Octávio Paz - A Revolta Do Futuro

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A revolta do futuro

“Há tantas ‘modernidades’ quanto épocas históricas. No entanto, nenhuma sociedade


nem época alguma chamou a si mesma de moderna – exceto a nossa.
“Toda sociedade se assenta em um nome, verdadeira pedra angular; e em cada nome a
sociedade não apenas se define, mas também se afirma diante das outras. O nome divide o
mundo em dois: cristãos-pagãos, mulçumanos-infiéis, civilizados-bárbaros. Nossa sociedade
também divide o mundo em dois: o moderno e o antigo. – Ali assume a forma de oposição
entre o moderno e o tradicional.” p. 31
“Não é a primeira vez que uma civilização impõe suas ideais e instituições a outros
povos, mas é a primeira que, em vez e propor um principio atemporal, postula como ideal
universal o tempo e suas mudanças.” p. 31
“A época moderna começa no momento em que o homem se atreva a realizar um ato
que teria feito Dante e Farinata tremerem e rirem ao mesmo tempo: abrir as portas do futuro.”
p. 34.
“A modernidade é um conceito exclusivamente ocidental e não aparece em nenhuma
outra civilização. [...] outras civilizações vê o tempo de forma cíclica. A sociedade cristã
medieval imagina o tempo histórico como um processo finito, sucessivo e irreversível. No
tempo finito da história, no agora, o homem põe em jogo sua vida eterna. É claro que a ideia
de modernidade só podia nascer dentro dessa concepção de um tempo sucessivo e
irreversível; é claro, também, que só podia nascer como crítica à eternidade cristã.” p. 34
“A dupla herança do monoteísmo judaico e a filosofia pagã constituem a dicotomia
cristã. A ideia grega do ser – em qualquer de suas versões, dos pré-socraticos aos epicuristas,
estoicos e neoplatônicos – é irredutível à ideia judaica de um Deus único, pessoal e criador do
universo.” p. 35
“A modernidade é consequência dessa contradição e, de certo modo, sua resolução
num sentido oposto ao da escolástica. Morto de Deus” p. 36
“A modernidade tem início quando a consciência da oposição entre Deus e Ser, razão
e revelação, se mostra realmente insolúvel. Entre nós a razão cresce às expensas da divindade.
Deus é o Um, só tolera a alteridade e a heterogeneidade como pecados de não-ser; a razão
tende a se separar de si mesma: toda vez que se examina, ela se cinde; toda vez que se
contempla, vê outra si mesma. A razão aspira à unidade, mas, ao contrário da divindade, não
se apoia nela nem se identifica com ela. A trindade, que é uma evidencia divina, constitui um
mistério impenetrável para a razão. Se a unidade reflete, torna-se outra: vê a si mesma como
alteridade. Ao se fundir com a razão, o Ocidente condenou-se a ser sempre outro, a negar a si
mesmo para se perpetuar.” p. 36.
“Nos grandes sistemas metafísicos que a modernidade elabora em seus primórdios, a
razão aparece como um princípio suficiente: idêntica a si mesma, nada a funda a não ser ela
mesma; portanto, é o fundamento do mundo. Mas esses sistemas são logo substituídos por
outros nos quais a razão é sobretudo crítica. Voltada para si mesma, a razão deixa de ser
criadora de sistemas; ao se examinar, traça seus limites, julga-se, e ao se julgar, consuma sua
autodestruição como princípio reitor. A razão crítica é nosso princípio reitor. A razão crítica
acentua, por seu próprio rigor, sua temporalidade, sua possibilidade sempre iminentes de
mudança e variação. A modernidade é sinônimo de crítica e se identifica com a mudança; não
é afirmação de um princípio atemporal, mas desdobramento da razão crítica que
incessantemente se questiona. Somos regidos pela alteridade e pela contradição, a crítica em
suas vertiginosas manifestações. No passado, a crítica tinha o objetivo de chegar à verdade; na
idade moderna, a verdade é crítica. O princípio que fundamenta nosso tempo não é uma
verdade eterna, mas a verdade da mudança.” p. 36.-37.
“A contradição da sociedade cristã foi a oposição entre razão e revelação [...] a
contradição da idade moderna se manifesta em todas essas tentativas de construir sistemas que
tenham a solidez das antigas religiões e filosofias, porém sejam baseados não num princípio
atemporal, mas no princípio da mudança.” p. 37
“Se a modernidade é a cisão da sociedade cristã e se a razão crítica, é uma permanente
cisão de si mesma, como curar-nos da cisão sem negar a nós mesmos e negar nosso
fundamento?” p. 37 “Na idade moderna, apela para um paradoxo: transforma a negação na
ponte de união entre os termos, mas a dialética só dissolve as contradições para que elas
renasçam imediatamente” p. 37-38
“A modernidade é uma separação, afasta-se de algo, desunir-se. A modernidade
começa como um desprendimento da sociedade cristã. Fiel à sua origem, é uma ruptura
contínua, um incessante separar-se de si mesma; cada geração repete o ato original que nos
funda, e essa repetição é ao mesmo tempo nossa negação e nossa renovação. A separação nos
une ao movimento original de nossa sociedade e a desunião nos lança ao encontro de nós
mesmos. Buscamos a nós mesmos na alteridade, nela nos encontramos e, depois de nos
confundirmos com esse outro que inventamos e que não passa de um reflexo nosso,
rapidamente nos separamos desse fantasma, deixando-o para trás, e corremos de novo em
busca de nós mesmos, atrás de nossa sombra. Um contínuo ir em frente, sempre em frente e a
isso chamamos: progresso.” p. 38.
“Nossa ideia do tempo como mudança contínua não é apenas uma ruptura do
arquétipo medieval cristão, mas também uma nova combinação de seus elementos. O tempo
finito do cristianismo se transforma no tempo quase infinito da evolução natural e da história,
mas conserva duas de suas propriedades constitutivas. A primeira é ser irreproduzível e
sucessivo. A modernidade nega o tempo cíclico. O segundo elemento – a perfeição
consubstancial à eternidade – transformou-se em atributo da história. Assim se avaliou pela
primeira vez a mudança: os seres e as coisas não atingem sua perfeição, sua plena realidade,
no outro tempo do outro mundo, e sim no tempo daqui – um tempo que não é um presente
eterno, mas fugaz. A história é nosso caminho de perfeição.” p. 39.

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