Metodologia de Pesquisa em Literaturas

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FABIO AKCELRUD DURÃO

Metodologia de pesquisa
em
LITERATURA
Direção: Andréia Custódio
Capa e diagramação: Telma Custódio
Revisão: Thiago Zilio Passerini
Kaya Adu Pereira
Imagem da capa: br.depositphotos.com

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

D955m

Durão, Fabio Akcelrud


Metodologia de pesquisa em literatura / Fabio Akcelrud Durão. -
1. ed. - São Paulo : Parábola, 2020.
128 p. ; 23 cm (Teoria Literária ; 4)

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7934-178-6

1. Literatura - História e crítica. 2. Pesquisa - Metodologia. I. Título.

19-61394 CDD: 001.42


CDU: 001.81:82

Meri Gleice Rodrigues de Souza - Bibliotecária CRB-7/6439

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ISBN: 978-85-7934-178-6
© do texto: Fabio Akcelrud Durão, 2020.
© da edição: Parábola Editorial, São Paulo, 2020.
Sumário

Breve nota introdutória.............................................................................9

C A P Í T U L O I Literatura e universidade..............................................15
Tese...................................................................................................15
Desenvolvimento...............................................................................15

C A P Í T U L O I I O processo de descoberta...........................................27
A estrutura da conjectura..................................................................31
A leitura............................................................................................38
A escrita............................................................................................46
A orientação......................................................................................50

C A P Í T U L O I I I Configurações da institucionalização.........................53
As noções de área e campo...............................................................53
Gêneros discursivos...........................................................................62
Projeto..............................................................................................63
Publicações.......................................................................................70
Artigos e livros..................................................................................71
Dissertações e teses...........................................................................74

C A P Í T U L O I V Algumas dicas de pesquisa........................................77

A P Ê N D I C E I A máquina acadêmica (com Tauan Tinti)......................81


I. Considerações gerais......................................................................81
II. Um estudo de caso........................................................................90
III. À guisa de conclusão....................................................................99

A P Ê N D I C E I I O financiamento da pesquisa em literatura..............101

A P Ê N D I C E I I I Notas para a avaliação............................................117

Referências bibliográficas......................................................................125
Sumário

Agradecimentos....................................................................................127

5
Breve nota introdutória

Que isto de método, sendo, como é,


uma coisa indispensável, todavia é melhor
tê-lo sem gravata nem suspensórios,
mas um pouco à fresca e à solta, como quem
não se lhe dá da vizinha fronteira,
nem do inspetor de quarteirão.
Machado de Assis,
Memórias Póstumas de Brás Cubas.

E
ste livro centra-se no rigor da preposição de seu título: metodolo-
gia de pesquisa em, e não para a literatura. Subjacente a esse de-
talhe aparentemente insignificante, está uma postura teórica que
não concebe a metodologia de pesquisa como um instrumento neutro
de trabalho, adaptável, com maiores ou menores mudanças, a todos
os campos do saber. Pelo contrário, a hipótese de base das páginas a
seguir é a de que, para usar a terminologia da teoria dos conjuntos,
se existe uma interseção na relação entre literatura e pesquisa, tam-
bém existem espaços não contidos em uma pela outra. Igualar ambas,
como se fossem círculos concêntricos, resulta em algo duplamente
empobrecedor, pois de um lado a literatura nunca será capaz de estar
à altura da exatidão que habita o núcleo do conceito estritamente
científico de pesquisa, materializado em uma noção clara de verifica-
bilidade pela repetição controlada, nem, de outro, a pesquisa, como
veremos, tem condições de dar conta do fenômeno literário em toda a
sua amplitude, uma vez que a objetividade deste último é constituída
por meio da ingerência do sujeito, e não de seu apagamento.
Um dos objetivos deste livro é explorar a tensão que surge do
Breve nota introdutória

confronto entre esses dois âmbitos, na esperança de que, uma vez


levado à consciência, o desencaixe possa transformar as limitações
em um enriquecimento mútuo. Alterando as valências e considera-
das em sua diferença, a pesquisa pode projetar uma configuração

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produtiva para a literatura, forjando uma imagem contrastante com
Metodologia de pesquisa em literatura | Fabio Akcelrud Durão

representações beletristas passadas, e assim fornecendo-lhe novo


alento, ao passo que a literatura é capaz de deslocar a ideia de pes-
quisa, apontando para dimensões de sentido que, de outra maneira,
dificilmente viriam para o primeiro plano.
O livro, no entanto, pretende fazer jus aos substantivos de seu
título e discutir diversos elementos constitutivos da pesquisa, como
a interpretação textual, área, campo, projeto, parecer etc. Sua finali-
dade, obviamente, é prática, mas com uma ressalva fundamental: o
leitor não encontrará aqui um manual ou um guia, um conjunto de
regras ou procedimentos de leitura que garantam a boa realização
de monografias, artigos, dissertações ou teses. Como já mencionado,
um dos principais argumentos a serem defendidos aqui é que não há
pesquisa sem investimento do sujeito, algo que ele postula e que deve
enfrentar a materialidade do corpus que analisa. Em outras palavras,
a metodologia da pesquisa em literatura será discutida como um veí-
culo cujo combustível é a inteligência do leitor. O intuito é poder
direcioná-la, chamar a atenção para onde e como ela pode mover-se,
e não apagá-la por meio do passo a passo de uma receita.
A origem deste livro está num artigo que escrevi em 20151; a
recepção positiva ocasionada encorajou-me a amplificar e apro-
fundar ideias e problemas que obviamente não tinham espaço em
uma revista. Ao corpo do texto foram acrescidos três apêndices, que
ilustram e expandem a discussão. O primeiro, escrito a quatro mãos
com Tauan Tinti, foi originariamente publicado em As humanida-
des em questão, editado por Júlio Cesar Valladão Diniz e Karl Erik
­Schøllhammer­(Editora da Puc-Rio, 2019); nele, lidamos com a ar-
quitetura institucional de áreas e linhas de pesquisa, fornecendo um
estudo de caso sobre os estudos de memória. O segundo, concebi-
do como palestra de abertura do 66o Seminário do Grupo de Estu-
dos Linguísticos (GEL), saiu na revista Estudos Linguísticos, v. 48,

1
“Reflexões sobre a metodologia de pesquisa nos estudos literários”. In: D.E.L.T.A. Docu-
mentação de Estudos em Linguística Teórica e Aplicada, v. 31, p. 377-390, 2015. Sou muito
grato à Profa Inês Signorini pelo incentivo à publicação, bem como pelas discussões que a
circundaram e que continuam até hoje.
p. 11-22, 2019; seu tema é o caráter potencialmente ambíguo do
financiamento da investigação nos estudos literários. O último apên-
dice, inédito, busca fazer avançar a reflexão sobre esse tópico tão
controverso que é a avaliação da pesquisa.
O livro como um todo reivindica alguma novidade em relação à
bibliografia existente. A diferença principal que exibe perante obras
disponíveis sobre metodologia de pesquisa, como por exemplo as de
Umberto Eco (2008), Roberto Acízelo (2016), Vitor Manuel de Aguiar
e Silva (1990) ou Jocelyn Létourneau (2011), reside em um aspecto
reflexivo, na ênfase maior que dou à interpretação, tanto como ob-
jeto a ser explorado quanto como componente do processo de escrita
e exposição que alimenta as páginas a seguir — pois o livro não se
furta a reproduzir em si aquilo que descreve, fazendo o que diz e
submetendo criticamente a pesquisa como tema à sua própria lógica
como procedimento.
Outro jeito de expor isso é observar que, amiúde, a preocupação
preponderante de publicações sobre metodologia nas humanidades
volta-se para um aspecto utilitário-instrumental: como acessar fontes,
fazer fichamentos, organizar bibliografias etc., raramente realizando
uma autorreflexão sobre o que significa pesquisar. O presente livro
pode ser visto como um complemento a publicações mais sistemati-
zantes e ordenadoras. Como muitas das ideias desenvolvidas abaixo
são bastante gerais e abstratas, cheguei a pensar em inserir uma seção
de exercícios, ideia logo abandonada em prol da imaginação e criati-
vidade dos professores, que certamente saberão encontrar os textos
mais adequados para seus alunos testarem o que é discutido aqui.
Ainda no tocante à bibliografia, vale um reparo. Se os volumes
dedicados à metodologia de pesquisa em geral — e nas humanidades
em particular — chegam às centenas, aqueles exclusivamente dedica-
dos aos estudos literários são surpreendentemente poucos. Creio que
a explicação mais plausível para tal estado de coisas pode ser encon-
Breve nota introdutória

trada no papel que a teoria (cf. Durão, 2011; Cechinel, 2016) passou
a desempenhar nos estudos literários, tanto no Brasil quanto no ex-
terior, pois tenho a suspeita de que ela vem ocupando cada vez mais
aquilo que seria o espaço para a prática da interpretação. Explicando

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melhor: as diversas correntes teóricas que conhecemos já contêm em
Metodologia de pesquisa em literatura | Fabio Akcelrud Durão

si embriões metodológicos, sugestões de desenvolvimentos argumen-


tativos, princípios de mapeamento textual e traços estilísticos pró-
prios. Em suma, os diferentes movimentos teóricos com muita facili-
dade surgem como pré-moldados que aparentam realizar o trabalho
da interpretação, porém sem de fato poder fazê-lo.
Um crítico desconstrutivista tenderá a procurar uma oposição bi-
nária fundadora do texto para em seguida revertê-la, mostrando que o
termo excluído seria na realidade condição de possibilidade de existên-
cia daquele que o exclui; o feminismo atentará para o papel das perso-
nagens femininas, se elas se adequam ou repudiam a ordem patriarcal;
o pós-colonialismo buscará identificar procedimentos de dominação
sobre o chamado terceiro mundo; a teoria queer recortará indícios tex-
tuais que articulem a normativização da sexualidade e consequente-
mente o que deve ser encarado como “desvio”, e assim por diante. De
um certo ponto de vista, como veremos, esse modo de proceder é legíti-
mo porque, a rigor, conhecimento novo está sendo produzido. Contudo,
a esterilidade das conclusões, a reiteração cansativa de ideias já dadas
em objetos simplesmente novos são gritantes.
Note-se bem: não se trata de abandonar a teoria, mas de não
deixar que ela predetermine o que se deve fazer com as obras lite-
rárias. A saída para isso, creio, é construir uma perspectiva teórica
situada acima da mera aplicação de teorias, que as submeta ao crivo
da interpretação, considerando-as não apenas como fonte de concei-
tos a ser usados, mas também como material a ser investigado. Para
nossos fins, aqui isso significa colocar a pesquisa acima da teoria,
construindo um âmbito de investigação que possa abarcá-la.
A referência à teoria aponta para uma característica deste tra-
balho que por certo não passará despercebida — e que para alguns
pode parecer parcial ou limitadora —, a saber: o ambiente intelectual
no qual se move, o conjunto de referências que mobiliza é, em grande
medida, anglo-saxão. Além desse ter sido o meio de minha formação
e com o qual tenho maior familiaridade, há outro motivo fundamen-
tal para isso. Por razões primordialmente econômicas, a academia
norte-americana é o centro do sistema universitário mundial, inclu-
sive — ou talvez até mesmo principalmente — nas humanidades.
Isso significa que os fluxos de circulação de ideias são assimétricos,
com o vetor de influência rumo à periferia sendo muito maior do que
o contrário, que normalmente ocorre sob o escudo da delimitação
nacional — literatura brasileira, estudos culturais brasileiros etc. É
curioso observar que, mesmo no caso dos produtores estrangeiros de
teorias decisivas — notadamente Pierre Bourdieu, Jacques Derrida
e Michel Foucault, na França; Walter Benjamin, na Alemanha; ou
Giorgio Agamben, na Itália —, a pujança do mundo universitário an-
glófono, por meio de publicações, eventos e contratações (ao menos
como professores visitantes), gera uma recepção tão forte que acaba
interferindo nos países de origem e produzindo uma espécie de con-
trafluxo intelectual. Seria assim possível postular, ao menos como
hipótese de leitura inicial, que o Derrida americano é mais forte na
França hoje do que o francês. O modus operandi norte-americano
é, portanto, estrategicamente decisivo como contraponto heurístico
para caracterizar o sistema universitário brasileiro, que é o foco de
nossa pesquisa, tanto em suas suscetibilidades quanto em seus atri-
tos diante da matriz estadunidense/inglesa/canadense.
O investimento analítico de um livro como este, que mistura
apresentação e julgamento, não se acanhando diante da formula-
ção de ideias próprias e da crítica ao estabelecido, corre sempre o
risco de parecer por demais idiossincrático, talvez mesmo arbitrá-
rio. Para os defensores de uma concepção positivista de ciência, ele
provavelmente se revelará excessivamente frouxo; para os adeptos
irredutíveis da prática ensaística, demasiadamente engessado. O
mesmo efeito de descontentamento geral também poderia resultar
do seu posicionamento diante do processo pelo qual passamos de
institucionalização e profissionalização dos estudos literários, sem
o qual não faz sentido falar em pesquisa. Aqueles que nunca viram
a literatura fora da universidade possivelmente acharão tal posi-
Breve nota introdutória

cionamento desestabilizador, anárquico ou no mínimo herético; os


que, geralmente mais velhos, não se acostumaram com a regula-
mentação universitária talvez o condenem como oficialesco, geran-
do um texto de repartição.

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É preciso confessar que o intuito subjacente ao livro tem algo
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de conciliador. O enraizamento da literatura no ambiente acadêmico


é tão inevitável quanto problemático: inevitável porque, como vere-
mos, a universidade hoje no Brasil é um ambiente social sui generis,
no qual há mais liberdade para o exercício da literatura; problemá-
tico porque esse espaço não é realmente livre, na medida em que se
faz reger por princípios que, quando naturalizados e automatizados,
facilmente se tornam opressores.
A conclusão do livro reside em seu gesto de pensamento funda-
mental: já que a institucionalização é irresistível — e, diante do ris-
co de precarização absoluta da literatura, até mesmo desejável —, a
melhor saída consiste em submeter todo o aparato que dá origem à
pesquisa ao crivo crítico e a certa postura investigativa. Algo disso
se expressa na própria forma do livro: como fui percebendo à medida
que a escrita avançava, o começo mostrava-se conceitualmente mais
denso e o final progressivamente mais rarefeito, chegando ao ponto de
prescindir de uma conclusão. Essa estrutura pouco usual pareceu-me
dar corpo a um impulso prático basilar, como se o texto fosse, aos pou-
cos, abandonando uma esfera teórica mais consistente, dando adeus
ao leitor para convidá-lo à ação.
Como venho dizendo, trata-se uma empreitada arriscada, pois
a tentativa de articular esse espaço de reflexão periga descambar
naquela perspectiva desprezível que é a do meio ou da média, de se
estar em cima do muro. Inversamente, a preocupação com a pas-
sagem ao ato corre o risco de parecer voluntarista e por demais es-
tridente. O consolo, porém, surgiria numa espécie de artimanha da
razão, porque se a tentativa de ler a estrutura da pesquisa pode levar
a concepções idiossincráticas e contestáveis, ao solicitar do leitor um
posicionamento próprio, ainda que (ou principalmente?) na refuta-
ção, ela acabará por realizar o intuito do livro em espírito, mesmo
que não em conteúdo.
CAPÍTULO I

Literatura e universidade

Tese

A
A preocupação de publicações sobre metodologia nas humanidades
hipótese de trabalho central deste livro pode ser expressa por
volta-se sempre para um aspecto utilitário-instrumental: acessar fontes,
meio da seguinte equação: pesquisa em literatura = inter-
fazer fichamentos, organizar bibliografias, raramente realizando uma
pretação + aparato acadêmico. A fórmula, no entanto, deve
autorreflexão sobre o que significa pesquisar.
ser considerada de modo dinâmico, pois a adição aqui altera o sentido
Metodologia da tomados
dos itens quando pesquisaisoladamente.
em literaturaDefaz umjus aos
lado, substantivos
qualquer ato in- de
seu título e necessita
terpretativo discute de elementos
um espaçoconstitutivos
para ocorrer,da até pesquisa,
mesmo para como
que a
interpretação textual,
possa surgir como área,
gesto campo, —
autônomo projeto, parecer etc.
a intepretação Sua finalidade
desinteressada,
éem
prática,
oposiçãomas com uma
à leitura ressalvadefundamental:
submetida antemão a algum o leitor não encontrará
imperativo hete-
aqui um manual
rônomo; de outro,ouo um guia,acadêmico
aparato um conjunto de regras
precisa ser ele ou procedimentos
mesmo investi-
gado,
de uma que
leitura vez que contém a
garantam emboa
si tanto o potencial
realização de facilitar a inter-
de monografias, artigos,
pretação, quanto
dissertações de emperrá-la,
ou teses. transformando-se
Isso já existe. em burocracia
Isso já existe. —
A metodologia
um risco sempre presente. Daí a necessidade de organizar
da pesquisa em literatura será discutida aqui como um veículo cujo a exposição
de maneira aéfazer
combustível visível essedo
a inteligência campo
leitor.tenso de potencialidades.
O intuito é poder direcioná-la,
chamar a atenção para onde e como mover-se, e não apagá-la por meio
do passo a passo de uma receita.
Desenvolvimento
A literatura não existe nem nunca existiu no vácuo. Ela só pode
tomar corpo em um contexto histórico específico e, se consegue sobre-
viver a ele e falar a tempos futuros, não é porque o repudiou em nome
Literatura e universidade

de algum valor transcendente e atemporal, mas, pelo contrário, porque


conseguiu trazer em si aquilo que era decisivo e ainda toca o presente,
por maiores que sejam as mediações necessárias para tanto. A literatu-
ra já se deu por meio da transmissão oral e coletiva do mito; já foi parte

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