Crise Caplan Ler PDF
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Aline Frollini Lunardelli Lara
Universidade de Mogi das Cruzes - SP
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A Produção do Conhecimento Psicológico-Psiquiátrico em Saúde Mental...
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Certos indivíduos podem ter uma posição tão afortunada ou antecedentes tão
privilegiados que, mesmo sem o nosso programa, não cairiam doentes. Outros
indivíduos podem ser tão desfavorecidos por sua situação idiossincrática que
nenhuma melhoria do quadro comunitário geral seria suficiente para impedir que
eles adoeçam. (p. 44, grifos nossos)
Quanto mais rica for sua herança cultural, mais complexos serão os problemas que
a pessoa terá provavelmente sido ensinada a dominar. Quanto mais estável for sua
sociedade, mais provável é que esta a tenha dotado de instrumentos perceptivos,
recursos para resolver problemas e todo um conjunto de valores que a guiem
sempre que tenha de enfrentar as dificuldades da vida. Por outro lado, sociedades
em transição – e isto aplica-se a muitas em nossa era atual de rápida transformação
tecnológica – têm escassas probabilidades de desenvolver métodos bem-ensaiados
para lidar com novos problemas com que um indivíduo se defronte, e este ver-se-á
obrigado a confiar mais em seus próprios recursos. (p. 47)
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métodos das ciências naturais, como a Psiquiatria, que foi perdendo o lugar
de sua especificidade.
O modelo de atuação da Psiquiatria preventiva foi, então, adaptado,
principalmente, da Sociologia. O próprio conceito de unidade biopsicossoci-
al teve esta origem. Os indivíduos passaram a ser analisados a partir desta
síntese que deveria se constituir de forma harmoniosa, determinando que a
saúde estaria relacionada à adaptação das dimensões biológica, psicológica e
social.
A idéia de prevenção da Psiquiatria preventiva é de inspiração nitidamente
sociológica. Foi porque a Psiquiatria tomou emprestado à sociologia o critério
adaptação-desadaptação, como meio de avaliação do comportamento normal e
patológico, que a idéia de prevenção tornou-se possível. Todavia, para que o
conceito sociológico se tornasse compatível com o conceito psicológico, também
contido na noção de unidade biopsicossocial, este último teve que sofrer reduções e
mutilações até se conformar completamente ao primeiro. (Costa, 1989b, p. 30,
itálico original)
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Neste trecho, verifica-se de forma clara e nada sutil qual seria a finali-
dade última do autor caso a Psiquiatria estivesse de posse de tais conheci-
mentos para sanar as doenças mentais da população. Parece que estamos
diante de questões apresentadas por psiquiatras do final do século XIX e
início do século XX, analisadas por Schwarcz (2002).
A autora apresenta, no capítulo referente às Faculdades de Medicina
do país do início do século XX, a expectativa da Psiquiatria em regenerar a
sociedade brasileira, por meio de uma depuração racial, utilizando-se de
programas eugênicos. A doença mental, vista como um problema social,
deveria ser tratada pelos médicos. Assim, a Medicina passa a ter um impor-
tante papel político (entendido como exercício de poder numa sociedade
dividida, desigual e injusta) no cenário brasileiro.
Naquela época, de acordo com Schwarcz (2002), havia a associação
linear entre a doença mental, a pobreza e a criminalidade. Além disso, como
ressaltado na introdução deste dossiê, os negros e mestiços eram sempre os
portadores das características presentes nos distúrbios mentais. A solução?
Regenerar a população, eliminando os degenerados:
Assim para a melhoria da raça poderia ser vantajoso cruzar com extranhos normaes
os individuos francamente mestiços e degenerados quando haja esperança de
regeneração da prole por esse meio; mas para os profundamente degenerados
melhor seria deixa-los reproduzir entre si e extinguir-se a mesquinha geração por
esterilidade e mortandade precoce resultante da progressiva decadencia. Dessa
relação natural grande proveito resultaria para as famílias possuidoras de boas
qualidades, as quaes se perpetuariam entre si, livres dos germes dos males que lhes
innocularia a fatal mistura dos abastardados. Lucraria a espécie... (Gazeta Médica
da Bahia, 1925, p. 161, citado por Schwarcz, 2002, p. 216)
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O conceito de ideologia, por sua vez, tal como proposto pelo materia-
lismo histórico, possibilita uma crítica ao texto de Caplan. Segundo Chauí
(2001a), o discurso ideológico é uma representação imaginária do real, que
ocorre por meio dos princípios de abstração e inversão, no qual as contradi-
ções não são explicitadas. Quais as lacunas existentes no texto em questão?
A princípio, observa-se que ele transmite a idéia de que os indivíduos
são os únicos responsáveis por sua condição de saúde ou doença e nascem
inseridos em uma determinada classe social, porque naturalmente deve ser
assim, como afirma o autor, ao falar sobre as condições de vulnerabilidade
às quais estão submetidos alguns indivíduos.
Há duas questões a serem consideradas neste trecho. Em primeiro lu-
gar, fatores como idade e sexo são tidos como equivalentes à classe socioe-
conômica, são inerentes ao indivíduo. Ou seja, a classe socioeconômica é
dada com o nascimento, faz parte da constituição individual. A segunda
questão diz respeito à idéia de destino e de imutabilidade da condição social.
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vel por sua condição crítica. Logo, o sujeito deve ser tratado e deve acreditar
que ele é o seu pior agente patológico. O médico é sua possibilidade de cura.
O doente deve ser submisso ao médico, mesmo porque, o “doutor” tem co-
nhecimentos que ele não possui.
É o conhecimento científico a serviço da legitimação da impossibili-
dade de humanização dos indivíduos. É a justificativa dos motivos pelos
quais a maioria das pessoas deve ocupar uma posição desprivilegiada na
sociedade de classes. É preciso compreender, então, como a ciência se cons-
titui no discurso capaz de determinar o lugar dos indivíduos na sociedade
capitalista.
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Abstract: This paper discusses the relation between ideology and the
knowledge produced by psychiatry, for the purpose of uncover what is
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Referências
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