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ISBN 978-85-89082-23-5

Por que ensinar Matemática na escola ?12


Amélia Pires Palermo3

Quando se faz uma pergunta é porque se espera uma resposta. Se formos bem
honestos, esperamos uma resposta aberta, isto é, uma resposta que expresse o modo de
pensar daquele a quem foi dirigida a pergunta e não uma resposta que venha responder a
expectativa de quem pergunta.
A pergunta feita é por que ensinar Matemática na Escola?
Se tentássemos responder pelo raciocínio do absurdo por que não eliminar a
Matemática da Escola?
Continuemos neste raciocínio - o que a Escola ganharia sem a Matemática?
Um alívio! Muitas tensões acabariam e não apareceria o bloqueio com relação a
ela porque simplesmente não existiria.
O que a Escola ganharia com o ensino da Matemática?
Antes de entrar no assunto, ou melhor, de tentar dar resposta, quero fazer duas
colocações iniciais.
1ª. Não sou professora de Matemática - sou educadora, portanto, a principio achei de
minha parte uma temeridade falar sobre o ensino da Matemática para mestres da
Matemática.
Entretanto, a coragem me veio depois de ler o livro Contestação - nova forma de
ensino, de Neil Postman e Charles Weingartner, da Editora Expressão e Cultura.
Neste livro os autores afirmam que não são pedagogos e que, para falarem de
educação, eles fizeram questão de não conversar com especialistas da área e nem
recorrer a livros de Pedagogia.

1
Este texto foi apresentado em uma conversa com os alunos do mestrado em Ensino de Matemática da
UNESP - Rio Claro.
2
Digitalizado por Analucia Castro Pimenta de Souza, Célia Barros Nunes, Fernanda Menino e Tatiane da
Cunha Putti, alunas do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Estadual
Paulista, campus de Rio Claro.
3
Diretora da Escola Comunitária de Campinas.

Bolema, Rio Claro – SP, v. 3, n. 4, 1988


ISBN 978-85-89082-23-5

Consultaram sim autores românticos, pensadores corajosos e homens que


tentaram abordar problemas contemporâneos, e terminam esta parte, que serve de
introdução do livro, dizendo que nenhum dos autores consultados é considerado um
"educador". Este aspecto, o de não consultar pessoas credenciadas no assunto, dizem
eles, os autores do livro citado, "é extremamente importante, visto que releva uma
outra de nossas preocupações críticas: a de que, dentro do "Estabelecimento
Educacional", há insuficientes ideias vigorosas e audaciosas que sirvam de alicerce a
um novo critério de educação". "Devemos recorrer aos homens cujos livros raramente
seriam usados - nem mesmo lembrados nos cursos de educação e que não figuram nas
bibliotecas na seção de 'Educação'".
Não comungo totalmente das ideias do livro, porém acho que muitas vezes um
leigo, porque não está viciado naquele caminho, descobre “coisas” que nos passam
desapercebidas pelos especialistas das áreas.
Não sou romântica, não sou pensadora corajosa, sou apenas alguém que não
sendo especialista na Matemática tenta, como educadora, refletir sobre as atitudes,
comportamentos dos professores e alunos de matemática.

2a. Colocação. Todo o conhecimento escolar está apoiado sobre quatro blocos do
conhecimento:
- Comunicação e Expressão (oral, escrita, artística, corporal)
- Matemática
- Estudos Sociais
- Ciências Naturais, Físicas, Químicas e Biológicas.

Cada um destes blocos tem a sua função específica dentro da Escola. Retirando-
se qualquer um deles, a largura torna-se muito grande, não só com relação ao
conhecimento, como a complementação do ser como pessoa.
Feitas estas duas considerações iniciais, penso que posso voltar à nossa reflexão
anterior - o que a Escola ganharia com a inclusão da Matemática no seu currículo?
Para dar uma resposta mais completa, preciso também falar sobre duas
concepções de Escola:
- Instituição que tem por principal função transmitir conhecimento;
- Instituição preocupada em ajudar o aluno a desenvolver o seu potencial

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intelectual, a ensinar o aluno a pensar, em fazê-lo descobrir caminhos de mudanças ou


de transformações da sociedade em que vive.
Na 1ª concepção de Escola - Instituição que tem por principal função
transmitir conhecimento - a Matemática é importante, na minha concepção, e talvez
vocês, como matemáticos, descubram ainda muito mais vantagens do que eu:
- a aquisição de certos conceitos
- a aquisição de uma linguagem própria da Matemática
- aquisição de trabalho para quase todas as outras áreas, principalmente física,
química, biológica
- Base para toda tecnologia.
Mesmo nesta visão de Escola, o ensino da Matemática está resgatado.
2ª Concepção de Escola - Escola, instituição preocupada em ajudar o aluno a
desenvolver o seu potencial intelectual a ensinar o aluno a pensar.
Para mim, o ensino da Matemática é muito mais importante nesta 2ª visão de
Escola.
Enquanto na concepção anterior de Escola, o conteúdo era importante, neste
outro caso, além do conteúdo, entram outros elementos muito mais importantes.
Também me refiro aqui aos outros 3 blocos de áreas.
Cada bloco fornece uma contribuição específica muito significativa, além do
conteúdo próprio, no seu conjunto, para o desenvolvimento do ser humano.
Se eliminássemos um desses blocos, estaríamos limitando esse mesmo
desenvolvimento, porque todos eles entram para dar uma formação básica ao
indivíduo. Todos eles têm a sua parcela muito importante no sentido de promover o
crescimento do potencial intelectual dos alunos e na sua postura frente aos fatos, as
situações e acontecimentos do dia-a-dia. Isto pode nos parecer óbvio, porém, não é
tanto assim. Geralmente, as pessoas consideram importante estes blocos de áreas,
porém, só como conteúdos importantes a serem passados de geração a geração.
Gostaria de colocar alguns pontos para a nossa reflexão.
Se Matemática pode e ajuda o aluno a aprender a pensar, como transformá-la
em instrumento de maior ajuda ou de maior eficiência no desenvolvimento do
potencial intelectual do aluno?

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Dentro dos blocos das quatro áreas parece-me que o da Matemática é o mais
lógico.
Podemos, justamente por isso, partir de uma informação e estimular o aluno a
construir todo o restante do conteúdo. Isto não é ajudar o aluno a pensar?
Quando o professor de Matemática ensina o aluno pelo mecanismo de repetição,
será que ele está ajudando no desenvolvimento do potencial intelectual?
Pode ser até que ajude um pouco, porém o rendimento no desenvolvimento do
potencial intelectual é pobre e com outras consequências muito graves nos terrenos
social e ideológico.
É muito mais importante e rendoso usar do raciocínio matemático com o intuito
de desenvolver o potencial do aluno.
A memória é uma faculdade que também precisa ser desenvolvida, porém há
situações próprias para que isso ocorra. Também devemos nos lembrar que a memória e
efêmera e que o nosso cérebro tem capacidade para reter um determinado número de
informações e, à medida que vai atingindo o seu limite (que penso que deve variar de
pessoa para pessoa - o meu é muito limitado), ele, por questão de sobrevivência, apaga
umas para reter outras.
Entretanto, estou me referindo a um tipo de memória - a memorização que
chamaria de simples - repetição pura de tipos de exercícios matemáticos.
Existe um outro tipo de memorização também utilizada pelos professores de
Matemática e que e mais útil - memorização de certos mecanismos.
Entretanto, isto é empobrecer a Matemática. Ela se presta muito para ajudar no
desenvolvimento do potencial intelectual, porque me parece, como já foi dito, ser a
mais lógica que as outras ciências.
O desenvolvimento do potencial supõe a participação da pessoa na construção
do conteúdo daquele conhecimento.
Outra coisa importante! No aluno precisa, ele próprio, percorrer o caminho do
conhecimento. Ele não pode receber o conhecimento pronto, como coisa acabada; ele
precisa voltar, fazer quase sozinho o mesmo caminho percorrido pelo professor ou
outros estudiosos do assunto.

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Só aprendemos a seguir por determinada rota quando estamos com outras


pessoas que não conhecem o caminho. Discutimos, levantamos alternativas, fazemos
tentativas, experimentamos, para depois concluirmos: - deve ser por aqui.
Isto é que estamos fazendo na Matemática (ajudar o aluno a descobrir o seu
itinerário). Não é só conhecimento matemático, vai além, e conhecimento, ou melhor,
postura de vida. É esta experiência que ele vai levar para a vida toda, podendo até
mesmo esquecer o conteúdo matemático.
Outra postura importante para o professor de Matemática: deixar o aluno,
depois de dada a informação, procurar escolher a seu modo o meio de resolver a
situação "problema". Existem diversas maneiras de se chegar a um resultado; é preciso
deixar o aluno experimentar e analisar quais as alternativas que aparecem; compará-las
e depois se decidir pela que achou melhor e justificar por que a escolheu.
Vocês percebem o conteúdo existencial presente nesta postura do professor e
do aluno?
Agora quero voltar a refletir um pouco sobre o que já acenei mais acima - a
ação política do professor de Matemática.
Posso até mesmo ser um excelente professor de Matemática (na concepção de
muita gente importante). Dar todo o conteúdo programado, preparar muito bem os
alunos para um vestibular, fazendo até mesmo com que eles entrem nas Universidades.
Mas de que jeito sabem a Matemática, como se sairão nas Universidades e que postura
terão como homens numa sociedade que, a nosso ver, precisa ser mudada?
Aprenderam, sim, a Matemática a custo de repetição de exercícios. - 20, 30, 40
vezes ou, mesmo, através de repetição de modelos (afirmo outra vez - não sou contra a
mecanização quando ela pode facilitar) porém, que postura passamos para esses
alunos? O que irá acontecer com eles? O que queremos de nossos alunos - que eles
aprendam para passar num Vestibular? Pessoas que repitam modelos, sistemas?
Dou aulas fornecendo modelos ou padrões para os alunos aprenderem a custa
da repetição, bloqueando todo um desenvolvimento intelectual e, por conseqüência,
bloqueando também um desenvolvimento social político, porque os fazemos
repetidores de modelos.
É isto que queremos de nossos alunos?

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Quando insisto que a maior atuação política do professor é através do seu


conteúdo, ou melhor, da maneira pela qual ele dá o seu conteúdo no dia-a-dia dentro de
uma sala de aula, é a isto que me refiro. Que postura estou passando para os meus
alunos – de repetição ou de busca?
A formação política do aluno não se faz só através de palestras, participação em
congressos, leitura de textos de maior conteúdo político (embora tudo isto seja
importante), mas começa a ocorrer muito mais pela maneira pela qual ajudo o meu
aluno, através do meu conteúdo, da minha disciplina, a ir descobrindo o seu próprio
caminho, ajudando a desenvolver a sua capacidade de análise, de comparação e,
principalmente, depois da posse de alguns dos dados a se decidir.
Como queremos que as pessoas tenham opinião própria, tomem decisões na
vida, busquem outros caminhos de mudança, se durante toda a sua vida escolar (11 anos
no mínimo, sem contar Infantil e Universidade) receberam tudo pronto, repetiram
exercícios e modelos e só podiam chegar a solução de um problema por um só caminho,
sem pensar?
Uma outra abordagem gostaria de discutir com vocês:
Por que certos preconceitos com relação à Matemática, tais como:
- Matemática é difícil
- Matemática é complicada
- professor de Matemática precisa ter o maior índice de reprovações
- Matemática é para homens
- Matemática é para pessoas inteligentes
Por que o professor de Matemática precisa ser o "durão", o "chato"?
Por que é comum este pensamento de que os homens dão mais para a
Matemática e as meninas para Comunicação e Expressão?
Por que as crianças gostam de Matemática e depois, justamente quando elas
passam para os especialistas (professores de Matemática), elas começam a não gostar
mais e até a detestá-la?
Por que ouvir de alunos esta expressão: - "escolho qualquer matéria, contanto
que não tenha Matemática?"
Por que toda uma discriminação dos pais:
- meu filho vai bem nas outras disciplinas, porém, justo na Matemática vai

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mal;
- ou, então, "meu filho é muito inteligente, tanto assim que vai bem na
Matemática, nas outras não vai bem porque é preguiçoso"
- "que pena, é tão bom em Matemática e escolheu Ciências Humanas para
cursar"
- ou, ainda, "e tão inteligente, vai tão bem em Ciências Exatas, poderia ser
engenheiro ou médico e escolheu Artes".
Será que vocês, como matemáticos, e nós todos, como educadores, não temos
nada a fazer para derrubar estes estereótipos?
Coloco na cabeça de vocês todas estas indagações para que, refletindo sobre
elas, possam nos dar uma resposta e que as futuras teses de mestrado possam trazer
novas contribuições para o ensino da Matemática e respostas a todas essas novas
indagações.

Talvez seja este o papel, neste momento, das Universidades.

Bolema, Rio Claro – SP, v. 3, n. 4, 1988

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