos; se deveria haver uma idade mínima para os atletas; se um atleta
que representasse uma nação deveria ser proibido de representar outro país no
futuro. Por fim as definições sobre o amadorismo apareceram novamente no
documento. A respeito do programa foi informado que um esporte não seria admitido
nos Jogos Olímpicos se não fosse praticado, ao menos em seis países32.
As discussões do COI, com o objetivo de definir os critérios para um
país estar representado nos Jogos Olímpicos, trazia para o bojo do debate a

30
Revue Olympique, Sports – Éducation Physique – Hygiène, n. 90, junho de 1913, p. 91. Convocation.
31
Revue Olympique, Sports – Éducation Physique – Hygiène, n. 90, junho de 1913, p. 91-92. Fundamental
principles.
32
Revue Olympique, Sports – Éducation Physique – Hygiène, n. 90, junho de 1913, p. 94.
65

identidade nacional. Como forma de questionar o “óbvio” e, por consequência, o fato


de que um atleta deveria defender o seu país de nascimento ou, na melhor das
hipóteses, se naturalizar e defender o país de escolha.
Quando um país está representado em alguma competição esportiva
pressupõe-se um vínculo direto que faz com que a pessoa torça pelo seu país de
origem. Existe uma informação compartilhada, construída por meio da cultura e
pautada pela identidade nacional que praticamente impede que uma pessoa torça
contra o seu país de origem. Essa condição pode ser explicada a partir dos
argumentos de Hall (2006, p. 48) quando afirma que “[...] as identidades nacionais
não são coisas com as quais nascemos, mas são formadas e transformadas no
interior da representação” (grifo do autor). Para Anderson (2008), a identidade
nacional corresponde a uma comunidade imaginada.
Portanto, sob essas perspectivas, pode-se argumentar que a
identidade nacional é pautada pelo local de nascimento e ao ser gestada durante
toda a formação da pessoa faz com que se pense que não exista uma escolha ao
torcer pelo seu país de nascimento. Completa Hall (2006, p. 49) que a nação é uma
comunidade simbólica que produzirá um “sistema de representação cultural” (grifo
do autor) que, por sua vez, irá gerar a ideia de pertencimento e lealdade que não
pode ser substituída por outro país já que a identidade não é uma condição
genética. Esse pertencimento corresponde a nossa “teia de significados” (GEERTZ,
1989) que foi produzida por nós, refere-se ao grupo em que estamos integrados e ao
qual pertencemos. Dessa forma, nossas escolhas também seriam influenciadas pelo
meio social em que vivemos.
É a esse pertencimento, surgido no debate do COI em 1913, que o
COI e a FIFA, estavam atentos em preservar e que ainda permanece nos dias
atuais. Caso contrário, se a participação do atleta por determinada nação estivesse
atrelada a um contrato de trabalho, ele poderia representar outro país e com isso
teríamos uma configuração diferente da qual conhecemos do esporte no mundo.
Portanto, valorizar o pertencimento por meio da nacionalidade fez com que os
elementos da identidade nacional, tais como o hino, a bandeira, as cores da nação
fossem essenciais para permitir o fluxo de emoções em competições internacionais.
Um século depois do debate travado entre o COI e a FIFA a
restrição da possibilidade do atleta defender outra nação continua a existir. Se as
seleções nacionais contam apenas com os atletas nascidos no país, no futebol são
66

pontuais os atletas que conseguiram se naturalizar, seja por descendência, tempo


de trabalho ou por convite para defender um país diferente de seu país de origem,
os clubes com maior poder financeiro contam com maiores atrativos ao público
quando conseguem contratar os melhores jogadores de diversas partes do mundo.
Segundo Hobsbawm (2007, p. 94) isso fez com que:

[...] a lógica transnacional da empresa de negócios entrou em conflito


com o futebol como expressão de identidade nacional, tanto pela
tendência a favorecer torneios internacionais entre superclubes, em
detrimento dos torneios tradicionais das copas e campeonatos
nacionais, quanto porque os interesses dos superclubes competem
com os das seleções nacionais, que são as portadoras de toda a
carga política e emocional da identidade nacional e que têm de ser
formadas por jogadores que tenham o passaporte do país. Ao
contrário dos superclubes, que, na verdade, podem por vezes ser
mais fortes do que as próprias seleções dos seus países, estas não
são permanentes.

Caso as seleções que disputam os Jogos Olímpicos e a Copa do


Mundo de Futebol não fossem formadas a partir de atletas que tenham o passaporte
do país que representam sendo estruturadas pelos interesses dos patrocinadores e
fornecedores de materiais esportivos poderia haver um aumento de interesse pela
constituição de superseleções, porém, conforme explicita Damo (2006, p. 55): “A
mentalidade nacionalista tolera mal um exército de mercenários, o que faz crer que
pertencimentos por laços de sangue e local de nascimento ainda são referências
importantes, em plena pós-modernidade”.
A unificação das regras não está dissociada de um fenômeno que
ocorria com o esporte: a sua popularização33. Se por um lado, a popularização fazia
com que um maior número de pessoas pudesse praticar os esportes, por outro
representava uma ameaça aos que sempre quiseram manter afastados os
trabalhadores das práticas esportivas.
Quando os esportes, originados na Inglaterra se expandiram para
outros lugares houve um processo de apropriação dessas práticas por parte dos

33
Sobre as modificações das regras do futebol consultar Franco Junior (2007). Porém a forma como o autor
estabelece uma relação direta entre as mudanças que aconteciam no esporte e na sociedade acaba por reduzir e
simplificar o entendimento das dinâmicas próprias que são cridas em cada espaço. Como se uma mudança
estabelecida dentro do esporte andasse em paralelo às mudanças sociais, sendo capaz de influenciar alterações
nas regras da sociedade. Entendo que a construção e unificação das regras referem-se a demandas internas da
prática esportiva em detrimento de possíveis relações diretas com as mudanças da sociedade. Claro que não
podemos dissociar o futebol da sociedade, mas as alterações nas regras sociais não significam alterações nas
regras do futebol e vice-versa.
67

mais diversos países. Nesse processo novos significados e novas formas de praticá-
los se estruturaram e diante das diferenças estabelecidas foi preciso definir as
regras comuns a fim de garantir a possibilidade do confronto esportivo entre as
nações. Será a unificação das regras a responsável por transformar as práticas
corporais em esportes (GIULIANOTTI, 2002). Sobre a popularização do jogo,
especialmente do futebol, Damo (2007, p. 35) afirma:

Uma vez regrados e codificados, os sports superavam as


idiossincrasias locais, expandindo-se por intermédio de circuitos de
competições regulares e abrangentes. Nesse sentido, a codificação
não é a causa ou o motor da disseminação em massa de uma dada
maneira de praticar os sports, mas um dispositivo de desconexão
parcial das práticas em relação às influências locais e regionais,
impulso decisivo para a constituição de uma cultura esportiva
globalizada (grifo do autor).

Sobre a rápida popularização do futebol, o Boletim Olímpico de 1903


chama a atenção para o espaço que o futebol passou a ocupar na França,
especialmente em Paris. Houve um aumento do número de equipes que, distribuídas
em quatro divisões, somavam 140 times. O detalhe dessa nota esportiva é a
explicação de tamanho interesse pelo futebol: é um jogo fácil de aprender e
necessita de um espaço modesto, além de não ser tão violento quanto o rugby. Essa
rápida disseminação do futebol pela Europa será a responsável por alguns
questionamentos quanto à permanência dessa modalidade nos Jogos Olímpicos34.
A criação tanto do COI quanto da FIFA está influenciada por esse
cenário apresentado. Desse modo, o surgimento das Federações Britânicas revela o
contexto no qual o Esporte Moderno surgiu. Na sequência, a criação das
Federações Internacionais indicava que o esporte se expandia e precisava buscar
uma linguagem como para garantir as disputas esportivas entre os países que
adotavam regras diferentes. Nesse cenário geral, os Congressos do COI foram os
responsáveis pela discussão dos rumos do esporte. Todas as transformações pelas
quais passaram os esportes tiveram como pano de fundo a ideia de pertencimento
garantida por meio da identidade nacional.

34
Revue Olympique, n. 9, fevereiro de 1903, p.8-9. Notes sportives.
68

1.1 O COI

Em junho de 1894 foi realizada, por iniciativa de Pierre de Coubertin,


a Conferência Internacional na Universidade Sorbonne35, em Paris, para definir
internacionalmente as regras amadoras e ter início a reedição dos Jogos Olímpicos
(KRÜGER, 1999). Segundo Rubio (2010b), estiveram presentes aproximadamente
duas mil pessoas, sendo que 79 representavam sociedades esportivas e
universidades de 13 nações.
Embora no primeiro Congresso tenha sido discutida a unificação das
regras para o desenvolvimento dos Jogos Olímpicos da Era Moderna ele representa
um marco pelo fato do COI ter sido criado naquele momento. Portanto, do ponto de
vista simbólico os Congressos representam para o COI muito mais do que definir
regras, é um espaço definidor de políticas da entidade que vão desde a criação da
Carta Olímpica, passam por revisões dos códigos estabelecidos até a Agenda 21 ao
propor que o esporte contribua para o desenvolvimento sustentável36.
Apesar de Pierre de Coubertin ser o membro número um do COI, o
primeiro presidente da entidade foi o grego Demetrius Vikelas (membro número
três), pois Pierre de Coubertin estipulou que o presidente do COI deveria ser do país
sede dos Jogos37. Coubertin queria que Paris fosse a primeira cidade a receber os
Jogos, porém, decidiu-se que a primeira edição aconteceria em Atenas em uma
homenagem aos Jogos Olímpicos da Antiguidade. No entanto, a nomeação de
Vikelas como presidente da entidade é vista como um caso de sorte, pois foi
indicado por Joannis Fokianos, presidente da Sociedade de Ginástica Pan-Helênica
e como havia participado ativamente do primeiro Congresso do COI foi confirmado
como presidente quando Atenas conquistou o direito de sediar a primeira edição dos
Jogos Olímpicos da Era Moderna e, consequentemente, deveria cumprir a regra
estipulada por Coubertin (BUCHANAN e LYBERG, 2009b). Abaixo está a relação de
todos os presidentes do COI.

35
Sobre o evento ocorrido na Sorbonne consultar Lucas (1974).
36
Consultar Agenda 21 do Movimento Olímpico. Disponível em
<www.cob.org.br/downloads/downloads/Agenda21.doc>. Acesso em 5 de abril de 2012.
37
Disponível em <http://www.olympic.org/about-ioc-institution?tab=Presidents>. Acesso em 18 de março de
2012.
69

Tabela 2 - Presidentes do COI


Nome País de Tempo Membro Tempo de Anos à

origem de vida do COI presidência frente da

desde presidência

Demetrius Vikelas Grécia 1835- 1894 1894-1896 2 anos

1908

Pierre de França 1860- 1894 1896-1925 29 anos

Coubertin 1937

Henri de Baillet- Bélgica 1876- 1903 1925-1942 17 anos

Latour 1942

Johannes Sigfried Suécia 1870- 1921 (1942*) 10 anos

Edström 1964 1946-1952

Avery Brundage Estados 1887- 1936 1952-1972 20 anos

Unidos 1975

Lord Killanin Irlanda 1914- 1952 1972-1980 8 anos

1999

Juan Antonio de Espanha 1920- 1966 1980-2001 21 anos

Samaranch 2010

Jacques Rogge Bélgica 1942- 1991 2001-2013 12 anos

Thomas Bach Alemanha 1953 1991 2013-2020** 8 anos

*Atuou como vice-presidente de 1942-1946.


** Ao final dos oito anos iniciais pode ser renovado por mais quatro anos.
Fonte: Atualizado, ampliado e adaptado de Krüger (1999, p. 5).

Pierre de Coubertin foi o segundo presidente do COI e o mais


longevo de todos (29 anos). Nesse tempo em que esteve à frente da entidade, os
Jogos Olímpicos buscaram uma identidade própria, após algumas edições terem
sido realizadas como anexo das Exposições Universais.
70

Seguindo o que havia estabelecido ao final dos Jogos Olímpicos de


1896, o presidente do COI deveria ser do país sede e por essa condição Coubertin
assumiu o cargo por ocasião dos Jogos de Paris de 1900. Foi responsável por
adaptar os novos esportes em escala mundial e possuía poucos membros do COI
habilitados para seguir os objetivos estabelecidos em relação ao esporte
educacional e a filosofia do Olimpismo (BUCHANAN e LYBERG, 2009a). Pelo fato
de Coubertin desejar que o COI fosse politicamente o mais independente possível
ele escolheu os membros tendo como objetivo montar um influente grupo, composto
pelos membros ricos dos mais diversos países, especialmente da Europa, para que
pudesse garantir a realização dos Jogos Olímpicos (GUTTMANN, 2002, p. 15).
Assim o site do COI refere-se ao grande idealizador dos Jogos:

Também é a ele que devemos toda a organização dos Jogos


Olímpicos, que se beneficiaram de sua mente metódica e precisa, e
de sua ampla compreensão das aspirações e necessidades dos
jovens. A Carta Olímpica e Protocolo, bem como o juramento dos
atletas são o seu trabalho, juntamente com o cerimonial de abertura
e encerramento dos Jogos. Além disso, até 1925 ele pessoalmente
presidiu o Comitê Olímpico Internacional. O título de Presidente de
Honra dos Jogos Olímpicos foi concedido a ele em 1925 até sua
morte em 1937. Foi decidido que a nenhum outro presidente seria
jamais concedida essa honra novamente. O renascimento dos Jogos
Olímpicos representa apenas uma pequena parte do trabalho de
Barão de Coubertin. Além de inúmeras publicações dedicadas à
técnica e ao ensino do esporte, ele foi o autor de importantes estudos
históricos, políticos e sociológicos. Suas obras totalizam mais de
60.000 páginas. Ele faleceu em 2 de setembro de 1937 em Genebra
(Suíça) depois de ter investido toda a sua fortuna em seus ideais. Ele
é considerado um dos grandes homens do século XX. De acordo
com seus últimos desejos, seu coração foi enterrado em Olímpia
(Grécia), no monumento de mármore que comemora o renascimento
dos Jogos Olímpicos38.

Em 1892, Coubertin realizou um teste para analisar se haveria


adesão para a formação de um Comitê Olímpico Internacional. Como a sua ideia foi
rapidamente aceita, dois anos depois, foi realizada uma conferência internacional na
Universidade Sorbonne a fim de definir mundialmente as regras amadoras e
organizar os Jogos Olímpicos (KRÜGER, 1999).
Um dos problemas que o movimento olímpico enfrentou e ainda
enfrenta em seus mais de 100 anos de existência se aproximam do pensamento de

38
Disponível em <http://www.olympic.org/about-ioc-institution?tab=Presidents>. Acesso em 18 de março de
2012.
71

Coubertin que valorizava o indivíduo, independentemente de seu país de origem


(GUTTMANN, 2002), especialmente quando as relações políticas – também
presentes no modo de agir de Coubertin – definiram os membros do COI e,
consequentemente, pautou toda a ação política no trato das relações com as nações
participantes dos Jogos bem como das escolhas das sedes que se estruturaram por
meio de um jogo de interesses pessoais.
Além do presidente, o COI possui membros que compõem o Comitê
Executivo e são as decisões desse grupo que estabelecem as diretrizes dos
esportes olímpicos no mundo. Tavares (2003, p. 34) afirma que a entidade “foi
estruturada por seu fundador em bases formalmente não democráticas, o que
sempre se configurou num foco de tensão, críticas e controvérsias”, com o objetivo
de preservar os seus valores e ideais. O Comitê Executivo do COI foi criado por
Pierre de Coubertin, em 1921, durante a 19ª sessão da entidade e composto apenas
por europeus39.
É preciso pontuar que as bases não democráticas indicadas por
Tavares (2003) podem ser percebidas pelo olhar de quem não participava desse
processo, pois segundo o próprio Coubertin, a escolha inicial dos membros do COI
não teve restrições. Ele apenas indicou os membros que eram próximos e
partilhavam de seu projeto, mesmo em sua maioria ausentes da conferência em que
ficou decidido retomar os Jogos Olímpicos40.
O argumento de Tavares (2003) ao entender que o COI é uma
entidade não democrática funciona quando se pensa na estrutura criada de fora
para dentro. Se os membros na formação do COI, em sua maioria, eram europeus
(12 dos 15 membros vinham da Europa) pode-se falar, conforme afirma o autor, em
uma organização não democrática e eurocêntrica, uma vez que deveria controlar as
ações do esporte no mundo, estava sob controle dos europeus e, por consequência,
era um grupo que detinha uma visão essencialmente eurocêntrica. Porém, quando
se olha o COI por dentro e a visão de Coubertin reforça esse argumento, ela é por
princípio democrática (“não houve restrições”), pois como a composição de seus
membros seguiu uma linha de indicação não houve questionamento se outras

39
Bulletin du Comité International Olympique, n. 73, fevereiro de 1961, p. 55. The Executive Board of the
International Olympic Committee was instituted forty years ago. O primeiro Comitê Executivo foi composto por
Godefroy de Blonay (Suíça), Jiri Guth-Jarkowsky (Bohemia), Conde Baillet-Latour (Bélgica), J. Sigfrid Edström
(Suécia) e Marquês de Melchior de Polignac (França).
40
Olympic Review, n. 101-102, março – abril de 1976, p. 163. Olympic Memoirs, by Pierre de Coubertin. I -
The Paris Congress and the revival of the Olympic Games.
72

pessoas deveriam integrá-lo. Ao contrário, essa medida fez com que restringissem a
participação daqueles que não eram considerados como portadores dos ideais do
movimento olímpico.
Foi durante a presidência de Coubertin que aconteceram seis
Congressos (1897-1921). Se incluirmos nessa conta o primeiro de 1894 como
Coubertin sendo o principal agente pela reedição dos Jogos Olímpicos, mais de 50%
dos Congressos realizados, que tinham por objetivo discutir os rumos do movimento
olímpico, foram influenciados pelo pensamento de seu idealizador. Segundo Müller
(1981), os Congressos tinham uma função importante dentro do movimento olímpico
pelo fato de ser um espaço para promover os ideais olímpicos.

Tabela 3 - Congressos Olímpicos


Ano Local41 Tema principal42
1894 Paris Estudo e promoção dos princípios do Amadorismo
1897 Le Havre43 Higiene, educação, história relativos ao exercício físico
1905 Bruxelas Assuntos do esporte e educação física
1906 Paris Integração das belas artes nos Jogos Olímpicos
1913 Lausanne Psicologia e filosofia do esporte
1914 Paris Unificação dos esportes Olímpicos, condições de
participação
1921 Lausanne Modificação dos esportes Olímpicos, condições de
participação
1925 Praga Problemas pedagógicos, regulamentos e programa
Olímpico
1930 Berlim Modificações das regras Olímpicas
1973 Varna Futuro do movimento Olímpico

41
Antes do primeiro Congresso de Paris, ocorreram dois encontros preliminares: um no dia 27 de novembro de
1893 no University Club de Nova Iorque e no dia 7 de fevereiro de 1894 no London Sports Club (Olympic
Review, n. S72, agosto – setembro - Special Olympism Issue 1972, p. 53). Para os Congressos consultar: Paris
(1894) - Bulletin du Comité International des Jeux Olympiques, n. 1, julho de 1894; Bruxelas (1905) - Revue
Olympique, n. 14, janeiro de 1905; Lausanne (1913) - Revue Olympique, n. 91, julho de 1913, Sports –
Éducation Physique – Hygiène; Paris (1914) - Revue Olympique, Sports – Éducation Physique – Hygiène, n.
90, junho de 1913, p. 91-95; Praga (1925) - Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 1, janeiro
de 1926; Berlim (1930) - Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 15, janeiro de 1930; Varna
(1973) - Olympic Review, n. S73, Special Congress 1973; Baden-Baden (1981) - Olympic Review, n. 167,
setembro – outubro de 1981 e Olympic Review, n. 169, novembro de 1981; Paris (1994) - Olympic Review, n.
320, julho – agosto de 1994; Copenhague (2009) - http://www.olympic.org/olympic-congress.
42
Existem pequenas divergências quanto ao tema dos Congressos apresentado por Krüger (1999) e o que aparece
no Boletim Olímpico. Na tabela deixei os dados fornecidos por Krüger e indico os temas apresentados pelo
Boletim Olímpico: Paris (1894) – Reedição dos Jogos Olímpicos; Le Havre (1897) Higiene e Pedagogia
esportiva; Bruxelas (1905) – Técnicas dos exercícios esportivos; Paris (1906) – Artes, Letras e Esportes;
Laussanne (1913) – Psicologia esportiva; Paris (1914), Lausanne (1921), Praga (1925) e Berlim (1930) –
Regulamentos Olímpicos. Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 18, julho de 1931, p. 10.
43
Não estão disponibilizados, no site da LA Foundation’84, os Boletins Olímpicos publicados entre 1897 e
1900.
73

1981 Baden-Baden Cooperação Internacional e futuro dos Jogos Olímpicos


1994 Paris Contribuição do Movimento Olímpico para a moderna
sociedade
2009 Copenhague O Movimento Olímpico na sociedade
Fonte: Adaptado e ampliado a partir de Krüger (1999, p. 7).

O belga Baillet-Latour foi o terceiro presidente do COI (37º membro


do COI) e durante a sua presidência aconteceu apenas um Congresso olímpico
(1925). Foi o fundador do Comitê Olímpico da Bélgica, organizou o Congresso de
Bruxelas em 1905 (GUTTMANN, 2002) e a participação do país nos Jogos de 1908
e 1912. Sua importância nessa estrutura olímpica é significativa pelo fato dele ser o
sucessor do grande idealizador dos Jogos Olímpicos da Era Moderna, fato que
representou uma grande responsabilidade para Latour. Segundo Krüger (1999),
Latour possuía um estilo muito diferente de Coubertin, caracterizado pela moderação
e pela divisão de tarefas enquanto o primeiro conduziu o movimento Olímpico de
acordo com a sua visão. Certamente, por essa condição, o seu perfil apresentado
pelo COI ressalta as qualidades e seu caráter nobre como forma de distinção:

[...] dedicou-se incansavelmente para manter os ideais olímpicos e


objetivos. Ele se esforçou continuamente para manter o esporte livre
da comercialização, e preservar a sua nobreza e beleza, a sua
‘raison d'être’. Ele pretendia adquirir uma opinião pessoal informado
sobre todas as questões difíceis e viajou muito por todo o mundo, a
fim de alcançar esse objetivo. [...] Um digno sucessor de Barão de
Coubertin, ele será lembrado como um homem de caráter nobre,
sinceramente dedicados à causa olímpica44 (grifo do original).

Apesar da valorização de seus feitos, essa biografia oficial não


revela que foi durante a sua presidência que o COI e a FIFA divergiram quanto as
definições de amadorismo, gerando a saída do futebol do programa olímpico de
1932. Em sua gestão aconteceram os Jogos Olímpicos de Berlim 1936 em que Hitler
estava em busca da supremacia da raça ariana e obrigou Latour a se posicionar de
maneira firme diante de Hitler (BUCHANAN e LYBERG, 2009b) demonstrando
grande habilidade nas negociações com o ditador (SENN, 1999).

44
Disponível em <http://www.olympic.org/about-ioc-institution?tab=Presidents>. Acesso em 18 de março de
2012.
74

O quarto presidente do COI foi o sueco Edström (99º membro do


COI). Ficou 10 anos no poder (quatro como vice-presidente) e durante esses anos
participou da organização dos Jogos Olímpicos do pós Segunda Guerra Mundial.

No campo internacional, foi um dos organizadores dos Jogos


Olímpicos de Estocolmo, em 1912, e também participou dos Jogos
de 1908, 1920, 1924, 1928, 1932 e 1936 como chefe da delegação
sueca. Nos Jogos Olímpicos de 1912 ele assumiu a liderança na
fundação da Federação Internacional de Atletismo Amador e foi
eleito seu primeiro presidente (1913), cargo que ocupou até 1946.
Em 1920 foi eleito membro do Comitê Olímpico Internacional na
Suécia. Um ano depois, ele foi eleito para a Comissão Executiva do
COI e depois como Vice-Presidente (1931-1946). Na sua qualidade
de vice-presidente tornou-se chefe do Comitê Olímpico Internacional
em 1946, com a morte do presidente, o Conde de Baillet-Latour45.

A presença de Edström representa um contraponto em relação a


Coubertin e Latour. Como era o presidente da Federação Internacional Amadora de
Atletismo – havia sido atleta dessa modalidade na juventude – e foi responsável por
transformá-la na mais importante Federação em cooperação com o COI
(GUTTMANN, 2002). Por conta dessa situação sua posição o colocava em conflito
com o modo de pensar de Coubertin, que anos antes havia classificado as
Federações como uma “lepra do esporte” (KRÜGER, 1999) quando percebeu o
poder dos esportes que estavam estruturados em Federações Internacionais em
relação aos que não possuíam uma organização desse tipo (KRÜGER, 1997).
No plano político a grande vantagem de Edström foi que o seu país,
a Suécia, manteve-se neutra durante a Segunda Guerra Mundial, fato que permitiu a
ele ter livre circulação na Alemanha e nos Estados Unidos durante esse período. Ele
entendia que o esporte poderia oferecer ao mundo um novo e melhor código moral
(SENN, 1999).
O primeiro e único presidente do COI que não era europeu foi o
americano Avery Brundage (172º membro do COI). Disputou os Jogos Olímpicos de
1912 e entre as inúmeras menções positivas feitas pelo site do COI destaca-se o
seu envolvimento com a administração esportiva tendo sido presidente da União de
Atletismo Amador dos Estados Unidos (sete mandatos), presidente do Comitê

45
Disponível em <http://www.olympic.org/about-ioc-institution?tab=Presidents>. Acesso em 18 de março de
2012. Ver também o perfil de Edstrom publicado por ocasião de seu falecimento: Bulletin du Comité
International Olympique, n. 86, maio de 1964, p. 86. J. SIGFRID EDSTRÖM. President of the International
Olympic Committee from 1946 to 1952.
75

Olímpico dos EUA por 25 anos (1929-1953), presidente da Organização dos Jogos
Pan-Americanos (ODEPA)46.
Para Senn (1999), a “Era Brundage” começou 20 anos antes de
assumir a presidência do COI, durante a preparação para os Jogos Olímpicos de
Berlim em 1936. Em seguida foi eleito membro do Comitê Executivo e vice-
presidente em 1945. Foi eleito presidente em 1952 e observou o destino do
Movimento Olímpico até 1972 tornando-se Presidente Honorário Vitalício (1972-
1975). Foi um dos grandes defensores do amadorismo (BUCHANAN e LYBERG,
2011c).
Foi nessa edição olímpica que Brundage deixou o cargo de
presidente após 20 anos no poder. Esperava-se que a sua saída pudesse
representar “[...] uma atitude mais flexível em relação ao problema do
profissionalismo”47. Isso, porque, Brundage era um ferrenho defensor do
amadorismo e era contra a realização dos Jogos Olímpicos de Inverno48.
No balanço das duas décadas à frente da presidência do COI,
Brundage teve que administrar uma série de conflitos em que a Guerra Fria
especialmente, a partir de 1952, foi canalizada também por meio das disputas pela
hegemonia esportiva entre Estados Unidos e União Soviética; o boicote da Hungria
aos Jogos de 1956 após ser invadida pela União Soviética e que teve adesão de
outros países; do protesto dos Panteras Negras nos Jogos de 1968 e do atentado
ocorrido em 197249. Após todo esse tempo no poder, a referência deixada por
Brundage era de um ditador: “[...] a marca que o ex-presidente fez questão de deixar
em seus vinte anos de atuação e que lhe valeu, algumas vezes, a qualificação de
ditador: uma profunda aversão ao profissionalismo no esporte”50.
No meio do mandato de Brundage houve uma mudança na
composição dos membros do COI. Até 1966 eles eram eleitos membros vitalícios e
poderiam, caso outros membros aceitassem, se tornar membros honorários, mas
sem direito a voto. Depois de 1966, os membros somente poderiam permanecer

46
Disponível em <http://www.olympic.org/about-ioc-institution?tab=Presidents>. Acesso em 18 de março de
2012.
47
É o fim da Era Brundage. O Estado de S. Paulo, 22 de agosto de 1972, p. 33.
48
COI expulsa jogador dopado; sua equipe fica. O Estado de S. Paulo, 11 de fevereiro de 1972, p. 18.
49
Vinte anos de poder, um legado de conflitos. O Estado de S. Paulo, 22 de agosto de 1972, p. 33.
50
Brundage sai; a marca fica? O Estado de S. Paulo, 25 de agosto de 1972, p. 24.
76

nessa condição até os 72 anos51. O presidente permanecia por um mandato de oito


anos com possibilidade de ser reeleito por mais quatro anos52.
Com a saída de Brundage, Michael Morris ou apenas Lord Killanin
que havia sido seu vice-presidente, assumiu a presidência do COI em 1972 para um
mandato de oito anos53. Porém, antes de ser presidente do COI, Killanin foi eleito
presidente do Comitê Olímpico da Irlanda em 1950 e dois anos depois se tornou um
membro do COI (230º membro do COI).
“Conhecido por suas tendencias liberais, o novo presidente do
Comitê Olímpico Internacional é um nobre irlandês de 58 anos, jornalista, autor,
produtor cinematográfico e empresário com interesses bancários e petrolíferos”54.
Além disso, durante a universidade se dedicou ao boxe, remo e equitação. Esse foi
o resumo de sua trajetória pessoal veiculado no jornal O Estado de S. Paulo, sendo
ressaltado que era um nobre e, portanto, carregava os elementos esperados para
ocupar a liderança do COI. Outro ponto de destaque foi a menção ao fato de ser
considerado um liberal em clara oposição ao seu antecessor que era visto como um
conservador.
Apesar de ter sido o segundo presidente que ficou menos tempo à
frente do COI (o grego Vikelas foi o presidente que menos tempo ficou no cargo,
apenas dois anos), seus oito anos foram intensos: “um período extremamente
difícil”55, especialmente por conta do assassinato dos atletas israelenses nos Jogos
de Munique, dias antes da transição da presidência de Brundage para Killanin56, da
não participação dos atletas de vários países africanos nos Jogos de Montreal em
1976, e do boicote liderado pelos Estados Unidos aos Jogos de Moscou em 1980.
Não quis tentar uma reeleição por entender que oito anos à frente de uma
presidência era tempo suficiente57 e brincou ao dizer que a sua úlcera também o
informava sobre sua decisão58.

51
Newsletter n. 4, janeiro de 1968, p. 9. Comité international olympique. How are IOC members nominated.
52
Newsletter n. 4, janeiro de 1968, p. 9. Comité international olympique. The president.
53
Olympic Review, n. 59, outubro de 1972, p. 355. The 73rd session of the I.O.C. Ver também: Um lorde
dirigirá o COI. Folha de S. Paulo, 24 de agosto de 1972, p. 43 – Esportes.
54
Um lorde liberal, jornalista e magnata. O Estado de S. Paulo, 24 de agosto de 1972, p. 39
55
Disponível em <http://www.olympic.org/about-ioc-institution?tab=Presidents>. Acesso em 18 de março de
2012.
56
Killanin foi eleito presidente do COI antes do início dos Jogos de Munique, mas somente assumiu a
presidência após os Jogos.
57
Killanin anuncia que não será candidato à reeleição no COI. O Estado de S. Paulo, 20 de maio de 1980, p. 21.
58
Olympic Review, n. 119, setembro de 1977, p. 538. Lord Killanin... Five years of presidency... and China.
77

Da criação do COI em 1894 até 1930 aconteceram nove Congressos


olímpicos e depois de uma longa pausa foi retomado apenas em 1973. A justificativa
do presidente do COI, Lord Killanin, era de que se não tivesse eclodido a Guerra
certamente teria acontecido algum Congresso antes dessa data. O tema do
Congresso foi o futuro do movimento olímpico, pois o início da década de 70 marcou
uma grande discussão em torno do tamanho dos Jogos, do que deveria ser feito
para reduzi-lo, dos inúmeros fatos que aproximavam o esporte da política, além das
marcas deixadas pelo atentado que aconteceu nos Jogos Olímpicos de 1972.
Além desses itens que estavam na pauta do COI, Killanin ressaltou
que após esse grande período de 43 anos entre o último Congresso realizado
revelavam mudanças no COI quanto ao aumento do número dos Comitês Olímpicos
Nacionais que passaram de 53 em 1930 para 131 em 1973. O COB, por exemplo, foi
criado nesse momento, em 193559. Também houve o aumento do número de
esportes de 18 em 1928 para 21 em 1972. Por fim, ressaltou que esse Congresso
era uma ótima oportunidade para o COI olhar para si, para poder se modificar, se
adaptar e melhorar60.
No topo da estrutura olímpica o COI ocupa o posto mais alto e
controla tudo o que se refere ao esporte olímpico no mundo. Em um discurso,
Killanin ressaltou que o COI era o responsável por administrar o movimento olímpico
e era possível fazer essa gestão porque o COI permitiu a criação dos Comitês
Olímpicos Nacionais e das Federações Internacionais. Em suas palavras, não
existiriam os Jogos Olímpicos sem a atuação do COI61.
No entanto, Killanin desconsiderava que em vários momentos o COI
pediu ajuda para os Comitês Olímpicos Nacionais e as Federações Internacionais
para que fossem cumpridas as regras olímpicas, especialmente, as que se referiam
ao controle para que não houvesse fraudes quanto à restrição aos atletas
profissionais de participarem dos Jogos Olímpicos. Não se tratava mais de
estabelecer quem foi o criador, mas de entender que a estrutura para funcionar
necessitava da intersecção de cada setor para garantir a existência dos Jogos.
Nesse momento, Killanin não considera os atletas quando apresenta essa

59
Bulletin du Comité International Olympique, n. 61, fevereiro de 1958, p. 66. The National Olympic
Committees (continuation III). BRAZIL (1935).
60
Olympic Review, n. 70-71, setembro – outubro de 1973, p. 392. ...and 74th Session of the IOC.
61
Olympic Review, n. 28, janeiro de 1970, p. 16. Speech by the Lord Killanin. Vice-President of the I.O.C.
Zagreb, 7th December, 1969.
78

composição. E ao seguirmos a sua linha de raciocínio também poderíamos dizer que


sem atletas não haveria Jogos62.
Atento a essa condição, posteriormente, Killanin mudou o seu
discurso em relação ao atleta quando afirmou que eles eram lembrados apenas
quando subiam no pódio e que muitos estavam, aos poucos, se tornando vítimas da
exploração comercial e política. Também se posicionou de modo diferente ao afirmar
que existia o vínculo entre esporte e política, mas ressaltou que era preciso proteger
o esporte da exploração política63.
Com a chegada de Killanin o movimento olímpico estava disposto a
entender a história do evento que havia criado há quase 80 anos para poder planejar
o futuro e isso passava pelo entendimento da relação entre esporte e política64.
O sétimo presidente do COI foi o espanhol Juan Antonio Samaranch
(273º membro do COI)65. O site do COI o aponta como uma pessoa extremamente
competente que conseguiu circular por várias comissões e com isso entender a
lógica do movimento olímpico. Ingressou no COI em 1966 e dois anos depois se
tornou chefe de protocolo. Dali seguiu para a Diretoria Executiva (1970) e para a
vice-presidência da entidade (1974-1978). Em 1977, quando a Espanha restaurou
as relações diplomáticas com a União Soviética, Samaranch tornou-se embaixador
em Moscou (1977-1980). Foi eleito presidente do COI na 83ª sessão da entidade
realizada antes do início dos Jogos de Moscou66. Durante os 21 anos de sua
presidência, Samaranch consolidou-se como uma pessoa que mudou os rumos do
movimento olímpico.

A partir do momento que ele assumiu o cargo, ele tentou dar uma
nova direção para o Movimento Olímpico, que foi seriamente abalada
pelas dificuldades políticas da XXII Olimpíada, e empreendeu uma
longa viagem ao redor do mundo para estabelecer inúmeros contatos
com os Chefes de Estado e líderes esportivos, e para defender a
causa olímpica. Ele garantiu o status do COI como uma organização

62
Esse é um dos principais argumentos apresentado nas reuniões do Grupo de Estudos Olímpicos pela
professora Drª Katia Rubio, minha orientadora, quando afirma que o maior legado dos Jogos Olímpicos são os
atletas e que sem eles não haveriam os Jogos.
63
Olympic Review, n. 85-86, novembro – dezembro de 1974, p. 573. Speech by Lord Killanin, President of the
IOC.
64
Nessa relação entre esporte e política, Killanin em seu discurso de encerramento do congresso fala sobre a
suspensão da China. Consultar: Olympic Review, n. 72-73, novembro – dezembro de 1973, p. 471-474. Closing
speech of Lord Killanin, President of the Congress and the International Olympic Committee.
65
Biographies. Members of the International Olympic Committee, 2012, p. 170.
66
Samaranch, uma vitória tranquila no COI. O Estado de S. Paulo, 17 de julho de 1980, p. 24; Samaranch foi
eleito. Folha de S. Paulo, 17 de julho de 1980, p. 26 – Esportes.
79

não governamental internacional e reestruturou as finanças (direitos


de televisão, programas de patrocínio). Ele manteve a chama
olímpica viva durante os anos de crise de boicotes (Moscou 1980 e
Los Angeles 1984). Foi através de seus esforços que o Museu
Olímpico foi construído em Lausanne (1993). Quando o COI se
encontrava em crise, por causa de abusos de confiança por parte de
alguns dos seus membros, ele realizou importantes reformas na
estrutura da instituição67.

Entre as mudanças promovidas por Samaranch68, ressalta-se o


vínculo com o profissionalismo que significava uma grande mudança por parte do
COI que durante muitos anos foi totalmente contrário à participação de atletas
profissionais nos Jogos Olímpicos e de tê-la transformado em uma competição
altamente rentável.
Para Simson e Jennings (1992, p. 83), existe uma contradição na
figura de Samaranch. Enquanto é ovacionado como um grande transformador dos
Jogos Olímpicos, a sua história de vida o coloca distante dos ideais olímpicos que se
posicionam contra a discriminação e o distanciamento da política no esporte porque
durante 40 anos foi um defensor dos ideais do ditador espanhol Francisco Franco,
sendo “[...] membro fascista do Conselho da Cidade de Barcelona, presidente do
Conselho Regional Catalão e, por algum tempo, ministro dos esportes fascista”.
Seguindo a linha de Killanin, que não desconsiderava a relação
entre esporte e política, Samaranch afirmou que: “Esporte e política estão ligados e
por isso a filosofia olímpica deve servir-se da política e não converter-se em seu
instrumento”69. Esse uso da política foi percebido por Samaranch quando enfrentou
o boicote soviético nos Jogos de Los Angeles e nessa ocasião pediu “[...] aos
governantes de todo mundo para que lutem contra a interferência da política no
esporte”70. No entanto, Simson e Jennings (1992) apontam que Samaranch utilizou-
se dessa relação exatamente como um instrumento de suas ações na presidência
do COI.
Durante a gestão de Samaranch, em 1998, houve a exclusão de
sete membros e outros quatro que se demitiram após as denúncias de corrupção na

67
Disponível em <http://www.olympic.org/about-ioc-institution?tab=Presidents>. Acesso em 18 de março de
2012.
68
O adeus do senhor da Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 22 de abril de 2010, p. E6 – Esportes; Morte de
Samaranch reabre polêmica. Folha de S. Paulo, 22 de abril de 2010, p. D6 – Esporte.
69
Samaranch. O Estado de S. Paulo, 16 de novembro de 1980, p. 49.
70
Samaranch volta a insistir contra a política no esporte. O Estado de S. Paulo, 26 de julho de 1984, p. 23.
80

escolha da sede dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2002 que aconteceria na cidade
americana de Salt Lake (SUPPO, 2012).
Jacques Rogge (385º membro do COI) foi o oitavo presidente do
COI71. Como atleta da vela disputou os Jogos Olímpicos de 1968, 1972 e 1976. Foi
presidente do Comitê Olímpico da Bélgica (1989-1992), membro do COI em 1991 e
membro do Comitê Executivo em 199872.
A mudança de poder das mãos de Samaranch para Rogge fez com
que mais de 30 comissões e grupos permanentes de trabalho73 da época do
presidente espanhol fossem reduzidas para cerca de 25 na gestão de Rogge
(CHAPPELET e KÜBLER-MABBOTT, 2008).
O nono presidente do COI também é europeu. Thomas Bach (387º
membro do COI) foi eleito na 125ª sessão da entidade para um mandato de oito
anos com possibilidade de renovação por mais quatro anos74. Dentro do COI passou
por vários cargos e há 13 anos era vice-presidente75. Em seu discurso de posse
disse que seu lema na condução do COI será “unidade na diversidade”76.
Segundo MacDonald (1998), ao longo dos anos o COI tornou-se
uma entidade rica, composta por membros influentes e com grande reconhecimento
internacional, seja por meio de seus símbolos (anéis olímpicos)77, periodicidade do
evento que possibilitou atrair o interesse da televisão e do grande número de
filiados.

71
Biographies. Members of the International Olympic Committee, 2012, p. 172.
72
Disponível em <http://www.olympic.org/about-ioc-institution?tab=Presidents>. Acesso em 18 de março de
2012.
73
As comissões estão dividas em: “Juridical Affairs, Athletes, Nominations, Co-ordination of the Games (a
separate commission for each of the coming three or four editions), Culture and Education, Television rights and
New Media, Ethics, Women and Sport, Finance, Marketing, Medicine, Philately and Memorabilia, Press,
Programme of the Olympic Games, Radio and Television, International Relations, Sport and Law, Sport and
Environment, Olympic Solidarity and Sport for all. The chairs of the’mv x various commissions – all entrusted
to an IOC member – are highly sought after since they enthance that member´s profile. The chairpersons of the
most important commissions (Juridical Affairs, Finance, Marketing, Olympic Solidarity) are often members of
the Executive Board” (CHAPPELET e KÜBLER-MABBOTT, 2008, p. 24).
74
O alemão Thomas Bach é formado em Direito e foi atleta da esgrima, sendo campeão Olímpico nos Jogos de
Montreal 1976.
75
Alemão é o sucessor de Rogge. O Estado de S. Paulo, 11 de setembro de 2013, p. A27 – Esportes; Novo
presidente do COI pede mais comunicação à Rio-2016. Folha de S. Paulo, 11 de setembro de 2013, p. D2 –
Esportes.
76
Thomas Bach’s speech following his election as IOC President. Disponível em:
<http://www.olympic.org/Documents/IOC_Executive_Boards_and_Sessions/IOC_Sessions/125_Session_Bueno
s_Aires_2013/President_election_Thomas_Bach_speech.pdf>. Acesso em 11 de setembro de 2013.
77
Embora o autor aponte somente os anéis olímpicos, podemos incluir nessa lista a pira, a tocha, os mascotes, as
cerimônias de abertura e encerramento. Sob o ponto de vista comercial, todos esses símbolos são passiveis de
serem comercializado e por isso são tratados como marcas registradas.
81

Essa estrutura do COI que o coloca como sendo uma entidade


formada majoritariamente por membros europeus pode ser vista, desde a sua
formação, a partir do levantamento do continente a qual pertencem e pertenceram
os integrantes do COI. Para essa análise, proponho uma intersecção entre as
informações acerca da origem dos membros com a proposta de periodização
histórica do Movimento Olímpico feita por Rubio (2010a), em que divide os Jogos
Olímpicos da Era Moderna: fase de estabelecimento (de Atenas 1896 a Estocolmo
1912); fase de afirmação (de Antuérpia 1920 a Berlim 1936); fase de conflito (de
Londres 1948 a Los Angeles 1984) e fase profissional (de Seul 1988 até os dias
atuais).
No entanto, utilizo a periodização proposta por Rubio (2010a) com
duas adaptações: considero as datas para cada fase a partir da participação dos
membros do COI e não a partir dos Jogos Olímpicos; ao olhar para o futebol
desloquei os Jogos de Los Angeles da Fase de Conflito para a Fase profissional,
pois é nessa edição que os atletas profissionais podem participar pela primeira vez.
Dessa forma, se tomarmos a proposta de periodização para analisar as relações de
poder estabelecidas a partir da distribuição dos membros do COI por continente
temos a seguinte configuração:

Figura 1 - Fase de estabelecimento – membros do COI (1894-1912)

Os 13% relativos aos países da América estão distribuídos entre


Estados Unidos (a partir de 1894), Argentina (1894), México (1901), Peru (1903),
Canadá (1911) e Chile (1912). Sendo os números de representantes de cada
82

continente, conforme indicado no gráfico acima, de acordo com a tabela


apresentada na sequência78:
Tabela 4 - Membros do COI por continente (1894-1912)79
  Europa  América  Ásia  Oceania  África  total 
1894  12  2  0  1  0  15 
1895  11  2  0  1  0  14 
1896  12  2  0  1  0  15 
1897  14  2  0  1  0  17 
1898  15  2  0  1  0  18 
1899  17  2  0  1  0  20 
1900  21  4  0  1  0  26 
1901  22  5  0  1  0  28 
1902  23  5  0  1  0  29 
1903  23  6  0  1  0  30 
1904  23  5  0  1  0  29 
1905  26  5  0  2  0  33 
1906  29  5  0  1  0  35 
1907  29  6  0  1  0  36 
1908  33  6  1  1  0  41 
1909  33  5  2  1  0  41 
1910  33  5  2  1  1  42 
1911  35  7  2  1  1  46 
1912  37  7  2  1  1  48 

Embora para Rubio (2010a), por se referir somente às edições dos


Jogos Olímpicos coloque a segunda fase a partir de 1920, os dados abaixo mostram
os membros do COI a partir de 1913. Durante o período da Primeira Guerra Mundial
(1914-1918) o quadro do COI diminuiu de 53 para 48 membros, do primeiro para o
segundo ano de conflito, mantendo-se praticamente estável até o final da Guerra.

Figura 2 - Fase de afirmação – membros do COI (1913-1936)

78
As tabelas foram montadas a partir das informações disponíveis no documento oficial do COI: Biographies.
Members of the International Olympic Committee, 2012).
79
A Rússia foi incluída como parte da Europa, pois o COI a considerava dessa forma.
83

Em relação ao período anterior, houve um aumento da participação


da América junto ao COI. Passaram a fazer parte como membros do Comitê os
seguintes países: Brasil (1913), com a entrada de Raul de Rio Branco80, Cuba
(1913), Equador (1920), Uruguai (1921). A distribuição dos dados acima, ano a ano,
está indicada na tabela abaixo:

Tabela 5 - Membros do COI por continente (1913-1936)


  Europa  América  Ásia  Oceania  África  total 
1913 39  8  2  1  2  52 
1914 40  8  2  1  2  53 
1915 36  7  2  1  2  48 
1916 34  7  2  1  2  46 
1917 33  7  2  1  2  45 
1918 33  8  3  1  1  46 
1919 36  9  3  2  1  51 
1920 31  9  4  2  2  48 
1921 34  11  6  2  2  55 
1922 33  11  6  2  2  54 
1923 35  16  7  3  2  63 
1924 38  18  7  3  2  68 
1925 39  16  7  3  2  67 
1926 40  16  7  3  2  68 
1927 42  17  7  3  2  71 
1928 43  17  5  3  2  70 
1929 43  18  5  3  2  71 
1930 42  17  5  3  2  69 
1931 41  17  5  3  2  68 
1932 41  17  6  3  2  69 
1933 42  15  7  3  1  68 
1934 39  15  7  4  2  67 
1935 39  15  7  3  2  66 
1936 41  16  9  3  2  71 

A terceira fase proposta por Rubio (2010a) é a de conflito que


contempla os Jogos de Londres 1948 até um ano antes dos Jogos de Los Angeles

80
Raul Paranhos de Rio Branco foi o 82º membro do COI (1913-1938). Entrou para o serviço diplomático em
1895 para trabalhar em Washington, mas logo seguiu para a Europa e trabalhou em Paris, Roma, Londres e
Berlin antes de ser indicado pelo ministério brasileiro em Berna (1912-1934). Ingressou no COI em 1913 e em
1917 Coubertin o indicou para compor o Comitê de propagação do ideal olímpico na América do Sul. Rio
Branco organizou a primeira equipe brasileira que participou dos Jogos Olímpicos em 1920. Como passou boa
parte de sua vida como diplomata na Europa, quando se aposentou passou a viver na Suíça até o seu falecimento.
(BUCHANAN e LYBERG, 2010a).
84

1984. Para montagem do gráfico e da tabela abaixo foram considerados os anos


que os Jogos foram interrompidos devido à Segunda Grande Guerra Mundial.

Figura 3 - Fase de conflito – membros do COI (1937-1983)

Tabela 6 - Membros do COI por continente (1937-1983)


  Europa  América  Ásia  Oceania  África  total 
1937 42  14 8  3 2  69 
1938 43  16 8  3 2  72 
1939 42  15 10  3 3  73 
1940 39  13 9  3 2  66 
1941 38  13 8  3 2  64 
1942 38  13 8  3 2  64 
1943 35  13 8  3 1  60 
1944 33  13 8  3 1  58 
1945 31  13 8  2 1  55 
1946 39  14 8  3 3  67 
1947 37  14 10  3 3  67 
1948 42  17 10  3 3  75 
1949 39  15 10  3 3  70 
1950 38  15 11  3 3  70 
1951 38  15 10  4 3  70 
1952 42  20 11  3 2  78 
1953 40  17 10  3 2  72 
1954 39  17 10  3 2  71 
1955 39  17 13  3 2  74 
1956 39  16 12  3 2  72 
1957 38  15 11  3 2  69 
1958 36  15 10  3 2  66 
1959 36  15 10  3 2  66 
1960 36  15 10  3 4  68 
1961 37  16 9  3 5  70 
1962 35  15 9  3 5  67 
1963 37  15 9  3 6  70 
1964 40  16 10  3 6  75 
1965 38  16 10  3 8  75 
85

1966 40  16 10  3 8  77 


1967 38  17 10  3 8  76 
1968 37  17 10  2 10  76 
1969 38  16 10  3 10  77 
1970 39  15 11  3 9  77 
1971 38  15 12  3 10  78 
1972 36  15 12  3 9  75 
1973 36  16 13  3 10  78 
1974 36  17 14  4 11  82 
1975 36  16 13  3 11  79 
1976 39  16 13  2 11  81 
1977 39  18 15  3 13  88 
1978 37  19 16  3 14  89 
1979 37  19 16  3 14  89 
1980 37  19 16  3 14  89 
1981 37  20 16  3 14  90 
1982 35  20 16  3 14  88 
1983 36  20 17  3 15  91 

A última fase proposta por Rubio (2010a), é a do profissionalismo


que se inicia em 1988 e permanece até os dias atuais. Embora a autora tenha
considerado apenas as edições dos Jogos Olímpicos, ampliei o período por
considerar que cada edição funciona como um elemento central das decisões
tomadas durante os anos anteriores nas reuniões do COI e desloquei os Jogos de
Los Angeles para essa fase devido à entrada dos atletas profissionais no futebol.
Por isso, estruturo a fase profissional de 1984 até 2012.

Figura 4 - Fase profissional – membros do COI (1984-2012)

Tabela 7 - Membros do COI por continente (1984-2012)


  Europa  América  Ásia  Oceania  África  total 
1984 36  20  18  3 16  93 
1985 38  20  18  3 17  96 
86

1986 38  20  18  3 17  96 


1987 38  18  18  4 17  95 
1988 40  20  18  4 18  100 
1989 39  19  16  4 18  96 
1990 39  21  16  4 18  98 
1991 40  20  15  4 17  96 
1992 40  20  16  4 17  97 
1993 37  19  15  4 17  92 
1994 42  21  16  5 17  101 
1995 45  21  17  5 19  107 
1996 49  22  21  5 20  117 
1997 45  21  20  5 20  111 
1998 49  22  22  5 21  119 
1999 53  23  23  5 22  126 
2000 57  26  24  5 17  129 
2001 57  25  25  6 17  130 
2002 61  23  27  6 18  135 
2003 58  21  25  6 17  127 
2004 58  21  25  6 19  129 
2005 53  18  23  7 19  120 
2006 54  20  22  6 20  122 
2007 48  19  24  5 20  116 
2008 50  20  24  5 17  116 
2009 47  19  24  4 18  112 
2010 47  20  26  5 18  116 
2011 45  21  26  6 17  115 
2012 45  20  26  6 15  112 

As informações sobre qual continente pertencem os membros do


COI são significativas quando mostram que a entidade foi e continua a ser
majoritariamente europeia. Apesar dos números apresentados nos quatro gráficos
(figuras 2 a 4) indicarem uma queda em relação à porcentagem do número de
membros europeus, o que significa o aumento da presença de outro continente,
como é o caso da Ásia, sempre constituíram a maioria e mesmo com a diminuição
nunca ficaram abaixo de um terço dos integrantes. Não é de se estranhar que das
30 edições olímpicas (já contando a do Rio de Janeiro a ser realizada em 2016 e
Tóquio 2020 e os Jogos de 1906) que 15 cidades-sede foram da Europa; sete da
América, com larga vantagem para os Estados Unidos com quatro edições, uma
para Canadá, México e Brasil sendo que essa distribuição desigual também é
encontrada por meio da nacionalidade os membros da entidade; seis da Ásia e dois
87

da Oceania. Ou seja, as cidades escolhidas para receber o evento cumprem a


mesma distribuição da origem dos membros do COI.
Provavelmente o próximo passo a respeito das sedes poderá ser um
país africano, já que nos últimos anos um grande número de pessoas desse
continente tornou-se membro do COI.

1.2 A FIFA

A FIFA foi fundada em 1904 em Paris com apenas sete membros


(Bélgica, Dinamarca, França, Holanda, Espanha, Suécia e Suíça)81. Atualmente
possui 208 países filiados sendo chamada, em seu próprio site, de “ONU do
futebol”82 já que as Organizações das Nações Unidas hoje possui 193 países-
membros83.
Porém, conforme já apresentado, a Associação de Futebol (FA)
inglesa foi fundada em 1863 em Londres quatro décadas antes da FIFA. Nos anos
que se seguiram foram fundadas a Associação de Futebol da Escócia (1873),
Associação de Futebol de País de Gales (1876) e a Associação de Futebol da
Irlanda (1880). Na expansão do futebol pela Europa, segundo Leonardo Pereira
(2000, p. 26) aconteceu especialmente a partir da década de 1880:

Criados em torno das comunidades inglesas e escocesas, apareciam


nesse período clubes destinados à prática do futebol em países
como a França, a Holanda, a Dinamarca, a Rússia, a Espanha, a
Itália e a própria Suíça. Essa rápida proliferação levou a criação, em
188684, da Internacional Foot–ball Association Board, que pretendia
orientar e uniformizar a prática do futebol, não só na Inglaterra mas

81
Nessa ocasião, o primeiro presidente eleito da FIFA, o francês Robert Guérin, foi eleito por unanimidade.
Disponível em <http://pt.fifa.com/aboutfifa/organisation/bodies/congress/presidentelections.html>. Acesso 5 de
abril de 2012. Os setes membros eram: M. Hirschamn (União de Futebol da Holanda), V. Schneider (Associação
de Futebol Suíça), M. Sylow (União de Futebol da Dinamarca), Robert Guérin e A. Espir (União das Sociedades
Francesas de Esportes Atléticos), P. Muhlinghaus e Kahn (União das Sociedades Belgas de Esportes Atléticos)
(MURRAY, 1999, p. 27).
82
Disponível em <http://pt.fifa.com/aboutfifa/organisation/associations.html>. Acesso em 1º de março de 2012.
83
Disponível em <http://www.onu.org.br/conheca-a-onu/paises-membros/>. Acesso em 1º de março de 2012.
84
Esse ano corresponde à primeira reunião da entidade e não o ano de sua formação (1882). “Composta por dois
representantes de cada uma das quatro federações de futebol do Reino Unido — Inglaterra, Escócia, País de
Gales e Irlanda —, a IFAB se reuniu pela primeira vez no dia 2 de junho de 1886 por sugestão da federação
inglesa. Em uma época em que o esporte bretão não era praticado da mesma maneira em todos os países, o órgão
foi instituído a fim de elaborar e proteger as regras fundamentais do futebol. O objetivo da IFAB é preservar as
regras de jogo, supervisionar a sua aplicação, estudá-las e, eventualmente, modificá-las”. Disponível em
<http://pt.fifa.com/aboutfifa/organisation/ifab/history.html>. Acesso em 6 de abril de 2012.
88

nos outros países pelos quais ele se espalhava. Ao contrário do que


aconteceria no Reino Unido, entretanto, nesses outros países o jogo
estava longe de servir de elemento de identidade operária – sendo,
pelo contrário restrito aos jovens estudantes e os técnicos
especializados das companhias inglesas. Praticado principalmente
nas escolas europeias, de onde saiu a maior parte dos clubes do
continente, o jogo ganhava uma marca muito diferente daquela que
assumia em seu país de origem.

A International Board surgiu em 1882 com o objetivo de estabelecer


e padronizar as regras entre os quatro países da Grã-Bretanha para também
promover torneios internacionais anualmente, tais como os jogos entre Escócia e
Inglaterra que tiveram início em 1872 (MURRAY, 1999). E ainda hoje a International
Board tem a mesma função que é “[...] discutir e tomar decisões sobre as propostas
de mudanças das Regras do Jogo. A FIFA e as quatro federações do Reino Unido
(Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte) podem propor temas a serem
discutidos e ratificados na Assembleia Geral Anual (AGA) [...]”85.
O organograma abaixo apresenta o modo como está estruturado o
futebol no mundo e detalha a relação com o Brasil86:

85
Retirado do site da FIFA. Disponível em <http://pt.fifa.com/aboutfifa/organisation/ifab/aboutifab.html>.
Acesso em 1º de março de 2012.
86
Sobre os primeiros momentos da necessidade brasileira em unificar e fundar algumas instituições esportivas
para a implantação de elementos comuns no país, consultar: O Estado de S. Paulo, 13 de julho de 1915, p. 5.
Foot-ball: o momento sportivo. O foot-ball – A nossa situação perante a Argentina e perante a Federação
Internacional – A logica a’s avessas – S. Paulo não quer o seu predominio; quer a egualdade.
89

Figura 5 - Organograma relaciona a estrutura do futebol mundial com a do futebol


brasileiro

FIFA | International 
Board

Confederações 
Internacionais

Confederação da 
Confederação  Confederação Sul‐
Confederação  América do Norte,  Confederação de  União Europeia de 
Asiática de Futebol Americana de 
Africana de Futebol Central e Associação  Futebol da Oceania Futebol
Futebol
de Futebol do Caribe

Confederação 
Brasileira de Futebol 
(CBF)

Campeonatos 
organizados pela CBF

Federações de 
Futebol

Clubes de Futebol

Empresários | 
Agentes de jogadores

Jogadores 
profissionais

Por meio dessa hierarquia a FIFA possui domínio total em relação


ao futebol profissional, sendo que não existe futebol profissional fora do sistema
FIFA (DAMO, 2006). Abaixo da FIFA estão as confederações dos continentes que
por sua vez possuem como filiados às confederações dos países, no caso brasileiro
é a Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Ainda nessa hierarquia aparecem as
federações de futebol dos Estados e vinculadas a elas os clubes, sendo que na
última etapa dessa estrutura aparecem os jogadores. Portanto, qualquer situação
que aconteça em alguma dessas instâncias a FIFA pode intervir, alegando sua
autoridade e competência sobre o episódio. Sobre essa estrutura apresentada no
organograma Giulianotti (2002, p. 46), afirma:
90

Quando o poder na área foi transferido da Grã-Bretanha para os


canteiros do futebol moderno da Europa e da América Latina, o
controle administrativo também foi modernizado. Uma pirâmide
racionalizada de autoridades controlou a crescente complexidade
global do novo cenário do futebol. A Fifa manteve o poder universal
do futebol e investiu seus membros de uma autoridade de âmbito
nacional. Para facilitar a administração e a organização das
competições, a Fifa sancionou a formação das confederações
continentais de futebol para funcionarem como níveis médios de
controle entre o nacional e o global. Essas confederações deram
poder a nações menores em matéria de futebol, como as da África e
da Ásia, com direitos de voto em um nível global.

A FIFA, como qualquer empresa multinacional, está muito atenta


quanto ao controle de seu produto e ao atuar dessa forma consegue aumentar os
seus lucros por meio do seu principal evento, a Copa do Mundo87, pelo programa de
licenciamento de sua marca e pelo conceito de qualidade em que os fabricantes
colocam em seus produtos o aval da FIFA tal como “aprovada pela FIFA” e
“inspecionada pela FIFA”. Diante dessa situação pode haver alguma confusão entre
os objetivos da FIFA e os locais onde ocorrem os eventos pelo fato deles serem
viabilizados numa relação com o governo dos países.
Essa é uma condição que aparece por ocasião da primeira
Olimpíada da Era Moderna, em 189688, em que no Congresso Olímpico os membros
do COI explicitaram que êxito da Olimpíada estava diretamente atrelado ao apoio do
governo. Para Rubio (2010c), desde o começo houve essa relação no sentido dos
governos nacionais fornecerem o amparo necessário para o seu país ser a sede dos
Jogos e que atualmente os governos se interessam pelos grandes eventos
esportivos pela visibilidade internacional que os mesmos promovem para o país ou
cidade-sede.

No Brasil e em quase todos os países ocidentais, a organização


esportiva é um poder delegado ao Estado, razão pela qual as
agências laicas como a Fifa, a CBF e suas subsidiárias, confundem-
se com as agências governamentais – sem contar que em dados
períodos, como durante a ditadura brasileira, os militares
encamparam a então CBD (hoje CBF) (DAMO, 2006, p. 47).

87
“A FIFA teve um período de grande sucesso no ciclo de quatro anos entre 2007 e 2010, com a receita
passando de US$ 2,634 bilhões no ciclo de quatro anos anterior para US$ 4,189 bilhões. Os custos também
cresceram, mas permaneceram firmemente sob controle, permitindo que a FIFA obtivesse um ótimo resultado de
US$ 631 milhões”. Disponível em <http://pt.fifa.com/aboutfifa/finances/income.html>. Acesso em 5 de abril de
2012.
88
Bulletin du Comité International des Jeux Olympiques, n. 1, julho de 1894, p. 1-2. Amateurism et
professionalisme.
91

E essa relação de proximidade entre as entidades governamentais e


as esportivas, essa aproximação entre o público e o privado, essa dualidade faz com
que surja uma série de confusões, até porque no caso brasileiro, conforme afirma
Rubio (2006), a CBD foi concebida como uma entidade ligada ao governo.
Além da intenção da FIFA em aumentar os lucros por meio de sua
principal competição, a Copa do Mundo89, também quer fazer com que os torcedores
se identifiquem com os seus clubes por meio do pertencimento clubístico (DAMO,
2005) e com a sua seleção, pelo recrutamento de elementos da identidade nacional,
para que possam fechar o ciclo da estrutura: ter patrocinadores que divulguem suas
marcas para bilhões de pessoas que se interessam pelo futebol.
Para Damo (2006), a FIFA estrutura esse controle por meio de “sua
mão invisível”, pela qual a entidade permite a circulação dos sentimentos e emoções
dentro dos campeonatos estruturados também de forma hierárquica. A FIFA garante
o sucesso de sua ação “invisível” por meio de ações diretas ou “visíveis” junto às
Federações a ela filiadas e que, por sua vez, possuem os seus principais
campeonatos restritos a um pequeno grupo de clubes. Em resumo, um clube
somente poderá disputar partidas contra outros que fazem parte da mesma divisão,
o que acaba por limitar essa troca.
Será nessa interação entre o “invisível” manifestado pelos
sentimentos e emoções dos torcedores que serão transformados em algo “visível”
quando se mobilizam para torcer pelo seu clube. O interesse e a mobilização dos
torcedores aumentam quando a partida é realizada contra os grandes rivais de seu
clube e dentro dessa lógica o ciclo “invisível-visível” se consolida e valida a estrutura
pela qual a FIFA controla quando a tensão, para usar um termo de Elias e Dunning
(1992b)90, está presente. Se a FIFA constantemente promovesse jogos em que
existisse pouca ou nenhuma tensão devido à diferença de qualidade das equipes,
acabaria por esvaziar o espetáculo promovido por ela.

89
“Noventa e três por cento da renda da FIFA durante o período vieram de receitas relacionadas a eventos. O
maior evento de todos também foi o maior arrecadador: a Copa do Mundo da FIFA África do Sul 2010, que
angariou US$ 2,408 bilhões dos US$ 2,448 bilhões obtidos pela FIFA por meio da venda de direitos televisivos,
e US$ 1,072 bilhão do US$ 1,097 bilhão de direitos de marketing. Como um todo, a África do Sul 2010
representou 87% da receita total da FIFA”. Disponível em <http://pt.fifa.com/aboutfifa/finances/income.html>.
Acesso em 5 de abril de 2012.
90
Os dois autores (1992b, p. 133-134) afirmam que o aumento da tensão e da excitação tanto dos torcedores e
quanto dos jogadores dentro de campo estão vinculadas ao equilíbrio da qualidade das duas equipes. Se houver
uma equipe muito superior a outra, esvazia-se a tensão e diminui-se o interesse por aquela partida.
92

Nesse sentido, Damo (2007) denomina o clubismo como sendo o


sistema em que os times estão vinculados à FIFA e é essa estrutura que garante o
nivelamento das tensões. Hoje, no Brasil, existem por volta de 800 clubes, porém em
torno de 20 (menos de 3%) detêm 90% da predileção dos torcedores. Portanto,
entende que o clubismo seja uma espécie de totemismo moderno por meio do qual
circulam as emoções entre os clubes de futebol e seus torcedores.
Para Soares e Vaz (2009, p. 495), “[...] a política da Fifa é a de
resguardar a estrutura dos sentimentos nacionais por avaliar que eles são positivos
na produção do negócio do futebol”. Pode-se recorrer a Hobsbawm (2007, p. 93)
para entender como o clubismo faz parte de uma lógica e as competições de
seleções integram outros elementos essenciais para a paixão circular, afirma o autor
que “Praticamente desde que adquiriu um público de massa, esse esporte tem sido
o catalisador de duas formas de identificação grupal: a local (com o clube) e a
nacional (com a seleção nacional, composta com os jogadores dos clubes)”.
A FIFA ao controlar o local e o nacional, ou seja, o que é de dentro e
o que é de fora, consegue atingir a totalidade das ações quando o assunto é futebol.
A FIFA conseguiu, nas últimas décadas, articular muito bem essa relação entre o
local e o nacional quando montou um calendário para que possa fazer as emoções
circularem por essas duas vias. Existem as chamadas datas “FIFA” em que as
seleções entram em campo para amistosos ou partidas oficiais das eliminatórias
para a Copa do Mundo. O que resta desse calendário fica destinado para os clubes
participarem dos inúmeros campeonatos que cada país possui.
Portanto, as competições futebolísticas possuem um valor simbólico
que, manifestadas por meio da estrutura hierárquica do futebol, valoriza-desvaloriza
os elementos que compõem esse sistema pelo fato dessas estruturas se
constituírem como sendo um poder. De acordo com Bourdieu (2010, p. 8-9), “[...] o
poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com
a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estarão sujeitos ou mesmo
que o exercem”. O autor (2010, p. 11) completa que os sistemas simbólicos
possuem uma função política como um instrumento “de imposição ou de legitimação
da dominação, que contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre
outra (violência simbólica)”. É nesse sentido que a hierarquia estabelecida pela FIFA
por meio das confederações e federações permite que ela valide a sua dominação.
93

O organograma apresentado sobre a estrutura do futebol mundial


comprova a frase de Damo quanto ao controle da FIFA em relação ao futebol
profissional, já que todas as instâncias do futebol estão atreladas à FIFA. Em outras
palavras, é por meio desse poder simbólico que a FIFA valida e reforça a sua
dominação do futebol. Ao observar a estrutura hierárquica do futebol brasileiro é
possível identificar que atualmente os campeonatos existentes no país também
estão organizados de modo hierárquico, o que acaba por produzir discursos que
favorecem alguns campeonatos em detrimentos de outros. A hierarquia dos
campeonatos acabou por criar esse juízo de valor por meio de um sistema simbólico
quando interligou as competições de modo que os melhores colocados dos
campeonatos estaduais classificam-se para a Copa do Brasil; da Copa do Brasil
podem chegar até a Libertadores e o campeão da Libertadores tem o direito de
disputar o campeonato mundial, agora promovido pela FIFA. Outro campeonato
importante, o Brasileiro, produz vagas para a Libertadores e para a Sul-Americana.
Por conta dessa estratificação em categorias muito bem
estabelecidas é que as rivalidades continuarão a existir. Salvo as disputas iniciais
pela Copa do Brasil, que contempla equipes de várias divisões do futebol nacional,
nas demais competições os clubes praticamente jogam contra adversários que
correspondem a uma condição homogênea, seja do ponto de vista financeiro quanto
da constituição dos elencos.
Essa hierarquização também acaba por fazer com que os
associados da FIFA cumpram uma série de deveres, entre os quais destaca Favero
(2009, p. 22): “obedecer à entidade, ‘seguir a cartilha’, não ir contra as decisões
estatutárias (mesmo que as decisões firam leis nacionais) e promover o futebol em
sua área de atuação, de acordo com as determinações e interesses da Fifa”.
Nesse cenário, com a extinção da Lei do Passe91, abriu-se espaço
para a entrada dos empresários e dos agentes de jogadores. São eles que
negociam com os clubes os contratos dos atletas que eles representam. Essa nova
configuração fez com que até o futebol olímpico fosse influenciado por essa
dinâmica, pois se no início da participação brasileira de futebol havia uma mescla de
jogadores das principais equipes brasileiras, mas também de equipes menores, ao
longo do tempo isso se modificou e a partir da edição olímpica de 1996, os atletas

91
Consultar Rodrigues (2007).
94

do futebol brasileiro estavam majoritariamente no exterior. Ou seja, a presença dos


empresários potencializou as mudanças que vinham ocorrendo no futebol brasileiro
e podem ser constatadas a partir do momento em que é impossível ter na seleção
brasileira um atleta do Juventus-SP, Nacional-SP, Bangu, Madureira etc.
Essa hierarquia também pode ser vista na gênese do esporte
brasileiro. Em uma reunião ocorrida em 1914, ficou decidida a criação de uma
entidade nacional que ficasse responsável pela gestão do esporte brasileiro, o
Comitê Olímpico Nacional (CON) juntamente com a Federação Brasileira de Sports
que mais tarde se tornaria a CBD. Logo começaram as divergências entre o CON e
a CBD em torno da composição da delegação brasileira para disputar os Jogos
Olímpicos de 1924 (RUBIO, 2006)92.
Por conta desses problemas, em torno dessas divergências iniciou-
se um processo de criação e legalização do Comitê Olímpico Brasileiro junto ao
Comitê Olímpico Internacional. Esse processo foi iniciado em 1927, mas somente
em 20 de maio de 1935 houve a fundação efetiva. Porém, poucos dias depois a
CBD fundou um segundo COB com apoio do governo (RUBIO, 2006).
Vencidos esses problemas coube à CBD a responsabilidade em
estabelecer as diretrizes dos esportes e, posteriormente, por ocasião da criação da
CBF o futebol ficou separado dos demais esportes.
Desde a sua fundação a FIFA possuiu apenas oito presidentes,
sendo apenas o brasileiro João Havelange o único não europeu a dirigir a entidade.
Veja na tabela abaixo todos os presidentes da FIFA.

Tabela 8 - Presidentes da FIFA


Anos à frente
País de Tempo de Tempo de
Nome da
origem vida presidência
presidência

Robert Guérin França 1876-1952 1904-1906 2 anos

Daniel Burley Inglaterra 1852-1918 1906-1918 12 anos

92
Sarmento (2006, p. 5) afirma que ao final do encontro ficou decidida a criação do COB e também da
Federação Brasileira de Esportes (FBE). No entanto, nesse momento foi criado o Comitê Olímpico Nacional
(CON) e não o COB (RUBIO, 2006).
95

Woolfall

Jules Rimet França 1873-1956 1921-1954 33 anos

Rodolphe William
Bélgica 1876-1955 1954-1955 1 ano
Seeldrayers

Arthur Drewry Inglaterra 1891-1961 1955-1961 6 anos

Stanley Rous Inglaterra 1895-1986 1961-1974 13 anos

João Havelange Brasil 1916 1974-1998 24 anos

15 anos até o
Joseph S. Blatter Suíça 1936 1998-
momento

Fonte: Adaptado das informações disponíveis no site da FIFA


(http://pt.fifa.com/aboutfifa/organisation/president/pastpresidents.html). Acesso em 15 de fevereiro de
2012.

O site da FIFA coloca uma minibiografia de cada um dos presidentes


que a entidade teve. No sentido de valorizar seus presidentes, todas as informações
revelam valores positivos em relação a eles. Por isso, para além das informações
oficiais são apresentadas algumas outras fontes para entender a trajetória dos
presidentes.
O primeiro presidente foi um engenheiro e jornalista (periódico Le
Matin) francês chamado Robert Guérin. Antes de ser considerado o responsável
pela fundação da FIFA, sendo presidente por dois anos, foi secretário do
Departamento de Futebol da União das Sociedades Francesas de Esportes
Atléticos, em 1903. Segundo Poli e Carmona (2006, p. 46):

Eleito presidente, o francês Robert Guérin definiu como missão


número um criar um campeonato mundial. A ideia inicial era fazer o
primeiro evento em 1906, na Suíça. Mas o tenso clima político da
época (que culminaria, em 1914, na Primeira Guerra Mundial)
sufocou a iniciativa. Só na gestão de Jules Rimet, a partir de 1921, o
projeto voltou a ser estudado, principalmente após os Jogos
Olímpicos de Paris, em 1924, ocasião em que o torneio de futebol se
tornou um sucesso de público. Empolgado com o êxito daquela
competição entre países, Rimet foi à luta.
96

Murray (2000) não menciona a intenção do primeiro presidente em


organizar um campeonato mundial. Como será tratado ao longo da tese, e como
indica a parte final da citação acima, será na relação com o futebol olímpico e nos
embates entre a FIFA e o COI que surge o desejo da FIFA em criar o seu próprio
evento. No entanto, longe de ser uma decisão pautada pelo sucesso do futebol nos
Jogos, mas pelas discordâncias entre as entidades quanto às definições de amador
e profissional.
Sobre a dificuldade em se pensar em uma Copa do Mundo naquela
ocasião, Murray (2000, p. 60-61) afirma que: “As quatro associações britânicas
permaneceram indiferentes à criação da Fifa; a FA de Londres associou-se, com
ares de superioridade [...]. As organizações britânicas acreditavam que dominavam
mais do que todos o futebol [...]”. Portanto, com um pequeno número de países
afiliados em seu início (sete em 1904 e 24 em 1914) seria muito complicado
organizar um campeonato mundial. De acordo com Egcenberger (1986), a FIFA
queria em 1906 organizar um campeonato mundial de clubes e não de seleções
conforme afirmam Poli e Carmona (2006). Para esse campeonato de clubes, as
inscrições foram encerradas em agosto de 1905, mas como não houve inscritos a
FIFA abandonou essa ideia93.
Em 1906, Guérin foi substituído por Daniel Burley Woolfall, um inglês
que administrava a Associação Inglesa de Futebol. Em sua gestão de 12 anos, se
preocupou com a unificação internacional das regras e a International Board, de
origem britânica, continuou a controlar as regras do futebol, sendo que em 1912
faziam parte dessa entidade apenas dois membros da FIFA (MURRAY, 1999; 2000).
Incorporou à FIFA os primeiros membros não europeus, tais como África do Sul,
Argentina, Chile e Estados Unidos, além de ajudar a organizar o torneio de futebol
dos Jogos Olímpicos de 1908.
Apesar do falecimento de Woolfall em 1918, o francês Jules Rimet
tornou-se o terceiro presidente da FIFA apenas em 1921. O site da FIFA também diz
que Rimet fora inspirado pelo sucesso do torneio olímpico de futebol e, a partir
desse fato, promoveu a criação da Copa do Mundo. Murray (2000) afirma que Jules
Rimet em parceria com seu amigo francês Henri Delaunay iniciou a campanha por

93
“Thus FIFA heads (Robert Guérin and Louis Mühlinghausen) toyed early with a world championship for
clubs, which was to take place with four geographical groups in 1906. However, at the closing date for entries, at
the end of August 1905, no entry existed at all. As a main reason for this rejection, the high costs were referred
to” (EGCENBERGER, 1986, p. 410).
97

um campeonato mundial nos Jogos Olímpicos de 1924, sendo estabelecida a ideia


quatro anos depois, mas não aponta para as divergências entre o COI e a FIFA. Em
sua gestão o número de países filiados saltou de 20 para 85 (SUGDEN e
TOMLINSON, 1998).
Conforme será apresentado no terceiro capítulo, a concretização da
criação da Copa do Mundo foi estabelecida a partir das divergências entre o COI e a
FIFA em relação ao amadorismo e profissionalismo. O futebol olímpico, por ser
naquele momento a principal competição de seleções, pode ter funcionado como um
alerta para Rimet do potencial que o futebol tinha.
Embora Seeldrayers tenha ficado apenas um ano como presidente
da FIFA (faleceu quando no decorrer de seu mandato) foi durante 27 anos vice-
presidente da gestão de Jules Rimet. Era advogado e como administrador esportivo
ajudou a fundar a Federação Belga de Futebol e foi membro do COI.
Por conta do falecimento de Seeldrayers, o inglês Arthur Drewry
assumiu a FIFA interinamente no ano de 1955 até ser eleito em 1956. Governou a
FIFA até falecer em 1961. Segundo Sudgen e Tomlinson (1998), Drewry foi em
vários aspectos um líder do futebol Europeu de seu tempo, e um antecessor
fundamental para que Stanley Rous o substituísse. De acordo com o site da FIFA, foi
presidente da Liga Inglesa de Futebol e da Federação Inglesa de Futebol. Além
disso, ao lado de Rous, apoiou Jules Rimet para a reincorporação das federações
britânicas junto à FIFA em 1946.
A grande rivalidade entre Rous e Havelange foi fortemente
estabelecida quando houve a indicação de Havelange como candidato para a
presidência da FIFA pela Confederação Sul-Americana de futebol. Segundo Rous,
“havia um compromisso entre nós dois. Havelange não se candidataria desta vez”94.
O início dos desentendimentos entre os dois é ilustrado por Havelange95, que em:

66 eu tive uma maldade do Stanley Rous que eu tinha ganho [sic]


dele. Não, ele [...] os ingleses é que mandavam. Então, a Copa do
Mundo foi na Inglaterra e eles não queriam que eu fosse tricampeão,
eu fui com a delegação, avisa, antes fui lá para ver hotel, tudo, avisei
que chegaria a Sochaux, e que a tal hora e de tal maneira, pra
mandar buscar [...], e a mesma coisa eu avisei, isso era a FIFA e a
Federação local alemã, inglesa. Me deixaram esperando duas horas
no aeroporto e eu não disse nada. Fui para o hotel e perguntei se

94
Um empresário no futebol. O Estado de S. Paulo, 12 de junho de 1974, p. 20. Texto de Teixeira Heizer.
95
Sempre que algum nome aparecer sem data e com uma citação corresponderá a fala do entrevistado.
98

podia ver onde o time ia treinar, me disseram: não doutor Havelange


[...]. Trouxeram a chave e eu fui, mandei abrir tudo, tinha capim [...] o
campo tinha capim deste tamanho, esse foi o presente! Até cortar
tudo, botar em ordem, eu treinei 10 dias no fundo do hotel, veja a
delicadeza. Bom, tive os três primeiros jogos, veja bem, Portugal,
Hungria e Bulgária, são três [...] deixa-me ver, são [...], cada [...],
eram sete [...], eram três jogos, não [...], eram 12 arbi[...] entre
árbitros e bandeirinhas. Eram [...], foram dois, quatro, seis, três jogos,
nove, dos nove, sete eram ingleses e dois eram alemães. Voltei pra
casa, me acabaram com o time. Foi o presente, não disse nada.
Antigamente, havia a despedida que era feita na municipalidade. O
prefeito me convidou, o time vinha embora, e o Rous estava na porta,
me estendeu a mão e eu fiquei como estava, ele ficou me olhando,
faz um exame de consciência e você vai saber a razão, que ele tinha
feito comigo uma maldade e eu voltei.

Essa rivalidade foi apresentada pelo semanário francês Nouvel


Observateur a partir de uma oposição entre os candidatos quando afirmou que a
disputa seria entre “Stanley Rous, o reacionário do futebol, contra Havelange, um
progressista que deseja modificar o esporte”96. Essa dualidade era representativa da
forma como cada candidato se posicionava em relação ao futebol. Rous era visto
como um conservador por não querer mudanças no futebol enquanto Havelange
posicionava-se como uma pessoa que ampliaria a ação do futebol no mundo todo.
Rous imaginava que poderia ser reeleito nas eleições da FIFA em
1974 tendo como discurso a manutenção da tradição conservadora da entidade e
via Havelange como uma ameaça à manutenção dessa condição: “Não concordo
com os métodos de João Havelange e espero vencê-lo em Frankfurt para que ele
não coloque em prática seus planos que não acredito que sejam os ideais para uma
entidade como a FIFA”97.
No entanto a tática de Havelange de visitar todos os países que
votariam fez a diferença98. Segundo Darby (2002, p. 85), o sucesso de Havelange foi
reconhecer e entender as conexões entre a política internacional e o esporte e, em
seu caso específico, o futebol enquanto Rous ao separar o esporte da política
acabava por demonstrar uma visão conservadora. Quando Stanley Rous foi
derrotado por João Havelange nas eleições para a FIFA declarou: “Quero dar

96
Os franceses já esperavam a derrota de Rous. O Estado de S. Paulo, 12 de junho de 1974, p. 21. Texto de
Reali Junior.
97
O velho sir abandona sua tradicional fleuma: vai derrotar Havelange. Folha de S. Paulo, 9 de abril de 1974, p.
24.
98
O Brasil ganhou a FIFA. Folha de S. Paulo, 12 de junho de 1974, p. 17 – Esportes.
99

minhas congratulações a João Havelange. Espero que a FIFA continue florescendo.


Fiz tudo para desenvolver o futebol, até ter uma triste manhã como esta”99.
Até aquele momento, em 1974, Rous detinha o segundo maior
tempo de presidência da entidade (13 anos) ficando apenas atrás do francês Jules
Rimet. Por seu trabalho a favor dos Jogos Olímpicos de Londres em 1948 recebeu o
título de “Sir”. Antes disso, havia sido árbitro com atuação internacional, além de ter
participado da redação das novas regras do futebol em 1938. O site da FIFA destaca
que em sua gestão, a Copa do Mundo transformou-se em um espetáculo televisivo,
sendo transmitida a cores a Copa de 70.
Durante os primeiros 70 anos da FIFA, o poder esteve concentrado
nas mãos de dois presidentes franceses (35 anos) e três ingleses (31 anos). O
restante ficou dividido entre a ausência de um presidente (três anos) e o curto
mandato de um belga (apenas um ano). Essa dominação europeia acabou quando
João Havelange foi eleito para assumir a presidência em 1974.
Havelange foi o sétimo presidente da FIFA100 e o primeiro não
europeu a dirigir a entidade. Porém, antes de chegar à presidência da FIFA,
Havelange presidiu a CBD:

[...] foi de 1955 a 74, não 52, eu fui eleito vice-presidente do Sylvio
[Padilha] em 52 e depois assumi e fui até ir para FIFA, em 74. [...], eu
lhe faço uma pergunta: quantas vezes um presidente da República
foi a um estádio? Não conhece. Eu quando estava na CBD, todos os
anos, quando tinha o futebol e mais 24 modalidades amadoras, eu ia
quatro vezes por ano a todos os estádios, a todas as federações.
Assim que a gente deveria dirigir o Brasil e na FIFA dos 178 eu só
não fui ao Afeganistão e o mínimo que eu fui foi 3 vezes [...].

Embora tenha estado na presidência da CBD por quase duas


décadas, Havelange diz que sofreu muitas críticas por não ter sido um atleta do
futebol, apesar de sua experiência nos juniores do Fluminense. Segundo ele:

[...] recebi críticas muitos fortes do meu país quando eu assumi


porque eles diziam que eu era nadador e não entendia nada de
futebol e eu disse a eles que amanhã eu posso ser presidente de um
banco, não entender nada, mas ter um diretor pra cada coisa. No
futebol tem o técnico, tem o supervisor, tem o massagista, tem isso,
tem aquilo, pronto.
99
A triste manhã de Stanley Rous. O Estado de S. Paulo, 12 de junho de 1974, p. 20.
100
Perfil de Havelange no Boletim Olímpico. Consultar: Bulletin du Comité International Olympique, n. 86,
maio de 1964, p. 82-83. Are our Members Sportsmen?.
100

Havelange não recebeu apenas críticas internas, sofreu também


pelo fato de ser um brasileiro no meio de europeus e durante a entrevista, em vários
momentos, destacou a dificuldade em ser um brasileiro inserido num ambiente
europeu. Apesar de ressaltar essa condição, já em 1975, após o seu primeiro ano no
cargo de presidente afirmou que era normal a Europa ocupar uma posição prioritária
dentro do mecanismo da FIFA101. Seus 24 anos à frente do futebol mundial ficam
somente atrás dos 33 anos que o francês Jules Rimet ocupou o cargo.
Dias antes da eleição da FIFA, o então presidente da UEFA, o
italiano Artemio Franchi, declarou que “[...] se o candidato brasileiro derrotar Stanley
Rous na eleição de terça-feira, os países europeus poderão se desligar da FIFA e
fundar uma federação independente. Isso porque eles não podem imaginar a FIFA
controlada por um sul-americano”102. Essa condição adversa e de resistência de boa
parte dos europeus era manifestada, segundo Havelange, de várias maneiras,
sendo esse acontecimento em uma reunião do COI:

Eu fui com a Ana Maria [sua esposa] e o [...], nós chegamos, eu fui à
suíte, descemos quase na hora do jantar e estavam todos os
membros no hall do salão que eu ia tomar a minha posição na
assembleia [...] que era presidida pelo Stanley Rous, pelo Avery
Brundage, desculpe. E, quando eu desci, estavam todos no salão, a
maioria ingleses e eu me apresentei, eu digo, olha, fui o novo coiso e
tudo [sic], e apresentei a minha senhora, Ana Maria. Ninguém se
levantou pra cumprimentar a minha senhora. Como se eu fosse lixo.
Como se eu cheirasse mal. Então, veja, não é fácil ser brasileiro no
exterior.

Naquele momento, os europeus discordavam que um país sem


representatividade no futebol poderia ter o mesmo voto de um país europeu, por
exemplo. Reclamavam porque se houvesse privilégio de algumas nações na hora da
votação certamente a Europa conseguiria eleger um presidente, pois naquele
momento havia 33 federações vinculadas a ela enquanto na América do Sul eram
apenas 10.

101
Olympic Review, n. 95-96, setembro – outubro de 1975, p. 419. Fédération Internationale de Football
Association (FIFA). One year of Presidency.
102
O candidato visita a sua seleção. O Estado de S. Paulo, 9 de junho de 1974, p. 57.
101

Figura 6 - Charge publicada no jornal O Estado de S. Paulo no dia da eleição (11.06.1974) para
presidente da FIFA que aconteceu dias antes do início da Copa do Mundo de 1974

Havelange foi uma peça chave quanto a essa mudança do futebol


para um negócio altamente lucrativo. Desde o seu discurso, após ser eleito
presidente da FIFA em disputa com Rous (venceu por 68 votos a 52), Havelange
indicou o caminho que seguiria: unidade e expansão do futebol103. Como ele mesmo
disse na entrevista: “[...] modéstia a parte, eu modifiquei tudo no mundo [do futebol]”.
Sua estratégia foi a de atrair patrocinadores para a Copa do Mundo e a partir dessa
relação conseguiu realizar o seu ambicioso projeto de transformar a FIFA em uma
grande potência esportiva, afinal, conforme Havelange ressaltou: “qual é a
companhia de publicidade ou firma que faz publicidade, que não quer estar ao
lado?” Como o próprio Havelange informou, para ser um patrocinador de destaque a
empresa precisa investir “150 milhões de dólares” e como “são 15, 1 bilhão e 750
milhões já vem daqui, foi um dos presentes que eu dei à FIFA, são 15”.
Essa visão de transformador do cenário futebolístico mundial
também é partilhada pelo site da FIFA quando pontua que Havelange comandou um
“[...] período de profundas mudanças na organização”104. As transformações
promovidas por Havelange estavam indicadas em seu plano de ação caso fosse
eleito presidente da entidade. Entre os oito pontos destacavam-se: aumento do
número de equipes para disputar a Copa do Mundo, criação da Copa do Mundo de
futebol júnior, construção da sede da FIFA e ampliação das competições de clubes
da Ásia e da África105.

103
Olympic Review, n. 80-81, julho – agosto de 1974, p. 367. Fédération lnternationale de Football Association
(FIFA).
104
Disponível em <http://pt.fifa.com/aboutfifa/organisation/president/pastpresidents.html>. Acesso em 8 de abril
de 2013.
105
Olympic Review, n. 80-81, julho – agosto de 1974, p. 368. Fédération lnternationale de Football Association
(FIFA).
102

O plano de ação de governança de Havelange era ao mesmo tempo


ambicioso e preciso. Ambicioso por querer se expandir para regiões e categorias até
então pouco atendidas, e preciso por entender que essas ações lhe garantiriam,
como de fato aconteceu, a sua permanência no cargo durante muitos anos.
Entre os patrocinadores mais fiéis à FIFA estão a Adidas e a Coca-
Cola. A Adidas tornou-se ao longo do tempo uma grande aliada de Havelange
(JENNINGS, 2011; SMIT, 2007), porém, ele diz que nem sempre foi assim: “Quando
eu cheguei à FIFA em 74, a Adidas já era [a patrocinadora] e ela fez naquela
ocasião uma campanha a favor do Stanley Rous contra mim”.
Já a Coca-Cola, muito atenta à visibilidade e disseminação de sua
marca por meio do esporte, patrocina os Jogos Olímpicos desde 1928106 e segundo
Soares e Vaz (2009, p. 488), o contrato com o COI vai até 2020 e ela “[...] foi uma
dessas empresas que nos anos 70 investiu na disseminação da imagem que o gosto
de seu produto atinge todas as culturas, povos e etnias”.

Figura 7 - Coca-Cola nos Jogos Olímpicos de 1928. Fonte: Olympic Review, n. 247, junho de
1988, p. 212.

A transformação promovida pela FIFA durante a presidência de


Havelange é assim indicada no site da entidade:

[...] Havelange se destacou como administrador de futebol pelo


aumento do número de participantes da Copa do Mundo da FIFA de
16 para 32, pela criação de novas competições (os Mundiais Sub-17
e Sub-20 no final da década de 80; a Copa das Confederações da
FIFA e a Copa do Mundo Feminina da FIFA no início da década de
90) e pela maior participação de seleções da Ásia, África,
CONCACAF e Oceania, regiões que juntas haviam tido apenas três

106
Olympic Review, n. 247, junho de 1988, p. 222. Tribute to sixty years of support.
103

vagas na Copa do Mundo da FIFA 1974. O número de funcionários


da sede da FIFA em Zurique passou de 12 para quase 120 em
função das maiores responsabilidades comerciais e de
organização107.

Ao conseguir expandir o futebol para todos os cantos do planeta, a


FIFA também ampliou o seu controle e conseguiu transformá-lo em um negócio
altamente rentável. De acordo com Havelange, isso nem sempre foi dessa forma:

[...] quando eu fiz a primeira Copa como presidente, que foi na


Argentina, o resultado bruto da Copa 78 milhões de dólares, 4 anos
depois, ela foi na Espanha, 82 milhões de dólares, modifiquei tudo, a
senhora sabe quanto é hoje? 2 bilhões e 400 milhões. Agora tem um
outro lado, hoje a FIFA tem 210 países filiados, e se puser em cada
país não sei quantos clubes, para cada clube se eu tenho o treinador,
tenho o massagista, tenho o roupeiro, tem isso, tem aquilo, sabe
quantas pessoas com o futebol comem todos os dias? 200 mil! E tem
mais, se multiplicar por 5, que é a família, 1 milhão de pessoas
comem todos os dias graças ao futebol. Esse foi o presente que eu
dei. Em 20 anos, não dá. Então veja a importância do futebol e como
ele deve ser bem tratado e aqui a força que ele é hoje em dia.

Após a gestão de Havelange o futebol transformou-se rapidamente


rumo à valorização dos grandes contratos tanto dos eventos quanto de muitos
jogadores mais famosos. Um homem que fez parte da trajetória de Havelange foi o
suíço Joseph Blatter que já trabalhava na FIFA há 23 anos, sendo 17 como
secretário de Havelange. Assumiu a presidência da entidade em 1998 e o site da
FIFA destaca que em sua gestão ampliou as competições da entidade, implantou o
Torneio de Clubes da FIFA, e os mundiais de Futebol de praia (Beach Soccer) e de
futsal108.
Segundo Tomlinson (2005), os rumos do futebol ao longo do século
XX estão diretamente entrelaçados com as trajetórias de Rimet, Rous, Havelange e
Blatter, devido às relações políticas e sociais que cada um deles estabeleceu
permitindo que o futebol se transformasse em uma força globalizada. No entanto,
essa força globalizada se viu abalada em 2012 quando a FIFA divulgou, durante a
gestão de Blatter, um documento que citava o envolvimento de João Havelange e
seu ex-genro e ex-presidente da CBF, Ricardo Teixeira, no final dos anos 90, no

107
Disponível em <http://pt.fifa.com/aboutfifa/organisation/president/pastpresidents.html>. Acesso em 8 de abril
de 2013.
108
Disponível em <http://pt.fifa.com/aboutfifa/organisation/president/pastpresidents.html>. Acesso em 8 de abril
de 2013.
104

recebimento de pagamentos da extinta empresa de marketing esportivo,


International Sport and Leisure (ISL), em troca de facilidades na aquisição dos
direitos de televisão das competições organizadas pelas FIFA109. Devido à
repercussão do caso e para não ser julgado pelo COI e pela FIFA, Havelange
renunciou ao cargo de membro do COI em 2011 quando se iniciaram as denúncias e
em 2013 deixou o cargo de presidente de honra da FIFA.
Toda essa estrutura que a FIFA conseguiu montar fez com que o
futebol seja, atualmente, o único esporte capaz de produzir uma Competição
Mundial tão ou mais importante que os Jogos Olímpicos. Para os demais esportes,
embora tenham criado suas próprias competições, o grande evento que representa
o ápice são os Jogos Olímpicos.

1.3 Jogo de poder entre a FIFA e o COI

Ao longo da história tanto a FIFA quanto o COI, constituíram-se


como instituições soberanas. A FIFA controla tudo que se relaciona ao futebol no
mundo enquanto ao COI coube congregar as mais diversas Federações
Internacionais das modalidades olímpicas. Embora a FIFA seja uma Federação
Internacional, conseguiu um espaço equivalente ao controle exercido pelo COI. O
que os une é o fato de possuírem o controle dos dois maiores eventos esportivos do
planeta: a Copa do Mundo de futebol e os Jogos Olímpicos.
A relação entre o COI e a FIFA foi permeada por uma série de
disputas em torno do tema do amadorismo e profissionalismo. Nesse jogo político
das duas entidades, o que ficava visível era o modo como cada uma delas estava
estruturada e como as relações de poder se manifestavam. Portanto, por meio
desses embates promovidos pude reconstituir e traçar, a partir das fontes
documentais, como aconteceu no futebol a formação daquilo que Bourdieu (1983)

109
O documento da FIFA, datado de 2010, pode ser consultado no próprio site da entidade sob o título Order on
the dismissal of the criminal proceedings. Disponível em:
<www.fifa.com/mm/document/affederation/footballgovernance/01/66/28/60/orderonthedismissalofthecriminalpr
oceedings.pdf>. Acesso em agosto de 2013.
105

denominou de campo esportivo110. Para o autor é preciso entender quais condições


sociais permitiram a constituição do sistema de instituições. E completa que:

[...] a história do esporte é uma história relativamente autônoma que,


mesmo estando articulada com os grandes acontecimentos da
história econômica e política, tem seu próprio tempo, suas próprias
leis de evolução, suas próprias crises, em suma, sua cronologia
específica. Isto quer dizer que uma das tarefas mais importantes da
história social do esporte poderia ser a sua própria fundação,
fazendo a genealogia histórica da aparição de seu objeto como
realidade específica irredutível a qualquer outra (BOURDIEU, 1983,
p. 137, grifo do autor).

Portanto, para entender como se estabeleceu a cronologia


específica da formação do campo do futebol a partir das divergências entre o COI e
a FIFA, permitiu entender como a estrutura do sistema controlado por essas
entidades está construída a partir de uma relação de poder (FOUCAULT, 2011). Foi,
portanto, a partir dessa genealogia da sua fundação que analisei o futebol olímpico.
Para analisar como se configuram as relações de poder, Foucault
(2011) apresenta quatro pontos importantes do funcionamento do poder. O primeiro
deles é não analisar somente o poder em seu centro, em seu núcleo. É preciso “[...]
captar o poder em suas extremidades, em suas últimas ramificações, lá onde se
torna capilar; captar o poder nas suas formas e instituições mais regionais e locais
[...]” (FOUCAULT, 2011, p. 182).
Ao tomarmos emprestada essa perspectiva apontada por Foucault
(2011), para analisar a FIFA e o COI, não se pode olhar somente para o topo para
entender o modo como estruturaram os controles. Olhar para a base, para a sua
extremidade fornece elementos para entender como procede todo o controle. No
caso da FIFA, conforme apresentado no organograma que relaciona o futebol
mundial ao futebol brasileiro, na base da estrutura encontram-se os atletas
profissionais. Sem eles o futebol profissional não existiria, mas todo o controle em
relação à própria circulação dos jogadores em busca de novas oportunidades de
trabalho é restrita à estrutura a qual pertencem. E muitos que não possuem
empresários ou agentes, que estão logo acima deles na relação de poder, não
conseguem circular de forma livre nesse mercado de trabalho. Então, é ali com os

110
Agradeço a sugestão do professor José Paulo Florenzano, na qualificação, para tratar esse capítulo a partir do
conceito proposto por Bourdieu (1983).
106

jogadores que o poder se manifesta e os vinculam à estrutura que tem a FIFA no


topo.
Na sequência de seus argumentos, Foucault (2011) apresenta o
segundo ponto de sua explanação que é o de não analisar o poder no plano interno,
pelo contrário, deve-se analisá-lo a partir das práticas reais e efetivas. Deve-se “[...]
estudar o poder em sua face externa, onde ele se relaciona direta e imediatamente
com aquilo que podemos chamar provisoriamente de seu objeto, seu alvo, seu
campo de aplicação, quer dizer, onde ele se implanta e produz seus efeitos reais”
(FOUCAULT, 2011, p. 182). Dessa forma, ressalta que se deve ficar atento ao modo
como alguém ocupa o posto mais alto do poder e para isso é preciso construir como
se configurou a relação entre quem está no poder e os que não estão.
Em relação a essa condição externa do poder, no caso da FIFA e do
COI, ambos estabelecem esse poder a partir do momento em que hierarquizam as
formas de acesso às suas competições. Só podem participar dela os atletas e
nações que são filiadas e que conquistam suas vagas por meio de disputas
organizadas pelas federações de cada modalidade. Sem esse vínculo não se pode
participar. Portanto, as disputas classificatórias para os eventos congregam um
grande número de países envolvidos, mas a competição final estará restrita aos que
se classificaram.
O terceiro item a ser considerado por Foucault (2011), refere-se ao
modo como o poder deve ser analisado:

O poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como
algo que só funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali,
nunca está nas mãos de alguns, nunca é apropriado como uma
riqueza ou bem. O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas
malhas os indivíduos não só circulam mas estão sempre em posição
de exercer este poder e de sofrer a sua ação; nunca são o alvo inerte
ou consentido do poder, são sempre centros de transmissão. Em
outros termos, o poder não se aplica aos indivíduos, passa por eles
(FOUCAULT, 2011, p. 183).

Essa rede da qual fala Foucault (2011), pode ser entendida como
sendo os membros que integram a FIFA e o COI. As decisões, os votos, os apoios e
os questionamentos funcionam em rede. Aquele que o faz nunca está sozinho. As
decisões tomadas pelos membros dessas entidades somente são decisões efetivas
107

quando realizadas coletivamente, pois sozinhos, tornam-se enfraquecidos. É preciso


compartilhar os pensamentos para fortalecê-los.
Por fim, Foucault (2011) analisa a dinâmica da dominação global
como uma ação múltipla e que chega a todas as estruturas. Nesse jogo de
deslocamentos e modificações, o poder consegue chegar aos níveis mais baixos
porque “[...] são investidos e anexados por fenômenos mais globais, como poderes
mais gerais ou lucros econômicos podem inserir-se no jogo destas tecnologias de
poder que são, ao mesmo tempo, relativamente autônomas e infinitesimais”
(FOUCAULT, 2011, p. 184).
Nesse último aspecto Foucault (2011) vincula o poder com as
possibilidades de lucros. Essa é mais uma condição que demonstra o poder tanto da
FIFA quanto do COI, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, quando
conseguiram estruturar eventos lucrativos. Com essa condição estabelecida os
eventos tornaram-se um dos objetivos da carreira dos principais atletas do mundo,
pois será nesses espaços que poderão difundir a sua imagem em todo o planeta e,
consequentemente, reverter essa condição em lucros financeiros. Dessa forma,
esses eventos tornaram-se poderosos e com grande interesse da mídia, do público e
dos patrocinadores.
Ao longo de mais de 100 anos de existência, o COI teve nove e a
FIFA oito presidentes. A semelhança entre as duas entidades também se refere
quanto à nacionalidade dos presidentes. Apenas um em cada entidade não é
europeu. No caso do COI foi o americano Avery Brundage durante 20 anos e na
FIFA o brasileiro João Havelange, durante 24 anos. Os demais presidentes de
ambas as entidades foram ou continuam a ser europeus.
Figura 8 - Comparação entre os presidentes do COI e da FIFA
108

Apesar do número reduzido de presidentes de cada entidade, um


ponto os diferencia enquanto a sua constituição. Do lado do COI, boa parte dos
presidentes ficou conhecida a partir de uma referência nobliática, membros de
famílias reais, representados por Condes, Barões e Lordes. No caso dos presidentes
da FIFA, poucos receberam alguma referência a seus nomes. “Sir” Stanley Rous
recebeu esse título após participar da organização de uma edição dos Jogos
Olímpicos, fato que revela a necessidade daqueles que controlavam o COI em
referenciar por meio de títulos os seus membros como forma de diferenciá-los dos
demais.
Se Hobsbawm (2006) afirma que um dos modos de diferenciação
dos membros da classe média dos trabalhadores era a educação formal, essa
referência aos presidentes do COI era uma das formas de diferenciá-los dos demais
mandatários do esporte mundial e, em particular, dos presidentes da FIFA que sob
essa ótica poderiam ser considerados como integrantes da burguesia por não
possuírem elementos que os colocavam como membros da nobreza, que segundo o
autor poderiam ser vistos por meio do nascimento, dos títulos hereditários e das
propriedades de terras.
Já o que aproxima o COI da FIFA é a condição eurocêntrica das
entidades. Conforme dito anteriormente, além do predomínio de presidentes
europeus, o rodízio das sedes olímpicas e das Copas do Mundo também esteve
concentrado na Europa. Porém, essa condição eurocêntrica não é perceptível
apenas quanto à escolha das sedes. A composição dos membros sendo
majoritariamente europeia acaba por estabelecer uma condição circular das
decisões, pois será a decisão da maioria, leia-se maioria europeia, que irá definir as
ações das entidades.

Figura 9 - Sedes, por continentes, dos Jogos Olímpicos e da Copa do Mundo

Sedes dos Jogos Olímpicos  Sedes Copa do Mundo (1930‐
(1896‐2020) 2022)
Oceania África Oceania África
7% 0% Ásia 0% 5%
Ásia
14%
20%
Europa Europa
50% 45%
América América
23% 36%
109

De acordo com Darby (2002, p. 43), durante os anos 50-60 havia um


domínio europeu na FIFA canalizado por meio do seu presidente Stanley Rous. Em
sua análise, essa hegemonia europeia foi enfraquecida com a eleição de Havelange
em 1974 e a perda de poder dos europeus se materializou com uma resistência a
democratização e globalização do futebol. Nesse contexto, o continente africano
teve um papel importante nesse processo, pois foi com o apoio da África que
Havelange venceu Rous na disputa pela presidência da FIFA.
A referência a uma presença majoritariamente europeia não significa
que sempre existiu uma unidade e consenso entre os membros desse continente,
mas enquanto grupo eles possuíam mais poder, isto é, maior número de votos que
os demais. Essa condição circular das decisões refere-se aos interesses da maioria
quando, por exemplo, da escolha das sedes.
O fato do controle dos esportes terem sido, em sua origem, liderados
pelos membros da aristocracia para depois se tornarem praticados pelo povo fez
com que o controle continuasse nas mãos dos aristocratas enquanto a prática dos
esportes coube majoritariamente aos trabalhadores. Com o desenvolvimento dos
esportes e o afastamento dos aristocratas da prática dos esportes de massa coube a
eles permanecer no comando e controlar o esporte no mundo.
Além de seus membros, o COI (desde 1921) e a FIFA possuem um
Comitê Executivo que é composto por um grupo restrito de pessoas que possuem o
grande controle das decisões111. É por meio desse Comitê que são escolhidos os
demais membros das entidades, inclusive presidentes e vices, estabelecidas as
reuniões, a necessidade de criação de outros comitês, a definição dos locais e datas
das competições, o estabelecimento do regulamento interno sobre o funcionamento
da entidade etc., em suma, o Comitê Executivo é o responsável por todas as ações
das entidades.

111
As normas e os membros do Comitê Executivo da FIFA e do COI de 2013 encontram-se em anexo.
110

Figura 10 - Comparação entre os integrantes do Comitê Executivo do COI e da FIFA por


continente

O Comitê Executivo se relaciona com os demais membros das


entidades por ocasião dos Congressos que são promovidos a fim de definir questões
relativas às regras ou das competições que cada entidade organiza.
A origem dos membros do Comitê Executivo das duas entidades é
muito parecida. Tanto na constituição dos membros quanto do Comitê Executivo
existe uma prevalência europeia. No caso do COI, são 15 membros e continua a
existir uma prevalência dos europeus – 60% do total (nove da Europa, dois da África,
dois da América, um da Ásia e um da Oceania)112. Na FIFA esse Comitê é maior (28
membros) e possui uma distribuição mais homogênea, ainda assim mantendo uma
maioria europeia – 43% (12 da Europa, quatro da Ásia, cinco da América, cinco da
África e dois da Oceania)113.
Essa predominância europeia acaba por estabelecer uma posição
de dominação em relação aos demais membros da entidade. Essa dominação não é
feita somente pela existência do presidente, mas nas relações entre os próprios
membros. Para entender como procede essa dominação, é preciso recorrer à
Foucault (2011, p.181):

Por dominação eu não entendo o fato de uma dominação global de


um sobre os outros, ou de um grupo sobre outro, mas as múltiplas
formas de dominação que podem exercer na sociedade. Portanto,
não o rei em sua posição central, mas os súditos em suas relações
recíprocas: não a soberania em seu edifício único, mas as múltiplas
sujeições que existem e funcionam no interior do corpo social.

112
Dados obtidos do site do COI. Disponível em <http://www.olympic.org/executive-board?tab=Composition>.
Acesso em 11 de setembro de 2013.
113
Dados obtidos do site da FIFA. Disponível em
<http://www.fifa.com/aboutfifa/organisation/bodies/excoandemergency/index.html>. Acesso em 11 de setembro
de 2013.
111

Se trocarmos o rei pelo presidente da FIFA e do COI, temos uma


condição que os coloca em destaque por assumirem uma posição de comando. Mas
essa situação é validada na relação com os súditos, os membros e, como afirma
Foucault, acontecem sujeições dentro desse último grupo. É nessa relação entre os
membros que o poder do presidente é legitimado, pois sozinho ele não delibera e
define as propostas, mas por meio da estrutura coletiva, os membros, é produzida
uma legitimidade quanto às decisões.
Toda evolução pela qual passou o esporte, de modo geral, e o
futebol, de modo específico, nos permite observar na atualidade uma estrutura
esportiva baseada no modelo piramidal (GALATTI, 2010), em que o topo pertence,
respectivamente, ao COI e a FIFA.
Diante da constituição desse quadro em que a maioria dos votos
vem da Europa, o papel político dos membros das entidades torna-se a primeira
ação para angariar apoio para o país ou cidade como futura sede. É nesse sentido
que Havelange evidencia a estrutura que permitiu aos europeus conquistarem por
diversas vezes o direito de sediar as principais competições esportivas:

[...] como é difícil, a gente estando no Brasil ou sendo brasileiro e


tendo a cabeça de fora da [...]. O Comitê Olímpico, veja bem, ele
tem, não sei quantos membros, vamos supor, a FIFA tem 210, ele
tem um pouco menos, porque futebol é paixão, é diferente. [...] a
assembleia do Comitê Olímpico são 108 membros, 54 são europeus,
você ganha o quê? Nada. Os outros, os outros 54 são dos outros
continentes. Então, [...] veja como o Brasil tem que trabalhar, como
ele se apresenta, e quando volta muitas vezes, quantas críticas ainda
tem.

Além do pequeno número de presidentes eleitos, a presença maciça


de europeus revela quem comandou e comanda o esporte no mundo. Nessa
estrutura esportiva, com o passar do tempo as regiões periféricas, tais como a
América do Sul, África e Ásia, os votos desses continentes tornaram-se
imprescindíveis para que um presidente fosse eleito conforme indica a manchete da
Folha de S. Paulo: “Voto africano decide hoje o sucessor de Havelange”114. Anos
antes, em 1972, as mudanças na estrutura da FIFA já podiam ser vistas no lugar
ocupado pelo continente africano e asiático: “os afro-asiaticos, contudo, possuem

114
Voto africano decide hoje o sucessor de Havelange. Folha de S. Paulo, 8 de junho de 1998, p. 6 – Esportes.
112

quase a metade dos votos da FIFA e podem assim fazer impor sua presença agora,
mais do que no passado”115.
Durante muitos anos, Rous foi um defensor de uma tradição
futebolística em que privilegiava a Europa em detrimento dos demais continentes.
Segundo Darby (2002, p. 48), essa hegemonia europeia começou a ser ameaçada
quando houve um aumento do número de filiados da FIFA. Com essa expansão,
independentemente da tradição futebolística ou da qualidade dos jogadores, toda
associação membro tinha direito a voto. Foi muito atento a essa configuração que
Havelange, como um estrategista, percebeu que os continentes africano e asiático
estavam esquecidos na gestão de Rous e sabia que, principalmente, a África devido
aos inúmeros problemas que haviam tido com Rous seria um forte aliado à sua
campanha para chegar ao poder.
Nesse jogo do poder a troca de votos concede o direito de sediar os
dois maiores eventos esportivos do mundo, os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo
de futebol. Na FIFA a distribuição de seus membros apresenta-se, atualmente, de
modo mais homogêneo em comparação à distribuição do COI. Embora a Europa
ainda tenha a maioria, o aumento dos membros da Ásia revela o funcionamento da
estrutura, afinal, as próximas sedes do evento serão na Rússia (2018) e no Catar
(2022). O aumento do número de membros provavelmente foi conquistado por meio
de apoios aos países que sediaram a Copa do Mundo nas últimas décadas. Esses
vínculos entre os membros e a quantidade de votos são explicitados nas palavras de
Havelange:

Agora foi decidida a Copa do Mundo na Rússia pra 2018 e eu recebo


um dia, uma carta do Putin e outra do Medvedev, que é o presidente,
duas cartas lindas em russo, já traduzidas em francês, eu as tenho
aqui, me pedindo se eu podia fazer alguma coisa. E eu respondi a
eles que não tinha condições, porque já não votava, mas não faltaria
a eles, pela estima e o respeito, para dar uma palavra ao presidente.
Telefonei pro Blatter, eu disse: olha eu recebi assim, assim e eu
gostaria que tu pensasse. Eu fui e disse a ele: não esqueço que eu
fiquei 24 anos e tu estiveste ao meu lado durante 18 anos. Ele disse:
“é verdade”. E os mais leais na minha administração foi a União
Soviética e todos países satélites, nunca me faltaram!

Havelange explicita a lógica estabelecida nesse jogo de poder. A


condição essencial da qual ele fala é a gratidão que se consolida quando existe

115
Rous com medo dos rebeldes. Folha de S. Paulo, 20 de agosto de 1972, p. 57 – Esportes.
113

retribuição ao apoio recebido por algum país. Dizer que “nunca me faltaram”
evidencia que sempre soube por onde articular as ações para obter apoio no
comando da FIFA. Essa circulação de ações em torno do poder que colocou regiões
periféricas como centro das decisões revela o que Foucault (2005, p. 51) denominou
de teoria da dominação. Segundo ele:

[...] em vez de partir do sujeito (ou mesmo dos sujeitos) e desses


elementos que seriam preliminares à relação e que poderíamos
localizar, se trataria da própria relação de poder, da relação de
dominação no que ela tem de factual, de efetivo, e de ver como é
essa própria relação que determina os elementos sobre os quais ela
incide. Portanto, não perguntar aos sujeitos como, por quê, em nome
de que direito eles podem aceitar deixar-se sujeitar, mas mostrar
como são as relações de sujeição efetivas que fabricam sujeitos. [...]
mostrar como os diferentes operadores de dominação se apoiam uns
nos outros, remetem uns aos outros, em certo número de casos se
negam ou tendem a anular-se.

A ideia colocada por Foucault é fundamental para entender como


aconteceram as relações entre os membros das entidades para definir o voto de
cada um. Nesse caso, sujeitar-se a uma condição de dominação revelou ser uma
estratégia para, ao longo dos anos, conseguir ampliar o número de membros de seu
país. Ou seja, essa subordinação em aceitar a condição de dominação funcionou
como uma dinâmica de todo o sistema da entidade, pois somente por meio dela é
que os membros dos países periféricos poderiam conquistar alguma posição de
poder dentro da estrutura. Em troca do apoio por meio do voto a favor das potências,
os países periféricos do cenário esportivo tiveram a promessa de que em algum
momento teriam mais representantes e com isso o direito de sediar os grandes
eventos esportivos.
Como a estrutura está apoiada sob os mesmos alicerces e seus
membros, independentemente do local de origem, são sustentados por essa
estrutura, pode-se prever quais são as escolhas quando as votações são realizadas.
Nesse sentido, Havelange ilustra a escolha do presidente do COI para explicar como
se constituem os apoios nesse jogo de poder:

A eleição do Samaranch tinha mais quatro candidatos, tinha um


canadense, tinha um [...] e mais, dois ou três da Europa. E o
Samaranch tinha vindo aqui e eu me dava com ele, desde a Copa do
Mundo na Espanha, enfim essas coisas. E eu tinha dito a ele que
ficava com ele, 1980, e antes de se realizar a eleição, eu fiz uma
114

carta a ele, dizendo que ele ia ter tantos votos, 54 votos e ele
precisava de 53 pra passar na primeira. E mandei a carta e fiquei
esperando a eleição, veio a eleição, ele teve não os 54 que
precisava, dava 53, ele teve 55 e foi eleito, 1980. E ele deixou em
2001, em Moscou, quando entrou o Rogge. O Rogge se apresenta a
ele e mais quatro pessoas. E todos quiseram me ver, eu era
presidente da FIFA e era o mais antigo, e aí não o mais velho, o mais
antigo. E aí, eu os recebi cada um de Leipzig e no final eu disse:
‘Samaranch eu fico com você’. No dia da eleição, em 81, de novo em
Moscou, eu fiz uma carta a ele, dizendo a ele que ele seria eleito no
segundo turno com 54 votos. Ele foi eleito no segundo turno, 54
votos e ele tem essa carta em mãos.

Nessa estrutura do COI, os votos são realizados pelos membros da


entidade. Embora atualmente existam membros de todos os continentes, ao longo
da histórica olímpica nunca houve uma igualdade numérica entre os membros de
cada país ou continente. Essa desigualdade gera uma concentração de poder entre
os membros com maior número de representantes e essa condição faz com que
várias alianças sejam estabelecidas a fim de obter mais votos para um determinado
representante.
Sob essa perspectiva das alianças faço uma analogia da estrutura
do COI (que pode ser estendida para entender a FIFA) com um brinquedo chamado
popularmente de Cubo Mágico, também conhecido por Cubo de Rubik. Esse
brinquedo é um quadrado (cada face é formada por nove pequenos quadrados) com
seis faces de diferentes cores (amarelo, azul, branco, laranja, vermelho e verde). O
objetivo é que ao mesmo tempo cada face possua apenas uma cor.
Nessa analogia com o COI podemos caracterizar os cinco
continentes com uma cor e a restante representaria o COI. Como o objetivo é fazer
com que fique apenas uma cor por face, considero as ações em movimentar os
pequenos quadrados como representando as relações internas e externas de cada
continente. Ao mover uma peça altera-se diretamente a configuração da face
movimentada – no caso, um continente – e pode afetar outra face, portanto, outros
continentes.
As ações nunca são isoladas, pelo simples fato das peças
(continentes) pertencerem a uma mesma estrutura (COI). Os movimentos das
peças, fazendo com que as cores se misturem, representam as articulações dos
membros do COI em busca de apoio para determinadas candidaturas. A definição
da escolha acontece quando cada uma das faces está com apenas a sua cor.
115

Estabelecida a ordem das cores, o brinquedo está pronto para ser recomeçado e,
nesse caso, representa o início de uma nova disputa para sediar os Jogos
Olímpicos.
Por meio dessa analogia com o Cubo Mágico é possível entender
que João Havelange realmente sabia do número de votos que cada candidato
receberia. Sendo membro do COI ele tinha acesso ao fluxo de poder que se
estabelecia a cada disputa para sediar os Jogos, além de saber o número de
membros que poderiam votar e quem eles tradicionalmente apoiariam ao longo dos
anos. Pelo fato da existência de um pequeno número de membros votantes, essas
disputas estabelecidas sob uma perspectiva democrática faz com que uma série de
alianças e trocas de favores (ora você apoia alguma candidatura e ora você é
apoiado) se estabeleça entre os membros.
Há algum tempo existe uma disputa em torno do COI e da FIFA para
realizar a maior competição esportiva de todos os tempos. A cada nova edição, seja
dos Jogos Olímpicos ou da Copa do Mundo de futebol, espera-se um crescimento
da audiência e, consequentemente, do número dos patrocinadores. Ao longo desse
capítulo, a partir da estrutura das duas entidades, foi possível perceber que elas são
muito mais próximas do que se imagina. Membros da FIFA integram o quadro do
COI, esse é o caso do presidente da FIFA, Joseph Blatter, membro do COI desde
1999 e João Havelange também foi membro durante muito tempo (1963-2011)116.
Por conta dessa situação, do grande número de europeus presentes
nas duas entidades, o resultado é a presença de uma forma de pensar parecida que
faz e fez com que as duas entidades estejam constituídas dentro dos mesmos
princípios. Nesse sentido, sob o ponto de vista financeiro, tanto os Jogos Olímpicos
quanto a Copa do Mundo estão estruturados dentro de um mesmo discurso e de

116
“[...] eu fui eleito para o Comitê Olímpico na presidência do Avery Brundage. [...] eu fui do Comitê Olímpico
como membro 48 anos, por eleição [...]. O tempo passou e eu presidente, e nesses, quanto, 48 anos, devem ter se
realizado, mais do que 110 assembleias e eu faltei, acho que a 4 ou 5. Uma eu me lembro, foi no Japão, porque
eu tinha a Copa do Mundo, no dia que tinha, tinha a abertura da Copa, não ia deixar de ir. Enfim, nunca faltei a
nada. Bom, agora eu recebo uma carta do Rogge, pra eu me apresentar na Comissão de Ética. E, eu aí, respondi a
ele, isso baseado em um jornalista inglês, e eu aí fiz uma carta a ele, mandando um documento, eu nunca fui
chamado ao processo, rodou 10 anos, ele está arquivado e só pode ser aberto daqui há 10 anos, é a lei suíça.
Então, por essa declaração ele mandou me chamar e eu disse que não ia. E mandei a ele uma carta que ele tem o
poder de me demitir. Ele aí me mandou um carta, assim, e me disse que então eu seria recebido para o Comitê
Olímpico para dar explicações. E aí fiz uma carta a ele dizendo que depois de 48 anos, e haver cumprido com
todas as minhas obrigações e missões sem nunca faltar, que eu não aceitava esse sistema de ser interrogado por
membros e que eu [...], e digo, ao lado dessa sua carta tem uma outra carta em que o senhor tem a minha
demissão e acabou, eu saí. Então, depois de 48 anos, ouvir isso e ter isso, e ter eleito esse filho daquilo é duro,
sabe por quê? Nasci aqui”.
116

uma mesma lógica: da possibilidade de gerar negócios diretos e indiretos (RUBIO,


2010c).
Essas aproximações ficam mais evidentes quando, no próximo
capítulo, discuto a constituição do futebol nos Jogos Olímpicos e a relação
estabelecida entre as duas entidades em torno dessa modalidade.
117

2 Fase de estabelecimento (1894-1912)


A fase de estabelecimento117 compreende os anos de formação do
COI (KRÜGER, 1999). É nesse período que os Jogos Olímpicos buscam a sua
identidade. Se num primeiro momento, conforme será apresentado adiante, os
Jogos confundem-se com as Exposições Universais118, por sua realização durar
vários meses, em um segundo momento, os Jogos Olímpicos assumiram uma nova
condição em termos de duração do evento e da participação dos atletas, como visto
na atualidade. Portanto, esses primeiros anos são fundamentais para a consolidação
das ideias em torno do movimento olímpico. Segundo Rubio (2010), esses primeiros
anos representam a materialização de um sonho que se tornava realidade.

2.1 “A César o que é de César”

O primeiro Boletim Olímpico de 1894 informava que sua


periodicidade seria trimestral e apresentava nessa primeira edição informações
sobre os Jogos Olímpicos de 1896 a serem realizados em Atenas. Sob a frase “A
César o que é de César” o documento explicitava a importância da primeira edição
dos Jogos Olímpicos da Era Moderna ser realizada na Grécia por ter sido criado
nesse país os Jogos Olímpicos da Antiguidade e que inspirou a reedição dos Jogos.
Também nesse Boletim foram veiculadas informações sobre o Congresso de Paris
realizado em 1894. O destaque das discussões apresentadas no documento
revelava a preocupação da relação do esporte com a vida moderna e com as
mudanças que o mesmo sofria tendo como pano de fundo as questões relativas ao
amadorismo e o profissionalismo119.

117
Conforme apresentado no início da tese, utilizo a nomenclatura proposta por Rubio (2010) porém amplio os
períodos correspondetes às referidas fases por incluir os Congressos Olímpicos e não apenas os anos das edições
olímpicas.
118
“A primeira exposição internacional da indústria, do comércio e das artes – a primeira Exposição Universal -
realizou-se em Londres, em 1851, reunindo as novidades do sistema de produção resultantes das novas técnicas,
sejam elas maquinários ou produtos de consumo de massa” (FORTUNA, 2010, p. 153).
119
Bulletin du Comité International des Jeux Olympiques, n. 1, julho de 1894, p. 1. “rendre à César ce qui est
dû à César”.
118

Estes foram, inclusive, os temas discutidos no primeiro


120
Congresso . Foram apresentados sete tópicos com o objetivo de se estruturar
elementos comuns para o entendimento sobre o que era ser amador e profissional.
Por conta disso, já se cogitava a possibilidade de possuir uma
definição internacional. Em busca do estabelecimento de uma unidade acerca do
termo amador, questionava-se se o atleta poderia ser profissional em um esporte e
amador em outro. Além disso, foi apresentada uma dúvida quanto a essa proposta
de unidade: se houvesse uma definição de amador, ela poderia valer para todos os
esportes?
A preocupação central girava em torno dos itens apresentados
quanto às possibilidades de um amador ser corrompido pelas tentações capitalistas
de lucrar por meio das práticas esportivas. Por essa perspectiva, esse duplo estatuto
de ser ao mesmo tempo amador e profissional indicava que a condição de ser um
atleta de vários esportes era algo possível nesse momento, porém, conforme
avançavam as especializações nos esportes juntamente com o treinamento
especializado essa possibilidade praticamente deixou de existir no Esporte Moderno.
Entre os três itens referentes aos Jogos Olímpicos foram discutidos
elementos sobre a organização do evento (quais esportes deveriam ser
contemplados), a periodicidade dos Jogos e a necessidade da nomeação de um
Comitê Internacional para organizar o evento.
Na última página do documento foram apresentadas as decisões
tomadas no Congresso quanto aos elementos indicados anteriormente. A primeira
referência foi feita em relação ao atletismo a respeito do amadorismo. A busca por
definições para selecionar quem poderia participar, quem seria considerado o
“verdadeiro” amador foram reforçadas, em minha visão, com a intenção, por meio da
repetição, que ela se tornasse parte integrante do cenário esportivo. De tanto se
falar que somente o amador deveria fazer parte essa ideia seria compartilhada e
aceita por um maior número de pessoas. Nessa linha o amador seria aquele que
jamais participou de uma competição aberta, nem competiu por prêmios em dinheiro,
ou com os profissionais, e que jamais tivesse recebido salário como professor ou
monitor de exercícios físicos.

120
Bulletin du Comité International des Jeux Olympiques, n. 1, julho de 1894, p. 1-4. Amateurism et
professionalisme.
119

No Boletim de 1896, foram reforçados os mesmos itens com vista a


restringir as possibilidades de atuação do amador, ressaltando-se que ele deveria
somente se dedicar a competir nos esportes por prazer. Obviamente o que estava
por trás dessas sanções era manter afastado da prática esportiva os trabalhadores.
Essas restrições funcionavam como uma reserva de mercado aos aristocratas que
poderiam compartilhar as práticas esportivas com os seus iguais.
É nesse sentido que Hobsbawm (2006), estrutura seus argumentos
para entender os motivos das restrições e inúmeras discussões para estabelecer
quem possuía os “verdadeiros” valores do amadorismo com o objetivo de demarcar
as diferenças e, consequentemente, afastar a classe operária dos esportes.

[...] o amadorismo, ou antes, a proibição ou estrita segregação da


casta dos “profissionais”. Nenhum amador poderia distinguir-se de
modo genuíno nos esportes a não ser que pudesse dedicar a eles
mais tempo do que os operários dispunham, exceto se fossem
pagos. Os esportes que se tornaram mais característicos das classes
médias, como o tênis, o rugby, o futebol americano [...] ou os ainda
não desenvolvidos esportes de inverno, todos eles obstinadamente
rejeitaram o profissionalismo. O ideal do amadorismo, que
apresentava a vantagem adicional de reunir classe média e nobreza,
foi entesourado nos Jogos Olímpicos, uma nova instituição (1896),
nascida no cérebro de um francês admirador do sistema inglês de
escolas públicas, que havia sido construído em torno de seus
campos de jogos (HOBSBAWM, 2006, p. 256).

Um questionário inserido no Boletim Olímpico de 1902 revelava uma


dupla condição referente ao esporte: as mudanças que vinha sofrendo e a
possibilidade de alteração da condição amadora ocasionada pela difusão do esporte
em diferentes países. Foram apresentadas três perguntas em três línguas (francês,
inglês e alemão): “I-Qual a sua definição de amador?; II-Você poderia, gentilmente,
enviar as cópias das regras e dos regulamentos do seu clube ou associação?; III-
Quais são as principais perguntas que você gostaria de sugerir para a discussão do
Congresso de Bruxelas?” (que aconteceria em 1905)121.
Apesar de toda mobilização feita por meio do Boletim, Coubertin
ficou decepcionado com o baixo envolvimento quando obteve poucas respostas e as
mesmas não eram muito esclarecedoras122. Em 1902, o COI contava com 29

121
Revue Olympique, Bulletin Trimestriel du Comité International Olympique, n. 8, abril de 1902, sem página.
Questionnaire.
122
Olympic Review, n. 91-92, maio – junho de 1975, p. 160. Through Coubertin’s writings. Coubertin and
amateurism.
120

membros, sendo a maioria de europeus (23 da Europa, cinco da América e um da


Oceania); quatro Federações Internacionais (ginástica de 1881, remo de 1892,
patinação de 1892 e ciclismo de 1900)123 e sete Comitês Olímpicos Nacionais com
uma predominância europeia (ver tabela abaixo).

Tabela 9 - Comitês Olímpicos Nacionais fundados até 1902


País Ano
Comitê Olímpico da França 1894
Comitê Olímpico da Grécia 1894
Comitê Olímpico dos Estados Unidos 1895
Federação Olímpica da Austrália 1895
Comitê Olímpico da Hungria 1895
Comitê Olímpico do Chile 1896
Comitê Olímpico da Noruega 1900
Fonte: Olympic Review, n. S72, agosto – setembro de 1972, Special Olympism Issue 1972, p. 25-28.
The National Olympic Committees.

Em parte é correto afirmar que a própria estrutura dos Jogos


Olímpicos fez com que os Comitês Olímpicos fossem criados. Os primeiros Comitês
datam exatamente de 1894, ano em que foi decidido realizar os Jogos Olímpicos de
1896. A constituição de grande parte dos Comitês Olímpicos de muitos países são
posteriores a retomada dos Jogos. Em parte é incorreto pensar nessa dependência,
como sendo causa e efeito, para explicar as Federações Internacionais. Muitas delas
surgiram antes dos Jogos Olímpicos de 1896. Nesse caso, foi a estrutura criada
pelas Federações Nacionais e os Comitês Olímpicos que direcionou as Federações
Internacionais de forma a estabelecer uma relação direta com o COI.
Nesse momento inicial da implantação dos Jogos Olímpicos não
havia uma correlação direta entre ter um Comitê Olímpico Nacional e possuir
membros no COI. De 1894 a 1900, entre os Comitês Olímpicos Nacionais existentes
apenas a França, a Grécia, Hungria e os Estados Unidos possuíam representantes
no COI. A Austrália teve seu primeiro integrante do COI apenas em 1905, 10 anos
depois da existência de seu Comitê; a Noruega também em 1905 e o Chile em 1911.

123
Olympic Review, n. S72, agosto – setembro de 1972, Special Olympism Issue, p. 22. International Olympic
Federations.
121

Portanto, essa conjuntura, permite analisar que do ponto de vista das influências no
movimento olímpico era fundamental possuir membros dentro do COI do que ter um
Comitê Olímpico Nacional estruturado. A existência dos Comitês foi fruto do
crescimento dos Jogos e da estruturação do esporte no mundo, sendo a partir dessa
etapa fundamental ter tanto membros dentro do COI quanto possuir um Comitê
Olímpico Nacional.
Em 1905, as mesmas perguntas foram apresentadas sob o título de
pesquisa internacional sobre o amadorismo. O debate sobre a definição de
amadorismo levantava uma série de elementos essenciais para entender o esporte
naquele momento e o Boletim Olímpico ressaltava que a realização da enquete, a
partir dos mais variados pontos de vista, poderia trazer a essência do problema124.
Ressaltava-se ainda que não seria prudente tentar resolver todos os problemas em
torno da questão antes de implementar a definição de amador ou ao menos ter claro
qual seria a definição125. Porém, mais uma vez, apesar de terem enviado as
perguntas para os grupos interessados, a diversidade de respostas impedia uma
ação direta126.
A busca por uma definição de amadorismo estava muito presente
nas discussões, especialmente após os Jogos de Londres de 1908, e tinha como
objetivo entender e estabelecer as regras para, a partir delas, ficar estabelecido
quem poderia participar das competições. Depois de duas tentativas sem grande
sucesso, a enquete foi publicada na revista britânica Sporting Life com o objetivo de
atingir um público mais amplo.
A revista promoveu o debate sobre o tema entre o dia 16 de outubro
de 1908 e 20 de maio de 1909. Entre as diversas opiniões, os resultados apontavam
pela necessidade em realizar uma reforma generalizada no esporte. Os quatro
pontos destacados eram sobre: dinheiro (lucros e reembolso), contacts (para definir
quem era amador e profissional), professores (no sentido de diferenciar um
profissional de um professor), relatos de diversas experiências127.

124
Revue Olympique, n. 14, janeiro de 1905, sem página. Enquéte Internacionale sur L’Amateurisme.
125
Revue Olympique, n. 41, maio de 1909, p. 67. L’enquête sur L’amateurisme.
126
Revue Olympique, n. 45, setembro de 1909, p. 115. Rapport sur la question de l'amateurisme.
127
Revue Olympique, n. 45, setembro de 1909, p. 116 e 118. Rapport sur la question de l'amateurisme.
122

Apesar do debate público promovido pela revista, o COI analisou o


relatório apresentado pelo Conde Bertier de Sauvigny128 e concluiu que a ação não
alcançou resultados tangíveis (MÜLLER, 2000, p. 639), tendo, portanto, a
necessidade de consultar a opinião das Federações e Associações129.
Nesse sentido, algum tempo depois o Boletim veiculou as respostas
de um professor quanto às perguntas colocadas nos outros números130. A
importância do tema do amadorismo e profissionalismo podia ser notada pelo
crescimento de perguntas referentes à temática. Houve um aumento de três para
oito perguntas a fim de esclarecer como cada universidade/associação tratava o
assunto. O documento informava que o professor W. M. Sloane131 havia ficado
responsável por pesquisar entre as universidades e associações não universitárias
da América sobre os pontos a respeito do amadorismo.
É interessante notar que as respostas revelavam uma forma de olhar
o mundo e, no caso específico, o esporte. Apesar do pequeno número de entidades
universitárias e associações que participaram da pesquisa, sete e seis
respectivamente, e de não existirem informações quanto à localização das mesmas,
quais os cargos que as pessoas ocupavam nessas instituições e qual a relação
deles com o esporte, os dados apresentados permitem entender o modo como
essas entidades olhavam para o esporte.
Por mais que tenha sido uma gestão vertical, vista por quem estava
de fora, a aplicação do questionário indica que houve uma gestão horizontal, apesar
da circulação dessas informações ser restrita. Visto por dentro, não se pode afirmar
que a definição tenha sido imposta de cima para baixo.

128
O francês Bertier de Sauvigny foi o 39º membro do COI (1903-1920). A família Sauvigny foi promovida a
condição de nobreza em 16 de maio de 1668 e posteriormente juntou-se a outra família nobre, os Berbers.
Sauvigny apoiou as ideias esportivas e educacionais de seu primo, Barão de Coubertin. Praticou remo, esgrima,
ciclismo e tiro ao arco (BUCHANAN e LYBERG, 2009b).
129
Revue Olympique, Sports – Éducation Physique – Hygiène, n. 57, setembro de 1910, p. 138. The possible
unification of the amateur definition.
130
Revue Olympique, Sports - Éducation Physique – Hygiène, n. 54, junho de 1910, p. 89-90.
131
O americano William Milligan Sloane foi o 6º membro do COI (1894-1924). Foi pioneiro do movimento
Olímpico na América e membro fundador do COI. Estudou na Universidade de Columbia, Nova Iorque (1868) e
nos anos seguintes trabalhou como professor. Depois mudou-se para a Europa onde atuou como ministro
americano em Berlim. Após estudar nas Universidades de Berlim e Leipzig obteve o título de doutor em 1876.
Em 1894, foi presidente fundador do Comitê Olímpico Norte-Americano e nesse mesmo ano tornou-se membro
fundador do COI. Coubertin tinha grande consideração por Sloane pelo fato dele ter sido um grande entusiasta
do movimento olímpico e em uma sessão do COI em 1901 foi convidado por Coubertin para presidir o COI, mas
Sloane declinou. Pediu demissão do COI em abril de 1924 diretamente ao Barão Pierre de Coubertin, mas o
pedido foi oficialmente aceito somente em novembro daquele ano (BUCHANAN e LYBERG, 2009a).
123

As mudanças começavam a ocorrer e a se proliferar pelas cidades.


Ainda faltava uma unidade das regras, mas os caminhos que o esporte seguia no
início do século XX indicavam a existência de uma preocupação em mantê-lo nas
mãos daqueles que o controlavam, a aristocracia. E para manter nas mãos desse
grupo necessitavam por meio do questionário sobre o amadorismo saber o que
oferecer para conquistar o apoio dos demais aristocratas.
Se no documento de 1902 a primeira pergunta era sobre qual a sua
definição de amadorismo, nesse questionava-se sobre a possibilidade ou que fosse
desejável existir uma definição geral de amadorismo. A resposta, ainda mais
concisa, indicava que cinco universidades e cinco associações consideravam que
era importante existir uma definição geral, duas universidades e uma associação
ponderavam que não e duas associações julgavam adequadas as regras adotadas
pela União de Atletismo Americana (American Athletic Union).
A pergunta dois referia-se às competições esportivas, sendo o
questionamento se as competições internacionais de todos os esportes poderiam
ficar restritas por essa definição. As respostas foram identificadas como sendo iguais
ao que havia sido respondido na primeira pergunta.
Na sequência perguntava-se se o atleta poderia ter lucro
diretamente em dinheiro e permanecer amador. Por unanimidade, sete
universidades e seis associações negavam essa condição.
A pergunta quatro era sobre a necessidade de serem estabelecidos
limites de gastos. Para cinco universidades era preciso ter um controle de gastos,
mas para duas universidades e seis associações consideravam não ser
fundamental. Duas universidades consideravam ser possível não fixar regras desde
que o homem vivesse em acordo com o bis statum, ou seja, com a dupla condição
de ser amador e profissional. Cinco sugeriram uma economia na alimentação, nos
alojamentos e comida; duas adicionaram que essa tarefa deveria estar sob
supervisão do comitê encarregado. Duas associações aceitavam alojamento e taxas
sem gastos extras. As demais concordavam com a existência de gastos extras.
A quinta pergunta referia-se à possibilidade de um amador competir
com um profissional e ainda conservar essa sua condição. Caso não fosse permitido
queriam saber o motivo e se fosse permitido, queriam saber se haveria algum limite.
Quatro universidades disseram sim. As três universidades que responderam
afirmativamente especificaram que a liberação poderia existir somente para os
124

esportes de equipes e nenhuma razão foi dada para esse fato. Das seis associações
que foram contra essa possibilidade, apenas uma entendia que o atleta poderia
competir individualmente no golfe e esgrima.
A pergunta seis era em torno do duplo estatuto, ou seja, se uma
pessoa poderia ser profissional em um esporte e amador em outro. Apenas uma
universidade e duas associações eram a favor dessa condição enquanto seis
universidades e quatro associações não aceitavam esse duplo estatuto.
A penúltima pergunta era sobre a existência da diferença entre um
professor de esporte e um profissional. A dúvida era referente à possibilidade de ser
um formador e amador ao mesmo tempo. Duas universidades e quatro associações
disseram que havia diferenças quanto a uma pessoa ocupar essa dupla condição.
Porém, cinco universidades e duas associações disseram que era a mesma coisa
ser um professor de esporte e um profissional. Uma associação não considerava
profissional um professor de esporte que não recebia remuneração.
A oitava e última pergunta era destinada a saber se havia autonomia
da associação ou federação para desqualificar um amador. Também questionava se
a desqualificação somente poderia acontecer caso representasse um
profissionalismo pessoal. Três universidades e quatro associações concordavam
com essa autonomia enquanto quatro universidades e duas associações eram
contra essa possibilidade. Para os que concordavam com a desqualificação
pontuavam que era a associação que deveria ser desqualificada enquanto os que
não concordavam afirmavam que o indivíduo deveria ser desqualificado. Dos “nãos”
das universidades, duas achavam que deveria ser decidido pela Associação
Nacional. Duas associações achavam que deveriam pensar nas desqualificações,
mas que a Federação deveria pronunciar sobre a decisão.
Ao final do documento uma pequena análise foi fornecida e indicava
uma mudança nas respostas132. Se num primeiro momento as respostas foram
negativas quanto às questões relativas ao amadorismo, a própria análise
apresentada mostrou que as mudanças estavam ocorrendo quanto à forma de
pensar o esporte e os atletas.
Embora existissem diferenças de opiniões quanto às despesas,
reembolsos e desqualificações dos atletas, foi reforçado o princípio de que para ser

132
Revue Olympique, n. 54, junho de 1910, p. 90. La question de l'amateurisme.
125

um atleta amador deveria contemplar a condição de praticar o esporte por prazer e


não por receber algum incentivo financeiro. Com base nisso, as despesas com hotel,
por exemplo, foram apresentadas como algo concreto para o atleta, mas o
documento trazia a sugestão de que o reembolso deveria ser feito ao clube e não
diretamente ao atleta133.
Apesar disso, existia uma indicação para o estabelecimento de uma
norma única para a unificação das regras e todos estavam de acordo com a
impossibilidade, concomitantemente, de o atleta ser remunerado ou receber alguma
gratificação e ainda continuar a ser amador.
A relação entre os amadores e profissionais aparecia enquanto
possibilidade de um competir contra o outro e isso não era bem visto pelas pessoas
que controlavam o esporte. Embora o futebol e o críquete fossem apontados como
modalidades em que um profissional pudesse levar vantagem sobre um amador, o
que apareceu no cerne do debate foi o possível desvirtuamento dos ideais do
amadorismo.
Na visão apresentada, uma pessoa que se dedicava integralmente à
atividade esportiva constantemente levaria vantagem sobre aquele que tinha menos
tempo para a prática. E isso poderia afastar o atleta amador dos verdadeiros lemas
do amadorismo134. Nesse sentido Vigarello (2009) evidencia o conflito entre os
elementos do amadorismo e do profissionalismo:

Não demora, porém, para que uma tensão oponha a moral dos
profissionais ligando a façanha esportiva e seu preço à dos
amadores que liga a façanha e a gratuidade. O conflito se aguça
ainda mais quando o amadorismo foi capaz de reivindicar uma certa
“nobreza”. As grandes vozes esportivas do fim do século XIX
adotaram um raciocínio sistemático: ganhar músculos para ganhar
dinheiro é tornar servil a sua força, é aceitar eventualmente ‘trair’,
depender do pagador e não de si mesmo (VIGARELLO, 2009, p.
456-457).

Esse contexto apresentado por Vigarello mostra como os defensores


do amadorismo se vincularam a essa “nobreza” como forma de diferenciar e criar um
grupo seleto de praticantes. Para garantir a presença de um restrito grupo na prática

133
As divergências foram apontadas pelo próprio Coubertin tempos depois. Olympic Review, n. 91-92, maio –
junho de 1975, p. 161 e 178. Through Coubertin’s writings. Coubertin and amateurism.
134
Revue Olympique, Sports – Éducation Physique – Hygiène, n. 57, setembro de 1910, p. 139. The possible
unification of the amateur definition.
126

dos esportes fizeram uma análise do ambiente em que ele acontecia para
conseguirem proteger da melhor forma possível os interesses deles, no caso, dos
aristocratas.
Sobre essa condição de limitar a participação nos Jogos Olímpicos
aos amadores, muitos anos depois em 1961, o presidente do COI, Brundage, enviou
uma correspondência para os membros da entidade e para a imprensa. Nessa carta,
fez uma análise do movimento olímpico, das condições que permitiam a um atleta
ser definido como amador e ressaltou que “os Jogos Olímpicos pertencem somente
aos de primeira classe”135. Ao afirmar isso, Brundage explicitava que as restrições
aos profissionais eram estabelecidas pelo fato deles não pertencerem à primeira
classe, ou seja, não faziam parte da “nobreza” e por isso deveriam ficar fora dos
Jogos.
Sob os lemas do prazer e da gratuidade indicados por Vigarello
(2009), os amadores colocavam, em primeiro lugar, o prazer da prática por ela
mesma, ou seja, o prazer seria intrínseco ao esporte que se pratica. Por outro lado,
nessa dicotomia, os profissionais deviam ser mantidos afastados por estarem em
busca de um “prazer” extrínseco (os amadores jamais usariam essa palavra para se
referir aos profissionais) que se materializava por meio do corpo, dos músculos, dos
recordes e se transformava em recompensa financeira, algo completamente
condenado pela aristocracia. Era o dilema entre a prática esportiva como um fim em
si mesmo ou como meio para "outro" fim.
O debate gerado pelas questões apresentadas fez com que o COI
escolhesse dois esportes para realizar as análises. As duas modalidades escolhidas
foram a esgrima e o atletismo. O motivo da escolha deveu-se pela possibilidade de
analisar dois esportes antagônicos do ponto de vista dos praticantes. De acordo com
o Boletim, a esgrima caracterizava-se como um dos mais aristocráticos esportes e o
atletismo como o mais democrático136.
Ao propor a análise dessa forma o COI imaginava que conseguiria
estruturar as demais modalidades tendo uma média a partir de modalidades
antagônicas. Por um lado, ao comparar dois esportes caracterizados por lógicas

135
Bulletin du Comité International Olympique, n. 74, maio de 1961, p. 34. Circular letter sent to
International Olympic Committee members and to the Press by Mr. A. Brundage in March 1961. “The Olympic
Games belong to those of the first class only”.
136
Revue Olympique, Sports – Éducation Physique – Hygiène, n. 57, setembro de 1910, p. 141. The possible
unification of the amateur definition.
127

distintas com o objetivo de construir um terceiro elemento, tendo como base as


semelhanças e diferenças, poderia desconsiderar as especificidades de cada
modalidade. Por outro, justificava-se a comparação pela necessidade em
estabelecer uma regra universal para todas as modalidades.

2.2 Atenas (1896): nenhum país se interessa pelo futebol

Na primeira edição dos Jogos Olímpicos em 1896 (6 a 15 de


abril)137, o futebol não foi incluído no programa pelo fato de não ter despertado o
interesse dos competidores em fazer parte dos Jogos Olímpicos, tal como aconteceu
com as equipes de críquete. Porém, o Boletim Olímpico informava sobre a
possibilidade de o futebol ser inserido futuramente no programa olímpico caso a
Inglaterra ou a França tivessem a intenção de enviar suas equipes para a
competição138.
De 1894 a 1896, apenas 16 pessoas integravam o COI e entre os
membros a maioria era formada por europeus, sendo 13 integrantes da Europa
(distribuídos entre França, com dois, Grécia, Suécia, Tchecoslováquia, Iugoslávia,
Itália; Bélgica, Grã-Bretanha, Rússia e Alemanha); dois da América (Estados Unidos)
139
e um da Oceania (Nova Zelândia) . O fato de o Boletim Olímpico indicar a
possibilidade de incluir o futebol caso a Inglaterra ou a França se interessassem
pode ser justificada pelo fato do futebol ter sido inventado na Inglaterra e pela
França ser o país do idealizador dos Jogos Olímpicos. A indicação desses dois
países não pode ser justificada por meio da existência de um Comitê Olímpico que
poderia fornecer o suporte para a presença de tais equipes, pois nesse período
existiam apenas três Comitês Olímpicos, da França (1894), da Alemanha (1895) e
Austrália (1895). O Comitê da Grã-Bretanha foi criado apenas em 1905140, mas a

137
Todas as datas indicadas acerca da duração dos Jogos foram retiradas dos Relatórios Oficiais e conferidas no
site oficial do COI. Porém, O jornal O Estado de S. Paulo republica um texto da Revue des Revues, de autoria
do dr. A. Bauville, que indica uma outra duração dos Jogos: “A 24 de março os Jogos Olympicos foram
celebrados de novo, em sua pompa dos dias de outr’ora [...]. Inauguradas, como acima dissemos, a 24 de março,
as festas só terão fim a 3 de abril e talvez mesmo se prolonguem mais”. Jogos Olympicos, 29 de abril de 1896, p.
2.
138
Bulletin du Comité International des Jeux Olympiques, n. 3, janeiro de 1895, p. 2.
139
Em 1895, fizeram parte 14 membros e em 1894 e 1896 o COI possuía 15 membros.
140
As informações sobre a formação dos Comitês Olímpicos Nacionais estão indicadas nos seguintes números
do Bulletin du Comité International Olympique: n. 59, agosto de 1957; n. 60, novembro de 1957; n. 61,
128

sua indicação como um possível país interessado era reflexo da organização


esportiva dos britânicos ser anterior a toda estrutura do COI além de ser a inventora
dessa modalidade. Dentre os países que tinham o Comitê e não foram
mencionados, a Alemanha passou a contar com um integrante do COI apenas em
1896 enquanto a Austrália não possuía representante dentro do COI (seu primeiro
membro entrou em 1905) e provavelmente por esse motivo não foram indicados
como possíveis participantes do futebol.
Ao longo das edições dos Jogos Olímpicos, foram inúmeros os
exemplos da relação entre esporte e política. Logo, nessa primeira edição essa
relação já estava colocada quando o rei da Grécia esteve presente no evento. Via
telegrama, o jornal O Estado de S. Paulo apresentou, meses depois da realização
dos Jogos, as informações sobre a abertura:

A cerimonia teve um caracter imponentissimo. O rei entrou no


estadio ao som do hymno nacional, tocado por 600 executantes, que
acclamaram calorosamente o soberano. O principe herdeiro proferiu
uma allocação vibrante de enthusiasmo, tendo uma ovação
estrepitosa. Depois, 600 instrumentista, sob a direcção do compositor
grego Samara, executaram o “Hymno olympico”141.

Essa relação entre esporte e política deve ser entendida de modo


interligado e não como uma condição excludente, da qual muitos dirigentes gostam
declarar quando afirmam que não fazem política, que apenas trabalham com o
esporte. Em um artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, Anatol Rosenfeld,
afirma que a politização já estava presente nessa primeira edição e usa como
exemplo a Alemanha que “[...] julgou sua participação incompatível com a ‘honra
germanica’ (enquanto em 1920 e 1924 ficou excluida dos jogos)”142.
Nesse início, essa relação pode ser entendida como parte de um
todo que incluía os Reis, os Condes, os Duques, os Barões etc. como membros de
uma aristocracia que controlava o país e o esporte. E essa estrutura fazia com que
as emoções das disputas ficassem compartilhadas entre esse seleto grupo, afinal,
eram os aristocratas que disputavam as provas, sendo essa exclusividade garantida
por meio da definição de atleta amador.

fevereiro de 1958; n. 62, maio de 1958; n. 64, novembro de 1958; n. 65, fevereiro de 1959; n. 66, maio de 1959;
n. 71, agosto de 1960.
141
O Estado de S. Paulo, 29 de maio de 1896, p. 2.
142
Faltam motivação e divulgação do atletismo por trás do insucesso olímpico do “país do futebol”. O Estado
de S. Paulo, 31 de dezembro de 1972, p. 122.
129

2.3 Paris (1900): o futebol é modalidade exibição

O futebol Olímpico foi inserido pela primeira vez nos Jogos


Olímpicos de Paris de 1900, na França, sendo uma das 15 modalidades atléticas
que o Comitê queria ver no programa da Exposição Universal. As competições
futebolísticas foram realizadas no Velodrome de Vincennes como exibição143 e por
esse motivo estavam previstos apenas quatro jogos de demonstração entre
franceses e uma equipe suíça (20 de setembro); franceses contra os belgas (23 de
setembro), sendo os belgas representados por estudantes das Universidades da
Bélgica e por um jogador e capitão do Léopold Foot-ball Club de Bruxelas, o M. G.
Pelgrims144; franceses contra alemães (30 de setembro) e franceses contra ingleses
(7 de outubro), sendo que os ingleses foram representados pelo time do Upton Park
Foot-ball Club de Londres145. Os franceses foram representados pelos jogadores do
Clube Francês (Club Français) campeão de Paris, composto apenas por jogadores
franceses. A cada jogo a equipe vencedora recebia uma obra de arte e todos os
jogadores da partida recebiam uma lembrança146. Apesar de quatro partidas estarem
previstas, as partidas dos franceses contra os suíços e os alemães não ocorreram e
por isso as datas das partidas foram remanejadas.
Em sua primeira aparição nos Jogos Olímpicos o futebol conseguiu
despertar atenção do público, mesmo que ainda de forma moderada. O aumento de
pessoas interessadas entre as duas partidas realizadas (franceses x ingleses e
franceses x belgas) indicava um possível potencial do que o futebol se transformaria

143
1900 Paris Olympic Games Official Report Part 1, p. 21. As 15 modalidades foram: 1º Corrida (Courses à
pied); 2º Competição atlética que incluía salto, arremesso de peso e de disco (Concours athlétiques (sauts,
lancement du poids et du disque); 3º Marcha (Marche); 4º Rúgby (Foot-ball rugby); 5º Futebol (Foot-ball
association); 6º Tênis de campo (Lawn-tennis); 7º Esporte de raquete que é antecessor da pelota basca e do tênis
(Jeux de paume); 8º Hóquei (Hockey); 9º Cróquete, jogo que consiste em bater bolas de madeira ou plástico em
direção aos arcos distribuídos pelo campo (Croquet); 10º Críquete (Cricket); 11º Golfe (Golf); 12º Jeu de boules;
13º Beisebol (Baseball); 14º Esgrima (Boxe et canne), 15º Luta (Lutte). Patinação e Levantamento de pesos
(halteres) foram rejeitadas pela Comissão, o primeiro destes exercícios era uma prática rara em Paris, e o
segundo era monopolizado pelos profissionais (Le patinage et les poids – halteres - furent écartés par le Comité,
le premier de ces exercices étant d’une pratique assez rare à Paris, et le second étant accaparé par lês
professionnels).
144
Os franceses venceram por 6 a 2.
145
A partida foi vencida pelos ingleses por 4 a 0. No documento oficial do COI existe uma divergência de datas:
primeiro apresentam que o jogo do dia 20 de setembro foi contra os suíços e logo abaixo indicam a realização,
no mesmo dia, do jogo contra os ingleses. Os jogos dos dias 30 de setembro e 7 de outubro não aconteceram.
146
1900 Paris Olympic Games Official Report Part 1, p. 68.
130

ao longo dos primeiros anos do século XX. A curiosidade do campeonato de 1900


refere-se ao que foi apresentado nos arquivos oficiais dos Jogos: “A Associação de
Futebol, por seus dois jogos, não chegou a 1000 francos de receita”147, já que dos
quatro jogos planejados aconteceram apenas dois.
Desde o seu surgimento na Inglaterra até a expansão da modalidade
em outros países o futebol ao longo do século XX passou a receber um grande
número de investimentos e rapidamente houve um crescimento do interesse das
pessoas, seja pela prática ou por acompanhar seu clube predileto. Embora tenha
ocorrido apenas duas partidas nesses Jogos Olímpicos, os poucos dias que
separam um jogo do outro indicam esse crescimento de interesse, pois do dia 20 de
setembro (quinta-feira) para 23 de setembro (domingo) triplicou a presença do
público de 500 espectadores para 1.500148.

2.4 Saint Louis (1904): o grande evento é a Exposição Universal

Se a primeira Olimpíada da Era Moderna não esteve vinculada a


Exposição Universal tendo duração de apenas nove dias (6 a 15 de abril de 1896),
os Jogos seguintes assumiram uma nova configuração. Com o objetivo de aumentar
o número de pessoas interessadas em acompanhar as competições, as edições de
Paris (1900) e Saint Louis (1904) foram um anexo das Exposições Universais que
aconteciam e funcionavam como um elemento de divulgação da modernidade.
Essa relação com a Exposição Universal pode ser percebida na
duração dos Jogos Olímpicos: cinco meses e meio (de 14 de maio a 28 de outubro).
Ao longo desses meses a exposição recebeu um público de um pouco mais de 50
milhões de pessoas e fez com que o turismo internacional se ampliasse (BORGERS,
2003).

[...] sua realização como parte das “Exposições Mundiais”, que se


realizaram em vários países europeus e nos Estados Unidos da
América, como mostra dos tempos do industrialismo e do
capitalismo, com a organização de grandes parques didáticos do
idealismo das nações dominantes e de temáticas sempre mais

147
1900 Paris Olympic Games Official Report Part 1, p. 75. Le foot-ball association, pour ses deux matchs,
n'a pas atteint 1,000 francs de recettes.
148
1900 Paris Olympic Games Official Report Part 1, p. 69.
131

amplas. Nesses eventos, como no de Paris em 1878 e depois em


1900, foram convocados congressos de diversas especialidades
como odontologia, história, matemática, estatística, fotografia. Um
congresso sobre educação física, que incluía exibições sobre jogos e
esportes, foi considerado nos Jogos Olímpicos de Paris, 1900
(RUBIO, 2010a, p. 58).

No entender de Ortiz (2000, p. 96), nas Exposições Universais o


mundo era apresentado como sendo uma miniatura. Cada país expunha elementos
constituintes de sua cultura e em um rápido passeio era possível conhecer
singularidades de países muito distantes geograficamente. Enfim, segundo o autor,
“As exposições universais contêm os germes da amálgama entre o consumo, a
técnica e o lazer”.
Nessa relação entre consumo e lazer, Sevcenko afirma (1992) que
diante dos interesses da grande indústria e dos impérios mundiais, foram criados
pavilhões paralelos nas Exposições Universais em que as ditas culturas “primitivas”
mostravam-se ao mundo por meio desse espaço.

Junto a pavilhões que exibiam artefatos de todos os tipos, reunidos


sem maiores critérios e sem distinguir as diferentes culturas,
organizavam-se espetáculos de danças, música, teatro e jogos. O
sucesso popular desses pavilhões “primitivos” foi tamanho, que eles
foram sendo progressivamente ampliados a cada ano e difundiriam
um enorme interesse por artefatos “coloniais”, dando origem a um
lucrativo comércio generalizado dessas peças por toda a Europa. O
que era interesse científico de caráter histórico tornou-se uma
curiosidade de natureza geográfica, para se transformar por fim em
símbolos culturais sobre os quais se projetavam os desejos
(SEVCENKO, 1992, p. 172).

As Exposições Universais funcionavam como uma miscelânea de


várias culturas apresentadas dentro de uma cidade. Essa cidade em miniatura não
fazia apenas parte da vida da metrópole moderna, ela reproduzia um novo modelo
de vida urbana que mobilizava a massa (GUERREIRO, 1995), colocando as
pessoas como parte integrante das mudanças sociais que as novas tecnologias
geravam para mostrar como o mundo caminhava para a modernidade.
Embora nas edições olímpicas de 1900 e 1904 as práticas
esportivas tenham ficado perdidas diante do grande número de eventos
apresentados nas Exposições (RUBIO, 2010a), essa associação entre o esporte e
132

um novo modo de pensar o mundo indicava como esse esporte, desde então,
estaria associado a uma condição da modernidade.
Por meio do esporte as massas também se mobilizaram, a própria
lógica dos Jogos Olímpicos – de possuir uma sede diferente a cada quatro anos –
fez com que as pessoas circulassem pelos países, apesar da grande concentração
de edições no continente europeu. É nesse sentido que Vigarello (2009, p. 451)
relaciona as mudanças no esporte com a circulação das pessoas:

As “massas” esportivas também se movem insensivelmente com o


século: surgem tanto novos princípios de comunicação como novos
princípios de internacionalização. Elas simbolizam definitivamente o
fim dos terrenos baldios: regulamentos unificados, encontros
distantes e acelerados. O esporte materializa o progresso da viagem
dos seres humanos, o que fora iniciado com as exposições
universais e com os congressos científicos da segunda metade do
século XIX: “As grandes invenções, a estrada de ferro e o telégrafo
encurtaram as distâncias e os seres humanos começaram a viver
uma nova existência”, constatam os inventores dos primeiros jogos
olímpicos modernos.

Essa materialização pontuada por Vigarello (2009), em relação aos


Jogos Olímpicos iniciou-se ao vincular o evento com as Exposições Universais que
foram as vitrines cristalinas e iluminadas do "produto" esporte aos olhos do mundo.
Quando se juntaram às Exposições estavam em busca de visibilidade, de apresentar
ao mundo que o esporte era algo importante para a sociedade. Por mais caótico que
tenham sido esse vínculo, as Exposições forneceram uma importante propaganda
para divulgar a ideia de Coubertin.
Em suma, nos primeiros anos do século XX os Jogos Olímpicos
passaram por um período de adaptação até que o público tivesse clareza do modo
como o evento aconteceria. Olhar para os Jogos é perceber o quanto o esporte
transformou-se desde a primeira edição de 1896, seja por meio do interesse do
público, da construção dos estádios e mais tarde da entrada de grandes empresas
como patrocinadoras do evento.
Os Jogos de 1904, inicialmente aconteceriam em Chicago apesar do
interesse de Saint Louis em sediar a competição devido à realização da Exposição
Universal, que havia sido adiada de 1903 para 1904. Esse pedido da cidade de Saint
Louis fez com que fosse discutida a possibilidade de realmente mudar a sede dos
133

Jogos Olímpicos. Porém, a análise do Comitê Olímpico apontou mais pontos


positivos do que negativos em manter a sede em Chicago.
A carta do presidente Pierre de Coubertin informava a publicação de
um panfleto produzido pelo Comitê de Chicago com o objetivo de suscitar o
interesse dos moradores da cidade pelos Jogos Olímpicos. Além disso, foi divulgado
um programa preliminar da competição e a expectativa de ter um superávit de 200
mil dólares149. Embora desde o princípio houvesse um discurso em torno do
amadorismo, especialmente quanto às restrições referentes aos possíveis ganhos
dos atletas, com o passar do tempo, os organizadores começaram a se interessar
pela possibilidade de lucrar com os Jogos.
No entanto, um ano antes da Olimpíada o Comitê Olímpico
comunicou a transferência da competição para Saint Louis (1º de julho a 23 de
novembro) devido ao conflito de datas entre os Jogos Olímpicos e a Exposição
Universal. Embora Krüger (1999) afirme que os Jogos foram transferidos sem o
consentimento do COI, consta uma informação no Boletim Olímpico de que
telegramas foram enviados por Lagrave150, então ministro francês do comércio, que
havia sido nomeado comissário geral para a exposição de Saint Louis (BARNEY,
1992).
A justificativa para a transferência da cidade foi o receio dos
organizadores da exposição quanto aos possíveis prejuízos diante da magnitude de
ambos os eventos. Não seria inteligente colocá-los no mesmo ano e em cidades
diferentes. O presidente dos Jogos Olímpicos de 1904, Furber Jr., argumentou que
associar os Jogos Olímpicos à Exposição seria uma forma de trazer mais público
para o segundo151. Essa postura revela o início da mudança do olhar, pois se num
primeiro momento os Jogos estão em busca de visibilidade e por isso juntam-se às
Exposições, logo os Jogos são vistos como forma de aumentar o interesse pelas
Exposições. Apesar desse discurso, a competição olímpica continuava a fazer parte
de um evento maior, que era a Exposição Universal. Segundo Delsaut (2011, p. 810)
152
:

149
Revue Olympique, n. 3, julho de 1901, p. 32-33. Président du Comité International Olympique, Paris. Paris,
le 9 mai 1901.
150
Revue Olympique, n. 9, fevereiro de 1903, p. 8 e p. 19. Noveulles D’Amérique.
151
Revue Olympique, n. 9, fevereiro de 1903, p. 4. The President of the International Olympian Committee,
Paris. Chicago, nov. 26-1902.
152
O autor explora em seu artigo os 15 dias que antecederam os Jogos e ficaram conhecidos como Jornadas
Antropológicas. “Ademas, estos Juegos Olimpicos fueron precedidos, quince dias antes, por “‘Jornadas
134

Os Jogos Olímpicos foram englobados no calendário de festas da


Exposição universal. Pierre de Coubertin tinha medo quanto ao bom
desenvolvimento, ao impacto e a originalidade destas Olimpíadas em
solo americano. Os resultados lhe deram razão. O movimento
olímpico era ainda jovem e seus membros não prestaram cuidado
suficiente aos fatos que se desenvolveram a partir dali. As
competições esportivas foram dispersas durante os mais de quatro
meses e meio, perdidas no caos da Exposição153.

A despeito dos Jogos Olímpicos de Paris (1900) terem sido muito


longos, Pierre de Coubertin entendeu ser viável sustentar a realização das
competições seguintes uma vez que o ciclo de quatro anos faria crescer o interesse
pelos Jogos Olímpicos.
Não obstante ter sido mantida a periodicidade de quatro anos para
os Jogos de 1904, o vínculo com a Exposição Universal fazia com que não
existissem grandes preocupações quanto a sua organização. De acordo com Rubio
(2005), os Jogos Olímpicos ainda não haviam se consolidado como um evento
tradicional e associá-lo a outros eventos era uma forma de aproveitar a infraestrutura
existente sem ter que investir nisso.
Essa falta de organização, que gerou um desinteresse por parte do
público, apareceu na fala do então presidente do COI Baillet-Latour muito tempo
depois, quando afirmou em 1934, que tanto nos Jogos de 1900 quanto de 1904
houve certa indiferença do público em relação ao evento; mas a partir de 1908 e
1912 essa indiferença foi substituída por um real interesse do público154, afinal, os
Jogos passaram a ser a principal atração.
Vale ressaltar que a relação com as Exposições Universais foram
fundamentais para a existência posterior dos Jogos Olímpicos. Apesar de ser uma
entre tantas outras atividades das Exposições, esse espaço serviu com um processo

antropologicas’ durante las cuales lós organizadores habian organizado competiciones especiales reservadas a
los que lós Americanos xenófobos en ese entonces consideravan como ‘primitivos’” (p. 810). O próprio relatório
oficial dos Jogos, Spalding's Athletic Almanac for 1905, coloca o termo Antropológico no subtítulo do
documento - Official Report of Anthropological Days at the World’s Fair, containing a Review of the First
Series of Athletic Contests ever held, in which Savage Tribes were the Exclusive Contestants – e no relatório
apresenta algumas fotos do dia Antropológico.
153
“Los Juegos Olimpicos fueron englobados en el cuadro de las fiestas de la Exposición universal. Pierre de
Coubertin tenia miedo en cuanto al buen desarollo, al impacto y a la originalidad de estas olimpiadas en el suelo
americano. Los echos le dieron razon. El movimiento olimpico era todavia joven y sus miembros no prestaron
sufisamente cuidado a las derivas que se desarollaron alli. Las competiciones deportivas fueron dispersadas
sobre mas de cuatro meses y medio, perdidas en el caos de la Exposicion”.
154
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 26, outubro de 1934, p. 11. Speech of Count de
Baillet-Latour president of the IOC.
135

embrionário que permitiu aos Jogos Olímpicos crescer e criar a sua própria
identidade.
No entanto, o fato é que ao ter a sua própria identidade, ao longo da
história olímpica essa dinâmica de associar os Jogos a outros eventos, tal como a
Exposição Universal, desapareceu e não foi possível ver essa relação com outros
eventos. Essa premissa de não haver conflitos entre os eventos de grande público
fez com que os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo de futebol tivessem uma
separação bienal muito bem definida como será detalhado posteriormente.
No cronograma dos Jogos Olímpicos de 1904 o futebol continuou a
ser uma modalidade de exibição. Quanto à organização do torneio de futebol, na
época era sabido que os organizadores tinham conhecimento de que as
Universidades não estavam preparadas para receber as partidas de futebol155. A
única Universidade que se dispôs foi a de Saint Louis. Diante dessa situação a
competição olímpica de futebol foi disputada apenas por Universidades. Segundo
Hobsbawm (1997, p. 310):

O esporte internacional, com poucas exceções, permaneceu


dominado pelo amadorismo – ou seja, pelo esporte de classe média
– até no futebol, onde a associação internacional (FIFA) era formada
por países onde havia ainda pouco apoio para o jogo entre as
massas em 1904 (França, Bélgica, Dinamarca, Países Baixos,
Espanha, Suécia, Suíça). As olimpíadas continuaram sendo a maior
arena internacional para este esporte. Por conseguinte, a
identificação nacional através do esporte contra os estrangeiros
neste período parece ter sido sobretudo um fenômeno de classe
média.

Para entender como o futebol e os Jogos Olímpicos vão se solidificar


como elementos que representam uma tradição para muitos povos, é preciso
recorrer à Hobsbawm e Ranger (1997) quando conceituam o termo tradição
inventada. Para os autores, essa tradição inventada, caracterizada pela
invariabilidade, corresponde a um conjunto de práticas de origem ritual ou simbólica
que tem por objetivo estabelecer uma continuidade, de certos valores e normas, em
relação ao passado, por meio de sua repetição. Dessa forma, a invariabilidade não
representa a ausência de mudanças, pelo contrário, as mudanças podem ocorrer
desde que estejam ligadas ao contexto que precede a alteração.

155
O documento Spalding's Athletic Almanac for 1905 foi compilado por James E. Sullivan e incluía o Official
Report of the Olympic Games of 1904. Consultar informações sobre o futebol na página 247.
136

Conforme será apresentado ao longo do texto, os debates em torno


do amadorismo e profissionalismo, bem como a permanência do futebol no
programa olímpico, permitirão entender como o contexto histórico foi constituído e
como as reuniões do COI ocupam um espaço privilegiado de análise, pois tinham
como objetivo fazer a manutenção da tradição olímpica, seja por meio dos
Congressos ou nas reuniões dos membros do COI com os representantes das
Federações Internacionais.

2.5 Atenas (1906): os Jogos Intermediários

Em 1906, aconteceu em Atenas um evento para comemorar os 10


anos da reedição dos Jogos Olímpicos que ficou conhecido como Jogos
Intermediários (Intermediate Olympics). O futebol esteve presente nesses Jogos e
uma única notícia foi veiculada pelo O Estado de S. Paulo: “Depois de batidos entre
si diversos teams que ocorreram a Athenas encontram-se no match eliminatório os
teams da Dinamarca e Smyrna, vencen-lo os jogadores do primeiro por 4 goals a
1”156 (grifos do jornal).
Dois anos antes havia sido criada a FIFA que ainda nesse momento
não possuía grande representatividade tal como possui atualmente. Como
consequência de ainda estar em formação, a entidade máxima do futebol não se
interessou em fazer parte do torneio olímpico (MENARY, 2010).
Para Krüger (1999, p. 8), os Jogos Olímpicos Intermediários foram
muito importantes para o desenvolvimento do COI, pois após o declínio de interesse
gerado pela conexão com as Exposições Universais, esses Jogos podem ser
considerados o primeiro e principal evento midiático. Jornais esportivos foram
criados, além de criarem o Tour de France e o Giro d’Italia.
Mathys (1979) corrobora com o pensamento de Krüger (1999) de
que os Jogos Intermediários serviram para fortalecer o ideal olímpico, por mais que
houvesse certo descontentamento de Coubertin e de alguns membros do COI

156
O Estado de S. Paulo, 25 de junho de 1906, p. 3. Junto a essa notícia são apresentados os resultados de
outras modalidades esportivas.
137

quanto à quebra do ciclo de quatro anos entre uma edição e outra157. Salvador
(2004, p. 601) afirma:

Curiosamente, estas Olimpíadas, inexistentes para o COI, salvaram


os Jogos que estavam a ponto de romper devido às brigas políticas
que envolviam os aristocratas detentores do chamado movimento
olímpico. Em Atenas foi realizado um encontro entre os diversos
membros do COI, custeados pelo governo grego, e como é natural
apareceram todos. E o medo de perder o pouco que se havia
avançado colocou a paz nas reuniões celebradas, mas os órgãos
oficiais do COI nunca reconheceram esses Jogos158.

O jornal O Estado de S. Paulo refuta essa conexão entre essa


edição com as demais. Ao mesmo tempo em que refuta qualquer ligação com os
Jogos Olímpicos, de forma contraditória o jornal estabelece possíveis relações ao
analisar a participação de várias ginastas dinamarquesas, fato que possibilitou o
início da presença feminina nas provas de campo e pista159.
Embora no site do COI160 não existam referências sobre essa
edição, no Boletim Olímpico de 1906 aparecem uma série de informações161 com
destaque para o desejo dos integrantes da reunião em unificar as regras para os
próximos Jogos Olímpicos.

2.6 Londres (1908): o futebol é incluído no programa oficial

157
Olympic Review, n. 146, dezembro de 1979, p. 694. Those controversial Games of 1906... by Fritz K.
Mathys, Former director of the Swiss Sports Museum.
158
“Curiosamente, estas Olimpiadas, inexistentes para el COI, salvaron los Juegos que estaban a punto de
disgregarse por las rencillas políticas que carcomían a los aristócratas detentadores del llamado movimiento
olímpico. Em Atenas se llevó a cabo un encuentro entre los diversos miembros del COI, costeados por el
gobierno griego, y como es natural allí aparecieron todos. Y el miedo a perder lo poco que se había avanzado
puso paz en las reuniones que se celebraron allí, pero los órganos oficiales del COI nunca reconocieren estos
juegos”.
159
Jogos Olimpicos em 1906. O Estado de S. Paulo, 27 de novembro de 1956, p. 22. “Perguntaram-nos varios
leitores se houve Olimpiada em 1906. Não houve. As olimpiadas, a partir de 1896, contam-se de quatro em
quatro anos, efetuando-se, portanto, a terceira em 1904. Em 1906, os gregos fizeram realizar em Atenas o que se
pode chamar de uma ‘pequena olimpiada’, numa tentativa de conseguirem a direção dos III Jogos Olimpicos.
[...]. Esse certame não tem e não teve, entretanto, qualquer ligação com o Olimpismo Moderno, ou melhor, com
as olimpiadas, não se contando entre elas. Assim, fica mais uma vez esclarecido que os atuais são os XII Jogos
Olimpicos e a XVI Olimpiada”.
160
<http://www.olympic.org/>. Acesso em 21 de janeiro de 2012.
161
Revue Olympique, Sports – Éducation Physique - Hyriène, n. 6, maio de 1906, p. 80. Revue Olympique
palmarès des jeux d'athènes. Uma outra referência aos Jogos de 1906 aparece no Revue Olympique, Sports –
Éducation Physique - Hyriène, n. 11, novembro de 1906, p. 175-176. The lesson of the Olympic Games.
138

Inicialmente, os Jogos Olímpicos de 1908 ocorreriam em Roma, mas


o COI revogou a decisão e o transferiu para Londres (27 de abril a 31 de outubro)162.
A cerimônia de abertura foi acompanhada por apenas 25 mil pessoas devido à
chuva e ao mau tempo, com destaque para a presença de Eduardo VII163 que, a
convite do presidente da comissão especial dos Jogos Olímpicos, declarou
inaugurado os Jogos164.
O foco dessa edição dos Jogos foi a unificação das regras discutidas
no evento anterior. No entanto, pelo fato do Comitê Olímpico Britânico ter tido o
controle dos Jogos (SENN, 1999), consequentemente as regras adotadas seguiram
basicamente as da Federação Britânica (MACDONALD, 1998).
O futebol, por sua vez, passou a ser organizado pela FIFA e uma
série de condições foram discutidas a fim de esclarecer como a competição seria
estruturada165. O regulamento geral da competição estabeleceu que o controle e
gestão ficassem sob responsabilidade do Conselho da FIFA, bem como a adoção
das regras promulgadas pela entidade, cujas decisões sobre todos os assuntos
relacionados à competição eram definitivas e inapeláveis. Coube ao Conselho
indicar os árbitros e auxiliares em todas as partidas166.
Foi ressaltado que a competição olímpica restringia-se aos
amadores. Para não haver dúvidas foi apresentado que o amador era aquele que
não recebesse remuneração ou consideração de qualquer espécie a mais do que as
despesas necessárias para pagar o hotel e a viagem, ou aquele que não estivesse
registrado como profissional. Esse momento representou o início da preocupação
em limitar os reembolsos por despesas pagas. E caso o atleta recebesse algum tipo
de pagamento nessa condição perderia o status de amador. Na sequência do
documento foi publicada a seguinte informação da Associação de Futebol Amador:

Nenhuma pessoa será considerada amadora caso tenha assinado


um contrato profissional, ou, direta ou indiretamente, recebido
remuneração para jogar futebol ou consideração de qualquer espécie

162
Bulletin du Comité International Olympique, n. 74, maio de 1961, p. 26. What would have happened had
the Olympics of 1908 been held in Rome, to whom they were given?.
163
Foi rei do Reino Unido e dos países sob domínio britânico de 1901 a 1910.
164
O Estado de S. Paulo, 16 de julho de 1908, p. 4. A cobertura dos Jogos Olímpicos pelo jornal O Estado de S.
Paulo resume-se a pequenas notas.
165
1908 London Olympic Games Official Report, p. 34. A Challenge Cup has been presented by the Football
Association; Para conferir as regras gerais da Olimpíada de Londres de 1908 consultar o Revue Olympique,
Sports – Éducation Physique - Hyriène, n. 19, julho de 1907, p. 302-304.
166
1908 London Olympic Games Official Report, p. 457-458.
139

além do necessário referente às despesas de hospedagem e de


viagem efetivamente pagas. Um clube amador é um clube no qual
167
todos os jogadores-membros são amadores .

Caso o atleta sofresse alguma contusão jogando futebol ele teria,


mediante a obtenção de consentimento da FIFA ou de uma Associação local filiada,
o direito de receber as despesas pagas com o médico ou produto de qualquer
benefício da partida sem perder a sua condição de amador.
Além do regulamento geral da competição, o documento
apresentava o regulamento da competição, as regras do futebol e um minidicionário
com o significado de expressões específicas do futebol. Foi nessa Olimpíada que o
futebol passou a fazer parte do programa como uma modalidade oficial e por esse
motivo havia a necessidade de esclarecer detalhes sobre esse esporte.
Apesar do aumento das restrições, existiam algumas exceções a
respeito da manutenção da condição de amador. Os atletas amadores não deveriam
perdê-la ao competir com ou contra profissionais em partidas de críquete ou de
futebol em que não eram dados prêmios. Além disso, o amador manteria a sua
condição como tal caso participasse das competições permitidas pela Associação
Nacional de Futebol ou União Nacional de Rugby da Inglaterra, Irlanda, Escócia, ou
País de Gales, desde que tais competições ou partidas não fizessem parte, ou não
tivessem conexão com qualquer encontro esportivo.
Para Krüger (1999), os primeiros Jogos Olímpicos modernos foram o
de Londres 1908 pelo fato de que as regras, acima apresentadas, serviram de
suporte para que os atletas pudessem vivenciar enquanto organização e experiência
o “verdadeiro” espírito amador. A imprensa esportiva de vários países esteve
presente e fez uma cobertura completa sobre os Jogos. A divergência coube aos
americanos e ingleses, pois ambos assumiram as suas regras para estabelecer
quem estava certo.
Essa divergência entre os americanos e os ingleses reflete a busca,
em primeiro plano, pelo controle das regras da competição e como pano de fundo a
intenção em controlar os fatos relacionados ao olimpismo. Nessa época, as regras
adotadas para os Jogos eram estabelecidas a partir daquilo que era seguido pelo
país sede. Esse fato poderia causar divergências devido à falta de unidade das
regras de certas modalidades, mas traziam à tona a ideia de que certas regras
167
1908 London Olympic Games Official Report, p. 767. Football Association.
140

poderiam ser melhores do que outras e de uma relação de poder entre os países,
pois quando os Estados Unidos questionaram as regras inglesas estavam em busca
de ocupar um espaço de liderança dentro do movimento olímpico.
O fair play apareceu para coibir os possíveis acordos de resultados
no futebol. Assim, era considerada uma má conduta de qualquer Associação ou
clube, jogador, oficial, membro de qualquer entidade ou equipe oferecer, direta ou
indiretamente, qualquer consideração para outro clube, jogador ou jogadores de
outro clube com a intenção de influenciar o resultado da partida. Do mesmo modo,
era considerada má conduta de qualquer clube, equipe, jogador, aceitar qualquer
consideração dessa natureza. Já naquela época existia a preocupação em coibir
qualquer tipo de esquema para a compra de resultados. Essa condição se
intensificará ao longo das mudanças pelas quais passará o esporte no mundo ao
longo do século XX.
A curiosidade ficou por conta das inscrições que deveriam ser
enviadas por correio para o Comitê Olímpico, em formulário oficial, até o dia 1º de
setembro de 1908, ou seja, os Jogos Olímpicos já estavam em curso quando as
inscrições para o futebol foram feitas.

2.7 Estocolmo (1912): cogita-se retirar o futebol do programa


olímpico

Devido ao longo debate em torno das questões do amadorismo, da


possibilidade de unificação e à proximidade dos Jogos Olímpicos de 1912 (5 de
maio a 27 de julho), em Estocolmo, foi sugerido adotar para essa edição dos Jogos,
tal como ocorrera quatro anos antes em Londres a definição das regras do país sede
do evento168.
Porém, tendo como experiência as dificuldades de Londres 1908 e
as peculiares regras suecas, as regras não foram feitas pelo país sede. Dessa
maneira, o COI em conjunto com as Federações Esportivas realizou uma unificação
de normas, regras e regras internas (KRÜGER, 1999).
As definições do termo amador continuaram a aparecer. Porém, pelo
fato das Associações Esportivas dos diversos países adotarem diferentes leis no

168
Revue Olympique, n. 57, setembro de 1910, p. 141. The possible unification of the amateur definition.
141

sentido de definir o conceito, tornou-se difícil se chegar a um consenso. Após


explicar essa dificuldade foi apresentado que somente o “real” amador deveria fazer
parte dos Jogos Olímpicos. Diante das dificuldades em ter uma única definição
optou-se por adotar definições de amador para cada esporte. Essa definição do
termo a partir das modalidades foi algo fácil de ser feito quando o esporte em
questão possuía uma Federação Internacional, como o caso do futebol, ciclismo e
natação.
Na sequência do relatório oficial dos Jogos foram apresentadas duas
definições sobre a condição do jogador amador: a primeira foi chamada de regra
geral e a segunda era a definição da FIFA169. Pelo fato das duas serem muito
parecidas e a da FIFA ser um pouco mais detalhada, é esta a que apresento. O
amador seria aquele que nunca:
a) Competiu por prêmio em dinheiro, ou recebeu qualquer remuneração ou
recompensa para além do necessário com despesas de hotel e viagem, pagas
por conta de jogos de futebol;
b) Ocupou, auxiliou, ou ensinou, em qualquer ramo esportivo em troca de ganho
pecuniário;
c) Foi registrado como profissional;
d) Foi vendido, penhorado, alugado ou exposto em troca de pagamento, qualquer
prêmio ganho em competição.
Novamente, os primeiros itens se repetem. A novidade é o controle
que as Federações Internacionais e, em especial, a FIFA, exercem em relação aos
jogadores. Eles estão impedidos de se desfazerem dos prêmios recebidos.
Ainda sob essa relação entre o COI e a FIFA, nos Jogos Olímpicos
de 1912 foi feita pela primeira vez a menção sobre a permanência do futebol no
programa olímpico. O questionamento sobre a continuidade do futebol no torneio
olímpico aconteceu pelo fato desse esporte ter conquistado grande popularidade e
com isso houve um aumento do interesse pela sua prática. Com esse rápido
crescimento não foram mais somente os aristocratas que o praticavam. Inúmeros
trabalhadores passaram a jogá-lo e esse acesso, para além da aristocracia,
representou a entrada nos Jogos Olímpicos de atletas que não pertenciam à elite.

169
1912 Stockholm Olympic Games Official Report, p.38-39; 95-96. Amateur definitions.
142

Para confirmar a presença do futebol nos Jogos Olímpicos justificou-


se que o programa olímpico deveria contemplar as “competições reais”. O termo
jogo foi associado às mais diversas modalidades esportivas, porém nem todos os
esportes considerados como jogo estavam incluídos nos Jogos Olímpicos. Isso
aconteceu diante da contestação da FIFA devido à popularidade que o futebol tinha
adquirido até aquele momento. O COI, para contrapor essa popularização do futebol
e a sua possível saída do programa olímpico, entendia que esse fato poderia causar
problemas com outras modalidades, tal qual o polo-aquático, chamado no texto de
“futebol aquático” que também deveria ser excluído.
Tanto a FIFA quanto outras nações questionaram, em 1910, se o
futebol na Olimpíada seria adotado a partir das regras da FIFA. As divergências de
opiniões quanto à permanência do futebol no programa olímpico foram apresentadas
na sequência do documento170. A Associação de Futebol Sueca havia
compartilhado, a princípio, da opinião do Comitê Olímpico Sueco de que seria um
erro incluir o futebol no programa olímpico. Após esse primeiro posicionamento a
Associação de Futebol Sueca resolveu organizar a competição de futebol nos Jogos.
Para tal houve uma negociação entre o Comitê Olímpico Sueco e a Associação de
Futebol Sueca em que foram nomeados 11 membros (todos também pertencentes à
Associação de Futebol Sueca) para a constituição de uma comissão para a
competição do futebol intitulada de Comitê Olímpico de Futebol Sueco.
No documento oficial dos Jogos Olímpicos de 1912 foram
apresentados os acordos realizados com os Comitês Esportivos e o futebol
apareceu como um item descrito sobre os acertos financeiros da Associação de
Futebol Sueca quanto a assumir os riscos econômicos da organização da
modalidade. No entanto, um ano antes dos Jogos, em 1911, a Associação Sueca
mudou de posicionamento por não ter como arcar com as despesas da organização,
pois a quantia que era para ser destinada seria utilizada para a preparação da sua
seleção nacional171.
Ficou decidido entre o Comitê Olímpico Sueco e a Associação de
Futebol Sueca que as competições do futebol seriam organizadas de maneira
independente e em pleno acordo com as regras da FIFA. Por conta disso, a

170
1912 Stockholm Olympic Games Official Report, p. 479-480. Football. The inclusion of football in the
programme of fifth Olympiad.
171
1912 Stockholm Olympic Games Official Report, p. 38-39.
143

Associação de Futebol Sueca assumiu os riscos financeiros, mas como parte do


acordo receberia os valores arrecadados em caso de lucro172.
No encontro anual da FIFA realizado em 1911 houve destaque para
a recomendação da entidade. Apesar da possibilidade de cada federação poder
enviar quatro seleções aos Jogos, a FIFA entendia que cada federação deveria ter
apenas uma seleção. Esse fato foi cumprido por todas as nações participantes do
futebol173. Essa proposta foi feita para permitir que a Inglaterra, Irlanda, Escócia e
País de Gales entrassem separadamente, caso desejassem174.
Nesses Jogos foram adotadas as regras da FIFA para a competição.
Como o sistema de disputa foi estruturado para ter a competição simultânea, tanto
com as seleções vencedoras e que avançavam rumo à disputa de medalhas como
com as seleções derrotadas que participavam de um torneio de consolação, houve
dificuldade na organização dos espaços para a realização dos jogos e um dos
campos não possuía a metragem oficial mínima. Mas por meio de um acordo entre
todos os participantes ficou resolvido jogar as partidas fora das medidas oficiais175.

172
1912 Stockholm Olympic Games Official Report, p. 480. The technical management of the competition.
173
1912 Stockholm Olympic Games Official Report, p. 480-481. Special arrangements for the football
competitions.
174
Em 1912, os quatro países foram inscritos como Grã-Bretanha.
175
1912 Stockholm Olympic Games Official Report, p. 481-482.
144

3 Fase de afirmação (1913-1936)


A eclosão da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) impossibilitou a
realização dos Jogos Olímpicos de 1916. Segundo Salvador (2004), os oitos anos
que separam a realização dos Jogos de Estocolmo (1912) para os de Antuérpia
(1920) representam a perda da inocência do movimento olímpico e por meio da
visão de Coubertin os eventos seguintes aconteceram nos países da Europa,
especialmente, do norte que aliavam segurança e uma boa economia.
A relação entre o esporte e a política começa a ficar mais evidente
quando os Jogos voltam a ser disputados no período após a Guerra, com a recusa
da Bélgica, país sede de 1920, em convidar a Alemanha. Segundo Rubio (2010, p.
59), “Por causa disso Áustria, Hungria, Bulgária, Polônia e Rússia, países também
atingidos pelo conflito, recusaram-se a participar do evento, marcando o primeiro
boicote da história dos Jogos Olímpicos”.

3.1 Antuérpia (1920): a final que não terminou

Tanto nos Jogos Olímpicos de 1920 na Antuérpia (20 de abril a 12


de setembro)176 quanto em 1924 em Paris (4 de maio a 27 de julho) o futebol não
sofreu nenhuma modificação. Ao menos não aparece mencionado nos Relatórios
Oficiais da Olimpíada.
Existe uma dificuldade em obter mais informações em relação ao
período anterior aos Jogos Olímpicos de 1920 já que a última publicação do Boletim
Oficial aconteceu em 1915 devido a Primeira Guerra Mundial e o material voltou a
ser produzido somente em 1926.
O vínculo entre o esporte e a política podia ser visto por meio das
inúmeras aparições que Reis, Príncipes e Barões faziam nos eventos esportivos. Por
exemplo, na partida entre a Bélgica e a Tchecoslováquia, o príncipe Carlos, da
Bélgica esteve presente177. Segundo Dietschy (2012), a exacerbação do sentimento

176
Para saber sobre o Torneio de Futebol Olímpico de 1920 consultar o artigo: GARCIA, Juan Fauria. The 1920
football (soccer) tournament. Citius, Altius, Fortius, v. 1, n. 4, 1993. Disponível em:
<http://www.aafla.org/SportsLibrary/JOH/JOHv1n4/JOHv1n4d.pdf>. Acesso em 16/01/2012.
177
Também nos Jogos Olímpicos de 1924 uma série de personagens políticos estiveram presentes no evento:
“Aos lados de chefe de Estado frances apinhavam-se as notabilidades, entre ellas o principe de Galles, o principe
145

nacional era um dos principais fatores de manifestações de violência, simbólica ou


real, no futebol no início do século XX. O autor aponta que o clima do pós-guerra
fortalece a presença do nacionalismo no esporte.
Esse nacionalismo pôde ser visto nessa partida final entre os belgas
e os tchecoslovacos, quando houve um incidente no qual os jogadores da
Tchecoslováquia não aceitaram a marcação de uma falta e abandonaram o campo:
“Durante o primeiro tempo, o juiz, um ‘sportman’ ingles, puniu uma falta dos
tcheques, o que deu lugar a que estes, irritados, abandonassem o campo”178.
Dietschy (2012) completa que esse fato aconteceu aos 39 minutos do primeiro
tempo quando o público invadiu o campo. Muitos dos 42 mil espectadores eram
belgas e promoveram uma atmosfera explosiva produzida por meio de gritos de
guerra, instrumentos musicais e bandeiras179. Na época, o jornalista francês Achille
Duchenne afirmou que jamais o esporte esteve tão entrelaçado com a política,
produzindo um resultado infeliz180.

3.2 Paris (1924): futebol é um esporte opcional

Se as informações sobre o futebol olímpico são escassas nos


documentos oficiais, nos jornais brasileiros aparecem algumas referências que
colocam o futebol, ao menos na ótica da imprensa brasileira, como uma atração
secundária:

Henrique, da Inglaterra, o principe da Suecia e da Rumania, o xa da Persia e o ras Taffari, distinguido-se dentre
outras personalidades de menor vulto, mas não menos importantes, taes como os embaixadores das nacoes
representadas e os membros dos comités olympicos internacional e nacionaes, entre estes figurando o dr. Raul do
Rio Branco, ministro brasileiro na [ilegível] e membro da secção brasileira do C. O. I.”. Athletismo. A
olympiada de Pariz VIII – o desfile das nações. O Estado de S. Paulo, 8 de setembro de 1924, p. 5.
178
A partida de futebol entre belgas e tchequeslovenos – Antuerpia. O Estado de S. Paulo, 5 de setembro de
1920, p. 2.
179
“Alors que les joueurs slaves, mécontents de l’arbitrage, quittent la pelouse après seulement 39 minutes de
jeu, « le public envahit le terrain et s’apprêt[e] à faire un mauvais parti aux Tchèques lorsque la gendarmerie
intervi[e]nt. Les joueurs tchèques sort[e]nt sous sa protection. » Une grande partie des 42 000 spectateurs
présents, « venus des quatre coins de la Belgique » ont, il est vrai, créé plusieurs heures avant la rencontre une
ambiance explosive : « Nombreux [so]nt ceux qui port[e]nt une cocarde tricolore, d’autres, en groupe, pouss[e]nt
des "cris de guerre". Plus loin, nous en v[oyons] porteurs de "crécelles" et de "trompettes", etc”. (Football
association. La finale du tournoi. Victoire des Belges. L’Auto, 3 de setembro de 1920 apud Dietsch (2012, p. 3-
4).
180
“De divers côtés, les drapeaux belges dépass[e]nt de ça et là des têtes180. » Le journaliste français Achille
Duchenne peut résumer l’esprit du match : « Jamais, en somme, la politique ne s’est aussi intimement mêlée au
sport et avec les résultats regrettables, mais certains, que l’on voit!”. La Vie Sportive, 9 de setembro de 1920
apud Dietsch (2012, p. 4).
146

Para os nossos esportistas que ainda consideram o futebol como a


principal, quando não única actividade esportiva digna de atenção e
de interesse, ha de causar estranheza, senão escandalo, o facto do
Association apenas merecer algumas escassas linhas de referencia
no programa official, ao passo que todo o possível destaque é dado
ao athletismo [...]. O futebol está marcado para o período de 15 de
Maio-9 de Junho, isto é, propriamente não figura no programma
olympico, tendo um caracter de accessorio e secundario181.

A comparação do futebol com o atletismo aparecia como um


elemento de análise das reportagens especiais que reconstituíam as provas de
atletismo nos Jogos de Paris. Chegou-se ao ponto de afirmar que o país que não
participasse das provas de atletismo não faria parte da Olimpíada, pois “o athletismo
é a propria olympiada”182. Mesmo que um país fosse campeão olímpico do futebol
nada se comparava com o campeão em uma prova de atletismo.

Foi o que sucedeu, por exemplo, com o Uruguay. A despeito de sua


brilhantissima vitoria no campeonato mundial de futebol ter valido
uma belissima propaganda para ello e para os paizes sul-
americanos, grangeando-lhe popularidade mundial esse resultado
não teve o alcance e a significação da Victoria dos inglezes sobre os
norte-americanos na corrida de 100 metros, uma simples prova do
programma de athletismo. Nessa ordem de idéas valha tambem o
exemplo de ter tido maior importancia mundial o recorde que a
Suissa por um seu athleta conseguiu numa das eliminatorias, note-se
bem que numa das eliminatorias, dos 100 metros, do que o facto de
haver o seu quadro do Association conseguido chegar á prova final
desse esporte183.

Em 1925, por ocasião da cobertura por meio de um enviado especial


em uma excursão do Paulistano na França, o jornal voltou a mencionar o futebol
olímpico. Diferente da visão apresentada de que o futebol estivesse colocado em
segundo plano diante das outras modalidades esportivas, as informações que
aparecem ressaltam que o futebol olímpico marcou uma nova era para o futebol
francês, seja tanto nos progressos conseguidos no plano tático e técnico quanto no
interesse que os franceses passaram a ter em relação ao futebol, pois “até entao
quase exclusivamente preocupados com o rugby, intenso e continuo interesse pelo
‘Association’”184.

181
Varias. O Estado de S. Paulo, 13 de fevereiro de 1924, p. 6.
182
Athletismo. A Olympiada de Pariz, IV. O Estado de S. Paulo, 25 de agosto de 1924, p. 4.
183
Athletismo. A Olympiada de Pariz, IV. O Estado de S. Paulo, 25 de agosto de 1924, p. 4.
184
Jogos Olympicos de 1924. O Estado de S. Paulo, 24 de maio de 1925, p. 6.
147

As transformações pelas quais passavam os Jogos Olímpicos de


1924, podiam ser vistas na concepção do torneio de futebol. Disputado em quatro
estádios diferentes (Colombes, Pershing, Berger e Paris) com um público acumulado
de 201.324 pessoas e uma renda de 1.798.751 francos o futebol passava a deixar
cada vez mais claro o seu pontencial para atrair o interesse das pessoas185.
Portanto, em 24 anos, na mesma Paris, o aumento do interesse pelo futebol refletia
o quanto essa modalidade se expandiu em pouco tempo.
Vigarello (2009, p. 450) destaca que a presença do estádio
proporcionou o acesso das massas para acompanhar de perto as competições. A
construção do estádio de Colombes para os Jogos Olímpicos de 1924 representou
uma mudança do olhar e do acesso das pessoas aos eventos esportivos.

O estádio de Colombes, construído para Os Jogos Olímpicos de


1924, é na França o primeiro modelo que combina o acesso das
massas ao afinamento do olhar, “um dos maiores e mais bem
organizados do mundo” com suas tribunas desenhando um “perfil
parabólico”, seus “20.000 lugares sentados e 40.000 lugares
descobertos”: recinto construído na periferia urbana para melhor
explorar o espaço, rede de transportes para facilitar o acesso,
preocupação estética para valorizar ainda mais o local. Os guias de
Paris insistem no êxito e na novidade do projeto a ponto de
aconselharem sua visita aos leitores dos anos 1920.

Pode-se argumentar que os estádios não são utilizados somente


pelo futebol, que o atletismo e o rugby186, por exemplo, também o utilizam. Porém,
quando a competição envolve o atletismo, várias provas acontecem ao mesmo
tempo e, no caso do rugby, embora seja uma modalidade muito praticada em
diversas regiões do planeta, não conseguiu superar a popularidade do futebol, pois
este último conquistou um maior número de nações, visível pelo número de países
filiados que a FIFA possui.
Essas mudanças também poderiam ser vistas por meio dos ingleses
e americanos que reforçavam o sucesso apontado pela imprensa francesa em

185
Les Jeux de la VIII Olympiade Paris 1924, Rapport Officiel. Les Recettes et les Spectateurs du Football
(Stade de Colombes, Stade Pershing, Stade Bergeyre, Stade de Paris), p. 318. Desse valor total, por ter recebido
um maior número de partidas, a receita gerada no estádio de Colombes foi de 1.281.815 francos (p. 319).
186
O rugby fez parte do programa Olímpico dos Jogos de 1900, 1908, 1920 e 1924. Disponível em:
<http://www.olympic.org/content/results-and-
medalists/gamesandsportsummary/?sport=101350&games=1900%2f1&event=>. Acesso em 29 de agosto de
2013. O rubgy com sete jogadores fará parte dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro de 2016. Disponível em:
<http://www.rio2016.org/os-jogos/olimpicos/esportes/rugby>. Acesso em 29 de agosto de 2013.
148

relação aos Jogos Olímpicos de Paris. Os franceses entendiam que parte do


sucesso fora causado pelo fascínio que a cidade de Paris exercia no mundo. Uma
crítica que surgiu foi quanto ao tamanho do programa olímpico e por ser considerado
amplo defendia-se a redução dele.
No entanto, existiam controvérsias quanto à inclusão e exclusão de
modalidades esportivas. Alguns defendiam que os Jogos deveriam ter apenas o
atletismo, futebol (considerado como esporte-rei), o tênis e a natação; outros
queriam a saída do rugby, do polo equestre, do polo aquático e de outros esportes
não especificados que contavam com um grande número de jogadores e
necessitavam de transporte, o que gerava um aumento das despesas. Quanto à
inclusão, os pedidos eram variados e iam desde o automobilismo ao jogo de
xadrez187.

3.2.1 Começam as divergências entre a FIFA e o COI

Tudo o que havia sido discutido e levantado como possibilidade


após os Jogos de Paris de 1924 foi substituído por uma nova regra com aval da
maioria dos membros presentes no Congresso de Praga realizado em maio de
1925188.
Baillet-Latour, presidente do COI, retomou as discussões feitas ao
final dos Jogos de 1924 com o objetivo de ter uma ideia geral sobre o amadorismo.
Por ocasião desse encontro, duas questões se destacaram: a primeira delas,
levantada por Jules Rimet, então presidente da FIFA, referiu-se ao conceito de
amador que seria estabelecido no Congresso de Praga e se a decisão a ser
estabelecida deveria ser obrigatória para todas as Federações Internacionais, ou se
o status quo seria mantido possibilitando a cada federação determinar a sua própria
definição de amador. Ficou decidido que essa questão seria resolvida em Praga
juntamente com as Federações Internacionais189; o segundo questionamento foi feito

187
A olympiada de Pariz. O Estado de S. Paulo, 22 de agosto de 1924, p. 4.
188
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 1, janeiro de 1926, p. 15-19. Decisions taken by
the Technical Congress at Prague.
189
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 8, setembro de 1927, p. 10-12. Speech delivered
at the opening of the session of the E. C. Meeting in Paris in August 1927 by Count Baillet-Latour, President of
the I. O. C.
149

pelo suíço Hirschy190 ao sugerir que o Comitê Executivo do COI deveria fazer uma
pesquisa de opinião junto às Federações Internacionais e o COI para se chegar a
uma definição de amador aplicável para todas as Federações Internacionais. Com
base nessa sugestão, Seeldrayers fez a seguinte proposição191:
1. Deveria existir uma definição de amador aceita por todas as Federações
Internacionais.
2. Era desejável ter uma definição para os Jogos Olímpicos e outra para todos
os demais eventos esportivos.
3. Que o relatório fosse produzido a partir das respostas recebidas pelas
Federações Internacionais.
Durante o Congresso de Praga foi discutido, de início, os dois
primeiros pontos levantados por Seeldrayers no Congresso de Paris. Latour reforçou
que não teria poder nem direito em alterar as regras do amadorismo. No entanto, o
Congresso questionou se teria o direito em decidir a questão da qualificação dos
atletas para os Jogos e após a análise das consequências dessa decisão que
poderia surgir com as Federações, estas se recusaram a adotar esse princípio e
ficou decidido abandonar o projeto discutido no Congresso de Paris.
Os números da votação foram muito significativos e indicavam qual
espaço os membros das Federações Internacionais ocupavam nesse momento no
mundo do esporte. Foram 83 votos a favor para o Congresso decidir a respeito da
qualificação dos atletas, 10 contra e apenas quatro abstenções. Entre os que
votaram contra estavam os presidentes da Federação de boxe, de natação, do
Comitê da Holanda, da Inglaterra, dos Estados Unidos e da Noruega. As abstenções
foram dos membros da Federação de tênis e do futebol que contavam com dois
representantes de cada. Trata-se de uma informação essencial e altamente
representativa desses poderes, pois esses dois esportes seriam excluídos dos Jogos
Olímpicos de 1932.
Pela primeira vez, nos documentos do COI, foi caracterizado que os
atletas não deveriam receber compensação por perda de salário. Segundo o
documento: qualquer pagamento, direto ou indireto, para um atleta, remuneração ou
compensação por salários perdidos representaria ganho financeiro indireto e,

190
William Hirschy foi presidente do Comitê Olímpico da Suíça.
191
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 8, setembro de 1927, p. 10-11. Speech delivered
at the opening of the session of the E. C. Meeting in Paris in August 1927 by Count Baillet-Latour, President of
the I. O. C.
150

consequentemente, seria considerado como profissional e, portanto, impedido de


participar dos Jogos Olímpicos192. Foi em torno desse tema a grande discussão
entre o COI e a FIFA.
Além disso, foram levantados dois itens para discussão. O primeiro
item referia-se a restrição de treinadores, conselheiros, instrutores e técnicos que
ensinavam, direta ou indiretamente, esportes competitivos por dinheiro e, portanto,
estavam proibidos de participar dos Jogos Olímpicos como juízes ou membro do júri;
o outro ponto referia-se aos professores que, especialmente, não treinavam ou não
ensinavam exercícios e esportes competitivos, por sua vez, estavam autorizados a
participar dos Jogos Olímpicos como juízes e membros do júri193.
O segundo item, diretamente vinculado à proibição do recebimento
por parte dos atletas de compensações por perda de salário, estabelecia que em
competições esportivas distantes do país de origem do competidor, ele deveria
permanecer longe de sua casa por, no máximo, 15 dias. Existiam algumas exceções
em competições importantes, tais como os Jogos Olímpicos.
O Congresso sugeriu que as Federações Internacionais
considerassem os Jogos Olímpicos como sendo o Campeonato Mundial. Caso a
Federação já possuísse o seu Campeonato Mundial, que não fosse realizado no
mesmo ano dos Jogos Olímpicos. Embora o futebol nesse ano, ainda não tivesse a
sua Copa do Mundo, seria respeitado o pedido de não fazê-la no mesmo ano dos
Jogos. E a cautela do Congresso em salientar que as competições acontecessem
em anos diferentes revelava que a busca pela exclusividade seria algo importante
nas relações entre as Federações Internacionais (principalmente a FIFA) e o COI.
No Congresso de Praga foi retomada uma série de assuntos em
torno do amadorismo, e ficou explícito o alerta a respeito dos requisitos que o atleta
deveria possuir para participar dos Jogos Olímpicos. Informavam que o status de
atleta amador era definido conjuntamente com as Federações Internacionais e para
disputar os Jogos Olímpicos seria necessário cumprir alguns requisitos, tais como a
impossibilidade do atleta exercer atividade profissional em qualquer ramo esportivo e
a proibição em voltar a ser um amador caso tivesse se tornado profissional.

192
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 1, janeiro de 1926, p. 18. 5. Recommendations
adopted at the Prague Congress.
193
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 1, janeiro de 1926, p. 15-16. Decisions taken by
the Technical Congress at Prague.
151

Alguns meses depois, a partir do dia 1º de outubro de 1925, a FIFA


passou a considerar os jogadores amadores como sendo aqueles que não recebiam
compensação por perda de salário. Essa decisão foi aceita pelo Comitê Executivo do
COI194.
Em 1927 foram apresentadas as regras gerais a serem aplicadas
nos Jogos Olímpicos sobre algumas questões pertinentes à condição dos atletas195.
Destaco três pontos referentes aos elementos que estão em relação direta com o
futebol. O primeiro deles foi a definição de amador adotada pelas Federações
Internacionais, sendo que para o atleta fazer parte dos Jogos Olímpicos deveria
satisfazer as seguintes condições: não deveria ser ou ter intencionalmente se
tornado um profissional no esporte o qual ele competia ou em qualquer outro; não
deveria ter recebido reembolso ou compensação por perda de salário; por fim,
deveria assinar um termo em que afirmava ser um atleta amador de acordo com as
regras Olímpicas do Amadorismo; o segundo elemento referia-se a restrição de
participar por outro país caso já tivesse defendido uma nação, exceto no caso de
conquistar ou de criar um novo estado aprovado oficialmente196. Em decorrência de
naturalização, o envolvido deveria fornecer provas de que era um atleta amador em
seu país de origem até o momento da naturalização; por fim, não existia limite de
idade para as competições Olímpicas.
As questões relativas ao pagamento para o atleta durante o período
em que ele estivesse em viagem e, portanto, ausente de seu trabalho começaram a
ganhar espaço entre outras federações. Em junho de 1927, o Boletim Olímpico
informou o posicionamento da Federação Internacional de Atletismo Amador quanto
ao recebimento desproporcional por parte do atleta em relação aos meses de
viagem. A decisão da Federação de Atletismo foi de limitar o acúmulo de, no
máximo, 21 dias de viagens para competições internacionais no período de dois
anos197.

194
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 1, janeiro de 1926, p. 19. 11. Meeting of the
Executive Committee. Paris, november 1925.
195
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 5, janeiro de 1927, p. 19. General rules applicable
to the Celebration of the Olympic Games.
196
Esse princípio que restringe a participação dos atletas caso já tenham defendido alguma outra nação
praticamente não sofrerá alterações ao longo das décadas do movimento olímpico. Em virtude da atualização das
regras pequenas modificações serão realizadas muitos anos depois. Bulletin du Comité International
Olympique, n. 89, fevereiro de 1965, p. 79. Annex No. 10. Proposed draft for rules (item 29 on the agenda). b)
Amendment to rule 27.
197
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 7, junho de 1927, p. 16. Decision taken by the
International Amateur Athletic Federation in the Question Regarding Amateur Athletes Travelling for months
152

Diante dos possíveis abusos dos atletas quanto ao ressarcimento


das despesas pagas durante as competições, as Federações começaram a se
organizar para impedir que os atletas pudessem se beneficiar financeiramente. Para
essa nova condição referente aos dias de viagens acumulados, a fiscalização coube
às Federações Nacionais. Conforme se burocratizavam os procedimentos de
controle, o esporte ficava mais dependente de toda a estrutura hierárquica do
sistema esportivo. Pois, nessa estrutura, pressupõe-se que quanto mais perto da
base e distante do COI, seja mais fácil estabelecer o controle. E a partir do momento
em que cada setor está atrelado, fica fortalecido quem está no topo dessa pirâmide,
ou seja, quem controla o esporte mundial. Isso pode ser observado no discurso de
Baillet-Latour em setembro de 1927:

Antes de referir a importante questão, nós temos que considerar, e


para o qual nos encontramos hoje, eu acho que é absolutamente
necessário retomar as discussões realizadas sobre a questão do
amadorismo, com o objetivo de definir a responsabilidade de cada
um nas decisões tomadas e do mesmo modo considerar os poderes
198
do COI relativos à aplicação dessas decisões .

Entretanto, por sugestão de Paul Rousseau, membro do Comitê


Olímpico francês, foi proposto que o COI enviasse para as Federações
Internacionais um direcionamento quanto à definição de amador. Dessa forma, a
definição de amador estabelecida pelas Federações Internacionais determinou que
os atletas para participarem dos Jogos Olímpicos não poderiam ser ou ter sido
profissionais em seu ou em outro esporte, além daqueles que tivessem recebido
compensação por salários perdidos.
Houve votação para definir se o atleta que era profissional em seu
ou em qualquer outro esporte não estaria habilitado a fazer parte dos Jogos. Ficou
decidida por unanimidade essa restrição, sendo acrescentada a palavra
“conscientemente”. A votação sobre aquele que tivesse recebido reembolso por
perda de salário teve 66 votos a favor e 12 contra.

and receiving disproportional compensation for their expenses (Extraído do relatório do presidente do COI J. S.
Edström).
198
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 8, setembro de 1927, p. 10. Speech delivered at
the opening of the session of the E. C. Meeting in Paris in August 1927 by Count Baillet-Latour, President of the
I. O. C. “Before referring to the important question that we have to consider, and for which we have met today, I
think it is absolutely necessary to recall previous discussions on the question of amateurism in order to define the
responsibility of each in the decisions taken and in the same way to consider the powers of the I. O. C. relative to
the application of these decisions”.
153

Os conflitos entre o COI e algumas federações ficaram explícitos ao


final da fala do presidente Baillet-Latour199. Embora as discordâncias fossem latentes
o seu discurso de encerramento foi um apelo para que, apesar das divergências
estabelecidas, todos os esportes estivessem contemplados nos Jogos Olímpicos de
Amsterdã de 1928.
No mesmo ano, o futebol novamente retomou o debate entre a FIFA
e o Comitê Executivo do COI, sendo que esse último reconheceu aceitar a sugestão
da FIFA para que o futebol fosse uma modalidade olímpica em 1928200.
Apesar de a FIFA ter, a princípio, aceitado as definições de amador
propostas pelo COI, a entidade resolveu estabelecer alguns critérios para o
ressarcimento referente aos salários perdidos ocasionados por conta do afastamento
(broken time) do atleta de seu trabalho201. De acordo com MacDonald (1998, p. 89-
90), o pagamento pelo tempo de afastamento consistia em uma:

[...] prática de pagar os atletas para o tempo em que ficassem longe


de seu local de trabalho competindo em eventos esportivos. Desta
forma, os atletas provenientes da classe média teriam mais
condições de competir em eventos de nível superior. Aqueles que
mais se opõem a esta prática, não surpreendentemente tendem a ser
de classes superiores da sociedade e que, obviamente, não
precisam se preocupar com dinheiro que não estavam ganhando,
enquanto eles competiam202.

O debate sobre o amadorismo estava no centro das discussões,


principalmente quanto à perda de salário, sendo que para o Comitê Executivo da
FIFA seria permitido o reembolso aos empregadores, porém, aos atletas não era
admitido receber diretamente qualquer valor quanto à perda de salário, ou seja, a

199
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 8, setembro de 1927, p. 11. Speech delivered at
the opening of the session of the E. C. Meeting in Paris in August 1927 by Count Baillet-Latour, President of the
I. O. C.
200
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 8, setembro de 1927, p. 12. Minutes of the
Meeting of the Executive Committee, Paris 8th Aug. 1927.
201
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 9, dezembro de 1927 p. 1-2.
202
Tradução adaptada do seguinte trecho: “The terms 'lost time' or 'broken time' refer to the practice of paying
athletes for the time spent away from their place of employment competing in athletic events. In this way,
athletes coming from the middle class would be able to afford to compete in top level events. Those most
opposed to this practice, not surprisingly tended to come from upper reaches of society and who, incidently, did
not have to worry about money they were not earning while they competed. Note: Most of the documentation I
have perused does not state specifically who actually did the paying. In some instances, the organisers of athletic
competitions would be happy to reimburse top athletes for participating. In the case of the Olympic Games, this
technique seems unlikely. Rather, patriotic citizens, business owners, or even the government would likely be
willing to ensure that athletes would be provided enough financial support to be able to leave their jobs for the
requisite period of time”.
154

FIFA queria modificar as regras do amadorismo para permitir um limite referente ao


pagamento por afastamento (broken time).
MacDonald (1998) ainda ressalta que os documentos disponíveis
não especificavam o que realmente fazia o pagante e que somente o COI não queria
que os atletas recebessem pelo tempo que estivessem em competição.
Em uma reunião entre o Comitê Executivo do COI e da FIFA
realizada no dia 8 de agosto de 1927 havia sido decidido que o salário deveria ser
pago pelo empregador ao atleta quando estivesse ausente de seu trabalho enquanto
participante de uma competição, sendo que a FIFA permitia a compensação por
afastamento e o reembolso deveria ser requerido pelo empregador. Essa foi uma
proposta da FIFA para colocar em igualdade de condições os jogadores-
trabalhadores, cujo empregador, enquanto disposto a conceder um afastamento
para o atleta defender o país, se recusaria a pagá-lo, a menos que o empregador
fosse reembolsado203.
A relação entre o COI e a FIFA começou se estreitar quando o
debate acerca da possibilidade de participação nos Jogos Olímpicos recaiu sobre os
atletas que estavam inscritos na FIFA. Além disso, o debate se intensificou em torno
da definição de quem deveria pagar o salário do atleta que se encontrava na seleção
de seu país.
Em 29 de outubro de 1927, houve uma manifestação de protesto da
Associação Olímpica Britânica contra a decisão do Comitê Executivo (do dia 8 de
abril de 1927) em permitir a participação da FIFA nos Jogos Olímpicos de 1928 em
Amsterdã. Nos dois dias subsequentes, 30 e 31 de outubro, uma série de decisões
do Comitê Executivo do COI foram tomadas diante do protesto feito pela Associação
Olímpica Britânica contra a legalidade da decisão do dia 8 de agosto em relação à
participação da FIFA na IX Olimpíada. Como não houve consenso (algumas
Federações Internacionais e Associações Olímpicas Nacionais apoiavam a
Associação Olímpica Britânica enquanto outras o Comitê Executivo) ficou explicitado
que não importava se o Comitê Executivo agiu por abuso de poder; ou se o Comitê
Executivo era a favor do pagamento ao atleta de uma quantia limitada pela
compensação por perda de salário ou se o Comitê Executivo assumia o direito em

203
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 9, dezembro de 1927, p. 3-4. Minutes of the
Meeting of the Executive Committee Sunday, 30th October, (afternoon) and Monday, 31st October (morning and
afternoon).
155

anular uma das decisões do Congresso de Praga. O fato é que esse posicionamento
do Comitê Executivo reforçava que era o único autorizado a tomar decisões
provisórias, mas não haveria tempo hábil (estavam a nove meses dos Jogos) para
reunir todos para discutir um novo fato em um Congresso. Além disso, o Comitê
Executivo chamou a atenção da FIFA que, após o Congresso de Roma (1926),
passaria a seguir as resoluções sugeridas sobre o pagamento pela compensação
por salários perdidos.
Grande parte dos itens listados no Boletim Olímpico será
apresentada adiante no texto, pois são informações também vinculadas ao relatório
oficial dos Jogos Olímpicos de 1928. Na sequência destaco o que não foi
apresentado no relatório oficial: a FIFA decidiu que para cada nação existia um
número máximo de dias que deveriam ser pagos e esse número não poderia
exceder 20 dias ao ano; o Comitê Executivo do COI recusou-se, completamente, a
ceder às tentativas da FIFA com a intenção de persuadi-los a aceitar as regras
anteriores como estando em acordo com a decisão do Congresso de Praga a
respeito do pagamento por afastamento.
O debate continuou a aparecer nos Boletins Olímpicos204. Por 4
votos a 2 o Comitê Executivo do COI interpretou que a proposta feita pela FIFA em 8
de agosto de 1927, em Paris constituía um fato novo (fait nouveau), que não tinha
sido discutido em Praga e, em consequência, o Comitê Executivo concordou com a
inclusão do futebol na Olimpíada de Amsterdã como um caso excepcional e não se
posicionou quanto às regras do amadorismo propostas pela FIFA205.
O presidente observou que o Comitê Executivo não havia tomado
nenhuma decisão acerca das regras do amadorismo nos termos estabelecidos pela
FIFA por não se considerar apto a avaliar o caso. Por conta disso, também não
discutiram o princípio do afastamento ou do pagamento por perda de salário.
A FIFA apontou ao Comitê Executivo que essa cláusula, como a
contida na resolução do item VI, apresentada acima, nunca foi discutida no
Congresso de Praga, e foi esquecida pelo Comitê Executivo que decidiu se queria
ou não que a cláusula constituísse um novo e importante fato, e que não foi
providenciado ou previsto pelo Congresso de Praga.

204
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 11, outubro de 1928, p. 15. International
federations of lawn Tennis and football (association).
205
27th IOC Session, Amsterdam, 1928, p. 145.
156

Pela maioria de votos, o Comitê Executivo decidiu em Paris,


positivamente em relação à decisão tomada para os jogadores afiliados à FIFA pelo
direito de participar da IX Olimpíada, e deixou a decisão final para o próximo
Congresso por admitir as dificuldades relativas a essa questão. Ao tomar essa
decisão o Comitê Executivo esperava que fosse provisória e que servisse, somente,
para os Jogos de 1928.
Essa discordância sobre alguns pontos do amadorismo,
especialmente, em relação ao afastamento e pagamento por perda de salário
tornou-se ao longo dos anos braço de ferro entre a FIFA e o COI. O que estava por
trás desse embate era mostrar ao mundo quem controlava o futebol. Se o COI
aceitasse as imposições da FIFA não teria como se posicionar diante das outras
modalidades e se a FIFA aceitasse a visão do COI tornar-se-ia uma entidade
subordinada. Em outras palavras, o que estava em jogo era o poder e na primeira
grande batalha por ele, as quatro Federações Britânicas se retiraram da FIFA.
A decisão da Associação de Futebol Britânica em se retirar da FIFA
deveu-se ao fato de não concordar com as compensações pela perda de salário. Em
uma carta endereçada ao senhor Wall, secretário da Associação Britânica de
Futebol, Baillet-Latour se posicionou contra a decisão dos britânicos em deixar a
FIFA e afirmou que a aproximação entre o COI e a FIFA não foi estabelecida para
aprovar ou desaprovar os novos regulamentos. Ressaltou que o caso discutido foi
apenas um fato não previsto e que a decisão tomada era pela participação dos
jogadores de futebol na Olimpíada de Amsterdã. Afirmou ainda que a saída dos
britânicos foi causada por fatos internos e políticos e que os mesmos poderiam
participar dos Jogos Olímpicos206.

3.3 Amsterdã (1928): a FIFA e o COI não entram em acordo

Na 27ª sessão do COI, que aconteceu dos dias 25 a 27 de julho e 3


de agosto de 1928, poucos dias antes do término dos Jogos de Amsterdã, o Comitê
Executivo propôs o retorno ao programa original dos Jogos. O presidente Baillet-
Latour, afirmou que se fosse estabelecida essa a decisão, o futebol e o tênis seriam

206
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 10, abril de 1928, p. 30. The International
Olympic Committee and the British Football Association.
157

excluídos dos Jogos Olímpicos. Decidiu-se adiar a decisão. Mas na sequência foram
apresentados temas relativos a somente duas Federações Internacionais: a de
futebol e a de tênis207. O motivo para isso foi gerado pela discordância do COI em
relação às duas federações quanto ao problema do amadorismo.
A divergência de opiniões referentes ao posicionamento do COI de
não se expressar quanto ao novo fato surgido em relação à divergência da visão do
COI e da FIFA sobre o amadorismo foi revelada por meio de questionamentos para
entender o motivo pelo qual o COI optou por protelar a decisão.
O inglês Lord Rochdale208 questionou o motivo pelo qual, um
assunto de tamanha importância não fora decidido pelo COI. Para o presidente do
COI o Comitê Executivo tinha o direito para decidir sobre o caso e por se tratar de
um fato novo, já estava esclarecido que não precisaria da aprovação do COI. Por
fim, lamentou a entrada das federações e dos Comitês Olímpicos Nacionais para
discutir o problema levantado por Rochdale209.
O pano de fundo dessa discussão deixa claro que existia uma
disputa pelo poder dentro do COI. Quem deveria tomar a decisão? A quem caberia
decidir um novo fato? A disputa pelo poder não é feita somente em relação ao
controle do esporte do mundo. O poder também está colocado internamente nessas
instituições. Como elas são divididas de forma hierárquica, as disputas internas
também acontecem quando decisões dessa ordem aparecem.
Rochdale foi apoiado pelo General Sherrill210, Dr. Ruperti211 e Count
De Clary212. Ao manter a sua posição, o presidente do COI perguntou a Rochdale

207
27th IOC Session, Amsterdam, 1928, p. 145-146.
208
Nesse momento, Lord George Kemp Rochdale era o Presidente da Associação Olímpica Britânica (1927-
1931). Ele foi o 139º membro do COI (1927-1933) e no ano em que se tornou membro da entidade foi apontado
pela Comissão responsável por coordenar os Jogos da África. Era do ramo industrial. Além disso, foi brigadeiro
na Primeira Guerra Mundial (BUCHANAN e LYBERG, 2011a).
209
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 11, outubro de 1928, p. 15-16. International
federations of lawn Tennis and football (association).
210
O General americano Charles Hitchcock Sherril foi o 111º membro do COI (1922-1936). Formado em Direito
trabalhou como embaixador na Argentina e posteriormente no Japão. Em 1926, tornou-se o primeiro norte-
americano a integrar o Comitê Executivo (BUCHANAN e LYBERG, 2010b).
211
O alemão Dr. Oskar Ruperti foi o 129º membro do COI (1924-1928). Foi presidente da Federação Alemã de
Remo (1919-1926) e responsável pelo remo nos Jogos Olímpicos de 1912 e 1928. Atuava na indústria química
(BUCHANAN e LYBERG, 2011a).
212
O francês Count Justinien-Charles-Xavier De Clary (nê Bertonneau) foi o 94º membro do COI (1919-1933).
Era advogado e foi membro da Comissão Esportiva durante a Exposição Universal de 1900, além de ter sido o
responsável pelo tiro de pistola nos Jogos de Paris do mesmo ano. Foi presidente do Comitê Olímpico Nacional
(1913-1933) e atuou na comissão geral e como president do Comitê Executivo dos Jogos Olímpicos de Paris em
1924. Como Coubertin, era contra a participação das mulheres nos Jogos Olímpicos e durante uma sessão do
COI em 1924 sobre essa questão sugeriu que o status quo fosse mantido e ainda foi enfático contra a inclusão da
158

quem deveria tomar a decisão. A resposta foi de que somente o COI poderia tomá-
la. Em seguida, leu a minuta em que o Comitê Executivo formalmente possuía totais
poderes para resolver as dificuldades que poderiam surgir junto às federações
envolvidas no caso. Diante dessa decisão, Rochdale reconheceu que o Comitê
Executivo não tinha atuado por abuso de poder (ultra vires).
Taylor213 reconheceu que houve, de sua parte, um entendimento
errado a respeito da leitura da carta da Associação Britânica quanto aos
questionamentos e concordou que o Comitê agiu corretamente. Edström afirmou, de
acordo com a opinião geral, que a declaração de Rochdale era desnecessária. A
reunião terminou com a opinião de Sherrill em que ressaltou ser muito importante
resolver as diferenças sobre o amadorismo presentes entre o COI e as Federações
Internacionais.
Na sequência do documento da 27ª sessão do COI foram
apresentados alguns debates214. O primeiro atribuído a Rochdale e a proposta de
Sherrill que afirmou:

Em razão da diferença de doutrina que existe sob o ponto de vista do


amadorismo, entre o COI e as Federações de Futebol e Tênis, o COI
decide suprimir as competições de futebol e de tênis, do programa
dos Jogos Olímpicos a partir do momento em que mantiveram a sua
215
concepção de amador .

Depois de muita discussão, Sherrill aceitou a proposição de


Fearnley216 quanto a uma pequena mudança na resolução em que ficou
estabelecido, o pesar do COI em ter que realmente excluir essas modalidades por

esgrima feminina. Em 1925, foi um dos candidatos para a presidência do COI, mas teve apenas quatro votos na
primeira rodada e apenas um na segunda (BUCHANAN e LYBERG, 2010a).
213
O australiano James Taylor foi o 132º membro do COI (1924-1944). Era contador e foi diretor de várias
companhias. Em seu tempo livre dedicava-se à administração esportiva e em 1908 se tornou presidente da
Associação de Esportes Amador New South Wales. Também foi presidente da União de Natação australiana e
em 1920 tornou-se presidente da Federação Olímpica australiana. Em 1924, tornou-se membro do COI, fato que
diminuiu o poder de Coombes, que até então era o único representante australiano (BUCHANAN e LYBERG,
2011a).
214
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 11, outubro de 1928, p. 15-16. International
federations of lawn Tennis and football (association).
215
27th IOC Session, Amsterdam, 1928, p. 146. “IF-matters: “En raison de la différence de doctrihe qui existe au
point de vue l’amateurism, entre le CIO et less FI: a de Football et de Lawn-Tennis, le CIO décide de supprimer
les concours de Football et de Lawn-Tennis, du programme des Jeux Olympiques à l’avenir tant que ces deux
fédérations maintiendreront leur conception d’amateur”.
216
O norueguês Thomas Fearnley foi o 140º membro do COI. Em 1910, fundou e foi o primeiro presidente da
Associação de Tênis da Noruega e participou nesse modalidade dos Jogos de 1912, 1920 e 1924. Ingressou em
1918 como membro do Comitê Olímpico da Noruega. Entre 1950 e 1974 existiu a Fearnley Cup em sua
homenagem (BUCHANAN e LYBERG, 2011a).
159

elas não concordarem com as regras de amadorismo propostas pela entidade.


Apesar da estruturação dos argumentos, o presidente do COI entendia que essa
podia ser uma decisão muito importante para ser tomada rapidamente.
A votação do dia 26 de julho sobre as resoluções de Sherrill e
Fearnley tiveram o seguinte resultado: 16 votos a favor da FIFA e 14 contra; em
relação ao tênis 14 votos contra 12. No documento foi ressaltado que
surpreendentemente o desejo de Latour foi aceito pela maioria. Diante desse
resultado, uma proposta de estudo das resoluções sugeridas foi feita por Edström
com o objetivo de unificá-las. Um outro membro, Schimmelpenninck217 alertou que
as resoluções aceitas iam contra as regras do COI e, além do mais, eram
contraditórias. A comissão, após verificar novamente as resoluções concordou com
a opinião de Schimmelpenninck e um novo texto foi redigido da seguinte forma218:
1. A FIFA modificou as visões de amadorismo de tal forma, que elas não estão de
acordo com as regras Olímpicas;
2. A FILT proibiu todos os membros de participarem dos Jogos Olímpicos de
Amsterdã, porque o COI não admitiu a requalificação dos profissionais.
Nessa passagem fica nítida a relação de poder entre as entidades.
Embora a FIFA tenha ido contra uma visão do COI, o futebol pôde participar dos
Jogos de 1928. Porém, como a Federação Internacional de Tênis proibiu seus
atletas de competirem nos Jogos, o COI resolveu retirar a modalidade do programa
olímpico.
Já em setembro de 1927, a FIFA havia fornecido as regras para
subsidiar a compensação relativa ao afastamento. Essas informações foram
reforçadas por ocasião dos Jogos Olímpicos de 1928 e indicava que o Comitê
Executivo decidiu estar preparado a considerar os regulamentos das Associações
Nacionais sobre o assunto caso as regras apresentadas fossem observadas. As
principais regras estabelecidas foram que as Associações Nacionais deveriam
manter registrado o nome completo e residência dos jogadores autorizados a
receber a compensação parcial para o afastamento, o valor recebido e em quais

217
O holandês Baron Alphert Schimmelpenninck van der Oye foi o 134º membro do COI (1925-1943). Formado
em Direito. Em 1925 tornou-se presidente do Comitê Olímpico holandês e membro do COI. Foi presidente do
Comitê Organizador dos Jogos de 1928 (BUCHANAN e LYBERG, 2011a).
218
27th IOC Session, Amsterdam, 1928, p. 146-147. Essas informações também estão presentes no Bulletin
Officiel du Comité International Olympique, n. 11, outubro de 1928. The meeting of friday morning 3rd
August.
160

datas. Estes registros deveriam ser colocados à disposição do Comitê Executivo


caso solicitado219.
Existia uma distinção quanto à compensação máxima caso o jogador
fosse solteiro ou casado. Os jogadores solteiros que auxiliavam a família e jogadores
casados deveriam receber 90%, no máximo, de seus salários. O limite para
jogadores solteiros estava fixado em 75% de seus salários. A compensação poderia
ser dada excepcionalmente para jogar partidas internacionais, e finais de
competições de um campeonato nacional ou copa nacional (por exemplo, a final e a
semifinal das competições nacionais). Foram excluídos os jogos interclubes
internacionais e as ligas locais.
Quanto ao número máximo de dias de afastamento permitido, o
Comitê Executivo fixou para cada nação que não deveria exceder 20 dias ao ano.
Porém, quando uma Associação estrangeira enviasse um time para os Jogos
Olímpicos de 1928 estaria autorizado a também adicionar ao número de dias
permitidos o tempo de viagem para a Europa. A indenização deveria ser paga
diretamente ao empregador.
Durante os Jogos Olímpicos de 1928, as notícias sobre o futebol
olímpico veiculadas no jornal O Estado de S. Paulo referiam-se aos resultados de
algumas partidas, com destaque para a vitória da Argentina por 11 a 2 contra os
Estados Unidos e para o distúrbio ocorrido no jogo entre o Uruguai e a Holanda.
Enquanto a nota vinda de Paris ressaltava que sérias desordens aconteceram assim
que a bilheteria foi aberta ao público e que a polícia usou espadas, tendo como
resultado muitos feridos. Uma outra nota, vinda de Amsterdã, criticava o modo como
o episódio fora tratado pelos jornais de outros países e afirmava que houve apenas
um descontentamento da grande massa que não conseguiu comprar os ingressos
pelo fato de já estarem esgotados220.
A Estônia se retirou do torneio de futebol olímpico e a Espanha foi
convidada a participar. O detalhe foi que a Espanha entrou direto no segundo turno
sem ter disputado uma partida sequer221. Ao contrário do que se passa atualmente,

219
1928 Amsterdam Olympic Games Official Report, p. 344-345. Rules on the allowance of compensation for
broken time. Extract from the “Official communications” of Fédération Internacionale de Football Association,
vol. 4, no. 29, September 16th 1927.
220
Jogos Olympicos. O torneio de futebol. Distúrbios no jogo Hollanda vs. Uruguay. O Estado de S. Paulo, 30
de maio de 1928.
221
Jogos Olympicos. Campeonato de futebol. Retirada da Esthonia. O Estado de S. Paulo, 26 de maio de 1928,
p. 10.
161

em que depois do início de uma competição, não é possível trocar os atletas


inscritos nem as seleções. Nesse momento, tanto a FIFA quanto o COI estavam em
busca de estabelecer quais seriam os critérios para a participação dos atletas e dos
países nos torneios promovidos pelas entidades. Além disso, as datas de início e
término, bem como as datas de todas as partidas foram estabelecidas e divulgadas
com uma grande antecedência.
Em 1928, as partidas não podiam terminar empatadas, e em caso de
empate após a prorrogação uma nova data era definida222. No torneio de
“consolação”, depois de um empate ao final da prorrogação em 2 x 2 entre o Chile e
a Holanda e com a dificuldade em se conseguir novas datas pelo fato do torneio de
futebol estar perto do fim, o vencedor foi estabelecido por sorteio. Os holandeses
ganharam, mas fizeram questão de que os chilenos aceitassem o prêmio. Era o fair
play colocado no futebol olímpico223.

Figura 11 - Foto de Galzel disponibilizada no site Lume da UFRGS

Para decidir o campeão olímpico do futebol de 1928 foi necessária a


realização de uma partida extra, pois após a prorrogação e muito equilíbrio o jogo
terminou empatado em 1 x 1 entre uruguaios e argentinos224. Três dias depois, a
final do futebol era o assunto obrigatório nas rodas de conversa sobre a modalidade

222
Jogos Olympicos. Torneio de futebol. A partida foi adiada. O Estado de S. Paulo, 2 de junho de 1928, p. 8.
A notícia é sobre o jogo entre a Espanha e a Itália.
223
O torneio “consolação”. A Hollanda empata com o Chile. O Estado de S. Paulo, 9 de junho de 1928, p. 9; As
Olympiadas de Amsterdam. O encontro entre a Hollanda e o Chile terminou empatado por 2 a 2. Folha da
Manhã, 9 de junho de 1928, p. 4.
224
O torneio de futebol de Amsterdam. Os argentinos empataram com os uruguayos, depois de uma luta
memoravel – O desenvolvimento do jogo. O Estado de S. Paulo, 12 de junho de 1928, p. 12; As olympidas de
Amsterdam. O jogo entre uruguayos e argentinos não foi ainda decidido. Folha da Manhã, 11 de junho de 1928,
p. 3.
162

devido à qualidade das duas seleções225. Houve um posicionamento da FIFA, um


dia antes da final (dia 12), sobre a possibilidade de um novo empate:

O conselho da Federação Internacional resolveu que, no caso de um


seguido empate entre argentinos e urugayos, a partida será adiada
para domingo e com a prorrogação de meia hora, se necessária.
Terminando o tempo de prorrogação e não se verificando o
desempate o jogo continuará até o primeiro ponto. Os delegados da
Argentina e Uruguay compareceram a essa reunião, approvando a
decisão acima226.

Na última partida o Uruguai venceu os argentinos por 2 a 1 e sagrou-


se campeão olímpico. O sucesso do futebol não foi ressaltado somente pela
imprensa brasileira, a imprensa europeia também elogiou o tipo de jogo das equipes
sul-americanas227. A final entre o Uruguai e a Argentina foi considerada “a maior
contenda da historia do ‘Association’ olympico e mundial. Tamanha egualdade de
forças se exerceu no gramado do estadio de Amsterdam que surgiu a idéa de se
declarar, por fim, vencedora a turma que fosse favorecida pela sorte!”228.

3.3.1 A formação de um aparato burocrático para controlar o esporte

Em âmbito internacional, no documento oficial dos Jogos Olímpicos


de 1928 (17 de maio a 12 de agosto)229, foram apresentadas as regras do
amadorismo definidas pela FIFA. Muitos dos itens já apresentados voltaram a
aparecer.
O controle da FIFA em relação ao futebol ficava explícito ao ser
reforçado no primeiro item que era essa Federação a responsável por promover e

225
Jogos Olympicos. O torneio olympico de futebol. Desenvolvimento e resultado do desempate da grande
partida final, entre argentinos e uruguayos – Victoria dos uruguayos por 2 a 1 – O ambiente – Antes do jogo –
Enthusiasmo da assitencia – Brilhante actuação do quadro argentino. O Estado de S. Paulo, 14 de junho de
1928, p. 10.
226
Resoluções da Federação Internacional para a possibilidade de um novo empate. O Estado de S. Paulo, 14 de
junho de 1928, p. 10.
227
As Olympiadas de Amsterdam. Os urugayos campeões olympicos e do mundo em 1928. Travou-se hontem a
maior batalha de que ha noticia nos campos esportivos do velho mundo – os argentinos derrotados por 2 a 1 – A
imprensa européa e o grande torneio. Folha da Manhã, 14 de junho de 1928, p. 8; A imprensa allemã é
unaninme em elogios aos sulamericanos. Folha da Manhã, 15 de junho de 1928, p. 10.
228
As Olympiadas de Amsterdam. Os urugayos campeões olympicos e do mundo em 1928. Travou-se hontem a
maior batalha de que ha noticia nos campos esportivos do velho mundo – os argentinos derrotados por 2 a 1 – A
imprensa européa e o grande torneio. Folha da Manhã, 14 de junho de 1928, p. 8.
229
1928 Amsterdam Olympic Games Official Report, p. 342-344.
163

dirigir o esporte amador e controlar o futebol profissional, isto é, todos os jogadores


amadores ou profissionais. Esse item contemplava as seguintes informações:
 Quando um atleta estivesse inscrito por uma associação afiliada como um
profissional deveria ser reconhecido como tal pela Federação e por todas as
Associações filiadas;
 O jogador que recebesse dinheiro ou tirasse qualquer vantagem sobre o
reembolso seria declarado um profissional;
 Em viagens e despesas de hotel deveriam ser entendidas como necessárias para
participar das partidas porém não era permitido pagar compensação a amadores por
afastamento. Salvo em alguns casos bem específicos fixados por cada Associação
Nacional.
No entanto, a compensação total por afastamento nunca seria
reembolsada e não deveria ser dada de tal forma para estimular o jogador a colocar
o esporte antes de seu trabalho.
As restrições também seriam aplicadas ao jogador que recebesse,
às custas do seu clube, orientações de um técnico ou treinador, os cuidados de
massagistas ou especialistas para a sua formação ou quando estivesse em
treinamento ou machucado. Em caso de acidente ele poderia se beneficiar de
seguros. Se lesionado, mesmo quando ele não estivesse segurado ou quando o
seguro não cobrisse as despesas,- receber do seu clube uma assistência pecuniária
na condição a ser obtida previamente a autorização de sua Associação Nacional.
Os jogadores amadores deveriam entregar para cada montante
recebido para cobrir as suas despesas, um recibo com as especificações e estas
receitas deveriam sempre estar à disposição das autoridades das Associações
Nacionais e da Federação. O atleta que participasse de uma competição por
prêmios em dinheiro era considerado um profissional.
Um amador perdia a sua qualificação como tal quando uma decisão
de sua Associação o declarava profissional. Se declarasse seu desejo de se tornar
um profissional, o jogador so seria tratado como tal quando o seu pedido fosse
acordado por sua Associação Nacional.
Caso o jogador trabalhasse como um comerciante de artigos
esportivos, esse fato não fazia dele um profissional. Antes de ser permitido jogar
partidas, um atleta deveria estar de posse de uma autorização de sua Associação
164

Nacional. Esta autorização só poderia ser dada quando a Associação Nacional


estivesse convencida de que as regras de amadorismo foram observadas.
Era estritamente proibido a um amador fazer propaganda ou
autorizar publicidade por meio de seu nome, ou por suas qualidades como jogador
de futebol. Além disso era proibido a um amador permitir a uma empresa comercial
anunciar o seu produto por meio da foto do atleta.
No encontro dos presidentes dos Comitês Olímpicos Nacionais com
o Comitê Executivo do COI230, realizado em agosto de 1928, o presidente do COI,
Baillet-Latour alertou que todos deveriam estar cientes das alterações propostas
pela FIFA (limitação para o pagamento relativo ao afastamento do atleta), nas regras
do amadorismo. Das federações presentes, somente a FIFA e a Federação
Internacional de Lutas foram a favor do pagamento pelo afastamento. Afirmou que a
decisão seria tomada no Congresso de Berlim a ser realizado em 1930 e que era
prudente que os envolvidos tivessem pleno conhecimento a respeito das mudanças
solicitadas.
Em outubro de 1928, o Boletim Olímpico informava que a FIFA
pretendia organizar um Campeonato Mundial de futebol aberto para amadores e
profissionais231, mas que esse fato não iria interferir nos Jogos Olímpicos232.
Mesmo com todo esse debate em torno do futebol, os Jogos
Olímpicos de 1928 são vistos por Krüger (1999) apud Krüger (1996), como os
primeiros Jogos em que o marketing esteve presente, não somente pelos direitos de
imagem que foram vendidos de forma exclusiva, mas pelo fato dos organizadores
terem recebido verbas de grande empresas como patrocínio.
No dia 8 de abril de 1929, no encontro dos representantes das
Associações Internacionais com o Comitê Executivo do COI, ocorrido em Lausanne,
na Suíça, na abertura do encontro anual, o presidente Baillet-Latour retomou a

230
Estiveram presentes no encontro: Comitê Executivo do COI, Federação Internacional de Luta Livre Amadora
(Brull), Federação Internacional de Futebol (Hirschman), Federação Internacional de Hipismo (Comandante
Hector), Federação Internacional de Atletismo (Kjellman), Federação Internacional de Boxe Amador (Val
Barker), Federação Internacional de Esgrima (van Rossem).
231
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 11, outubro de 1928, p. 19-20. Meeting of the
Executive Committee and Delegates of the International Federations.
232
O campeonato mundial em 1930. O Estado de S. Paulo, 25 de janeiro de 1929, p. 11. “[...] o campeonato vae
ser disputado de quatro em quatro anos, a começar em 1930, isto é, dois annos depois de uma olympiada e dois
annos antes da que immediatamente a segue. Os Jogos desenvolver-se-ão entre 15 de Maio e 15 de de Junho,
num mez completo, portanto, devendo todos os encontros ser disputados, se possível, num só local. Caso haja
mais de 32 inscriptos, tornar-se-á necessário jogar partidas eliminatorias. Estas bases do campeonato mundial
deverão ser discutidas e approvadas pelo congresso internacional de futebol marcado para 18 de maio proximo,
em Madrid”.
165

discussão surgida sobre a nova definição de amadorismo estabelecida pela FIFA no


encontro de Roma em 1926. Relembrou que o princípio do afastamento já fora
rejeitado por grande parte dos presentes no Congresso de Praga, em 1925 e que
deveriam verificar se a definição proposta pela FIFA estava ou não de acordo com o
que foi estabelecido233.
Em relação aos pontos que geraram as divergências entre o COI e a
FIFA, Baillet-Latour afirmou que o item referente ao afastamento estava proibido e
que existiam questionamentos sobre o tempo livre com salário pago.
Schimmelpenninck entendia que o pagamento referia-se ao salário normal do
trabalhador e que deveria ser aceito234.
Ao resumir os principais pontos da discussão, Latour afirmou que
praticamente todos os atletas, com exceção dos britânicos, eram compensados de
alguma forma. E seria absolutamente impossível a um trabalhador participar de uma
competição internacional caso não recebesse a compensação. Edström apontou que
essa decisão poderia significar que todas as nações anglo-saxãs ficassem de fora
dos Jogos Olímpicos e perguntou se não seria mais interessante que cada
Federação Internacional produzisse a sua definição de amadorismo.
Nessa reunião o debate centralizou-se em De Clary e Edström. O
primeiro, entendia que receber pagamento durante o período de afastamento
significava ir contra os princípios do amadorismo e que era uma forma de esconder o
profissionalismo. Edström, por sua vez, discordou dos apontamentos feitos por De
Clary. No dia seguinte, De Clary apresentou uma nova resolução e afirmou que o
amadorismo era um dos princípios do Olimpismo e que a reunião do Congresso de
Berlim teria plenos poderes para alterar as modificações propostas no Congresso de
Praga235.
Embora Baillet-Latour tivesse afirmado que o impasse sobre o
futebol seria decidido numa data futura, deixou claro que era a favor da exclusão do
programa olímpico dos esportes que não contivessem valor educativo. Essa foi uma
forma encontrada pelo presidente Latour de reforçar os elementos do amadorismo.
O valor educativo era um dos princípios que Coubertin tinha em mente quando

233
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 13, julho de 1929, p. 2. 1. — Speech of the
President of the International Olympic Committee, the Count de Baillet-Latour, at the opening of the annual
Meeting, Lausanne, 8th. April 1929.
234
28th IOC Session, Lausanne, 1929, p. 152. Amateurism.
235
28th IOC Session, Lausanne, 1929, p. 152. Amateurism.
166

reeditou os Jogos Olímpicos da Era Moderna. No entanto, conforme os esportes


avançavam, ao longo dos anos, modificações aconteceram no sentido de
estabelecer competições internacionais e para isso ser possível foi preciso unificar
as regras. Quanto mais o esporte avançava rumo ao profissionalismo, mais distante
ficava dos valores educativos.
A dualidade da regra foi pontuada por Latour quando apresentou
duas situações que necessitavam ser analisadas. A primeira referia-se ao atleta que
estava inscrito junto à FIFA e recebia o pagamento durante o período de
afastamento, fato que era algo proibido pelo COI. A segunda situação caracterizava-
se quando o atleta estivesse em férias e recebesse o salário fixo, situação que era
permita pelo COI.
O próprio presidente do COI afirmou ser necessário definir o que
significava o termo afastamento (broken time) para chegarem a um consenso236. A
definição por ele apresentada dizia que o afastamento caracterizava-se quando o
atleta recebia o pagamento, sendo esse substituído pelo valor que deveria receber
pelo dia de trabalho e permitia a ele participar de algum esporte. Esse pagamento
possibilitaria ao atleta viver e o fato de trabalhar apenas uma parte do dia fazia com
que se dedicasse à prática esportiva. Essa condição fez com que ele mantivesse o
status e os direitos de amador. Com isso, em praticamente todas as nações os
pagamentos feitos aos atletas eram fundamentais para que participassem das
competições esportivas. A questão que se colocava era relativa ao que deveria ser
feito por parte da entidade: se aceitariam que os atletas recebessem algum
pagamento ou se criariam regras para controlar os pagamentos237.
Associado à primeira pergunta, Latour se propôs a definir o que era
o pagamento fixo ou salário durante o período de férias. Em sua resposta, afirmou
que as férias eram um direito do trabalhador e que caberia a ele definir o que fazer
durante esse período, sendo uma dessas opções participar ativamente de seu
esporte preferido como um amador.
A preocupação dos integrantes do COI era coibir a possibilidade do
atleta receber duas vezes, ou seja, de receber pelo período de férias e ainda receber
pelo tempo que se afastou do trabalho devido às suas atividades esportivas. Ao

236
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 13, julho de 1929, p. 2. 1. — Speech of the
President of the International Olympic Committee, the Count de Baillet-Latour, at the opening of the annual
Meeting, Lausanne, 8th. April 1929.
237
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 13, julho de 1929, p. 4. Amateurism.
167

pretender impedir essa possível prática, entendiam que iriam preservar os valores do
amadorismo dos atletas que possuíam suas atividades laborais, mas que se
dedicavam ao esporte por amor.
Um dos pontos levantados como sendo uma dificuldade foi o de
garantir que o atleta, ao manter o seu emprego ainda pudesse participar das
competições esportivas já que houve um aumento do número de jogos
internacionais e, consequentemente, o aumento do número de viagens.
O aumento do número de partidas implicou, ao longo de décadas, na
“consolidação de uma rotina com dedicação exclusiva dos atletas e, como
contrapartida, a remuneração compatível” (DAMO, 2007, p. 76), algo totalmente
contrário ao posicionamento do COI. Enfim, essa preocupação, expressa em 1929,
indicava o quanto o esporte vinha se transformando com o passar dos anos.
Na visão de Latour, as divergências de opiniões podiam, por um
lado, encorajar a constituição do profissionalismo, algo que não era valorizado pelo
COI que, por sua vez, defendia ativamente os valores do amadorismo.
Essa será uma contradição presente no avanço do esporte enquanto
espetáculo. Conforme caminhava nessa direção duas ações aconteciam
simultaneamente: o aumento dos investimentos financeiros nos eventos esportivos e
a necessidade de especialização dos atletas por meio de treinamentos intensivos
para que todo o investimento realizado pudesse ser retornado por meio das
apresentações dos atletas nas competições. Ou seja, investia-se na
espetacularização das competições e no desempenho corporal dos atletas para que
se produzisse o interesse do público e de mais empresas em associar a sua marca
com essa estrutura.
Na finalização de seu discurso, Latour apenas relatou que, após a
resolução do problema a respeito do afastamento dos atletas de suas atividades
laborais para competirem no esporte, os Jogos Olímpicos começariam a tomar uma
grande dimensão e que, por conta disso, tornava-se cada vez mais difícil conseguir
mantê-lo a partir dos ideais estabelecidos quando os Jogos foram reeditados, tal
como os valores educativos do esporte. Dessa forma, os esportes que não
possuíssem esse caráter educativo deveriam ser excluídos dos Jogos Olímpicos.
Entre as mudanças, destacou-se a dificuldade em realizá-lo durante
15 dias devido a inclusão de novos esportes a cada edição, o que não permitia
reduzir o programa olímpico. Essa impossibilidade de redução está diretamente
168

ligada com a participação das mulheres que passaram a fazer parte em maior
número do evento.
Nessa parte final, Latour não colocou os questionamentos quanto a
definição do afastamento como sendo um elemento das mudanças do esporte. Após
a resolução dessa pendência, os demais itens seriam discutidos238. Do modo como
apresenta a sua fala pode-se inferir que existia um certo “miopismo” por parte dos
dirigentes do COI em aceitar que o esporte estava em processo de transformação. O
que não percebiam, ou melhor, não queriam aceitar que o esporte caminhava para o
profissionalismo.
A reunião terminou com alguns indicativos de que o COI e as
Federações Internacionais possuíam o mesmo pensamento. Eram contrários ao
pagamento por afastamento, por não estar vinculado ao espírito do amadorismo. O
temor retratado ao final desse item do documento era de que os jovens pudessem
se interessar mais pelo esporte por aquilo que ele poderia oferecer financeiramente.
Porém, em viagem ao Japão em 1929, Edström239 ministrou uma
conferência e debateu os assuntos que estavam na pauta do COI, com destaque
para o amadorismo. Considerou ser muito complicada essa questão e para explicá-
la afirmou que ela pertencia ao antigo modelo de esporte britânico. Ressaltou que
nessa proposta o atleta deveria praticar o esporte pelo prazer e não por receber
alguma recompensa financeira. Porém, afirmou que os jogadores filiados à FIFA
poderiam receber algum pagamento pelo tempo em que ficaram afastados de suas
atividades laborais por conta de competições e que isso poderia acontecer também
nos Jogos Olímpicos240.
Reforçou ser bem aceita a efetuação do pagamento aos amadores
pelas despesas geradas durante às competições sem que viessem perder a
condição de amador, mas reforçou que essa condição poderia gerar amadores
pagos. Relembrou que no Congresso de Praga (1925) ficou decidido que somente
os amadores que não recebessem compensações por salários perdidos estariam
autorizados a participar dos Jogos Olímpicos. Porém, devido às novas ações da

238
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 13, julho de 1929, p. 2-3. 1. — Speech of the
President of the International Olympic Committee, the Count de Baillet-Latour, at the opening of the annual
Meeting, Lausanne, 8th. April 1929.
239
Nesse momento Edström é membro do COI e presidente da IAAF.
240
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 15, janeiro de 1930, p. 10-11. 8 — Conférence de
Mr. J. S. Edström à Tokyo.
169

FIFA quanto às regras para o recebimento das compensações, esse assunto seria
finalmente definido no Congresso de Berlim de 1930.
De modo explícito Edström afirmou que a classe trabalhadora
gostaria de participar dos Jogos Olímpicos e que seria preciso chegar a um
consenso quanto à compensação pelo salário perdido quando participassem das
competições olímpicas, pois a família do trabalhador dependia do salário dele.
Falar dos trabalhadores representa uma mudança de olhar do COI,
por meio de um membro, Edström, quando indicou em seu discurso, em julho de
1929, a dificuldade em manter os ideiais olímpicos estabelecidos por Coubertin. Se
antes os trabalhadores não eram aceitos e a condição amadora era a forma, sem
grandes questionamentos, de mantê-los afastados dos Jogos, o embate entre a
FIFA e o COI pela definição das regras para a compensação pelo salário perdido
colocava como possibilidade a participação dos trabalhadores. Se por um lado ainda
existiam restrições para presença deles nos Jogos, por outro lado se observava que
aos poucos começavam a ganhar espaço no cenário esportivo.
Depois dessa reunião, não houve nenhuma menção nos Boletins
Olímpicos sobre os debates que se seguiram. A temática voltou a aparecer somente
nos documentos no Congresso de Berlim realizado entre os dias 25 a 30 de maio de
1930, período anterior à primeira edição da Copa do Mundo organizada pela FIFA
que aconteceu de 13 a 30 de julho do mesmo ano241.
Nesse Congresso, em seu discurso o presidente Latour apresentou
que aquele era um grande momento para que todos pudessem contribuir com a
causa do amadorismo. Relembrou que as discussões foram iniciadas nos
Congressos de Lausanne (1921) e Praga (1925) e deveriam discutir se as definições
de amador implantadas pela FIFA estavam de acordo com as regras estabelecidas
no Congresso de Praga para os Jogos Olímpicos. Afirmou, ainda, que a grande
controvérsia surgiu no verão de 1927 devido à inclusão do futebol nos Jogos de
Amsterdã (1928) apresentado pela FIFA e pelo Comitê Executivo do COI em acordo
com o artigo 9 do estatuto do Comitê que tinha o direito de tomar as medidas que
consideravam necessárias para o bom desenvolvimento dos Jogos Olímpicos.
Dessa forma, o Comitê Executivo deveria estar em consonância com
as regras do COI e não poderia estar a favor do princípio do afastamento, pois ao

241
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 16, julho de 1930, p. 20-22. Olympic Congress of
Berlin 25th – 30th May, 1930. Third year of the IX Olympiad.
170

fazer isso ficaria em desacordo com a concepção de amadorismo do COI que


estabelecia o esporte amador para que os jovens utilizassem-no como uma forma de
desenvolver seus corpos e para os adultos servirem-se dele como um meio de
distração e manutenção da saúde.
Mais adiante apresentou como conclusão o posicionamento do
Comitê Executivo que condenava o pagamento ou compensação por afastamento,
uma vez que os prejuízos causados do ponto de vista moral seriam muito mais
graves, pois o afastamento poderia originar outras irregularidades. E por esse motivo
o COI não poderia lidar com esse problema. Com base nessa indefinição a FIFA se
beneficiou da dúvida e sua nova lei foi inspirada pelo mesmo motivo, permitindo
certos pagamentos limitados, em acordo ou não, com as decisões tomadas no
Congresso de Praga. Assim foi autorizado ao futebol permanecer no programa de
Amsterdã (1928).
Ao falar das regras da FIFA, seguia em um tom irônico e de ataque
ao pedir que fossem dados créditos para as regras dessa entidade e que elas não
deveriam ser lidas com o objetivo de encontrar algum tipo de camuflagem.
Prosseguia e afirmava que a FIFA desejaria sinceramente encontrar o remédio para
acabar com o mal, que todos sabiam existir no coração dessa federação e que
prevalecia em outros lugares.
Para Latour, uma das causas da discussão sobre a compensação
financeira para o trabalhador que se ausentasse com o objetivo de competir devia-se
ao excessivo número de partidas internacionais. Ressaltou que o esporte não
deveria pertencer à política e ao comércio, elementos totalmente contrários aos
ideais de Coubertin. Por isso, ao final da conferência Latour afirmou que deveriam
enviar um telegrama à Coubertin no sentido de reforçar o compromisso do
Congresso com os ideais olímpicos.
Quanto ao amadorismo, no Congresso de Berlim, em consonância
com a decisão estabelecida no Congresso de Praga (90 votos a favor e 20 contra),
ficou estabelecido que o atleta amador não deveria ser ou tornar-se profissional no
esporte no qual estava inserido ou em qualquer outro esporte, e também não
deveria ter recebido reembolso ou compensação por perda de salário (69 votos a
favor e 12 contra). Entre as mudanças estruturais, ficou decidido que os Jogos não
deveriam exceder 16 dias de duração (71 votos contra 13), incluindo o dia de
abertura.
171

Essa mudança estrutural foi consequência da decisão que procurava


estabelecer uma nova relação entre os atletas, o público e a competição. Se alhures,
os Jogos Olímpicos estiveram conectados com as Exposições Universais e,
consequentemente, sendo parte delas tiveram uma duração muito grande, tendo
como resultado uma perda de interesse por parte do público ou mesmo sendo uma
atração dentro de outra, condensar a duração dos Jogos seria uma forma de atrair
mais atenção, de valorizar as disputas e facilitar o acesso do público para
acompanhar o maior número de provas em um menor tempo possível com um
menor custo.
O resultado de todo esse debate terminou ao final dos Jogos
Olímpicos de Amsterdã com a exclusão do futebol e do tênis dos Jogos Olímpicos
de 1932. A visão compartilhada na ocasião era de injustiça.

Agora que tanto o tennis e o futebol acabam de ser injustamente


excluidos dos jogos olympicos, vem muito a proposito dar a opinião
do restaurador da idéa e dos factos olympicos em nossa época,
barão Pierre de Coubertin, sobre os meritos indiscutiveis do futebol,
tão revoltantemente eliminados da maxima competição
internacional242.

De acordo com MacDonald (1998, p. 90), apesar da FIFA ter se


recusado a aceitar a nova decisão do COI, terminando com a exclusão da
modalidade para os Jogos seguintes, “[...] o futebol era muito importante para ficar
permanentemente excluído dos Jogos. Em 1934 o COI e FIFA elaboraram um novo
acordo para reintroduzir o futebol nos Jogos Olímpicos de Berlim em 1936”243.
O fato é que as duas competições, os Jogos Olímpicos e a Copa do
Mundo, demoraram certo tempo até se tornarem o que são hoje, o que representam
para o mundo esportivo e fora dele. Nas primeiras edições da Copa do Mundo de
futebol muitas seleções não quiseram participar devido à distância do país sede, que
naquele momento, era um empecilho para o deslocamento das delegações. Foi a
partir do pós Segunda Guerra Mundial que a Copa do Mundo ganha espaço e se
solidifica como o grande evento das seleções de futebol. Até então quem ocupava
242
Jogos Olympicos. Uma exclusão injusta. O que diz o barão de Coubertin, restaurador dos jogos olympicos em
nossa época, sobre os meritos do futebol. O Estado de S. Paulo, 31 de julho de 1928, p. 10. Na reprodução do
discurso de Coubertin, ele apenas ressalta as qualidades de um jogo de futebol. É o jornal que emite, de fato,
uma opinião sobre a exclusão (indicada na citação).
243
Tradução adapatada do seguinte trecho: “[…] soccer was too important to exclude permantely from the
Games. By 1934 the IOC and FIFA worked out another agreement to reintroduce soccer for the 1936 Berlin
Olympic Games”.
172

esse status eram os Jogos Olímpicos. No período anterior à Segunda Guerra


Mundial era a maior competição da qual as seleções de futebol participavam.
Segundo Freitas e Vieira (2006, p. 61):

Até a realização da primeira Copa do Mundo, em 1930, o ouro nos


Jogos Olímpicos era equivalente ao título de melhor seleção do
mundo. Era o que se pensava da Inglaterra em 1908 e 1912 e do
Uruguai da década de 1920. Com os ouros conquistados em 1924,
em Paris, e 1928, em Amsterdã, a seleção uruguaia ganhou o
apelido de ‘Celeste Olímpica’ e, com ele, o favoritismo para o
primeiro mundial, que se confirmou com o título de 1930, jogando em
casa.

Portanto, durante os anos 20 uma série de embates aconteceu entre


a FIFA e COI no sentido de estabelecer regras e o controle do futebol olímpico.
Diante das dificuldades, a FIFA resolveu criar a sua própria competição e o COI
decidiu deixar a modalidade fora dos Jogos de Los Angeles.

3.4 Los Angeles (1932): a saída do futebol do programa olímpico


não está relacionada com a popularidade do esporte nos
Estados Unidos

Os Jogos Olímpicos de Los Angeles em 1932 (30 de julho a 14 de


agosto) aconteceram em meio a grande depressão pela qual os Estados Unidos
passavam desde a quebra da bolsa de Nova Iorque de 1929. Apesar dessa
situação, afirma Krüger (1999), os Jogos foram um grande sucesso financeiro
terminando com um lucro líquido de mais de $1.000.000244.
Devido à eclosão da Revolução Constitucionalista em São Paulo em
1932, nesse período do jornal tanto O Estado de S. Paulo quanto a Folha da Manhã,
priorizaram as informações sobre esse episódio gerando uma redução no tamanho
dos jornais. Diferentemente dos Jogos de 1928, o jornal O Estado de S. Paulo não

244
Uma informação sobre o sucesso financeiro dos Jogos Olímpicos de 1928 foi publicada no jornal O Estado
de S. Paulo, 27 de setembro de 1928, p. 6, sob o título O exito financeiro. “Montreal, (Canadá) 26 (U. P.) – O
consulado hollandez comunicou ter recebido um relatorio não official, o qual indica que a recente Olympiada de
Amsterdam obteve exito financeiro, ao contrario das outras Olympiadas, as quaes, em geral, têm dado prejuizo”.
173

possuía um enviado especial para cobrir o evento. Apresentou apenas algumas


notas sobre certas modalidades e os resultados de algumas provas245.
Conforme apresentado anteriormente, o futebol foi excluído desses
Jogos, porém o debate em torno das questões entre o amadorismo e
profissionalismo continuou a aparecer. A palestra proferida pelo prefeito da cidade
de Los Angeles, no dia 28 de julho, estava em consonância com as discussões
acerca do amadorismo, esse assunto integrou a palestra inaugural dos Jogos
Olímpicos de 1932. Ele afirmou que a principal dificuldade para entender o princípio
amador acontecia pelo fato do amadorismo ser uma questão de espírito ao invés de
direito. Na sequência de sua fala questionou à restrição do atleta amador de
competir com os profissionais. Perguntou se existia a necessidade em desqualificar
o amador, independentemente das circunstâncias, caso tivesse competido contra um
profissional246.
Na abertura da reunião do Comitê Executivo do COI com os
representantes das Federações Internacionais ocorrido em 1933, Latour fez uma
referência ao encontro realizado em Paris em 1930 no qual a questão do
afastamento fora discutida e a consequência dessa reunião poderia representar o
fim do amadorismo. No entanto, o presidente do COI explicitou que não estava
decretado o fim do amadorismo, ao contrário, alertado pela Federação Internacional
de Atletismo afirmou ser possível constatar o avanço do semiprofissionalismo no
esporte247.
Para justificar os valores do amadorismo, novamente recorreu à
ideia de que a condição amadora era um estado da alma e não uma lei, além disso,
foi incisivo que os atletas deveriam se manter afastados dos ganhos ilícitos. A
justificativa para explicar os ganhos ilícitos seria a tentação pela qual passavam os
atletas que poderiam afastá-los da essência do verdadeiro amador. Ao articular por

245
O esporte no exterior. As olympiadas de Los Angeles. Ver O Estado de S. Paulo dos dias 3 de agosto de
1932, p. 5; 7 de agosto, p. 5; 10 de agosto, p. 5 – nesse dia existe uma nota referente a um incidente no jogo entre
o Brasil e a Hungria no polo aquático em que a confusão teria sido causada por (excesso de) nacionalismo
esportivo, gerado segundo o jornal londrino “Evening New” de uma diferença de concepção dos regulamentos
da modalidade; 13 de agosto, p. 4; 14 de agosto, p. 5; 15 de agosto, p. 4, 16 de agosto, p. 5. Por meio de notas
publicadas nas seção “telegrammas do exterior”, a Folha da Manhã manteve uma maior periodicidade de
informações sobre os resultados das diversas provas. Consultar os jornais dos dias 3 de agosto a 13 de agosto de
1932. Sobre o incidente no jogo de polo aquático, ver Folha da Manhã, 10 de agosto de 1932, p. 4.
246
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 22, outubro de 1932, p. 12. International Olympic
Committee Session of 1932. (Year I of the Xth Olympiad). Los Angeles. Inaugural meeting of the session.
247
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 24, setembro de 1933 p. 2. Meeting of te
Executive Committee of the International Olympic Committee and of the Council of Delegates of the
International Federations. Vienna, June 5th and 6th, 1933. Minutes of the Proceedings.
174

essa linha de pensamento, o discurso de Latour tendia a caminhar para uma


naturalização dos corpos na perspectiva Rousseauniana: como se fossem bons por
natureza, mas que as tentações existentes no mundo eram capazes de corromper a
alma dos atletas.
O apontamento feito para entender os motivos das mudanças pelas
quais passava o esporte mostrava que o excesso de competições esportivas
internacionais acabava por exigir treinamentos regulares e, consequentemente,
afastava as pessoas dos estudos.
Outro ponto fundamental nesse discurso é entender que a crítica
colocada foi, ao longo dos anos, a essência da estrutura esportiva em que o
aumento das competições está diretamente relacionado com o crescimento do
investimento financeiro que o esporte irá proporcionar.
Nesse Boletim Olímpico foram listados 10 itens que tinham por
objetivo reforçar as mudanças e recomendações em relação às transformações
pelas quais o esporte passava. Entre as recomendações estavam o alerta para as
Federações Nacionais e os Comitês Olímpicos Nacionais em não assinar a
declaração de amador para algum atleta caso houvesse alguma dúvida quanto à
condição amadora dele; da importância do juramento para conscientizar o atleta
quanto aos códigos de honra e, consequentemente, da importância de não falsificar
a declaração de amadorismo; do recrutamento dos jovens atletas para competirem
nos Jogos Olímpicos a partir das aulas de Educação Física das escolas e das
Universidades248.
Além desses itens foram reforçados dois outros que já haviam sido
discutidos anteriormente nos Congressos, sobre a necessidade de redução do
número de jogos internacionais; da restrição do número de dias de afastamento para
participar das competições (máximo duas semanas, exceto se for participar dos
Jogos Olímpicos ou de Campeonatos Europeus) e que em uma competição entre
amadores e profissionais não existiria nenhuma razão para desclassificar um
amador, a não ser que fosse uma competição oficial em que era proibida essa
possibilidade.

248
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 24, setembro de 1933 p. 3. Meeting of te
Executive Committee of the International Olympic Committee and of the Council of Delegates of the
International Federations. Vienna, June 5th and 6th, 1933. Minutes of the Proceedings.
175

Os novos itens que apareceram foram sobre a possibilidade do


atleta se tornar profissional, ou seja, cada esporte deveria ter uma sessão
profissional caso o atleta quisesse se tornar um profissional; do acordo realizado
com as Federações Internacionais que obrigava a classificar os técnicos, treinadores
e instrutores como profissionais.
Para a resolução desses problemas a “carta do esporte” produzida
por Coubertin deveria ser utilizada. Nessa carta, o ex-presidente e idealizador dos
Jogos colocava a importância em realizar reformas no esporte para diminuir as
chances do amadorismo desaparecer das competições. Também houve uma
proposta da Federação Internacional de Atletismo Amador com o objetivo de
fornecer os princípios básicos do amadorismo a serem adotados por todas as
Federações Internacionais249.
Nessa proposta foi reforçado que o amador era aquele que competia
por amor ao esporte; que ao receber dinheiro no esporte o atleta seria considerado
profissional e que não era possível ser amador em um esporte e profissional em
outro; a pessoa que, conscientemente, tornou-se um profissional não poderia
retornar a condição de amador; seguiam proibidas as competições entre amadores e
profissionais, especialmente, nos esportes individuais enquanto nos esportes
coletivos existia a possibilidade dos profissionais e amadores competirem
conjuntamente desde que não houvesse prêmios em dinheiro e que fosse
especialmente organizado por uma autoridade esportiva amadora para que
pudessem ser seguidas estritamente as regras amadoras; aquele que exercesse a
função de treinador, em qualquer esporte, por dinheiro era considerado profissional,
exceto se estivesse vinculado a uma instituição de ensino e que nela exercesse
essa função, a pessoa que estivesse nessa situação deveria possuir uma
classificação quanto a sua condição de amador ou profissional por meio de uma
autoridade esportiva de seu país.
O ponto da proposta do atletismo que dialogava diretamente com o
futebol era o item em que um atleta amador não poderia ser reembolsado ou ter
compensação por salário perdido. No entanto, existia uma pequena flexibilidade
quanto ao afastamento em um feriado ou por ocasião dos Jogos Olímpicos, desde

249
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 24, setembro de 1933, p. 3. Proposals of the
International Amateur Athletic Federation.
176

que não acontecesse o reembolso. É notável um item que se refere à restrição do


atleta em fazer proveito de sua própria fama esportiva:

Um amador não pode fazer uso ou capitalizar sua fama esportiva.


Ele não pode receber qualquer compensação por usar bens ou
materiais de qualquer empresa fabricante ou agente, nem deve
permitir que seu nome seja utilizado como meio de publicidade ou
recomendar bens de qualquer empresa ou fabricante, nem deve se
envolver em benefícios financeiros em qualquer ocupação ou
negócios em que o seu valor decorre principalmente de sua fama
esportiva250.

Será exatamente essa possibilidade, de vincular a marca ao atleta


uma das grandes mudanças que vão acontecer no esporte. Conforme relata Smit
(2007), já nos Jogos Olímpicos de 1920 e de 1924 uma empresa de material
esportivo da Finlândia, a Karhu, por meio do corredor Paavo Nurmi explorou sua
marca quando o atleta usou os calçados da empresa. Alguns Jogos Olímpicos
depois, uma nova ação, agora para divulgar a marca da empresa alemã Adidas
durante os Jogos Olímpicos de Melbourne de 1956 aconteceu quando a empresa
distribuiu pares dos tênis produzidos por ela sem nenhum custo aos atletas, fato que
serviu como uma ampla publicidade para a Adidas.
Como forma de diminuir os problemas referentes ao controle das
ações do atleta amador ficou decidido centralizar junto às Federações Nacionais, as
despesas dos atletas, que deveriam ser pagas diretamente à Federação, não
fornecer reembolso em dinheiro, e sempre que possível as despesas não deveriam
ser pagas em dinheiro, mas por meio de passagens, refeições, hospedagem etc. As
despesas também não poderiam exceder os valores relativos à primeira classe
quanto aos transportes e estadia e, em caso, de gastar menos do que o previsto, a
diferença deveria ser devolvida. Por fim, foi reforçado que o afastamento para
participar de competições não poderia exceder 21 dias, exceções feitas aos Jogos
Olímpicos e competições internacionais. Entre os presentes que discutiram os itens

250
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 24, setembro de 1933, p. 4. Proposals of the
International Amateur Athletic Federation. “7) An Amateur cannot make use or capitalize his «Sports» fame. He
cannot receive any compensation for using the goods or apparatus of any firm, manufacturer or agent, nor shall
he allow his name to be used as a means of advertising or recommending the goods of any firm or manufacturer,
nor shall he engage for financial benefit in any occupation or business transaction wherein his value arises
chiefly from his «Sports» fame. country the importance of the Olympic Oath as well as the shamefulness of
giving an untrue and false declaration, because a false oath dishonours not only the person giving it, but also the
Nation under whose banner he is competing”.
177

acima estavam o então presidente Baillet-Latour, Avery Brundage, Pierre de


Coubertin e Edström.
A sessão do segundo dia começou com uma proposta radical por
parte de Paul Rousseau, que defendia a supressão da classificação dos atletas
entre amadores ou profissionais. A sua colocação causou espanto por parte dos
representantes das Federações e do presidente do COI Baillet-Latour, afinal,
durante o Congresso de Berlim, três anos antes, Rousseau havia elaborado as
regras de classificação para os Jogos Olímpicos. Baillet-Latour criticou Rousseau
pela desconsideração das inúmeras manifestações em relação ao espírito esportivo
que aconteceram em Los Angeles 1932 e que ele se apegou somente a um fato
isolado, de um incidente em um jogo do polo-aquático para defender esse ponto de
vista251.
Após inúmeras mudanças, o relatório final foi aprovado e Baillet-
Latour apresentou as modificações que tinham como objetivo impedir o crescimento
do semiprofissionalismo. Para isso, as autoridades esportivas internacionais
deveriam seguir algumas recomendações, entre as quais estava a supervisão da
Federação Nacional referente às questões sobre as negociações para a realização
de competições esportivas; os pagamentos referentes a despesas deveriam ser
feitos para as Federações e não aos atletas, sendo aconselhável, por exemplo, não
pagar as despesas de hotel aos atletas em dinheiro, mas em espécie a partir da
apresentação dos tíquetes. Ou seja, continuam a impedir o atleta amador de receber
qualquer quantia em dinheiro. A restrição do número de dias (máximo 21 dias)
continuava a ser mantida.
Como o texto final teve por objetivo impedir o crescimento do
semiprofissionalismo, foi reforçado que o COI era a maior organização esportiva
amadora do mundo e que necessitava manter intacta a moral e a força do esporte
por meio do amadorismo puro. Conforme ressaltaram, o amadorismo não era um
símbolo, era uma espécie de religião. Para conseguir preservar esses elementos, as
Federações Internacionais, os Comitês Olímpicos e as Associações esportivas
possuíam amplos poderes para impedir um atleta de participar dos Jogos Olímpicos

251
Esse incidente envolveu a seleção brasileira de polo-aquático que realizou protestos, por se sentir prejudicada
pelas decisões do árbitro. Devido aos protestos a seleção brasileira foi desclassificada da competição após perder
as duas primeiras partidas para os Estados Unidos (6-1) e Alemanha (7-3). Consultar: The Official Report of
the Games of the Xth Olympiad Los Angeles, 1932, p. 634; Bulletin Officiel du Comité International
Olympique, n. 24, setembro de 1933, p. 5. Proposals of the International Amateur Athletic Federation.
178

caso ele tivesse transgredido alguma regra do amadorismo. Essa medida tinha por
objetivo valorizar a importância do juramento olímpico.
Os pontos controversos foram em relação à possibilidade do atleta
se tornar um profissional, caso desejasse. Essa proposta foi rejeitada após uma
votação (quatro votos a favor e oito contra a proposta)252. O outro ponto discutido foi
sobre impedir confrontos entre amadores e profissionais, à exceção de competições
organizadas pela Federação Nacional com um caráter patriótico ou de caridade.
Para esse item, oito votos foram a favor e cinco contra essa medida. Realizou-se
uma nova votação que terminou com 11 votos a favor e nove contra. Edström pediu
para deixarem registrado que ele foi totalmente contra essa aprovação. Com esse
resultado, tornou-se necessária uma autorização da Federação Nacional para haver
uma competição entre amadores e profissionais.
Houve o pedido da Federação Internacional de Hóquei sobre grama,
de se decidir o mais rápido possível uma definição de amador para todos os
esportes. Esse fato seria aclamado por unanimidade caso o futebol não tivesse se
pronunciado contrário a esse pensamento. O secretário da FIFA, Ivo Schricker253,
apresentou uma perspectiva totalmente diferente da visão da maioria, isto é, que a
FIFA havia eliminado a definição de amador, concedendo o direito de cada
Associação Nacional de definir a condição dos jogadores.
A reação do presidente do COI, Baillet-Latour foi de surpresa, afinal,
o presidente da FIFA, Jules Rimet, havia sido informado sobre esse assunto. Houve
o deferimento do pedido da FIFA para que o torneio de futebol fosse organizado sem
a entidade. Também havia sido estabelecido que a Federação Nacional fora
aconselhada a convencer a FIFA a aceitar as condições estabelecidas na carta do
COI referente aos Jogos de 1928.
Dessa forma, o presidente do COI Baillet-Latour apresentou aos
demais colegas da entidade qual havia sido o posicionamento da FIFA quanto à
definição de amadorismo. Em sua fala afirmou que a FIFA retirou a definição de
amador do seu estatuto e também as regras sobre o pagamento por perda de
salário, deixando a cargo das Federações Nacionais a responsabilidade por essas

252
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 24, setembro de 1933, p. 10. Semi-
Professionalism.
253
Ele foi o primeiro funcionário regular de secretário na FIFA (GEHRINGER, 2006) e atuou nesse cargo de
1932-1951 (BECK, 1999).
179

questões. Diante desse fato, afirmou que o COI decidiu aceitar as definições
estabelecidas pelas Federações Nacionais254.
Em uma reunião realizada em maio de 1934, o Comitê Executivo do
COI juntamente com os delegados das Federações Internacionais, decidiram adotar
uma definição de amador para todos os esportes. A definição ficou a seguinte:

Um amador é aquele que pratica esporte exclusivamente por amor


ao esporte e para seu próprio prazer, sem qualquer intenção de um
espírito de ganância de obter qualquer lucro direto ou indireto. Cada
Federação Internacional deverá regular e controlar a aplicação deste
princípio fundamental255.

Essa definição teve por objetivo ser um parâmetro importante para o


termo amador e todas as Federações receberam uma correspondência com a
definição para que pudessem retornar com sugestões.
No mesmo documento foi apresentada outra fala de Baillet-Latour
em que analisou os Jogos Olímpicos e a controversa questão sobre o afastamento
dos atletas. Afirmou que o crescimento dos esportes produziu uma organização
estrutural, por meio das Federações Nacionais, que não existia em 1894 quando os
Jogos foram planejados. E a necessidade de unificar as regras fez com que se
constituíssem as Federações Internacionais que acabou por gerar, por causa de
divergências de opiniões, problemas com os membros do COI.
Sobre essas divergências afirmou que elas foram produzidas por
inveja, ambição ou para usar o esporte como um trampolim político ou uso
comercial. Embora não cite a Federação que casou os problemas, é diretamente
para a FIFA que ele faz esse discurso e indiretamente para as demais Federações
terem conhecimento de sua posição sobre os fatos.
Considerou que o afastamento, por trás de sua camuflagem
democrática escondia a injustiça dessas práticas que, por um longo tempo e sob
diferentes disfarces estava em certos esportes burgueses. Seus argumentos

254
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 26, outubro de 1934, p. 8-12. Speech of the
president of the I.O.C. Count De Baillet-Latour.
255
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 26, outubro de 1934, p. 3. Report of the
conference held by delegates of the International sports federations with the committee on amateurism
nominated in Vienna. “After a long discussion, in which the majority of the delegates took part, the Federations
voted unanimously the sole definition of an amateur as follows: «An amateur is so called who practises sport
solely for the love of it and for his own pleasure, without any intention from a spirit of greed of obtaining any
direct or indirect profit. Every International Federation shall regulate and control the application of this
fundamental principle».
180

passaram por uma visão idealizada, porém compartilhada entre seus pares, de que
o espírito olímpico fazia com que pessoas de diferentes classes sociais, tais como
príncipes e trabalhadores, pudessem, por meio do esporte, estarem lado a lado e
pediu que deixassem o COI cuidar dos profissionais. Seu descontentamento com as
divergências o fez questionar os motivos dessa situação sendo que considerava a
origem do COI e das Federações Internacionais como sendo a mesma.
Após o futebol ficar de fora do programa olímpico de 1932, dois anos
depois, na reunião realizada em 1934 ficou estabelecida uma alteração no
regulamento geral em que ficou acordado que a definição de amadorismo proposta
pela FIFA poderia ser aceita por outras Federações Internacionais256.
Por sua vez, a FIFA aceitou que somente participariam do futebol
olímpico os atletas que não receberam reembolso por tempo de afastamento, desde
que não tivessem atuado como profissionais em algum esporte257. A FIFA também
realizou um Congresso e decidiu por unanimidade o retorno do futebol aos Jogos
Olímpicos258. Apesar da importância do futebol no cenário esportivo mundial,
Coubertin considerava que o futebol deveria ser contemplado no programa olímpico,
mas de uma maneira independente, como algo à parte, porque entendia que
deveriam ser valorizadas especialmente as modalidades individuais259.

3.5 Berlim (1936): na volta aos Jogos Olímpicos o futebol é


marcado pela briga política

Os Jogos Olímpicos de 1936 (1º a 16 de agosto) são considerados


como sendo a união explícita dos esportes com a política e por esse fato visto como
um dos mais controversos e, consequentemente, uma das edições olímpicas mais
estudadas (GUTTMANN, 2002; KRÜGER e MURRAY, 2003; RUBIO, 2006; SENN,
1999, VIGARELLO, 2009). Nesse sentido, Vigarello (2009, p. 462) aponta as
relações entre o esporte e a política:

256
Veja nos anexos a carta do presidente do COI, Baillet-Latour, que faz referência ao retorno do futebol no
programa olímpico.
257
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 28, maio de 1935, p. 8. Football tournament.
258
The XIth Olympic Games Berlin, 1936 Official Report Volume II, p. 1047. Football.
259
Olympic Review, n. 30, março – abril de 1970, p. 123. To the Athletes and all taking part at Amsterdam in
the IXth Olympiad.
181

Com estes jogos, foi posto em nossas mãos um inestimável meio de


propaganda. [...] Tudo, nesses jogos, lembra uma ordem: multidões
contínuas, onipresença dos oficiais, fórmulas codificadas a todo
instante repetidas. Tudo aí é símbolo: uniformes e insígnias,
bandeiras e cruzes gamadas. Cada momento da cerimônia esportiva
é confiscado pelo signo político. Cada referência olímpica se vê
afogada na referência nazista. Eis uma conseqüência entre outras: o
hino nazista Horst Wessel Lied é tocado 480 vezes no estádio, o hino
alemão 33 vezes (grifo do autor).

Após uma série de divergências entre o COI e a FIFA, decisões


tomadas no plano político permitiram que o futebol voltasse a ser uma modalidade
olímpica. Embora o COI tenha mantido a intenção de não modificar as regras sobre
o pagamento por tempo de afastamento, a FIFA decidiu concordar que os atletas do
futebol estivessem vinculados a essa condição após o sucesso de mais uma Copa
do Mundo de futebol (MACDONALD, 1998; SENN, 1999).
Devido a essas divergências, o futebol foi uma das últimas
modalidades a confirmar a presença nos Jogos Olímpicos de Berlim. Porém,
diferentemente das primeiras edições dos torneios de futebol, nessa houve um
grande número de inscritos, com 18 seleções. Mesmo com a desistência da Bulgária
e Portugal a competição aconteceu com 16 seleções. O interesse também pode ser
comprovado ao longo da competição pelo público acumulado durante a competição
do futebol: 507.469 pessoas260.
O único incidente relatado na competição do futebol foi na partida
entre Peru261 e Áustria, pela segunda rodada do torneio. Durante a partida, um
espectador entrou em campo para chutar um atleta austríaco e os organizadores
não conseguiram impedi-lo262. Embora a partida tenha sido reiniciada os austríacos
consideraram que o fato influenciou o andamento do jogo e formalizaram um
protesto263. Para resolver o caso foi estabelecido um júri composto apenas por
membros europeus (Jules Rimet, França; G. Mauro, Itália, R. W. Seeldrayers,

260
The XIth Olympic Games Berlin, 1936 Official Report Volume II, p. 1047-1048. Football.
261
A estreia do Peru nos Jogos Olímpicos aconteceu em 1936. Olympic Review, n. 85-86, novembro –
dezembro de 1974, p. 624-625. Peru’s Olympic Initiation.
262
The XIth Olympic Games Berlin, 1936 Official Report Volume II, p. 1048. Football. Consultar também: O
Perú retira-se do certame. A Folha da Manhã, 11 de agosto de 1936, p. 12, noticia que a decisão da FIFA por
um novo jogo foi causado pelo fato dos espectadores entrarem no estádio após transcorrida metade da partida.
Fato esse que não é relatado pelo relatório oficial dos Jogos e pelo jornal O Estado de S. Paulo (ver as notas
abaixo).
263
A proposito do incidente entre o Perú e a Austria. Uma nota explicativa sobre esse incidente, verificado em
virtude da attitude assumida pela Fifa. O Estado de S. Paulo, 12 de agosto de 1936, p. 9.
182

Bélgica; Prof. R. Pelican, Tchecoslováquia e A. Johanson, Suécia) que decidiu pela


realização de uma nova partida sem a presença do público264.
O Peru havia vencido por 4 a 2 (após empate em 2 a 2 no tempo
normal), e por não concordar com a realização de uma nova partida, os peruanos
não compareceram para jogar na data estabelecida e foram desclassificados da
competição265. Segundo o Dr. Henrique Saraiva Martins, secretário geral da
delegação do Peru discordava basicamente em três pontos dos argumentos que
justificavam a necessidade de uma nova partida. No primeiro ponto apontava:

Fomos dolorosamente surprehendidos pela injusta decisão.


Accusamos a Federação Internacional de Futebol Association, que
com a sua decisão no caso nos privou do legitimo triumpho que
claramente conquistamos frente aos austriacos. Esportivamente
falando, nenhuma razão houve para tal decisão. Baseou-se elle em
primeiro logar no facto de ter um espectador, cuja nacionalidade se
ignora, entrado em campo e agredido um jogador austriaco, facto
que, embora verdadeiro, não pode ser imputado, de modo algum, á
delegação peruana. Se existe um responsavel, por tal incidente, esse
responsavel seria sem duvida a polícia, que deveria te-lo impedido.
E, afinal, nenhum effeito poderia ter sobre o jogo o acontecido, visto
como todos os jogadores austriacos nelle tomaram parte do principio
ao fim266.

Seu primeiro argumento para indeferir a decisão tomada pela FIFA


ressaltava a superioridade de sua seleção comprovada em campo pela vitória
conquistada. Também discordava da nacionalidade do torcedor que entrou em
campo e causou toda confusão. Diferentemente do que haviam sido dito, para
Henrique Saraiva Martins não se sabia a nacionalidade do invasor267 e se houvesse
algum culpado indicava a polícia que não poderia ter deixado alguém entrar em
campo.

A segunda razão que invocou a Federação foi a de que o jogo não


possue as dimensões regulamentares. Ora, todos os campos de
Berlim possuem as mesmas dimensões e, além disso, não foi esse o
primeiro encontro realisado no campo agora inquinado de não
apropriado, devido ás suas dimensões. Alli se realisaram tambem as

264
Para ver a decisão do Júri consultar: Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 32,
novembro de 1936, p. 1-2. Minutes of the Meeting of the Executive Committee.
265
The XIth Olympic Games Berlin, 1936 Official Report Volume II, p. 1048. Football.
266
O incidente havido com o Perú. Agrava-se a situação – Declarações do secretario geral da delegação peruana.
O Estado de S. Paulo, 12 de agosto de 1936, p. 8.
267
“Os austriacos, então, allegaram que haviam sido coagidos pela presença de pessoas estranhas durante o jogo.
A queixa official por parte da delegação austriaca não menciona se esses espectaores eram peruanos ou
austriacos [...]”. O incidente Perú x Austria. Folha da Manhã, 12 de agosto de 1936, p. 11.
183

competições entre o Perú e a Finlandia e Italia e Japão. A prevalecer,


portanto, essa razão, seria necessario, primeiramente, annullar
aquelles encontros268.

O segundo argumento apresentado versava sobre a incoerência de


defender a anulação da partida pelo fato do campo não possuir as medidas oficiais.
Seu posicionamento faz uma crítica direta à FIFA que se fosse para levar adiante
esse argumento teria que anular outros jogos que aconteceram no mesmo campo.
Em síntese, essa condição estrutural não pertencia ao Peru e sim à FIFA e, portanto,
questionava como somente nessa partida a entidade poderia ter percebido essa
irregularidade.

A terceira razão em que se assentou a decisão da Federação foi a da


incompetencia do arbitro. Ora, este foi regularmente designado pela
Federação Internacional e não nos aproveitou tambem em nada a
sua incopetencia porque somente nos prejudicou com a sua
parcialidade manifesta em favor dos nossos antagonistas. Todos se
lembram que aquelle juiz recusou-se a marcar dois pontos que
conquistamos regularmente e procurou annullar a maior parte dos
nossos ataques. O único móvel verdadeiro da decisão foi o politico,
móvel reprovavel sob todos os pontos de vista, pois que tal influencia
não se deveria jamais exercer no terreno esportivo. A decisão da
Federação trouxe os maiores dannos materiaes e moraes á
delegação peruana, que seria indubitavelmente – a detentora do
titulo de campean de futebol da XI Olympiada. A nossa delegação
protesta contra a decisão tomada contra Ella e se retira dos jogos
olympicos levando a mala ingrata das recordações269.

Por fim, ressaltava a incompetência do árbitro indicado pela FIFA


que havia favorecido os austríacos durante toda a partida, além de ter anulado dois
gols legítimos dos peruanos. Entre as inúmeras queixas apresentadas, é preciso
ressaltar que o quadro da arbitragem dessa partida era europeu270 e que os
argumentos da FIFA para solicitar um novo jogo foram todos contrapostos pelo
secretário geral do Peru. A acusação de que a decisão havia sido por uma questão
política revelava por onde circulava o poder das decisões dentro da FIFA e
materializadas nesse caso pela formação de um júri europeu.

268
O incidente havido com o Perú. Agrava-se a situação – Declarações do secretario geral da delegação peruana.
O Estado de S. Paulo, 12 de agosto de 1936, p. 8.
269
O incidente havido com o Perú. Agrava-se a situação – Declarações do secretario geral da delegação peruana.
O Estado de S. Paulo, 12 de agosto de 1936, p. 8.
270
O árbitro era Thoralf Kristiansen, da Noruega, auxiliado por Pal Von Hertzka, da Hungria e E. K. Pekonen,
da Finlândia. Disponível em
<http://pt.fifa.com/tournaments/archive/tournament=512/edition=197041/matches/match=32348/report.html>.
Acesso em 2 de setembro de 2012.
184

O presidente da delegação peruana, o senhor Claudio Martinez,


mostrou-se indignado com os acontecimentos e declarou que “estamos promptos
para partir, a menos que a decisão dictatorial271 da Federação Internacional de
Futebol seja reconsiderada”272 (grifo nosso). A FIFA sendo a entidade máxima do
futebol e a responsável pelas regras do torneio olímpico detinha totais poderes de
intervir na competição. Essa postura da FIFA foi reforçada pelo presidente do COI,
Baillet-Latour: “A decisão da FIFA diz respeito exclusivamente a um assumpto
technico e nem o Comité Internacional Olympico e nem o Comité de Organização
tiveram parte alguma na decisão. Nenhum desses grupos tem qualquer direito de
influir na decisão da FIFA”273.
O vice-presidente da FIFA, Seeldrayers, explicou que “o quadro da
Austria apresentára á F.I.F.A. tres reclamações, das quaes apenas uma fora levada
em consideração e relativa á intervenção de espectadores do jogo e ás vias de facto
então registradas”. Diferentemente do secretário geral do Peru, Seeldrayers afirmou
que o torcedor que invadiu e agrediu o atleta austríaco era um peruano. E completou
que nesses casos, pelo fato do incidente não ter sido originado pela delegação
peruana haveria a necessidade da realização de uma nova partida. O Uruguai saiu
em defesa do Peru e fez uma proposta, que não fora aceita, para que o vencedor da
final entre Áustria e Itália jogasse contra os peruanos para se conhecer o campeão
olímpico daquele ano274. A recusa da proposta foi feita sob alegação de que não
estava prevista essa condição no regulamento do torneio e ficou decidido que o Peru
seria convidado a realizar uma partida amistosa contra o campeão olímpico275.
Mesmo diante do posicionamento da entidade máxima do futebol, a
Confederação Sul-Americana de Futebol enviou uma mensagem para a FIFA
questionando a decisão: “Surpreendidos pela decisão que despojou o Perú de sua
victoria sobre a Austria, solicitamos uma reconsideração que evitaria os protestos

271
Sobre essa decisão da FIFA, muito tempo depois volta a ser vinculada uma informação sobre o episódio.
Campeonato Mundial de Futebol. As possibilidades da seleção peruana nas eliminatorias sul-americanas, a se
realizarem em Montevideu. O Estado de S. Paulo, 8 de dezembro de 1949, p. 12. “Não se deve esquecer,
também, que o Peru participou do Campeonato do Mundo de 1930 e da Olimpiada de Berlim, em 1936. Na
capital alemã, o quadro peruano causou sensação e não chegou ás finais em virtude de uma arbitraria e injusta
decisão da FIFA, decisão essa que causou grande indignação em toda a America do Sul”.
272
O incidente Perú x Austria. Folha da Manhã, 12 de agosto de 1936, p. 11.
273
O incidente Perú x Austria. Folha da Manhã, 12 de agosto de 1936, p. 11.
274
Ainda o caso do Perú. Ventilada a questão pelos membros do “Comite” executivo da F.I.F.A. O Estado de S.
Paulo, 14 de agosto de 1936, p. 2.
275
Continua a se desenvolver, com brilho e imponencia, o certamen olympico da capital da Allemanha. A
delegação do Perú permanecerá, provavelmente, na Europa, afim de disputar partidas amistosas. O Estado de S.
Paulo, 14 de agosto de 1936, p. 8.
185

das entidades filiadas”. Além disso, também enviaram um comunicado à Federação


Peruana em que propunham uma organização sul-americana contra a
276
desclassificação dos peruanos .
A decisão foi mantida e confirmou-se a desclassificação. A Áustria,
beneficiada com a desistência dos peruanos, sagrou-se vice-campeã olímpica após
perder na prorrogação para a Itália. Como resposta, todos os atletas peruanos, e
não somente os do futebol, se retiraram da Olimpíada277. A ação peruana de
questionar a decisão da FIFA foi revelada por meio de um comunicado entregue ao
presidente do COI, Baillet-Latour, no qual anunciou a retirada do Peru também de
futuras competições olímpicas278.
Com a autoexclusão da delegação peruana, as autoridades
olímpicas do país esperavam que houvesse em “toda a America do Sul, um grande
movimento em favor de um accordo pelo qual se processará a retirada unanime da
Federação Internacional de Futebol e nenhuma nação sul-americana disputará
jamais os Jogos Olympicos”279.
O Peru era o único representante do futebol sul-americano no
torneio olímpico, mas mesmo assim recebeu o apoio da Colômbia, que também
deixou os Jogos, e do Chile280. Os jornais peruanos mostraram-se satisfeitos com a
postura dos referidos países sul-americanos e “acrescentam que a politica esportiva
da Europa é igual á politica internacional, e só olha para as grandes potencias

276
A reacção sul-americana. Folha da Manhã, 12 de agosto de 1936, p. 11.
277
Outras noticias sobre a XI Olympiada. Ainda o incidente verificado entre as representações de futebol da
Austria e do Perú – Os sul-americanos deixaram Berlim, com destino a Colonia – Espera-se uma resolução
favoravel para o caso – O remador brasileiro Celestino Palma, do C. R. Tietê-São Paulo, classifica-se em terceiro
logar nas provas de esquife. O Estado de S. Paulo, 13 de agosto de 1936, p. 6. Os Jogos Olympicos de Berlim.
Os peruanos abandonam definitivamente o certame – A japoneza Mayahata triumpha na final dos 200 metros, de
peito – O Brasil obtem a segunda collocação numa eliminatória de auterrigues a 4 – O Japão venceu o
revezamente aquático em 800 metros – Cresce o vulto do incidente originado pelo embate Austria VS. Perú, de
futebol. Folha da Manhã, 12 de agosto de 1936, p. 11.
278
Um convite que os peruanos não aceitaram. Folha da Manhã, 12 de agosto de 1936, p. 11.
279
O Perú solidario com seus futebolistas. Folha da Manhã, 12 de agosto de 1936, p. 11. A solidariedade
também se anunciava sob a perspectiva financeira: “Segundo o que se anuncia aqui [em Lima], o presidente da
Republica, general Oscar Benevides, vem de doar 35 mil francos, aos membros da delegação peruana aos Jogos
Olympicos, afim de que os mesmos possam gozar um periodo de férias em Paris, após os sucessos de Berlim”. A
sugestão do Peru como alternativa para a não participação dos países sul-americanos é de que as referidas nações
organizem os seus Jogos Olímpicos.
280
A decisão do Chile em deixar os Jogos Olímpicos de Berlim foi adiada depois que a Federação Chilena foi
contra essa ideia. Além desses dois países, o Uruguai também estava disposto a aderir ao movimento. O
incidente havido com o Perú. Agrava-se a situação – Declarações do secretario geral da delegação peruana. O
Estado de S. Paulo, 12 de agosto de 1936, p. 8.
186

menospresando a significação e a cultura dos paízes sul-americanos”281. Os


manifestantes em Lima esperavam que toda a América do Sul apoiasse o Peru282,
mas não foi isso o que aconteceu, pois a Argentina não prestou solidariedade aos
peruanos, sendo que o “presidente do Comitê Olímpico argentino declarou que
mantinha o principio de que se deviam acatar as resoluções da autoridade em
materias de divergencias esportivas”283.
Além disso, os argentinos viam como preocupante a retirada das
várias entidades sul-americanas da FIFA como forma de apoio aos peruanos.
Temiam que a retirada da Argentina da FIFA “traria uma serie de difficuldades para o
intercambio esportivo com o Brasil e o Uruguay, alem de acarretar o fracasso do
campeonato sul-americano de futebol”284.
Esse episódio evidencia alguns elementos importantes do
movimento olímpico, bem como do futebol no âmbito mundial. Explicita a visão
eurocêntrica das entidades que regiam os Jogos Olímpicos e o torneio de futebol. A
comissão totalmente europeia formada pela FIFA mostrava ao mundo onde se
concentravam os poderes das decisões caracterizadas pelo presidente da
delegação peruana como ditatoriais. Além disso, a ação do Peru, um país Sul-
Americano, mostrava uma voz praticamente sem apoio dos demais países desse
continente quando alertava ao mundo que sua equipe de futebol havia sido
prejudicada. Vale ressaltar que a ação política de retirar todos os atletas, e não
somente a equipe de futebol, era um gesto que representava a discordância com o
modelo esportivo da época. Essa coragem de enfrentar o sistema esportivo e político
ainda mais, nos Jogos de Hitler acabava por evidenciar o quanto o continente Sul-
Americano não estava organizado do ponto de vista político para ter um espaço no
campo esportivo. Pelo contrário, havia um receio dos países Sul-Americanos de se
posicionar contra o “sistema” e, portanto, aceitavam nas decisões “ditatoriais” que
definiam os rumos do esporte no mundo ou nas palavras de Bourdieu (1983) como
estava configurado o campo esportivo.
Pelo motivo do futebol ser uma atividade popular e permitir a
manifestação da paixão, algumas análises sobre os acontecimentos no jogo entre

281
Repercussão do incidente na capital peruana. O Estado de S. Paulo, 13 de agosto de 1936, p. 6. O Perú terá o
apoio total dos sul-americanos. Folha da Manhã, 12 de agosto de 1936, p. 11.
282
Manifestações em Lima. Folha da Manhã, 12 de agosto de 1936, p. 11.
283
Resposta do “Comité” Olympico Argentino á delegação peruana. O Estado de S. Paulo, 13 de agosto de
1936, p. 6; A solidariedade pretendida pelos peruanos. Folha da Manhã, 13 de agosto de 1936, p. 12.
284
A retirada do Perú e as suas consequencias. Folha da Manhã, 16 de agosto de 1936, p. 1 da segunda seção.
187

Peru e Áustria classificavam o futebol como sendo uma modalidade que


frequentemente trazia problemas. Diante disso, especulava-se que o futebol não
deveria fazer parte de eventos internacionais.

No caminho por que é conduzido o futebol, só uma decisão se


imporia: a prohibição, dos programmas das competições
internacionaes, dos jogos do ‘soccer’. Porque se a sua
perniciosidade se faz sentir, constantemente, em simples disputas
internas, que males não provocará em certames externos, quando,
ás vezes, póde até originar extremecimentos das relações entre
paizes amigos? A sua exclusão, pois das competições
285
internacionaes, eis ahi o unico caminho que o bom senso approva .

Essa visão radical, de não existirem competições internacionais, não


se concretiza nas décadas seguintes. Pelo contrário, o torneio de futebol olímpico
continuou no programa dos Jogos, além da Copa do Mundo ter se solidificado como
uma competição de referência para o esporte. O texto de Angelo Calabrese
desconsiderava que os outros esportes poderiam canalizar conflitos de diversas
ordens, sejam esportivos e/ou políticos, quando afirma que era o futebol o “pomo da
discórdia”. Os próprios Jogos Olímpicos, anos mais tarde, se transformaram em um
grande palco de manifestação de protestos políticos.

285
Caminho que o bom senso approva. Folha da Manhã, 16 de agosto de 1936, p.1 da segunda seção. Texto de
Angelo Calabrese.
188

4 Fase de conflito (1937-1983)


Diferentemente da primeira interrupção da edição dos Jogos
Olímpicos de 1916, ocasionada pela Primeira Guerra Mundial, o período que
compreende a fase de conflito, afetou a realização de duas edições olímpicas (1940
e 1944). Segundo Rubio (2010), antes da Segunda Guerra Mundial os Jogos se
firmaram como um grande evento mundial e o pós-guerra colocou o movimento
olímpico dividido pela Guerra Fria em dois blocos: os capitalistas e os socialistas.
Esse período não ficou marcado somente pela Guerra Fria, inúmeras outras
divergências aconteceram nas décadas de 60 e 70, especialmente no ano de 1972
com o atentado ocorrido em Munique.

4.1 Anos sem Jogos (1940 e 1944): o amadorismo em pauta


novamente

Após os Jogos de Berlim de 1936, novamente as Federações


Internacionais retomaram a discussão sobre uma definição de amadorismo para
todos os esportes. Concluíram que era praticamente impossível chegar a uma
definição comum de amadorismo, mas era possível cada federação estabelecer a
sua definição286.
Se anos antes o presidente do COI, Baillet-Latour, não estava de
acordo com o posicionamento da FIFA quanto ao modo como a entidade gestava a
questão do afastamento dos atletas de seus empregos, certamente não ficou
satisfeito com o posicionamento da União Internacional de Ciclistas que solicitou a
inclusão no próximo Congresso um item sobre o pagamento pelos períodos em que
os atletas ficavam em competição287.
No entanto, o Comitê do COI entendia que as discussões referentes
a essa questão já haviam sido debatidas em Congressos anteriores, tais como o de
Praga (1925), de Berlim (1930) e de Bruxelas (1935) com as Federações

286
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 32, novembro de 1936, p. 11. Report of the
International Federations on Amateurism. Ver também: A proposito da participação dos brasileiros nos jogos
olympicos. O Estado de S. Paulo, 31 de julho de 1936, p. 9.
287
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 35, outubro de 1937, p. 7-8. Request of the
International Cyclist’s Union.
189

Internacionais e refutou qualquer possibilidade de colocar esse item na pauta de


futuros Congressos.
Nesse contexto, ficaram restringidos os pagamentos por ocasião de
feriados. Um atleta, conforme as regras já estabelecidas, não poderia ficar em
treinamento por mais de duas semanas; um campeão olímpico que tivesse recebido
prêmios do seu governo não poderia participar novamente dos Jogos Olímpicos;
atletas que se tornaram escritores sobre o esporte, seja no jornalismo, no teatro,
filmes ou rádio, ao ocuparem esses espaços devido à reputação esportiva, não
estariam de acordo com o espírito dos Jogos Olímpicos; atletas que utilizavam
algum tipo de doping deveriam ser proibidos de participar dos Jogos.
Apenas no item 7 apareceram as informações diretamente ligadas
ao reembolso por perda de salário. Foi informado que o atleta amador tinha o direito
receber o reembolso total pelas despesas relativas a hospedagem e transporte, mas
foram apresentadas algumas restrições quanto ao valor das despesas, que não
poderiam exceder uma libra por dia, não estando incluídas despesas com carro,
avião, navio a vapor e trem (segunda classe).
Desde a criação do COI, o tema do amadorismo e profissionalismo
estiveram presentes nas discussões entre os membros da entidade e segundo Carl
Diem já no primeiro Congresso junto às Federações chamava-se a atenção para
esse problema por meio da seguinte frase: “A imperfeição humana se esforça em
direção ao objetivo de transformar os atletas de Olímpia em gladiadores de circo. É
preciso escolher um entre esses dois ideais, uma que vez que eles não podem
funcionar juntos”288.
Como parte de uma época que olha para o esporte de um
determinado modo, Diem corrobora com a visão de que o amadorismo é a essência
do esporte enquanto o profissionalismo representaria a sua destruição. Também
ressalta que o COI nesse último encontro se posicionou diante de uma questão
controversa: a perda de salário. Mesmo o COI sendo caracterizado por um grupo
restrito foi criada uma exceção em relação aos atletas que possuíssem dependentes
diretos.
Cerca de um ano depois, foi publicada novamente uma defesa aos
ideais do amadorismo. Esse artigo, dizia que frequentemente o COI era acusado de,

288
Olympische Rundschau, n. 2, julho de 1938, p. 7-9. The Meeting on the Nile.
190

por meio das regras do amadorismo, isolar o esporte do mundo. No entanto,


colocava que o regulamento olímpico vigente não foi criado somente pelo COI sendo
fruto de uma série de decisões tomadas e aprovadas no Congresso Olímpico de
Berlim em 1930289.
Como forma de defender as questões do amadorismo das críticas
que vinham sendo feitas em torno das resistências às mudanças de uma estrutura
vigente, foi ressaltado que o COI aplicava os regulamentos amadores nos Jogos
Olímpicos em colaboração com os patrocinadores, nomeadamente as federações e
os Comitês Olímpicos Nacionais de diferentes nações e que somente poderiam ser
revisados em um Congresso Olímpico. Além disso, o controle sobre os regulamentos
pertenciam aos que possuíam o poder executivo e não ao COI, sendo que o papel
de controlar a aplicação dos regulamentos cabia às Federações Internacionais e
depois aos Comitês Olímpicos Nacionais, pois eram eles que faziam as inscrições e
eram obrigados a investigar todos os casos de dúvida, principalmente referentes se
o atleta era ou não amador.
As dúvidas geradas em torno das regras do amadorismo foram o
foco da crítica dos defensores dessa condição dos atletas nos Jogos Olímpicos.
Para eles, diante da dúvida sobre a condição do atleta ser amador seria um erro
simplesmente eliminar a condição amadora, pois iria atrair somente os profissionais
e com eles todo o sonho monetário que poderia ser conquistado por meio do
esporte.
Em meio a essas discussões, em 1937 chegavam notícias de que os
Jogos Olímpicos de 1940, previstos para Tóquio, poderiam ser cancelados devido ao
conflito entre o Japão e a China que poderia durar três anos ou mais290. As relações
políticas que se refletiam também nas ações esportivas continuavam a aparecer
quando o assunto eram os Jogos Olímpicos e nesse sentido surgiram rumores de
que a China e a Grã-Bretanha também poderiam boicotar os Jogos de Tóquio291.

289
Olympische Rundschau, n. 7, especial, outubro de 1939, p. 19-20. The Amateur Paragraphs. Ao que tudo
indica, o artigo foi escrito pelo próprio Carl Diem. A dúvida se dá pelo fato de que o referido tópico não possui
assinatura de que o escreveu. No entanto, o artigo anterior é escrito por Diem e o seguinte é assinado por outra
pessoa.
290
Provavel cancellamento dos Jogos Olympicos de 1940. O Estado de S. Paulo, 31 de agosto de 1937, p. 24.
291
A propósito da boicotagem da Olympiada de 1940, em Tokio. O Estado de S. Paulo, 10 de fevereiro de
1938, p. 5; A Olympiada de 1940. O Estado de S. Paulo, 15 de fevereiro de 1938, p. 10; A realisação da
Olympiada de 1940 depende da duração da actual guerra. O Estado de S. Paulo, 8 de março de 1938, p. 16; A
China não participará da Olympiada de 1940. O Estado de S. Paulo, 20 de março de 1938, p. 13.
191

As especulações em torno da desistência do Japão em organizar os


Jogos começaram a tomar força no cenário internacional até que o país divulgasse
um comunicado oficial de que desistia de sediar o evento292. Para o seu lugar a
Finlândia, os Estados Unidos e a Inglaterra mostraram-se interessados em organizar
o evento293. Ao final, a Finlândia foi a escolhida para sediar essa Olimpíada294.

4.1.1 A FIFA quer o futebol nos Jogos Olímpicos

O jornal alemão Lokal Anzeiger publicou a declaração de um


membro do COI, Karl Ritter Von Halt295, que dizia “que os Jogos olympicos de 1940,
em Helsingfors, ou em qualquer outro logar, comprehenderão somente o programma
chamado obrigatório, o que significa que o futebol ‘association’, o handebol, o
‘hockey’ e o cestebol não serão incluidos”296.
Prontamente houve um pronunciamento do presidente da FIFA,
Jules Rimet. Diferentemente das disputas que o futebol promoveu entre a FIFA e o
COI durante os anos 20, o posicionamento de Jules Rimet colocava o futebol na
pauta olímpica e fazia inúmeras críticas a certos elementos presentes nos Jogos
Olímpicos. Assim Jules Rimet declarou à United Press:

O futebol, tal como é presentemente jogado em todo o mundo, por 10


milhões de athletas, é o jogo mais universalisado e, portanto, não
deveria ser excluido do programma da proxima Olympiada,
unicamente para satisfazer ás possibilidades da Finlandia.
Comprehende-se, perfeitamente, que a Finlandia não disponha de
tempo suficiente para organisar os esportes facultativos, usualmente
incluidos nos programmas olympicos, taes como, o hockey, o
handebol, o tennis e a pelota, por exemplo, mas, nenhum esporte é
praticado no mundo, como o futebol. Não ha nenhuma decisão
relativamente aos detalhes do programma de Helsingfors; não está

292
O Japão não desistiu de organisar a proxima Olympiada. O Estado de S. Paulo, 14 de julho de 1938.
293
O Japão desistiu de organisar a Olympiada de 1940 e O Japão espera realisar a Olympiada de 1948. O Estado
de S. Paulo, 15 de julho de 1938, p. 7.
294
A Olympiada de 1940 vae ser na Finlandia. O Estado de S. Paulo, 19 de julho de 1938, p. 4.
295
O alemão Ritter von Halt foi o 149º membro do COI (1929-1964). Graduou-se em economia e realizou um
doutorado em Ciências Políticas pela Universidade de Munique (1921). Competiu no decatlon e no pentatlon nos
Jogos de 1912. Durante 14 anos (1931-1945) foi presidente da Federação Nacional de Atletismo da Alemanha.
No COI fez parte do Comitê Executivo em duas oportunidades, de 1937 a 1946 e de 1958 a 1963. Foi presidente
do Comitê organizador de 1936 e dos Jogos Olímpicos de Inverno de 1940; da Federação Mundial de Handebol
(1931-1938) e da Comissão Europeia da Federação Internacional de Atletismo Amador (1942-1945)
(BUCHANAN e LYBERG, 2011b).
296
Esportes que seriam excluidos da Olympiada de 1940. O Estado de S. Paulo, 15 de julho de 1938, p. 6. No
jornal, o nome do membro do COI aparece errado, está grafado como “Karl Ritter Von Hallas”.
192

resolvido portanto que não sejam disputados jogos olympicos de


futebol, mas, é curioso o facto de que os jogos tenham de ser
disputados no estilo primitivo, das justas olympicas. Isto exigirá a
eliminação dos saltos de vara e outros esportes de campo e, pelo
mesmo processo, da eliminação os athletas serão obrigados a correr
descalços, porque os gregos não tinham pregos de aço nas
sandalias. Se os gregos não jogaram futebol é porque o
desconheciam e porque não possuiam balões pneumaticos. É
evidente que a disputa de um campeonato mundial de futebol, tal
como aconteceu recentemente na França, distrae o interesse do
futebol olympico, porquanto, no campeonato podem tomar parte,
amadores e profissionaes, enquanto o segundo é ainda governado
por regulamentos archaicos, que prohibem a participação do
profissional. Se o “comitê” olympico internacional, por acaso, eliminar
o futebol do programma da olympiada de 1940, consagraremos todas
as nossas energias, para que o campeonato mundial que deve ser
disputado naquelle mesmo anno, se transforme na maior
demonstração esportiva jamais effectuada em todo o mundo297.

Essa fala do presidente da FIFA, Jules Rimet, revela o quanto o


campo esportivo (BOURDIEU, 1983) se modificou ao longo do tempo. Se nos anos
20, a disputa entre o COI e a FIFA, foi marcada em torno do amadorismo e
profissionalismo, anos depois, o motivo das divergências era a parte organizacional
da outra entidade, no caso o COI. A FIFA sugeria o atraso das regras do COI diante
da popularidade que o futebol ocupava. De forma irônica, defendia a permanência
somente dos esportes que compunham os Jogos Olímpicos da Antiguidade e como
consequência essa condição deveria valer também quanto ao uso de vestimentas e
materiais que os atletas utilizavam para dessa forma ter todos os elementos iguais
ao do passado. Jules Rimet apontava os caminhos que a FIFA tomaria no futuro,
pois se o futebol fosse excluído e os profissionais continuassem de fora da disputa a
melhor saída seria investir todas as forças no campeonato mundial de futebol.
Apesar da especulação inicial de que o futebol ficaria fora dos Jogos
de Helsinque em 1940, ele foi incluído na relação final das provas do evento298.
Enquanto a cidade de Helsinque corria contra o tempo para organizar os Jogos
Olímpicos de 1940, os Estados Unidos anunciaram o interesse em sediar o evento
seguinte na cidade de Detroit299. Além da cidade americana, Roma300, Londres e
Lausanne candidataram-se, sendo a cidade de Londres a escolhida. Porém, em
função da Segunda Guerra Mundial os Jogos de 1940 previstos para Helsinque

297
O futebol na Olympiada de 1940. O Estado de S. Paulo, 24 de julho de 1938, p. 14.
298
Programma dos jogos olympicos de 1940. O Estado de S. Paulo, 28 de março de 1939, p. 9.
299
Detroit quer a Olympiada de 1944. O Estado de S. Paulo, 4 de janeiro de 1939, p. 6.
300
Varias. A Olympiada de 1944 na Italia. O Estado de S. Paulo, 26 de fevereiro de 1939, p. 12.
193

foram cancelados, sob alegação da Finlândia tinha sido invadida pela Rússia301, e o
mesmo aconteceu com os Jogos de 1944.
As relações entre o esporte e a política entraram em cena
novamente quando se iniciaram as especulações sobre o local dos Jogos de 1948.
O presidente do COI, Edström, afirmou que a sede poderia ser um país neutro tal
como a Suíça, Suécia, Espanha ou Portugal e sobre a participação nos Jogos da
Grã-Bretanha e dos Estados Unidos dependeriam que o conflito fosse encerrado,
pois caso contrário, “[...] se a guerra não terminar, havera de ser disputada. Em todo
o caso, nada poderia ser decidido no que diz respeito à próxima Olimpíada até que
se realize uma reunião de todos os membros do Conselho Internacional Olimpico”302.
Com Londres definida como sede, o próximo passo foi saber quais
nações seriam convidadas303. A Alemanha e o Japão eram apontadas como
ausências certas por causa dos reflexos da Guerra e cogitava-se a participação da
Itália por ela integrar a Comunidade das Nações. No entanto, um caso chamou a
atenção quanto à participação olímpica: a União Soviética. A participação dessa
nação provocaria uma mudança no modo como o amadorismo era definido até
então:

Esse pais nunca disputou as olimpíadas e não é membro do


Conselho Olimpico Internacional. Se não entrar para esse Conselho,
não poderá competir. Informa-se que foram feitas tentativas, mais de
uma vez, para que a Russia se juntasse ao movimento olimpico. Se
decidir entrar, toda a questão do amadorismo será alterada, pois de
acordo com os padrões atuais, os russos são profissionais, uma vez
que aceitam salarios em dinheiro por suas atividades esportivas304.

O receio de que a participação dos soviéticos viesse a alterar as


normas do amadorismo nos Jogos Olímpicos passou a ser algo concreto, pois “nada
se poderia fazer contra a possivel inclusão de profissionais dos esportes noutras
representações – profissionais não declarados, é certo, mas ainda assim

301
A olympiada de 1940 não será celebrada. O Estado de S. Paulo, 4 de dezembro de 1939, p. 4. A mesma
notícia foi publicada no dia 5 de dezembro de 1939, p. 11.
302
As Olimpíadas de 1948. O Estado de S. Paulo, 11 de novembro de 1944, p. 11.
303
A Olimpíada de 1948 será efetuada em Londres. O Estado de S. Paulo, 15 de fevereiro de 1946, p. 8.
304
A Olimpíada de 1948. O Estado de S. Paulo, 16 de fevereiro de 1946, p. 9. Ver também: O Estado de S.
Paulo, 20 de fevereiro de 1946, p. 8.
194

profissionais. Essa medida poderia acarretar o malogro moral da Olimpíada,


debilitando seus rigidos alicerces”305.
Após sete anos (de junho de 1939 a setembro de 1946)306 de
inatividade provocada pela Segunda Guerra Mundial o COI voltou a se reunir. A
pauta do dia foi a escolha do presidente da entidade, já que o anterior, Baillet-Latour
falecera em 1944 e foi substituído por Edström; a entrada de novos membros e a
remuneração justificada dos atletas307.
O tema da remuneração dos atletas foi o assunto discutido antes
dos Jogos Olímpicos de Londres. O presidente do Comitê Organizador da Olimpíada
e presidente da Federação Internacional de Atletismo Amador, Marquês de
Exeter308, também se posicionou diante do tempo de afastamento. Segundo ele:

Procuraremos ser mais moderados para tratar do assunto da


interrupção do tempo de trabalho, sem abdicar de qualquer dos
nossos principios de amadores. Há muitas ocasiões de privações,
mas apenas uma vez em minha vida ouvi falar em ter um
empregador criado dificuldades para permitir que um empregado se
ausentasse do trabalho para atividades atleticas, com a garantia do
pagamento de seu salario normal. O atletismo (de pista e campo) é
um esporte de amador, exclusivamente amadorista. Os Jogos
Olimpicos são atividades que não visam lucro. Os atletas
procedentes de todas as partes do mundo concorrem de algum modo
para a sua manutenção, alojamento e transporte. Antes da guerra,
contribuiam com mais ou menos 10 “shillings” por dia, mas agora é
309
possivel que a importancia seja um pouco mais elevada .

Ao longo de vários anos não houve nenhuma transformação


significativa em relação aos dilemas entre amadorismo e profissionalismo. Eles
estavam presentes e operavam em relação às decisões do COI e da FIFA. O que

305
A Olimpíada de 1948. A participação dos russos nos Jogos Olimpicos de Londres. O Estado de S. Paulo, 24
de fevereiro de 1946, p. 10.
306
Nesse tempo, o Boletim Olímpico publicado em francês ficou interrompido durante dois anos, de 1944 a
1945. A publicação em língua inglesa cessou de 1943 a 1945. Conferir: Bulletin du Comité International
Olympique, n. 1, outubro de 1946, p. 1.
307
Reune-se hoje, em Lausanne, o “Comité” Internacional Olimpico. A ordem do dia da sessão de hoje, a
primeira que se verifica desde 1939 – Eleição do presidente e membros do CIO – Informações prestadas ao
‘Estado’ pelo dr. Ferreira Santos, membro do “Comité” Olimpico Brasileiro – Programa. O Estado de S. Paulo,
3 de setembro de 1946, p. 11.
308
O britânico Lord David George Burghley, Marquis d’Exeter foi 162º membro do COI (1933-1981). Disputou
os Jogos Olímpicos de 1924, 1928 e 1932, sendo campeão dos 400 metros com barreiras em 1928. Foi presidente
da Federação Britânica de Atletismo (1936-1976) e da Federação Internacional de Atletismo Amador (1946-
1976) (BUCHANAN e LYBERG, 2011b).
309
A Olimpíada de Londres. Os pontos de vista de Lord Burghley, presidente do “Comité” Organizador dos
Jogos Olimpicos de 1948. O Estado de S. Paulo, 22 de março de 1947, p. 10. No jornal o tempo de afastamento
é apresentado como “tempo interrompido”.
195

estava por trás de todo esse debate era a busca pelo controle das ações referentes
aos atletas, fato que concederia à entidade que estabelecesse as regras uma
condição de poder no cenário esportivo internacional.

4.2 Londres (1948): após 40 anos, o futebol volta à Grã-Bretanha

Após uma longa parada por conta da Segunda Guerra Mundial, os


Jogos Olímpicos voltaram a ser disputados novamente na Europa. Em 1948, a sede
foi novamente Londres (29 de julho a 14 de agosto).
A pouco menos de um ano dos Jogos Olímpicos de Londres de
1948, havia uma expectativa quanto à participação da seleção argentina no torneio
de futebol. Considerada como uma grande potência do futebol sul-americano, devido
aos resultados convincentes conquistados nessa época, havia se solidificado a ideia
de “[...] ser difícil ganhar dos argentinos no futebol, apesar de, naturalmente, não
concorrerem a este torneio os mais famosos jogadores, detentores da hegemonia na
America do Sul e possivelmente no mundo”310.
No entanto, a participação dos argentinos com seus melhores
jogadores ficava cada vez mais distante, diante das restrições impostas aos
profissionais de participarem dos Jogos Olímpicos. O então vice-presidente da
Associação de Futebol da Argentina, Daniel Piscicelli, assim declarou:

Neste país o futebol profissional tomou tal amplitude e nos seria dificil
para não dizer impossivel, formar um conjunto que, ajustando-se
estrictamente aos regulamentos olimpicos em matéria de esportistas
amadores pudesse competir em Londres com possibilidades medias
de desempenhar um papel brilhante. Não creio, todavia, que se
possa chegar a alguma decisão. Teríamos que formar um quadro de
rapazes menores de dezesseis anos ou jogadores medíocres do
interior. Todos os bons jogadores do país da capital ou do interior
são profissionais. Tambem o são até os jogadores apenas discretos
da terceira divisão. Os que não têm contratos profissionais, com
soldos regulares, recebem propinas, premios ou compensações que
os inibem completamente de participar de uma Olimpíada. Restam
somente os menores ou os mais obscuros jogadores adultos do
interior do país e estes, de nenhuma maneira poderiam competir com
os jogadores da Inglaterra, Suecia, França e outros países europeus,
onde existe um amadorismo desenvolvido e onde,
consequentemente, é possivel a formação de poderosas seleções

310
A Argentina na Olimpíada de Londres. O Estado de S. Paulo, 1º de agosto de 1947, p. 10.
196

olimpicas. Agora uma representação dessa classe não faria mais do


que dar ao publico europeu uma ideia erronea do verdadeiro valor do
futebol argentino. Seria dificil fazer-lhes compreender uma distancia
tão consideravel como se encontram, que esse não seria realmente o
nosso verdadeiro futebol. E isso nos poderia ser muito prejudicial311.

A preocupação do vice-presidente da Associação de Futebol da


Argentina era das impressões que poderiam ficar diante de uma participação pífia da
seleção considerada uma potência mundial. Assim, o tão esperado confronto entre
os argentinos e os representantes europeus ficou mais perto de acontecer no
Mundial de futebol a ser realizado no Brasil em 1950 do que nos Jogos Olímpicos.
As fortes críticas disparadas contra a condição amadora exigida na
Olimpíada demonstrava que o futebol organizou-se de forma profissional mais
rapidamente que os demais esportes. Certamente, as brigas travadas entre o COI e
a FIFA desde a década de 20, em busca pelo controle do futebol, fizeram com que
houvesse a valorização do profissionalismo, ainda mais quando a FIFA anunciou a
criação de sua Copa do Mundo que permitia a participação de amadores e
profissionais. Mesmo com a decisão, a relação entre os Jogos Olímpicos e a Copa
do Mundo se fez presente quanto à escolha da sede do Mundial: “[...] a FIFA
resolvera no fim da decada de 20, fazer um campeonato de futebol independente da
Olimpíada, acabando por designar como país-sede aquele que havia conquistado
medalha de ouro em Paris e Amsterdã: o Uruguai”312.
Com essa decisão, a única competição que possuía restrições era o
torneio olímpico e sendo assim, os argentinos não queriam estar somente
representados, queriam medir a força do seu futebol com os europeus. Apesar
dessas críticas, a seleção argentina foi confirmada no torneio olímpico313.
Antes do início dos Jogos de Londres, Stanley Rous, então
secretário da Associação Britânica de Futebol, afirmou não saber quais seriam as
chances da seleção da Grã-Bretanha nos Jogos Olímpicos devido ao pós-guerra,
mas ressaltou que possuíam uma vasta experiência olímpica, apesar de ao longo
das décadas perceber-se o declínio do futebol britânico diante das novas potências
futebolísticas. Para ele, a estrutura do futebol era muito diferente daquela

311
O futebol argentino na Olimpíada de Londres. O Estado de S. Paulo, 28 de novembro de 1947, p. 11.
312
Na história, 2 Copas. O Estado de S. Paulo, 15 de maio de 1970, p. 20.
313
Futebol. A Argentina na proxima Olimpiada. O Estado de S. Paulo, 20 de janeiro de 1948, p. 10.
197

encontrada em 1908, quando o futebol foi inserido no programa oficial dos Jogos e a
organização do torneio olímpico coube à Associação Britânica de Futebol.
Naquele contexto, em relação às decisões tomadas não cabiam
questionamentos ou recursos. Passados 40 anos, o futebol estava estruturado por
meio de organizações nacionais e internacionais em que existia espaço para discutir
as divergências que poderiam surgir quando os países competissem314.
A nova definição de amadorismo adotada pelo COI em junho de
1947 entraria em vigor no torneio de futebol de Londres. A FIFA, por sua vez,
considerava prudente reforçar as mudanças junto às Federações Nacionais para que
não ocorressem problemas. Nessa nova definição, o secretário geral do Comitê
Executivo Schricker, reforçava que o amador era aquele que sempre se envolveu
com o esporte em busca do prazer e de benefícios físicos e morais sem que
existisse algum ganho material. Porém, alertava que a definição era liberal quando
fosse permitido o reembolso de salário perdido e das despesas do atleta315. Desse
modo, estavam excluídos os atletas que receberam algum prêmio conquistado em
partidas ou tivessem sido remunerados por praticar ou ensinar futebol. Diante das
restrições, foi salientado que o atleta deveria ser honesto e não tentar se aproveitar
dessas situações.
O regulamento do futebol legitimado pela FIFA previa a participação
de 16 seleções, mas 23 países quiseram participar da competição. Por conta desse
fato, a FIFA e o COI entraram em um acordo para aceitar a participação de um
número maior de seleções, o que implicaria a necessidade em realizar partidas fora
de Londres316.
No entanto, a desistência de cinco países (Birmânia, Paquistão,
Polônia, Palestina e Hungria)317 em participar do torneio de futebol olímpico quase
provocou o cancelamento da competição dessa modalidade. A Associação Britânica
de Futebol enviou telegramas aos membros da FIFA para saber quais providências

314
Bulletin du Comité International Olympique, n. 10, maio de 1948, p. 10. Great Britain and the Olympic
Games. Embora tenha sido publicado no Boletim, esse texto de Stanley Rous foi escrito em abril de 1948.
315
Bulletin du Comité International Olympique, n. 10, maio de 1948, p. 22. To the affiliated Associations.
316
The official report of the organising commitee for the XIV Olympiad, London 1948, p. 39.
317
Varias noticias sobre a Olimpiada de Londres. O torneio de futebol. O Estado de S. Paulo, 18 de julho de
1948, p. 15: Duas notas referentes ao dia 28 de julho comunicam que tanto a Palestina quanto a Bulgária se
retiraram dos Jogos Olímpicos: Retirou-se a Palestina. Tambem a Bulgaria. Folha da Manhã, 29 de julho de
1948, p. 7.
198

deveriam ser tomadas318. Apesar desses fatos, o futebol foi confirmado nos Jogos e
foram feitos apenas alguns ajustes na tabela das seleções participantes319. O futebol
transcorreu sem nenhum incidente de ordem política.

4.3 Helsinque (1952): o futebol está ameaçado de sair do


programa olímpico?

No plano político, o convite do COI para a participação da China


Nacionalista e da Comunista gerou uma série de protestos da parte Nacionalista
que, por sua vez, decidiu se retirar dos Jogos Olímpicos320. Por outro lado, o COI
não aceitou a participação da Alemanha Oriental321.
Uma carta publicada na revista americana Times é ilustrativa do
quanto o embate do profissionalismo e do amadorismo estavam presentes antes do
início dos Jogos Olímpicos de Helsinque (19 de julho a 3 de agosto). A carta enviada
pelo marechal de campo Visconde de Montgomery era a favor da livre participação
das nações e dos atletas na competição olímpica:

Num Estado comunista, todo adulto é empregado do Estado: um


atleta é tão profissional como um mestre-escola, um medico ou um
comissário de policia. O verdadeiro amadorismo depende de uma
imprensa livre, na qual os escandalos possam ser ventilados, e do
direito de protesto contra as infrações aos regulamentos. Nenhuma
dessas condições prevalece na Russia. É um fato que eles deixaram
de ser amadoristas. Não podemos competir com dois tipos de
amadorismo, o oriental e o ocidental. Do meu ponto de vista, o
“Comité” Olimpico Internacional agiu bem em admitir a Russia na
Olimpiada: não devemos negligenciar nenhuma iniciativa capaz de
aproximar o Oriente do Ocidente. Agora, porém, o C.O.I. deveria tirar
a conclusão logica e tornar os Jogos Olimpicos “Abertos”, isto é,
acessiveis tanto a amadores como profissionais. [Caso contrário,
serão encontrados meios] de introduzir o profissionalismo camuflado
em provas esportivas que atraem enorme publicidade e que, em
consequencia, são consideradas verdadeiros barometros do prestigio
nacional. Jogos Olimpicos Abertos para que todos possam competir

318
Noticias sobre a Olimpiada de Londres. O torneio de futebol. O Estado de S. Paulo, 20 de julho de 1948, p.
11.
319
Varias noticias sobre a Olimpiada de Londres. O torneio de futebol. O Estado de S. Paulo, 21 de julho de
1948, p. 8.
320
Os Jogos Olimpicos de Helsinqui. O “Comitê” Internacional Olimpico admitiu, aos jogos de Helsinqui, a
China Nacionalista e a Comunista – Essa decisão provocou protestos dos nacionalistas, que se retiraram do
certame. O Estado de S. Paulo, 18 de julho de 1952, p. 11.
321
Ausente a Alemanha Oriental. Folha da Manhã, 17 de julho de 1952, p. 7; Rejeitada a admissão da
Alemanha Oriental. O Estado de S. Paulo, 19 de julho de 1952, p. 13.
199

no terreno esportivo. Essa iniciativa, bem pode concorrer para


impedir que tenhamos que competir uns com os outros nos campos
322
de batalha .

Os inúmeros embates pelos quais passou o COI na sustentação de


seus argumentos em prol do amadorismo não abriam possibilidades para a
realização dos Jogos Olímpicos abertos, conforme solicitava o marechal
Montgomery. Até porque na visão do COI, os Jogos promovidos pela entidade eram
democráticos e abertos, só que a todos os amadores que quisessem participar.
Muitas nações utilizaram o esporte como meio de afirmação no
cenário internacional. Na União Soviética não foi diferente, e para se destacarem no
confronto com outros países, especialmente os Estados Unidos, os atletas soviéticos
tiveram condições de se dedicar totalmente ao esporte, pois seus atletas eram
“funcionários” do Estado (SALLES, 2004). Uma série de textos sobre a Rússia
afirmava que “O pagamento de subsidios a atletas na Russia é uma pratica
generalizada. Embora oficialmente, estejam relacionados como profissionais de uma
outra atividade, a rigor passam seu tempo todo praticando sua especialidade
esportiva”323.
Para os Jogos Olímpicos de 1952, Erik Von Frenckell, presidente do
Comitê Organizador, escreveu um artigo em que apresentava dúvidas a respeito de
algumas modalidades, entre elas, o futebol324. Porém, a sua sugestão foi a respeito
do sistema de disputa. Ele entendia que se deveria adotar o sistema a ser utilizado
na Copa de 1950, realizada no Brasil, em que apenas 16 seleções foram permitidas.
Nos jornais, as notícias sobre o esporte e, em especial, o futebol
argentino eram constantemente veiculadas. Os argentinos funcionavam como a
grande medida de comparação dentro da América do Sul ainda mais quando o
assunto era o futebol. Apesar dessa rivalidade, o Conselho Deliberativo da
Associação Argentina de Futebol enviou um ofício para a Confederação Argentina
de Esportes manifestando-se contra a participação do futebol do país nos Jogos
Olímpicos. Mais uma vez a justificativa para não enviar a delegação de futebol foi

322
Jogos Olimpicos para amadores e profissionais. O Estado de S. Paulo, 21 de fevereiro de 1952, p. 10.
323
O esporte na Russia. O Estado de S. Paulo, 25 de junho de 1952, p. 11.
324
Bulletin du Comité International Olympique, n. 14, março de 1949, p. 7. Proposals for 1952 games given
to World Sports the official magazine of the british Olympic association.
200

feita pelo fato do futebol amador não possuir atletas capazes de representar o
país325.
Antes do início do torneio de futebol foram definidos junto ao Comitê
de árbitros alguns pontos do regulamento dessa modalidade, entre elas que não
haveria substituições durante a partida e, em caso de empate no tempo
regulamentar, haveria uma prorrogação com dois tempos de 15 minutos e
permanecendo o empate uma nova partida deveria ser realizada 48 horas após o
primeiro confronto tendo o mesmo árbitro para apitá-la326.
Os jogos eliminatórios do futebol começaram antes da abertura
oficial dos Jogos Olímpicos e em uma das partidas, entre Egito e Chile, “Sir” Stanley
Rous, então membro britânico da FIFA declarou que o futebol deveria ser excluído
dos Jogos Olímpicos. Segundo Rous:

O programa Olimpico deveria ser encurtado e o futebol eliminado,


porque não há mais nenhum futebol amador no mundo. O quadro
italiano327 é composto de jogadores da Liga Italiana, que têm rendas
grandes, embora seus chefes digam que os jogadores percebem
[recebem], apenas, importancias insignificantes. Mesmo em paises
onde não existem jogadores profissionais, os futebolistas podem
perceber [receber] varias centenas de libras-esterlinas por ano. E
328
isso não está de conformidade com o ideal Olimpico .

A presença de jogadores profissionais em algumas seleções para


disputar o torneio de futebol olímpico para amadores caminhava no sentido contrário
da proposta de Rous, que era enfático em defender a saída do futebol dos Jogos
Olímpicos. Embora alertasse que algumas seleções pudessem tirar vantagem pelo
fato de possuírem os profissionais em suas equipes, ou em suas palavras,
“profissionais camuflados de amadores”, era valorizado o ideal olímpico de que o
importante era competir e ressaltava-se que os jogadores brasileiros eram tão
amadores quanto os demais atletas que iriam disputar outras modalidades em
Helsinque. Além disso, diferentemente da desconfiança329 que fora colocada em
relação ao desempenho do futebol, defendia que o Brasil deveria estar representado

325
O futebol argentino na proxima olimpíada. O Estado de S. Paulo, 22 de dezembro de 1951, p. 11.
326
O torneio de futebol. O Estado de S. Paulo, 15 de julho de 1952, p. 10.
327
A seleção italiana foi derrotada pela Hungria na primeira fase do torneio de futebol por 3 a 0. Ver: Eliminada
a Italia em futebol. Folha da Manhã, 22 de julho de 1952, p. 7.
328
O futebol deverá ser excluido dos proximos jogos. O Estado de S. Paulo, 18 de julho de 1952, p. 11. Ver
também: Exclusão do futebol. Folha da Manhã, 18 de julho de 1952, p. 5.
329
As possibilidades dos futebolistas brasileiros na Olimpiada. O Estado de S. Paulo, 13 de julho de 1952, p.
21.
201

nessa modalidade. Os italianos eram acusados de inscrever seus atletas


profissionais como sendo estudantes enquanto a Iugoslávia estaria com a mesma
seleção que disputou a Copa de 1950330.
A necessidade em estabelecer os limites entre o amadorismo e o
profissionalismo logo voltaram a ser discutidos nas reuniões do COI junto aos
Comitês Olímpicos Nacionais. Como no futebol foram feitas as acusações em torno
do time italiano, no ano seguinte, em 1953, o assunto apareceu na pauta do COI
listado como discussão geral sobre os problemas do amadorismo no futebol.
O presidente do COI, Avery Brundage, afirmou que essa discussão
fora colocada em pauta devido à dificuldade de alguns Comitês Olímpicos Nacionais
em lidar com esse tema e, consequentemente, os Comitês não haviam sido
rigorosos sobre essa questão. Naquele ano, o IAAF havia ficado como responsável
por elaborar um estatuto amador, já que era de conhecimento de todos que em
algumas seleções tinham atletas profissionais. O finlandês von Frenckell331, como
vice-presidente da IAAF, ressaltou que era a Federação Amadora que controlava o
futebol profissional, o que acabou por gerar uma longa discussão. Um iugoslavo
chamado Soich332 afirmou que em seu país existia uma corte de defesa do
amadorismo que fazia a intervenção em caso de dúvidas e depois comunicava o
Comitê Olímpico Nacional. Embora tivessem sido apresentadas essas ideias,
nenhuma decisão foi tomada333.

4.3.1 O COI quer reduzir o programa olímpico

O COI preocupado em reduzir o programa olímpico solicitou


sugestões junto às Federações Internacionais e Comitês Olímpicos Nacionais. Entre
as propostas sugeridas pela Comissão de Redução do COI estavam: limitar o
330
Em xeque o futebol amador. Folha da Manhã, 16 de julho de 1952, p. 7.
331
O finlandês Erik von Frenckell foi o 216º membro do COI (1948-1976). Apesar de ser formado em
Engenharia Elétrica foi um dos co-fundadores do Clube Esportivo Acadêmico de Dresden (1910) e do Comitê
Olímpico Nacional da Finlândia (1910). Também foi presidente da Associação de Futebol da Finlândia (1918-
1952) e membro do Comitê Executivo da FIFA. Além dessa trajetória de liderança, fundou o Clube de Voo da
Finlândia (1920) e o Helsinque Golfe Clube (1931). Durante quase 40 anos serviu a cidade de Helsinque (1917-
1955) como vereador, deputado e prefeito. Foi membro do Comitê Organizador para os Jogos Olímpicos que não
ocorreram, em 1940, e presidente do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos de Helsinque em 1952
(BUCHANAN e LYBERG, 2012b).
332
Como não era membro do COI não consegui informações sobre sua atuação profissional.
333
Bulletin du Comité International Olympique, n. 39-40, junho de 1953, p. 40. Association Football and
amateurism.
202

número de atletas para 5 mil, reduzir o número de juízes, inspetores etc., reduzir
lugares gratuitos para a imprensa (mil vagas), redução de 16 para 11 dias na
duração dos Jogos.
Diante dessa discussão para redução do programa Olímpico, entrou
em pauta novamente se o futebol deveria ser mantido nos Jogos Olímpicos. Nesse
artigo de 1953 foi ressaltado que a presença do futebol nos Jogos já era um tema
longamente discutido no COI. Nesse momento, diante da possibilidade de redução
do programa Olímpico, existiam alguns membros da entidade que eram favoráveis à
exclusão dos esportes em equipe. Ao rever a história do futebol nos Jogos Olímpicos
as divergências foram estabelecidas em torno da definição de amadorismo e que
essas confusões não causaram a exclusão de qualquer modalidade dos Jogos.
Portanto, afirmava o artigo, o problema do futebol era causado pela definição de
amadorismo. Esse artigo desconsiderava a exclusão do próprio futebol dos Jogos de
Los Angeles 1932334.
A presença dos profissionais nos Jogos e, especialmente, no futebol
fazia com que nesse momento fosse feito o contraponto entre o torneio olímpico de
futebol e a Copa do Mundo que no pós-guerra foi disputada no Brasil (1950) e teria a
Alemanha Ocidental como sede da seguinte (1954). O que aparece aqui é a dúvida
entre permitir que os profissionais participassem dos Jogos Olímpicos e com isso a
possibilidade de rivalizar com a Copa do Mundo e, caso isso viesse a acontecer,
entendiam que a Copa do Mundo perderia importância e significado.
De acordo com o texto, o ponto que era considerado problemático
na relação entre a Copa do Mundo de futebol e os Jogos Olímpicos referia-se ao
modo como eram escolhidas as sedes. Enquanto na Copa do Mundo privilegiava-se
o país, nos Jogos a sede pertencia a apenas uma cidade. Além disso, a presença
dos profissionais exigiria novas regulamentações quanto às divisões das receitas
dos Jogos, algo contrário aos princípios do Olimpismo. Por outro lado, as
Federações não descartariam os ganhos financeiros em prol de um ideal olímpico.
Foi atribuída à FIFA, como órgão máximo do futebol, a
responsabilidade em estabelecer a definição de amadorismo a ser utilizada por
todas as Federações Nacionais filiadas a ela, já que anteriormente coube às

334
Bulletin du Comité International Olympique, n. 43, dezembro de 1953, p. 16-18. Should Football be
retained in the Programme of the Olympic Games? O referido artigo assinado por Maurice Pefferkorn foi
retirado do Livre d’Ordu Football suisse, publicado por Gottfried Schmid (Zurique, 1953).
203

Federações Nacionais a interpretação sobre o tema. Outra preocupação foi


apontada: ao manter a competição olímpica restrita aos jogadores amadores de
futebol como seriam analisados os casos dos países em que os atletas eram
funcionários do Estado (Hungria e União Soviética eram os exemplos mencionados)
e, portanto, possuíam todas as condições para treinar em tempo integral tal como os
profissionais faziam. Essa diversidade de possibilidades em torno da definição de
amador fez com que a existência do torneio de futebol, novamente, fosse
questionada.
O destaque ficou por conta dos esportes que deveriam ser mantidos
no programa como obrigatórios: “atletismo, ginástica, pugilismo, natação, luta, tiro,
esportes equestres, pentatlo moderno, ciclismo, remo, canoa, iatismo, futebol, bola
ao cesto, esgrima, pesos e alteres”335. Para os Jogos de Melbourne, a FIFA aceitou
a redução das seleções participantes do futebol para 16336 e apresentou as novas
definições de amador.

4.3.2 Sob os ecos de Helsinque 1952 a FIFA apresenta sua definição de


amador

Dispostos em nove itens, a FIFA estabeleceu a definição de amador


para os atletas do futebol337. Ficou estabelecido que os jogadores vinculados a uma
Associação Nacional filiada à FIFA poderiam ser profissionais, não amadores e
amadores. Embora a FIFA tivesse apenas duas classificações de jogadores,
profissionais e amadores, foi preciso incluir os “não amadores” devido às inúmeras
classificações adotadas pelas Associações Nacionais. Os atletas vinculados a essa
condição possuíam um contrato ou uma licença. A FIFA ressaltava que as
Associações Nacionais não precisavam adotar essas determinações, mas
esclareceu que nos torneios de futebol para amadores seriam adotadas as
definições do órgão máximo do futebol338.

335
A proposito dos proximos Jogos Olimpicos. O Estado de S. Paulo, 15 de abril de 1953, p. 12.
336
Bulletin du Comité International Olympique, n. 46, junho de 1954, p. 29. Football.
337
Bulletin du Comité International Olympique, n. 49, fevereiro de 1955, p. 12-13. Amateur Definition of the
FIFA.
338
Bulletin du Comité International Olympique, n. 56, outubro de 1956, p. 51-52. Amateur definition of the
F.I.F.A. International Football Association Federation adopted at the Congress of Lisbonne, June 1956. A partir
dessa edição de outubro de 1956 será informado, logo nas primeiras páginas, que as opiniões expressas no
Boletim Olímpico não refletem necessariamente a visão do COI. Embora essa informação começou a ser
204

Também foi mantida a condição de ressarcimento das despesas de


viagem e estadia, e caso o atleta tivesse autorização da Associação Nacional para
receber seguro contra acidentes e gastos com equipamento seriam considerados
amadores; aqueles que participassem de partidas sob jurisdição da Associação
Nacional e recebessem reembolso proporcional pelo tempo de afastamento seriam
considerados amadores; jogadores que recebessem salários regulares, pagamentos
para jogar, bônus ou qualquer outro subsídio (exceto nas condições citadas
anteriormente) eram considerados profissionais ou não amadores e, portanto,
estariam impossibilitados de participar dos Jogos Olímpicos ou qualquer outra
competição organizada pela FIFA que fosse restrita a atletas amadores; os atletas
profissionais e não amadores deveriam manter o seu registro atualizado pela sua
Associação Nacional; o jogador amador que contrariasse os quesitos relativos à
condição de amador deveria ser imediatamente inscrito como profissional ou não
amador; um jogador profissional ou não amador poderia retornar à condição de
amador, mas não poderia participar dos Jogos Olímpicos ou de qualquer outra
competição para amadores organizada pela FIFA.
Após a realização dos Jogos de Helsinque em 1952, em uma
correspondência enviada ao Boletim Olímpico, um membro do COI, Albert Mayer339
afirmou que a FIFA mobilizou-se para estabelecer a definição de amador a ser
adotada por suas Federações. Entre elogios ao presidente da FIFA e membro do
COI, Seeldrayers, considerou que a entidade se viu na condição de estabelecer um
basta nos abusos após a realização do torneio de futebol dos Jogos de Helsinque
1952 em que houve a participação de falsos amadores (sham amateurs)340.
Apesar dessas acusações Seeldrayers afirmou que o pagamento por
tempo de afastamento havia sido reconhecido desde os Jogos de Amsterdã (1928),
passando por Berlim (1936), Londres (1948) e Helsinque (1952), medida que não
ficou restrita ao futebol, e não se aplicava aos chamados falsos amadores e

colocada no Boletim, na edição n. 87 de agosto de 1964, p. 36, em seu último boletim como editor, Otto Mayer
(que estava no cargo desde 1946) censurou uma página que foi publicada com a seguinte manchete na
transversal: “Censored by the editor at the moment of going to press”.
339
O suíço Albert-Roman Mayer foi o 202º membro do COI (1946-1968). Albert é irmão de Otto Mayer e
ingressou no Comitê Olímpico da Suíça em 1924. No COI caracterizou-se por expressar suas opiniões mesmo
diante de uma situação adversa(BUCHANAN e LYBERG, 2012a).
340
Bulletin du Comité International Olympique, n. 49, fevereiro de 1955, p. 12. Correspondence. Amateurism
and the FIFA.
205

tampouco aos atletas do Estado (state athletes) que eram autorizados a participar
dos Jogos, tal como a Rússia341.
O vínculo dos atletas com as Forças Armadas representou uma
condição fundamental para que os países socialistas montassem equipes
competitivas. Ao vincularem seus atletas a essa estrutura, esses países os
colocavam na condição de amadores, pelo fato de não poderem receber salários de
outras fontes porque eram funcionários públicos, e permitiam que os atletas
tivessem acesso a um treinamento intensivo. Esses atletas ficaram conhecidos como
atletas do Estado (state athletes). Com essa medida, garantia-se uma dupla
condição: o treinamento com dedicação exclusiva, proporcionando aos atletas
amadores as mesmas condições de treinamento de um profissional; sendo um atleta
do Estado estava mantida a condição de amador e o deixava livre para competir nos
Jogos Olímpicos.
Na sequência, Seeldrayers respondeu de modo mais enfático a
Mayer, listando uma série de pontos a fim de esclarecer sobre a acusação da
existência de falsos amadores. Entendia que em Helsinque não houve nenhum caso
relatado e, portanto, desconhecia a existência dos falsos amadores apesar de não
descartar possíveis fraudes dos atletas. E quanto as possíveis fraudes que podiam,
de fato acontecer, afirmou que no torneio de futebol Olímpico a fiscalização cabia
aos Comitês Nacionais e não à FIFA342.
Seeldrayers ressaltou que a final do torneio olímpico de 1952
colocou frente a frente à Hungria e Tchecoslováquia, duas seleções que possuíam
jogadores amadores que poderiam ser comparados aos melhores atletas
profissionais do mundo e mesmo assim não poderia colocá-los na qualidade de
falsos amadores. Ainda ressaltou que as duas seleções utilizavam métodos de
treinamento semelhantes aos atletas russos, ou seja, sendo atletas do Estado
poderiam se dedicar integralmente ao treinamento.
É necessário ressaltar o posicionamento de Seeldraayers na análise
do torneio olímpico de futebol. Colocados na competição sob a condição de
amadores entendia que isso fazia com que se confrontassem duas seleções com

341
Ver especialmente o item 5 do Bulletin du Comité International Olympique, n. 50, abril de 1955, p. 15.
Correspondence (the editor assumes no responsibility for this rubric). Amateurism and the FIFA.
342
Para ver os itens listados por Seeldrayers consultar: Bulletin du Comité International Olympique, n. 50,
abril de 1955, p. 15-16. Correspondence (the editor assumes no responsibility for this rubric). Amateurism and
the FIFA.
206

perfis diferenciados, isto é, os que são amadores e se dedicam ao esporte no tempo


livre e os atletas que são vinculados ao Estado. Essas diferentes condições de
treinamento gerava um grande desequilíbrio entre essas seleções, mas apesar
dessas diferenças ressaltou que as regras olímpicas inseriam todos como amadores.
No mesmo número desse Boletim Olímpico, Mayer respondeu a
Seeldrayers em um tom provocativo. Dizia que ficou satisfeito em saber a partir da
fala de Seeldrayers que fraudes poderiam ter ocorrido em Helsinque 1952 e
completou que o ex-presidente da FIFA Stanley Rous poderia fornecer a lista com os
nomes dos atletas profissionais. Por fim, concordou que os Comitês Olímpicos
Nacionais deveriam fazer a fiscalização, mas entendia que a FIFA não poderia
permanecer indiferente diante dessa situação e se ausentar de qualquer
posicionamento.
Se em 1924 o futebol fora considerado um esporte opcional, nesse
momento aparecia dentro dos esportes obrigatórios. Apesar das inúmeras disputas
travadas no final dos anos 20 em torno do futebol que culminou com a sua saída do
programa de 1932, e do questionamento da sua permanência para os Jogos de
Melbourne o futebol conquistou um novo espaço com a sugestão para fazer parte do
programa obrigatório. Agora, os esportes facultativos eram o hóquei de campo,
handebol, tiro ao arco e polo aquático.

4.4 Melbourne (1956): podem os amadores se profissionalizar?

Anos antes da realização dos Jogos de Melbourne (22 de novembro


a 8 de dezembro) circulou a especulação de que os Jogos poderiam não acontecer
na Austrália devido a um problema financeiro na construção do estádio, o orçamento
previsto que era de 1 milhão e 250 mil libras australianas havia atingido os 2
milhões343.
Uma pequena parte desses Jogos foi disputada em Estocolmo, na
Suécia: as provas de hipismo344. Como forma de evitar a quarentena dos cavalos345

343
Os Jogos Olimpicos de 1956. O Estado de S. Paulo, 20 de janeiro de 1953, p. 12. Ver também: Os Jogos
Olimpicos de 1956, 4 de fevereiro de 1953, p. 10; Varias: a proxima olimpíada, 3 de abril de 1953, p. 8. Em 18
de abril o COI aceitou o relatório apresentado pelo Comitê e Melbourne foi confirmada como sede. Em
Melbourne os Jogos Olimpicos de 1956. O Estado de S. Paulo, 19 de abril de 1953, p. 21.
344
Olimpiada equestre em Estocolmo. O Estado de S. Paulo, 25 de maio de 1956, p. 14. “Vinte e nove nações
participarão da olimpíada equestre que será realizada de 10 a 17 de junho, em Estocolmo [...]”.
207

para entrar na Austrália, pela primeira vez as provas de uma mesma Olimpíada
aconteceram em dois lugares diferentes e em épocas distintas (junho e novembro-
dezembro)346. Segundo Rubio (2006, p. 117), esse fato foi “[...] uma clara
demonstração de que diante do contexto posto, princípios olímpicos e Jogos
Olímpicos haveriam de se adequar às bases materiais dadas”.

4.4.1 Os profissionais nos tempos do amadorismo

Um artigo escrito em 1948 pelo presidente Avery Brundage para a


revista World Sports (publicação oficial do Comitê Olímpico Britânico) sobre o
esporte amador e o tempo de afastamento dos atletas foi republicado oito anos
depois no Boletim Olímpico347. Aparecer vinculado ao documento oficial do COI foi
uma forma encontrada para manter o debate em torno do tema.
Brundage ressaltou o desafio em escrever sobre o amadorismo para
uma revista britânica já que a Inglaterra foi uma das defensoras dessa condição para
os atletas. Ressaltou que houve uma série de distorções em relação ao tema, sendo
essencial ter claro que o amadorismo era uma condição de espírito e não um
simples conjunto de regras que tentava abordar todas as possibilidades para definir
quem era ou não o verdadeiro amador. Diante desse posicionamento, ressaltou a
definição de amador adotada pelo COI em que vinculava o amador como sendo
aquele que praticava esporte por prazer sem nenhum tipo de ganho material, fosse
direto ou indireto. Afirmava ainda que o próprio título do artigo era redundante, pois
todo esporte deveria ser amador, pois se não fosse amador era trabalho ou negócio
e, nesse caso, o participante era profissional.
Sobre o reembolso pelo tempo de afastamento, Brundage se
posicionou de forma totalmente contrária. Para ele, não era correto o atleta pedir o
reembolso pelo tempo de afastamento pelo fato dele ter feito a escolha para se

345
A Olimpiada de Melbourne. Excluida do programa a competição de hipismo. O Estado de S. Paulo, 2 de
agosto de 1953, p. 18.
346
“To allow for the equestrian sports to be held and to avoid the problem of quarantine for horses entering
Australia, the Games took place in two different cities (Stockholm and Melbourne), in two different countries
(Sweden and Australia), on two different continents (Europe and Oceania) and in two different seasons (June and
November). This is the only time in the Games' hundred-year existence that the unity of time and place, as
stipulated in the Charter, has not been observed”. Disponível em <http://www.olympic.org/melbourne-
stockholm-1956-summer-olympics >. Acesso em 10 de novembro de 2012.
347
Bulletin du Comité International Olympique, n. 45, abril de 1954, p. 20-21. Avery Brundage on Amateur
Sport and Broken Time.
208

ausentar e competir. Para Brundage quem se utilizasse desse expediente


desconsideraria um dos elementos centrais da condição de amador: jogar pelo
prazer e pelo amor.
De forma provocativa fez inúmeras perguntas no sentido de
enfraquecer o argumento dos atletas que solicitavam o reembolso. Questionou que
os mesmos deveriam, então, pedir reembolso pelo tempo de treinamento já que
estariam afastados das atividades laborais e por que os atletas somente solicitavam
o reembolso nos Jogos Olímpicos e não em outras competições nacionais e/ou
internacionais.
Pontuou, por meio de um exemplo, o que havia acontecido no
futebol da Hungria diante do reembolso pelo tempo de afastamento. O futebol
húngaro iniciou o pagamento em 1921 e poucos meses depois passou por seis
etapas: pagamento pelo afastamento em competições internacionais; depois para
competição na liga; em seguida para o treinamento e por fim para situações de
descanso; a conclusão apresentada foi a de que se tornou impossível chegar a um
cálculo acerca do valor a ser pago mensalmente efetivando o pagamento pelo tempo
de afastamento como sendo um salário real aos atletas.
Para Brundage, a realização e execução do amadorismo deveriam
ser feitas por meio de uma colaboração entre os Comitês Olímpicos Nacionais (com
grande responsabilidade nesse processo pelo fato de ser o responsável por educar
o público para os princípios olímpicos), as Federações Internacionais e o COI348.
O contraponto a essa visão defendida por Brundage foi apresentada
dois anos depois por Earl Alexander de Túnis, ex-governador geral do Canadá e ex-
ministro da Defesa, em uma entrevista ao jornal Montreal Gazette349. Diferentemente
do presidente do COI que não defendia o pagamento pelo tempo de afastamento
como forma de manter os trabalhadores afastados dos Jogos Olímpicos, Earl
entendia que os Jogos teriam a presença dos melhores atletas, amadores ou
profissionais. Ressaltou que os Jogos se modificaram ao longo do tempo e que no
início existiam poucos atletas profissionais e os amadores podiam jogar por amor
porque tinham condições financeiras para isso. Sobre a presença dos russos nesse
cenário, afirmou que não eram amadores nem profissionais, eram funcionários

348
Bulletin du Comité International Olympique, n. 52, novembro de 1955, p. 39. Amateurism.
349
Bulletin du Comité International Olympique, n. 55, julho de 1956, p. 50. Should the Olympic Games
become open Competitions for Amateurs and Professionals?
209

públicos. Na sequência, o Boletim Olímpico refutava o posicionamento de Earl ao


afirmar que a presença dos profissionais representaria o fim dos Jogos Olímpicos
por utilizar o esporte como um meio de sustento e não como um lazer. Além dessas
considerações, discordavam que os melhores atletas fossem os profissionais.
O debate continuou com a opinião do então editor-chefe da revista
L’Equipe, Gaston Meyer. Logo abaixo do título do texto assinado por Meyer, em uma
nota o editor informou que não compartilhava com todas as ideias apresentadas,
mas ressaltava que publicavam opiniões diferentes como forma de construir uma
linha de argumentos sobre o tema. Pelo próprio título, Ideias Revolucionárias,
esperava-se que o editor do Boletim não fosse concordar com todas as opiniões
apresentadas.
Para Meyer, o problema do amadorismo era tão antigo quanto o
próprio esporte e entendia que o COI ficava em uma posição delicada por ter que
encontrar uma solução para o problema. Apontou que essa situação era fruto da
origem dos membros do COI, indicadas por ele como representantes das classes
superiores, fato que os colocava afastados da simpatia popular. Completou que o
amadorismo precisava ser entendido como sendo uma consequência e necessidade
dos britânicos num certo momento e que passou a ser essencial naquele momento,
ou seja, seus pressupostos que valiam no presente eram fruto de uma aristocracia
de natureza e origem.
Meyer afirmou ser praticamente impossível que o COI conseguisse
promover uma mudança drástica na estrutura do amadorismo. Caso fosse autorizar
a participação de amadores e profissionais nos Jogos Olímpicos sua sugestão foi a
de que o prêmio fosse apenas uma medalha. Porém, conforme ressaltou, outro
problema teria que ser resolvido junto a três Federações que controlavam tanto o
esporte amador quanto o profissional (ciclismo, futebol e boxe – em alguns países).
Por fim, Meyer apresentou uma sugestão de possíveis mudanças
por entender que a definição de amadorismo da época não correspondia à
realidade. Embora tivesse apresentado uma crítica ao modelo da estrutura olímpica,
suas sugestões para mudar a estrutura não rompiam completamente a visão que se
tinha naquele momento de quem deveria participar dos Jogos. Apesar de indicar que
os Jogos deveriam ser abertos para todos os interessados listou alguns itens
indicando que se o atleta fizesse (ou tivesse feito) parte do esporte profissional não
poderia participar dos Jogos Olímpicos; não poderia disputar competições
210

internacionais por prêmios, a não ser que esses prêmios fossem inferiores a 50
dólares350. Completou, ainda, que o atleta estaria autorizado a ter as despesas com
o transporte e estadia durante a viagem para competir; deveria receber pelo tempo
de afastamento a partir de uma escala estabelecida pelo Comitê Olímpico
Nacional351 e aprovado pelo COI; finalizou com a proposta de definição dos termos
amador (atleta que arca com as suas despesas), profissional (remunerado para
competir) e campeão (atleta que defende o seu país)352.
A proposta do editor-chefe do L’Equipe tentava avançar na
discussão em torno do amadorismo e do profissionalismo. Apesar de indicar
possíveis caminhos ao afirmar que todos poderiam participar dos Jogos Olímpicos
seu posicionamento avançava pouco no debate quando recorria aos termos vigentes
(amador e profissional) para definir quem poderia ou não fazer parte. Entendia
também que deveria ser feito o pagamento ao atleta pelo tempo de afastamento do
seu trabalho, agora regulado pelo Comitê Olímpico Nacional sob o aval do COI. Sem
dúvida, a regulamentação poderia ser uma saída para evitar possíveis abusos nos
pedidos de reembolso, mas a solução apresentada colocava todo o poder nas mãos
das entidades regulamentadoras do esporte e o problema disso era manter
afastados os atletas das possíveis soluções e decisões sobre os seus pedidos.
Meses antes do início dos Jogos, Brundage declarou via imprensa
que os atletas que participassem dessa edição olímpica deveriam declarar, sob
palavra de honra, que eram e tinham “a intenção de continuarem amadores”. Foi
ressaltada que tal medida poderia dificultar a presença de atletas dos mais variados
esportes, entre os quais se destacavam o boxe, patinação artística, basquete,
futebol e ciclismo. Na sequência da notícia, foi apresentada a fala de Brundage:

A razão principal dessa decisão é que o Comitê Internacional


Olímpico deseja impedir que os Jogos Olímpicos sirvam de
trampolim a carreiras profissionais em varios esportes. Esta nova
regra é destinada a corrigir essa tendencia, para o maior proveito de
milhares de atletas amadores que respeitam o verdadeiro espirito
dos Jogos Olimpicos. Cinco pugilistas norte-americanos tornaram-se
profissionais poucos meses depois de haverem obtido um titulo nos
Jogos de Helsinque, em 1952. O Comitê pode tomar uma outra

350
Bulletin du Comité International Olympique, n. 55, julho de 1956, p. 52-54. What oder people say...
351
Os Comitês Olímpicos Nacionais passam a ter um importante papel na fiscalização dos atletas amadores. Ver:
Bulletin du Comité International Olympique, n. 56, outubro de 1956, p. 50. About the Addition in the Entry
Form...
352
Bulletin du Comité International Olympique, n. 55, julho de 1956, p. 55. What oder people say...
211

decisão se esta mostrar-se ineficaz. Nesse caso, considerariamos


que certos esportes não devem mais figurar no programa dos Jogos
Olimpicos353.

Tal medida adotada por Brundage visava estabelecer o controle total


sobre os atletas, pois além de se declararem amadores precisavam garantir que não
se tornariam profissionais no futuro. Em suas ações incisivas, Brundage queria
validar uma nova norma e afirmou que “os atletas que têm a intenção de ganhar
celebridade com remuneração, jamais foram considerados classificados para
participar dos Jogos Olímpicos”354. Com isso, nos Estados Unidos houve “uma onda
de indignação ante a nova fórmula de juramento dos atletas olímpicos, pois é
considerada muito rigorosa”355. Sua ação tinha por finalidade disciplinarizar os
corpos a partir dos ideais estabelecidos pelo COI. Por fim, o COI desconsiderou a
proposta de Brundage356 e adotou apenas o juramento tradicional dos atletas em
que confirmava a condição de amador no momento dos Jogos357, sendo eliminada a
frase “proponho-me a seguir amador”358. Portanto, ao final dos Jogos poderiam se
transformar em profissionais.
Mesmo após a realização dessa edição dos Jogos, o presidente
Brundage continuou a receber críticas em relação ao seu posicionamento de
valorizar os amadores em detrimento dos profissionais359. O jornalista Willy Meisl360
afirmou que a regulamentação do amadorismo era uma ação antissocial. Para
construir seus argumentos, apresentou uma frase capaz de resumir a sua crítica e
questionar o posicionamento do COI: “22 jogadores e 100 mil espectadores constitui
a principal ambição caso o ideal seja construído pelo ponto de vista financeiro, 100
mil jogadores e 22 espectadores representa um ideal esportivo”361. Afirmou que o
lema do amadorismo foi uma forma encontrada pela classe dominante se manter

353
O amadorismo e os Jogos Olimpicos. O Estado de S. Paulo, 4 de agosto de 1956, p. 11.
354
Jogos Olimpicos. Os EUA protestam contra a “declaração de amadorismo”. O Estado de S. Paulo, 5 de
agosto de 1956, p. 24.
355
O amadorismo e os Jogos Olimpicos. O Estado de S. Paulo, 25 de agosto de 1956, p. 13.
356
Decisão do C.I.O. O Estado de S. Paulo, 22 de novembro de 1956, p. 18.
357
Juramento Olimpico. O Estado de S. Paulo, 4 de outubro de 1956, p. 10.
358
Declarações de Avery Brundage. O Estado de S. Paulo, 21 de outubro de 1956, p. 30.
359
O Juramento do Amador. O Estado de S. Paulo, 3 de fevereiro de 1957, p. 33.
360
O referido artigo é o título de um dos capítulos do livro Spor stands at the crossroads, publicado pelo autor em
1928. Bulletin du Comité International Olympique, n. 58, maio de 1957, p. 51-55. The regulation of
amateurism is antisocial.
361
Bulletin du Comité International Olympique, n. 58, maio de 1957, p. 51. The regulation of amateurism is
antisocial. “22 players and 100.000 spectators constitute the chief ambition and ideal from the point of view of
the cashier, 100.000 players and 22 spectators represent sports’ ideal”.
212

afastada das demais classes e defendia que se em algum momento essa distinção
fez sentido, 50 anos depois ela precisaria ser modificada. Além disso, alegou que os
amadores e profissionais possuíam uma rivalidade de classe e que a melhor
proteção do amadorismo era ter um pai rico.
No mesmo número do Boletim, o presidente Brundage respondeu ao
artigo de Meisl. Assim como algumas afirmações de Meisl foram incisivas, as de
Brundage seguiam a mesma linha quando discordou do posicionamento do
jornalista, especialmente em relação à questão da rivalidade entre amadores e
profissionais. Afirmou que o amador era aquele que amava o esporte e não tinha
sentido tal afirmação. Também discordou que filho de homem rico possuísse algum
benefício. Para justificar seu argumento apresentou que os campeões do atletismo
vinham, se não de família pobre também não vinham de família rica. Segundo ele,
os filhos de famílias ricas tinham uma série de opções para diversão e que não se
interessavam pelo sacrifício para se tornar um campeão. Brundage corroborou com
Meisl sobre o entendimento de que o amadorismo foi uma medida social durante o
século XIX, mas completou que as interpretações eram errôneas e naquele
momento existiam os regulamentos362.
O cerne dessa discussão provocada por meio do Boletim Olímpico
funciona em duas bases: a primeira está estabelecida na possibilidade de
questionamento via uma publicação oficial do COI. Por mais que exista uma série de
aprovações e até provavelmente modificações das informações que serão
publicadas, é preciso reconhecer o espaço concedido para criticar o então
presidente do COI; a segunda é a oportunidade do debate, pois logo abaixo do
artigo publicado por Meisl, é publicada uma resposta do Brundage. Não se sabe
como foi feito o processo de edição final dos Boletins Olímpicos, mas em certa
medida ele quer transparecer que ali existe um espaço democrático e de debate de
ideias.

4.4.2 A desistência de alguns países enfraquece o futebol em 1956

362
Bulletin du Comité International Olympique, n. 58, maio de 1957, p. 55-56. Mr. Avery Brundage's Reply
to Dr Willy Meisl’s Article: The Regulation of the Amateurism is antisocial.
213

A mesma justificativa financeira que por pouco inviabilizou a


participação brasileira no futebol dos Jogos de 1952 foi utilizada pela seleção italiana
para não participar do futebol olímpico. O então presidente da Federação Italiana de
Futebol, Ottorino Barassi363, declarou que a sua seleção não participaria dos Jogos
de 1956 pelo fato de que “[...] cada atleta acarretará para a Comissão Olimpica uma
despesa de cinco milhões de liras. Não julgo oportuno, à vista disso, arcar com
despesas tão elevadas para enviar uma representação capaz somente de
desempenhar papel modesto”364.
O Brasil ainda não havia confirmado a sua participação no torneio de
futebol365 quando, um ano antes do início dos Jogos, a FIFA mandou um
comunicado à CBD perguntando se o Brasil enviaria uma seleção de futebol para
Melbourne366. A Argentina pretendia enviar a sua delegação de futebol que seria
representada pela seleção de Tucumãn, campeã do campeonato amador367. No
entanto, novamente nenhum país sul-americano enviou representante para o
futebol.
De início haviam 16 seleções inscritas em que o sistema de disputa
seria o eliminatório (oitavas de final), mas logo a Hungria, campeã dos Jogos
anterior, se retirou sem explicações. Com essa desistência, a Índia classificou-se
diretamente para a fase seguinte368. Ao todo participaram 11 seleções, sendo cinco
da Ásia e da Europa e apenas os Estados Unidos como representante das
Américas. Além da Hungria também se retiraram a China Comunista, Egito,
Espanha, Holanda, Iraque, Líbano e Suíça369. Sobre a retirada de alguns países dos
Jogos Olímpicos, o presidente Brundage criticou essa decisão370:

363
Barassi entrou para a FIFA em 1932 e ficou na entidade até falecer em 1971, aos 73 anos, quando era vice-
presidente da FIFA. Olympic Review, n. 52, janeiro de 1972, p. 60. Federation Internacionale de Football
Association.
364
O futebol italiano não participará da Olimpiada de 1956. O Estado de S. Paulo, 16 de julho de 1954, p. 11.
365
O Brasil vai mal, obrigado. Folha da Manhã, 24 de abril de 1955, p. 2. A coluna sete dias nos esportes, de
Odilon C. Brás e Henrique Matteucci fornecia um panorama dos esportes.
366
A Olimpiada de Melbourne. O Estado de S. Paulo, 12 de fevereiro de 1955, p. 11.
367
Quadro de futebol argentino irá aos Jogos Olímpicos. O Estado de S. Paulo, 19 de julho de 1956, p. 15.
368
Campeonato Olimpico de Futebol. O Estado de S. Paulo, 2 de setembro de 1956, p. 25.
369
XVI Olympiad Melbourne 1956 (Oficial report), p. 23. The games of the XVI Olympiad. “But the official
programme was not able to list Spain, Holland, Egypt, People's Republic of China, and Switzerland”. Ver
também: No Iraque. O Estado de S. Paulo, 4 de novembro de 1956, p. 22. “O Iraque cancelou sua inscrição nos
jogos olímpicos de Melbourne, em vista dos acontecimentos no Egito”; Critica às nações não participantes. O
Estado de S. Paulo, 17 de novembro de 1956, p. 19. Entre os países mencionados na notícia do jornal, a
Hungria não foi listada como um país que se retirou dos Jogos.
370
Na Italia. O Estado de S. Paulo, 11 de novembro de 1956, p. 24.
214

A decisão desses países demonstra a falta de conhecimento de um


de nossos principios basicos: que a politica não pode intervir no
desporto. Esses acontecimentos, porém, farão que mais paises
compreendam que não podem depender dos governos para obter
seus fundos. Supeito que a retirada espanhola foi por razões
políticas e que o governo recusou pagar os gastos dos atletas371.

Esse posicionamento de Brundage corrobora com a entrevista


concedida por Havelange. A todo o momento, o ex-presidente da FIFA fez questão
de separar o esporte da política. Do mesmo modo, o então presidente do COI,
Brundage (que foi contemporâneo de Havelange) também reforçou essa separação.
Embora os discursos coloquem o esporte e a política em lado opostos, as ações
desses dois presidentes acabavam com essa dicotomia e vinculavam o esporte com
a política.
Ao final desses Jogos, por meio de uma moção, o COI lamentou
com tristeza e pesar a ausência da Holanda, Espanha, Suíça, Líbano, Iraque e
China (Pequim) já que a ação desses países não estava de acordo com os ideais
Olímpicos372. Conforme afirma Rubio (2006, p.117), a Guerra Fria estava em seu
auge e havia encontrado nos Jogos Olímpicos mais um espaço para funcionar como
“[...] pretexto para protestos em outras ocasiões, nessa edição a invasão de
Budapeste pelos soviéticos e a guerra do Canal de Suez seriam os motivos para
boicotes”.
Como consequência desses fatos, a Hungria não participou do
futebol, mas os atletas húngaros de outras modalidades estiveram nos Jogos.
Porém, logo começaram a surgir informações na imprensa de que muitos desses
atletas da Hungria que participaram dos Jogos não retornariam para seu país de
origem373.
Após a realização dos Jogos Olímpicos, a Folha da Manhã publicou
uma série especial assinada por Durval Silva com o objetivo de analisar a

371
Critica ás nações não participantes. O Estado de S. Paulo, 17 de novembro de 1956, p. 19.
372
Bulletin du Comité International Olympique, n. 57, fevereiro de 1957, p. 60. A Motion was passed by the
International Olympic Committee, reproving with Sorrow and Regret the Abstention to the Games by some
Nations.
373
Ignora-se o numero de atletas húngaros qe retornarão à pátria. Folha da Manhã, 7 de dezembro de 1956,
Assuntos Gerais, p. 8; Seria de quarenta o numero de atletas húngaros que não retornarão à patria. Cenas
emocionantes na partida dos magiares para Budapeste. Folha da Manhã, 9 de dezembro de 1946, Vida
Esportiva, p. 4; Os atletas hungaros na Italia. O Estado de S. Paulo, 13 de dezembro de 1956, p. 23.
215

participação das equipes brasileiras nos recém-encerrados Jogos374. Para decifrar


os três primeiros colocados – URSS, Iugoslávia e Bulgária – o autor do texto
recorreu a elementos dos estilos de jogo das seleções com destaque para a
nomenclatura conhecida no mundo do futebol em que esses países utilizaram do
sistema diagonal, com uso frequente do goleiro, para defender e atacavam em W
sempre buscando um pivô. De forma implícita trazia à tona o debate sobre o
Futebol-Arte e Futebol-Força quando afirmou que os “[...] russos e iugoslavos, mais
do que os búlgaros, em todas as jogadas usam até abusivamente o corpo.
Lealmente, sempre, mas de forma viril como que a demonstrar que futebol é jogo
para homem... civilizado”.
Logo na sequência perguntava se o futebol brasileiro poderia obter
sucesso se tivesse participado nessa modalidade. A resposta para a sua própria
pergunta dizia que o futebol brasileiro não conseguiria obter êxito nessa competição.
Nas entrelinhas do artigo, pode-se inferir que colocava o futebol dos homens
civilizados de um lado e o futebol brasileiro de outro. De qualquer forma, ressaltou
que seria importante para os jogadores brasileiros adquirir experiência internacional
utilizando-se desse campeonato para formar a base da equipe com objetivo de
disputar o mundial de 1958. Por fim, fez uma crítica à ausência de observadores-
técnicos brasileiros que poderiam ter ido a Melbourne para conhecer e analisar como
os diversos países preparam tecnicamente seus jogadores.
Vários veículos da imprensa estrangeira fizeram críticas quanto à
presença do futebol no programa olímpico375, especialmente quanto à duração da
competição dessa modalidade e de ter acontecido uma partida no último dia dos
Jogos376. Como conclusão, afirmaram que estavam convencidos de que o futebol
não deveria fazer parte do programa Olímpico. Além dessa informação geral, o
Boletim Olímpico destacava o posicionamento do jornal Abendpost de Frankfurt. As
críticas desse jornal qualificavam a competição do futebol como um fiasco, sendo

374
Aquecimento e virilidade derrotaram os brasileiros. A “escola antiga” do basquetebol aproveitou bem sua
ultima oportunidade – Futebol é esporte para homem... civilizado – Dois “segredos” que podem servir ao
esporte em nosso país. Folha da Manhã, 30 de dezembro de 1956, Vida Esportiva, p. 3.
375
O jornal Paris Figaro também aponta que o futebol não deveria fazer parte do programa Olímpico. Além do
futebol, também incluem o ciclismo e boxe. Bulletin du Comité International Olympique, n. 57, fevereiro de
1957, p. 74. Mr. Avery Brundage says... (written before the Melbourne Session).
376
Bulletin du Comité International Olympique, n. 57, fevereiro de 1957, p. 64. Press comments.
216

traduzido pela baixa qualidade das partidas e ainda apontava as equipes, os árbitros
e os espectadores como responsáveis por essa falha377.
Em um artigo publicado pelo jornalista Willy Meisl, em agosto de
1956, na revista World Sports, também foram feitas inúmeras críticas quanto à
presença do futebol no programa Olímpico. No Boletim Olímpico foram selecionadas
algumas passagens do artigo original. Sob o título “A grande farsa do futebol”, Meisl
afirmava que essa modalidade deveria ter saído dos Jogos Olímpicos depois da
realização da primeira Copa do Mundo em 1930. Para ele, a Copa do Mundo era
muito mais justa pelo fato de não limitar a participação dos atletas, já que nos Jogos
Olímpicos sob o lema do amadorismo aconteciam partidas contra equipes
caracterizadas por falsos amadores ou superprofissionais378.
Como se tratava de um texto com alguns trechos do artigo original,
as partes complementares analisavam os argumentos de Meisl. Sobre a presença
de falsos amadores ressaltava que a crítica não cabia ao COI já que a fiscalização
da condição dos atletas deveria ser feita pelo Comitê Olímpico Nacional379. Também
afirmou que poderia existir um movimento em torno da remoção do futebol, mas que
provavelmente receberia uma série de críticas até mesmo por aqueles que queriam
a sua saída. Por fim, a retirada do futebol poderia representar uma queda na receita
dos Jogos, pois apesar do futebol em 1956 ter sido considerado um fiasco, essa
modalidade teve a terceira maior renda ficando atrás somente do atletismo e da
natação, e em 1952 ficou atrás somente do atletismo380. Na primeira oportunidade,
diante das inúmeras desistências das seleções em enviar suas equipes para o
torneio de futebol, voltou-se a questionar a presença dessa modalidade no programa
Olímpico.

4.4.3 O mundo de Sofia é dos amadores

377
Bulletin du Comité International Olympique, n. 57, fevereiro de 1957, p. 66. Football fiasco.
378
Bulletin du Comité International Olympique, n. 60, novembro de 1957, p. 48. The great soccer sham.
379
Essa informação também aparece no Bulletin du Comité International Olympique, n. 66, maio de 1959, p.
32-33. Who is competent of preventing the participation of ‘pseudo-amateurs’ in the Olympic Games?; e em um
outro discurso de Brundage publicado no Bulletin du Comité International Olympique, n. 67, agosto de 1959,
p. 54-56. Solemn opening ceremony of the 55th Session of the International Olympic Committee. Munich, May
23d 1959.
380
Bulletin du Comité International Olympique, n. 60, novembro de 1957, p. 48. The great soccer sham.
217

Modificações a serem implantadas no programa dos Jogos


Olímpicos entraram na pauta da reunião do COI realizada em setembro de 1957 na
cidade de Sofia. Entre as mudanças, previa-se retirar do programa o basquetebol, o
futebol, o ciclismo e polo aquático. O COI entendia que esses quatro esportes não
cumpriam com as regras Olímpicas381. A justificativa para a saída de tais
modalidades foi a seguinte: “Os que apoiam o projeto consideram que a bola ao
cesto, o futebol e o polo aquatico já não obedecem ao espirito olimpico de puro
amadorismo. O ciclismo, por sua vez, é um esporte que deixou de interessar a
grande parte do publico”382. Já o pugilismo, o levantamento de peso, o tiro e o
pentatlo tinham como proposta serem transformados em facultativos ao invés de
permanecerem como obrigatórios, cabendo ao país sede decidir se ofereceria os
esportes facultativos.
Após a reunião do COI, num primeiro momento ficou decidido por
unanimidade não retirar nenhuma modalidade do programa olímpico, e a sugestão
feita por Albert Mayer de não haver distinção entre esportes obrigatórios e opcionais
foi aprovada383. Dessa forma, ficou decidido que cada edição Olímpica deveria ter
pelo menos 15 dos 21 esportes disponíveis e que caberia ao país sede escolher
quais modalidades deveriam compor o programa384. Logo, alguns alertas surgiram
em relação a essa mudança quanto à possibilidade, ao menos teoricamente, da
cidade sede eliminar do programa o atletismo, natação, esgrima, ginástica, hipismo e
futebol385.
No final, ao invés de retirarem, resolveram incluir para os Jogos de
1964 dois esportes: o voleibol e o arco e flecha386. Outra decisão divulgada três dias
depois informava que o COI resolveu reduzir o programa para os Jogos de Roma em
1960, sendo retirados o pentatlo moderno, o ciclismo em estrada e as três

381
Bulletin du Comité International Olympique, n. 61, fevereiro de 1958, p. 73. Amateur International
Football Federation - International Cycling Union - International Amateur Basketball - Federation International
Amateur Swimming Federation.
382
Modificações no programa das olimpiadas. O Estado de S. Paulo, 7 de setembro de 1957, p. 22.
383
Bulletin du Comité International Olympique, n. 61, fevereiro de 1958, p. 73. Rule 30.
384
Bulletin du Comité International Olympique, n. 65, fevereiro de 1959, p. 53. The new Olympic rules -
1958 edition.
385
Bulletin du Comité International Olympique, n. 62, maio de 1958, p. 44. Comments on a decision by
André G. Poplimont, Brussels.
386
Reorganização dos Jogos Olímpicos. O Estado de S. Paulo, 25 de setembro de 1957, p. 8; Bulletin du
Comité International Olympique, n. 61, fevereiro de 1958, p. 74. List of sports which are to figure in the
olympic programme.
218

competições equestres387. Também ficou vedada pelo COI a participação dos atletas
amadores do Estado, mas como a decisão para não permitir a participação desses
atletas seria feita pelos Comitês Olímpicos Nacionais considerou-se que “[...] os
Comitês Olímpicos dos Estados comunistas certamente não desclassificarão a
nenhum de seus atletas ‘amadores do Estado’”388.
A charge abaixo foi veiculada no Boletim Olímpico na apresentação
das definições de amadorismo adotadas pelo COI389. Nenhuma novidade nas
restrições de participação dos atletas nos Jogos Olímpicos. Foi mantida uma série
de condições para o atleta ser enquadrado como amador. Desse modo, a charge
mostra de um lado os dirigentes e do outro os atletas, onde cada um luta para que
exista uma definição para o seu lado.

Figura 12 - A luta pelo amadorismo representada pelo Boletim Olímpico

Em consonância com a imagem acima, foram apresentadas as


discussões realizadas na sessão do COI realizada na cidade de Sofia. Em seu
discurso, Brundage criticou que todos queriam ganhar dinheiro e que não eram mais
amadores. Por conta de seu posicionamento afirmou que nos Estados Unidos tinha
sido chamado de “último amador”, mas ressaltou que apesar das críticas ainda havia
pessoas que acreditavam em uma série de coisas mais importantes do que o
dinheiro e conseguiam ver o idealismo do movimento olímpico – presença dos
amadores – como uma esperança para um mundo melhor390.
Brundage também afirmou que essa reunião em Sofia teria como
objetivo tratar sobre o aumento ou redução do programa olímpico, em face ao
grande número de países participantes e também debater as definições de
387
Bulletin du Comité International Olympique, n. 61, fevereiro de 1958, p. 76. Programme of the Games in
Rome.
388
Importantes decisões do Comitê Olimpico. O Estado de S. Paulo, 28 de setembro de 1957, p. 13.
389
Bulletin du Comité International Olympique, n. 61, fevereiro de 1958, p. 49-50. The International Olympic
Committee passed a resolution on the subject of amateurism.
390
Bulletin du Comité International Olympique, n. 61, fevereiro de 1958, p. 70. Speech given by Mr. Avery
Brundage. Nessa reunião do COI, o Brasil seria representado pelo Dr. Ferreira Santos, mas por motivo de doença
ele não compareceu (p. 72).
219

amadorismo. Como ele mesmo mencionou, por se tratar de um “estado de espírito”


tornava-se difícil de definir, mas essa sessão do COI tinha como objetivo estabelecer
essa definição para que o amadorismo não fosse definido a partir de interpretações.
Também fez acusações com o intuito de defender seu ponto de vista quando
afirmou que o esporte profissional não era um esporte, enquadrava-se como um
entretenimento tal qual o circo. E completou que o competidor que era pago deveria
ser considerado um operário e não um jogador.
Entre os argumentos apresentados por Brundage estavam os ideais
estabelecidos por Coubertin de que no Movimento Olímpico não deveria existir
restrição quanto à raça, religião ou orientação política, mas para cumprir essa
condição era necessário ser amador391.
Embora o discurso e a idealização do COI fossem estabelecidos por
uma via democrática de inclusão, de não diferenciação entre as pessoas,
paradoxalmente não percebiam que o próprio Movimento Olímpico ao restringir a
participação somente aos amadores representava uma forma de selecionar,
discriminar e impossibilitar que as pessoas fizessem parte dos Jogos Olímpicos. E
sempre que necessário, essas visões foram recuperadas como forma de reforçar o
modo pelo qual os membros do COI olhavam o mundo.
Na primeira metade do século XX, as discussões apresentadas nos
Boletins Olímpicos tratavam do embate entre o amadorismo e o profissionalismo,
trazendo à tona o que deveria ser permitido e proibido em relação ao tempo de
afastamento do atleta para participar de competições esportivas e do que seria
autorizado a ser reembolsado ao atleta. Embora uma série de assuntos estivessem
em pauta nas reuniões do COI, um aspecto começou a ganhar espaço dentro da
entidade no final dos anos 50: a relação entre a política e o esporte, canalizada por
meio da restrição do COI junto à China392, Coreia do Norte e Taiwan (Formosa)393. A
discriminação racial na África do Sul também passou a ser discutida nos Boletins394.

391
Bulletin du Comité International Olympique, n. 63, agosto de 1958, p. 44. President Brundage spoke in
Tokyo.
392
Consultar: Bulletin du Comité International Olympique, n. 67, agosto de 1959. About the Chinese Problem
(Taiwan) Statement by Avery Brundage President of the International Olympic Committee given in Lausanne, p.
63; Late issue: the Chinese problem News release from the Organizing Committee of the VIIlth Olympic Winter
Games 1960, on June 3d 1959 (see also statement given at the end of the English text), p. 64; Bulletin du
Comité International Olympique, n. 68, novembro de 1959, p. 32-35. The Chinese problem. Bulletin du
Comité International Olympique, n. 72, novembro de 1960, p. 63-64. The China – Taiwan problem.
393
Apenas em 1961 o COI reconheceu Formosa sob o nome de Taiwan. Incluidos judô e voleibol nos Jogos
Olimpicos. Entrevista. O Estado de S. Paulo, 22 de junho de 1961, p. 20. Sobre esses conflitos, Rubio (2006, p.
118) afirma que “A China protestava contra o nome utilizado por Taiwan, levando o COI a obrigar que a
220

Apesar da proximidade entre o esporte e a política, Brundage insistia


em afirmar que o caso não estava inserido na esfera política. Como exemplo,
lembrou que se o COI atuasse na esfera política, as duas Alemanhas estariam
juntas, não somente para disputar os Jogos Olímpicos395. Também contestou que
Formosa havia sido excluída dos Jogos de Roma e ressaltou que deveria tornar
público o nome de seu Comitê. Por fim, reforçou que se esses três países fossem
reconhecidos pelo COI eles deveriam respeitar as disposições dessa entidade396.

4.5 Roma (1960): os Jogos são para os amadores, mas os


“profissionais” participam

Um ano antes do início dos Jogos Olímpicos de Roma, em uma


reunião dos membros do COI, foi rejeitada a proposta de aceitar a participação dos
profissionais. Brundage fez questão de reforçar o isolamento dos Jogos Olímpicos
da política397 e sobre os profissionais afirmou que eles poderiam ser bons atletas,
mas não conseguiam entender que “o amadorismo constitui uma filosofia de vida...”.
Outro ponto importante foi discutido: o repasse de verba para as Federações
Internacionais.
O Marquês de Exeter, presidente da IAAF, sugeriu que fosse
implantada a cobrança de um imposto de 5% sobre os ingressos, sendo que 3%
ficariam com as Federações Internacionais e os 2% restantes com o COI como
forma de financiar as despesas de viagem para as reuniões da entidade398. Apesar

delegação se apresentasse sob o nome de Formosa, acatado pela delegação, mas sob protesto. O nome China foi
usado apenas pela delegação continental”.
394
Bulletin du Comité International Olympique, n. 67, agosto de 1959, p. 59. Statement given by the
International Olympic Committee - Racial problem in South Africa; Bulletin du Comité International
Olympique, n. 68, novembro de 1959, p. 42-43. The problem of the racial discrimination in South Africa seems
to be solved, at least where sport is concerned.
395
XVI Olympiad Melbourne 1956 (Oficial report), p. 37. Invitations to the Games.
396
Bulletin du Comité International Olympique, n. 68, novembro de 1959, p. 37. The chinese question seen in
its true light.
397
Apesar dessa medida do COI, a política se fazia presente nos Jogos. Esse fato pode ser visto na notícia:
Alemanha unida na Olimpiada. O Estado de S. Paulo, 30 de junho de 1959, p. 17. “Os Comitês Olimpicos da
Alemanha Ocidental e da Alemanha Oriental, reunidos nesta cidade [Koenigswinter], perto de Bonn, decidiram
apresentar uma só turma comum aos Jogos Olimpicos de ‘Squaw Waley’ e de Roma”. Ver também: Bandeira
“neutra” une a Alemanha. Folha da Manhã, 20 de novembro de 1959, p. 9.
398
Bulletin du Comité International Olympique, n. 61, fevereiro de 1958, p. 75. Finances. Ver também
Bulletin du Comité International Olympique, n. 67, agosto de 1959, p. 71. Extract of the minutes of the
Conference of the Executive Board of the International Olympic Committee with the delegates of the
221

de entender que algumas Federações Internacionais necessitavam de ajuda


financeira, Brundage discordou da arrecadação por meio da porcentagem sugerida e
informou que a decisão seria tomada posteriormente pelo Comitê Executivo399. Ao
todo foram computados 53 votos, distribuídos da seguinte forma: 32 votos contra a
proposta da taxa de 3%; 20 votos a favor e um nulo400.
Como essa proposta não foi aceita, Brundage propôs que as
Federações tivessem uma participação sobre o produto da venda dos direitos de
televisão, mas essa contraproposta foi rejeitada401. Diante das negativas falou-se
sobre a possibilidade de “[...] no futuro se organizem torneios mundiais de atletismo
e outros esportes em concorrencia com a Olimpiada”402.

4.5.1 A FIFA quer distinguir a Copa do Mundo do torneio Olímpico

Pela primeira vez, desde que a FIFA e o COI iniciaram o debate em


torno das definições de amadorismo, aconteceu uma ação diferente das que foram
vistas até então. Nesse momento, a FIFA propôs para suas filiadas a proibição da
participação nos Jogos Olímpicos dos atletas, para além dos profissionais que já
estavam proibidos de participar, que compunham o elenco das 16 seleções (22
jogadores por país) que haviam disputado a Copa do Mundo da Suécia de 1958403.
Essa medida foi apresentada como uma esperança de salvar o
torneio de futebol dos Jogos Olímpicos, sob a justificativa de que boa parte dos
vencedores na história do torneio olímpico era proveniente dos países que não
reconheciam o profissionalismo (União Soviética, Suécia, Tchecoslováquia e
Hungria). Essa restrição funcionaria como uma maneira de manter equilibrada as
chances das seleções de futebol nos Jogos Olímpicos. Sobre esse desequilíbrio,
João Havelange, já como presidente da FIFA, analisou a situação:

International Federations, in Munich (Haus des Sportes) May 23rd 1959. Financial aide to the international
federations.
399
Bulletin du Comité International Olympique, n. 61, fevereiro de 1958, p. 76. Debate on finances resumed.
400
Bulletin du Comité International Olympique, n. 67, agosto de 1959, p. 83. Financing the International
Federations.
401
Rejeitada a participação de profissionais na Olimpiada. O Estado de S. Paulo, 24 de maio de 1959, p. 27.
402
Concorrencia á Olimpiada. O Estado de S. Paulo, 28 de maio de 1959, p. 18.
403
Bulletin du Comité International Olympique, n. 65, fevereiro de 1959, p. 70-71. Olympism and football.
222

Nas Olimpíadas de 60, o Gerson com 18 anos, não tinha condições


de disputar uma partida contra jogadores mais experientes e que
tinham mais de 50 partidas internacionais. Gerson tinha somente
quatro ou cinco, mas nas eliminatórias da América do Sul. Os
adversários haviam adquirido maior experiência até em copas do
mundo. Isto é uma das distorções que conseguimos superar404.

Apesar de a FIFA ter instituído que os atletas participantes da Copa


do Mundo de 1958 não poderiam participar dos Jogos Olímpicos de 1960, a
Espanha resolveu não enviar sua equipe de futebol por considerar que não iriam
competir em condições de igualdade caso jogassem contra nações que não
cumpriam os aspectos referentes ao amadorismo que, no caso, eram os países que
não reconheciam o profissionalismo405.
Por fim, foi ressaltado que essa seria uma medida com o objetivo de
melhoria, já que não representaria uma solução para todos os problemas. E foi feita
uma consideração da dificuldade em separar um amador de um profissional quando
o atleta possui uma técnica apurada406.

4.5.2 Ainda o amadorismo

Um artigo escrito para o Boletim Olímpico do professor J. Kenneth


Doherty, da Universidade da Pensilvânia, fazia uma crítica pontual ao modo como o
COI, por meio da não modificação da definição de amadorismo, criou uma barreira
para a participação de um maior número de pessoas. Para o autor, de tempos em
tempos como qualquer outro código, lei ou regras sociais precisam ser revistas e
adaptadas às demandas de seu tempo e isso não foi feito com a definição de
amadorismo407. Seu questionamento fazia uma comparação entre a definição de
amador que valorizava o prazer e a recreação e o esforço diário de treinamento a
que um atleta estava submetido para ter êxito em sua prática esportiva.

404
O futebol pode ficar fora do Pan e da Olimpíada. Folha de S. Paulo, 18 de agosto de 1979, p. 23 – Esportes.
Sobre as distorções que foram superadas elas serão desenvolvidas no tópico sobre o futebol nos Jogos Olímpicos
de 1980.
405
Bulletin du Comité International Olympique, n. 66, maio de 1959, p. 38. Football in the Olympic Games
of Rome.
406
Bulletin du Comité International Olympique, n. 65, fevereiro de 1959, p. 71. Olympism and football.
407
Bulletin du Comité International Olympique, n. 69, fevereiro de 1960, p. 63-68. Modern Amateurism and
the Olympic Code.
223

Em sua análise havia uma distorção entre o que representava ser


um atleta moderno e as regras conservadoras do amadorismo, pois para o autor não
havia diversão na prática dos esportes amadores, pelo contrário, era trabalho.
Criticou os elementos que estruturavam a definição vigente de amadorismo pelo fato
dela assegurar aos competidores uma condição aproximada de preparação e com
pessoas que detinham o mesmo status social, pois era isso que o termo amador
fazia acontecer quando limitava a um pequeno e, portanto, seleto grupo a condição
de praticar determinados esportes como sendo lazer e divertimento. Desse modo,
participar por prazer – condição que, em sua análise, não era realista quando foi
criada e nem naquele momento – e não ter ganhado material direto ou indireto era
uma forma de limitar o acesso das pessoas para praticar esporte.
Na sequência do texto, ressaltava que naquele momento o atleta
amador era um trabalhador, um estudante, enfim, uma pessoa que exercia uma
função em boa parte do seu dia e o que restaria seria dedicado ao esporte. Por fim,
entendia que para haver uma mudança no modo como o amadorismo era pensado
seria preciso implantar uma educação olímpica em que deveria se tornar algo
concreto e sair do papel para se tornar um dispositivo prático permitindo uma mesma
base entre os programas nacionais e internacionais, mas não nos moldes anteriores
em que funcionava como mera instrução às regras e proibições. Como parte da
mudança defendia a valorização dos Jogos Olímpicos por meio da honra nacional e
da glória esportiva.
Ao término dos Jogos Olímpicos de Roma, o editor chefe do
L’Equipe, Gaston Meyer, fez uma crítica às violações das regras do amadorismo
presenciadas na cidade sede. Em sua opinião, deveria existir uma decisão por parte
do COI em permitir a participação de todos os atletas ou de fato limitar. Ressaltou o
aumento do número de atletas do Estado e que os poucos atletas amadores eram
dos países anglo-saxões e australianos408.
Em sua opinião, o caso mais ilustrativo foi da anfitriã Itália que
proibiu uma série de atletas do boxe, ciclismo e futebol de se profissionalizarem com
a intenção de ganharem um maior número de medalhas. Pelo fato da Itália ser a
sede, o editor chefe afirmou que entendia os motivos para tais ações, mas ponderou
que isso deveria valer para todos os países. Sentenciou que o amadorismo, tal como

408
Bulletin du Comité International Olympique, n. 72, novembro de 1960, p. 70. At the Olympic Games of
Rome, Amateurism has been flouted worse than ever before.
224

havia sido no início dos Jogos Olímpicos, não voltaria a existir e que não seria uma
ação imoral a presença dos profissionais junto aos amadores.
Ao final, analisou que a definição de profissional como sendo aquele
que competia em busca de lucro era incompatível com os Jogos Olímpicos pelo fato
desse evento ser controlado pelas Federações Amadoras. Sugeriu que fosse criado
um grupo de amadores e outro de profissionais como forma de permitir que todos
pudessem participar dos Jogos, mas apesar de considerá-la como sendo uma
medida simples, previa que não teria grande adesão dos atletas. Como
consequência dessa situação, concluiu que a definição de profissional era
incompatível com os Jogos Olímpicos e, portanto, deveriam ser excluídos os
seguintes esportes, pelo fato de serem profissionais: o boxe, o ciclismo e o futebol.
No Brasil, um caso parecido aconteceu no Flamengo. Os atletas
Germano, Vanderlei e Manuelzinho foram convocados para integrar a seleção
olímpica, porém, o clube resolveu profissionalizá-los. Com essa ação do Flamengo,
os atletas ficaram impedidos de participar dos Jogos Olímpicos. Esses jogadores
deveriam comparecer à CBD para serem dispensados oficialmente409. Gerson
também estava na mesma condição dos demais atletas, mas por já estar a serviço
da CBD pôde continuar com a seleção410. Essa relação da CBD com o Flamengo
durou até o momento em que o Brasil foi desclassificado da competição, quando o
clube carioca solicitou junto à entidade que o jogador Gerson retornasse
antecipadamente para poder jogar contra o Fluminense411.

4.6 Tóquio (1964): os novos rumos do movimento olímpico

Os anos que antecederam os Jogos de Tóquio (10 a 24 de outubro)


foram importantes para os rumos que o esporte seguiu durante a década de 60.
Embora a discussão das regras do amadorismo tenha aparecido novamente nos
debates entre os membros do COI, novos temas ganharam espaço. Entre eles, o
doping passou a ser visto como uma possibilidade concreta e por isso deveria ser
combatido. A discriminação racial presente na África do Sul ocasionou uma série de

409
Flamengo não acabou dando jogadores para seleção amadora. Jornal do Brasil, 8 de julho de 1960, p. 12.
410
O Flamengo resolveu ceder os amadores. O Estado de S. Paulo, 8 de julho de 1960, p. 20.
411
Gerson regressa: jogara domingo. O Estado de S. Paulo, 7 de setembro de 1960, p. 25.
225

sanções a esse país412, e após meses de tentativas para validar a participação da


África do Sul nos Jogos de 1964, foi oficialmente impedida de participar413.
Entre as ações políticas que se relacionavam com o esporte
estavam414: o não fornecimento de visto para os atletas da Iugoslávia que
participariam da Copa do Mundo de Basquete nas Filipinas (o mesmo fato aconteceu
com os atletas de Taiwan e Israel por ocasião dos Jogos Asiáticos na Indonésia)415;
a participação conjunta das duas Alemanhas416 para os Jogos de Tóquio e a
possibilidade de participação conjunta entre a Coreia do Norte417 e do Sul418. O
resultado dessas divergências políticas fez com que a Indonésia e a Coreia do Norte
não enviassem seus atletas para competir nos Jogos de Tóquio419.
Segundo Horne e Whannel (2012), após a Indonésia negar os vistos,
no ano seguinte, o COI suspendeu o Comitê Olímpico Nacional da Indonésia
retirando-o do quadro de membros da entidade. Como resposta a essa ação do COI,
o presidente do Comitê Nacional da Indonésia, Sukarno, organizou o Games of the
New Emerging Forces (GANEFO)420 que tinha por objetivo defender os interesses
esportivos dos países do Terceiro Mundo e de outros países não membros do COI

412
COI obriga a Olimpiada tira um. Folha de S. Paulo, 10 de fevereiro de 1962, p. 8 – 1º caderno; A África do
Sul talvez não vá à Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 12 de junho de 1963, p. 15; Fora a União Sul-Africana da
Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 11 de fevereiro de 1964, p. 12; África do Sul terá que eliminar racismo. O
Estado de S. Paulo, 27 de junho de 1964, p. 14. O COI criou uma comissão, liderada por Lord Killanin, para
visitar a África do Sul e fazer um relatório relativas ao esporte amador no país. Lettre d'informations /
Newsletter, n. 1, outubro der 1967, s/p. Comité internacional olympique. Activities of the commissions. IOC
South African Commission.
413
A África do Sul foi eliminada dos Jogos. O Estado de S. Paulo, 19 de agosto de 1964, p. 16.
414
Bulletin du Comité International Olympique, n. 81, fevereiro de 1963, p. 43. A Meeting convened for
February 8th 1963 is to take place in Lausanne between, the International Federations and the Executive Board
of the International Olympic Committee.
415
Árabes querem a Indonésia na Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 22 de maio de 1964, p. 16; Mantida
suspensão a atletas da Indonésia e Coréia do Norte. O Estado de S. Paulo, 25 de setembro de 1964, p. 19; A
Coréia do Norte não participará dos Jogos. O Estado de S. Paulo, 9 de outubro de 1964, p. 16.
416
Duas Alemanhas na Olimpiada. Folha de S. Paulo, 20 de dezembro de 1962, p. 19 – 1º caderno; Lettre
d'informations / Newsletter, n. 2, novembro de 1967, p. 5. Comité internacional olympique. 2 - Extracts of the
speech by Avery Brundage, September 29, 1967.
417
A Coréia do Norte envia protesto ao COI. O Estado de S. Paulo, 19 de agosto de 1964, p. 16.
418
Seleção única das 2 Coréias na Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 27 de janeiro de 1963, p. 23.
419
Bulletin du Comité International Olympique, n. 89, fevereiro de 1965, p. 72. Minutes. Extracts. Meeting of
Wednesday 7 October 1964, 9.30 a.m. 5. Report on meeting with N.O.C.’s, October 3rd, 1964.
420
Os países que compunham a GANEFO eram: China, Camboja, Vietnã do norte, Paquistão, RAU (formado
por Egito e Síria), Mali, Guiné e União Soviética (GUTTMANN, 2002). Conforme os Jogos Olímpicos
cresceram e se expandiram, o COI teve que enfrentar alguns desafios diante de outras organizações que surgiam
com a intenção de promover competições esportivas internacionais, tal como o Festival Esportivo dos
Trabalhadores (anos 30), a GANEFO (anos 60) e o Godwill Games (1986) (SENN, 1999).
226

(ADAMS, 2003). A resposta do COI foi proibir a participação nos Jogos Olímpicos
dos atletas que fizessem parte da GANEFO421.
Insatisfeito com as interferências políticas no esporte, o COI foi
obrigado a se posicionar diante desse debate422 e estreitar as ações entre as
Federações Internacionais e os Comitês Olímpicos Nacionais423.

4.6.1 O referendo do COI revela que o futebol não possui prestígio


interno

Um referendo promovido pelo COI junto aos seus membros para


saber qual era a preferência esportiva de seus integrantes como forma de melhor
organizar o programa olímpico para os Jogos de Tóquio foi feito no final de 1960. O
objetivo dessa ação era de identificar elementos para direcionar a redução do
programa olímpico. Embora esse fosse o tema da pauta do COI, abria-se espaço
para reforçar a defesa a favor dos atletas amadores e ressaltava-se que a condição
amadora424, provavelmente, sempre estaria presente nos Jogos Olímpicos425.
Diante das propostas, alguns jornalistas e membros do COI se
posicionaram contra a diminuição426. A consulta junto aos membros tinha por
objetivo estabelecer uma hierarquia dos esportes a fim de compor o mínimo de 15 e
o máximo de 18. Dos 67 membros consultados, 56 eram a favor da supressão do
torneio olímpico de futebol. Ou seja, 83,5% eram a favor da saída do futebol do
programa olímpico. As respostas pediam, “[...] por ordem, a supressão do handebol,
futebol, judô, tiro-ao-alvo, polo-aquatico, e hóquei-sobre-grama. Não obstante, é

421
Bulletin du Comité International Olympique, n. 89, fevereiro de 1965, p. 72. Minutes. Extracts. Meeting of
Wednesday 7 October 1964, 9.30 a.m. 5. Report on meeting with N.O.C.’s, October 3rd, 1964.
422
Para essas notícias, consultar: Bulletin du Comité International Olympique, n. 80, novembro de 1962, p.
47; Bulletin du Comité International Olympique, n. 81, fevereiro de 1963, p. 43-44. Olimpiada. Folha de S.
Paulo, 5 de abril de 1963, p. 5 – 1º caderno.
423
Bulletin du Comité International Olympique, n. 89, fevereiro de 1965, p. 77-78. Annex No. 5. Proposals
by Mr. Constantin Andrianow (item 23 on the agenda). d) Political interference into sport.
424
Bulletin du Comité International Olympique, n. 75, agosto de 1961, p. 84. Minutes of the 58th Session of
the International Olympic Committee Athens 1961 - Senate House - June, 19th, 20th and 21st. Annex No. 5 –
Amateurism. Rule No. 26.
425
Bulletin du Comité International Olympique, n. 75, agosto de 1961, p. 63. Address by Avery Brundage at
the solemn opening ceremony, International Olympic Committee, 58th Session, at the Herodus Atticus ancient
Theatre June 16th 1961.
426
Bulletin du Comité International Olympique, n. 73, fevereiro de 1961, p. 45-47. Soon the Coloureds will
dominate the White Men. Ver também: Should the Olympic Programme be cut down?
227

muito provável que o judô ainda figure nos proximos jogos, simplesmente porque a
nação-sede será o Japão”427.
No ano seguinte, ainda em busca da decisão de quais modalidades
fariam parte do programa dos Jogos de Tóquio, discutiu-se que 22 modalidades
poderiam compor o programa, mas a decisão final confirmou a presença de 20
modalidades. A votação foi estabelecida de modo a indicar quais esportes deveriam
ser retirados. Apenas seis esportes não receberam votos, fato que indicava a
valorização deles dentro do COI. Esses esportes foram: atletismo, ginástica,
levantamento de peso, luta livre, natação e remo428. Os mais votados e, portanto,
indicados a sair do programa foram o arco e flecha (26 votos) e o handebol (28
votos). O futebol ficou na terceira colocação entre os mais votados, com 16
indicações429.
Para justificar os argumentos a favor da retirada do futebol dos
Jogos Olímpicos comparou-se com a primeira Copa do Mundo profissional vencida
pelo Uruguai430 e que após a sua criação o torneio de futebol olímpico necessitava
possuir um maior alcance. Ressaltava que depois da Segunda Guerra Mundial, os
vencedores foram, invariavelmente, países que não adotavam o profissionalismo. À
medida que a FIFA propôs (muitos anos após esses Jogos), a restrição da idade dos
atletas do futebol, foi indicada pela primeira vez para justificar uma possível
presença da modalidade no evento:

[...] nas Olimpiadas, só se justificaria a inclusão do futebol, como uma


competição entre atletas jovens, como os que enviaram a Roma os
argentinos, brasileiros e peruanos. Os outros amadores do Estado,
os que só vivem do futebol e para o futebol, podem e devem

427
O futebol pode ser excluido das olimpiadas. O Estado de S. Paulo, 27 de novembro de 1960, p. 36; O futebol
não se justifica nos Jogos Olimpicos desde a criação da Copa do Mundo. Folha de S. Paulo, 27 de novembro de
1960, p. 6 – Assuntos Diversos II. A notícia reproduzida pelos dois jornais foi produzida por Rafael Garcia, da
AFP.
428
Na publicação do Boletim n. 75 não constava o remo que foi incluído na edição seguinte por meio de uma
errata. Bulletin du Comité International Olympique, n. 76, novembro de 1961, p. 40. Corrections in the
International Olympic Committee Athen’s minutes.
429
Bulletin du Comité International Olympique, n. 75, agosto de 1961, p. 79. Minutes of the 58th Session of
the International Olympic Committee Athens 1961 - Senate House - June, 19th, 20th and 21st. Tokyo
programme. A lista de votação ainda teve os seguintes esportes indicados: pentatlo moderno (15), canoagem
(12), ciclismo (11), voleibol e polo-aquático (9), basquetebol (8), boxe e hóquei de campo (7), iatismo (4),
hipismo, esgrima e judô (2), tiro (1).
430
O futebol pode ser excluido das olimpiadas. O Estado de S. Paulo, 27 de novembro de 1960, p. 36. A notícia
informa, equivocadamente, a data em que aconteceu “a primeira taça do mundo ‘profissional’ vencida pelo
Uruguai, em 1934, [...]”, quando o correto é 1930.
228

competir na autentica Copa do Mundo, unico criterio valido para o


futebol universal431.

A saída do futebol era vista como uma alternativa para as


transformações pelas quais passavam a modalidade. A criação da Copa do Mundo
era um ponto chave capaz de estabelecer uma série de mudanças quando permitiu
a participação tanto de amadores quanto de profissionais. Ao mesmo tempo, o
torneio de futebol dos Jogos Olímpicos era visto como destituído de significado e a
hegemonia construída pelos países que não adotavam o profissionalismo
predominado pelos atletas do Estado fazia questionar a presença do futebol dentro
do programa olímpico.
Se por um lado havia um discurso que defendia a saída do futebol
dos Jogos Olímpicos, por outro havia a defesa a favor de sua permanência. Esse era
o posicionamento da União Soviética, Itália e Peru. Liderados pelo presidente da
Federação de Futebol da União Soviética, Valentin Granatkin, defendiam a presença
do futebol para os Jogos de Tóquio e consideravam “[...] injusto que amadores
admitidos ao campeonato mundial sejam alijados dos Jogos Olimpicos”432.
Apesar de todos os argumentos construídos a favor da saída do
futebol, a modalidade ficou, inicialmente, entre as 18 escolhidas para acontecer nos
Jogos de Tóquio. Desse modo, o Comitê Organizador decidiu “suprimir o pentatlo
moderno433, o tiro com arco, o canoé434 [canoagem] e o handebol435 e incluir o
voleibol na lista de especialidades esportivas [...]”436. Otto Mayer437 declarou que era
“[...] inconcebível que as modalidades do arco e flecha, handebol e voleibol sejam
incluidas no programa dos Jogos Olimpicos de Toquio, em 1964”438. Otto defendia a
permanência de outras duas modalidades que estavam sendo cogitadas pelo

431
O futebol não se justifica nos Jogos Olimpicos desde a criação da Copa do Mundo. Folha de S. Paulo, 27 de
novembro de 1960, p. 6 – Assuntos Diversos II.
432
A Russia que o futebol nos Jogos Olimpicos. O Estado de S. Paulo, 10 de fevereiro de 1961, p. 19; A URSS
vai “democratizar a FIFA”. Folha de S. Paulo, 10 de fevereiro de 1961, p. 9 – 2º caderno.
433
Bulletin du Comité International Olympique, n. 75, agosto de 1961, p. 77. Minutes of the 58th Session of
the International Olympic Committee Athens 1961 - Senate House - June, 19th, 20th and 21st. Tokyo report.
434
Logo houve um protesto contra a saída do remo do programa olímpico. Ver: Bulletin du Comité
International Olympique, n. 75, agosto de 1961, p. 67. Tokyo delegation.
435
Bulletin du Comité International Olympique, n. 75, agosto de 1961, p. 81. Minutes of the 58th Session of
the International Olympic Committee Athens 1961 - Senate House - June, 19th, 20th and 21st. Tokyo delegation.
436
4 modalidades foram excluidas da Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 23 de dezembro de 1960, p. 19.
437
Quando Brundage assumiu a presidência do COI em 1952, Otto Mayer se tornou por seis anos o chanceler do
COI. Otto era um homem de negócios de Lausanne e trabalhava com o joias e relojoaria (GUTTMANN, 2002, p.
113).
438
Organização do programa da Olimpiada de 64. O Estado de S. Paulo, 20 de janeiro de 1961, p. 34.
229

Comitê Olímpico do Japão, queria a troca da canoagem e pentatlo moderno pelo


voleibol e judô439. Seu posicionamento se devia à tradição de tais modalidades
presentes há muito tempo no programa olímpico. O pentatlo moderno estava desde
1912 e a canoagem desde 1936440.
No ano seguinte foram escolhidos 20 esportes, deixando de fora da
lista inicial das modalidades que seriam suprimidas, somente o tiro com arco (arco e
flecha) e o handebol. Foram, de fato, incluídos o voleibol e o judô441.
Mesmo depois da permanência do futebol no programa olímpico dos
Jogos de Tóquio, a imprensa voltou a especular sobre a exclusão da modalidade.
Stanley Rous, então presidente da FIFA, mostrou descontentamento com a postura
da imprensa já que entendia que a entidade organizaria uma Copa do Mundo para
os amadores dentro dos Jogos Olímpicos e ressaltou que 99% dos jogadores de
futebol eram amadores naquele momento. Brundage em resposta a Rous, por sua
vez ressaltou que a FIFA deveria fazer o controle da condição dos atletas amadores
que participariam dos Jogos Olímpicos e alertar, caso houvesse diferença nas regras
da FIFA e do COI, que a última deveria ser seguida para essa competição442.

4.6.2 Reduzir o programa olímpico torna-se a preocupação do COI

Em uma reunião do Comitê Executivo do COI, realizada em junho de


1961, foi informado que não havia nada de concreto quanto à redução do programa
olímpico e ressaltava que a presença dos esportes deveria ser controlada pelo
COI443. O debate entre os membros do Comitê girou em torno do amadorismo,
especialmente, sobre a possibilidade do atleta após os Jogos se tornar um
profissional. Propostas radicais foram apresentadas, tal como a de um membro da

439
Federações são contra proposta dos japoneses. O Estado de S. Paulo, 16 de junho de 1961, p. 32; João
Havelange defendeu a permanência do judô para os Jogos do México de 1968. Ver: Bulletin du Comité
International Olympique, n. 89, fevereiro de 1965, p. 76. 31. Other business. Judo.
440
Outras abolições. O Estado de S. Paulo, 20 de janeiro de 1961, p. 34.
441
Bulletin du Comité International Olympique, n. 77, fevereiro de 1962, p. 34. Increase of the number of
Sports and Events at The 1964 Olympic Games (Tokyo and Innsbruck). They will be the greatest of History;
Incluidos judô e voleibol nos Jogos Olimpicos. O Estado de S. Paulo, 22 de junho de 1961, p. 20.
442
Bulletin du Comité International Olympique, n. 83, agosto de 1963, p. 53. Minutes of the meeting of the
Executive Board of the International Olympic Committee with the representatives of the International Sports
Federations Lausanne, June 6th 1963. Hôtel de la Paix. Protection of Olympic emblems.
443
Bulletin du Comité International Olympique, n. 75, agosto de 1961, p. 64. Minutes of the Conference of
the Executive Board of the International Olympic Committee with the delegates of the International Federations
Athens 1961 - Senate House - June 16th.
230

Federação Internacional de Esgrima, Pierre Ferri, que propunha a exclusão do


esporte caso o atleta, após os Jogos, se tornasse profissional.
O presidente Brundage defendia uma aproximação das Federações
Internacionais com os Comitês Olímpicos Nacionais a fim de reduzir uma série de
problemas gerados por mal-entendidos. Há algum tempo, existia a determinação de
que caberia aos Comitês Olímpicos Nacionais o papel de fiscalizar se o atleta se
enquadrava nas normas do amadorismo estabelecidas pelo COI444. Também
ressaltou a necessidade das Federações Internacionais em estabelecer um controle
do número de atletas inscritos para participar dos Jogos445. Nesse momento havia
tido um aumento significativo do interesse em fazer parte dos Jogos Olímpicos. No
futebol, por exemplo, para os Jogos de Roma 1960 foi realizada uma eliminatória
com 52 seleções das quais apenas 16 puderam participar do torneio olímpico.
Nessa reunião, o representante do futebol, o senhor Barassi, alertou
que o COI tinha poderes para eliminar do programa os esportes profissionais, mas
pediu que antes de tomar uma decisão a Federação Internacional envolvida fosse
escutada446. Também ficou decidido que um esporte que fizesse parte dos Jogos
Olímpicos, sendo aprovado pelo COI e pelo Comitê Organizador, não poderia ser
excluído nos Jogos seguintes447. Essa decisão garantia a permanência do futebol no
programa olímpico.
Os membros do COI foram alertados por Brundage para que
prestassem atenção na gravidade do problema do doping e que o COI necessitava
de mais elementos para que pudesse entender como poderia ser caracterizado um
doping448.
É no início dos anos 60 que começa a se modificar o olhar do COI
para o evento que organiza. Essas mudanças podem ser percebidas por meio dos
Boletins Olímpicos que tiveram, durante mais de 60 anos, o tema do amadorismo449

444
Bulletin du Comité International Olympique, n. 75, agosto de 1961, p. 79. Minutes of the 58th Session of
the International Olympic Committee Athens 1961 - Senate House - June, 19th, 20th and 21st. “Rule o n
amateurism (Annex No. 5).
445
Bulletin du Comité International Olympique, n. 75, agosto de 1961, p. 66. Limiting entries.
446
Bulletin du Comité International Olympique, n. 75, agosto de 1961, p. 67. The organizing committee of
Innsbruck.
447
Bulletin du Comité International Olympique, n. 75, agosto de 1961, p. 67-68. Annex No 4 - To the
President of the International Olympic Committee.
448
Bulletin du Comité International Olympique, n. 75, agosto de 1961, p. 74. Minutes of the 58th Session of
the International Olympic Committee Athens 1961 - Senate House - June, 19th, 20th and 21st. Doping.
449
Uma crítica ao amadorismo é apresentada por Frédéric Schlatter no Bulletin du Comité International
Olympique, n. 75, agosto de 1961, p. 90-91. Sport versus Amateurism.
231

como foco no sentido de estabelecer os critérios para um atleta fazer parte dos
Jogos Olímpicos. Após essas seis décadas de debate intenso, o esporte começa a
se modificar de forma mais rápida e essa discussão a perder força. Não
desaparecerá por completo; vestígios dela aparecerão nos anos e décadas
seguintes, mas um novo tema habita o olhar do COI: a ameaça do doping.
Embora o doping seja o tema que irá compor as discussões, um
novo tema aparecerá nos números seguintes, também pelo fato de estar em
destaque na imprensa: a discriminação racial450. Foi nesse contexto que a FIFA
suspendeu a Associação Sul-Africana de Futebol451.

4.6.3 As regras do amadorismo são revisadas

Por meio da constatação que o esporte se transformou muito,


especialmente, ao longo dos primeiros anos do século XX, o COI recebeu inúmeras
críticas por não promover alterações nas regras do amadorismo. Depois de tanto
tempo, o COI resolveu atualizá-las.
Entre as mudanças, o tempo de afastamento (broken time)
praticamente deixou de existir pelo fato de possuir um significado amplo e que não
se encaixava nos requisitos olímpicos, com isso, perdeu-se o sentido de falar em
reembolso por perda de salário452. O ponto central do debate entre o COI e a FIFA
que aconteceu nos anos 20 deixou de existir com as reformas apresentadas 40 anos
depois.
O COI deve ter percebido que a mudança era necessária, pois suas
regras não estavam sendo cumpridas. As críticas apontavam para a existência de
falsos amadores nos Jogos Olímpicos que podiam se dedicar integralmente aos
treinamentos como se fossem profissionais. Ao propor a mudança, o COI queria
minimizar as críticas e passar uma visão de que existia espaço para o debate e para
a mudança dentro da entidade.

450
Bulletin du Comité International Olympique, n. 76, novembro de 1961, p. 29-30. Press Review - Racial
discrimination in South Africa (from the Daily Mail 12. 8. 61).
451
Bulletin du Comité International Olympique, n. 76, novembro de 1961, p. 30. News in brief.
452
Bulletin du Comité International Olympique, n. 80, novembro de 1962, p. 44. Eligibility Rules of the
International Olympic Committee.
232

No entanto, ainda havia uma exceção vinculada ao tempo de


afastamento. Embora o COI entendesse que o pagamento pelo tempo de
afastamento infringia os princípios olímpicos, foi autorizado o pagamento em uma
situação específica: quando ficasse comprovado que os dependentes do atleta
necessitassem de ajuda financeira, em razão da falta de pagamento durante o
afastamento (sem exceder 30 dias). Foi autorizado que o Comitê Olímpico Nacional
concedesse uma ajuda financeira a essa família desde que não representasse um
valor acima do que o atleta teria recebido caso não estivesse em competição453.
Continuou a existir a necessidade de o atleta ser amador e foi
reforçado que nenhuma discriminação era permitida contra qualquer país ou pessoa
por motivos de raça, religião ou filiação política. Mas para fazer parte da condição de
amador, o atleta ainda deveria cumprir alguns requisitos, tais como participar do
esporte por prazer sem ter ganhos financeiros com essa atividade454.
De modo geral, continuaram a existir muitas das restrições
colocadas para estabelecer quem era amador455. As novidades criadas com a
alteração das regras apresentavam a necessidade do atleta possuir uma ocupação
que o permitisse sobreviver no presente e no futuro, isto é, definiu o atleta amador
como aquele “que ocupa um cargo, não relacionado com o esporte, do qual retira o
seu sustento”456, e que o atleta ficava vinculado às regras e interpretações da
Federação de seu esporte457. Além disso, com o fim do tempo de afastamento, ficou
estabelecido que um atleta que ficasse afastado de suas atividades profissionais ou
estudantis devido a treinamento por mais de três semanas, seria considerado
profissional458.

453
Bulletin du Comité International Olympique, n. 80, novembro de 1962, p. 45. Contribution because of loss
of salary.
454
Bulletin du Comité International Olympique, n. 80, novembro de 1962, p. 44. The Olympic Games are
restricted to amateurs.
455
Bulletin du Comité International Olympique, n. 80, novembro de 1962, p. 44-45. Among others, the
following are not eligible for Olympic competitions.
456
Definição Olimpica de amador. O Estado de S. Paulo, 17 de junho de 1961, p. 25. Havia também o desejo de
alguns membros do COI de eliminar como amador os atletas que exerciam “função profissional relacionada com
o esporte, tais como professores de educação física, jornalistas esportivos, médicos e treinadores. Na mesma
reunião foram tratados ainda os seguintes assuntos, que poderão ser objeto de deliberação na reunião do COI: -
diminuição dos torneios continentais; - estabelecimento de medalhas para os quartos, quinto e sexto colocados
nos Jogos Olimpicos; - eliminação do hasteamento de bandeiras e execução dos hinos nacionais durante a
entrega de premios”. Olhando para as edições posteriores, esses três itens foram apenas propostas que nunca
foram concretizadas.
457
Bulletin du Comité International Olympique, n. 80, novembro de 1962, p. 44. Article 26.
458
Bulletin du Comité International Olympique, n. 80, novembro de 1962, p. 45. Among others, the following
are not eligible for Olympic competitions.
233

Os atletas que eram chamados de falsos amadores também


sofreram sanções com as modificações estabelecidas. A partir daquele momento
não eram considerados amadores os atletas que recebiam subsídios do governo ou
de algum comércio, bolsas de instituições educacionais; os atletas que explorassem
por meio da publicidade a sua imagem e os atletas que tivessem um emprego
remunerado com pouca carga horária para poderem se dedicar aos treinamentos.
Além desses itens que restringiam a condição do atleta amador, uma
alteração afetaria os países da Cortina de Ferro que não adotavam o
profissionalismo. Ficava proibido ao atleta amador receber do governo um cargo no
exército, na polícia ou no próprio governo para que ficassem afastados de suas
atividades laborais a fim de treinarem intensivamente459. Os atletas do Estado
também não seriam mais considerados amadores460.

4.7 Cidade do México (1968): o ano em que o mundo mudou

Cinco anos antes dos Jogos do México, em uma reunião do COI,


ficou decidido, tal como havia acontecido para os Jogos de Roma, quais
modalidades não deveriam fazer parte do programa olímpico. As mais votadas461 e,
portanto, indicadas para não fazerem parte dos Jogos de 1968 foram: o handebol
(33 votos), o judô (37 votos)462, o arco e flecha (32 votos) e o voleibol (25 votos)463.
Atletismo, natação e saltos ornamentais não foram votados enquanto o futebol
recebeu 16 votos.
Embora as mais votadas tenham sido os esportes acima
mencionados, Otto Mayer, entendia que poderiam ser eliminados o futebol, o
basquetebol, o ciclismo e o hóquei pelo fato que esses esportes, “ainda que de

459
Bulletin du Comité International Olympique, n. 80, novembro de 1962, p. 44-45. Pseudo Amateurs.
460
Bulletin du Comité International Olympique, n. 85, fevereiro de 1964, p. 75. 6. A new rule for the
eligibility to the Olympic Games.
461
Bulletin du Comité International Olympique, n. 85, fevereiro de 1964, p. 82. How was established the
1968 Games Programme.
462
Judô excluído da Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 10 de outubro de 1965, p. 40.
463
Bulletin du Comité International Olympique, n. 85, fevereiro de 1964, p. 68. Minutes of the 60th Session
of the International Olympic Committee Baden-Baden Kurhaus October 14th-20th 1963. 9. Programme of sports
for the 1968 Games.
234

condição amadora, acobertam uma velada remuneração. Isso é contrário ao lema


olimpico”464.
A escolha da Cidade do México (12 a 27 de outubro) gerou uma
série de críticas ao COI pelo fato da altitude influenciar o desempenho dos atletas,
mas o presidente Brundage procurou ressaltar os pontos positivos dessa escolha, tal
como o fato da altitude poder beneficiar alguns465 e prejudicar outros466, além de
pontuar que o México representava o primeiro país de língua espanhola e o primeiro
país da América Latina a ser sede dos Jogos Olímpicos. Brundage também voltou a
falar sobre a importância dos Jogos Olímpicos serem para os amadores e da
necessidade de impedir que essa competição se tornasse um trampolim para o
profissionalismo467.

4.7.1 O COI e a FIFA retomam o debate

Seguindo a linha das restrições, a FIFA decidiu impedir a


participação nos Jogos Olímpicos dos atletas amadores da Europa e da América do
Sul, que participaram das eliminatórias e da Copa do Chile de 1962. Em 1960, a
restrição foi destinada apenas as seleções 16 que participaram da Copa do Mundo
da Suécia de 1958. Naquele momento, segundo o secretário-geral da FIFA, Helmut
Kaser, essa medida foi tomada após a participação da União Soviética, campeã dos
Jogos Olímpicos de Melbourne de 1956 com a mesma seleção que havia disputado
a Copa do Mundo de 1954468.
Após os Jogos de Tóquio, o assunto foi novamente retomado com o
objetivo de estabelecer uma política junto as Federações Internacionais para os
esportes profissionais e amadores. A complexidade do problema em relação ao
controle do esporte amador gerava a necessidade de cumprir a aplicação das regras

464
O COI reduz para menos de vinte os esportes olímpicos. O Estado de S. Paulo, 8 de junho de 1962, p. 13.
465
Itália analisa o pré-olímpico. O Estado de S. Paulo, 30 de outubro de 1965, p. 17.
466
Altitude começa a prejudicar. O Estado de S. Paulo, 14 de outubro de 1965, p. 21.
467
Lettre d'informations / Newsletter, n. 2, novembro de 1967, p. 5-6. Comité internacional olympique. 2 -
Extracts of the speech by Avery Brundage, September 29, 1967.
468
Fora da Olimpiada. O Estado de S. Paulo, 29 de maio de 1962, p. 22.
235

e isso havia ficado sob responsabilidade das Federações Internacionais e dos


Comitês Olímpicos Nacionais469.
Para Brundage, os esportes coletivos geravam uma grande
dificuldade de controle, e era muito difícil que esses tipos de modalidades
permanecessem amadoras. Como exemplo, apresentou o caso da equipe de futebol
italiana que durante a fase das eliminatórias para os Jogos de Tóquio não cumpriu
as regras amadoras e sua seleção foi desclassificada por ser formada por
profissionais. Esse fato gerou uma série de protestos, por parte da imprensa e do
público, acusando os oficiais que denunciaram o caso como sendo antipatriotas.
Após uma votação (31 votos a favor e 1 contra) ficou decidido que, em um ano, a
FIFA teria que criar Federação Amadora Internacional independente para que o
futebol não fosse eliminado do programa olímpico470.
Rous, então presidente da FIFA, questionou o pedido do COI.
Afirmou que somente poderia se posicionar depois do Congresso da FIFA que
aconteceria em 1966. Além disso, gostaria de saber qual o direito do COI em
estabelecer mudanças na estrutura de uma Federação Internacional. Sobre a
ameaça de a modalidade ficar de fora dos Jogos do México de 1968 caso não
fossem cumpridas as exigências, Rous lembrou que em uma reunião do COI,
ocorrida em Baden-Baden, já havia sido decidido pela presença do futebol nos
Jogos de 1968471.
Rous ainda argumentou que as Federações amadoras não tinham
muitos recursos financeiros, fato que dificultaria a criação de tal entidade solicitada
pelo COI. Sobre a desclassificação italiana, reforçou que foi um erro de interpretação
das regras e do regulamento por parte do Comitê Olímpico da Itália e de sua
Federação de Futebol e não da FIFA472. Por fim reclamou que a FIFA não havia
recebido nenhuma parcela referente aos direitos televisivos, pelo contrário, tinha

469
Ver em anexo - Formulário de inscrição para os Jogos Olímpicos e declaração de amador (1967) - um
modelo do formulário padrão de inscrição com as regras e da declaração de amador que o atleta deveria
preencher.
470
Esse fato também foi solicitado para a União de Ciclistas Internacionais (UCI). Bulletin du Comité
International Olympique, n. 89, fevereiro de 1965, p. 74. 17. Future policy on International Federations which
rule bath amateur and professional sport.
471
Bulletin du Comité International Olympique, n. 90, maio de 1965, p. 66. Extracts of the minutes Meeting
of the Executive Board of the International Olympic Committee with the representatives of the International
Federations, In Lausanne on 12 April 1965. Resolution No. 3 by the International Federations. (participation of
all sports on the Olympic programme).
472
Bulletin du Comité International Olympique, n. 95, agosto de 1966, p. 91. Annex No. 7. Proposal from the
“Fédération lnternationale de Football Association”.
236

contribuído com 60 mil libras para o desenvolvimento do futebol em alguns países.


Em seguida, o Marquês Exeter, presidente do Comitê Olímpico da Grã-Bretanha e
vice-presidente do COI, lembrou que a FIFA não havia recebido o repasse financeiro
porque o futebol não considerou os Jogos Olímpicos como sendo seu campeonato
mundial. Brundage ainda ressaltou que a discussão daquele momento não se referia
aos Jogos de 1968 e sim aos Jogos seguintes que aconteceriam em 1972. Reforçou
que os Jogos Olímpicos eram para atletas amadores e que o COI não tinha o direito
de interferir nos assuntos internos das Federações Internacionais, mas que poderia
decidir quais Federações desejaria reconhecer473.
Para resolver esse impasse, de ter que separar os amadores dos
profissionais, a FIFA apresentou uma proposta em que criava uma comissão
amadora encarregada exclusivamente de cuidar do futebol amador. Tal solução não
satisfez completamente o COI. Brundage alertou que o futebol profissional existia na
Europa e na América do Sul e era praticamente desconhecido na África e na Ásia.
Muitos consideravam que o futebol, por ser um esporte popular, deveria ser mantido
no programa, mas que deveria existir um controle maior de quem era amador para
poder participar dos Jogos Olímpicos. Por fim, o COI entendeu que somente o tempo
poderia dizer se essa nova comissão amadora iria realmente funcionar474. Sobre a
praticamente ausência de profissionais na África e na Ásia, o membro do Comitê
Olímpico Nacional da Etiópia, Y. Tessema, alertou que caso o futebol fosse retirado
dos Jogos Olímpicos isso poderia funcionar como uma ação facilitadora para a
entrada do profissionalismo nesses continentes475.
A FIFA continuou a insistir na criação de uma comissão amadora
autônoma para cumprir as exigências do COI e essa entidade considerou viável a
proposta, a não ser em relação ao pagamento de salário durante o período de
afastamento que era aceito pela FIFA476 e proibido pelo COI477. Rous explicitou que

473
Bulletin du Comité International Olympique, n. 90, maio de 1965, p. 66. Extracts of the minutes Meeting
of the Executive Board of the International Olympic Committee with the representatives of the International
Federations, In Lausanne on 12 April 1965. Resolution No. 3 by the International Federations. (participation of
all sports on the Olympic programme).
474
Bulletin du Comité International Olympique, n. 92, novembro de 1965, p. 77. Minutes of the 63rd Meeting
of the I.O.C. 21. Negotiations with the U.C.I. and the F.I.F.A.
475
Bulletin du Comité International Olympique, n. 92, novembro de 1965, p. 66. Meeting of the I.O.C.
Executive Board with the delegates of the National Olympic Committees. 10. Other business.
476
Bulletin du Comité International Olympique, n. 95, agosto de 1966, p. 90. Annex No. 7. Proposal from the
“Fédération lnternationale de Football Association”.
477
Bulletin du Comité International Olympique, n. 95, agosto de 1966, p. 84. Minutes of the 64th session of
the I.O.C. 20. Report on Amateur Organizations for Cycling and Football.
237

os jogadores de futebol que participavam do torneio olímpico e de outras


competições organizadas pela FIFA deveriam obedecer à definição de amador
estabelecida pela entidade478. Por fim, não houve modificações no regulamento do
futebol olímpico dos Jogos de Tóquio para os Jogos do México479.
Uma proposta de distribuição do dinheiro de televisão para cada
modalidade foi apresentado pelo Marquês de Exeter. Por meio de um quadro,
Exeter, exibiu as médias das receitas de cada modalidade das três últimas edições
dos Jogos Olímpicos. O futebol foi a terceira melhor média, atrás de atletismo e
natação, e em sua proposta deveria receber nos Jogos do México o correspondente
a 8,3%480.

4.7.2 A política e o esporte se aproximam: os Panteras Negras

No plano político, o COI definiu que as Alemanhas poderiam


competir separadamente como Alemanha Ocidental e Alemanha Oriental, mas
deveriam adotar a mesma bandeira e o mesmo hino (a “Nona sinfonia” de
Beethoven)481. Logo que a notícia foi divulgada, manifestações distintas foram
proferidas por porta-vozes do governo de cada país. Para a Alemanha Oriental “esta
amarga noticia repercute profundamente na area desportiva e ainda não se podem
alcançar suas consequencias políticas”. No lado Ocidental, a notícia foi recebida de
forma diferente, vista como “uma grande vitoria do ideal olimpico”482.
Outro conflito a ser resolvido foi quanto ao nome que seria
representada a Coreia do Norte. Os norte-coreanos exigiam ser denominados como
República Democrática Popular da Coreia e pressionava o COI para representá-la
dessa forma nos Jogos Olímpicos483. Por outro lado, a Coreia do Sul discordava

478
Bulletin du Comité International Olympique, n. 95, agosto de 1966, p. 90. Annex No. 7. Proposal from the
“Fédération lnternationale de Football Association”.
479
Newsletter, n. 9, junho de 1968, p. 242. Comité international olympique. Football.
480
Bulletin du Comité International Olympique, n. 98-99, maio – agosto de 1967, p. 93. Extracts of the
minutes of the 65th session of the International Olympic Committee Tehran, 6, 7, and 8 May, 1967. 19 Report on
distribution television Money.
481
COI separa as turmas alemãs. O Estado de S. Paulo, 9 de outubro de 1965, p. 16. Essa situação durou até o
dia 1º de novembro de 1968 quando ficou decidido que a Alemanha Oriental poderia ter seu próprio hino,
bandeira e símbolo. Consultar: Newsletter, n. 15, dezembro de 1968, p. 599. Comité internacional olympique.
Request for change of name of the North Korean Olympic Committee.
482
COI separa as turmas alemãs. O Estado de S. Paulo, 9 de outubro de 1965, p. 16.
483
Questão da Coréia. O Estado de S. Paulo, 5 de maio de 1967, p. 17; Newsletter, n. 15, dezembro de 1968, p.
598. Comité internacional olympique. Request for change of name of the North Korean Olympic Committee.
238

dessa denominação porque “representaria um reconhecimento de fato do regime


norte-coreano, que figura simplesmente como uma equipe regional nos registros do
Comitê Olímpicos Internacional”484. O COI não aceitou a mudança do nome, pois se
aceitasse teria também que estender a permissão para Alemanha e Taiwan485, e
manteve para suas competições apenas Coreia do Norte486.
Havia a ameaça da maioria dos países africanos de não
participarem dos Jogos Olímpicos do México caso a África do Sul, com sua política
de segregação racial, fosse aceita a participar487. As especulações quanto à
participação sul-africana nessa edição olímpica logo começaram a surgir, mas sem
nenhum aval do COI488. Quando aconteceu a reunião com o COI, a África do Sul
prometeu que a delegação seria formada por brancos e negros. Diante dessa
promessa, alguns países africanos se posicionaram489:

Não obstante, 14 países africanos apresentaram moção contra a


readmissão da África do Sul, alegando que as medidas de integração
não são suficientemente radicais e ameaçando a levar a cabo o
primeiro boicote em massa na historia dos Jogos Olímpicos se ela fôr
permitida. URSS, Iugoslavia, Hungria, Cuba e Bulgaria apoiaram a
moção dos africanos, mas não os acompanharam na ameaça490.

Em pouco tempo outros países aderiram ao boicote491 (Cuba,


Malásia, Índia, Arábia Saudita, Iraque, Síria, Paquistão, Kuwait492, Etiópia e
Indonésia)493 e como o Comitê Organizador do México passou a temer um
esvaziamento do evento por conta da presença da África do Sul se posicionou

Porém antes da permissão entrar em vigor, o COI alegando o descumprimento por parte da Coreia do Norte de
um acordo que haviam feito retirou a permissão para usarem a sigla D. P. R. Korea. Consultar no mesmo número
do Boletim, a página 600.
484
Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 12 de outubro de 1967, p. 27.
485
Newsletter, n. 15, dezembro de 1968, p. 598. Comité internacional olympique. Request for change of name
of the North Korean Olympic Committee.
486
Newsletter, n. 5, fevereiro de 1968, p. 108. Comité international olympique. North Korea; Coréia não vai à
Olimpíada por causa do nome. Folha de S. Paulo, 4 de fevereiro de 1968, p. 14 – 1º caderno; Coréia do Norte
abandona os Jogos em sinal de protesto. Folha de S. Paulo, 16 de outubro de 1968, p. 11 – 1º caderno.
487
Africanos ameaçam desistir. O Estado de S. Paulo, 18 de março de 1967, p. 14; África negra decide pelo
boicote. O Estado de S. Paulo, 25 de fevereiro de 1968, p. 23.
488
África do Sul na Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 14 de abril de 1967, p. 15.
489
Os sul-africanos vão fazer apelo. O Estado de S. Paulo, 5 de março de 1968, p. 27.
490
África promete integrar. O Estado de S. Paulo, 5 de maio de 1967, p. 17.
491
COI reúne-se dentro de 60 dias. O Estado de S. Paulo, 3 de março de 1968, p. 43; Olimpiada: boicote
confirmado. Folha de S. Paulo, 26 de fevereiro de 1968, p. 8 – 2º caderno; Olimpíada: não participar. Folha de
S. Paulo, 29 de fevereiro de 1968, p. 7 – 2º caderno.
492
O Kwait aderiu alguns dias depois. Ver: Os sul-africanos vão fazer apelo. Adesão. O Estado de S. Paulo, 5
de março de 1968, p. 27.
493
Etiopia e Indonesia boicotam a Olimpiada. Folha de S. Paulo, 25 de fevereiro de 1968, p. 11 – 1º caderno.
239

contra a readmissão desse país ao alegar que a presença sul-africana “contraria o


regulamento do COI e o ideal esportivo”494.
Diante do desenrolar dos fatos o COI marcou uma reunião para
definir o caso. Porém, como haveria poucos membros presentes na reunião para
discutir a situação da África do Sul ficou decidido que os ausentes poderiam enviar
seus votos por correio, fato que gerou certa discordância para alguns membros por
entenderem que esse procedimento era irregular. O resultado revelou que a maioria
dos membros do COI aceitou a participação de uma equipe mista da África do Sul495.
Com a possibilidade de organização de um boicote dois atletas do
atletismo norte-americano, Tommie Smith e Lee Evans, foram convidados pelo
movimento antissegregacionista a aderir à ideia496. O movimento foi idealizado pelo
professor negro Harry Edwards, da Universidade de San Jose, da qual os dois
atletas eram alunos. O argumento do professor para o movimento foi pelo fato de
que os “[...] atletas negros são explorados nos Estados Unidos, onde a opressão das
pessoas de côr é tão grande como a que existe na África do Sul’”. E em reunião
realizada em Los Angeles, ficou decidido por unanimidade que os atletas negros dos
Estados Unidos iriam boicotar os Jogos Olímpicos do México497.
Haviam seis reivindicações feitas pelo movimento, das quais cinco
referiam-se ao combate à discriminação racial e a outra exigência atingia
diretamente o controle do poder dos Jogos Olímpicos, o presidente Brundage. O
professor Harry Edwards o acusava de preconceito em relação aos negros e aos
judeus. Segundo o professor: “Nossas investigações revelam que o sr. Brundage
não tolera negros ou judeus. Negou o uso de seu clube de campo na California a
grupos que figuram negros e judeus e disse que preferia vendê-lo em lotes a permitir
que um negro pusesse os pés lá”498.

494
México veta a África do Sul. O Estado de S. Paulo, 10 de março de 1968, p. 37.
495
Newsletter, n. 5, fevereiro de 1968, p. 104. Comité international olympique. Postal vote on the south african
question.
496
Negros ianques podem boicotar as Olimpíadas. O Estado de S. Paulo, 27 de setembro de 1967, p. 17. “Os
dois atletas citados encontram-se ainda indecisos e Smith explica o dilmea: ‘Se os atletas negros decidirem
boicotar os Jogos Olímpicos, os Estados Unidos o sentirão, uma vez que os negros constituem sua grande força
em provas de velocidade, corridas com barreiras e salto em extensão, principalmente. Mas, por outro lado, é de
arrancar o coração ter que competir ao lado de atletas brancos: ‘na pista, és Tommie Smith, o homem mais
rápido do mundo, mas ao entrar nos vestiários, és apenas um negro sujo’. Lee Evans afirma que o movimento é
grande, mas que não acredita que surta resultados a tempo”.
497
Negros vão boicotar as Olimpíadas. O Estado de S. Paulo, 25 de novembro de 1967, p. 17.
498
Negros exigem saída de Brundage do COI. O Estado de S. Paulo, 17 de dezembro de 1967, p. 52.
240

A resposta de Brundage foi dada em uma entrevista a um jornal de


Chicago como forma de se defender das acusações. Como argumento, “Avery
Brundage manifestou que a acusação de discriminação racial era uma calunia e
disse que ‘as Olimpíadas sempre foram um acontecimento livre de qualquer
perseguição racial’”499.
Diante das pressões e da possibilidade de boicote, o COI mudou seu
posicionamento500 e retirou o aceite quanto à participação da África do Sul (foram 41
votos a favor da retirada da África do Sul e 13 para manter o convite)501. Tal fato
gerou um enfraquecimento do movimento a favor do boicote aos Jogos Olímpicos,
afinal, o principal motivo para a mobilização havia se perdido502.
Quando tudo indicava que a possibilidade de boicote estava
dissipada, o assunto foi retomado a partir da invasão da União Soviética na
Tchecoslováquia. Tendo como pano de fundo o contexto da Guerra Fria, os Estados
Unidos anunciaram a possibilidade de boicotar os Jogos do México e teriam o apoio
da “Suecia, Dinamarca e Noruega [que] já anunciaram que se retirarão de todas as
competições em que a URSS tomar parte nas Olimpíadas [...]”503.
Sob o slogan “México, sim. Olimpíadas, não”, os estudantes
mexicanos aproveitavam a visibilidade dos Jogos para protestar contra o governo
em relação à Educação do país504, especialmente por melhores condições de ensino
na Universidade Autônoma do México505, por reformas democráticas na
Universidade e na sociedade mexicana (CRIPA, 2011). Como ação para impedir a
manifestação dos estudantes, o secretário de Educação do México “[...] decidiu
suspender as aulas em todo o país durante a realização da competição”506.
Antes dos Jogos, havia muita tensão no México, principalmente pelo
fato do então presidente do país, Gustavo Días Ordáz, estar impotente diante dos

499
Negros exigem saída de Brundage do COI. O Estado de S. Paulo, 17 de dezembro de 1967, p. 52.
500
COI vai rever o caso da África. O Estado de S. Paulo, 2 de março de 1968, p. 14; Brundage sem solução
ainda. O Estado de S. Paulo, 18 de abril de 1968, p. 26.
501
Newsletter, n. 8, maio de 1968, p. 149-150. Comité international olympique. Mexico without the South
Africans. Ver também: O Estado de S. Paulo, 24 de abril de 1968, p. 17; África do Sul não vai à Olimpiada.
Folha de S. Paulo, 25 de abril de 1968, p. 5 -2º caderno.
502
Boicote negro deve malograr. O Estado de S. Paulo, 26 de junho de 1968, p. 17.
503
EUA poderão boicotar Jogos como protesto contra URSS. O Estado de S. Paulo, 24 de agosto de 1968, p.
16.
504
México tentará evitar conflitos. O Estado de S. Paulo, 29 de agosto de 1968, p. 26.
505
Movimento estudantil de 1968 representa luta contra opressão no mundo, diz professora. Folha Online, 5 de
maio de 2008. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u397995.shtml. Acesso em 23 de
fevereiro de 2013.
506
México tentará evitar conflitos. O Estado de S. Paulo, 29 de agosto de 1968, p. 26.
241

protestos dos estudantes, considerando as reivindicações como “ilegítimas” 507. Além


do mais, o governante via os Jogos Olímpicos como “[...] uma oportunidade para o
governo mostrar internacionalmente as realizações da Revolução Mexicana e a
situação de modernidade da cidade do México” (MISKULIN, 2008, p. 1).
Dez dias antes do início dos Jogos Olímpicos aconteceu um grave
confronto entre o Exército mexicano e os manifestantes que protestavam na Praça
das Três Culturas508, em Tlatelolco, na Cidade do México, contra o governo de
Ordáz509.

O Exercito mexicano atirou indiscriminadamente contra todas as


pessoas que se encontravam na praça Três Culturas, ás 18 horas
locais de hoje [dia 2/10], quando cerca de 15 mil estudantes do
Instituto Politecnico Nacional realizavam uma manifestação publica
contra o governo de Diaz Ordaz. Sete estudantes foram mortos e
dezenas ficaram feridos. Os jovens se reuniram pacificamente, sob
tensa vigilancia de policiais que voavam sobre o local em
helicopteros510.

Diante da situação em que se encontrava o país havia o


questionamento se os Jogos realmente iriam acontecer. Dúvida que foi esclarecida
com a seguinte frase: “Há somente uma fonte autorizada para dizer se os Jogos
serão realizados ou não. E essa fonte sou eu”511. “Sou a unica fonte oficial e só eu
poderei ou não dar uma ordem no sentido de cancelar os Jogos”512. Assim proferiu
Brundage sobre o seu poder de decisão sobre o evento.
A postura do COI historicamente construída de modo a ressaltar que
os Jogos Olímpicos não envolviam questões políticas fazia com que os membros do
COI não vissem nenhuma relação das manifestações dos estudantes com o evento
que aconteceria dentro de alguns dias no México. Para eles, o fato de nada ter sido
danificado na Vila Olímpica e nenhum dos atletas que estavam na Cidade do México
ter sido atingido pelos protestos confirmava que o cronograma dos Jogos deveria ser
cumprido. De acordo com Brundage:

507
Crise mexicana ainda tolda clima olímpico. O Estado de S. Paulo, 29 de setembro de 1968, p. 42.
508
Sobre o relato do massacre, conferir a reportagem de Mariana Lajolo: Sobrevivente. Folha de S. Paulo, 30 de
outubro de 2011, p. D10-11 – Esporte.
509
Olimpiada ameaçada. Banho de sangue no México: 26 mortos. Folha de S. Paulo, 3 de outubro de 1968, p. 1
– 1º caderno.
510
Movimento faz ameaça. O Estado de S. Paulo, 3 de outubro de 1968, p. 23.
511
Comitê Olímpico confirma os Jogos do México. O Estado de S. Paulo, 4 de outubro de 1968, p. 19.
512
Olimpiada: adiamento em discussão. Folha de S. Paulo, 4 de outubro de 1968, p. 22 – 1º caderno.
242

Conferenciamos com as autoridades mexicanas e recebemos a


certeza de que nada interferiria com a entrada pacífica da tocha
olímpica no estádio, dia 12, nem com a competição que se seguirá à
cerimônia. Como convidados do México, temos plena confiança de
que o povo mexicano, conhecido universalmente por seu espírito
esportivo e grande hospitalidade, se unirá aos participantes e
espectadores para celebrar os Jogos em um verdadeiro oasis de um
mundo atribulado. A Cidade do México é uma gigantesca metropole
de mais de seis milhões de habitantes e nenhuma manifestação ou
ato de violência foi dirigida, em qualquer momento, contra os Jogos
Olímpicos. Em consequência, os Jogos Mexicanos, uma reunião
amiga de jovens do mundo inteiro, numa competição amistosa,
continuarão como estavam previstos513.

O COI manteve a sua postura de não alterar o cronograma pré-


estabelecido dos Jogos do México apesar dos conflitos terem acontecido 10 dias
antes do início do evento514. O que, talvez, Brundage e os demais membros do COI
não esperavam ou não queriam admitir publicamente era o risco de existir algum tipo
de manifestação dentro dos Jogos Olímpicos. Para eles, o movimento dos atletas
americanos havia dissipado quando o COI resolveu cancelar o convite para a África
do Sul de participar no México.
Essa perspectiva, certamente, foi abruptamente alterada quando
dois atletas norte-americanos, Jimmy Kines e Charlie Greene, da prova de 100
metros do atletismo se recusaram de receber as medalhas das mãos do presidente
do COI: “Não fizemos nenhum pedido oficial; perguntamos quem faria a entrega.
Disseram-nos que seria Brundage. Nada comentamos, mas tampouco sorrimos.
Parece-me que nos compreenderam”515. As medalhas foram entregues pelo
britânico Marquês de Exeter.
Porém, essa atitude serviu para alertar Brundage de que outros
protestos poderiam surgir a qualquer momento nas competições que aconteciam no
México. Certamente estavam atentos que outros protestos surgiriam, talvez, não
soubessem como se manifestariam. Souberam quando os atletas norte-americanos,
Tommie Smith e John Carlos subiram no pódio para receber suas medalhas:

Levantando os punhos cerrados envolvidos em luvas negras, usando


meias também negras nos pés descalços e sem olhar para a
bandeira dos Estados Unidos, Tommie Smith e John Carlos, os dois
ganhadores negros dos 200 metros rasos expressaram seu protesto

513
Comitê Olímpico confirma os Jogos do México. O Estado de S. Paulo, 4 de outubro de 1968, p. 19.
514
Jogos olímpicos não serão suspensos. Folha de S. Paulo, 4 de outubro de 1968, p. 2 – 1º caderno.
515
Negros boicotam Brundage. O Estado de S. Paulo, 16 de outubro de 1968, p. 19.
243

racial, durante a solenidade de entrega das medalhas a que fizeram


jus ontem na Vila Olímpica. O australiano (branco) Peter Norman, 2o
colocado na competição, apoiou a manifestação dos dois norte-
americanos ostentando uma insígnia do ‘Poder Negro’ com a
inscrição ‘Projeto Olímpico Para os Direitos Humanos’516.

O protesto dos dois atletas norte-americanos gerou reações diversas


entre o público presente no estádio. Enquanto alguns apoiaram, outros vaiaram a
atitude deles que durante toda a execução do hino americano mantiveram o gesto
de protesto e “A princípio a atitude não foi compreendida. O punho cerrado
significava a união de todos os negros. As meias negras expressavam identificação
com o movimento de protesto racial, já que os atletas olímpicos usam sempre meias
brancas nas competições”517.
Na entrevista coletiva, John Carlos fez fortes críticas à estrutura
social americana sem se preocupar com possíveis punições que poderia sofrer,
afinal, depois do que havia feito diante de um estádio lotado, ser punido pelo
desabafo não tinha a menor importância:

Eles nos consideram como animais. Como baratas ou formigas.


Quero que publiquem isto exatamente como estou dizendo. Se os
brancos não gostam dos negros, não deveriam ter vindo ao estádio
(isto foi em resposta aos mexicanos que os vaiaram). Somos como
cavalos de circo, aplaudem-nos, dão-nos amendoim e dizem ‘Muito
bem, jovem’. Se ganhamos eis uma vitória norte-americana. Se
perdemos, eis um negro derrotado518.

O COI promoveu uma reunião emergencial para tratar do caso.


Havia rumores de que medidas disciplinares não seriam aplicadas porque afetariam
diretamente a delegação norte-americana. Por outro lado, o COI como forma de
mostrar e fazer exercer o seu poder precisava deixar claro que não toleraria mais
gestos como os dos atletas americanos. Em outras palavras, na visão dos membros
do COI eles precisavam colocar um ponto final nos protestos. Em nota, o COI
salientou que “Um dos princípios basicos dos jogos olímpicos é que a política não
desempenha nenhum papel neles. Isto deve ser aceito por todos. Ontem esse
princípio foi violado deliberadamente”519.

516
Negros fazem seu protesto. O Estado de S. Paulo, 18 de outubro de 1968, p. 17.
517
Negros fazem seu protesto. O Estado de S. Paulo, 18 de outubro de 1968, p. 17.
518
Negros fazem seu protesto. O Estado de S. Paulo, 18 de outubro de 1968, p. 17.
519
Negros fazem seu protesto. O Estado de S. Paulo, 18 de outubro de 1968, p. 17.
244

A decisão do COI foi pela imediata suspensão dos dois atletas norte-
americanos dos Jogos Olímpicos. O Comitê Olímpico dos Estados Unidos emitiu
comunicados com pedidos de desculpas e advertiu os demais atletas da delegação
que não iriam tolerar manifestações desse tipo. Em uma das notas o Comitê
americano tratou a postura dos dois atletas como um fato isolado e destacava que
eles “[...] violaram voluntariamente um principio universalmente aceito (o de que a
política não desempenha nenhum papel nas Olimpíadas) utilizando a oportunidade
que se lhes dava para a publicidade de seus problemas políticos pessoais”520.
Diante do posicionamento do próprio Comitê, outros cinco atletas americanos do
atletismo abandonaram a Vila Olímpica em solidariedade aos dois atletas
expulsos521.
A postura do COI em separar o esporte da política era uma forma
encontrada para afastar dos Jogos Olímpicos qualquer possibilidade de protesto. No
entanto, a cada edição dos Jogos aumentava-se o número de pessoas envolvidas
com o evento, do público presente nos estádios ou da audiência televisiva.
Conforme, o movimento olímpico se expandiu e os Jogos Olímpicos atraíram
milhares de pessoas também fez com que os holofotes ficassem direcionados para o
evento, evidenciando como um espaço privilegiado de atuação política e de
protestos das minorias. O COI ainda não sabia como lidar com a exposição política
que os Jogos Olímpicos atraíram, mas ações seriam tomadas para que o seleto
grupo dos membros do COI mantivessem o poder e o controle do evento sob seus
princípios.

4.8 Munique (1972): “os Jogos devem continuar”

520
Recordistas negros estão fora dos Jogos Olímpicos. O Estado de S. Paulo, 19 de outubro de 1968, p. 17.
Sobre a reação dos atletas diante do caso, o jornal traz o seguinte relato de um atleta brasileiro: “Mosquito, da
seleção de basquete do Brasil declarou: ‘Felizmente, não temos nenhum problema racial. Os atletas norte-
americanos deveriam ter esperado o regresso aos Estados Unidos, para se manifestarem’”.
521
Cinco negros abandonam a equipe norte-americana. O Estado de S. Paulo, 20 de outubro de 1968, p. 40;
Mais 5 atletas excluidos das Olimpiadas. Folha de S. Paulo, 20 de outubro de 1968, p. 1.
245

Para os Jogos Olímpicos de 1972 (26 de agosto a 11 de setembro),


houve um aumento no número de modalidades. Passaram de 18 para 22, sendo
incluídos o handebol, judô e arco e flecha522.
Algumas decisões referentes aos temas que necessitavam de
definições por parte do COI foram debatidas. Depois de anos de discussões, o COI
retirou o reconhecimento do Comitê Olímpico da África do Sul523 e alterou a regra 26
referente à elegibilidade dos atletas, ou seja, quem poderia fazer parte dos Jogos
era algo fundamental de ser estabelecido, pois remetia à fundação do movimento
olímpico e segundo Brundage para auxiliar nesse item as Federações Internacionais
deveriam participar do processo durante todos os anos e não apenas em ano de
edição olímpica524.
O COI queria ter uma regra universal para evitar as confusões
quando a elegibilidade dos atletas adotadas pelas Federações Internacionais era
diferente da estabelecida para os Jogos Olímpicos; e as pendências junto à
Federação Internacional de Esqui que participava dos Jogos Olímpicos de inverno
por conta do uso de propagandas nos equipamentos e do recebimento de
pagamento por parte de alguns atletas525.
Os pontos mais significativos dessa nova regra versavam sobre a
continuidade da restrição para participação nos Jogos Olímpicos do atleta que era
ou tivesse sido profissional ou semiprofissional em qualquer esporte; as bolsas de
estudos passaram a ser permitidas desde que fossem concedidas pelo desempenho
acadêmico e não pelas qualidades esportivas do estudante; o COI se opunha ao
pagamento pelo tempo de afastamento, a menos que o mesmo fosse autorizado
pela Federação Internacional ou Comitê Olímpico Nacional e as propagandas
resultantes de contratos de equipamentos estabelecidos pela Federação Nacional
deveriam ser controlados pela Federação Internacional, sendo que as cópias dos
contratos teriam que ser aprovadas pelo Comitê Olímpico Nacional526.
Em outubro de 1971, via imprensa, o presidente da Finlândia Urho
Kekkonen declarou que o COI era uma instituição antidemocrática e que a UNESCO
deveria ser a responsável pela organização dos Jogos Olímpicos. Portanto, além

522
Mudança nos Jogos Olímpicos. O Estado de S. Paulo, 17 de outubro de 1965, p. 44; Arco e flecha na
Olimpiada de Munique. Folha de S. Paulo, 8 de agosto de 1971, p. 37 – 4º caderno.
523
Olympic Review, n. 32, maio de 1970, p. 251. Importan decisions. South Africa.
524
Olympic Review, n. 43, abril de 1971, p. 200-204. The new rule 26.
525
Olympic Review, n. 32, maio de 1970, p. 254-258. Press conference of Mr. Avery Brundage.
526
Olympic Review, n. 43, abril de 1971, p. 200-204. The new rule 26.
246

dos problemas pelos quais o COI enfrentaria para definir os rumos do movimento
olímpico, agora teria que se posicionar diante da acusação de um presidente de um
país europeu. Brundage rapidamente respondeu as acusações feitas por Kekkonen,
via um programa de rádio, colocando-se na condição de chocado e surpreso, além
de supor que o presidente da Finlândia deveria ter sido mal-entendido em sua
explanação.
Em sua argumentação, Brundage discordou das declarações de
Kekkonen e afirmou que os Jogos Olímpicos não deveriam ser organizados pela
UNESCO ou pela ONU, pois o grande sucesso dessa competição residia no fato de
ser organizada por uma entidade limpa, pura e honesta, além de ser livre de
influências políticas e comerciais527. Por ocasião dos Jogos Olímpicos de Inverno de
1972, a mídia finlandesa caracterizou Brundage como uma pessoa que se “auto
intitulou um Deus Olímpico”528.
Novamente, no plano político, por conta de outro país africano, a
Rodésia529, o debate sobre a segregação racial continuou na pauta do COI. Trinta e
sete países africanos solicitavam que o COI retirasse o convite para esse país de
integrar os Jogos Olímpicos de Munique, sob a ameaça de haver um boicote ao
evento530, devido a sua política de segregação racial531. Apesar dos protestos e sob
o alerta de punição aos países que viessem a boicotar os Jogos Olímpicos por
razões políticas532, o COI resolveu manter o convite533. Embora tivesse ficado
decidido que a Rodésia participaria sob a mesma bandeira e hino, dias antes dos
Jogos o COI oficializou a exclusão do país dos Jogos de Munique534. Brundage que
havia criticado a possibilidade de boicote dos países africanos, por entender que “a
solicitação africana é chantagem política” justificou a exclusão da Rodésia ao dizer

527
Olympic Review, n. 50-51, novembro – dezembro de 1971, p. 575-576. A reply from Mr. Avery Brundage.
528
Olympic Review, n. 58, julho de 1972, p. 307. In defense of Avery Brundage.
529
A Rodésia é o atual Zimbábue.
530
Olympic Review, n. 59, outubro de 1972, p. 356. The 73rd session of the I.O.C. 6. Report from the president
and executive board. Participation of Rhodesia in the Games of the XXth Olympiad; A África ameaça não
disputar o Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 4 de agosto de 1972, p. 20. “Os 37 países africanos inscritos na
Olimpíada ameaçam não ir a Munique se o Comitê Olímpico Internacional mantiver a inscrição da Rodésia”;
África aumenta pressãopara retirar a Rodésia. O Estado de S. Paulo, 5 de agosto de 1972, p. 21.
531
Padilha explica reunião do COI. O Estado de S. Paulo, 3 de outubro de 1971, p. 60.
532
Brundage ameaça os países que boicotam os Jogos. O Estado de S. Paulo, 17 de agosto de 1972, p. 42;
Folha de S. Paulo, 17 de agosto de 1972, p. 37 – Esportes.
533
Olympic Review, n. 59, outubro de 1972, p. 356. The 73rd session of the I.O.C. 6. Report from the president
and executive board. Participation of Rhodesia in the Games of the XXth Olympiad.
534
Padilha relata os problemas da Olimpíada. Folha de S. Paulo, 3 de outubro de 1971, p. 34 – 4º caderno;
Rodésia vai participar, mas como uma colônia britânica. O Estado de S. Paulo, 10 de agosto de 1972, p. 45.
247

que ela “[...] não havia cumprido os termos do convite. Eles não puderam provar que
eram cidadãos rodesianos sob proteção da coroa britanica”535.
O caso da Rodésia ilustrava mais uma vez a conexão entre o
esporte e a política tal como já havia acontecido em edições anteriores dos Jogos
Olímpicos536 e o quanto os Jogos Olímpicos estavam distantes dos ideais de
Coubertin537.
Descontente com a decisão, Brundage se pronunciou do seguinte
modo: “Foi a primeira vez em 20 anos que o comitê se voltou contra mim. Estou
muito triste. Foi uma descarada intromissão política. Puseram-nos um revolver na
cabeça. Isso é chantagem. E nós cedemos. Lutei o maximo que pude, mas perdi”538.
Esses fatos indicavam apenas o que poderia acontecer nos Jogos
de Munique. Antes do início dos Jogos, houve uma ameaça de uma organização
extremista argentina explodir o local da Vila Olímpica em que estivessem instalados
os atletas do país. Apesar do fato, “[...] fontes da embaixada alemã informaram que
a ameaça não chegou a preocupar os diplomatas da Alemanha, porque ‘elas não
são novas’, enquanto a policia evita fazer comentarios, sem confirmar ou desmentir
a ameaça”539.
O primeiro incidente de ordem política aconteceu após o desfile de
abertura dos Jogos de Munique quando, no centro da cidade, a polícia montou
barricadas metálicas para conter os “mais de mil ativistas de toda a Alemanha
Ocidental [que] protestavam contra a guerra do Vietnã”540.
Os indícios de que algo mais grave poderia acontecer não impediu a
ação terrorista promovida pelo grupo palestino Setembro Negro541. O atentado
abalou os Jogos Olímpicos de Munique e em meio à tristeza havia o questionamento
de como os terroristas haviam conseguido entrar na Vila Olímpica que era
considerada, até aquele momento um dos lugares mais seguros e a Alemanha era
vista como “[...] um país onde a perfeição parece atingir seu grau mais elevado, onde

535
Rodésia é expulsa de Munique por 36 votos a 31. O Estado de S. Paulo, 23 de agosto de 1972, p. 26. Ver
tamém: Rodesia expulsa dos Jogos Olimpicos. Folha de S. Paulo, 23 de agosto de 1972, p. 29 – Esportes.
536
Munique, 5 dias antes: a política está vencendo. O Estado de S. Paulo, 22 de agosto de 1972, p. 33; A
Rodésia pode deixar Munique. Folha de S. Paulo, 22 de agosto de 1972, p. 31 – Esportes.
537
O esporte cada vez mais político. O Estado de S. Paulo, 20 de agosto de 1972, p. 66.
538
Para Brundage, os ideiais olímpicos estão morrendo. O Estado de S. Paulo, 24 de agosto de 1972, p. 39. Ver
também: Brundage prevê o fim dos ideais olímpicos. Folha de S. Paulo, 24 de agosto de 1972, p. 43 – Esportes.
539
Terror argentino ameaça explodir a vila olímpica. O Estado de S. Paulo, 26 de julho de 1972, p. 22.
540
Primeiro incidente, pela paz. O Estado de S. Paulo, 27 de agosto de 1972, p. 56.
541
Havia a especulação de que a Interpol soubesse da organização do atentado. Ver: Interpol de Viena previa o
atentado. O Estado de S. Paulo, 7 de setembro de 1972, p. 16.
248

há apenas uma semana jornalistas protestavam contra medidas de segurança que


dificultavam seu trabalho na Vila Olímpica [...]”542.
A princípio Brundage manifestou-se contra a suspensão das
competições, mas diante dos fatos, resolveu suspender os Jogos por 24 horas, sem
consultar o Comitê Executivo do COI e recebeu várias críticas por essa decisão,
inclusive de Sylvio Padilha que classificou como “‘[...] autoritária a atitude de
Brundage”543. Em um comunicado divulgado por Brundage dizia:

A paz olímpica foi violada por um ataque assassino praticado por


terroristas. O mundo civilizado condena com repugnancia esse
bárbaro atentado. Em sinal de respeito pelas vítimas e preocupados
com a sorte dos que ainda permanecem como reféns, ficam
suspensas as competições desta tarde. As provas já iniciadas serão
completadas544.

Após uma cerimônia religiosa em homenagem aos 11 membros da


delegação israelense assassinados, e com as bandeiras de todos os países
hasteadas a meio-pau, os Jogos Olímpicos foram reiniciados545, mas sem o
entusiasmo da abertura do evento546. Ao final, Brundage conseguiu que a sua
opinião inicial de dar continuidade aos Jogos fosse mantida. Após o evento, o COI
publicou no Boletim Olímpico apenas uma pequena notícia contendo duas
passagens do discurso de Brundage informando que os Jogos deveriam
continuar547. As poucas palavras do COI em seu documento oficial indicavam que a
entidade preferiu não dar continuidade sobre o episódio para evitar uma exposição
negativa.
Os inúmeros incidentes que o COI enfrentou nessa edição olímpica
não terminaram com o atentado. Dois atletas americanos do atletismo, Vince
Mathews e Wayne Collet foram excluídos pelo COI após o segundo ter participado
descalço da cerimônia de entrega das medalhas, além de ambos ficarem de costas
para a bandeira americana, rirem e conversarem durante a execução do hino de seu

542
Um esquema quase perfeito. O Estado de S. Paulo, 6 de setembro de 1972, p. 5.
543
Brundage suspende os jogos. O Estado de S. Paulo, 6 de setembro de 1972, p. 5; Os membros do COI
criticam Brundage. Folha de S. Paulo, 6 de setembro de 1972, p. 38 – Esportes.
544
Brundage suspende os jogos. O Estado de S. Paulo, 6 de setembro de 1972, p. 5.
545
Tristes, os Jogos continuam. Folha de S. Paulo, 7 de setembro de 1972, p. 50.
546
Mudam os rostos e as roupas, silêncio. O Estado de S. Paulo, 7 de setembro de 1972, p. 69.
547
Olympic Review, n. 59, outubro de 1972, p. 404. In memoriam.
249

país548. Com a exclusão, os demais atletas negros norte-americanos ameaçaram


abandonar os Jogos num movimento que foi visto como a volta do “poder negro”549.

4.8.1 Os Jogos Olímpicos estão ameaçados

Passada a euforia inicial pela escolha de Munique começou a surgir


a preocupação na comparação entre os custos previstos aos que seriam
empregados para a realização dos Jogos, bem como do número de esportes
olímpicos que fariam parte do programa550.
Além desses problemas financeiros dos Jogos, havia também a
expectativa de importantes definições do COI que iriam determinar o futuro do
movimento olímpico. O fato é que havia aumentado consideravelmente o interesse
pelos Jogos Olímpicos e de certa forma, o próprio COI não sabia muito bem como
lidar com essa nova dimensão, estabelecida naquele momento pelo grande número
de Comitês Olímpicos Nacionais que passaram a integrar o COI (cerca de 130
países) e a estimativa de audiência de 8 milhões de pessoas para os Jogos de
Munique551.
Ao mesmo tempo em que o crescimento dos Jogos representava o
sucesso que essa competição havia atingido também carregava uma série de
condições que o COI teria que lidar rapidamente: a comercialização dos Jogos e a
necessidade de definições claras quanto ao amadorismo, fair play, doping. Sob os
dizeres de que “os tempos tinham mudado”, “não existem mais amadores”, “O COI
desconectado das condições modernas”, “os competidores devem ser pagos”, “as

548
Os Jogos, de protesto em protesto. Folha de S. Paulo, 9 de setembro de 1972, p. 24. Consultar também:
Punição para os dois atletas negros dos EUA é a base para uma nova crise. Folha de S. Paulo, 10 de setembro de
1972, p. 25 – Esportes.
549
Atletas negros dos EUA ameaçam voltar. Folha de S. Paulo, 20 de agosto de 1972, p. 59 – Esportes; Atletas
negros dos EUA ameaçam deixar os Jogos. O Estado de S. Paulo, 9 de setembro de 1972, p. 16.
550
Olimpíada divide alemães. O Estado de S. Paulo, 8 de janeiro de 1970, p. 23; Olimpíada. O Estado de S.
Paulo, 27 de janeiro de 1970, p. 29. “O custo dos Jogos Olímpicos de 1972, em Munique, Alemanha, subiu mais
98 milhões de marcos (NCr$ 125 milhões), devido aos gastos com sua organização e preparação”; Munique
apresenta as contas. O Estado de S. Paulo, 25 de maio de 1972, p. 35. “Os alemães estão gastando três vezes
mais do que esperavam para organizer a mais perfeita Olimpíada de todos os tempos, mas, a três meses da
abertura oficial da competição, o povo de Munique permanece em dúvida sobre a conveniência de todas essas
despesas. O ultimo calculo do Comitê Organizador previa um custo total de 619 milões de dolares
(aproximadamente Cr$ 3,7 bilhões) e está bem além daquele feito pelos dirigentes que, em 1966, obtiveram para
a Alemanha Ocidental o direito de promover a XX Olimpíada”.
551
Olympic Review, n. 28, janeiro de 1970, p. 14. Speech by the Lord Killanin. Vice-President of the I.O.C.
250

regras olímpicas estão desatualizadas” ou “contribuem para a hipocrisia e a


fraude”552, o COI necessitava ter um ponto de virada para o movimento olímpico.
Seguindo essa linha da ameaça aos Jogos Olímpicos, o Boletim
Olímpico publicou um texto de Raymond Gafner553, membro do COI e presidente do
Comitê Olímpico da Suíça, em que discutia a possível sobrevivência dos Jogos
Olímpicos. Para ele, os Jogos iriam sobreviver somente se o COI fizesse uma clara
distinção entre os objetivos que não deveriam ser modificados e continuar a
representar os interesses da entidade. Gafner levantava um ponto fundamental de
toda essa discussão sobre as ameaças que flertavam com os Jogos Olímpicos ao
trazer para o debate a presença do atleta diante dos fatos. Segundo afirmou, “o
atleta, muito contra a sua vontade está no centro de um debate cujo significado lhe
escapa, especialmente [...] ele muitas vezes desconhece as regras que são
aplicáveis à sua participação nos Jogos Olímpicos”554.
Até então o atleta não aparecia na condição de se manifestar diante
das decisões tomadas pelas entidades que governavam o esporte. O COI recorria
frequentemente a seus membros para discutir as modificações, definições e
regulamentos dos Jogos Olímpicos sem a presença dos atletas. Por outro lado,
conforme revelaram muitos atletas do futebol entrevistados que não possuíam
maturidade suficiente para entender o processo pelo qual passaram quando
estiveram nos Jogos Olímpicos. Ao menos era esse o cenário brasileiro e, portanto,
seria difícil esperar que participassem ativamente desse processo. Porém, segundo
Gafney os atletas não tinham o entendimento suficiente, tanto por parte do COI
quanto do interesse deles próprios em participar ativamente do processo de
mudança de uma competição que existia, particularmente, pela presença deles.
Para compor esse quadro, o COI lutava cada vez mais por uma
integração entre as Federações Internacionais e os Comitês Olímpicos Nacionais em
vista de ter uma ação mais efetiva contra aqueles que tentavam burlar as regras da

552
Newsletter, n. 22, julho de 1969, p. 361. Comité international olympique. . . . by Mr. Avery Brundage.
President of the International Olympic Committee.
553
O suíço Raymond Gafner foi o 290º membro do COI. Foi professor da University Cantonal Hospital em
Lausanne e doutor em Direito com a tese The exercise of Federal Power by the government of Swiss
Confederation. Entre 1965 e 1985 foi membro e presidente do Comitê Olímpico Suíço e no COI atuou em
diversas Comissões. Foi goleiro de hóquei no gelo e depois tornou-se árbitro internacional dessa modalidade.
Consultar: Newsletter, n. 23, agosto – setembro de 1969, p. 441-442. Six new members of the l.O.C.; 114th
IOC Session IOC President's Report. COI, 2013. Disponível em:
<http://www.olympic.org/Documents/Reports/EN/en_report_596.pdf>. Acesso em 17 de agosto de 2013.
554
Olympic Review, n. 40-41, janeiro – fevereiro de 1971, p. 25-26. Will the Olympic Games survive?
251

entidade555. Sobre as mudanças no esporte, Brundage afirmou que elas haviam


acontecido, pois muitos esportes populares passaram a fazer parte de uma indústria
do entretenimento e, com isso, os atletas começaram a receber bons salários.
Apesar de considerar legítima a situação de o atleta lucrar por meio do esporte,
ressaltou que os Jogos Olímpicos continuavam a ser para os amadores, para os
atletas que não lucravam com sua atividade556.
Esse impedimento ainda era mantido, no entender de Lord Killanin,
porque os ideais de Coubertin continuavam os mesmos557. Por outro lado, Gafney
criticava o posicionamento de se manter leal aos ideais de Coubertin pelo fato de
que seu pensamento era válido em 1894, mas que não caberia discutir o que
Coubertin pensaria sobre tais acontecimentos558.
A insatisfação versava basicamente sobre uma participação mais
ativa na escolha das sedes dos Jogos, reforma do programa olímpico, revisão e
atualização dos estatutos olímpicos559.
Brundage e Lord Killanin indicavam que alguns membros do COI
estavam atentos às mudanças, mas continuavam presos aos seus ideais
aristocráticos como forma de restringir o acesso dos trabalhadores aos Jogos
Olímpicos. Além disso, representava que o COI estava distante de perceber a
importância do atleta dentro do movimento olímpico, pois conforme afirmou Gafney
eram os atletas “[...] as principais vítimas do gigantismo estabelecido pelos
organizadores, que reduziu o atleta ao papel de um artista de um grande show cujo
interesse reside fora dele”560.

4.8.2 Alguns esportes coletivos podem ser eliminados do programa


olímpico

555
Newsletter, n. 16, janeiro de 1969, p. 34-35. Comité international olympique. Thoughts on relations between
International Olympic Committee / National Olympic Committees. Essas reflexões foram escritas por Edward
Wieczorek, membro do Comitê Olímpico da Polônia.
556
Newsletter, n. 22, julho de 1969, p. 363-364. Comité international olympique. . . . by Mr. Avery Brundage.
557
Olympic Review, n. 28, janeiro de 1970, p. 15. Speech by the Lord Killanin. Vice-President of the I.O.C.
558
Olympic Review, n. 40-41, janeiro – fevereiro de 1971, p. 27. Will the Olympic Games survive?
559
Munique: esforço para reduzir força do COI. Folha de S. Paulo, 10 de setembro de 1971, p. 22 1º caderno.
560
“The athlete is the main victim of the gigantism aimed at by the organisers, who reduce him to the role of a
performer in a big show whose interest lies outside him”.
252

A Federação Internacional de Tênis, que já não fazia parte do


programa olímpico, eliminou o termo amador e passou a considerar todos os atletas
como profissionais. Brundage considerava que se o COI adotasse essa condição
para o movimento olímpico ela representaria o fim dos Jogos. Quando questionado
sobre os atletas de futebol que jogavam por dinheiro, Brundage afirmou não ser
contra essa possibilidade, mas que ela não fazia parte dos ideais valorizados pelo
COI561.
Brundage continuava receoso sobre os perigos que ameaçavam os
Jogos Olímpicos. Para explicar seus argumentos, utilizou como exemplo o caso do
futebol. Afirmou publicamente que nos Jogos Olímpicos de 1968, no México, a
maioria dos atletas do futebol, alguma vez, já tinha recebido dinheiro para jogar.
Apesar de ser uma constatação não teria como apresentar provas sobre tal fato.
Para justificar sua suspeita falou que isso acontecia por conta da estrutura do futebol
que fazia com que os clubes jogassem semanalmente. Os atletas que estavam
vinculados a essa condição, afirmou Brundage, certamente jogavam por dinheiro e
não por diversão, afinal, os atletas precisavam se sustentar durante esse período562.
Embora o regulamento Olímpico previsse que as competições eram
entre indivíduos, no entender de Brundage, o futebol envolvia equipes que
representavam os países e estes, por sua vez, queriam obter bons resultados nos
Jogos Olímpicos do mesmo modo quando participavam de uma competição
internacional levando os melhores jogadores. Diante desse dilema de obter sucesso,
muitos Comitês Olímpicos Nacionais não conseguiam organizar equipes amadoras
competitivas para o futebol e preferiam não participar do torneio.
Para Brundage, os esportes que estavam inseridos numa lógica de
comercialização encontravam dificuldades para montar equipes competitivas para
disputar os Jogos Olímpicos e em sua opinião o público não poderia ser enganado
por muito tempo diante desses fatos. O presidente do COI referia-se especialmente
a três esportes: basquetebol, hóquei e futebol563.
Brundage via que o futebol tinha conquistado o seu espaço com a
sua Copa do Mundo e o futebol olímpico ficava com o pedaço que sobrava. Suas

561
Olympic Review, n. 32, maio de 1970, p. 258-259. Press conference of Mr. Avery Brundage.
562
Olympic Review, n. 33, junho de 1970, p. 296-297. The Olympic Games in danger.
563
Presidente do COI quer eliminar o futebol dos jogos olímpicos. Folha de S. Paulo, 10 de maio de 1970, p. 1 -
Esporte . “[...] Avery Brundage, declarou ontem, durante a reunião da comissão executive do órgão internacional
das olimpíadas com os representantes das federações internacionais, que esportes como o futebol não têm a ver
com os jogos olímpicos”.
253

críticas e incômodo quanto à presença do futebol nos Jogos foi revelada quando
afirmou que na final de 1968, o público mexicano saiu antes do fim da partida por
estar descontente com o futebol que viu praticado em campo.
No entanto, os três esportes apontados por Brundage estavam
confirmados para os Jogos Olímpicos de 1972. Seu posicionamento continuou a ser
incisivo em relação aos esportes que possuíam um grande espaço de
comercialização chegando a ponto de sugerir que se não conseguissem montar
equipes competitivas de acordo com o regulamento olímpico que poderiam se retirar
dos Jogos, afinal, conseguiriam sobreviver sem esse evento tanto quanto os Jogos
também poderiam sobreviver sem esses esportes.
Para sustentar seus argumentos, Brundage recorria aos fatos
ocorridos nos próprios Jogos Olímpicos. Respondeu às críticas daqueles que diziam
ser necessária uma adequação das regras olímpicas ao mundo moderno ao
apresentar que desde a primeira edição havia dois tipos de participantes: os que se
interessavam somente pelo esporte e os interessados em ter algum benefício
financeiro. Retomou que o pedido de afastamento indicava uma interferência nos
esportes amadores e que há 42 anos havia sido feita uma votação, da qual somente
a FIFA se recusou a aceitar, que impediu o pagamento pelo tempo de afastamento.
A consequência desse ato fez com que o futebol ficasse fora dos Jogos Olímpicos
de 1932.
Para Brundage, a única forma de conservar intactos os ideais
amadores era manter os Jogos Olímpicos restritos aos amadores e afastado da
comercialização, caracterizada especialmente pelo vínculo da imagem do atleta com
algum produto esportivo, além de impedir que os atletas recebessem bolsas de
estudos para praticar esportes e proibir os subsídios estatais564.
Também ressaltou que os Jogos Olímpicos, de acordo com os ideais
propostos por Coubertin eram um meio e não um fim. Com isso, refutava que a
participação dos atletas nos Jogos não poderia ser condicionada meramente pela
conquista de medalhas e a quebra de recordes. Sendo os Jogos um meio, os
governos deveriam reconhecer os valores de um programa nacional de treinamento
físico e do esporte competitivo no desenvolvimento de homens e mulheres mais

564
Olympic Review, n. 33, junho de 1970, p. 297-300. The Olympic Games in danger.
254

fortes e saudáveis que teria como consequência a produção de melhores


cidadãos565.
Por fim, Brundage ainda criticou a forma como estavam estruturados
o futebol e o basquete dentro dos Jogos Olímpicos. Para ele, o excesso de jogos era
um problema a ser resolvido. O futebol em 1968 havia tido 34 partidas e o basquete
88 jogos. Outro ponto a ser resolvido era o número de cidades envolvidas com o
futebol, já que nos Jogos do México haviam acontecido em quatro cidades
diferentes. A resolução desse problema viria somente após os Jogos de Munique,
quando ficou decidido que seriam aceitas apenas oito equipes por modalidades
coletivas566.
De qualquer forma, essa definição do COI de estabelecer apenas
oito países nos esportes coletivos criou um novo conflito com a FIFA que defendia a
presença do mesmo número de países que disputavam a Copa do Mundo (16
países). Brundage, então, ameaçou tirar o futebol do programa olímpico. Rous,
presidente da FIFA, logo respondeu com outra ameaça pontuando que, caso não se
chegasse a um consenso a FIFA poderia criar uma Copa do Mundo para
amadores567.
Meses antes, o técnico brasileiro Antoninho colocava-se a favor da
criação dessa competição por conta da dificuldade em formar uma equipe
competitiva com jogadores juvenis. Para ele, “sempre que vamos a uma Olimpiada
há problemas. Seria o caso dessas seleções juvenis formarem um campeonato à
parte das Olimpiadas”568. Essa dificuldade era indicada pelos jogadores que se
destacavam no juvenil e conseguiam realizar um contrato profissional, fato que o
impedia de atuar como amador.
Embora a ideia da FIFA em criar uma Copa do Mundo Amadora
continuou a aparecer enquanto possibilidade entre 1970 e 1971569, a própria
entidade não chegou a concretizar de maneira oficial esse pensamento deixando-o
apenas no campo da especulação. Até porque por ocasião da criação da Copa do
Mundo, a FIFA recorreu ao discurso para contrapor o que o COI defendia, de que
esse novo campeonato que teria início em 1930 seria para profissionais e amadores.

565
Olympic Review, n. 49, outubro de 1971, p. 536. Speech by Mr. Avery Brundage, President of the
International Olympic Committee.
566
Olympic Review, n. 33, junho de 1970, p. 300. The Olympic Games in danger.
567
Brundage sai; a marca fica? O Estado de S. Paulo, 25 de agosto de 1972, p. 24.
568
CT da seleção juvenil convoca 22. Folha de S. Paulo, 27 de janeiro de 1971, p. 15 – 1º caderno.
569
Mundial amador é bem recebido. O Estado de S. Paulo, 1 de dezembro de 1971, p. 23.
255

Caso criasse uma competição, fora dos Jogos Olímpicos, exclusiva para os
amadores a FIFA iria proceder tal como o COI que defendia a presença somente dos
amadores em sua competição. Portanto, tanto a FIFA quanto o COI durante os
muitos anos de convívio mútuo dentro do movimento olímpico mantiveram uma linha
de pensamento que ora se aproximava e ora se distanciava.
As sugestões para resolver os problemas do movimento olímpico
foram inúmeras. Gaston Meyer, ainda no cargo de editor-chefe do L’Equipe, fez uma
proposta dividida em três possíveis soluções: reduzir o programa olímpico; dividir os
Jogos Olímpicos em esportes de verão e de outono/primavera que seriam os
esportes de quadra; dividir por continente onde haveria uma seletiva olímpica570.
Como nenhuma das sugestões acima foram adotadas e diante do
grande número de interessados em participar dos Jogos, cada vez mais o
movimento olímpico rumava para ter a cada edição um aumento do número de
atletas, de público e de cobertura da mídia. Uma nova definição estabeleceu que
nas modalidades exclusivamente masculinas houvesse 12 equipes, e 18 equipes
nos esportes em que houvesse competição de homens e mulheres571.
No caso do futebol, foram 84 Federações que participaram das
eliminatórias e a restrição para a presença de apenas oito equipes não se efetivou
para os Jogos de Munique. O torneio de futebol tampouco teria menos jogos (38 ao
todo) e menos sedes (seis cidades diferentes)572.

4.9 Montreal (1976): os Jogos mais caros da história olímpica

A princípio quatro cidades se inscreveram para sediar os Jogos


Olímpicos de 1976 (Montreal, Los Angeles, Florença573 e Moscou). Na votação
final574, Montreal (17 de julho a 1º de agosto) venceu Moscou por 41 votos a 28

570
Olympic Review, n. 45, junho de 1971, p. 340-345. To relieve the congestion of the Olympic Games.
571
Olympic Review, n. 49, outubro de 1971, p. 546. 71st session of the International Olympic Committee
Luxembourg, 15th, 16th and 17th September 1971. Team Sports.
572
Olympic Review, n. 40-41, janeiro – fevereiro de 1971, p. 101. Federation Internacionale de Football
Association.
573
Apesar de ter se candidata, a cidade de Florença retirou sua intenção de sediar os Jogos Olímpicos de 1976.
Florença desiste da Olimpiada. Folha de S. Paulo, 7 de fevereiro de 1970, p. 14 – 1º caderno.
574
Montreal fará Jogos de 1976. O Estado de S. Paulo, 13 de maio de 1970, p. 18. “Na primeira votação,
Moscou havia recebido 28, seguida de Montreal com 25 e Los Angeles com 17. Ao ser eliminada a cidade
californiana, a quase totalidade dos que tinham votado por Los Angeles inclinaram-se, na segunda votação, pela
cidade canadense”.
256

enquanto Los Angeles não recebeu nenhum voto575. O atentado que ocorreu em
Munique nos Jogos Olímpicos de 1972 não influenciou a candidatura das cidades
interessadas em sediar o evento, pois a votação aconteceu em 1970.
No Congresso de Varna, realizado na Bulgária em 1973, um dos
pontos discutidos entre os membros do COI foi em relação ao tamanho dos Jogos. O
seu gigantismo era uma preocupação latente no movimento olímpico e as
consequências dessa condição cogitou-se a eliminação de 10 provas dos Jogos de
Montreal, entre elas, uma das mais tradicionais provas, a maratona576. No entanto,
essas exclusões precisariam de uma chancela oficial do COI fato que não ocorreu.
Sobre as divergências políticas que poderiam transformar os Jogos
Olímpicos em um grande palco de discussões Killanin foi enfático durante o
Congresso de Varna ao afirmar que não era mais possível dissociar o esporte da
política, mas ressaltou que:

Nenhum país é obrigado a participar dos Jogos Olímpicos ou


qualquer competição internacional. Porém, aquele que participa é
obrigado a cumprir as regras do COI: competir contra todos os
adversários, sem nenhuma discriminação. Em nome da instituição
que represento, exorto todo desportista, individualmente, a não se
apresentar aos Jogos Olimpicos ou outras competições
internacionais, se deseja utilizar o desporto para propósitos
políticos577.

Essa relação entre esporte e política apontada por Killanin estava


cada vez mais presente tanto no COI quando na FIFA. Isso poderia ser visto por
meio da proibição da FIFA em relação à realização de jogos de seus filiados contra
os times da China, que não havia sido readmitida como membro da entidade, sob
ameaça de suspensão aos países que não cumprissem essa determinação578. Mas
essa situação modificou-se, em 1976, quando a FIFA readmitiu como membro de
sua entidade a Federação de Futebol da China (Pequim)579.

575
Olympic Review, n. 32, maio de 1970, p. 232. The Games of the XXIth Olympiad attributed to Montreal.
576
Olimpíada fica sem 10 provas. O Estado de S. Paulo, 6 de outubro de 1973, p. 23. No COI, a guerra ao
gigantismo. Folha de S. Paulo, 8 de outubro de 1973, p. 21 – Esportes.
577
Reunião do COI admite novo conceito de amadorismo. Folha de S. Paulo, 22 de outubro de 1974, p. 30.
578
Olympic Review, n. 70-71, setembro – outubro de 1973, p. 457. Fédération lnternationale de Football
Association.
579
Desde 1973, a China estava na pauta das reuniões da FIFA. Consultar: Assunto antes da eleição: China.
Folha de S. Paulo, 12 de junho de 1974, p. 18 – Esportes; FIFA admite a China e expulsa África do Sul. Folha
de S. Paulo, 17 de julho de 1976, p. 21 – Esportes.
257

Nesse momento, os representantes do Irã defendiam a expulsão da


Associação de Futebol da China (Taiwan), sendo apoiados por Fiji, mas após
votação (51 votos a favor e 5 contra) esse assunto não foi incluído na pauta da
próxima reunião580. No entanto, a Federação de Futebol da China (Pequim) recusou
a decisão da FIFA de aceitá-la como membro pelo fato da Associação de Futebol da
China (Taiwan) ser aceita como membro da FIFA581. A África do Sul, suspensa da
entidade desde 1964 continuava impedida de participar das competições
organizadas pela FIFA582.
Embora o COI também mantivesse a China afastada desde 1959 do
quadro de seus membros quando se iniciaram os problemas entre a China e Taiwan,
caminhava para aceitar o retorno do país aos Jogos Olímpicos de 1976583. Para que
isso se concretizasse, os chineses teriam que “[...] criar um Comitê Olímpico proprio.
Para isso, precisam apenas filiar-se a cinco federações esportivas internacionais.
Atualmente, o país é filiado apenas à Federação Internacional de Tenis de Mesa”584.
Em 1975, a Federação Nacional de Esportes da China surpreendeu ao formalizar o
pedido para o reconhecimento do seu Comitê Olímpico Nacional sem solicitar a
expulsão de Taiwan (Formosa) que era reconhecida pelo COI585. Porém, antes do
início dos Jogos houve uma mudança de posicionamento por parte de Pequim:

Ocorre que a República Popular da China, a outra, mesmo não


sendo membro da família olímpica, pois só se filiará ao COI se
Formosa for expulsa desse Comitê ou não participar dos Jogos
separadamente, está exercendo forte pressão sobre o governo
canadense. Pequim não aceita que Formosa (Taiwan) participe sob o
nome e bandeira de Republica da China586.

580
Olympic Review, n. 107-108, setembro – outubro de 1976, p. 558. Fédération Internationale de Football
Association (FIFA).
581
Olympic Review, n. 109-110, novembro – dezembro de 1976, p. 648. Fédération Internationale de Football
Association (FIFA). Consultar também: China desiste de entrar na FIFA. O Estado de S. Paulo, 17 de julho de
1976, p. 21.
582
Olympic Review, n. 107-108, setembro – outubro de 1976, p. 558. Fédération Internationale de Football
Association (FIFA).
583
Olympic Review, n. 72-73, novembro – dezembro de 1973, p. 471-474. Closing speech of Lord Killanin,
President of the Congress and the International Olympic Committee. Embora a China Comunista estivesse
afastada há 20 anos do COI, ela tinha a intenção de retomar. Para essa notícia consultar: Um país decidido a
voltar às Olimpiadas. Folha de S. Paulo, 9 de abril de 1973, p. 16 – Esportes.
584
China a um passo da Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 13 de feveiro de 1974, p. 19; China pode entrar na
Olimpiada de Montreal. Folha de S. Paulo, 6 de abril de 1974, p. 21 – Esportes.
585
China quer entrar na Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 18 de abril de 1975, p. 23.
586
Formosa chega hoje ao Canadá. Folha de S. Paulo, 8 de julho de 1976, p. 31 – Esportes.
258

Com isso, o Canadá queria impedir a participação dos atletas da


China Nacionalista (Formosa) pelo fato do governo canadense reconhecer a
República Popular da China587. O Canadá como país anfitrião havia reconhecido
oficialmente Pequim até porque a cidade canadense de Ottawa possuía relações
comerciais com os chineses, especialmente quanto ao comércio de trigo588.
O COI emitiu um comunicado em que informava que “a proibição
estava em conflito direto com os princípios olímpicos fundamentais, segundo os
quais não é permitida discriminação contra qualquer país ou pessoa, por motivos de
raça, religião ou filiação”589. Lord Killanin voltava a ressaltar a relação entre o esporte
e a política, mas era enfático em impedir que o esporte se transformasse em um
palco para ações políticas e reforçou que o princípio dos Jogos Olímpicos “Foram
concebidos para reunir a juventude do mundo e não para estabelecer diferenças
entre regimes. Inclusive, em 1936, quando houve ameaça de interferência por parte
do governo alemão, este respeitou as regras do COI [...]”590.
Devido ao posicionamento do governo canadense em relação ao
caso de Formosa, o COI ameaçava retirar o nome de Jogos Olímpicos do evento.
Com o intuito de garantir a participação de seu país, Hang Hsu, presidente da
Comissão Olímpica de Formosa afirmou que acatariam qualquer decisão do COI591:
“Se a entidade determinar que devemos participar sob o nome de Formosa (em
lugar de República da China) aceitaremos sua decisão, ainda que seja contrária aos
seus próprios regulamentos”592.
Havelange, presidente da FIFA e membro do COI, se pronunciou
contrário à participação de Formosa. Para ele, “a única China é a República Popular
da China, com capital em Pequim”. Com essa declaração o governo canadense
recebia um apoio importante e por conta da dimensão que havia tomado o assunto
estava sendo tratado pelo Ministério das Relações Exteriores do Canadá593. Sem se
pronunciar de forma oficial, o presidente do CND, Jerônimo Bastos corroborou com o
posicionamento do COI “[...] ao declarar que a posição do governo brasileiro é a

587
Cresce a crise olímpica: EUA ameaçam não competir. Folha de S. Paulo, 3 de julho de 1976, p. 23 –
Esportes.
588
Olympic Review, n. 107-108, setembro – outubro de 1976, p. 462. Game playing in Montreal. Not
Acceptable.
589
COI ameaça proibir medalhas no Canadá. Folha de S. Paulo, 2 de julho de 1976, p. 24 – Esportes.
590
COI ameaça proibir medalhas no Canadá. Folha de S. Paulo, 2 de julho de 1976, p. 24 – Esportes.
591
COI recua, Formosa pode sair da Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 4 de julho de 1976, p. 53.
592
A difícil solução para Formosa. Folha de S. Paulo, 10 de julho de 1976, p. 21 – Esportes.
593
Formosa mantém posição. Folha de S. Paulo, 11 de julho de 1976, p. 31 – Esportes.
259

mesma. O Brasil não reconhece Formosa e mantém relações diplomáticas com a


China Popular”594.
A decisão sobre as divergências políticas que envolviam o Canadá,
a China (Pequim), os Estados Unidos (que ameaçavam se retirar caso Formosa
fosse aceita), a União Soviética (que anunciou sua permanência nos Jogos
independente se Formosa participaria ou não da competição)595 e Formosa
caminhavam para o impedimento desse último país em participar dos Jogos
Olímpicos sob o nome de República da China e tampouco usar a sua bandeira e seu
hino. A Folha de S. Paulo apontava que “Pequim conseguiu uma de suas mais
espetaculares vitórias políticas, no momento em que Lord Killanin, presidente do
Comitê Olímpico Internacional, capitulou diante das pressões e cedeu [...]”596. Antes
do resultado oficial da decisão do COI, o Comitê Olímpico de Formosa retirou-se
oficialmente dos Jogos:

Nenhum país participou dos Jogos Olímpicos sem sua bandeira


nacional exposta de forma proeminente. Devido a estas
circunstancias, não nos resta outro remédio do que registrar o nosso
protesto mediante a retirada de nossa equipe dos Jogos Olímpicos. A
decisão do Comitê Olímpico, segundo a qual Formosa deveria
participar dos Jogos de Montreal com a bandeira olímpica, é
absurda, supõe uma capitulação diante das exigências do Canadá e
mostra uma discriminação flagrante, com relação à República da
China597.

Quando tudo parecia decidido, houve uma última proposta do


governo canadense, enviada por meio de seu primeiro ministro Pierre Trudeau, de
permitir a participação de Formosa sob sua bandeira e hino nacional, mas com a
proibição de utilizar o nome República da China598. No entanto, a proposta do
governo canadense foi rejeitada por Formosa que se retirou dos Jogos599.
Diante das mediações políticas, os Jogos de Montreal precisavam
resolver outro problema concomitante: o atraso no andamento das instalações

594
Para o CND, o Brasil já não apoia Formosa. O Estado de S. Paulo, 13 de julho de 1976, p. 36.
595
Formosa resiste e divide apoio dos EUA. Folha de S. Paulo, 16 de julho de 1976, p. 24 – Esportes.
596
Derrotada, Formosa só espera reunião de hoje. Folha de S. Paulo, 13 de julho de 1976, p. 34 – Esportes.
597
Formosa decide abandonar a Olimpíada. Folha de S. Paulo, 15 de julho de 1976, p. 32 – Esportes. Consultar
também: Formosa sai, a Africa e EUA fazem ameaças. O Estado de S. Paulo, 15 de julho de 1976, p. 37.
598
Já sem apoio dos EUA, Formosa perde força. O Estado de S. Paulo, 16 de julho de 1976, p. 23; Formosa
resiste e divide apoio dos EUA. Folha de S. Paulo, 16 de julho de 1976, p. 24 – Esportes.
599
Fim do caso Formosa, todos irritados. O Estado de S. Paulo, 17 de julho de 1976, p. 21. Formosa retira-se da
Olimpíada. Folha de S. Paulo, 17 de julho de 1976, p. 22 – Esportes.
260

olímpicas e a greve de 70 mil operários600, que durou oito semanas601, fizeram com
que surgisse uma série de especulações, entre elas, a de que os Jogos poderiam
mudar de cidade602 ou de país – já que o México se oferecera oficialmente para
sediar o evento caso Montreal não conseguisse terminar as obras603. Essa ideia já
havia aparecido em 1973, quando surgiram notícias de que Montreal não teria
condições financeiras de sediar o evento604.
Em meio às especulações, Roger Rousseau, presidente do Comitê
Organizador de Montreal, mostrava-se confiante com a procura por ingressos:
“Tenho a certeza de que a XXI Olimpíada se autofinanciará: e isso estará
acontecendo pela primeira vez na história do esporte”605. A garantia para a
realização dos Jogos Olímpicos era a conclusão das obras606, especialmente da Vila
Olímpica, concretizada somente quando foi anunciado que o Canadá iria mesclar
recursos públicos e privados607.
No entanto, a previsão orçamentária foi totalmente ampliada porque
“a inflação, o encarecimento dos materiais de construções, e problemas trabalhistas
elevaram de 310 milhões para 635 milhões de dólares as despesas previstas [...]”608.
Essa enorme discrepância entre o previsto e o investido gerava uma série de
dificuldades em aprovar as contas, já que as cidades canadenses de Quebec609 e
Ottawa insistiam na “[...] necessidade de fazer com que os Jogos Olímpicos se auto-
financiem, e negam o refinanciamento do capital necessário à construção das
instalações”610.
Apesar das resistências, “o Conselho Municipal de Montreal aprovou
um crédito de 250 milhões de cruzeiros para financiar a conclusão da Vila Olímpica

600
Greve pára as obras olímpicas. O Estado de S. Paulo, 26 de junho de 1974, p. 26.
601
Operários voltam e garantem Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 19 de janeiro de 1975, p. 46; Acaba a greve:
as Olimpíadas serão realizadas em Montreal. Folha de S. Paulo, 22 de maio de 1975, p. 26.
602
Olympic Review, n. 99-100, janeiro – fevereiro de 1976, p. 23. The press release of 3rd December. Ver
também: Contratempo olimpico. Folha de S. Paulo, 15 de janeiro de 1973, p. 17 – Esportes.
603
México-76 já é oficial. O Estado de S. Paulo, 3 de dezembro de 1975, p. 28.
604
COB apresenta o plano de 76. O Estado de S. Paulo, 16 de janeiro de 1973, p. 35; A falta de dinheiro pode
atrapalhar a Olimpiada. Folha de S. Paulo, 10 de agosto de 1974, p. 27 – Esportes.
605
Finalmente, haverá uma autofinanciada. Folha de S. Paulo, 19 de julho de 1973, p. 39 – Esportes.
606
Olimpiada. As obras, em ritmo normal. Folha de S. Paulo, 13 de agosto de 1974, p. 24.
607
Canadá combina recursos e garante os Jogos Olímpicos. O Estado de S. Paulo, 23 de outubro de 1974, p. 28.
608
A Olimpíada mais cara, em Montreal. O Estado de S. Paulo, 24 de dezembro de 1974, p. 27; Ver também:
As Olimpíadas do azar. Folha de S. Paulo, 3 de feveiro de 1975, p. 10 – Esportes; Ameaças à Olimpíada
canadense. Folha de S. Paulo, 25 de novembro de 1975, p. 32 – Esporte.
609
Olimpíada já é um assunto da polícia. O Estado de S. Paulo, 16 de maio de 1975, p. 22.
610
A Olimpíada corre perigo, mas ainda tem apoio do COI. O Estado de S. Paulo, 30 de janeiro de 1975, p. 29.
261

[...]”611. No entanto, os próprios organizadores dos Jogos começaram a explicitar que


haveria prejuízo, calculado em torno de 300 milhões de dólares612 e, em pouco
tempo, no fechamento das contas entre o que foi investido e o que seria
recuperado613 projetava-se um prejuízo em torno dos 600 milhões de dólares614.
Quanto mais perto do início dos Jogos maior se tornava o déficit
para a realização do evento. Em abril de 1976, estimava-se uma dívida de 900
milhões de dólares, dos quais 200 milhões de dólares seriam custeados por meio de
impostos municipais de Montreal. “Para pagar o restante, a Província (que equivale a
Estado, no Brasil) terá que contrair um empréstimo junto ao governo central”615.
Os gastos com a segurança também foram maiores do que o
previsto e saltou de 15 milhões de dólares para 35 milhões para que fossem
custeadas “[...] as despesas de 5 mil militares, da guarda real do Canadá, os
serviços aduaneiros e de imigração, e da polícia dos portos nacionais”616. Os
reflexos do atentado de Munique, especialmente em relação à delegação de
Israel617, passaram a compor o cenário esportivo e nos Jogos Olímpicos de Inverno
realizados em Innsbruck, na Áustria, um amplo sistema de segurança foi implantado
para evitar qualquer problema618.
Meses antes do início dos Jogos de Montreal a brigada antiguerrilha,
da polícia especial canadense, interrogou uma série de suspeitos com o objetivo de
evitar a presença de terroristas durante o evento619, “[...] já visitaram 107 pessoas
nos últimos nove meses ‘para fazê-las saber que estamos de olho nelas’”620. A
segurança dos Jogos Olímpicos coube a “18 mil soldados, policiais e fuzileiros
navais [...]”621.

611
Tiro aguarda liberação da verba. Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 8 de março de 1975, p. 20.
612
Olimpíada dará grande prejuízo. O Estado de S. Paulo, 27 de setembro de 1975, p. 24.
613
Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 17 de julho de 1975, p. 39.
614
Novos planos para que a Olimpíada não fracasse. O Estado de S. Paulo, 22 de novembro de 1975, p. 24.
615
Em Paris, canadenses garantem a Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 7 de abril de 1976, p. 26. Texto de Reali
Junior. Consultar também: CPI investigará custos olímpicos. Folha de S. Paulo, 11 de abril de 1976, p. 39 –
Esportes.
616
Hoje, a reunião no COB. Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 17 de abril de 1975, p. 39.
617
O terror inquieta Israel. O Estado de S. Paulo, 10 de julho de 1976, p. 21.
618
Innsbruck inicia Jogos de Inverno e do medo. O Estado de S. Paulo, 4 de fevereiro de 1976, p. 23.
619
Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 2 de março de 1976, p. 21.
620
Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 24 de abril de 1976, p. 26.
621
Luta política e segurança. Folha de S. Paulo, 17 de julho de 1976, p. 22 – Esportes.
262

Figura 13 - Charge de Killanin diante da greve dos operários em Montreal publicada no


Olympic Review, n. 99-100, jan./fev. 1976, p. 22

Se não bastassem os problemas referentes às instalações


esportivas havia ainda o boicote ao COI liderado pela Tanzânia para que a Nova
Zelândia fosse banida dos Jogos de Montreal por ter enviado uma equipe de rugby
para competir na África do Sul622, país que estava suspenso pelo COI devido sua
política de segregação racial623.
O COI posicionou-se contra a exclusão da Nova Zelândia624,
segundo o vice-presidente do COI e presidente do Comitê Olímpico da Tunísia,
Mohamed Mzali625, pelos seguintes motivos: a Nova Zelândia não praticava o
apartheid; o rugby não era um esporte olímpico; a Federação de rugby da Nova
Zelândia não era filiada ao Comitê Olímpico Nacional do seu país e o COI já havia
expulsado a África do Sul e a Rodésia, países que tinham problemas raciais626. A
consequência dessa decisão do COI foi o boicote de 22 países, gerando a ausência
de 441 atletas nessa edição olímpica627.

622
África faz ameaça. O Estado de S. Paulo, 29 de junho de 1976, p. 32.
623
Olympic Review, n. 107-108, setembro – outubro de 1976, p. 462. Game playing in Montreal. Consultar
também: Segregação racial ameaça sucesso dos Jogos Olímpicos. Folha de S. Paulo, 29 de junho de 1973, p. 33
– Esportes.
624
COI decide contra 16 da África. O Estado de S. Paulo, 17 de julho de 1976, p. 21.
625
O tunísio Mohamed Mzali foi o 271º membro do COI (1965-2010). Foi Primeiro Ministro da Tunísia entre
1980-1986, mas com a mudança de governo se exilou em Paris. Foi presidente do Comitê Olímpico da Tunísia
(1962-1986) , da Federação de Futebol da Tunísia (1962-1963), da Academia Olímpica Internacional (1977-
1988) e membro de várias Comissões do COI (BUCHANAN e LYBERG, 2013b).
626
Olympic Review, n. 107-108, setembro – outubro de 1976, p. 463.
627
Olympic Review, n. 109-110, novembro – dezembro de 1976, p. 584-585. Africa and the XXIst Olympiad.
Os países que boicotaram os Jogos foram: Argélia, Camarões, Chade, Congo, Egito, Eitópia, Gana, Guiana,
Iraque, Quênia, Líbia, Mali, Marrocos, Níger, Nigéria, Sudão, Suazilândia, Togo, Tunísia, Upper Volta (atual
263

4.9.1 Mudanças no amadorismo: as novas regras sobre a elegibilidade


dos atletas

No plano organizacional Lord Killanin, começava a implantar o seu


modo de pensar dentro do COI628. Sua visão, era em parte muito diferente de seus
antecessores, especialmente quando pontuava a importância de entender as
relações políticas com o esporte ao invés de negá-las, conforme ele mesmo afirmou:
“Sou um realista. Acho que os problemas raciais e políticos devem ser enfrentados,
para que se possa conseguir uma conciliação”629. Por outro lado, se aproximava da
visão de sua época e de seus antecessores sendo envolvido em torno da enorme
estrutura que se encontravam os Jogos Olímpicos. Apesar de afirmar que era
preciso ressaltar a importância do atleta dentro do sistema, algo sem dúvida
inovador no contexto do COI, ao mesmo tempo defendia que os atletas não fossem
um porta-voz de aspectos políticos.
Continuava na pauta do COI a discussão em torno da elegibilidade
dos atletas. As restrições continuavam, mas havia uma condição que permitia que
um atleta participasse de alguma propaganda desde que o contrato fosse feito via
Comitê Olímpico Nacional, Federação Internacional ou ainda Federação Nacional. A
autorização para a participação do atleta em propagandas somente foi autorizada
quando se garantiu que o contrato estivesse vinculado a algum órgão diretivo para
poder existir o controle em relação aos valores monetários que tais propagandas
gerariam. Nessa estrutura de controle, caberia às referidas entidades definir o
destino da verba630. Os atletas continuavam a ser um meio para alguma coisa e o

Burkina Faso), Uganda, Zâmbia. Consultar também: Mais africanos deixam a competição. Folha de S. Paulo, 17
de julho de 1976, p. 22 – Esportes; Mais 10 países africanos abandonam a Olimpíada. Folha de S. Paulo, 18 de
julho de 1976, p. 31 – Esportes. Grande parte dos países africanos que boicotaram Alguns países se retiraram
após o início dos Jogos de Montreal.
628
Olympic Review, n. 85-86, novembro – dezembro de 1974, p. 579-580. 1st November 1974 at Winnipeg
(Canada) The Olympic Movement brought up to date by Lord Killanin, President of the IOC. The Structures of
the Olympic Movement.
629
Killanin: ‘O esporte tem que mudar’. O Estado de S. Paulo, 24 de maio de 1973, p. 34.
630
Olympic Review, n. 85-86, novembro – dezembro de 1974, p. 581. 1st November 1974 at Winnipeg
(Canada) The Olympic Movement brought up to date by Lord Killanin, President of the IOC. Eligibility for the
Olympic Games. Sobre essa questão ver, no mesmo Boletim, a carta do president do COI, Lord Killanin enviada
às Federações Internacionais, Comitês Olímpicos Nacionais e imprensa datada do dia 26 de novembro de 1974
(p. 583-584).
264

fim continuava atrelado à estrutura esportiva, fosse pelos Comitês ou pelas


Federações.
Em visita ao Brasil, Killanin concedeu uma entrevista coletiva na
sede do COB em que falou sobre as mudanças pelas quais passavam o COI,
especialmente, em relação à alteração das regras de elegibilidade631.

Não posso afirmar que os atletas dos países da “cortina de ferro” são
profissionais, embora saiba que eles recebem certos benefícios de
seus governos. Mas é evidente que os países ocidentais também
têm formas de ajudar seus atletas, concedendo-lhes bolsas de
estudos e outras facilidades. Isso tudo está sendo revisto por mim632.

Diante desse movimento foram apresentadas as alterações na regra


26, correspondente à elegibilidade de participação dos atletas nos Jogos
Olímpicos633. Foi mantido que o atleta deveria cumprir as orientações e
determinações do COI para fazer parte dos Jogos e continuava proibido receber
algum tipo de pagamento ou benefício material por conta de seu desempenho
esportivo634.
As inovações apresentadas com as mudanças remetiam a essa
segunda condição, pois, havia uma série de permissões ao atleta desde que
possuísse autorização do seu Comitê Olímpico ou da Federação Nacional receber
pagamentos para cobrir suas despesas, tais como alimentação, hospedagem,
transporte e etc., e o recebimento, em caso de necessidade, de uma compensação
pelo período em que ficou ausente de seu trabalho para preparação ou participação
nos Jogos Olímpicos635. Havia ainda outras permissões: o atleta poderia receber
prêmios por ser o vencedor de alguma competição, desde que estivesse dentro das
regras estabelecidas por sua Federação Internacional e poderia receber bolsas
escolares ou técnicas.
Continuavam impedidos de participar os atletas profissionais, os que
fizessem contratos individuais de propagandas, ter atuado como técnico profissional

631
Lord Killanin veio, quem não veio foi sua revolução. Folha de S. Paulo, 28 de maio de 1973, p. 25 –
Esportes.
632
Killanin: ‘O esporte tem que mudar’. O Estado de S. Paulo, 24 de maio de 1973, p. 34.
633
Para ver a reação de inúmeros veículos de imprensa internacional consultar: Olympic Review, n. 87-88,
janeiro – fevereiros de 1975, p. 3-8. With regard to Rule 26...Some journalists’ reactions.
634
Olympic Review, n. 85-86, novembro – dezembro de 1974, p. 585. New rules. Eligibility code.
635
Olympic Review, n. 85-86, novembro – dezembro de 1974, p. 585-586. Bye-laws to rule 26.
265

ou treinador em qualquer esporte636 e aquele que tivesse sido profissional em outro


esporte ou que tivesse se tornado profissional antes do final dos Jogos Olímpicos637.
Embora estivessem mantidas algumas restrições quanto à
elegibilidade dos atletas olímpicos, as mudanças apresentadas nesse momento e
promovidas por meio do presidente do COI Lord Killanin apontavam para novos
caminhos do movimento olímpico. O auge da briga entre o COI e a FIFA em busca
das definições do amadorismo especialmente quanto ao que seria permitido sobre o
pagamento pelo tempo em que o atleta ficasse afastado de suas atividades laborais
havia gerado uma grande celeuma entre as entidades. A FIFA defendia o
pagamento enquanto o COI era contra. Depois de muitos anos, com a mudança nas
regras o COI também passava a permitir, com o consentimento de alguma entidade
esportiva, que o atleta pudesse ser reembolsado. Essas alterações indicavam que o
COI precisava eliminar a visão de que era uma entidade obsoleta, que havia parado
no tempo e não percebia que tanto a sociedade quanto o esporte haviam mudado
desde 1894.
Rous havia perdido a eleição de presidente da FIFA para Havelange,
mas como tinha se tornado presidente honorário da entidade continuava tendo
visibilidade. Em um artigo publicado no Boletim Olímpico, Rous afirmou que as
regras da elegibilidade não eram aplicadas de forma uniforme, mas que a sua
atualização a tornava mais realística e que essa mudança permitiria, por meio das
Federações Internacionais e dos Comitês Olímpicos Nacionais, reduzir as
divergências em torno dessa regra638.
O próprio Killanin indicou que, apesar do avanço com as mudanças
realizadas a partir da atualização das regras que há muito tempo não eram
alteradas, ainda existiam pontos a serem corrigidos e melhorados. Entre esses
pontos, destacou o tempo de afastamento como sendo um item desproporcional
entre as diferentes nações pelo fato de algumas poderem ajudar os atletas enquanto
outras não poderiam fazê-lo639.

636
Olympic Review, n. 85-86, novembro – dezembro de 1974, p. 586. 2. A competitor must not.
637
Olympic Review, n. 101-102, março – abril de 1976, p. 145. Bye-laws to rule 26.
638
Olympic Review, n. 87-88, janeiro – fevereiro de 1975, p. 9-10 (e página 20). The Modern Sports
Administrator: His Problems and a Code of Conduct by Sir Stanley Rous, Honorary President of the Fédération
lnternationale de Football Association.
639
Olympic Review No. 107-108, setembro – outubro de 1976, p. 469. Montreal, 13th July 1976 Official
opening of the 78th Session of the International Olympic Committee Speech by Lord Killanin, President of the
International Olympic Committee.
266

Um editorial publicado por René Courte, que tinha o cargo de


relações públicas da FIFA e de diretor de imprensa, publicado no FIFA News n. 136
pontuava que era cedo para analisar se a alteração da regra da elegibilidade do
COI, chamada por ele de “Regra de admissão aos Jogos Olímpicos ou Definição de
Amador do COI” teria alguma influência no aumento do número de países
interessados em fazer parte do torneio olímpico. Courte destacava a inclusão no
artigo 33 do estatuto da FIFA referente às penalidades que seriam aplicadas caso
uma associação não participasse de dois sucessivos campeonatos, a Copa do
Mundo e os Jogos Olímpicos. Caso alguma associação se enquadrasse nessa
condição estaria automaticamente suspensa de votar durante o período em que não
fizessem parte sem justificativa640.
Esses pontos destacados pela editora do Boletim Olímpico, Monique
Berlioux641, serviram para que ela fizesse duas críticas ao modo como havia sido
escrito o editorial de Courte. Berlioux pontuou que a regra 26 não tinha por objetivo
funcionar como uma “Definição de Amador do COI” e sim como as condições para
um atleta fazer parte dos Jogos Olímpicos. A segunda crítica referiu-se ao modo
ambíguo como fora apresentado o artigo 33 da FIFA ao apontar que o COI nunca
colocou tais sanções aos Comitês Olímpicos Nacionais e considerava que esse tipo
de pressão ia contra os princípios do COI que validava a participação do atleta que
estivesse vinculado a um Comitê Olímpico Nacional642.
Havelange, presidente da FIFA, fazia o papel protocolar de elogiar
os Jogos Olímpicos e como modo de fugir do debate que marcara as relações entre
a FIFA e o COI ressaltava que a sua entidade era composta predominantemente por
amadores (99%) e que os Jogos Olímpicos eram para os amadores643.

4.10 Moscou (1980): esporte e política cada vez mais juntos

640
Olympic Review, n. 85-86, novembro – dezembro de 1974, p. 635. Fédération lnternationale de Football
Association (FIFA).
641
A francesa Monique Berlioux foi uma nadadora. Quando trabalhava como jornalista foi levada por uma
assistente de Otto Mayer para conhecer Brundage. Com o trabalho no Boletim Olímpico do COI, trabalhou como
diretora de imprensa e relações públicas do COI. Consultar: Guttmann (2002, p. 114).
642
Olympic Review, n. 85-86, novembro – dezembro de 1974, p. 635. Fédération lnternationale de Football
Association (FIFA).
643
Olympic Review, n. 105-106, julho – agosto de 1976, p. 340. João Havelange, President of the Fédération
lnternationale de Football Association.
267

Há muito tempo, tanto os Estados Unidos quanto a União Soviética


utilizavam-se do esporte como forma de ressaltar as qualidades do sistema
capitalista, para o primeiro, e do socialista para o segundo. Nos Jogos Olímpicos de
Munique quando se acirrou a disputa entre os dois países pela supremacia olímpica,
favorecida pelo maior número de medalhas conquistadas em relação aos norte-
americanos (99 contra 94) a imprensa soviética explorou o desempenho esportivo
como forma de ressaltar o regime adotado pelo país.
Em 1972, a imprensa soviética ressaltou que “Foi uma vitoria de
ponta a ponta, que prova a superioridade do sistema socialista”. A prova de que
cada um iria explorar por meio do sucesso nos Jogos Olímpicos foi indicada pela
reportagem do O Estado de S. Paulo quando, quatro anos antes nos Jogos de 1968
os dizeres da imprensa eram outros em tom de lamentação declararam: “‘[...] temos
que reconhecer que nossos desportistas não obtiveram o exito esperado. O total de
medalhas que conquistaram foi menor do que o dos norte-americanos’. Em 1968, a
imprensa sovietica não falou de superioridade do sistema capitalista”644. Em síntese,
a Guerra Fria estava cada vez mais dentro dos Jogos Olímpicos.
A candidatura de Moscou como sede para os Jogos Olímpicos de
1980 (19 de julho a 3 de agosto) somente não foi única porque Los Angeles, seis
dias antes do prazo de inscrição, oficializou a sua intenção em sediar o evento645.
Mais uma vez, o esporte era palco para ações políticas e a Guerra Fria iria ser mais
um dos itens de disputa entre as duas nações. A escolha de Moscou como cidade
sede dos Jogos de 1980 aconteceu em uma votação secreta e sem a divulgação do
número de votos recebidos646.

4.10.1 O COI não usa mais a palavra amador e os assuntos políticos


continuam na pauta

O presidente do COI, Lord Killanin, com o objetivo de evitar que


algum país fosse impedido de participar dos Jogos Olímpicos de Moscou, tal como
havia acontecido com Formosa em Montreal 1976, afirmou “[...] que a União

644
Propaganda russa explora Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 13 de setembro de 1972, p. 2.
645
Los Angeles pede a Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 26 de março de 1974, p. 33.
646
Moscou será a sede da Olimpíada de 80. O Estado de S. Paulo, 24 de outubro de 1974, p. 36; Moscou ganha
a Olimpíada Folha de S. Paulo, 24 de outubro de 1974, p. 39 – Esportes.
268

Soviética deu nova garantia de que todos os países terão acesso aos Jogos
Olímpicos de Moscou em 1980”647.
Killanin não retirava os assuntos sobre política da pauta do COI
exatamente pelo fato de reconhecer a existência deles. A questão da China estava
prestes a se resolver quando esta solicitou o pedido de reconhecimento de seu
Comitê Olímpico de acordo com as regras estabelecidas pelo COI648. O primeiro
passo em direção a uma resolução aconteceu quando o COI aceitou a presença do
Comitê Olímpico tanto de Pequim como o de Formosa649 (62 votos a favor, 17 contra
e 2 votos anulados)650 tendo cada um o seu emblema e bandeira651. Porém, essa
condição foi aprovada somente para a República Popular da China652 – que também
voltava a fazer parte do quadro de membros da FIFA653, pois para Formosa654 ainda
necessitava de uma aprovação do Comitê Executivo655. A China, por sua vez,
somente aceitava a existência de um Comitê Olímpico de Formosa caso estivesse
vinculado ao seu e nessa relação de subordinação “[...] Formosa poderia até
participar de olimpíadas, mas não teria nem estatutos, nem bandeira e hino nas
competições”656. A situação de Formosa seria somente regularizada em 1981
quando o COI e o Comitê Olímpico da China Taipei (Formosa) entraram em um
acordo quanto ao nome, bandeira e emblema que seriam utilizados657.
Em uma reunião do COI ocorrida em Praga (1977), Killanin
destacava a importância do debate entre as Federações Internacionais e os Comitês
Olímpicos Nacionais nas discussões sobre os rumos do movimento olímpico mesmo
diante de opiniões divergentes. As decisões tomadas nessa reunião somente seriam
implantadas nos Jogos Olímpicos de 1984. Entre os itens discutidos destaco o

647
Olimpíada sem política. O Estado de S. Paulo, 13 de outubro de 1976, p. 23.
648
Olympic Review, n. 137, março de 1979, p. 141. The China Question.
649
Olympic Review, n. 138-139, abril – maio de 1979, p. 221. The China question.
650
Olympic Review, n. 145, novembro de 1979, p. 626. China and the five rings. Consultar também: China
recebe 62 votos a favor e volta ao COI. O Estado de S. Paulo, 27 de novembro de 1979, p. 23; A China na
Olimpíada. Folha de S. Paulo, 27 de novembro de 1979, p. 25 – Esportes.
651
Olympic Review, n. 144, outubro de 1979, p. 562. Meeting of the Executive Board in Nagoya. China
question.
652
Apesar de tantos anos afastada das competições olímpicas, a China aderiu ao boicote. Consultar: Japão e
China decidem não ir mais a Moscou. Folha de S. Paulo, 2 de fevereiro de 1980, p. 23 – Esportes.
653
Olympic Review, n. 144, outubro de 1979, p. 602. Fédération Internationale de Football Association (FIFA);
Fifa admite China nas eliminatórias da Copa. Folha de S. Paulo, 14 de outubro de 1979, p. 40 – Esportes.
654
O próprio Comitê de Taipé não aceitava utilizar o nome Taiwan. Olympic Review, n. 145, novembro de
1979, p. 629.
655
Olympic Review, n. 143 – setembro de 1979, p. 497. The President of the IOC meets the problems of
Olympism. China.
656
China, um tema difícil. O Estado de S. Paulo, 26 de junho de 1979, p. 28.
657
Olympic Review, n. 162, abril de 1981, p. 211. The Chinese Taipei Olympic Committee.
269

recorrente questionamento sobre a saída e/ou entrada de algum esporte no


programa olímpico; a relação entre esporte e política em que o COI deveria buscar
um ponto de equilíbrio por meio do esporte como forma de agregar os mais
diferentes posicionamentos políticos; e o aumento da participação feminina nos
Jogos Olímpicos658.
Outro assunto que continuou a aparecer nas discussões em torno do
movimento olímpico relacionava-se com a questão da elegibilidade dos atletas. Em
uma entrevista a rádio Telefis Eirann, Lord Killanin foi questionado sobre a
impossibilidade de eliminar os atletas profissionais dos Jogos Olímpicos. Em seus
argumentos, Killanin ressaltou que era preciso caminhar no sentido de colocar “as
cartas na mesa” e analisar que existiam pequenas diferenças entre os amadores dos
países socialistas em que não havia profissionalismo e o atleta que trabalhava em
uma empresa e tinha tempo suficiente para se dedicar aos treinamentos659. Diante
das mais variadas condições de treinamento indicou que o COI estudaria meios para
fornecer as mesmas condições a todos660. Como ação imediata, pelo fato de
entender que houve uma perda de sentido da palavra amadorismo661 ela foi
substituída por elegibilidade662.
Killanin mostrava-se ser uma pessoa preocupada com o processo
pelo qual estava envolvido como presidente do COI e como profundo conhecedor
das ações de seus antecessores frente ao movimento olímpico. Tendo essa
articulação consciente entre o que fazia no presente e o que havia acontecido no
passado, ele conseguia olhar para o futuro com uma precisão que poucos dirigentes
conseguiram fazer ao longo da história do esporte. Afirmava que inúmeras vezes
havia se perguntado por que havia se posicionado contra a abertura dos Jogos
Olímpicos. Seu argumento para ressaltar que não era contra o profissionalismo
funcionava naquele momento como uma previsão ousada do que poderia acontecer
com o esporte no mundo. Para ele, existia uma preocupação em torno do
profissionalismo, pois o esporte profissional traria de modo interligado a presença

658
Olympic Review, n. 116, junho – julho de 1977, p. 362-365. Lord Killanin, President of the IOC.
659
Olympic Review, n. 129, julho de 1978, p. 422. The President of the IOC... on the air.
660
Olympic Review, n. 130-131, agosto – setembro de 1978, p. 491. Lord Killanin in Algiers, 10th July 1978.
Amateurism.
661
Killanin admite o fim do amadorismo. Folha de S. Paulo, 25 de novembro de 1979, p. 47 – Esportes.
662
Olympic Review, n. 129, julho de 1978, p. 422. The President of the IOC... on the air.
270

dos empresários – e estes, por meio de seus intermediários, poderiam atuar de


forma direta nas Federações Internacionais663.

4.10.2 Os Estados Unidos lideram o maior boicote da história dos Jogos


Olímpicos

Para Lord Killanin o ano de 1980 representava o fim de seu período


como presidente do COI. O seu governo havia se iniciado oito anos antes e embora
tivesse uma visão bem diferente de seus antecessores teve a sua gestão ligada a
uma série de problemas, especialmente de ordem política. Ciente por tudo o que
tinha passado queria finalizar seu mandato sem problemas e os Jogos de Moscou
representariam essa oportunidade. Mas o cenário político desses Jogos indicava que
Killanin não teria sossego.
O terceiro lugar na contagem das medalhas nos Jogos de Montreal
colocava os Estados Unidos em alerta e exigia ações para reconquistar o espaço
perdido. Para recuperar a sua hegemonia, os americanos projetavam formar a
melhor equipe da história e esse desejo era apontado que, talvez, a principal
motivação para recuperar esse espaço não fosse apenas de ordem esportiva, mas
principalmente política664. Sob a alegação de violação dos Direitos Humanos pela
União Soviética, o senador Wendel Anderson, de Minnesota, solicitou a retirada da
delegação norte-americana, mas seu pedido foi rejeitado pelo próprio Comitê
Olímpico norte-americano665.
No final de dezembro, a invasão da União Soviética no Afeganistão
colocou em evidência a relação entre a realização dos Jogos e o contexto político da
Guerra Fria quando surgiu a possibilidade de boicote aos Jogos de Moscou após
uma reunião da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)666. Nesse
cenário, o presidente americano Jimmy Carter667 e a primeira ministra britânica

663
Olympic Review, n. 137, março de 1979, p. 140. Six Questions to the President of the I O C. Lord Killanin
analyses the problems of Olympism. Amateurism.
664
Os EUA já pensam em Moscou. O Estado de S. Paulo, 2 de janeiro de 1977, p. 33. Texto de Paulo Ferraz
Filho.
665
Boicote em 1980. Folha de S. Paulo, 21 de julho de 1978, p. 32.
666
COI já responde à proposta de boicote. Folha de S. Paulo, 3 de janeiro de 1980, p. 26 – Esportes.
667
EUA cortam venda de trigo à URSS. Carter anuncia as represálias pelo ataque ao Afeganistão. Folha de S.
Paulo, 5 de janeiro de 1980, p. 1.
271

Margareth Thatcher668 acusavam os soviéticos de usarem os Jogos Olímpicos para


terem benefícios políticos669.
O COI, por sua vez, reforçava que a promoção dos Jogos Olímpicos
pertencia à entidade e não ao país anfitrião para justificar que a participação dos
atletas não representava a concordância com o posicionamento político do país
sede670. A ameaça do COI em punir com a exclusão do movimento olímpico os
países que se inscrevessem para participar dos Jogos de Moscou e depois viessem
aderir ao boicote era uma tentativa do COI garantir a presença do maior número de
países, mas poderia funcionar numa perspectiva contrária quando abria a
possibilidade para os países se inscreverem tardiamente para participar dessa
competição. Dessa forma, os países teriam mais tempo para analisar se fariam parte
do boicote, e ao demorarem em realizar a inscrição evitariam uma possível punição
pelo COI671.
Em um artigo de opinião, o jornalista e correspondente de Nova
Iorque Paulo Francis analisava a possibilidade do boicote como sendo uma “pirraça
de criança”. Sua análise projetava a ação da propaganda soviética bem como um
possível boicote nos Jogos de Los Angeles como sendo o “troco” dos soviéticos672.
Sem mencionar a palavra boicote, o presidente norte-americano
Jimmy Carter propunha o cancelamento dos Jogos de 1980 ou uma mudança de
sede caso a União Soviética não retirasse as suas tropas do Afeganistão673. Em
meio às adesões para boicotar os Jogos, o presidente Figueiredo afirmou que o
Brasil ainda não tinha uma posição definida. Mas em pouco tempo, em sintonia com
o COB, o governo brasileiro se posicionou contra o boicote674.

668
Inglaterra proíbe ida à Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 14 de março de 1980, p. 21. Apesar do
posicionamento de Margareth Thatcher, o Comitê Olímpico Britânico não apoiava o boicote, sendo 15 de suas
Federações a favor de participar dos Jogos de Moscou e apenas quatro contra. Consultar: Comitê Britânico não
apóia boicote olímpico. O Estado de S. Paulo, 26 de março de 1980, p. 21; Ingleses decidem não boicotar a
Olimpíada. Folha de S. Paulo, 26 de março de 1980, p. 27.
669
Olympic Review, n. 150, abril de 1980, p. 154. Seven questions one hundred days before the Games of the
XXllnd Olympiad.
670
Olympic Review, n. 151, maio de 1980, p. 227. Olympic focus on Lausanne.
671
COI faz nova advertência contra boicote. O Estado de S. Paulo, 18 de janeiro de 1980, p. 19.
672
A comédia das Olimpíadas. Folha de S. Paulo, 19 de janeiro de 1980, p. 6 – Exterior.
673
A ameaça de Carter já divide a Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 22 de janeiro de 1980, p. 23.
674
EUA não conseguem convencer Brasil a aderir ao boicote. Folha de S. Paulo, 29 de janeiro de 1980, p. 6 –
Nacional; Havelange diz que Figueiredo é contra boicote à Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 8 de fevereiro de
1980, p. 21; O Brasil é contra o boicote, Folha de S. Paulo, 8 de fevereiro de 1980, p. 19 – Esportes.
“Anteriormente, o Brasil se negou a boicotar o fornecimento de cereais para aquele pais, conforme solicitação do
presidente Carter [...]”.
272

Destarte, Sylvio Padilha, presidente do COB, por meio de uma nota


oficial posicionou-se “[...] totalmente contrário ao boicote, que é uma arma repudiada
pelos princípios olímpicos”675. Sendo membro do COI e tendo sido o primeiro vice-
presidente até 1979 da gestão de Lord Killanin não podia se esperar outro
posicionamento de Padilha a não ser o de não aceitar o boicote. Afinal, se tivesse
uma postura diferente poderia destruir todas as relações que criou dentro do COI e
sob o ponto de vista político poderia vir a ter problemas na presidência do COB. Por
ocasião dos Jogos Olímpicos de Inverno de Salt Lake City, Padilha fez um pedido
para Carter desistir do boicote. Embora, a situação no Afeganistão fosse complicada,
Padilha entendia que se essa ação se concretizasse “‘abriria uma cicatriz’ na
Olimpíada de 80 e poderia criar problemas graves para o futuro do movimento
olímpico”676. O Brasil foi confirmado como participante dos Jogos de Moscou677. De
acordo com Lico (2007, p. 117) a confirmação da presença brasileira foi fruto de uma
decisão política:

Diante de um delicado quadro interno e da possibilidade concreta de


estabelecer relações comerciais de grande porte com a União
Soviética, foi difícil considerar a hipótese de participação no embargo
proposto pelo presidente Jimmy Carter, mesmo que a posição oficial
do governo brasileiro fosse contrária ao ato de invasão soviético.

Além disso, no campo esportivo o boicote promovido por vários


países viabilizou ao Brasil a classificação de algumas equipes, além de ter aumento
nas chances de melhor desempenho em algumas modalidades (LICO, 2007).
Sob o discurso de salvar os ideais olímpicos, o COI clamava por
uma despolitização dos Jogos678 e 18 países europeus se posicionaram com o
intuito de ajudar a preservar os ideais olímpicos679. Por mais que Lord Killanin
defendesse a relação entre esporte e política não queria que os Jogos fossem uma
plataforma política. Nesse sentido, o COI começava a se empenhar em afastar o uso

675
Governo estuda boicote, COB aceita convite. O Estado de S. Paulo, 25 de janeiro de 1980, p. 29. Consultar
também: COB alinha com Moscou na crise da Olimpíada. Folha de S. Paulo, 25 de janeiro de 1980, p. 40 –
Esportes.
676
Padilha faz apelo a Jimmy Carter. O Estado de S. Paulo, 31 de janeiro de 1980, p. 30. Consultar também:
EUA pedem apoio do Brasil ao boicote. Folha de S. Paulo, 24 de janeiro de 1980, p. 32 – Esportes.
677
COB confirma a ida do Brasil a Moscou. O Estado de S. Paulo, 4 de março de 1980, p. 21.
678
Olympic Review, n. 151, maio de 1980, p. 227. Olympic focus on Lausanne.
679
Olympic Review, n. 151, maio de 1980, p. 273. Around the National Olympic Committees Declaration by 18
European NOCs. Os 18 países foram: Alemanha Ocidental, Andorra, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia,
França, Grã-Bretanha, Grécia, Irlanda, Itália, Liechtenstein, Luxemburgo, Malta, Holanda, San Marino, Suíça e
Turquia.
273

político dos Jogos e essa despolitização era uma necessidade apontada – também
por ele – para salvaguardar o movimento olímpico680.
O fato é que o presidente norte-americano Jimmy Carter não teve
apoio que esperava dos mais diversos Comitês Olímpicos Nacionais, pois recusaram
a orientação de Carter quando este pediu que os países não enviassem seus atletas
para Moscou681 e “[...] nem mesmo o Comitê Olímpico dos EUA mostra-se disposto a
endossar a posição assumida pelo presidente Carter”682. Entretanto, o Comitê
Olímpico norte-americano mudou de posição e decidiu por unanimidade (68 votos a
favor e nenhum contra) estar de acordo com o posicionamento de Carter sobre o
boicote, adiamento ou mudança do local dos Jogos de 1980683. A decisão do Comitê
Olímpico norte-americano de não participar dos Jogos de Moscou foi oficialmente
confirmada em abril684. Em um encontro entre os membros do COI ficou decidido
que não haveria troca de sede e diante da decisão, Lord Killanin afirmou que o COI
não poderia resolver os problemas políticos mundiais685.
Como resposta ao seu rival da Guerra Fria, a União Soviética tentou
junto ao COI, sem êxito, propor punições aos Estados Unidos, entre elas: “a
cassação da sede da Olimpíada de 1984, prevista para Los Angeles; a proibição da
ida de jornalistas norte-americanos para a cobertura dos Jogos de Moscou; a
suspensão de atletas norte-americanos de futuras competições”686.
Ao final do prazo oficial estabelecido pelo COI, 86 países se
inscreveram, mas em Moscou estiveram representados 80 países687. Os Estados
Unidos conseguiram a adesão de 36 países688 que não se inscreveram para

680
Olympic Review, n. 154, agosto de 1980, p. 407-408. Remarks by Lord Killanin, President of the
International Olympic Committee.
681
O apelo de Carter não dá resultados. Folha de S. Paulo, 22 de janeiro de 1979, p. 27.
682
Sete dias no esporte. Olimpíada (1). Folha de S. Paulo, 27 de janeiro de 1980, p. 28. Texto de Aroldo
Chiorino. Consultar também: Comitê dos EUA não desistiu da Olimpíada. Folha de S. Paulo, 22 de fevereiro de
1980, p. 27; Atletas dos EUA contra o boicote. Folha de S. Paulo, 2 de março de 1980, p. 29 – Esportes.
683
Comitê Olímpico dos EUA aprova boicote. Folha de S. Paulo, 28 de janeiro de 1980, p. 14.
684
EUA desistem oficialmente dos Jogos. Folha de S. Paulo, 14 de abril de 1980, p. 9 – Esportes. O dia em que
a Olimpíada ficou pela metade. O Estado de S. Paulo, 15 de abril de 1980, p. 31.
685
COI mantém os Jogos em Moscou. O Estado de S. Paulo, 13 de fevereiro de 1980, p. 20.
686
URSS faz pressão, sem êxito. O Estado de S. Paulo, 22 de abril de 1980, p. 28. Consultar também: Soviético
ameaça, mas COI não pune países do boicote. O Estado de S. Paulo, 23 de abril de 1980, p. 22.
687
A Folha de S. Paulo indicou 81 países enquanto o site do COI e O Estado de S. Paulo informam que
estiveram presentes 80 países. Apesar das incertezas, uma grande festa. O Estado de S. Paulo, 19 de julho de
1980, p. 40; A maior festa do esporte começa às 10 horas, com TV. Folha de S. Paulo, 19 de julho de 1980, p.
22 – Esportes.
688
Jogos Olímpicos terão 86 participantes. O Estado de S. Paulo, 28 de maio de 1980, p. 20. “Os que recusaram
o convite são: Albânia, Alemanha Ocidental, Arábia Saudita, Argentina, Baherein, Bermudas, Bolívia, Caiman,
Canadá, Chile, Cingapura, Coréia do Sul, Egito, Estados Unidos, Gâmbia, Haiti, Hondura, Hong Kong,
Indonésia, Israel, Japão, Kênia, Liechtenstein, Malásia, Malawi, Mauritânia, Mônaco, Noruega, Paquistão,
274

participar dessa edição e de outros 19 países689 que não responderam ao convite do


Comitê Organizador. Exatamente por não terem se inscrito e depois desistido o COI
não poderia aplicar punições aos países que promoveram o boicote690. Quatro
países (Catar, Formosa, Irã e Moçambique) não conseguiram efetivar a inscrição por
possuírem algum tipo de pendência junto ao COI. Embora o prazo estivesse
terminado, o COI poderia analisar os casos de inscrições fora da data limite691.

4.10.3 Em discussão o lugar do futebol olímpico

Para o torneio de futebol dos Jogos de Moscou não foi implantado o


limite de idade para os atletas como havia sido cogitado após os Jogos de Montreal.
A princípio a restrição, decidida por 9 votos a 5 pelo Comitê Amador, foi a de limitar
a participação dos atletas que tivessem participado de alguma Copa do Mundo,
incluindo a fase eliminatória692.
A FIFA, por sua vez, em um Congresso realizado em Buenos Aires
queria que essa restrição fosse em relação aos atletas das Federações europeias e
da América do Sul que tivessem participado da Copa de 1978 e não valeria para as
demais Federações693. Novamente a divergência de opiniões colocava a FIFA e o
COI em lados opostos.
O COI com o objetivo de não violar apenas as suas regras, apontava
a ação da FIFA como sendo uma “discriminação geográfica” ao impedir a
participação nos Jogo dos atletas que tivessem disputado a Copa do Mundo de
1978694. Em meio às divergências, Havelange fazia ameaças: “Se o COI não aceitar
a nossa decisão, a Comissão Executiva não terá outra saída a não ser a retirada do
futebol dos Jogos Olímpicos de 1980”695. Vale ressaltar que essa medida já havia

Paraguai, Filipinas, Tailândia, Tunísia, Turquia e Uruguai”. Consultar também: Diferença entre Moscou e
Montreal: 2 países. Folha de S. Paulo, 28 de maio de 1980, p. 25.
689
Jogos Olímpicos terão 86 participantes. O Estado de S. Paulo, 28 de maio de 1980, p. 20. “Os países que não
deram resposta são: Antigua, Antilhas Holandesas, Bahamas, Barbados, Belize, Costa do Marfim, Chade, Ilhas
Fiji, Ilhas Virgens, Ghana, Libéria, Marrocos, Papuásia, Nova Guiné, El Salvador, Somália, Sudão, Suazilândia,
Togo e Zaire”.
690
Coi não pensa em punições. O Estado de S. Paulo, 22 de março de 1981, p. 50.
691
Jogos Olímpicos terão 86 participantes. O Estado de S. Paulo, 28 de maio de 1980, p. 20.
692
Olympic Review, n. 120, outubro de 1977, p. 648. Fédération Internationale de Football Association (FIFA).
693
Olympic Review, n. 128, junho de 1978, p. 401. Fédération Internationale de Football Association (FIFA).
Moscow 1980.
694
Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 2 de setembro de 1978, p. 20.
695
Futebol pode não ir a Moscou. Folha de S. Paulo, 14 de novembro de 1978, p. 38 – Esportes.
275

sido implantada por ocasião dos Jogos Olímpicos de 1960 quando a FIFA também
impediu que os atletas que haviam disputado a Copa de 1958 de participarem do
torneio olímpico.
Essa restrição afetava principalmente os países socialistas que
utilizavam as mesmas seleções tanto para os Jogos Olímpicos quanto para a Copa
do Mundo sob a justificativa de que não existia profissionalismo nesses países e,
portanto, todos eram amadores696. Diante de seu posicionamento, Havelange
recebeu críticas da agência oficial de notícias Tass, da União Soviética, sobre a
restrição e a possibilidade em retirar o futebol do programa olímpico: “O presidente
da FIFA evidentemente acredita que é o único ‘patrão’ do futebol mundial”697.
Os organizadores dos Jogos de Moscou relutaram, mas foram
obrigados a aceitar essa condição proposta pelo presidente da FIFA, João
Havelange e seu secretário-geral, Helmut Käser. O vice-presidente do COI,
Mohamed Mzali, afirmou que o “COI compreende a preocupação da FIFA de impedir
aos profissionais, mas nos desagrada a discriminação de que são vítimas a América
Latina e Europa e desejamos que essa medida se amplie ao mundo todo para os
Jogos de Los Angeles de 1984”698.
Lord Killanin como forma de demarcar os espaços de poder entre o
COI e a FIFA declarou que as regras das Federações Internacionais referentes aos
Jogos Olímpicos deveriam passar por aprovação prévia699. No comunicado fornecido
à imprensa o COI ressaltou sua discordância com a determinação da FIFA, mas que
a aceitaria para não prejudicar as seleções classificadas. Para o COI, um atleta
somente estaria impossibilitado de participar dos Jogos caso não se enquadrasse
nos itens da regra 26700.
Na entrevista realizada com Havelange, ele foi enfático em ressaltar
que foi um defensor da exclusividade do futebol, ou sem suas palavras: “Você não
vai engordar o porco do outro e o seu morrer de inanição”. Portanto, a ação de
Havelange no comando da FIFA foi extremamente planejada e ele sabia que, por
meio de medidas restritivas, poderia garantir que os principais jogadores
disputassem a Copa do Mundo. Além disso, fortalecer a Copa do Mundo era uma

696
Moscou pode perder o futebol nos Jogos. O Estado de S. Paulo, 14 de novembro de 1978, p. 30.
697
As acusações da URSS contra FIFA. O Estado de S. Paulo, 15 de novembro de 1978, p. 25.
698
Vitória da FIFA: Olimpíada de 80 vai ter futebol. Folha de S. Paulo, 31 de janeiro de 1979, p. 35 – Esportes.
699
Olympic Review, n. 136, fevereiro de 1979, p. 72-73. Executive Board in Lausanne.
700
Olympic Review, n. 136, fevereiro de 1979, p. 73. The Olympic Football Tournament (press release).
276

forma de enfraquecer o futebol olímpico. Como não poderia “engordar o porco do


outro” criou a Copa do Mundo para os atletas juniores também como forma de
diferenciar e fomentar desde a base as diferenças entre o futebol de Copa do Mundo
e do futebol olímpico. Essa ideia evitaria uma série de críticas caso a FIFA tivesse
levado adiante a sua intenção em criar uma Copa do Mundo para amadores. Por
meio dessa ação ele começava a criar desde cedo o interesse por fazer parte de
uma Copa do Mundo, pois se não fosse essa intenção, o torneio para os atletas
juniores teria a periodicidade igual ao campeonato profissional (quatro anos) e desde
a sua criação é realizado a cada dois anos.
Outro ponto que permite entender essa Copa do Mundo (hoje
chamada de sub-20) como uma competição que rivaliza com o futebol olímpico são
os locais das sedes em que foram realizadas. Se no futebol dos Jogos Olímpicos,
participam uma série de seleções desconhecidas do cenário da Copa do Mundo, as
sedes das Copas do Mundo sub-20, em sua maioria, aconteceram em países
considerados periféricos no cenário futebolístico mundial701. Havelange era a favor
do fim do futebol nos Jogos Olímpicos por considerar que os países socialistas
tinham suas equipes profissionais que sob a chancela do amadorismo possuíam
vantagem frente aos demais países. Para ele, não havia espaço para o futebol
olímpico:

O primeiro campeonato [mundial juvenil], em Túnis, foi um sucesso


absoluto. Simplesmente porque fixamos a idade limite em 19 anos e
não nos importamos com a categoria dos jogadores, seja amador ou
profissional. Com a idade limitada, prevalece o equilíbrio entre todos
os participantes. Isto é o que se chama competição em condições de
igualdade. Assim, prefiro que o futebol se limite aos campeonatos
mundiais de adultos e o juvenil702.

O presidente da Confederação Sul-Americana de Futebol, Teófilo


Salinas, corroborava com o pensamento de Havelange e defendia a saída do futebol
do programa olímpico. Para a estrutura do futebol mundial era fundamental que a

701
As sedes das Copas do Mundo sub-20 foram: Tunísia (1977), Japão (1979), Austrália (1981), México (1983),
União Soviética (1985), Chile (1987), Arábia Saudita (1989), Portugal (1991), Austrália (1993), Catar (1995),
Malásia (1999), Argentina (2001), Emirados Árabes Unidos (2003), Holanda (2005), Canadá (2007), Egito
(2009), Colômbia (2011) e Turquia (2013). Nesse torneio o Brasil também é pentacampeão mundial. Disponível
em <http://pt.fifa.com/tournaments/archive/u20worldcup/index.html>. Acesso em 24 de maio de 2013.
702
O futebol pode ficar fora do Pan e da Olimpíada. Folha de S. Paulo, 18 de agosto de 1979, p. 23.
277

concepção da FIFA fosse validada por quem estava abaixo dela no sistema
hierárquico. Dessa forma, segundo Salinas:

O futebol para os Jogos Olímpicos está muito desvirtuado. As


equipes socialistas jogam com uma seleção permanente e os
jogadores são remunerados como empregados, enquanto na
América do Sul, com o simples fato de não se registrar um jogador
na Federação, é denominado amador, coisa que não é certa como se
pôde comprovar no pré-olímpico da Colômbia. Devido a essa
circunstância, preferimos que se joguem torneios de menos de 20
anos e até 23, tipo Copa do Mundo, para ir adestrando os jogadores
dos países participantes703 (grifo nosso).

Portanto, a busca para se criar uma tradição, no sentido de tradição


inventada proposta por Hobsbawm e Ranger (1997), para os jovens frente a uma
Copa do Mundo de juniores era uma ação planejada dentro da lógica dos dirigentes
que compartilhavam dos mesmos ideais da FIFA. O que chama a atenção na fala de
Salinas é a palavra adestrar, como se a Copa do Mundo para essa categoria fosse a
única alternativa possível, limitando qualquer forma de questionamento por parte dos
atletas.
A partir de 1980, a FIFA começou a fazer uma análise do torneio de
futebol olímpico a partir de um grupo chamado Technical Study. Nesse primeiro
documento foi destacado que o boicote interferiu na composição das seleções que
participaram do torneio. Também destacava que as seleções da Europa e da
América do Sul, por conta de uma restrição da FIFA, não possuíam seus melhores
jogadores704.
A análise do documento pontuava que a principal competição do
futebol era a Copa do Mundo e que o sucesso no torneio olímpico não revelava o
auge de uma seleção, pelo contrário, poderia indicar uma fase de desenvolvimento
da equipe. Para ilustrar os argumentos, o documento apresentava um gráfico que
definia, como uma escala, o grau de importância de cada competição:

703
Salinas não quer futebol na Olimpíada. Folha de S. Paulo, 14 de abril de 1980, p. 15.
704
Olympic Football Tournament Moscow 1980 Technical Study, p. 90-92. Evaluation, Conclusion,
Deduction.
278

Figura 14 - Quadro comparativo da importância dos campeonatos de futebol. Fonte: Olympic


Football Tournament Moscow 1980 Technical Study, p. 91

Como forma de justificar a menor importância do futebol olímpico, foi


apresentada uma série de argumentos. O primeiro ponto destacado era a não
paralisação dos campeonatos nacionais durante a realização do torneio olímpico e,
consequentemente, os atletas poderiam treinar com a seleção em apenas alguns
momentos. Esse argumento era uma forma de evidenciar essa condição secundária
do torneio, pois caso contrário se a competição fosse importante haveria a
paralisação total dos demais campeonatos de futebol. Entre os demais pontos
negativos, eram apontados que a época em que acontecia a disputa do torneio
olímpico coincidia com o período de férias dos atletas; o aumento do número de
partidas por ano (50-60 jogos) era capaz de tirar o interesse dos jogadores para
disputar outro campeonato para além dos que teriam que participar.
Os pontos levantados para indicar uma menor importância do futebol
olímpico eram uma consequência das ações da FIFA em promover seus produtos,
os campeonatos de futebol. O resultado dessa promoção era verificado pelo
aumento do número de partidas disputadas pelos jogadores devido à ampliação da
quantidade de competições das quais os clubes participavam e como a FIFA havia
tido, historicamente, uma série de embates com o COI, ela não se preocupava em
valorizar as competições que geravam retornos financeiros diretos para a entidade e
todo o seu calendário fazia com que pouco interesse fosse gerado em torno dos
Jogos Olímpicos.
279

Apesar dessa desvalorização, na sua escala hierárquica, a FIFA


indicava que o torneio olímpico estava apenas abaixo da Copa do Mundo e dos
torneios eliminatórios. E afirmava que o futebol não poderia ser comparado com a
importância dos demais esportes, mas quando bem organizado, tal como havia
acontecido em 1980 permitia que os participantes adquirissem experiência
internacional colocando o torneio em evidência.
No papel, isso acontecia, mas os argumentos apresentados
anteriormente mostram que o futebol olímpico era colocado pela FIFA como algo
inferior ao seu principal produto, a Copa do Mundo, e que as suas ações impeditivas
em relação à participação dos atletas da Europa e da América do Sul eram uma
maneira de enfraquecer o futebol nos Jogos Olímpicos para valorizar a sua Copa do
Mundo.
A restrição fazia com que os melhores atletas não estivessem
presentes nos Jogos Olímpicos e para a FIFA, embora essa restrição pudesse
produzir partidas de futebol de baixa qualidade técnica, a mesma era fundamental
para não transformar os Jogos Olímpicos em mais uma Copa do Mundo.
280

5 Fase profissional (1984-1988)


Embora a fase profissional esteja definida a partir de 1984, ela
iniciou-se de maneira lenta durante o final dos anos 70 e início dos 80 na gestão do
presidente do COI, Lord Killanin. Foi com ele que se iniciou a aproximação dos
Jogos Olímpicos e dos atletas com a propaganda, além da televisão passar a ocupar
um maior espaço no cenário olímpico705. Mas a sua efetivação enquanto
possibilidade concreta para um maior número de atletas aconteceu presidência de
Samaranch que iniciou sua gestão frente ao COI no ano de 1980.
A periodização proposta por Rubio (2010a) coloca a Fase
Profissional a partir de 1988, pois sua proposta estrutura a periodização a partir das
edições olímpicas. No entanto, quando olhamos especificamente para o futebol,
essa periodização geral não funciona pelo fato dessa modalidade ter introduzido os
jogadores profissionais antes das demais. Não restam dúvidas que os Jogos de Los
Angeles 1984 podem ser apresentados também na Fase de Conflito por conta do
boicote promovido pela União Soviética frente aos norte-americanos, mas quando se
olha também para o futebol é na Fase Profissional que os Jogos de Los Angeles
ficam mais bem delimitados.
Obviamente a Fase Profissional continuou para além do ano de
1988, adotado aqui como o marco simbólico da última edição sem a implantação da
restrição de idade. Nesse ano, a título de experiência, ficou definido o limite de 23
anos de idade para o atleta poder disputar o futebol olímpico. O que era para ser
uma experiência tornou-se uma norma nas edições subsequentes, e essa condição
alterou a característica do futebol olímpico, transformando-o em uma vitrine e
permitindo aos atletas de futebol circular cada vez mais cedo pelos grandes clubes e
no caso dos atletas brasileiros, por clubes do exterior. Por conta da particularidade
iniciada com essa modificação e a necessidade em tratá-la de modo específico não
avanço nas consequências da decisão; pelo contrário, apenas indico que será a
partir dela que várias mudanças poderão ser observadas no futebol olímpico.

705
Em Moscou, uma olimpíada profissional. Folha de S. Paulo, 12 de fevereiro de 1976, p. 32 – Ilustrada.
281

5.1 Los Angeles (1984): os jogadores de futebol podem ser


profissionais

A cidade de Los Angeles que havia tentado sediar os Jogos


Olímpicos de 1980 foi a única candidata para 1984 (28 de julho a 12 de agosto).
Embora no momento da votação em 1978, o COI contasse com 89 membros, quatro
deles não puderam votar por ainda não terem tomado posse do cargo. Mesmo com
apenas uma cidade candidata foi realizada a votação em que aprovou Los Angeles
como sede (75 votos a favor, 3 contra, 6 brancos ou abstenções e 1 nulo)706.
O boicote liderado pelos Estados Unidos nos Jogos de 1980 fez com
que o COI repensasse uma série de fatores quanto às suas ações. Entre elas,
estava a regra 26 que definia quem era elegível para participar dos Jogos Olímpicos.
Samaranch, presidente do COI, defendia que um atleta profissional poderia
participar em uma modalidade distinta daquela que ele era profissional. Em uma
entrevista declarou:

Queremos que os Jogos sejam mais abertos a fim de que um


número maior de atletas e equipes possa participar. Por exemplo: um
jogador das grandes ligas de beisebol poderia participar nos Jogos
em outros esportes. A medida está sendo considerada e
possivelmente poderíamos colocá-la em prática em 84707.

Essa fala de Samaranch era um indicador de que o COI precisava


mudar a sua postura diante do cenário esportivo que o mundo vivia. Porém, de
forma conservadora queria apresentar uma mudança na regra 26 para permitir a
presença do atleta profissional mantendo, ao mesmo tempo, uma restrição sobre a
possibilidade em participar da modalidade da qual ele era profissional. Uma medida,
portanto, que desconsiderava que o esporte caminhava para um cenário de
profissionalização em que a especialização intensa do atleta o impossibilitaria de
participar de outras modalidades de alto nível.
Nessa nova fase do movimento olímpico, os Jogos de Los Angeles
representaram a entrada definitiva dos patrocinadores no evento. Eles já estavam

706
Olympic Review, n. 132-133, outubro – novembro de 1978, p. 585. 1984: Los Angeles, Olympic city.
Consultar também: COI decide: Los Angeles sedia em 84. Folha de S. Paulo, 10 de outubro de 1978, p. 34 –
Esportes.
707
Profissionais na Olimpíada. Folha de S. Paulo, 13 de dezembro de 1980, p. 23.
282

presentes há algum tempo, mas naquele momento apareciam como o suporte para
garantir que não haveria prejuízo:

Os refrigerantes da Coca-Cola, os sanduíches da McDonald’s, as


cervejas da Anheuser-Busch, a água mineral da Arrowhead, as
máquinas fotográficas da Canon. Estes são alguns dos produtos,
que, como patrocinadores a partir do próximo ano estarão
diretamente ligados aos Jogos Olímpicos de Los Angeles, os
primeiros Jogos que serão inteiramente financiados por empresas
privadas, sem nenhum auxílio governamental708.

Essa nova fase dos Jogos também poderia ser percebida na


participação da TV e na comercialização do evento que possibilitou transformar o
sucesso dos Jogos em lucro709. Os Jogos de Los Angeles foram batizados como
sendo “Os Primeiros Jogos Comerciais”710 até porque sem a presença da rede de
televisão americana ABC que investiu cerca de 250 milhões de dólares para
transmitir para o mundo os Jogos de Los Angeles “[...] seria impossível a realização
da Olimpíada”711.

5.1.1 O troco soviético: “olho por olho, dente por dente”

Logo após o final dos Jogos de Moscou, a União Soviética indicava


que não pretendia boicotar os Jogos de Los Angeles712. Porém, essa situação
modificou-se ao longo dos anos que antecederam essa edição olímpica. Logo, o
boato de que a União Soviética planejava boicotar os Jogos de 1984 foi noticiado
pelo jornal norte-americano Washington Post. A notícia indicava que a intenção
soviética tinha como pano de fundo uma partida que seria disputada por um time de
rugby da África do Sul (Springboks) nos Estados Unidos e o boicote seria uma forma
de se posicionar contra a existência da segregação racial presente no país

708
Organizadores asseguram que não haverá prejuízo. O Estado de S. Paulo, 22 de novembro de 1981, p. 27.
709
O lucro com número maior. O Estado de S. Paulo, 21 de dezembro de 1984, p. 22. “[...] após o último
balanço, dos investimentos feitos, a previsão é de que, no mínimo, será de 215 milhões de dólares
(aproximadamente Cr$ 645 bilhões), com boa possibilidade de atingir 250 milhões (cerca de Cr$ 750 bilhões)”.
710
Coi comemora a comercialização e prevê lucros. Folha de S. Paulo, 26 de janeiro de 1984, p. 25 – Esportes.
711
A importância da televisão. O Estado de S. Paulo, 5 de agosto de 1984, p. 45.
712
URSS diz que vai a Los Angeles. O Estado de S. Paulo, 5 de agosto de 1980, p. 25; URSS diz que irá a Los
Angeles em 84. Folha de S. Paulo, 5 de agosto de 1980, p. 19.
283

africano713. A possibilidade de boicote também poderia chegar a 51 países da África


caso a partida fosse realizada714. Mesmo com o cancelamento ordenado pelo
governador de Nova Iorque e que não fora cumprido715, os soviéticos mantinham o
plano de boicotar os Jogos de Los Angeles716.
Além dos países africanos, também circulou a notícia que os países
da América Latina poderiam aderir ao boicote tendo como pretexto o posicionamento
dos Estados Unidos que haviam ficado ao lado da Inglaterra no conflito pelo controle
das Ilhas Malvinas que envolveu os ingleses e os argentinos. Mas essa informação,
segundo Peter Ueberroth, presidente do Comitê Organizador dos Jogos não
procedia717. Passado o episódio, a própria União Soviética negava a intenção de
boicotar os Jogos de Los Angeles718.
Em meio a Guerra Fria, o governo soviético estava em busca de um
pretexto para devolver o boicote promovido pelos Estados Unidos quatro anos antes
nos Jogos de Moscou. Dessa forma, embora o discurso logo após os Jogos de
Moscou fosse de que não havia motivos para a não participação, o cenário político
apontava para outra direção e o episódio da equipe sul-africana de rugby passou de
uma simples situação de bode expiatório para o amadurecimento da ideia de não ir a
Los Angeles. Tal qual havia acontecido em 1976 numa situação que também
envolvia o rugby e a África do Sul, o COI posicionava-se do mesmo jeito. Segundo
Samaranch, “O rúgbi não é um esporte olímpico e não está sujeito às normas do
COI”719.
A ameaça, uma característica fundamental da Guerra Fria, era o
grande elemento das ações entre a União Soviética e os Estados Unidos. Provando
que os soviéticos não gostaram do boicote promovido pelos norte-americanos, a
União Soviética solicitava que os Estados Unidos garantissem, por escrito, que
respeitariam a Carta Olímpica720. Os soviéticos queriam garantir que “[...] todos os

713
Ameaça de boicote à Olimpíada de 84. Folha de S. Paulo, 11 de setembro de 1981, p. 31 – Esportes; URSS
pode comandar um novo boicote. O Estado de S. Paulo, 13 de setembro de 1981, p. 58; Rúgby sul-africano
pode causar boicote olímpico. O Estado de S. Paulo, 17 de setembro de 1981, p. 31; Olimpíada de 84 já corre
risco de um boicote. Folha de S. Paulo, 18 de setembro de 1981, p. 31 – Esportes.
714
Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 5 de setembro de 1981, p. 20.
715
Política já não ameaça tanto os Jogos. O Estado de S. Paulo, 22 de setembro de 1981, p. 32.
716
Nova York veta o jogo mas não afasta ameaça. O Estado de S. Paulo, 18 de setembro de 1981, p. 23; No
rúgby, um jogo contra as ameaças. O Estado de S. Paulo, 19 de setembro de 1981, p. 22.
717
Olimpíada não sofrerá boicote, diz dirigente. Folha de S. Paulo, 6 de maio de 1982, p. 35 – Esportes.
718
URSS nega boicote a Olimpíada de 84. Folha de S. Paulo, 18 de junho de 1982, p. 23 – Esportes.
719
Política já não ameaça tanto os Jogos. O Estado de S. Paulo, 22 de setembro de 1981, p. 32.
720
Os soviéticos fazem ameaça para 1984. O Estado de S. Paulo, 23 de maio de 1982, p. 53.
284

seus atletas estarão ‘a salvo da poluição e do crime de rua’”, afirmava o presidente


do Comitê Olímpico da União Soviética, Serguei Pavlov, que também negava a
intenção de qualquer boicote721. A imprensa soviética logo começou a divulgar
pontos negativos da cidade de Los Angeles (“Delinquência, drogas, suicidas,
alcoólatras, neuróticos... [...]”)722, numa clara intenção de desmoralizar os
americanos. O que estava por trás do descontentamento de Pavlov era o confronto
do mundo socialista com o capitalista. Para os Jogos de Los Angeles houve um
grande investimento de empresas privadas:

Em Montreal, houve 164 patrocinadores; em Moscou, 200. E todos


pensavam que a Olimpíada de Los Angeles seria o mais longo
comercial da história. Enganaram-se: haverá apenas 31 ou 32
patrocinadores que deverão dividir os US$ 116 milhões que se
espera conseguir com esse patrocínio. Até agora, mais de US$ 100
milhões já estão garantidos de empresas nacionais e estrangeiras,
como a Coca-Cola (US$ 15 milhões); a companhia de cerveja
Anheuser Busch (US$ 19 milhões); a companhia de petróleo Atlantic
Richfield, que está reforma[n]do o Coliseu; a General Motors, que
além de US$ 4 milhões fornecerá 40 automóveis para o Comitê
Olímpico; a Levi Strauss; a Xerox; a Cannon, a Perrier; e a Fuji. O
maior contribuinte individual será a sede de televisão ABC, que
pagará US$ 225 milhões pelos direitos de transmissão dos jogos nos
Estados Unidos. Outros US$ 75 milhões deverão ser pagos por
televisões do mundo inteiro. O Comitê Olímpico espera ainda receber
US$ 92 milhões com a venda de sete milhões de ingressos e US$ 55
milhões com reembolso dos Comitês Olímpicos Internacional e dos
Estados Unidos, bem como das federações esportivas de diversos
países participantes. Em resumo, Los Angeles quer provar que as
Olimpíadas podem ser lucrativas723.

Esse fato fazia com que os soviéticos se posicionassem contra o


modo como estava sendo organizado o evento. Essa diferença entre os mundos foi
expressa por Pavlov: “Os patrocinadores de Los Angeles estão fazendo tudo para
que os jogos sejam baratos para os organizadores, enquanto os participantes terão
de pagar por praticamente tudo e mais do que em qualquer outra Olimpíada”724.

721
Soviéticos negam boicote a Los Angeles. O Estado de S. Paulo, 18 de junho de 1982, p. 25. Consultar
também: URSS não boicotará Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 21 de janeiro de 1983, p. 23.
722
União Soviética abre campanha para difamar a sede dos Jogos. Folha de S. Paulo, 8 de outubro de 1983, p.
20 – Esportes.
723
A vingança de Moscou contra Los Angeles. O Estado de S. Paulo, 31 de outubro de 1982, p. 36. Texto de
Rodney Mello. Consultar também: No jogo econômico, é a vez das empresas. O Estado de S. Paulo, 29 de maio
de 1983, p. 42. Texto de Fran Augusti.
724
A vingança de Moscou contra Los Angeles. O Estado de S. Paulo, 31 de outubro de 1982, p. 36. Texto de
Rodney Mello.
285

Esse jogo entre a ameaça de boicote, passando pelas acusações de


que os Estados Unidos, por meio de seu presidente Ronald Reagan, queriam utilizar
os Jogos Olímpicos para fins políticos para se reeleger, pois os norte-americanos
exigiam vistos dos atletas soviéticos quando de posse da credencial olímpica não
seria necessário realizar esse procedimento, e a negativa de que o boicote
aconteceria durou vários meses725. Porém, cerca de três semanas antes do prazo
final de inscrição dos atletas726, o Comitê Olímpico da União Soviética decidiu não
participar727 e outras 13 nações também aderiram ao boicote728 e dos países
socialistas, apenas a Romênia confirmou a sua participação. No comunicado oficial,
o Comitê Olímpico da União Soviética ressaltava, em vários momentos, que a
violação da Carta Olímpica por parte dos Estados Unidos tornava impossível a
participação dos atletas soviéticos729, além de ressaltar que não “[...] foram
oferecidas condições de segurança para seus atletas e delegação”730.
Para Samaranch, “Se os Estados Unidos tivessem participado da
Olimpíada de Moscou em 1980, a União Soviética não teria pensado em desistir de
ir a Los Angeles. Por isso, acho que Jimmy Carter é a pessoa que mais prejuízos
causou ao movimento olímpico”731 e ainda ressaltou que o maior prejudicado pelos
boicotes eram os atletas. Novamente um presidente do COI voltava a olhar para os
atletas para tirá-los de sua invisibilidade. A primeira ação havia sido com o
presidente anterior, Killanin, e naquele momento Samaranch, sob o discurso de que

725
As informações sobre o boicote foram vinculadas, tanto no O Estado de S. Paulo quanto na Folha de S. Paulo,
entre fevereiro de 1983 e abril de 1984. Consultar especialmente as seguintes reportagens: URSS acusa os EUA
e pede providências ao COI. O Estado de S. Paulo, 10 de abril de 1984, p. 25; EUA rebatem as críticas dos
soviéticos. O Estado de S. Paulo, 11 de abril de 1984, p. 23; EUA já pedem desculpas aos soviéticos. O Estado
de S. Paulo, 14 de abril de 1984, p. 20; Estados Unidos pedem descuplas à União Soviética. Folha de S. Paulo,
14 de abril de 1984, p. 22 – Esportes.
726
O anúncio oficial da não participação foi feito no dia 9 de maio de 1984 e o prazo final de inscrição era dia 2
de junho de 1984. E tudo começou com o Afeganistão. Folha de S. Paulo, 9 de maio de 1984, p. 26 – Esportes.
727
O boicote soviético também tomou forma por meio da realização de sua “Contra-Olimpíada” que ficou
conhecida como Jogos da Amizade. Em Moscou, cerimônia grandiosa mas sóbria. O Estado de S. Paulo, 19 de
agosto de 1984, p. 40.
728
Olympic Review, n. 200, junho de 1984, p. 419-420. 1984 and non-participation Declaration by the President
of the International Olympic Committee. Os países que aderiram foram: Afeganistão, Alemanha Oriental,
Bulgária, Coreia do Norte, Cuba, Etiópia, Hungria, Iemen, Mongólia, Polônia, Tchecoslováquia e Vietnam.
729
A URSS não vai aos Jogos. O Estado de S. Paulo, 9 de maio de 1984, p. 18; A decisão soviética é
irreversível. O Estado de S. Paulo, 15 de maio de 1984, p. 22.
730
Olho por olho, dente por dente. Folha de S. Paulo, 9 de maio de 1984, p. 25 – Esportes. Texto de Paulo
Francis.
731
COI acusa Jimmy Carter. O Estado de S. Paulo, 8 de junho de 1984, p. 20.
286

os atletas tinham pouco espaço para se expressarem criou uma comissão de atletas.
E essa comissão declarava-se contra o boicote732.

5.1.2 Mudança na regra da elegibilidade

Em 1981, aconteceu na cidade de Baden-Baden o 11º Congresso do


COI que discutiu a cooperação internacional e futuro dos Jogos Olímpicos. O
presidente do COI, Juan Antonio Samaranch, apontava que o papel de um
Congresso era descobrir entre as diversas propostas quais poderiam ser aplicadas
no futuro. Como os anos 70 haviam sido de grande turbulência para o COI, esse
Congresso foi importante para estabelecer quais ações seriam tomadas no futuro.
Desse modo, a cooperação internacional clamava por uma maior
aproximação e apoio dos Comitês Olímpicos Nacionais e buscava acabar com a
segregação no esporte. Quanto ao futuro, o COI há algum tempo preocupava-se
com o tamanho dos Jogos. Entre 1960 e 1980, dobrou-se o número de atletas
participantes e houve o aumento de 84 para 149 Comitês Olímpicos Nacionais.
Portanto, o COI cada vez mais precisava planejar os rumos que o movimento
olímpico tomaria afinal, sob o ponto de vista interno do evento, esse aumento
representava a necessidade em ampliar a infraestrutura da Vila Olímpica e do
número de pessoas envolvidas na realização do evento.
A regra 26 continuava na pauta do COI e poderia ser modificada
mais uma vez. Só não tinham claro em qual sentido ela poderia ser estabelecida e
que era preciso ter a ajuda das Federações Internacionais e dos Comitês Olímpicos
Nacionais para se chegar a uma definição. Porém o que deixavam claro, ao menos
no discurso, era que não queriam a presença de profissionais declarados733. No
entender de Lord Killanin, agora presidente honorário do COI, o cerne do problema
da elegibilidade era gerado basicamente pelas diferenças entre os países socialistas
e capitalistas. Para ele, havia a necessidade de revisar o que seria permitido em
relação à elegibilidade, pois chegou a concordar que seria possível ter a presença
de um atleta profissional competindo em outro esporte, mas após pensar sobre as
possibilidades entendia que a melhor estratégia para o futuro seria não permitir

732
Olympic Review, n. 203, setembro de 1984, p. 598. Speech by H.E. Juan Antonio Samaranch President of
the IOC.
733
Olympic Review, n. 169, novembro de 1981, p. 604-606. Speech by Mr. Juan Antonio Samaranch.
287

concessões, estabelecendo para isso que o COI deveria aprovar as regras das
Federações Internacionais734.
Na busca por uma nova definição para a regra 26 foram ouvidos
atletas e técnicos. Ambos possuíam a mesma visão. Por ocasião desse Congresso
foi criada a Comissão dos Atletas735 com o objetivo de criar uma ligação entre o COI
e os atletas736. Nessa oportunidade, o representante dos atletas, o britânico
Sebastian Coe737 e o representante dos técnicos, Claude Li Bihan, possuíam um
mesmo ponto de vista. Para ambos, essa regra estava obsoleta e que cada
Federação Internacional, por conhecer as necessidades de sua modalidade, deveria
estabelecer as suas regras diante da impossibilidade de todos os esportes
possuírem uma única regra738.
No entanto, um fato que estava presente na gestão de Killanin e
tomaria forma na presidência de Samaranch era o vínculo não só do esporte com a
política como a do esporte com os negócios e, consequentemente, colocava o
esporte olímpico definitivamente nos rumos do profissionalismo.
Na 84ª sessão do COI ficou definida a alteração na regra número 26
que definia quais atletas poderiam fazer parte dos Jogos Olímpicos. Com a nova
regra, cada Federação Internacional tinha autonomia para estabelecer a regra da
elegibilidade e a partir dessa definição o Comitê Executivo do COI aprovaria o que
foi estabelecido pela Federação Internacional. Apesar dessa nova condição para
poder participar dos Jogos Olímpicos, ainda existiam seis condições restritivas: estar
registrado como atleta profissional em qualquer esporte; ter assinado um contrato
como atleta profissional ou técnico profissional em qualquer esporte antes da
participação nos Jogos Olímpicos; ter aceitado, sem conhecimento da Federação
Internacional, Federação Nacional ou Comitê Olímpico Nacional, vantagens
materiais em sua preparação ou participação em alguma competição esportiva; ter
vinculado seu nome, imagem ou desempenho esportivo em alguma propaganda
sem a autorização da Federação Internacional, Federação Nacional ou Comitê

734
Olympic Review, n. 169, novembro de 1981, p. 609. From Varna to Baden-Baden Speech by Lord Killanin
IOC Honorary Life President 24th September 1981.
735
Olympic Review, n. 253 Special Issue 1988, p. 632-633. Seven years of work retrospective of ioc athletes’
commission 1981-1988 by Thomas Bach member of the IOC athletes’ commission.
736
Olympic Review, n. 247, junho de 1988, p. 224. Making contact.
737
No atlestimo disputava as provas de 800 e 1500 metros. Foi presidente do Comitê Organizador dos Jogos de
Londres 2012.
738
Olympic Review, n. 169, novembro de 1981, p. 617-619. On behalf of the athletes Speech by Sebastian Coe
28th September 1981.
288

Olímpico Nacional e além disso, o pagamento deveria ser feito via essas entidades e
não diretamente ao atleta; ter participado de alguma propaganda nos Jogos
Olímpicos ou outra competição promovida pelo COI, vinculando marcas em seus
equipamentos ou roupas que não estivessem de acordo com o COI e a Federação
Internacional; o atleta deveria estar de acordo com os princípios do fair play,
mantendo-se afastado do doping e violência739.

5.2 Seul (1988): os profissionais ganham espaço

Se em 1984 houve apenas uma cidade interessada em sediar os


Jogos Olímpicos esse quadro foi alterado para a escolha da sede dos Jogos de
1988 quando quatro cidades mostraram interesse (Atenas, Melbourne, Nagoya e
Seul740), porém, apenas duas efetivamente se inscreveram: Nagoya e Seul741. Ao
final, a cidade de Seul (17 de setembro a 2 de outubro) foi a escolhida por 52 votos
contra 27 para Nagoya742.
A onda de boicotes que o COI enfrentou desde os Jogos de
Montreal fez com que novas medidas fossem pensadas para evitar que no futuro
pudessem voltar a acontecer743. Uma das propostas era penalizar financeiramente
quem boicotasse os Jogos744, pois conforme Samaranch: “Boicotar os Jogos
significa ignorar o espírito olímpico”745. Mas como na Carta Olímpica não havia a
obrigatoriedade de participação dos países membros o COI não poderia aplicar
sanções aos países que não quisessem participar746.
No entanto, logo após o término dos Jogos de Los Angeles um novo
boato sobre boicote voltou a rondar o COI. A principal ameaça vinha da União

739
Olympic Review, n. 169, novembro de 1981, p. 647-648. Bye-law to Rule 26.
740
Olympic Review, n. 158, dezembro de 1980, p. 699-700. For 1988: seven candidate cities for the
organisation of the Games. I. Four for the Olympic Games.
741
Olympic Review, n. 161, março de 1981, p. 138. 1988 Games of the XXlVth Olympiad XVth Winter Games.
742
Olympic Review, n. 169, novembro de 1981, p. 629. The decisions of the 84th Session of the IOC. Consultar
também: Seul eleita como sede para a Olimpíada de 88. O Estado de S. Paulo, 1º de outubro de 1981, p. 24;
Seul será a sede dos Jogos Olímpicos de 88. Folha de S. Paulo, 1º de outubro de 1981, p. 28 – Esportes.
743
Seul faz tudo para evitar um boicote. Folha de S. Paulo, 29 de agosto de 1984, p. 23 – Esportes.
744
COI deve punir boicote a Seul com sanções econômicas. Folha de S. Paulo, 9 de fevereiro de 1988, p. 25 –
Esportes. Havia uma proposta, de Samaranch, de realizar uma sanção econômica em relação aos países que
boicotassem os Jogos. Essa sanção envolvia excluir os países que aderissem ao boicote do rateio do dinheiro
arrecadado com a venda dos direitos de transmissão dos Jogos.
745
COI discute punição a quem boicotar. O Estado de S. Paulo, 2 de dezembro de 1984, p. 52.
746
Olympic Review, n. 207, janeiro de 1985, p. 13. 89th session a choice to be made. Speech of H.E. Mr. Juan
Antonio Samaranch.
289

Soviética747, mas também contava com o apoio de outros países, tal como os do
Leste Europeu748 e de Cuba749.
Numa perspectiva muito parecida com que havia acontecido antes
dos Jogos de Los Angeles, o discurso soviético novamente oscilava entre a ameaça
de boicote aos Jogos, sob a alegação de falta de segurança750, e o discurso de que
participaria dessa edição. Essa estratégia de ameaçar com o boicote também foi
implantada por Cuba751 e canalizada pelo seu presidente Fidel Castro que não
poupava críticas ao governo repressivo da Coreia do Sul nem ao COI por entender
que a entidade estava sendo controlada “[...] por uma máfia de condes, marqueses e
milionários. A ONU – Organização das Nações Unidas – deveria organizar e dirigir o
esporte olímpico”752. Apesar das críticas, Cuba defendia que os Jogos deveriam ser
organizados conjuntamente entre as duas Coreias753.
Embora a União Soviética e a maioria dos países socialistas não
mantivessem relações diplomáticas com a Coreia do Sul, Samaranch estava
confiante que a confirmação da participação soviética nos Jogos de 1988 encerraria
o ciclo de boicotes dentro do movimento olímpico754.
Nesse âmbito político, com o objetivo de impedir um novo boicote,
cogitava-se até que os Jogos de 1988 fossem organizados conjuntamente entre a
Coreia do Sul e a do Norte755. Essa proposta foi a princípio rejeitada756 e depois
ponderada por Samaranch ao dizer que era preciso “[...] estudar a posição das duas

747
URSS ameaça boicotar Olimpíada de Seul. Folha de S. Paulo, 18 de dezembro de 1986, p. 22 – Esportes;
União Soviética pode boicotar Olimpíada 88. Folha de S. Paulo, 21 de setembro de 1987, p. 20 – Esportes.
748
Já surge uma ameaça de boicote aos Jogos de 88. O Estado de S. Paulo, 15 de agosto de 1984, p. 20.
749
A decisão de Cuba em boicotar os Jogos de Seul. O Estado de S. Paulo, 5 de dezembro de 1984, p. 20.
750
URSS também ameaça não ir. O Estado de S. Paulo, 20 de junho de 1987, p. 18.
751
Cuba ameaça boicotar Jogos. O Estado de S. Paulo, 27 de junho de 1986, p. 16; Fidel volta a ameaçar com
boicote. Folha de S. Paulo, 7 de agosto de 1986, p. 25 – Esportes.
752
Fidel critica COI e ameaça não ir a Seul. O Estado de S. Paulo, 10 de julho de 1985, p. 18.
753
Fidel Castro ameaça boicotar Olimpíada 88. Folha de S. Paulo, 19 de abril de 1987, p. 23 – Esportes;
Presença de Cuba na Olimpíada ameaçada com boicote norte-coreano. Folha de S. Paulo, 13 de janeiro de 1988,
p. 20 – Esportes; Boicote não é definitivo. O Estado de S. Paulo, 13 de janeiro de 1988, p. 15 – Esportes; Cuba
não recua. Prazo acaba hoje. O Estado de S. Paulo, 17 de janeiro de 1988, p. 42 – Esportes; Cuba defende co-
organização dos Jogos e decide manter o boicote. Folha de S. Paulo, 5 de setembro de 1988, p. D6 – Esportes.
754
Samaranch animado: URSS em Seul. O Estado de S. Paulo, 28 de julho de 1985, p. 40; A URSS anuncia sua
participação nos Jogos de Seul. Folha de S. Paulo, 3 de agosto de 1985, p. 23 – Esportes; URSS confirma
presença. O Estado de S. Paulo, 12 de janeiro de 1988, p. 18 – Esportes; EUA e URSS se encontram nos Jogos
após 12 anos. Folha de S. Paulo, 12 de janeiro de 1988, p.
755
Proposta a união das Coréias. O Estado de S. Paulo, 31 de julho de 1985, p. 20; Coréia do Norte quer acordo
com Sul para organizar Jogos. Folha de S. Paulo, 1º de agosto de 1985, p. 29 – Esportes.
756
Samaranch: Olimpíada em Seul. O Estado de S. Paulo, 25 de agosto de 1985, p. 44.
290

Coréias”757 a fim de garantir as condições necessárias para que os norte-coreanos


participassem dessa edição. No final a sugestão que foi vetada pelo COI758.
O discurso da Coreia do Norte era incisivo e caso a organização não
fosse realizada conjuntamente ameaçavam pedir aos países socialistas que
boicotassem os Jogos759. Em uma reunião realizada com representantes dos dois
países na sede do COI na Suíça, os norte-coreanos retiraram a exigência de
organizar conjuntamente os Jogos e abriu-se a possibilidade de algumas provas
acontecerem na Coreia do Norte760. Porém, na sequência, voltaram a fazer ameaças
caso os Jogos não fossem organizados conjuntamente761.
A Coreia do Norte, a princípio, aceitou ficar responsável por alguns
eventos dos Jogos de 1988762, tais como os “[...] torneios de tênis de mesa, arco e
flecha, a prova dos cem quilômetros contra o relógio de ciclismo e a primeira rodada
das eliminatórias do futebol, além dos eventos culturais”763, mas o país queria
participar das cerimônias de abertura e encerramento, além de ter o direito de sediar
mais provas764. Apesar do COI ter oferecido aos norte-coreanos essas cinco provas,
nada foi resolvido na reunião realizada entre as duas Coreias e o COI765.
No futebol, a Coreia do Norte trouxe problemas por não disputar a
fase eliminatória sob a justificativa que eram coorganizadores dos Jogos Olímpicos
e, consequentemente, estariam automaticamente classificados766. Como
aconteceriam apenas algumas provas em seu país, a Coreia do Norte não era
reconhecida pelo COI como coorganizadora e a FIFA a desclassificou do torneio de
futebol devido a sua não participação nas eliminatórias e ainda decidiu aplicar uma
multa pela ausência767.

757
Samaranch admite união das Coréias. O Estado de S. Paulo, 29 de agosto de 1985, p. 25; Seul já admite
estudar unificação. O Estado de S. Paulo, 31 de agosto de 1985, p. 21.
758
COI rejeita união em 88. O Estado de S. Paulo, 17 de novembro de 1985, p. 52.
759
Coréia do Norte confirma a ameaça de boicote aos Jogos. O Estado de S. Paulo, 9 de outubro de 1985, p. 21;
Coréia do Norte ameaça Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 23 de outubro de 1985, p. 22.
760
As Coréias estão perto do acordo para a realização dos Jogos de 88. O Estado de S. Paulo, 10 de janeiro de
1986, p. 22; Coréias, perto do entendimento. O Estado de S. Paulo, 21 de junho de 1986, p. 23.
761
Coréia do Norte insiste e adverte. O Estado de S. Paulo, 23 de abril de 1986, p. 17.
762
Coréia do Norte aceita provas. O Estado de S. Paulo, 13 de fevereiro de 1987, p. 25.
763
A Coréia do Norte aceita o plano, mas exige mais. O Estado de S. Paulo, 4 de julho de 1986, p. 17.
Consultar também: COI tenta evitar boicote. Folha de S. Paulo, 12 de junho de 1986, p. 41 – Esportes.
764
COI pressiona Pyongyang. O Estado de S. Paulo, 14 de outubro de 1986, p. 23; COI dá prazo para a Coréia
do Norte. Folha de S. Paulo, 14 de outubro de 1986, p. 19 – Esportes.
765
Coréias: nenhuma solução. O Estado de S. Paulo, 16 de julho de 1987, p. 19.
766
Coréia não disputa o Pré e COI ameaça. O Estado de S. Paulo, 20 de março de 1987, p. 20.
767
Fifa elimina a Coréia do Norte. O Estado de S. Paulo, 28 de fevereiro de 1987, p. 18; Fifa. Folha de S.
Paulo, 14 de junho de 1987, p. 35 – Esportes. “A Federação Internacional de Futebol Associado (Fifa)
291

Quando tudo parecia resolvido entre as duas Coreias, os protestos


políticos que haviam se iniciado em 1987 e ainda estavam presentes em 1988
traziam novos rumos para o posicionamento das questões diplomáticas entre as
duas Coreias. Nesse sentido, “A crise política na Coréia do Sul, agravada pelas
violentas manifestações estudantis contra o governo Chun Du Huan [...]”768 que
diante de sua resistência em convocar eleições diretas fez eclodir protestos em Seul
e em outras 19 cidades769 e colocava em dúvida a realização dos Jogos no país770.

A Coréia do Sul vive um processo de transição política. Os 42


milhões de coreanos são governados pelo general Chu Doo-Hwan,
que tomou o poder através de um golpe em 80. Desde abril do ano
passado, o movimento de oposição cresceu. Os estudantes foram às
ruas, ganharam adeptos na classe média, apesar dos violentos
confrontos com a polícia. Os tumultos tiveram repercussão
internacional e chegaram a ameaçar também a realização dos Jogos.
Nos últimos cinco meses, os protestos aumentaram e, após
negociações entre o governo e a oposição, foram marcadas eleições
diretas para a presidência da República, que serão realizadas em
dezembro771.

Além desses conflitos, meses depois, houve novo confronto entre


estudantes e policiais em frente à Universidade de Seul772. Dias antes do início e
durante os Jogos aconteceram outras manifestações773 e conflitos na Coreia do
Sul774, além da ameaça de uma ação terrorista775. Por fim, a Coreia do Norte decidiu

confirmou a eliminação da Coréia do Norte do torneio de futebol da Olimpíada de 88 e multa de cinco mil
francos suíços que terá de ser paga pela Federação Norte-coreana”.
768
Seul mantida, por enquanto. O Estado de S. Paulo, 18 de junho de 1987, p. 22.
769
Policiais e manifestantes se enfrentam na Coréia do Sul. O Estado de S. Paulo, 11 de junho de 1987, p. 9 –
Exterior.
770
Jogos Olímpicos estão ameaçados. Folha de S. Paulo, 21 de junho de 1987, p. 16 – Exterior; Los Angeles já
se oferece como sede. O Estado de S. Paulo, 19 de junho de 1987, p. 18; Comitê vê trama para tirar Olimpíada
de Seul. Folha de S. Paulo, 29 de junho de 1987, p. 22 – Esportes.
771
Coréia do Sul revela interesse político na Olimpíada. Folha de S. Paulo, 9 de novembro de 1987, p. 20 –
Esportes.
772
Em Seul, dia de distúrbios. O Estado de S. Paulo, 11 de maio de 1988, p. 21 – Esportes.
773
Estudantes sul-coreanos ameaçam tumultuar a Olimpíada. Folha de S. Paulo, 28 de agosto de 1988, p. D4 –
Esportes; Estudantes da Coréia do Sul fazem protestos. Folha de S. Paulo, 3 de setembro de 1988, p. D3 –
Esportes.
774
Mais um dia violento em Seul. O Estado de S. Paulo, 10 de setembro de 1988, p. 16 – Esportes; Estudantes
sul-coreanos protestam e entram em choque com a polícia. Folha de S. Paulo, 11 de setembro de 1988, p. D7 –
Esportes; Estudantes fazem manifestações em Seul pelo terceiro dia consecutivo. Folha de S. Paulo, 12 de
setembro de 1988, p. D6 – Esportes; Protesto até contra o símbolo. O Estado de S. Paulo, 14 de setembro de
1988, p. 16 – Esportes; Estudantes jogam bombas na tocha olímpica. Folha de S. Paulo, 15 de setembro de
1988, p. D1 – Esportes; Estudantes queimam foto de Reagan em protesto contra os Jogos de Seul. Folha de S.
Paulo, 16 de setembro de 1988, p. D10 – Esportes; Protesto de estudantes provoca um princípio de incêndio em
Seul. Folha de S. Paulo, 30 de setembro de 1988, p. D6 – Esportes.
775
Seul teme ataque norte-coreano nos Jogos Olímpicos. Folha de S. Paulo, 22 de janeiro de 1988, p. 25 –
Esportes; Polícia japonesa descobre plano terrorista para Seul. Folha de S. Paulo, 4 de maio de 1988, p. 22 –
292

não aceitar a proposta do COI em sediar algumas provas776 e desistiu de


participar777.
Apesar de alguns países não terem participado (Cuba778, Etiópia779,
Nicarágua780, Albânia781 e Ilhas Seychelles782), os Jogos de Seul representam a
quebra do ciclo dos grandes boicotes que afetaram o movimento olímpico desde
1976783.

5.2.1 Após a experiência com o futebol a regra de elegibilidade é


alterada

A presença de jogadores profissionais no torneio de futebol dos


Jogos de Los Angeles fez com que a revisão da regra da elegibilidade se
transformasse em pauta obrigatória da reunião do Comitê Executivo do COI. Essa
revisão já havia sido solicitada pela Assembleia dos Comitês Olímpicos Nacionais
realizada no México784.
A proposta criava o Código do Atleta com a intenção de adequar e
proporcionar ao atleta que também se beneficiasse financeiramente dos eventos do
qual faziam parte. Essa mudança explicitava que os Jogos Olímpicos e outros
grandes eventos esportivos, como por exemplo, a Copa do Mundo, pertenciam ao
mundo dos negócios e não poderiam desconsiderar que essa condição afetava

Esportes; Seul aciona seu esquema antiterrorista. Folha de S. Paulo, 12 de agosto de 1988, p. D1 – Esportes;
Especialista diz que terroristas estão em Seul. Folha de S. Paulo, 7 de setembro de 1988, p. D3 – Esportes;
Coréia investiga as ameaças do terror. O Estado de S. Paulo, 13 de setembro de 1988, p. 22 – Olimpíada; Grupo
desconhecido ameaça com banho de sangue igual ao de 72. Folha de S. Paulo, 13 de setembro de 1988, p. D2 –
Esportes.
776
Fracassam as negociações entre Coréias. Folha de S. Paulo, 27 de agosto de 1988, p. D1 – Esportes.
777
Coréia do Norte mantém decisão de não ir a Seul. Folha de S. Paulo, 20 de fevereiro de 1988, p. 16 –
Esportes; Coréia do Norte confirma boicote. O Estado de S. Paulo, 25 de maio de 1988, p. 22 – Esportes; A
Coréia do Norte agora desiste de vez. O Estado de S. Paulo, 4 de setembro de 1988, p. 34 – Esportes.
778
Cuba não compete em Seul. O Estado de S. Paulo, 16 de janeiro de 1988, p. 18 – Esportes; Cuba anuncia
boicote aos Jogos Olímpicos de Seul. Folha de S. Paulo, 16 de janeiro de 1988, p. 19 – Esportes.
779
A Etiópia imita Cuba. O Estado de S. Paulo, 20 de janeiro de 1988, p. 16 – Esportes.
780
COI ainda espera por Cuba e Coréia do Norte. O Estado de S. Paulo, 19 de janeiro de 1988, p. 23 – Esportes.
781
Samaranch faz advertencies. O Estado de S. Paulo, 1º de junho de 1988, p. 18 – Esportes.
782
Samaranch critica os países ausentes. O Estado de S. Paulo, 13 de setembro de 1988, p. 20 – Esportes.
783
Olympic Review, n. 253 Special Issue 1988, p. 609. Speech by H.E. Juan Antonio Samaranch president of
the IOC.
784
Olympic Review, n. 220, fevereiro de 1986, p. 80. Commission of the Olympic Movement. The athlete’s
code.
293

diretamente os atletas785. Portanto, o COI não poderia manter seu discurso de que
os profissionais não participavam de seu evento. Para o presidente do Comitê
Olímpico da Bélgica, Raoul Mollet, esse novo código era fundamental para proteger
os valores educativos e humanistas do esporte786.
De início houve muita resistência e acusações na 5ª Assembleia
Geral da Associação dos Comitês Olímpicos Nacionais que congregava 152 países
quando foi discutida a possibilidade de participação dos atletas profissionais. Entre
os 21 países que tiveram a palavra na reunião, apenas dois (Inglaterra e Nova
Zelândia) se posicionaram a favor da entrada dos profissionais com o objetivo de
acabar com a hipocrisia dentro do movimento olímpico pelo fato de todos saberem
que muitos atletas recebiam prêmios em dinheiro. A oposição a essa ideia vinha
juntamente com o ataque do ministro dos esportes e presidente do Comitê Olímpico
da União Soviética, Marat Gramov, ao declarar que “São os fabricantes de material
esportivo, os patrocinadores de competições. Os que defendem essa idéia na
verdade estão defendendo o interesse das empresas privadas. Estão confundindo
olimpismo com comercialismo”787. A decisão final aprovou as propostas
apresentadas, por unanimidade, pelo Comitê Executivo do COI.
Considerada obsoleta, a regra 26 não conseguia distinguir o que
seria um atleta amador de um profissional. Nessa nova perspectiva, o atleta deveria
assinar um termo para participar dos Jogos comprometendo-se a respeitar as regras
olímpicas e das Federações Internacionais que definiria, conjuntamente com os
Comitês Olímpicos Nacionais, a forma de seleção dos atletas; respeitar o fair play;
submeter-se a exames médicos e ao antidoping; respeitar as regras adotadas pelo
COI a respeito da publicidade e recusar qualquer recompensa financeira relacionada
à sua participação ou vitória nos Jogos Olímpicos788.
A mudança na regra da elegibilidade colocava o movimento olímpico
alinhado com as alterações pelas quais passaram os esportes no mundo inteiro.
Apesar do avanço dessa revisão aceita pelo Comitê Executivo ainda havia uma

785
Olympic Review, n. 233, março de 1987, p. 92. Television rights: New contracts signed. Por exemplo, para
os Jogos de Seul, a rede japonesa NHK comprou com exclusividade os direitos de transmissão desses Jogos para
o Japão por 52 milhões de dólares. Consultar também: Jogos de 88 e amadorismo: temas da reunião de Lisboa. O
Estado de S. Paulo, 13 de outubro de 1985, p. 47; Amadorismo em discussão. O Estado de S. Paulo, 15 de
outubro de 1985, p. 23.
786
Olympic Review, n. 220, fevereiro de 1986, p. 81. Commission of the Olympic Movement. The athlete’s
code follows The trends of modern sport; Folha de S. Paulo, 4 de junho de 1985, p. 27 – Esportes.
787
Comitês rejeitam profissionais nos Jogos. O Estado de S. Paulo, 24 de abril de 1986, p. 29.
788
Olympic Review, n. 221, março de 1986, p. 155. Adoption of the eligibility Commission’s report.
294

condição conservadora em sua mudança, pois os atletas não poderiam se beneficiar


financeiramente de sua participação ou vitória dentro dos Jogos. Em outras palavras,
a mudança acontecia, mas o COI não queria perder a sua autonomia diante dos
atletas olímpicos.
A reunião do COI realizada em Seul teve como principal ponto a
revisão da Carta Olímpica e adiou a decisão da implantação do Código do Atleta em
substituição da regra 26789. Porém, para o futebol, o hóquei no gelo e o tênis as
regras deveriam estar em vigor em 1988790, mas ainda não havia se chegado a um
consenso com as respectivas Federações Internacionais791 e essa indefinição era
gerada pelo conflito de interesses.

A decisão do COI envolve milhões de dólares. No caso do futebol,


pouco provável que a Federação Internacional de Futebol Associado
(Fifa) permita que os Jogos Olímpicos se tornem concorrentes da
Copa do Mundo, com suas estrelas milionárias. O COI já permite,
com aval da Fifa, a participação de profissionais que não tenham
disputado a Copa do Mundo (incluindo a fase eliminatória). Avançar
além disso é desinteressante para a Fifa792.

A presença dos profissionais no futebol não era novidade. Em Los


Angeles eles já haviam estado presentes, mas mesmo assim houve uma série de
manifestações contrárias à permissão que havia sido chancelada pelo COI. Essas
visões endossavam que não seria interessante para a FIFA ter outro campeonato
com visibilidade. Para o presidente da CONMEBOL, Teófilo Salinas a FIFA não
poderia “[...] aprovar a resolução, porque na prática seria a organização de um
Mundial paralelo ao que se realiza a cada quatro anos”. Essa era a mesma opinião
do técnico do Grêmio, Valdir Espinosa, que considerou ruim essa deliberação e
concordou que se criaria “Uma Copa do Mundo a cada dois anos”793.
Mais uma vez o debate entre o COI e a FIFA os colocavam em
lugares opostos e revelavam dois aspectos: que a autorização do COI para a
presença dos profissionais era uma adequação necessária ao modo como se

789
Olympic Review, n. 224, junho de 1986, p. 304. The IOC executive board: A full agenda. Revision of the
charter.
790
Comitê Olímpico aprova profissionais nos Jogos de Seul. Folha de S. Paulo, 12 de maio de 1987, p. 17 –
Esportes.
791
Olympic Review, n. 224, junho de 1986, p. 304. The IOC executive board: A full agenda. Eligibility; COI
aceita profissional nos Jogos. Folha de S. Paulo, 13 de fevereiro de 1986, p. 31 – Esportes.
792
A decisão que vale milhões de dólares. Folha de S. Paulo, 13 de fevereiro de 1986, p. 31 – Esportes.
793
Profissional olímpico terá normas. Folha de S. Paulo, 14 de fevereiro de 1986, p. 28.
295

encontrava o esporte competitivo no mundo, ou seja, altamente profissionalizado,


mas que também estava interessado em transformar o torneio de futebol dos Jogos
em uma competição importante no cenário futebolístico mundial; e que a FIFA não
queria criar uma concorrência ao seu principal produto, a Copa do Mundo.

5.2.2 O limite idade vai ser implantado no futebol olímpico

Devido à insistência da FIFA em adotar essa nova definição quanto


ao limite de idade794, o Comitê Executivo do COI decidiu consultar os Comitês
Olímpicos Nacionais sobre o assunto795 e não tomou nenhuma decisão sem ter um
número de respostas sobre a questão colocada pela FIFA796 que havia decidido, por
meio de seu Comitê Executivo, a necessidade de estabelecer o limite de idade em
reunião realizada durante o 46º Congresso da entidade797.
Ficou decidido que seria realizada a experiência do limite de idade
para 23 anos nos Jogos de Barcelona de 1992 e que após aquele ano seria tomada
uma decisão definitiva sobre o assunto798. Havelange justificava a implantação do
limite de idade ao afirmar que “[...] o futebol tem características distintas e que as
Olimpíadas não são a única competição de importância para os jogadores de
futebol”799. Willi Daume presidia a comissão da elegibilidade e era um dos que
defendiam a descontinuidade da determinação da FIFA por entender que essa
medida era uma exceção inaceitável800.
A restrição proposta pela FIFA tinha a intenção de que a Copa do
Mundo não perdesse a sua condição de principal competição do futebol e,
consequentemente, segundo o secretário-geral Joseph Blatter, a FIFA “não quer
fazer uma prévia da Copa do Mundo durante a Olimpíada”801. Por isso, Daume não

794
Futebol atraiu mais público em Seul, diz Fifa. Folha de S. Paulo, 19 de outubro de 1988, p. D4 – Esportes.
“O boletim da Fifa informou ainda que somente jogadores nascidos até 1º de janeiro de 1969 poderão participar
dos Jogos de 92, em Barcelona. O anúncio rompe a trégua entre o presidente da Fifa, João Havelange, e o do
COI, Juan Antonio Saramanch [sic], que divergem sobre a idade máxima dos atletas”.
795
Olympic Review, n. 255-256, janeiro – fevereiro de 1989, p. 16. Other decisions.
796
Olympic Review, n. 259, maio de 1989, p. 193-194. Secure games.
797
Fifa limita idade de atleta. O Estado de S. Paulo, 3 de julho de 1988, p. 34 – Esportes.
798
Olympic Review, n. 263/264, setembro – outubro de 1989, p. 439. Definitive Inclusion of Tennis; Olympic
Review, n. 263/264, setembro – outubro de 1989, p. 441. IOC Eligibility Commission.
799
Fifa limitará idade a partir de 92. O Estado de S. Paulo, 22 de fevereiro de 1986, p. 23.
800
Olympic Review, n. 285, julho de 1991, p. 321. Commission reports. Eligibility.
801
Fifa não aceita a participação de jogadores que disputaram Mundiais. Folha de S. Paulo, 17 de setembro de
1988, p. D5 – Esportes.
296

concordava com o posicionamento da FIFA802: “O COI não está interessado em


organizar um ‘torneio da juventude’ mesmo se, com essa medida, a Fifa queira
assegurar a prioridade da Copa do Mundo. Seria melhor não ter o torneio em vez de
ter um pela metade”803.
Após os Jogos de Barcelona, essa experiência do limite de idade de
23 anos para os atletas do futebol se efetivou nas edições seguintes. Uma pequena
alteração foi aplicada, para os Jogos de Atlanta em 1996, ao ser autorizado que
cada seleção poderia convocar até três atletas com mais de 23 anos para disputar a
fase final dos Jogos Olímpicos804. O fato é que essa restrição acabou por mudar as
características do futebol e do futebol brasileiro dentro dos Jogos Olímpicos. No
Brasil, a alteração na regra revelou que cada vez mais jovens os atletas seguem
rumo ao exterior. Se durante muito tempo os jogadores brasileiros eram
provenientes, devido às inúmeras restrições colocadas ao futebol sob a chancela do
amadorismo, dos clubes do interior dos Estados e/ou de clubes de menor expressão
dos grandes centros esportivos, a restrição de idade permitiu aos atletas terem por
meio dos Jogos Olímpicos uma vitrine para o exterior e para clubes de maior
expressão que não tinham quando os atletas eram amadores.
Por esse fato, o período dos Jogos Olímpicos que vão de 1992 a
2012 (e certamente as edições seguintes) devem ser analisados de modo particular
porque revelam novas configurações do futebol em que estabeleceu uma nova
lógica: agora são os jogadores que circulam, ou nas palavras de Rial (2008) o
“rodar”, e não mais os clubes com suas excursões ao exterior que fizeram parte da
história dos atletas brasileiros amadores que defenderam a seleção no torneio de
futebol olímpico.

802
Olimpíada de 92 pode ficar sem o futebol. Folha de S. Paulo, 12 de novembro de 1988, p. D3 – Esportes;
Presidente do COI quer assegurar torneio de futebol nos Jogos de 92. Folha de S. Paulo, 18 de novembro de
1988, p. D4 – Esportes.
803
Em 92, futebol olímpico poderá ter jogadores que já disputaram Copas. Folha de S. Paulo, 15 de setembro de
1988, p. D3 – Esportes.
804
Olympic Review, n. 306, abril de 1993, p. 157. Star solution for games; Olympic Review, n. 312, outubro –
novembro de 1993, p. 413. Mountain bike, beach volleyball and women’s football.
297

6 O futebol brasileiro nos Jogos Olímpicos


Após percorrer todo esse trajeto de configuração do campo esportivo
(BOURDIEU, 1983) do futebol dentro dos Jogos Olímpicos apresento nesse capítulo
como foi a participação e organização olímpica do Brasil. Embora o foco seja a
organização do futebol olímpico brasileiro, sigo alguns rastros (GINZBURG, 2007)
deixados pelas histórias dos atletas entrevistados e pelos jornais consultados para
entender como estava constituído o cenário político do COB e da CBD/CBF. São
esses vestígios que vão interferir diretamente na organização do futebol brasileiro.
Também nesse último capítulo trabalho com as histórias dos atletas
olímpicos do futebol masculino. Essas histórias foram influenciadas por todo o
cenário internacional apresentado anteriormente e também pela dinâmica interna da
política esportiva brasileira. Desse modo, as histórias nos direcionam para outros
rastros, mas não estão desconectadas de todo o fio traçado na composição do
campo esportivo do futebol nos Jogos Olímpicos. Portanto, o capítulo foi estruturado
na intersecção das histórias de vida dos atletas com os elementos organizacionais
do Brasil nos Jogos.

O mosaico de figurinhas

As histórias dos atletas brasileiros que participaram do futebol foram


divididas também por ordem cronológica. Como parte para entender o momento
histórico ao qual estavam envolvidos apresento como estava sendo pensada a
preparação das delegações brasileiras e, em especial, do futebol a partir dos jornais
consultados de modo a compor um cenário no qual os atletas estavam inseridos.
Antes de iniciar com as entrevistas, indico e discuto os motivos pelos quais o Brasil
faz a sua estreia somente em 1952.
As histórias selecionadas para a tese tiveram como critério a minha
participação direta na realização da entrevista. Como muitas foram entrevistas
longas, não as apresento na íntegra. Faço um recorte para apresentar os atletas de
modo a traçar uma visão geral sobre suas origens familiares, caso tenham dito, a
experiência olímpica e a trajetória de suas carreiras até encerrá-las. Em vários
298

momentos da apresentação das narrativas, coloco a fala deles em primeira pessoa –


como forma de evidenciar os rastros – e ao longo do texto faço as análises com o
objetivo de estabelecer uma relação com os fatos apresentados nos documentos
consultados – o fio.
Essas histórias foram contadas diretamente pelos próprios atletas.
Certamente algum atleta pode ter esquecido algo, ter omitido alguma informação,
mas a construção do pensamento foi feita por ele. Atento às palavras dos
entrevistados procurei estimular a conversa para entender como aconteceu o
processo de transformação de pessoas em atletas de futebol, como foi a
participação na Olimpíada e como os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo fizeram
parte da carreira deles805. Um elemento fundamental da realização das entrevistas
foi o quanto elas me afetaram, me fizeram refletir, colocaram em xeque meu
pensamento prévio, fizeram meu olhar se deslocar, perceber elementos que ainda
não havia pensado.
Quando Wacquant (2002, p. 12), no prefácio de seu livro, ao
descrever como realizou uma etnografia com os boxeadores afirma que eles têm
“[...] muito a nos ensinar sobre o boxe, é claro, mas também e principalmente sobre
nós mesmos”. Aprendi muito sobre o futebol, mas também na mesma medida
aprendi muito sobre mim nessa pesquisa ou nas palavras de Meyer (2009, p. 41)
“[...] com o propósito de recuperar do esquecimento a memória das pessoas, noto
que recupero a minha memória pessoal [...]”.
Sempre após as entrevistas perguntava se o atleta possuía algum
contato de jogadores que haviam ido com eles para os Jogos Olímpicos. Aos poucos
retomei na minha lembrança outra prática que fiz durante muitos anos: a de trocar
figurinhas. Colecionar figurinhas tem um claro objetivo que é o de completar o
álbum. Nessa pesquisa “Memórias Olímpicas por Atletas Olímpicos” o nosso álbum
era bem grande, afinal, até 2012 e em apenas 12 competições do futebol
participaram 214 atletas somente nessa modalidade.
Quem vai colecionar figurinhas precisa comprar um álbum e esse é
um requisito fundamental. Como em nosso caso não existia essa possibilidade
tampouco tínhamos o álbum, nós tivemos que construí-lo. Foram alguns anos
coletando informações nos livros, na internet e nos documentos oficiais do COI para

805
Vale ressaltar que essa não foi uma ação individual e sim do grupo de pesquisadores que integram o projeto
de pesquisa.
299

saber se realmente o atleta incluído na lista havia ido aos Jogos Olímpicos. As
nossas figurinhas não foram compradas em bancas de jornal, tivemos que pedir
ajuda para os amigos e conhecidos que trabalham nas grandes empresas
jornalísticas para ajudar a encontrarmos os atletas. Especialmente os contatos do
futebol masculino foram muito difíceis, primeiro pelo fato dos jogadores mais
conhecidos trocarem constantemente os números dos telefones devido ao assédio
que recebem e, em segundo lugar pelo fato dos jogadores que encerraram a sua
carreira há algumas décadas não serem procurados pela mídia e acabarem por ficar
no ostracismo. Realizar a entrevista teve o mesmo prazer de colar uma figurinha no
álbum. Ao final delas o desejo, tal qual o de ir à banca de jornal para comprar mais
figurinhas se deu por meio da vontade de fazer um novo contato e agendar o quanto
antes uma nova entrevista.
As figurinhas repetidas também apareceriam na medida em que o
entrevistado fornecia o telefone de alguém que já havia sido entrevistado. Outro fato
que acontecia com frequência na compra de figurinhas era a de nunca tirar
determinados jogadores e times, pois eles pertenciam a outros lotes vendidos em
bancas distantes das que eu comprava. As entrevistas realizadas com jogadores
que disputaram a mesma edição dos Jogos Olímpicos fez com que algumas redes
de contatos se tornassem circular e se esgotassem, sendo que esse fato revelou
que os jogadores transitam entre pequenos grupos de amigos. É ilusão pensar que
todos os atletas de um mesmo time são amigos. Era como sempre comprar
figurinhas na mesma banca e ficar com um monte de repetidas.
Da mesma maneira, alguns contatos foram difíceis de conseguir.
Essa situação revelou que também em nosso álbum tínhamos as chamadas
“figurinhas carimbadas” que indicavam o jogador considerado o craque do time e,
por isso, eram as mais difíceis de serem achadas. Aqui não foi diferente: os
jogadores mais famosos foram os mais difíceis de conseguir o contato.
A troca de figurinhas também deixou alguns entrevistados felizes.
Principalmente os atletas que foram aos Jogos Olímpicos até o início dos anos 70 e,
que por uma dinâmica de vida os afastou daqueles que participaram da competição
olímpica. Ficaram felizes em saber que um amigo de longa data havia sido
entrevistado e que poderíamos fornecer o telefone daquele que ficou apenas na
memória. “Puxa, você tem o telefone dele?” ou “Quando você entrevistar esse
jogador pode perguntar para ele essa história!”.
300

Caminhar por essas histórias permitiu imaginar que cada entrevista


fosse uma pequena peça, porém fundamental, na construção de um mosaico. Esse
mosaico só terá forma quando as relações entre as entrevistas puderem ser
entendidas como um coletivo de histórias e fornecerem elementos para interpretação
de alguns aspectos do futebol brasileiro. Ele só ganhará corpo a partir das histórias
nelas reportadas, construídas a partir de suas particularidades, mas que se
relacionam quando interseccionadas. Os documentos consultados funcionam como
a base da colagem desse mosaico, ou seja, como se fosse a mesa na qual as peças
fornecem relações com as histórias relatadas.
A partir da produção desse material bruto das entrevistas corroboro
com trechos de duas músicas que dizem o seguinte: “É caminhando que se faz o
caminho”806 e “Mas o caminho só existe quando você passa...”807. Foi exatamente
isso o que aconteceu durante a pesquisa: primeiro que a busca pelas informações e
estudos a respeito do futebol nos Jogos Olímpicos foram difíceis de encontrar.
Nessa perspectiva o andamento da pesquisa mostrou que foi realmente
“caminhando que se faz o caminho”, pois os rumos tomados durante o processo
foram direcionados pela própria pesquisa. Não havia um roteiro estabelecido,
precisava somente seguir em busca dos elementos que sustentassem o trabalho. Já
o segundo trecho da música apresentada, “Mas o caminho só existe quando você
passa”, relaciona-se diretamente com a produção das histórias de vida dos atletas
por eles mesmos. A história – os caminhos – por mais que isso seja óbvio só pode
ser contada em primeira pessoa porque foram os atletas que construíram os seus
caminhos. E muitas dessas histórias ainda não haviam sido contadas pelo simples
fato de os interesses acerca do futebol versarem, principalmente, em torno da Copa
do Mundo.
São poucos os espaços que dão voz aos protagonistas do
espetáculo, os atletas, e quando isso acontece recorre-se frequentemente aos
jogadores mais famosos, indo ao encontro dos anseios da espetacularização do
esporte feita por grande parte da mídia. A importância de dar voz aos atletas é de
fundamental importância, pois somente eles sabem o que é disputar os Jogos
Olímpicos.

806
Titãs, Enquanto houver sol.
807
Skank, Acima do sol.
301

O não dito, o silêncio e o esquecimento

Em nosso método o entrevistado tinha liberdade para construir os


caminhos de sua narrativa. Como não se tratava de destrinchar previamente a sua
vida, pelo contrário, queríamos conhecê-la em detalhes por meio da fala do
entrevistado, havia a possibilidade de algum fato de sua vida não ser dito. Aquilo
que é silenciado, omitido ou apresentado de maneira confusa revela o modo como o
fato histórico foi apropriado pela pessoa (BOSI, 2003).
A respeito desses elementos Pollak (1989) completa que o não dito
está relacionado diretamente com uma estrutura vigente, oficializada que impede ou
faz com que seja apresentada de inúmeras formas dependendo do local/momento, o
entrevistado fala em detalhes ou que ao falar omite nomes de terceiros, enfim,
conforme afirma o próprio autor (1992) a memória é seletiva.
Para Bosi (2003, p. 54), “O conjunto de lembranças é também uma
construção social do grupo em que a pessoa vive e onde coexistem elementos da
escolha e rejeição em relação ao que será lembrado”. Por isso conseguimos lembrar
mais facilmente quando compartilhamos momentos vividos com pessoas
importantes ou situações significativas mesmo que isso aconteça tantos anos
depois. Na mesma medida, teremos dificuldades em nos lembrar de fatos
corriqueiros que aconteceram recentemente pelo fato de não terem sido
compartilhados com pessoas importantes. Isso acontece porque a nossa memória
se apoia na história vivida em que as lembranças coletivas se aplicam sobre as
individuais; para que isso ocorra, contudo, é preciso que as lembranças individuais
existam, pois do contrário, a memória funcionaria no vazio (HALBWACHS, 2006). E
será nessa relação entre o vivido e a memória coletiva que guardaremos algumas
informações e descartaremos outras de nossa lembrança. Se o fato aconteceu numa
situação isolada em relação ao coletivo a tendência será o esquecimento.
O esquecimento é um dos elementos da memória (RICŒUR, 2007).
Quando os atletas falaram sobre suas histórias sempre o fizeram a partir de uma
visão do presente (BLOCH, 2001). É do presente que falam do que viveram.
Esquecer é um elemento intrínseco da memória. A memória não guarda tudo, algo
se perde, mas também pode ser “[...] falível, mentirosa, tendenciosa, intencional,
302

seletiva, provisória, ambígua, emocional, construída, fluida, dinâmica. Daí a


impossibilidade de ser resgatada, preservada” (TONINI, 2010, p. 24).
Um trabalho de história oral quer exatamente registrar essa
memória, torná-la uma história contada por quem a produziu. Se a memória funciona
a partir do presente ela poderá ser, conforme adverte Tonini (2010), influenciada por
inúmeros fatores. Não será possível resgatá-la e preservá-la na íntegra, isso é
impossível, pois conforme afirma Pollak (1989, 1992) ao contar a sua história o
indivíduo estabelece, a partir de uma seleção de fatos mais significativos, uma
estrutura lógica, continua e condensada. Essa seleção, por si só, é algo fundamental
para o método da história de vida, pois permite ter acesso para analisar e preservar
aquilo que o entrevistado selecionou como elementos significativos de sua vida.
Alguns desses elementos podem aparecer inúmeras vezes nas
narrativas dos entrevistados. Isso é percebido quando o entrevistado repete algumas
informações sobre o mesmo acontecimento no decorrer da entrevista. A essa
recorrência Pollak (1992) chamou de invariante e, mesmo que outros
acontecimentos tenham feito parte da vida da pessoa, a repetição indica que alguns
fatos prevalecem em detrimento de outros, por ser a memória algo construído a
partir de um trabalho de organização.
De acordo com Bosi (2003, p. 31), a memória irá selecionar fatos
localizados no tempo e no espaço a partir de eixos comuns. Para os propósitos
deste trabalho, podemos tomar o futebol olímpico como esse eixo comum, pois
conforme afirma a autora: “São configurações mais intensas quando sobre elas
incidem o brilho de um significado coletivo. É tarefa do cientista social procurar
esses vínculos de afinidades eletivas entre fenômenos distanciados no tempo”.
Não saberei se o fato vivido foi realmente esquecido pelo
entrevistado, ou se o omitiu/censurou por não querer citar nomes ou envolver
terceiros. O tempo entre o primeiro contato e a realização da entrevista permitiu ao
entrevistado pensar sobre sua participação olímpica e reconstruir alguns fatos.
Vários atletas, no momento da entrevista nos mostraram algum material, seja uma
medalha, um jornal, uma foto, uma revista da participação dele no evento. Esse
objeto funcionou como um suporte material para reconstruir as suas memórias e, ao
mesmo tempo, foi uma forma de validar que de fato aquele jovem da foto era o
entrevistado do dia.
303

Ao longo da realização das entrevistas com os atletas de diferentes


edições olímpicas pude perceber que, em alguns casos, quanto mais distantes da
Olimpíada que participaram, mais era difícil de relembrarem as informações relativas
ao dia a dia da competição olímpica do futebol. Lembravam-se de como foi a
abertura, da Vila Olímpica e de alguns jogos. Porém, toda a sequência das partidas
e o que aconteceu em cada um deles foi algo difícil de relembrar. Segundo
Halbwachs (2006, p. 32):

Não basta que eu tenha assistido ou participado de uma cena em


que havia outros espectadores ou atores para que, mais tarde,
quando estes a evocarem à minha frente, quando reconstituírem
cada pedaço de sua imagem em meu espírito, esta composição
artificial subitamente se anime e assuma figura de coisa viva, e a
imagem se transforme em lembrança. É comum que imagens desse
tipo, impostas pelo meio em que vivemos, modifiquem a impressão
que guardamos de um fato antigo, de uma pessoa outrora conhecida.
Essas imagens talvez não reproduzam muito exatamente o passado,
o elemento ou a parcela de lembrança que antes havia em nosso
espírito talvez seja uma expressão mais exata do fato – a algumas
lembranças reais se junta uma compacta massa de lembranças
fictícias. Inversamente, pode acontecer que os testemunhos de
outros sejam os únicos exatos, que eles corrijam e rearranjem a
nossa lembrança e ao mesmo tempo se incorporem a ela.

Com os atletas mais jovens não foi o esquecimento que se tornou


aparente quando o entrevistado relatou em poucos detalhes as suas experiências na
Olimpíada e/ou aos elementos que representaram a sua carreira como atleta. Uma
hipótese para saber por que isso ocorreu foi entender que a relação do atleta atual
com o futebol que se transformou ao longo do tempo e, consequentemente, fez com
que a relação dos atletas com os eventos também se estabelecesse por meio de
novas concepções.
Associado a esses fatores, o grande número de jogos a que cada
atleta do futebol esteve vinculado faz com que a sucessão de partidas dificulte a
retenção de informações a respeito da sua participação em determinado momento;
seja por conta de alguma derrota ou de um desempenho diferente do que se
esperava dele, faz com que ao falar de suas experiências, eles não a coloquem
como algo de fato significativo e, por isso, “esquecem” o que aconteceu.
304

Embora tenha sido uma entrevistada do nado sincronizado, a


808
Cristiana Lobo , que tenha apontado isso em sua história, ressalto a importância
de sua fala como forma de materializar e revelar o pensamento que apareceu de
modo implícito na narrativa de vários atletas do futebol. Para Cristiana, quando
perguntei como se recordava da competição olímpica, ela respondeu que era muito
difícil ter essa recordação, pois até aquele momento da entrevista ela já havia visto a
participação dela inúmeras vezes e não conseguia distinguir o que de fato ela se
recordava do momento e do que foi incorporado a sua memória após a competição –
para Halbwachs (2006) seria devido ao quadro social da memória –, pois muito do
que se lembra é fruto daquilo que se sobrepôs, enquanto imagem, do que ela viveu
pelo simples fato de que o exercício de relembrar, conforme dito anteriormente, é
feito a partir do presente.

Se o que vemos hoje toma lugar no quadro de referências de nossas


lembranças antigas, inversamente essas lembranças se adaptam ao
conjunto de nossas percepções do presente. É como se
estivéssemos diante de muitos testemunhos. Podemos reconstruir
um conjunto de lembranças de maneira a reconhecê-lo porque eles
concordam no essencial, apesar de certas divergências
(HALBWACHS, 2006, p. 29).

Se a memória será acessada a partir dos estímulos, interesses e


necessidades do presente, o olhar do entrevistado será influenciado por tudo aquilo
que ele viveu após o evento que quer contar. Santos (1998, s/p) esclarece essa
situação809:

Encontro-me diante de um computador escrevendo e reescrevendo


frases que jamais me deixam completamente satisfeita com seu
sentido. Eu faço e refaço estas frases e chego à conclusão de que
por mais que eu escreva, não consigo expressar completamente o
que penso. O resultado é que eu escolho a melhor frase. O mesmo
acontece com a memória. Quando eu me lembro de um evento do
passado, o faço por meio da reconstrução de uma série de imagens
fragmentadas e de um conhecimento acumulado a partir de
experiências já vivenciadas. No momento exato em que expresso o
passado sob a forma de imagem reconstruída, tal como a frase
escolhida, dou ao passado uma localização específica no tempo e no

808
Ela disputou os Jogos Olímpicos de Barcelona de 1992. Ressalto que essa entrevista faz parte do projeto de
pesquisa “Memórias Olímpicas por Atletas Olímpicos”.
809
A própria autora em artigo posterior (2002) apresenta uma nova ideia a respeito da reconstrução do passado
feita no presente. Entende que os indivíduos se lembram e se esquecem em complexas e contraditórias formas a
partir de uma interação social.
305

espaço, e à memória, a rigidez que ela não possui; ou então obedeço


à experiência adquirida ao longo dos anos, traindo a fidelidade ao
passado. Como a imagem lembrada é sempre uma criação do
presente, há sempre uma distância entre a imagem construída sobre
o passado — em gestos, pensamentos ou ações — e o passado,
embora este último não esteja ausente da imagem do presente.

A dificuldade em relembrar alguns fatos ou a predileção do


entrevistado em explorar outros aspectos de sua trajetória de vida que não de sua
participação olímpica, ao menos enquanto detalhamento das informações, pode ser
entendida nas palavras de Halbwachs (2006, p. 34-35): “Entre esses fatos, os que
neles estavam envolvidos, em nós há uma descontinuidade, não apenas porque o
grupo no seio do qual nós os percebíamos materialmente já não existe, mas porque
não pensamos mais nele e não temos nenhum meio de reconstruir sua imagem”.
A análise do autor refere-se a um grupo de alunos de uma sala de
aula que a cada ano pode ser renovada. O mesmo acontece com uma seleção
brasileira de futebol. Os que estão convocados podem continuar a fazer parte do
grupo e outros podem não ser novamente convocados. Como as seleções olímpicas
de futebol fizeram parte de um momento específico de suas trajetórias, a dificuldade
em relembrar fatos dentro desse grupo se revelou por essa condição do
distanciamento do momento vivido e dos rumos diferentes que os jogadores de
futebol estabeleceram em relação aos colegas/amigos de seleção.

6.1 O futebol brasileiro quer participar dos Jogos Olímpicos

O ano de 1920 representa a primeira participação brasileira nos


Jogos Olímpicos. Ainda sem contar com o COB, os atletas foram organizados pela
CBD, sendo a viagem até a Europa marcada por histórias quase lendárias (RUBIO,
2004). Nesse mesmo ano, a imprensa brasileira fez críticas aos sportmen e aos
dirigentes do país em relação a organização da delegação brasileira. O curto
período de preparação revelava os poucos investimentos para que os atletas
disputassem competições internacionais. O texto ainda afirmava que os atletas
brasileiros iam para a Europa para passear e que existia uma crença por parte deles
306

que afirmava: “Veni, vidi, vinci”810. Apesar dessas críticas, o país conquistou três
medalhas (ouro, prata e bronze) no tiro.
Quatro anos depois, a presença da delegação brasileira nos Jogos
Olímpicos de Paris de 1924 foi marcada por algumas disputas políticas. A
participação brasileira somente se tornou mais factível após o Congresso Nacional
aprovar um auxílio de 300 contos de réis para que o país pudesse mandar
representantes em diversas modalidades811.
A conquista da medalha de ouro pelo Uruguai em 1924 fez o Brasil
projetar possibilidades de sucesso caso tivesse enviado uma seleção para a disputa
do futebol. No entanto, o desejo de jogar contra os europeus e mesmo de estar na
final olímpica contra os Uruguaios tomava conta do cenário das possibilidades, mas
que logo foram contrapostas diante da distância entre querer fazer parte e participar
efetivamente do evento, distância causada pelos rumos do esporte no país812.
No entanto esse desejo brasileiro em participar do futebol olímpico
ganharia força na edição seguinte, mas antes de resolver essa questão era preciso
criar condições para enviar os atletas brasileiros. Dessa forma, em âmbito nacional,
continuavam as preocupações para a falta de investimento na preparação prévia dos
atletas.
O apelo para a participação brasileira tomava forma desde os Jogos
de 1924 e um ano antes dos Jogos de 1928, a organização da Argentina para
participar do evento juntamente com o Uruguai representavam que diante de seus
rivais o Brasil ficava para trás em termos organizacionais e não conseguiria medir
força contra os seus rivais813:

O Brasil possuiu sempre valorosas turmas de jogadores de futebol


que, por mais uma vez, conquistaram honrosos títulos de gloria para
o paiz e nos grangearam prestigio sem par, quer no Novo, quer no
Velho Mundo. Mas ha já dois annos que deixam os nossos clubs de
futebol de se fazerem representar em jogos olympicos, causando
taes factos pessima impressão. Já em 1924, os uruguayos se

810
Varias. Ida para Antuerpia. O Estado de S. Paulo, 18 de março de 1920, p. 6 e O Estado de S. Paulo, 7 de
abril de 1920, p. 6. Em dois outros momentos o jornal coloca notas sobre a equipe norte americana e nada fala do
Brasil. “Os norte-americanos não gostaram do tratamento que lhes foi dispensado em Antuerpia, o disseram que
as condições sanitarias daquella cidade não são boas. Allegaram que os juizes dos jogos olympicos
demonstraram uma certa parcialidade em prejuízo dos norte-americanos”. O Estado de S. Paulo, 13 de
setembro de 1920, p. 4. Outra nota semelhante aparece no dia 10 de setembro de 1920, p. 1.
811
A confederação e o athletismo. O Estado de S. Paulo, 27 de janeiro de 1924, p. 6.
812
Futebol. Assumptos do momento. O Estado de S. Paulo, 11 de junho de 1924, p. 5.
813
Partida dos futebolistas argentinos para Amsterdam. O Estado de S. Paulo, 13 de março de 1928, p. 9.
307

aproveitaram da desidia reinante no futebol brasileiro e no argentino,


para se proclamaraem, diante dos europeus, os melhores jogadores
de futebol da America do Sul. A Argentina penitenciando-se de sua
falta, deu o quanto antes, por findas as dissenções lá reinantes
naquelle esporte e se prepara firmemente para reconquistar o terreno
perdido. Quando da ultima olympiada, não tendo uma turma de
futebolistas brasileiros se feito representar no tradicional concurso, e
deixando esse facto pessima impressão a nosso respeito, o
Paulistano organizou-se e marchou para a Europa, attenuando e
mesmo eliminando inteiramente essa má impressão. Fomos felizes
dessa vez. Não sabemos, entretanto, se no anno proximo, um club
possa chamar, a si a responsabilidade de desfazer impressão
identica, caso fracassemos no proximo anno814.

Em fevereiro de 1928, existia uma apreensão da não concretização


da participação brasileira nos Jogos de Amsterdã por conta da falta de recursos
financeiros para enviar a delegação nacional. O apoio do governo não era visto
como uma possibilidade concreta devido às restrições econômicas pelas quais
passavam o país e caso fosse destinada alguma verba, ela seria evidentemente
reduzida. Para os atletas de modalidades como, por exemplo, o futebol e o polo
aquático não seria fácil conseguir os recursos necessários via subscrição pública
para que pudessem participar dos Jogos Olímpicos devido ao grande número de
atletas envolvidos em cada modalidade815. Em março a CBD forneceu a seguinte
nota para a imprensa:

Não tendo esta Confederação até agora obtido do governo federal


uma solução ao pedido do indispensável auxílio pecuniário para
concentrar, preparar e enviar á IX Olympiada a se iniciar em
Amsterdam a 27 de Maio vindouro elementos representativos dos
varios esportes super-intendidos, vê-se forçada a dar por findas
quaesquer negociações referentes ao assumpto a que foram
iniciadas em 9 de Novembro do anno passado, quando de uma
audiencia concedida por sua excellencia o sr. Presidente da
Republica ao presidente desta entidade – (a) dr. Renato Pacheco,
presidente816.

As críticas em relação ao posicionamento da CBD logo começaram


a aparecer e foram reforçadas pelo fato de que a referida entidade começara a

814
Varias. Os Jogos Olympicos de 1928. Os primeiros preparativos. O Estado de S. Paulo, 22 de janeiro de
1927, p. 7.
815
O futebol e o polo aquático são apontados juntamente com o tiro como sendo as modalidades com maiores
chances de brilhar nos Jogos Olímpicos de 1928. O Brasil nos Jogos Olympicos. O Estado de S. Paulo, 11 de
fevereiro de 1928, p. 12; O Brasil nos Jogos Olympicos. O Estado de S. Paulo, 16 de fevereiro de 1928, p. 9.
816
O Brasil em Amsterdam. O Estado de S. Paulo, 20 de março de 1928, p. 9; O Brasil não irá às olympiadas.
Folha da Manhã, 20 de março de 1928, p. 9.
308

pensar no assunto apenas ao final de 1927817. Quando o Brasil desistiu oficialmente


de participar dos Jogos de 1928 começaram a ser propostas reformas na CBD sob a
alegação de que as ações tomadas eram frequentemente paliativas e como as
decisões ignoravam as causas tornava-se difícil atingir os objetivos, ou seja,
criticava-se a falta de planejamento dos dirigentes brasileiros.
O ponto central da crítica em relação à CBD foi que a entidade
valorizava o futebol em detrimento dos demais esportes. Recomendava-se uma
mudança de mentalidade dos dirigentes da CBD, “no sentido de que todos os
esportistas comprehendam não ser o futebol o unico esporte do mundo. Os outros
esportes tambem devem merecer iguaes, senão maiores cuidados, no proprio
interesse do futebol”818.
Embora essa crítica do excesso de atenção dada ao futebol em
detrimento das demais modalidades fosse sintomática da estrutura esportiva do
país, a não participação do Brasil nos Jogos de 1928 também fazia com que o
futebol brasileiro não participasse do evento. Desse modo, a indignação se tornou
completa quando os chilenos anunciaram o envio de sua equipe de futebol. Para
que isso fosse possível, o país sul-americano formou uma comissão especial no
departamento de Educação Física para cooperar com a Federação Chilena. Além da
ajuda financeira, parte dos recursos foi obtida em dois amistosos contra o Colo-Colo,
equipe do Chile819.
Até então, a comparação das ações do Brasil vinham sendo feitas
com a Argentina e o Uruguai pelo fato desses dois países terem formado equipes
muito competitivas ao longo dos anos 20. Quando o Chile, um país muito menor que
o Brasil e com pouca representatividade no futebol sul-americano da época fazia
acordos de cooperação e amistosos a fim de arrecadar verba para enviar sua

817
O motivo de um fracasso. Porque o Brasil não vae a’ IX Olympiada, em Amsterdam. O Estado de S. Paulo,
22 de março de 1928, p. 8; O Brasil e as olympiadas. A inutilidade da Confederação Brasileira de Desportos – o
exemplo dos chilenos. Folha da Manhã, 23 de março de 1928, p. 9.
818
Uma questão do momento. Reformemos a orientação e não os processos. O Estado de S. Paulo, 29 de março
de 1928, p. 10. Em abril, nos dias 6 (p. 7) e 15 (p. 9), são vinculadas notícias no O Estado de S. Paulo sobre os
valores que o governo argentino e chileno destinaram para o envio da delegação para os Jogos de Amsterdã.
Apesar da crítica, muitas das notas do próprio jornal sobre os Jogos Olímpicos eram, principalmente, voltadas
para o futebol. Consultar principalmente O Estado de S. Paulo entre 26 de maio e 14 de junho de 1928. No
entanto, a cobertura do jornal em relação aos esportes é muito mais diversificada do que atualmente. Diariamente
notícias sobre atletismo, aviação, automobilismo, bola ao cesto, ciclismo, esgrima, educação física, futebol,
iatismo, natação, polo aquático, pugilismo, pingue pongue e turfe eram vinculadas no jornal O Estado de S.
Paulo nos anos 20. Sobre o futebol olímpico a Folha da Manhã fez uma cobertura mais espaçada. Consultar dos
dias 31 de maio a 15 de junho.
819
O Brasil e as olympiadas. A inutilidade da Confederação Brasileira de Desportos – o exemplo dos chilenos.
Folha da Manhã, 23 de março de 1928, p. 9.
309

seleção para os Jogos, colocavam-se em questionamento as ações da CBD. A


pergunta que se fazia naquele momento era a de como o Brasil não conseguiria
arrecadar fundos para, ao menos, enviar sua equipe para disputar o torneio de
futebol.
A final do torneio olímpico de 1928 contou com a presença das duas
seleções sul-americanas, Uruguai e Argentina, e reforçava ainda mais o desejo de
que a seleção brasileira pudesse participar do futebol olímpico820. E tal situação
alguns jornalistas brasileiros projetavam o possível sucesso que o Brasil teria se
estivesse em Amsterdã:

Não seria demais, portanto, que o Brasil figurasse na grande final de


hoje. Como lutam agora argentinos e uruguayos deveriam lutar
brasileiros e argentinos ou brasileiros e uruguayos. E não seria
impossivel, tambem, que sahissemos, por fim, vencedores, tanto
mais quanto não seria esta a primeira vez que a bandeira brasileira
flutuasse no topo do grande mastro olympico. Não estamos lá,
porém. Não pudemos, não soubemos, verdadeiramente não
quizemos ir a Amsterdam. A despeito, embora, dos brilhantes
exemplos de organisação e de efficiencia que tivemos com a ida dos
athletas à olympiada de 1924, em Pariz, e com a excursão do
Paulistano pela Europa, em 1925, os grandes responsáveis pela
nossa educação physica não se esforçaram bastante. Quizeram tudo
e tudo esperaram do governo. Dormiram, assim, até a última hora. E
como ficassem de braços cruzados e de olhos fechados, nada
receberam821.

O sucesso da excursão do Paulistano (1925) na Europa funcionava


como a comprovação do êxito que a seleção brasileira poderia conseguir nos Jogos
Olímpicos, mas a ausência do futebol também indicava o modo como estava
organizado os demais esportes no país.
Apesar do Brasil não ter enviado nenhuma uma delegação para
disputar os Jogos de Amsterdã, a CBD enviou o atleta e campeão brasileiro de
remo, Fernando Nabuco de Abreu como delegado da entidade. Ao regressar ao
país, suas impressões são de que o “Brasil com o seu grande desenvolvimento
esportivo, não pode faltar às provas máximas dos esportes. Elas representam o
progresso de cada povo. Só foram victoriosos os paízes fortes”822.

820
Na Argentina. A expectativa em torno do jogo de hoje. O Estado de S. Paulo, 10 de junho de 1928, p. 9.
821
Jogos Olympicos. O torneio de futebol de Amsterdam. A final de hoje, entre uruguayos e argentinos. O
Estado de S. Paulo, 10 de junho de 1928, p. 9.
822
Noticias de esporte. Ultima hora. Regressa de Amsterdam o esportista, Fernando Nabuco de Abreu – Suas
impressões sobre a olympiada. O Estado de S. Paulo, 16 de setembro de 1928, p. 8.
310

Como o futebol havia sido excluído dos Jogos Olímpicos de 1932 as


referências quanto ao desejo do Brasil participar do torneio olímpico se dissiparam.
Para a edição seguinte, havia uma expectativa em relação à participação do Brasil
nos Jogos de Berlim 1936 e o desejo de superar o desempenho das participações
anteriores sob o pensamento de que “os erros que determinaram o nosso fiasco nos
Jogos Olympicos de Los Angeles podem ser facilmente evitados”823.
No entanto, a delegação brasileira proporcionou uma situação
inusitada nesses Jogos, pois um ano antes o COB passou a ser reconhecido pelo
COI como sendo o responsável pela formação da equipe brasileira (RUBIO, 2006).
Em março de 1936, a CBD recebeu uma carta do ministro do Brasil na Suíça, senhor
Raul do Rio Branco, e “informa que somente os elementos filiados á ligas
internacionaes, poderão tomar parte na Olympiada de Berlim [...] e que os amadores
cumprindo penas e entidades dissidentes, não poderão, absolutamente, participar
dos referidos jogos”824. Desse modo, os atletas da CBD deveriam seguir as regras
olímpicas e estarem sob jurisdição do COB se quisessem participar dos Jogos
Olímpicos.
O presidente do COI informou ao Comitê Executivo acerca das
dificuldades existentes entre o COB e a CBD. Diante do fato, o posicionamento do
Comitê Executivo juntamente com os representantes das Federações Internacionais
foi que as divergências entre as entidades brasileiras deveriam ser resolvidas para
que pudessem participar dos Jogos. Antes do acordo, o cônsul do Brasil em Berlim,
senhor Souza Ribeiro, anunciou que o Brasil não participaria das provas de
atletismo, remo e natação825. A dificuldade de comunicação entre o COB e a CBD
fez com que os brasileiros não soubessem se realmente poderiam participar dos
Jogos mesmo após a cerimônia de abertura826. O delegado do COB, o senhor
Ferreira dos Santos827, mostrava-se empenhado em resolver a situação e garantir a
participação brasileira828:

823
Athletismo. O Brasil na XI Olympiada. O Estado de S. Paulo, 11 de janeiro de 1936, p. 6.
824
A C.B.D. e a Olympiada de 1936. O Estado de São Paulo, 3 de março de 1936, p. 13.
825
Os brasileiros deixarão de participar dos certames de athlétismo, remo e natação dos Jogos Olympicos. Foi
essa a deliberação que o Comité Olympico Internacional foi obrigado a tomar, em face das attitudes da
Confederação Brasileira de Desportos e do Comité Olympico Brasileiro – Tokio escolhida para sede do certame
de 1940 – Os brasileiros competirão em bola ao cesto, esgrima e tiro – Outras notas. Folha da Manhã, 1º de
agosto de 1936, p. 14.
826
Os brasileiros de Berlim pesarosos com o desenlace da pendencia. Folha da Manhã, 1º de agosto de 1936, p.
14.
827
O brasileiro José Joaquim Ferreira dos Santos foi o 119º membro do COI (1923-1962). Ferreira Santos era
médico. Praticou remo, natação, ciclismo e futebol. Foi secretário geral da primeira participação olímpica
311

Não está ainda afastada toda a possibilidade de participação das


turmas brasileiras. A decisão negativa da C.B.D., segundo sei, não
foi ainda communicada ao ‘Comité’ Olympico Internacional. Nossas
condições e como as provas começam effectivamente senão
amanhã, vou empregar todo o dia de hoje em fazer o impossível para
salvar a situação. Vou expor telephonicamente aos dirigentes
esportivos do Rio de Janeiro o mal immenso que o facto dos
brasileiros não concorrerem ao certame causará ao esporte do paiz e
acredito que, diante das razões que apresentarei, o accordo ainda é
provavel. De qualquer maneira, os corredores brasileiros desfilarão á
tarde por occasião da inauguração solenne dos Jogos Olympicos.
Farei o que é humanamente impossível para que o esporte brasileiro
não soffra com as situações creadas pela recusa definitiva da C.B.D.
quanto á acceitação da tregua olympica, proposta pelo ‘Comité’
Olympico Internacional.

O embaixador brasileiro Muniz de Aragão era apontado como um


dos responsáveis por promover o acordo entre as duas entidades brasileiras829. Com
a unificação das delegações, o Brasil pôde competir nos Jogos Olímpicos de
Berlim830. O próprio documento do COB (1977, p. 67) apud Rubio (2006, p. 111-
112), informava sobre o problema:

Sem nenhuma possibilidade de acordo, duas representações


brasileiras apresentaram-se como titulares do desporte de nosso
país, criando para o Comitê Organizador uma situação difícil e
delicada que somente foi resolvida na noite que precedeu a
cerimônia de inauguração dos XI Jogos Olímpicos, ocorrendo, então
a fusão das duas delegações, convertendo-se no corpo
representativo do desporto do Brasil.

brasileira em 1920 e chefe da delegação nos Jogos Olímpicos de 1936. Foi presidente do Comitê Olímpico
brasileiro de 1951 a 1962, ano em que faleceu. Era o presidente do Comitê Organizador dos Jogos Pan-
Americanos de 1963 que aconteceu em São Paulo. Um pouco antes de falecer havia sido eleito para a
presidência da Comissão de Doping (BUCHANAN e LYBERG, 2010b). Conferir também Bulletin du Comité
International Olympique, n. 81, fevereiro de 1963, p. 62. The Olympic family.
828
Inauguraram-se, hontem, os Jogos Olympicos de Berlim. Enquanto á capital allemã se preparava para a
cerimonia, reinava grande desolação entre todos os sul-amernicanos, pelo facto de uma questão de fórma ter
impossibilitado os brasileiros de competir. Folha da Manhã, 2 de agosto de 1936, p. 18. A entrevista do senhor
Ferreira dos Santos foi concedida à agência Havas.
829
A proposito da participação do Brasil na Olympiada. Troca de telegrammas entre o ministro Macedo Soares
e o embaixador Muniz de Aragão. O Estado de S. Paulo, 4 de agosto de 1936, p. 4; A participação dos
brasileiros, em vista do accôrdo assignado. O Estado de S. Paulo, 4 de agosto de 1936, p. 8. Os athletas
brasileiros estão competindo nos Jogos Olympicos. O embaixador Moniz de Aragão é o chefe da delegação
brasileira. Folha da Manhã, 4 de agosto de 1936, p. 5. Além do embaixador, o senhor Ferreira dos Santos
também é colocado como um dos responsáveis pelo acordo. As providencias do Dr. Ferreira dos Santos. Folha
da Manhã, 4 de agosto de 1936, p. 5.
830
Bulletin Officiel du Comité International Olympique, n. 32, novembro de 1936, p. 1-2. Minutes of the
Meeting of the Executive Committee.
312

Apesar do acordo estabelecido para a efetivação da participação


brasileira nos Jogos Olímpicos de 1936 ainda não foi dessa vez que o futebol do
país estreou na competição.
Com a Segunda Guerra próxima do seu fim, especulava-se sobre a
participação brasileira nos próximos Jogos Olímpicos que aconteceriam em 1948. A
questão da presença dos amadores e profissionais no esporte novamente colocava
o debate no caminho quanto à organização do Brasil para os Jogos831.
O regime esportivo profissional, canalizado especialmente pelo
futebol passou a ser alvo de críticas, pois o interesse em receber salários e
gratificações começou a aparecer em outras modalidades esportivas tais como o
atletismo, esgrima e bola ao cesto etc., todas consideradas amadoras. O COI era
visto como a entidade responsável, por meio de seus membros, por “zelar pela
preservação do ideal olimpico, das finalidades basicas do esporte amador,
educativas e eugenicas”832.
A consequência dessa situação poderia se refletir na organização de
uma delegação brasileira para os Jogos de Londres. No dia 25 de janeiro de 1946,
Antonio Prado Junior, se pronunciou sobre a situação brasileira por meio de
correspondências com Avery Brundage, então membro do COI e presidente dos
Jogos Pan-Americanos. Brundage via como negativa a ação dos políticos em torno
do esporte amador brasileiro e assim escreveu:

Já tinha algum conhecimento das condições não satisfatórias do


esporte amador no Brasil. É sempre assim quando os politicos
interferem. [...] Só recentemente é que considerável publicidade foi
dada à declaração que eu fiz, a respeito do amadorismo, em que
frizei que, nós, do esporte amador mundial, precisamos resistir á
infiltração dos politicos que procuram valorizar-se valendo-se da
popularidade do esporte amador [...]833.

A carta de Brundage apontava a necessidade de impedir a entrada


dos políticos no esporte. Desse modo, sua fala trazia implícita a necessidade em

831
Nós e a proxima Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 10 de setembro de 1944, p. 10. O artigo é assinado por
J. R. Pantoja. Observação: Período de intervenção – “De 25 de março de 1940 a 6 de dezembro de 1945, o jornal
foi tomado de seus proprietários pela Ditadura Vargas e por isso o Estadão não reconhece o conteúdo produzido
nesse período como de sua autoria. Apesar disso, essas edições estão sendo compartilhadas como documento
histórico”. Informação disponível no acervo on-line do jornal O Estado de S. Paulo.
832
O Brasil e os Jogos Olimpicos de 1948. O Estado de S. Paulo, 21 de março de 1946, p. 10.
833
O Brasil e os Jogos Olimpicos de 1948. O Estado de S. Paulo, 21 de março de 1946, p. 10.
313

reorganizar o esporte do país de modo que a base fosse fornecida por meio dos
esportes amadores, para que o esporte amador ficasse separado do profissional.
A preparação dos atletas nacionais continuava na mesma situação
de edições anteriores em que, às vésperas de mais uma competição, a CBD ainda
não sabia se o governo iria liberar verba para a participação brasileira nos Jogos
Olímpicos de Londres de 1948834. As incertezas diante do apoio financeiro, do
governo ou de entidades particulares, fez com que a confirmação da participação do
país fosse efetivada tardiamente835. Com isso, meses antes dos Jogos, ocorreu uma
série de seletivas para a montagem dos atletas que iriam disputar os Jogos de
Londres836.
A CBD, por meio de seu Conselho Técnico do Futebol, com o
objetivo de enviar a delegação brasileira para o torneio de futebol sem ter que arcar
com as despesas de treinamento dos atletas pediu às Federações Carioca e
Paulista que prosseguissem com o treinamento dos atletas amadores. A Federação
Gaúcha, por sua vez, se ofereceu para enviar uma seleção de amadores ao Rio de
Janeiro837.
Como parte da preparação da equipe de futebol brasileira a CBD
organizou um amistoso que reuniu a seleção amadora da Federação Paulista contra
os jogadores da Federação Metropolitana838. No entanto, apesar da organização das
Federações, sob alegação de dificuldades financeiras por parte do Conselho
Técnico de Futebol da CBD que não dispunha de verba para o período de
convocação e treinamento dos atletas amadores fez com que fosse solicitado junto
ao COB o cancelamento da participação nacional no torneio de futebol839.

834
Varias. O Brasil na Olimpíada de Londres. O Estado de S. Paulo, 13 de novembro de 1947, p. 9.
835
A Olimpiada de Londres. O Estado de S. Paulo, 10 de março de 1948, p. 8.
836
Credito para as Olimpiadas. Folha da Manhã, 27 de julho de 1948, p. 12. “É aprovado em discussão única o
projeto de lei da Camara que [ilegível], pelo Ministerio da Viação, o credito especial de Cr$ 4.800.000,00 para
contribuição do governo à representação do Brasil nas olimpiadas de Londres”; Decretos assinados. O Estado
de S. Paulo, 2 de dezembro de 1948, p. 18. Após a participação brasileira nos Jogos de 1948, o jornal vinculou a
seguinte notícia: “credito especial para pagamento de contribuição do governo federal pela participação dos
esportistas brasileiros na Olimpiada de Londres”.
837
O futebol brasileiro na Olimpiada de Londres. O Estado de S. Paulo, 15 de maio de 1948, p. 9.
838
A ultima exibição do Southampton em São Paulo. A preliminar. O Estado de S. Paulo, 2 de junho de 1948,
p. 10.
839
Não participará dos Jogos Olimpicos a representação de futebol do Brasil. Folha da Manhã, 8 de junho de
1948, p. 9.
314

6.2 Em 52 temia-se um fracasso do futebol brasileiro

A seleção brasileira, por sua vez, começava a se preparar para a


sua primeira participação no futebol. Um atleta e presidente do Conselho Técnico de
Futebol chamado Castelo Branco sugeria que ao final do Torneio Paulo Goulart de
Oliveira, fosse realizado um torneio entre as seleções carioca, paulista, por um
combinado formado pelos juvenis do Fluminense e de atletas mineiros, além dos
jogadores que tivessem sido revelados nos “campeonatos da juventude ou
recentemente em competições efetuadas em seus Estados”840. Como esse torneio
tinha por objetivo selecionar os atletas para representar o país foi destacado o treino
do selecionado carioca, com ênfase na participação do goleiro Carlos Alberto e do
centroavante Amarillo841.
Conforme os anos avançavam, a relação entre o futebol olímpico e o
da Copa do Mundo começava a aparecer nas análises dos jornais. A comparação
tornava-se inevitável, ainda mais em 1952, depois de quatro mundiais realizados
(1930, 1934, 1938 e 1950), sendo o último deles no Brasil. Em janeiro de 1952,
ainda era possível identificar a dúvida em torno da participação brasileira no futebol,
embora, pouco tempo antes, conforme apresentado, foram veiculadas notícias sobre
o torneio que selecionaria os jogadores. Diante da comparação entre as duas
competições mais importantes de seleções do futebol mundial, o tema amadorismo
(COI) e o profissionalismo (FIFA) entrou em pauta novamente sob a alegação de
que o torneio olímpico de futebol havia perdido muito do seu brilho com o
aparecimento do futebol profissional842.
Como parte dessa discussão entre o mundo dos amadores e dos
países que não adotavam o amadorismo algumas seleções eram indicadas como
favoritas ao título olímpico enquanto outras eram representantes dos dilemas em
torno da “tentação” por se tornar um atleta profissional. A Rússia era apontada como
favorita caso enviasse a sua seleção para a competição; nessa mesma situação
aparecia a Suécia devido aos últimos resultados conseguidos; porém, conforme
afirmava, muita coisa se alterou desde que a Suécia venceu a Iugoslávia na final
olímpica de 48, pois “Os melhores jogadores suecos, tentados pela fortuna do

840
Certame interestadual para escolher os futebolistas olimpicos do Brasil. Folha da Manhã, 11 de outubro de
1951, p. 7.
841
Taça “Paulo Goulart de Oliveira”. O Estado de S. Paulo, 23 de janeiro de 1952, p. 8.
842
O futebol e a Olimpiada. O Estado de S. Paulo, 27 de janeiro de 1952, p. 18.
315

profissionalismo, abandonaram a sua terra natal, vindo a ingressar no futebol


profissional da Italia, Espanha e França”843. O futebol profissional era visto como um
campo da fortuna e essa mudança de interesse dos atletas suecos fazia com que
existissem dúvidas em relação a essa seleção; a Iugoslávia era apresentada como
uma seleção forte e os Estados Unidos como mero figurante. Em relação ao Brasil
havia um posicionamento dúbio. Ao mesmo tempo em que se valorizava os
jogadores amadores, por outro lado era ressaltado o lema de que o importante era
competir844.
Poucos meses antes do início dos Jogos Olímpicos de Helsinque, o
COB ainda não havia confirmado a participação brasileira em algumas modalidades,
entre elas o futebol, o halterofilismo e a ginástica. O motivo da não confirmação era
a disponibilidade de verba para o envio das delegações e da condição técnica dos
atletas. Por conta desse último fato, o Brasil não teria representantes no polo
aquático devido aos resultados insatisfatórios obtidos no Sul-Americano, realizado
no Peru845.
O primeiro teste da seleção brasileira aconteceu em uma partida
amistosa contra o Santos e terminou com vitória dos santistas. Com a derrota foi
ressaltada a dificuldade do país em organizar uma seleção de amadores com
destaque para a indiferença da CBD em relação ao futebol amador, colocando os
clubes em dificuldades para arcar com as despesas dos amadores e dos
profissionais. Apesar da derrota, esperava-se que o Brasil pudesse acertar a sua
seleção diante dos confrontos contra os cariocas e os paulistas846.
Diante das incertezas, o Conselho Técnico de Futebol recebeu um
ofício do COB referente à participação do Brasil no futebol, com destaque da
sugestão do COB para “que o selecionado fosse submetido a uma prova para
aferição de suas possibilidades técnicas, de preferencia contra o campeão do
Torneio ‘Rio-São Paulo’ ou contra a seleção brasileira”. Porém, a vitória da seleção
contra o então líder do Torneio Rio-São Paulo, o Vasco, foi considerada como um

843
O futebol e a Olimpiada. O Estado de S. Paulo, 27 de janeiro de 1952, p. 18.
844
O futebol e a Olimpiada. O Estado de S. Paulo, 27 de janeiro de 1952, p. 18.
845
Resoluções do “Comité” Olimpico. O Estado de S. Paulo, 5 de abril de 1952, p. 9.
846
A semana esportiva. O Estado de S. Paulo, 17 de abril de 1952, p. 12.
316

grande teste da seleção amadora847, mas a decisão final sobre a participação seria
dada pelo COB e não pelo Conselho Técnico de Futebol848.
A participação das modalidades esportivas brasileiras em 1952 foi
dividida em duas categorias: técnico (conseguiram o índice olímpico) e benevolente
(não conseguiram a aprovação do COB para participação)849. Embora o futebol
tenha sido colocado como benevolente e, portanto, fora dos Jogos, o presidente da
CBD Rivadavia Correia Meyer850 foi a favor da participação dos esportes que não
haviam conseguido a aprovação do COB desde que se conseguissem os valores
para cobrir as despesas de viagem e estadia851. Essa proposta foi aprovada com
restrições pelo COB852, apesar do posicionamento contrário do almirante Lemos
Bastos, major Sylvio Magalhães Padilha853 e Carlos Joel Nelli854.

847
Ultima hora esportiva. A seleção amadora brasileira de futebolistas. O Estado de S. Paulo, 20 de abril de
1952, p. 13. “A seleção de amadores, que provavelmente representará o Brasil na Olimpiada de Helsinqui e, que,
tendo perdido do Santos, em Vila Belmiro, venceu espetacularmente o Vasco da Gama, em São Januário [...]”.
Desde o início do mês de abril o COB queria medir o potencial técnico da seleção. Ver a notícia: Prova de fogo
para a seleção amadora. Folha da Manhã, 2 de abril de 1952, p. 7.
848
Conselho Tecnico de Futebol. O Estado de S. Paulo, 26 de abril de 1952, p.12; No mesmo dia, existe uma
outra referência sobre a participação do Brasil no futebol. Os elementos convocados para a seleção de amadores.
O Estado de S. Paulo, 26 de abril de 1952, p. 11. “A F. M. F. oficiou á C. B. D., solicitando-lhe que indagasse
do ‘Comité’ Olimpico Brasileiro se o selecionado de amadores irá ou não á Olimpiada de Helsinqui”.
849
Ultima hora esportiva. A participação do Brasil na Olimpiada. Resolução do “Comité” Olimpico Brasileiro –
A ida do quadro de futebol a Helsinqui. O Estado de S. Paulo, 10 de maio de 1952, p. 8. Entre as modalidades
que conseguiram o índice olímpico estavam: atletismo, basquetebol, natação, esgrima, tiro ao alvo, hipismo,
pentatlo, vela, pugilismo, saltos e halterofilismo. Já os benevolentes eram o futebol, polo aquático e remo.
850
Foi presidente da CBD de 28 de janeiro de 1943 a 14 de janeiro de 1955 (SARMENTO, 2006, p. 173).
851
O Brasil na Olimpiada de Helsinqui. Polo aquático, remo e futebol. O Estado de S. Paulo, 14 de maio de
1952, p. 13.
852
Ultima hora esportiva. A participação do Brasil na Olimpiada. Resolução do “Comité” Olimpico Brasileiro –
A ida do quadro de futebol a Helsinqui. O Estado de S. Paulo, 10 de maio de 1952, p. 8. “Ao término da
reunião o sr. Rivadavia Correia Meyer, falando á reportagem, informou que estava otimista quanto á ida da
representação do futebol, pois já era do conhecimento geral que existe um movimento na Camara de Vereadores
desta Capital no sentido de conseguir um credito especial para custeio da viagem do selecionado de amadores de
futebol a Helsinque”.
853
O brasileiro Sylvio de Magalhães Padilha foi o 265º membro do COI (1964-1995). Formado em Educação
Física pela Springfield College (EUA) e pelo Royal Institute (Suécia), Padilha foi diretor geral do departamento
de Educação Física do Estado de São Paulo. Atuou como atleta do salto com barreiras nos Jogos Olímpicos de
Los Angeles (1932) e de Berlim (1936). Entre 1931 e 1939, foi cinco vezes campeão sul-americano nessa prova.
Foi presidente do Comitê Organizador do IV Jogos Pan-Americanos de 1963, realizado em São Paulo. Também
foi chefe da delegação brasileira nos Jogos Olímpicos de Londres (1948), Helsinque (1952), Melbourne (1956),
Roma (1960) e Tóquio (1964). Em 1963, tornou-se presidente do COB e em 1971, assumiu interinamente a
presidência da ODEPA. (Ver: Sílvio Padilha assume a presidência da ODEPA. O Estado de S. Paulo, 28 de
abril de 1971, p. 20. Padilha é esperado na Colombia. Folha de S. Paulo, 29 de abril de 1971, p. 2). Em 1972,
foi eleito membro do Comitê Executivo do COI com duração de quatro anos (Ver: Olympic Review, n. 59,
outubro de 1972, p. 355. The 73rd session of the I.O.C. Se tornou membro do COI em 1964, depois foi membro
do Comitê Executivo (1972-1974; 1983-1988), presidente da Comissão de Inquérito do caso da Rodésia (1973-
1975), 3º vice presidente do COI (1975-1976– Ver: Olympic Review, n. 93-94, julho – agosto de 1975, p. 253.
Elections to the IOC Executive Board); 2º vice presidente (1976- junho de 1978) e 1º vice presidente (julho de
1978-junho de 1979). Consultar a biografia disponível no Bulletin du Comité International Olympique, n. 90,
maio de 1965, p. 53 e Buchanan e Lyberg (2013a).
317

Como ainda não estava totalmente definida a participação do futebol


brasileiro nos Jogos Olímpicos surgiu uma série de críticas diante do posicionamento
do COB. Entre os argumentos apresentados estavam a qualidade do brasileiro em
praticar futebol, garantida pela conquista do título no Sul-Americano de 1949, e que
a FIFA e a Comissão Organizadora dos Jogos deveriam proibir a presença dos
profissionais no futebol, pois seria uma disputa desigual. Se isso acontecesse, as
chances do Brasil fracassar aumentavam, e diante dessa situação era melhor não
enviar a delegação do futebol855.
As críticas recaíam nos dirigentes de futebol que não se
interessavam em investir no futebol amador, pois do contrário haveria uma série de
amadores com condições de enfrentar os quadros profissionais. Mas as mudanças
pelas quais passavam o futebol em que o profissionalismo estava difundido no país
dificultava a formação de jogadores amadores, pois os melhores diante de uma
proposta mudavam de categoria. E por esse motivo deveria ser reforçado o
investimento no esporte amador para que existisse um grande número de atletas
nessa condição e diante da quantidade seria extraída a qualidade. Mas a
contestação final indicava os novos rumos do futebol profissional: “O que,
infelizmente, acontece, é que os nossos dirigentes só se preocupam com o futebol
que possa trazer lucro. São muito mais comerciantes que esportistas. Essa é a
verdade”856.
Na época sabia-se que a maioria dos membros do COB eram
contrários à participação de algumas modalidades nos Jogos Olímpicos de
Helsinque857. Embora a alegação do COB para o envio de algumas delegações
fosse a falta de verba, ainda continuava na pauta, via dirigentes da CBD, a
possibilidade conseguir os recursos via fundo particular para cobrir as despesas da
viagem858. Apesar dessa condição, um relatório produzido pelo major Sylvio
Magalhães Padilha informava que o futebol brasileiro não participaria dos Jogos
Olímpicos de 1952:

854
Todos eram membros do COB e nesse momento o major Sylvio Magalhães Padilha ocupava o cargo de
diretor executivo da entidade.
855
O futebol nos Jogos Olimpicos da Finlandia. O Estado de S. Paulo, 15 de maio de 1952, p. 13.
856
O futebol nos Jogos Olimpicos da Finlandia. O Estado de S. Paulo, 15 de maio de 1952, p. 13.
857
O Brasil na Olimpiada de Helsinqui. O Estado de S. Paulo, 21 de maio de 1952, p. 12. “Além do futebol, o
Comité Olimpico Brasileiro achou de bom alvitro não incluir, na delegação que irá á Finlandia, outros esportes,
como o remo, ginastica, polo aquatico e tiro aos pratos”.
858
O futebol amador na Olimpiada. O Estado de S. Paulo, 9 de maio de 1952, p. 11.
318

Lamentavelmente, temos que contrariar a opinião de muitos


daqueles que acham [que] deva o futebol comparecer, por uma
questão psicológica, por ser o esporte do povo e tantas outras
considerações. Não temos nenhuma duvida em observar e respeitar,
em termos, essas considerações, mas temos primeiramente que
fazer um julgamento criterioso, independentemente de qualquer outro
aspecto, e sim, simplesmente dentro de condições técnicas. As
opiniões tanto da imprensa como do povo, se dividem em dois
campos e não entraremos mais em considerações por terem sido
elas debatidas, esclarecidas e sobejamente conhecidas desse
“Comité”. [...] Não temos a menor duvida que se tivesse havido um
preparo anterior de à altura, ou se tivéssemos dado maior atenção ao
futebol amador, dentro de certos princípios, e se tivesse havido um
intercambio com outros países, teriamos outro aspecto e mais
possibilidades. O que vemos no entanto, é uma seleção com muito
boa-vontade não só da parte dos jogadores como de seus
859
responsáveis .

Essa primeira parte do relatório de Padilha apontava uma série de


problemas na preparação do futebol que por extensão cabiam a ele como presidente
do COB. Afinal se não houve organização a crítica valia para a CBD, mas
especialmente para o COB por ser a entidade que deveria organizar as ações
voltadas à preparação das equipes olímpica. Na sequência do relatório apontou que:

Foi exigido um índice e este até hoje não satisfez por duas razões.
Primeira porque até agora, por motivos independentes da vontade de
ambas as partes, não foi conseguido um teste com o quadro principal
de um dos clubes mais fortes e segundo, porque não vimos de fato o
que pudesse mudar nossa opinião. Não precisamos tecer
considerações a respeito da projeção internacional do futebol
brasileiro e entrar no seu merito, como uma das muitas
considerações a respeito da sua participação. Sobre a parte de que
todos os jogadores da seleção são profissionais, como afirma muita
gente e como muitos clubes têm certeza, é um ponto que também
não podemos levar em consideração uma vez que, oficialmente,
ninguém pode provar como também poderá haver e sem prova um
desses elementos desgarrados em qualquer um desses esportes
escalados. Temos que julgar apenas com o que temos oficialmente
para colocarmos o visto de amadores. O que afirmam os jornais
sobre contratos, premios, etc., desses elementos também não
levamos aqui em consideração, mas sim o futebol que vimos e que
fomos escalados para observar em Santos. Foi um futebol fraco,
jogado contra um quadro misto e fraquissimo do Santos, sendo que
nossas palavras textuais aos representantes da Confederação
Brasileira de Esportes na ocasião, foram as seguintes: “pelo que
vimos hoje, esta seleção, no momento, não está em condições de
representar o Pais”, sendo que os mesmos representantes comigo

859
A ausencia do Futebol Brasileiro na Olimpiada. O Estado de S. Paulo, 16 de maio de 1952, p. 12.
319

concordaram e disseram que de fato seria necessario maior tempo e


860
colaboração maior para a sua formação .

A convicção de Padilha em vetar a ida do futebol aos Jogos de Helsinque


estava amparada nos desempenhos dos amistosos preparatórios para o torneio. Como
forma de proporcionar elementos impedir a ida do futebol, a derrota para o Santos que não
havia contado com seus melhores jogadores era a desculpa concreta para justificar os seus
argumentos. Outro ponto que apareceu foi quanto à presença dos falsos amadores sendo
justificado que diante de tantas acusações não conseguiriam controlar esse aspecto.

Os outros resultados com conjuntos formados nessa base, também


não nos convenceram. Esta é a nossa opinião a respeito, embora
saibamos que vamos desagradar áqueles que não pensam de outra
forma senão de que devemos mandar turmas como estímulo, para
aprender, etc. Não é hora de estimular, nem de aprender, e sim de
competir com os mais fortes adversarios do mundo e, portanto,
devemos ter cuidado e escrupulo de enviar apenas o que tivermos de
861
melhor e se estiverem em condições .

A última parte do relatório decretava a decisão de que o futebol


brasileiro não iria aos Jogos. Associado aos custos de envio de uma equipe de
futebol existia também o receio de que a seleção brasileira não obtivesse um bom
desempenho na Europa, pois em certo momento o senhor Castelo Branco fora
questionado se os jogadores amadores brasileiros teriam chances de vencer os
profissionais estrangeiros862.
É nesse sentido que Proni (2000, p. 34) afirma que “A competição
olímpica, ao excluir os jogadores de futebol que vinham se profissionalizando, já não
propiciava um confronto entre as autênticas forças futebolísticas”. E esse receio de
colocar os amadores diante dos atletas de alguns países que possuíam uma rotina
de treinamento como se fossem profissionais gerava uma série de desconfianças
pelos dirigentes brasileiros.
Em sua resposta, Castelo Branco lembrava que a seleção brasileira
de amadora já havia sido “[...] submetida a varias provas ante quadros profissionais,
como o Vasco, o Santos e outros, saindo-se bem em todos eles. Jogaram, também,

860
A ausencia do Futebol Brasileiro na Olimpiada. O Estado de S. Paulo, 16 de maio de 1952, p. 12.
861
A ausencia do Futebol Brasileiro na Olimpiada. O Estado de S. Paulo, 16 de maio de 1952, p. 12.
862
O Futebol Brasileiro na Olimpiada de Helsinqui. O Estado de S. Paulo, 26 de junho de 1952, p. 11. Ver
também: O malogro dos nossos tenistas. O Estado de S. Paulo, 27 de junho de 1952, p. 13. Embora o texto seja
sobre os tenistas brasileiros, existe uma referência quanto às incertezas que pairavam sobre participação do
futebol brasileiro.
320

com profissionais no Chile, trazendo o título de campeões sul-americanos para o


Brasil”863. No entanto, não era essa a visão que o major Padilha compartilhava.
Aliás, queria que a seleção de futebol estivesse em condições de vencer os
adversários europeus e por isso não queria correr o risco de ser humilhado por
alguma derrota por muitos gols.
Dias depois, a possibilidade de participação do futebol brasileiro
havia aumentado. O presidente do Conselho Técnico de Futebol da CBD, Castelo
Branco afirmou que estava em análise na Câmara Municipal a liberação de uma
verba para viabilizar a presença dos jogadores de futebol864. A confirmação da
participação do futebol brasileiro veio somente um mês antes do início dos Jogos de
Helsinque. O técnico escolhido foi Newton Cardoso e o Conselho Técnico convocou
27 jogadores para serem selecionados os 18 que poderiam ser inscritos no
torneio865.
É preciso ressaltar que a condição dos amadores não se fazia
presente somente em relação aos jogadores de futebol. Valia para todos os atletas.
Ao final dos Jogos de Helsinque três atletas se destacaram na delegação brasileira:
José Telles da Conceição (bronze no salto em altura), Tetsuo Okamoto (bronze na
natação) e com a medalha de ouro no salto triplo com Adhemar Ferreira da Silva
(RUBIO, 2006).
Já no Brasil, a repercussão da vitória de Adhemar Ferreira da Silva
virou notícia no COI contendo o alerta para que os atletas não perdessem a sua

863
Declarações do Sr. Castelo Branco. O Estado de S. Paulo, 9 de maio de 1952, p. 11. Futebol. Os amadores
uruguaios jogarão com os brasileiros. O Estado de S. Paulo, 23 de maio de 1952, p. 9.
864
A ida do selecionado de futebol amador a Helsinqui. O Estado de S. Paulo, 30 de maio de 1952, p. 10. Sobre
o auxílio financeiro, ver também: Auxilio ao C.O.B. Folha da Manhã, 4 de abril de 1952, p. 7, “Os membros do
Comitê Olimpico Brasileiro serão recebidos amanhã á tarde, no Palacio do Rio Negro, em Petropolis, pelo
presidente da Republica. Nessa audiencia, os componentes daquele órgão solicitarão do sr. Getulio Vargas, a
exemplo do que aconteceu nos Jogos Pan-Americanos de Buenos Aires, a concessão do auxilio pecuniário que
permitirá ao Brasil comparecer à Olimpiada de Helsinque”; Credito para as despesas com o comparecimento do
Brasil a Olimpiada. O Estado de S. Paulo, 17 de junho de 1952, p. 13. “O presidente da Republica enviou
mensagem ao Congresso Nacional, acompanhada de projeto de lei autorizando a abertura, pelo Ministerio da
Educação e Saude, do credito especial de sete milhões de cruzeiros, destinao ao custeio de despesas para o
comparecimento do Brasil á XV Olimpiada [...]”. Ver também: Ultima hora esportiva. A participação do Brasil
na Olimpiada. O Estado de S. Paulo, 21 de junho de 1952, p. 2 e Olimpiada de Helsinque. Folha da Manhã, 27
de junho de 1952, p. 3. Três anos depois foi vinculada essa notícia: Comissão de finanças. Folha da Manhã, 20
de outubro de 1955, p. 5. “Por essa comissão foi aprovado parecer do sr. Lino Braun, favoravel ao projeto
governamental que autoriza a abertura de credito especial, de Cr$ 7.000.000,00, para custeio das despesas
decorrentes do comparecimento do Brasil à XV Olimpiada, realizada em Helsinque em 1952, na cidade de
Helsinque”.
865
O futebol brasileiro na Olimpiada de Helsinqui. Relação dos amadores convocados pelo Conselho Tecnico de
Futebol da C. B. D. – Programa de treinos – A delegação embarcará no dia 5 de julho. O Estado de S. Paulo, 12
de junho de 1952, p. 11. Ver também: O selecionado de futebol que irá a Helsinqui. O Estado de S. Paulo, 14
de junho de 1952, p. 12.
321

condição de amadores. Uma circular assinada por Avery Brundage chamava a


atenção das Federações Internacionais, dos Comitês Olímpicos Nacionais e dos
membros do COI que alguns países haviam criado fundos para presentear com
casas e carros os campeões olímpicos. Como exemplo, ressalta o caso de Adhemar
Ferreira, que um jornal havia promovido uma campanha para arrecadar fundos para
comprar uma casa ao campeão. A própria nota colocava entre parênteses que a
casa seria dada para a mãe do atleta. O caso foi utilizado como forma de reforçar o
poder do COI diante das demais Federações, Comitês e membros da entidade, pois
ressaltava mais uma vez que o atleta não poderia ser amador caso recebesse algum
prêmio por seu desempenho atlético e terminava a nota com o alerta para que
houvesse comunicação entre as entidades e seus membros e com a imprensa para
que fossem evitados problemas no futuro866.

6.2.1 Carlos Alberto Martins Cavalheiro (1952): “O futebol olímpico é


brincadeira perto do futebol de Copa”

Figura 15 - A seleção brasileira nos Jogos Olímpicos de 1952 (Arquivo Público do Estado de
São Paulo)

Carlos Alberto nasceu no Rio de Janeiro no


bairro de Santa Teresa. Seu pai era
comerciante e ele é o filho mais velho (tem
uma irmã). Estudou em colégio militar e foi
nesse espaço que começou a jogar futebol e
basquete. Quando estava no segundo ano
do científico passou a integrar o juvenil do
Vasco. No Vasco da Gama jogou durante 10
anos (dos 16 aos 26 anos de idade). Nesse
período já era tenente da Aeronáutica.
Depois de dois anos como titular no Vasco e
como tenente da Aeronáutica foi transferido do Rio de Janeiro para São Paulo, onde
passou a jogar pela Portuguesa de Desportos. Defendeu esse clube durante três

866
Bulletin du Comité International Olympique, n. 36, novembro de 1952, p. 7. Circular letter to all
international federations, all national olympic committees and all members of the I.O.C. ty is given to this
subject it may be possible to avoid embarrassing situations in the future.
322

anos. Apesar de sempre ter sido amador, ressaltou que “[...] sempre fui amador no
esporte, como eu dizia, mas executei o trabalho como se profissional fosse”.
Ele é militar reformado no posto de major-brigadeiro e foi goleiro do
Brasil em duas edições dos Jogos Olímpicos (1952 e 1960). Em suas palavras: “[...]
o regulamento militar não permite que você seja profissional de nada, muito menos
de futebol”.
Devido às inúmeras restrições impostas pela FIFA, são poucos os
atletas brasileiros de futebol que disputaram mais de uma Olimpíada. Além de
Cavalheiro, tiveram essa oportunidade Ademir Roque Kaefer e Luís Carlos Coelho
Winck, ambos em 1984 e 1988; José Roberto Gama de Oliveira, o Bebeto em 1988
e 1996; Ronaldo de Assis Moreira, o Ronaldinho Gaúcho em 2000 e 2008;
Alexandre Pato e Thiago Silva em 2008 e 2012.
Após encerrar a carreira, Carlos Alberto chegou a trabalhar como
dirigente esportivo na década de 70 e pela CBD participou dos Mundiais de 74 e 78
a convite do então presidente da FIFA, João Havelange. Além disso, foi por 12 anos
presidente do Conselho de Beneméritos do Vasco até janeiro de 2011.
Aos 79 anos de idade, a narrativa de Carlos revelou uma relação
com o tempo quando se mostrou saudosista em certas passagens e uma
constatação de que várias pessoas citadas em sua história já faleceram, como se ao
falar sobre as experiências fosse uma forma de comprovar que o “tempo não para”.
Carlos Alberto relembrou que os Jogos Olímpicos de 1952
aconteceram em meio à recuperação dos países europeus pós Segunda Guerra e
que naquele momento o centro do futebol estava na Europa, especialmente,
Alemanha Ocidental, Itália, Espanha, Inglaterra e esses países, exceção feita à
Espanha, foram arrasados. Diante disso, a escolha foi por Helsinque, na Finlândia.
Segundo Carlos Alberto, “[...] todo mundo estranhou na ocasião, eu era garoto (em
52 eu fiz 20 anos, eu nasci em 32). Então, houve um estranhamento por causa do
local que foi destinado às Olimpíadas, que foi a Finlândia”. Com a sede escolhida,
chegou o momento de participar pela primeira vez dos Jogos Olímpicos. A viagem
para chegar até a Finlândia foi uma epopeia de 39 horas de avião, o primeiro de
quatro motores chamado Constelation. De acordo com Carlos Alberto:

A viagem que nós fizemos do Rio de Janeiro a Helsinque, o nosso


avião, naquele tempo a companhia não era Varig, era a Pan Air do
323

Brasil. O avião levou, saindo daqui e chegando em Helsinque, 39


horas depois, porque fazia Rio, Recife, Dakar, Lisboa, aí Paris era o
destino final do avião. O final da linha daquele tempo era só Paris. Aí
a gente ficou uns dois dias em Paris, também tava toda arrasada e aí
que veio um avião que pousou Estocolmo, Paris-Estocolmo, então,
tudo somou 39 horas no ar. É um negócio que pesa já que você não
tem outro jeito de chegar lá, e a gente estava no meio de transporte
mais rápido, o avião.

Vencida a longa jornada até chegar a Helsinque, Carlos Alberto


ressaltou que não houve a realização de uma seletiva para o futebol. Todos os
países que participaram do torneio de futebol foram convidados e deveriam cumprir
a condição de que todos os atletas fossem amadores: “Naquele tempo era
obrigatório ser amador, naquela época o regulamento era assim. Então o que é que
acontece: todos os países da Europa só tinham amadores, ninguém ainda era, não
houve ainda ou estava no início a fundação da liga profissional em cada país”.
Em sua primeira participação olímpica o futebol ficou hospedado na
Vila Olímpica que na memória de Carlos Alberto “[...] a Vila Olímpica dos finlandeses
tiveram que fazer um esforço grande. Por exemplo, as aulas pararam, faculdade,
ensino médio e tal, e todos foram trabalhar de graça para as Olimpíadas. Foi um
esforço muito grande dos finlandeses pra fazer essa Olimpíada lá”867.
Sobre essa participação olímpica Carlos Alberto afirmou ter boas
recordações e em vários momentos da entrevista fez referência a suas fotografias,
troféus e entrevistas concedidas como forma de materializar a sua memória, de
evidenciar o vivido, sendo essa condição material uma forma concreta de dialogar
com o passado, ou seja, o registro material ao congelar a experiência acaba por
reservá-la a uma condição permanente de lembrança pelo fato de sempre remeter
ao mesmo momento vivido, afinal, de acordo com Nora (1993), um dos lugares da
memória é o material.
Apesar de em algumas situações não ter tanta certeza do ponto de
vista cronológico de alguns fatos ou se confundir quanto à seleção campeã (indicou
a Alemanha Ocidental ao invés da Hungria), Cavalheiro reforçava a informação
apontando para a fotografia, conforme segue a sua narrativa abaixo.

867
Mesmo diante de todas as dificuldades e apesar do déficit final de aproximadamente 23.500 dólares, o Comitê
Organizador dos Jogos Olímpicos de Helsinque comemorou que o déficit ficou abaixo do esperado. Consultar:
Bulletin du Comité International Olympique, n. 42, outubro de 1953, p. 26. The Games of the XVth
Olympiada at Helsinki: have shown a déficit amouting to a sum below 100.000 Swiss Frcs.- (or 23.500 dollars.).
324

E o Brasil não foi mal não, em 52 era mata-mata, ganhou-ganhou,


continua. Estreamos contra a Holanda, demos de 5 a 1 na Holanda,
eu tenho até uma fotografia ali eu defendendo uma bola no jogo
Brasil e Holanda, e no segundo jogo, eu acho que foi Luxemburgo868,
também não [...] e perdemos no terceiro jogo pra Alemanha. A gente
ganhou o primeiro jogo, ganhou o segundo jogo e fomos jogar o
terceiro jogo, já em quartas de final, contra a Alemanha. A Alemanha,
todos amadores, isso foi em 52. Copa de 54 na Suíça quem ganhou?
Alemanha! Exatamente aquela equipe que jogou conosco e nos
ganhou na prorrogação, nós perdemos o jogo na prorrogação, um
azar desgraçado869. Então, veja como é que era o regulamento que
exigia amadores, ou seja, o inglês era tudo amador, o italiano tudo
amador, entendeu? Como o alemão foi e ganhou o campeonato.
Então, 52 foi eu diria, a volta das Olimpíadas, porque a Olimpíada
última tinha sido em que ano? Trinta e alguma coisa, né? Foi na
Alemanha, com Hitler ainda. Então, é mais ou menos isso, já 56 não,
não, 56 o Brasil não levou futebol pras Olimpíadas na Austrália,
porque era muito caro. Eu me lembro que os jornais publicaram o
valor, porque um avião pra levar uma delegação de futebol, que é
grande, você leva pelo menos uns 18 jogadores, treinador,
preparador físico e tal, no final vai mais de 20. E o Comitê Olímpico
Brasileiro na ocasião achou que não devia levar, então nós não
tivemos nada em 56, de futebol.

O futebol havia retornado aos Jogos na edição anterior, em 1948, e


provavelmente a ausência das seleções sul-americanas fez com que Carlos Alberto
se esquecesse dessa edição. Nessa dinâmica de lembrar e esquecer, explicou que o
custo para enviar uma equipe coletiva para os Jogos de Melbourne em 1956
inviabilizou a presença do futebol brasileiro.
Apesar das desconfianças o Brasil venceu o primeiro jogo contra a
Holanda por 5 a 1, válido pelo pré-olímpico como partida classificatória para o
torneio olímpico870. A vitória apareceu como forma de acabar com as dúvidas
daqueles que não queriam o futebol brasileiro nos Jogos Olímpicos. Apesar de
vencer e, portanto, seguir no torneio, foram ressaltadas as inúmeras dificuldades que
estavam por vir, já que o Brasil poderia ter que enfrentar a Iugoslávia, sendo que a

868
O Brasil vence o Luxemburgo. O Estado de S. Paulo, 22 de julho de 1952, p. 13; Brasil (2) VS. Luxemburgo
(1). Folha da Manhã, 22 de julho de 1952, p. 7.
869
O futebol brasileiro em Helsinqui. O Estado de S. Paulo, 27 de julho de 1952, p. 19. Eliminada das
Olimpiadas a representação brasileira de futebol. Depois de estarem vencendo a Alemanha por 2 a 0, os
nacionais cederam o empate e, na prorrogação, acabaram inferiorizados por 4 tentos a 2. Folha da Manhã, 25 de
julho de 1952, p. 7.
870
Os Jogos Olimpicos de Helsinqui. Brilhante estreia dos futebolistas brasileiros no torneio pré-olímpico – os
nossos representantes derrotaram facilmente o quadro da Holanda, por 5 a 1 – Outros resultados de futebol – Os
paises classificados para o torneio olimpico – Sessão do Comité Internacional Olimpico – Eleito o novo
presidente do C. I. O. O Estado de S. Paulo, 17 de julho de 1952, p. 10. Nitida vitoria registrou a equipe
olímpica de futebol do Brasil no jogo com a Holanda. Depois de inferiorizados por 1 a 0, os brasileiros
conseguiram expressivo triunfo por 5 a 1. Folha da Manhã, 17 de junho de 1952, p. 5.
325

base da seleção iugoslava era a mesma que havia disputado a Copa de 1950 no
Brasil.
Mesmo dois anos depois da Copa de 50, a lembrança da derrota
para o Uruguai naquela final aparecia como uma sombra diante da seleção olímpica,
como se o problema da derrota de 50 estivesse vinculada a uma data específica
causadora de tristeza e que deveria ser vista de outra forma a partir do futebol
olímpico.

A seleção do Brasil, com todos os seus supercraques venceu os


eslavos no Maracanã pela exigua contagem de 2 a 1, e por ai se vê
que não podemos exigir muito dos modestos amadores que não tem
outras credenciais se não a firme vontade de vencer para o Brasil.
Por fim, a curiosa coincidencia dessa data que insiste em se
inscrever na história do futebol brasileiro. Até ontem, ao ouvir ou
mencionar o dia 16 de julho, o torcedor se lembrava do final
dramatico da Copa do Mundo de 1950, quando os uruguaios
arrebataram das nossas mãos o título festejado na véspera. A partir
de hoje, porem, o 16 de julho terá outro significado. Marcará a data
da primeira vitoria olímpica de nosso futebol871.

O medo do fracasso que dificultou a ida da seleção brasileira para os


Jogos pode ser lida como o reflexo da derrota, ou nas palavras de Nelson
Rodrigues, era o “complexo de vira-latas” que estava presente nesse contexto.
Segundo Antunes (2004), essa expressão foi cunhada por Nelson Rodrigues, antes
da estreia do Brasil na Copa de 1958, por conta do pessimismo e do espírito de
perdedor do brasileiro, potencializado pela derrota na final da Copa de 50 e sua
associação à mistura racial do país que representaria uma inferioridade diante das
demais nações.

Por “complexo de vira-latas” entendo eu a inferioridade em que o


brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo.
Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol. Dizer que nós nos
julgamos “os maiores” é uma cínica verdade... Já na citada vergonha
de 50, éramos superiores aos adversários. Além disso, levávamos a
vantagem do empate. Pois bem: - e perdemos da maneira mais
abjeta. Por um motivo muito simples: - porque Obdulio nos tratou a
pontapés como se vira-latas fôssemos.
Eu vos digo: - o problema do escrete não é mais de futebol, nem de
técnica, nem de tática. Absolutamente. É um problema de fé em si
mesmo. O brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-latas

871
A passagem já está paga. Folha da Manhã, 17 de junho de 1952, p. 5.
326

e que tem futebol para dar e vender, lá na Suécia (Manchete


Esportiva, 31.5.1958 apud ANTUNES, 2004, p. 224).

Embora Nelson Rodrigues tenha cunhado a expressão “complexo de


vira-latas”, seis anos após a disputa olímpica, seu olhar era voltado para a seleção
brasileira composta por jogadores profissionais. Mas o quadro encontrado nos
jornais da época permite a apropriação da expressão para entender o receio da
derrota junto aos atletas amadores. Até porque era na relação entre os profissionais
e os amadores que o futebol olímpico do Brasil encontrava as suas maiores críticas.
Como se o insucesso pela perda do título mundial de futebol, por parte dos
profissionais, fosse revelador das dificuldades e incapacidade de sucesso que iria
encontrar uma seleção de amadores ao jogar contra os profissionais nos Jogos
Olímpicos.
No entanto, para Carlos Alberto não existiu relação entre a seleção
brasileira que foi derrotada na final da Copa de 50 daquela que disputou os Jogos
Olímpicos dois anos depois. Para ele, pelo fato de serem jovens, com média de 20
anos, em sua maioria juvenis, não gerou cobranças. Sobre o jogo que o Brasil
perdeu para a Alemanha Ocidental, assim relatou:

Nós estávamos vencendo de 2 a 0, tava vencendo de 1 a 0, aí nós


tínhamos um jogador depois jogou na seleção, o Zózimo, ele fez o
segundo gol do Brasil faltando 10 minutos pra acabar o jogo, o jogo
tá ganho, mas não, deu uma saída e o alemão fez 2 a 1 e no último
chute do jogo, ÚLTIMO CHUTE DO JOGO! A Alemanha empatou 2 a
2. Então é claro que isso deixa um pouco o pessoal abatido, aí
perdemos na prorrogação, a prorrogação em seguida, meia hora dois
tempos de 15 minutos. Nunca sofremos absolutamente nada, o
treinador ali era um médico, também professor de Educação Física,
era filho do Gentil Cardoso, que foi treinador de vários clubes aqui no
Brasil, Vasco, Flamengo, então, nunca eu percebi, pelo menos eu
nunca percebi isso, também não adiantava fazer pressão, nenhum
jogador juvenil e tal vai fazer, não vai sentir nada.

A participação do futebol olímpico brasileiro superou as expectativas


iniciais que desconfiavam da capacidade técnica dos atletas nacionais e chegou até
as quartas de final do torneio, sendo superado apenas na prorrogação pela seleção
da Alemanha Ocidental. Em nenhum momento da sua narrativa, Cavalheiro apontou
que havia certa desconfiança em relação ao desempenho da seleção brasileira.
Apenas indicou que as seleções participantes foram convidadas. Não é possível
327

inferir o motivo pelo qual Cavalheiro não mencionou essa desconfiança que estava
presente nas reportagens dos jornais e provavelmente houve certa repercussão a
respeito da indecisão de confirmar a presença do futebol diante do medo da seleção
brasileira ser derrotada facilmente pelos adversários europeus que tinham amadores
profissionais. O que é possível de analisar, segundo Pollak (1989) que a memória é
seletiva e, dessa forma, algumas lembranças serão rejeitadas (BOSI, 2003).
Ao pensar a relação entre o futebol jogado na Copa do Mundo com o
futebol olímpico Carlos Alberto assim definiu: “O futebol olímpico é brincadeira perto
do futebol de Copa pelo fato do grande interesse das seleções em participaram da
Copa do Mundo”. Esse interesse, segundo relatou, é de ordem financeira, pois “Na
Copa do Mundo você vai recebendo conforme vai saltando de posição. Então, você
ganha algo ali que já compensa, e também o marketing, você é visto pelo mundo
inteiro por bilhões de pessoas, não é milhões, é bilhões!”.
Fez questão de frisar que essa análise correspondia somente ao
futebol e entendia que a importância do futebol dentro do programa olímpico era
reduzida pelo fato de dividir a atenção com outras modalidades que têm nessa
competição o grande momento de visibilidade mundial. Em suas palavras; “O futebol
na Olimpíada é mais um esporte, eu não sei quantos esportes são? Trinta e algo, é,
eu não sei esse trinta quanto é [...], mas é mais de trinta. O futebol é 1/30, então não
adianta nada, já na Copa do Mundo não [...]”.
Como a FIFA também busca visibilidade, para ela não se torna
interessante ter a atenção do futebol dividida com outras modalidades. Essa busca
pela exclusividade também pode ser revelada pelo modo como a entidade controla o
futebol. Na opinião de Carlos Alberto a FIFA:

[...] é uma entidade que eu chamaria de ditatorial e isso tá certo,


então ela dirige o futebol mundial [...] é ditatorial porque ela não
permite por exemplo que você vá nas instâncias penal, civil, aí,
judiciárias sem primeiro esgotar todas as instâncias esportivas, a
FIFA não permite. A FIFA diz o seguinte, quer ser afiliado? É
assim..., ah não quer assim, então, não filia, e todo mundo filia.
Então, a FIFA tem isso, isso é bom. Ela controla o antidoping, tem
uma porção de coisas boas da FIFA, além da organização como um
todo. As confederações todas são subordinadas a ela, mas, nesse
caso brasileiro agora, você por exemplo, a FIFA, quando você faz um
contrato com ela, ela tira logo aquelas placas do Maracanã por
exemplo, cheio de placas, tira tudo, só pode ter placa minha, porque
é do regulamento da FIFA. Mas então voltando ao futebol da FIFA,
não do COI, é muito mais forte, porque é sozinho (grifo nosso).
328

Cavalheiro incluiu como parte desses interesses a visibilidade do


evento, as ações de marketing e a enorme competitividade entre as seleções para
conseguirem chegar à competição. Portanto, a lógica da FIFA de restringir para
valorizar seu produto se tornou eficaz nessa dinâmica lucrativa que os eventos se
tornaram. Poderia se pensar que se a FIFA liberasse a participação de todos os
atletas também para os Jogos Olímpicos, que ela teria a oportunidade de ganhar
duas vezes, mas como o evento é organizado pelo COI e não pela FIFA, ela estaria
somente valorizando a competição organizada por outra entidade e deixaria de
conquistar a sua principal fonte de renda, os lucros com a Copa do Mundo.
Conforme indicado pelo site oficial da entidade, 93% de sua renda são provenientes
dos eventos que organiza, sendo a maior fonte de renda conseguida por meio da
Copa do Mundo que em sua última edição de 2010 correspondeu a 87% dessa
renda872.
Ao final da entrevista, Carlos Alberto disse não ter parado para
pensar no que representou ter disputado dois Jogos Olímpicos e falou em uma
mistura de saudosismo e melancolia ao constatar que o tempo passou quando
recebeu uma homenagem há cerca de 10 anos pelo então presidente da República
Fernando Henrique Cardoso. Em suas palavras, sua percepção ao receber a
homenagem pela participação em Jogos Olímpicos, foi a seguinte:

Nós éramos alguns só, o futebol fui eu e o Evaristo. Porque também


é difícil ter pessoas, o Evaristo foi uma vez só e foi reserva [...]. Mas
é difícil você encontrar algum de 52, não é muito fácil pela idade. Eu
como eu disse vou fazer 80 e em 52 eu tinha 20 anos de idade, são
60 anos, não é brincadeira! 60 anos morre todo mundo. Então, você
tem que ter paciência com esse pessoal, é isso aí.

De acordo com Bosi (2010), a memória é dividida por marcos que


pontuam, delimitam e dão sentido à vida das pessoas. Quando Carlos Alberto
constata que muitos de seus colegas já faleceram esse fato representa, na acepção
de Bosi (2010), um marco da memória que indica o fim de um tempo, do tempo da
juventude (“eu tinha 20 anos”) e, consequentemente, da época de jogador de
futebol. Também é indicativo de que ele é alguém que precisa lidar com essas
perdas e esses encontros – outros marcos da memória – selam o fim de uma série

872
Consultar: <http://pt.fifa.com/aboutfifa/finances/income.html>. Acesso em 3 de maio de 2013.
329

de etapas da sua vida e conforme seus colegas morrem não poderá mais
compartilhar com aqueles que participaram de suas experiências.
É possível associar outro fator analisado por Bosi (2010) à fala de
Carlos Alberto, quando a autor se refere ao modo como Simone de Beauvoir analisa
o idoso. Bosi (2010) por não considerar que todo idoso seja um sobrevivente
entende que Beauvoir seja pessimista. Porém, essa ideia funciona para entender
essa fala final de Carlos Alberto. Ele nada mais é do que o sobrevivente de seu
tempo. A sua longa entrevista (3h16) revela o quanto ele sente prazer em contar
sobre as suas experiências e, ao reforçar que são poucos os que estão vivos, é
como se indicasse ser ele a única pessoa – o sobrevivente – capaz de reconstituir
essas histórias vividas.

6.3 As desconfianças em torno do futebol brasileiro para os Jogos


de Roma

Em um primeiro momento houve uma especulação de que o Brasil,


embora considerado com chances de se tornar campeão olímpico, não iria se
inscrever por ostentar o título de campeão do mundo na Copa de 1958873.
Novamente os caminhos do futebol olímpico se cruzavam com o futebol da Copa do
Mundo. Nesse cenário, o Brasil figurava como campeão do mundo. Era a Copa do
Mundo servindo como modelo para os demais campeonatos que o Brasil veio a
participar. A visão era de que apesar de sermos campeões profissionais, nada
impedia do Brasil também ter sucesso entre os amadores. Essa fala simples revela e
expõe o pano de fundo no qual o futebol estava inserido e, aqui no Brasil também,
pois por meio dessas condições – de ser amador e profissional – muitos atletas
estiveram inseridos nessa dinâmica afetando a trajetória futebolística deles874.
As incertezas da CBD em confirmar a participação do futebol
revelavam mais uma vez que se houvesse organização prévia seria possível
preparar uma equipe competitiva. As críticas aumentaram quando foi informado que
a entidade estaria disposta a impedir a profissionalização dos atletas brasileiros do
873
O Brasil ainda não se inscreveu no torneio de futebol da Olimpiada. Folha da Manhã, 13 de fevereiro de
1959, p. 8. O futebol brasileiro poderá ficar ausente da Olimpiada de 60. Folha da Manhã, 18 de novembro de
1959, p. 12.
874
Sete dias nos esportes. O futebol brasileiro e a olimpíada. Folha da Manhã, 15 de fevereiro de 1959, p. 2. O
texto é de Aroldo Chiorino.
330

futebol, que estavam inscritos para disputar o campeonato Pan-Americano de 1959,


com o objetivo de ter previamente uma base para os Jogos Olímpicos de 1960. O
texto contestava que tal medida dificultaria a renovação entre os juvenis, mas na
sequência, tal crítica trazia o motivo da queixa: se essa seleção fosse a base para os
Jogos Olímpicos nenhum atleta paulista participaria, já que não tinham ido para o
Pan-Americano. Por fim assinalava: “a C.B.D., com a ‘fórmula’, estabeleceria a
instituição de mais uma e antipática ‘igrejinha’”875.
O então presidente do COB, o senhor Ferreira dos Santos, analisou
a participação do futebol brasileiro que acabara de ser vice-campeão Pan-Americano
após um empate com a Argentina. Sua visão corroborava com a da CBD,
anteriormente apresentada:

No Brasil depara-se com dificuldades na formação de equipes


amadoras, pois, o profissionalismo arrebata muitos dos melhores
valores. De outro lado sempre insisti em que os representantes do
Brasil em futebol, como em todos os esportes, sejam puros
amadores e não ‘operarios do esporte’. [...] Estes rapazes [do futebol]
que trouxemos a Chicago formarão o nucleo da equipe olimpica. Não
vamos permitir que nenhum deles passe ao profissionalismo. Essa é
uma condição que exigimos876.

Do mesmo modo que havia acontecido com a seleção brasileira na


primeira participação Olímpica, oito anos depois a mesma preocupação voltava à
tona e questionava a qualidade técnica do selecionado brasileiro. Para auxiliar a
CBD nesse levantamento foram procuradas a Federação Paulista, Metropolitana e
Rio-Grandense e mediante a resposta dessas federações seria decidido se o Brasil
enviaria sua equipe para o futebol877.
Dias depois o Conselho Técnico de Futebol da CBD aprovou a lista
dos 40 pré-convocados pelo técnico Gradim878. Desse total apenas 18 foram

875
Sete dias nos esportes. Folha da Manhã, 16 de agosto de 1959, p. 2. O texto é de Aroldo Chiorino e Durval
Silva.
876
Satisfeito o presidente do Comitê Olimpico Brasileiro: “não fizemos nem mais nem menos do que
esperavamos”. Folha da Manhã, 6 de setembro de 1959, p. 1.
877
Seleção na Olimpiada. O Estado de S. Paulo, 11 de novembro de 1959, p. 16.
878
Feola não aceitou mesmo. Folha da Manhã, 8 de novembro de 1959, p. 3. “Vicente Feola disse [...] que não
pode mesmo aceitar o cargo de Gradim, técnico da seleção pré-olimpica brasileira. Em face da palavra definitiva
de Feola sobre o assunto, o supervisor deixa entrever que a escolha de Gradim é virtual. Isso, todavia, ficará
perfeitamente esclarecido, ao que tudo indica na reunião que o Conselho Técnico de Futebol da CBD efetuará
segunda-feira”.
331

selecionados para participarem dos Jogos Olímpicos879 e sobre os convocados era


indicado que “[...] alguns jogadores que de amadores têm apenas a situação legal.
Integrantes que são de quadros da 1.a Divisão de Profissionais”880. Essa informação
revelava um dado importante sobre a condição dos jogadores brasileiros. Se diante
da derrota as justificativas versavam sobre a condição amadora dos brasileiros que
tinham pouca experiência ante os atletas, especialmente da Cortina de Ferro,
considerados como profissionais, a condição dos atletas brasileiros, de muitos deles
sendo de clubes da primeira divisão, não diferia dos atletas ditos como “falsos
profissionais”. De qualquer modo, é preciso ressaltar que embora estivessem nos
clubes brasileiros da primeira divisão nem todos eram titulares de suas equipes.
Para o torneio de futebol dos Jogos Olímpicos houve 50 inscrições
de países interessados em participar. Devido a essa grande procura, a FIFA
organizou um torneio pré-olímpico a fim de selecionar as 16 seleções. Foram
divididos em 20 grupos com as seleções pertencentes a um mesmo continente (os
grupos possuíam duas ou três seleções). Os vencedores dos sete grupos europeus
estavam automaticamente classificados juntamente com a Itália, por ser o país-sede.
Os demais países teriam que jogar partidas extras. O sistema de disputa sugerido
pela FIFA foi de duas partidas (em casa e fora), mas caso as seleções entrassem
em um acordo poderiam jogar apenas uma partida. Nessa divisão dos grupos, o
Brasil jogou contra a Colômbia (grupo 7); a Argentina contra o Chile (grupo 8) e o
Uruguai contra o Peru (grupo 9)881. Carlos Alberto assim recordou-se do Pré-
Olímpico disputado pelo Brasil:

Aqui da América do Sul só podiam ir três. O Comitê Olímpico


Internacional disse: façam os torneios vocês aí e apareçam com três.
Então, como é que foi: só da América do Sul são 10 países, mas aí
tinha que meter México, Estados Unidos, Canadá, os do Caribe,
então, o que aconteceu? Eles puseram vários jogos sorteados, e que
você tinha que ganhar os dois jogos, lá e cá, aí já ficava para o
grande torneio. Por exemplo, o Brasil tinha que ganhar da Colômbia.

879
Olimpiada: convocados os jogadores. O Estado de S. Paulo, 3 de dezembro de 1959, p. 16. Na relação dos
40 convocados já estavam na lista: os goleiros Carlos Alberto (Portuguesa de Desportos) e Edmar (Flamengo); e
um jogador que anos mais tarde se tornou um grande ídolo no Palmeiras, Ademir [da Guia] (Bangu), mas que
não foi convocado para os Jogos Olímpicos.
880
1960, Seleção e Esther. O Estado de S. Paulo, 3 de dezembro de 1959, p. 17.
881
Bulletin du Comité International Olympique, n. 67, agosto de 1959, p. 62. In the 1960 olympic football
tournament a selection of 16 will be made out of 50 entries.
332

Antes da realização desse jogo contra a Colômbia, mais


questionamentos foram feitos em torno da participação brasileira. A preocupação
apareceu com a desclassificação dos campeões olímpicos de 1956, a União
Soviética, que fora eliminada pela Bulgária. No jogo de espelhos entre os Jogos
Olímpicos e a Copa do Mundo ficava o alerta para a seleção brasileira, pois se os
soviéticos haviam sido desclassificados, por extensão, isso poderia acontecer
também com os campeões do mundo. Essa comparação era feita quando se
analisava a preparação da seleção brasileira de amadores: “E o que foi feito até
agora, no preparo dessa seleção? Nada, absolutamente nada. Nem sequer indicado
o técnico. Não será aborrecido, para nós, reabilitar o futebol colombiano, como
reabilitamos o norte-americano?"882.
Carlos Alberto pontuou essa reabilitação: “O Brasil foi jogar lá em
Bogotá, perdemos o jogo. Acho que nunca perdeu o Brasil pra Colômbia, mas tudo
bem”. Diante de 45 mil torcedores, os colombianos venceram o Brasil por dois a
zero883. De acordo com Carlos Alberto, o jogo de volta não deixou dúvidas de que a
derrota havia sido um acidente de percurso, pois “Quando chegou no Maracanã, nós
ganhamos de sete e é claro, classificou o Brasil, mas você tirou um pra grande final,
pro grande torneio, vamos chamar”.
Apesar da vitória, especialmente a imprensa carioca fez críticas ao
modo como o Brasil jogou884. João Havelange, então presidente da CBD, “declarou
que para os proximos jogos da seleção olimpica do Brasil será procedida nova
convocação de jogadores. Disse que varios elementos de São Paulo deverão ser
chamados a integrar o novo selecionado”885. Apesar da vitória, o Brasil ainda não
estava classificado. Precisaria disputar outras partidas eliminatórias, conforme relata
Carlos Alberto:

Então, neste grande torneio que jogou México e tal, classificou Brasil,
Argentina e Peru. Então, os três que foram às Olimpíadas foram
esses. E aí sim, você já teve o pré-olímpico, 56 a vida já estava

882
Sete dias nos esportes. Folha da Manhã, 27 de setembro de 1959, p. 2. Texto de Aroldo Chiorino e Durlval
Silva. Sobre a derrota para a seleção dos Estados Unidos, mencionada na nota, ela refere-se a única derrota do
Brasil nos Jogos Pan-Americanos de 1959. Nessa ocasião, os norte-americanos venceram os brasileiros por 5 a 3.
883
Derrotada a seleção brasileira. O Estado de S. Paulo, 22 de dezembro de 1959, p. 22; Os amadores
brasileiros foram vencidos em Bogotá. Folha da Manhã, 22 de dezembro de 1959, p. 9.
884
A imprensa do Rio diz que mesmo com 7 a 1 a seleção não convenceu. O Estado de S. Paulo, 29 de
dezembro de 1959, p. 17; O Brasil goleou a Colombia: 7 a 1. Folha da Manhã, 29 de dezembro de 1959, p. 8.
885
Paulistas entrarão. O Estado de S. Paulo, 29 de dezembro de 1959, p. 17.
333

normal na Europa, então, não houve problema nenhum, nós fomos lá


pra Itália pra jogar lá.

Para a fase seguinte classificaram-se o Brasil, Argentina, Peru,


México e Guiana Holandesa886. O acordo entre João Havelange, presidente da CBD,
e o peruano Nicanor Artiagas ficou formalizado que os dois jogos seriam realizados
no Peru. Logo as críticas começaram a ser feitas de que o importante para a CBD
era obter ganhos financeiros com o acordo e que não estava preocupada se o Brasil
se classificaria para os Jogos Olímpicos887.
Para chegar aos Jogos Olímpicos, o Brasil venceu o México888 em
sua primeira partida. No jogo seguinte perdeu para a Argentina e o goleiro Carlos
Alberto foi indicado como um dos responsáveis pela derrota889: “O tecnico Gradim
aceitou a derrota sem qualquer atenuante. Atribuiu o malogro ao nervosismo dos
jogadores e muito especialmente ás falhas do arqueiro Carlos Alberto, que foi o
culpado do primeiro e segundo pontos”890. Em sua narrativa, Carlos Alberto não
abordou esse momento vivido por ele. Na terceira partida o Brasil venceu a Guiana
Holandesa891 e na última foi derrotado pelo Peru892. Ao final do Pentagonal
classificaram-se para os Jogos de Roma a Argentina como campeã, o Peru como
vice e o Brasil como terceiro colocado893.
O próprio técnico Gradim reconheceu que o desempenho do Brasil
foi abaixo do esperado e que deveriam ser tomadas medidas no sentido de

886
Eliminatorias no Peru: datas das partidas. O Estado de S. Paulo, 27 de fevereiro de 1960, p. 14.
887
Sem esquecer do balancete. O Estado de S. Paulo, 23 de fevereiro de 1960, p. 19.
888
2 a 1: o Brasil derrotou o México no pré-olímpico. O Estado de S. Paulo, 20 de abril de 1960, p. 17. “O
Brasil derrotou o México por 2 a 1, em sua estreia no Pentagonal que se realiza nesta capital pelas eliminatorias
dos Jogos Olimpicos de Roma”.
889
Pré-Olimpico: a Argentina venceu o Brasil: 3 a 1. O Estado de S. Paulo, 22 de abril de 1960, p. 20. “A
Argentina derrotou o Brasil por 3 a 1, hoje á noite, na segunda partida da terceira rodada do Pentagonal Pré-
Olimpico”.
890
Falho Carlos Alberto. O Estado de S. Paulo, 23 de abril de 1960, p. 22.
891
4 a 1: o Brasil venceu a Guiana Holandesa. O Estado de S. Paulo, 28 de abril de 1960, p. 19. “A primeira
partida da penultima rodada do Campeonato Pré-Olimpico de Futebol, entre o Brasil e a Guiana Holandesa
começou ás 19 e 35 (hora local) e terminou com a vitoria dos brasileiros, por 4 a 1”; Brasil, 4 Surinã, 1. Folha de
S. Paulo, 28 de abril de 1960, p. 6 – Ilustrada.
892
Final do torneio de Lima: vencido o Brasil. O Estado de S. Paulo, 1º de maio de 1960, p. 31. “Brasil e Peru
encerraram hoje á noite o Pentagonal Pré-Olimpico, com a vitoria do Peru por 2 a 0. [...] A atuação dos
brasileiros não convenceu, principalmente sua defesa, muito falha, sendo a principal causadora de suas derrotas
diante da Argentina e do Peru agora. Os platinos foram os que melhor atuaram, apresentando um jogo rapido,
envolvente e eficiente, seguidos de perto pelos peruanos”; Vencido o Brasil pelo Peru por 2 a 0. Folha de S.
Paulo, 3 de maio de 1960, p. 6 – 2º caderno.
893
Sete dias nos esportes. Outra vez. Folha de S. Paulo, 1º de maio de 1960, p. 2 - Esportes e Turfe. “A
Argentina venceu o torneio pentagonal pré-olimpico em Lima. Mostrou, uma vez mais, que se não é campeã
mundial é, por mais paradoxal que pareça, a líder do futebol sul-americano. Os títulos que os argentinos possuem
dizem isso. E aqui entre nós: não é verdade que os platinos são superiores dos brasileiros nos esportes”.
334

proporcionar um melhor treinamento para os atletas. Entre as críticas apontadas


pelo treinador estava uma mudança de postura dos clubes que, segundo ele,
precisavam “[...] manifestarem mais boa vontade na cessão de jogadores aos
selecionados”. E para possibilitar um maior intercâmbio dos atletas e aprimoramento
técnico, pretendia fazer uma excursão com a seleção brasileira pelo exterior894.
Após a classificação do Brasil, houve uma mudança de técnico: saiu
Gradim e entrou o técnico campeão do Mundo de 1958, Vicente Feola, sob a
justificativa de que pudesse obter êxito nos Jogos Olímpicos e não repetir as más
atuações da seleção brasileira como havia ocorrido em Lima. Mesmo classificado, o
ambiente em torno do futebol continuava de desconfiança. Isso pode ser visto nessa
notícia: “Ficou decidido que a CBD deverá tomar providencias enérgicas, a fim de
que a nossa seleção represente condignamente o renome do futebol nacional em
Roma”895.
No entanto, o próprio técnico Feola não garantia o sucesso da
equipe no torneio de futebol. Em entrevista à AFP, Feola ressaltou que o Brasil tinha
levado para Roma jogadores principiantes, com média de 19 anos, mas ressaltava
que “[...] o que falta aos nossos rapazes em tecnica será suprido por seu
entusiasmo”896.
Para os Jogos Olímpicos, o Brasil ficou no grupo dois junto com as
seleções da Itália, Grã-Bretanha e China Nacionalista. Esta última foi incluída depois
da Coreia do Sul ser desclassificada pelo Comitê Olímpico “[...] por haver agredido
um arbitro britânico, durante uma partida eliminatória com os chineses, em Taipe. O
Comitê Olimpico da FIFA estava integrado por Ottorino Barassi, da Italia; Stanley
Rous, da Grã-Bretanha, e Mikhail Andrejevic, da Iugoslavia”897.
A análise dos adversários do Brasil apontava que a maior dificuldade
seria enfrentar a seleção da casa. Considerava-se que tanto na Itália quanto na Grã-
Bretanha havia uma grande diferença entre o futebol profissional e o amador. Já o
último adversário do grupo não representava grandes dificuldades, pois conforme
dizia o texto, a seleção de Formosa “[...] tampouco poderá aspirar a desempenhar

894
Chegou a pré-olimpica: “é preciso renovar o plantel”. Folha de S. Paulo, 3 de maio de 1960, p. 6 – 2º
caderno.
895
Exibição no Peru. O Estado de S. Paulo, 7 de maio de 1960, p. 19.
896
Feola não garante a vitoria na Olimpiada, mas confia no entusiasmo dos nacionais. Folha de S. Paulo, 21 de
agosto de 1960, p. 2 – Esportes e Turfe.
897
Olimpiada: sorteados os grupos de futebol. O Estado de S. Paulo, 25 de maio de 196, p. 20.
335

um papel destacado, já que a maior ambição de seus jogadores consiste em


participar de um torneio a fim de se aperfeiçoarem”898.

6.3.1 Edmar Japiassu Maia (1960): “O problema do futebol olímpico é


que não é um futebol com jogadores já consagrados”

Edmar foi o goleiro reserva de Carlos Alberto nos Jogos Olímpicos


de Roma. Como Carlos Alberto também participou dos Jogos de 1960, utilizo
elementos das duas entrevistas nesse tópico. Edmar nasceu e passou a infância no
Rio de Janeiro junto com outros dois irmãos. Seu contato com o esporte e,
especialmente, o futebol começou na praia de Copacabana quando sua família
mudou-se para esse bairro.
Tempos depois, junto com outros 10 amigos, foi treinar no
Flamengo. Na chamada para definir as posições dos garotos percebeu que havia
muitos interessados em jogar como zagueiro, meio campo e atacante. Apesar de
gostar de jogar de zagueiro, percebeu a grande concorrência para essa posição e foi
o único a levantar a mão quando chamaram a posição de goleiro. Depois do treino
foi convidado a voltar no fim de semana seguinte e depois foi incorporado ao elenco
infanto-juvenil do clube. Pelo Flamengo chegou até a categoria aspirante que era a
última antes do profissional. Lá teve apenas um contrato de gaveta que, em suas
palavras consistia em assinar um contrato que “não é registrado, não é. A qualquer
época, pode ali e dizer, você tem um contrato, registra o contrato, entendeu. E aí
registra o contrato”. Mas pelo fato de ter um salário razoavelmente bom aceitou essa
condição para fazer parte do grupo.
Depois jogou três anos no Campo Grande e no Olaria. O goleiro
Castilho, que havia feito carreira no Fluminense e jogado pela seleção brasileira
estava no Payssandu de Belém do Pará e o levou para o clube para substituí-lo.
Mas, por conta da saudade da família devido aos três anos de ausência, deixou o
clube (após não ser liberado) e voltou para o Rio, onde foi fazer faculdade de
Educação Física. Ou seja, com 25 anos havia abandonado o futebol. Mesmo tendo
uma carreira curta, de cinco anos, entende que tenha parado no momento certo.

898
Italia, principal adversario. O Estado de S. Paulo, 25 de maio de 1960, p. 20.
336

Sua primeira convocação para a seleção brasileira foi para disputar


os Jogos Pan-Americanos de 1959 realizado em Chicago. “Não fomos campeões,
fomos vice-campeões, porque nós empatamos com a Argentina o final, e eles tinham
um melhor saldo de gols, né, então, nós ficamos com a medalha de prata”. No ano
seguinte aconteceram os Jogos Olímpicos de Roma que naquela época, em sua
opinião, não eram tão badalados como são hoje, porque as informações demoravam
a chegar.
De acordo com Edmar, ele foi aos Jogos Olímpicos pelo fato de ser
amador. Apesar dessa restrição, conforme relatou poderia se questionar a presença
do goleiro Carlos Alberto no grupo já que naquele momento ele era o titular da
Portuguesa, embora Edmar o tenha vinculado ao Vasco. Porém, pelo fato de ser
militar, Carlos Alberto não poderia assinar contrato algum. Segundo Edmar, ele “era
um jogador experiente, acostumado a jogos de primeiro time e então ele foi e eu fui
de reserva dele. Mas foi muito bom, aprendi muito bem, entendeu”. Sobre a equipe
de 1960, Carlos Alberto relatou:

Em 60 eu era o mais velho do grupo porque eu era o único que


jogava no profissional. Já tinha sido jogador no profissional do Vasco
e jogado no time de profissionais da Portuguesa. Em 60 eu era o
único, o resto todo era aspirante, juvenil, porque ainda era aquele
tempo do amador, tem que jogar amador, por isso que jogou o
Gerson. Então, eu não me lembro exatamente os caras que jogaram
em 60, eu tinha que ver na fotografia, que não tá aqui, tá em
Teresópolis.

Além dessa restrição imposta pelo COI, segundo Carlos Alberto, “o


Comitê Olímpico Brasileiro obrigou a ser o amador pelo menos até 60, eu não sei se
em 64, se em 64 houve essa obrigatoriedade, eu acho que foi até 60”.

A entidade máxima [CBD] estuda também uma formula para que os


atletas do futebol amador, atualmente convocados para o
selecionado que disputará os Jogos Pan americanos de Chicago,
não sejam contratados como profissionais, até as Olimpíadas de
Roma, certame em que o Brasil estará representado por uma
seleção de futebol. A C.B.D., entretanto, garantiria o vinculo dos
jogadores aos seus respectivos clubes899.

899
A CBD proibiria a transferencia de jogadores. Os amadores. O Estado de S. Paulo, 14 de agosto de 1956, p.
17.
337

Essa restrição afetou a transição dos jogadores para assinarem


contratos para atuar no time profissional. Embora, muitos deles fossem reservas da
equipe principal não possuíam contratos ou estavam acordados com o clube por
meio do contrato de gaveta. Sendo a competição restrita para os amadores, houve
uma hegemonia de um grupo de países que se tornaram campeões olímpicos
durante esse período. Para Edmar, pelo fato da obrigação de ser amador gerou o
predomínio desses países:

[...] tanto que as equipes, normalmente cê pega as Olimpíadas


passadas, quem vencia, era Rússia, era Hungria, porque eles iam
com o time principal deles, porque eram todos amadores, entendeu,
eram todos amadores, eles iam com o time principal, então aquelas
feras todas do time principal, entendeu, é [...] que faturavam a parte
do futebol das Olimpíadas.

De início, Edmar disse que não estava no grupo que começou a


treinar para os Jogos Olímpicos. Foi chamado para substituir o goleiro Silvio do
Palmeiras que não foi dispensado pelo clube sob alegação de não ter um reserva
para o goleiro Waldir900. Edmar relembrou como foi esse processo:

[...] eu sei que na época era o Carlos Alberto, era eu, tinha um outro
goleiro do [...] do Vasco, chamado Bruno [...] Bruno, e tinha um
goleiro de São Paulo, do Palmeiras, eu acho que chamava-se Silvio,
entendeu, nós quatro convocados, né. Aí no final ficou eu e o Carlos
Alberto, né, mas os quatro, nós inclusive fizemos uma temporada
aqui de uns 20 dias em Volta Redonda, entendeu. Ficamos lá, num
hotel, até treinava por lá, inclusive a gente, é um fato até histórico,
né, eu acho que foi a última seleção que o [...] que o Vicente Feola é
[...] dirigiu.

Para Edmar, a viagem internacional para a Itália não era mais


nenhuma novidade pelo fato de ter participado do Pan-Americano de 1959 quando
naquela oportunidade realizou a sua primeira viagem internacional. Divertiu-se ao
lembrar o modo pelo qual chegaram à Itália, em suas palavras a viagem foi
“tranquila, tranquila, muito embora aqueles caminhões voadores, né, da época
[risos], mas foi tudo tranquilo. Não teve problema não [risos]”. O Brasil iniciou a sua
participação na Itália e o primeiro jogo no torneio olímpico foi assim relembrado por
Cavalheiro:

900
Olimpiada: dia 17 o embarque dos brasileiros. Edmar convocado. O Estado de S. Paulo, 22 de julho de 1960,
p. 15.
338

[...] o Brasil foi jogar contra a Inglaterra e nós na Copa de 60 jogamos


contra a Inglaterra. Tivemos um jogo, um jogo difícil, 4 a 3, não, 4, a
3901, jogo difícil, a gente tava perdendo de 2 a 0 e tal, e aí
conseguimos reagir e tal, e aqui tinham dois jogadores daquela
época, eu e o Gerson, o canhotinha, tinha sido também da Copa de
60, ele era do Fluminense, era, é, não era do Flamengo não, acho
que era do Fluminense, porque ele jogou Fluminense, Flamengo,
Botafogo, eu acho que em 60 ele era do Fluminense.

Depois de tanto tempo que aconteceu a partida, Carlos Alberto ainda


se lembrou do placar e das adversidades da primeira partida contra a Inglaterra.
Pela construção de suas lembranças, a dificuldade foi tamanha que o Brasil teve que
virar o jogo após estar em desvantagem (2 a 0). No primeiro tempo, o jogo terminou
em 1 a 1 e no momento da participação dos Jogos, Gerson era atleta do
Flamengo902. Essas informações fornecidas pelo entrevistado são elucidativas sobre
o modo como a memória é construída. De fato, pouco importa as divergências das
informações, pois conforme ele mesmo relata quando foi entrevistado por um canal
de televisão para falar sobre aquela partida:

Mas então ele veio me entrevistar por causa disso, o que aconteceu
naquele jogo e tal, eu expliquei a minha maneira, é que é difícil
lembrar porque primeiro a idade vai chegando mas, também, é um
jogo atrás do outro, toda semana, pra aqueles anos todos que você
joga, você não é obrigado também a lembrar, embora você possa
lembrar alguns bons momentos e tal, mas em mim não fica, eu acho
aquilo tão natural que vai levando. Mas a entrevista foi por causa
desse jogo do Brasil e o Leo Batista até falou o Carlos Alberto é o
mais olímpico dos goleiros porque é o único que jogou duas Copas
do Mundo, duas Olimpíadas, e vai ser difícil alguém jogar porque
joga e depois cresce, vai ser profissional e tal, vai para um outro
clube. Então, de qualquer maneira, houve, vamos dizer assim,
lembranças, lembrança obrigatória, porque eu não imaginava que
alguém fosse lembrar [...].

Para Edmar, não são tantas as lembranças daqueles Jogos


Olímpicos. Conforme afirmou, nem no jogo em que o Brasil venceu por 5 a 0 ele teve
oportunidade de participar, “porque tinha um número limitado de substituições, né,
então, logicamente o treinador vai [fazer] experiências em outra posição, não vai
fazer numa posição que ele tá bem servido, que já sabe, né”. Pelo fato de ser o

901
4 a 3: o Brasil venceu a seleção da Inglaterra. O Estado de S. Paulo, 27 de agosto de 1960, p. 12; Brasil, 4 vs
Inglaterra, 3 no torneio olimpico de futebol. Folha de S. Paulo, 27 de agosto de 1960, p. 1.
902
Brasil, 4 vs Inglaterra, 3 no torneio olimpico de futebol. Folha de S. Paulo, 27 de agosto de 1960, p. 1.
339

goleiro reserva e de não ter participado de nenhuma partida, Edmar não incorporou
elementos significativos dessa experiência a ponto de marcá-lo como sendo a
participação olímpica algo especial em sua trajetória futebolística. Lembrou-se de
detalhes da derrota, de jogadores da Itália que compunham a seleção anfitriã e teve
muitas dificuldades em lembrar todos os adversários e os placares dos jogos do
Brasil.

Não são muitas não, sinceramente [risos]. Não são muitas


lembranças não, porque a gente saiu nas oitavas de finais, a gente
empatou com a Inglaterra o primeiro jogo, acho que 0 a 0 ou 1 a 1,
foi empate, o segundo jogo nós jogamos com um time lá do [...], não
sei se foi China ou se foi Coreia, uma coisa assim, aí foi uma
batelada, 5 a 0903, uma coisa assim, e o terceiro jogo a gente pegou a
Itália que era dona da casa, entendeu, que tinha um timaço, tinha
inclusive o que eles chamavam [...], tinha o Rivera, era um meia, que
era chamado Bambino D´Oro, entendeu, era o xodó da Itália, fazia
parte da equipe da Itália, né, aí a gente perdeu de 3 a 1904 pra eles,
aí caiu fora, não é, caiu fora do [...], pra nós acabou a Olimpíada, né.

Para o jogo contra a Itália, o selecionado brasileiro poderia conseguir


a vaga para a fase seguinte caso empatasse com a seleção local905. Mas diante da
pressão italiana e da pouca experiência internacional dos atletas brasileiros, o Brasil
chegou a fazer 1 a 0, mas ao final a Itália venceu por 3 a 1 e eliminou o Brasil da
competição, pois naquela época somente o primeiro colocado de cada grupo
passava de fase. Cavalheiro analisou o sistema de disputa do torneio de futebol:

Na Copa de 60 continuava o mata-mata, se não fosse assim a gente


teria se classificado mais. Nós estreamos contra [...], Inglaterra foi o
segundo jogo, contra a China, é, contra a China, em Roma, depois
jogamos contra a Inglaterra em [...], não me lembro a cidade onde foi
não, e perdemos da Itália lá em Firenze, perdemos da Itália que era o
local, levava vantagem, torcida, aquele negócio, sempre atua um
pouquinho.

Já o técnico Feola entendia que a seleção brasileira havia atingido


seu ápice de desempenho na competição e por falta de maiores recursos para
surpreender os adversários acabou derrotada pela seleção da casa. Conforme

903
5 a 0: o Brasil venceu Formosa em futebol. O Estado de S. Paulo, 30 de agosto de 1960, p. 20; O futebol
brasileiro venceu novamente no torneio de Roma. Folha de S. Paulo, 30 de agosto de 1960, p. 9 – 2º caderno.
904
Eliminado o Brasil pela Italia: 3 a 1. O Estado de S. Paulo, 2 de setembro de 1960, p. 21; Brasil derrotado
em futebol e surpresas no atletismo. Folha de S. Paulo, 2 de setembro de 1960, p. 11 - 2º caderno.
905
Um empate hoje com a Italia classificará o Brasil para as semifinais de futebol. Folha de S. Paulo, 1º de
setembro de 1960, p. 7 – 2º caderno.
340

afirmou o técnico: “A equipe nacional fez o que pôde. O rendimento atingiu o máximo
e nenhuma arma secreta ficou reservada para qualquer partida em particular. [...] o
selecionado atuou à altura daquilo que realmente pode”. A crítica que fez foi em
relação à postura de alguns jogadores que viam na figura de Gerson a única
possibilidade de iniciar as ações de maior eficiência da equipe906.
Embora tenha havido uma série de críticas quanto ao desempenho
do Brasil em todas as modalidades nesses Jogos Olímpicos, para Edmar não houve
pressão para a seleção brasileira conquistar alguma medalha em Roma.

Não, não, não, não, não, realmente não havia nada disso, foi uma
coisa normal, ah tem que ganhar não sei o quê, não. Isso já foi agora
depois que o Brasil começou a conquistar a Copa do Mundo, essas
coisas, aí que passou a haver pressão também sobre os times
olímpicos, né, ah não tem na Olimpíada, tem que ganhar, que não
sei o que, mas agora entrou jogador profissional, já pode ter um
número, né, até [...] até uma certa idade, não é, então a pressão é
maior pela falta desse título.

Essas mudanças também foram observadas por Carlos Alberto


quando, recentemente, o futebol introduziu o limite de idade. Para ele, as mudanças
tal qual indicou Edmar ao analisar o meio de transporte da época aconteceram
também no futebol, em suas palavras tudo havia mudado e o futebol como parte
desse todo também passou pelas mudanças: “O futebol é todo profissionalizado,
embora existam nos clubes as divisões amadoras, que é o início da
profissionalização, porém, de qualquer forma o futebol mudou, hoje é todo
profissionalizado”.
Apesar de ter participado do Pan-Americano de 1959 e dos Jogos
Olímpicos de 1960, Edmar não esperava ser convocado para a Copa de 1962 pelo
fato de ter acabado de sair da equipe juvenil. Sobre as possíveis convocações
analisou que hoje não teria espaço nos clubes por ser “[...] uma pessoa baixa pra
posição, existe [...] cê vê goleiros de 1,90 por aí, pô, né, então já era uma pessoa
baixa, é que realmente, modéstia a parte, eu tinha algum talento, eu era muito
tranquilo, entendeu”.
Em sua análise o problema do futebol olímpico é a ausência dos
atletas consagrados. Algo que não acontece com a Copa do Mundo. De certa forma,
906
Feola: “O Brasil fez o que pôde”. Folha de S. Paulo, 3 de setembro de 1960, p. 8 – 2º caderno. Nessa notícia,
o jornal destacava o potencial do jogador Gerson: “(sem dúvida um craque em potencial e de qualidades naturais
elevadas)”.
341

quando a FIFA anunciou a criação de sua competição para amadores e profissionais


como forma de contrapor a determinação do COI, esses conflitos pelo poder do
futebol colocaram o COI de um lado e a FIFA de outro. Atualmente é a FIFA que
impõe restrições quanto à participação dos atletas no futebol olímpico gerando duas
competições distintas. É como se, anos depois, os parâmetros do debate se
modificaram, mas a lógica das restrições, por motivos bem diferentes daqueles anos
de formação do movimento olímpico, ainda estão presentes.

O problema do futebol olímpico é que não é um futebol é [...] todo


com jogadores já consagrados, né, e futebol de Copa do Mundo não,
você pega os melhores que tem ali e leva, em Olimpíada não, você
não pode pegar os melhores, cê pega [...] cê pega alguns bons, não
é, pra montar um time, mas não é o mesmo time que vai pra Copa do
Mundo, é como eu te falei, os times da Cortina de Ferro,
antigamente, eles pegavam o time principal deles que disputava a
Copa do Mundo e iam jogar Olimpíada, não é, então, era o mesmo
time, então a distância era muito grande deles pra nós, né. Então, eu
não [...] eu acho que realmente a Copa do Mundo você tem
realmente os melhores, Olimpíada não, você tem bons jogadores,
tem um time bom, mas não são os melhores, né, até por uma
questão de preservação.

Se houvesse essa divisão, nos anos 60, que atualmente impede


grande parte dos atletas consagrados de participarem dos Jogos Olímpicos,
dificilmente Edmar teria participado do torneio de futebol. Embora fosse um jogador
que participou da seleção brasileira, a restrição que limitava a participação aos
amadores permitiu que fizesse parte do grupo. Em suas próprias palavras, mesmo
sendo dedicado ao que fazia as mudanças do futebol e sua profissionalização
fizeram com que a estatura dos goleiros subisse significativamente.
Ao final dos Jogos, no âmbito internacional, foram exaltados os
êxitos financeiros dos Jogos de Roma que terminaram com um lucro líquido de 35
milhões de liras, porém logo chegaram as informações referentes ao déficit que os
Jogos deixaram por conta dos 300 milhões de liras pagos como impostos ao
governo italiano907.

907
O COI prevê um superavit de 35 milhões. O Estado de S. Paulo, 4 de setembro de 1960, p. 35; O deficit da
Olimpiada foi de 110 milhões. O Estado de S. Paulo, 23 de outubro de 1960, p. 36. A notícia do jornal
informava a conversão dos valores. Os 300 milhões de lira correspondiam, na época, a 480 mil dólares ou a 110
milhões de cruzeiros, moeda vigente no país naquele momento.
342

No Brasil, o assunto esportivo daquele momento era sobre os


resultados abaixo do esperado conquistados em Roma908. As duas medalhas de
bronze conquistadas – no basquete masculino e com Manuel dos Santos, nos 100
metros livres da natação – não refletiam a expectativa criada em torno do
desempenho esperado pelos atletas brasileiros e colocavam na pauta do dia uma
série de mudanças909. Entre elas, cogitava-se a extinção do Conselho Nacional de
Desportos (CND), que fora criado pelo então presidente Getúlio Vargas (decreto-lei
n. 3.199 – de 14 de abril de 1941) e era o órgão responsável por estabelecer as
bases dos esportes de todo o país910.
O receio naquele momento era de que fosse trocada apenas a sigla
– havia a sugestão de ser criada a Superintendência Nacional de Desportos e
Ginástica911 -, e as ações continuassem do mesmo jeito. O descontentamento com
as funções do órgão eram inúmeras, mas a crítica central recaía sobre a falta de
fiscalização do esporte profissional e da falta de estímulo para o desenvolvimento do
amadorismo912. Embora fosse apontada uma série de problemas junto ao CND, não
seria nesse momento decretada a extinção do órgão913, fato que ocorreu apenas em
julho de 1993 quando o CND deixou oficialmente de existir914.

908
Inespressivo o balanço do Brasil na Olimpiada. Folha de S. Paulo, 11 de setembro de 1960, p. 1.
909
Discussão sobre o malogro em Roma. O Estado de S. Paulo, 7 de outubro de 1960, p. 19. “Dirigentes,
tecnicos, atletas e jornalistas discutirão amanhã ás 20 horas, na Escola Naval, as causas do malogro da
representação brasileira que participou da ultima Olimpiada. Na mesma reunião serão discutidos os planos para a
Olimpiada de Toquio, em 1964”. Ver também: Dignidade do esporte-1. O Estado de S. Paulo, 31 de dezembro
de 1960, p. 15.
910
Para maiores informações consultar as informações referentes ao CND Disponível em:
<http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=152593>. Acesso em 28/01/2013.
911
Reestruturação administrativa dos esportes. O Estado de S. Paulo, 26 de outubro de 1960, p. 36.
912
O fim do CND. O Estado de S. Paulo, 28 de outubro de 1960, p. 35.
913
Uma notícia indicava uma possível substituição do CND. Ministerio dos Esportes em lugar do CND. O
Estado de S. Paulo, 31 de janeiro de 1961, p. 22. “O sr. Marun Jasbick, consultor-juridico do Conselho
Nacional de Desportos, informou que é pensamento do presidente Janio Quadros extinguir o CND e criar o
Ministério dos Esportes. Entretanto, enquanto não surge a medida presidencial, o coronel Jeronimo Bastos é o
mais indicado para ocupar a presidencia do CND, em substituição ao sr. Paula Ramos”. O Ministério dos
Esportes somente seria criado muitos anos depois, em 1995, durante a presidência de Fernando Henrique
Cardoso (FHC) sob o nome Ministério de Estado Extraordinário do Esporte, tendo como ministro o ex-jogador
Edson Arantes do Nascimento, o Pelé. Em seu segundo mandato, no dia 31 de dezembro de 1998, o presidente
FHC criou o Ministério do Esporte e do Turismo. Em 2003, o presidente Lula separou as duas pastas e criou o
Ministério do Esporte. Disponível em <http://www.esporte.gov.br/institucional/historico.jsp>. Acesso em 8 de
fevereiro de 2013.
914
Consultar lei nº 8.672, de 6 de julho de 1993. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8672.htm>. Acesso em 28 de janeiro de 2013.
343

6.4 A CBD impede a profissionalização dos jogadores pré-


convocados

Há muitos anos que a cada edição dos Jogos Olímpicos era


retomado o debate para definir se o futebol deveria sair ou continuar no programa
olímpico. Os que defendiam a permanência no programa justificavam por meio do
argumento da tradição olímpica pelo fato desse esporte ser uma das modalidades
mais antigas dos Jogos. Os que defendiam a sua retirada argumentavam que havia
muitos falsos amadores que burlavam as restrições impostas pelo COI915.
Apesar dos questionamentos, para o torneio de futebol houve 84
inscrições de países interessados em enviar a sua seleção e sete países não
puderam se inscrever, sendo seis deles por não serem membros do COI e a
Austrália que estava suspensa pela entidade.
No plano organizacional do futebol brasileiro para os Jogos, com
vistas a ter atletas amadores à disposição, a CBD tomou algumas medidas por meio
de seu presidente João Havelange que “já enviou às federações filiadas portaria
proibindo o registro, como profissionais, dos amadores requisitados [...]”. Isso porque
o Flamengo queria registrar como profissional o atleta Paulo Henrique que estava
convocado para a seleção brasileira para disputar o pré-olímpico916. Caso a CBD
permitisse o registro como profissional, o atleta estaria impedido de disputar o pré-
olímpico e os Jogos Olímpicos devido à restrição do COI em relação dos atletas
profissionais participarem desses eventos.
A princípio a CBD se reuniu para discutir qual seria a melhor forma
de disputa para selecionar as duas seleções da América do Sul, entre as sete que
se inscreveram (Argentina, Brasil, Chile, Equador, Peru, Uruguai e Paraguai ou
Colômbia), para que fosse informado à Confederação Sul-Americana de Futebol
quais seleções iriam aos Jogos de Tóquio917. Diante do número de inscritos
precisaram ser feitos jogos eliminatórios, e o Brasil jogaria contra o vencedor de
Chile e Colômbia918, mas ficou estabelecido que a primeira partida fosse contra os
chilenos e haveria jogos contra as demais seleções sul-americanas919.

915
Sete dias nos esportes. Futebol na Olimpiada é a luta de sempre. Folha de S. Paulo, 15 de março de 1964, p.
3 – economia e esportes. Texto de Aroldo Chiorino e Durval Silva.
916
Flamengo não pode contratar Paulo Henrique. O Estado de S. Paulo, 18 de março de 1964, p. 15.
917
Olimpíada: a CBD trata da eliminatória. O Estado de S. Paulo, 20 de fevereiro de 1963, p. 14.
918
Olimpíada: 16 quadros vão jogar em Tóquio. O Estado de S. Paulo, 23 de janeiro de 1963, p. 15.
919
Brasil estreia contra o Chile na eliminatória. O Estado de S. Paulo, 11 de março de 1964, p. 14.
344

Antes do início do pré-olímpico, a seleção fez alguns amistosos e


dias antes de embarcar para Lima, cidade que sediou o torneio classificatório, os
amadores foram derrotados por 3 a 2 pelo São Cristovão. Tal fato colocou em
questionamento as qualidades dos atletas e dessa seleção que buscaria uma vaga
nos Jogos Olímpicos920.
Com a vitória a Argentina classificou-se para os Jogos de Tóquio e
houve uma reunião entre os países que disputavam o torneio pré-olímpico para
decidir como seria disputada a segunda vaga921 e chegaram à conclusão “[...] que a
outra vaga seria do Brasil ou do Peru, a ser decidida num jogo fora de Lima”922. A
vaga brasileira para participar do torneio de futebol olímpico foi conquistada após
vencer o Peru por 4 a 0 no Maracanã923.
Mesmo após a classificação para os Jogos Olímpicos, o secretário-
geral do COB, Reis Carneiro, entendia que o futebol tinha poucas chances no
torneio de Tóquio pelo fato de ter se apresentado mal no jogo em Lima924. A
oscilação do desempenho da equipe brasileira gerava uma série de incertezas sobre
a atuação que a seleção poderia ter nos Jogos Olímpicos. Se por um lado, a equipe
brasileira poderia ficar desanimada com a derrota por 3 a 2 para o Botafogo925, a
vitória sobre os argentinos por 3 a 0 poderia ter o efeito contrário proporcionando
confiança aos atletas brasileiros926. Associado a essas incertezas e oscilações havia

920
Seleção fraca. O Estado de S. Paulo, 3 de maio de 1964, p. 28.
921
Esse torneio pré-olímpico ficou marcado por uma tragédia no jogo entre Peru e Argentina. Os argentinos
venciam a partida por 1 a 0 quando o Peru teve um gol anulado pelo árbitro uruguaio Angel Eduardo Pazos.
Diante da anulação, um torcedor peruano entrou em campo para bater no árbitro, mas foi parado com um chute
recebido de um policial. Essa ação do policial gerou uma reação da torcida que começou a quebrar o alambrado
e invadir o campo para bater no árbitro e nos jogadores argentinos. A polícia revidou com bombas de gás
lacrimogêneo e com o uso de cães enquanto os torcedores responderam com pedras e garrafas. Na tentativa dos
torcedores escaparem do gás lacrimogêneo houve pânico e o resultado foram 315 mortos e mais de 800 feridos
no incidente. Consultar: Pontapé de polícia em torcedor foi início da guerra dentro de campo. Jornal do Brasil,
26 de maio de 1964, p. 15. Disponível em
<http://news.google.com/newspapers?nid=0qX8s2k1IRwC&dat=19640526&printsec=frontpage&hl=pt-BR>.
Acesso em 15 de fevereiro de 2013; Incidentes no estádio de Lima: 300 mortes. O Estado de S. Paulo, 26 de
maio de 1964, p. 1; Tragedia de Lima: asfixia matou 90% e Para Argentina tragédia de Lima é inconcebivel.
Folha de S. Paulo, 26 de maio de 1964, s/p - 2º caderno. Consultar também: Peru recorda tragédia de 1964. O
Estado de S. Paulo, 27 de maio de 1984, p. 35.
922
Brasil vs Peru será dia 7, no Maracanã. O Estado de S. Paulo, 26 de maio de 1964, p. 20; Brasil e Peru
acertam disputar dia 7 no Rio 2a. vaga às Olimpíadas. Jornal do Brasil, 26 de maio de 1964, p. 15 – 1º.
Caderno.
923
O Brasil venceu e vai a Tóquio. O Estado de S. Paulo, 9 de junho de 1964, p. 20; Goleada no Peru leva o
Brasil aos Jogos. Folha de S. Paulo, 8 de junho de 1964, p. 11 – ilustrada.
924
Futebol. O Estado de S. Paulo, 19 de junho de 1964, p. 13.
925
O Botafogo derrotou os olímpicos. O Estado de S. Paulo, 3 de setembro de 1964, p. 18.
926
Olimpicos do Brasil batem os argentinos. O Estado de S. Paulo, 8 de setembro de 1964, p. 23.
345

ainda a ansiedade dos jogadores pela indicação de dois atletas que seriam cortados
para se chegar ao número permitido de inscritos927.
Antes do início da competição de futebol existia a expectativa desse
torneio “[...] ser um dos mais interessantes desde a guerra”928. A Argentina (prata em
1928) e o Uruguai (ouro em 1924 e 1928) eram apontadas como favoritas dentro do
contexto olímpico pelo fato de terem juntos três medalhas929, mas as reais chances
dos representantes da América do Sul, Brasil e Argentina, eram pequenas pelo fato
de possuírem um time, segundo o chefe da delegação do Peru, Torolina, composto
por “verdadeiros amadores” enquanto alguns países incluíam em seus quadros os
profissionais930.

6.4.1 Humberto André Rêdes Filho (1964): “A seleção adulta é a


principal e a seleção olímpica vai ser sempre um espetáculo
menor”

Humberto nasceu no Rio de Janeiro, no Engenho de Dentro e tem


dois irmãos, sendo ele o do meio. Quando os pais se separaram foi para um
internato no Instituto São Vicente de Paula no Rio de Janeiro e depois no antigo
ginásio estudou em Niterói no colégio São José. Como estudava integralmente
começou a praticar esportes no colégio, especialmente a jogar futebol. Com 14
anos, levado pelo pai que era um grande incentivador, foi fazer um teste no Vasco
da Gama e fez cinco gols no treino. Durante o ano seguinte dividiu seu tempo entre
o clube e a escola pelo fato de, naquela época, os treinos do infanto-juvenil
acontecerem de duas a três vezes por semana. Isso durou até que o técnico do time
profissional do Vasco, Paulo Amaral, mudou o horário do treino e não pôde continuar
no clube. Depois foi para o América, onde afirmou não ter jogado bem, até chegar
ao Botafogo após fazer três gols em um treino e virar o jogo em que perdiam de 2 a
0 para 3 a 2.

927
Adiado para hoje o corte dos olímpicos. O Estado de S. Paulo, 10 de setembro de 1964, p. 21.
928
Futebol. O Estado de S. Paulo, 10 de outubro de 1964, p. 13.
929
De forma equivocada o texto do jornal informa: “A Argentina e o Uruguai ganharam três medalhas de ouro
no futebol nas Olimpíadas realisadas na decada de vinte [...]”. Futebol. O Estado de S. Paulo, 10 de outubro de
1964, p. 13.
930
Futebol. O Estado de S. Paulo, 10 de outubro de 1964, p. 13.
346

Disputou os Jogos Olímpicos de 64 e ao retornar ao Botafogo jogou


pelos aspirantes. Logo começou a ser escalado como reserva do time profissional,
mas o clube quis que retornasse para o juvenil para tentar o pentacampeonato da
categoria. Retornou ao profissional somente em 66. Nesse período entrou no curso
universitário de Estatística, que frequentou por apenas um ano, optando depois pelo
curso de Administração de Empresas (de 67 a 70), ambos na UFRJ. Atuou também
pelo Náutico, Olaria, Flamengo e Bonsucesso. O motivo pelo qual foi emprestado
pelo Botafogo para o Olaria, segundo Rêdes, é que aconteceram:

[...] problemas com a diretoria do Botafogo, tinha uma época do


Botafogo que houve uma coisa com o Afonsinho931 e todo mundo, e
nós fazíamos [...], era um grupo assim de jogadores que faziam
universidade e nós éramos considerados os rebeldes, né, eu acabei,
o Afonsinho foi pro Olaria e acabaram me empurrando pro Olaria. Eu
fiquei no Olaria dois anos, me machuquei lá, disputei um bom
campeonato, tiramos um terceiro lugar no campeonato carioca aqui,
eu machuquei o joelho e operei e fui fazer a recuperação no
Flamengo, que o Zagallo era o treinador, em 72.

Quando estava no Flamengo resolveu fazer faculdade de Educação


Física porque queria ser treinador. Ainda jogou pelo Bonsucesso pelo fato de ser ao
lado da faculdade, mas quando começou a rotina do futebol com as concentrações
resolveu parar de jogar em 73.
Depois de encerrada a carreira trabalhou como auxiliar técnico e
técnico (Botafogo, Olaria, seleção sub-16 do Catar, seleção brasileira sub-17 e
depois como supervisor do Botafogo, América, Fluminense e seleção brasileira),
tendo nesse mesmo período se tornado professor no curso de Educação Física da
UFRJ onde ministra a disciplina de futebol.
Também explicitou que a restrição quanto à participação dos atletas
nos Jogos Olímpicos influencia no interesse do público e da mídia em relação ao
evento, entende que uma seleção com jogadores até 23 anos não possui o mesmo
carisma da seleção principal. Por conta dessa divisão uma seleção fica sendo a
“adulta” e a outra dos “meninos” que, por sua vez, acabam por produzir um
espetáculo menor se comparado aos adultos.
Considerou que o momento do futebol de 1964 era muito diferente
do atual. Naquela época, eles eram jogadores juvenis, pouco conhecidos, ou melhor,

931
Sobre a trajetória de Afonsinho consultar Florenzano (1998).
347

em suas palavras “nós éramos conhecidos porque nos nossos clubes nós já
tínhamos algum prestígio, né, mas não éramos nem como é hoje, né, 64 nem se
fala”.
Sobre o princípio da exclusividade apontado por Havelange,
Humberto também entende que o futebol nos Jogos Olímpicos se torna mais uma
modalidade entre tantas outras enquanto na Copa do Mundo todo o foco é para o
futebol.

Então, eu vejo assim uma distância grande, não quero dizer com isso
que o futebol olímpico ele não tem o seu carisma, eu acho que tem e
é [...], vai estar muito forte, embora você vê a própria FIFA não chega
a dar uma grande ênfase, quis até tirar o futebol dos Jogos
Olímpicos, já tentou várias vezes, pra valorizá-lo mais, porque a FIFA
na verdade é uma empresa, uma entidade privada e ela tem vários
interesses e ela abdicar do poder supremo, porque quando entra
uma olimpíada, embora a FIFA tenha muitas, assim, ingerências, não
é tanto como no campeonato mundial, ela talvez tenha que fazer
algumas exceções, né, em termos do olimpismo e tal. Mas eu ainda
vejo uma separação, daquela época muito mais, vem diminuindo,
pode ser até que diminua, mas eu acho que esse fator enquanto
existir esse fator idade é de jogadores até 23 anos vai ainda limitar
[...].

Para Humberto, as restrições presentes no futebol olímpico podem


ser explicadas por duas vias, que podem ou não se aproximar: a financeira e a
simbólica. Sob o aspecto financeiro, como ele mesmo afirmou os interesses da FIFA
por ser uma entidade privada também passam pela obtenção de lucros; e enquanto
tiver que fazer concessões ao COI quando o futebol estiver nos Jogos Olímpicos, as
restrições vão continuar e, consequentemente, a competição olímpica ficará numa
condição de evento menos importante, já que os principais atletas não estarão
presentes.
Já sob o ponto de vista simbólico, os Jogos Olímpicos acabam por
diluir o foco em torno do futebol pelo fato de ser uma entre tantas outras
modalidades enquanto na Copa do Mundo, as partidas, embora aconteçam em
cidades diferentes, são planejadas para não haver uma sobreposição de horários (a
não ser no último jogo da fase classificatória em que as duas últimas partidas de
cada grupo acontecem ao mesmo tempo) e isso, para Humberto transforma o futebol
nessa competição como algo sagrado.
348

E a coisa sagrada tem uma conotação diferente, né. É uma coisa


onde a gente entra num mundo, né, num mundo que [...], e sai de um
mundo. Agora você vê um vôlei de manhã, que faz parte da mesma
competição que é o futebol, que é o atletismo e tudo, o futebol talvez
já não tá tão diferenciado dos outros esportes, ele se confunde, eu
não sei se tá entendendo, eu tô querendo falar um pouco no aspecto
simbólico da questão.

Humberto lembrou da odisseia da viagem que fizeram para chegar


ao Japão. O voo parou em Paris onde dormiram uma noite, depois seguiram para
Bangkok, Camboja – que estava em Guerra, conforme relembra “tava tudo em
guerra, tanto que quando nós paramos no aeroporto vários aviões de guerra lá
americanos, né, não é, quer dizer, não estava ainda no bojo da guerra, mas era uma
região de conflitos” e Teerã.
Apesar do sacrifício da longa viagem o que estava em jogo era a
realização de um sonho, em suas palavras: “foi uma viagem longa, longa, chegamos
lá, cê imagina na cabeça de um garoto de 19 anos, garoto de 19 anos de quase 50
anos atrás, cê imagina o quê que era o sonho de ir pra uma Olimpíada, ficar numa
Vila Olímpica, uma coisa de sonho [...]”. Para registrar esse sonho Humberto fez o
seu diário de viagem para guardar os detalhes de suas experiências ao defender o
Brasil nos Jogos Olímpicos: “[...] eu me lembro que eu fiz um diário, que eu nunca
mais encontrei esse diário, que foi o meu relato todo da viagem, porque essa viagem
era o Caminho das Índias que eles chamavam [...]”.
Antoninho que havia sido o técnico do Brasil no pré-olímpico montou
a base da seleção que disputaria os Jogos de Tóquio. Segundo Humberto, “a base
da seleção olímpica de 64 a base é Botafogo e Fluminense, [...] que tinham o melhor
trabalho de base na época no Rio de Janeiro”. No entanto, foi substituído por Feola,
que havia sido campeão do Mundo em 1958 e o técnico da seleção olímpica de
1960.
Porém essa troca já era prevista, o então presidente da CBD, João
Havelange: “explicou que o técnico Antoninho não irá a Toquio. Explicou que o
treinador tricolor não é diplomado e que ele e o Fluminense já estavam avisados que
se o Brasil se classificasse para ir a Toquio o selecionado seria dirigido por Feola”932.
Sobre essa seleção que Feola assumiu, Humberto frisou que a inexperiência, pelo
fato de serem muito jovens, foi decisiva para a seleção brasileira. Apesar de apontar

932
Será Feola. O Estado de S. Paulo, 1 de julho de 1964, p. 18.
349

que muitos países europeus tinham jogadores que eram considerados amadores, já
que possuíam uma condição de treinamento igual ao dos profissionais, a própria
seleção brasileira contou com dois atletas que eram da Marinha e jogavam no time
profissional do São Cristovão:

Era uma seleção muito boa, na nossa fase preparatória, nós fomos
muito bem, mas qual era o problema da seleção dessa época? É que
só podia jogar amador, e eram jogadores de equipes juvenis, que
seria os juniores de hoje pela idade, até 20 anos, então, eu tinha 19,
e tinham dois jogadores, o Aladim e o Ivo, o Aladim jogava no São
Cristovão, o Ivo eu não sei se jogava no São Cristovão ou no
Bonsucesso, mas eles como eram da Marinha, eles jogavam no time
do São Cristovão, profissional, então era um reforço, porque eles
podiam, eles eram amadores, né, cê vê como que naquela época a
ética parece que prevalecia, né, eles faziam um [...], não existia essa
coisa de repente contratar um jogador pro Exército pra virar amador,
pra levar numa seleção, então, mas o quê que acontecia lá, a gente
jogava contra equipes da [...], do grupo da União Soviética, né, que
eram os países do Leste Europeu, que eram todos amadores, então,
a Hungria, Tchecoslováquia, Polônia, União Soviética, quase sempre
eles papavam os campeonatos, porque eles jogavam com a mesma
seleção que disputava a Copa do Mundo, praticamente, porque eram
amadores.

Sobre essa condição de ser amador, o próprio Humberto falou que


na prática os atletas brasileiros eram profissionais com contrato de gaveta. Muitas
críticas eram feitas aos países da Cortina de Ferro como nações que, de certa
forma, burlavam as regras do amadorismo impostas pelo COI. O contrato de gaveta,
na prática, colocava os atletas brasileiros numa condição parecida com os países da
Cortina, pois “oficialmente” mantinham a condição de amadores, mas na prática
atuavam como profissionais. Assim Humberto explicou como funcionava o contrato:

[...] você naquela época assinava um contrato e ele não tinha data,
se você fosse pra outro clube, o clube registrava você como
profissional, porque como amador eu podia me transferir pra outro
clube se eu quisesse, eu tinha que cumprir um estágio de um ou dois
anos, não me recordo, acho que eram dois anos. Então, ninguém
mudava de clube, você ficava dois anos, garoto, para jogar, dois
anos, não era legal, mas cê fazia um contrato de gaveta, então eu
tinha um contrato com o Botafogo de gaveta, que era um contrato se
eu saísse do Botafogo [...], depois eu fiz um contrato, quando eu
voltei da Olimpíada, eu fiz um contrato de profissional, foi o meu
primeiro contrato, em 1965, foi em 10 de outubro de 65, meu primeiro
contrato como profissional. Não deixava de ser um amadorismo
marrom, porque eu tinha um contrato só que era de gaveta, porque
ficava dentro da gaveta, era o nome que se dava.
350

A estreia do futebol brasileiro foi contra a República Árabe Unida


(RAU) e a seleção brasileira era apontada como favorita. O técnico Feola tinha uma
dúvida na escalação do ataque brasileiro entre Humberto e Mata. Também apareceu
pela primeira vez o discurso em busca da medalha de ouro: “o futebol do Brasil inicia
amanhã sua campanha, na tentativa de conquistar o único titulo que nos falta em
futebol: o de campeão olimpico”933.
Apesar de a imprensa ter colocado que o Brasil iria em busca da
única medalha que faltava ao futebol, Humberto relatou que, mesmo o país estando
em uma ditadura, não houve pressão por parte do governo para conquistar uma
medalha: “[...] em 64 realmente não houve essa coisa do governo, eu pelo menos
não me lembro de ter essa interferência, eu não me lembro, nós não fomos nos
despedir de ninguém, eu não me lembro disso [...]”. Sobre o golpe militar acontecido
em 1964, Humberto disse que naquele ano esse fato era: “[...], uma coisa muito
embrionária, começando talvez ainda com uma ideia de voltar com a democracia
nessa época [...]” sendo que a repressão ficou intensa após o Ato Institucional
número 5. Apesar de olhar para o passado e fazer inúmeras análises sobre o
período da ditadura, afirmou que passou a ter consciência política quando já estava
na Universidade junto com alguns atletas do Botafogo.
Já a consciência esportiva estava presente desde aquela época já
que tinham clara percepção sobre as possibilidades de conquistar uma medalha e
ressaltou que os atletas sabiam que seria muito difícil conquistá-la.

Tínhamos essa ideia de que a Tchecoslováquia era o time mais


difícil, a gente falava dos times da Cortina de Ferro, que era a
expressão que se usava, é [...], eram times mais difíceis. A nossa
possibilidade de ganhar o campeonato, o torneio era muito difícil e
nós tínhamos consciência disso. Era muito difícil porque trazer a
medalha, nunca ninguém tinha trazido ainda no futebol brasileiro,
acho que até hoje não trouxeram uma medalha olímpica, pelo menos
de ouro, não. Pois é. Naquela época nem se fala, porque éramos
garotos que íamos disputar, como outras equipes também eram de
garotos, né, mas tinham as equipes da Cortina do Leste Europeu, né,
que eram equipes que normalmente ganhavam os campeonatos.

933
Futebol estreia hoje contra seleção da RAU. Folha de S. Paulo, 12 de outubro de 1964, p. 10 – 1º caderno.
351

Na lembrança de Humberto apesar do empate na estreia a seleção


934
jogou bem : “Primeiro jogo nós fomos muito bem, apesar de empatar com o
935
Egito [...], no segundo jogo, empatamos em 1 a 1” e a dúvida que Feola possuía
fez com que ficasse na reserva para a segunda partida: “no segundo jogo [...], ele
me substituiu, botou [...], o Mata”.
O empate contrariou o suposto favoritismo da equipe brasileira antes
da partida. As notícias ressaltavam que o Brasil havia sofrido o gol de empate a um
minuto do término do jogo936. Para o segundo jogo, a expectativa da vitória937 foi
confirmada com a goleada sobre os sul-coreanos938. Para Humberto, a sua saída da
equipe possibilitou ao seu substituto, o jogador Mata, de atuar contra uma equipe
fraca. E suas palavras: “Ele [Mata] jogou o segundo jogo, nós ganhamos de 4 a 0 da
Coreia, que era um time muito fraco, Coreia, cê imagina a Coreia 50 anos atrás,
agora é hoje, tem uma seleção razoável”. A imprensa desconsiderou essa
explicação de Humberto e considerou que a substituição gerou melhorias na equipe,
mas mesmo assim ressaltou que “[...] o ataque brasileiro continua inoperante, apesar
de ter melhorado um pouco com a entrada de Mata no lugar de Humberto”939.
O terceiro e último jogo da primeira fase era considerado a partida
mais difícil que a seleção brasileira enfrentaria no torneio de futebol. Os tchecos
haviam vencido as duas primeiras partidas (6 a 1 contra a Coreia do Sul e 5 a 1
contra a RAU) e já estavam classificados para a próxima fase. Apesar das críticas
que vinham sendo feitas em relação à seleção brasileira, esperava-se uma
classificação para a segunda fase devido às combinações dos resultados serem
muito mais favoráveis para o Brasil. Assim era apontada a última partida:

934
Futebol: Brasil e RAU empataram. O Estado de S. Paulo, 13 de outubro de 1964, p. 23; Brasil empata em
futebol e perde em polo aquatico. Folha de S. Paulo, 12 de outubro de 1964, p. 6 – 2ª edição.
935
Tanto o Boletim Olímpico (Bulletin du Comité International Olympique, n. 89, fevereiro de 1965, p. 49)
quanto os jornais colocam que o Brasil jogou contra a República Arábe Unida (RAU). Já o site da FIFA coloca
as informações como sendo Egito. Disponível em
<http://pt.fifa.com/tournaments/archive/tournament=512/edition=197085/results/index.html>. Acesso em 11 de
fevereiro de 2013.
936
Ataque ineficiente levou time do Brasil ao empate. Folha de S. Paulo, 13 de outubro de 1964, p. 10 – 1º
caderno.
937
Futebol do Brasil busca a reabilitação contra Coréia. Folha de S. Paulo, 14 de outubro de 1964, p. 18 – 3º
caderno.
938
Futebol: Brasil, 4 e Coréia, 0. O Estado de S. Paulo, 15 de outubro de 1964, p. 24; Brasil dá de 4 na Coréia e
joga amanhã contra os tchecos. Folha de S. Paulo, 14 de outubro de 1964, p. 26 – 2ª edição.
939
Brasil goleia a Coréia e joga amanhã com tchecos. Folha de S. Paulo, 15 de outubro de 1964, p. 11 – 3º
caderno.
352

Se vencer ou empatar estará automaticamente classificada para as


quartas de finais, juntamente com a própria Tchecoslovaquia. Se for
derrotada ficará juntamente com a RAU (prevendo que esta vença os
coreanos), prevalecendo, então, o sistema de “goal average”940 que
poderá beneficiar os brasileiros, depois dos 4 a 0, de ontem contra a
Coréia941.

Se antes do jogo, as possíveis combinações favoreciam o Brasil


após a derrota para a Tchecoslováquia e a surpreendente vitória da RAU por 10 a 0
(o primeiro tempo havia terminado 3 a 0) sobre a Coreia do Sul, os números
indicavam que o Brasil estava eliminado do futebol olímpico. As críticas mudaram de
tom e reconheciam o empenho da seleção brasileira mesmo com a eliminação que
foi considerada “[...] um verdadeiro golpe para os jogadores do Brasil, que vinham
crescendo de produção de jogo para jogo e que poderiam ter chegado até mesmo à
disputa final”942.
Para Humberto, essa derrota e a consequente desclassificação do
Brasil do torneio de futebol foi muito parecida com o que aconteceu na Copa do
Mundo de 1978. Segundo ele:

[...] veio o jogo contra a Tchecoslováquia, eu não sei se você sabe de


um fato que o próprio João Havelange fala dessa competição, cê
lembra, não sei se você ouviu falar, a Copa de 78 no Peru, foi na
Argentina, que teve aquele jogo Argentina e Peru, que dizem que o
Peru deu a vitória de 6 a 0 pra Argentina e que o Havelange citava
1964 como acontecendo uma coisa idêntica, mas que ele não tinha
nenhuma prova pra acionar, né. Ele dizia assim: “se o Peru perdeu
de propósito pra Argentina, a gente pode pensar que sim, mas eu
não tenho nenhuma prova, como é que eu vou tomar uma
providência”, aí ele citava 64, o que aconteceu em 64, a gente podia
perder, se classificavam dois, era um grupo de quatro, nós podíamos
perder o jogo pra Tchecoslováquia, que era um time muito forte, era
um time que tinha jogadores que disputaram a seleção de 62, e foi
um jogo muito duro, 0 a 0. A gente perdendo de 1 a 0, o Egito tinha
que ganhar da Coreia, uma diferença de 11 gols, e o jogo tá correndo
nosso, e a gente tá vendo o placar do estádio, que eles colocavam e
tava lá, Egito 3 a 0, a Coreia faz um gol [...]943, a Tchecoslováquia faz

940
O próprio jornal atualizou a informação sobre os critérios de desempate: “O maior azar do Brasil foi a decisão
anterior do Congresso dos XVIII Jogos Olimpicos, segundo a qual a classificação seria feita não pelo sistema de
‘goal-avarage’, mas pela diferença de gols”. Com RAU dando de 10 até Brasil cai fora. Folha de S. Paulo, 17 de
outubro de 1964, p. 10 – 1º caderno.
941
Brasil vs Tchecoslovaquia. Folha de S. Paulo, 15 de outubro de 1964, p. 10 – 3º caderno.
942
Futebol brasileiro eliminado dos Jogos Olímpicos de Tóquio. O Estado de S. Paulo, 17 de outubro de 1964,
p. 15; Com RAU dando de 10 até Brasil cai fora. Folha de S. Paulo, 17 de outubro de 1964, p. 10 – 1º caderno.
943
A Coreia perdeu por 10 a 0.
353

um gol faltando assim poucos minutos pra acabar o jogo944, foi muito
chato porque o empate nos classificava, independente do resultado
do Egito. Aí nós nos abraçamos, quer dizer, tamos classificado pra
segunda fase, aí vem o resultado do jogo, eu não me lembro se foi
12 a 1 ou 12 a 0, Coreia, entendeu. Então foi assim uma coisa, uma
decepção que eu senti, porque nós tínhamos um time muito bom e
poderíamos até disputar o título apesar de naquela época ninguém
levava o título a não ser essas equipes, né, a Hungria sempre
ganhava, era a Hungria, era a União Soviética, bom aí voltamos pra
casa.

Se fosse realmente comprovada essa situação de acordo de


resultados para beneficiar uma seleção o lema do fair play tão valorizado pelo
movimento olímpico seria amplamente questionado. Entre as inúmeras restrições
impostas aos atletas sob o lema do amadorismo, desde o início havia a preocupação
em impedir qualquer ação desse tipo. No entanto, a ausência do debate nos Boletins
Olímpicos sobre essa partida poderia revelar certa miopia do COI ao analisar um
fato que poderia comprometer os princípios dos Jogos Olímpicos.
O balanço de desempenho da seleção no torneio olímpico foi feito,
de maneira breve, por Feola: “tudo correu bem, e pudemos aproveitar a lição de
Toquio. O futebol brasileiro portou-se bem”945.
Após os Jogos Olímpicos Humberto deixou de ser convocado para a
seleção brasileira pelo fato de não ser o titular do Botafogo. Entrava somente
quando algum titular se machucava.

6.5 O Brasil consegue a classificação no futebol, mas os


problemas estruturais do esporte amador no país continuam

Os 10 países sul-americanos foram divididos em dois grupos para a


disputa das eliminatórias para os Jogos Olímpicos do México946. Os dois primeiros

944
Com RAU dando de 10 até Brasil cai fora. Folha de S. Paulo, 17 de outubro de 1964, p. 10 – 1º caderno. “Os
adversarios do Brasil realizaram boa exibição, contudo, e acabaram por marcar o tento que lhes daria a vitoria
aos 32 minutos do 2º. Tempo, por intermedio de Valosck”.
945
Olímpicos chegaram: Feola falou pouco. O Estado de S. Paulo, 30 de outubro de 1964, p. 15.
946
Newsletter, n. 4, janeiro de 1968, p. 29. Comité international olympique. Football- pre-olympic football
tournament.- programme. South America.
354

de cada grupo se classificavam para uma fase final e os vencedores desse confronto
iriam disputar os Jogos Olímpicos947.
Na primeira partida do pré-olímpico Brasil empatou sem gols com o
Paraguai e algumas críticas ao modo de jogar da seleção começou a aparecer
quando os brasileiros foram classificados como lentos948. O que estava por trás
desses discursos era a desconfiança vista nas edições anteriores, especialmente,
sobre as qualidades dos jogadores brasileiros, mas que foram substituídas por certo
otimismo frente à possibilidade de classificação da seleção nacional para o torneio
de futebol após a vitória contra a Venezuela por 3 a 0949. O discurso da imprensa
também oscilava de acordo com o desempenho da seleção em campo.
A classificação brasileira para a segunda fase confirmou-se após o
empate sem gols contra o Chile. Ao final da primeira fase classificaram-se Paraguai
(1º grupo A) e Brasil (2º grupo A); Colômbia (1º grupo B) e Uruguai (2º grupo B).
Nessa nova fase, somente os dois primeiros colocados se classificariam para os
Jogos Olímpicos do México em um sistema de disputa de todos contra todos950.
A derrota por 2 a 1 para o Uruguai gerou uma série de reclamações
por parte da delegação brasileira sob alegação de que a seleção nacional fora
prejudicada951. No jogo seguinte contra o Paraguai quando a partida caminhava para
o final, o Brasil teve um pênalti marcado a seu favor (aos 36 minutos do segundo
tempo) quando imediatamente “[...] os suplentes invadiram o campo causando o
abandono do juiz que considerou não ter garantias suficientes para a continuação do
encontro”952. Lauro, atacante da seleção brasileira, relatou de uma forma diferente o
incidente:

[...] enfrentamos novamente o Paraguai, numa partida que teve um


final muito engraçado. Faltavam 7 minutos para terminar o jôgo e o
resultado permanecia 0 a 0. Houve um penalti legítimo contra os
paraguaios, marcado pelo juiz. Porém, os paraguaios não aceitaram
a marcação do pênalti, sentando-se sob a linha de meta, para não
permitir a sua cobrança. Não adiantaram os conselhos de todos os
responsaveis pelo torneio para que os paraguaios concordassem

947
FIFA elabora tabela do Torneio Pré-Olímpico. Folha de S. Paulo, 10 de novembro de 1967, p. 6 – 2º
caderno.
948
Pré do Brasil empata a primeira. O Estado de S. Paulo, 20 de março de 1968, p. 15.
949
Brasil precisa só do empate. O Estado de S. Paulo, 26 de março de 1968, p. 22.
950
Brasil estreará contra Uruguai. O Estado de S. Paulo, 29 de março de 1968, p. 15.
951
Pré-olímpicos perdem 1a. da final. O Estado de S. Paulo, 2 de abril de 1968, p. 27.
952
Brasil ganha o jôgo no tribunal. O Estado de S. Paulo, 7 de abril de 1968, p. 44.
355

com a cobrança do penalti e desta forma, o juiz foi obrigado o [a]


desclassificá-los e dar aos brasileiros os 2 pontos953.

O árbitro mesmo procurado pelo presidente da Federação Paraguaia


de Futebol, Roberto Alfieri, para retornar e autorizar a cobrança do pênalti não voltou
para o final da partida954. A vitória foi decretada ao Brasil955. Com os resultados
conseguidos até então nessa fase final, o Brasil ainda não estava classificado.
Precisava vencer seu último adversário, a Colômbia, para garantir uma das duas
vagas disponíveis. A classificação para os Jogos Olímpicos do México foi
conseguida após vencer os colombianos por 3 a 0956.
Após conquistar em campo o direito de participar do futebol nos
Jogos Olímpicos, os brasileiros ainda precisavam do aval do COB e do CND. O
presidente do COB, Sylvio Padilha, afirmou que a seleção havia cumprido os
requisitos da entidade que tinha estabelecido como meta: conquistar o título sul-
americano957. O CND ressaltava que esperava que a seleção fosse a mesma que
havia conquistado o título do torneio pré-olímpico e que poderia haver melhorias no
preparo físico e técnico dos jogadores. Por fim, Padilha ainda reforçou que a seleção
amadora teria que obedecer a portaria do CND que impedia a presença de
jogadores profissionais até a realização dos Jogos”958. Essa regra foi válida para os
atletas convocados enquanto os dispensados poderiam se profissionalizar959.
Em relação à participação brasileira nos demais esportes, em
entrevista à imprensa, Padilha não mostrava otimismo por um bom desempenho
brasileiro, embora ressaltasse que o país somente levaria atletas que poderiam, de
fato, competir com os principais atletas do mundo. A falta de organização e
planejamento de outras edições foram novamente confirmadas pelo próprio
presidente960.
Apesar do baixo desempenho conquistado em Tóquio 1964, Padilha
considerava que, embora o quadro do esporte amador fosse alarmante os

953
Os olímpicos confiam em Aimoré. O Estado de S. Paulo, 1º de agosto de 1968, p. 24.
954
Paraguai tumultua e perde o jôgo. O Estado de S. Paulo, 6 de abril de 1968, p. 16.
955
Brasil ganha o jôgo no tribunal. O Estado de S. Paulo, 7 de abril de 1968, p. 44.
956
Futebol do Brasil classificado para a Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 10 de abril de 1968, p. 19.
957
Assegurada a ida do futebol. O Estado de S. Paulo, 16 de abril de 1968, p. 25. Ver também: Olimpiada:
futebol é incerto. Folha de S. Paulo, 11 de abril de 1968, p. 7 – 2º caderno.
958
Assegurada a ida do futebol. O Estado de S. Paulo, 16 de abril de 1968, p. 25.
959
Seleção ainda teme os cortes. Folha de S. Paulo, 30 de janeiro de 1968, p. 15 – 1º caderno.
960
Padilha explica a posição do Comitê. O Estado de S. Paulo, 28 de julho de 1968, p. 38.
356

resultados haviam sido bons961. Por fim mostrou descontentamento com as


cobranças feitas pelo governo federal para apurar o desempenho pífio dos atletas
brasileiros e ainda fez críticas ao governo:

Respondemos energicamente a todas as criticas mostrando os erros


da nossa infra-estrutura esportiva e demonstrando que o culpado era
o proprio governo, pelo seu descaso em relação ao esporte amador,
á falta de esporte nas escolas ou ainda, á inexistência sequer de
uma praça esportiva nas universidades. Fizemos ver que nos demais
países a base da formação das equipes é nas escolas e sugerimos
um plano a ser desenvolvido, dando as soluções para que
tivéssemos, de futuro, melhores representações. Quatro anos são
passados e nenhuma providencia foi tomada, continuando a situação
como antes962.

Em meio às críticas proferidas pelo presidente do COB que


evidenciavam publicamente os problemas estruturais do esporte brasileiro, outra
crise estava prestes a estourar na CBD com a possibilidade da saída do técnico
Aimoré Moreira da seleção profissional, mas que era também responsável pela
seleção olímpica embora Antoninho tivesse sido o técnico que classificou o Brasil
para o torneio de futebol olímpico963. De qualquer forma, Antoninho não poderia ser
o técnico da seleção brasileira nos Jogos Olímpicos pelo fato do COI exigir que o
técnico tivesse um diploma964, o que não era o caso de Antoninho965. Por conta
dessa situação, Aimoré seria o técnico, porém recebeu um convite para dirigir o
Corinthians.
A notícia deixou Havelange, presidente da CBD, preocupado sobre
os rumos que o futebol teria que tomar com a saída de Aimoré. Segundo Havelange,
Aimoré era o “[...] responsável pelas seleções, sejam elas amadoras ou
profissionais, daí ser necessário na orientação da seleção olímpica, que será
formada no fim do mês de agosto para disputar o torneio no México”966.

961
Padilha explica a posição do Comitê. O Estado de S. Paulo, 28 de julho de 1968, p. 38.
962
Padilha explica a posição do Comitê. O Estado de S. Paulo, 28 de julho de 1968, p. 38.
963
A campanha irregular de Aimoré Moreira como técnico da seleção brasileira profissional, nos amistosos
realizados em 1967 e 1968, gerava uma série de críticas ao treinador. Um de seus defensores, o chefe das
seleções brasileiras, Paulo Machado de Carvalho (CARDOSO e ROCKMANN, 2005).
964
É uma seleção que já teve três técnicos. Folha de S. Paulo, 15 de agosto de 1968, p. 16 – 2º caderno. “Para o
Torneio Eliminatorio, em Bogotá, há alguns meses a seleção foi com Antoninho e mais um tecnico diplomado
que era o preparador físico Jorge Pena. Desta vez, porém, não há lugar para mais um, porque o Comitê Olímpico
Brasileiro só fornece 20 passagens à delegação de futebol: 18 jogadores, o tecnico e o supervisor”.
965
Tecnicos: Antoninho, Aimoré e Marão. Folha de S. Paulo, 15 de agosto de 1968, p. 9 – 2º caderno.
966
Havelange é contra a liberação de Aimoré. O Estado de S. Paulo, 30 de julho de 1968, p. 22.
357

Embora Havelange tenha relacionado a seleção amadora com a


profissional na construção da base da seleção brasileira que disputaria a Copa do
Mundo, ao longo da participação brasileira nessa competição, foram poucos os
atletas que além de defenderem a seleção olímpica conseguiram também chegar à
profissional. O relato de boa parte dos entrevistados apontou que a possibilidade de
fazer parte da seleção considerada a mais importante e, portanto, a principal do país
não era algo concreto na carreira deles pelo fato de serem ainda muito jovens. Mas
na visão de Havelange essas seleções estavam interligadas: “[...] todo o trabalho
para 1970 já foi iniciado há algum tempo e a seleção amadora faz parte dele. Todos
os brasileiros devem pensar em recuperar a taça do mundo e por isto são obrigados
a se interessar por tudo, inclusive pela seleção olímpica [...]”967.
Na seleção da Copa de 1970, havia apenas dois jogadores que
haviam sido olímpicos: o titular Gerson (Roma 1960) e o reserva Roberto Miranda
(Tóquio 1964). Nenhum atleta da seleção olímpica de 1968 fez parte do grupo que
disputou a Copa do Mundo de 1970. Portanto, embora Havelange partisse da
premissa de interligação entre as seleções, na prática ela pouco acontecia.
O presidente do Corinthians, Wadi Helu, cogitava pedir ajuda a
Paulo Machado de Carvalho, então chefe das seleções brasileiras, para convencer
Havelange a liberar Aimoré da obrigação de ser o técnico olímpico do Brasil968. E foi
graças à intervenção de Paulo Machado de Carvalho que Aimoré foi liberado pela
CBD: “[...] graças à interferência de Paulo Machado de Carvalho, que, de sua
residência, telefonou e convenceu João Havelange, presidente da CBD, para liberar
o preparador do selecionado brasileiro”969. Segundo Cardoso e Rockamnn (2005), a
intenção de Paulo Machado de Carvalho ao conseguir a autorização de Havelange
para que Aimoré treinasse o Corinthians era provar aos mais céticos de que o
treinador poderia repetir o bom desempenho da seleção de 1962, quando foi
bicampeã do Mundo no Chile.
Tanto Pedro Fischetti quanto Paulo Machado de Carvalho afirmaram
que a decisão seria tomada por Havelange que, por sua vez, fazia uma única
exigência: “[...] do candidato ser técnico diplomado”970. Para o seu lugar, Aimoré

967
Havelange é contra a liberação de Aimoré. O Estado de S. Paulo, 30 de julho de 1968, p. 22.
968
Aimoré e Corinthians decidem hoje. O Estado de S. Paulo, 31 de julho de 1968, p. 17.
969
Aimoré assina com o Corinthians às 14 horas. O Estado de S. Paulo, 1º de agosto de 1968, p. 25.
970
Aimoré indicará Marão para a seleção. O Estado de S. Paulo, 2 de agosto de 1968, p. 19.
358

Moreira indicou o nome do treinador Mario Celso de Abreu, o Marão, que treinava o
Usipa de Minas Gerais.
A contratação de Marão para ser o técnico do Brasil nos Jogos
Olímpicos do México gerou uma crise no departamento de futebol da CBD971. Dois
diretores de futebol da entidade, Mello Machado e Roberto Osorio pediram demissão
sob a justificativa de que não foram consultados sobre a contratação do novo técnico
da seleção olímpica972. Além deles, Pedro Fischetti que seria o chefe da delegação
do futebol nos Jogos Olímpicos também pediu demissão pelos mesmos motivos dos
outros diretores973.
No torneio de futebol do México, a seleção brasileira era apontada
como uma das favoritas para a conquista da medalha de ouro juntamente com a
Hungria e a Tchecoslováquia que também poderiam alcançar o título974. Porém,
esse favoritismo era indicado como uma simples transferência para a seleção
olímpica do prestígio que a seleção profissional possuía. Contudo, se a CBD tivesse
impedido os atletas da seleção amadora de se profissionalizarem com o objetivo de
ter uma seleção forte nos Jogos Olímpicos poderia ter alguma chance diante dos
países da Cortina de Ferro, sempre apontados como favoritos975 pelo fato de que os
mesmos jogadores que disputavam a Copa do Mundo poderiam participar, porque
em seus países não havia profissionalismo. Essa condição fazia com que a seleção
de amadores desses países tivesse mais experiência e, portanto, fossem
consideradas superiores do que as seleções dos outros países976.

6.5.1 Hamilton Chance Rubio (1968): “o amador sente mais a perda do


que o profissional”

971
CBD indica mineiro Celso. O Estado de S. Paulo, 3 de agosto de 1968, p. 16.
972
Crise impede CBD de fazer tabela. O Estado de S. Paulo, 6 de agosto de 1968, p. 20.
973
Fischetti explica os motivos da demissão. O Estado de S. Paulo, 6 de agosto de 1968, p.20.
974
Embarca a turma olímpica. O Estado de S. Paulo, 26 de setembro de 1968, p. 30.
975
Se por um lado, o favoritismo antecipado da Tchecoslováquia não se concretizou: a equipe perdeu uma
partida (1 a 0 para a Guatemala), empatou uma (2 a 2 com a Bulgária) e venceu uma (8 a 0 contra a Tailândia),
sendo desclassificada ainda na primeira fase, por outro, dois países da Cortina de Ferro chegaram à final:
Bulgária e Hungria. Para a notícia da Tchecoslováquia ver: Outros jogos. O Estado de S. Paulo, 17 de outubro
de 1968, p. 28. Para a da final do torneio de futebol ver: Hungria e Bulgária passam à final de futebol. O Estado
de S. Paulo, 23 de outubro de 1968, p. 17.
976
Como sempre, há poucas esperanças. Futebol tem fama. O Estado de S. Paulo, 26 de setembro de 1968, p.
30.
359

Hamilton começou a jogar futebol na várzea do bairro do Ipiranga no


Atlético do Moinho Velho com cerca de 14 anos. Ao final de um jogo, um senhor
chamado Maurício perguntou se ele queria tentar a sorte em um clube profissional.
Ficou de conversar com o pai para saber se poderia aceitar o convite, pois
trabalhava numa loja de calçados para ajudar nas contas da família. Resolveu
aceitá-lo e foi para o Juventus à procura de Mario Previato que havia sido indicado
pelo senhor Maurício. Soube que naquele mesmo dia haveria uma peneira e aceitou
participar com o treinador do infanto-juvenil, o senhor José Lázaro Robles, o Pinga,
que havia sido jogador do Vasco e da seleção brasileira. A divisão da equipe se deu
do modo tradicional em que o técnico pergunta quem joga em cada posição e
Hamilton não fez parte das duas equipes que começaram a peneira. Depois de uns
15-20 minutos entrou em campo, mas jogou por apenas 15 minutos. Nas palavras de
Hamilton essa rápida atuação era um sinal de que não passaria na peneira:

Falei: ih!!! Ferrou né? Aí ele falou: fica do lá aí você. Aí quando


terminou tudo ele pegou e falou: ó, amanhã você volta que você já
vai começar treinar com os meninos que já estavam inscritos pro
Campeonato Paulista. Eu falei: porra, legal né. Aí foi quando eu voltei
no outro dia né, aí ele pegou e falou: agora você vai treinar no time
reserva.

Logo percebeu que faria parte do grupo que disputaria o


Campeonato Paulista de 1967, mas o problema estava na ajuda de custo que o
clube fornecia, “[...] mais ou menos no dinheiro de hoje daria uns 100 reais, no
máximo”. Novamente conversou com o seu pai sobre esse fato e recebeu o apoio
dele: “puxa mais se você é isso que você quer vamos fazer uma força”. Em sua
primeira participação no Campeonato Paulista, foi artilheiro do time jogando de
médio-volante, fazendo gols de falta e pênalti. A rapidez com que sua carreira
começou surpreendeu o próprio Hamilton que pareceu não acreditar quando soube
da convocação para a seleção olímpica:

Aí foi no final de 67, o seu João Atala que o era vice-presidente da


Federação Paulista ele veio lá e falou pro seu Mario, eu não sabia
que eu ia ser convocado pros Jogos Olímpicos de 68, entendeu. Aí o
seu Mario veio falar comigo. Eu falei porra, bacana né. Aonde? No
México? É no México, a gente né [...]. Aí eu, aquela coisa de
moleque, mas ah eu tenho minha mãe, minha mãe era doente,
sempre foi doente coitada, problema no [...], mas como é que eu
vou? Não sei o que lá. Não, calma, não é agora. Vai demorar ainda
360

uns 2-3 meses e tal, não sei o que. Aí quando saiu a convocação o
meu nome tava lá. Quer dizer, até naquela época eu fui o primeiro
atleta do Juventus a defender uma seleção brasileira, entendeu. Até
naquela época, entendeu. E aí aos poucos, aí nós fomos, viajamos
pelo Brasil todo, fizemos pré-temporada em Campos, Campos de
Jordão que era o negócio de clima, tudo isso né.

A vida de Hamilton no futebol foi muito intensa. Considera que, de


1968 até metade de 1972, tenha tido os melhores anos de sua fase profissional.
Com a convocação para a seleção brasileira chegou a participar de um programa de
televisão chamado Redação Esporte, do canal 4, que era dirigido pelo Walter Abrão
e Eli Coimbra. A visibilidade que passou a ter pôde ser vista quando retornou do
programa e “[...] o bairro todo tava assistindo, aonde eu morava [...] no Moinho
Velho”.
Sua emoção por ter participado da abertura dos Jogos Olímpicos foi
assim narrada: [quando] “a delegação entra, até arrepia ó [mostrando o braço] que
toca o hino, a delegação toda chegando, entrando dentro do estádio isso é uma
emoção [...]”. Na estreia da seleção brasileira nos Jogos Olímpicos do México contra
a Espanha977, Hamilton ficou na reserva e assim relatou os acontecimentos daquela
partida:

Nós perdemos da Espanha de um a zero, né, no primeiro jogo. Mas


os espanhóis foram muito violentos, quebraram a clavícula do China
no primeiro tempo. Quando você for conversar com ele, se Deus
quiser você vai encontrá-lo, você pode fazer essa pergunta pra ele:
que o Hamilton falou que contra a Espanha você, o cara pisou na tua
clavícula e quebrou? Entendeu. Eles eram muito violentos e fizeram
1 x 0 e ficaram tudo atrás, dando chutão pra cima e o jogo acabou 1
x 0.

As notícias publicadas no Brasil indicavam que a seleção brasileira


não havia jogado bem e que apenas no primeiro tempo havia conseguido equilibrar
o jogo, mas também ressaltava que a violência da partida “[...] em que Manuel Maria
foi expulso e China teve de deixar o campo de maca”978. As causas da derrota
apontavam para a violência espanhola associada ao descontrole brasileiro que se
irritou com a postura dos jogadores da Espanha. Assim foi feita análise da derrota:

977
Nosso futebol estréia perdendo: 1 a 0. Folha de S. Paulo, 15 de outubro de 1968, p. 14.
978
Espanha derrota Brasil em jôgo cheio de violência. O Estado de S. Paulo, 15 de outubro de 1968, p. 25.
361

A vitoria da Espanha por 1 a 0 foi merecida, porque a Seleção


Olímpica Brasileira perdeu-se no segundo tempo, esquecendo o
futebol para responder a violencia dos espanhóis. O juiz Abraham
Klein foi vaiado, porque desde o primeiro minuto a partida estava
violenta e êle nada fazia. Só aos 43 minutos do primeiro tempo o juiz
resolveu apitar e acabou expulsando Manoel Maria, ponta-direita do
Brasil, que agrediu a dois jogadores da Espanha que o estavam
caçando desde o começo. Manoel Maria passava sempre por seu
marcador e era derrubado em seguida, até que perdeu a cabeça e foi
expulso979.

Nessa primeira partida Hamilton foi reserva e pôde observar bem


como foi o desempenho da seleção brasileira. Embora tenha apontado que a
violência tenha interferido no andamento do jogo também indicou que a postura de
alguns atletas da seleção também contribuiu para o desempenho abaixo do
esperado do futebol brasileiro.

E chegamos lá. Íamos estrear no dia 30 de outubro de 1968. Mas a


nossa seleção tinha um pessoal que não que nem é hoje. Hoje a
coisa é mais rigorosa. Naquele tempo os caras saíram da Vila
Olímpica, foram pra boate. Então, a coisa foi meio relaxado naquela
época, entendeu. Aí nós perdemos. Nós fomos desclassificados.
Jogamos no estádio Azteca que foi a abertura, foi contra a Espanha,
apanhamos de 1 x 0. E onde o Brasil fez a final de 1970 da Copa,
entendeu.

Em sua narrativa, Hamilton desconsiderou o segundo jogo do Brasil


contra o Japão. Passou diretamente para o terceiro jogo contra a Nigéria. Segundo
Hamilton “Aí depois nós viajamos pra Puebla, fomos jogar contra a Nigéria”. Porém,
na segunda partida que aconteceu em Puebla, o Brasil enfrentou o Japão e não
conseguiu vencer o adversário. O empate em 1 a 1 deixou a seleção brasileira com
poucas chances de classificação980 e a análise vinda do México não era animadora:
“[...] a seleção olímpica brasileira ficou praticamente eliminada do torneio de futebol
dos Jogos do México. O Brasil voltou a jogar um péssimo futebol e suas
possibilidades de classificação na Chave B são agora mínimas”981.
O Brasil conquistaria a vaga para a fase seguinte do torneio de
futebol caso houvesse uma combinação de resultados: precisaria vencer a Nigéria
por uma diferença de três gols e ainda torcer para que a Espanha vencesse o

979
Espanha derrota Brasil em jôgo cheio de violência. O Estado de S. Paulo, 15 de outubro de 1968, p. 25.
980
Nosso futebol está quase fora. Folha de S. Paulo, 17 de outubro de 1968, p. 16 – 1º caderno.
981
Brasil empata e está quase fora no futebol. O Estado de S. Paulo, 17 de outubro de 1968, p. 28.
362

Japão. Caso isso acontecesse, o Brasil e o Japão empatariam em pontos e a


classificação seria decidida no saldo de gols. Hamilton assim relatou o jogo contra a
Nigéria:

[...] aí virou 3 x 0 pra Nigéria esse jogo. Aí nós fomos pro vestiário o
doutor, o nosso treinador chamava-se José Marão, é José Marão, ele
era de Minas. Ele falou: gente, se nós perder esse jogo nós não
voltamos pro Brasil [risos], entendeu. Aí conseguimos empatar 3 x 3.
Esse jogo eu joguei. O outro não, o outro eu fiquei no banco, mas
esse jogo eu joguei, entendeu. Aí empatamos 3 x 3, mas
infelizmente, combinação de resultados a gente ficou fora, aí foi só
farra, brincar, namorar, ir pras boates, tal.

Esse foi o único jogo em que o camisa 18 Hamilton participou982 e a


conversa do técnico Marão com o grupo não se referia mais a classificação para a
fase seguinte. Ressaltava que não poderiam perder o jogo independentemente se
conseguiriam a classificação. Mesmo sem perder, mas desclassificado surgiram as
críticas referentes ao desempenho do futebol brasileiro nos Jogos:

A seleção olímpica de futebol do Brasil teve o castigo que mereceu


por jogar um futebol tão mediocre na Olimpíada: empatou de 3 a 3
com a Nigéria ontem à tarde (depois de perder no primeiro tempo por
3 a 0) e foi desclassificada de uma vez por todas dos Jogos
Olímpicos. No México, os brasileiros não conseguiram nenhuma
vitoria em futebol [...]983.

A desclassificação, em suas palavras foi causada pelo fato de


alguns atletas estarem mais interessados em sair para as festas do que para treinar,
fruto de uma falta de entendimento por parte dos jogadores do momento que viviam.
Assim relembrou Hamilton: “Tinha o Dionísio e o Ferretti. O Dionísio você nem tem
na sua relação984 ele era centroavante do Flamengo na época, ele chegou a jogar
com o Zico. Ele e o Ferretti eram fogo. Só queriam saber de... Carioca né. Só
queriam saber de bagunça, entendeu”. Essa falta de responsabilidade por parte do
grupo de futebol, apontada por Hamilton, incluía a postura dele:

982
Na notícia sobre o jogo no jornal não indica a escalação de Hamilton para esse jogo. Consultar: Empate com
Nigéria elimina futebol do Brasil. O Estado de S. Paulo, 19 de outubro de 1968, p. 15. Porém, no Relatório
Oficial dos Jogos, Hamilton aparece na escalação brasileira. Consultar: Olympic Report Mexico 1968 Volume
4 Part 1, p. 662. Group B, match 22.
983
Empate com Nigéria elimina futebol do Brasil. O Estado de S. Paulo, 19 de outubro de 1968, p. 15.
984
Pesquisei depois da entrevista sobre essa informação e descobri que o Dionísio foi da seleção pré-olímpica,
mas que não foi convocado pra Olimpíada.
363

Nós fomos e [faz gesto de estar se lixando com as mãos] se der deu
se não deu, não deu. Não era assim, você tinha que ter um pouco
mais de responsabilidade. É o que faltou pra nós, entendeu. Eu me
incluo também, também me incluo entendeu. A gente, a gente não
sabia o que, na volta o que poderia estar esperando a gente aqui.
Você faz um bom contrato, que nem eu que era de um time pequeno
podia ser convocado pra ir prum time maior, entendeu. Mas, falta de
responsabilidade, a verdade foi essa.

Embora a ditadura militar estivesse no auge da repressão no país,


Hamilton afirmou que em nenhum momento houve algum tipo de cobrança dos
militares por resultados expressivos ou a conquista de alguma medalha. Porém,
considerou que para resolver a falta de comprometimento do grupo seria preciso
alguma atitude mais rígida por parte do chefe da delegação brasileira, fato esse que
não veio a acontecer.

Não teve nada de problema de ditadura, de governo ligar, de


presidente estar ligando pra chefe de delegação. Não. Com certeza
não. A gente tinha total liberdade entendeu, tanto é que a liberdade
tem hora que atrapalha, entendeu. Foi o que aconteceu, que
atrapalhou, foi o que eu acabei de te contar. Se tivesse um pouco
mais, uma cara lá, um chefe de delegação mais durão, tal, a coisa
seria, pra nós teria caminhado melhor.

Após a desclassificação, a delegação brasileira de futebol e todas as


outras delegações (exceto os atletas do basquete) teriam que aguardar o avião da
FAB para regressar ao Brasil. Por conta dessa condição Hamilton disse que ao todo
ficaram 38 dias no México. A FAB já havia sido fundamental para a chegada dos
atletas brasileiros para os Jogos Olímpicos, sendo que “[...] os representantes do
esporte acentuaram que face à falta de verbas, sem a colaboração da Força Aerea
Brasileira seria impossível a presença de nosso País nos proximos Jogos”985.
Segundo Hamilton a situação foi a seguinte:

Ficamos porque tinha que voltar com a delegação toda. A única


delegação que não veio no avião da FAB, porque nós viemos, nós
fomos com o avião da FAB e voltamos com o avião da FAB986. A

985
FAB levará os olímpicos. O Estado de S. Paulo, 28 de março de 1968, p. 24.
986
Avaria do avião atrasa volta dos brasileiros. O Estado de S. Paulo, 29 de outubro de 1968, p. 22. “As 72
pessoas da delegação que ficaram no México ainda não sabem quando poderão voltar para o Brasil: o avião que
foi buscá-las enguiçou ao chegar no aeroporto da Cidade do México e a FAB teve de mandar um motor novo do
Brasil. Por isso, os brasileiros só devem embarcar amanhã ou na quinta-feira, porque o conserto do avião demora
de dois a três dias”.
364

única delegação que teve uma mordomia foi o basquete987. Na época


de Rosa Branca, Wlamir, Amaury, Mosquito, eles eram bam-bam-
bam mesmo. Também não ganharam medalha! Mas era, eles foram
com avião especial pra eles só e tal. Nós não, nós fomos de avião da
FAB e voltamos de avião da FAB988. Viagem horrível, Nossa
Senhora! Tivemos que parar no Panamá. O avião decolou, desceu
no Panamá, todo mundo com fome. Só era um hambúrguer e uma
Coca-Cola pra cada um lá no aeroporto e não podia comer mais
naquela época. Nossa, foi... e o avião aquelas, como é que chama
aquilo que os caras falam [fazendo gestos de descida com o braço].
Tem um nome aquilo. Ele vai e de repente faz aquilo [mostrando uma
queda com o braço]. Nossa Senhora rapaz, que viagem horrível!
Hoje você vai ao México por quanto? Oito horas de voo, 10 horas de
voo. Nós demoramos 24! Demoramos um dia, saímos de lá um dia e
chegamos aqui no outro.

Naquele tempo, os atletas do futebol ficavam hospedados na Vila


Olímpica e os privilégios que o futebol possui atualmente, naquela época eram
destinados aos jogadores de basquete. Esse privilégio, de certa forma, incomodou
Hamilton, pois entendia que todos eram atletas e deveriam ir para os Jogos do
mesmo modo. Embora o futebol brasileiro já tivesse destaque diante das demais
modalidades esportivas, principalmente pelo fato de em 1968 já ser bicampeão do
Mundo no futebol profissional, os atletas amadores dessa modalidade não tiveram
nenhum tipo de tratamento especial. Isso aconteceu, certamente, pelo fato de
estarem nos Jogos Olímpicos os jovens atletas do país e não os reconhecidos
atletas profissionais. Esse fato permitiu aos atletas do basquetebol ocupar esse
espaço de destaque da delegação brasileira, já que eram os bicampeões mundiais
da modalidade (1959 e 1963).
Depois de quatro décadas, Hamilton afirmou a importância de ter
feito parte da história do esporte e do futebol brasileiro ao disputar os Jogos
Olímpicos: “Participar de uma Olimpíada é, só quem participa mesmo que pode
dizer. A gente não tem a [...], nem imagina como era tão importante. Que tinha
pessoas no futebol que não deu tanta importância por isso que nós fomos
desclassificados muito cedo”. E mesmo Hamilton considera que a dimensão e
importância de sua participação tenha se conscientizado posteriormente: “a gente
fez tudo isso lá e pra nós foi como se não, voltamos pro Brasil e parece que não
aconteceu nada”.

987
Avaria do avião atrasa volta dos brasileiros. O Estado de S. Paulo, 29 de outubro de 1968, p. 22.
“Anteontem, pela Aeronaves do México, vieram os jogadores da seleção de cestobol [...]”.
988
Delegação inicia viagem de volta. O Estado de S. Paulo, 30 de outubro de 1968, p. 17.
365

Hamilton nutria a esperança de ser convocado para a Copa de 70


pelo fato de ter defendido a seleção brasileira em uma competição oficial, mas
ressaltou a qualidade da seleção que foi tricampeã mundial: “[...] a Copa de 70 acho
que foi o melhor time que o Brasil montou, na minha opinião”.
Em relação ao futebol olímpico e ao que é jogado na Copa do
Mundo, Hamilton apresentou uma visão dicotômica em relação aos dois eventos. Do
lado da Copa do Mundo estão os profissionais e nesse espaço existe a circulação de
muito dinheiro e do outro estão os atletas que vão aos Jogos com o espírito
olímpico, ou em suas palavras “[...] o profissional é o dinheiro e a Olimpíada, eu acho
que o atleta olímpico ele defende o país dele com mais amor do que o profissional,
eu acho”.
Para ele o espírito olímpico nada mais é do que um atleta defender o
seu país. Mas para explicar esse espírito, Hamilton dicotomiza e generaliza ao
afirmar que jogadores como o Kaká e o Ronaldinho Gaúcho, pelo fato de não
saberem o valor da fortuna deles, de serem atletas consagrados, não se incomodam
com a derrota, pois:

Esse negócio de chorar é atleta amador. O amador chora. Ele sente


mais a perda do que o profissional. Porque o profissional hoje, eu to
falando pelo Brasil, pelo Brasil, entendeu, o profissional hoje, o Kaká
ele vai jogar, tô falando o Kaká [...] O Brasil perdeu, sabe o que
acontece? Ele não vem pro Brasil, ele vai ficar na Europa lá onde ele
mora. O Lúcio vai ficar na Europa, o Júlio César vai ficar na Europa.
Ninguém vem pro país dele amigo. Agora, do olímpico não, o
olímpico ele volta pro país dele. Aí ele vai dar uma entrevista no
aeroporto, ele perdeu uma final do basquete ou uma medalha de
boxér ele chora. Ele vai dar uma entrevista pra você e ele relembra a
luta ou o jogo, ele chora.

Em sua visão o local onde mora define o modo como o atleta se


relaciona com a seleção de seu país. Se não retorna ao país de nascimento após as
derrotas o atleta não se envolve com os elementos dessa experiência. Esse
posicionamento do Hamilton é generalista e como divide claramente os dois lados,
acaba por valorizar os sentimentos, as ações e atitudes dos olímpicos, grupo do qual
faz parte. Ressalta que os profissionais, com todo o mérito, desfrutam de uma
condição financeira confortável. No entanto, é preciso ressaltar que nem todos os
profissionais encontram-se nessa situação favorável. Por outro lado, boa parte dos
366

atletas que chegam à seleção brasileira principal tem a oportunidade de


conseguirem bons contratos.
Após os Jogos Olímpicos, no início de 1969, assinou um contrato
profissional com o Juventus e a sua carreira começou a engrenar. Porém, os anos
intensos que Hamilton relatou foram interrompidos por uma contusão sofrida no
joelho. Como sua recuperação foi lenta o Juventus não quis renovar o contrato e
Hamilton recebeu o passe livre que, para aquela época conforme relatou, era um
indicativo que o clube não queria mais o jogador. Nas suas lembranças sobre esse
momento afirmou:

Aí eu fiquei com o passe livre e falei vou abandonar. Até depois que
eu já tinha abandonado há mais de um ano, esse São Caetano que
naquela época era o Saad, naquela época era Saad de São
Caetano, hoje é São Caetano, eles foram em casa. Morava na
Moinho Velho, ali no comecinho da via Anchieta. Aí eu peguei e falei:
pô, mas não dá, eu não tenho mais condição de jogar, ó eu engordei
e tal. Mas isso daí o peso você tira e tal, não sei o que. Não, não,
não. Aí toquei a minha vida de uma outra maneira.

Hamilton encerrou a carreira com pesar pelo fato de que gostava da


profissão de jogador de futebol. Para ter força ao recomeçar destacou que “[...] o
meu pai, minha mãe, a minha família sempre me deram força e eu fui tocando a vida
de outra maneira, né. Aí foi quando eu casei, entrei no Jockey Clube entendeu,
comecei a trabalhar lá. Aí aposentei lá, entendeu”. Apenas lamentou o fato de não
ter pensado, na época, em trabalhar no mundo do futebol e acredita que isso
aconteceu pelo fato de ser jovem.
Em mais uma edição olímpica as justificativas para o insucesso da
seleção brasileira explicitavam que a condição amadora dos atletas e a inexperiência
dos jovens teriam prejudicado o desempenho da seleção no torneio de futebol e que
se tivessem enviado uma seleção profissional, tal qual faziam os países da Cortina
de Ferro, teriam chances de conquistar a medalha de ouro.

Exemplifica-se: no proximo sabado será disputada a final do


campeonato de futebol dos Jogos Olímpicos, entre Hungria e
Bulgaria. São duas representações não totalmente amadoras. O
Brasil, assim como outros países participantes, não teve chance no
futebol porque apresentou uma equipe totalmente amadora, um time
juvenil, formado por jogadores jovens e inexperientes. Tivesse
enviado a sua seleção profissional e talvez conquistasse a medalha
de ouro que não ficará este ano com uma equipe inteiramente
367

amadora, quer vença a Hungria ou a Bulgária. A questão é séria e,


também, noutras modalidades de esporte, tem prejudicado
numerosos países989.

Outra análise feita pelo mesmo jornal, um ano depois da


participação brasileira no futebol olímpico reforçava as críticas pelo fato do Brasil ter
enviado uma equipe amadora e mostrava todo o descontentamento com o
desempenho da seleção no torneio de futebol, visto naquele momento como tendo
obtido o pior resultado desde a primeira participação do país nos Jogos Olímpicos,
em 1952. As críticas feitas aos jogadores e a forma como o CND estruturou a equipe
foram as seguintes:

O futebol brasileiro – duas vêzes campeão mundial – não passou de


uma piada na Olimpíada. Foi representado pelo que de pior o Brasil
poderia formar e acabou perdendo para seleções consideradas
medíocres dentro do futebol mundial. O CND não quis apoiar as
idéias de Aimoré Moreira, que pretendia uma seleção de jogadores
novos, como Zé Maria e Leivinha (Portuguêsa) ou Zé Carlos
(Cruzeiro, hoje seleção brasileira). João Havelange apoiou o CND,
‘em nome do ideal olímpico’. Resultados: perdemos de 1 a 0 para a
Espanha e empatamos em 1 a 1 com o Japão e, de 3 a 3 com a
Nigéria, sendo eliminados ainda na segunda rodada das oitavas de
final. Esta foi a pior participação do futebol brasileiro na Olimpíada.
Hoje, o técnico Mário Celso de Abreu – o Marão dos mineiros – diz
que ‘recebi uma seleção já formada, não pude escolher os
jogadores’990.

Tal qual havia acontecido nos Jogos Olímpicos de Tóquio, após os


Jogos Olímpicos de 1968, as previsões de Padilha, presidente do COB, se
concretizaram. A participação brasileira marcada pelo insucesso em termos de
resultados expressivos e de poucos sucessos individuais foi destacada na fala de
Mario Carvalho Pini, chefe da equipe médica brasileira, que reforçou os argumentos
apresentados antes dos Jogos pelo presidente do COB em relação à infraestrutura e
apoio aos atletas991. Tampouco, poupou críticas ao governo que, em sua opinião
deveria ser o responsável por essas ações ao invés de querer averiguar os motivos
do baixo rendimento dos atletas brasileiros. Para ele, “A ‘culpa’ sempre recaí sobre a
CBD, o Comitê Olímpico ou o Conselho Nacional de Desportes, que são os menos

989
Profissionalismo: a 1a. pedra foi atirada? Brasil prejudicado. O Estado de S. Paulo, 25 de outubro de 1968,
p. 20.
990
Entre decepções, vêm três medalhas. Depois, o vexame. O Estado de S. Paulo, 11 de janeiro de 1969, p. 51.
991
Esporte e educação. O Estado de S. Paulo, 5 de novembro de 1968, p. 3.
368

culpados por tudo. A CBD já faz demais em dispor de verbas do futebol para os
esportes amadores”992. Sua fala, porém, revela que nas instâncias de poder das
entidades esportivas e na relação com o governo as responsabilidades das ações
eram delegadas ao outro sem que nenhuma instância assumisse a sua falha.

6.6 Nos anos 70 o debate é sobre futebol, Educação Física e


estrutura do esporte amador brasileiro

Em junho de 1969, a FIFA enviou às Associações Nacionais um


questionário com o objetivo de estabelecer a promoção do futebol amador. Um ano
e três meses depois, em setembro de 1970, a FIFA apresentou os resultados da
pesquisa feita com cerca de 100 Associações Nacionais: 65 não possuíam futebol
profissional; 67 não possuíam futebol amador; 74 países concediam ajuda financeira
ao futebol amador; 60 gostariam de receber uma competição internacional restrita
aos atletas amadores; 51 foram a favor de um Campeonato Mundial Amador; 23
estariam satisfeitos com competições internacionais de clubes; em 16 países os
atletas amadores podiam ser multados enquanto em 64 não existiam multas; 60
países não tinham propostas a apresentar à FIFA enquanto outras 26 nações
apresentaram sugestões relativas à organização de cursos, instrutores itinerantes,
ajuda financeira para os torneios juvenis, equipamentos, ajuda financeira tal como
subsídios, empréstimos etc., ter uma definição clara de amador. Por meio do
presidente Rous, a FIFA garantiu que poderia realizar um torneio exclusivamente
com amadores e para isso iria restringir a participação daqueles que haviam
disputado uma Copa do Mundo. No entender da entidade, essa medida faria com
que os clubes amadores tivessem um interesse maior com a possibilidade de seus
atletas se tornarem conhecidos993.
Com a mudança da regra sobre a elegibilidade dos atletas para
participarem dos Jogos Olímpicos994, seis atletas da Colômbia995 e um do Quênia

992
Delegação é esperada hoje. O Estado de S. Paulo, 2 de novembro de 1968, p. 14.
993
Olympic Review, n. 38-39, novembro - dezembro de 1970, p. 656-657. Federation Internacionale de Football
Association.
994
Nesse momento Sylvio Padilha era presidente do COI e membro do Comitê Executivo do COI e apoiava as
novas regras de elegibilidade. Ver: Major Padilha defende amadorismo sem marca comercial. Folha de S.
Paulo, 16 de janeiro de 1972, p. 1 – 4º caderno.
995
Argentina quer tomar lugar da Colombia em Munique. Folha de S. Paulo, 12 de fevereiro, p. 18 – 1º caderno.
369

foram impedidos de participar dos Jogos Olímpicos de 1972 por serem considerados
ilegíveis. Os atletas impedidos foram: Martin Emilio “Cochise” Rodriguez
(ciclismo)996; Jaimes Rodriguez, Luis Garcia, Adolfo Endoede, Oscar Orgeta
(futebol)997 da Colômbia e Vic Preston Jr. (tiro) do Quênia998.
Brundage explicou, especialmente sobre “Cochise”, que o campeão
mundial estava proibido de participar da competição sob a justificativa de que “os
atletas deixam de ser amadores quando começam a atuar como verdadeiros
cartazes de publicidade e, se isso fôsse permitido, os Jogos seriam apenas um
veículo dos patrocinadores”999. A exclusão do atleta colombiano aconteceu pelo fato
dele ter sido fotografado com uma camisa de um fabricante de bicicletas.
Sobre a elegibilidade a FIFA emitiu uma nota para esclarecer
possíveis mal-entendidos sobre a condição do atleta amador. Nos esclarecimentos,
a FIFA afirmou que não afetaria a condição do atleta amador caso ele tivesse jogado
contra profissionais ou não amadores. O problema central que impediria a
participação era ter recebido algum tipo de pagamento para jogar futebol nem que
tivesse assinado algum contrato. Caso o atleta não possuísse tais características ele
estaria apto a participar do torneio de futebol como um atleta amador1000.
No Brasil, depois de muitas participações em que a seleção nacional
de futebol teve dificuldades na organização das equipes, com muitas críticas ao
desempenho técnico dos atletas nacionais, para os Jogos Olímpicos de Munique a
expectativa era outra. A conquista do tricampeonato mundial de futebol ditava novos
parâmetros para o futebol olímpico que passaria, naquele momento, por “[...] uma
nova fase para o futebol amador no Brasil. O trabalho sério na preparação, imitando
a seleção tricampeã do mundo, abre novos caminhos para as próximas
seleções”1001.

996
Comitê mantém veto a Cochise. O Estado de S. Paulo, 31 de maio de 1972, p. 27.
997
Futebol colombiano é acusado. O Estado de S. Paulo, 17 de agosto de 1972, p. 42; Colombia participa do
futebol. O Estado de S. Paulo, 18 de agosto de 1972, p. 28. “O presidente do COI, Avery Brundage, enviara
uma carta à federação revelando ter recebido denuncias de que havia irregularidades na formação do selecionado
amador. A denuncia fora feita pelo ex-dirigente colombiano Edgard Senior, por meio de documentos e
publicações sobre a profissionalização de varios jogadores incluídos na delegação”. Os referidos jogadores
teriam assinado um contrato com o clube Santa Fé, de Bogotá.
998
Olympic Review, n. 59, outubro de 1972, p. 359. The 73rd session of the I.O.C. 9. Report of commissions.
Eligibility Commission.
999
Brundage volta a vetar Cochise. O Estado de S. Paulo, 17 de maio de 1972, p. 21.
1000
Olympic Review, n. 50-51, novembro – dezembro de 1971, p. 623. Federation Internacional de Football
Association.
1001
Amadores têm uma nova fase. O Estado de S. Paulo, 3 de fevereiro de 1971, p. 21.
370

Na análise do diretor de futebol amador da CBD, o capitão Haroldo


Castelo Branco, a relação do futebol olímpico com o que havia sido feito na Copa do
Mundo do México de 1970 representava o avanço necessário para a seleção
olímpica obter bons resultados1002. Nessa lógica o sucesso estava diretamente
ligado com “[...] com a aplicação dos metodos que foram utilizados na preparação de
nossa seleção para a Copa do Mundo, no México, poderemos obter melhores
resultados. Colocamos tudo de melhor para servir nossos jogadores”1003.
Os resultados pouco satisfatórios que o futebol olímpico brasileiro
havia conseguido até aquele momento foram justificados por Haroldo Castelo
Branco a partir de alguns pontos: pela falta de organização e da dificuldade em jogar
contra seleções que haviam disputado a Copa do Mundo que seriam supridas por
meio da disputa de alguns jogos a fim de proporcionar maiores experiências aos
atletas brasileiros, tais como o torneio da Juventude de América e o Festival
Internacional de Futebol Júnior; a junção de três fatores caracterizados pelo
descaso, dimensão do país e falta de verba dificultavam a observação dos atletas,
mas que naquele momento a mudança seria possível, pois o governo federal havia
melhorado o valor a ser investido no futebol e nos outros esportes amadores;
também salientou que a obtenção de bons resultados deveria ser iniciada pela
Educação Física, mas que por falta de verbas encontrava-se abandonada tanto nas
escolas quanto nos centros esportivos; por fim ainda ressaltou que as mudanças
seriam efetivas com a atualização das leis esportivas consideradas por ele como
atrasadas1004. Uma crítica feita por Nelson Prudêncio, do atletismo, resumia o dilema
entre os dirigentes brasileiros e explicava a estrutura do esporte amador do país
para entender os motivos dos insucessos olímpicos: “Acho que o problema é de
formação, de educação. Aqui, se ‘descobre’ um atleta; nos países mais
desenvolvidos, eles são ‘feitos’”1005.
Na análise de Haroldo Castelo Branco uma série de fatores
contribuíam para os resultados pouco expressivos que o esporte brasileiro e,
especialmente, o futebol conquistou na história dos Jogos Olímpicos. Esses fatores
1002
Uma relação entre as duas seleções, de profissionais e olímpica, passava pelo uso do mesmo uniforme. A
partir de 1972, Silvio Padilha informou que a seleção olímpica trocaria o escudo da CBD pela palavra Brasil. As
cores estavam mantidas, mas o escudo havia sido retirado para que houvesse uma padronização dos uniformes de
todos os esportes brasileiros. Consultar: Seleção olimpica de futebol não usará o emblema da CBD. Folha de S.
Paulo, 2 de agosto de 1972, p. 27 – Esportes.
1003
Amadores têm uma nova fase. O Estado de S. Paulo, 3 de fevereiro de 1971, p. 21.
1004
Amadores têm uma nova fase. O Estado de S. Paulo, 3 de fevereiro de 1971, p. 21.
1005
Técnicos estão mais otimistas. O Estado de S. Paulo, 14 de março de 1971, p. 47.
371

compunham problemas estruturais que representavam uma cadeia de ações


ineficazes que iam desde a Educação Física até o governo federal.
Foi diante desses apelos que a Educação Física, tendo como base o
discurso dos militares, se esportivizou durante a década de 70 (BETTI, 1991; GÓIS
JUNIOR e SIMÕES, 2011), valorizando especialmente a prática do futebol, do
handebol, do voleibol e do basquete. Sob os argumentos de transformar o país em
uma potência esportiva, a Educação Física passou a ser vista como sendo a base
de um sistema de observação de futuros talentos visando o esporte de alto
rendimento.
Com o objetivo de executar mudanças na estrutura do esporte
brasileiro, o Ministério da Educação criou o Departamento de Educação Física e
Desportos (DED). Considerado uma “espécie de Ministério dos Esportes” tinha como
objetivo conseguir resultados satisfatórios nos Jogos Olímpicos de 1976, já que para
1972 não havia tempo suficiente para melhorar a preparação dos atletas1006.
Entre as ações planejadas estavam “a reestruturação da prática da
Educação Física, a construção de um Centro Olímpico e um preparo mais adequado
das delegações que representam o País em competições internacionais [...]”1007. O
projeto do DED previa uma cartilha para professores e alunos sobre o universo
esportivo, bolsas de estudos para professores e técnicos, codificação da legislação
esportiva, um prêmio de viagem (Olímpico 76) e um Centro de Pesquisas
Esportivas1008. Para que esses itens tivessem êxito era preciso, segundo o
presidente do COB:

Interessar o povo pela prática de esporte, com a vinda de tecnicos e


atletas internacionais, para incentivar os atletas nacionais, será uma
das metas do major Silvio de Magalhães Padilha [...]. A inexistência
de uma infraestrutura adequada e a falta de interesse nas escolas
são, segundo o major, fatores importantes para que o esporte
amador, no Brasil, não tenha atingido um nível de desenvolvimento
satisfatorio. O major Padilha elogia o apoio que o governo do
presidente Medici dá ao esporte amador: ‘A maioria das
reivindicações tem sido atendidas e solucionadas. As que ainda não
tiveram solução muito em breve serão resolvidas, pois o ministro
Jarbas Passarinho já tomou providencias depois da criação do

1006
Olimpíada -76, a 1a. meta para nôvo esporte amador. O Estado de S. Paulo, 2 de junho de 1971, p. 19.
1007
1976 é a meta olímpica. O Estado de S. Paulo, 2 de junho de 1971, p. 1.
1008
Olimpíada -76, a 1a. meta para nôvo esporte amador. O Estado de S. Paulo, 2 de junho de 1971, p. 19.
372

Departamento de Educação Física e Esportes do Ministerio da


Educação [...]1009.

Segundo Oliveira (2004, p. 13), o esporte “[...] foi a coroação de um


mundo de competição, concorrência, liberdade, vitória, consagração. Sugerido de
forma exclusiva pelos órgãos oficiais para a educação física escolar, ele carregava
toda a simbologia de um mundo de lutadores e vencedores”. As ações para investir
na mudança da Educação Física e no esporte brasileiro passaram pela
reestruturação de departamentos e da elaboração de um plano nacional de
desenvolvimento da Educação Física e do esporte, chamado de Plano de Educação
Física e Desportos (1971 a 1974) (PINTO, 2003).
A projeção dessas novas ações que envolviam o esporte amador
eram, por certo, de muita euforia. O diretor do Departamento de Desportos e
Educação Física, Eric Tinoco Marques, afirmou que “em 10 anos, o Brasil já será
uma das maiores potências do esporte, podendo competir em igualdade de
condições com a União Soviética e os Estados Unidos, numa Olimpíada”1010. Essa
projeção do diretor era fruto dos investimentos que o esporte receberia Cr$ 100
milhões para os anos de 72-73-74 somados aos recursos que viriam da Loteria
Esportiva1011. E sem medir esforços para projetar o país no cenário esportivo
internacional o governo federal colocava a Educação Física e o Esporte entre as
metas prioritárias “tendo a mesma importância que a construção da Transamazonica
e o asfaltamento da Belém-Brasilia”1012.
O brigadeiro Jerônimo Bastos, então presidente do CND,
considerava que a segunda meta de todo esse investimento seria percebida apenas
a partir dos Jogos Olímpicos de 1980 quando o Brasil teria condições de conquistar
muitas medalhas1013. O presidente do COB, o major Sylvio Padilha, também
projetava para dois ciclos olímpicos a possibilidade dos atletas brasileiros obterem
resultados satisfatórios nos Jogos1014 e ressaltava que apesar do investimento de
Cr$ 3,6 milhões provenientes da Loteria Esportiva, ainda não era possível esperar

1009
Silvio de Magalhães Padilha quer levar esporte às escolas. Folha de S. Paulo, 23 de março de 1971, p. 18 –
1º caderno.
1010
Para Tinoco, esporte muda em 10 anos. O Estado de S. Paulo, 19 de junho de 1971, p. 16.
1011
Para Tinoco, esporte muda em 10 anos. O Estado de S. Paulo, 19 de junho de 1971, p. 16.
1012
Govêrno dá prioridade para esporte e educação física. O Estado de S. Paulo, 24 de junho de 1971, p. 37.
1013
Vitória, apenas 2.a meta. O Estado de S. Paulo, 29 de agosto de 1971, p. 53.
1014
Essa também era a visão de Padilha que previa uma melhoria significativa dos atletas dentro de 8 a 10 anos,
tempo suficiente para disputarem em patamar de igualdade contra os americanos e os soviéticos. Ver: Padilha
não espera muito da Olimpíada de Munique. O Estado de S. Paulo, 25 de novembro de 1971, p. 41.
373

por resultados satisfatórios1015. Para agradecer o apoio financeiro recebido do


governo, o COB homenageou o presidente Médici com a Ordem do Mérito Olímpico
sob a justificativa do presidente Sylvio Padilha em relação ao apoio que o governo
dava ao esporte. Dessa forma, os Jogos de Munique representariam um outro
momento para o Brasil, deixando como um elemento do passado as dificuldades em
organizar as delegações para os Jogos Olímpicos1016.
Por esse motivo Padilha não esperava resultados satisfatórios do
Brasil nos Jogos de Munique, pois como ele mesmo falou na ocasião, em uma
entrevista para a Folha de S. Paulo, o esporte pouco havia se modificado depois dos
Jogos de 1968 pelo fato de que o “[...] esporte é feito, de modo geral, no Brasil, entre
duas capitais – São Paulo e Rio. De maneira que é muito difícil um progresso
maior”1017. A leitura da situação do esporte brasileiro indicava a necessidade de
estruturação de um planejamento que afastava o discurso imediatista e que não
poderia ficar restrito ao eixo Rio-SP1018.
As melhorias indicadas pelo supervisor da seleção já podiam ser
vistas pelo técnico Antoninho que mostrava o otimismo diante da seleção olímpica e
revelava que os atletas amadores convocados já atuavam no time principal, mas
ainda mantinham a condição de amador:

Antoninho afirma que a seleção para o pré-olímpico será bem mais


forte do que esta, não apenas pela qualidade dos jogadores, mas
principalmente pela sua maior experiência. É o caso de alguns
jogadores do Flamengo que já jogaram diversas vezes no time
principal, mas continuam sendo considerados amadores1019.

No entanto, esse otimismo não durou muito tempo no cenário


futebolístico brasileiro. Se ele poderia ser visto dentro de campo com a qualidade
experiência dos atletas que poderiam compor a seleção olímpica, fora de campo o
ambiente era de incertezas e de conflito. O período de tensão dentro da CBD
começou quando o deputado Ardinal Ribas (Arena-PR) com o apoio de 106
deputados entregou um pedido para a formação de uma Comissão Parlamentar de

1015
Brasil vai à Olimpíada sem pensar em vitórias. O Estado de S. Paulo, 30 de julho de 1972, p. 50.
1016
Homenagem do COB a Medici. Folha de S. Paulo, 11 de agosto de 1972, p. 31 – Esportes.
1017
Padilha: está será nossa penultima Olimpiada ruim. Folha de S. Paulo, 26 de junho de 1972, p. 20 –
Esportes.
1018
Padilha já tem planos para 72. O Estado de S. Paulo, 27 de agosto de 1971, p. 23.
1019
Antoninho escolhe os 16 que viajam. O Estado de S. Paulo, 23 de fevereiro de 1971, p. 12.
374

Inquérito (CPI)1020 para “‘apurar possíveis irregularidades na CBD e nas federações


estaduais de futebol’”, principalmente em relação às eleições internas de cada
federação1021. Apesar de João Havelange, então presidente da CBD, ser o principal
alvo da CPI ele possuía apoio de boa parte dos presidentes das federações e de
alguns clubes que mantinham uma proximidade com o presidente e consideravam a
“CPI ‘uma palhaçada’”. Para justificar o apoio a Havelange, os demais dirigentes
utilizavam-se do discurso de que país tricampeão do mundo não valorizava os feitos
do futebol e alguns políticos queriam utilizar essa CPI como forma de se promover
pessoalmente1022.
Havia também o temor de que a CPI pudesse vir a prejudicar a
candidatura de Havelange para a presidência da FIFA. De forma geral, os dirigentes
entendiam que “‘êsse descrédito poderá influir na candidatura de João Havelange à
presidência da FIFA, uma vez que seus eleitores vacilarão em elegê-lo sob
suspeição, mesmo que nada de desonesto venha a ser comprovado’”1023.
Enquanto a CBD estava prestes a ter a CPI decretada, João
Havelange seguia em viagem pela Europa e em seu lugar estava o presidente em
exercício Silvio Pacheco. A CBD emitiu à imprensa uma nota dividida em três partes.
Na parte “a” desconsiderava qualquer tipo de irregularidade pelo fato das atividades
serem controladas pelo governo federal via CND. Na parte “b” questionava a
ausência de indicação dos fatos que, de acordo com a constituição deveriam ser
mencionados e diante desse quadro a CBD não tinha como se expressar
publicamente sobre o episódio. A terceira parte indicada pela letra “c” foi a seguinte:

C – afirma que nada tem a temer sobre quaisquer inquéritos em


torno de suas atividades, lembrando que sempre projetou
favoravelmente o bom nome do Brasil no exterior, o que é facilmente
comprovavel por suas grandes conquistas, tal como o tri-campeonato
mundial de futebol, isentando-se de qualquer responsabilidade, pela
repercussão negativa que possa advir de iniciativas dessa natureza
no momento em que o Brasil patrocina a realização da Copa
Independencia, com a participação das mais expressivas
representações do futebol internacional1024.

1020
CPI para investigar CBD. Folha de S. Paulo, 17 de setembro de 1971, p. 19 – 1º caderno.
1021
CPI é certa e Ministério só observa o futebol. O Estado de S. Paulo, 18 de setembro de 1971, p. 17.
1022
CPI é certa e Ministério só observa o futebol. O Estado de S. Paulo, 18 de setembro de 1971, p. 17.
1023
CBD não teme devassa, mas acha que prejudica. O Estado de S. Paulo, 19 de setembro de 1971, p. 61.
1024
CBD faz sua defesa e ataca. O Estado de S. Paulo, 21 de setembro de 1971, p. 28.
375

A nota explicitava que a CBD era uma entidade subordinada ao CND


e este, por sua vez, estava vinculado ao Ministério da Educação e Cultura. Portanto,
a nota queria tornar público que se houve algum tipo de irregularidade ela foi aceita
pelos órgãos do governo que estavam acima da CBD. Essa postura era uma forma
de se livrar de qualquer culpa e indicar que diante da omissão das instâncias
superiores não teriam como saber se houve algum tipo de erro. Além disso, pelo fato
de ser o governo militar que estava no poder, a nota da CBD reforçava que a
entidade sempre se preocupou em produzir uma imagem positiva do país no exterior
e o futebol vinha sendo uma ferramenta ideal para a concretização dessa imagem. A
CBD ao aproximar seu discurso do modo pelo qual a ditadura queria projetar sobre o
Brasil atrelava força contra instauração da CPI. Sobre a imagem e o vínculo entre o
futebol por ocasião da conquista do tricampeonato mundial em 1970 pela seleção
brasileira se concretizavam na produção de uma imagem positiva do brasileiro e, por
consequência, do Brasil. Segundo Florenzano (2009, p. 71):

[...] para o regime militar, não havia nenhuma dúvida quanto ao lugar
superlativo que ele ocupava na sociedade e quanto essa posição
poderia lhe abrir as veias da vida nacional, permitindo-lhe tocar o
coração e penetrar a mente de cada indivíduo de forma muito mais
direta e intensa do que qualquer outro veículo, imagem ou discurso.

Por não cumprir os requisitos mínimos, o presidente da Câmara, o


deputado Pereira Lopes indeferiu a realização da CPI. O documento que solicitava a
CPI “[...] não previa o numero de membros da CPI, os objetivos da investigação e o
total de despesas que ela poderia fazer. A unica exigência atendida foi a do apoio de
mais de um têrço dos deputados (106 assinaturas)”1025. A notícia foi comemorada na
sede da CBD e a fala do presidente em exercício, Silvio Pacheco ilustrava o
posicionamento da entidade diante dos acontecimentos: “Desde o inicio, eu tinha a
impressão para não dizer certeza, que os deputados iriam reconsiderar a posição
inicial, pois sempre acreditei no bom senso e patriotismo dos representantes do
povo”1026.
Em meio às divergências sobre a possibilidade de implantação da
CPI, o futebol amador brasileiro passava por outro momento delicado. O Peru havia
pedido o adiamento do pré-olímpico e foi apoiado pelo Brasil. Porém, a Federação

1025
Presidente da Câmara susta a CPI do futebol. O Estado de S. Paulo, 23 de setembro de 1971, p. 33.
1026
Na CBD, tranquilidade. O Estado de S. Paulo, 23 de setembro de 1971, p. 33.
376

colombiana confirmou a realização do torneio classificatório para a data prevista (26


de novembro de 1971). O Brasil apoiava o adiamento como forma de “[...] atender às
reclamações das federações Paulista, Carioca e Mineira, que se julgavam
prejudicadas pela cessão de jogadores em plena disputa do Campeonato
Nacional”1027. O resultado foi a dispensa dos atletas brasileiros da concentração para
que pudessem retornar aos seus clubes.
Sobre essa situação Havelange se colocou totalmente contrário ao
posicionamento das referidas federações e chegou a ameaçar que “‘[...] iria ao ponto
de pedir o cancelamento da inscrição do Brasil para a Olimpíada de 72’”1028. No mês
seguinte, a Comissão Técnica da CBD confirmou a participação da seleção nacional
no pré-olímpico que aconteceria na Colômbia1029.
Com a confirmação da participação brasileira haveria a constituição
do conflito entre a CBD e os clubes que tivessem seus atletas convocados. Embora
Antonio do Passo tivesse dito que não atenderia “[...] nenhum pedido de dispensa,
dando ampla liberdade ao técnico para escolher os jogadores” havia uma
mobilização do Fluminense, Flamengo e Atlético para pedirem a liberação de seus
atletas sob a alegação que esses clubes seriam prejudicados1030. A forma
encontrada para justificar o pedido de dispensa dos atletas era feito sob o
argumento de que eram profissionais, tinham contrato, recebiam salários e prêmios,
algo proibido pelas regras olímpicas1031.
O motivo desse conflito entre a CBD e os clubes era fruto da
defasagem da condição amadora definida pelo contrato de gaveta e da situação
profissional vivida no dia a dia do clube. O que acontecia com o futebol olímpico era
exatamente o oposto da situação de alguns esportes que não estariam
representados pelo Brasil em Munique, caso do polo-aquático, da vela ou de
delegações reduzidas como a do remo. Segundo Padilha a conjuntura do futebol era
a seguinte:

No caso do futebol, o problema é inverso: de modo geral os clubes


não querem dar seus jogadores. E os proprios jogadores não tem
interesse em participar. Por isso, fizemos determinadas exigencias,

1027
CBD dispensa os amadores. O Estado de S. Paulo, 18 de setembro de 1971, p. 17.
1028
CBD debate a ida à Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 22 de setembro de 1971, p. 23.
1029
CBD vai levar os olímpicos. O Estado de S. Paulo, 14 de outubro de 1971, p. 41.
1030
CBD pretende convocar Adão. O Estado de S. Paulo, 15 de outubro de 1971, p. 23; Amadores: pressão
pode levar a reconsideração. Folha de S. Paulo, 13 de outubro de 1971, p. 27 – 1º caderno.
1031
Amadorismo ou não? Há muito artifício. Folha de S. Paulo, 20 de maio de 1972, p. 22 – 1º caderno.
377

para que pudéssemos levar uma representação à altura, pelo menos,


do renome do futebol profissional. Exigimos que, para o futebol ir aos
Jogos, teria que ser o primeiro colocado nos Panamericanos. E foi.
Exigimos então que, uma vez classificados, os jogadores passariam
à disposição do Comitê. Conseguimos com o Conselho Nacional de
Desportos a deliberação de que esses atletas não poderiam ser
profissionalizados e que, uma vez continuando como amadores, os
clubes não teriam nenhum prejuízo quando eles voltassem de
Munique. Isso para que eles não pretendessem mudar de clube,
alegando sua condição de amadores. Portanto, tivemos cuidado
tambem com o interesse dos clubes1032.

Superados esses impasses, na disputa do pré-olímpico em Bogotá o


Brasil classificou-se em primeiro lugar de seu grupo1033. Na segunda fase, as quatro
seleções classificadas jogaram entre si e as duas primeiras colocadas garantiram a
vaga para o torneio olímpico. O Brasil classificou-se para os Jogos Olímpicos em
primeiro lugar1034 e a segunda vaga da América do Sul ficou com a Colômbia1035.
Antes do término do torneio pré-olímpico, Tarso Heredia, chefe da
delegação brasileira em Bogotá voltou a ressaltar que a presença de falsos
amadores no torneio de futebol dos Jogos Olímpicos dificultava o sucesso das
seleções sul-americanas. Seu argumento principal, de que “nos países socialistas,
não há profissionalismo declarado, mas os jogadores são mantidos pelo Estado e
podem dedicar o tempo que quiserem aos treinamentos” foi assim contraposto:

Mas no pré-olimpico, a seleção brasileira contou com varios


jogadores que têm contratos de profissional com seus clubes. Entre
eles estão Aloisio e Fred que, com Reyes e Paulo Henrique
formaram a defesa do Flamengo em varios jogos do Campeonato
Nacional. O mesmo caso ocorre com Rubens Galaxie, que jogou
como ponta-esquerda do Fluminense, substituindo Lula, na mesma
competição, enquanto Marquinho, volante da seleção amadora, fazia
o meio de campo com Denilson, no lugar de Didi. Osmar, Nilson,
Galdino e Roberto Carlos defenderam o Botafogo no segundo turno
de classificação do Campeonato Nacional, assim como Vagner
formou no time do Corinthians em algumas partidas do Campeonato

1032
Padilha: está será nossa penultima Olimpiada ruim. Folha de S. Paulo, 26 de junho de 1972, p. 20 –
Esportes.
1033
Brasil enfrenta a Colômbia na final. O Estado de S. Paulo, 7 de dezembro de 1971, p. 35; Brasil está na
final do pré-olimpico de futebol. Folha de S. Paulo, 6 de dezembro de 1971, p. 10 – 1º caderno. A campanha na
primeira fase foi a seguinte: empate com o Equador (1 a 1 - Olímpicos enfrentam a Bolívia. O Estado de S.
Paulo, 28 de novembro de 1971, p. 57; Brasil começa Pré-Olimpico empatando com Equador. Folha de S.
Paulo, 28 de novembro de 1971, p. 42 – 4º caderno); vitória contra a Bolívia (2 a 1 - Brasil derrota a Bolivia.
Folha de S. Paulo, 29 de novembro de 1971, p. 10 – 1º caderno); empate sem gols com a Argentina (Brasil
continua em primeiro. O Estado de S. Paulo, 2 de dezembro de 1971, p. 35; Brasil continua lider na Colombia.
Folha de S. Paulo, 2 de dezembro de 1971, p. 34 – 1º caderno) e vitória contra o Chile (1 a 0).
1034
O futebol do Brasil vai à Olimpiada. Folha de S. Paulo, 13 de dezembro de 1971, p. 10 – 1º caderno.
1035
Para Munique, Brasil usará o mesmo elenco. O Estado de S. Paulo, 14 de dezembro de 1971, p. 36.
378

Paulista. Clayton, ponta de lança da seleção, jogou entre os


profissionais do Guarani, assim como Zico, artilheiro do pré-olimpico,
que tambem já fez gols pelo Flamengo, durante o Campeonato
Nacional1036.

O argumento final dizia que, apesar do posicionamento do chefe da


delegação brasileira, ele não poderia fazer esse tipo de denúncia em Munique pelo
fato de que poderia fornecer os elementos que o presidente do COI, Brundage, que
queria “para realizar seu velho sonho antes de abandonar o cargo: eliminar o futebol
dos Jogos Olímpicos”1037. Logo após os Jogos de 1972, o sucessor de Brundage,
Lord Killanin adotou um discurso diferente sobre o futebol. Killanin concordava que
deveriam participar dos Jogos Olímpicos apenas os amadores e que apesar das
acusações da presença dos profissionais no futebol, essa modalidade era uma das
mais democráticas, além de ser capaz de difundir o espírito olímpico1038.
Portanto, o argumento muitas vezes utilizado de que os brasileiros
não possuíam experiência caía por terra com essa descrição da participação dos
atletas na equipe profissional de seus clubes. Talvez ainda não possuíssem, de fato,
uma experiência internacional, mas por outro lado não poderiam ser considerados
simplesmente como amadores somente porque não possuíam um contrato
profissional.
Com a seleção classificada, o técnico Antoninho fez questão de
relembrar as dificuldades que o time encontrou até conseguir o título invicto do
torneio e a classificação para os Jogos desde o início da preparação da equipe, “[...]
quando os jogadores tiveram de ser devolvidos por exigencia dos clubes. Reclamou
da falta de tempo, pois, após o Torneio Internacional de Cannes, a seleção só foi
armada novamente às vésperas do Pré-Olímpico”. Apesar das reclamações disse
que esperava contar com o mesmo elenco para os Jogos Olímpicos de Munique1039.
No entanto, a seleção convocada por Antoninho foi um pouco
diferente daquela do pré-olímpico. Zico, por exemplo, não foi convocado e anos
depois declarou que o pior momento de sua carreira não foi ter perdido a Copa de
1978, para ele “O pior momento foi não ter ido à Olimpíada em 72, em Munique.

1036
Chefe da delegação brasileira denuncia falso amadorismo. O Estado de S. Paulo, 12 de dezembro de 1971,
p. 43 – 4º caderno.
1037
Chefe da delegação brasileira denuncia falso amadorismo. O Estado de S. Paulo, 12 de dezembro de 1971,
p. 43 – 4º caderno.
1038
Olympic Review, n. 59, outubro de 1972, p. 398. With Lord Killanin.
1039
Para Munique, Brasil usará o mesmo elenco. O Estado de S. Paulo, 14 de dezembro de 1971, p. 36.
379

Joguei as eliminatórias, fiz alguns dos gols mais importantes da Seleção Brasileira,
mas o Antoninho esqueceu de me convocar”1040.

6.6.1 Jorge Osmar Guarnelli (1972): “Olímpicos estão em busca da


experiência”

Jorge Osmar Guarnelli disse que ficou conhecido no meio do futebol


apenas por Osmar Guarnelli. Começou a jogar no futebol no Pavunense Futebol
Clube que pertence ao bairro Pavuna, localizado no Rio de Janeiro, local onde
nasceu e foi criado. Encontrou em seu pai um grande incentivador para tentar e
seguir na carreira de atleta de futebol. Sua carreira engrenou quando Nei Conceição,
morador do bairro e jogador do Botafogo o levou para fazer um teste que teve como
resultado o seu ingresso na categoria infantil do clube. Na adolescência continou no
mesmo clube e aos 17 anos passou para os juniores. No Botafogo jogou de 1970 a
1979 e depois se transferiu para o Atlético-MG. Encerrou a carreira na Ponte Preta e
logo iniciou a carreira de treinador da própria Ponte Preta.
Sua primeira convocação para a seleção brasileira foi para disputar
uma mini-Copa realizada na França quando estava com 17 anos. Quando completou
18 anos chegou à seleção profissional e também foi convocado para os Jogos
Olímpicos de Munique. Também esteve perto de participar dos Jogos Olímpicos de
1984 quando a restrição no futebol relativa aos amadores foi modificada e os
profissionais puderam participar, apenas proibia-se a participação dos atletas que
não tivessem disputado a Copa do Mundo.
Conforme relembra Osmar, depois da Copa de 70 foi convocado
para a seleção principal e logo em seguida para a seleção olímpica. O fato que se
tornou um indicativo de sua qualidade como zagueiro logo trouxe um problema para
o atleta: em qual seleção deveria permanecer:

Eu cheguei na seleção principalmente depois de 70, da Copa de 70,


a primeira convocação que teve com o Zagallo eu fui convocado.
Ainda com 18 anos, eu jogava junto com Brito, de um lado, no
profissional e eu fui convocado para o profissional e chamado
também, convocado pra a seleção, Olimpíada de Munique. A do
profissional era [...], a Olimpíada de Munique foi em 72 e também do

1040
Fala o Zico. O Estado de S. Paulo, 5 de junho de 1982, p. 60.
380

profissional foi em 72 né. Eu joguei só um jogo no profissional porque


o Havelange queria que eu fosse para a Olimpíada de Munique
porque o Brasil não tinha sido campeão ainda, pra ganhar a medalha
de ouro. Aí eu não joguei até o final. No meio do campeonato eu já
fui embora pra Olimpíada de Munique. Mas foi muito bom pra mim
porque eu já fui, eu já fiz parte de um time que era forte. O time da
seleção profissional era o Leão, Carlos Alberto Torres, o Brito, Osmar
Guarnelli que era eu, o Marco Antônio, um ponta-esquerda, um
lateral-esquerdo, o meio de campo era Clodoaldo, Gerson, Jairzinho
e Rivelino, na frente era Jairzinho, Tostão e Paulo César Caju. O
Pelé já tinha abandonado a seleção. Então, pra mim foi muito bom,
foi um caminho muito bom. Eu já tava com 18 anos, então, eu já tava
[...], foi no início, foi muito bom.

Naquela época havia um conflito entre a CBD e vários clubes


brasileiros que não queriam liberar os atletas amadores para a seleção brasileira. Os
clubes, diante da impossibilidade de negar a convocação optavam por
profissionalizar os atletas para inviabilizar a presença deles na seleção olímpica. A
CBD, por sua vez, fazia de tudo para garantir que isso não acontecesse e,
consequentemente, ter uma seleção competitiva para os Jogos Olímpicos1041.
O COI prometia uma intensa fiscalização a respeito da condição dos
atletas pelo fato de receber muitas críticas quanto à presença dos profissionais nos
Jogos. A Argentina chegou a fazer uma denúncia formal ao COI sobre a condição do
atleta brasileiro Roberto Carlos que havia disputado o pré-olímpico. A acusação
indicava que Roberto Carlos era profissional e não amador, fato que o COB
negava1042.
Além de Osmar, o atacante Washington também estava convocado
para ambas as seleções. Na ocasião, Osmar era cotado para permanecer na equipe
profissional enquanto Washington ficaria entre os amadores. Mas foi feita uma
denúncia ao COI acusando que na seleção olímpica do Brasil havia atletas que
recebiam para jogar mesmo sem terem contratos como profissionais. Nesse
contexto, o caso de Washington e Osmar poderia causar problemas para a CBD
porque os dois figuravam nas duas seleções. Além disso, a CBD teria que provar
que todos os atletas da seleção olímpica eram amadores e que, portanto, não

1041
Destaque. Folha de S. Paulo, 29 de janeiro de 1972, p. 26 – 1º cardeno. “Por causa da participação do Brasil
na Olimpíada de Munique, conforme resolução baixada há alguns meses, a CBD vetou os pedidos de
Washington Luis de Paulo e Valter Trippé, pelo Guarani, de Campinas; e, Adolfo José Lima Neves, Alexandre
Gusmão Bueno, Adilson David e Roberto Silva, pelo Santos, para passarem à categoria de profissional”.
1042
Os dois ainda esperam uma decisão do COB. O Estado de S. Paulo, 7 de junho de 1972, p. 27.
381

recebiam salário e/ou prêmios por vitórias e empates1043. Sobre os problemas que
existiam para formar uma equipe olímpica do futebol, o presidente do COB, Sylvio
Padilha relatou as dificuldades em estruturá-la:

O que acontecia antes era sempre isso: nós formavamos um time no


começo, o pessoal se classificava. Depois os clubes tiravam os
jogadores, eles mesmos diziam querer sair, simulavam indisciplina,
doença. E quando chegava a epoca dos Jogos Olímpicos o time não
era o mesmo, era um segundo time. E foi o que quase aconteceu
agora, quando eles quiseram tirar o Osmar e o Washington, passar
para a seleção profissional. Ora, eu já estou com problemas de ter
que provar até o dia primeiro de julho que a equipe é toda amadora e
que o Roberto Carlos que jogou em Cali é amador. Porque se for
constatado que ele é profissional, a equipe toda será
desclassificada1044.

A resposta de Abilio de Almeida, diretor de Relações Exteriores da


CBD, foi enfática ao afirmar que “os jogadores convocados não têm contrato
registrado em suas Federações, e por isso são amadores” e ainda esclareceu que
se Osmar e Washington atuassem pela seleção profissional enfraqueceriam a
olímpica, além de que seriam taxados de profissionais. Abilio pautado em uma
resolução da FIFA dizia que “um time profissional pode ter no maximo três jogadores
amadores”1045. O jornalista Aroldo Chiorino afirmou que mesmo se a CBD não
conseguisse provar que os atletas eram amadores e que não recebiam nada pelas
vitórias não geraria maiores problemas quanto à participação do Brasil nos Jogos
“[...] porque é provável que o futebol deixe de ser uma das modalidades dos Jogos
Olímpicos a partir de 1976 e agora as coisas ficam como estão”1046.
O técnico da seleção amadora, Antoninho, e seu “[...] supervisor Luís
Carlos Calomino não escondem a sua vontade de ver Washington e Osmar no time,
explicando que o presidente da CBD, João Havelange, está mais interessado na
Olimpíada”1047. Além de Havelange, o presidente do COB, Sylvio Padilha, também
defendia a presença dos dois atletas na seleção olímpica como sendo “[...]
jogadores imprescindíveis à seleção de amadores e falei isso a João Havelange

1043
Denuncia contra o futebol amador do Brasil. Folha de S. Paulo, 19 de maio de 1972, p. 20 – 1º caderno.
1044
Padilha: está será nossa penultima Olimpiada ruim. Folha de S. Paulo, 26 de junho de 1972, p. 20 –
Esportes.
1045
CBD ignora se olímpicos ganham dinheiro. Folha de S. Paulo, 20 de maio de 1972, p. 22 – 1º caderno.
1046
Coisas da convocação. Folha de S. Paulo, 21 de maio de 1972, p. 25 – 1º caderno.
1047
Se Washington sair, Vaguinho poderá voltar. O Estado de S. Paulo, 3 de junho de 1972, p. 18.
382

que, como membro do Comitê Olímpico Brasileiro e Comitê Olímpico Internacional,


ficou de reunir a Comissão tecnica e a diretoria para tomar uma posição”1048.
Osmar, à época, entendia que seria melhor para sua carreira
permanecer na equipe profissional por conta da visibilidade e projeção que isso
daria a sua trajetória futebolística, mas após conversar com o supervisor Claudio
Coutinho assumiu um discurso de imparcialidade. Declarou que os dirigentes
deveriam analisar e resolver o caso: “Soube que o senhor Antonio do Passo vai
deixar para nós resolvermos, mas somente depois que ele conversar comigo é que
me definirei. Agora, não tenho preferência, porque a notícia me pegou de
surpresa”1049. Assim Osmar relatou sobre a sua convocação:

Primeiro teve a convocação pro profissional, a Copa foi aqui no Brasil


né, Mini-Copa, depois foi logo a convocação da Olimpíada de
Munique. O seu Antoninho. Eu fui convocado também, mais, como
se diz, mais uma festa pra mim né. Eu fui convocado para as duas
seleções. Eu e o Washington, centroavante do Guarani. Eu fui
convocado pras duas seleções com 18 anos. Isso aí mexeu muito
comigo. Eu não saí, não tirei os pés do chão. Quando saiu eu treinei
mais ainda, eu trabalhei mais para que eu pudesse logicamente
alcançar a minha meta mesmo que era ser campeão da Olimpíada
de Munique.

Embora houvesse a indefinição sobre qual seleção defenderiam, os


dois atletas foram anunciados na lista oficial dos convocados para os Jogos
Olímpicos. Na preparação da seleção brasileira estavam convocados 25 atletas dos
quais seis foram cortados antes dos Jogos1050.
Havia um otimismo e confiança por parte dos membros da comissão
técnica da seleção quanto ao desempenho da equipe e a possibilidade de conquistar
a medalha de ouro apesar da acusação feita, por Luís Carlos Calomino de que os
alemães haviam direcionado os grupos para não enfrentar o Brasil e a Hungria nas
oitavas de final. Em meio a essa teoria da conspiração apontada pelo supervisor
brasileiro, o próprio analisava que a impossibilidade da Hungria em levar os
jogadores da seleção profissional aumentava as chances brasileiras. Para ele, o
Brasil “[...] vai conseguir ficar em primeiro no seu grupo, e para chegar à medalha de

1048
Os dois ainda esperam uma decisão do COB. O Estado de S. Paulo, 7 de junho de 1972, p. 27.
1049
Passo prefere esperar. O Estado de S. Paulo, 3 de junho de 1972, p. 18.
1050
COB corta 6 no time que vai à Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 22 de junho de 1972, p. 36. “A lista de
cortes foi apresentada pelo supervisor Luís Carlos Calomino e pelo treinador Antoninho, e nela estão Rui (São
Paulo), Aluisio (Flamengo), Marquinho (Fluminense), Nilson e Tuca (Botafogo), e Fredy, do Palestra da Bahia”;
Olímpicos saem levando mágoas. O Estado de S. Paulo, 23 de junho de 1972, p. 23.
383

ouro não vai ser difícil, apesar dos alemães tentarem criar mais dificuldades”1051 ou
ainda, em suas palavras, o Brasil não vai “[...] apenas para figurar, mas para ganhar
o título”1052. Essa confiança também estava presente na fala do preparador físico,
Raul Carlesso: “O Brasil nunca passou das oitavas de final numa competição
olímpica. Agora vai a Munique para ganhar a medalha de ouro”1053.
Para o técnico Antoninho, esse otimismo tornou-se uma
preocupação antes do início do torneio por entender que o excesso de confiança
poderia afetar o desempenho da equipe e ressaltou a qualidade dos adversários
brasileiros1054.
Apesar de todo otimismo, o próprio técnico Antoninho, antes da
estreia contra a Dinamarca resolveu ponderar e alertou os jogadores brasileiros
quanto o excesso de confiança: “Os Dinamarqueses praticam um bom futebol e
tenho certeza que a partida será muito mais difícil do que esperamos. Em todo caso,
estou confiante na vitoria e já preveni os jogadores para que não entrem em campo
com o excesso de otimismo”1055.
Esse otimismo dos atletas brasileiros também era validado por meio
da aproximação da seleção olímpica com a seleção tricampeã do mundo em 1970,
fosse pela presença de membros tricampeões na comissão técnica, como era o caso
de Carlos Alberto Parreira ou pela forma de jogar:

A desvantagem talvez seja unicamente a falta de experiência, porque


na técnica ninguém nos supera. Faremos desta vez o nosso maior
esforço para acabar com o monopólio europeu das medalhas de ouro
do nosso esporte nacional. Com a mesma técnica e o mesmo
sistema de jogo que deram o tricampeonato mundial à seleção
profissional, esperamos vencer também nesta Olimpíada1056.

Os indicativos das qualidades ressaltadas pelos jogadores


brasileiros (digo no plural, pois o jornal não indicou de quem era a fala) não vieram a
se concretizar quando o torneio de futebol começou. Longe de se parecer com a
seleção tricampeã do mundo, a seleção olímpica foi eliminada ainda na primeira fase
após duas derrotas e um empate. Não se concretizaria o discurso pelo esforço em

1051
Olímpicos e Atlético não marcam. O Estado de S. Paulo, 14 de junho de 1972, p. 28.
1052
Calomino adverte dos do futebol. O Estado de S. Paulo, 22 de agosto de 1972, p. 32.
1053
Seleção de futebol inicia a fase final de treinos. O Estado de S. Paulo, 6 de agosto de 1972, p. 60.
1054
Antoninho só teme o excesso de otimismo. O Estado de S. Paulo, 18 de agosto de 1972, p. 28.
1055
Futebol do Brasil estréia domingo. Folha de S. Paulo, 25 de agosto de 1972, p. 35 – Esportes.
1056
Antoninho escala mas pede sigilo. O Estado de S. Paulo, 25 de agosto de 1972, p. 25.
384

acabar com o monopólio europeu de conquistas no futebol olímpico. De acordo com


Osmar, a campanha brasileira no torneio olímpico foi a seguinte:

[...] nós empatamos dois jogos e depois nós perdemos pra Polônia.
Polônia do [...]. Polônia que foi caminhando, ela tava caminhando
com aquela seleção olímpica, foram três Copas do Mundo com essa
seleção. Com tal de Lato, um carequinha. Eu joguei com ele na
seleção olímpica né. Eles foram campeões em Munique né. Eu acho
que foram campeões em Munique e esse Lato e aquela turma toda
jogaram três Copas do Mundo. De juvenil, de júnior até o profissional
jogaram três Copas do Mundo e isso aí foi muito bom. Nós perdemos
a classificação com o Lato, com a Polônia. Perdemos de 2 a 0 deles.
É uma seleção muito boa.

Osmar não falou sobre os detalhes de cada partida e mencionou que


empataram com duas seleções. Em vários momentos da entrevista disse que as
lembranças estavam “longe”. Talvez por isso, tenha esquecido que a campanha da
seleção brasileira teve um empate e duas derrotas. Além disso, indicou que o Brasil
perdeu para a Polônia, mas nos Jogos Olímpicos o Brasil não atuou contra essa
seleção. Houve um jogo dois anos depois, válido pela Copa do Mundo de 1974,
entre Brasil e Polônia pela disputa do terceiro lugar da competição.
A confusão de Osmar, talvez seja pelo fato de que na época da
Copa do Mundo de 1974 fora ressaltado que “o time polonês que enfrenta o Brasil é
praticamente o mesmo que foi campeão olímpico, há dois anos, em Munique”1057.
Apesar de Osmar não ter ido à Copa do Mundo a construção da memória de sua
participação olímpica se fundiu a outros acontecimentos impossibilitando de pontuar
com precisão a sua experiência vivida, no caso, a participação olímpica, de outros
momentos que acompanhou do futebol. Quando retomou a campanha brasileira,
Osmar pontuou que os 40 anos que distanciavam para essa participação olímpica
dificultavam precisar os resultados do Brasil.

Nós perdemos, nós empatamos com o Irã, Irã. Empatamos com o


Irã. Empatamos com o Irã. Perdemos pra a Polônia. Tá longe, tá
muito longe. Tá muito longe! Mas seleções boas. Bem marcadas,
marcavam muito. O europeu sempre marcam muito, sabe. Eles
marcavam e saíam para o jogo rápido e tudo. Nós estávamos fora do
nosso aquário né, era diferente o nosso negócio.

1057
Agora, a Polônia já não é só uma surpresa. O Estado de S. Paulo, 6 de julho de 1974, p. 19.
385

Na estreia no torneio olímpico, o Brasil perdeu para a Dinamarca (2


1058
a 3) . A derrota explicitou as deficiências da equipe. Embora a seleção tivesse
feito inúmeros jogos na fase preparatória, o supervisor Calomino afirmou que a “[...]
inexperiência do time, ‘que nunca havia tomado mais de um gol na sua preparação’,
um dos fatores basicos da derrota. ‘A defesa falhou em vários lances evidentes de
chuveirinhos na área’”1059.
Depois da derrota no primeiro jogo, o Brasil empatou com a Hungria
(2 a 2) e precisaria de uma combinação de resultados – vencer o Irã por 5 a 0 e
depender de uma vitória da Dinamarca contra a Hungria1060. Sobre esse empate
com os húngaros, o primeiro gol foi assim relatado pelo jornal O Estado de S. Paulo:
“A Hungria fez o primeiro gol, aos 4’ do 1.o tempo, depois de uma falha de Osmar,
que deixou a bola passar por entre as pernas, sobrando livre para Dunai marcar”1061.
Provavelmente, esse fato pode explicar o silêncio de Osmar sobre essa partida.
Na última rodada da primeira fase o Brasil enfrentou o Irã e
precisava vencer o adversário por uma grande diferença de gols. No entanto, a
derrota para uma seleção de pouca tradição futebolística sacramentou a
desclassificação dos brasileiros. Sobre a combinação de resultados que poderia
assegurar a classificação brasileira para as quartas de final “[...] não foi preciso
torcer: para surpresa de todos, o Brasil acabou perdendo até para a fraca seleção do
Irã, no futebol, por 1 a 0, e está definitivamente eliminado da Olimpíada de
Munique”1062. Apesar da campanha abaixo do esperado e a desclassificação logo na
primeira fase, Osmar ressaltou as qualidades daquela seleção olímpica:

Nós perdemos a classificação, nós não nos classificamos para a


segunda etapa e dentro disso aí ficou triste né porque nós tínhamos
uma seleção boa, uma seleção boa. A seleção era Nielsen, Terezo, o
Fred, eu (Osmar), o Celso, o Celso, na frente, o meio de campo era
Falcão, Angelo, o Rubens, na frente era o Pedrinho Gaúcho,
Pedrinho Gaúcho, Washington, Washington e o Dirceuzinho, Dirceu
ponta-esquerda. Nosso time era um time bom, mas só que lá fora
também tinha jogadores bons, de seleções boas. E nós fomos
desclassificados, mas faz parte do futebol.

1058
Futebol, o desastre. Folha de S. Paulo, 28 de agosto de 1972, p. 21 – Esportes.
1059
Futebol muda a defesa para evitar a eliminação. O Estado de S. Paulo, 29 de agosto de 1972, p. 28.
1060
Futebol, quase fora. Folha de S. Paulo, 30 de agosto de 1972, p. 28.
1061
Futebol empata e sai de campo chorando. O Estado de S. Paulo, 30 de agosto de 1972, p. 27.
1062
Futebol perde até do Irã e está fora dos Jogos. O Estado de S. Paulo, 1 de setembro de 1972, p. 28. Futebol,
a despedida humilhante. Folha de S. Paulo, 1 de setembro de 1972, p. 40.
386

Ao chegar ao Brasil, o técnico Antoninho estava triste com o


desempenho da seleção, com o investimento de nove anos e recusar convites de
clubes do exterior para ser o técnico da seleção olímpica. Inconformado, Antoninho
saiu em busca de explicações para a derrota acusando os adversários de serem
falsos amadores, isentando o seu trabalho e o desempenho dos atletas brasileiros
na competição. Dessa forma, Antoninho afirmou:

“[...] que não esperava encontrar facilidades e tinha informações a


respeito das equipes dos países da ‘Cortina de Ferro’, assim mesmo
ficou surpreso com o que viu. Para ele, enquanto não for modificado
o regulamento, permitindo apenas a participação de jogadores até 20
anos de idade o Brasil não deve participar do torneio olímpico de
futebol. A mesma conclusão que chegou o preparador físico Carlos
Alberto Parreiras1063, que viajou com a delegação de futebol e afirma
que houve um fracasso dos jogadores, mas sim “um desnível de
idade além da falta de experiência de alguns”1064.

O presidente da CBD, João Havelange, também procurou


explicações para justificar os resultados obtidos pelo futebol no torneio olímpico e
encontrou na falta de experiência internacional o motivo pelo qual o futebol não teve
êxito na competição. Além desse fator, também apontou a diferença de idade como
um elemento que colocou o Brasil em desvantagem, em termos de maturidade e
acúmulo de experiências, em relação aos países finalistas. Havelange declarou:

Todos os finalistas têm a média geral de idade em 25 anos, enquanto


os brasileiros não passam de 19. Além disso, a média de
participação de jogos internacionais dos vencedores é de 17 a 21
jogos, enquanto os brasileiros somente atuaram 5 vezes em partidas
internacionais. Jogaram bem contra a Dinamarca e empataram com
os hungaros. Logo depois perderam, por azar, para o Irã1065.

Naquela época a participação do atleta nos Jogos Olímpicos era


efetivada ao ter comprovada a sua condição de amador. Sendo amador, a idade do
atleta não era uma condição restritiva e por esse motivo, em parte é válido afirmar
que os países que não adotavam o profissionalismo possuíam atletas mais
experientes, tanto em idade quanto na participação em diversas competições
internacionais, mas por outro lado não podemos aceitar esses fatores como sendo a
1063
No jornal está grafado como Parreiras e não como Parreira.
1064
Antoninho chora, falta experiência. O Estado de S. Paulo, 13 de setembro de 1972, p. 22.
1065
CBD forma comissão para estudar o projeto. As explicações de Havelange. O Estado de S. Paulo, 30 de
setembro de 1972, p. 19.
387

única condição do insucesso brasileiro no futebol olímpico até porque muitos dos
atletas nacionais já atuavam na equipe profissional de seus clubes. O supervisor
Calomino também recorreu ao argumento da idade para justificar a derrota do
futebol brasileiro e ressaltou a dificuldade do Brasil em se organizar:

Na URSS, Hungria e até mesmo Irã eles formam seleções para as


Olimpíadas muito superiores às que disputaram a Mini-Copa no
Brasil. Os jogadores são de excelente qualidade, jogam por clubes
mas não fazem desse esporte profissão. Vivem dos outros
empregos. Enquanto nós, quando conseguimos preparar um craque,
ele aos 18 anos já está interessado no profissionalismo e não pode
participar das Olimpíadas1066.

Em busca de mudanças no futebol olímpico, o diretor da CBD Abilio


de Almeida montou um relatório que seria entregue à FIFA em que criticava o
profissionalismo de algumas seleções e sugeria a implantação do limite de idade
para os atletas. Para ele, “Se o futebol nos Jogos Olímpicos continuar sendo
disputado por pessoas de qualquer idade creio que o Brasil acabara sugerindo uma
Copa Mundial de Juvenis, nos anos impares, o que seria um sucesso”1067.
Enquanto os atletas brasileiros sonhavam com o profissionalismo,
eles eram considerados oficialmente como amadores por possuírem um contrato de
gaveta, mas na prática compunham o quadro do time profissional. De acordo com
Osmar, “era um contrato que você assinava e você ficava preso. O clube fazia o que
tinha que fazer com você, fazia de tudo. Mas não vendia, não dava, não emprestava.
Tava na gaveta, como é que se falava”.
Ao assinar o contrato de gaveta, Osmar não ficava registrado nem
na Federação Carioca de Futebol e nem na CBD. Sem o registro, para efeitos legais
Osmar não era um atleta profissional, fosse na visão do Botafogo, o seu clube, fosse
na visão da CBD, do COB, da FIFA ou do COI. Com isso “os clubes se prevalecem
do ‘amadorismo’ desses jogadores para lhes pagar salarios menores do que os
recebidos por seus colegas”1068. Na prática o contrato de gaveta fazia com que os
atletas fossem considerados oficialmente amadores, mas na prática eram atletas
profissionais. O resultado disso fornecia aos atletas brasileiros uma série de

1066
“Não temos condições de competir”. Folha de S. Paulo, 8 de setembro de 1972, p. 16.
1067
Abilio faz estudo do futebol na Olimpiada. Folha de S. Paulo, 19 de setembro de 1972, p. 31 – Esportes.
1068
Amadorismo ou não? Há muito artifício. Folha de S. Paulo, 20 de maio de 1972, p. 22 – 1º caderno.
388

experiências aos integrantes da seleção olímpica e de limitações que envolviam


esses jogadores, assim relembrou Osmar:

Tinha, em termos, né. Porque daqui nós éramos como júnior. E eles
lá não eram júnior. Eles eram júnior-profissional. Um negócio
misturado disso aí. Eles jogavam no profissional e jogavam também
no júnior. Mas nós também, o nosso time [...], o nosso time todos os
jogadores jogavam no profissional. Eu jogava no profissional, o
Falcão jogava no profissional, o Dirceu, tá me entendendo, o Fred,
todo mundo jogava no profissional. Mas aí tinha uma, como é que se
diz, uma, uma experiência muito grande. E com isso aí deu mais pra
eles do que propriamente a gente né.

Os atletas brasileiros poderiam não ter a experiência internacional


acumulada da mesma forma que os europeus, mas pelo fato de atuarem nas
equipes profissionais, mesmo que às vezes não fossem os titulares absolutos, esses
atletas acumularam, apesar da pouca idade, experiências futebolísticas. Portanto,
esse argumento de que não eram experientes soa muito mais como uma desculpa
do que um fator limitador para os brasileiros, pois a oportunidade de atuar no
profissional permitia a eles ter um diferencial entre os amadores. Não se pode
esquecer que para suprir essa deficiência da equipe brasileira foi realizada uma
série de amistosos contra clubes profissionais para que o acúmulo de partidas
pudesse ajudar a seleção contra os países que contavam com jogadores mais
experientes.
A contradição da fala do Osmar também aconteceu quando afirmou
que existiu uma cobrança para a conquista da medalha de ouro, especialmente,
sobre os atletas que atuavam como titulares de suas equipes. Segundo Osmar:

E nós tivemos também uma cobrança muito grande porque o nosso


time, a nossa seleção era um time, era um time feito com jogadores
que estavam como titular em nossos times, entendeu. Então, nós
sabíamos que nós íamos levar, que nós íamos vencer, tá
entendendo. Mas nós pisamos, vamos dizer assim no pedaço errado
e perdemos os jogos, sabe. Então, é aquele negócio: perde e não
tem como recuperar. Nós fomos muito cobrados, principalmente, nós
jogadores que estávamos como titular em nossos times e nós sabia
que poderíamos sair campeões, mas nós não sabia que as outras
seleções eram boas. Seleções prontas para fazer isso e eles fizeram
isso aí.
389

Também houve uma tensão na relação da imprensa com a seleção


brasileira de futebol. Enquanto não havia uma decisão quanto ao caso da Rodésia,
os jornalistas começaram a entrevistar os atletas do futebol para saber se a opinião
deles era a mesma do COI. O supervisor Luís Carlos Calomino após ver jogadores
brasileiros concedendo entrevistas resolveu proibir os atletas de falarem. “Ele tomou
essa decisão depois que viu alguns jogadores sendo abordados sobre o assunto, e
apesar deles terem respondido que ignoram a existencia do problema, Calomino
prefere evitar que acabem fazendo alguma declaração desastrosa”1069. O controle
pelos corpos dos jogadores também passava pelas opiniões que eles emitiam,
muitas vezes justificada que eram jovens e não teriam condições de fazer análises
políticas.
O atentado ocorrido dentro da Vila Olímpica foi um fato marcante da
experiência olímpica de Osmar. Souberam do ocorrido somente no dia seguinte e
segundo suas palavras:

À noite saiu umas bombas lá, nós estávamos no quarto conversando.


Já tinha parado a gente, nós não tínhamos classificado e saíram
umas bombas lá e tal, não sei o que. Nós estávamos conversando e
falamos: ‘já começaram ganhando medalha, o ouro, olha a bomba’.
Aí depois estão soltando muitas bombas, ‘isso aí é medalha de ouro
que estão ganhando por aí’. E nós estávamos assim. Quando nós
descemos, de manhã, não, a noite mesmo o supervisor, o Claudio
Coutinho, que faleceu, ele vem no nosso alojamento pedindo que
ninguém saísse porque tava acontecendo algum problema, tá me
entendendo, algum problema perigoso. Aí nós ficamos sabendo que
tinha esse atentado né. Quando nós fomos tomar café da manhã,
nós fomos pro restaurante, aí olhava assim pros lados tinha outra,
vamos dizer um pouquinho distante né, o pessoal com capuz na
cabeça, com metralhadora, tinha três, quatro desses camaradas
andando em cima do telhado sabe, tomando conta. Aí nós falamos
assim: ‘isso aí foi um atentado, eles estão levando os jogadores
olímpicos não sei da onde’. Aí que nós fomos saber que era o Iraque
né? O Iraque? Não sei.

A troca do país dos atletas que sofreram o atentado pode ser um


indicativo da distância entre o acontecimento e o relato de Osmar. Também pode ser
explicado, como ele mesmo relatou, pela tensão que se instaurou em Munique após
o atentado: “Ficou um negócio muito difícil. E nós viemos de lá pra cá também
nervoso. Foi também um voo muito nervoso porque poderia ter alguma bomba lá
dentro. Foi terrível”. Osmar se recordou que qualquer pessoa passou a ser suspeita
1069
No futebol, a ordem é calar. O Estado de S. Paulo, 23 de agosto de 1972, p. 27.
390

naquela situação e os atletas do futebol praticamente não saíram da Vila Olímpica


até regressar ao Brasil.
Nas lembranças de Osmar não houve interferência do governo
militar em relação ao futebol. Para ele, o que existia era uma comissão técnica muito
competente que contava com Claudio Coutinho e com uma preparação muito bem
realizada em que os treinamentos aconteceram na Escola de Educação Física do
Exército localizada na Urca. Apesar de Osmar dizer que não havia interferência
explícita aos olhares dos jogadores, existia uma relação entre os membros do COB
e da CBD, especialmente de João Havelange e Jerônimo Bastos com o governo do
presidente Garrastazu Médici. Um encontro antes de partirem para Munique revelou
o posicionamento de Médici: “Muitos acham que demos pouco para o esporte, mas
se demos pouco é porque temos pouco. O importante é que vamos organizados, e
quem vai organizado deve colher alguns frutos, como temos colhido no futebol e em
outros esportes”. Além disso, colocava-se à parte de um possível mérito pela
conquista de medalhas por entender que, caso isso viesse a acontecer, deveria ser
dado aos dirigentes do COB, dos técnicos e dos atletas1070.
Sobre a relação do futebol na Copa do Mundo e nos Jogos
Olímpicos falou pouco e apenas ressaltou que eram muito jovens, sem experiência e
apesar da dedicação nos treinamentos não tinham como competir com os
profissionais, isto é, os atletas dos países da Cortina de Ferro que levavam os
amadores que tinham tempo para treinar tanto quanto os atletas profissionais, sendo
que muitos deles acabavam por disputar uma Copa do Mundo1071.
Portanto, Osmar corroborou com a visão e justificativas da derrota
brasileira nos Jogos de Munique ao afirmar que os atletas participantes da edição
olímpica não possuíam muitas experiências e aos que disputaram uma Copa do
Mundo, esses sim eram experientes. Como Osmar é parte daquela história não
consegue se distanciar dos fatos para ter um ponto de vista diferente, e não percebe
que sua fala contradiz o que havia dito sobre muitos atletas atuarem nas equipes
profissionais de seus clubes. Existe, dessa forma, uma visão estabelecida e

1070
Para Médici, o tempo da improvisação acabou. O Estado de S. Paulo, 11 de agosto de 1972, p. 24.
1071
Para a Copa do Mundo de 1966, o técnico da Hungria, por exemplo, convocou todos os atletas que haviam
disputado os Jogos Olímpicos de Roma. Nessa reportagem era feita uma análise das seleções que o Brasil jogaria
na primeira fase. Os três adversários. Hungria. O Estado de S. Paulo, 7 de janeiro de 1966, p. 16. “Lajos Baroti
[técnico] aproveitou, inclusive, todos os jogadores que disputaram a Olimpíada de Roma e vêm realizando jogos-
treinos e jogos oficiais, sempre com bons resultados”.
391

difundida pela visão oficial – governo e dirigentes brasileiros – que são, por sua vez,
compartilhadas pela visão dos jogadores, no caso, de Osmar.
Ao final dessa edição olímpica, o ministro da Educação e Cultura1072,
o coronel Jarbas Passarinho juntamente com o presidente do CND, brigadeiro
Jeronimo Bastos se reuniram para entender os motivos do baixo desempenho
brasileiro e planejar alterações para os próximos Jogos Olímpicos1073. Tanto o
ministro da cultura1074 quanto o presidente do COI1075 criticaram os comentários de
que o Brasil havia fracassado nos Jogos e pediram para não culpar os atletas. Para
Anatol Rosenfeld, essa condição de exclusividade do futebol, tanto nas ações dos
dirigentes quanto da imprensa, gerava uma série de problemas para os demais
esportes e não eram exclusivas somente daquele momento, eram fruto de uma
característica histórica do país:

Há, no entanto, um ponto importante que até agora não encontrou


suficiente atenção. Trata-se do problema da motivação num país em
que o futebol profissional suga literalmente todo o potencial de
interesse esportivo, canalizando também boa parte das atividades
futebolísticas amadoras, em função da expectativa de
profissionalização. É exata a observação do brigadeiro Jeronimo
Bastos, presidente do Conselho Nacional de Desportos, de que a
paixão pelo futebol é a principal responsavel pelo fracasso dos outros
esportes. O futebol no Brasil é um demonio antropofágico e não é
preciso repetir que interesses econômicos (e outros interesses não
esportivos) contribuem para manter este estado de coisas. Como
espetaculo e como pratica o futebol tem o dominio absoluto,
obliterando ou marginalizando, quase por inteiro, qualquer interesse
por outras atividades esportivas1076.

Porém, as reuniões que eram a promessa de alterações da estrutura


do esporte amador brasileiro visando o planejamento para futuras participações
olímpicas logo foram substituídas pela discussão de um programa para o futebol

1072
Um mês após os Jogos Olímpicos de Munique, em uma proposta do deputado Leo Simões (MDB) cogita-se
a criação do Ministério dos Esportes. Ver: Deputado quer criação do Ministério dos Esportes. O Estado de S.
Paulo, 19 de outubro de 1972, p. 39; Projeto o Ministerio de Esportes. Folha de S. Paulo, 19 de outubro de
1972, p. 37 – Esportes.
1073
Ministro ouve amanhã os atletas e dirigentes. O Estado de S. Paulo, 14 de setembro de 1972, p. 36. Ver
também: Ministro discute hoje os erros da Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 15 de setembro de 1972, p. 22.
1074
Afinal, não era uma guerra. Folha de S. Paulo, 16 de setembro de 1972, p. 1 – 1º caderno.
1075
O intercambio fará nosso esporte mais forte, diz Padilha. Folha de S. Paulo, 4 de outubro de 1972, p. 28.
1076
Faltam motivação e divulgação do atletismo por trás do insucesso olímpico do “país do futebol”. O Estado
de S. Paulo, 31 de dezembro de 1972, p. 122.
392

profissional1077. E o que o próprio brigadeiro Jeronimo Bastos criticava, segundo


Rosenfeld, tornou-se o foco das ações que prometiam mudanças no futebol
profissional e não no esporte amador.
A nova pauta indicava a dificuldade dos dirigentes e governantes
brasileiros em estruturar um planejamento para o esporte em longo prazo. Além
disso, revelava a hierarquia das prioridades, com o futebol profissional estando à
frente dos demais esportes e por consequência explicitava a impossibilidade de
estruturar ações conjuntas sem priorizar um ou outro esporte. Não restavam dúvidas
de que as discussões sobre a jornada de trabalho dos atletas de futebol deveriam
fazer parte da pauta das reuniões, porém discutir o futebol profissional em
detrimento dos demais esportes indicava que poucas mudanças estavam por vir no
esporte brasileiro1078.

6.7 Enquanto o COB e a CBD querem transformar o Brasil em uma


potência esportiva, Havelange vai para a FIFA

Depois dos resultados insatisfatórios obtidos nos Jogos de Munique


de 1972 e após as críticas de olhar apenas para o futebol profissional como ação
para desviar o foco do desempenho nacional nos Jogos, o COB preparou com uma
antecedência de três anos um plano para o esporte amador brasileiro1079.
O projeto apresentado por Sylvio Padilha tinha apoio financeiro da
CBD e estava sob orientação técnica do Departamento de Educação Física e
Desportos do Ministério da Educação. No entanto, a crítica esportiva pontuava que a
reforma no esporte amador era uma tarefa difícil porque “O Brasil é um país
conquistado e subjugado pelo futebol e seu fascínio. Para todos, nada é mais
importante que o título mundial de futebol e até nos meios de comunicação este

1077
Quem quiser jogar futebol terá de ser alfabetizado. Folha de S. Paulo, 27 de setembro de 1972, p. 27 –
Esportes. Profissionalismo em nova fase. Folha de S. Paulo, 28 de setembro de 1972, p. 44. Futebol sempre um
bom assunto. O Estado de S. Paulo, 30 de setembro de 1972, p. 19.
1078
Futebol sempre um bom assunto. O Estado de S. Paulo, 30 de setembro de 1972, p. 19. A discussão vigente
versava sobre uma criação de uma resolução que pudesse impedisse o clube de obrigar seu atleta a jogar mais de
65 partidas por ano.
1079
Depois do impacto, o que resta? O Estado de S. Paulo, 9 de janeiro de 1973, p. 27.
393

excessivo amor acaba matando os pequenos carinhos reservados ao esporte


amador”1080.
O plano previa dois momentos: uma parte organizacional que
envolveria um trabalho em longo prazo, contendo preparação, disputa de
competições dentro e fora do Brasil, além de auxilio técnico de outros países e a
construção de novas praças esportivas; a outra parte referia-se as competições que
estavam por vir, Pan-Americano do Chile de 75 e os Jogos Olímpicos de Montreal
761081.
Além disso, havia um plano para criar uma disputa, chamada de
Troféu COB, com a intenção de integrar as competições de todas as modalidades
esportivas entre os Estados brasileiros1082. De imediato, a implantação do programa
começaria apenas com o atletismo, natação, voleibol e remo, estando os esportes
divididos em grupos1083.
Apesar dessa mobilização em relação a um novo pensamento
esportivo brasileiro, o futebol amador continuava alheio a essa condição de
mudança. O fracasso da seleção brasileira nos Jogos de Munique fez com que o
futebol, segundo Sylvio Padilha, fosse “o unico esporte olímpico que ficou
marginalizado do plano [...] o futebol ficou entregue à CBD devido aos calendários
que tem para cumprir normalmente, mas afirmou que pensa na formação da Seleção
Brasileira de amadores [...]”1084.
As especulações em torno da participação brasileira logo
começaram a surgir. Imaginava-se que João Havelange, ainda presidente da CBD,
fosse vetar a participação brasileira no torneio de futebol a menos que a FIFA
alterasse o regulamento1085, especialmente, “[...] na parte referente à idade dos
jogadores, porque muitos países europeus utilizam integrantes até de suas seleções
principais”1086.

1080
O futuro do esporte amador. Folha de S. Paulo, 2 de janeiro de 1975, p. 21 – Esportes. Texto de Artur
Vogel.
1081
COB expõe planos para Montreal. O Estado de S. Paulo, 5 de janeiro de 1973, p. 24.
1082
COB expõe planos para Montreal. O Estado de S. Paulo, 5 de janeiro de 1973, p. 24. A exceção seria o
basquetebol pelo fato da Confederação Brasileira de Basquetebol possuir, naquele momento, um extenso
programa de competições. Ver também: Padilha discute os calendários. O Estado de S. Paulo, 14 de janeiro de
1973, p. 47.
1083
Plano do COB programa o futuro do nosso esporte. O Estado de S. Paulo, 17 de janeiro de 1973, p. 23.
1084
COB expõe planos para Montreal. O Estado de S. Paulo, 5 de janeiro de 1973, p. 24.
1085
Um campeonato maior. Folha de S. Paulo, 10 de janeiro de 1973, p. 41. Texto de Aroldo Chiorino.
1086
Havelange veta ida a Montreal. O Estado de S. Paulo, 10 de janeiro de 1973, p. 23.
394

O técnico da seleção brasileira continuava a ser Antoninho e em


1973 iniciava o período de treinamento da equipe amadora que jogaria nos torneios
de Cannes e da África do Sul1087. Havia, porém, um problema em relação ao torneio
da África do Sul já que esse país estava suspenso da FIFA por conta de sua política
de segregação racial. Isso significava que as pretensões de Havelange em ser
presidente da FIFA passavam pelo distanciamento de possíveis conflitos com as
decisões da entidade. Dessa forma, na época, noticiou-se que “A CBD deverá
cancelar a participação da seleção brasileira de amadores no torneio da África do
Sul, para evitar qualquer problema político com a FIFA e, principalmente, não
prejudicar a candidatura de Havelange à presidência da entidade internacional”1088.
No Congresso da FIFA realizado em 1964 havia sido decidido pela
punição da África do Sul, mas após os Jogos de Munique, por maioria, o Comitê
Executivo da entidade considerou que os problemas raciais haviam sido eliminados
desse país e concordava com a realização do torneio. Abílio de Almeida consultou o
estatuto da FIFA e identificou que o Comitê Executivo não poderia modificar uma
decisão tomada em Congresso e caso o Brasil fosse para a África do Sul poderia ser
punido pela FIFA1089.
Além da constatação da possível punição, o que estava por trás
desse discurso era garantir para Havelange os votos africanos por ocasião da
disputa pela presidência da FIFA, pois se o Brasil fosse disputar o torneio os outros
países africanos retirariam o apoio a Havelange.
A ação de Havelange por ser calculada permitia a ele projetar a sua
vitória na disputa pela presidência da FIFA1090. Isso era possível porque ele tinha
clareza de três elementos essenciais do mundo esportivo: o que, como e porque
assumir determinados posicionamentos no mundo do futebol. Para concretizar esses
três elementos, Havelange sabia que precisaria conhecer de perto e de dentro os
seus possíveis eleitores e para isso sabia que se recebesse “[...] o voto de todos os
países onde estive, terei mais do que o necessario para alcançar a vitoria, ainda na
primeira votação, obtendo mais de dois terços dos votos”1091.

1087
Paraguai exige pressa da CBD. O Estado de S. Paulo, 1 de fevereiro de 1973, p. 31.
1088
CBD cede as ameaças da África: seleção não vai. O Estado de S. Paulo, 9 de fevereiro de 1973, p. 23.
1089
CBD cede as ameaças da África: seleção não vai. O Estado de S. Paulo, 9 de fevereiro de 1973, p. 23.
1090
Havelange faz contas: já venceu. O Estado de S. Paulo, 9 de dezembro de 1973, p. 92. No mesmo jornal,
porém do dia 19 de abril de 1974, na entrevista feita com Havelange (Buscar os votos, tática de Havelange), são
indicados 141 países filiados, mas dois deles estavam suspensos (África do Sul e Rodésia).
1091
Buscar os votos, tática de Havelange. O Estado de S. Paulo, 19 de abril de 1974, p. 21.
395

Quanto ao futebol olímpico, tanto Havelange quanto o major Sylvio


Padilha consideravam que o Brasil estaria praticamente fora dos Jogos Olímpicos
nessa modalidade pela grande diferença entre os países que enviavam seus
amadores enquanto em alguns países socialistas utilizavam atletas experientes e
que defendiam as seleções titulares1092. No entanto, o discurso do COB oscilava
dependendo dos resultados da seleção brasileira amadora. O tricampeonato
conquistado no torneio de Cannes1093 abria possibilidades para que o futebol
brasileiro estivesse presente nos Jogos Olímpicos de Montreal1094.
Na reunião entre o presidente da República, Médici, e João
Havelange, presidente da CBD, foi comunicado o aumento da verba proveniente,
principalmente, da Loteria Esportiva, que possibilitaria a criação ainda em 1973 de
22 confederações esportivas1095, número correspondente às modalidades olímpicas,
deixando para o ano seguinte à criação de confederações que não fossem
olímpicas1096.
Quando o CND repassou a verba da Loteria Esportiva (Cr$
11.017.000,00), a distribuição foi desigual entre as modalidades, ficando o futebol
com a maior parte do valor destinado às Confederações1097. Os três esportes que
mais receberam verbas foram as modalidades coletivas pelo fato de envolverem um
maior número de atletas. Embora esse argumento fosse válido, a diferença dos
valores entre os esportes que receberam mais verba quando comparados ao futebol
revelava que a política esportiva brasileira priorizava o futebol em detrimento dos
demais esportes.
Não somente a saída de João Havelange da presidência da CBD
para assumir a presidência da FIFA, mas também de Silvio Pacheco, vice-presidente
da entidade, bem como a possível saída dos demais dirigentes poderia dificultar,
devido ao processo de transição, a implantação da proposta de mudanças do
esporte brasileiro1098. Por mais que a ação concreta tivesse sido tomada em relação

1092
COB. O Estado de S. Paulo, 6 de março de 1973, p. 18.
1093
Antoninho, com os nossos parabéns. Folha de S. Paulo, 30 de abril de 1973, p. 25 – Esportes.
1094
O futebol amador pode ir a Montreal. O Estado de S. Paulo, 27 de abril de 1973, p. 27.
1095
A CBF ainda é só boato, mas pode surgir em 76. Folha de S. Paulo, 11 de abril de 1975, p. 36 – Esporte.
1096
Médici e Havelange discutem a reforma do esporte amador. O Estado de S. Paulo, 14 de agosto de 1973, p.
30.
1097
CND distribui verbas, o futebol ganha mais. O Estado de S. Paulo, 6 de fevereiro de 1976, p. 24. “Com Cr$
4.016.800,00, quase metade da verba, o futebol foi o esporte mais beneficiado, enquanto a menor parte coube ao
boxe, com apenas Cr$ 62.700,00. Além do futebol, o basquete e o vôlei foram os mais favorecidos, cabendo ao
basquete Cr$ 1.272.200,00 e ao vôlei Cr$ 1.081.600,00”.
1098
Dia 30 de dezembro, fim da era Havelange. O Estado de S. Paulo, 23 de novembro de 1974, p. 21.
396

ao futebol profissional, a reestruturação dos demais esportes começava a acontecer


concomitantemente à ação de integrar os atletas por meio do Troféu COB.
A princípio Havelange queria acumular os dois cargos, mas
encontrou oposição do Ministro da Educação Ney Braga que o condicionou a optar
por uma das duas entidades por entender ser impossível governá-las
conjuntamente. A saída do grupo que estava no poder dentro da CBD representava,
por outro lado, a possibilidade de mudanças efetivas já para o ano de 1975, “[...]
iniciando uma nova fase que pode significar o fim do ‘cartola’ e o surgimento do
verdadeiro dirigente, o administrador”1099. Havelange não comentou sobre seu
possível sucessor e tampouco indicou algum nome para sucedê-lo1100. O escolhido
para ocupar o seu lugar foi o almirante Heleno Nunes1101 que, no entanto, afirmou
que se tornou presidente da CBD por uma indicação do próprio Havelange1102.
Sob a perspectiva das mudanças foi estruturado o Plano Nacional de
Educação Física (PNED) que indicava as principais metas que o Ministério da
Educação e Cultura deveria estabelecer em curto, médio e longo prazo1103. Meses
antes do lançamento, Sylvio Padilha, presidente do COB, pontuava que o Brasil
demoraria a conquistar bons resultados no esporte mundial (8 a 10 anos) devido à
falta de planejamento de épocas anteriores1104.
De modo a estabelecer novos rumos ao esporte brasileiro e
recuperar o tempo perdido, esse plano contemplaria os Jogos Olímpicos de Montreal
(1976) e de Moscou (1980), porém esse último era considerado o principal teste da
implantação das mudanças1105. Em curto prazo estava previsto melhorar as equipes
competitivas nas mais diferentes esferas, das escolas aos clubes1106; em médio
prazo previam-se ações de melhoria de aspectos médicos e alimentares dos atletas
e em longo prazo se esperava ampliar a participação governamental, fosse com

1099
Este País ainda vai deixar de ser apenas do Futebol. O Estado de S. Paulo, 23 de novembro de 1974, p. 21.
1100
Havelange aceita vontade do governo e não indica ninguém. O Estado de S. Paulo, 30 de novembro de
1974, p. 29.
1101
Heleno continua até 78 e já garante Brandão. O Estado de S. Paulo, 20 de fevereiro de 1975, p. 31.
1102
“Coutinho esteve no Brasil durante a Copa-78”. O Estado de S. Paulo, 12 de outubro de 1980, p. 45. Nessa
entrevista, Heleno Nunes ainda afirmou que “O Havelange deixou uns Cr$ 15 milhões de dívidas e tudo foi pago
quando eu assumi”.
1103
O novo plano do esporte. O Estado de S. Paulo, 28 de maio de 1976, p. 22.
1104
O esporte precisa conquistar escolas. Folha de S. Paulo, 2 de fevereiro de 1976, p. 18.
1105
Só em 1980 nosso esporte vai ter seu verdadeiro teste. O Estado de S. Paulo, 5 de março de 1975, p. 25.
1106
O esporte precisa conquistar escolas. Folha de S. Paulo, 2 de fevereiro de 1976, p. 18. Na visão de Sylvio
Padilha, “Enquanto o esporte estiver somente nos Diários Oficiais, como obrigatoriedade escolar, enquanto ele
não entrar no ensino primário principalmente, que é onde se tem a base de tudo para depois se passar ao ensino
secundário, onde o estudante pode ter um nível melhor para que ele [não] se desenvolva em vão. Normalmente,
enqaunto não se tem isso, não se pode ter esporte em nosso país”.
397

incentivos ou outros procedimentos, na estruturação das equipes competitivas1107. A


aplicação do plano proposto só seria colocada em prática após a aprovação do
Congresso1108.
Apesar dessa organização houve um atraso para o início do
treinamento dos esportes brasileiros, fato que gerou indignação por parte do
presidente do CND, Heleno Nunes, ao afirmar que o atraso foi “falta de
responsabilidade de alguns presidentes”1109. A CBD, por sua vez, alegando excesso
de serviço adiou por três vezes a entrega do plano olímpico1110.

6.7.1 “Por que os tricampeões mundiais de futebol não podem ser


campeões olímpicos?”

Entre os Jogos Olímpicos de Munique e os de Montreal, uma série


de mudanças começaram a ser pensadas quanto ao futebol olímpico. A Associação
de Futebol da Grã-Bretanha fez uma sugestão que interferia diretamente na
elegibilidade dos atletas nos Jogos Olímpicos: queriam abolir a distinção entre o
termo profissional e amador, adotando-se apenas a palavra “jogador” para se referir
aos atletas do futebol1111.
A FIFA aprovou a participação de 16 seleções para os Jogos de
Montreal, porém reduziu a inscrição dos atletas dessa modalidade de 19 para 17
jogadores. Além dessas mudanças, o COI aceitou a restrição da participação nos
Jogos Olímpicos dos atletas que participaram ou poderiam participar de uma Copa
do Mundo de futebol1112.
O aumento de seleções autorizadas a participar do torneio de futebol
fez com que crescesse o interesse para disputar as eliminatórias se comparado com

1107
Olimpíada, principal meta do plano de reforma do esporte. O Estado de S. Paulo, 1º de março de 1975, p.
27. A proposta foi formulada por Nelson Mello e Souza que era diretor do planejamento da Organização dos
Estados Americanos.
1108
É cedo para a ambição. O Estado de S. Paulo, 18 de maio de 1975, p. 56.
1109
Adiado início da preparação do Brasil para as Olimpíadas. Folha de S. Paulo, 2 de janeiro de 1971, p. 21 –
Esportes.
1110
CBD, de novo, adia entrega do plano olímpico. Folha de S. Paulo, 8 de janeiro de 1976, p. 26 – 1º Caderno.
1111
Olympic Review, n. 62-63, janeiro – fevereiro de 1973, p. 71. Fédération international de football amateur.
“Following the decision of the Football Association Council (G.B.) to abolish the distinction between
professionals and amateurs and just to call them ‘players’ analyses the reasons and consequences of this
decision, particularly as far as the participation of these teams in the Olympic Games is concerned”.
1112
Olympic Review, n. 68-69, julho – agosto de 1973, p. 256. Appeals by the International Federations. VI
Football.
398

a edição anterior dos Jogos (aumento de oito países). Ao todo 92 países se


inscreveram sendo 24 da África, 19 da Ásia, 15 da América Central e do Norte, 10
da América do Sul, 22 da Europa e 2 da Oceania para disputarem as 16 vagas
disponíveis para torneio de futebol distribuídas da seguinte forma1113: três da África,
três da Ásia, quatro da Europa mais a Polônia campeã do torneio anterior, dois da
América do Sul, dois da América Central e do Norte e uma vaga para o Canadá, por
ser o país sede1114.
Nas eliminatórias europeias surgiu a denúncia que dois atletas
espanhóis, o jogador Carlos Alonso González, conhecido como Santillana (Real
Madrid) e Daniel Solsona (Barcelona) eram profissionais. A acusação tomou forma
depois que Santillana declarou à imprensa que “[...] seu salário básico no Real
Madrid era de três milhões de pesetas (46.200 dólares), enquanto no caso de
Solsona foi um dirigente do Espanhol”, que afirmou que o atleta havia renovado seu
contrato há quatro meses e “[...] que iria receber dez milhões de pesetas por três
anos, além de inúmeros prêmios por vitórias”1115. As acusações fizeram com que a
Espanha mudasse a sua equipe dias antes do início dos Jogos, “[...] temendo as
acusações de estar utilizando jogadores profissionais, que pediram a reversão para
a categoria de amadores”1116.
Certamente motivado por tais denúncias de profissionalismo
envolvendo os atletas do futebol (no caso dos espanhóis, ambos tinham 24 anos)
fez com que o COI começasse a pensar na possibilidade em modificar o
regulamento do futebol nos Jogos Olímpicos e pretendia “[...] estipular em 21 anos o
limite máximo de idade para a inscrição de jogadores, procurando assim impedir que
falsos amadores continuem participando dos Jogos Olímpicos. A medida poderá ser
colocada em prática para a Olimpíada de 1980, em Moscou”1117. Embora a notícia
indicasse a intenção do COI em estabelecer o limite de idade não houve nenhuma
menção sobre essa condição nos Boletins Olímpicos.
A equipe da União Soviética beneficiava-se das regras do COI pelo
fato de que, “[...] teoricamente, não existe esporte profissional na União Soviética o
1113
Olympic Review, n. 85-86, novembro – dezembro de 1974, p. 634. Fédération lnternationale de Football
Association (FIFA).
1114
Olympic Review, n. 87-88, janeiro – fevereiro de 1975, p. 65. Fédération Internationale de Football
Association (FIFA). Montreal 76. Esse boletim informava que havia sido realmente confirmadas 91 nações para
disputar o pré-olímpico.
1115
Profissionais no Pré-Olímpico? Folha de S. Paulo, 17 de março de 1976, p. 29 – Esportes.
1116
A difícil estréia de nosso futebol. Folha de S. Paulo, 18 de julho de 1976, p. 21 – Esportes.
1117
Sete dias no esporte. Folha de S. Paulo, 23 de maio de 1976, p. 31 – Esportes. Texto de Aroldo Chiorino.
399

País pode participar do Torneio Olímpico com a melhor seleção possível, ao


contrário das grandes forças do esporte, da Europa Ocidental e América do Sul”1118.
Dessa forma, continuava a existir o discurso de que havia uma grande diferença
entre as seleções e esse era, especialmente, um dos principais argumentos e
questionamentos da CBD para o desempenho do futebol no torneio olímpico.
No Brasil, o presidente da CBD, Heleno Nunes, se perguntava “Por
que os tricampeões mundiais de futebol não podem ser campeões olímpicos?”1119.
Para trazer uma resposta a sua pergunta, a CBD resolveu mudar os planos de
estruturação da seleção brasileira: ao invés de convocar jovens com pouca
experiência seriam convocados “[...] uma seleção de homens”1120.
Essa diferenciação que colocava de um lado os garotos e do outro
os homens experientes mostrava que a entidade que controlava o futebol brasileiro
tinha claro que o insucesso da seleção nos Jogos Olímpicos era especialmente
decorrente da falta de experiência dos atletas do que a sua organização interna.
Aliás, essa é a visão compartilhada pelos entrevistados brasileiros que disputaram
os Jogos Olímpicos até 1972. O que se desconsidera quando se assume esse
discurso como modo explicativo da não conquista do título de campeão olímpico é
que boa parte dos atletas brasileiros já figuravam nas equipes profissionais dos seus
clubes mesmo que muitos ainda fossem reservas. Não eram considerados
profissionais porque tinham um contrato de gaveta e por esse motivo mantinham-se
como amadores. À medida que estava em vigor há algum tempo nos bastidores da
CBD que impedia a profissionalização de alguns atletas brasileiros voltava a
aparecer:

Jogadores que alcançaram as equipes de profissionais estão


impedidos de profissionalização até a Olimpíada de 1976. O lateral
Junior, titular do Flamengo, o atacante Puruca, titular no Botafogo, o
goleiro Wagner, titular da Ponte Preta, entre outros, fazem parte de
uma listagem de 260 nomes1121, selecionados pelo treinador
Antoninho, resultado de uma peregrinação por 105 cidades
brasileiras e de observações que atingiram o expressivo numero de 3
mil jogadores1122.

1118
Notas Olímpicas. Folha de S. Paulo, 4 de julho de 1976, p. 39 – Esportes.
1119
Futebol inédito, com plano de ser campeão. O Estado de S. Paulo, 18 de maio de 1975, p. 56.
1120
Futebol inédito, com plano de ser campeão. O Estado de S. Paulo, 18 de maio de 1975, p. 56.
1121
Existe uma falha de impressão no jornal consultado que impossibilita precisar se são 260 ou 269 nomes
selecionados.
1122
Futebol inédito, com plano de ser campeão. O Estado de S. Paulo, 18 de maio de 1975, p. 56.
400

A possível implantação em 1976 do Plano Nacional de Educação


Física enviado ao Congresso em 19751123, fazia com que os impactos dessa ação
em termos de resultados significativos da delegação brasileira nos Jogos Olímpicos
fossem projetados para 1984 e não mais para 1980 conforme previsão anterior1124.
O ministro da Educação Ney Braga mostrava-se confiante com os
possíveis resultados que esse plano poderia trazer ao esporte amador brasileiro.
Também afirmou que o presidente da CBD, Heleno Nunes, estava atento a
organização tanto da seleção brasileira de futebol profissional quanto dos amadores.
Ney Braga ao esperar que o futebol brasileiro obtivesse melhores resultados em
Montreal afirmou:

Não se justifica, realmente, um país tricampeão mundial de futebol


profissional conservar uma inexpressiva trajetória olímpica nesse
mesmo esporte, embora ela seja justificável, em face aos critérios
diferentes utilizados pelos países. Mas, se outros países jogam com
times adultos, por que só o Brasil continuará a enfrentá-los com
times juvenis?1125

A primeira competição internacional da seleção brasileira de futebol


amadora sob essa nova proposta de convocar os atletas das equipes profissionais
que não possuíam contrato profissional aconteceu no Pan-Americano do México de
1975. No entanto, a ação que representava para os brasileiros a possibilidade
concreta de se conseguir bons resultados nos torneios amadores despertava críticas
das seleções do México, Uruguai e Costa Rica que se organizavam para denunciar
que na seleção brasileira haviam atletas profissionais1126. O diretor de futebol da
CBD, André Richer, argumentava que as acusações eram infundadas, pois segundo
os “[...] critérios da legislação esportiva brasileira, o jogador só é profissional quando
tem contrato assinado e registrado na CBD, após autorização do Conselho Nacional
de Desportos”1127.
Depois dos Jogos Pan-Americanos, houve uma denúncia de
tentativa de suborno no futebol brasileiro. O árbitro Nery José Proença tentou
subornar alguns atletas para obter vantagens na Loteria Esportiva. Esse caso,
aparentemente distante do futebol amador, colocava na rota dos depoimentos o
1123
Reforma esportiva. O Estado de S. Paulo, 22 de agosto de 1975, p. 3.
1124
O ministro diz que vai melhorar. O Estado de S. Paulo, 27 de julho de 1975, p. 41. Texto de Jose Castelo.
1125
O ministro diz que vai melhorar. O Estado de S. Paulo, 27 de julho de 1975, p. 41. Texto de Jose Castelo.
1126
No México, uma acusação ao futebol do Brasil. O Estado de S. Paulo, 7 de outubro de 1975, p. 34.
1127
No Rio, a CBD nega o teor das acusações. O Estado de S. Paulo, 7 de outubro de 1975, p. 34.
401

caso do atleta Ernane, do Olaria, que havia sido um dos jogadores contatados pelo
árbitro. Em seu depoimento foi questionado sobre a sua condição no futebol:

[...] e o goleiro acabou confessando que, apesar de estar registrado


como amador – ele está relacionado pela CBD para a disputa da
Olimpiada de Montreal – recebe salários regulares de Cr$ 1 mil, além
de bichos e gratificações iguais aos de todos os outros (ontem
mesmo, o supervisor Almir de Almeida disse que Ernane será
dispensado da seleção de amadores1128.

Ernane não falou em contrato de gaveta, mas a sua situação era


representativa de muitos outros atletas amadores. Ao afirmar que recebia salários e
gratificações, algo que o impediria de ser enquadrado como amador, tornava pública
uma prática recorrente no futebol brasileiro e que naquele momento contava com a
conivência da CBD quando proibiu os clubes de profissionalizarem os atletas que
tinham chances de serem convocados para os Jogos Olímpicos. Como esse caso
não era o único no futebol brasileiro, a CBD corroborava com essa situação quando
fez a proposta de proibir a mudança da condição do atleta por ter a ambição de
conquistar resultados expressivos no futebol olímpico.
Uma portaria que havia sido entregue à assessoria jurídica do CND
contrariava a ação da CBD em impedir que os atletas se profissionalizassem.
Segundo, Carlos Osório, que era o assessor jurídico do CND, o atleta deveria ter a
opção de se manter como amador ou se profissionalizar. Em suas palavras, “[...] o
atleta amador não pode ser obrigado a aceitar a convocação e muito menos ser
obrigado a permanecer amador, sem querer”1129.
Tal fato gerou insatisfação por parte da CBD porque entendia que
essa medida prejudicava a formação da seleção amadora, pois segundo o
supervisor geral da entidade, Almir de Almeida, “O que a CBD quer é que não haja
opção porque, senão, todos acreditam que o Brasil ficará sem time para disputar a
Olimpíada, já que os principais jogadores da seleção amadora estão querendo se
profissionalizar”1130. O CND aprovou em plenária, a proibição da profissionalização
dos atletas amadores pré-selecionados pela CBD. Com essa medida garantia-se a

1128
O caso de suborno vai logo à Polícia. O Estado de S. Paulo, 2 de novembro de 1975, p. 54.
1129
CBD receia que portaria vá prejudicar seleção amadora. O Estado de S. Paulo, 26 de novembro de 1975, p.
26.
1130
CBD receia que portaria vá prejudicar seleção amadora. O Estado de S. Paulo, 26 de novembro de 1975, p.
26.
402

possibilidade de “[...] manter jogadores do nível de Claudio Adão, Edinho, Tecão,


Erivelto, Carlos, Mendonça e Tiquinho”1131.
Antes da disputa do torneio pré-olímpico que seria realizado no
Brasil, a CBD montou um cronograma de treinamento para a seleção brasileira que
previa a participação no Festival Internacional de Cannes1132, e caso conseguisse a
classificação, realizaria um estágio na Alemanha, Holanda e Polônia em junho de
19761133. Para a fase de treinamentos foram convocados 33 jogadores1134.
A impossibilidade de se profissionalizarem descontentava muitos
jogadores da seleção amadora de futebol pelo fato de impedir que recebessem
melhores salários. Embora a CBD tivesse tomado essa atitude para garantir que os
jogadores estivessem nos Jogos Olímpicos, outras ações aplicadas eram contrárias
ao que era permitido para o atleta amador:

[...] a CBD ainda não cumpriu as promessas feitas por ocasião da


conquista do título de campeão do Pan-americano do México. Apesar
de taxados como amadores, a CBD prometeu 15 mil cruzeiros a cada
um em caso da conquista da medalha de ouro. Depois, esta
importância foi diminuindo e agora chegou aos 5 mil. O pior é que
nem essa importância ainda foi paga, bem como os bichos pela
vitória contra a Nicaragua e o empate com o México, no último
jogo1135.

Foi com esse cenário de descontentamento de alguns atletas que a


seleção brasileira iniciou a disputa pela vaga olímpica tendo como técnico o ex-
jogador Zizinho, sendo que Antoninho ficou como técnico da seleção de amadores
até 18 anos1136, mas foi o responsável por fazer o levantamento de 110 jogadores,
10 por posição, para serem observados sendo que os atletas indicados por
Antoninho não poderiam se profissionalizar1137. Osvaldo Brandão integrou a
comissão técnica como supervisor. O torneio pré-olímpico foi realizado no Brasil, em
Pernambuco, e na estreia a seleção empatou com o Uruguai (1 a 1)1138, resultado

1131
Futebol. O Estado de S. Paulo, 5 de dezembro de 1975, p. 30.
1132
Futebol. O Estado de S. Paulo, 5 de dezembro de 1975, p. 30.
1133
Futebol define plano para a Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 5 de novembro de 1975, p. 21.
1134
Os paulistas são maioria na convocação para a Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 6 de dezembro de 1975, p.
31.
1135
Amadores. Folha de S. Paulo, 19 de dezembro de 1975, p. 30.
1136
Cannes: equipe base em 10 dias. Folha de S. Paulo, 25 de janeiro de 1976, p. 46 – Esportes.
1137
Futebol, despesa e crise sem medalha. O Estado de S. Paulo, 1º de agosto de 1976, p. 57. Texto de Mario J.
Guimarães.
1138
Brasil só consegue empate contra Uruguai. O Estado de S. Paulo, 22 de janeiro de 1976, p. 35.
403

que desagradou o presidente da CBD, Heleno Nunes que pressionou os atletas


brasileiros:

O Uruguai tem um bom time. É o melhor de todos sul-americanos


depois do Brasil. Mas o empate foi consequência da displicência de
nossos jogadores. Acredito que de agora em diante, os meninos vão
perder uma certa presunção e garantir a classificação para as
Olimpíadas. A CBD tem uma grande responsabilidade e não pode
perder pontos por excesso de confiança1139.

Na sequência dos jogos, o Brasil venceu a Colômbia (4 a 0)1140, o


Chile (2 a 1)1141, o Peru (3 a 0)1142 e Argentina (2 a 0) sagrando-se campeão do
torneio1143. Além do Brasil, o Uruguai que ficou em segundo lugar também se
classificou, porém o Comitê Olímpico do Uruguai desistiu de participar do futebol1144
sob a alegação de divergências quanto ao critério de convocação de sua seleção
estabelecido pela Associação Uruguaia de Futebol. A Argentina foi convidada a ficar
com a vaga, mas recusou o convite, por preferir treinar os jovens jogadores para a
Copa de 19781145. Diante das recusas do Uruguai e da Argentina, a Colômbia foi
convidada a participar, mas também não aceitou o convite e o Brasil foi o único
representante da América do Sul no torneio olímpico e para preencher essa vaga a
FIFA convidou Cuba que havia sido terceira colocada da Concacaf1146.
Apesar do Brasil, em sua fase preparatória para os Jogos Olímpicos,
ter conquistado o título do Pan-Americano de 1975 e do torneio pré-olímpico,
projetava-se que a medalha de ouro ficaria com algum país da Cortina de Ferro pela
tradição que estabeleceram no torneio de futebol olímpico1147.
Antes de ir para Montreal, sob direção do técnico Zizinho a seleção
brasileira fez uma excursão1148 pelo Oriente Médio1149, África1150 e Europa1151 para

1139
Heleno Nunes em São Paulo para eleições na Federação. Folha de S. Paulo, 25 de janeiro de 1976, p. 46.
1140
Brasil goleia no Pré-olímpico: 4 a 0. Folha de S. Paulo, 26 de janeiro de 1976, p. 18 – Esportes.
1141
Pré-Olímpico: Brasil vence e lidera. Folha de S. Paulo, 28 de janeiro de 1976, p. 30 – Esportes.
1142
Brasil vence Peru no torneio pré-olímpico. Folha de S. Paulo, 30 de janeiro de 1976, p. 40 – Turismo.
1143
Brasil é o campeão do Pré-olímpico. Folha de S. Paulo, 2 de fevereiro de 1976, p. 15 – Esportes.
1144
Olympic Review, n. 105-106, julho – agosto de 1976, p. 428. Fédération Internationale de Football
Association (FIFA).
1145
FIFA leva Colômbia aos Jogos. O Estado de S. Paulo, 18 de junho de 1976, p. 20.
1146
Futebol, um bom teste hoje. O Estado de S. Paulo, 30 de junho de 1976, p. 24.
1147
Aumenta apoio, não a esperança de medalhas. O Estado de S. Paulo, 18 de abril de 1976, p. 37. Texto de
Gilson Menezes.
1148
Seleção Olímpica inicia excursão. O Estado de S. Paulo, 21 de maio de 1976, p. 20. “Para uma excursão de
doze jogos no Oriente Médio, Africa e Europa, mas que começa amanhã no México, embarca hoje, às 10 horas,
a seleção olímpica brasileira de futebol [...]”.
404

dar mais experiência aos atletas brasileiros. Porém, o próprio Zizinho1152 já sabia da
decisão da CBD em substituí-lo por Osvaldo Brandão1153, que acumularia além do
cargo de técnico da seleção profissional o de técnico da seleção olímpica, ao
retornar da excursão anunciou que não iria para Montreal1154.
Para Brandão, a seleção brasileira poderia fazer um bom
campeonato olímpico e supunha que encontrariam adversários difíceis,
especialmente, os países socialistas1155. Mesmo sabendo das dificuldades apontava
que “A medalha de ouro, em futebol, é mais do que um objetivo. É uma
obsessão”1156. Ainda projetava para o futuro, devido à qualidade de alguns jogadores
olímpicos, o aproveitamento de Edinho, Rosemiro e Cláudio Adão para a seleção
principal1157.
Brandão fez a proposta de apenas acompanhar a seleção olímpica e
que Zizinho fosse mantido como o técnico, pois segundo ele “[...] não haveria
necessidade de intervir no trabalho que vem sendo executado sem maiores
problemas”1158. No entanto, Zizinho reiterou que deixaria o cargo logo após o final da
excursão da seleção olímpica:

Vou dirigir a seleção até o último jogo na Europa. Depois, vou


descansar e a CBD que assuma a responsabilidade. Estou
trabalhando há mais de um ano e meio e nem tenho contrato
assinado. Agora, estou chegando ao final de minha missão. Só
poderia aceitar continuar na seleção olímpica se Brandão não
estivesse mais na CBD1159.

1149
Seleção Olímpica vence o Kuwait. O Estado de S. Paulo, 26 de maio de 1976, p. 21; Seleção olímpica
empata com o Irã a apenas 4 minutos do final. O Estado de S. Paulo, 29 de maio de 1976, p. 21.
1150
Amadores: Comissão Técnica decide continuar a excursão pela África. Folha de S. Paulo, 8 de junho de
1976, p. 29.
1151
Futebol, um bom teste hoje. O Estado de S. Paulo, 30 de junho de 1976, p. 24.
1152
Amadores jogam hoje no México. O Estado de S. Paulo, 22 de maio de 1976, p. 19. “Heleno Nunes,
presidente da CBD, foi ao aeroporto e ofereceu uma passagem para Zizinho, o técnico dos amadores, ir a
Montreal como turista assistir aos jogos da equipe, já que na Olimpíada Osvaldo Brandão será o treinador do
selecionado. Mas Zizinho recuso-a”.
1153
Brandão é o técnico também para Olimpíada de Montreal. O Estado de S. Paulo, 14 de abril de 1976, p. 25.
1154
A Olimpíada em crise, no Canadá e no Brasil. O Estado de S. Paulo, 3 de julho de 1976, p. 21.
1155
A 45 dias, a expectativa dos técnicos. O Estado de S. Paulo, 30 de maio de 1976, p. 47.
1156
Futebol, despesa e crise sem medalha. O Estado de S. Paulo, 1º de agosto de 1976, p. 57.
1157
Apesar de sua importante participação no torneio pré-olímpico, Cláudio Adão estava fora dos Jogos de
Montreal por ter fraturado o tornozelo. Consultar: Cláudio Adão só voltará ao futebol em 1977. O Estado de S.
Paulo, 5 de maio de 1976, p. 26; E Cláudio Adão espera voltar em quatro meses. O Estado de S. Paulo, 29 de
maio de 1976, p. 21.
1158
Brandão viaja, Zizinho orienta em Montreal. O Estado de S. Paulo, 16 de junho de 1976, p. 22.
1159
Paris: Zizinho fala em renúncia. Folha de S. Paulo, 24 de junho de 1976, p. 31 – Esportes.
405

A relação entre Zizinho e Osvaldo Brandão estava abalada desde a


época do torneio olímpico quando Brandão contrariou uma ordem de Zizinho e
permitiu que um atleta não acompanhasse os demais. Assim declarou Zizinho:

Era para o time descer para Recife a fim de assistir um filme e o


Brandão chegou dizendo que era facultativo. Então, engrossei e
deixei tudo sob responsabilidade do anarquista do Brandão, e fui
para o hotel na cidade. Ele é que é amigo da indisciplina, porque
para manter a amizade dos jogadores se submete a qualquer
vexame. Os jogadores que convivem com o Brandão sabem
disso1160.

Zizinho apontava a indisciplina associada ao anarquismo como


sendo elementos negativos dentro de um time de futebol e como forma do técnico
Osvaldo Brandão ter credibilidade junto aos atletas. Zizinho entendia que o bom
desempenho de uma equipe era resultado de disciplina e organização, elementos
que Florenzano (1998, p. 221) chama de futebol disciplinar “[...] onde a equipe se
constitui enquanto máquina e o jogador como peça dessa engrenagem [...]”. A crise
na seleção olímpica estava prestes a se concretizar com as declarações de Zizinho
que expunham a falta de consenso daqueles que deveriam conduzir um grupo de
jovens nos Jogos Olímpicos.
Embora já tivesse dito que não continuaria como treinador da
1161
seleção , Zizinho foi convencido pelos dirigentes da CBD a ser o treinador nos
Jogos Olímpicos1162. Porém, a situação ficou totalmente insustentável quando
Zizinho não poupou críticas à Brandão e acabou sendo demitido pelo COB e pela
CBD:

Brandão é um sujeito falso. Um sonso que teve o descaramento de


declarar que seu dileto amigo Zizinho sempre fôra o treinador para as
Olimpíadas. Ele sabia de tudo e só não pegou o time em Paris
porque ficou com mêdo de perder jogos e ver seu prestígio abalado.
Ele foi um covarde porque sabe que será duro ganhar as
Olimpíadas1163.

O posicionamento de Zizinho foi classificado como não adequado e


em oposição ao seu pronunciamento, alguns atletas foram ouvidos pela Folha de S.

1160
“Brandão foi um covarde”. Folha de S. Paulo, 8 de julho de 1976, p. 31 – Esportes.
1161
Futebol olímpico sem técnico. O Estado de S. Paulo, 6 de julho de 1976, p. 34.
1162
Zizinho volta atrás e viaja. O Estado de S. Paulo, 7 de julho de 1976, p. 26.
1163
“Brandão foi um covarde”. Folha de S. Paulo, 8 de julho de 1976, p. 31 – Esportes.
406

Paulo e elogiaram a postura de Brandão, ressaltando-o como um “treinador


completo”, “grande treinador” e como um “pai dos jogadores”1164. O próprio Brandão
lamentava as declarações de seu “amigo” Zizinho:

Estou realmente magoado com as declarações de Zizinho. Sempre


fiz tudo para que ele continuasse dirigindo os amadores, pois sabia
de sua capacidade. Sempre o elogiei e, apesar de tudo, continuo
sendo seu amigo. Não guardo rancor. O assunto está na esfera de
diretoria e só tomei conhecimento do caso por jornais e pelas
palavras de amigos1165.

O argumento de Zizinho de que Brandão teria medo de um fracasso,


logo foi revertido questionando-o se não seria ele que estaria com medo de não
conquistar a medalha diante dos países socialistas e, por esse motivo, teria
preparado a sua demissão com as declarações contra Brandão1166.
Como Brandão não estava inscrito junto ao COI, o escolhido para
ficar em seu lugar foi o supervisor Cláudio Coutinho que, segundo Sylvio Padilha, o
acúmulo de funções de Coutinho não prejudicaria o futebol olímpico. “Pelo
regulamento olímpico as equipes não podem ser alteradas, por isso Cláudio
Coutinho fica obrigado a acumular vários cargos”1167.
A excursão foi vista como uma forma da CBD mascarar as
dificuldades da preparação brasileira. Entre os problemas apontados na preparação
foi ressaltada a dificuldade em formar uma seleção permanente por conta do
calendário do futebol brasileiro. Devido a essa condição houve um hiato entre a
classificação no torneio pré-olímpico e o início dos treinamentos para os Jogos de
Montreal. A excursão foi classificada como “[...] mal planejada e em ritmo de
aventura [...]” e que “[...] serviu apenas para trazer uma crise no comando técnico e
um desgaste desnecessário aos jogadores”1168, já que três atletas – João Alfredo,
Picolé e Luiz Fernando – foram cortados ainda na Europa pelo técnico Zizinho1169.
O balanço da FIFA quanto à presença do futebol nos Jogos
Olímpicos de Montreal feito pelo seu presidente João Havelange era animador:
apontava que o Comitê Amador da entidade estava satisfeito com o interesse do

1164
Zizinho demitido: Coutinho é o técnico. Folha de S. Paulo, 9 de julho de 1976, p. 28 – Esportes.
1165
Zizinho demitido: Coutinho é o técnico. Folha de S. Paulo, 9 de julho de 1976, p. 28 – Esportes.
1166
Sete dias no esporte. Folha de S. Paulo, 11 de julho de 1976, p. 32 – Esportes. Texto de Aroldo Chiorino.
1167
Zizinho demitido: Coutinho é o técnico. Folha de S. Paulo, 9 de julho de 1976, p. 28 – Esportes.
1168
Após as crises, o futebol já pensa em ficar bem colocado. O Estado de S. Paulo, 18 de julho de 1976.
1169
Futebol, três cortes. O Estado de S. Paulo, 2 de julho de 1976, p. 25.
407

público em acompanhar as partidas, principalmente, pelo fato do futebol não ser o


principal esporte nacional do Canadá. Apesar do otimismo, a FIFA estava disposta a
analisar e revisar a cláusula de participação dos atletas do futebol a fim de despertar
um maior interesse por parte das Associações Nacionais1170 e o Comitê Amador
colocava na pauta “[...] estabelecer o limite de idade para 23 anos e impedir que os
jogadores participantes da Copa do Mundo joguem na Olimpíada”1171.
Essa ação de revisar as regras para despertar o interesse das
Associações Nacionais também tinha outra finalidade: questionar sobre a presença
do futebol nos Jogos Olímpicos. Afinal, a ação de João Havelange ao assumir a
FIFA estava centrada em dois aspectos: desenvolvimento do futebol entre os países
membros (100 países naquele momento) e organização de uma Copa do Mundo
para juniores (sub-19)1172, patrocinada pela Coca-Cola1173.
Essa segunda ação estava relacionada diretamente com o torneio
olímpico que devido às restrições impostas pelas regras do amadorismo fazia com
que grande parte dos atletas que competiam no futebol tivessem em torno de 20
anos. Desse modo, enfraquecer o torneio olímpico seria uma forma de fortalecer a
Copa do Mundo de juniores, tanto que a segunda edição desse torneio aconteceu
apenas dois anos depois em 1979.
Ao final de mais uma participação brasileira, como há muito tempo
se fazia, realizou-se um balanço para verificar o desempenho dos brasileiros diante
do investimento feito pelo governo federal, e o senador Itamar Franco (MDB-MG)
propunha um “[...] debate-análise sobre os resultados obtidos pelo Brasil nos Jogos
Olímpicos de Montreal, e sua proporção com os recursos da Loteria Esportiva
empregados no esporte amador, que devem ascender a mais de 300 milhões de
cruzeiros nos últimos quatro anos”1174. A duas medalhas de bronze conquistadas por
João Carlos de Oliveira (João do Pulo) no salto triplo e por Peter Ficker e Reinaldo
Conrad no iatismo podem ser explicadas por duas vertentes.
A primeira, amplamente indicada pelo COB, ressaltava que não
havia expectativa de que o Brasil ficasse em uma melhor posição no quadro de
1170
Olympic Review, n. 112, fevereiro de 1977, p. 131. Fédération Internationale de Football Association
(FIFA).
1171
Havelange. O Estado de S. Paulo, 24 de agosto de 1977, p. 18.
1172
Olympic Review, n. 113, março de 1977, p. 165. Two initiatives by the Fédération lnternationale de Football
Association by João Havelange, President of the FIFA and IOC member in Brazil.
1173
Olympic Review, n. 130-131, agosto – setembro de 1978, p. 560. Fédération Internationale de Football
Association (FIFA).
1174
Participação do Brasil na Olimpíada pode ir ao Senado. Folha de S. Paulo, 4 de agosto de 1976, p. 26.
408

medalhas. Por essa lógica, as duas medalhas de bronze validavam o que fora
projetado pelo COB.
A segunda análise, ressaltada pela Folha de S. Paulo à época, foi
em relação aos números investidos. Em outras palavras afirmou-se que essas duas
medalhas “[...] custaram ao governo brasileiro mais de 17 milhões de cruzeiros”1175.
Fazer essa crítica é correr riscos, especialmente quando se analisa apenas o
resultado final e não o processo no qual os atletas estiveram envolvidos. As
modalidades que mais receberam verbas foram o futebol (4ª lugar), o voleibol (8º
lugar) não conquistaram medalhas e o basquetebol que não se classificou para os
Jogos Olímpicos. Tomar a explicação única e exclusivamente por essa ótica é
validar que o resultado em si é muito mais importante do que o processo e em uma
competição de alto nível o resultado que diferencia o vencedor de um perdedor,
especialmente, nas provas individuais é mínimo. Ademais esse quadro já era
ressaltado pelo presidente do COB, Sylvio Padilha e pela imprensa antes do início
dos Jogos de Montreal1176.
Ao analisar o processo e não o resultado final, poderia se ter outro
tipo de conclusão apontada pelo O Estado de S. Paulo que o problema não era mais
a falta de dinheiro, pois para esses Jogos houve um investimento considerável na
preparação das equipes olímpicas brasileiras e indicava que, mesmo com pouca
verba, como o caso de Quênia, era possível conquistar medalhas. O que foi
apontado é que continuávamos a ter problemas de organização1177, pois de nada
adiantaria possuir verba para os treinamentos se não houvesse um plano de
formação de atletas de alto rendimento1178.
Uma nova ação seria implantada pelo governo brasileiro por meio do
PNED: massificar o esporte para que o Brasil se tornasse uma nação esportiva,
tendo como um dos pontos principais desenvolver o esporte nas categorias de
base1179. Para implantar o programa eram estimados Cr$ 1.067 milhões de

1175
17 milhões por duas medalhas. Folha de S. Paulo, 3 de agosto de 1976, p. 32 – Esportes.
1176
Muito dinheiro, pouco otimismo. O Estado de S. Paulo, 9 de julho de 1976, p. 34.
1177
No país de 2 medalhas, necessidade de mudar. O Estado de S. Paulo, 1º de agosto de 1976, p. 56. Texto de
Gilson Menezes.
1178
Enquanto não vem outro longo relatório. O Estado de S. Paulo, 1º de agosto de 1976, p. 56. Texto de
Everton Capri Freire.
1179
Sete dias no esporte. Um plano para os esportes. Folha de S. Paulo, 26 de setembro de 1976, p. 35 –
Esportes.
409

investimento do governo1180. Uma questão difícil se colocava nesse processo de


massificar o esporte e que era pouco discutida pelo governo: “[...] como e com que
meios massificar o esporte, de como levá-lo verdadeiramente ao povo [...]”1181,
sendo as dificuldades apontadas pela ineficiência da ação dos clubes, escolas e
centros esportivos existentes. A criação do Ministério dos Esportes que era apontada
na época como a solução dos problemas do esporte brasileiro não se
concretizou1182, quando da sua criação, como um órgão capaz suprir todas as
necessidades apontadas como problemas a serem resolvidos.
Em 1976, a previsão era de que a escola pudesse ocupar esse
espaço após 30 anos – 2006 – devido à falta de infraestrutura das escolas no meio
dos anos 701183. Quase 40 anos, em 2013, o governo federal lançou um novo
programa chamado Atleta na Escola. Para o primeiro ano seria contemplado apenas
o atletismo como parte do “Programa de Formação Esportiva Escolar [que] tem
como premissas a democratização do acesso ao esporte, o incentivo da prática
esportiva na escola e a identificação e orientação dos talentos escolares”1184 (p. 1,
grifo do original).
A insistência do governo federal em lançar campanhas ou
programas a fim de encontrar os talentos esportivos na escola revela o quanto se
desconsidera o contexto histórico para a implementação de ações governamentais
no campo esportivo. Quatro décadas depois recorrer a ações parecidas e que não
surtiram efeito no campo olímpico brasileiro, afinal, o país não se tornou uma
potência olímpica que tanto se esperava demonstra que o modo de pensar dos
governantes continua parecido1185 e, portanto, revelador de como a necessidade
imediata – sediar os eventos – é o estimulo e atalho para massificar o esporte e
captar os talentos esportivos que poderão representar o Brasil nesses eventos.

1180
Esportes e educação física para milhões, o objetivo do PNED. Folha de S. Paulo, 6 de setembro de 1976, p.
13 – Esportes. A verba estava assim dividida: “até 1976 Cr$ 306.300 mil e do Desporto de Massa, Cr$ 285.247
mil, do Desporto de Alto Nível, Cr$ 294.393 mil, e o de Apoio, Cr$ 181.109 mil”.
1181
O Brasil no esporte, ainda um país do futuro. O Estado de S. Paulo, 10 de outubro de 1976, p. 58.
1182
É proposta a criação de um ministério. O Estado de S. Paulo, 10 de outubro de 1976, p. 59.
1183
O esporte na escola, um sonho para daqui 30 anos. O Estado de S. Paulo, 10 de outubro de 1976, p. 58.
1184
Manual de Orientação — Escolas - Programa de Formação Esportiva Escolar – Competições de Atletismo –
Fase Escolar. Disponível em <http://atletanaescola.mec.gov.br/anexos/cart_escolar_mec1.pdf>. Acesso em 19 de
maio de 2013.
1185
Justificativa e objetivo do programa Atleta na Escola: “O Brasil irá sediar, em 2014, a Copa do Mundo de
Futebol e, em 2016, as Olimpíadas e Paraolimpíadas. Tendo em vista este cenário esportivo ímpar na história
brasileira, o Programa de Formação Esportiva Escolar surge com o objetivo incentivar a prática esportiva nas
escolas, democratizar o acesso ao esporte, desenvolver e difundir valores olímpicos e paraolímpicos entre
estudantes de educação básica, estimular a formação do atleta escolar e identificar e orientar jovens talentos”.
Disponível em <http://atletanaescola.mec.gov.br/programa.html>. Acesso em 19 de maio de 2013.
410

6.7.2 Carlos Roberto Rocha Gallo (1976): “a força máxima do futebol é a


Copa do Mundo”

Carlos nasceu em 1956 e passou sua infância na cidade de


Vinhedo, em São Paulo. O futebol desde cedo apareceu na sua vida. Lembra-se de
ouvir no rádio a Copa do Mundo da Inglaterra de 1966 e como o país se mobilizou
diante dessa competição. Considera essa experiência com o futebol como sendo um
dos marcos da sua vida. Em 1970, a conquista do tricampeonato mundial pela
seleção brasileira pontuou suas experiências e influenciou o modo como brincava de
futebol, pois ficava se imaginando um goleiro da seleção.
Como gostava de jogar de goleiro com 13-14 anos disputava o
campeonato amador contra jovens de cerca de 20 anos. Essas experiências não
foram totalmente felizes, pois a diferença de idade representava uma grande
distância entre o modo que ele jogava e a forma como os mais velhos o faziam. E
nesse campeonato amador havia a cobrança pela vitória por parte dos jogadores de
sua equipe, algo muito diferente quando jogava com seus amigos de sua idade em
que o objetivo era brincar de futebol.
Com 15-16 anos fez um jogo-treino contra a Ponte Preta e ao final
da partida foi convidado a treinar pelo clube de Campinas. Relatou que nunca tinha
ido fazer testes para ser jogador de futebol porque era muito tímido, tinha vergonha
e receio de não ser aprovado, de ter que lidar com essa frustração. E por isso
considera que sua entrada no futebol deveu-se pela insistência das pessoas para
que jogasse, pois conforme afirmou: “[...] se dependesse única e exclusivamente da
minha iniciativa eu acredito que não teria acontecido nada”. A continuidade no clube
fez com que se mudasse para Campinas para conseguir conciliar os treinamentos
com os estudos. Foi nesse cenário que também se dedicou integralmente aos
treinos porque tinha medo de ser desligado do grupo e não queria ter essa
frustração, “[...] de chegar e dizer eu fui reprovado, você não serve, essa vergonha
de ser dispensado fazia com que eu lutasse e me empenhasse muito”.
Entre 1972 e 1973, embora fosse da equipe juvenil já treinava com
os goleiros profissionais da Ponte Preta e a partir de 1974 começou a ficar no banco
de reservas e a participar de alguns amistosos com o profissional. Sua carreira na
411

seleção brasileira começou no sub-18 quando foi convocado para disputar o torneio
de Cannes em 1974. Quando retornou como campeão desse torneio teve a primeira
oportunidade de jogar como titular do time profissional da Ponte Preta e essa
condição durou por quase um ano, com 18-19 anos de idade (1974-1975).
Na seleção brasileira, continuou a ser convocado para o
campeonato Sul-Americano juvenil (1975), Jogos Pan-Americanos (1975) em que
conquistaram a medalha de ouro, torneio pré-olímpico (1976) disputado em Recife e
os Jogos Olímpicos de 1976. Sobre a sua atuação torneio no pré-olímpico assim o
jornal O Estado de S. Paulo analisou o seu desempenho: “No gol, Carlos, em três ou
quatro bons lances em todo o torneio garantiu que o lugar é seu e com muitos
méritos”1186.
Em sua análise, toda a sua trajetória que culminou na participação
olímpica é indicativa de um tempo em que o atleta era caracterizado como amador.
Em suas palavras isso aconteceu porque “[...] naquele período não era permitido
atletas profissionais. Então, eu passei por todo esse processo até terminar as
Olimpíadas pra posteriormente ser profissionalizado. Foi uma experiência fantástica,
fabulosa [...]”. Sobre a preparação para disputar os Jogos Olímpicos assim relatou:

Nós tivemos uma preparação muito boa, longa, nós fomos é [...], nós
fizemos uma excursão à Europa, enfrentamos equipes fortes, nós
enfrentamos a [...] a seleção da Polônia em amistoso lá na Polônia, e
naquele período os [...] os países do Leste Europeu eles [...] eles
eram as equipes principais, as seleções principais do país, ao
contrário de nós aqui no Brasil, aqui jogava com uma espécie de uma
seleção sub-20, não é, uma equipe de juniores, enquanto que eles
jogavam com [...] com suas equipes principais que disputavam a
Copa do Mundo.

Carlos não contou detalhes das partidas brasileiras no torneio


olímpico, apenas pontuou que fizeram uma boa campanha e mesmo diante das
dificuldades em jogar contra as equipes profissionais dos países da Cortina de Ferro
conseguiram terminar em quarto lugar. Disse que o objetivo do grupo era conquistar
uma medalha e se conquistassem a medalha de ouro “[...] seria um feito histórico,
que eu acredito que seria marcado eternamente por [...], pô, um país [...], o Brasil
sub-20, ganhando a Olimpíada de países [...] de Copa do Mundo, é algo de
fantástico”.

1186
Futebol vai à Olimpíada, mas precisa melhorar. O Estado de S. Paulo, 3 de fevereiro de 1976, p. 32.
412

A estreia brasileira aconteceu contra a Alemanha Oriental. Segundo


Carlos, a Alemanha Oriental era uma equipe experiente pelo fato de ter disputado
“[...] em 1974 na Copa do Mundo da Alemanha, o [...] a Alemanha Oriental participou
das [...] das Olimpíadas, ela disputou a Copa do Mundo, é [...] vencendo a seleção
campeã que foi a Alemanha Ocidental [...]”. Na escalação alemã trazia seis
jogadores que haviam disputado a Copa do Mundo de 19741187.
O empate no primeiro jogo da competição (0 a 0) gerava grandes
possibilidades de classificação da seleção brasileira para a segunda fase,
especialmente, pelo fato do boicote promovido pelos países africanos afetou
diretamente o Brasil, pois com a desistência de Zâmbia o grupo em que o Brasil
estava ficou com apenas três seleções para duas vagas na próxima fase1188.
O segundo jogo aconteceu contra a Espanha (2 a 1) e o Brasil se
classificou para a fase seguinte juntamente com a Alemanha Oriental1189. Devido ao
empate no número de pontos e mesmo saldo de gols com a seleção alemã foi
realizado um sorteio para definir qual das duas seleções terminariam em primeiro
lugar do grupo1190. No sorteio realizado pela FIFA, o Brasil ficou com o primeiro lugar
e a Alemanha Oriental em segundo do grupo1191.
Pelas quartas de final o Brasil venceu Israel (4 a 1) e se classificou
para jogar contra a Polônia na semifinal1192. A presença do Brasil na semifinal era
vista como uma surpresa diante da hegemonia do leste europeu no torneio de
futebol olímpico1193. Na visão de Carlos, a Polônia era uma seleção muito forte e
com experiência em Copa do Mundo:

[...] a Polônia disputou [...] foi o terceiro lugar na [...] na Copa da


Alemanha e disputou a Olimpíada, e assim como a União Soviética
também. E o mais marcante nisso tudo foi que é [...] nós disputamos
a [...] Olimpíada como uma seleção de juniores, uma seleção sub-20,

1187
A difícil estréia de nosso futebol. Folha de S. Paulo, 18 de julho de 1976, p. 21 – Esportes. Os seis
jogadores eram: Jurgen Croy, Gerd Kishe, Lothar Kurbjuweit, Reinhard Lauck, Konrad Weise e Martin
Hoffmann.
1188
No futebol, Brasil empata com a Alemanha Oriental. Folha de S. Paulo, 19 de julho de 1976, p. 9 –
Esportes; Futebol tenta a classificação contra a Espanha. O Estado de S. Paulo, 20 de julho de 1976, p. 33.
1189
Futebol do Brasil ganha e está classificado. O Estado de S. Paulo, 21 de julho de 1976, p. 23; O futebol
brilha: ganhou bem e está classificado. Folha de S. Paulo, 21 de julho de 1976, p. 36 – Esportes.
1190
Futebol define o adversário. O Estado de S. Paulo, 24 de julho de 1976, p. 20; No futebol, Brasil aguarda o
sorteio para jogar amanhã. Folha de S. Paulo, 24 de julho de 1976, p. 25 – Esportes.
1191
Brasil enfrenta Israel, às 17h, com tevê direta. Folha de S. Paulo, 25 de julho de 1976, p. 36 – Esportes.
1192
Brasil 4, Israel 1: o futebol na semifinal por uma medalha. Folha de S. Paulo, 26 de julho de 1976, p. 9 –
Esportes.
1193
Se vencer, Brasil garante medalha. Folha de S. Paulo, 27 de julho de 1974, p. 34.
413

contra uma maioria de países com seleções principais dos seus


países, com os melhores jogadores do mundo no caso, melhores
jogadores do mundo assim em termos, que estão entre os melhores
do mundo porque participam de Copa do Mundo.

Carlos corroborou com o pensamento de que o Brasil era uma


surpresa entre os quatro semifinalistas do torneio de futebol. Especialmente,
conforme ressaltou, pelo fato dos atletas brasileiros serem amadores diante da
presença de atletas profissionais nas demais equipes classificadas. Embora Carlos
fizesse questão de reforçar que eram amadores, ele mesmo apontou que atuava
entre os profissionais, mas era considerado amador pelo fato de não ter um contrato
como profissional. Mas na prática ele também era um profissional e essa era uma
característica de outros atletas brasileiros do futebol. A própria CBD, antes dos
Jogos, não queria enviar os atletas puramente amadores, queria os atletas não
profissionais que atuavam pelas suas equipes para poder contar com uma seleção
experiente na competição.
Para Carlos, apesar da derrota na semifinal para os poloneses
considerou que realizaram uma campanha importante:

E nós enfrentamos essas equipes aí na Olimpíada, nós tivemos uma


participação [...] uma participação brilhante, né, dentro das nossas
possibilidades, porque nós terminamos em quarto lugar, nós
chegamos até a semifinal, é [...] onde nós enfrentamos a seleção da
Polônia e perdemos por 2 a 0, se não me falha a memória foi o Lato,
um dos principais jogadores da Polônia na Copa de 74, que fez os
dois gols contra nós na [...] na Olimpíada de 76.

Essa visão foi também corroborada pela imprensa: “Não se pode,


entretanto, afirmar que o futebol brasileiro foi uma decepção mais uma vez nas
Olimpíadas. Prevaleceu, é verdade, a tradição da derrota, mas houve mais
organização fora e dentro de campo [...]”1194. O destaque para a expressão “tradição
da derrota” era uma referência ao desempenho do futebol amador nos Jogos
Olímpicos e consolidada também diante da “tradição da vitória” da seleção
profissional na Copa do Mundo, afinal, naquele momento o Brasil era tricampeão do
mundo.

1194
O futebol também cai, lutará pelo 3º lugar. Folha de S. Paulo, 28 de julho de 1976, p. 28 – Esportes.
Consultar também: Derrotado no futebol, Brasil vai lutar pelo 3º. O Estado de S. Paulo, 28 de julho de 1976, p.
24.
414

Embora tenha acontecido um importante processo de treinamento


com a realização de amistosos antes do início do torneio de futebol (fato que
representa uma organização e preparação da seleção brasileira para os Jogos
Olímpicos, algo que praticamente não existiu nas edições anteriores), não se pode
dizer que houve total organização; afinal, já no final da fase preparatória e dias antes
da estreia brasileira no torneio olímpico, o técnico Zizinho foi demitido, Brandão foi
indicado, mas não estava inscrito como membro da delegação brasileira e a
organização final da equipe coube ao supervisor e preparador físico Claudio
Coutinho. Essa mudança não foi comentada por Carlos:

Mas foi uma participação importantíssima, nós tínhamos um


comando é [...] grandioso, o nosso treinador era o capitão Cláudio
Coutinho, que posteriormente se tornou o treinador da seleção
brasileira na Copa de [...] de 1978. Então, nós tínhamos [...], era um
trabalho muito bem organizado, muito bem feito, muito bem
elaborado, pra [...] pra se realizar uma boa campanha.

Apenas ressaltou que a organização dos treinamentos da seleção


brasileira foi muito bem estruturada, mas não fez menção a essa mudança estrutural
da equipe. Apesar da experiência proporcionada aos jogadores brasileiros por meio
da excursão realizada existia uma lacuna muito grande entre os atletas considerados
experientes pelo fato de terem disputado uma Copa do Mundo em relação aos que
nunca tinham participado, no caso, os brasileiros. No entender de Carlos, essa
diferença em termos de experiência gerava grande distância entre as equipes.

Eu tinha jogado bastante nas seleções de base, né, como eu disse,


eu tinha enfrentado Polônia, Alemanha Oriental, Rússia, que eram as
seleções principais, mas a gente pouco [...] convivia em jogos com
outra seleção de outros países, eram esporádicos, né. A gente
jogava aqui no país, não tinha esse intercâmbio futebolístico que tem
hoje, que a maioria dos jogadores da seleção atua em outros países,
então, era muito diferente, né, não era uma [...] algo que você está
acostumado a disputar, era diferente, tinha uma [...] um clima
diferente no jogo, né, com uma sensação diferente. Então, a minha
experiência era muito pouca ainda, era muito pequena, quer dizer, eu
tinha potencial enorme como goleiro, mas pouca vida de experiência
dentro do futebol a nível internacional.

Na derrota para a Polônia estavam em campo sete atletas que


venceram o Brasil na Copa do Mundo de 1974 na disputa pelo terceiro lugar.
Conforme ressaltou o técnico Claudio Coutinho: “Perdemos para uma equipe de
415

muita experiência”1195. O experiente Lato era um desses jogadores. Carlos, em suas


lembranças misturou a derrota na Copa de 1974, quando não participou dessa
competição, com a derrota sofrida em 1976, quando era o goleiro titular. Lato jogou
essa partida, mas os dois gols poloneses1196 foram feitos pelo jogador Szarmach1197.
A lembrança de Carlos remete ao gol de Lato, mas esse foi o gol de Lato na vitória
da Polônia contra o Brasil na Copa do Mundo de 1974.
Na disputa pela medalha de bronze, o Brasil foi derrotado pela União
Soviética (2 a 1)1198. Novamente, foi ressaltada, agora pela imprensa estrangeira, a
diferença de experiência entre as seleções indicando que “Esta equipe soviética
deveria ter enfrentado a seleção nacional brasileira e não uma equipe integrado por
jovens de 20 anos”1199.

E depois na [...] na disputa de terceiro e quarto lugar, nós


enfrentamos a União Soviética e nós perdemos também essa
partida, se eu não me engano por 1 a 0, e nós ficamos em quarto
lugar. A equipe que foi campeã na Olimpíada foi a equipe [...] foi a
equipe da Alemanha Oriental batendo a equipe da Polônia1200, então,
esse desequilíbrio de forças não permitiu com que nós chegássemos
mais longe, né, obtivéssemos uma medalha.

A imprensa destacou que a derrota para os soviéticos havia sido


justa e essa diferença apontada por Carlos entre as equipes foi novamente
ressaltada: “Os soviéticos, de melhor altura e físico, dominaram a maior parte do
jogo e o goleiro Carlos, com ótimas defesas, acabou sendo a grande figura do jogo,
especialmente pela defesa que praticou no pênalti cobrado pelos soviéticos”1201.
Durante a entrevista, Carlos não falou sobre a defesa do pênalti na disputa da
medalha de bronze.
O retorno dos Jogos Olímpicos representou para Carlos a assinatura
de seu primeiro contrato como jogador profissional aos 20 anos de idade.
Considerou que a experiência que adquiriu, ao jogar contra seleções olímpicas que

1195
Futebol joga pela medalha de bronze. Folha de S. Paulo, 29 de julho de 1976, p. 32 – Esportes.
1196
O futebol também cai, lutará pelo 3º lugar. Folha de S. Paulo, 28 de julho de 1976, p. 28 – Esportes.
1197
Vale ressaltar que a última partida da excursão da seleção brasileira em sua preparação foi contra a Polônia.
O Brasil perdeu por 3 a 0, com dois gols de Szarmach e um de Deyna. Na ocasião foi destacado que um dos
determinantes da derrota fora a falta de preparo físico dos brasileiros. Futebol volta outra derrota. O Estado de
S. Paulo, 1º de julho de 1976, p. 37.
1198
No futebol, outra derrota, o fim sem medalha. O Estado de S. Paulo, 30 de julho de 1976, p. 20;
1199
Polônia e RDA, decisão do futebol. Folha de S. Paulo, 31 de julho de 1976, p. 24 – Esportes.
1200
A Alemanha Oriental venceu a Polônia por 3 a 1 na final. Consultar: Na emocionante final do futebol, a
RDA garantiu o 1º título. Folha de S. Paulo, 2 de agosto de 1976, p. 12 – Esportes.
1201
Polônia e RDA, decisão do futebol. Folha de S. Paulo, 31 de julho de 1976, p. 24 – Esportes.
416

tinham seus atletas também nas seleções profissionais, foi fundamental para
amadurecer como atleta. Por isso, entende que conseguiu se efetivar como titular da
Ponte Preta, em 1977, após essa experiência olímpica.
Para a seleção profissional a sua primeira convocação aconteceu
em 1977 e no ano seguinte foi o goleiro reserva do Leão na Copa do Mundo da
Argentina. Uma luxação no cotovelo que aconteceu no Mundialito de 1981 no
Uruguai fez com que perdesse espaço na seleção brasileira, mas mesmo assim
ainda foi convocado como terceiro goleiro do Brasil na Copa do Mundo da Espanha
de 1982. Segundo Carlos, ter sido convocado quando ainda defendia a Ponte Preta
representou “[...] um marco interessante também, um goleiro de um clube do interior
ter participado de [...] de duas Copas do Mundo, apesar de [...] sem ser o titular, mas
sendo o jogador de uma equipe do interior, de um porte médio do interior”.
Após ficar ausente de algumas convocações, voltou a ser chamado
quando se transferiu para o Corinthians em 1984. Para as eliminatórias para a Copa
do Mundo do México de 1986 foi convocado como o segundo goleiro pelo técnico
Evaristo de Macedo. Porém, depois da derrota em dois amistosos contra o Chile e a
Colômbia houve a troca do Evaristo de Macedo por Telê Santana e partir daí
transformou-se no goleiro titular. Dias antes do início da Copa do Mundo, uma
contusão no dedo de sua mão após um choque no treinamento quase o tirou do
campeonato, mas a sua força de vontade, segundo relatou, de ter ido a duas Copas
sem ter entrado como titular o motivou a superar a dor e ser o titular da equipe.
Carlos conseguiu disputar os Jogos Olímpicos e anos mais tarde
defender a seleção brasileira na Copa do Mundo. Essa trajetória é pouco frequente
entre os atletas que foram aos Jogos Olímpicos, pois muitos ainda jovens pela
condição imposta pelas regras de elegibilidade que permitiam somente aos
amadores participar da competição não conseguiram se manter na seleção brasileira
quando se tornaram profissionais.
Sobre essas experiências frisou que o futebol nos Jogos Olímpicos é
um dentre tantos outros esportes e que na Copa do Mundo, pelo fato de ser
exclusivamente uma competição de futebol coloca a modalidade em evidência
gerando um “glamour especial”. Além disso, afirmou que “A Olimpíada ela integra
tanto socialmente como esportivamente o mundo todo, né, então, é o clima da
Olimpíada é um clima que eu acredito, pela minha experiência que eu vivi na época,
é um clima muito mais alegre, festivo, de convivência acima de tudo”. Enquanto na
417

Copa do Mundo, no Brasil, existe uma grande cobrança pela vitória. No entanto, um
ponto central em sua fala aponta para a diferença de percepção pelo fato de ter
vivido as competições em momentos distintos:

[...] a Copa do Mundo, eu acho que esse peso da vitória, ele é muito
maior, talvez eu não saiba nem explicar, mas o sentimento é assim,
vamos dizer, as disputas foram diferentes, né, a disputa da [...] foram
momentos muito diferentes. A Copa do Mundo eu disputei em [...] a
Copa do mundo não, a Olimpíada eu disputei em 1976, a Copa do
Mundo foi em 1986, foram 10 anos depois, a minha [...] a minha
mentalidade, a minha experiência foram [...] foram, vamos dizer, a
experiência que eu tive entre uma competição e outra foram muitas,
né, então, eu cheguei muito maduro na Copa do Mundo que eu
disputei, enquanto que eu era muito verde na Olimpíada que eu
disputei, por estar disputando contra países com equipes superiores,
então, a responsabilidade era deles, a responsabilidade, vamos
dizer, vendo por esse lado competitivo, a responsabilidade era o
outro, a nossa era, se nós vencermos nós vamos ser o máximo,
enquanto que na Copa do Mundo, a responsabilidade era de vencer,
porque é [...] tradicionalmente o Brasil é uma equipe que [...] tem a
necessidade de vencer e ela é sempre tida como favorita.

A percepção de Carlos sobre suas experiências pode ser dividida


em três momentos distintos, mas que estão interligados por meio de sua trajetória: o
primeiro momento, quando ainda jovem e sem grande experiência disputou os Jogos
Olímpicos de Montreal; o segundo, 10 anos depois dessa experiência e, portanto,
mais amadurecido pessoal e profissionalmente disputou a Copa do Mundo de
futebol como titular da seleção brasileira; o terceiro, quando relembrou os fatos
vividos durante a entrevista.
São três momentos distintos de suas experiências, vividas em fases
diferentes que o permitiram a fazer essa análise. Por isso, por meio de sua reflexão
é possível afirmar que sua crítica opera em torno de uma aproximação e
distanciamento a partir de seu relato. Aproxima-se quando relembra, no presente, o
que viveu no passado e se distancia, mas sem deixar de estar interligadas, quando
analisa cada experiência como fruto de um processo de vida e de um momento
particular que é revelado quando mostra que mudou ao longo do processo, deixando
de ser uma pessoa com pouca experiência e até imaturo por ocasião dos Jogos
Olímpicos para tornar-se um adulto e maduro quando da Copa do Mundo de 1986.
Embora Bosi (2010, p. 453), analise a memória de seus
entrevistados por meio da ótica política, podemos tomar seu posicionamento como
418

forma de entender a fala de Carlos quando afirma que a “Leitura social do passado
com os olhos do presente, o seu teor ideológico se torna mais visível”. Quando a
análise de Carlos parte do presente para acessar o seu passado, esse
distanciamento temporal permite que faça uma reelaboração do que viveu, quando
narra e pensa suas ações recorre de modo implícito às inúmeras interferências que
aconteceram ao longo dos anos sobre tais episódios. E é exatamente essa
reelaboração feita juntamente com as interferências de diversas ordens que o
permite ter uma análise do seu processo como algo dinâmico e, portanto, diferente
em cada fase relatada.
Carlos defendeu o Corinthians até 1988 quando se transferiu para o
futebol da Turquia para o clube “Malatyaspor, na cidade de Malatya, que fica no
centro do país, uma equipe porte-médio que realizou sempre campanhas
intermediárias”. Em relação à seleção brasileira, Carlos pretendia disputar a Copa do
Mundo de 1990, mas acredita que pelo fato de estar no futebol turco não teve
visibilidade necessária fruto das limitações dos meios de comunicação da época.
Após duas temporadas retornou ao Brasil para jogar pelo Atlético Mineiro. Apesar de
já caminhar para o final de sua carreira voltou a ser convocado para a seleção
brasileira até 1993 e ainda defendeu o Guarani, Palmeiras, Portuguesa e quando
terminou o contrato parou de jogar. Um mês após encerrar a carreira foi convidado a
trabalhar como assistente da equipe de juniores do Guarani. Essa rápida transição
não o fez sentir o término da carreira.

Se você perguntar pra mim hoje, cê tem saudade do tempo que você
jogava? Não. Eu tenho boas recordações, saudade não, porque foi
um período que eu vivi intensamente, fiz tudo que eu [...] que eu
poderia ter feito, que a minha capacidade permitiu fazer, eu fiz, né,
tudo que dependeu de mim, eu fiz e [...] cheguei até onde tinha [...]
até onde deu pra chegar, e encerrei, encerrei. Então, eu tenho
recordações boas, se [...] se às vezes eu tô ali disponível e vejo algo,
pô, eu tô com vontade de ver isso daqui, esse vídeo que eu joguei,
os lances defendendo bola, eu olho, eu acho que é legal, até
motivador, né, fico [...] fico até arrepiado de ver aquilo lá, pô, eu
jogava legal, fazia umas defesas bonitas, então, é gostoso isso, cê
ter uma recordação, saudade nenhuma, parei consciente e feliz do
que fiz e vivo hoje minha vida intensamente o que eu estou fazendo,
luto, eu luto pra galgar degraus na [...] na profissão que eu vivo hoje,
que é a de treinador de goleiros, demorei bastante tempo é [...] pra
chegar a esta definição, porque eu relutei, como eu relutei em
começar a jogar futebol, eu fui empurrado, né, eu fui puxado pra isso
daí, eu relutei em ser treinador de goleiro [...]
419

Por uma necessidade em buscar um aprofundamento de suas ações


no mundo do futebol decidiu parar de trabalhar para estudar Educação Física
(concluiu o curso em 2008) e depois de formado retornou para a função de treinador
de goleiros. Fez uma crítica aos ex-jogadores, tomando a sua própria experiência de
vida, que consideram não ser importante se capacitar para assumir uma nova
condição dentro do futebol: “[...] fui trabalhar como treinador, como todo mundo que
acha que entende tudo, porque jogou bem, acha que não precisa fazer, e [...] não é
bem isso, a verdade é que você precisa se preparar sim, e precisa entender muito
daquilo que cê tá fazendo [...]”.
Sobre suas lembranças, Carlos agradeceu a oportunidade da
entrevista e da possibilidade em relembrar suas experiências e ressaltou que teve
poucas oportunidades para falar sobre esses assuntos tão importantes de sua
trajetória pessoal e esportiva. Disse que falou muita coisa, “muita que é pouca, né, e
que às vezes passa despercebido e que a gente fala num momento é o que tá vindo
na mente, na memória pra falar. Mas muita coisa esquecida passa despercebida,
mas de uma vida que eu tenho, que eu vejo e percebo [...]”.

6.8 Não muda a situação do esporte amador no país e o futebol


brasileiro não se classifica para os Jogos de Moscou

Mais uma vez o COB montou um plano de treinamento visando um


melhor desempenho brasileiro nos Jogos Olímpicos. Seguindo os mesmo princípios
de preparações anteriores o COB planejava como meta principal de trabalho “[...] a
contratação de tecnicos de alto nível, incrementar o intercâmbio com os grandes
centros esportivos, aperfeiçoamento dos métodos até agora utilizados, treinamento e
preparação de árbitros internacionais para atuarem nas competições1202. O foco do
investimento dos treinamentos seriam nos atletas juvenis como forma de renovação
dos atletas brasileiros e toda ação estava planejada para ser executada a partir das
demandas indicadas pelas confederações1203.
Embora houvesse essa organização, existia a dificuldade em colocar
o plano em ação. Jerônimo Bastos, presidente do CND, apontava que um dos

1202
COB tem plano para Pan e Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 9 de janeiro de 1977, p. 40.
1203
Comitê Olímpico quer a renovação no esporte. O Estado de S. Paulo, 28 de janeiro de 1977, p. 30.
420

empecilhos para implantar o programa era a ausência de um local adequado para


receber os atletas para o treinamento. Por conta disso, os treinamentos ficavam
restritos ao período anterior às competições mais importantes1204. Novamente as
diferenças entre o futebol e os demais esportes eram evidentes, agora
materializadas por meio do local de treinamento: “O futebol não consegue se
misturar com os outros esportes, e por isso precisa de uma concentração própria.
Ela será utilizada desde as equipes juvenis, pois esse é o ponto básico, uma vez
que esse trabalho tem trazido grandes resultados”1205, advertia Heleno Nunes,
presidente da CBD.
No cenário das possíveis modificações do esporte brasileiro mais
uma voz se manifestava na tentativa de traçar seu rumo: João Batista Figueiredo
que seria o futuro presidente da República. Em uma reunião com jornalistas
defendeu a redução do número de equipes do Campeonato Nacional de futebol e se
posicionou contra a criação do Ministério dos Esportes em substituição ao CND1206.
Sobre esse assunto, no ano seguinte, Havelange defendeu a desvinculação porque
“o esporte é apenas uma parte na estrutura do Ministério da Educação e, por isso,
não tem o impulso que deveria ter”1207, mas apontava que era necessária a criação
de um órgão centralizador e não necessariamente era a favor da criação do
Ministério dos Esportes.
Com a eleição de João Batista Figueiredo ficou estabelecida uma
mudança no comando da CBD: saía Heleno Nunes e entrava Giulitte Coutinho para
assumir a recém-criada CBF1208 e, dessa forma, o futebol não estaria mais sob
chancela do CND1209.

1204
CND já tem planos, falta só a aplicação. O Estado de S. Paulo, 24 de julho de 1977, p. 34.
1205
Um encontro com o ministro definirá área para a CBD. O Estado de S. Paulo, 16 de agosto de 1977, p. 23.
1206
Figueiredo critica futebol e vai mudar esporte. O Estado de S. Paulo, 24 de outubro de 1978, p. 28.
Praticamente a mesma notícia foi retomada no ano seguinte: Com Figueiredo, planos para mudar o esporte. O
Estado de S. Paulo, 15 de março de 1979, p. 46.
1207
As sugestões de Havelange. Folha de S. Paulo, 8 de outubro de 1980, p. 24.
1208
A CBF poderá ser uma realidade até agosto. O Estado de S. Paulo, 25 de abril de 1979, p. 22. “O presidente
do CND, Giulitte Coutinho, anunciou ontem que pretende reunir o plenário da entidade, no máximo dentro de 60
dias, para iniciar os trabalhos de criação da Confederação Brasileira de Futebol, conforme desejo do governo,
manifestado pelo ministro da Educação, Eduardo Portella”; A CBD está morta, nasce hoje a CBF. Folha de S.
Paulo, 24 de setembro de 1979, p. 14 – Esportes. “O processo de criação da CBF foi iniciado em março, quando
Giulitte Coutinho foi indicado para presidir o Conselho Nacional de Desportos. Antes mesmo de assumir já
anunciava que criaria a CBF. A princípio tirando o futebol e deixando a CBD com os outros esportes. Mas na
gestão sem se importar com os aspectos legais da transformação. E também com o fato de já estar em execução
um plano de afastamento gradativo dos esportes amadores da CBD, aprovado pelo ex-presidente Jerônimo
Bastos. Seriam criadas novas Confederações e o futebol continuaria a usar a sigla CBD, tradicional pelo tri-
campeonato mundial”; Às 17, Giulite toma posse na CBF. O Estado de S. Paulo, 18 de janeiro de 1980, p. 18.
1209
No futebol, Heleno sai como entrou. O Estado de S. Paulo, 15 de março de 1979, p. 46.
421

Logo que Giulitte fora eleito, Figueiredo telefonou para cumprimentá-


lo e ouviu sobre a votação: “Foi bom, né presidente? Foi 16 a 10, presidente... o
processo foi calmo e ganhamos nas urnas, presidente... Prevaleceu o senso
democrático, presidente [...]”1210. O que chama atenção na conversa entre o
presidente da CBF e o presidente da República foi o destaque dado por Giulitte em
relação ao processo democrático, afinal, em 1979 o Brasil estava no período da
Ditadura Militar em que, especialmente, após o AI-5 foi imposta uma série de
sanções, eliminando-se do vocabulário da época o “senso democrático”.
O lastro deixado por Giulitte por ocasião de sua saída do CND ficou
marcado pelo uso do CND como mecanismo para “[...] uma intervenção
governamental no futebol e inteiramente voltado, em termos imediatos, para esta
finalidade [...]”1211 e como consequência de seus atos, deixava os esportes
amadores sem a devida preparação que poderiam garantir o sucesso tanto no Pan-
Americano de 1979 (Porto Rico) como nos Jogos Olímpicos de 1980.
As previsões de que o Brasil teria condições de obter melhores
resultados nos Jogos de 1980 não se confirmavam um ano antes do início da
competição. O PNED que tinha por finalidade reformular o esporte amador nacional
chegava ao ano de 1979 sem ter cumprido todas as suas metas. Para entender o
insucesso das ações concluía-se que não havia sintonia entre os setores
responsáveis por cuidar do esporte, a Secretaria de Esportes do MEC (ex-DED), o
PNED e o CND1212.
Além desse fator, era apontada a dificuldade no repasse da verba
proveniente da Loteria Esportiva já que havia acontecido somente no ano das
competições1213. Enfim, o saldo de todo o investimento de planejamento e verbas
estabelecidos por meio do Plano Nacional não tinha gerado o resultado esperado.
As condições de treinamento que foram dadas aos atletas brasileiros que
conquistaram o quinto lugar no Pan-Americano de 1979, ficando atrás dos Estados
Unidos, Cuba, Canadá e Argentina no quadro de medalhas, seriam as mesmas para

1210
Giulitte Coutinho, eleito na CBF, promete seleção permanente. O Estado de S. Paulo, 18 de dezembro de
1979, p. 25.
1211
Um CND sem esporte amador. O Estado de S. Paulo, 8 de abril de 1979, p. 60. Texto de Luiz Fernando
Lima.
1212
Brasil nas Olimpíadas, a situação de sempre. O Estado de S. Paulo, 22 de abril de 1979, p. 54.
1213
Liberação de verbas prejudica os planos. O Estado de S. Paulo, 22 de abril de 1979, p. 54.
422

os Jogos Olímpicos. E por esse fato previa-se que “[...] há poucas perspectivas de
que os resultados escapem do fracasso”1214.
Os resultados esportivos brasileiros no cenário internacional
colocavam em questionamento a figura de Sylvio Padilha à frente do COB.
Aproveitando-se da situação, Carlos Arthur Nuzman, presidente da Confederação
Brasileira de Voleibol (CBV) estruturava uma oposição chamada Movimento
Olímpico Renovador para concorrer à presidência da entidade clamando por
mudanças1215. Afirmava que sua ação seria “[...] simples e voltada para a
dinamização da estrutura do esporte amador brasileiro”1216, prometia a candidatura
de São Paulo para sediar os Jogos de 19881217 e para as eleições afirmava ter o
apoio de 10 confederações, além de saber que não teria apoio de outras três
(hipismo, pugilismo e futebol, este último que passaria a apoiá-lo por meio de André
Richer)1218. Nuzman considerava impossível desistir de sua candidatura em troca de
um cargo dentro do COB1219.
Ao mesmo tempo em que recusava qualquer cargo para não se
candidatar, Nuzman utilizava-se dos mesmos subterfúgios para convencer Padilha
de não se candidatar. Segundo Padilha, “Ele queria, com aquela história de respeito
ao meu passado, me colocar como presidente de honra, ficando ele com a
presidência. Como estou firmemente decidido a me candidatar, não aceitei”1220.
Padilha, no entanto, queria se aproximar de Nuzman e o nomeou, juntamente com o
general e membro do COI Ramiro Tavares Gonçalves, João Correia da Costa e
André Richer, para ser um dos coordenadores da Comissão Especial responsável
por elaborar um anteprojeto para reestruturar o COB1221.
Nuzman clamava por transparência, alternância de poder e uma
reformulação dos estatutos do COB. Em meio as suas promessas de mudança
levantava essa bandeira para alertar o mundo esportivo sobre a situação do esporte

1214
E a Olimpíada já preocupa. O Estado de S. Paulo, 17 de julho de 1979, p. 27.
1215
A plataforma de Nuzman para derrotar Padilha. Folha de S. Paulo, 10 de outubro de 1979, p. 26 – Esportes.
1216
A oposição ao COB marca sua 1ª reunião. O Estado de S. Paulo, 4 de agosto de 1979, p. 24.
1217
No COB, a luta final pelo poder. O Estado de S. Paulo, 9 de novembro de 1979, p. 25.
1218
Começa a luta pelo poder no COB. Folha de S. Paulo, 1º de agosto de 1979, p. 25 – Esportes; Padilha vai
lutar contra Nuzman pelo poder no COB. Folha de S. Paulo, 2 de agosto de 1979, p. 31 – Esportes; A oposição
ao COB marca sua 1ª reunião. O Estado de S. Paulo, 4 de agosto de 1979, p. 24.
1219
Nuzman não quer nem falar em composição para o COB. Folha de S. Paulo, 3 de agosto de 1979, p. 31 –
Esportes.
1220
Padilha reafirma candidatura ao COB e desmente a oposição. Folha de S. Paulo, 10 de agosto de 1979, p. 33
– Esportes.
1221
Padilha cria comissão de reestruturação e indica Carlos Nuzman. Folha de S. Paulo, 18 de agosto de 1979,
p. 23 – Esportes.
423

nacional e ressaltava que a entidade não poderia ficar restrita a participar apenas do
Pan e dos Jogos Olímpicos1222.
No entanto, a trajetória de Nuzman à frente do COB se iniciou
somente em 1995 – e permanece até o momento (2013). A sua gestão teve e tem
como característica tudo aquilo que ele apontava negativamente em relação ao
Padilha quando argumentava que a estagnação do esporte brasileiro era causada
pelo fato de Padilha estar muito tempo como presidente do COB.
Por outro lado, Sylvio Padilha, começava a se organizar para não
perder o espaço conquistado à frente do COB e “[...] anunciou uma medida
surpreendente, ou pelo menos inédita para os 16 anos em que está na direção da
entidade: a preparação das equipes e atletas para a Olimpíada de Moscou [...] terá
início na metade de setembro, dez meses antes do início dos Jogos”1223. Nesse jogo
político, Padilha tinha um grande nome ao seu lado: Havelange, que havia pedido
seu apoio na eleição de Samaranch para presidente do COI1224.
Apesar de Nuzman anunciar que possuía apoio de 10
confederações1225, tanto Padilha quanto Havelange1226 projetavam que venceriam
por 13 a 81227. No final, Padilha foi realmente reeleito para mais quatro anos à frente
do COB (12 a 9)1228 enquanto Nuzman1229 ao acusar de traidores os presidentes de
quatro confederações declarava que o esporte brasileiro era o grande
1230
prejudicado .

1222
Como vai ser o COB, segundo a oposição. Folha de S. Paulo, 9 de agosto de 1979, p. 37 – Esportes.
1223
Padilha tenta voltar à iniciativa no COB. O Estado de S. Paulo, 18 de agosto de 1979, p. 21.
1224
Padilha tenta voltar à iniciativa no COB. O Estado de S. Paulo, 18 de agosto de 1979, p. 21. Consultar
também: Samaranch, o candidato do Brasil. Folha de S. Paulo, 14 de julho de 1980, p. 13 – Esportes.
1225
Ao todo existiam 19 Confederações (atletismo, ciclismo, basquete, desportos terrestres, esgrima, futebol,
ginástica, pugilismo, halterofilismo, handebol, hipismo, judô natação remo, tênis de campo, tênis de mesa, tiro
ao alvo vela e motor, vôlei. Além dessas Confederações tinham direito a voto o presidente do COI e João
Havelange como membro do COI. Consultar: Dia 10, o COB entre Padilha e Nuzman. Folha de S. Paulo, 29 de
outubro de 1979, p. 14-14 – Esportes.
1226
A força de Havelange desequilibrou o jogo. Folha de S. Paulo, 12 de novembro de 1979, p. 14. “‘O Sílvio
Padilha é meu amigo há muitos anos. Vim para votar nele e a vitória será tranquila. Ele será reeleito por 13 votos
contra oito. Os opositores querem mudar os métodos de trabalho e estão certos, mas para isso não é obrigatório
que se mudem os homens, quando eles têm qualidades’, afirmava Havelange”.
1227
Padilha vai ao Rio com a certeza de uma vitória. O Estado de S. Paulo, 7 de agosto de 1979, p. 22.
1228
Padilha, reeleito, fica mais 4 anos no Comitê Olímpico. O Estado de S. Paulo, 11 de novembro de 1979, p.
60; Por 12 votos a 9, Padilha continua mandando no COB. Folha de S. Paulo, 11 de novembro de 1979, p. 39 –
Esportes.
1229
Velhos dirigentes estão atrapalhando, diz Nuzman. Folha de S. Paulo, 3 de março de 1980, p. 15 – Esportes.
“‘O esporte brasileiro só vai melhorar no dia em que os velhos dirigentes morrerem...’ Calma pessoal! Junto com
essa declaração, Carlos Arthur Nuzman desejou também vida longa aos atuais donos do esporte do País. Enfim,
como um bom político acendeu uma vela a Deus e outra ao diabo”.
1230
Padilha, reeleito, fica mais 4 anos no Comitê Olímpico. O Estado de S. Paulo, 11 de novembro de 1979, p.
60. Consultar também: “A juventude perdeu nessa eleição”. Folha de S. Paulo, 12 de novembro de 1979, p. 14 –
424

Padilha, por sua vez, sem citar nomes, acusava Nuzman pelo baixo
nível da campanha, pontuava que era preciso saber ganhar e perder e ressaltava
que “Não se deve querer levar ao publico, que não vota, uma imagem diferente do
adversário, só porque é adversário, porque, se nem todos conhecem a fundo os
problemas em causa ou mesmo o adversário, a verdade e a razão sempre hão de
aparecer”1231.
Para viabilizar a participação brasileira nos Jogos Olímpicos de
Moscou, uma verba de Cr$ 20 milhões foi liberada pela Caixa Econômica Federal,
como adiantamento do valor arrecadado por um teste da Loteria Esportiva, a partir
de janeiro de 1980 para que os esportes pudessem ter condições financeiras de
iniciarem os treinamentos1232. Mais uma vez, o futebol foi a modalidade que mais
recebeu verba1233.
Para a disputa do torneio pré-olímpico 88 países se inscreveram
para participar, distribuídos da seguinte forma: 20 países da África, 20 da Ásia, 17 da
Concacaf, oito da América do Sul, 21 da Europa e dois da Oceania1234. Todos esses
países concorreriam a 16 vagas no torneio olímpico de futebol. As vagas para cada
federação estavam definidas dessa forma: três para a África, três para a Ásia, duas
para a Concacaf, duas para a América do Sul, quatro para a Europa e ainda contaria
com a Alemanha Oriental (campeã dos Jogos anteriores) e com a União Soviética
(país sede)1235.
Nem todas as seleções que disputaram uma vaga para o torneio de
futebol haviam submetido a sua inscrição via seu Comitê Olímpico Nacional. Por

Esportes. Os presidentes acusados eram: Alberto Curi (basquete), Hélio Vieira (esgrima), Sigrried (ginástica) e
José Bruno Klein (desportos terrestres).
1231
“Não esperem muitas medalhas nas próximas Olimpíadas”. O Estado de S. Paulo, 2 de dezembro de 1979,
p. 65.
1232
COB diz que Olimpíada em São Paulo é impossível. Verba liberada. Folha de S. Paulo, 30 de novembro de
1979, p. 23.
1233
Verba para Olimpíada sai até segunda. Folha de S. Paulo, 21 de novembro de 1979, p. 25 – Esportes. “A
verba de Cr$ 20 milhões está assim distribuída: futebol (Cr$ 4 milhões), voleibol (Cr$ 1 milhão e 680 mil),
basquete (Cr$ 1 milhão e 405 mil), ginástica (Cr$ 1 milhão e 500 mil), handebol (Cr$ 1 milhão e 300 mil), remo
(Cr$ 815 mil), tiro (Cr$ 600 mil), esgrima (Cr$ 600 mil), hipismo (Cr$ 580 mil), boxe (Cr$ 515 mil), natação
(Cr$ 440 mil), atletismo (Cr$ 400 mil), iatismo (Cr$ 353 mil), levantamento de peso (Cr$ 280 mil) e ciclismo
(Cr$ 126 mil)”. Consultar também: As verbas do MEC para os esportes. Folha de S. Paulo, 12 de março de
1980, p. 25 – Esportes; Figueiredo exige contenção de gastos com a Olimpíada. Folha de S. Paulo, 13 de março
de 1980, p. 36 – Esportes.
1234
Olympic Review, n. 132-133, outubro – novembro de 1978, p. 643. Fédération Internationale de Football
Association (FIFA). Moscow 1980.
1235
Olympic Review, n. 134, dezembro de 1978, p. 643. Fédération Internationale de Football Association
(FIFA). Moscow 1980.
425

meio de seu Comitê Executivo, o COI informou que os países classificados seriam
chamados para confirmar a elegibilidade dos atletas1236.
Indicado por Claudio Coutinho, o técnico da seleção brasileira
amadora foi Jaime Valente para a disputa do torneio Pré-Olímpico que aconteceria
na Colômbia1237. Valente ressaltava a importância em conquistar uma das vagas
para os Jogos Olímpicos e exaltava a qualidade dos atletas convocados pelo fato de
quase todos jogarem nos principais de grandes clubes do país1238.
A base da seleção era a mesma que havia conquistado o
bicampeonato no Pan-Americano de Porto Rico de 1979, quando esteve sob
comando do técnico Mario Travaglini1239. A combinação de resultados que o Brasil
precisava na última partida do pré-olímpico era vista pela imprensa como uma
missão impossível1240 e a crítica do jornalista Aroldo Chiorino buscava na derrota o
alívio de não ir a Moscou e dessa forma evitar um vexame ainda maior: “Diante de
tudo o que está ocorrendo na Colômbia, até que será ótimo o futebol brasileiro não ir
a Moscou, onde o fracasso, fatalmente, seria muito maior, diante de equipes
tecnicamente superiores e formadas por jogadores adultos [...]”1241.
A derrota por goleada no último jogo do torneio pré-olímpico e a não
classificação para os Jogos de 1980 deflagrou uma crise na CBF. Entre os culpados
pelo pífio resultado estavam o ex-presidente Heleno Nunes, o técnico Jaime Valente
e o preparador físico Lazzaroni. Ao chegar ao Brasil, o técnico assumiu a culpa pelo
resultado negativo1242.
Aos jogadores da seleção olímpica ficava, em tom pejorativo, o
rótulo de seleçãozinha: “Falar da seleção olímpica, a seleçãozinha, que acabou

1236
Olympic Review, n. 138-139, abril – maio de 1979, p. 228. IOC circulars.
1237
CBF convocou a seleção amadora. Folha de S. Paulo, 30 de novembro de 1979, p. 23 – Esportes.
1238
Seleção, só uma dúvida. O Estado de S. Paulo, 18 de janeiro de 1980, p. 18.
1239
Seleção Olímpica viaja com boas perspectivas. O Estado de S. Paulo, 17 de janeiro de 1980, p. 23.
1240
A campanha brasileira foi a seguinte: Venezuela (2 a 1 - Brasil venceu a Venezuela. Folha de S. Paulo, 25
de janeiro de 1980, p. 39), Peru (0 a 3 - O futebol amador esquece a derrota dançando e bebendo. Folha de S.
Paulo, 29 de janeiro de 1980, p. 23), Bolívia (4 a 0 - Brasil, agora confiante. O Estado de S. Paulo, 1º de
fevereiro de 1980, p. 19), Chile (0 a 0 - No futebol, a decepção. O Estado de S. Paulo, 5 de fevereiro de 1980, p.
24), Argentina (1 a 3 - As poucas chances no Pré-Olímpico. O Estado de S. Paulo, 9 de fevereiro de 1980, p.
17; Futebol ameaçado de não ir a Moscou. Folha de S. Paulo, 9 de fevereiro de 1980, p. 21 – Esportes) e
Colômbia (1 a 5 - Futebol gasta 4 milhões e nem assim vai para Moscou. Folha de S. Paulo, 11 de fevereiro de
1980, p. 18 – Esportes).
1241
Sete dias no esporte. Fracasso. Folha de S. Paulo, 10 de fevereiro de 1980, p. 36 – Esportes.
1242
Técnico da seleção amadora assume culpa. O Estado de S. Paulo, 14 de fevereiro de 1980, p. 24; Valente, o
discípulo de Coutinho, explica fracasso da seleção. Folha de S. Paulo, 14 de feveiro de 1980, p. 29 – Esportes.
426

eliminada vergonhosamente do Pré-Olímpico [...]”1243. O que se destacava nas


análises da desclassificação brasileira era a imagem que o “país do futebol” deixava
nas competições internacionais das quais participava, especialmente, com a seleção
de juniores: a não classificação para a Copa do Mundo da categoria em 1979 e para
os Jogos Olímpicos de 19801244.
De início os jogadores foram absolvidos de qualquer culpa pelo
desempenho mesmo após a derrota para o Peru quando foram ao carnaval de
Barranquilla. A culpa era reforçada aos dirigentes e ao técnico1245. Porém, dias
depois de retornarem ao Brasil, o jornalista oficial da seleção brasileira, Paulo César
Campello afirmou que a derrota que sacramentou a não classificação do Brasil, “[...]
a goleada de 5 a 1 sofrida diante da Colômbia, foi ‘comemorada’ até a madrugada
na Boate Girafa Vermelha, de Bogotá entre drinques e gargalhadas”1246. Sobre essa
situação Roberto Abranches, chefe da delegação brasileira amenizou a acusação ao
falar sobre a postura dos atletas: “Se eles perderam daquela maneira da Colômbia e
ainda tiveram coragem de festejar a derrota, demonstraram não possuir sentimento.
Mas não cometeram qualquer indisciplina”1247.
Paulo César ainda completou que três atletas (Dudu, Silva e Gérson)
fizeram descaso e ações de indisciplina durante a competição. Também afirmou que
“Dudu, antes da viagem, não queria aceitar a convocação, só o fazendo obrigado
pelo seu pai. Na Colômbia, ele desabafou: ‘Imaginem só, deixar de ser titular no
Vasco da Gama para ficar na reserva da seleção amadora. É demais’”1248. Nesse
sentido, a não classificação do Brasil representava para os atletas uma oportunidade
para se profissionalizarem. Provavelmente, se fossem aos Jogos e tivessem um
bom desempenho poderiam fechar melhores contratos, mas não ir representava
uma condição imediata de conseguirem o que queriam quando muitos deles
preferiam continuar em seus clubes a defender a seleção1249.

1243
O fracasso da seleção olímpica já é assunto proibido na CBF. O Estado de S. Paulo, 12 de fevereiro de
1980, p. 22.
1244
Ninguém respeita mais o Brasil, garante Jorginho. Folha de S. Paulo, 15 de feveiro de 1980, p. 30 –
Esportes.
1245
No Pré, desastre do futebol brasileiro. Folha de S. Paulo, 12 de fevereiro de 1980, p. 23.
1246
Pouco futebol e muita farra. Folha de S. Paulo, 15 de fevereiro de 1980, p. 29 – Esportes.
1247
Novo enfoque do vexame do Pré. Folha de S. Paulo, 16 de feveiro de 1980, p. 21 – Esportes.
1248
Pouco futebol e muita farra. Folha de S. Paulo, 15 de fevereiro de 1980, p. 29 – Esportes.
1249
Ponte quer um time jovem para a Copa Brasil. Folha de S. Paulo, 14 de fevereiro de 1980, p. 30 – Esportes.
“A Ponte está interessada em Lela, do Noroeste, jogador que defendeu a seleção olímpica brasileira. Também há
interesse pelo aproveitamento de Luis Henrique, Édison e Rudnei, que agora poderão ser profissionalizados, já
427

Com a adesão da Argentina ao boicote promovido pelos Estados


Unidos, abriu-se uma vaga para um o país subsequente na classificação. Como o
Brasil havia terminado em antepenúltimo lugar (5º entre as sete seleções) não foi o
país contemplado1250. Essa vaga ficou com a Venezuela porque o Peru (3º colocado)
desistiu de enviar sua seleção pelo fato de que os jogadores que participaram do
“[...] torneio pré-olímpico foram contratados, em sua maioria, por clubes
profissionais1251 e a outra com a Colômbia que havia sido a vice-campeã1252, apesar
de estar ameaçada de participar porque muitos de seus jogadores já eram
profissionais1253. Ao todo, devido o boicote, sete seleções foram substituídas no
torneio olímpico1254.
Como de praxe, ao final de mais uma edição olímpica o país fazia o
seu balanço final de sua participação e novamente o resultado dessa análise não
era animador. Depois de tantos anos de investimentos na elaboração de planos para
contemplar o esporte amador, o Brasil estava no mesmo estágio de outras
participações olímpicas. As quatro medalhas conquistadas (duas de ouro – no
iatismo com Marcos Soares e Eduardo Penido – classe 470 e Alex Weler e Lars
Sigurd Bjorkstrom – classe tornado; duas de bronze – na natação 4x200 m livres
com Jorge Luiz Fernandes, Marcus Laborne Mattioli, Cyro Marques Delgado e Djan
Garrido Madruga; no salto triplo com José Carlos de Oliveira) revelavam que
estávamos longe de ser uma potência esportiva.
Seguindo a linha das últimas participações brasileiras, o fim dos
Jogos representava a hora de apontar os erros e pensar que no futuro as coisas
seriam melhores1255. Na onda das especulações referentes às causas do insucesso,
Havelange teria dito que “[...] a má alimentação que recebe o atleta brasileiro é o

que, com a desclassificação do Brasil à Olimpíada de Moscou, não terão impedimento da CBF para se
profissionalizarem”.
1250
No amador, antepenúltimo lugar. O Estado de S. Paulo, 15 de fevereiro de 1980, p. 21.
1251
A expectativa do futebol. Folha de S. Paulo, 11 de maio de 1980, p. 34 – Esportes.
1252
Colômbia garantiu sua vaga em Moscou. Folha de S. Paulo, 17 de fevereiro de 1980, p. 20. A classificação
final ficou assim: 1º Argentina; 2º Colômbia; 3º Peru; 4º Venezuela; 5º Brasil; 6º Chile e 7º Bolívia.
1253
A expectativa do futebol. Folha de S. Paulo, 11 de maio de 1980, p. 34 – Esportes.
1254
FIFA divulga a lista dos 15 inscritos nos Jogos. O Estado de S. Paulo, 6 de junho de 1980, p. 17. Consultar
também: Futebol tem 15 para Olimpíada. Folha de S. Paulo, 7 de junho de 1980, p. 21 – Esportes; Nigéria
aceita o convite da Fifa e completa os 16. Folha de S. Paulo, 17 de junho de 1980, p. 24 – Esportes; Olympic
Football Tournament Moscow 1980 Technical Study. Evaluation, Conclusion, Deduction, p. 89. Documento
da FIFA. As seleções que puderam participar devido ao boicote foram: Venezuela, Síria, Finlândia, Nigéria,
Zâmbia, Cuba, Iraque e Kuwait.
1255
50 milhões, o preço de cada uma das medalhas. Folha de S. Paulo, 4 de agosto de 1980, p. 10 – Esportes.
428

fator responsável pelo fracasso do Brasil em Moscou e outras Olimpíadas”1256. Ao


chegar ao Brasil, Havelange classificou a imprensa de maldosa por ter atribuído a
ele uma declaração de que a participação brasileira havia sido fraca nos Jogos de
Moscou1257. Disse que havia sugerido a criação de “[...] uma secretaria de esportes
vinculada diretamente à Presidência da República [...]”1258 não foi bem recebida pelo
presidente Figueiredo que não pretendia aderir à sugestão do presidente da FIFA.
O COB organizou e nomeou uma comissão especial para montar os
planos para o esporte amador visando os Jogos de Los Angeles. A presidência da
comissão coube ao chefe da delegação em Moscou, André Richer “[...] e terá ainda
Carlos Nuzman, presidente da CBV, Hélio Babo, presidente da CBAT, Rogério
Carneiro, representando a natação, Renato Borges da Fonseca, do remo, e Renato
Azevedo, do iatismo”1259 e logo em seguida foram incluídos dois novos membros
(Pedro Richard Neto, do CND e Carlos de Oliveira Dias, do basquete)1260. Era o
esporte brasileiro em busca de novos rumos.

6.9 Apesar da tumultuada preparação o Brasil conquista a primeira


medalha do futebol

Para o torneio de futebol olímpico, a FIFA cogitou estabelecer o


limite de idade para 23 anos1261, mas decidiu manter as mesmas regras de
elegibilidade que haviam sido definidas para os Jogos de Moscou1262, ou nas
palavras de Havelange: “[...] os Jogos de 1984 permanecerão em vigor com as
mesmas regras que foram aplicadas nas Olimpíadas de 1980, em Moscou, isto é,
sem limite de idade”1263. Com isso, mantinha-se a restrição da participação dos

1256
Em discussão, a subnutrição no esporte. O Estado de S. Paulo, 3 de agosto de 1980, p. 51.
1257
Delegação olímpica chega reduzida e sem festa. Havelange, nova versão. O Estado de S. Paulo, 7 de agosto
de 1980, p. 29.
1258
Sugestão de Havelange não anima governo. O Estado de S. Paulo, 15 de agosto de 1980, p. 21.
1259
Uma comissão para planejar Olimpíada-84. O Estado de S. Paulo, 23 de agosto de 1980, p. 24. Consultar
também: COB já pensa em Los Angeles. Folha de S. Paulo, 24 de agosto de 1980, p. 27 – Esportes.
1260
Posse no COB. O Estado de S. Paulo, 28 de agosto de 1980, p. 27; Criada comissão de apoio do COB.
Folha de S. Paulo, 28 de agosto de 1980, p. 25 – Esportes.
1261
Olympic Review, n. 178-179, agosto – setembro de 1982, p. 511. Fédération Internationale de Football
Association (FIFA). Re-election of Mr. Joáo Havelange.
1262
Olympic Review, n. 176, junho de 1982, p. 326. Eligibility.
1263
Havelange desmente mudanças das regras. Folha de S. Paulo, 30 de abril de 1982, p. 24 – Esportes.
429

atletas de futebol da América do Sul e da Europa que tivessem participado da Copa


do Mundo ou das eliminatórias para a Copa1264.
Embora o futebol olímpico representasse um problema para a FIFA
pelo fato de que ela já possuía a sua Copa do Mundo como grande evento e durante
a gestão de Havelange vinha sendo investida na disseminação da ideia e
necessidade de existir uma Copa do Mundo para os jovens. Essa medida gerava um
conflito direto com o futebol olímpico, especialmente, quando as restrições de
participação de um atleta limitava a formação de algumas seleções. Como forma de
dizer que o futebol olímpico era importante para a FIFA, João Havelange utilizava-se
dos números para enaltecer a presença do futebol nos Jogos Olímpicos. Para ele, os
números de Moscou (1,8 milhões de espectadores) eram capazes de convencer que
a FIFA realmente estava interessada nessa competição1265.
Enquanto as Federações Internacionais se organizavam para
adequarem as suas regras de elegibilidade de acordo com a Carta Olímpica, a FIFA
ainda apresentava problemas na confecção de sua proposta diante dos princípios do
COI. Como nada ainda estava decidido, “[...] o Comitê Olímpico Brasileiro pede ao
CND e à CBF que não aceitem contratos profissionalizando os juniores que
venceram o Campeonato Sul-americano na Bolívia”1266. Essa medida era uma forma
encontrada para que o Brasil pudesse montar uma seleção forte para tentar vencer o
torneio de futebol olímpico.
Em uma reunião entre representantes da FIFA e do COI ficou
estabelecido que os países que possuíssem seu Comitê Olímpico Nacional
poderiam participar. Porém, existiam algumas restrições: dos atletas que ganhavam
a vida jogando futebol, o documento não especificava, mas em outras palavras
impedia aos atletas profissionais de participarem; estava mantida, conforme já
citado, a restrição aos atletas da América do Sul e Europa que disputaram jogos
eliminatórios ou partidas da Copa do Mundo e o COI ainda pontuava que a restrição

1264
Olympic Review, n. 181, novembro de 1982, p. 691. Federation Internationale de Football Association
(FIFA).
1265
Olympic Review, n. 178-179, agosto – setembro de 1982, p. 511. Fédération Internationale de Football
Association (FIFA). Re-election of Mr. Joáo Havelange.
1266
Abertura para o futebol. Folha de S. Paulo, 3 de abril de 1983, p. 25.
430

se aplicava aos atletas que se utilizavam de drogas ou violência na prática do


esporte1267.
Apesar de estabelecido o acordo, a própria FIFA estudava aceitar a
participação de atletas profissionais desde que não tivessem participado da Copa do
Mundo, mas para isso ser aceito era preciso o aval do COI1268. Após vários meses
de reuniões o COI e a FIFA chegaram a um acordo em que realmente mantinham os
atletas profissionais fora dos Jogos. “Cada entidade tinha uma opinião sobre a
elegibilidade dos jogadores e, aparentemente, o Comitê Olímpico venceu”1269.
No Brasil, apesar de ao longo dos anos 70 o COB ter estruturado
planos para modificar o esporte brasileiro, especialmente, em relação aos resultados
internacionais com o objetivo de transformar o país em uma potência olímpica,
pouco se alterou o quadro da década anterior. Novamente, Sylvio Padilha,
presidente do COB, mantinha o discurso pessimista quanto ao desempenho
brasileiro nos Jogos de 19841270.
Como tentativa de mudar esse quadro, em São Paulo, a Secretaria
de Esportes e Turismo lançou o “Projeto Futuro-Olimpíada 88” com o objetivo de
identificar entre os jovens de 14 e 16 anos os futuros talentos esportivos do país1271.
A princípio, o Projeto destinou-se somente ao atletismo1272. No entanto, essas ações
imediatistas que buscavam resultados expressivos em apenas quatro anos
revelavam a dificuldade dos governos e secretarias em organizar a médio e/ou longo
prazo um plano de treinamento e de desenvolvimento do esporte no país.
O desempenho brasileiro nos Jogos Olímpicos era o reflexo das
ações políticas em torno do esporte e o COB tinha um papel fundamental nesse
insucesso, pois era a entidade responsável por organizar e preparar a delegação
brasileira. Embora Sylvio Padilha fosse uma pessoa influente no COI – nesse
momento era membro do Comitê Executivo – já estava há 20 anos no poder e
estava eleito para mais cinco anos1273. Portanto, tinha tido tempo suficiente para

1267
Olympic Review, n. 190-191, agosto – setembro de 1983, p. 603. Football. Eligibility of Football players for
the Olympic tournament. Consultar também: COI já admite discutir novo regulamento para o futebol. O Estado
de S. Paulo, 20 de janeiro de 1983, p. 26.
1268
França inclui profissionais na seleção. O Estado de S. Paulo, 12 de fevereiro de 1983, p. 16.
1269
Olimpíada: só futebol amador. O Estado de S. Paulo, 16 de julho de 1983, p. 21.
1270
“Não esperem bons resultados”. O Estado de S. Paulo, 7 de outubro de 1983, p. 17.
1271
Esporte e almoço na conta do Caio. Folha de S. Paulo, 11 de fevereiro de 1984, p. 25; São Paulo já começa
a procurar os talentos. O Estado de S. Paulo, 12 de feveiro de 1984, p. 41. Texto de Fran Augusti.
1272
Histórias (e esperanças) dos futuros atletas. O Estado de S. Paulo, 25 de março de 1984, p. 44.
1273
Padilha eleito por aclamação. O Estado de S. Paulo, 17 de novembro de 1983, p. 28. “Sem oposição, o
major Sylvio de Magalhães Padilha foi reeleito ontem para um quinto mandato na presidência do Comitê
431

mudar o panorama do esporte amador brasileiro, mas a cada novo ciclo reforçava
que os resultados não seriam satisfatórios e o que agravava ainda mais a situação
era que o esporte brasileiro tinha se modificado pouco ao longo dessas duas
décadas.
O número de países inscritos para disputar o pré-olímpico de futebol
continuava estável. Para os Jogos de 1984, 86 nações realizaram a inscrição. Elas
estavam divididas entre a Europa (21), África (25), Ásia (19), Concacaf (12), América
do Sul (7) e Oceania (2)1274.
As ameaças em torno da saída do futebol do programa olímpico
continuavam a aparecer, agora canalizadas na insatisfação da FIFA em relação às
instalações olímpicas para o futebol. Artemio Franchi, vice-presidente da entidade,
declarou que as obras em um estádio dos Jogos não apresentava evoluções nas
obras e ameaçava: “Se o campo de Long Beach não estiver em condições, os Jogos
de 84 ficarão sem futebol”1275.
Como a FIFA e o COI ainda não haviam chegado a uma definição
consensual sobre a elegibilidade dos atletas, especialmente pelo fato da FIFA
defender o limite de idade (23 anos) e não a condição profissional do atleta, o
regulamento do torneio Pré-Olímpico de futebol estabelecia que os jogadores
deveriam ter menos de 23 anos, não importando se eram profissionais1276.
A seleção pré-olímpica teve como técnico Cleber Camerino1277 e
Carlos Alberto Parreira, técnico da seleção principal, ficou na função de observador
técnico1278. O Brasil que ao longo da história dos Jogos Olímpicos manteve-se alheio
aos conflitos entre o amadorismo e o profissionalismo, sempre acatando as decisões
do COI, mudava essa conjuntura por meio do futebol. Amparados pelo acordo entre
o COI e a FIFA que permitia a participação dos atletas que não tivessem disputado
jogos eliminatórios ou partidas em Copa do Mundo e, caso fossem profissionais

Olímpico Brasileiro, por aclamação de 18 das 19 confederações filiadas. Apenas o presidente da CBV, Carlos
Nuzman, adversário derrotado por Padilha nas eleições de 1979, não compareceu. Junto com Padilha, no cargo
desde 1963, foi reeleito para a vice-presidência o brigadeiro Jeronimo Bastos e todo o Conselho Fiscal e o
Conselho Executivo”. Consultar também: Padilha é reeleito no Rio, por aclamação. Folha de S. Paulo, 17 de
novembro de 1983, p. 25 – Esportes.
1274
Olympic Review, n. 182, dezembro de 1982, p. 766. Fédération Internationale de Football Association
(FIFA).
1275
Olimpíada. O Estado de S. Paulo, 4 de fevereiro de 1982, p. 27.
1276
O prêmio é bem recebido. O Estado de S. Paulo, 29 de março de 1983, p. 22.
1277
Convocados os 23 que vão ao Equador. O Estado de S. Paulo, 20 de dezembro de 1983, p. 21.
1278
Seleção embarca com o time ainda indefinido; Parreira é observador. Folha de S. Paulo, 9 de fevereiro de
1984, p. 30 – Esportes.
432

deveriam ter outra atividade além do futebol, a CBF convocou 23 jogadores


profissionais para o pré-olímpico. No entanto, a regra de elegibilidade do COI
pontuava que não eram permitidos atletas que ganhassem a vida com o futebol.
Desconsiderando essa determinação e amparados pelo item referente à Copa do
Mundo, a CBF pretendia inscrever os jogadores como estudantes exatamente pela
dificuldade em encontrar atletas profissionais que possuíssem uma atividade
paralela1279.
A ação da CBF, ao garantir que os atletas tivessem condições de
jogo vinculando alguns como estudantes, sendo que “outros ‘ganharam vínculo
empregatício’”1280, poderia gerar problemas junto ao COB pelo fato de que essa
entidade era responsável pela participação do time nos Jogos e ela não foi
consultada sobre essa situação. Além disso, o acúmulo de cargos de Sylvio Padilha,
na presidência do COB e de membro do Comitê Executivo do COI, poderia fazer
com que algum tipo de veto fosse feito em relação à convocação dos atletas
profissionais da CBF com o objetivo de não criar nenhum problema político no
mundo do esporte.
O COB já havia informado que não aceitaria a inscrição de uma
seleção profissional para disputar os Jogos de Los Angeles e a figura de Sylvio
Padilha era apontada por Roberto Abranches, membro do Conselho Executivo do
COB, como sendo um fator que restringia essa ação da CBF1281: “O COB não
permitirá a presença de profissionais em Los Angeles, mesmo porque o seu
presidente, major Silvio de Magalhães Padilha, é membro da comissão de
elegibilidade do Comitê Olímpico Internacional, que estuda exatamente estes
casos”1282.
Após uma reunião entre a CBF e o COB, Sylvio Padilha esclareceu
que o torneio pré-olímpico era “[...] de competência exclusiva da Fifa e da CBF”1283 e
todos os atletas convocados estavam autorizados a participar do pré-olímpico1284.
Enquanto o Brasil tentava resolver as questões sobre o profissionalismo várias

1279
CBF e COB podem entrar em conflito. O Estado de S. Paulo, 7 de janeiro de 1984, p. 19.
1280
CBF arruma jeitinho para levar equipe boa. Folha de S. Paulo, 5 de janeiro de 1984, p. 27.
1281
Profissionalismo ameaça brasileiros. Folha de S. Paulo, 26 de janeiro de 1984, p. 25 – Esportes.
1282
Jogador profissional não vai. Folha de S. Paulo, 4 de janeiro de 1984, p. 23 – Esportes.
1283
COB decide não intervir no futebol. O Estado de S. Paulo, 27 de janeiro de 1984, p. 19. Consultar também:
Padilha adverte sobre o desvirtuamento da Carta Olímpica. Folha de S. Paulo, 27 de janeiro de 1984, p. 20.
1284
Participação no Pré é garantida. Folha de S. Paulo, 25 de janeiro de 1984, p. 24 – Esportes.
433

informações da CONMEBOL indicavam as deficiências na organização do torneio


pré-olímpico.
A princípio, o presidente da CONMEBOL, o peruano Teófilo Salinas
informou “[...] que nenhuma equipe participante do Torneio Pré-Olímpico do
Equador, poderá incluir jogadores que tenham defendido as seleções principais de
seus países”1285. Porém, uma nova determinação autorizava a participação dos
atletas que haviam participado da Copa América, fato que agradou boa parte dos
países1286, mas gerou descontentamento por parte da Argentina que se retirou da
competição e em nota oficial a Associação de Futebol da Argentina alegou:

[...] que ‘as mudanças alteram fundamentalmente os planos básicos


desenvolvidos desde o início de novembro com um grupo de
jogadores cuja característica principal é a juventude’. A Associação
destaca ainda a ‘impossibilidade de adaptar a equipe às novas
condições’ e a ‘falta de seriedade demonstrada pelos
organizadores1287.

A Argentina desistia por entender que sua seleção não teria sucesso
diante dos países que utilizassem os atletas da seleção principal. Além da Argentina,
o Peru alegou problemas financeiros e retirou a sua equipe da competição1288 e o
Uruguai não se inscreveu para a disputa. Da América do Sul classificaram-se o
Brasil e o Chile para os Jogos de Los Angeles.
Para a disputa dos Jogos, o Brasil já previa convocar outra
seleção1289 e apenas três jogadores eram cotados a continuar (o goleiro Paulo Vitor,
o volante Dunga e o lateral-esquerdo Adalberto)1290. Roberto Abranches, membro do
COB, declarava-se contra o “jeitinho brasileiro” que se valia de uma interpretação da
regra 26 do COI quando enviou os atletas profissionais para conquistar a vaga

1285
Paraguai e Equador ameaçados. O Estado de S. Paulo, 26 de janeiro de 1984, p. 22.
1286
Futebol só viaja dia 8. O Estado de S. Paulo, 1 de fevereiro de 1984, p. 19.
1287
A Argentina já desiste no futebol. O Estado de S. Paulo, 2 de fevereiro de 1984, p. 20.
1288
Peru não vai disputar o Pré-Olímpico de Quito. O Estado de S. Paulo, 11 de janeiro de 1984, p. 19;
Peruanos não vão jogar futebol. Folha de S. Paulo, 11 de janeiro de 1984, p. 23 – Esportes.
1289
COB decide não intervir no futebol. O Estado de S. Paulo, 27 de janeiro de 1984, p. 19; Seleção de futebol
já tem os 18 para o Pré-Olímpico. Folha de S. Paulo, 27 de janeiro de 1984, p. 20 – Esportes. Ao final da fase
preparatória, antes do início do pré-olímpico foram cortados cinco jogadores: Ademir Maria, Júlio César,
Jacenir, Chicão e Ado.
1290
Futebol terá muitas mudanças. O Estado de S. Paulo, 23 de fevereiro de 1984, p. 24. Texto de Gilson
Menezes.
434

olímpica e alertava que a CBF teria que montar uma nova equipe, pois os atletas
profissionais convocados possuíam registro em carteira1291.
Apesar do posicionamento de Abranches a CBF planejava “[...]
manter jogadores profissionais, usando como artifício de registrá-los como
funcionários de empresas privadas”1292. Nessa onda de mudanças, cogitava-se
deixar Carlos Alberto Parreira como técnico tanto da seleção principal quanto da
olímpica. Parreira, por sua vez, planejava estabelecer um vínculo de continuidade
entre as duas seleções:

O ideal seria fazermos um trabalho desse tipo, pegando um grupo de


jogadores e trabalhando com ele por uma longa temporada, sempre
juntos até a Olimpíada. Aí, sim, do grupo se poderia tirar alguns para
a Seleção principal. O trabalho sério no momento é Los Angeles, e
penso que o Brasil deve mandar uma seleção poderosa para lutar
pela medalha de ouro. O COI já permitiu a inclusão de jogadores
profissionais, desde que provem vínculo empregatício com alguma
empresa, e não vejo razão para o Brasil não seguir as normas
internacionais e mandar uma equipe forte1293.

Esse vínculo entre a seleção olímpica e a principal também era visto


como parte do processo de consolidação na seleção pelo atacante Chicão que havia
sido cortado do pré-olímpico, mas foi convocado para disputar os Jogos: “Com os
gols que pretendo fazer aqui [Los Angeles], posso estar indo para o México em 86. É
pensando na Copa que eu vou jogar a Olimpíada”1294.
Os planos de Parreira terminaram quando não houve a renovação
do seu contrato devido a uma divergência salarial1295. A ideia de realizar a
integração entre as seleções ficou mais distante quando foram contratados dois
técnicos, um para a principal (Edu Coimbra que ficou apenas um mês no cargo1296,

1291
Brasil ganha a vaga, mas terá que mudar o time. Folha de S. Paulo, 23 de fevereiro de 1984, p. 27 –
Esportes.
1292
Futebol terá muitas mudanças. O Estado de S. Paulo, 23 de fevereiro de 1984, p. 24. Texto de Gilson
Menezes.
1293
E o futebol poderá ter Parreira como técnico. O Estado de S. Paulo, 26 de fevereiro de 1984, p. 45.
1294
Picerni define time e Chicão é destaque. O Estado de S. Paulo, 28 de julho de 1984, p. 23.
1295
Parreira diz que não aceita Cr$ 6 milhões. O Estado de S. Paulo, 23 de fevereiro de 1984, p.21; E Parreira
não é mais o técnico. O Estado de S. Paulo, 28 de março de 1984, p. 21; Pelo menos no futebol, uma vitória do
povo. Folha de S. Paulo, 28 de março de 1984, p. 24 – Esportes.
1296
O técnico não esconde: “Quero ficar”. O Estado de S. Paulo, 22 de junho de 1984, p. 16.
435

depois assumiu o Evaristo de Macedo1297 sendo, posteriormente, substituído por


Telê Santana1298) e outro para a seleção olímpica (Jair Picerni)1299.
Enquanto o Brasil não sabia quem seria o novo treinador da seleção,
havia também um impasse na disputa do torneio de futebol quanto ao regulamento
que seria implantado1300. A FIFA queria adotar uma medida no sentido de
proporcionar as mesmas condições na formação das equipes, fossem elas de países
capitalistas ou socialistas. Essa medida consistiria em exigir do jogador uma outra
profissão1301. Uma reunião entre Sylvio Padilha (COB), Giulitte Coutinho (CBF) e
João Havelange (FIFA e membro do COI) ficou decidido que a seleção olímpica
brasileira não seria formada por atletas profissionais de equipes da primeira divisão.
Ao término da reunião foi emitida a seguinte nota:

O Conselho Diretor do Comitê Olímpico Brasileiro, em reunião de 23


de abril de 1984, decidiu que não deverão participar dos Jogos
Olímpicos jogadores inscritos na Primeira Divisão de Profissionais do
País, isto é, jogadores que tenham contrato de profissional com
clubes da referida divisão. A medida foi tomada em consequência da
atividade principal daqueles jogadores ser a prática do futebol1302.

A medida impedia a convocação dos jogadores profissionais dos 40


clubes que disputavam a Copa Brasil e dos atletas do Uberlândia que havia sido o
vencedor da Copa CBF1303, mas permitia a convocação de atletas profissionais da
segunda divisão1304. Diante dessas restrições, o novo técnico da seleção, Jair
Picerni, optou por convocar jogadores do interior de São Paulo, sendo a base da
equipe formada por atletas do Guarani e da Ponte Preta. No entanto, como os dois
clubes reclamaram que não poderiam ceder muitos atletas porque não teriam

1297
Evaristo faz hoje as análises pela televisão. O Estado de S. Paulo, 23 de fevereiro de 1985, p. 23; Evaritso
acusa. O Estado de S. Paulo, 9 de junho de 1985, p. 37.
1298
Telê de volta, dois anos depois. O Estado de S. Paulo, 30 de novembro de 1984, p. 22; Telê confirma
convite para a Seleção. Folha de S. Paulo, 30 de novembro de 1984, p. 25 – Esportes; Al Ahli admite liberar
Telê e até Pelé participa da reunião. O Estado de S. Paulo, 6 de junho de 1985, p. 20; Al Ahli negocia com CBF
futuro de Telê. Folha de S. Paulo, 6 de junho de 1985, p. 25 – Esportes.
1299
A CBF escolhe Jair Picerni. O Estado de S. Paulo, 1 de maio de 1984, p.17; Picerni está pronto para o
desafio olímpico. Folha de S. Paulo, 2 de maio de 1984, p. 19 – Esportes.
1300
Futebol ainda indefinido. Folha de S. Paulo, 12 de abril de 1984, p. 33.
1301
Torneio de futebol ainda não tem normas. Folha de S. Paulo, 7 de abril de 1984, p. 26.
1302
COB proíbe profissionais no futebol. O Estado de S. Paulo, 24 de abril de abril de 1984, p. 30.
1303
Futebol: nova medida. O Estado de S. Paulo, 25 de abril de 1984, p. 25; Futebol: só de times pequenos. O
Estado de S. Paulo, 26 de abril de 1984, p. 29.
1304
Profissionais da Primeira não vão à Olimpíada. Folha de S. Paulo, 24 de abril de 1984, p. 36. “O provável é
que a seleção brasileira seja formada por integrantes de clubes paulistas como Noroeste, Francana,
Catanduvense, Paulista, Nacional e São Bernardo, entre outros, além de cariocas do São Cristóvão, Madureira e
Bonsucesso e, eventualmente, algum integrante de clubes gaúchos”.
436

condições de participar do Campeonato Paulista1305, ficou decidido que não


poderiam ser convocados mais de três atletas de cada clube1306.
Para a preparação da seleção olímpica, foram convocados 25
jogadores. Durante o período de treinamento sete atletas foram cortados1307 e às
vésperas dos Jogos mais outros três também foram dispensados1308. Entre eles,
aparecia na lista Jorge Osmar Guarnelli, que estava na Ponte Preta. Durante os
amistosos preparatórios, Picerni resolveu fazer uma modificação na equipe: colocou
Pinga no lugar de Osmar Guarnelli1309. Assim, durante a entrevista realizada, Osmar
Guarnelli se recordou desse momento crucial na seleção olímpica:

Eu propriamente tive um problema com o Jair Picerni. [...] nós


fizemos tantos amistosos por aí, pelo Brasil todo, quando nós viemos
fazer um jogo amistoso aqui, aqui no Maracanã, dentro de casa, no
meu berço aqui, ele quis jogar, botar o Pinga né. [...] Eu conversei
com o capitão [Carlesso, supervisor] pra que eu pudesse jogar. Aí ele
falou que o Jair Picerni ia dar a oportunidade ao Pinga né. Eu falei
isso pra ele: que ele poderia fazer a experiência em Curitiba1310 [...].
Aí eu pedi a [..], como é que se diz, eu pedi a saída, eu pedi a saída.
Não queria mais a seleção olímpica porque eu fui chateado. Fiquei
chateado porque eu tava treinando certinho, eu gostei muito da
convocação, mas essa situação ficou muito difícil. A atitude também
do Jair Picerni não foi boa, porque ele sabia que eu era do Rio e
podia deixar eu jogar aqui no Maracanã1311 né, com os meus amigos
aqui me vendo, minha família e depois dar oportunidade ao Pinga em
Curitiba e propriamente Porto Alegre porque é de lá.

Por não concordar com a definição do técnico, Osmar Guarnelli


pediu dispensa da seleção1312. Segundo o atleta, “Eu falei assim: ‘ô capitão eu vou
daqui, terminou, eu não tô mais na seleção, eu vou embora e tal.’ Mas você vai ficar
no banco? ‘Vou ficar no banco e é meu último jogo, depois eu vou embora pra casa,
pra Campinas’. Aí aconteceu”.
1305
Um impasse no futebol. O Estado de S. Paulo, 5 de maio de 1984, p. 19; Interesse dos clubes deixa Picerni
na mão. Folha de S. Paulo, 5 de maio de 1984, p. 25 – Esportes.
1306
Interior terá 13 jogadores na seleção olímpica. Folha de S. Paulo, 11 de maio de 1984, p. 24 – Esportes.
1307
Picerni ‘corta’ sete jogadores. O Estado de S. Paulo, 1 de junho de 1984, p. 19. “Ismael (lateral direito),
Dionísio (lateral esquerdo), Célio (médio volante), Luiz Freire, Lima e Elzo (pontas de lança) e Edson (ponta-
direita). Esses os sete jogadores dispensador por Jair Picerni [...]”.
1308
Jair anuncia mais 3 cortes. O Estado de S. Paulo, 10 de julho de 1984, p. 19. “[...] agora o grupo está
definido com 17 atletas, número máximo permitido para inscrição junto ao COI. Foram dispensados o quarto-
zagueiro Aloísio, o centroavante Albeneir e o lateral-esquerdo Zé Mário. Na semana passada, mais dois haviam
sido desligados: o ponta-esquerda Paulinho e o zagueiro Júlio César”; CBF define os 17 que viajam. Folha de S.
Paulo, 10 de julho de 1984, p. 24 – Esportes.
1309
Os olímpicos no Maracanã. O Estado de S. Paulo, 10 de junho de 1984, p. 43.
1310
Seleção Olímpica 2 x 0 Coritiba. O Estado de S. Paulo, 22 de junho de 1984, p. 16.
1311
A tristeza dos que não foram. O Estado de S. Paulo, 29 de julho de 1984, p. 38.
1312
Guarneli dispensado; Jair chama lateral. O Estado de S. Paulo, 12 de junho de 1984, p. 22.
437

Em busca de montar uma equipe mais competitiva, Jair Picerni


informava que Erar Vasconcelos, diretor de esporte amador da CBF, o havia
autorizado a “[...] convocar quem for necessário”1313. Porém, a divergência de
informações entre a CBF e o COB continuava, pois este último mantinha a
determinação de que nenhum atleta profissional que disputava a Copa Brasil deveria
ser convocado.
A figura abaixo mostra desde quando cada seleção iniciou a
preparação para os Jogos Olímpicos e indica o número de atletas envolvidos até
ficarem somente os 17 permitidos pelo regulamento olímpico. Juntamente com o
Iraque e Catar, além de Itália e Noruega que haviam sido convidados, a seleção
brasileira havia começado a preparação da equipe meses antes do torneio olímpico.
Outras seleções, como o Egito e a Alemanha Ocidental haviam iniciado a
preparação com muita antecedência (1982).

Figura 16 - Número de jogadores e tempo de preparação de cada seleção. Fonte:


Olympic Football Tournament Los Angeles 1984 Technical Report, p. 20.

Esse planejamento feito pouco tempo antes do início dos Jogos se


refletia na falta de informações precisas quanto ao regulamento do futebol no torneio
olímpico. Giulitte Coutinho informou a Sylvio Padilha que as seleções europeias
iriam enviar jogadores profissionais e o jornal francês L’Equipe afirmava que o COB
fez uma interpretação equivocada da Carta Olímpica1314.

1313
COB não muda posição; Jair quer profissionais. O Estado de S. Paulo, 16 de junho de 1984, p. 19.
1314
Europeus não entendem o futebol do Brasil. Folha de S. Paulo, 29 de abril de 1984, p. 28 – Esportes.
438

A fim de esclarecer as informações, Padilha enviou um telex ao


presidente do COI, Juan Antonio Samaranch1315. Enquanto esperava pela resposta,
alguns clubes já manifestavam descontentamento em ceder seus principais atletas
para a seleção olímpica: “[...] Vasco e Fluminense, já anunciaram que não cederão
jogadores à Seleção Olímpica – principalmente os que servem ao selecionado
principal – porque tal liberação acarretaria prejuízos financeiros”1316.
Mesmo antes de ter uma resposta oficial do COI, e pressionado pelo
fato da seleção olímpica não ter estabelecido um padrão de jogo que permitisse
disputar uma medalha em Los Angeles, o COB revogou sua determinação e liberou
a convocação dos profissionais1317. Com isso, “[...] o COB resolveu acatar a
resolução da Fifa que permite a inclusão de qualquer jogador profissional, desde que
não tenha participado de Copa do Mundo ou eliminatórias”1318.
As incertezas, porém, continuavam quando o COB mudou mais uma
vez de posicionamento e disse que necessitava de uma confirmação oficial do COI,
afinal, a interpretação da Carta Olímpica caberia exclusivamente ao COI1319. Caso o
COI autorizasse, um outro problema teria que ser resolvido junto aos clubes que não
se mostravam dispostos a liberar seus jogadores1320. A confirmação foi dada por
Samaranch, por telefone, diretamente a Sylvio Padilha informando-o que estava
autorizada a participação dos profissionais1321.
No final prevaleceu a decisão da FIFA em que os atletas
profissionais poderiam participar desde que não tivesse disputado jogos nas
eliminatórias e/ou na Copa do Mundo. Nesse sentido, dentro do que estava
estipulado pelo próprio COI, desde 1981, é que as federações deveriam estabelecer
as suas normas para a elegibilidade dos atletas1322. Portanto, o COB deveria ter feito
a consulta junto à FIFA e não ao COI, apesar deste ser a entidade que daria o aval
final sobre os assuntos olímpicos.

1315
Agora, Padilha consulta o COI. O Estado de S. Paulo, 20 de junho de 1984, p. 21.
1316
Seleção para os Jogos sai na 5ª. O Estado de S. Paulo, 19 de junho de 1984, p. 23.
1317
COB quer implodir a pobre seleção olímpica de Picerni. Folha de S. Paulo, 15 de junho de 1984, p. 22 –
Esportes.
1318
COB já permite os profissionais. O Estado de S. Paulo, 26 de junho de 1984, p. 22.
1319
Olympic Review, n. 207, janeiro de 1985, p. 17. 89th session. The International Olympic Committee
meeting in Lausanne in extraordinary Session, to consider the future of the Olympic Games.
1320
No futebol, só incertezas. O Estado de S. Paulo, 27 de junho de 1984, p. 19.
1321
Fluminense quer ser a seleção nos Jogos. Folha de S. Paulo, 26 de junho de 1984, p. 24.
1322
Olympic Review, n. 215, setembro de 1985, p. 537. Influential figures in sport: H.E. Mr. Juan Antonio
Samaranch. Entrevista realizada com o presidente do COI, Juan Antonio Samaranch.
439

Apesar do pouco tempo de preparação, mas beneficiado pela


estratégia de levar praticamente uma equipe inteira tendo como base um único clube
nacional, o Brasil conseguiu conquistar a sua primeira medalha olímpica no futebol.
A participação olímpica fazia parte de uma escala proposta pela
FIFA e em seu relatório técnico mostrava a sua concepção: estruturava os
campeonatos de forma entrelaçada, onde um campeonato de juniores deveria ser
pensado como sendo de longo prazo, os Jogos Olímpicos em médio prazo (algo em
torno de dois anos) e a Copa do Mundo em curto prazo. Essa relação entre os
torneios é visto pela FIFA a partir de uma estrutura hierárquica que coloca a Copa do
Mundo como sendo a sua principal competição:

Figura 17 - Estrutura hierárquica dos campeonatos promovidos pela FIFA. Fonte:


Olympic Football Tournament Los Angeles 1984 Technical Report, p. 23.

Esse entrelaçamento funcionaria como ciclos em que uma


competição completaria a outra, fazendo com que alguns atletas que participaram da
Copa do Mundo de juniores em 1977 estiveram presentes na Copa de 1982 e o
mesmo viria acontecer com os juniores de 1979-1981 que poderiam ser encontrados
na equipe olímpica e que poderiam, dessa forma, figurar na Copa do Mundo de 1986
fechando um ciclo de longo prazo, algo em torno de 5 a 7 anos de preparação1323.

1323
Olympic Football Tournament Los Angeles 1984 Technical Report, p. 21. Selection of Players.
440

Ao analisar a Copa de 1977, a FIFA pontuava que a experiência adquirida pelos


jovens nesse campeonato influenciou na qualidade das equipes nacionais1324.
O boicote liderado pela União Soviética afetou o torneio de futebol.
Com a desistência da União Soviética, da Alemanha Oriental e Tchecoslováquia
foram incluídas as seleções da Itália, Noruega e Alemanha Ocidental1325. A ausência
de alguns países socialistas, geralmente colocados como favoritos, era apontada
como “A oportunidade do futebol brasileiro aparecer com destaque, pela primeira
vez, num Jogos Olímpicos”1326, porém, a desorganização brasileira nas definições de
quais jogadores integrariam o time poderia interferir negativamente no sucesso
porque “[...] a seleção brasileira vai sofrendo mudanças em seu elenco, prejudicando
todo um trabalho que sofre solução de continuidade”1327.
Nesse cenário afetado pelas ações políticas, Havelange também se
pronunciava a favor de mudanças na forma de inscrição dos atletas do futebol nos
Jogos e sinalizava o que seria encaminhado pela FIFA ao COI. Entre os itens,
destacava que não poderia mais existir a diferença entre jogadores amadores e
profissionais e estava a favor da presença dos melhores atletas desde que
cumprissem uma nova determinação estabelecida pelo limite de idade de 23 anos.
Dessa forma, deixaria de existir a restrição em relação aos atletas que tivessem
disputado uma Copa do Mundo1328.
A presença dos profissionais, também ressaltada por Havelange
como uma grande conquista feita pelo futebol, explicitava mais um capítulo do
embate entre o COI e a FIFA nas definições dos rumos do futebol nos Jogos
Olímpicos. A presença dos profissionais expunha o que há muito tempo vinha sendo
camuflado pelas mais diferentes ações de diversos países para enviar seus
melhores atletas, e pelo modo como faziam para garantir um treinamento cada vez
mais adequado e especializado para conquistarem as medalhas.
Desse modo, o espírito olímpico se consolidava como algo oposto
aos ideais de Coubertin e tomava uma nova forma, sendo reconfigurado a partir da
lógica do profissionalismo estabelecida pela recompensa financeira diante do

1324
Olympic Review, n. 235-236, maio – junho de 1987, p. 278. FIFA.
1325
Olympic Review, n. 200, junho de 1984, p. 466. FIFA.
1326
Sete dias nos esportes. Olimpíada. Folha de S. Paulo, 1 de julho de 1984, p. 30 – Esportes. Texto de Aroldo
Chiorino.
1327
Sete dias nos esportes. Olimpíada. Folha de S. Paulo, 1 de julho de 1984, p. 30 – Esportes. Texto de Aroldo
Chiorino.
1328
Limite de idade, a proposta de Havelange. O Estado de S. Paulo, 21 de julho de 1984, p. 19.
441

desempenho atlético. O profissionalismo dentro dos Jogos permitiu que os atletas


ocupassem um espaço central não só dentro das disputas das provas, mas também
no estabelecimento de contratos e prêmios que poderiam conquistar a partir de seus
feitos. Em outras palavras, os atletas queriam participar do rateio financeiro do qual
estavam sendo, década após década, colocados à margem do processo. Uma
situação ocorrida na seleção brasileira de futebol ilustra esse aspecto: liderados pelo
jogador Ademir, os atletas queriam discutir com a chefia da delegação qual seria o
prêmio pela conquista de uma medalha1329.
Durante o torneio de futebol foram divulgados os prêmios que os
atletas brasileiros receberiam a cada fase da competição. A premiação não vinha
somente da CBF, também foi proporcionada pela “[...] Puma, fábrica de material
esportivo com a qual fizeram contrato para usar suas chuteiras, recebendo cada um
800 dólares por jogo na primeira fase; 1.500 na segunda e 2.500 se disputar o título,
aproximadamente um total de 10 mil dólares”1330.
Apesar desses novos rumos do futebol dentro do programa olímpico,
uma nova ameaça para retirar o futebol dos Jogos voltava a aparecer. João
Havelange, insatisfeito com o modo como a rede de televisão americana ABC cobriu
o futebol durante o evento (apenas com flashes) tentava arrumar mais uma desculpa
para decretar o fim do futebol nos Jogos Olímpicos e valorizar a Copa do Mundo.
Apesar do sua intenção indicava que o futebol seria disputado em Seul, mas já
anunciava mudanças: “A princípio, todos que não participaram de Copas do Mundo
poderão ser aproveitados, mas podemos limitar a idade a 23 anos. Depois de Seul,
porém, o futebol pode deixar de ser uma modalidade olímpica”1331.
Durante a competição, o presidente da FIFA já havia reclamado
quanto ao pequeno espaço dado pela emissora americana e pedia “[...] a imediata
intervenção para que o futebol olímpico receba um tratamento melhor por parte dos
meios de comunicação”1332. Além disso, acusou a emissora de tentar sabotar o
futebol, mas os números havia provado que os americanos se interessaram por essa

1329
Equipe quer gratificações. O Estado de S. Paulo, 27 de julho de 1984, p. 18. “Ele disse que não se sente
constrangido por fazer essa reivindicação porque o Internacional de Porto Alegre – equipe a que ele e a maioria
dos jogadores da seleção pertence – recebeu, a título de indenização, US$ 300 mil para ceder os atletas. Para
Ademir, é justo que eles também recebam prêmios por vitórias e empates já que são profissionais”.
1330
Aumenta a expectativa de ouro. O Estado de S. Paulo, 5 de agosto de 1984, p. 44.
1331
Fifa ameaça retirar o futebol em 1992. O Estado de S. Paulo, 14 de agosto de 1984, p. 24.
1332
Havelange protesta. O Estado de S. Paulo, 8 de agosto de 1984, p. 20.
442

modalidade, contando com um público acumulado de 1,5 milhões de pessoas o que


correspondeu a 37% de todo o público presente em todas as competições1333.
Esses números significativos relativos ao torneio de futebol
mantinham uma disputa entre o COI e a FIFA. Se por um lado a FIFA havia vencido
a queda de braço em relação à presença dos profissionais, por outro, o COI
mostrava-se decidido a não dividir a renda das partidas de futebol conforme a FIFA
exigia baseada em seus próprios regulamentos internacionais. No entanto, na visão
do COI a FIFA “[...] não tem nenhum direito sobre o arrecadado em Los Angeles”1334.

6.9.1 Gilmar Popoca (1984): “não valorizam muito a Olimpíada”

Gilmar Popoca nasceu em Manaus e ainda criança devido ao


trabalho do pai morou no Rio de Janeiro. Quando retornaram para a cidade natal
começou a jogar futsal no dente de leite do Rio Negro. Após um amistoso com o
Flamengo foi indicado para fazer parte da equipe carioca. Na época, o preparador
físico Claudio Coutinho falou assim: “meu filho, eu gostei muito de você, achei você
um jogador tecnicamente que chama bastante atenção, mas você tem que aprovar
lá na categoria, pro treinador da categoria, né, então você vai ter que mostrar aí que
você é bom de bola. E aí eu vim”.
O apelido de Popoca recebeu de sua irmã mais velha – Gilmar é o
caçula de quatro irmãos – quando ainda morava em Manaus não foi bem recebido
por Claudio Coutinho devido à proximidade com a expressão “o jogador pipocou”
para se referir ao atleta que não dividia ou não disputava a bola. Ele preferiu apenas
Gilmar, porém com a chegada de Gilmar Rinaldi a imprensa começou a chamá-lo de
Gilmar Popoca.
Apesar de sua mãe ter chorado quando veio com 14 anos para o Rio
de Janeiro ela o apoiou porque sabia do sonho de Gilmar em ser um jogador
profissional. No entanto, Gilmar sonhava em “[...] vestir uma camisa de [...], gozado,
né, vestir a camisa de outro clube, Corinthians, era a camisa que eu mais usava,
porque eu tinha [...] eu tinha como fã, por ser canhoto, o Rivellino, né, então, uma

1333
Fifa ameaça retirar o futebol em 1992. O Estado de S. Paulo, 14 de agosto de 1984, p. 24.
1334
Fifa e o Comitê Olímpico. Folha de S. Paulo, 30 de novembro de 1984, p. 24 – Esportes.
443

das camisas que eu mais jogava, e claro, lógico, o Zico também”. Seu pai também o
apoiou e o alertou que encontraria muitas dificuldades no Rio de Janeiro.
Vencidas as dificuldades, após os Jogos Olímpicos de 1984 assinou
seu primeiro contrato profissional e conseguiu trazer os seus pais para morar no Rio
de Janeiro. Pela seleção brasileira disputou um Sul-Americano junto com “Bebeto,
Dunga, Giovani, Mauricinho, essa galera toda e depois, logo em seguida fomos
campeões mundiais, o primeiro campeão sub-20 foi a nossa geração, e aí eu senti
que realmente estavam acontecendo as coisas pra mim”. Embora caminhasse para
se tornar um atleta profissional ainda teve que esperar algum tempo para isso
acontecer:

Logo depois que eu voltei do mundial sub-20, né, logo em seguida eu


fui pro profissional, quer dizer, eu continuava amador, né, eu
continuava amador e de vez em quando ia ao profissional, né, ficava
no banco, né, jogava lá do lado desses [...] dos nossos ídolos, né,
meu ídolo maior que era o Zico, né, o Zico, o Junior, Leandro, Mozer,
enfim, tantos craques, né, e depois eu descia novamente e ficava no
Juniores, eu ficava nesse sobe-desce e aí em 84 houve uma
convocação, né, e aí surgiu a convocação da Olimpíada, e o
Flamengo acabou me liberando, porque seria bom pra mim, ainda
mais que a minha posição era uma posição meio ingrata, né, afinal
eu tinha o melhor jogador do mundo que era o Zico e um outro
jogador também que eu considerava um cracaço que era o Tita, né,
então, poxa, era muito complicado, né, e aí como era bom você
rodar, né, ganhar experiência e tal, eu acabei sendo convocado pra
Olimpíada pelo Jair Picerni, né, montaram um grupo aí de [...] tava
inclusive o Elzo, que jogou a Copa de 86, tinham outros atletas
também, que agora não [...] me falha a memória, tinha o Davi do
Santos, tinha o Júlio Cesar aquele zagueiro que jogou na Roma ou
no Juventus, zagueiro que jogou na Copa de 86 também.

Entre junho e julho de 1984, o técnico Jair Picerni cortou 10


jogadores1335, inclusive Elzo e Júlio César. No meio dos impasses entre a CBF, que
queria montar uma seleção competitiva, e o COB, que não queria ir contra as
determinações do COI, muito tempo foi perdido com a preparação de uma equipe
que praticamente deixou de existir.
Para formar uma nova equipe, uma possibilidade que se discutia era
uma sugestão do Fluminense1336 “[...] de ceder todo seu time para representar o
Brasil poderá ser a única alternativa, apesar a opinião contrária do general Erar, que

1335
Picerni ‘corta’ sete jogadores. O Estado de S. Paulo, 1 de junho de 1984, p. 19; Jair anuncia mais 3 cortes.
O Estado de S. Paulo, 10 de julho de 1984, p. 19.
1336
Flu pode dar dez titulares para a Seleção. Folha de S. Paulo, 28 de junho de 1984, p. 32 – Esportes.
444

é favorável a manutenção de metade do grupo atual, para não desperdiçar o mês de


trabalho”1337. As lembranças do episódio para Gilmar desse período preparatório que
culminou em uma mudança radical da equipe foi a seguinte:

Era uma seleção muito boa, mas por cargas d´água, né, eu não sei
por que, eles resolveram não seguir em frente, eu lembro que a
gente fez o último amistoso contra o Coritiba lá em [...] lá em Curitiba,
e eles resolveram cortar, acharam que a seleção não tinha condições
de jogar essa Olimpíada, eu não sei se foi briga política, eu não
lembro o real [...] da história, né, da situação, aí eles convocaram [...],
iam cortar praticamente toda a seleção e iam convocar uma outra
seleção, e aí surgiu se eu não me engano o primeiro assumir foi o
Fluminense, mas o Fluminense exigia parece a comissão técnica
toda, aí a CBF não [...] não aceitou, aí depois convocaram o
Internacional, e eu lembro que de todos os atletas ficaram: eu, né, do
Flamengo, o Ronaldo, lateral-direito, que era do Corinthians, o
Henrique, Luis Henrique, que era o goleiro da Ponte Preta e o
Chicão, centroavante. O Davi, também, do Santos, ficou.

A intenção do técnico Jair Picerni1338 e da CBF era convocar


jogadores de vários times, mas como não recebeu apoio dos clubes – o Fluminense
somente cederia o seu time completo – estavam no caminho de pensar a seleção
tendo como base uma equipe. Desse modo, ao final da reunião “[...] chegou-se à
conclusão de que teriam de aceitar a oferta do Fluminense. O time do Internacional
(RS) também foi mencionado, mas ficou acertado que o grupo seria formado por 11
jogadores do Fluminense, os dez titulares menos Romerito”1339. A pendência maior
seria acertar as novas datas dos jogos do Fluminense no Campeonato Carioca.
Porém, o acordo com o Fluminense não se concretizou porque o clube carioca não
conseguiu adiar dois jogos do Campeonato Carioca.

Como as Olimpíadas não se constituem em competição oficial da


FIFA, os clubes que cedem jogadores à seleção brasileira olímpica
não são beneficiados pela resolução do Conselho Nacional de
Desportos, que confere ao clube que cede mais de dois jogadores à
seleção o direito de adiar os seus jogos. O Fluminense não
conseguiu, no Conselho Arbitral, permissão para ceder seu time

1337
No futebol, só incertezas. O Estado de S. Paulo, 27 de junho de 1984, p. 19.
1338
Picerni fez uma comparação entre o seu novo clube e a seleção olímpica, pois havia se transferido do Santo
André para o Corinthians: “O Corínthians é um paraíso comparado à seleção olímpica. Aqui, ao menos você
sabe com quem pode contar. Na seleção, varia conforme a politicagem da CBF. Mesmo assim, não quero ir à
Olimpíada só para competir. Quero trazer a medalha de ouro”. Folha de S. Paulo, 18 de julho de 1984, p. 24 –
Esportes.
1339
Flu representará o país. O Estado de S. Paulo, 28 de junho de 1984, p. 29.
445

titular e disputar o Campeonato Carioca com o time reserva e


tampouco adiar seus compromissos1340.

A solução foi recorrer à segunda opção da CBF, de contemplar o


Internacional de Porto Alegre1341 que, por sua vez, não teria problemas de datas,
pois o clube jogaria apenas em agosto. Após uma reunião entre Erar de
Vasconcelos e Jair Picerni1342 “[...] foram convocados os 11 jogadores titulares do
Internacional de Porto Alegre e mantido mais dez dos que iniciaram o trabalho com o
técnico Jair Picerni, e chamado também o lateral-direito Ronaldo, do Corinthians”1343.
Para Osmar Guarnelli, o fato da seleção brasileira não ter tido bons resultados na
fase preparatória fez com que a base da equipe fosse do Internacional:

Aí depois houve tantas convocações também que houve, que a


seleção não estava bem, estava mal e estava perdendo amistosos e
tal não sei o que. Aí eles fizeram um acordo com o Internacional. Aí
convocaram quase a seleção do Internacional, ia convocar também a
comissão técnica do Internacional pra ir para a Olimpíada de Los
Angeles. Mas não foi a comissão técnica. Mas foi todos os jogadores
do Internacional em 84 pra Los Angeles. Então, quer dizer que
mexeu em tudo na seleção olímpica, mas isso aí aconteceu. E o
Brasil ainda disputou, não sei quanto foi, com a França disputou a
final. Perdeu. A França foi medalha de ouro e o Brasil foi medalha de
prata.

Para Gilmar, os além dos resultados não terem sido satisfatórios


entendia que havia uma briga política entre a CBF e o COB e ela interferia nos
rumos da seleção olímpica. Segundo ele:

Uma coisa que eu acho ruim no futebol em relação à Olimpíada é


que eu não sei se isso é uma briga política entre a CBF e o COB, né,
porque não valorizam muito a Olimpíada, e se você for avaliar
friamente eu acho que é uma competição que depois da Copa do
Mundo, acho que é a competição mais importante que existe, né, não
digo só pro futebol, mas pros esportes todos, né, então, acho que na
nossa época não existia uma valorização tão grande em termos de
Olimpíada, né, talvez por isso [...] por essa falta de apoio, eu não sei,
de interesse, o Brasil nunca tivesse tido conquistado uma medalha,
né, e aí que aconteceu que nós fomos os primeiros a conquistar uma
medalha, né.

1340
Inter deve ser base da seleção e Picerni pode perder o cargo. Folha de S. Paulo, 29 de junho de 1984, p. 25 –
Esportes.
1341
Convocados 12 jogadores do Inter e um do Corínthians. Folha de S. Paulo, 30 de junho de 1984, p. 26 –
Esportes.
1342
Flu desiste; Inter é base. O Estado de S. Paulo, 29 de junho de 1984, p. 20.
1343
Enfim, sai a Seleção Olímpica. O Estado de S. Paulo, 30 de junho de 1984, p. 22.
446

Para Gilmar, essa situação foi gerada pela insatisfação da CBF com
os resultados da equipe, pois queriam que a seleção vencesse todos os jogos. As
dificuldades em vencer os adversários estava, segundo Gilmar, no fato de serem
jovens: “[...] nós éramos atletas que mesmo no profissional, ainda eram jovens,
entendeu, ainda eram jovens, [...] a gente enfrentava adversários assim bem fortes,
por exemplo, Coritiba, era o principal de Curitiba [...]”.
Em relação a essa seleção olímpica não se pode dizer que não
houve planejamento. Ele existiu, porém, a desorganização na determinação de
quem poderia ser convocado atrasou a montagem da equipe que foi aos Jogos. De
acordo com Gilmar, “alguns países como Alemanha, Itália, França, Iugoslávia, eles
iam com praticamente os jogadores que eles estavam já preparando pra Copa de
86”.
O relatório técnico da FIFA para 1984 organizou as seleções em três
grupos: o primeiro indicava que não havia diferença entre a equipe olímpica e a
principal e contemplava os países da África, América do Norte e Ásia que não
sofriam sanções por parte do regulamento do futebol olímpico; o segundo grupo
reunia as seleções da América do Sul e da Europa que não poderiam enviar os
atletas que tivessem participado de jogos eliminatórios e/ou da Copa do Mundo; e
um terceiro grupo que pertencia ao segundo, mas que representava as seleções que
foram convidadas devido à desistência de outras três seleções por conta do boicote
liderado pela União Soviética.

Figura 18 - Seleções agrupadas a partir do regulamento do futebol olímpico para


os Jogos de 1984. Fonte: Olympic Football Tournament Los Angeles 1984
Technical Report, p. 18.
447

E como o Brasil não tinha essa preocupação em estabelecer uma


continuidade entre a seleção olímpica e a seleção principal os dirigentes olhavam
apenas para os resultados para definir se deveriam continuar com os atletas que
vinham sendo convocados. Para Gilmar, o que aconteceu com a seleção olímpica foi
que:

[...] pelos resultados e por eles acharem que de repente a seleção


não tava tão capacitada pra ir representar o Brasil lá, eles resolveram
já pegar uma equipe semipronta, né, praticamente pronta, como o
Internacional, e incluindo alguns atletas de outras equipes, e essa
fusão acabou dando certo. Me encaixei muito bem, o Ronaldo
encaixou, inclusive, o Luis Carlos Winck que era o titular e depois
machucou, aí entrou o Ronaldo, houve uns encaixes ali que acabou
dando certo [...].

Nesse momento, Gilmar ainda não estava registrado como


profissional pelo Flamengo. Possuía um contrato de gaveta com o clube que
segurava o jogador que somente o profissionalizou após os Jogos Olímpicos. Apesar
de ainda não ser profissional, conseguiu um lugar na equipe titular. Participou de
todos os jogos da seleção e, segundo Gilmar, na campanha brasileira “O primeiro
jogo foi uma estreia contra a Arábia Saudita, né, nós ganhamos de 3 a 1, é, 3 a 1, se
eu não me engano, e eu fiz o primeiro gol, né, passe do Dunga, inclusive eu tenho
esse vídeo guardado em casa [...]”.
Na sequência de jogos, de acordo com Gilmar, “[...] nós pegamos o
Marrocos, não, Alemanha, né, que aí inclusive tinham alguns atletas que eu não
lembro o nome agora, mas que também disputaram a Copa de 86”. A seleção alemã
possuía sete jogadores que já tinham atuado pela equipe principal, “[...] com
destaque para Buchwald, do Stuttgart, e Brehme, do Kaiserslautern, a Alemanha é
uma das favoritas à medalha [...]”1344. Essa também era a visão Gilmar:

O time da Alemanha era muito forte, era [...] era o cotado pra ser o
campeão, um dos finalistas, e aí eu fiz o gol aos 43 do segundo
tempo, de falta1345, e foi assim a classificação, porque ganhamos o
primeiro jogo, 3 pontos1346, né, se classificavam [...] se classificavam
dois de cada chave, ou um de cada dupla, não lembro, e nós

1344
Hoje o grande teste, contra a Alemanha. O Estado de S. Paulo, 1º de agosto de 1984, p. 24.
1345
A vitória contra a Alemanha no final. O Estado de S. Paulo, 3 de agosto de 1984, p. 21; Futebol vence a
incompetência dos cartolas. Folha de S. Paulo, 3 de agosto de 1984, p. 20 – Esportes.
1346
Na época a vitória valia 2 pontos.
448

ganhamos da Alemanha e aí praticamente selamos a classificação


[...].

As duas vitórias colocaram o Brasil em primeiro do grupo e com


grandes chances de terminar na liderança. Caso conseguisse garantir o primeiro
lugar, o Brasil cairia em uma chave considerada mais fraca principalmente pelo fato
de que não realizaria um confronto precoce contra a Iugoslávia na fase seguinte1347.
A terceira vitória em três jogos, segundo Gilmar, gerou um excesso
de confiança por parte da equipe e por parte da imprensa que, diante dos resultados
positivos aumentaram “[...] as expectativas de a Seleção Brasileira de Futebol
conquistar sua primeira medalha olímpica, provavelmente de ouro”1348. Não fariam o
confronto direto com a forte Iugoslávia e jogariam contra o fraco Canadá. Mas o que
era para ser um jogo tranquilo quase representou a desclassificação do Brasil:

E pegamos o último jogo contra Marrocos, né, e aí também fizemos


outro bom jogo, ganhamos de 3 a 01349, e aí veio o jogo, é [...]
considerado o mais fácil, e por muito pouco a gente não dança, né,
que foi contra o Canadá, que é um país sem expressão
futebolisticamente falando, e o Canadá fez 1 a 0 na gente e acho que
aos trinta e pouco do segundo tempo, eu empatei, né, numa jogada
assim meio atípica também, bate, rebate, a bola sobrou pra minha
perna direita, eu girei e fiz o gol, e aí fomos pros pênaltis e nós
ganhamos nos pênaltis do Canadá1350, e aí veio o nosso grande calo,
né, que era a Itália, que o Brasil sempre [...], tinha a Copa de 82, aí
criaram aquela festa toda, aquela rivalidade toda, porque nós
perdemos a Copa de 82 pra eles [...].

Enquanto a vitória brasileira era apontada pela Folha de S. Paulo


como sendo sorte da equipe brasileira e também “[...] auxílio do árbitro Luis Siles, da
Costa Rica, que anulou um gol normal do Canadá”1351, O Estado de S. Paulo
indicava que o gol fora corretamente anulado: “[...] na cobrança de falta da entrada
da área, Ragan chutou na trave e Gray completou aproveitando o rebote, mas
estava impedido e o gol foi anulado”1352. Sobre esse gol, Gilmar não comentou nada.
Dois anos após o fatídico 5 de julho de 1982 quando o Brasil perdeu
por 3 a 2 para os italianos e foi desclassificado da Copa do Mundo, a seleção
1347
Iugoslávia tenta manter hegemonia. O Estado de S. Paulo, 1º de agosto de 1984, p. 24.
1348
Aumenta a expectativa de ouro. O Estado de S. Paulo, 5 de agosto de 1984, p. 44.
1349
Brasil vence o Marrocos. O Estado de S. Paulo, 4 de agosto de 1984, p. 40. O Brasil venceu por 2 a 0 (gols
de Dunga e Kita) e não por 3 a 0 conforme relembrou Gilmar Popoca.
1350
O Brasil classificado (nos pênaltis). O Estado de S. Paulo, 7 de agosto de 1984, p. 22.
1351
Os pênaltis garantem o Brasil nas semifinais. Folha de S. Paulo, 7 de agosto de 1984, p. 22.
1352
O Brasil classificado (nos pênaltis). O Estado de S. Paulo, 7 de agosto de 1984, p. 22.
449

brasileira voltava a disputar uma partida importante contra a Itália1353. A partida valia
a vaga na final e a imprensa dizia: “[...] a comparação é inevitável: existe um clima
de revanche, ainda por causa da derrota brasileira na Copa do Mundo de 82 [...]”1354.
Gilmar relembrou esse clima:

Foi um dos jogos mais badalados que tinha, né, e inclusive os


italianos lá na [...] em Los Angeles, não esse jogo foi em Stanford,
não lembro agora direito, eles não queriam ficar na Vila Olímpica,
eles [...], sabe, um pouco assim arrogantes, né, disseram que a Vila
Olímpica não era adequada1355, chegaram em carro blindado lá no
estádio, no ônibus, enfim, eles tinham assim umas exigências, né,
talvez por conta dessa rivalidade, não sei, pelo status que eles
tinham de campeão do mundo e tal, e eles foram com jogadores
realmente de primeira linha, então, havia uma preocupação do
futebol brasileiro com essa rivalidade pelo que podia acontecer, né, a
gente tomar outra pancada e aí aconteceu tudo diferente [...].

A vitória por 2 a 1 na prorrogação, após um empate em 1 a 1 no


tempo normal, colocava o Brasil na final e a imprensa ressaltava que o país estava
vingado1356 e os atletas eram apontados como “festejados heróis” e “vingadores do
Sarriá”1357. Na lembrança de Gilmar os gols saíram da seguinte forma: “Eu fiz 1 a 0,
e eles empataram e depois o Ronaldo fez o segundo gol, nós tivemos uma atuação
assim [...], a equipe toda, coletivamente falando, maravilhosa, e foi um jogo
marcante, né, porque nós desbancamos os campões do mundo”.
Embora o técnico italiano tenha dito que aquela foi a melhor partida
dos Jogos até aquele momento, a torcida americana reclamava do excesso de
provocações e violência dos jogadores de ambas as equipes1358. Essa situação foi
assim contada por Gilmar:

Eu lembro que eu passei o jogo todo discutindo com esse Bagni, que
era o volante do Napoli, né, e ele era muito assim [...], muito metido,
né, muito cheio de marra, e eu nunca esqueci, porque quando a
gente termina o primeiro tempo, a gente saia juntos, né, pelo estádio,
pelos túneis, pelo túnel, sai todo muito junto andando e ele falava

1353
Brasil, fim de um sonho. O Estado de S. Paulo, 6 de julho de 1982, p. 1.
1354
Brasil x Itália em clima de revanche. O Estado de S. Paulo, 8 de agosto de 1984, p. 40.
1355
Brasil x Itália em clima de revanche. O Estado de S. Paulo, 8 de agosto de 1984, p. 40. “[...] tanto que o
supervisor técnico Enzo Bearzot decidiu mudar a delegação da Vila Olímpica para um hotel cinco estrelas,
alegando que a alimentação não era ideal para os jogadores do nível dos que integram a seleção italiana. [...] Sem
tanto luxo, a delegação brasileira continua na Universidade [...]”.
1356
O Brasil vingado. Agora quer o ouro. O Estado de S. Paulo, 10 de agosto de 1984, p. 23.
1357
Vingadores do Sarriá não fazem promessa. Folha de S. Paulo, 10 de agosto de 1984, p. 26.
1358
O Brasil vingado. Agora quer o ouro. O Estado de S. Paulo, 10 de agosto de 1984, p. 23.
450

assim, oh brasileiro, quer um dólar, tu tá passando fome, pô, vamos


pra Itália, porque realmente era uma legião de brasileiros que iam pra
Itália, né, quase todos os jogadores brasileiros iam contratados pelo
futebol italiano, e ele dizia, tu tá passando, fome, vem pra Itália, cara,
me debochando, né, e aí eu dizia que eu ia botar uma bola entre as
pernas dele e tal, eu claro falando português e ele italiano, mas dá
pra entender, né, não chega a ser tão complicado assim, e aí acabou
que eu dei um drible entre as pernas dele no jogo, mas em seguida
eu fui tentar fazer uma outra jogada, ele arrebentou minha canela
assim, ele deu uma chegada forte, cortou minha canela todinha, né,
apesar de usar caneleira e tal, mas passamos o jogo todo discutindo,
né, não sei o que, me ameaçando, ele era um cara muito bruto, né,
bem grosso, mas a gente acabou ganhando, foi uma festa assim
maravilhosa, inacreditável, a gente chegando numa final.

Gilmar ressaltou que não havia pressão por parte da CBF para a
conquista da medalha de ouro1359 e “[...] já estavam tão felizes com aquela
participação, pela conquista da medalha de prata, por ter chegado à final, por ter
desbancado a Itália, a França, a Alemanha, né, enfim, tantos países assim
poderosos, que eles já estavam bem satisfeitos mesmo” e que se tinha alguma
pressão era por parte dos próprios jogadores. As conversas antes da decisão
ressaltavam a importância da conquista inédita: “A gente chegou tão longe, essa
medalha tem que vir pra gente, é a primeira, é uma coisa histórica pro país [...]”. A
final contra a França1360 foi assim descrita por Gilmar:

Foi um jogo que a gente tava assim, ao mesmo tempo em que a


gente tava ansioso, né, por ser uma final e tal, a gente sabia do
potencial do grupo, entendeu, da equipe, sabia que a gente tinha a
equipe pra verdadeiramente ser pela primeira vez o campeão
olímpico. A equipe jogou de uma maneira muito concentrada,
entendeu, nós jogamos muito melhor que eles, jogamos aquele dia
que você [...] que as coisas estão acontecendo pra gente, né, a bola
que não tava entrando, mas a gente tava jogando uma boa partida, a
gente sentia a França acuada, sentia a França sentindo o peso da
[...], querendo levar até o jogo mais pros pênaltis e tal, uma
prorrogação, e aí eu sei que no final ali, no final do jogo, faltando uns
15 minutos, num contra ataque, eles cruzaram uma bola lá e um gol
de cabeça, e aí desestruturou um pouquinho a gente, né,
emocionalmente, porque a gente queria ganhar, mas a equipe
continuou em cima, e quando faltava, se eu não me engano, uns
cinco minutos pra acabar o jogo, a gente tomou outro gol de cabeça,
aí realmente desmoronou a gente, a equipe toda, né, ainda tentou
alguma reação [...].

1359
Na CBF, ninguém liga para fracasso em Los Angeles. Folha de S. Paulo, 17 de julho de 1984, p. 22.
1360
França tira o ouro do futebol. Folha de S. Paulo, 12 de agosto de 1984, p. 34 – Esportes.
451

Em busca de explicações para a derrota, o jogador Ademir tentava


apontar para uma situação extracampo, acontecida na véspera do jogo contra a
França que teria atrapalhado a concentração da equipe na final. Houve atraso de
uma hora no início do treino porque “[...] a chefia da delegação resolveu sair com os
jogadores para fazer compras em Los Angeles, e todos voltaram atrasados. As 5 o
treino aconteceu, mas muitos não quiseram participar porque estavam bastante
cansados”1361.
Gilmar também não comentou nada sobre a véspera da partida,
apenas ressaltou que a equipe jogou bem, mas que não soube aproveitar as
chances e vencer a partida. A conquista da medalha de prata vista por Gilmar como
uma medalha que você conquista na véspera quando vence a semifinal e ela se
materializa com uma derrota na final, “[...] a ficha custa um pouco a cair1362, né,
demora um pouquinho, você fica um pouco entristecido e tal, eu mesmo, eu lembro
que no podium assim, eu não conseguia reagir, eu fiquei só chorando assim e
olhando pro nada [...]”.
A crítica da imprensa voltava a ressaltar a desorganização do COB
que havia demorado muito tempo para estruturar uma seleção forte e com
possibilidade de conseguir bons resultados em Los Angeles. Dessa forma, “[...] os
erros dos dirigentes eram superados pelo esforço dos atletas”1363. Apesar de essa
ser a primeira medalha olímpica do futebol brasileiro, Gilmar afirmou que demorou
um tempo para perceber a importância do que tinham feito, especialmente porque
no futebol o vice-campeonato não é valorizado:

[...] a gente sabia da importância, mas a derrota é um negócio que é


muito ruim, né, eu senti muito, talvez por ter sido um dos jogadores
mais novos, né, um dos atletas mais novos, né, os outros eram mais
experientes que eu e tal, já tinham vinte e poucos anos, eu não,
então, eu senti muito, então, eu demorei um pouquinho a cair [...], só
depois que fomos pra um jantar e tal, o pessoal, cara levanta a
cabeça, ganhou, você foi o artilheiro, foi bem, cara, tamo bem, e aí
quando nós chegamos no Brasil, realmente houve uma recepção
muito legal no aeroporto, uma festa muito grande1364. [...] Na volta,
uma coisa que foi legal que essa seleção, essa Olimpíada, é [...]
resgatou essa coisa de valorizar um pouco mais a Olimpíada, né, a
competição em si, porque foi a primeira medalha do futebol nas
Olimpíadas.

1361
As denúncias do capitão Ademir. Folha de S. Paulo, 21 de agosto de 1984, p. 21 – Esportes.
1362
Apesar da derrota, o futebol fica feliz. Folha de S. Paulo, 13 de agosto de 1984, p. 19 – Esportes.
1363
Com esforço, a equipe supera os problemas. O Estado de S. Paulo, 12 de agosto de 1984, p. 40.
1364
Rio, SP e Sul – festa para os atletas. O Estado de S. Paulo, 15 de agosto de 1984, p. 20.
452

Encerrada a participação olímpica, Gilmar retornou ao Flamengo e


se profissionalizou. A presença de um de seus ídolos, o Zico, fazia com que ficasse
na reserva e nessas condições, não sendo o titular da equipe, por mais que criasse
uma expectativa de ser convocado para a seleção brasileira sabia das dificuldades
disso acontecer.
A edição de Los Angeles representou a melhor participação
brasileira até aquele momento nos Jogos Olímpicos com a conquista de oito
medalhas (uma de ouro com Joaquim Cruz no atletismo; cinco de prata com Ricardo
Prado na natação, Torben Grael, Daniel Adler e Ronaldo Senftt no iatismo, Douglas
Vieira no judô, com as equipes de futebol e vôlei masculino; e duas de bronze com
Luís Onmura e Walter Carmona no judô).
Embora os resultados tivessem melhorado, muitas críticas foram
feitas ao presidente do COB, Sylvio Padilha, que estava à frente do Comitê há 20
anos. Padilha, por não ter gostado de uma crítica feita pela Folha de S. Paulo,
negou-se a conversar com o jornal e este como forma de retribuir a gentileza saiu
em ataque ao presidente do COB. O jornal questionava que era preciso haver
mudanças no esporte brasileiro, ter pessoas jovens envolvidas para que novas
ideias, novos rumos e novos planos fossem implementados. De modo irônico o
jornal dava uma sugestão ao seu desafeto:

Major Padilha, muito obrigado por quase vinte anos de serviços


prestados ao COB. Por mais de trinta voltados para o esporte.
Somos os primeiros a reconhecer sua contribuição como esportista e
dirigente. Mas que tal o senhor assistir à próxima Olimpíada de Seul
confortavelmente sentado em sua poltrona? Pela televisão, é
claro1365.

Padilha entendia que os resultados do Brasil haviam sido ótimos1366


e “[...] superaram as expectativas mais otimistas e demonstravam o acerto do
trabalho do COB”1367, além do orgulho pelo fato de que o país estava entre as
principais nações do mundo. Apesar do posicionamento positivo de Padilha, não se
via uma mudança na estrutura do esporte brasileiro e era algo que fazia parte de

1365
Vai pra casa Padilha. Folha de S. Paulo, 13 de agosto de 1984, p. 15 – Esportes.
1366
Brasil, ótimo desempenho na Olimpíada de Los Angeles. Folha de S. Paulo, 19 de agosto de 1984, p. 25 –
Esportes. Texto de Sylvio de Magalhães Padilha.
1367
Padilha volta satisfeito. Folha de S. Paulo, 15 de agosto de 1984, p. 24 – Esportes.
453

suas promessas, além de colocar o país entre as potências esportivas mundiais. No


entanto, ao longo desse período os resultados apontavam que o Brasil estava longe
de ser uma potência esportiva.
Em âmbito internacional, a presença dos profissionais no futebol fez
com que o COI, segundo Samaranch, começasse a pensar em estender essa
medida para os demais esportes1368 com a intenção de acabar com o “[...]
profissionalismo disfarçado, do qual frequentemente são acusados alguns atletas
dos países socialistas [...]”, mas que essa mudança não seria adotada em curto
prazo1369.

6.10 Brasil: dos conflitos no Pré-Olímpico à medalha de prata em


Seul

No final de novembro de 1984, o Comitê Executivo da FIFA propôs


modificações no regulamento do futebol olímpico ao estabelecer o aumento de
atletas que poderiam ser inscritos na modalidade (aumento de 17 para 20)1370 e
defendia “[...] o limite máximo de 23 anos para os jogadores que participarem do
torneio de futebol [...]”1371.
Apesar dessa movimentação para alterar o regulamento das
inscrições dos atletas, para os Jogos de Seul estavam mantidas as mesmas
definições aplicadas nos Jogos de Los Angeles1372. Desse modo, poderiam participar
os atletas profissionais, menos os jogadores da Europa e da América do Sul que
tivessem disputado jogos das eliminatórias e/ou a Copa do Mundo1373.
No Congresso da FIFA realizado no México em 1986, duas
importantes decisões foram tomadas: João Havelange foi reeleito presidente da
FIFA por mais quatro anos e foi votada a alteração as regras de elegibilidade dos
atletas do futebol nos Jogos Olímpicos definindo que haveria um limite de idade (23

1368
“Profissionalismo é inevitável”. O Estado de S. Paulo, 19 de agosto de 1984, p. 41. Entrevista com Sylvio
Padilha.
1369
COI já começa a falar em aceitar os profissionais. Folha de S. Paulo, 29 de julho de 1984, p. 28.
1370
Olympic Review, n. 208, fevereiro de 1985, p. 114. FIFA.
1371
Fifa limita idade em 23. O Estado de S. Paulo, 1º de dezembro de 1984, p. 23.
1372
Olympic Review, n. 215, setembro de 1985, p. 574. FIFA.
1373
Olympic Review, n. 229/230, novembro – dezembro de 1986, p. 650. Decisions of the 91st IOC session.
Progress in eligibility. Consultar também: Olympic Review, n. 225, julho de 1986, p. 416. FIFA.
454

anos) para qualquer jogador1374, exceto aos que tivessem participado da fase final
da Copa do Mundo. As alterações deveriam ser implantadas a partir de 19921375.
Essa decisão da FIFA, no entanto, chocava-se com o
posicionamento do COI. O presidente da entidade, Juan Samaranch queria que
fosse mantido o regulamento vigente desde os Jogos de 1984 em que não havia
limite de idade e ponderava que poderia haver a restrição quanto aos atletas que
tivessem participado da Copa do Mundo1376.
A restrição da idade tinha por finalidade ter o mesmo efeito de
impedir a participação dos atletas que tivessem jogado na Copa do Mundo, pois ao
limitar a idade diminuiria consideravelmente as chances de um atleta já ter
participado em uma Copa do Mundo com a seleção principal. Por exemplo, na
seleção brasileira que disputou a Copa de 86 tinham seis jogadores com 23 anos ou
menos (Müller, Casagrande, Júlio César, Branco, Silas e Valdo)1377, apenas um nas
Copas de 90 (Bismarck)1378 e 94 (Ronaldo)1379, três na Copa de 98 (Ronaldo,
Emerson e Denílson)1380. Se analisarmos os dados das edições mais recentes o
quadro se altera um pouco: na Copa de 2002, quatro atletas (Ronaldinho Gaúcho,
Anderson Polga, Kaká e Kleberson)1381, na Copa de 2006, dois jogadores (Fred e
Robinho)1382 e na Copa de 2010, somente um atleta (Ramires)1383.
Os dados relativos à seleção brasileira trazem indicativos de que as
ações estabelecidas por meio da restrição de idade tinham a intenção de não ter os
jogadores das seleções principais nos Jogos Olímpicos. Afinal, somente na Copa de

1374
Olympic Review, n. 226, agosto de 1986, p. 477. FIFA; Havelange presidente por mais 4 anos. O Estado de
S. Paulo, 29 de maio de 1986, p. 22.
1375
Olympic Review, n. 249, agosto de 1988, p. 383. FIFA.
1376
Olympic Review, n. 253, Special Issue 1988, p. 615. Decisions of the 94th session.
1377
Disponível em: <http://pt.fifa.com/worldcup/archive/edition=68/teams/team=43924.html>. Acesso em 10 de
setembro de 2013.
1378
Disponível em: <http://pt.fifa.com/worldcup/archive/edition=76/teams/team=43924.html>. Acesso em 10 de
setembro de 2013.
1379
Disponível em: <http://pt.fifa.com/worldcup/archive/edition=84/teams/team=43924.html>. Acesso em 10 de
setembro de 2013.
1380
Disponível em: <http://pt.fifa.com/worldcup/archive/edition=1013/teams/team=43924.html >. Acesso em 10
de setembro de 2013.
1381
Disponível em: <http://pt.fifa.com/worldcup/archive/edition=4395/teams/team=43924.html>. Acesso em 10
de setembro de 2013.
1382
Disponível em: <http://pt.fifa.com/worldcup/archive/germany2006/teams/team=43924.html>. Acesso em 10
de setembro de 2013.
1383
Disponível em: <http://pt.fifa.com/worldcup/archive/southafrica2010/teams/team=43924/squadlist.html>.
Acesso em 10 de setembro de 2013.
455

86 o Brasil possuía um maior número de jogadores dentro da idade limite de 23


anos, seis atletas em um grupo de 22 convocados1384.
O COI se posicionava contra a alteração por entender que ela
poderia transformar o torneio de futebol em um evento de segunda categoria1385. Do
outro lado, Havelange continuava a favor da restrição e continuava “[...] resistindo à
liberação, com receio de que a medida venha esvaziar as Copas do Mundo”1386. Em
outras palavras, o COI sabia que os melhores jogadores, por mais que não tivessem
disputado uma Copa do Mundo, tinham, em média, mais do que 23 anos, mas sua
visão esbarrava nos interesses da FIFA.
Na CBF, Giulitte Coutinho havia dado lugar para Octávio Pinto
Guimarães, mas apesar da mudança uma série de confusões ainda continuavam a
acontecer na entidade que dirigia o futebol no país. Para montar a seleção pré-
olímpica o técnico escolhido foi Cilinho que tinha como meta, além de classificar o
Brasil para os Jogos de Seul, preparar a base da seleção que estaria na Copa de
901387. No entanto, a comissão técnica que se formava na seleção brasileira e teria
Francisco Horta como diretor anunciava a preferência por um grupo de comando do
Rio de Janeiro. Com isso, as chances de Cilinho se reduziam1388.
O turbilhão dos conflitos começou quando o vice-presidente da CBF,
Nabi Abi Chedid se posicionou como um defensor de Cilinho e contra a indicação de
Parreira para voltar ao comando da seleção principal, além de colocar em segundo
plano a possibilidade de Francisco Horta chefiar a comissão técnica. O vice-
presidente da CBF e presidente da FPF pensava na relação e na ligação, propostas
pela FIFA, entre as diferentes seleções nacionais. Dessa forma, seria coerente
estabelecer que o técnico da seleção principal seria escolhido entre o técnico da
seleção olímpica ou de juniores. Nesse caso, para Chedid, “[...] o futuro treinador
terá três anos para ganhar experiência ao lado dos jogadores, pois a base da

1384
Para se ter uma visão mais precisa se o indicativo válido para a seleção brasileira também pode ser um
elemento adequado para as outras seleções teríamos que fazer esse levantamento com todas as seleções que
participaram das referidas Copas bem como considerar o status da seleção no cenário mundial.
1385
Olympic Review, n. 253, Special Issue 1988, p. 616. Report from the commissions. Eligibility commission.
1386
Profissionais já podem ir aos Jogos. O Estado de S. Paulo, 13 de fevereiro de 1986, p. 21.
1387
Seleção de Cilinho será base para Copa-90. Folha de S. Paulo, 25 de dezembro de 1986, p. 20 – Esportes;
Seleção vai usar Seul como etapa de preparação para o Mundial de 90. Folha de S. Paulo, 16 de maio de 1988,
p. 19 – Esportes.
1388
E Cilinho fica fora dos planos. O Estado de S. Paulo, 30 de dezembro de 1986, p. 16.
456

seleção principal sairá do grupo de atletas que trabalharão com Jair Pereira [técnico
dos juniores]1389 e Cilinho”1390.
Caso tivesse bons resultados com a seleção olímpica, Cilinho
poderia ser o técnico da seleção principal que não tinha um treinador desde a saída
de Telê Santana após a Copa de 19861391. A contrapartida de Cilinho para assumir a
seleção era ter um contrato de um ano1392 e que houvesse sequência de seu
trabalho com a Copa América e com o Pan-Americano de Indianápolis1393. O acordo
entre Cilinho e Chedid estava selado1394 e haveria uma nova reunião com o
presidente da CBF, Octávio Guimarães, para fazer o anúncio oficial1395. No entanto,
nessa reunião não houve acerto entre as duas partes, pois Octávio Guimarães
queria contratá-lo somente para o torneio pré-olímpico deixando a decisão da
escolha do técnico da seleção principal para depois1396.
A contraproposta da CBF foi oferecer um contrato de seis meses
que, segundo a entidade contemplaria os campeonatos que Cilinho gostaria de
participar1397. Alegando demora na análise de seu plano de trabalho, Cilinho optou
por não aceitar a proposta da CBF1398. Para seu lugar especulou-se que o técnico
seria o Zé Duarte1399, mas por fim, Carlos Alberto Silva, que estava no Cruzeiro, foi
contratado para dirigir a seleção no torneio pré-olímpico1400.
Depois de quase ser desclassificado na primeira fase do torneio
classificatório, o Brasil se classificou para os Jogos Olímpicos como campeão do
pré-olímpico. Na campanha do pré-olímpico, a primeira partida foi contra o Paraguai
e terminou com vitória da seleção brasileira (3 a 1)1401. A derrota no segundo jogo

1389
Em fevereiro de 1987, Jair Pereira deixou a seleção brasileira de juniores e assumiu o Botafogo.
1390
Nabi exclui Parreira como técnico. O Estado de S. Paulo, 17 de janeiro de 1987, p. 12.
1391
Cilinho pode treinar Seleção principal. O Estado de S. Paulo, 6 de fevereiro de 1987, p. 17; Cilinho
indicado para treinar seleção pré-olímpica. Folha de S. Paulo, 6 de fevereiro de 1987, p. 20 – Esportes.
1392
Cilinho: só com contrato. O Estado de S. Paulo, 10 de fevereiro de 1987, p. 18.
1393
Cilinho é o técnico para a Copa América. O Estado de S. Paulo, 15 de fevereiro de 1987, p. 40.
1394
Confirmado: é Cilinho. O Estado de S. Paulo, 18 de fevereiro de 1987, p. 17.
1395
No Rio, Octávio apresenta Cilinho. O Estado de S. Paulo, 19 de fevereiro de 1987, p. 27.
1396
Cilinho não define acordo. O Estado de S. Paulo, 20 de fevereiro de 1987, p. 16.
1397
Nabi: Cilinho por seis meses. O Estado de S. Paulo, 21 de fevereiro de 1987, p. 18.
1398
Cilinho recusa convite da CBF e fica na Ponte. O Estado de S. Paulo, 27 de fevereiro de 1987, p. 20;
Cilinho não acerta com a CBF e a seleção continua sem técnico. Folha de S. Paulo, 27 de fevereiro de 1987, p.
25 – Esportes.
1399
Zé Duarte na Pré-Olímpica. O Estado de S. Paulo, 5 de março de 1987, p. 20.
1400
Carlos Alberto Silva é o novo técnico da pré-olímpica. O Estado de S. Paulo, 7 de março de 1987, p. 15;
Nabi diz que teve vitória ao indicar Carlos Alberto Silva. Folha de S. Paulo, 9 de março de 1987, p. 15 –
Esportes.
1401
Seleção tenta a 2ª vitória no Pré-olímpico. Folha de S. Paulo, 20 de abril de 1987, p. 18 – Esportes; Nabi
quer manter Carlos Alberto Silva. O Estado de S. Paulo, 21 de abril de 1987, p. 17.
457

contra a Colômbia (0 a 2) tornou pública a falta de harmonia dentro da seleção.


Havia uma programação de treinamento para se adaptar a altitude da Bolívia em
que a seleção após a segunda partida deveria ir para La Paz. O vice-presidente Nabi
Chedid queria que o time continuasse em Santa Cruz de La Sierra. A seleção seguiu
para La Paz, mas não realizou todo o programa estabelecido1402.
A campanha seguiu com dois empates contra o Uruguai (1 a 1)1403 e
com o Peru (1 a 1)1404 e nessa primeira fase a classificação foi obtida por uma
combinação de resultados, caso contrário o Brasil teria sido eliminado.
A crise da seleção vinha de todos os lados e começava dentro da
CBF: a falta de sintonia entre Octávio Guimarães e Chedid1405. “Inimigos cordiais,
eles brigam pelo poder, se desmentem a cada momento e se ofendem dentro dos
gabinetes, mas procuram passar uma imagem de bom relacionamento quando estão
em público”1406. O resultado de todo o desentendimento era o fortalecimento da
candidatura de Ricardo Teixeira para assumir a presidência da CBF.
Os problemas também estavam na dificuldade em formar um grupo
competitivo em pouco tempo de trabalho e na não aceitação de alguns jogadores da
condição de reserva. O caso emblemático das dificuldades para conquistar a vaga
aconteceu com o corte do goleiro Paulo Vitor, do Fluminense. Após falhar no
segundo gol da vitória colombiana1407, o goleiro perdeu a condição de titular e
quando o Brasil conquistou a classificação para a segunda fase o técnico Carlos
Alberto Silva cumprimentou cada jogador, mas quando chegou a vez de Paulo Vítor
o goleiro recusou-se a cumprimentá-lo. Junto com a notícia de seu desligamento da
equipe foi acusado de torcer contra o Brasil, algo que foi negado pelo atleta1408: “Não
torci contra a Seleção, jamais faria isso. Apenas não aceitei o cumprimento do
Carlos Alberto ao final do jogo. Depois pedi desculpas e ele disse que não guardava

1402
Seleção viaja abatida e preocupa técnico. Nabi cria mais confusão. O Estado de S. Paulo, 22 de abril de
1987, p. 15; Médico ameaça abandonar a seleção. Folha de S. Paulo, 22 de abril de 1987, p. 15 – Esportes.
1403
A última esperança. O Estado de S. Paulo, 26 de abril de 1987, p. 46; Seleção espera tropeço uruguaio e
tem que vencer. Folha de S. Paulo, 26 de abril de 1987, p. 38 – Esportes.
1404
Classificação, apesar do futebol ruim. O Estado de S. Paulo, 28 de abril de 1987, p. 15.
1405
Nabi está arrependido de ter se aliado a Octávio na CBF. Folha de S. Paulo, 18 de maio de 1987, p. 18 –
Esportes.
1406
Cartolas brigam, futebol perde. O Estado de S. Paulo, 28 de agosto de 1988, p. 40 – Esportes.
1407
Seleção viaja abatida e preocupa técnico. Nabi cria mais confusão. O Estado de S. Paulo, 22 de abril de
1987, p. 15. “Paulo Vitor, um dos mais experientes da equipe e uma das vítimas da derrota, disse que o segundo
gol da Colômbia, num chute de longa distância, aconteceu porque o campo estava molhado e a bola bateu numa
saliência e subiu, surpreendendo-o e passando sobre seu ombro”.
1408
Técnico diz que atleta torceu contra a equipe; goleiro nega. Folha de S. Paulo, 28 de abril de 1987, p. 22 –
Esportes.
458

rancor de mim. Imaginem se guardasse...”1409. O técnico justificou a decisão em


cortar Paulo Vítor do grupo como forma de exigir disciplina e mostrar aos demais
jogadores como funcionava o seu modo de trabalhar1410.
Outros dois jogadores estavam fora dessa condição disciplinar
apontada pelo técnico da seleção. O lateral-esquerdo Eduardo (Fluminense) e o
volante Douglas (Cruzeiro)1411 que “[...] foram vistos embriagados pela madrugada
no hotel (e pela manhã ainda apresentavam sintomas, deixando irritados o
preparador físico Bebeto Oliveira e outros integrantes da Comissão Técnica) e
poderão ser punidos [...]”1412. Paulo Vitor havia se juntado aos dois jogadores sob o
pretexto de que estavam comemorando a classificação: “Bebíamos cerveja com
autorização da chefia. E estávamos perto do hotel, do outro lado da rua. Cheguei no
horário marcado, mas, como o Douglas e o Eduardo estavam demorando, decidi
procurá-los. Então, ficamos bebendo e conversando até mais tarde”1413.
Carlos Alberto Silva respondia com ameaças a fala de Paulo Vitor de
que outros atletas poderiam deixar a seleção: “Se alguém pedir ou cometer
indisciplina será afastado. Não quero na Seleção ninguém que não tenha espírito de
equipe e orgulho em servir o futebol brasileiro. Se for preciso, termino o torneio com
apenas 11 jogadores, mas corretos”1414. Aos dois atletas que cometeram atos de
indisciplina a punição foi imediata: Douglas deixou de ser o capitão da equipe e
Eduardo perdeu a condição de titular para Nelsinho.
Nesse sentido, pode-se recorrer a Foucault (2011, p.8) para
entender as ações de Carlos Alberto Silva:

Se o poder fosse somente repressivo, se não fizesse outra coisa a


não ser dizer não você acredita que seria obedecido? O que faz com
que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele
não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele
permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz
discurso. Deve-se considerá-lo como uma rede produtiva que
atravessa todo o corpo social muito mais do que uma instância
negativa que tem por função reprimir.

1409
Paulo Vítor é cortado da Seleção. O Estado de S. Paulo, 28 de abril de 1987, p. 15.
1410
Carlos Alberto exige disciplina. O Estado de S. Paulo, 28 de abril de 1987, p. 15; Paulo Victor é cortado da
seleção. Folha de S. Paulo, 28 de abril de 1987, p. 22 – Esportes.
1411
Douglas desmente embriaguez e dá outra versão ao incidente. Folha de S. Paulo, 28 de abril de 1987, p. 22
– Esportes.
1412
Paulo Vítor é cortado da Seleção. O Estado de S. Paulo, 28 de abril de 1987, p. 15.
1413
Já no Rio, goleiro nega as acusações e confessa ter discutido com o técnico. O Estado de S. Paulo, 28 de
abril de 1987, p. 15.
1414
A “punição” para Eduardo e Douglas. O Estado de S. Paulo, 29 de abril de 1987, p. 16.
459

Embora as medidas tenham vindo da comissão técnica somente em


relação aos atletas envolvidos, elas acabavam por afetar todo o grupo. A saída do
goleiro, a perda da braçadeira de capitão e a condição de reserva para o outro atleta
indicavam como os fluxos de poder, do qual fala Foucault (2011), se estabeleciam e
como do ponto de vista do grupo, numa perspectiva simbólica, essas ações mexiam
com todos. Não era apenas a repressão por si mesma, era um modo de dizer para
todos como as relações de poder estavam construídas naquele espaço e, além
disso, sob uma perspectiva concreta essas trocas colocavam novos jogadores em
cena e materializava a chance que muitos queriam.
Na segunda fase o Brasil estreou contra a Argentina e foi derrotado
(0 a 2)1415. O resultado adverso potencializava os conflitos que estavam latentes na
campanha brasileira. De um lado, o presidente da CBF analisava a derrota diante
dos argentinos: “Esperava muito mais do Brasil, que dominou mas não soube fazer
gols. Nossa campanha é péssima. E não acredito em sorte ou azar. Creio apenas
em competência”1416. Vale frisar que a classificação para fase final foi conseguida
após uma combinação de resultados, sendo que o Brasil esteve muito perto de ser
eliminado. Em outras palavras, a sorte estava presente. Do outro lado, Bebeto que
havia sido substituído durante a partida “[...] fez gestos e xingou o técnico Carlos
Alberto Silva [...]. Entretanto o problema foi contornado. No intervalo e no final da
partida, Bebeto chorou e pediu desculpas ao treinador [...]”1417.
Apesar dos inúmeros problemas que a equipe e a comissão técnica
enfrentavam somada a pressão pela vitória para continuar com chances de
classificação no quadrangular final, o Brasil venceu a Colômbia (2 a 1)1418. O título
de campeão do pré-olímpico foi conquistado após uma combinação de resultados: o
Brasil venceu a Bolívia (2 a 1) e a Argentina perdeu para a Colômbia (1 a 0)1419. O

1415
Luta, pressão e muitas falhas. O Estado de S. Paulo, 1º de maio de 1987, p. 15; Em clima tenso e sem
vencer há 4 jogos, Brasil enfrenta a Colômbia. Folha de S. Paulo, 1º de maio de 1987, p. 20.
1416
Abalado, Brasil tenta vitória às 16h. O Estado de S. Paulo, 1º de maio de 1987, p. 15.
1417
Bebeto. O Estado de S. Paulo, 1º de maio de 1987, p. 15. Consultar também: Bebeto xinga, chora, pede
desculpas e não é afastado por Carlos Alberto. Folha de S. Paulo, 1º de maio de 1987, p. 20. Após xingar o
técnico, Bebeto continuou entre os titulares nas duas últimas partidas.
1418
Seleção só precisa derrotar a Bolívia para ia Seul. Folha de S. Paulo, 2 de maio de 1987, p. 21; A vitória da
paciência. O Estado de S. Paulo, 3 de maio de 1987, p. 35.
1419
Seleção consegue vaga nas Olimpíadas. Folha de S. Paulo, 4 de maio de 1987, p. 17 – Esportes; E o
“impossível acontece na Bolívia. O Estado de S. Paulo, 5 de maio de 1987, p. 20.
460

Brasil ficou em primeiro e a Argentina em segundo lugar classificaram-se para os


Jogos de Seul.
Com a conquista do título Carlos Alberto Silva era o técnico
escolhido para acompanhar o Brasil em uma excursão que estava agendada para
acontecer na Europa e em caso de sucesso seria mantido no cargo para a Copa
América1420. No entanto, Carlos Alberto não queria estabelecer um contrato de risco,
solicitava um contrato até o final de 1987, que fosse técnico exclusivo da seleção
brasileira e sugeria a criação de quatro seleções (juvenil, júnior e duas profissionais,
divididas em A e B)1421. Mesmo sem estar confirmado como técnico criticava uma
possível convocação de muitos atletas brasileiros que atuavam no exterior:

Não quero o Júlio César apenas para integrar a Seleção. Se algum


dirigente da CBF quer, então que assuma a direção da equipe. Como
vão ficar o Pinga, o Geraldão e outros que estão surgindo, com
competência provada? Além disso, as experiências feitas no Brasil,
trazendo jogadores do Exterior para reforçar a Seleção, não deram
certo. Se for para insistir, que busquem todos os brasileiros que
estão na Europa e joguem fora todo o trabalho feito com a Seleção
Pré-Olímpica1422.

Para tudo acontecer do jeito que Carlos Alberto Silva queria era
preciso organização e planejamento, algo que estava longe de existir dentro da CBF.
Por exemplo, uma semana antes da viagem e um dia antes da convocação não
tinha definido por parte da CBF se Carlos Alberto seria mantido como treinador1423.
No final, Carlos Alberto Silva foi confirmado como técnico da seleção brasileira1424.
A revogação do repasse da verba da Loteria Esportiva assinada pelo
presidente Figueiredo em 1985, “[...] que destinava ao Comitê Olímpico Brasileiro a
renda líquida de um dos testes da Loteria Esportiva nos anos em que não são
realizados Jogos Olímpicos ou Pan-Americanos”1425 fazia com que o COB
precisasse replanejar o orçamento disponível para ser aplicado nas diferentes
1420
CBF confirma Carlos Alberto Silva como o técnico da equipe. Folha de S. Paulo, 4 de maio de 1987, p. 17 –
Esportes.
1421
As exigências de Carlos Alberto para continuar. O Estado de S. Paulo, 5 de maio de 1987, p. 20; Carlos
Alberto faz exigências e já cita nomes para excursão à Europa. Folha de S. Paulo, 5 de maio de 1987, p. 21 –
Esportes.
1422
As exigências de Carlos Alberto para continuar. O Estado de S. Paulo, 5 de maio de 1987, p. 20.
1423
A bagunça continua; dirigentes discursam e não definem excursão. O Estado de S. Paulo, 7 de maio de
1987, p. 27.
1424
Carlos Alberto é o técnico, mas... O Estado de S. Paulo, 8 de maio de 1987, p. 14; Carlos Alberto anuncia
hoje à tarde os convocados da seleção brasileira. Folha de S. Paulo, 8 de maio de 1987, p. 20 – Esportes; Carlos
Alberto mantém time e critica tempo de preparação. Folha de S. Paulo, 19 de maio de 1988, p. 17 – Esportes.
1425
COB fica sem verba da Loteria Esportiva. O Estado de S. Paulo, 5 de março de 1985, p. 29.
461

modalidades esportivas por meio de suas federações para os Jogos Olímpicos de


Seul.
Essa situação indicava que mais uma vez o Brasil poderia não ter
uma organização bem planejada. Porém, a desorganização não era exclusiva da
CBF. Em pleno ano olímpico o COB não tinha conseguido verba suficiente para
enviar toda a delegação brasileira para Seul. A acusação era a de que o governo
não havia liberado a solicitação da verba feita em outubro de 19871426.
Com a pressão das Confederações criou-se um clima tenso com o
MEC que, por meio do secretário da Secretaria de Educação Física e Desporto
(SEED), Alfredo Nunes, afirmou que nenhuma confederação havia buscado outras
soluções, tais como buscar a iniciativa privada para ter a verba necessária. Apesar
disso, Nunes garantiu a ajuda do governo mesmo sem saber a quantia, mas alertava
que “É preciso ressaltar ainda que a função do governo não é repassar verbas para
o Comitê Olímpico Brasileiro. Por isso, enfatizamos que é preciso qualidade em
lugar da quantidade nas delegações olímpicas”1427.
Nesse cenário, principalmente, as confederações de ciclismo, tênis
de mesa, atletismo e vela estavam em busca das condições financeiras para
viabilizarem a participação em Seul1428. Mais uma vez, ciente do cenário do qual
fazia parte, o presidente do COB, Sylvio Padilha não tinha grandes expectativas em
relação à participação brasileira em Seul:

Estamos numa fase de preparação superior à que tínhamos às


vésperas da Olimpíada de Los Angeles. Mas, dificilmente, teremos
uma atuação tão destacada como a de quatro anos atrás. E a
explicação é simples: em Los Angeles, houve o boicote dos países
socialistas. Em Seul, teremos, sem dúvida, a mais marcante
competição da história dos Jogos. Mesmo assim, acreditamos que
poderemos ganhar medalhas no futebol, no basquete e no vôlei. No
atletismo, também vivemos uma boa fase1429.

Tal como Padilha projetava a conquista de uma medalha, Nabi Abi


Chedid prometia bons resultados da seleção brasileira nos Jogos Olímpicos. Essa
era a visão otimista da seleção brasileira mesmo sem estar definido quem seria o
técnico, pois o contrato de Carlos Alberto Silva havia terminado no dia 31 de

1426
Padilha quer dinheiro. Nenhuma novidade. O Estado de S. Paulo, 3 de fevereiro de 1988, p. 15.
1427
Verba sai após carnaval. O Estado de S. Paulo, 11 de fevereiro de 1988, p. 24 – Esportes.
1428
Definidas quantias para confederações. O Estado de S. Paulo, 23 de março de 1988, p. 17 – Esportes.
1429
Padilha adverte: Seul é só para experiências. O Estado de S. Paulo, 28 de agosto de 1988, p. 36 – Esportes.
462

dezembro de 1987 e ainda não havia sido renovado1430. As projeções de Chedid


para a seleção olímpica eram animadoras: planejava conquistar a medalha de ouro
nos Jogos Olímpicos e ainda utilizar essa seleção para construir a base do trabalho
técnico e tático para as eliminatórias e para a Copa do Mundo de 1990. Garantia que
a CBF não repetiria o que tinha feito nos Jogos de Los Angeles quando convocou a
equipe do Internacional de Porto Alegre e acrescentou alguns jogadores.
Em relação à restrição da participação dos atletas que já tivessem
disputado jogos eliminatórios e/ou uma Copa do Mundo, Chedid indicava as
mudanças pelas quais passavam o futebol brasileiro, especialmente nas
exportações dos atletas para a Europa, tendo como a seleção olímpica um dos
últimos espaços em que essa configuração ainda poderia ser vista. Em outras
palavras, a restrição não atingia os jogadores brasileiros que continuavam no país,
pois de acordo com Chedid “[...] apenas três ou quatro atletas em atividade no
Brasil” se enquadravam nessa condição e ressaltava que a “[...] CBF não convocará
para os Jogos de Seul jogadores que estiverem no Exterior”1431.
A venda dos atletas brasileiros ao exterior preocupava Carlos
Alberto Silva que teria dificuldades em formar uma equipe tanto para os Jogos
Olímpicos como para as eliminatórias da Copa de 90. O treinador apontava que seu
plano de supervisionar, além da seleção principal, todas as demais categorias
(infantil, juvenil, juniores e novos) teria por finalidade garantir a renovação
necessária em situações como essas: “Eu disse ao Nabi (Abi-Chedid) que isto seria
oneroso, mas daria retorno, pois o jogador passaria a fazer carreira dentro da própria
seleção. Em situações como estas (evasão de craques), já saberíamos com quem
contar como substituto”1432.
A venda dos jogadores brasileiros para o exterior fazia com que a
CBF exigisse dos clubes estrangeiros “[...] o compromisso de liberarem os
convocados 30 dias antes da Olimpíada de Seul, em setembro, e 45 dias antes das
eliminatórias da Copa do Mundo, no próximo ano”1433. Essa relação com os clubes
do exterior podia ser vista na situação do jogador Valdo que havia sido contratado

1430
Nabi quer medalha de ouro em Seul mas não define técnico. Folha de S. Paulo, 1º de janeiro de 1988, p. 15
– Esportes.
1431
Nabi promete uma seleção forte. O Estado de S. Paulo, 1º de março de 1988, p. 20 – Esportes.
1432
Evasão de atletas interrompe renovação de Carlos Alberto. Folha de S. Paulo, 6 de junho de 1988, p. 22 –
Esportes.
1433
CBF impede viagem de Valdo para Portugal. Folha de S. Paulo, 24 de julho de 1988, p. 36 – Esportes.
463

pelo Benfica, sendo que o clube português informou que não liberaria o atleta para
os Jogos Olímpicos1434.
Na listagem dos convocados por Carlos Alberto Silva havia seis
jogadores recém-contratados por clubes do exterior (Ricardo Gomes e Valdo,
Benfica-POR; Milton, Como-ITA; Aloísio, Barcelona-ESP; Edmar, Pescara-ITA;
Andrade, Roma-ITA)1435. Poucos atletas que haviam disputado o pré-olímpico
continuavam na lista. Especulou-se que dois atletas – Neto e João Paulo, ambos do
Guarani - haviam sido convocados por imposição do vice-presidente da CBF, Nabi
Abi Chedid1436.
A situação mais crítica envolvia os dois jogadores do Benfica já que
o clube português queria contar com os atletas para um jogo da Copa da UEFA, o
que acarretaria um atraso na apresentação na seleção brasileira. A princípio houve a
liberação dos jogadores pelo Benfica1437, mas em uma reunião com Chedid, os dois
jogadores “[...] deixaram claro que preferem jogar pelo Benfica e até ameaçaram
abandonar a seleção. Mas o dirigente também ameaçou: ‘Se eles fizerem isso, eu os
denunciarei à Fifa’”1438.
O jogador Andrade também se juntava a Ricardo Gomes e Valdo
para conseguir se apresentar fora do prazo. O técnico Carlos Alberto Silva não
concordava com a apresentação tardia, mas a CBF estava disposta a autorizá-los a
se apresentar depois de cumprirem os compromissos com seus respectivos
clubes1439. Para os jogos amistosos que a seleção faria nos Estados Unidos antes
da viagem para Seul1440, como Aloísio ainda não estava oficialmente contratado pelo
Barcelona1441, ele seguiu com a delegação brasileira enquanto Ricardo Gomes,
Valdo e Andrade seriam incorporados cerca de 10 dias depois1442.

1434
Lusa confirma venda de Edu. O Estado de S. Paulo, 18 de junho de 1988, p. 25 – Esportes.
1435
Após os Jogos Olímpicos, Romário foi vendido para o PSV da Holanda. Romário ganha ‘visto de saída’ na
Olimpíada. Folha de S. Paulo, 10 de dezembro de 1988, p. D1 – Esportes.
1436
Carlos Alberto define a Seleção para Seul. O Estado de S. Paulo, 13 de agosto de 1988, p. 21 – Esportes.
1437
Benfica libera Valdo e Ricardo para jogar na seleção brasileira. Folha de S. Paulo, 18 de agosto de 1988, p.
D3 – Esportes.
1438
Agora, Seleção depende até do Benfica. O Estado de S. Paulo, 23 de agosto de 1988, p. 20 – Esportes;
Consultar também: Valod e Ricardo pedem dispensa da seleção brasileira; Nabi nega. Folha de S. Paulo, 23 de
agosto de 1988, p. D3 – Esportes.
1439
CBF deverá manter desertores na lista. O Estado de S. Paulo, 26 de agosto de 1988, p. 19 – Esportes.
1440
Seleção inicia amanhã viagem para Seul, passando pelos EUA e Japão. Folha de S. Paulo, 25 de agosto de
1988, p. D3 – Esportes.
1441
Carlos Alberto pode dispensar Valdo e Ricardo da seleção brasileira. Folha de S. Paulo, 26 de agosto de
1988, p. D2 – Esportes.
1442
É o fim da confusão: a Seleção viaja. O Estado de S. Paulo, 27 de agosto de 1988, p. 21 – Esportes; CBF
libera atletas de times estrangeiros. Folha de S. Paulo, 27 de agosto de 1988, p. D3 – Esportes.
464

Apesar dos três atletas serem esperados em Seul para se


integrarem a equipe1443, eles ficariam na reserva na primeira partida pelo fato de não
terem tempo para se adaptarem ao fuso horário1444. Além disso, o desempenho da
equipe (quatro vitórias) na fase de preparação fazia com que o técnico não quisesse
alterar a equipe1445.
A goleada na estreia dos Jogos Olímpicos contra a Nigéria (4 a
0)1446 poderia ser o indicativo de forte confiança de que os problemas estavam
superados e que Carlos Alberto Silva poderia contar com todos os atletas
convocados. No entanto, a não liberação de Valdo e Ricardo pelo Benfica1447 sob a
alegação de que a CBF não tinha pago o seguro obrigatório dos dois atletas reduzia
o elenco brasileiro que teria partidas a cada dois dias1448. Antes da estreia, a
contusão do lateral-esquerdo titular, Nelsinho, que fraturou o dedo do pé durante um
treinamento representou mais uma baixa na equipe, mas nesse caso foi possível
inscrever um jogador em seu lugar e Mazinho foi convocado1449.
Os três gols de Romário na vitória contra a Austrália (3 a 0)1450
praticamente classificou o Brasil para a segunda fase do torneio de futebol1451. Fora
de campo, a CBF pediu que a FIFA intervisse e garantisse a convocação dos atletas
do Benfica1452. A FIFA deu um prazo ao clube português para apresentar as razões
que impediram o jogador Valdo de disputar os Jogos Olímpicos e, além disso,

1443
Ricardo e Valdo seguem hoje para Seul, diz Nabi. Folha de S. Paulo, 15 de setembro de 1988, p. D3 –
Esportes.
1444
Andrade chega a Seul mas não joga contra Nigéria. Folha de S. Paulo, 17 de setembro de 1988, p. D5 –
Esportes.
1445
André Cruz ganha o lugar de Ricardo. O Estado de S. Paulo, 16 de setembro de 1988, p. 17 – Esportes;
Andrade, Valdo e Ricardo não se apresentam à seleção olímpica. Folha de S. Paulo, 16 de setembro de 1988, p.
D6 – Esportes.
1446
Seleção brasileira goleia Nigéria e disputa liderança com a Austrália. Folha de S. Paulo, 19 de setembro de
1988, p. D1 – Esportes.
1447
Benfica não libera Ricardo e meia Valdo. Folha de S. Paulo, 17 de setembro de 1988, p. D1 – Esportes.
1448
Andrade chega a Seul mas não joga contra Nigéria. Folha de S. Paulo, 17 de setembro de 1988, p. D5 –
Esportes. As informações sobre o seguro dos jogadores contrariavam o que Nabid Abi Chedid havia informado
de: “[...] ter concordado com todas as exigências do Benfica, inclusive quanto ao pagamento de salários dos
jogadores. Se o clube de Portugal confirmar que os dois jogadores não irão a Seul, a entidade brasileira poderá
recorrer à Federação Internacional de Futebol Association”.
1449
Carlos Alberto espera ter o lateral Mazinho. O Estado de S. Paulo, 20 de setembro de 1988, p. 20 –
Esportes; Mazinho, do Vasco, vai defender a seleção em Seul. Folha de S. Paulo, 21 de setembro de 1988, p. D7
– Esportes.
1450
Romário faz 3 gols contra a Austrália e é artilheiro. Folha de S. Paulo, 21 de setembro de 1988, p. D10 –
Esportes.
1451
Seleção ganha e se aproxima do ouro. O Estado de S. Paulo, 21 de setembro de 1988, p. 17 – Esportes.
1452
Nabi denuncia Benfica à Fifa pela recusa em ceder Valdo e Ricardo. Folha de S. Paulo, 18 de setembro de
1988, p. D5 – Esportes.
465

suspendeu o atleta1453. A referência era somente ao jogador Valdo, pois a CBF ainda
não havia enviado os documentos da transferência de Ricardo Gomes do
Fluminense ao Benfica. Embora a FIFA quisesse informações sobre Ricardo, o atleta
não estava suspenso por ainda não ter vínculo formal com seu novo clube1454.
A vitória contra a Iugoslávia (2 a 1) classificou o Brasil em primeiro
lugar de seu grupo e colocou a Argentina no caminho brasileiro1455. Apesar do clima
de rivalidade, o Brasil venceu a partida contra a Argentina (1 a 0) e classificou-se
para a semifinal ficando com chances de disputar uma medalha1456.
A semifinal disputada contra a Alemanha Ocidental foi uma das
partidas mais emocionantes da seleção brasileira dentro do torneio olímpico1457. A
dramática classificação conquistada nos pênaltis fazia com que os momentos vividos
nas Copas anteriores fossem relembrados como parte de um rito de passagem em
que naquele momento o Brasil colocava fim aos resultados adversos1458 marcados
“[...] pela má sorte em 82, na Espanha, azarado demais e derrotado nos pênaltis
pela França, em 86 [...]”1459.
Uma divergência em relação ao modo como seria efetuado o
pagamento da premiação aos atletas do futebol instaurava, novamente, um clima
tenso antes da final contra a União Soviética1460. Os prêmios por vitória, mil dólares
(Cz$ 350 mil), não foram pagos integralmente pela CBF, além disso, os jogadores
exigiam receber os valores na sua totalidade e não em partes como a CBF havia
feito1461. Para conquistar a medalha de ouro a CBF ofereceu prêmio de 10 mil

1453
Fifa suspende Valdo por não se apresentar à seleção. Folha de S. Paulo, 22 de setembro de 1988, p. D6 –
Esportes.
1454
Valdo não vai a Seul e a Fifa pune Benfica. O Estado de S. Paulo, 22 de setembro de 1988, p. 28 –
Esportes; Benfica agora quer acordo com a CBF. O Estado de S. Paulo, 24 de setembro de 1988, p. 20 –
Esportes.
1455
Brasil vence e enfrenta os argentinos. O Estado de S. Paulo, 23 de setembro de 1988, p. 24 – Esportes;
Seleção bate Iugoslávia e enfrenta argentinos no domingo. Folha de S. Paulo, 23 de setembro de 1988, p. D3 –
Esportes.
1456
Seleção brasileira vence Argentina e disputa vaga na final com alemães. Folha de S. Paulo, 26 de setembro
de 1988, p. D1 – Esportes; Seleção não muda contra Alemanha. O Estado de S. Paulo, 27 de setembro de 1988,
p. 19 – Esportes.
1457
Taffarel leva Brasil para perto do ouro. O Estado de S. Paulo, 28 de setembro de 1988, p. 18 – Esportes;
Taffarel defende três pênaltis e leva o Brasil à final. Folha de S. Paulo, 28 de setembro de 1988, p. D8 –
Esportes. A Alemanha fez o primeiro gol e um minuto depois do Brasil empatar, o goleiro Taffarel defendeu um
pênalti. Na prorrogação não houve gols e na disputa por pênaltis, o goleiro defendeu mais dois e um outro foi
chutado na trave, garantiu a vitória por 3 a 2.
1458
A vingança e o fim de uma antiga psicose. O Estado de S. Paulo, 28 de setembro de 1988, p. 18 – Esportes.
1459
Taffarel leva Brasil para perto do ouro. O Estado de S. Paulo, 28 de setembro de 1988, p. 18 – Esportes.
1460
Brasil em crise disputa ouro com soviéticos. Folha de S. Paulo, 30 de setembro de 1988, p. D1 – Esportes.
1461
Jogadores são furtados e exigem prêmio total. O Estado de S. Paulo, 29 de setembro de 1988, p. 23 –
Esportes.
466

dólares1462. Carlos Alberto não poupou críticas a CBF e aos que questionavam os
atletas brasileiros de mercenários1463 sob a justificativa de que a proposta de pagá-
los foi feita pelos dirigentes da CBF1464.
Sem ter sido titular nas partidas anteriores, Neto estava escalado
para a final devido ao segundo cartão amarelo recebido por Ademir e Geovani que
não poderiam jogar a última partida da seleção no torneio olímpico1465. Quando
Romário, após cobrança de escanteio de Neto, cabeceou para fazer o gol do Brasil
contra a União Soviética na final olímpica parecia que a medalha de ouro estava
cada vez mais perto de ser conquistada pela primeira vez. O empate dos soviéticos
conseguido, no segundo tempo, após Andrade cometer pênalti deixou uma incógnita
para qual seleção ficaria a medalha de ouro. Na prorrogação, no final do primeiro
tempo os soviéticos fizeram 2 a 11466. No início do segundo tempo, aos quatro
minutos, um jogador soviético foi expulso e as esperanças voltaram para os
brasileiros, mas faltando dois minutos para terminar a partida Edmar, que havia
entrado no lugar de Neto, também foi expulso e acabou de vez com as esperanças
brasileiras. O técnico Carlos Alberto Silva buscava explicações para a derrota na
final1467 e encontrou os argumentos necessários nas alterações da equipe que foi
obrigado a fazer. De acordo com o técnico, a ausência na final dos jogadores
Geovani e Ademir seria suprida com as presenças de Valdo e Ricardo, mas os dois
atletas não haviam se apresentado para os Jogos1468.
No final, o Brasil conquistou a sua segunda medalha de prata no
futebol desde a sua primeira participação em 1952. E como frequentemente
acontecia, ao término de mais uma participação brasileira foi feito um balanço sobre
o desempenho do país. Apesar das seis medalhas conquistadas em Seul
representarem o segundo melhor resultado desde que o Brasil começou a disputar

1462
CBF promete pagar prêmio de US$ 10 mil. Folha de S. Paulo, 1º de outubro de 1988, p. D1 – Esportes.
1463
Por exemplo, no painel do leitor da Folha de S. Paulo foi divulgada a seguinte mensagem: “Venho protestar
contra a falta de patriotismo dos jogadores da seleção de futebol que acabam de perder para a URSS. Estavam
mais preocupados com o ‘bicho’ do que com a medalha de ouro. O Brasil para ganhar títulos no futebol, tem que
ser dirigido por militares, pois eles saberiam defender a nossa pátria com amor e respeito” – Luiz Alves Filho
(São Paulo, SP). Seleção brasileira. Folha de S. Paulo, 7 de outubro de 1988, p. A3 – Opinião.
1464
Brasil tenta vencer a crise e ganhar ouro. O Estado de S. Paulo, 30 de setembro de 1988, p. 17 – Esportes.
1465
Milton e Neto estão escalados. O Estado de S. Paulo, 29 de setembro de 1988, p. 23 – Esportes.
1466
Seleção lamenta, mas traz só a prata. O Estado de S. Paulo, 2 de outubro de 1988, p. 36 – Olimpíada.
1467
Padilha, por sua vez, criticou a atuação do árbitro francês Gerard Piquet. Padilha dá ouro ao futebol olímpico
e critica juiz da final. Folha de S. Paulo, 25 de outubro de 1988, p. D3 – Esportes.
1468
Seleção lamenta, mas traz só a prata. O Estado de S. Paulo, 2 de outubro de 1988, p. 36 – Olimpíada.
467

os Jogos Olímpicos em 19201469 continuávamos longe de ser uma potência


olímpica1470 tal qual havia sido a previsão de Padilha no final dos anos 70 e início
dos 80. A análise das causas do desempenho brasileiro era vista como sendo fruto
de um “[...] certo progresso e indica também uma maior pluralidade em relação ao
passado – quando se vivia praticamente o monopólio do futebol. Creditem-se os
avanços à crescente massificação da prática de esportes e à profissionalização aos
melhores atletas”1471.
Se os Jogos estão estruturados dentro do ciclo olímpico em que a
cada quatro anos tudo recomeça, o mesmo acontecia com a delegação brasileira
que projetava realizar um planejamento mais organizado e com mais verba1472, mas
que os resultados não seriam conquistados em curto prazo1473.

6.10.1 Neto (1988): “O futebol olímpico não deveria ser profissional”

Neto nasceu em Santo Antônio de Posse, uma cidade que localizada


a 30 minutos de Campinas. Considera a sua origem familiar como sendo humilde e
tem 14 irmãos. Fez o primeiro teste no Guarani aos 11 anos de idade e a reprovação
foi a sua primeira decepção. Seu pai, sargento aposentado, fez de tudo para que
pudesse ter condições de treinar e seguir carreira no futebol. Como não havia sido
aprovado no Guarani fez um teste no seu rival, a Ponte Preta, e foi aprovado. Ficou
no clube por um ano até o momento em que realizou um jogo contra o Guarani.
Como a Ponte Preta não fornecia ajuda de custo, e naquele momento seu pai estava
com dificuldades para pagar a passagem de ônibus, o Guarani assumiu essas
despesas e Neto foi morar no alojamento tendo assistência odontológica,
alimentação balanceada, etc.
Muito ciente do processo pelo qual passou enquanto jogador de
futebol afirmou que muitos atletas que conheceu nas diferentes categorias,
mantiveram-se afastados dos estudos, como aconteceu com ele mesmo, que parou
na quarta série, mas muitos desses colegas de profissão depois que pararam de

1469
Brasil faz as contas e percebe evolução. O Estado de S. Paulo, 4 de outubro de 1988, p. 16 – Olimpíada.
1470
Maioria dos atletas do Brasil tem desempenho fraco em Seul. Folha de S. Paulo, 5 de outubro de 1988, p.
D2 – Esportes.
1471
Os resultados de Seul. Folha de S. Paulo, 5 de outubro de 1988, p. A2 – Opinião.
1472
Esporte já busca apoio para Jogos-92. O Estado de S. Paulo, 9 de outubro de 1988, p. 30 – Esportes.
1473
A curto prazo não há muita esperança. O Estado de S. Paulo, 9 de outubro de 1988, p. 30 – Esportes.
468

jogar não têm um emprego. Para Neto, a imprensa forja esse sucesso em torno dos
jogadores de futebol, pois para ele, 92% dos atletas não conseguirão atingir o status
e o sucesso financeiro dos que estão retratados na mídia.
A dinâmica da vida do jogador pode ser traiçoeira. Quando estava
no Guarani, “com 15 anos já me tornei titular do Guarani, profissional, muito cedo,
né? Muito cedo, muito cedo, porque com 15 anos eu já ganhava mais que o meu
pai, já ganhava mais que todo mundo da minha família”. Afirmou que nunca se
preparou para lidar com o dinheiro que recebia e a sua independência financeira o
fez afastar do convívio com família.
Em pouco tempo chegou às categorias menores da seleção
brasileira e depois de oito anos de Guarani se transferiu “pro São Paulo, depois fui
emprestado pro Bangu, foi uma passagem rápida por esses times. Aí em 88 eu
joguei muito bem pelo Guarani, a gente foi campeão, vice-campeão paulista contra o
Corinthians, que eu fiz o gol de bicicleta”. Nesse ano foi convocado para seleção
brasileira para os Jogos Olímpicos de Seul. Sobre essa experiência relatou que:

Eu nem sabia o que era Olimpíadas, pra falar a verdade, nem


quando nós disputamos Olimpíadas em 88. Ninguém [...] até porque
sempre foi, o futebol sempre foi diferente dos outros esportes. Os
caras ficavam tudo na Vila Olímpica e nós ficávamos em hotel. Então
cê não sabia absolutamente nada o que acontecia na Vila Olímpica,
certo? Por isso que o Brasil nunca ganhou medalha de ouro. E nós
perdemos pra União Soviética, pra Rússia porque os caras tavam
muito melhores preparados, eram, nós éramos todos amadores e
eles já eram profissionais. Agora, a gente não sabia o que era, o que
representava. Eu quase nem fui na, na, na, na premiação, pra pegar
a medalha de prata, porque eu nem queria aquela bosta, na época.

Uma das causas da derrota na final olímpica apontada por Neto foi o
fato dos atletas brasileiros serem amadores. Contudo, desde 1984 podiam participar
do futebol olímpico os atletas profissionais que não tivessem participado das
eliminatórias e/ou da Copa do Mundo. Portanto, Neto assume um discurso
recorrente da fala dos atletas de futebol amadores do Brasil que justificaram as
derrotas nos Jogos relacionando-a a sua condição de amadores enquanto os países
socialistas enviavam os jogadores vinculados ao Estado e que por isso tinham
condições de treinamento iguais a de um atleta profissional. O trauma da derrota
pode ser percebido no modo como Neto lidou com a conquista da medalha de prata,
quando a deixou guardada por 15 anos:
469

Eu pra falar a verdade, acho que ela ficou 15 anos guardada, assim,
sem eu ter nenhum tipo de [...] vontade de mostrar pras pessoas.
Porque eu tenho a medalha, tá lá em casa, um puta dum negócio
bonito, todo um, um estojo bonito é [...] trouxe outras medalhas lá de
Seul, e aí ficou guardado, eu trouxe na mala. [...] Tava bem
guardada, mas nunca foi valorizada nem diante da minha família né.
Pô, se não foi valorizada diante da minha família será que o povo
brasileiro valorizou uma medalha de prata? Eu acho que não. [...]
Hoje eu entendi pra que você tenha uma medalha de prata numa
Olimpíadas o cara tem que ser foda. Mesmo no futebol. Por que
quem tem medalha de prata no mundo? Se aqui a gente tem 170
milhões de habitantes quantos têm medalha de prata igual eu tenho?
Pouca gente.

Neto relembrou que no período anterior aos Jogos fizeram uma série
de amistosos em Los Angeles e que chegaram a ficar poucos dias na Vila Olímpica:
“[...] nós fomos pra Vila, uma semana antes do jogo conta a Alemanha, que o
Taffarel pegou dois pênaltis, e depois que nós fomos pra final contra a União
Soviética. Até então a gente nem sabia, qual era a importância de ganhar uma
medalha de ouro”. A sua percepção da importância da conquista de uma medalha
de prata aconteceu muitos anos depois. Durante vários anos não valorizou essa
etapa de sua carreira e no seu entender a falta de compreensão do processo que
viveu se deu pelo fato de ser jovem: “Eu era um moleque, porque eu tinha 18 anos,
né? 18 pra 19 anos”. Essa dimensão de que era jovem e por isso não entendia
certas coisas fez com que Neto colocasse sua idade menor do que tinha na época,
pois dias antes dos Jogos Olímpicos de Seul completou 22 anos. Essa condição
está atrelada ao discurso de ser amador, pois ser jovem e amador eram elementos
vinculados à idade do atleta.
Gostaria de ter participado da abertura dos Jogos, mas a equipe de
futebol não foi autorizada. Não sabe dizer por quem, mas acredita que a não
permissão foi dada pela comissão técnica “[...] que não deixou porque achava que ia
ficar muito tempo de pé, ficar muito tempo esperando, que ia prejudicar, o que era
uma tremenda de uma idiotice, né?”
Sobre as particularidades de se disputar os Jogos Olímpicos, Neto
entende que a seleção de futebol deva ser organizada pelo Comitê Olímpico e não
pela CBF. De um modo geral, não pensando somente no futebol entende que
dificilmente o Brasil será uma potência olímpica, pois “Pra você ganhar medalha
olímpica você não pode só pensar nas Olimpíadas. Você tem que preparar os
470

atletas”. E mesmo no futebol, essa preparação recorrentemente foi feita às pressas.


Esse cenário de desorganização foi apontado por Neto:

Como é que se ganha uma Olimpíadas? Em quanto tempo é uma


Olimpíadas? Não é em quatro anos? Como que você tem que formar
um time de futebol pra, pra, pra ganhar Olimpíadas? Não precisa dos
profissionais pra ganhar Olimpíadas. [...] não precisa ninguém, não
precisa Ronaldinho, não precisa Pato, não precisa ninguém. Tem
que formar um time pra ganhar. [...] Acontece que no futebol chega
um mês antes das Olimpíadas, o treinador cai, muda o outro, aí ele
convoca aqueles que ele acha, aí não ganha. Então na Olimpíada, se
o Brasil fizer isso ganha medalha todo ano. Entendeu?

Essa desorganização apontada por Neto materializada por meio das


demissões dos técnicos apareceram em vários momentos da história do futebol
brasileiro no torneio olímpico. Essa falta de planejamento pode ser indicada como
uma das causas para entender a diferença de desempenho da seleção olímpica se
comparado com a seleção principal.
Portanto, em relação ao futebol, tanto o COB quanto, especialmente,
a CBF não estavam preocupados em criar uma organização a fim de preparar a
seleção para conquistar o campeonato olímpico. Tal como uma ação exploratória
que se utiliza do espaço conquistado para tirar todas as suas riquezas e depois o
abandona, deixando-o arrasado e totalmente dependente do seu explorador
(HOLANDA, 1995)1474. Se tomarmos esse princípio para entender a seleção
olímpica, essa exploração tomava forma quando, a partir de uma ideia implícita e
não necessariamente declarada compunha o corpo de pensamento do futebol
brasileiro de que temos um talento natural para a prática e, portanto, não precisamos
treinar se manifestava sob o lema de que no final tudo daria certo. Bastava reunir um
grupo de atletas que os resultados satisfatórios viriam “naturalmente”.
Nessa linha exploratória, os resultados positivos alcançados –
conquista de medalhas validava que não era preciso um grande tempo de
preparação, bastava “explorar” a equipe formada para retirar dela o seu melhor,
afinal, o talento natural estava ao lado do jogador brasileiro. As ações de
descontinuidade na formação das equipes olímpicas em que pouco se aproveitou os
jogadores da seleção pré-olímpica ou mesmo dos atletas que foram convocados

1474
Essa ideia é trabalhada por Sérgio Buarque de Holanda (1995) no capítulo O semeador e o ladrilhador
quando analisa as conquistas portuguesas, de exploração, fazendo um contraponto com a ação dos espanhóis que
estabeleciam o espaço conquistado como prolongamento de seu território.
471

durante a fase de treinamento e depois substituídos por outros foi uma marca
constante das equipes brasileiras.
Para Neto, “o futebol olímpico não deveria ser profissional. Mesmo
agora não é, mas pode ter três jogadores profissionais. Eu acho que não deveria.
Deveria ser amador. Eu acho que é totalmente diferente de Copa do Mundo. Eu
acho que o espírito olímpico é diferente de Copa do Mundo”. Ressalta que o espírito
olímpico somente pode ser descrito por quem esteve lá. Embora Neto tenha tido
grande projeção pelo Corinthians, não foi convocado para disputar a Copa do Mundo
de 1990 na Itália. Foi um atleta que conseguiu resultados importantes em boa parte
dos clubes que defendeu, mas que não conseguiu se firmar como uma referência na
seleção brasileira. Certamente, por essa situação valorize que o espírito olímpico
seja diferente do ambiente da Copa do Mundo.

[...] o espírito olímpico é você estar perto dos maiores atletas do


mundo. Você estar dentro de uma, dentro de uma Vila Olímpica onde
você assiste todos os jogos, você vê tantos atletas diferentes
buscando seu objetivo, você enxerga [...], é tão importante o hipismo
como o futebol, sabe. É tão importante a natação como o atletismo
mesmo você não tendo um brasileiro que possa ganhar uma
medalha na maratona você assiste, você se emociona, você chora,
você vibra, entendeu. O espírito olímpico é você buscar um objetivo
que foi alcançado.

Entende que o espírito olímpico esteja longe do futebol, ao menos


do futebol brasileiro. Essa distância seria provocada pelo excesso de
profissionalismo em que os interesses passam a ser outros e não o de conquistar
uma medalha olímpica. Por isso, Neto defende que os jovens façam parte dessa
competição e não os profissionais.
Seu posicionamento corrobora com o pensamento de Havelange
quando ambos afirmam que deve haver alguma restrição para que seja privilegiado
um determinado tipo de jogador. Porém, enquanto sustentação do argumento para
defender que deva ser para determinados jogadores, os dois seguem via opostas.
Havelange privilegia a exclusividade dos jogadores que atuam em Copas porque
pensa nos lucros que essa restrição pode proporcionar para a FIFA, já Neto defende
que os Jogos Olímpicos deveriam ser aos amadores como forma de incentivar os
garotos a participar de um evento que é muito importante para a carreira de um
atleta, sendo o contato com as outras modalidades um privilégio já que na mesma
472

competição é possível acompanhar situações bem diferentes daquela que o atleta


possui no seu cotidiano. O discurso de Neto vai ao encontro do que a FIFA projetava
na relação de importância das competições futebolísticas em que os Jogos
Olímpicos eram um degrau para se chegar ao topo de seus campeonatos, a Copa
do Mundo.
Para Neto, distante do espírito olímpico está a Copa do Mundo de
futebol. Embora seja uma competição cobiçada pelos atletas de futebol, ele mesmo
queria ter participado das Copas de 1990 e 1994, mas como desempenho daquela
seleção de 1990 não foi satisfatório pontuou que naquele momento se perdeu a
magia de se defender o país:

[...] não fui convocado pra algumas Copas do Mundo, duas Copas do
Mundo, eu acho que eu poderia ter ido, 90 e 94. Não fui. Não fui um
jogador que ganhou dinheiro como essas caras ganham hoje, né. [...]
Na verdade eu sempre caguei e andei pela Copa de 90. Apesar que
você disputar uma Copa do Mundo é sempre legal. Mas se eu
tivesse ido, não sei se eu seria tão falado quanto não ter ido. Até
porque essa Copa de 90 foi uma vergonha em termos de [...]
dinheiro, em termos de [...], tudo aquilo que a gente enxerga de [...],
como jogar pela seleção brasileira né. Porque as pessoas vão pra
seleção brasileira: ‘aí que orgulho’. É mentira! Os caras querem é
ganhar grana, entendeu. Agora, as Olimpíadas se eu tivesse a
medalha de ouro teria sido maravilhoso porque foi muito legal.

Depois dos Jogos Olímpicos Neto continuou no Guarani, depois


transferiu-se para o Palmeiras, ficou apenas seis meses no clube e foi para o
Corinthians. Segundo o Neto:

Aí começou a minha vida ser totalmente diferente, né? Ganhei o


título de 90, fiquei seis anos no Corinthians, fiz quase 250 jogos, 90
gols, o primeiro título brasileiro, fui convocado pras seleções, é [...] e
aí minha vida de certa forma ela, ela modificou da água pro vinho, e
aí, mas mesmo assim eu continuei sendo jogador indisciplinado [...].
Falar a verdade eu nunca fui um jogador profissional, né? Na
concepção da palavra, né? Todas as vezes que eu me condicionei,
fisicamente, todas as vezes que eu estava bem, dentro da minha
casa, eu sempre fui muito bem, né?

A condição física foi um fator determinante para decisão de encerrar


a carreira. As marcas deixadas pelo futebol ainda hoje estão em seu corpo. Disse
que diariamente sente dores e que tem artrose, fruto das inúmeras infiltrações que
tomou para poder jogar. “Por outro lado, quando eu parei de jogar futebol, acho que
473

foi a melhor decisão que eu tomei da minha vida, não queria sofrer mais, sabe?”.
Como estava convicto de sua decisão, depois de encerrar a carreira, afirmou que
nunca teve vontade de voltar a jogar futebol.
Nessa nova fase de sua carreira pós-jogador de futebol, os trabalhos
na rádio Transamérica e na rede de televisão Bandeirantes o colocou novamente em
evidência. Disse que muitos dos jovens que o assiste associam mais a sua imagem
a de comentarista do que jogador pelo fato de não terem o visto jogar.
Considera que a maior dificuldade das carreiras que tem (e teve) é a
de lidar com a fama pelo fato de lidar com a paixão dos torcedores, no caso, o clube
de cada pessoa. Em seu entender, um dos pontos negativos da fama é que muitas
pessoas se aproximam para tirar algum proveito e por isso concluiu que “gostaria de
ser normal”.
474

Conclusões
O ponto de partida da tese foi a realização de entrevistas com os
atletas brasileiros de futebol masculino que participaram dos Jogos Olímpicos. Ao
seguir por esse caminho uma coisa ficou clara: os atletas contavam as suas histórias
de um lugar específico e que suas narrativas estavam vinculadas a um contexto
mais amplo do qual haviam feito parte. Esse contexto, muitas vezes apresentado de
modo implícito na fala dos entrevistados, me conduziu para investigar como se
formou o movimento olímpico e como o Brasil, por meio do COB e CBD depois CBF,
estava inserido nessa conjuntura.
Pelo fato das histórias indicarem elementos construtivos do campo,
mas não resolverem como funcionavam ou haviam se estruturado as regras do
amadorismo no mundo do esporte foi necessário entender como se deu a formação
do campo esportivo (BOURDIEU, 1983) nos Jogos Olímpicos. A partir da definição
de amadorismo presente nos documentos oficiais do COI, publicados em seu
Boletim Olímpico, foi possível reconstituir como se deu o processo de constituição
das definições dos termos amadorismo e profissionalismo. Desde a primeira reunião
em 1894, quando o COI foi criado, até o último ano analisado (1988) essa discussão
esteve presente. Foi essa discussão que seguiu junto ao fio (GINZBURG, 2007) dos
Jogos Olímpicos.
Desse modo, foi preciso entender em que momento histórico os
Jogos Olímpicos surgiram. Para apresentar a intersecção desses pontos
contextualizei a formação do Esporte Moderno, a partir de um modelo inglês, e que
rapidamente se difundiu por diferentes países. Após essa apropriação do esporte
pelas outras nações foi necessária a constituição de regras comuns para que as
competições entre as diferentes equipes pudessem ocorrer. Nesse processo se
formaram em âmbito nacional as confederações, as federações e os Comitês
Olímpicos. No plano internacional, as Federações Internacionais, o COI e a FIFA
englobaram essas instituições nacionais para compor a estrutura esportiva mundial.
Com essa estrutura disseminada em vários países foi preciso
entender como ocorreu a formação das duas maiores entidades esportivas do
mundo: o COI e a FIFA. No processo de construção das características de cada
entidade aconteceu um jogo de aproximação e distanciamento que permitiu
entender como as relações de poder (FOUCAULT, 2011) se estabeleceram e a partir
475

dessa sua estrutura identificar e analisar uma composição interna muito parecida
das duas entidades, marcadas historicamente pela presença de um maior número
de europeus tanto no quadro de seus membros como de seus presidentes.
A história do futebol nos Jogos Olímpicos foi marcada por uma série
de disputas políticas. A sua rápida transformação dentro do evento pôde ser
analisada a partir da falta de interesse em alguns países em participar da
modalidade (1896), passando nas duas edições seguintes (1900-1904) a ser uma
modalidade exibição. Em 1908, o futebol entrou efetivamente no programa sendo
reforçado o seu caráter amador. No entanto, o futebol ganhava novos adeptos no
mundo inteiro e já em 1912 cogitou-se retirar a modalidade do programa pelo fato de
que não eram mais somente os aristocratas que jogavam. Com isso, a presença de
outros atletas (os trabalhadores) além dos amadores na prática do futebol ameaçava
a chancela dos Jogos Olímpicos pautada nos ideais do amadorismo.
Mas, foi no Pós Primeira Guerra que o embate entre a FIFA e o COI
tomou forma. De um lado a FIFA defendia o pagamento pelo tempo de afastamento
dos atletas que se ausentassem do trabalho para competir. O COI era contra essa
medida sob a justificativa que poderiam haver fraudes na especificação dos gastos
dos atletas. Essa discussão foi muito intensa nos anos 20 e culminou com a saída
do futebol do programa olímpico ao final dos Jogos de 1928. Nesse mesmo ano,
diante dessa situação a FIFA resolveu que promoveria a sua primeira Copa do
Mundo para profissionais e amadores, algo que aconteceu em 1930. Essa era a
resposta da FIFA ao COI na disputa pelo controle do futebol nos Jogos Olímpicos
que, até aquele momento, era a principal competição entre as seleções do mundo
inteiro.
Em 1934, apenas dois anos após ter sido excluído dos Jogos o
futebol foi reintegrado. A volta a partir dos Jogos de 1936 e a consolidação da Copa
do Mundo como um evento importante no calendário do futebol fez com que as duas
entidades continuassem a divergir em relação ao futebol gerando uma série de
restrições ao modo como acontece esse esporte dentro dos Jogos. As sanções
passaram pela restrição aos atletas que tivessem disputado uma Copa do Mundo,
condição que apareceu nos Jogos de 1960 e depois voltou a ser colocada na
década de 80 com pequenas modificações.
A condição de amador também restringia a participação e um amplo
debate foi promovido diante das mudanças pelas quais passavam o futebol.
476

Questionava-se que não havia mais atletas amadores e em alguns países da Cortina
de Ferro, pelo fato de não existir profissionalismo já que os atletas pertenciam ao
Estado, fazia com que os atletas desses países tivessem um grande número de
experiências, porque sendo amadores competiam tanto nos Jogos Olímpicos quanto
na Copa do Mundo, fato que gerou acusações quanto à presença de “falsos
amadores”. Os intensos debates fizeram com que a partir da década de 80 voltasse
a acontecer a restrição aos atletas que tivessem participado das eliminatórias e/ou
da Copa do Mundo. Essa condição era válida somente para os atletas da Europa e
da América do Sul.
Portanto, os rastros (GINZBURG, 2007) que foram sendo
construídos a partir das edições olímpicas permitiram sustentar a tese de que o jogo
político entre o COI e a FIFA com a finalidade de estabelecer as definições
referentes aos atletas amadores e profissionais que determinou os rumos do futebol
no mundo. Sem dúvida interferiu diretamente nas decisões do futebol olímpico, mas
suas ações podem ser vistas para além dos Jogos Olímpicos quando a definição
para a criação da Copa do Mundo aconteceu após um conflito entre as duas
entidades.
Em busca de uma interpretação, tal qual foi apresentada,
especialmente sob a perspectiva de Geertz (1989), o corpo da tese que foi
construído – entrevistas e documentos – permitiu mostrarmos como os diferentes
atores analisavam a presença do futebol nos Jogos Olímpicos. Na perspectiva de
assumir os Jogos Olímpicos como um texto cultural, foram apresentados múltiplos
olhares sobre o mesmo tema para entendermos o que eles dizem, com quem
dialogavam e de qual perspectiva se manifestavam. Os rastros apresentados
também mostraram como cada ator envolvido (atletas, membros e presidentes do
COI e da FIFA, imprensa, dirigentes do COB e da CBD, depois CBF) fizeram a
leitura desse texto cultural.
Nesse caminho foi preciso entender a relação entre o futebol
olímpico e o futebol da Copa do Mundo. Fala-se tanto da importância da Copa do
Mundo, de que é a principal competição do futebol e poucas referências são feitas
ao futebol dos Jogos Olímpicos. Talvez, essas diferenças possam ser apontadas
colocando o Brasil em lados opostos. De um lado, pelo fato do Brasil ser o maior
campeão mundial de futebol e ser a única seleção do mundo a ter participado de
todas as edições o país possui um grande destaque nas Copas do Mundo. Por outro
477

lado, em relação aos Jogos Olímpicos pelo fato do Brasil nunca ter conquistado uma
medalha de ouro e ter participado apenas de 12 edições são alguns dos elementos
que faz com que essa competição não seja tão valorizada em nosso país.
Nesse jogo de espelhos entre a Copa do Mundo e os Jogos
Olímpicos, existe um imaginário de que a seleção olímpica deve ter um desempenho
equivalente ao da seleção principal. E nessa lógica, a não conquista da medalha de
ouro, materializada por meio das derrotas, paira como uma maldição sob o “país do
futebol” (RUBIO, 2006). E nesse imaginário, durante muitas edições, havia a
desconfiança de que o futebol olímpico brasileiro fosse humilhado diante dos países
europeus que não adotavam o profissionalismo. Esse medo era pautado no dilema
do sucesso conquistado nas Copas e o fracasso das participações olímpicas.
Esses eram os elementos prévios, partilhados, principalmente, por
muitos meios de comunicação. E como forma de se consolidar essas visões, esses
veículos valorizam as histórias dos atletas que participaram da Copa do Mundo e
pouco se sabe sobre as trajetórias dos atletas que disputaram os Jogos Olímpicos,
ao menos, daqueles que não chegaram a disputar uma Copa do Mundo.
As histórias dos atletas brasileiros do futebol resolveram uma
questão importante dessa condição: eram amadores e pelo regulamento eram
elegíveis para participarem dos Jogos. Apesar de serem amadores muitas vezes
atuavam no time principal, leia-se profissional. Nesse cenário, muitos jogadores não
possuíam contrato oficial, apenas um “contrato de gaveta” que era uma forma do
clube ter inúmeras garantias em relação ao atleta, deixando-o numa condição de
total dependência junto ao clube. A participação nos Jogos Olímpicos, muitas vezes,
representou a impossibilidade em ser contratado como um atleta profissional. Para
os clubes, profissionalizar os jogadores era uma forma de impedi-lo de participar dos
Jogos Olímpicos e, consequentemente, não desfalcar seu time durante alguma
competição. Como medida para dificultar essa ação, a própria CBD-CBF chegou a
impedir, especialmente nos anos 60-70, que os atletas pré-selecionados pudessem
se profissionalizar. Então, para os atletas que galgavam espaços no futebol
profissional dos clubes tinham na condição de amador e da participação nos Jogos
Olímpicos um fator que limitava, em um primeiro momento, as possibilidades de
ascensão na carreira futebolística.
A condição amadora também foi uma via acionada para justificar as
derrotas diante das seleções da Cortina de Ferro que contavam com os “falsos
478

amadores”. Associada a essa condição o fato de serem jovens e com poucas


experiências internacionais recorrentemente apareceu para reforçar que não tinham
chances contra atletas de maior experiência e que, muitas vezes, tinham disputado
uma Copa do Mundo. Ao mesmo tempo em que os argumentos apontavam para
essa falta de experiência pautada pelo amadorismo não consideraram que a
participação nas equipes profissionais, fosse como titulares ou reservas, de seus
clubes representava uma experiência importante na formação deles enquanto
jogadores de futebol. Essa dupla face da condição de vários atletas brasileiros não
foi vista por eles como um diferencial diante dos amadores.
As lembranças que os atletas trouxeram nas entrevistas foram
influenciadas por essa dinâmica das regras do amadorismo pelo simples fato de que
elas incidiam diretamente em suas carreiras, na perspectiva construída de que a
história individual está atrelada a uma história coletiva (BOSI, 2003, 2010;
HALBWACHS, 2006). Portanto, as entrevistas aconteceram a partir de um recorte
histórico, do qual os Jogos Olímpicos (e da Copa do Mundo) fizeram parte. Dessa
forma, para chegarmos às histórias dos atletas, pelo fato de também terem sido
construídas numa perspectiva coletiva, a análise do contexto em que aconteceram
os Jogos Olímpicos teve como objetivo dialogar diretamente com a história de vida
dos atletas entrevistados.
Pode-se inferir que o pensamento dos atletas entrevistados vai ao
encontro da proposta estabelecida pela FIFA que ao longo dos anos transformou e
valorizou a Copa do Mundo como sendo a principal competição do futebol no mundo
deixando o futebol olímpico em um plano menor. As narrativas dos atletas
corroboraram com a visão hierárquica das competições que a FIFA conseguiu
montar quando, no final dos anos 70, criou a Copa do Mundo de juniores para
rivalizar e enfraquecer o futebol olímpico. Nessa dinâmica, o futebol olímpico se
tornou uma competição que fica entre a Copa do Mundo de juniores e a Copa do
Mundo que envolve os grandes jogadores do futebol mundial. As inúmeras restrições
impostas ao futebol olímpico também podem ser lidas como formas de estimular o
interesse na Copa do Mundo em que não há restrição em detrimento do futebol dos
Jogos Olímpicos que ao longo da história, como visto, sofreu uma série de sanções.
A restrição vigente no futebol olímpico estabelece um limite de idade de até 23 anos
para os atletas participarem. Existe a possibilidade de convocar até três jogadores
com idade superior a estabelecida. Essa medida fez e faz com que os atletas
479

participem dessa competição ainda jovens, reforçando que é uma competição com
um caráter de preparação para a principal competição do futebol: a Copa do Mundo.
A preparação brasileira para disputar o futebol olímpico não difere
das diretivas do COB na preparação dos demais atletas olímpicos. Os períodos que
antecederam os Jogos das mais diversas edições foram para o Brasil, em sua
maioria, marcados pela indefinição de verbas e o comprometimento do período de
treinamento visando à disputa. No caso do futebol, não raro as seleções,
organizadas pela CBD e posteriormente pela CBF foram preparadas em pouco
tempo. Frequentemente demorou-se para definir o técnico, encontrar equipes
competitivas para realizar partidas amistosas, enfim, uma série de empecilhos
interferiram diretamente no desempenho das equipes no torneio olímpico.
Embora os presidentes do COB e da CBD/CBF tenham se
caracterizados pela longa duração de seus mandatos, a formação das equipes do
futebol olímpico pode ser percebido como um lugar de passagem marcado pelo
conflito. Em um primeiro momento, o conflito deveu-se pela intenção dos atletas em
se tornarem profissionais quando a CBD impediu por diversas vezes esse direito aos
atletas com o objetivo de que permanecessem elegíveis para defender a seleção
brasileira. Em outro momento, quando regressavam dos Jogos, imbuídos de um
novo status, buscavam mudar a sua situação dentro do clube requisitando a
mudança para a condição de atleta profissional.
Considero a seleção olímpica como esse lugar de passagem na
concepção dos presidentes das entidades citadas porque a organização das
seleções de futebol foi marcada por uma ação de exploração (HOLANDA, 1995), no
sentido de que se caracterizaram pelo pouco tempo de preparação e quando houve
um tempo maior aconteceram crises envolvendo, especialmente, os técnicos que ali
estavam.
A última edição olímpica analisada na tese, 1988, mostrou as
tensões pelas quais passavam a seleção brasileira e por extensão o futebol
nacional. Foi um período que marcou o início mais intenso da saída dos jogadores
brasileiros para o exterior. O dilema apontado pelo então técnico da seleção
olímpica, Carlos Alberto Silva, representava um dos últimos redutos que validavam
um discurso de que a seleção brasileira deveria ser formada por atletas que atuavam
no país. Essa resistência mostrada por meio da sua fala tornou-se praticamente uma
condição sine qua non para os atletas que vão integrar as seleções brasileiras a
480

partir dos anos 90 quando se inverte o quadro e a maioria dos jogadores


convocados defendiam e defendem clubes do exterior.
O período que faltou ser contemplado da estrutura inicial, referente à
implementação do limite de 23 anos para os jogadores de futebol que se iniciou nos
Jogos Olímpicos de 1992, será pensado como uma pesquisa de pós-doutorado por
necessitar de elementos específicos de análise, tais como a circulação de jogadores
no cenário futebolístico mundial, a grande saída de atletas brasileiros e a
constituição de uma equipe olímpica formada por atletas que atuam,
majoritariamente, por clubes do exterior.
481

Referências bibliográficas
114TH IOC SESSION IOC PRESIDENT'S REPORT. 2013.

1900 PARIS OLYMPIC GAMES OFFICIAL REPORT PART 1, 1900.

1908 LONDON OLYMPIC GAMES OFFICIAL REPORT, 1908, p. 34.

1912 STOCKHOLM OLYMPIC GAMES OFFICIAL REPORT, 1912, p. 38-39.

1928 AMSTERDAM OLYMPIC GAMES OFFICIAL REPORT, 1928, p. 344-345.

1936 OFFICIAL REPORT VOLUME II, 1936, p. 1047.

27TH IOC SESSION, AMSTERDAM, 1928, p. 145.

28TH IOC SESSION, LAUSANNE, 1929, p. 152.

ADAMS, Iain. Pancasila: Sport and the building of Indonesia – Ambitions and
obstacles. In: MANGAN, James A.; HONG, Fan (Orgs.). Sport in Asian society:
past and present. Abingdon: Frank Cass & Co. Ltd., 2003.

AGOSTINO, Gilberto. Vencer ou morrer: futebol, geopolítica e identidade nacional.


Rio de Janeiro: FAPERJ, Mauad, 2002.

ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a


difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

ANTUNES, Fatima Martin Rodrigues Ferreira. Futebol de fábrica em São Paulo.


1992. 190 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1992.

______. “Com brasileiro, não há quem possa!”: futebol e identidade nacional em


José Lins do Rego, Mário Filho e Nelson Rodrigues. São Paulo: Editora da Unesp,
2004.

ARDOINO, Jacques; BROHM, Jean-Marie. Repères et jalons pour une intelligence


critique du phénoméne sportif contemporain. In: Baillette, F. & Bhohm, J. M. (Eds.),
Critique de la modernité sportive. Paris: Les Éditions de la Passion, 1995.

ARNOLD, James R.; WIENER, Roberta (Orgs.). Cold War: the essencial reference
guide. Califórnia: ABC-CLIO, 2012.

BARNEY, Robert Knight. Born from dilemma: America awakens to the modern
Olympic Games, 1901-1903, Olympika: The International Journal of Olympic
Studies, Volume I – 1992, p. 92-135.

BECK, Peter J. Scoring for Britain: international football and international politics
(1900-1939). Taylor & Francis: Londres, 1999.
482

BELLOS, Alex. Futebol: o Brasil entra em campo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 2003.

BETTI, Mauro. Educação Física e Sociedade. São Paulo: Editora Movimento,


1991.

BIOGRAPHIES. Members of the International Olympic Committee, 2012, p. 162-176.

BLOCH, Marc. A apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro:


Jorge Zahar Editor, 2001.

BORGERS, Walter. From the Temple of Industry to Olympic Arena - The Exhibition
Tradition of the Olympic Games. Journal of Olympic History, v. 11, n. 1, janeiro
2003, p. 7-21.

BOSI, Ecléa. O tempo vivo da memória. São Paulo: Ateliê editorial, 2003.

______. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 16ª ed. São Paulo:


Companhia das Letras, 2010.

BOURDIEU, Pierre. Como é possível ser esportivo? In: BOURDIEU, Pierre.


Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.

______. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004.

______. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.

BUCHANAN, Ian; LYBERG, Wolf. The biographies of all IOC Members. Journal of
Olympic History, v. 17, n. 1, 2009a, p. 48-52.

______. Journal of Olympic History, v. 17, n. 3, 2009b, p. 43-45.

______. Journal of Olympic History, v. 18, n. 2, 2010a, p. 58-59.

______. Journal of Olympic History, v. 18, n. 3, 2010b, p. 43-54.

______. Journal of Olympic History, v. 19, n. 1, 2011a, p. 66-69.

______. Journal of Olympic History, v. 19, n. 2, 2011b, p. 45-51.

______. Journal of Olympic History, v. 19, n. 3, 2011c, p. 57-58.

______. Journal of Olympic History, v. 20, n. 1, 2012a, p. 61.

______. Journal of Olympic History, v. 20, n. 2, 2012b, p. 65-67.

______. Journal of Olympic History, v. 21, n. 1, 2013a, p. 65.

______. Journal of Olympic History, v. 21, n. 2, 2013b, p. 58.


483

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL DES JEUX OLYMPIQUES, n. 1, julho de


1894, p. 1-4.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL DES JEUX OLYMPIQUES, n. 3, janeiro


de 1895, p. 2.

BULLETIN OFFICIEL DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 1, janeiro de


1926, p. 15-19.

BULLETIN OFFICIEL DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 5, janeiro de


1927, p. 19.

BULLETIN OFFICIEL DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 7, junho de


1927, p. 16.

BULLETIN OFFICIEL DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 8, setembro


de 1927, p. 10-12.

BULLETIN OFFICIEL DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 9, dezembro


de 1927 p. 1-4.

BULLETIN OFFICIEL DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 10, abril de


1928, p. 30.

BULLETIN OFFICIEL DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 11, outubro


de 1928, p. 15-20.

BULLETIN OFFICIEL DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 13, julho de


1929, p. 2-4.

BULLETIN OFFICIEL DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 15, janeiro


de 1930, p. 10-11.

BULLETIN OFFICIEL DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 16, julho de


1930, p. 20-22.

BULLETIN OFFICIEL DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 22, outubro


de 1932, p. 12.

BULLETIN OFFICIEL DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 24,


setembro de 1933, p. 2-10.

BULLETIN OFFICIEL DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 26, outubro


de 1934, p. 3-12.

BULLETIN OFFICIEL DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 28, maio de


1935, p. 8.
484

BULLETIN OFFICIEL DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 32,


novembro de 1936, p. 1-11.

BULLETIN OFFICIEL DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 35, outubro


de 1937, p. 7-8.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 1, outubro de 1946, p.


1.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 10, maio de 1948, p.


10-22.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 14, março de 1949, n.


14, p. 7.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 36, novembro de 1952,


p. 7.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 39-40, junho de 1953,


p. 40.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 42, outubro de 1953, p.


26.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 43, dezembro de 1953,


p. 16-18.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 45, abril de 1954, p. 20-


21.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 46, junho de 1954, p.


29.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 49, fevereiro de 1955,


p. 12-13.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 50, abril de 1955, p. 15.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 52, novembro de 1955,


p. 39.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 55, julho de 1956, p.


50-52.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 57, fevereiro de 1957,


p. 60-74.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 58, maio de 1957, p.


51-55.
485

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 59, agosto de 1957.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 60, novembro de 1957,


p. 48.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 61, fevereiro de 1958,


p. 49-76.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 62, maio de 1958, p.


44.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 63, agosto de 1958, p.


44.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 64, novembro de 1958.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 65, fevereiro de 1959,


p. 53-71.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 66, maio de 1959, p.


32-38.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 67, agosto de 1959, p.


54-83.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 68, novembro de 1959,


p. 32-43.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 69, fevereiro de 1960,


p. 63-68.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 71, agosto de 1960.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 72, novembro de 1960,


p. 63-70.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 73, fevereiro de 1961,


p. 45-47.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 74, maio de 1961, p.


26-34.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 75, agosto de 1961, p.


63-91.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 76, novembro de 1961,


p. 29-40.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 77, fevereiro de 1962,


p. 34.
486

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 80, novembro de 1962,


p. 44-47.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 81, fevereiro de 1963,


p. 43-62.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 83, agosto de 1963, p.


53.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 85, fevereiro de 1964,


p. 68-82.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 86, maio de 1964, p.


82-86.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 89, fevereiro de 1965,


p. 72-79.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 90, maio de 1965, p.


53-66.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 92, novembro de 1965,


p. 66-77.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 95, agosto de 1966, p.


84-91.

BULLETIN DU COMITÉ INTERNATIONAL OLYMPIQUE, n. 98-99, maio – agosto


de 1967, p. 93.

CALDAS, Waldenyr. O pontapé inicial: memória do futebol brasileiro (1894-1933).


São Paulo: Ibrasa, 1990.

CANALE, Vitor; GIGLIO, Sérgio Settani; LIMA, Marco Antunes de. Um balanço da
trajetória do Grupo Interdisciplinar de Estudos sobre Futebol (GIEF) (2006 - 2009). I
Simpósio de Estudos sobre Futebol. 2010.

CASTRO, Jefferson Alexandre de; GIGLIO, Sérgio Settani; MONTAGNER, Paulo


Cesar. O jogo no ensino do handebol: proposta de um plano de ensino pensado
para a prática diária. Motriz (Rio Claro), v. 14, p. 67-73, 2008.

______. O jogo como proposta de intervenção no ensino do handebol: inferências


sobre as práticas realizadas. In: MONTAGNER, Paulo Cesar (Org.). Intervenções
pedagógicas no esporte: práticas e experiências. São Paulo: Phorte Editora, 2011,
p. 89-112.

CARDOSO, Tom; ROCKMANN, Roberto. O Marechal da vitória: uma história de


rádio, TV e futebol. São Paulo: A Girafa Editora, 2005.
487

CASTAÑO, David. O búfalo, o urso e o jumento. Relações Internacionais, Lisboa,


n. 20, 2008, p. 161-164.

CHAPPELET, Jean-Loup; KÜBLER-MABBOTT, Brenda. The International Olympic


Committee and the Olympic System: the governance of world sport. Nova Iorque:
Routledge, 2008.

CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa:


Difel, 1988.

CORREA, Rui César Publio Borges. O direito do trabalho e o jogador profissional


de futebol no Brasil. 2002. 161 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Pontifícia
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002.

CRIPA, Ival de Assis. O massacre dos estudantes na cidade do México em 1968: o


poeta Octavio Paz e a história política. Revista Eletrônica da ANPHLAC, São
Paulo, n.11, p. 40-58, jul./dez. 2011.

DAMATTA, Roberto. O ofício de etnólogo; ou, como ter “Anthropological Blues”. In:
Edson Nunes (org.). A aventura sociológica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.

______. Esporte na sociedade: um ensaio sobre o futebol brasileiro. In: DAMATTA,


Roberto (org.). Universo do futebol: esporte e sociedade brasileira. Rio de Janeiro:
Pinakotheke, 1982.

______. Antropologia do óbvio: notas em torno do significado social do futebol


brasileiro. Revista USP – Dossiê Futebol, São Paulo, n. 22, junho-julho-agosto,
1994, p. 10-17.

______. Em torno da dialética entre igualdade e hierarquia: notas sobre as imagens


e representações dos Jogos Olímpicos e do futebol no Brasil. Antropolítica, Niterói,
n. 14, 2003, p. 17-39.

DAMO, Arlei. Sander. O ethos capitalista e o espírito das copas. In: GASTALDO,
Édison L.; GUEDES, Simoni L. (orgs.). Nações em campo: Copa do Mundo e
identidade nacional. Niterói: Intertexto, 2006.

______. Do dom à profissão: a formação de futebolistas no Brasil e na França. São


Paulo: Hucitec, 2007.

DAOLIO, Jocimar. Cultura: Educação Física e Futebol. 2ª ed. Campinas: Editora da


UNICAMP, 2003.

DARBY, Paul. Africa football and FIFA: politics, colonialism and resistance.
Londres: Routledge, 2002.

DEBERT, Guita Grin. Problemas relativos à utilização da história de vida e da


história oral. In: CARDOSO, Ruth (org.). A aventura antropológica: teoria e
pesquisa. 4ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2004.
488

DESLAUTH, Fabrice. Los Juegos Antropologicos de Saint-Louis. Revista Brasileira


de Ciências do Esporte, Florianópolis, v. 33, n. 4, p. 809-823, out./dez. 2011.

DIAS, Cleber. A Igreja, o Estado e a bola: história do esporte entre os índios do


Brasil central. Pensar a Prática, Goiânia, v. 15, n. 1, p. 148-175, jan./mar. 2012.

DIETSCHY, Paul. Violence et supporters de football en Europe jusqu’au début des


années 1960 : l’exemple de l’Italie. In: II Simpósio Internacional Hooliganismo e
Copa de 2014, 2012, Rio de Janeiro/Campinas: CPDOC/FGV –
PPGEF/FEF/UNICAMP, 2012, p. 1-20.

DURHAM, Eunice Ribeiro. A dinâmica da cultura: ensaios de Antropologia. São


Paulo: Cosac & Naify, 2004.

EGCENBERGER, Henri. Eighty years of FIFA. Laborious way to World


Championship. Olympic Review, n. 225, julho de 1986, p. 410-413.

ELIAS, Norbert. A gênese do desporto: um problema sociológico. In: ELIAS, Norbert;


DUNNING, Eric. A busca da excitação. Lisboa: Difel, 1992a. p. 187-221.

_____. Ensaio sobre o desporto e a violência. In: ELIAS, Norbert; DUNNING, Eric. A
busca da excitação. Lisboa: Difel, 1992b. p. 223-256.

_____. A dinâmica do desporto moderno. In: ELIAS, Norbert; DUNNING, Eric. A


busca da excitação. Lisboa: Difel, 1992c. p. 299-325.

ELIAS, Norbert; DUNNING, Eric. A busca da excitação. Lisboa: Difel, 1992.

_____. A busca da excitação no lazer. In: ELIAS, Norbert; DUNNING, Eric. A busca
da excitação. Lisboa: Difel, 1992b. p. 101-138.

FAVERO, Paulo Miranda. Os donos do campo e os donos da bola: alguns


aspectos da globalização do futebol São Paulo. 2009. 118 f. Dissertação (Mestrado
em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.

FLORENZANO, José Paulo. Afonsinho e Edmundo: a rebeldia no futebol brasileiro.


São Paulo: Musa Editora, 1998.

______. A democracia corinthiana: práticas de liberdade no futebol brasileiro. São


Paulo: FAPESP; Educ, 2009.

FORTUNA, Vania Oliveira. Das Exposições Universais aos Jogos Pan-Americanos


de 2007: os envolventes legados arquitetônicos dos megaeventos. Contemporânea,
Rio de Janeiro, v. 8, n. 1, p. 151-160, 2010.

FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

_____. Microfísica do poder. São Paulo: Edições Graal, 2011.


489

FRANCO JUNIOR, Hilário. A dança dos deuses: futebol, sociedade e cultura. São
Paulo: Companhia das Letras, 2007.

FREITAS, Armando; VIEIRA, Sílvia. O que é futebol? Rio de Janeiro: Casa da


Palavra; COB, 2006.

GALATTI, Larissa Rafaela. Esporte e clube sócio-esportivo: percurso, contextos e


perspectivas a partir de um estudo de caso em clube esportivo espanhol. 2010. 305
f. Tese (Doutorado em Educação Física)-Faculdade de Educação Física.
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010.

GASTALDO, Édison Luís. Notas Sobre um país em transe: mídia e Copa do Mundo
no Brasil. Motrivivência, Santa Catarina, v. XII, n. 17, 2001.

______. Copa do Mundo no Brasil: a dimensão histórica de um produto midiático.


Comunicação & Sociedade, São Bernardo do Campo, v.1, n.41, p.115-133, 2004.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.

GEHRINGER, Max. A saga da Jules Rimet: a história das Copa de 1930 a 1970
(fascículo 4 – 1950 Brasil). Especial Revista Placar. São Paulo: Editora Abril, 2006.

GIGLIO, Sérgio Settani. Futebol-arte ou futebol-força? O estilo brasileiro em jogo. In:


Jocimar Daolio. (Org.). Futebol, Cultura e Sociedade. Campinas: Autores
Associados, 2005, p. 53-72.

______. Futebol: mitos, ídolos e heróis. 2007. 162 f. Dissertação (Mestrado em


Educação Física) - Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, 2007.

______. Análise da construção do ídolo a partir da trajetória de Ademir da Guia.


Oralidades (USP), v. 4, p. 101-124, 2010.

GIGLIO, Sérgio Settani; MORATO, Márcio Pereira; STUCCHI, Sérgio; ALMEIDA,


José Julio Gavião de. O dom de jogar bola. Horizontes Antropológicos, Porto
Alegre, v. 14, p. 67-84, 2008.

GIGLIO, Sérgio Settani; RUBIO, Katia. Futebol profissional: o mercado e as práticas


de liberdade. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, São Paulo, v. 27,
n. 3, p. 387-400, 2013.

GIGLIO, Sérgio Settani; SILVA, Diana Mendes Machado da (Orgs.). O Brasil e as


Copas do Mundo: futebol, história e política. São Paulo: Editora Zagodoni, 2014. No
prelo.

GIGLIO, Sérgio Settani; SPAGGIARI, Enrico. A produção das Ciências Humanas


sobre futebol: um panorama (1990-2009). Revista de História (USP), São Paulo, v.
163, p. 293-350, 2010.
490

GIGLIO, Sérgio Settani; STUCCHI, Sérgio. Do football inglês ao futebol brasileiro. In:
XI Congresso Ciências do Desporto e Educação Física dos países de língua
portuguesa, 2006, São Paulo. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte.
Impresso, 2006. v. 20. p. 450-450.

GINZBURG, Carlo. O fio e os rastros: verdadeiro, falso, fictício. São Paulo:


Companhia das Letras, 2007.

GIULIANOTTI, Richard. Sociologia do futebol: dimensões históricas e


socioculturais do esporte das multidões. São Paulo: Nova Alexandria, 2002.

GÓIS JUNIOR, Edivaldo; SIMÕES, José Luís. A história da Educação Física no


Brasil. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2011.

GONZÁLEZ, José Ignacio Barbero. Introducion. In: BROHM, Jean-Marie et al.


Materiales de sociologia del deporte. Madrid: Las ediciones de La Piqueta, 1993.

GUERREIRO, António. Paris 1900. Lisboa: Expo’98 Lisboa, 1995.

GUTTMANN, Allen. The olympics: a history of the Modern Games. 2ª ed. Illinois:
Universtiy of Illinois Press, 2002.

______. Sports: the first five millennia. Massachusetts: University of Massachusetts


Press, 2004.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Editora Centauro, 2006.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11ª ed. Rio de Janeiro:


DP&A, 2006.

HOBSBAWM, Eric John. A era dos impérios (1875-1914). 10ª ed. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 2006.

______. Globalização, democracia e terrorismo. São Paulo: Companhia das


Letras, 2007.

HOBSBAWM, Eric, RANGER, Terence. A invenção das tradições. 4ª ed. São


Paulo: Paz e Terra, 1997.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª ed. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995.

HORNE, John; WHANNEL, Garry. Understanding the Olympics. Nova Iorque:


Routledge, 2012.

JAMESON, Fredric. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São


Paulo: Ática, 1999.

JENNINGS, Andrew. Jogo sujo: o mundo secreto da FIFA: compra de votos e


escândalo de ingressos. São Paulo: Panda Books, 2011.
491

KRÜGER, Arnd. Forgotten Decisions: The IOC on the Eve of World War I. Olympika:
The International Journal of Olympic Studies, v. 6, p. 85-98, 1997.

______. The unfinished symphony: a history of the Olympic Games from Coubertin to
Samaranch. In: RIORDAN, James; KRÜGER, Arnd. The international politics of
sport in the twentieth century. Londres: E& FN Spon; Nova Iorque: Routledge,
1999.

KRÜGER, Arnd; MURRAY, William (Orgs.). The Nazi Olympics: sport, politics, and
appeasement in the 1930s. Illinois: University of Illinois, 2003.

LE GOFF, Jacques. História e memória. 5ª ed. Campinas: Editora da Unicamp,


2003.

LEITE LOPES, José Sérgio. Esporte, emoção e conflito social. Mana, Rio de
Janeiro, v. 1, n.1, p. 141-165, 1995.

Les Jeux de la VIII Olympiade Paris 1924, Rapport Officiel, p. 318.

Lettre d'informations / Newsletter, n. 1, outubro der 1967, p. 5.

LICO, Flávio de Almeida Andrade. O boicote aos Jogos Olímpicos de Moscou –


1980: uma análise da reação do movimento olímpico brasileiro e internacional. 2007.
149 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Escola de Educação Física e
Esportes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.

LUCAS, John A. Olympic Genesis: the Sorbonne Conferences of 1892 and 1894.
Olympic Review, n. 85-86, novembro – dezembro de 1974, p. 607-610.

______. Victorian ‘Muscular Christianity’ Prologue to the Olympic Games Philosophy.


Olympic Review, Lausanne, n. 97-98, p. 456-460, nov./dez. 1975.

LUCENA, Ricardo de Figueiredo. O esporte na cidade: aspectos do esforço


civilizador brasileiro. Campinas: Autores Associados, 2001.

MAGNANI, José Guilherme C. De perto e de dentro: notas para uma etnografia


urbana. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 17, n. 49, p. 11-29,
2002.

______. Etnografia como prática e experiência. Horizontes Antropológicos, Porto


Alegre, v. 15, n. 32, p. 129-156, 2009.

MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.

MACDONALD, Gordon Harold. Regime creation, maintenance, and change: a


history of relations between the International Olympic Committee and International
Sports Federations (1894-1968). 1998. 278 f. Tese (Doutorado em Filosofia) –
School of Kinesiology, The University of Western Ontario, Ontario, 1998.
492

MACHADO, Deoclecio Barreto. Domingos Savio. O atleta profissional de futebol


no Brasil: evolução histórica e legislativa. 2002. 87 f. Dissertação (Mestrado em
Direito) - Pontifícia Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002.

MARQUES, Mauricio Pimenta. Análise da transição da carreira esportiva de


atletas de futebol da fase amadora para a fase profissional. 2008. 103 f.
Dissertação (Mestrado em Educação Física) - Escola de Educação Física,
Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte, 2008.

MATHYS, Fritz K. Those controversial Games of 1906... Olympic Review, n. 146, p.


694, dez/1979.

MEIHY, José Carlos Sebe B.; HOLANDA, Fabíola. História oral: como fazer, como
pensar. São Paulo: Contexto, 2007.

MEYER, Eugenia. O fim da memória. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 22, n.


43, p. 31-44, 2009.

MELO, Victor Andrade de. Cidade sportiva: primórdios do esporte no Rio de


Janeiro. Rio de Janeiro: Relume Dumará, FAPERJ, 2001.

MENARY, Steve. GB United? British Olympic football and the end of the amateur
dream. Worthing: Pitch, 2010.

MISKULIN, Sílvia Cezar. As repercussões do movimento estudantil de 1968 no


México. In: VIII Encontro Internacional da ANPHLAC, 2008, Vitória. Anais... Vitória:
2008, p. 1-11.

MORATO, Márcio Pereira; GIGLIO, Sérgio Settani; GOMES, Mariana Simões


Pimentel. A construção do ídolo no fenômeno futebol. Motriz: Revista de Educação
Física (Online), v. 17, p. 1-10, 2011.

MÜLLER, Norbert. Coubertin and the Olympic Congresses. Olympic Review, n.


167-168, setembro – outubro de 1981, p. 516-520.

______. Pierre de Coubertin (1863-1937): Olympism selected writings. Lausanne:


International Olympic Committee, 2000.

MURRAY, Bill. FIFA. In: RIORDAN, James; KRÜGER, Arnd. The international
politics of sport in the twentieth century. Londres: E& FN Spon; Nova Iorque:
Routledge, 1999.

______. Uma história do futebol. São Paulo: Hedra, 2000.

NEGREIROS, Plínio Labriola. O Brasil no cenário internacional: Jogos Olímpicos e


Copas do Mundo. In: DEL PRIORE, Mary; MELO, Victor A. de (orgs.). História do
esporte no Brasil: do Império aos dias atuais. São Paulo: Editora UNESP, 2009.

Newsletter n. 4, janeiro de 1968, p. 9.


493

Newsletter, n. 5, fevereiro de 1968, p. 104-108.

Newsletter, n. 8, maio de 1968, p. 149-150.

Newsletter, n. 9, junho de 1968, p. 242.

Newsletter, n. 15, dezembro de 1968, p. 598-599.

Newsletter, n. 16, janeiro de 1969, p. 34-35.

Newsletter, n. 22, julho de 1969, p. 361-364.

NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto


História. São Paulo, n. 10, p. 7-28, 1993.

OLIVEIRA, Marcus A. Taborda de. Educação Física Escolar e ditatuda militar no


Brasil (1968-1984): entre a adesão e a resistência. Revista Brasileira de Ciências
do Esporte, Campinas, v. 25, n. 2, p. 9-20, jan. 2004.

OLIVEIRA, Roberto Cardoso. O trabalho do antropólogo. 2ª ed. Brasília: Paralelo


15; São Paulo: Editora Unesp, 2006.

OLIVEIRA, Valeska Fortes de. Educação, memória e histórias de vida: usos da


história oral. História Oral. Recife, v. 8, n. 1, p. 91-106, 2005.

Olympic Football Tournament Moscow 1980 Technical Study, p. 90.

Olympic Football Tournament Los Angeles 1984 Technical Report, p. 21.

Olympic Review, n. 28, janeiro de 1970, p. 14-16.

Olympic Review, n. 30, março – abril de 1970, p. 123.

Olympic Review, n. 32, maio de 1970, p. 232-259.

Olympic Review, n. 33, junho de 1970, p. 296-300.

Olympic Review, n. 38-39, novembro - dezembro de 1970, p. 656-657.

Olympic Review, n. 40-41, janeiro – fevereiro de 1971, p. 25-101.

Olympic Review, n. 43, abril de 1971, p. 200-204.

Olympic Review, n. 45, junho de 1971, p. 340-345.

Olympic Review, n. 49, outubro de 1971, p. 536-546.

Olympic Review, n. 50-51, novembro – dezembro de 1971, p. 575-623.


494

Olympic Review, n. 52, janeiro de 1972, p. 60.

Olympic Review, n. 58, julho de 1972, p. 307.

Olympic Review, n. 59, outubro de 1972, p. 355-404.

Olympic Review, n. 68-69, julho – agosto de 1973, p. 256.

Olympic Review, n. S72, agosto – setembro - Special Olympism Issue 1972, p. 22-
53.

Olympic Review, n. 70-71, setembro – outubro de 1973, p. 392-457.

Olympic Review, n. 72-73, novembro – dezembro de 1973, p. 471-474.

Olympic Review, n. S73, Special Congress 1973.

Olympic Review, n. 80-81, julho – agosto de 1974, p. 367-368.

Olympic Review, n. 85-86, novembro – dezembro de 1974, p. 573-635.

Olympic Review, n. 87-88, janeiro – fevereiro de 1975, p. 9-65.

Olympic Review, n. 91-92, maio – junho de 1975, p. 160-178.

Olympic Review, n. 93-94, julho – agosto de 1975, p. 253.

Olympic Review, n. 95-96, setembro – outubro de 1975, p. 419.

Olympic Review, n. 101-102, março – abril de 1976, p. 145-163.

Olympic Review, n. 105-106, julho – agosto de 1976, p. 340-428.

Olympic Review No. 107-108, setembro – outubro de 1976, p. 462-558.

Olympic Review, n. 109-110, novembro – dezembro de 1976, p. 584-648.

Olympic Review, n. 112, fevereiro de 1977, p. 131.

Olympic Review, n. 113, março de 1977, p. 165.

Olympic Review, n. 116, junho – julho de 1977, p. 362-365.

Olympic Review, n. 119, setembro de 1977, p. 538.

Olympic Review, n. 120, outubro de 1977, p. 648.

Olympic Review, n. 128, junho de 1978, p. 401.

Olympic Review, n. 129, julho de 1978, p. 422.


495

Olympic Review, n. 130-131, agosto – setembro de 1978, p. 491-560.

Olympic Review, n. 132-133, outubro – novembro de 1978, p. 585-643.

Olympic Review, n. 134, dezembro de 1978, p. 643.

Olympic Review, n. 136, fevereiro de 1979, p. 72-73.

Olympic Review, n. 137, março de 1979, p. 140-141.

Olympic Review, n. 138-139, abril – maio de 1979, p. 221-228.

Olympic Review, n. 143 – setembro de 1979, p. 497.

Olympic Review, n. 144, outubro de 1979, p. 562-602.

Olympic Review, n. 145, novembro de 1979, p. 626-629.

Olympic Review, n. 146, dezembro de 1979, p. 694.

Olympic Review, n. 150, abril de 1980, p. 154.

Olympic Review, n. 151, maio de 1980, p. 227-273.

Olympic Review, n. 154, agosto de 1980, p. 407-408.

Olympic Review, n. 158, dezembro de 1980, p. 699-700.

Olympic Review, n. 161, março de 1981, p. 138.

Olympic Review, n. 162, abril de 1981, p. 211.

Olympic Review, n. 167, setembro – outubro de 1981.

Olympic Review, n. 169, novembro de 1981, p. 604-648.

Olympic Review, n. 176, junho de 1982, p. 326. Eligibility.

Olympic Review, n. 178-179, agosto – setembro de 1982, p. 511.

Olympic Review, n. 181, novembro de 1982, p. 691.

Olympic Review, n. 182, dezembro de 1982, p. 766.

Olympic Review, n. 190-191, agosto – setembro de 1983, p. 603.

Olympic Review, n. 200, junho de 1984, p. 419-466.

Olympic Review, n. 203, setembro de 1984, p. 598.


496

Olympic Review, n. 207, janeiro de 1985, p. 13-17.

Olympic Review, n. 208, fevereiro de 1985, p. 114.

Olympic Review, n. 215, setembro de 1985, p. 537-574.

Olympic Review, n. 220, fevereiro de 1986, p. 80-81.

Olympic Review, n. 221, março de 1986, p. 155.

Olympic Review, n. 224, junho de 1986, p. 304.

Olympic Review, n. 225, julho de 1986, p. 416.

Olympic Review, n. 226, agosto de 1986, p. 477.

Olympic Review, n. 229/230, novembro – dezembro de 1986, p. 650.

Olympic Review, n. 233, março de 1987, p. 92.

Olympic Review, n. 235-236, maio – junho de 1987, p. 278.

Olympic Review, n. 247, junho de 1988, p. 222-258.

Olympic Review, n. 248, julho de 1988, p. 310-314.

Olympic Review, n. 249, agosto de 1988, p. 376-383.

Olympic Review, n. 253 Special Issue 1988, p. 609-633.

Olympic Review, n. 255-256, janeiro – fevereiro de 1989, p. 16.

Olympic Review, n. 259, maio de 1989, p. 193-194.

Olympic Review, n. 263/264, setembro – outubro de 1989, p. 439-441.

Olympic Review, n. 285, julho de 1991, p. 321.

Olympic Review, n. 306, abril de 1993, p. 157.

Olympic Review, n. 312, outubro – novembro de 1993, p. 413.

Olympic Review, n. 320, julho – agosto de 1994.

Olympische Rundschau, n. 2, julho de 1938, p. 7-9.

Olympische Rundschau, n. 7, especial, outubro de 1939, p. 19-20.

ORTIZ, Renato. Mundialização e cultura. São Paulo: Brasiliense, 2000.


497

PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. Footballmania: uma história social do


futebol no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.

PEREIRA, Lígia Maria Leite. Algumas reflexões sobre histórias de vida, biografias e
autobiografias. História Oral, n. 3, p. 117-127, 2000.

PINTO, Joelcio Fernandes. Representações de Esporte e Educação Física: na


ditadura militar: uma leitura a partir da revista de história em quadrinhos Dedinho
(1969-1974). 2003. 154 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de
Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003.

POLI, Gustavo; CARMONA, Lédio. Almanaque do futebol. Rio de Janeiro: Casa da


Palavra, COB, 2006.

POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos, Rio de


Janeiro, v. 2, n. 3, p. 3-15, 1989.

______. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5,


n.10, p. 200-215, 1992.

PORTELLI, Alessandro. A filosofia e os fatos: narração, interpretação e significado


nas memórias e nas fontes orais. Tempo, Rio de Janeiro, v. 1, n.2, p. 59-72, 1996.

PRONI, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol. Campinas: Unicamp,


Instituto de Economia, 2000.

Revue Olympique, n. 3, julho de 1901, p. 32-36.

Revue Olympique, Bulletin Trimestriel du Comité International Olympique, n. 8, abril


de 1902, sem página.

Revue Olympique, n. 9, fevereiro de 1903, p. 4-9.

Revue Olympique, n. 14, janeiro de 1905, sem página.

Revue Olympique, Sports – Éducation Physique - Hyriène, n. 6, maio de 1906, p.


80.

Revue Olympique, Sports – Éducation Physique - Hyriène, n. 11, novembro de


1906, p. 175-176.

Revue Olympique, Sports – Éducation Physique - Hyriène, n. 19, julho de 1907, p.


302-304.

Revue Olympique, n. 41, maio de 1909, p. 67.

Revue Olympique, n. 45, setembro de 1909, p. 115-118.


498

Revue Olympique, Sports - Éducation Physique – Hygiène, n. 54, junho de 1910, p.


89-90.

Revue Olympique, Sports – Éducation Physique – Hygiène, n. 57, setembro de


1910, p. 138-141.

Revue Olympique, Sports – Éducation Physique – Hygiène, n. 90, junho de 1913, p.


91-95.

Revue Olympique, n. 91, julho de 1913, Sports – Éducation Physique – Hygiène.

RIAL, Carmen. Rodar: a circulação dos jogadores de futebol brasileiros no exterior.


Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 14, n.30, p. 21-65, 2008.

RICŒUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Editora da


Unicamp, 2007.

RODRIGUES, Francisco Xavier Freire. O fim do passe e a modernização


conservadora no futebol brasileiro (2001-2006). 2007. 346 f. Tese (Doutorado em
Sociologia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.

RUBIO, Katia. O atleta e o mito do herói: o imaginário esportivo contemporâneo.


São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001.

______. Heróis olímpicos brasileiros. São Paulo: Zouk, 2004.

______. Os Jogos Olímpicos e a transformação das cidades: os custos sociais de


um megaevento. Scripta Nova – Revista eletrônica de Geografía y Ciencias
Sociales, Barcelona, v. 9, n. 194, 2005. Disponível em:
<http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-194-85.htm>.

______. Medalhistas olímpicos brasileiros: memórias, histórias e imaginário. São


Paulo: Casa do Psicólogo, FAPESP, 2006.

______. Jogos Olímpicos da Era Moderna: uma proposta de periodização. Revista


Brasileira de Educação Física e Esporte, São Paulo, v. 24, n. 1, p. 55-68, 2010a.

______. A função olímpica do pesquisador diante do livre pensar. Biblio 3w –


Revista bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales, Barcelona, v. XV, n. 863,
2010b. Disponível em <http://www.ub.edu/geocrit/b3w-863.htm>.

______. Postulações brasileiras aos jogos olímpicos: considerações acerca da lenda


do distanciamento entre política e movimento olímpico. Biblio 3w – Revista
bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales, Barcelona, v. XV, n. 895, 2010c.
Disponível em <http://www.ub.edu/geocrit/b3w-895/b3w-895-10.htm>.

SALLES, José Geraldo do Carmo. Entre a paixão e o interesse: o amadorismo e o


profissionalismo no futebol brasileiro. 2004. 482 f. Tese (Doutorado em Educação
499

Física) - Faculdade de Educação Física, Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro,


2004.

SALVADOR, José Luis. El deporte em occidente: historia, cultura y política. Madrid:


Cátedra, 2004.

SANTOS, João Manuel Casquinha Malaia. Revolução Vascaína: a


profissionalização do futebol e a inserção sócio-econômica de negros e portugueses
na cidade do Rio de Janeiro (1915-1934) São Paulo. 2010. 489 f. Tese (Doutorado
em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2010.

SANTOS, Myrian Sepúlveda dos. Sobre a autonomia das novas identidades


coletivas: alguns problemas teóricos. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São
Paulo, v. 13, n. 38, out. 1998. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script
=sci_arttext&pid=S0102-69091998000300010&lng=pt&nrm=iso>. Acessos em 10
jan. 2012. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69091998000300010.

______. O pesadelo da amnésia coletiva: um estudo sobre os conceitos de memória,


tradição e traços do passado. Cadernos de Sociomuseologia Centro de Estudos
de Sociomuseologia, América do Norte, v. 19, n. 19, 2002. Disponível em:
<http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/view/370>.
Acesso em: 11 Jan. 2012.

SARMENTO, Carlos Eduardo. A regra do jogo: uma história institucional da CBF.


Rio de Janeiro: CPDOC, 2006.

SENN, Alfred Erich. Power, politics and Olympic Games: a history of the power
brokers, events, and controversies that shaped the Games. Champaign: Human
Kinetics, 1999.

SEVCENKO, Nicolau. Orfeu extático na metrópole: São Paulo, sociedade e cultura


nos frementes anos 20. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

______. Futebol, metrópoles e desatinos. Revista USP – Dossiê Futebol, São


Paulo, n. 22, junho-julho-agosto, 1994, p. 30-37.

SILVA, Diana Mendes Machado da; NASCIMENTO, Paulo; GIGLIO, Sérgio Settani.
Revisitando o dom (Resenha). Recorde - Revista de História do Esporte, v. 3, p.
1-11, 2010.

SILVA, Haike Roselane Kleber da. Considerações e confusões em torno de história


oral, história de vida e biografia. Métis: história & cultura, Caxias do Sul, v. 1, n.1,
2002, p. 25-38.

SIMSON, Vyv; JENNINGS, Andrew. Os senhores dos anéis: poder, dinheiro e


drogas nas Olimpíadas Modernas. São Paulo: editora Best Seller, 1992.

SMIT, Barbara. Invasão de campo: Adidas, Puma e os bastidores do esporte


moderno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2007.
500

SOARES, Antonio Jorge G.; VAZ, Alexandre Fernandez. Esporte, globalização e


negócios: o Brasil dos dias de hoje. In: DEL PRIORE, Mary; MELO, Victor A. de
(orgs.). História do esporte no Brasil: do Império aos dias atuais. São Paulo:
Editora UNESP, 2009.

SUGDEN, John; TOMLINSON, Alan. FIFA and the contest for world football: Who
rules the peoples’ game? Cambridge: Polity Press, 1998.

SUPPO, Hugo. Reflexões sobre o lugar do esporte nas relações internacionais.


Contexto Internacional, Rio de Janeiro, v. 34, n.2, 2012, p. 397-433.

TAVARES, Otavio Guimarães. Esporte, movimento olímpico e democracia: o


atleta como mediador. 2003. 316 f. Tese (Doutorado em Educação Física) -
Programa de Pós-Graduação em Educação Física, Universidade Gama Filho, Rio de
Janeiro, 2003.

TAYLOR, Matthew. The Association Game: a history of british football. Londres:


Pearson/Longman, 2008.

The Official Report of the Games of the Xth Olympiad Los Angeles, 1932, p.
634.

The official report of the organising commitee for the XIV Olympiad, London
1948, p. 39

TOLEDO, Luiz Henrique de. Lógicas no futebol. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2002.

TOMLINSON, Alan. Sport and leisure cultures. Minneapolis: University of


Minnesota Press, 2005.

TONINI, Marcel Diego. Além dos gramados: história oral de vida de negros no
futebol brasileiro (1970-2010). 2011. 432 f. Dissertação (Mestrado em História
Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2011.

VIGARELLO, Georges. Estádios: o espetáculo esportivo das arquibancadas às telas.


In: CORBIN, Alain; COURTINE, Jean-Jacques; VIGARELLO, Georges. História do
Corpo – Mutações do olhar: o século XX. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 2009.

VOGEL, Arno. O momento feliz, reflexões sobre o futebol e o ethos nacional. In:
DAMATTA, Roberto (org.). Universo do futebol: esporte e sociedade brasileira. Rio
de Janeiro: Pinakotheke, 1982.

XVI Olympiad Melbourne 1956 (Oficial report), p. 23. The games of the XVI
Olympiad.

XVI Olympiad Melbourne 1956 (Oficial report), p. 37. Invitations to the Games.
501

WACQUANT, Loïc. Corpo e alma: notas etnográficas de um aprendiz de boxe. Rio


de Janeiro: Relume Dumará, 2002.

WISNIK, José Miguel. Veneno remédio: o futebol e o Brasil. São Paulo: Companhia
das Letras, 2008.

ZAINAGHI, Domingos Savio. Os atletas profissionais de futebol no direito do


trabalho. São Paulo. 1997. 452 f. Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia
Universidade de São Paulo, São Paulo, 1997.
502

Anexos
Carta de Baillet-Latour informa o retorno do futebol aos Jogos Olímpicos (1935)
503
504

Formulário de inscrição para os Jogos Olímpicos e declaração de amador


(1967)
505

Comitê Executivo da FIFA (2013)

1. The Executive Committee shall pass decisions on all cases that do not come
within the sphere of responsibility of the Congress or are not reserved for other
bodies by law or under these Statutes.
2. The Executive Committee shall meet at least twice a year.
3. The President shall convene the Executive Committee meetings. If at least
thirteen members of the Executive Committee request a meeting, the President
shall convene it.
4. The Executive Committee shall appoint the chairmen, deputy chairmen and
members of the standing committees.
5. The Executive Committee shall appoint the chairmen, deputy chairmen and
members of the judicial bodies.
6. The President shall compile the agenda. Each member of the Executive
Committee is entitled to propose items for inclusion in the agenda.
7. The Executive Committee may decide to set up ad-hoc committees
if necessary at any time.
8. The Executive Committee shall appoint the delegates from FIFA to IFAB.
9. The Executive Committee shall compile the regulations for the organisation of
standing committees and ad-hoc committees.
10. The Executive Committee shall appoint or dismiss the Secretary General on the
proposal of the President. The Secretary General shall attend the meetings of all
the committees ex officio.
11. The Executive Committee shall decide the place and dates of the final
competitions of FIFA tournaments and the number of teams taking part from
each Confederation.
12. The Executive Committee shall approve regulations stipulating how
FIFA shall be organised internally.

Nome Função País


Joseph S. Blatter Presidente Suíça
Julio H. Grondona Vice-presidente senior Argentina
Issa Hayatou Vice-presidente Camarões
Ángel María Villar LLona Vice-presidente Espanha
Michel Platini Vice-presidente França
David Chung Vice-presidente Papua Nova Guiné
H. R. H. Prince Ali Bin Vice-presidente Jordânia
Al Hussein
Jim Boyce Vice-presidente Irlanda do Norte
Jeffrey Webb Vice-presidente Ilhas Cayman
Michel D’Hooghe Membro Bélgica
Senes Erzik Membro Turquia
Worawi Makudi Membro Tailândia
Marios Lefkaritis Membro Chipre
Jacques Anouma Membro Costa do Marfim
Rafael Salguero Membro Guatemala
506

Hany Abo Rida Membro Egito


Vitaly Mutko Membro Rússia
Mohamed Raouraoua Membro Argélia
Theo Zwanziger Membro Alemanha
Marco Polo Del Nero Membro Brasil
Sunil Gulati Membro Estados Unidos
Eugenio Figueredo Membro Uruguai
Shk. Salman Bin Membro Barein
Ebrahim Al Khalifa
Zhang Jilong Membro China
Lydia Nsekera Membro Burundi
Moya Dodd Assuntos especiais Austrália
Sonia Bien Aime Assuntos especiais Ilhas Turcas e Caicos
Jérôme Valcke Secretário-Geral França
Fonte: Disponível em
<http://www.fifa.com/aboutfifa/organisation/bodies/excoandemergency/index.html>.
Acesso em 11 de setembro de 2013.

Comitê Executivo do COI (2013)

The Executive Board manages the affairs of the IOC. It:


 assumes the general overall responsibility for the administration of the IOC;
 monitors the observance of the Olympic Charter;
 approves the IOC's internal organisation, its organisation chart and all internal
regulations relating to its organisation;
 is responsible for the management of the IOC's finances and prepares an
annual report;
 presents a report to the Session on any proposed change of the Olympic
Charter, one of its Rules or bye-laws;
 submits, on proposal of the Nomination Commission, to the IOC Session the
names of the persons whom it recommends for election to the IOC;
 conducts the procedure for acceptance and selection of candidatures for the
organisation of the Olympic Games;
 establishes the agenda for the IOC Sessions;
 upon proposal from the President, it appoints the Director General;
 enacts, in the form it deems most appropriate, (codes, rulings, norms,
guidelines, guides, instructions) all regulations necessary to ensure the proper
implementation of the Olympic Charter and the organisation of the Olympic
Games;
 organises periodic meetings with the IFs and with the NOCs at least once
every two years;
 creates and allocates IOC honorary distinctions;
 performs all other duties assigned to it by the Session.
507

Nome Função País


Thomas Bach Presidente Alemanha
Nawal El Moutawakel Vice-presidente Marrocos
Craig Reedie Vice-presidente Grã-Bretanha
John Coates Vice-presidente Austrália
Sam Ramsamy Membro África do Sul
Gunilla Lindberg Membro Suécia
Ching-Kuo Wu Membro Taiwan
René Fasel Membro Suíça
Patrick Joseph Hickey Membro Irlanda
Claudia Bokel Membro Alemanha
Juan Antonio Samaranch Membro Espanha
Jr.
Sergey Bubka Membro Ucrânia
Willi Kaltschmitt Luján Membro Guatemala
Anita DeFrantz Membro Estados Unidos
Christophe De Kepper Administração – Diretor Não informado
Geral
Fonte: Disponível em <http://www.olympic.org/executive-board?tab=Role-and-
History> e <http://www.olympic.org/executive-board?tab=Composition>. Acesso em
11 de setembro de 2013.
508

Apêndice
Apêndice A: Termo de consentimento livre e esclarecido
Dados de identificação
Título do Projeto: MEMÓRIAS OLÍMPICAS POR ATLETAS OLÍMPICOS BRASILEIROS
Pesquisador Responsável: Profa. Dra. Katia Rubio
Instituição a que pertence o Pesquisador Responsável: EEFE-USP
Telefones para contato: (11) 30913181 - (11) 30913151 - (11) 91387466
Nome do voluntário:
______________________________________________________________________________
Idade: _____________ anosR.G. __________________________
Responsável legal (quando for o caso):
_______________________________________________________________
R.G. Responsável legal: _________________________

O Sr. (ª) está sendo convidado(a) a participar do projeto de pesquisa “MEMÓRIAS OLÍMPICAS POR
ATLETAS OLÍMPICOS BRASILEIROS, de responsabilidade da Profa. Dra. Katia Rubio.

O presente projeto tem como objetivo recuperar a memória dos atletas olímpicos que
representaram o Brasil em várias edições dos Jogos Olímpicos da Era Moderna e por meio dessas
histórias individuais discutir a formação da identidade do atleta, a importância desse ator social no
cenário brasileiro e o movimento de construção e manutenção do imaginário esportivo brasileiro.
Com o consentimento do atleta as entrevistas são registradas em vídeo e posteriormente
transcritas para análise.
A pesquisa não oferece risco ao participante e espera-se com essa pesquisa fazer um
levantamento das modalidades medalhistas, da trajetória de seus atletas no cenário nacional – e o
reconhecimento por parte da população de seus feitos – e analisar a política das Federações e
Confederações Esportivas naquilo que se refere à influência desse procedimento na formação de
novos atletas. Montar um banco de dados – em forma de imagem e de textos – com a memória do
esporte nacional e a partir desses dados construir uma Enciclopédia dos atletas olímpicos brasileiros.
As informações coletadas serão publicadas com o consentimento do participante.

Eu, __________________________________________, RG nº _____________________ declaro ter


sido informado e concordo em participar, como voluntário, do projeto de pesquisa acima descrito.

São Paulo, _____ de ____________ de _______

_________________________________
Nome e assinatura do participante

_________________________________
Testemunha

Informações relevantes ao pesquisador responsável:


Res. 196/96 – item IV.2: O termo de consentimento livre e esclarecido obedecerá aos seguintes
requisitos:
a) ser elaborado pelo pesquisador responsável, expressando o cumprimento de cada uma das exigências acima;
b) ser aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa que referenda a investigação;
c) ser assinado ou identificado por impressão dactiloscópica, por todos e cada um dos sujeitos da pesquisa ou por
seus representantes legais; e
d) ser elaborado em duas vias, sendo uma retida pelo sujeito da pesquisa ou por seu representante legal e uma
arquivada pelo pesquisador.
509

Apêndice B: Entrevistados do futebol masculino pelo Projeto


Memórias Olímpicas por Atletas Olímpicos
1936 - Jogos Olímpicos de Berlim | 1952 Jogos Olímpicos de Helsinque [1 entrevistado]

Local de Idade (na Utilizada


Atleta Entrevistado por Duração
realização entrevista) na tese?

Jean-Marie Faustin Katia Rubio e Sérgio Rio de


3h30 95 anos x
Goedefroid de Havelange Settani Giglio Janeiro

1952 - Jogos Olímpicos de Helsinque [3 entrevistados]

Atleta Entrevistado por Duração Local de Idade (na Utilizada

realização entrevista) na tese?

Evaristo de Macedo Katia Rubio 41m15 Rio de 78 anos

Janeiro

Carlos Alberto Martins Sérgio Settani Giglio 3h16 Rio de 79 anos x


Cavalheiro Janeiro

Larry Pinto de Faria Marcio Antonio 1h22 Porto 80 anos

Tralci Filho e Alegre

Eduardo de Oliveira

Cruz Carlassara

1960 - Jogos Olímpicos de Roma [7 entrevistados]

Atleta Entrevistado por Duração Local de Idade (na Utilizada

realização entrevista) na tese?

Gérson de Oliveira Nunes Rafael Campos 1h Rio de 70 anos

Veloso Janeiro

Carlos Alberto Martins Sérgio Settani Giglio 3h16 Rio de 79 anos x


Cavalheiro Janeiro

Edmar Japiassu Maia Sérgio Settani Giglio 53m41 Rio de 70 anos x


510

Janeiro

Dércio Gil Sérgio Settani Giglio 1h38 São 73 anos

e Carlos Rey Perez Bernardo

do Campo

Francisco de Castro Rafael Campos 1h27 Rio de 71 anos

Gonçalves (Chiquinho) Veloso Janeiro

Ivan Brondi de Carvalho Gabriela Gonçalves 47h54 Recife 71 anos

Paulo Ferreira de Katia Rubio 29m40 Piracicaba 73 anos

Camargo Filho

1964 - Jogos Olímpicos de Tóquio [8 entrevistados]

Atleta Entrevistado por Duração Local de Idade (na Utilizada

realização entrevista) na tese?

Ademar Francisco Sérgio Settani Giglio 31m36 São Paulo 66 anos

Caravetti

Roberto Lopes Miranda Sérgio Settani Giglio 44m29 Rio de 68 anos

Janeiro

Humberto André Rêdes Sérgio Settani Giglio 2h07 Rio de 66 anos x


Filho Janeiro

Hélio Dias de Oliveira Neilton Sousa 44m23 Praia 70 anos

Ferreira Junior Grande

José Roberto Marques Carlos Rey Perez 20m04 Serra 67 anos

Negra

Maurício Pereira Barros – Luciana Tabarini 1h03 Rio de 69 anos

Mura Janeiro

Othon Valentim Filho Luciana Tabarini 1h16 Rio de 70 anos

Janeiro

Elizeu Antonio Ferreira Gabriela Gonçalves 28m50 Salvador 68 anos


511

Vinagre Godoy

1968 - Jogos Olímpicos do México [9 entrevistados]

Atleta Entrevistado por Duração Local de Idade (na Utilizada

realização entrevista) na tese?

Hamilton Chance Rubio Sérgio Settani Giglio 52m28 São 62 anos x


Bernardo

do Campo

Daniel Euclides Moreno Sérgio Settani Giglio 50m47 São José 62 anos

dos

Campos

Lauro de Mello Sérgio Settani Giglio 55m19 São Paulo 64 anos

Ademir Ueta (China) Sérgio Settani Giglio 2h05 São Paulo 62 anos

Manoel Maria Barbosa Sérgio Settani Giglio 44m11 Santos 63 anos

dos Santos e Lucas Oliveira

Miguel Ferreira de Sérgio Settani Giglio 1h00 Rio de 62 anos

Almeida Janeiro

Sebastião Carlos Silva Sérgio Settani Giglio 2h08 São Paulo 63 anos

(Tião) e Carlos Rey Perez

Arnaldo de Mattos Sérgio Settani Giglio 1h20 São Paulo 65 anos

e Carlos Rey Perez

Antônio Pedro de Jesus Carlos Rey Perez 57m16 São Paulo 66 anos

(Toninho)

1972 - Jogos Olímpicos de Munique [10 entrevistados]

Atleta Entrevistado por Duração Local de Idade (na Utilizada

realização entrevista) na tese?

Carlos Roberto de Katia Rubio 19m14 Rio de 57 anos


512

Oliveira (Roberto Janeiro

Dinamite)

Jorge Osmar Guarnelli Sérgio Settani Giglio 58m13 Rio de 59 anos x


Janeiro

Roberto Vagner Chinoca Sérgio Settani Giglio 52m36 São Paulo 62 anos

e Carlos Rey Perez

Abel Carlos da Silva Katia Rubio 31m06 Rio de 61 anos

Braga Janeiro

Bolívar Modualdo Guedes Ricardo André 1h02 Santa Cruz 58 anos

Richter do Sul-RS

Frederico Rodrigues de Katia Rubio 1h35 Rio de 63 anos

Oliveira Janeiro

Rubens Márcio Cordeiro Neilton Sousa 14m40 Rio de 60 anos

Galaxe Ferreira Junior Janeiro

Nielsen Elias Katia Rubio 1h10 Rio de 60 anos

Janeiro

Pedro Antônio Simeão Katia Rubio 1h35 Porto 59 anos

(Pedrinho Gaúcho) Alegre

Vitor de Paula Oliveira Luciana Ferreira 59h38 Fortuna de 59 anos

Braga Angelo Minas-MG

1976 - Jogos Olímpicos de Montreal [12 entrevistados]

Atleta Entrevistado por Duração Local de Idade (na Utilizada

realização entrevista) na tese?

Edinho Nazareth Filho Neilton Sousa 51m51 Rio de 55 anos

Ferreira Junior e Janeiro

Rafael Campos

Veloso

Leovegildo Lins da Gama Paulo Henrique do 1h11 Rio de 56 anos


513

Junior Nascimento Janeiro

Carlos Roberto Rocha Sérgio Settani Giglio 2h03 Campinas 55 anos x


Gallo

Júlio César da Silva Sérgio Settani Giglio 49m49 Rio de 55 anos

Gurjol Janeiro

Rosemiro Correia de Sérgio Settani Giglio 1h34 São Paulo 57 anos

Souza

Francisco Fraga da Silva Eduardo de Oliveira 49m07 Porto 58 anos

(Chico Fraga) Cruz Carlassara Alegre

Erivelto Martins Luciana Ferreira 47m36 Montes 58 anos

Angelo Claros-MG

Jarbas Tomazoli Nuñes Katia Rubio 31m35 Brasília 55 anos

Eudes Lacerda Medeiros Luciana Ferreira 38m49 Lorena-SP 58 anos

Angelo e Júlia

Amato

Edval Therezino Costa Luciana Tabarini 11m55 Rio de 59 anos

Janeiro

Roberto Franqueira Rafael Campos 39m13 São 61 anos

(Tecão) Veloso Caetano

João Batista da Silva Luciana Ferreira 1h31 Porto 58 anos

(Batista) Angelo Alegre

1984 - Jogos Olímpicos de Los Angeles [10 entrevistados]

Atleta Entrevistado por Duração Local de Idade (na Utilizada

realização entrevista) na tese?

Antônio José Gil (Tonho) Katia Rubio 25m21 Porto 45 anos

Alegre

Gilmar Luís Rinaldi Sérgio Settani Giglio 44m19 São Paulo 52 anos
514

e Paulo Henrique do

Nascimento

Mauro Geraldo Galvão Katia Rubio 46m27 Porto 41 anos

Alegre

Milton Cruz Sérgio Settani Giglio 54m28 São Paulo 54 anos

e Paulo Henrique do

Nascimento

Augilmar Silva de Oliveira Sérgio Settani Giglio 1h37 Rio de 46 anos x


(Gilmar Popoca) Janeiro

Davi Cortes Silva Sérgio Settani Giglio 1h10 Santos 48 anos

Francisco Carlos Martins Luciana Ferreira 1h22 Campinas 50 anos

Vidal (Chicão) Angelo e Júlia

Amato

Ronaldo Moraes da Silva Carlos Rey Perez 42m02 Guarulhos 51 anos

João Leithardt Neto (Kita) Katia Rubio 44m27 Passo 55 anos

Fundo

Luís Carlos Coelho Winck Katia Rubio 19m25 Passo 50 anos

Fundo

1988 - Jogos Olímpicos de Seul [10 entrevistados]

Atleta Entrevistado por Duraçã Local de Idade (na Utilizada

o realização entrevista) na tese?

Jorge Luiz Andrade da Katia Rubio e Rafael 26m37 Rio de 54 anos

Silva Campos Veloso Janeiro

José Ferreira Neto Sérgio Settani Giglio, 1h40 São Paulo 44 anos x
Paulo Henrique do

Nascimento, Enrico

Spaggiari, Max Filipe


515

Nigro Rocha e Ana

Carolina Oettinger

Guariento

José Roberto Gama de Katia Rubio 24m51 Rio de 39 anos

Oliveira (Bebeto) Janeiro

Edmar Bernardes dos Sérgio Settani Giglio 1h19 Campinas 51 anos

Santos

Sérgio Luís Donizetti Sérgio Settani Giglio 49m18 Campinas 47 anos

(João Paulo) e Marcel Diego

Tonini

André Alves da Cruz Sérgio Settani Giglio 1h23 Americana 43 anos

e Marcel Diego

Tonini

Romário de Souza Faria Katia Rubio 59m30 Brasília 46 anos

João Batista Viana Luciana Ferreira 39m14 Belo 51 anos

Santos Angelo e Júlia Amato Horizonte

Iomar do Nascimento Claudia Graner 43m06 Barcelona 47 anos

(Mazinho)

Luís Carlos Coelho Katia Rubio 19m25 Passo 50 anos

Winck Fundo

1996 - Jogos Olímpicos de Atlanta [10 entrevistados]

Atleta Entrevistado por Duração Local de Idade (na Utilizada

realização entrevista) na tese?

Luiz Carlos Bombonato Sérgio Settani Giglio 36m21 São Paulo 35 anos

Goulart (Luizão) e Paulo Henrique do

Nascimento

Narciso dos Santos Sérgio Settani Giglio 46m14 São Paulo 37 anos
516

José Roberto Gama de Katia Rubio 24m51 Rio de 39 anos

Oliveira (Bebeto) Janeiro

José Elias Moedin Júnior Sérgio Settani Giglio 1h10 São Paulo 36 anos

(Zé Elias)

Oswaldo Giroldo Júnior Sérgio Settani Giglio 49m26 Itu 39 anos

(Juninho Paulista)

Ronaldo Guiaro Carlos Rey Perez 41h30 Piracicaba 39 anos

José Marcelo Ferreira (Zé Sérgio Settani Giglio 1h59 São Paulo 39 anos

Maria) e Marcel Diego

Tonini

Danrlei de Deus Katia Rubio 1h Porto 40 anos

Hinterholz Alegre

Marcelo José de Souza Luciana Ferreira 48m11 Campinas 40 anos

(Marcelinho Paulista) Angelo

Flávio da Conceição Júlia Amato 27m41 Americana 40 anos

2000 - Jogos Olímpicos de Sidney [7 entrevistados]

Atleta Entrevistado por Duração Local de Idade (na Utilizada

realização entrevista) na tese?

Athirson Mazolli e Paulo Henrique do 46m42 Rio de 34 anos

Oliveira Nascimento Janeiro

Geovanni Deiberson Gabriela Gonçalves 23m20 Bahia 31 anos

Maurício Gomez

Dermival Almeida Lima Sérgio Settani Giglio 1h28 Jarinu 33 anos

e Marcel Diego

Tonini

Fabiano Pereira da Costa Carlos Rey Perez 1h02 São Paulo 35 anos

Luiz Eduardo Schmidt Carlos Rey Perez 1h15 São Paulo 33 anos
517

Alexsandro de Souza Katia Rubio 30m11 Curitiba 35 anos

Fábio Aurélio Rodrigues Luciana Ferreira 1h10 Porto 34 anos

Angelo Alegre

2008 - Jogos Olímpicos de Pequim [5 entrevistados]

Atleta Entrevistado por Duração Local de Idade (na Utilizada

realização entrevista) na tese?

Renan Brito Katia Rubio 15m16 Porto 26 anos

Alegre

Ilson Pereira Dias Junior Katia Rubio 15m39 Porto 26 anos

Alegre

João Alves de Assis Silva Katia Rubio 13m28 Porto 24 anos

(Jô) Alegre

Rafael Augusto Sóbis Luciana Tabarini 18m Rio de 28 anos

Janeiro

Thiago Neves Augusto Luciana Tabarini 40m40 Rio de 28 anos

Janeiro
518

Apêndice C: Tabela dos quatro primeiros colocados em cada


edição olímpica do futebol masculino
Edição Medalha de Medalha de Medalha de 4º colocado
ouro prata bronze
1896 - Atenas Não houve futebol
1900 - Paris Grã-Bretanha França Bélgica
(exibição)
1904 - Saint Louis Canadá EUA 1 EUA 2
(exibição)
1908 - Londres Grã-Bretanha Dinamarca Holanda Suécia
1912 - Estocolmo Grã-Bretanha Dinamarca Holanda Finlândia
1920 - Antuérpia Bélgica Espanha Holanda França
1924 - Paris Uruguai Suíça Suécia Holanda
1928 - Amsterdã Uruguai Argentina Itália Egito
1932 - Los Não houve futebol
Angeles
1936 - Berlim Itália Áustria Noruega Polônia
1948 - Londres Suécia Iugoslávia Dinamarca Grã-Bretanha
1952 - Helsinque Hungria Iugoslávia Suécia Alemanha
1956 - Melbourne União Soviética Iugoslávia Bulgária Índia
1960 - Roma Iugoslávia Dinamarca Hungria Itália
1964 - Tóquio Hungria Tchecoslováquia Alemanha Egito
Oriental
1968 - México Hungria Bulgária Japão México
1972 - Munique Polônia Hungria União Soviética Alemanha
Oriental
1976 - Montreal Alemanha Polônia União Soviética Brasil
Oriental
1980 - Moscou Tchecoslováquia Alemanha União Soviética Iugoslávia
Oriental
1984 - Los França Brasil Iugoslávia Itália
Angeles
1988 - Seul União Soviética Brasil Alemanha Itália
Ocidental
1992 - Barcelona Espanha Polônia Gana Austrália
1996 - Atlanta Nigéria Argentina Brasil Portugal
2000 - Sydney Camarões Espanha Chile EUA
2004 - Atenas Argentina Paraguai Itália Iraque
2008 - Pequim Argentina Nigéria Brasil Bélgica
2012 - Londres México Brasil Coreia do Sul Japão
Fonte: COI e FIFA.

Você também pode gostar