Os Males Do Tabaco
Os Males Do Tabaco
Os Males Do Tabaco
Cênica Espiral, fundada em 2007 por Juliano Valffi e Alex de Souza, retornou
aos palcos de Florianópolis com a peça “Palestra de hoje: os males do tabaco”.
Especializada em teatro de animação, essa foi a primeira montagem da companhia.
Comemorando os primeiros 5 anos, a peça retorna ao palco no Teatro da Armação, nos
dias 3 e 4, 10 e 11 de fevereiro, sempre as 20:30h.
“Palestra de hoje: os males do tabaco” é uma adaptação de uma peça curta de
Antonin Tchekhov, denominada “Os males do tabaco”, uma cena-monólogo em um ato.
Tchekhov é um dos principais nomes da literatura e do teatro mundiais. Dono de obras
primas como A gaivota e As três Irmãs, escreveu também uma série de peças curtas. Os
males do tabaco tem duas versões, escritas em 1887 e 1902, e traz, de maneira ainda
mais concentrada a força poética de dramatúrgica tchekhoviana, na qual se vê a profunda
economia dos procedimentos teatrais, a ironia, a tristeza psicológica de personagens
presos à vida, incapazes de grandes mundanças.
A adaptação feita pela Cia. Cênica Espiral consegue adentrar o universo de
Tchekhov, trazendo-o para o teatro de animação sem prejuízo, tanto do entendimento do
público, quanto da força criativa e perturbadora da obra original. Sob a direção de Juliano
Valffi e atuação de Alex de Souza o personagem Ivan Titerenovich (Márkel Ivanytch
Niúkhin, conforme o original) vem, a mando da esposa Dolores palestrar sobre os
malefícios do Tabaco. O velho senhor, um tanto ranzinza e desconfortável com a situação,
tem o hábito de desviar-se do assunto principal da palestra e adentrar em pormenores de
sua vida. São a partir dessas divagações que o publico se enternece, se compadece, às
vezes se irrita com a vida de Ivan Titerenovich. Sua vida de subserviência a todas as
ordens e desmandos da esposa fizeram de Ivan, um derrotado.
A montagem da Cia. Cênica Espiral opta por mostrar tanto o boneco, quanto o
manipulador. O que vemos é um ator com grande domínio da manipulação, mas também
de seu corpo, de sua voz, e da plateia, pois há no começo da palestra uma breve
dinâmica para “concentrar” o público. Em mais ou menos meia hora Ivan Titerevich
palestra sobre os males que uma vida presa a um casamento falido, à falsa ideia de
felicidade, à prisão domiciliar do que denominam filhos, podem causar em alguém que se
submete interruptamente até a percepção de seu próprio fracasso. Tchekhov é
profundamente ácido com seu personagem. Na montagem da Cia. Cênica Espiral a
acidez arrefece um pouco diante do ludismo cômico empregado na construção do
boneco, no sotaque proposto por Alex, sem dúvida um excelente ator, não apenas quando
fica atrás do boneco, mas quando, na cena ápice da peça, o manipulador se desconecta
do boneco, afasta-se daquele mundo de aparências e medo para se tornar a alma
massacrada, dilacerada e, por instantes, livres de Ivan Titerenovich. É o momento em que
Alex sai da sombra de Ivan e vem para frente do palco. O monólogo transferiu-se do
boneco para o seu manipulador. A cena é breve e contudente e Alex de Souza consegue
transmitir a força necessária para que esse conflito seja exposto o mais próximo possível
do universo conflituoso e triste de Tchekhov.
Outro ponto a se ressaltar nessa adaptação é a sutileza de pequenas
reformulações para contextualizar a peça dentro da cidade e dentro do próprio universo
do teatro de animação. Com citações à locais de Florianópolis, Ivan se torna um morador
local, diferenciado apenas pelo sotaque carregado. Outro ponto é que os adaptadores
resolveram mudar seu sobrenome para Titerenovich, uma referência direta aos títeres,
base do teatro praticado pela companhia, mas também a outro significado da palavra:
indivíduo frívolo, sem personalidade, que obedece à impulsão ou à vontade de outrem.
Nada mais apropriado ao personagem de Tcheckhov que deu a ele o sobrenome de
Niúkhin, que segundo a tradução brasileira da peça publicada pela Atelie, em 2003, é
formado pelas palavras niukh (faro) e do verbo niúkhat (farejar, cheirar). Seja como um
homem obediente e comandado, seja como alguém que passou a vida a farejar
inutilidades sem conseguir perceber o buraco em que se meteu, o personagem de
Tcheckov ganha um espaço bastante revelador na montagem da Cia. Cênica Espiral. Que
os outros espetáculos da companhia retornem em cartaz também. O teatro e o público
agradecem.