A Floresta de Cristal
A Floresta de Cristal
A Floresta de Cristal
- Para poder vê-los, é necessário inalar o pó da yakoanahi “muitas e muitas vezes”. É como o processo
de alfabetização dos brancos. Aprendendo a ver os espíritos, “as imagens dos animais da floresta”, e a
ouvir suas palavras, “são elas que aumentam nossos pensamentos”, “que nos fazem ver e conhecer as
coisas de longe, as coisas dos antigos. É o nosso estudo, o que nos ensina a sonhar.”
- Os xamãs são os únicos seres que mantém as características do tempo anterior a separação entre
humanos e animais (o mito): o poder de mutação inter-específica.
- Os xapiripë “são formas espectrais, isto é, imagens” – compartilham da condição fantasmal dos
mortos.
- Se eles são normalmente invisíveis para os “homens comuns”, no contexto da alucinação xamânica
eles são “supremamente visíveis, e visíveis em sua forma humana verdadeira).
- Os xapiri são imagens “não-icônicas” e “não-visíveis”: eles indexam características daquilo que são
a imagem, sem parecerem com aquilo: são índices, não ícones.
Você tem que se tornar um xapiri para ver os xapiri. Tem que ser olhado para olhar.
Os “espíritos” são um modo ou grau de vibração acima ou abaixo dos limites de percepção do olho
humano nu, o olho não investido pela droga alucinógena.
A FLORESTA DE CRISTAL_
Tentarei me explicar: nesse texto, entre outras coisas, Viveiros de Castro tenta definir o que seriam
os “humanos, animais e espíritos” dentro de uma ontologia dos povos amazônicos. Esses três
conceitos não se referem a três classes de sujeitos, ou a três espécies; elas se referem, melhor
dizendo, a um tipo de experiência ou relação. Vejamos como EVC define o espírito:
“Um espírito, na Amazônia indígena, é menos assim uma coisa que uma
imagem, menos uma espécie que uma experiência, menos um termo que
uma relação, menos um objeto que um evento, menos uma figura
representativa transcendente que um signo do fundo universal imanente –
o fundo que vem à tona no xamanismo, no sonho e na alucinação, quando
o humano e o não-humano, o visível e o invisível trocam de lugar.”
De certa forma, O conceito de xapiri fala de uma “região ou momento de indiscernibilidade entre o
humano e o não-humano”. O xapiri não é uma coisa, mas uma imagem, um espectro. Normalmente os
xapiri são invisíveis para olhos comuns, ou para brancos com o “pensamento esfumaçado”, por
estarem em um “modo” ou “grau de vibração” acima ou abaixo do exercício empírico da visão. Por
isso o recurso, no contexto yanomami, a yãkoana (transe) e ao sonho como “próteses visuais” ou
“instrumentos de tecnologia xamânica”, pois eles auxiliam na “desterritorialização do olhar”, isto é,
na busca da “experiência perceptiva da intensidade luminosa” – não é à toa a busca por intensidades
luminosas nas fotografias de Sonhos, como notamos.
Como diz Kopenawa, para poder ver os xapiri, é necessário inalar o pó da yãkoana “muitas e muitas
vezes”. Essa experiência de transe precisa ser lida como algo intrinsicamente ligado ao conhecimento
e aprendizagem yanomami. É aprendendo a ver os espíritos, que consegue-se ouvir suas palavras, e
“são elas que aumentam nossos pensamentos”, “que nos fazem ver e conhecer as coisas de longe, as
coisas dos antigos. É o nosso estudo, o que nos ensina a sonhar.”