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Organizadores:

Cláudio Jannotti da Rocha


Lorena Vasconcellos Porto
Rúbia Zanotelli de Alvarenga
Rosemary de Oliveira Pires

COLEÇÃO DIREITO
INTERNACIONAL DO
TRABALHO

Volume 2

A COMUNICABILIDADE DO DIREITO
INTERNACIONAL DO TRABALHO E O
DIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO

São Paulo
2020
Copyright© 2020 by Tirant lo Blanch
Editor Responsável: Aline Gostinski
Capa e Diagramação: Carla Botto de Barros

CONSELHO EDITORIAL CIENTÍFICO:


Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot
Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Investigador do Instituto de
Investigações Jurídicas da UNAM - México
Juarez Tavares
Catedrático de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Brasil
Luis López Guerra
Magistrado do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Catedrático de Direito Constitucional da
Universidade Carlos III de Madrid - Espanha
Owen M. Fiss
Catedrático Emérito de Teoria de Direito da Universidade de Yale - EUA
Tomás S. Vives Antón
Catedrático de Direito Penal da Universidade de Valência - Espanha

C739 A comunicabilidade do direito internacional do


trabalho e o direito do trabalho brasileiro volume 2
[livro eletrônico]
Organizadores Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena
Vasconcellos Porto, Rúbia Zanotelli de Alvarenga,
Rosemary de Oliveira Pires. –1.ed. –São Paulo : Tirant
lo Blanch, 2020. -- (Coleção Internacional do Trabalho)
2Mb ; ebook

ISBN: 978-65-86093-81-0

1. Direito internacional. 2. Direito do trabalho.


I.Título

CDU: 341+349.2

É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características gráficas e/
ou editoriais.
A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art.184 e §§, Lei n° 10.695, de 01/07/2003), sujeitando-se
à busca e apreensão e indenizações diversas (Lei n°9.610/98).
Todos os direitos desta edição reservados à Tirant Empório do Direito Editoral Ltda.
C739 A comunicabilidade do direito internacional do
trabalho e o direito do trabalho brasileiro volume 2
Todos osOrganizadores
direitos desta edição
Cláudioreservados
Jannotti àdaTirant lo Blanch.
Rocha, Lorena
Vasconcellos
Avenida Brigadeiro LuizPorto,
Antonio Rúbia Zanotelli
nº2909, sala 44. de Alvarenga,
BairroRosemary de Oliveira
Jardim Paulista, São Paulo Pires.
- SP CEP–1.ed. –São Paulo : Tirant
01401-000
Fone:lo11Blanch,
2894 73302020. -- [email protected]
/ Email: (Coleção Internacional do Trabalho)
400 p.
www.tirant.com/br

Impresso no Brasil / Printed inISBN:


Brazil 978-65-86093-75-9

1. Direito internacional. 2. Direito do trabalho.


I.Título
Organizadores:
Cláudio Jannotti da Rocha
Lorena Vasconcellos Porto
Rúbia Zanotelli de Alvarenga
Rosemary de Oliveira Pires

COLEÇÃO DIREITO
INTERNACIONAL DO
TRABALHO

Volume 2

A COMUNICABILIDADE DO DIREITO
INTERNACIONAL DO TRABALHO E O
DIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO

São Paulo
2020
COORDENADORES DO LIVRO

Cláudio Jannotti da Rocha


Professor Adjunto do Departamento de Direito da Universidade Fede-
ral do Espírito Santo (UFES), no curso de Graduação e no Programa
de Pós-Graduação em Direito Processual (Mestrado). Pós-Doutorando
em Direito na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Doutor e Mestre
em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC
MINAS). Líder do Grupo de Pesquisa Trabalho, Seguridade Social e Pro-
cesso (UFES-CNPq). Membro do Grupo de Pesquisa Relações de Trabalho
na Contemporaneidade (UFBA-CNPq). Membro do Grupo de Pesquisa
Trabalho, Constituição e Cidadania (UnB-CNPq). Membro da Rede Na-
cional de Grupos de Pesquisa em Direito do Trabalho e Seguridade Social
(RENAPEDTS) e da Rede de Grupo de Pesquisas em Direito e Processo
do Trabalho (RETRABALHO). Autor de livros e artigos publicados no
Brasil e no Exterior. Advogado. Pesquisador.

Lorena Vasconcelos Porto


Procuradora do Ministério Público do Trabalho. Doutora em Autonomia Indi-
vidual e Autonomia Coletiva pela Universidade de Roma II. Mestre em Direito
do Trabalho pela PUC-MG. Especialista em Direito do Trabalho e Previdência
Social pela Universidade de Roma II. Bacharel em Direito pela Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG). Professora Convidada do Mestrado em
Direito do Trabalho da Universidad Externado de Colombia, em Bogotá, e
da Pós-Graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pesquisadora.
Autora de livros e artigos publicados no Brasil e no Exterior.

Rosemary de Oliveira Pires


Mestra e Doutora em Direito do Trabalho pela Universidade Federal de Minas
Gerais. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela PU-
C-Minas. Especialista em Direito do Trabalho pela Universidade La Sapienza,
Roma/Itália. Professora do Curso de Pós-graduação da Faculdade de Direito
6 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Milton Campos. Membro da União Iberoamericana de Juízes. Desembarga-


dora do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais (Terceira Região).

Rúbia Zanotelli de Alvarenga


Mestre e Doutora em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católi-
ca de Minas Gerais (PUC MINAS). Professora Titular do Centro Universitário
do Distrito Federal (UDF), Brasília. Advogada.
QUADRO DE AUTORES

Adriana Calvo
Doutora e Mestre em Direito das Relações Sociais (PUC-SP), Professora Con-
vidada de Direito do Trabalho do Curso FGV Direito RJ. Professora de Direito
do Trabalho do curso de Graduação do Mackenzie/SP. Coordenadora de Di-
reito Individual do Trabalho da Comissão Especial de Direito do Trabalho da
OAB/SP. Advogada trabalhista.

Adriana Goulart de Sena Orsini


Professora Doutora Associada da Faculdade de Direito da Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG); Membro do Corpo Permanente do Programa de
Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais; Dou-
tora pela Universidade Federal de Minas Gerais; Desembargadora Federal do
Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região; Gestora Regional
do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem,
do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, na 3ª Região.

Adriana L. S. Lamounier Rodrigues


Pós-Doutorado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG). Doutora em Direito pela UFMG em cotutela com a Univer-
sidade de Roma Tor Vergata. Master em Direito Sindical pela Universidade de
Roma Tor Vergata. Bacharel em Direito pela UFMG. Advogada, com atuação
especial em Direito Coletivo do Trabalho no escritório Caldeira Brant.

Ailana Santos Ribeiro


Professora de Direito do Trabalho do Instituto de Educação Continuada da
PUC Minas. Mestre em Direito do Trabalho, linha de pesquisa “Trabalho,
modernidade e democracia”, pela PUC MINAS. Pós-graduada em Direito Ma-
terial e Processual do Trabalho pela PUC Minas. É pesquisadora do Grupo de
Pesquisa: Trabalho, Seguridade Social e Processo: diálogos e críticas (UFES-C-
NPq). Pesquisadora no grupo de pesquisa “Retrabalhando o Direito” (RED),
integrante da RENAPEDTS. Servidora do Tribunal Regional do Trabalho da
3ª Região.
8 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Aldacy Rachid Coutinho


Professora Titular aposentada de Direito do Trabalho na Universidade Federal
do Paraná (UFPR). Membro da RENAPEDTS e da REDBRITES.

Alessandra Barichello Boskovic


Doutora e Mestre em Direito Econômico pela Pontifícia Universidade Católica
do Paraná (PUCPR). Advogada. Professora de Direito do Trabalho na Univer-
sidade Positivo. Pesquisadora integrante do GETRAB-USP.

Amauri Cesar Alves


Doutor, Mestre e Bacharel em Direito pela PUC.MINAS. Professor (Gradua-
ção e Mestrado) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Coordenador
do Grupo de Estudos de Direito do Trabalho da UFOP.

Ana Cláudia Nascimento Gomes


Doutora em Direito Público pela Universidade de Coimbra. Mestre em Ciên-
cias Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Professora Concursada da PUCMINAS-Belo Horizonte. Procurada do Tra-
balho. Atualmente, membro do Ministério Público da União (MPU/MPT)
Auxiliar da Procuradoria-Geral da República em matéria trabalhista.

Ana Virginia Moreira Gomes


Doutora pela Universidade de São Paulo. Pós-Doutorado na School of Indus-
trial and Labor Relations da Cornell University. Professora da Pós-Graduação
em Direito Constitucional e do Curso de Direito da Universidade de Fortaleza.
Coordena o Núcleo de Estudos Sobre Direito do Trabalho e da Seguridade
Social (NETDS) da Universidade de Fortaleza.

Anna Marcella Mendes Garcia


Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal
do Pará (UFPA), com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (CAPES) – Código de Financiamento – 001. Integrante do
Grupo de Pesquisa em Trabalho Decente, do CESUPA.

André Silva Martinelli


Mestrando em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo
(UFES). Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito de Vi-
tória – FDV. Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região.
QUADRO DE AUTORES 9

Andréa Duarte Silva


Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Aluna ouvinte do Curso de Direito Internacional da Aix-Marseille Université.
Pós-graduada em Gestão de Pessoas pela FACEL. Servidora do Tribunal Re-
gional do Trabalho da 9ª Região.

Arnaldo Afonso Barbosa


Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Professor na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG). Advogado e Consultor Jurídico.

Ataliba Telles Carpes


Mestrando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Pon-
tifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS (Teoria Geral
da Jurisdição e Processo). Especialista em Direito do Trabalho pela PUCRS.
Bolsista integral CAPES/PROEX, com dedicação exclusiva.

Augusto Grieco Sant’Anna Meirinho


Doutor em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo. Mestre em Direito Previdenciário também pela PUC-SP. Especialista
em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo. Especialista em Relações
Internacionais pela Universidade Cândido Mendes do Rio de Janeiro. Bacharel
em Ciências Náuticas pela Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante
(Rio de Janeiro). Pesquisador do Centro de Estudos em Direito do Mar “Vicente
Marotta Rangel” da Universidade de São Paulo – Cedmar. Professor Universitá-
rio. Procurador do Trabalho do Ministério Público da União.

Bruno Gomes Borges da Fonseca


Pós-doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais (PUC MINAS). Pós-doutor em Direito pela Universidade Federal do
Estado do Espírito Santo (UFES). Doutor e Mestre em Direitos e Garantias Fun-
damentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Especialista em Direito
Constitucional pela UFES. Procurador do Trabalho na 17ª Região. Professor
de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho da FDV (graduação e
pós-graduação). Professor da Especialização em Direitos Humanos e Trabalho
da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU). Líder do Grupo
de Pesquisa Sociedade e Trabalho da ESMPU. Membro da Câmara de Desen-
volvimento Científico (CDC) da ESMPU. Professor colaborador do Programa
de Mestrado em Gestão Pública da UFES. Ex-Procurador do Estado do Espírito
10 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Santo. Ex-Advogado. Aprovado em concurso público para Juiz do Trabalho na


5ª Região (3º lugar geral). E-mail: [email protected].

Camila Ceroni Scarabelli


Mestre em Direito Civil pela Universidade Paulista/Campinas. Especialista
em Direitos Difusos e Coletivos pela Escola Superior do Ministério Público
(ESMP). Especialista em Sindicalismo e Economia do Trabalho pela Univer-
sidade Estadual de Campinas (Unicamp).Juíza do Trabalho do TRT da 15ª
Região. Coordenadora do Juizado Especial da Infância e da Adolescência da
Circunscrição de Campinas-SP.

Carla Reita Faria Leal


Doutora e Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP, subárea Di-
reito do Trabalho. Professora nos cursos de graduação e mestrado em Direito
da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Coordenadora Adjunta do
Programa de Pós-Graduação em Direito da UFMT. Juíza do Trabalho aposen-
tada. Líder do Projeto de Pesquisa “O meio ambiente do trabalho equilibrado
como componente do trabalho decente”. Coordenadora de área do Projeto
Ação Integrada – PAI (MPT/SRTb/UFMT).

Carlos Henrique Bezerra Leite


Doutor e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC/SP); Professor da Graduação e do Programa de Pós-Graduação Stricto
Sensu (mestrado e doutorado) da Faculdade de Direito de Vitória (FDV);
Desembargador do TRT/ES; Líder do Grupo de Pesquisa Acesso à Justiça
na Perspectiva dos Direitos Humanos do PPGSS da Faculdade de Direito
de Vitória (FDV); Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho;
Ex-Procurador Regional do Trabalho.

Carolina Marzola Hirata Zedes


Procuradora do Trabalho em Campinas. Ex-Procuradora do Estado de Goiás.
Especialista em Direito Constitucional e em Processo Civil pela PUC Minas.
Mestre em Direitos Fundamentais, Difusos e Coletivos pela Unimep. Professora
em cursos preparatórios para concursos e em cursos de pós-graduação. Autora de
livros e artigos jurídicos. Membra do Instituto Brasileiro de Direito Processual.

Carolina Pereira Lins Mesquita


Professora Adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Doutora
em Ciências Jurídicas e Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia
QUADRO DE AUTORES 11

e Direito da Universidade Federal Fluminense (PPGSD/UFF). Mestre em


Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Claiz Maria Pereira Gunça dos Santos


Mestra em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Espe-
cialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Federal da Bahia.
Graduada em Direito, com Láurea Acadêmica, pela Universidade Federal da Bahia.
Professora de Direito Constitucional e Direito do Trabalho. Integrante do Instituto
Bahiano de Direito do Trabalho – IBDT. Primeira Presidente da Associação Baiana
de Defesa do Consumidor – ABDECON. Participante do Programa de Mobili-
dade Acadêmica com a Universidade de Coimbra, Portugal, em 2009.

Cláudio Jannotti da Rocha


Professor Adjunto do Departamento de Direito da Universidade Federal do
Espírito Santo (UFES), no curso de Graduação e no Programa de Pós-Gra-
duação em Direito Processual (Mestrado). Pós-Doutorando em Direito na
Universidade Federal da Bahia (UFBA). Doutor e Mestre em Direito pela
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC MINAS). Líder do
Grupo de Pesquisa Trabalho, Seguridade Social e Processo (UFES-CNPq).
Membro do Grupo de Pesquisa Relações de Trabalho na Contemporaneidade
(UFBA-CNPq). Membro do Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Ci-
dadania (UnB-CNPq). Membro da Rede Nacional de Grupos de Pesquisa em
Direito do Trabalho e Seguridade Social (RENAPEDTS) e da Rede de Grupo
de Pesquisas em Direito e Processo do Trabalho (RETRABALHO). Autor de
livros e artigos publicados no Brasil e no Exterior. Advogado. Pesquisador.

Cleber Lúcio de Almeida


Pós-doutor em Direito pela Universidad Nacional de Córdoba/ARG. Doutor
em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre em Direito
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor dos cursos de
graduação e pós-graduação (mestrado e doutorado) da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais. Juiz do Trabalho junto ao TRT da 3ª Região.

Dinaura Godinho Pimentel Gomes


Pós-Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
– PUCSP. Doutora em Direito do Trabalho e Sindical pela Università degli
studi di Roma I, “La Sapienza”, com revalidação do diploma pela Universi-
dade de São Paulo – USP. Pós-Graduada em Economia do Trabalho – Curso
de Especialização pela UNICAMP. Magistrada do Trabalho aposentada (9ª.
12 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Região- PR). Membro Titular da Academia Paranaense de Direito do Traba-


lho. Membro Titular da Academia de Letras, Ciências e Artes de Londrina.
Professora Universitária. E-mail: [email protected].

Eduardo E. Taléns Visconti


Profesor Ayudante Doctor Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social. Uni-
versidad de Valencia

Estrella Del Valle Calzada


Personal Investigador en Formación – Derecho Internacional Público. Miem-
bro del Instituto de Derechos Humanos. Universidad de Valencia

Flávio Carvalho Monteiro de Andrade


Advogado. Mestre em Direito do Trabalho pela PUC MINAS. Professor de
Direito e Processo do Trabalho de graduação do IBMEC-MG, de pós-gradua-
ção do IBMEC-MG, da ESA-MG, do CEDIN e do IEPREV. Membro da
Comissão de Direitos Sociais e Trabalhistas da OAB-MG. Diretor da Escola
Judicial da Associação Mineira dos Advogados Trabalhistas – AMAT-MG.

Flora Oliveira
Mestra em Direito. Docente na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
e na Faculdade Imaculada Conceição do Recife para cursos de graduação.
Advogada trabalhista. Pertencente à Comissão de Combate e Erradicação ao
Trabalho Escravo Contemporâneo da Associação Brasileira de Advogados/as
Trabalhista. Autora do livro “O amargo doce do açucar: Análise Crítica do
Trabalho Escravo a partir das Ações Penais distribuídas em Pernambuco nos
anos de 2009 a 2015”.

Gabriela Neves Delgado


Professora Associada de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da UnB.
Pós-Doutora em Sociologia do Trabalho pela UNICAMP. Doutora em Filoso-
fia do Direito pela UFMG. Mestre em Direito do Trabalho pela PUC MINAS.
Coordenadora e pesquisadora do Grupo de Pesquisa “Trabalho, Constituição
e Cidadania” (UnB/CNPq). Advogada.

Gilberto Stürmer
Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Sevilha, Espanha. Doutor em
Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Coordenador dos
QUADRO DE AUTORES 13

Cursos de Pós-Graduação em Direito do Trabalho da Pontifícia Universidade


Católica do Rio Grande do Sul. Advogado e Parecerista.

Grijalbo Fernandes Coutinho


Magistrado do Trabalho desde 1992. Ex-Presidente da Anamatra, Amatra 10
e ALJT-Associação Latino-Americana de Juízes do Trabalho. Mestre e Douto-
rando em Direito e Justiça pela FDUFMG- Faculdade de Direito da UFMG.

Guilherme Liberatti
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
Mestre em Direito Agroambiental pela Universidade Federal de Mato Grosso
(UFMT). Advogado. Membro do Projeto de Pesquisa “O meio ambiente do
trabalho equilibrado como componente do trabalho decente”.

Gustavo Teixeira Ramos


Mestrando em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas pelo Centro Uni-
versitário UDF, linha de pesquisa Constitucionalismo, Direito do Trabalho e
Processo. Advogado com experiência relevante nas áreas de Direito do Trabalho,
Direito Ambiental do Trabalho e Direito Constitucional, sobretudo no âmbito
do Tribunal Superior do Trabalho – TST e do Supremo Tribunal Federal – STF.
Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Universidade
Mackenzie. Graduado em Direito pela Universidade de Brasília – UnB.

Helena Emerick Abaurre


Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

Hugo Zanon Soares


Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio. Advogado.

Isadora Costa Ferreira


Advogada. Pós-graduanda em Direito do Trabalho pela PUC MIMAS. Gra-
duada em Direito pela Faculdade IBMEC-MG.

Jean-Michel Servais
Honorary President of the International Society for Labour Law and Social
Security, Visiting Professor at Gerona (Spain) University Former Director at
the International Labour Organisation (ILO).
14 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Jens M. Schubert
Adjunct professor for Labour Law and European Law at Leuphana Universität
Lüneburg/Germany and head of the law department of ver.di (United Services
Union), the second largest Union in Germany with almost two Million Members.

João Gabriel Lopes


Mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Pesquisador do grupo
“Transformações do Trabalho, Democracia e Proteção Social” (UFBA). Advo-
gado trabalhista e sindical.

Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho


Advogado. Mestre e Doutor em Direito do Trabalho pela Universidade de São
Paulo (USP). Professor de Direito do Trabalho na Fundação Getúlio Vargas
(FGV). Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Diretor da
Escola Superior de Advocacia da OAB/SP (2019/2021) e da Associação dos
Advogados de São Paulo.

José Claudio Monteiro de Brito Filho


Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP. Professor do Progra-
ma de Pós-Graduação em Direito e do Curso de Graduação em Direito do
CESUPA. Líder do Grupo de Pesquisa em Trabalho Decente. Titular da Ca-
deira nº 26 da ABDT.

José Roberto Freire Pimenta


Professor Titular do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF) e de seu
Mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas; Ministro do Tribunal
Superior do Trabalho (TST); Doutor em Direito Constitucional pela Universi-
dade Federal de Minas Gerais (UFMG); Ex-Professor da Faculdade de Direito
da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (Mestrado e Doutorado);
Integrante do Conselho Consultivo da Escola Nacional de Formação e Aper-
feiçoamento dos Magistrados do Trabalho – ENAMAT.

Juliana Teixeira
Professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Doutora e Mestre
pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Katerine Bermúdez Alarcón


Abogada. Especialista en Derecho del Trabajo y Doctora en Derecho de la
Universidad Externado de Colombia. Profesora de Derecho del Trabajo de
QUADRO DE AUTORES 15

la misma Universidad. Directora del Centro de Investigaciones Laborales del


Departamento de Derecho Laboral de la misma Universidad.

Leandro do Amaral D. de Dorneles


Mestre e Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC). Especialista em Direito do Trabalho pela Universidade do Vale do
Itajaí. Professor de Direito do Trabalho da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS). Professor permanente do Programa de Pós-Graduação em
Direto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Membro da
Academia Sul-Riograndense de Direito do Trabalho.

Leandro Faria Costa


Graduando da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas),
Centro de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, Faculdade de Direito. Inte-
grante do Programa de Iniciação Científica da Pró-Reitoria da PUC-Campinas
e do Grupo de Pesquisa “Direito num Mundo Globalizado”, beneficiando-se de
fomento na modalidade Bolsa FAPIC/Reitoria da PUC-Campinas.

Lorena de Mello Rezende Colnago


Doutoranda em Processo do Trabalho pela Universidade de São Paulo (USP).
Mestre em Processo pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
Especialista em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Direito Previ-
denciário (UNIVES, 2005). Professora de Direito Processual do Trabalho em
Cursos de Graduação e Pós-Graduação. Juiza do Trabalho em São Paulo.

Lorena Vasconcelos Porto


Procuradora do Ministério Público do Trabalho. Doutora em Autonomia In-
dividual e Autonomia Coletiva pela Universidade de Roma II. Mestre em
Direito do Trabalho pela PUC MINAS. Especialista em Direito do Trabalho
e Previdência Social pela Universidade de Roma II. Bacharel em Direito pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professora Convidada do
Mestrado em Direito do Trabalho da Universidad Externado de Colombia,
em Bogotá, e da Pós-Graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Pesquisadora. Autora de livros e artigos publicados no Brasil e no Exterior.

Luciane Cardoso Barzotto


Doutora em Direito – UFPR, Professora do PPGD da UFRGS, Juíza do
Trabalho do TRT4.
16 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Luiz Eduardo Gunther


Professor do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA; Desembar-
gador do Trabalho no TRT 9 PR; Pós-doutor pela PUC-PR; Membro da
Academia Brasileira de Direito do Trabalho, do Instituto Histórico e Geo-
gráfico do Paraná e do Centro de Letras do Paraná. Orientador do Grupo de
Pesquisa que edita a Revista Eletrônica do TRT9.

Luiz Otávio Linhares Renault


Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais; Professor da
Universidade Federal de Minas Gerais; Professor aposentado da Pontifícia Uni-
versidade Católica de Minas Gerais; Desembargador do Tribunal Regional do
Trabalho da 3ª Região.

Lutiana Nacur Lorentz


Procuradora Regional do Trabalho em Minas Gerais. Mestre e Doutora em
Direito Processual pela PUC-Minas, visitante na Universidade La Sapienza de
Roma, professora Adjunta I (admitida por concurso) da graduação e mestrado
da Universidade FUMEC, durante dez anos, ganhadora do Prêmio Evaristo
de Morais Filho por três vezes. Atualmente também é professora da Escola
Superior do Ministério Público da União (ESMPU) e assessora do Conselho
Nacional do Ministério Público (CNMP) na Comissão de Defesa de Direitos.

Magda Barros Biavaschi


Desembargadora aposentada do TRT4, Doutora em Economia Social do Tra-
balho pelo IE/UNICAMP, Pós-doutora em Economia Social do Trabalho pelo
IE/UNICAMP, com pesquisa sobre a Terceirização e a Justiça do Trabalho, é
pesquisadora e professora colaboradora no CESIT/IE/UNICAMP.

Márcio Túlio Viana


Professor de Direito do Trabalho do PPGD e da Graduação da PUC MINAS.
Desembargador Aposentado do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região.
Doutor pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Marco Antônio César Villatore


Pós-Doutor em Direito Econômico pela Università degli studi di Roma II, “Tor Ver-
gata”. Doutor em Direito do Trabalho e Previdência Social pela Università degli studi
di Roma I, “La Sapienza”, com revalidação do diploma pela Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC). Mestre em Direito do Trabalho pela PUCSP. Profes-
sor Titular do Programa de Pós-graduação (Mestrado e Doutorado) em Direito
QUADRO DE AUTORES 17

da Pontifícia Universidade Católica (PUCPR). Professor Adjunto II do Curso de


Graduação em Direito da UFSC. Professor do Centro Universitário Internacional
UNINTER de Curitiba/PR. Coordenador do Núcleo de Estudos Avançados de
Direito do Trabalho e Socioeconômico (NEATES) da PUCPR. Advogado.

Marcos Paulo da Silva Oliveira


Doutorando em Direito do Trabalho pelo PPGD PUC Minas, bolsista CAPES.
Mestre em Direito Privado pelo PPGD PUC Minas, com bolsa CAPES. Pro-
fessor universitário. Membro do Grupo de Pesquisa RED – Retrabalhando o
Direito. Advogado. E-mail: [email protected]

Maria Cecília Máximo Teodoro


Pós-Doutora em Direito do Trabalho pela Universidade de Castilla-La Mancha,
com bolsa de pesquisa da CAPES; Doutora em Direito do Trabalho e da Se-
guridade Social pela USP- Universidade de São Paulo; Mestre em Direito do
Trabalho pela PUC/MG; Graduada em Direito pela PUC/MG; Professora
de Direito do Trabalho do PPGD e da Graduação da PUC/MG; Professora
Convidada do Mestrado em Direito do Trabalho da Universidade Externado
da Colômbia. Pesquisadora; Autora de livros e artigos. Líder do Grupo de
Pesquisa RED – Retrabalhando o Direito. Advogada.
Marina Souza Lima Rocha
Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto (Bolsis-
ta UFOP). Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto.
Membro do Grupo de Estudos de Direito do Trabalho da UFOP.

Martha Elisa Monsalve Cuellar


Doctora en Derecho y Ciencias Políticas UGC, Doctora Honoris Causa de la
Universidad Paulo Freire de Nicaragua, Presidenta del Instituto Latinoameri-
cano de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social ILTRAS, miembro de
número de la Academia Iberoamericana de Derecho del Trabajo y de la Seguri-
dad Social, docente nacional e Internacional, autora de innumerables artículos
y Coordinadora de más de 30 libros de derecho colectivo, Consejera Técnica
del Sector Empleador de Colombia, asistente a las reuniones de la OIT desde
1989, especializada en Derecho Laboral Colectivo, Seguridad Social, Normas
Internacionales del Trabajo y Derechos Humanos.

Mateus Tomazi
Advogado. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Pontifícia Uni-
versidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS.
18 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Maurício de Melo Teixeira Branco


Professor, advogado e pesquisador. Doutorando em Direito pela Universidade
Federal da Bahia/Università di Pisa (2018). Mestre em Direito pela Universidade
Federal da Bahia (2009). Membro do Instituto Bahiano de Direito do Trabalho.

Mauricio Godinho Delgado


Professor Titular do UDF e de seu Mestrado em Direito das Relações Sociais e
Trabalhistas. Doutor em Direito pela UFMG e Mestre em Ciência Política pela
UFMG. Magistrado do Trabalho desde novembro de 1989, sendo Ministro
do Tribunal Superior do Trabalho há cerca de 12 anos. Advogado inscrito na
OAB-MG até novembro de 1989.

Miriam Olivia Knopik Ferraz


Doutoranda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná- Brasil
(bolsista PROSUP), Mestre e Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade
Católica do Paraná- Brasil. Especialista em Direito Constitucional pela Academia
Brasileira de Direito Constitucional. Editora Adjunta da Constituição, Economia
e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional.
Coordenadora Adjunta do Grupo de Estudos em Análise Econômica do Direito
da Pontifícia Universidade Católica do Paraná- Brasil. Professora da Universidade
Positivo e da UNIFACEAR. Advogada. [email protected].

Nelson Camatta Moreira


Pós-doutor em Direito pela Universidad de Sevilla (bolsa CAPES). Pós-doutor
em Direito em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisi-
nos). Doutor em Direito pela Unisinos, com estágio anual na Universidade de
Coimbra (bolsa CAPES). Líder do Grupo de Pesquisa CNPQ Teoria Crítica do
Constitucionalismo, da FDV. Líder do Grupo de Estudos Direito e Psicanálise
(FDV-ES/Escola Lacaniana de Psicanálise de Vitória). Professor Invitado, adjun-
to al Programa Academic Visitor de la Facultad de Derecho de la Universidad
de Sevilla. Miembro del Grupo de Investigación Antagónicos de la Facultad de
Derecho de la Universidad de Sevilla. Colaborador en Seminarios con la Cátedra
Abierta de Derecho y Literatura de la Universidad de Málaga. Membro Honorá-
rio e Presidente da Rede Brasileira Direito e Literatura (RDL). Coordenador do
Projeto de Extensão Café, Direito e Literatura (FDV-ES). Advogado.

Ney Maranhão
Doutor em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo (USP), com es-
tágio de Doutorado-Sanduíche junto à Universidade de Massachusetts (Boston/
QUADRO DE AUTORES 19

EUA). Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Pará (UFPA).


Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Universidade
de Roma – La Sapienza (Itália). Professor de Direito do Trabalho da Faculdade
de Direito da Universidade Federal do Pará (UFPA). Professor Permanente do
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade Federal
do Pará (UFPA) (Mestrado e Doutorado). Eleito para a Cadeira nº 30 da Aca-
demia Brasileira de Direito do Trabalho. Coordenador do Grupo de Pesquisa
“Contemporaneidade e Trabalho” – GPCONTRAB (UFPA/CNPQ). Professor
convidado em diversas Escolas Judiciais de Tribunais Regionais do Trabalho. Juiz
Titular da 2ª Vara do Trabalho de Macapá (AP) (TRT da 8ª Região/PA-AP).

Paula Castro Collesi


Mestre em Ciências Laborais pela Universidade de Lisboa. Pós-graduada pelo
COGEAE – Pontifícia Universidade de São Paulo. Advogada. Pesquisadora
integrante do GETRAB-USP.

Paulo Antonio Maia e Silva


Mestre em Direito das Relações Sociais PUC/SP. Professor da Graduação e Pós
Graduação do Centro Universitário de João Pessoa. Advogado.

Platon Teixeira de Azevedo Neto


Juiz Titular da Vara do Trabalho de São Luís de Montes Belos/GO (TRT da
18ª Região). Professor Adjunto de Direito Processual do Trabalho da Universi-
dade Federal de Goiás. Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas
Gerais. Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal de Goiás.
Titular da Cadeira nº 3 da Academia Goiana de Direito.

Polyanna Pimentel Muniz


Pós-graduada em Direito Individual e Processual do Trabalho pela Faculdade
de Direito de Vitória. Advogada.

Raimundo Simão de Melo:


Doutor e Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP. Professor Ti-
tular do Centro Universitário UDF/Mestrado em Direito e Relações Sociais
e Trabalhistas e na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo/SP, na
Pós-Graduação em Direito e Relações do Trabalho. Consultor Jurídico e Ad-
vogado. Procurador Regional do Trabalho aposentado. Membro da Academia
Brasileira de Direito do Trabalho. Autor de livros jurídicos, entre outros, Di-
reito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador.
20 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Raquel Betty de Castro Pimenta


Doutora pela Università degli Studi di Roma Tor Vergata (Itália) em cotutela
internacional com a Universidade Federal de Minas Gerais (Brasil); Mestre
em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
(PUC MINAS); Especialista em Direito do Trabalho Ítalo-Brasileiro pela Uni-
versidade Federal de Minas Gerais e pela Università di Roma Tor Vergata;
Servidora do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região; Professora Substi-
tuta da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais e de
cursos de Pós-Graduação lato sensu.
Ricardo José Macêdo de Britto Pereira
Pós Doutor pela Universidade de Cornell ILR (NY-EUA) Doutor pela Universida-
de Complutense de Madri. Master of Law Universidade de Syracuse (NY-EUA).
Professor Titular e Coordenador no Mestrado em Direito das Relações Sociais e
Trabalhistas do Centro Universitário do Distrito Federal, UDF-Brasília, Mestre
pela Universidade de Brasília. Pesquisador colaborador do Programa de Pós-gra-
duação da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Colíder do Grupo
de Pesquisa da Faculdade de Direito da UNB “Trabalho, Constituição e Cida-
dania”. Subprocurador Geral do Ministério Público do Trabalho.

Rosemary de Oliveira Pires


Mestra e Doutora em Direito do Trabalho pela UFMG. Especialista em Direito
do Trabalho e Processo do Trabalho pela PUC-Minas. Especialista em Direito
do Trabalho pela Universidade La Sapienza, Roma/Itália. Professora do Curso
de Pós-graduação da Faculdade de Direito Milton Campos. Membro da União
Iberoamericana de Juízes. Desembargadora do TRT da Terceira Região/MG.

Rafael Lara Martins


Advogado. Doutorando em Direitos Humanos (UFG). Mestre em Direito
das Relações Sociais e Trabalhistas (UDF). Professor de Direito do Trabalho e
Direito Processual do Trabalho em cursos e pós-graduações. Conselheiro Fe-
deral da Ordem dos Advogados do Brasil (2019-2021) pela Seccional Goiás.
Vice-Presidente da Comissão Especial de Estudos Permanentes Sobre o Com-
pliance, do Conselho Federal (2019/2021). Diretor-Geral da Escola Superior
de Advocacia da OAB/GO (2016-2018 e 2019-2021). Ex-Presidente do Ins-
tituto Goiano de Direito do Trabalho -IGT (2012-2013 e 2014-2015).

Renata Queiroz Dutra


Professora Adjunta da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia
QUADRO DE AUTORES 21

(UFBA). Doutora em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Coor-


denadora do grupo de pesquisa “Transformações do Trabalho, Democracia
e Proteção Social” (UFBA).

Roberta Ferme Sivolella


Juíza auxiliar da Vice-presidência do Tribunal Superior do Trabalho. Professora
de Direito Processual do Trabalho e Direito Coletivo do Trabalho em Cursos
de Graduação e Pós-Graduação.

Rodolfo Pamplona Filho


Professor Titular de Direito Civil e Direito Processual do Trabalho da UNIFA-
CS – Universidade Salvador. Coordenador dos Cursos de Especialização em
Direito e Processo do Trabalho da Faculdade Baiana de Direito e dos Cursos de
Especialização on-line em Direito Contratual e em Direito e Processo do Tra-
balho do CERS Cursos on-line (em convênio com o grupo Estácio). Professor
Associado III da graduação e pós-graduação (Mestrado e Doutorado) em Direito
da UFBA – Universidade Federal da Bahia. Mestre e Doutor em Direito das
Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP.
Máster em Estudios en Derechos Sociales para Magistrados de Trabajo de Brasil
pela UCLM – Universidad de Castilla-La Mancha/Espanha. Especialista em Di-
reito Civil pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia. Membro e Presidente
Honorário da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Membro e Presidente
da Academia de Letras Jurídicas da Bahia e do Instituto Baiano de Direito do
Trabalho. Membro da Academia Brasileira de Direito Civil – ABDC, do Insti-
tuto Brasileiro de Direito Civil – IBDCivil e do Instituto Brasileiro de Direito
de Família – IBDFAM. Juiz Titular da 32ª Vara do Trabalho de Salvador/BA.

Rúbia Zanotelli de Alvarenga


Mestre e Doutora em Direito do Trabalho pela PUC MINAS. Professora Ti-
tular do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), Brasília. Advogada.

Sarah Linhares Ferreira Gomes


Advogada. Ex-pesquisadora Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação Científica (PROBIC) e membro do Núcleo de Estudos Sobre Direito
do Trabalho e da Seguridade Social (NETDS) da Universidade de Fortaleza.

Saulo Cerqueira de Aguiar Soares


Professor efetivo Adjunto de Direito da Universidade Federal do Piauí – UFPI.
Doutor em Direito, pela PUC MINAS (CAPES 6), com distinção acadêmica
22 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Magna cum Laude. Mestre em Direito, pela PUC MINAS (CAPES 6), com
distinção acadêmica Magna cum Laude. Advogado. Médico do Trabalho.

Silvio Beltramelli Neto


Professor Titular da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-
-Campinas), Centro de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, Faculdade de
Direito, vinculado ao Programa de Pós-Graduação Strictu Senso em Direito,
integrante da linha de pesquisa “Cooperação Internacional e Direitos Huma-
nos” e do Grupo de Pesquisa “Direito num Mundo Globalizado. Membro do
Ministério Público do Trabalho.

Tatiana Bhering Serradas Bon de Sousa Roxo


Mestre em Direito do Trabalho pela PUC MINAS. Professora da ESA da
OAB/MG. Advogada. Sócia do Gentil Monteiro, Vicentini, Beringhs e Gil
Sociedade de Advogados.

Tarcísio Correa de Brito


Juiz do Trabalho no TRT3, desde 1998. Especialista em Direito do Trabalho
e Direito Previdenciário pela Universidade Estácio de Sá; Mestre em Filosofia
do Direito pela Faculdade de Direito da UFMG; Mestre em relações interna-
cionais, opção política internacional, pela Universidade de Paris II. Estudos
doutorais em Direito Internacional Público na Universidade de Paris II.

Thiago Amaral Costa Savino


Acadêmico do Curso de Direito da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Membro do Grupo de Pesquisa “Contemporaneidade e Trabalho” – GPCON-
TRAB (UFPA/CNPQ). E-mail: [email protected]

Tiago Figueiredo Gonçalves


Doutor e Mestre (PUC/SP); Coordenador do Curso de Direito da Univer-
sidade Federal do Espírito Santo (UFES); Professor da Universidade Federal
do Espírito Santo – UFES (Graduação e Mestrado); Professor (Graduação e
Pós-Graduação) do UNESC e da FUNCAB; Diretor da ESA/ ES; Advogado.

Valdete Souto Severo


Doutora em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo (USP),
Pós-doutoranda em Ciências Políticas na UFRGS/RS, Presidenta da AJD As-
sociação Juízes para a Democracia, Diretora Cultural da ALJT Associação
Latino americana de Juízes do Trabalho, Membra da RENAPEDTS – Rede
QUADRO DE AUTORES 23

Nacional de Pesquisa em Direito do Trabalho e Previdência Social, Professora


da FEMARGS Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do RS, Juíza do
Trabalho em Porto Alegre/RS.

Valerio de Oliveira Mazzuoli


Professor-associado da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato
Grosso (UFMT). Pós-Doutor em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade
Clássica de Lisboa (Portugal). Doutor summa cum laude em Direito Inter-
nacional pela Universidade Federal do Rio Grande doSul (UFRGS). Mestre
em Direito pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Franca.
Membro titular da Sociedade Brasileira de Direito Internacional (SBDI), da
Associação Brasileira de Constitucionalistas Democratas (ABCD) e da Acade-
mia Mato-Grossense de Letras (Cadeira nº 36).

Valério Soares Heringer


Mestre em Gestão Pública pela Universidade do Federal do Espírito Santo.
Especialista em Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito do Trabalho,
Direito Processual do Trabalho e Direito Previdenciário (UnB). MBA em
Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas. Exerce o cargo de Procu-
rador do Trabalho desde 1999 e a chefia do Ministério Público do Trabalho
no Espírito Santo desde 2017. Exerceu os cargos efetivos de Procurador da
Fazenda Nacional, de Procurador do INSS e Analista Judiciário do TRT-ES.
Nomeado em 1º Lugar para o cargo efetivo de Procurador do Município de
Vitória em (1996). Aprovado nos concursos para os cargos de Auditor Fiscal
do Trabalho, Oficial de Justiça Avaliador e Técnico Judiciário do TRT-MG.
Professor no programa de Pós-Graduação em Compliance da FDV-Vitória.
Conferencista e palestrante nas áreas de gestão de organizações públicas e pri-
vadas, Direito do Trabalho, ética e desenvolvimento humano.

Vanessa Rocha Ferreira


Doutora em Direitos Humanos pela Universidade de Salamanca (Espa-
nha). Mestre em Direitos Fundamentais pela Universidade da Amazônia
(UNAMA/PA). Professora do Curso de Direito do Centro Universitário do
Pará (CESUPA). Líder do Grupo de Pesquisa: Trabalho Decente do CESUPA,
com registro no Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq. Auditora do
Tribunal de Contas do Estado do Pará (TCE/PA).

Vitor Kaiser Jahn


Mestrando em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
24 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

(UFRGS). Especialista em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Se-


guridade Social pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio
Grande do Sul em parceria com a Fundação Escola da Magistratura do Tra-
balho do Estado do Rio Grande do Sul. Bacharel em Direito pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Advogado sócio do escritório
Simon, Nadal & Jahn Advocacia.

Wânia Guimarães Rabêllo de Almeida


Pós-doutora em Direito pela Universidad Nacional de Córdoba/ARG.
Doutora e mestra em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais. Professora de Direitos Humanos no curso de graduação
da Faculdade de Direito Milton Campos. Professora de Direitos Humanos
do Trabalho e Processo Coletivo do Trabalho no curso de especialização em
direito material e processual do trabalho da Faculdade de Direito Milton
Campos. Advogada.
SUMÁRIO

COORDENADORES DO LIVRO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

QUADRO DE AUTORES. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

PREFÁCIO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
Maurício Godinho Delgado
Gabriela Neves Delgado

APRESENTAÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
Drª Raquel Betty de Castro Pimenta

SISTEMA INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS


HUMANOS: APLICABILIDADE E EFETIVAÇÃO DA
CONSTITUIÇÃO DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO
TRABALHO – OIT (1919) E DA DECLARAÇÃO DE FILADÉLFIA
(1944). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
Rúbia Zanotelli de Alvarenga

O FUTURO DO TRABALHO SOB O OLHAR DA OIT: ANÁLISE


DO RELATÓRIO “TRABALHAR PARA UM FUTURO MELHOR” . . . . . 53
Ney Maranhão
Thiago Amaral Costa Savino

ILO AND GERMAN LABOUR LAW - A SURVEY . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70


Jens M. Schubert

100 ANOS DA FUNDAÇÃO DA OIT: ORGANIZAÇÃO


INTERNACIONAL DO TRABALHO E SUA ATUAÇÃO SOBRE
SAÚDE E SEGURANÇA DO TRABALHO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
Raimundo Simão de Melo

ANÁLISE DO CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE


DAS CONVENÇÕES DA OIT NO ÂMBITO DO TRIBUNAL
SUPERIOR DO TRABALHO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96
Ana Virginia Moreira Gomes·
Sarah Linhares Ferreira Gomes·

CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE ACERCA DO


TRABALHO INFANTIL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110
Camila Ceroni Scarabelli
26 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

A PROTEÇÃO MULTINÍVEL DOS DIREITOS: PIONEIRISMO


DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO . . . . . . . . . . . 123
Cleber Lúcio de Almeida
Wânia Guimarães Rabêllo de Almeida

O DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO E O PAPEL DA


OIT NO ÂMBITO DA PROTEÇÃO À LIBERDADE SINDICAL . . . . . . . 134
Adriana L. S. Lamounier Rodrigues

INTEGRAÇÃO DAS CONVENÇÕES E RECOMENDAÇÕES


INTERNACIONAIS DA OIT NO BRASIL E SUA APLICAÇÃO SOB
A PERSPECTIVA DO PRINCÍPIO PRO HOMINE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 154
Valerio de Oliveira Mazzuoli

COMPLIANCE E DUE DILIGENCE TRABALHISTA: APLICAÇÃO


CONJUNTA DA DECLARAÇÃO TRIPARTITE DE PRINCÍPIOS
SOBRE EMPRESAS MULTINACIONAIS E POLÍTICA SOCIAL
DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO,
DOS GUIDING PRINCIPLES ON BUSINESS AND HUMAN
RIGHTS DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS E DO
DUE DILIGENCE GUIDANCE FOR RESPONSIBLE BUSINESS
CONDUCT DA ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 176
Valério Soares Heringer

UM SÉCULO DE OIT – NOVOS DESAFIOS E PERSPECTIVAS. . . . . . . 194


Gustavo Teixeira Ramos

A INTER-RELAÇÃO ENTRE O ORDENAMENTO JUSLABORAL


PÁTRIO E O INTERNACIONAL: PRINCÍPIOS DA
PROGRESSIVIDADE E DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO COMO
LIMITES MATERIAIS DAS NORMAS DE DIREITO DO TRABALHO. . . 220
Carolina Pereira Lins Mesquita

APONTAMENTOS SOBRE A QUARTA REVOLUÇÃO


INDUSTRIAL E AS RECENTES IMPRESSÕES DA OIT A
RESPEITO SOB A ÓTICA DO TRABALHO DECENTE. . . . . . . . . . . . . . 244
Silvio Beltramelli Neto
Leandro Faria Costa

REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA E A SALVAGUARDA DA


CENTRALIDADE DO TRABALHO DIGNO NO SEIO DE UMA
SOCIEDADE DEMOCRÁTICA – O FUTURO DO TRABALHO
E OS 100 ANOS DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO
TRABALHO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 264
Dinaura Godinho Pimentel Gomes
Marco Antônio César Villatore
SUMÁRIO 27

A IMPOSSIBILIDADE DA CUMULAÇÃO DOS ADICIONAIS


DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE À LUZ DO
PRECEDENTE JUDICIAL CONSTITUÍDO PELO TRIBUNAL
SUPERIOR DO TRABALHO ATRAVÉS DO INCIDENTE
DE RECURSO DE REVISTA REPETITIVO EM 2019: UMA
NECESSÁRIA ANÁLISE CONSTITUCIONAL E CONVENCIONAL
DO TEMA 17. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 286
Cláudio Jannotti da Rocha
Ailana Santos Ribeiro
Helena Emerick Abaurre

O COMBATE AO TRABALHO INFANTIL SOB A PERSPECTIVA DA


ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. . . . . . . . . . . . . . . . . 307

THE FIGHT AGAINST CHILD LABOR UNDER THE PERSPECTIVE


OF THE INTERNATIONAL LABOR ORGANIZATION . . . . . . . . . . . . . . . . . . 307
Adriana Goulart de Sena Orsini
Raquel Betty de Castro Pimenta

O “8 DE MARÇO” DE 1857, OS PARADIGMAS E PARADOXOS


DOS MOVIMENTOS DE MULHERES (FEMINISTAS?) NO
BRASIL E A DISCUSSÃO NO ÂMBITO DA OIT. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 323
Lutiana Nacur Lorentz

BREVES NOTAS SOBRE A JURIDICIDADE DA GREVE


POLÍTICO-LABORAL: COMPREENSÕES DA OIT E DO BRASIL. . . . 345
Ana Cláudia Nascimento Gomes

A TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADE-FIM NO BRASIL COMO


IMPEDITIVO AO TRABALHO DECENTE PRECONIZADO PELA
OIT. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 369
THE OUTSOURCING OF END-ACTIVITY IN BRAZIL AS
IMPEDITIVE TO DECENT WORK PROVIDED BY THE ILO . . . . . . . . 369
Paulo Antonio Maia e Silva

LUCES Y SOMBRAS EN LOS CIEN AÑOS DE LA OIT . . . . . . . . . . . . . . 383

LUZES E SOMBRAS NOS CEM ANOS DA OIT. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 383


Martha Elisa Monsalve Cuellar

AS (S)CEM RAZÕES DE CELEBRAR. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 387


Renata Queiroz Dutra
PREFÁCIO

A OIT, por meio de seus princípios característicos e de sua missão de


justiça social, consagrou-se como uma instituição de vanguarda do Ocidente
direcionada à regulação das relações de trabalho a nível global. Desde a sua
fundação, em 1919, construiu legado civilizatório orientado à edificação de
um sistema de proteção social capaz de elevar os parâmetros de democratização
e de inclusão socioeconômica no trabalho. Em 2019, a OIT comemora cem
anos de existência, idealização e estruturação de um patrimônio jurídico de
proteção ao trabalho que se constitui imprescindível à história da humanidade.
O patrimônio jurídico de proteção ao trabalho sistematizado pela OIT
em sua trajetória do século XX ao XXI é rico e diversificado. Além das
Convenções Internacionais do Trabalho, destacam-se também as Declara-
ções de Direitos e a Agenda do Trabalho Decente como importantes marcos
civilizatórios da memória de direitos construída pela OIT em seu primeiro
século de existência.
Em meio às comemorações de seu centenário, a OIT também se projeta
para o futuro. A celebração do tempo que passou, permeado por uma memória
riquíssima de regulação internacional das relações trabalhistas, é também um
ponto de partida para o tempo que está por vir, para se avançar na caminhada.
Assim, questiona-se: o que nasce aos cem anos da OIT?
Ao mirar para o futuro das relações de trabalho do século XXI, frente aos
desafios da globalização financeira, da era digital, das máquinas cibernéticas,
da precariedade, entre tantos outros, a OIT se desafia a trilhar outros percursos
e a implementar novas perspectivas de ressignificação da justiça social, refe-
rência que lhe é constitutiva desde a sua fundação, pelo Tratado de Versalhes,
em 1919. Nessa trajetória, a OIT mantém e reforça seu compromisso com a
Declaração de 1998 sobre os princípios e direitos fundamentais no trabalho e
com a plataforma do Trabalho Decente, de 1999.
A Declaração da OIT de 1998 assegura posição de centralidade aos direitos
humanos trabalhistas no cenário normativo internacional, destacando quatro
grandes eixos de princípios e direitos fundamentais no trabalho: a liberdade
PREFÁCIO 29

de associação e de negociação coletiva (Convenção 87 da OIT, não ratificada


pelo Brasil, ao lado da Convenção 98 da OIT, ratificada pelo Brasil); a elimi-
nação de todas as formas de trabalho forçado ou compulsório (Convenções 29
e 105 da OIT, ambas ratificadas pelo Brasil); a abolição do trabalho infantil
(Convenções 138 e 182 da OIT, ambas ratificadas pelo Brasil); e a eliminação
da discriminação no que diz respeito ao emprego e à ocupação (Convenções
100 e 111 da OIT, ambas ratificadas pelo Brasil).
O Trabalho Decente, especificamente, explicita o engajamento político
da OIT de manter atualizados os fundamentos de sua constituição em torno
de uma agenda formatada por quatro objetivos estratégicos: a promoção dos
direitos fundamentais no trabalho; a promoção de oportunidades laborais; a
ampliação da proteção social contra situações de vulnerabilidade no trabalho e
a promoção do diálogo social. Para muitos, a plataforma do Trabalho Decente
representa um esforço de ampliação da proteção social e trabalhista oriunda da
dinâmica regulatória da OIT, que em seu primeiro centenário se direcionava
prioritariamente às relações de trabalho assalariadas.
O fato é que o legado civilizatório e humanista da OIT dialoga e se inte-
gra ao sistema brasileiro de proteção aos direitos humanos. O Brasil é membro
fundador da OIT e participa das Conferências Internacionais do Trabalho
desde a sua primeira edição, incorporando, em grande medida, seu arcabouço
normativo e marcos civilizatórios na fundamentação e na prática do Direito
do Trabalho do País.
No ano de 2019, em que se comemorou o centenário da OIT e de seu
legado civilizatório, vários profissionais do Direito do Trabalho comungaram
esforços para lhe tributar uma justa homenagem. Assim também o fizeram
Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcellos Porto, Rúbia Zanotelli de Alva-
renga e Rosemary de Oliveira Pires, numa iniciativa louvável que resultou na
coordenação da Coleção Direito Internacional do Trabalho, formada por três
volumes distintos.
Com um conjunto expressivo e valoroso de reflexões sobre a OIT e seu
protagonismo no Direito Internacional do Trabalho, esta Coleção também se
destaca pela abrangência temática e pela internacionalização dos debates com
vistas ao intercâmbio de saberes.
São três grandes eixos de análise, cada um deles compondo um Volume
da Coleção Direito Internacional do Trabalho, necessariamente interconec-
tados: o primeiro, “A Organização Internacional do Trabalho: sua história,
missão e desafios”, apresenta reflexões sobre a historiografia da OIT, seus
30 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

valores constitutivos e desafios de projeção para o futuro; o segundo, “A Co-


municabilidade do Direito Internacional do Trabalho e o Direito do Trabalho
Brasileiro”, que analisa a correlação diametral das normas internacionais do
trabalho e das normas trabalhistas internas; e o terceiro, “Os Instrumentos
Normativos: tratados e convenções internacionais”, examina as convenções
internacionais do trabalho, seu papel de destaque na regulação do Direito
Internacional do Trabalho e do Direito do Trabalho brasileiro, acrescido de
indicações de alguns aspectos controvertidos da reforma trabalhista da Lei
13.467/2017 e seu contraponto com as normas internacionais do trabalho
vigentes na ordem jurídica brasileira.
Enfim, trata-se de uma obra coletiva de fôlego, que seguramente ofertará
aos leitores significativas contribuições sobre a OIT e toda a sua diversidade
rumo ao segundo século de sua existência.
Brasília, outubro de 2019.
Maurício Godinho Delgado
Ministro do TST. Professor Titular do Centro Universitário do Distrito
Federal – UDF – e de seu Mestrado em Direito das Relações Sociais e Traba-
lhistas. Doutor em Filosofia de Direito pela UFMG e Mestre em Ciência
Política pela UFMG.

Gabriela Neves Delgado


Professora Associada de Direito do Trabalho dos Programas de Graduação
e Pós-Graduação da UnB. Pós-Doutora em Sociologia do Trabalho pela
Unicamp. Doutora em Filosofia do Direito pela UFMG. Mestre em Direito
do Trabalho pela PUC MINAS. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Tra-
balho, Constituição e Cidadania (UnB-CNPq). Advogada.
APRESENTAÇÃO

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi criada em 1919,


e celebrou seu centenário em um contexto de profundas alterações nas rela-
ções de trabalho, oriundas não apenas das crescentes evoluções tecnológicas,
como também de mudanças demográficas e de fluxos migratórios, alterações
climáticas e o aprofundamento da globalização. A ocasião é um momento
propício para a reflexão acerca do papel histórico, atual e futuro deste orga-
nismo internacional.
A presente Coleção Direito Internacional do Trabalho, coordenada pelos
Professores Doutores Cláudio Jannotti da Rocha, Lorena Vasconcelos Porto,
Rúbia Zanotelli de Alvarenga e Rosemary de Oliveira Pires, reuniu estudos
de mais de oitenta autores, provenientes do Brasil e do exterior (Alemanha,
Espanha, Colômbia e Bélgica), contribuindo para esta obra comemorativa
de densidade ímpar.
Trata-se de uma Coleção dividida em três volumes, que representam
três grandes eixos. O Volume I é destinado a apresentar a Organização Inter-
nacional do Trabalho, sua história, missão e desafios. O Volume II, por sua
vez, dá enfoque a comunicabilidade do Direito Internacional do Trabalho e
o Direito do Trabalho Brasileiro. Por fim, o Volume III se destina a analisar
os principais instrumentos normativos editados pelo organismo internacional
ao longo desta história centenária.
No Volume I, uma série de ensaios misturam o passado e o futuro da
OIT. Alguns capítulos tratam, de forma geral, dos momentos definidores para
este organismo internacional e dos princípios básicos para sua estruturação e
funcionamento – com destaque para o tripartismo, para a agenda do trabalho
decente e para a recém editada “Declaração do Centenário da OIT e o futuro
do mundo do trabalho”, de 2019. Outros traçam, a partir de fios condutores
temáticos, a perspectiva de atuação da OIT ao longo destes 100 anos na erra-
dicação do trabalho escravo, na promoção da liberdade sindical, na proteção da
saúde e segurança no trabalho, no combate à discriminação e na preocupação
com a evolução tecnológica e o trabalho digital.
32 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

No Volume II, vários capítulos exploram a relação da produção norma-


tiva da OIT com a ordem jurídica brasileira, abordando temas referentes ao
controle de convencionalidade das normas brasileiras, principalmente após
a Reforma Trabalhista promovida no Brasil em 2017. Temas específicos são
trabalhados com profundidade teórica, interdisciplinaridade e abordagens
interseccionais. A escolha temática por parte dos autores foi livre, mas curio-
samente representou um conjunto harmônico e representativo dos principais
temas de atuação da OIT ao longo do seu centenário.
No Volume III, há capítulos destinados ao estudo da aplicabilidade das
Convenções e Tratados Internacionais da Organização Internacional do Tra-
balho no Brasil. Curiosamente, há mais de um capítulo desenvolvido sobre
uma mesma Convenção – porém sob perspectivas múltiplas, diversas, e com-
plementares. Outros capítulos fizeram uma abordagem ampla sobre temas
tratados em mais de um instrumento normativo internacional, relacionando-os
e evidenciando a consistência histórica do trabalho da OIT; ao passo que alguns
elegeram questões específicas do direito brasileiro para serem examinadas à luz
de Convenções Internacionais.
O resultado é esta coleção plural, que reúne ensaios de grandes estudiosos
do Direito Internacional do Trabalho, que acreditam e promovem, em seus
estudos e na sua prática profissional, luta incessante pela efetivação da justiça
social e do trabalho decente.

Belo Horizonte, novembro de 2019.

Drª Raquel Betty de Castro Pimenta


Doutora pela Università degli Studi di Roma Tor Vergata (Itália) em
cotutela internacional com a Universidade Federal de Minas Gerais
(Brasil); Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universida-
de Católica de Minas Gerais; Especialista em Direito do Trabalho
Ítalo-Brasileiro pela Universidade Federal de Minas Gerais e pela
Università di Roma Tor Vergata; Servidora do Tribunal Regional do
Trabalho da 3ª Região; Professora Substituta da Faculdade de Direi-
to da Universidade Federal de Minas Gerais e de cursos de Pós-Gra-
duação lato sensu.
SISTEMA INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO
AOS DIREITOS HUMANOS: APLICABILIDADE E
EFETIVAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DA ORGANIZAÇÃO
INTERNACIONAL DO TRABALHO – OIT (1919) E DA
DECLARAÇÃO DE FILADÉLFIA (1944)
INTERNATIONAL HUMAN RIGHTS PROTECTION SYSTEM:
APPLICABILITY AND EFFECTIVENESS OF THE CONSTITUTION
OF THE INTERNATIONAL LABOR ORGANIZATION - ILO (1919)
AND THE PHILADELPHIA DECLARATION (1944)

Rúbia Zanotelli de Alvarenga1

RESUMO: O presente artigo tem como escopo demonstrar o propósito da


Constituição da Organização Internacional do Trabalho – OIT (1919) e da
Declaração de Filadélfia (1944), deixando evidente e irrefutável o papel de ambas
como verdadeiros e efetivos instrumentos para se assegurar a garantia dos direitos
humanos dos trabalhadores e pilares do Direito Internacional do Trabalho – DIT.
Palavras-chave: Direito internacional do trabalho – DIT; Constituição da
Organização Internacional do Trabalho – OIT (1919); Declaração de Filadél-
fia (1944).
ABSTRACT: The purpose of this article is to demonstrate the purpose of the
Constitution of the International Labor Organization (ILO) (1919) and the
Declaration of Philadelphia (1944), making evident the irrefutable role of both
as true and effective instruments to ensure the guarantee of rights human rights
of workers and pillars of International Labor Law – DIT.
Keywords: International Labor Law – DIT; Constitution of the International
Labor Organization – ILO (1919); Declaration of Philadelphia (1944).

INTRODUÇÃO
Nesta oportunidade, tem-se o propósito de destacar a importância dos
instrumentos internacionais de proteção ao trabalhador, em especial dos
1 Mestre e Doutora em Direito do Trabalho pela PUC MINAS. Professora Titular do Centro Universitário do
Distrito Federal – UDF, Brasília. Advogada.
34 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Diplomas Legais de 1919 e de 1944, como meios para assegurar a proteção à


dignidade da pessoa humana dos trabalhadores.
Neste enleio, os instrumentos internacionais de proteção ao trabalhador
já estabelecem um piso mínimo de civilidade sobre o qual evolui o direi-
to interno de cada País-Membro da Organização Internacional do Trabalho
(OIT). A fim de elucidá-los, serão invocados os magistérios de ilustres autores
justrabalhistas e evocadas as suas preciosas lições, para que restem claras as mais
substantivas questões concernentes à realização da justiça social, por meio da
aplicação da Constituição da OIT e da Declaração de Filadélfia.
A Constituição da Organização de 1919 exsurge como fonte primária
do Direito Internacional do Trabalho (DIT) e a Declaração Referente aos
Fins e Objetivos da OIT de 1944 – também conhecida como Declaração de
Filadélfia – afirmam e reafirmam os principais objetivos da OIT, bem como
os princípios fundamentais sobre os quais repousa o DIT.
Torna-se, pois, urgente destacar a importância e função primordial da Or-
ganização Internacional do Trabalho – OIT e o papel do Direito Internacional
do Trabalho – DIT como marco na generalização do processo de afirmação e
de proteção dos direitos humanos sociais do trabalhador no mundo capitalista,
sendo imprescindível ainda, neste artigo, ressaltar a necessidade de o Brasil res-
peitar e cumprir as obrigações decorrentes dos dispositivos legais internacionais
que regulam e que regulamentam a seara justrabalhista em âmbito mundial.

1. O DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – DIT


O propósito fundamental do Direito Internacional do Trabalho (DIT)
não difere do próprio objeto do Direito do Trabalho, que consiste na função
primordial de oferecer a maior proteção possível ao trabalhador.
Como todo ramo do Direito, o DIT exsurge da necessidade de se estabe-
lecer o que, por justiça, corresponde a cada parte, dentro de um panorama de
equilíbrio entre partes desiguais por natureza. Assim sendo, em harmonia com o
próprio Direito do Trabalho, rege-se, precipuamente, pelo princípio da proteção.
A finalidade e os objetivos do Direito Internacional do Trabalho são
alcançados por intermédio da aplicação de todos os instrumentos internacio-
nais de proteção ao trabalhador, em especial, das Convenções aprovadas pela
Conferência Internacional do Trabalho, que constitui a Assembleia Geral dos
Estados-Membros da Organização Internacional do Trabalho (OIT), tendo em
vista que a ratificação das mesmas tem por fim integrar os princípios e as normas
Rúbia Zanotelli de Alvarenga 35

nelas consubstanciados à legislação nacional dos respectivos Países-Membros.


Então, a OIT traduz-se como marco notável na generalização do processo
para a efetiva afirmação dos direitos humanos dos trabalhadores no mundo ca-
pitalista e para a efetiva aplicação do Direito Internacional do Trabalho (DIT).
Os princípios, os deveres e os objetivos da OIT estão previstos nos três
principais diplomas internacionais trabalhistas existentes até o presente, a
saber: a Constituição da OIT de 1919 (revisada em 1946), a Declaração de
Filadélfia de 1944 e a Declaração sobre Princípios e Direitos Fundamentais
no Trabalho de 1998.
Logo, a este ponto, faz-se mister deixar claro que o DIT – sempre e quanto
mais – está comprometido em garantir a promoção e a ampliação das conquistas
sociais já alcançadas pelos trabalhadores, por meio dos instrumentos legais legiti-
madores dos direitos humanos sociais previstos em suas fontes gerais e específicas.
Todos os objetivos da OIT visam a estabelecer critérios básicos de
proteção ao trabalhador, regulando a sua proteção no plano internacional e
assegurando padrões mais condizentes de dignidade e de bem-estar social. Ou
seja: a sua principal meta é a garantia do trabalho decente ou do trabalho digno.
Ao se falar no objeto e nas finalidades do Direito Internacional do Tra-
balho (DIT), parte-se de uma premissa incondicional: a justiça social. Esta
que é – e que sempre será – a bússola na nortear todos os que navegam pela
seara justrabalhista.
Desde a sua criação, a OIT está assente no princípio fulcral inscrito na sua
própria Constituição: não pode haver paz universal duradoura sem justiça social.
De tal sorte que, com a criação de uma “organização internacional” voltada aos
interesses dos trabalhadores, erigiu-se um ramo do Direito especializado com
vistas a se alcançarem os objetivos colimados pela mesma, qual seja: o Direito
Internacional do Trabalho (DIT). Este, para além, atuando na propositura de
assegurar também o princípio fulcral supramencionado.
É notória (e ainda mais digna de nota) a existência de outros instrumen-
tos internacionais – não específicos do trabalho – que contêm normas sociais
destinadas a proteger o trabalhador, apesar de não terem sido objeto de regula-
mentação no âmbito da Conferência Internacional do Trabalho – Parlamento
Internacional do Trabalho – e que são relevantes ferramentais para o DIT em
sua atuação ou em sua aplicação e em seu alcance ou em sua abrangência.
Acerca deste aspecto, seguindo a sempre mui acertadíssima análise de
Carlos Roberto Husek (2015), não se pode reduzir o DIT apenas às regras da
36 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

OIT, apesar de elas ocuparem o maior espaço. Isso porque todos os tratados
internacionais – mesmo fora do âmbito da OIT – podem conter regras sociais
que devem ser postas dentro de tal ramo de estudo.
De tal modo, também contribuíram para o fortalecimento do sistema
de proteção dos direitos sociais trabalhistas, em nível internacional, as fontes
gerais e específicas do Direito Internacional do Trabalho (DIT). Como princi-
pais fontes gerais do DIT, destacam-se: a) a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em Paris, em
10 de dezembro de 1948; e b) os Pactos Internacionais de Direitos Civis e
Políticos e de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, dentre outros.
Já como fontes específicas do DIT figuram: 1 – a Constituição da OIT
de 1919; 2 – a Declaração Relativa aos Fins e Objetivos da OIT, aprovada na
Conferência de Filadélfia em maio de 1944 e incorporada à Constituição da
OIT como anexo na revisão geral empreendida pela Conferência de Montreal
de outubro de 1946; 3 – a Declaração sobre Direitos e Princípios Funda-
mentais no Trabalho de 1998; 4 – a Declaração Tripartite de Princípios sobre
Empresas Multinacionais e Política Social de 2000; e 5 – a Declaração da
OIT sobre Justiça Social para uma Globalização Equitativa de 2008. Cumpre
ressaltar que, além dessas ora elencadas, também constituem fontes do DIT
as Convenções, Recomendações e Resoluções da OIT.
Assim sendo, a OIT está para o DIT tal qual a ONU está para a Decla-
ração Universal dos Direitos do Homem – DUDH. São as Organizações as
geradoras, as mantenedoras, as propulsoras e as promovedoras dos Direitos
Humanos por elas agasalhados e instrumentalizados.
Logo, o DIT não se ocupa apenas das regras ou das fontes específicas (sejam
elas formais ou materiais) oriundas da Conferência Internacional do Trabalho da
OIT, e, sim, de todos os diplomas internacionais que contêm disposições sociais
e que o influenciam, de algum modo, por assegurarem a efetivação e a promoção
dos Direitos Humanos dos trabalhadores em escala mundial.
À guisa de elucidar e de fortalecer as noções nucléicas relativas aos objetivos
do Direito Internacional do Trabalho – DIT, torna-se crucial destacar a sua im-
portância, em especial a da Constituição da OIT e a da Declaração de Filadélfia.
Flávia Piovesan leciona:
Atente-se que o Direito Internacional dos Direitos Humanos, com seus inúme-
ros instrumentos, não pretende substituir o sistema nacional. Ao revés, situa-se
como direito subsidiário e suplementar ao direito nacional, no sentido de per-
mitir sejam superadas suas omissões e deficiências. No sistema internacional
Rúbia Zanotelli de Alvarenga 37

de proteção dos direitos humanos, o Estado tem a responsabilidade primária


pela proteção desses direitos, ao passo que a comunidade internacional tem
a responsabilidade subsidiária. Os procedimentos internacionais têm, assim,
natureza subsidiária, constituindo garantia adicional de proteção dos direitos
humanos, quando falham as instituições nacionais. Os tratados de proteção dos
direitos humanos consagram, ademais, parâmetros protetivos mínimos, cabendo
ao Estado, em sua ordem doméstica, estar além de tais parâmetros, mas jamais
aquém deles.2

Conforme a assaz apropriada visão de Piovesan (2015), em outra obra de


sua autoria, os instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos já
adotam parâmetros mínimos para tal finalidade, ou seja, os tratados não se cons-
tituem como o “teto máximo” de proteção, mas sim como o “piso mínimo” para
a garantia da dignidade humana – esta que constitui o mínimo ético irredutível.
Em tempo, cumpre enfatizar: não há direitos humanos sem que – de fato – as
normas internacionais protetivas dos trabalhadores sejam respeitadas e aplicadas. Só e
somente assim o Direito Internacional do Trabalho (DIT) se efetiva plenamente.

1.1. CONDIÇÕES PARA INGRESSO NA ORGANIZAÇÃO


INTERNACIONAL DO TRABALHO: CUMPRIR E RESPEITAR AS
OBRIGAÇÕES DECORRENTES DA CONSTITUIÇÃO DA OIT
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é uma pessoa jurídica
de direito público internacional constituída por Estados soberanos. Trata-se
de uma organização permanente, encarregada de promover a realização do
programa exposto no preâmbulo de sua Constituição e na Declaração referente
aos fins e aos objetivos da OIT que foi adotada em Filadélfia no dia 10 de maio
de 1944 e cujo texto figura em anexo à sua Constituição.
No tocante às condições para o ingresso na OIT, qualquer Estado pode
tornar-se Membro da Organização, comunicando ao Diretor-Geral, desde que
haja a aceitação das obrigações decorrentes da sua Constituição. Para tanto,
apresenta-se uma declaração formal de aceitação das obrigações constantes na
mesma, dirigindo-a ao Diretor-Geral da OIT e levando-se em consideração a
maioria de 2/3 do conjunto dos votos presentes.
As condições necessárias para que um país se vincule à Organização
estão contidas no Artigo 1º, itens 2, 3 e 4, da Constituição da OIT revisada
em 1946. De acordo com a qual, são Membros da Organização, todos aque-
les que já o eram em 1º de novembro de 1945, além daqueles que passem a

2 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 14. ed. São Paulo: Sa-
raiva, 2013, p. 233.
38 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

possuir a referida condição a partir dos procedimentos previstos nos itens 3


e 4 de sua Constituição.
Todo Estado-Membro da Organização das Nações Unidas (ONU),
desde a sua criação, bem como todo Estado admitido por ela na qualidade de
Membro, em conformidade com as disposições da sua Carta e por decisão da
Assembleia Geral, pode tornar-se Membro da OIT, desde que comunique ao
Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho aceitar, integralmente,
as obrigações e as disposições da Constituição da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) como preceitua o item 3 da sua Carta Magna, declarando acei-
tar, sem exceções, todos os termos presentes na Constituição da Organização.
A Conferência Geral da OIT tem igualmente poderes para conferir a
qualidade de Membro da Organização, por maioria de 2/3 do conjunto dos
votos presentes, se a mesma maioria prevalecer entre os votos dos delegados
governamentais.
Verifica-se, pois, que a admissão do novo Estado-Membro só se tornará
efetiva, quando ele houver comunicado ao Diretor-Geral da Repartição Inter-
nacional do Trabalho que aceita integralmente as obrigações decorrentes da
Constituição da OIT.
Qualquer Estado pode vir a ser membro da Organização independen-
temente de sua vinculação às Nações Unidas. Para tanto, basta que o seu
ingresso seja aprovado na Conferência Geral pela maioria qualificada de 2/3
do conjunto dos votos presentes. A OIT está aberta à participação de todos os
Estados. Embora a OIT seja uma Instituição Especializada das Nações Unidas,
a qualidade de Membro não depende de prévia admissão pela ONU.
Como assegura Eduardo Raposo de Medeiros, a OIT é uma Instituição
Internacional composta por Estados, quer dos que a constituíram inicialmente
quer dos que depois a ela foram aderindo e que a refundaram em 1944, em
Filadélfia, quer dos que, posteriormente, após o fim da Segunda Guerra Mun-
dial, tornaram-se Membros.3
Ainda adverte Medeiros: “Como Organização universal que é, a OIT está
aberta à participação de todos os Estados”. 4
Medeiros reitera o dito acima: “Embora a OIT seja uma Instituição Es-
pecializada das Nações Unidas, a qualidade de Membro não depende de prévia

3 MEDEIROS, Eduardo Raposo de. A Organização Internacional do Trabalho (OIT). In: CAMPOS, João
Mota de (Coord.). Organizações internacionais: teoria geral. Curitiba: Juruá, 2012.
4 MEDEIROS, Eduardo Raposo de. A Organização Internacional do Trabalho (OIT). In: CAMPOS, João
Mota de (Coord.). Organizações internacionais: teoria geral. Curitiba: Juruá, 2012, p. 313.
Rúbia Zanotelli de Alvarenga 39

admissão da ONU”. E o autor lembra que a Suíça, por exemplo, foi membro
da Organização Internacional do Trabalho antes de o ser da Organização das
Nações Unidas. 5
Por fim, Medeiros esclarece que são Membros da OIT:
os Estados que a compunham em 01.11.1945; b) os que, depois disso, sendo
Membros da ONU, manifestaram a vontade de aderir, pois tanto basta para
adquirir a qualidade de Estado-Membro, conforme preceitua o art. 1°, § 3°,
da Constituição da OIT; c) os que, não sendo Membros da ONU, tenham
solicitado a adesão e hajam sido admitidos por deliberação da Conferência
Geral tomada por maioria de dois terços. 6

2. A CONSTITUIÇÃO DA ORGANIZAÇÃO
INTERNACIONAL DO TRABALHO – OIT (1919)
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi criada em 1919, ao
fim da Primeira Guerra Mundial, por meio da Parte XIII do Tratado de Ver-
sailles, que, por sua vez, instituiu a Constituição da OIT de 1919.
A Parte XIII do Tratado de Versailles divide-se em 1ª e 2ª Seção. A 1ª vem
com preâmbulo e quatro capítulos: Capítulo 1 – Organização (arts. 387 a 389);
Capítulo 2 – Funcionamento (arts. 400 a 420); Capítulo 3 – Prescrições Gerais
(arts. 421 a 423); Capítulo 4 – Medidas Transitórias (arts. 424 a 426); enquan-
to a 2ª Seção, por meio do Artigo 427, trata dos princípios gerais, in verbis:
Art. 427. As Altas Partes contratantes, reconhecendo que o bem-estar físico, moral
e intelectual dos trabalhadores industriários é de importância essencial do ponto de
vista internacional, criaram um organismo permanente associado à Sociedade das
Nações. Reconhecem que as diferenças de clima, usos e costumes, de oportunidade
econômica e de tradição industrial tornam difícil alcançar, de maneira imediata, a
uniformidade absoluta nas condições de trabalho. Entretanto, persuadidos de que
o trabalho não há de ser considerado simplesmente como um artigo de comércio,
pensam que existem métodos e princípios para a regulamentação das condições de
trabalho que todas as comunidades industriais deverão esforçar-se em aplicar, en-
quanto as circunstâncias especiais em que possam encontrar-se o permitam. Entre
esses métodos e princípios, as Altas Partes contratantes opinam que os seguintes
têm uma importância especial e urgente:
1º – O princípio diretivo antes enunciado de que o trabalho não há de ser con-
siderado como mercadoria ou artigo de comércio;
2º – O direito de associação visando a alcançar qualquer objetivo não contrário
5 MEDEIROS, Eduardo Raposo de. A Organização Internacional do Trabalho (OIT). In: CAMPOS, João
Mota de (Coord.). Organizações internacionais: teoria geral. Curitiba: Juruá, 2012, p. 313.
6 MEDEIROS, Eduardo Raposo de. A Organização Internacional do Trabalho (OIT). In: CAMPOS, João
Mota de (Coord.). Organizações internacionais: teoria geral. Curitiba: Juruá, 2012, p. 313.
40 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

às leis, tanto para patrões como para assalariados;


3º – O pagamento aos trabalhadores de um salário que lhes assegure um nível
de vida conveniente em relação com o contexto temporal e seu país;
4º – A adoção da jornada de 08 horas ou 48 horas semanais, como objetivos a
alcançar-se onde ainda não se haja logrado;
5º – A adoção de um descanso semanal de 24 horas, sempre que possível
aos domingos;
6º – A supressão do trabalho de crianças e a obrigação de impor aos trabalhos de
menores de ambos os sexos as limitações necessárias para permitir-lhes continuar
sua instrução e assegurar seu desenvolvimento físico;
7º – O princípio do salário igual, sem distinção de sexo, para trabalho de
igual valor;
8º – As leis promulgadas em cada país, relativas às condições de trabalho, deverão
assegurar um tratamento econômico equitativo a todos os trabalhadores que
residam legalmente no país;
9º – Cada Estado deverá organizar um serviço de inspeção, que inclua mulhe-
res, a fim de assegurar a aplicação das leis e regulamentos para a proteção dos
trabalhadores. Sem proclamar que esses princípios e métodos são complementos
ou definitivos, as Altas Partes contratantes entendem que servem para guiar a
política da Sociedade das Nações e que, se forem adotados pelas comunidades
industriais que são membros da Sociedade das Nações e mantidos completos na
prática, por um corpo apropriado de inspetores, beneficiarão profundamente os
assalariados do mundo.
Ressalte-se que a Parte XIII do Tratado de Versailles, base para a Cons-
tituição da OIT, foi complementada pela Declaração de Filadélfia em 1944.
Neste desiderato, acentua Daniela Muradas Reis:
O reconhecimento universal da excelência humana pelo Tratado de Versailles,
reafirmado posteriormente pela Declaração de Filadélfia, além da relevante posi-
tivação de normas assecuratórias de condições mínimas de reprodução social dos
trabalhadores no plano internacional, também transcendeu à dimensão humana
atrelada ao trabalho, sendo o substrato axiológico que permitiu o enfrentamento
jurídico das barbáries perpetradas contra a pessoa humana na Segunda Guerra
Mundial, capitaneando os esforços políticos das diversas nações para a formação
de documento internacional de reconhecimento da excelência humana em outras
dimensões, especialmente quanto às liberdades civis e políticas. 7

O Artigo 1º da Constituição da OIT estatui que ela tem caráter per-


manente e é encarregada de promover a realização do programa exposto no
7 REIS, Daniela Muradas. O princípio da vedação do retrocesso no direito do trabalho. São Paulo: LTr,
2010, p. 52.
Rúbia Zanotelli de Alvarenga 41

preâmbulo da própria Constituição e na Declaração referente aos fins e aos


objetivos da Organização. O Tratado de Versailles, que se tornou uma das
primeiras e uma das mais importantes fontes do Direito Internacional do
Trabalho (DIT), representou uma etapa fundamental para o início de uma
institucionalização do sistema internacional de proteção aos trabalhadores.
Terminado o horror da Primeira Grande Guerra e assinado o armistício,
Carlos Zangrando recorda:
A 25 de janeiro de 1919, instalou-se a Conferência de Paz, no Palácio de Versail-
les, em Paris. O objetivo da Conferência era de, literalmente, refazer a Europa,
onde nada mais restava, senão ruínas das velhas oligarquias. 8

Concorde Zangrando: “O Tratado de Versailles estabeleceu uma ver-


dadeira Nova Ordem Internacional, prevendo a criação da Organização
Internacional do Trabalho”. 9
Desde a sua criação até o início da Segunda Guerra Mundial (1939),
Zangrando destaca:
A Organização Internacional do Trabalho realizou notável trabalho, tanto na
área de normatização do direito social como na área da solução dos conflitos
sociotrabalhistas, universalizando a instituição com a adesão de vários países. 10

Márcio Morena Pinto sinaliza:


Desde o momento de sua instituição, a OIT vem desempenhando relevante
papel na internacionalização do Direito do Trabalho, fomentando a uniformi-
zação de preceitos trabalhistas fundamentais e a sua harmonização com a ordem
interna dos países celebrantes de seus tratados e convenções. 11

Na mui precisa visão de Paulo Borba Casella et al, citado por Pinto:
Esse Tratado de Paz, assim como o seu protocolo anexo, foi assinado aos 28
de junho de 1919, tendo como celebrantes os Estados Unidos da América, o
Império Britânico, França, Itália e Japão, como “potências principais aliadas”,
secundados pela Bélgica, Bolívia, Brasil, China, Cuba, Equador, Grécia, Gua-
temala, Haiti, Hedjaz, Honduras, Libéria, Nicarágua, Panamá, Peru, Bolívia,
Portugal, Estado Servo-Croata-Sloveno, Romênia, Sião, Tchecoslováquia e Uru-
guai, enquanto “potências associadas”, e a Alemanha. 12

A Constituição da OIT configura, portanto, nos dizeres de Lucia-


ne Cardoso Barzotto (2011, p. 86), “a fonte primária da qual emanam as
8 ZANGRANDO, Carlos. Curso de Direito do Trabalho. V. I. São Paulo: LTr, 2008, p. 254.
9 ZANGRANDO, Carlos. Curso de Direito do Trabalho. V. I. São Paulo: LTr, 2008, p. 254.
10 ZANGRANDO, Carlos. Curso de Direito do Trabalho. V. I. São Paulo: LTr, 2008, p. 254.
11 PINTO, Marcio Morena. Introdução ao Direito Internacional do Trabalho. São Paulo: LTr, 2014, p.45
12 PINTO, Marcio Morena. Introdução ao Direito Internacional do Trabalho. São Paulo: LTr, 2014, p.45
42 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

demais fontes”.
O preâmbulo da Constituição da OIT preconiza que todos os objetivos
da organização só devem ser alcançados, in verbis: “Considerando-se que a
paz universal e permanente só pode basear-se na justiça social”.
Isso posto, torna-se necessário elucidá-los para a melhor compreensão
dos objetivos contidos na Constituição da Organização Internacional do
Trabalho, in verbis:
Considerando que a paz para ser universal e duradoura deve assentar sobre a
justiça social;
Considerando que existem condições de trabalho que implicam, para grande
número de indivíduos, miséria e privações, e que o descontentamento que daí
decorre põe em perigo a paz e a harmonia universais, e considerando que é ur-
gente melhorar essas condições no que se refere, por exemplo, à regulamentação
das horas de trabalho, à fixação de uma duração máxima do dia e da semana de
trabalho, ao recrutamento da mão-de-obra, à luta contra o desemprego, à garan-
tia de um salário que assegure condições de existência convenientes, à proteção
dos trabalhadores contra as moléstias graves ou profissionais e os acidentes do
trabalho, à proteção das crianças, dos adolescentes e das mulheres, às pensões
de velhice e de invalidez, à defesa dos interesses dos trabalhadores empregados
no estrangeiro, à afirmação do princípio “para igual trabalho, mesmo salário”, à
afirmação do princípio de liberdade sindical, à organização do ensino profissional
e técnico, e outras medidas análogas;
Considerando que a não adoção por qualquer nação de um regime de trabalho
realmente humano cria obstáculos aos esforços das outras nações desejosas de
melhorar a sorte dos trabalhadores nos seus próprios territórios.
AS ALTAS PARTES CONTRATANTES, movidas por sentimentos de justiça e
de humanidade e pelo desejo de assegurar uma paz mundial duradoura, visando
os fins enunciados neste preâmbulo, aprovam a presente Constituição da Orga-
nização Internacional do Trabalho:
[...]

Na ótica de Arnaldo Sussekind:


O referido preâmbulo ressalta a tríplice justificação da consagração do Direito
do Trabalho (então ainda abrangendo a Previdência Social), visando à universa-
lização das leis social-trabalhistas: humanitária, política e econômica. 13

John D. Rockefeller Jr., citado por Barzotto, considera que “da relação
estabelecida no preâmbulo, entre paz e justiça social, a conclusão possível é
que o conceito de paz não pode ser apenas ausência de guerra, mas deve ser a

13 SUSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2000, p. 102.
Rúbia Zanotelli de Alvarenga 43

construção de uma comunidade universal justa”. 14


Razão pela qual alerta Barzotto que “a OIT, desde a sua fundação, já tem
privilegiado os princípios gerais de proteção ao trabalhador, como se observa
da sua Constituição”. 15 E mais:
A Constituição da OIT, primeira atividade normativa, foi elaborada em 1919,
instituindo a Organização e considerando os sentimentos de justiça e paz
permanente no mundo. A atividade normativa constitui-se em meio de ação
privilegiada da OIT para promover a justiça social. É a atividade que implica
elaboração de Normas Internacionais do Trabalho (NIT), com o propósito de
que sejam aceitas de modo mais amplo possível, facilitando sua execução pelos
Estados-Membros. 16
Seguindo-se o magistério de Pinto, o Tratado de Versailles fixou diversos
princípios trabalhistas, que foram sendo positivados pelos países industrializa-
dos ou em processo de industrialização, tais como: duração diária e semanal do
trabalho, repousos do trabalhador, isonomia salarial, proteção especial ao menor
e à mulher, direito de associação, entre tantos outros direitos responsáveis por
formar o arcabouço do Direito Internacional do Trabalho – DIT. 17
Para Reis, “o Tratado de Paz positivou o imperativo ético-jurídico do
trabalho não ser simples mercadoria ou artigo de comércio, reconhecendo,
pois, a dignidade própria da pessoa humana e o valor ínsito ao trabalho”. 18
Nesta toada, segundo Reis, o Tratado de Paz “ergueu à qualidade de
princípios fundamentais da ordem internacional a justiça social, a dignidade
da pessoa humana e o valor atribuído ao trabalho”. 19
Por isso, Reis enfatiza que “os princípios consagrados pelo Tratado de
Versailles permitiram a consolidação e difusão do ramo jurídico trabalhista,
estimulando os ordenamentos nacionais a aperfeiçoarem institutos e normas
do Direito do Trabalho”. 20
14 BARZOTTO, Luciane Cardoso. Direitos humanos e trabalhadores: atividade normativa da Organização
Internacional do Trabalho e os limites do Direito Internacional do Trabalho. Porto Alegre: Livraria do Ad-
vogado, 2007, p. 75.
15 BARZOTTO, Luciane Cardoso. Direitos humanos e trabalhadores: atividade normativa da Organização
Internacional do Trabalho e os limites do Direito Internacional do Trabalho. Porto Alegre: Livraria do Ad-
vogado, 2007, p. 36.
16 BARZOTTO, Luciane Cardoso. Direitos humanos e trabalhadores: atividade normativa da Organização
Internacional do Trabalho e os limites do Direito Internacional do Trabalho. Porto Alegre: Livraria do Ad-
vogado, 2007, p. 76.
17 PINTO, Marcio Morena. Introdução ao Direito Internacional do Trabalho. São Paulo: LTr, 2014, p.36.
18 REIS, Daniela Muradas. O princípio da vedação do retrocesso no direito do trabalho. São Paulo: LTr,
2010, p. 51.
19 REIS, Daniela Muradas. O princípio da vedação do retrocesso no direito do trabalho. São Paulo: LTr,
2010, p. 51.
20 REIS, Daniela Muradas. O princípio da vedação do retrocesso no direito do trabalho. São Paulo: LTr,
2010, p. 312.
44 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

2.1. A DECLARAÇÃO REFERENTE AOS FINS E OBJETIVOS


DA OIT – DECLARAÇÃO DE FILADÉLFIA (1944)
Em 1944, durante a 26ª Conferência Geral da Organização Internacio-
nal do Trabalho (OIT), realizada na cidade norte-americana de Filadélfia, foi
aprovada a Declaração Referente aos Fins e Objetivos da OIT, que dois anos
depois, em 1946, durante a 29ª Conferência Internacional do Trabalho da
Organização, em Montreal, foi incorporada, como anexo, à sua Constituição.
O texto em vigor da Constituição, assim revista em 1946, substituiu a adotada
em 1919 que fora emendada em 1922, em 1934 e em 1945.
O Brasil ratificou o instrumento de emenda da Constituição da OIT em
13 de abril de 1948, conforme Decreto de Promulgação n. 25.696, de 20 de
outubro de 1948. O texto constitucional de 1946, por sua vez, sofreu emendas
em 1953, em 1962 e em 1972, todas em vigor no âmbito internacional.
A Declaração Referente aos Fins e Objetivos da OIT – instrumento
também conhecido como Declaração de Filadélfia – reafirmou os principais
objetivos da Organização, bem como os princípios fundamentais sobre os
quais repousa o Direito Internacional do Trabalho (DIT). Tais princípios estão
inscritos na primeira parte da referida Declaração. São eles:
a) o trabalho não é uma mercadoria;
b) a liberdade de expressão e de associação é uma condição indispensável a um
progresso ininterrupto;
c) a penúria, seja onde for, constitui um perigo para a prosperidade geral;
d) a luta contra a carência, em qualquer nação, deve ser conduzida com infati-
gável energia e por um esforço internacional contínuo e conjugado, no qual os
representantes dos empregadores e dos empregados discutam, em igualdade, com
os dos Governos e tomem, com eles, decisões de caráter democrático visando
ao bem comum.

Verifica-se que os princípios do DIT estão presentes na Declaração Re-


ferente aos Fins e Objetivos da OIT ou Declaração de Filadélfia.
Segundo Medeiros, o objetivo de tais princípios é assegurar, dignamente,
“o pleno emprego, a melhoria do nível de vida das populações, o desenvolvi-
mento da segurança social, a proteção da saúde, a igualdade de oportunidades
no domínio da educação e no domínio profissional”. 21
Em tal perspectiva, Medeiros, ao discorrer sobre o relançamento da OIT,

21 MEDEIROS, Eduardo Raposo de. A Organização Internacional do Trabalho (OIT). In: CAMPOS, João
Mota de (Coord.). Organizações internacionais: teoria geral. Curitiba: Juruá, 2012, p. 313.
Rúbia Zanotelli de Alvarenga 45

em 1944, acentua que, em 1944, as delegações de 41 Estados-Membros da


Organização reuniram-se em Filadélfia, a fim de fazer um balanço da situação
da OIT e das suas perspectivas para o futuro; e, mais concretamente, a fim de
repensar as bases em que ela deveria passar a funcionar, o que implicaria uma
revisão da sua Constituição. 22
Medeiros informa que tal revisão foi levada a cabo rapidamente com base
em um texto elaborado já em 1942 no seio da Organização cujos termos, uma
vez adotados, constituíram o texto da Declaração de Filadélfia que passou a
fazer parte, como anexo, do Ato Constitutivo da Organização. 23
A Constituição da OIT, assim revista, substituiu a adotada em 1919 e,
como dito anteriormente, foi emendada em 1922, em 1934 e em 1945. Sua
vigência teve início em 20 de abril de 1948.
Para Sussekind:
A Conferência Geral da OIT, realizada em Filadélfia (maio de 1944), quando se
vislumbrava a vitória das forças aliadas na Segunda Guerra Mundial, ampliou,
ainda mais, o campo de atuação dessa entidade e, portanto, do DIT. 24

Também em conformidade com Sussekind:


A Declaração de Filadélfia, que se incorporou, dois anos mais tarde, à Consti-
tuição da OIT, e a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em
1948 pelas Nações Unidas, ampliaram o campo de atuação do Direito Interna-
cional do Trabalho, dando-lhe nova dimensão. 25

Ao se ampliarem as finalidades e a competência da OIT, reafirmaram-se


os princípios enunciados no preâmbulo da sua Constituição resultante do
disposto no Artigo 427 do Tratado de Versailles.
Neste aspecto, acentua Sussekind que a Declaração de Filadélfia, relativa
aos fins e objetivos da OIT, deu nova dimensão ao DIT e ampliou as finalidades
e a competência da Organização, já que reafirmou seus princípios. 26
De acordo com Reis:
A Declaração da Filadélfia reiterou a valorização ínsita do trabalho humano e
reafirmou o compromisso com a realização da justiça social, com catalogação
de padrões mínimos de proteção ao trabalho, tal qual o Tratado de Versailles

22 MEDEIROS, Eduardo Raposo de. A Organização Internacional do Trabalho (OIT). In: CAMPOS, João
Mota de (Coord.). Organizações internacionais: teoria geral. Curitiba: Juruá, 2012, p. 313.
23 MEDEIROS, Eduardo Raposo de. A Organização Internacional do Trabalho (OIT). In: CAMPOS, João
Mota de (Coord.). Organizações internacionais: teoria geral. Curitiba: Juruá, 2012, p. 313.
24 SUSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2000, p. 18.
25 SUSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2000, p. 111..
26 SUSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2000, p. 18.
46 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

de 1919. 27
Para tanto, Reis pontua:
A Declaração da Filadélfia afigura-se como um dos mais importantes diplomas
internacionais já produzidos na seara juslaboral, em razão da densificação nor-
mativa do princípio da justiça social operada internacionalmente, precisando-lhe
o sentido e alcance. 28
Logo, complementa Reis:
A Declaração da Filadélfia expressa o sentido histórico da ordem internacional
de promover a progressão das condições sociais dos trabalhadores, que ampliou
significativamente o catálogo normativo com a consagração de regras e princípios
não expressados no documento constitutivo originário da OIT. 29

Neste contexto, afirma com exatidão Ana Virgínia Moreira Gomes:


A Declaração reafirma os princípios da OIT e expande o papel da Organização
para além dos limites das condições de trabalho e da função normativa exterio-
rizada pelas Convenções. Como resultado, a OIT amplia suas atividades para
abarcar temas acerca do funcionamento do mercado de trabalho, tais como
políticas de emprego, informalidade, produtividade no trabalho, migração,
seguridade social, habitação, proteção à maternidade, proteção à criança etc.;
além de passar a abordar políticas econômicas e sociais que afetam o mercado
de trabalho. 30

Sob este prisma, elucida Medeiros:


A Declaração reafirma os princípios informadores da Organização, repensados
em função da evolução da sociedade internacional em geral e do mundo laboral
em particular, que havia ocorrido durante os precedentes 25 anos. 31

Ainda consoante o autor, em função dos princípios contidos na Decla-


ração de Filadélfia, devem ser avaliados os programas de ação e as medidas a
se adotarem, quer no quadro nacional quer na ordem internacional, tanto no
plano social quanto nos domínios econômico e financeiro.
Husek informa que, após a aprovação dos ideais e dos princípios orien-
tadores da OIT, foram estabelecidos os quatro objetivos estratégicos da
27 REIS, Daniela Muradas. O princípio da vedação do retrocesso no direito do trabalho. São Paulo: LTr,
2010, p. 57.
28 REIS, Daniela Muradas. O princípio da vedação do retrocesso no direito do trabalho. São Paulo: LTr,
2010, p. 59.
29 REIS, Daniela Muradas. O princípio da vedação do retrocesso no direito do trabalho. São Paulo: LTr,
2010, p. 59
30 GOMES, Ana Virgínia Moreira. A declaração da OIT de 1998: história, mudanças e desafios. In: GOMES,
Ana Virgínia Moreira; FREITAS JÚNIOR, Antônio Rodrigues (Org.). A Declaração de 1998 da OIT sobre
Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. São Paulo: LTr, 2014, p.23.
31 MEDEIROS, Eduardo Raposo de. A Organização Internacional do Trabalho (OIT). In: CAMPOS, João
Mota de (Coord.). Organizações internacionais: teoria geral. Curitiba: Juruá, 2012, p. 313.
Rúbia Zanotelli de Alvarenga 47

Organização, a saber:
1. Promover e aplicar os princípios e direitos fundamentais no trabalho; 2.
Desenvolver as oportunidades para que os homens e as mulheres tenham um
emprego digno; 3. Alargar a proteção social; 4. Reformar o tripartismo e o
diálogo social. 32

Cumpre destacar que a Declaração de Filadélfia se estrutura em cinco


capítulos, sendo imprescindível elencá-los.
No Primeiro Capítulo, são reafirmados os princípios orientadores da OIT
em que se deve inspirar a política dos Países-Membros. A Conferência reitera
os princípios fundamentais sobre os quais repousa a Organização Internacional
do Trabalho, principalmente os já supracitados.
No Segundo Capítulo, a Conferência, convencida de a experiência ter
demonstrado plenamente ser verdadeira a máxima de que, para ser duradoura,
a paz deve se assentar sobre a justiça social, contida na Constituição da OIT,
afirma: a) todos os seres humanos de qualquer raça, crença ou sexo têm o
idêntico direito ao bem-estar material e ao desenvolvimento espiritual com
liberdade e com dignidade, com tranquilidade econômica e com as mesmas
possibilidades; b) a realização de condições que permitam o exercício de tal
direito deve constituir o principal objetivo de qualquer política nacional
ou internacional; c) quaisquer planos ou medidas, no terreno nacional ou
internacional, máxime os de caráter econômico e financeiro, devem ser con-
siderados sob esse ponto de vista e somente aceitos, quando favorecerem, e
não entravarem, a realização do objetivo principal; d) compete à Organização
Internacional do Trabalho apreciar, no domínio internacional, tendo em vista
tal objetivo, todos os programas de ação e as medidas de caráter econômico e
financeiro; e) no desempenho das funções que lhe são confiadas, a Organização
Internacional do Trabalho tem capacidade para incluir, em suas decisões e em
suas recomendações, quaisquer disposições que julgar convenientes, após levar
em conta todos os fatores econômicos e financeiros de interesse.
No Terceiro Capítulo, a Conferência proclama, solenemente, a
obrigação da OIT de auxiliar as Nações do Mundo na execução de seus
programas que visem a: 1 – proporcionar emprego integral para todos e
elevar os níveis de vida; 2 – dar a cada trabalhador uma ocupação em que
ele tenha a satisfação de utilizar, plenamente, suas habilidades e seus co-
nhecimentos e de contribuir para o bem geral; 3 – favorecer, para atingir o
fim mencionado no “parágrafo precedente”, as possibilidades de formação
32 HUSEK, Carlos Roberto. Curso básico de direito internacional público e privado. 3. ed. São Paulo: LTr,
2015, p. 105
48 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

profissional e facilitar as transferências e as migrações de trabalhadores e


de colonos, dando as devidas garantias a todos os interessados; 4 – adotar
normas referentes aos salários e às remunerações, ao horário e às outras
condições de trabalho, a fim de permitir a todos usufruírem o progresso
e, também, que todos os assalariados, sem ainda o terem, percebam, no
mínimo, um salário vital; 5 – assegurar o direito de ajustes coletivos, in-
centivar a cooperação entre empregadores e trabalhadores para a melhoria
contínua na organização da produção e a colaboração de uns e outros
na elaboração e na aplicação da política social e econômica; 6 – ampliar
as medidas de segurança social, a fim de proporcionar tanto uma renda
mínima e essencial a todos a quem tal proteção é necessária quanto uma
assistência médica completa; 7 – assegurar uma proteção adequada da vida
e da saúde dos trabalhadores em todas as ocupações; 8 – garantir a proteção
da infância e da maternidade; 9 – obter um nível adequado de alimentação,
de alojamento, de recreação e de cultura; 10 – garantir as mesmas oportu-
nidades para todos em matéria educativa e profissional.
No Quarto Capítulo, a Conferência propõe que uma utilização mais
ampla e mais completa dos recursos da terra é necessária para a realização dos
objetivos enumerados na Declaração e que ela pode ser garantida por uma
ação eficaz nos domínios internacional e nacional – em particular mediante
medidas tendentes: a promover a expansão da produção e do consumo,
a evitar flutuações econômicas graves, a realizar o progresso econômico e
social das regiões menos desenvolvidas, a obter maior estabilidade nos preços
mundiais de matérias-primas e de produtos e a favorecer um comércio in-
ternacional de volume elevado e constante. Além do que promete a inteira
colaboração da OIT com todos os organismos internacionais para os quais
possa ser atribuída uma parcela de responsabilidade nesta grande missão,
como na melhoria da saúde e no aperfeiçoamento da educação e do bem-estar
de todos os povos.
Por último, no Quinto Capítulo, a Conferência afirma que os prin-
cípios contidos na Declaração de Filadélfia convêm integralmente a todos
os povos e que a sua aplicação progressiva, tanto àqueles que são ainda de-
pendentes quanto aos que já se podem governar a si próprios, interessa ao
conjunto do mundo civilizado, embora se deva levar em conta, nas variedades
de tal aplicação, o grau de desenvolvimento econômico e social atingido por
eles em sua individualidade.
Desse modo, com a adoção da Declaração de Filadélfia de 1944,
as normas da Organização Internacional do Trabalho, além de questões
Rúbia Zanotelli de Alvarenga 49

tradicionais, como aquelas a que se refere o preâmbulo da Constituição da


OIT (jornada, salário mínimo, proteção de crianças e de mulheres), também
foram lançados temas mais amplos relacionados ao trabalho, a exemplo dos
concernentes às condições de vida, de liberdade, de desenvolvimento e de
bem-estar social.
Barzotto ressalta:
Os princípios da Declaração de Filadélfia se resumem, portanto, na dignidade
do trabalho e do trabalhador, no valor da liberdade e na urgência do desenvolvi-
mento social no interior dos Estados e a cooperação internacional para este fim. 33

No tocante ainda à Declaração de Filadélfia, Sidney Guerra salienta que


ela “deu nova dimensão ao direito internacional do trabalho na medida em
que se ampliavam as finalidades, as competências e o funcionamento da Or-
ganização Internacional do Trabalho”. 34
De acordo com Pinto:
Essa nova Declaração, grosso modo, repetia e ampliava alguns dos principais pre-
ceitos do Tratado de Versailles, consubstanciando alguns outros. Consagrava ainda
que todos os seres humanos, sem distinção de raça, crença ou sexo, têm direito a
procurar seu bem-estar material e seu desenvolvimento espiritual em condições de
liberdade, de segurança econômica e em igualdade de oportunidades. 35

Sob tal prisma, elucida Ericson Crivelli que a Declaração de Filadélfia,


também conhecida como Declaração Relativa aos Fins e Objetivos da OIT,
teve por escopo reafirmar os objetivos ainda considerados válidos para o pe-
ríodo que se abria e, ademais, redefinir aqueles considerados inadequados. O
seu texto foi incluído como um anexo ao texto da Constituição, substituindo
o Artigo 41 da redação de 1919. 36
E Crivelli assinala:
A Declaração de Filadélfia exerceu grande influência no padrão da atividade nor-
mativa futura da Organização, porque não só atualizou os seus objetivos, como
os tornou mais adequados à sociedade internacional que emergiria do pós-guerra
e ao novo padrão de direito internacional do trabalho que se descortinava. 37

Também conforme Crivelli, o seu texto intercala normas que contêm

33 BARZOTTO, Luciane Cardoso. Direitos humanos e trabalhadores: atividade normativa da Organização


Internacional do Trabalho e os limites do Direito Internacional do Trabalho. Porto Alegre: Livraria do Ad-
vogado, 2007, p. 76.
34 GUERRA, Sidney. Direitos humanos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 33.
35 PINTO, Marcio Morena. Introdução ao Direito Internacional do Trabalho. São Paulo: LTr, 2014, p.36.
36 CRIVELLI, Ericson. Direito internacional do trabalho contemporâneo. São Paulo: LTr, 2010.
37 CRIVELLI, Ericson. Direito internacional do trabalho contemporâneo. São Paulo: LTr, 2010, p. 64.
50 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

direitos objetivos – como a liberdade sindical, o direito à não-discriminação


no emprego e ocupação – mas, por outro lado, normas de conteúdo progra-
mático, entre elas as que recomendam aos Estados-Membros terem por meta
alcançar o pleno emprego e aumentar o nível de vida – ou, ainda, enunciados
normativos de natureza ética e moral. 38
Barzotto explica que a Declaração de Filadélfia – como instrumento de
direitos trabalhistas – significa a modernização da linguagem da justiça social
para a linguagem dos direitos humanos, emergente no término da Segunda
Guerra. Os direitos humanos básicos a serem garantidos, naquela época, eram
justamente a liberdade e a igualdade – essenciais para sustentar o progresso,
com base nas políticas keynesianas. Pretendia-se, de tal forma, o pleno emprego
com o aumento da produção e do consumo. 39
Nos seus primórdios, a OIT se inspirava no modelo americano de admi-
nistração científica do trabalho, de acento taylorista e fordista, sustentando a
necessidade de expansão do trabalho e das condições de bem-estar e do con-
sumo para as massas. Assume-se o discurso da produção e da produtividade,
tentando-se evitar o confronto entre as ideologias capitalistas e comunistas.
Por fim, ao explanar sobre a Declaração de Filadélfia, Platon Teixeira de
Azevedo Neto argumenta:
A Declaração de Filadélfia não pode ser desconsiderada em razão de seu formato,
pois enuncia as bases de toda a sistemática normativa juslaboralista, sendo guia
interpretativo para outros instrumentos internacionais. 40

CONCLUSÃO
Viram-se, nesta oportunidade, as fontes do Direito Internacional
do Trabalho (DIT) que contribuíram para o surgimento da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), bem como a sua substancial relevân-
cia e as conquistas dos direitos humanos dos trabalhadores em âmbito
internacional.
A colimada efetivação dos direitos sociais dos trabalhadores representa
importante instrumento de realização dos direitos humanos fundamentais no
terreno das relações de trabalho – sejam eles oriundos da seara internacional,

38 CRIVELLI, Ericson. Direito internacional do trabalho contemporâneo. São Paulo: LTr, 2010.
39 BARZOTTO, Luciane Cardoso. Direitos humanos e trabalhadores: atividade normativa da Organização
Internacional do Trabalho e os limites do Direito Internacional do Trabalho. Porto Alegre: Livraria do Ad-
vogado, 2007.
40 AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. A justiciabilidade dos direitos sociais nas cortes internacionais
de justiça. São Paulo: LTr, 2017, p. 97.
Rúbia Zanotelli de Alvarenga 51

sejam os de natureza constitucional nacional – visto que os mesmos configuram


um importante mecanismo para a valorização da cidadania, para a erradicação
da pobreza e da marginalização, para a redução das desigualdades sociais e
regionais e para o reconhecimento do valor social do trabalho.
Então, é imprescindível perceber – cada vez mais – a urgência da adoção
de um novo paradigma para as relações de trabalho, qual seja: servir como meio
que garanta ao trabalhador uma existência digna.
Por isso, não há que se falar em direitos humanos nem mesmo que se
afirmar sua existência real na vida dos seres humanos sem – de fato – as normas
internacionais protetivas dos trabalhadores já vigentes e tão bem elaboradas
serem – efetivamente – respeitadas e aplicadas, o que requer de todos os obrei-
ros atuantes e vigilantes inseridos nesta empreitada da seara justrabalhista
extremada atenção e firme determinação, porquanto tem de ser ainda mais
protetiva a sua nobre missão.
O Brasil, portanto, e por óbvio, como País-Membro da OIT e signa-
tário de tais normas de proteção do ser humano trabalhador tem o dever de
garantir a aplicação dos instrumentos internacionais existentes ora expostos
ou revisitados, pois estes alçam – por premissa e por finalidade – garantir a
todos os que laboram o trabalho decente ou o trabalho digno incondicional.
Ademais, enquanto Estado-Membro da Organização Internacional do Traba-
lho, o País tem o dever de respeitar os convênios ratificados, a fim de defender
e de preservar a proteção social já estabelecida no âmbito da normatividade
mundial na efetiva aplicação do Direito Internacional do Trabalho em sua
plena razão de ser ou de existir.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. A justiciabilidade dos direitos sociais nas cortes internacionais
de justiça. São Paulo: LTr, 2017.
BARZOTTO, Luciane Cardoso. Direitos humanos e trabalhadores: atividade normativa da Organização
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vogado, 2007.
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HUSEK, Carlos Roberto. Curso básico de direito internacional público e privado. 3. ed. São Paulo: LTr,
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Ana Virgínia Moreira; FREITAS JÚNIOR, Antônio Rodrigues (Org.). A Declaração de 1998 da OIT
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MEDEIROS, Eduardo Raposo de. A Organização Internacional do Trabalho (OIT). In: CAMPOS, João
Mota de (Coord.). Organizações internacionais: teoria geral. Curitiba: Juruá, 2012.
52 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

PINTO, Marcio Morena. Introdução ao Direito Internacional do Trabalho. São Paulo: LTr, 2014.
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 14. ed. São Paulo: Sa-
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______. Temas de direitos humanos. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
REIS, Daniela Muradas. O princípio da vedação do retrocesso no direito do trabalho. São Paulo: LTr,
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SILVA, Homero Batista Mateus. Comentários à reforma trabalhista. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2017.
SUSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2000.
ZANGRANDO, Carlos. Curso de Direito do Trabalho. V. I. São Paulo: LTr, 2008.
O FUTURO DO TRABALHO SOB O OLHAR DA OIT:
ANÁLISE DO RELATÓRIO “TRABALHAR PARA UM
FUTURO MELHOR”
THE FUTURE OF WORK UNDER THE ILO: ANALYSIS OF THE REPORT
“WORKING FOR A BRIGHTER FUTURE”

Ney Maranhão1
Thiago Amaral Costa Savino2

RESUMO: Expõe-se o conteúdo do Relatório “Trabalhar para um Futuro


Melhor” (março de 2019), produto de estudos realizados pela Comissão
Mundial sobre o Futuro do Trabalho, instaurada sob a iniciativa da Organiza-
ção Internacional do Trabalho (OIT), o qual apresenta um panorama acerca
das perspectivas sobre o futuro dessa área à luz de uma agenda institucional
centrada no ser humano, contendo uma série de recomendações e diretrizes
sobre a matéria. Produz-se, a partir de análise expositiva, uma síntese do
conteúdo do documento, que deverá ser objeto de deliberações na Confe-
rência do Centenário da OIT. Tenciona-se, em síntese, proporcionar uma
visão privilegiada das discussões mais atuais travadas a nível mundial acerca
do futuro do trabalho, assim como das possíveis diretrizes internacionais a
serem firmadas a respeito da matéria.
Palavras-chave: Organização Internacional do Trabalho; Relatório Trabalhar
para um Futuro Melhor; Dignidade Humana.
ABSTRACT: Exposes the content of the Report “Work for a Brighter Future”
(march 2019), result of studies carried out by the World Commission on
the Future of Work, established by the initiative of the International Labour
1 Ney Maranhão é Professor de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade Federal do
Pará. Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade
Federal do Pará (Mestrado e Doutorado). Doutor em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo
- USP, com estágio de Doutorado-Sanduíche junto à Universidade de Massachusetts (Boston/EUA). Es-
pecialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Universidade de Roma/La Sapienza (Itália).
Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Pará. Membro da Academia Brasileira de Di-
reito do Trabalho (Cadeira 30). Eleito para a Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cadeira 25). Professor
Coordenador do Grupo de Pesquisa Contemporaneidade e Trabalho - GPCONTRAB (UFPA/CNPQ). 
2 Thiago Amaral Costa Savino é acadêmico de Direito (7º Semestre) na Universidade Federal do Pará
(UFPA). Servidor Público no Tribunal de Contas do Estado do Pará (TCE-PA). Bolsista do Programa de
Iniciação Científica com o tema “Sociedade Pós-industrial e Meio Ambiente do Trabalho” (PIBIC-CNPq)
sob a orientação do Prof. Dr. Ney Maranhão. Membro do Grupo de Pesquisa “Contemporaneidade e Tra-
balho” (CNPq-UFPA). Membro da Liga Acadêmica de Direito do Estado (LADE).
54 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Organization, which presents a scenario regarding the perspectives about the


future of this area based in an institutional human-centred agenda, containing a
series of recommendations and guidelines about the subject. Produces, from an
expository analysis, a synthesis of the content of the report, which shall be object
of deliberation at the Centenary International Labour Conference. Intends,
in summary, to provide a privileged view of the most recent discussions taken
in a global scale about the future of work, as well as the possible international
guidelines yet to be firmed on the subject.
Keywords: International Labour Organization; Report “Work for a Brighter
Future”; “Human Dignity”.

1. INTRODUÇÃO
O mundo do trabalho está passando por um momento de mudanças
disruptivas. As inovações tecnológicas avançam em um ritmo cada vez mais
acelerado e invenções como a inteligência artificial, a big data e outros sistemas
inteligentes prometem transformar completamente o mercado de trabalho e o
modo que trabalhamos na contemporaneidade
Além disso, a discussão sobre os impactos ambientais causados pelo atual
modelo de desenvolvimento da humanidade conquistou a atenção da socie-
dade civil, países e organizações internacionais, criando uma demanda pela
criação de tecnologias e empreendimentos “verdes” com impacto direto no
mundo do trabalho. De igual modo, a transição demográfica experimentada
por grande parte das nações do mundo, seja no sentido de envelhecimento da
população ou de expansão da base da pirâmide etária, representa um obstáculo
que nos obrigará a criar soluções adequadas para acomodar essa distorção no
mercado de trabalho e proteger os trabalhadores.
Ainda que tais transições projetem uma profusão de desafios, são,
também, oportunidades singulares para aproveitar o momento e sanar vários
dos problemas já enfrentados no mundo do trabalho. Essa é justamente a pre-
missa a partir da qual parte o Relatório “Trabalhar para um Futuro Melhor”,
produzido pela Comissão Mundial sobre o Futuro do Trabalho, sob enco-
menda da Organização Internacional do Trabalho (OIT), com o objetivo de
fornecer uma base analítica para garantir a concretização da justiça social no
século XXI. Em linhas gerais, a proposta é simples: promover uma agenda
centrada no ser humano, pela qual os diversos atores inseridos no contexto
laboral, em exercício de diálogo social, assumirão a responsabilidade conjunta
de (re)construir as bases para um futuro do trabalho justo, digno e equitativo.
A expectativa é de que tal documento seja utilizado como base das
Ney Maranhão – Thiago Amaral Costa Savino 55

deliberações suscitadas pela Organização Internacional do Trabalho na Con-


ferência do Centenário da OIT, a ser realizada em junho de 2019. Dessa forma,
proporciona-se uma visão privilegiada das discussões mais atuais travadas a
nível mundial acerca do futuro do trabalho, assim como das possíveis diretrizes
internacionais a serem firmadas a respeito da matéria.
Posto isso, a proposta do presente trabalho é analisar o Relatório “Trabalhar
para um Futuro Melhor” a fim de produzir uma síntese do documento e suas
recomendações, bem como de levantar críticas pontuais acerca da abordagem
utilizada pela Comissão. O objetivo dessa pesquisa não é discorrer exaustiva-
mente acerca das constatações alcançadas no documento, inclusive em razão da
grande quantidade de assuntos e questões diferentes reunidas – que, decerto, não
teriam como ser tratadas dentro do escopo deste trabalho – , mas, sim, firmar um
ponto de partida para pesquisadores que almejam adentrar na temática e em seus
desdobramentos, considerando a pertinência e atualidade do tema. Far-se-á, pois,
uma análise expositiva do relatório, valendo-se de referenciais teóricos pontuais
a fim de esclarecer brevemente determinados aspectos de seu conteúdo e servir
de subsídio para sustentar as críticas propostas ao documento.
Este escrito está dividido em dois momentos principais. Inicialmente, fare-
mos uma síntese do relatório, observando o curso dos argumentos e a disposição
da divisão organizada no próprio documento. Em seguida, teceremos breves
considerações críticas a partir de dois focos, tratando, primeiramente, sobre como
o relatório possui abordagem ampla, deixando de focar em um fenômeno es-
pecífico como causa e fonte principal de preocupações, notadamente quanto à
chamada “Indústria 4.0” e, por fim, tecendo considerações acerca do pressuposto
ético-jurídico adotado pela Comissão, a qual elencou o ser humano como fim e
elemento central do desenvolvimento econômico e tecnológico.

2. SÍNTESE DO RELATÓRIO
O Relatório “Trabalhar para um Futuro Melhor”, produzido pela
Comissão Mundial sobre o Futuro do Trabalho, a convite da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), objetivou apresentar os principais desa-
fios para o futuro do trabalho, assim como recomendações quanto ao modo
de os enfrentar. Com 28 membros, incluindo os co-presidentes da OIT e
quatro membros de mérito, dos quais se se identifica o Diretor-Geral e os
integrantes do Conselho de Administração da Organização, a Comissão foi
criada no âmbito da Iniciativa do Centenário sobre o Futuro do Trabalho
da OIT, instituída em 2013, e precedida por diálogos nacionais em mais de
110 países, protagonizados por governos, organizações de empregadores e
56 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

de trabalhadores, em preparação para o seu lançamento .


Os trabalhos se iniciaram em 2017, culminando em quatro reuniões
realizadas durante o ano de 2018, sob a composição de especialistas de todo o
mundo em diferentes áreas conexas ao tema. A Comissão, destaca-se, é inde-
pendente e seu relatório, bem como suas recomendações, não são vinculantes,
os quais serão submetidos à Conferência do Centenário da OIT, a ser realizada
ainda neste ano de 2019.
Dito isso, partindo das transformações disruptivas atualmente experi-
mentadas no mundo laboral, o documento aposta em uma agenda centrada
no ser humano, na qual governos, empresas e trabalhadores assumirão a res-
ponsabilidade comum de construir um futuro do trabalho justo e equitativo,
permeado pelo diálogo social, em que as pessoas estejam no centro das políticas
econômicas e sociais e das práticas empresariais, com o fim de revitalizar o
contrato social. Para tanto, o documento se divide, além do índice, prefácio e
sumário executivo, em três títulos principais: “Aproveitar o Momento”, “Rea-
lizar o Contrato Social” e “Assumir a Responsabilidade”.

2.1. APROVEITAR O MOMENTO


Preliminarmente, o Relatório se preocupa em delimitar um questiona-
mento essencial: qual é o momento que vivemos no mundo do trabalho? A
profusão de descobertas e avanços observáveis na atualidade evidencia um
período de alterações profundas e mudanças disruptivas em todos as esferas
de relações humanas. Novas forças estão movendo essas transformações: por
exemplo, a tecnologia, as mudanças ambientais e a transição demográfica,
as quais ameaçam ampliar os problemas já existentes como o desemprego, a
informalidade, os baixos salários, a falta de saúde no ambiente de trabalho, a
desigualdade de gênero e a exclusão digital.
Assim, é imperativo aproveitar o momento para nos utilizarmos dessas
mudanças como forma de solucionar tais problemas, e não permitir que elas
sejam intensificadas. Diante dessa constatação, o documento adota uma visão
otimista ao enxergar formas de usufruir das possibilidades apresentadas, fazendo
a ressalva clara de que é imperioso um programa de ação determinado, voltado
para a valorização da pessoa humana. A Comissão é categórica: “o trabalho não
é uma mercadoria que possa ser vendida nos mercados ao preço mais baixo”.
Posto isso, propõe-se revitalizar o contrato social, de maneira que todos
possam ter uma participação efetiva no diálogo social e na tomada de decisões
concernentes ao seu presente e ao futuro, firmando as bases de um mundo do
Ney Maranhão – Thiago Amaral Costa Savino 57

trabalho justo, equitativo e digno. Faz, pois, um apelo à formulação de políticas


nacionais e internacionais “para apoiar cada pessoa a alcançar o que quer e o
que precisa com o trabalho” .

2.2. REALIZAR O CONTRATO SOCIAL: UMA AGENDA


CENTRADA NO SER HUMANO
O desenvolvimento das ideias apresentadas no Relatório parte em di-
reção a uma agenda centrada no ser humano, voltada para o desenvolvimento
das capacidades humanas e institucionais, que se sustenta em três pilares de
atuação: aumentar o investimento na capacidade das pessoas, nas instituições
do trabalho e no trabalho digno e sustentável.

a) Investir na capacidade das pessoas


Consoante disposto no relatório, investir na capacidade das pessoas é um
meio de permitir que cada um possa realizar todo o seu potencial e viver a vida
que desejar. Tal objetivo pode ser alcançado a partir do assentamento de quatro
diretrizes: o direito ao aprendizado ao longo da vida, o apoio às pessoas no
contexto das transições, a igualdade de gênero e uma proteção social mais forte.
Como primeira orientação, a Comissão apela para o reconhecimento
formal do direito à aprendizagem ao longo da vida, com o intuito de que
as pessoas sejam capazes de usufruir, e não serem excluídas, dos benefícios
trazidos pelo avanço tecnológico. Engloba a aprendizagem formal e informal
de maneira contínua desde a infância à vida adulta, aliando competências
básicas, sociais e cognitivas com as profissionais. A partir disso, proporcio-
nar-se-ia a possibilidade de ascensão social e, especialmente aos jovens, de
ingressar no mercado de trabalho, além de assegurar a permanência e com-
petitividade dos trabalhadores mais idosos.
No intuito de implementar esse cenário, o relatório fala em estabelecer
um ecossistema eficaz de aprendizagem. O uso dessa expressão implica em um
verdadeiro complexo de atuação, no sentido de ofertar todas as condições
necessárias para o usufruto desse direito, como tempo e apoio financeiro, e
não apenas seu reconhecimento formal. Assim, propõe: a) mecanismos de fi-
nanciamento pelos governos e empregadores, com auxílio das organizações de
trabalhadores; b) a criação e promoção de um sistema de direito de formação,
através de um seguro de emprego ou fundos sociais, com licenças remunera-
das e direito a um certo número de horas de formação; c) a criação de fundos
nacionais ou setoriais de educação e formação para alcançar os trabalhadores
informais, geridos por conselhos tripartidos compostos por representantes do
58 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Estado e das organizações de empregadores e trabalhadores .


A Comissão também apela para a necessidade de apoio a pessoas
durante contextos de transição, sejam eles tecnológicos, ambientais ou de-
mográficos, expondo as seguintes sugestões: a) instituir programas de emprego
e apoio ao empreendedorismo jovem, o que inclui estágios profissionais, com
igualdade de remuneração por trabalho de igual valor; b) concessão de apoio
para a população mais velha, através de jornadas flexíveis, horários reduzidos
e teletrabalho e uma pensão básica; c) investimento nos serviços públicos de
oferta e orientação profissional, aliando aconselhamento pessoal com serviços
prestados a partir de plataformas digitais .
A desigualdade de gênero é outro problema sobre o qual se focaram
os trabalhos do grupo. Afinal, não há de se olvidar que o trabalho feminino
ainda é frequentemente tido como “secundário”, apesar de ter um poten-
cial de transformação econômica e social pungente. Recomendou-se, pois, a
criação de políticas públicas com foco no âmbito doméstico, incentivando a
partilha dos cuidados e responsabilidades da casa entre mulheres e homens,
o alargamento de licenças e o investimento em serviços públicos na área de
cuidados (a exemplo de creches). Além disso, deve-se prestar contas quanto
ao progresso na luta pela igualdade de gênero, adotar políticas de transparên-
cia salarial e instrumentos de ação positiva (como cotas e metas), assegurar a
representatividade das mulheres e combater a violência e o assédio. A tecnolo-
gia também desempenha um papel fundamental no processo, possibilitando
o acesso ao financiamento de crédito para as mulheres inseridas na economia
rural e novos modelos de negócios na economia digital. Ressaltou-se, ainda,
que eliminar a violência de gênero e o assédio são pré-requisitos essenciais
para alcançar esse objetivo.
Ademais, o documento apela para a criação de uma proteção social
universal desde o nascimento até a velhice. A proteção social é um direito
humano que possibilita amparar os trabalhadores e proporcionar a eles se-
gurança. Contudo, grande parte dos trabalhadores não possuem acesso ou
o tem parcialmente. As mudanças que irão determinar o futuro do trabalho
atestam a necessidade de adoção de um patamar básico de proteção social de
incidência universal, especialmente em relação às pessoas mais vulneráveis,
complementado por regimes contributivos obrigatórios de segurança social e,
de maneira facultativa, pela poupança individual. Ressalta-se a inclusão dos
trabalhadores informais no processo, assim como das pessoas que trabalham
por conta própria e em plataformas digitais, que não restarão desampara-
dos. Dentre as sugestões do estudo, encontram-se a reafetação de despesas
Ney Maranhão – Thiago Amaral Costa Savino 59

públicas, o aumento de receitas fiscais e o alargamento da cobertura da pro-


teção social e das receitas contributivas.

b) Investir nas instituições do trabalho


As instituições do trabalho, na acepção da Comissão, são estruturas
“concebidas para lidar com a assimetria inerente entre capital e trabalho e
asseguram relações de trabalho equilibradas e justas” (OIT, p. 39), das quais
fazem parte as leis, os regulamentos, os contratos de trabalho, as organizações
de empregadores e de trabalhadores, os acordos coletivos e os sistemas de
administração e inspeção do trabalho.
Quanto a esse ponto, o primeiro apelo do estudo vai em direção à
garantia de trabalho universal, configurada a partir do reconhecimento: a)
dos direitos fundamentais dos trabalhadores, nos quais se incluem a liberda-
de sindical, o direito à negociação coletiva, a proibição do trabalho forçado
e infantil e da discriminação; b) de um conjunto de condições básicas de
trabalho, do qual se discriminam um salário suficiente para proporcionar
condições de subsistência adequadas, a regulamentação da jornada de traba-
lho e a oferta de locais de trabalho seguros e saudáveis. Destaca-se que esses
elementos são interdependentes e se reforçam mutuamente na medida em
que representam uma rede mínima de proteção dos trabalhadores e propor-
cionam condições para a transição do emprego informal para o formal, além
de um crescimento econômico sustentável.
Considerando a diluição dos limites entre vida pessoal e profissional e a
existência de jornadas excessivas, especialmente entre trabalhadores que não pos-
suem outra opção de emprego, o documento procurou destacar o imperativo da
autonomia do trabalhador sobre o seu tempo. Incentiva, pois, o diálogo social
entre governos, empregadores e trabalhadores para acordar jornadas de trabalho
que atendam às necessidades dos trabalhadores e das empresas, melhorando a
saúde e o bem-estar e tendo como consequência o aumento da produtividade
e dos rendimentos. Recomenda, ainda, a) um número de horas garantidas e
previsíveis; b) medidas de compensação dos horários variáveis; c) remuneração
adicional pelo trabalho não garantido; d) remuneração pelo tempo desocupado
para os períodos em que os trabalhadores pagos por hora estão em espera.
De igual importância se reveste o mister de revitalizar a representação
coletiva. Para o relatório, o diálogo social é um bem público que reforça a perti-
nência e a legitimidade das decisões. Assim, é necessária a representação coletiva
e forte de trabalhadores formais e informais, grandes e pequenas empresas, de
maneira a se estabelecer um sistema de contrapoder e efetiva negociação, bem
60 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

como o reconhecimento dessa negociação enquanto direito fundamental. Nesse


cenário, são protagonistas as organizações e cooperativas de toda sorte, além de
órgãos regionais, empresas multinacionais e organizações sindicais internacionais
como instrumento de inclusão e sucesso econômico e social.
Outrossim, não restou ignorada a relevância da tecnologia para o
trabalho digno. Os avanços tecnológicos trarão mudanças disruptivas que
revolucionarão o futuro do trabalho , tendo o potencial para melhorá-lo e
aperfeiçoar os sistemas de inspeção do ambiente de trabalho, aprimorar o
monitoramento das cadeias de fornecimento e garantir o pagamento de salá-
rios mínimos para trabalhadores vulneráveis (migrantes, informais e digitais),
em especial através da tecnologia blockchain . Por outro lado, podem tornar
o trabalho supérfluo e escasso ou, ainda, expor os trabalhadores, em especial
aqueles em plataformas digitais, à mal remuneração e à ausência de fiscaliza-
ção. Diante disso, o relatório sugere: a) estabelecer parâmetros regulatórios do
trabalho em plataformas digitais; b) proteger a privacidade e garantir políticas
de transparência e proteção de dados nas empresas; c) monitorar o impacto
das novas tecnologias do trabalho e orientar seu desenvolvimento.

c) Investir no trabalho digno e sustentável


Nesse momento, a Comissão propõe transformar as economias para
promover o trabalho digno e sustentável, a partir do investimento em
algumas áreas-chave da economia. A primeira delas é a indústria do cuida-
do, que possui o potencial de lidar com o envelhecimento da população e
combater a desigualdade de gênero, desde que o trabalho seja formalizado
e devidamente valorizado. Outro foco de investimento é a indústria verde,
principalmente no setor de energias renováveis e construção sustentável. A
economia rural também é um campo destacado, especialmente quando vol-
tada para a agricultura sustentável, possível a partir da promoção de políticas
que incentivem o cultivo alternado entre cultura de rendimentos e alimen-
tares, além do investimento em infraestrutura verde. Independente da área
escolhida, investimentos em infraestrutura física, digital e social, além de
serviços públicos de qualidade, são pré-requisitos indispensáveis. Para reunir
investimentos suficientes nessa empreitada, tanto recursos internos quanto
um setor privado próspero são essenciais. Fontes externas de financiamento
devem ser complementares, evitando-se o endividamento excessivo.
Outro ponto fulcral destacado pela Comissão consiste em reformular
os parâmetros de incentivos empresariais, assim como os indicadores de
medição do progresso. O documento aposta no incentivo ao financiamento
Ney Maranhão – Thiago Amaral Costa Savino 61

de longo prazo, salientando, ainda, que as empresas devem se responsabilizar


pelos impactos positivos e negativos, sociais e ambientais, de suas ativida-
des. Para que se supere as necessidades imediatistas impostas pela dinâmica
do mercado financeiro, é necessário: a) expandir a representação das partes
interessadas, com a criação de conselhos consultivos ou a participação dos
interessados em órgãos reguladores financeiros, tornando as empresas res-
ponsáveis por interesses sociais e comunitários; b) exigir que a comunidade
financeira invista em propostas sociais e ambientalmente responsáveis, res-
paldadas por políticas de transparência; c) aplicar políticas orçamentárias
justas, que gerem receitas suficientes e tenham sistemas equitativos e que
promovam o trabalho digno, o crescimento econômico e o desenvolvimento
empresarial .
Quanto à criação de novos parâmetros para aferir o progresso, deve-se
atentar, além do crescimento econômico, para o social. É imperativo substituir
o tradicional Produto Interno Bruto (PIB) por um indicador que considere: a)
o trabalho não remunerado realizado para o sustento de famílias e comunida-
des, como medida mais apropriada do valor do trabalho; b) as externalidades
da atividade econômica, como meio ambiente; c) a equidade do crescimento
econômico e a distribuição de renda, atentando para o crescimento da renda
familiar e o acesso à saúde, educação e habitação .

2.3. ASSUMIR A RESPONSABILIDADE


A Comissão conclui seus trabalhos com a constatação de que é impres-
cindível a todas as partes interessadas assumir a responsabilidade na construção
do mundo do trabalho que desejamos, pretendendo ser uma contribuição para
a execução do Objetivo 8 da Agenda 2030, que versa sobre trabalho digno e
crescimento econômico.
Apela para a revitalização do contrato social, como meio de alcançar a
justiça social, em que haja um “compromisso renovado explícito, com con-
tratos sociais inclusivos em todo o mundo, assentes no entendimento coletivo
de que, em troca da sua contribuição para o crescimento e a prosperidade, as
pessoas são protegidas contra as vicissitudes inerentes à economia de mercado
e os seus direitos são respeitados” .
Para tanto, é necessária solidariedade entre pessoas, gerações, países e orga-
nizações internacionais para a promoção do diálogo social entre empresas (desde
micro a multinacionais), trabalhadores, países e organizações internacionais.
Além disso, a Comissão espera que o relatório seja considerado para
62 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

discussão na Conferência Internacional do Trabalho do Centenário da OIT.


Recomenda, pois, à Organização: a) se estabelecer como o ponto focal, no
âmbito internacional, para as questões referentes ao futuro do trabalho, es-
pecialmente no aprofundamento da discussão dos processos de digitalização
e automação; b) promover a coordenação entre todas as instituições mul-
tilaterais relevantes na criação e implementação da agenda centrada no ser
humano; c) garantir a atualidade e relevância de suas normas; d) estabelecer
um laboratório de inovação em tecnologias digitais para apoio ao traba-
lho digno; e) criar um grupo de trabalho para monitorar e acompanhar as
inovações tecnológicas no mundo do trabalho e que aconselhe sobre como
enfrentar os desafios políticos delas derivados; f ) aumentar o alcance de suas
atividades, incluindo aqueles que historicamente permaneceram à margem
da justiça social e do trabalho digno, notadamente os trabalhadores infor-
mais; g) criar a Garantia de Trabalho Universal .
O Relatório acredita, ainda, que as constituições e mandatos das orga-
nizações do sistema ONU e, em especial, das instituições de Bretton Woods
e da Organização Mundial do Comércio (OMC), possuem objetivos com-
plementares e perfeitamente compatíveis, de forma que a colaboração entre
elas é a melhor maneira de assegurar o sucesso da agenda de crescimento
e desenvolvimento centrada no ser humano. No mesmo sentido, parcerias
com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a UNESCO são necessá-
rias para a implementação das recomendações sobre saúde e segurança no
trabalho e aprendizagem ao longo da vida, respectivamente. Todas essas
organizações do sistema multilateral devem subscrever o contrato social,
como forma de conferir a ele maior legitimidade e proporcionar um diá-
logo social mais amplo, com a participação abrangente de todos os atores
relevantes para a discussão.
Por fim, a Comissão conclui sua tarefa de determinar quais são os princi-
pais desafios para o futuro do trabalho e fazer recomendações quanto ao modo
de os enfrentar, constatando que o relatório é apenas o início do caminho ao
longo do qual a OIT deverá atuar como a guia, assegurando a participação
mais ampla possível, tanto no plano nacional quanto internacional .

3. BREVES APONTAMENTOS AO RELATÓRIO


Diante das informações e recomendações colecionadas no relatório, é
possível apresentar algumas críticas a respeito das bases a partir das quais se de-
senvolveram os estudos da Comissão. Ressaltamos que nosso objetivo é realizar
breves apontamentos, sem a pretensão de desenvolver detidamente ou esgotar
Ney Maranhão – Thiago Amaral Costa Savino 63

a matéria. Posto isso, partiremos em direção a dois focos de críticas: nossa


percepção acerca de uma abordagem tímida da Indústria 4.0 e seus impactos
no mundo do trabalho e a fixação da centralidade do ser humano como como
fundamento do trabalho e do desenvolvimento econômico e tecnológico.

3.1. A QUARTA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL OU INDÚSTRIA


4.0: UM FATOR A DESEJAR
É fato que o mundo do trabalho passa por transformações profundas. Os
agentes dessas mudanças, por sua vez, são conhecidos, como destaca o próprio
relatório. Talvez o mais disruptivo entre eles sejam as novas tecnologias que
marcam a Indústria 4.0, haja vista que a velocidade com que são desenvolvidas
e implementadas tornam o mercado de trabalho cada vez mais competitivo, e
suas exigências mais difíceis de serem acompanhadas.
No entanto, dada a existência de diversos pontos a serem considerados
na discussão sobre o futuro do trabalho, o documento deixa de elencar esse
(ou outro) fenômeno específico como fonte de preocupações. Apesar de a plu-
ralidade de fatores destacados ser benéfica no sentido de construir um cenário
mais completo sobre o problema, ainda é possível notar um teor demasiado
genérico partindo do relatório, que deixa de desenvolver detidamente os des-
dobramentos e eixos de transformação apontados
Mesmo que uma análise mais meticulosa talvez fugisse ao escopo da Co-
missão, procurando apenas identificar e apresentar de maneira simplificada
os problemas principais no mundo do trabalho e diretrizes de atuação para
combatê-los (ibidem, p. 61), tal opção acaba por limitar a abrangência de
seus trabalhos, especialmente na questão referente às tecnologias inteligentes,
ditas de uma maneira geral.
Os avanços tecnológicos da era digital estão sendo observados em ve-
locidade, profundidade, extensão e impactos sem precedentes, indicando o
início de uma nova Revolução Industrial cujas implicações transcendem os
limites da seara laboral. O próprio uso do vocábulo “revolução” denota uma
mudança abrupta e radical, que ocorre quando tecnologias e novas formas
de perceber o mundo desencadeiam uma mudança profunda nos sistemas
econômicos e nas estruturas sociais. Nesse sentido, invenções como a inte-
ligência artificial, a robótica, a internet das coisas e a nano e biotecnologias
têm alterado profundamente o modo com que trabalhamos e até como con-
cebemos o trabalho na contemporaneidade.
O relatório, ainda que tenha atentado para essas ocorrências (em
64 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

especial nos tópicos “apoiar as pessoas durante as transições” e “tecnologia


para o trabalho digno”, além de menções em outros), é um tanto tímido em
sua abordagem, expondo razões gerais que se mostram incompatíveis com
o alto grau de complexidade do tema e a extensa impactação sociolaboral já
vivenciada. Mesmo sendo medidas importantes, a Comissão, no particular,
acaba se limitando ao senso comum de necessidade de regulação e promoção
dessas tecnologias, sem apresentar, por vezes, sugestões mais concretas e efe-
tivamente palpáveis. Tal falha faz com que o documento recaia em soluções
aparentemente simples que desconsideram o alto gral de conectividade e as
diferentes manifestações da Indústria 4.0, a qual exige diretrizes mais espe-
cíficas e complexas a fim de que Estados, empregadores e trabalhadores se
preparem para as mudanças já observáveis em curso acelerado.

3.2. A (RE)AFIRMAÇÃO DA ÓTICA DE CENTRALIDADE DO


SER HUMANO
Por outro lado, merece destaque no Relatório o pressuposto ético-jurídico
a partir do qual se desdobraram as atividades da Comissão. Considerando a
aproximação do centenário da OIT, marcado pela Conferência do Centenário,
a ser realizada em junho de 2019, é evidente a tentativa de resgate dos valores
fundantes da Organização e insculpidos em sua Constituição, notadamente pela
ênfase a um de seus princípios fundamentais: “o trabalho não é uma mercadoria”.
Tal pressuposto é igualmente evidente na adoção da agenda centrada
no ser humano. Todas as questões destacadas e recomendações propostas
assumem a pessoa humana enquanto foco das relações de trabalho e do
desenvolvimento econômico e tecnológico, sendo ela o parâmetro e limite
desses avanços. O trabalho, afinal, não é apenas um meio de subsistência e
crescimento material. Na acepção da Comissão, qualquer política nacional,
internacional ou empresarial deve se pautar de maneira a “apoiar cada pessoa
a alcançar o que quer e o que precisa com o trabalho”.
Todos os objetivos da agenda possuem um viés marcadamente huma-
nista, seja no sentido de proporcionar uma qualidade de vida digna (como a
cobertura universal da proteção social ou a soberania sobre o tempo), condições
materiais para um convício social justo (igualdade de gênero) ou garantir o
acesso ao trabalho digno a todos (com o direito ao aprendizado ao longo da
vida, o apoio às pessoas durante as transições ou aumentando os investimentos
em trabalho digno e sustentável).
Assim, qualquer forma de desenvolvimento deve primar, em última ins-
tância, o bem-estar e o trabalho digno, o que deve ser feito mobilizando,
Ney Maranhão – Thiago Amaral Costa Savino 65

através do diálogo social, todos os setores envolvidos no mundo do trabalho.


Schwab, fundador e presidente do Fórum Econômico Mundial, também parte
em direção a esse objetivo ao afirmar:
“Technology is not an exogenous force over which we have no control. (...)
Shaping the fourth industrial revolution to ensure that it is empowering and
human-centered, rather than divisive and dehumanizing, is not a task for any
single stakeholder or sector or for any one region, industry or culture”.

Completa-se, pois, um ciclo na atuação da OIT. O mesmo princípio


firmado por seus fundadores em 1919 está sendo ratificado no centenário da
Organização, em um momento em que o mundo do trabalho passa por mu-
danças tão profundas e paradigmáticas.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Relatório “Trabalhar para um Futuro Melhor” vem à tona em mo-
mento único no mundo do trabalho. Vivemos em um período de mudanças
rápidas e intensas, cujos efeitos começam a se manifestar em ritmo cada vez
mais acelerado. Robôs inteligentes, plataformas digitais, problemas ambien-
tais e demográficos ameaçam agravar ainda mais os déficits experimentados
nas relações de trabalho em todo o mundo ou fornecer um ponto de partida
privilegiado para, enfim, saná-los. Impossível, dessarte, deixar de traçar um
paralelo com o contexto igualmente paradigmático dentro do qual foi criada
a Organização Internacional do Trabalho, passados exatos cem anos.
As transformações em curso exigem medidas urgentes e efetivas. A Co-
missão, a partir dessa constatação, procurou identificar tais mudanças e propor
soluções para os problemas delas derivados a partir de diferentes frentes de atua-
ção, de forma a compor um panorama amplo e geral das perspectivas acerca
do que enfrentaremos em um futuro que demonstra sinais de já estar próximo.
O documento se mostra ainda mais relevante ao considerarmos a expec-
tativa de que seja utilizado como base das discussões travadas na Conferência
do Centenário da OIT, na qual serão definidas as diretrizes a serem seguidas
na construção do futuro do trabalho que queremos. Dessa forma, partimos de
um ponto de vista singular atinente aos debates mais atuais e pertinentes na
atualidade sobre o trabalho.
Ainda que o relatório se limite a uma análise pouco aprofundada sobre
os temas reunidos, dada a grande quantidade de questões sociais, políticas
e econômicas alcançadas, recaindo, por vezes, em recomendações demasia-
damente gerais e insuficientes para atender à complexidade dos fatores que
66 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

interferem no mundo do trabalho, não se pode olvidar sua pertinência e


importância. Não apenas porque fornecerá subsídios para as deliberações da
OIT, mas também por ter reunido uma miríade de representantes e especia-
listas das mais diversas áreas e contextos sociais, como legítima manifestação
do diálogo social, e por ter conseguido eleger os principais desafios a serem
enfrentados pelos governos, empregadores e, especialmente, trabalhadores a
nível mundial.
Igualmente importante é a (re)afirmação do ser humano enquanto razão
e fim do desenvolvimento econômico e tecnológico, conferindo fundamento
axiológico à agenda elaborada pela Comissão em pleno alinhamento com os
valores fundantes da Constituição da OIT. Com efeito, o trabalho não é uma
mera fonte de subsistência e acumulação de bens materiais. Ao concebê-lo a
partir do pressuposto ético-jurídico de centralidade da pessoa humana, torna-
-se, também, uma fonte de realização pessoal e instrumento para alcançar os
objetivos que cada um almeja ao exercer essa atividade.
Como se pode observar da síntese ora exposta, o relatório representa,
efetivamente, a aspiração de reforma do contrato social pela promoção da
agenda centrada no ser humano, que propõe formas de alcançar um mundo
do trabalho digno, justo e equitativo, em que os trabalhadores tenham se-
gurança e possam, em troca de sua participação no progresso econômico,
usufruir destes benefícios e ter seus direitos respeitados. É, contudo, apenas o
prelúdio dessa caminhada, que exigirá a participação ativa de todas as partes
interessadas no processo – Estados, empregadores e trabalhadores – a fim de
que se possa, enfim, ser alcançada a justiça social.

RFERÊNCIAS
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keley, n. 2, p. 5-19, jun. 2016. Disponível em: https://j2-capital.com/wp-content/uploads/2017/11/AIR-
-2016-Blockchain.pdf. Acesso em 28 abr. 2019.
FALCÓN, Carolina Serrano. Robótica avanzada y relaciones laborales: dificultades, análisis y propuestas.
Disponível em: <http://digibug.ugr.es/handle/10481/53820> Acesso em: 01 abr. 2019.
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Trabalhar para um Futuro Melhor. Lisboa:
OIT, 2019.
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. OIT lança Comissão Global sobre o Fu-
turo do Trabalho. OIT: Brasília, 22 ago. 2017. Disponível em: https://www.ilo.org/brasilia/noticias/
WCMS_571065/lang—pt/index.htm. Acesso em: 21 abr. 2019.
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guia da OIT para uma melhor governação. OIT: Geneva, 2015.
PHÉLAN, Mauricio; LEVY, Sary, GUILLÉM, Alejandro. Sistematización de índices e indicadores alterna-
tivos de desarrollo para América Latina. Revista Temas de Coyuntura, Caracas, n. 66, p. 175-196, dez. 2012.
REESE, Byron. The fourth age: smart robots, conscious computers and the future of humanity. Atria
Ney Maranhão – Thiago Amaral Costa Savino 67

Books, 2018.
SCHWAB, Klaus. The Fourth Industrial Revolution. Genebra: World Econommic Forum, 2016.
SEN, Amartya. O desenvolvimento como expansão de capacidades. Lua Nova, n. 28-29, p. 1, 1993.
UGUINA, Jesús R. Mercader. El impacto de la robítica y el futuro del trabajo. Revista de la Facultad de
Derecho de México, Cidade do México, t. 67, n. 269, set./dez. 2017.

ANEXOS
Quadro 1
68 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Quadro 2
Ney Maranhão – Thiago Amaral Costa Savino 69

Quadro 3
ILO AND GERMAN LABOUR LAW - A SURVEY

OIT E O DIREITO DO TRABALLHO ALEMÃO - UMA PESQUISA

Jens M. Schubert1

100 years of ILO are a good reason to celebrate2, but – to be honest – in


Germany this date is only a topic for labour law specialists (not even for each
labour lawyer)3, and some international orientated politicians – that is unfor-
tunate.4 This has many reasons. Some of them shall be described here in this
survey combined with some rare examples where ILO Conventions influences
German labour law directly or indirectly.

1. INTERNATIONAL LEGAL SOURCES IN GERMANY


Germany has signed and ratified many international legal sources in
labour law. The main sources are:

v European Level (does not mean European Union!):


• European Charter of Human Rights (ECHR) and
• European Social Charter 1961 (ESC)
• both by the Council of Europe. Germany has not ratified the Revised Eu-
ropean Social Charter (1996) yet.

v UN:
• Some ILO-Conventions (including ILO core labour standards),
• Convention on the Rights of Persons with Disabilities (CRPD),

1 Prof. Dr. Jens M. Schubert is adjunct professor for Labour Law and European Law at Leuphana Universität
Lüneburg/Germany and head of the law department of ver.di (United Services Union), the second largest
Union in Germany with almost two Million Members. The author thanks for the opportunity to publish in
this book and for her great support very much Prof. Dr. Lorena Vasconcelos Porto.
2 E.g. Eberhard Eichenhofer, 100 years social fundamental rights in the German constitutional order – historic
development and future perspectives (German with an English abstract), Arbeit und Recht 2019, p. 200.
3 One positive example: Liber amicorum Klaus Lörcher, Arbeitsvölkerrecht, 2013, with 31 articles in German
and English related to international labour law, published by Nomos/Germany.
4 The date of 75 years after the declaration of Philadelphia (refoundation of ILO) is quite unknown, too.
Jens M. Schubert 71

• International Covenant on Civil and Political Rights,


• International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights,
• General Declaration of Human Rights,
• Convention on the Elimination of racial discrimination (CERD),
• Convention on the Elimination of discrimination against Women (CEDAW).
Germany is represented in all governing bodies of these institutions and
works together with these on a ministerial level.

2. LEGAL EFFECT OF INTERNATIONAL LAW IN


GERMANY (IN GENERAL)
Different from many other countries in Europe (and in the world) in-
ternational law is ranked within the hierarchy of legal sources relatively low.
International law does not become part of the Constitution or gets such a
legal level as is the situation in some South-eastern Countries in Europe.5
The position of International Law lies in fact in Germany below the German
Constitution and underneath European Union-Law. Furthermore the German
Constitution distinguishes between Customary international law and inter-
national law via treaties or conventions. This distinction follows one general
definition, fixed in art. 38 statute of the ICJ.

“The Court, whose function is to decide in accordance with international law


such disputes as are submitted to it, shall apply:
international conventions, whether general or particular, establishing rules ex-
pressly recognized by the contesting states;
international custom, as evidence of a general practice accepted as law;
the general principles of law recognized by civilized nations;
subject to the provisions of Article 59, judicial decisions and the teachings of the
most highly qualified publicists of the various nations, as subsidiary means for
the determination of rules of law.”

Transferred to German Law the following ranking exists:

Hierarchy of legal sources in Germany

5 See the articles in Rigaux/Rombouts, The Essence of social Dialogue in (South East) Europe, 2006, publi-
shed by intersentia, with various examples.
72 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

The rest of the story is very complicated and under academic dispute.
Customary International Law ranks higher than acts of parliament (article
25 German Constitution = Basic Law/Grundgesetz) because of its general
acceptance in many states for a long duration. But this type of ius gentium is
accepted very rarely by a majority within German doctrine and jurisdiction.
Even the ILO core labour standards as a whole are not regarded as a case of
Customary international law.6 Especially employer´s organisations deny this
and try to diminish ILO Conventions (e.g. the right to strike shall not be part
of ILO Conv. 87, 98).7 In contrast one can give a positive example of custo-
mary international law: The protection against slavery.8
“Regularly” International labour law – if ratified – is on the same level
as acts by the parliament (art. 59 para. 2 German Constitution). But Inter-
national law is only addressed to the signing states. And, very often within
international law there are no specific rights for persons or self executing parts
which do not need a further act by the national legislator. For that reason

6 Other Opinions in favour of the acceptance of ILO core labour standards as customary international law (=
minority), Jens Schubert, Arbeitsvölkerrecht, 2017, page 109, published by Erich Schmidt; Klaus Lörcher,
in Wolfgang Däubler, Arbeitskampfrecht (industrial dispute law), 4th ed, 2017, § 10 No. 16 and 43; Heusch-
mid/Klebe, in: Liber amicorum Klaus Lörcher, Arbeitsvölkerrecht, 2013, p. 340.
7 Within the Committee on Freedom of Association, CFA. Positive example of international legal interconnec-
tedness: Supreme Court of Canada 30/1/1015, No. 35423 (Saskatchewan Federation of Labour v. Saskatche-
wan) in which the Supreme Court referred on European legal sources (ECHR and ESC).
8 See e.g. ECHR 26/7/2005, No. 73316/01.
Jens M. Schubert 73

International Law plays a role only in the interpretation of national rules. Four
main guidelines were given by the German Constitutional Court (Bundesver-
fassungsgericht – BVerfG) to this topic:
a. A breach of ILO-Conventions cannot be countered with a constitutional
complaint9. It is necessary that there is a breach of a fundamental right of
the German Constitution;
b. German law, even the German Constitution must be interpreted in an
international law-friendly way.10 This is applicable especially for the Euro-
pean Convention of Human Rights (ECHR) and the jurisdiction by the
European Court on Human Rights (ECtHR);
c. This interpretation in favour of international law is limited in
cases, in which
• International law is narrower than the basic rights of the German Cons-
titution (in the interpretation of the German Constitutional Court),
• touches the constitutional integrity,
• the human right in question is multi-pole (the freedom of association
e.g. has simultaneous effects for employers and employees and contains
a positive and a negative variant),
• there is no space for interpretation (contra legem),
• the sentence of the ECtHR is in regard of just one country and is not
applicable to the German situation due to other legal/social/economic
circumstances (see Art. 46 para 1 ECHR11).12
d. In cases of conflict between ratified international law and a “regular”
parliamentary act the court has to try to bring both together as close as
possible otherwise is has to proof whether the later (national) act has
priority by using the “Treaty Override” jurisdiction of the Constitutio-
nal Court.13
All in all: International law can support labour law rights if they are ac-
cepted by German Labour law in principle anyway, on the other hand against
established labour law positions or in order to enforce further rights it is very
difficult to argue with International Law alone.

9 BVerfG, 4/7/1999, No. 1 BvF 2/86 and BVerfG, 8/7/1997, No. 1 BvR 1243/95.
10 BVerfG 14/10/2004, No. 2 BvR 1481/04 (Görgülü) and BVerfG 4/5/2011, No. 2 BvR 2333/08 (Sicherungs-
verwahrung – prevent custody) and BVerfG 12/6/2019, No. 2 BvR 1738/12 (the right to strike for civil
servants).
11 Text: “The High Contracting Parties undertake to abide by the final judgment of the Court in any case to
which they are parties.” = A decision of the ECHR is not legally binding automatically for all signing states).
12 Again: BVerfG 14/10/2004, No. 2 BvR 1481/04 (Görgülü) and BVerfG 4/5/2011, No. 2 BvR 2333/08 (Si-
cherungsverwahrung – prevent custody) and BVerfG 12/6/2019, No. 2 BvR 1738/12 (the right to strike for
civil servants).
13 BVerfG 15/12/2015, No. 2 BvL 1/12.
74 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

This structure derives from historical reasons. The German Consti-


tution of 1949 contains at the beginning a catalogue of 19 basic (human)
rights and was in these times very modern and far going. Moreover, all these
basic rights were widely interpreted by the Constitutional Court so that
indeed many international standards are already covered by our Constitu-
tion. Subsequently, International law neither plays a huge role in University
nor at court. Secondly, texts of ILO are legally binding only in the English
or French version. Thus, language obstacles are a further relevant factor.
Interpretations of ILO texts have to be done thirdly based on rules given by
the Vienna Convention of the Law of Treaties. German rules of legal inter-
pretation are not applicable. This again is a reason for many lawyers to avoid
working with ILO-rules (international law in general).
Yes, nowadays we can observe that there is a higher dynamic in Labour
law in the field of international law, especially European international law.
E.G. the catalogues concerning the protection against discrimination are
wider and more up to date in comparison to the German anti-discrimination
act (discrimination on grounds of genetic characteristics for example), or the
topic of “decent work conditions”.14 Indeed, this dynamic influences national
tendencies: more and more younger (or open minded) lawyers get in touch
with international law. Sometimes judgements include links to international
law, often to the ECHR, ESC and sometimes to ILO Conventions – links
which are usefull to underline and flank a national legal solution. But it
could be faster.15 And, unfortunately labour and social law stand inferior to
international law concerning civil rights or procedural rights in penal law.
Those get their acceptance, social rights in comparison are often characterised
merely as general aims for the contracting states without concrete consequen-
ces – “social stuff”. Even in EU-Law (European Charter of Fundamental
Rights) we find the word “rights” for civil issues and “principles” for most
of the social interests.

3. LEGAL EFFECT OF INTERNATIONAL LAW IN


GERMANY (IN CONCRETE CASES)
As implied above there are some examples of international labour law in
specific cases/German jurisdiction.

14 Manfred Weiss, Decent work and § 618 BGB (Code Civil), in Liber amicorum Klaus Lörcher, Arbeitsvöl-
kerrecht, 2013, p. 84.
15 Klaus Lörcher, An embarrassing blank space: Current breaches of contract under international law by the
Federal Republic of Germany as regards labour law, Arbeit und Recht, 2019, p. 359 (in German with an
English abstract).
Jens M. Schubert 75

a) Three general examples


• The German Federal Labour Court accepted solidarity strike actions with
recourse to Art. 6.4 European Social Charter16,
• To refuse a disabled applicant is only possible if the employer has checked
for “reasonable accommodation“ (Art. 27 lit. I, United Nations Convention
on the Rights of Persons with Disabilities) and this was without result17,
• With recourse to Art. 8 ECHR the Federal Labour Court deem a keylogger
system to control employees permanently as invalid on the basis of data
protection.18

b) Place of ILO within the canon of international law


Within the canon of international law, ILO-Law is less strong than Eu-
ropean international law such as ECHR and ESC. ILO core labour standards
(Conventions 29, 87, 98, 100, 105, 111, 138, 182) are only a little bit more
accepted. Furthermore, other important conventions are not ratified.19 As
mentioned, Germany is represented in the main ILO-bodies (Committee of
Experts on the Application of Conventions and Recommendations, CEACR;
Committee on Freedom of Association, CFA; Committee on the application
on standards, CAS) but very seldom the decisions of these (judicial) panels
are accepted as a legal source of insight.20 Moreover, attorneys do not know
that within ILO Law there is the possibility to complain together with a
trade Union against the wrong implementation of an ILO Convention in
national law (Art. 24 ILO-Constitution).
At least the highest Courts in Germany, the Federal labour Court (Bun-
desarbeitsgericht – BAG) and the Constitutional court, take note of ILO
developments (this does not mean that the court follows international rules
in each case):
• About the access of so far not represented trade unions to companies in
order to talk to potential new members (Art. 2 para 1 ILO-Convention
Nr. 135)21,

16 Bundesarbeitsgericht (BAG = Federal Labour Court), 19/6/2007, No. 1 AZR 396/06.


17 BAG 22/5/2014, No. 8 AZR 662/13. In later decisions the Convention were limited in cases of dismissal.
18 BAG 27/7/2017, No. 2 AZR 681/16.
19 Status of ratification: https://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=1000:11200:0::NO:11200:P11200_COUN-
TRY_ID:102643.
20 To find decisions of international law is not so easy in Germany. The jurisdiction of the ECHR and decisions
of committees of the ESC are published by the Human Rights Documentation (HUDOC). Decisions of
committees of other international bodies could be found on the pages of Normlex or on the internet pages of
the different conventions themselves. Overviews gives digests of decisions and special statements like the
Compilation of decisions of the Committee on Freedom of Association, 2018.
21 BAG 22/6/2010, No. 1 AZR 179/09.
76 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

• About the principle that in one company only one collective agreement
could be valid even if there are more than one trade union working each
with collective agreements (ILO Convention 87 and 98)22,
• About protection against dismissal on grounds of HIV-infection (ILO-Re-
commendation No. 200, 17/6/2010, III.3. lit. c) and IV. 9. – 11.).23
But sometimes there are rare diamonds in jurisdiction. The local labour
court of Gelsenkirchen (town in western Germany) rules that a dismissal wi-
thout hearing of the employee in advance is null and void especially if there is
no works council in the enterprise. The court refers to ILO Convention 158
(Art. 7) although the Convention is not ratified in Germany!24

4. THE SO-CALLED MULTI-LEVEL-TRIANGLE – A


CHANCE?

a) First approach
Describing all this there is one “hope”: The EU-law. European law is
much stronger than international law. The German Constitution allows
the transfer of national responsibilities and competences on EU-level
(Art. 23 German Constitution). Decisions of the EU have, consequently,
primacy in cases of collisions with German law. The German Constitutio-
nal Court accepted this while setting boundaries in extreme cases of the
misuse of the transferred competences or of acting without competences
(ultra vires).25
Within EU-Law (Treaties/primary law, Directives, Regulations, Deci-
sions by the ECJ) there are often references to international law. EU-Law
incorporates international law and enhances the status of it. Within the so
called European conform interpretation (this is very well known and accepted)
international law standards have to be included. Three examples26:
• Within directive 2000/78/EC establishing a general framework for equal
treatment in employment and occupation recital 4 refers on international
legal sources:

22 BVerfG 11/7/2017, No. 1 BvR 1571/15.


23 BAG 19/12/2013, No. 6 AZR 190/12.
24 Local Labour court Gelsenkirchen 17/3/2010, 2 Ca 319/10.
25 BVerfG 30/6/2009, No. 2 BvE 2/08 (Lissabon-Treaty-Decision).
26 More examples and information: Heuschmid/Klebe, in: Liber amicorum Klaus Lörcher, Arbeitsvölkerrecht,
2013, p. 336.
Jens M. Schubert 77

“The right of all persons to equality before the law and protection against
discrimination constitutes a universal right recognised by the Universal Decla-
ration of Human Rights, the United Nations Convention on the Elimination
of All Forms of Discrimination against Women, United Nations Covenants on
Civil and Political Rights and on Economic, Social and Cultural Rights and
by the European Convention for the Protection of Human Rights and Funda-
mental Freedoms, to which all Member States are signatories. Convention No
111 of the International Labour Organisation (ILO) prohibits discrimination
in the field of employment and occupation.”

In this spirit the directive has to be interpreted.


• The European Court of Justice (ECJ) has declared the Convention on the
Rights of Persons with Disabilities as an integral component of EU-Law.27
With this decision the convention became the strength of EU-Law with
huge consequences in the relationship to German labour law wherever
EU-Law has an authorization to act.
• Vacations: The German vacations law has been massively changed after
the ECJ has established its own system. One pillar regulates the situation
of illness and vacation. In German law vacations could expire after the
end of March the year following the year of leave entitlement. The ECJ
does not accept this. If there was no possibility to go on holidays because
of illness then the right can not expire in the following year but the year
after that, means after 15 month (in March of the second year). And all
this by using Art. 4 of ILO-Convention 132 (via recital 6 of directive
2003/88/EC today in combination with Art. 31 para 2 European Charter
of Fundamental Rights28).29

b) The triangle on highest (constitutional) level


In cases in which constitutional rights are involved the idea of a
multi-level triangle has been evolved. And how is the sound of this trian-
gle? Well, in theory harmoniously, in practice sometimes with dissonances
especially due to the complexity.
Multi-level triangle:

27 EuGH 11/4/2013, No. C-335/11 (Ring). The German Constitutional Court uses the Convention at least as a
mean to interpret national law, BVerfG 23/3/2011, No. 2 BvR 882/09.
28 Text: “Every worker has the right to limitation of maximum working hours, to daily and weekly rest periods
and to an annual period of paid leave.”
29 ECJ 20/1/2009, C-350/06 (Schultz-Hoff); ECJ 20/11/2011, C-214/10 (KHS)
78 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

EU-law has priority over German law. That is the reason why it is so
relevant how EU-law incorporates international law, because international
law alone is not strong enough to overrule German legal norms. Within the
EU-Charter of Fundamental Rights there are two links to international law:
Art. 52 para 3
“In so far as this Charter contains rights which correspond to rights guaranteed
by the Convention for the Protection of Human Rights and Fundamental Free-
doms, the meaning and scope of those rights shall be the same as those laid down
by the said Convention. This provision shall not prevent Union law providing
more extensive protection.”
and a type of favourability-clause in

Art. 53
“Nothing in this Charter shall be interpreted as restricting or adversely affec-
ting human rights and fundamental freedoms as recognised, in their respective
fields of application, by Union law and international law and by international
agreements to which the Union, the Community or all the Member States30 are
party, including the European Convention for the Protection of Human Rights
and Fundamental Freedoms, and by the Member States‘‘ constitutions.”

30 This includes the ILO core labour standards if they are accepted as customary international law !
Jens M. Schubert 79

Art. 6 para 3 of the Treaty of the EU (TEU, primary EU-law) shows a


little wider range of international law within EU-Law
“Fundamental rights, as guaranteed by the European Convention for the Protec-
tion of Human Rights and Fundamental Freedoms and as they result from the
constitutional traditions common to the Member States, shall constitute general
principles of the Union‘s law.”

Finally for Labour law, Art. 151 Treaty on the Functioning of the
EU (TFEU):
“The Union and the Member States, having in mind fundamental social rights
such as those set out in the European Social Charter signed at Turin on 18 Oc-
tober 1961 and in the 1989 Community Charter of the Fundamental Social
Rights of Workers, shall have as their objectives the promotion of employment,
improved living and working conditions, so as to make possible their harmo-
nisation while the improvement is being maintained, proper social protection,
dialogue between management and labour, the development of human resources
with a view to lasting high employment and the combating of exclusion.“

Yes, these connections to international law in EU-law refer to European


International Law like ECHR and ESC. But within decisions of judicial
bodies of both very often there are references to international law like ILO-
-Law. Consequently, if the ECtHR interprets a human right by referring to
ILO-Law and this human right in question is comparable to a fundamental
right of the EU-Charter in the sense of Art. 52 para 3 the latter has to be
interpreted indirectly in an ILO-conform way. Very often the courts reflect to
the national traditions and constitutional standards and whether a treaty or
a convention is ratified, too.31 Furthermore the ECJ itself refers to ILO-Law,
directly without using the international law-bridge.32
Example 1: ILO via ECHR + Art. 52 para 3 EU-Charter
Within the decision Demir and Baykara33 (freedom of association) the
ECtHR explicated:
No. 85: “The Court, in defining the meaning of terms and notions in the text
of the Convention, can and must take into account elements of international

31 E.g. ECJ 14/5/1974, No. C-4/73 (Nold, No. 12, 13) and Preamble para 5 of the EU-Charter of Fundamental
Rights.
32 Further information: Opinion of the ECJ 19/3/1993, No. 2/91 about ILO-Convention 170.
33 ECHR 12/11/2008, No. 34503/97.
80 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

law other than the Convention, the interpretation of such elements by compe-
tent organs, and the practice of European States reflecting their common values.
The consensus emerging from specialised international instruments and from
the practice of Contracting States may constitute a relevant consideration for
the Court when it interprets the provisions of the Convention in specific cases.”
No. 147: “The Court observes that in international law, the right to bargain
collectively is protected by ILO Convention No. 98 concerning the Right to Or-
ganise and to Bargain Collectively. Adopted in 1949, this text, which is one of
the fundamental instruments concerning international labour standards, was
ratified by Turkey in 1952. It states in Article 6 that it does not deal with the
position of “public servants engaged in the administration of the State”. However,
the ILO Committee of Experts interpreted this provision as excluding only those
officials whose activities were specific to the administration of the State. With that
exception, all other persons employed by government, by public enterprises or by
autonomous public institutions should benefit, according to the Committee, from
the guarantees provided for in Convention No. 98 in the same manner as other
employees, and consequently should be able to engage in collective bargaining in
respect of their conditions of employment, including wages.”
No. 166: “Secondly, Turkey had in 1952 ratified ILO Convention No. 98, the
principal instrument protecting, internationally, the right for workers to bargain
collectively and enter into collective agreements (see paragraphs 42-43 and 151
above). There is no evidence in the case file to show that the applicants’ union
represented “public servants engaged in the administration of the State”, that is
to say, according to the interpretation of the ILO Committee of Experts, officials
whose activities are specific to the administration of the State and who qualify
for the exception provided for in Article 6 of ILO Convention No. 98.”

Via Art. 53 para 3 EU-Charter Art. 11 ECHR interpreted by the Eu-


ropean Court of Human Rights influences Art. 11 (freedom of association)
and 28 (collective negociations and collective action) of the EU-Charter of
Fundamental Rights.34

Example 2: ECJ direct use of ILO-Law


First in the Defrenne-Decision35 (equal pay/equal treatment men and

34 Tough, the German Constitutional Court could say – as mentioned above – that the decision of the ECJ (with
the use of international law) goes beyond its competences (in extreme cases).
35 ECJ 15/6/1978, No. Case 149/77.
Jens M. Schubert 81

women) the ECJ refers to ILO-standards and said (No. 26, 28):
“The Court has repeatedly stated that respect for fundamental personal human
rights is one of the general principles of Community law, the observance of which
it has a duty to ensure.” (…) Moreover, the same concepts are recognized by the
European Social Charter of 18 November 1961 and by Convention No 111 of
the International Labour Organization of 25 June 1958 concerning Discrimi-
nation in respect of employment and occupation.”

Within the very much criticised decisions Viking and Laval (the right to
strike against fundamental economic freedoms)36 the ECJ refers to ILO-Con-
vention 87 and (in order to make it more complicated) interpreted the content
of this convention in the way the relevant committee did: A further step of
indirect influence of German labour law.
At a glance: German Labour Law interpreted in an EU-conform way —- the
latter interpreted with an adjustment to the European Convention of Human
Rights —- the latter with reference to the applicable ILO-Convention —- the
latter understood in a way the relevant ILO-Committee does.

c) Intermediate result
In the best case, the different legal sources of the triangle could streng-
then each other, gaps of protection could be closed, best solutions could be
found and latest developments in one system could influence the whole system
(“best practice in international law”). From a German perspective everything
is very complicated and regularly one is searching for a solution given simply
by German labour law.

5. FINAL OBSERVATIONS
ILO-Law is an important legal source, in Germany too. But it could
be better. Many ILO-Conventions are unkown or ignored. But sometimes
courts refer to ILO-Law and results are at least flanked by ILO-Conventions.
If fundamental positions are in doubt sometimes it is necessary to go over dif-
ferent bridges, bridges especially given by EU-Law. All in all there are positive
tendencies which could and should be strengthened now, especially during the
100 years-celebrations. International exchange could help, too, to show how
international law can function.
36 ECJ 11/12/2007, No. C-348/05 and ECJ 18/12/2007, No. C-341/05.
100 ANOS DA FUNDAÇÃO DA OIT: ORGANIZAÇÃO
INTERNACIONAL DO TRABALHO E SUA ATUAÇÃO
SOBRE SAÚDE E SEGURANÇA DO TRABALHO
100 YEARS OF THE ILO FOUNDATION: INTERNATIONAL
LABOR ORGANIZATION AND ITS PERFORMANCE ON WORK
HEALTH AND SAFETY

Raimundo Simão de Melo1

RESUMO: o presente artigo tem como objetivo nuclear demonstrar a impor-


tância crucial da Organização Internacional do Trabalho na atuação na saúde e
segurança no trabalho, durante os 100 anos de sua fundação.
Palavras-chave: 100 anos de fundação da OIT; Atuação; Convenções; Aplica-
bilidade e eficácia; Meio ambiente do trabalho; Saúde e segurança do trabalho;
tutela legal.
ABSTRACT: this article has the nuclear objective to demonstrate the crucial im-
portance of the International Labor Organization in the performance in health
and safety at work, during the 100 years of its foundation.
Keywords: 100 years since the foundation of the ILO; Performance; Conven-
tions; Applicability and effectiveness; Work environment; Health and safety at
work; legal protection.

1. INTRODUÇÃO
Neste ano de 2019, em que a OIT – Organização Internacional do Traba-
lho completou 100 anos de existência, cabe, nesta introdução, propor reflexões
sobre o papel e importância dessa organização tripartite, criada como parte
do Tratado de Versalhes para promover a justiça social. Cabe perquirir se real-
mente a OIT vem cumprindo o seu papel de promover justiça social e paz nos
183 Estados-membros que participam em situação de igualdade das diversas
1 Doutor e Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP. Professor Titular do Centro Universitário
UDF/Mestrado em Direito e Relações Sociais e Trabalhistas e na Faculdade de Direito de São Bernardo do
Campo/SP, na Pós-Graduação em Direito e Relações do Trabalho. Consultor Jurídico e Advogado. Procu-
rador Regional do Trabalho aposentado. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Autor de
livros jurídicos, entre outros, “Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador”.
Raimundo Simão de Melo 83

instâncias da Organização.
Também cabe verificar sobre como se dá o ingresso dos Tratados Interna-
cionais produzidos pela OIT nos Estados-membros e, especialmente no direito
brasileiro. Indaga-se no trabalho e se procura responder sobre a importância das
Convenções, Recomendações e demais normas criadas pela OIT sobre o mundo
do trabalho. Considerando os preocupantes índices de acidentes do trabalho no
Brasil, serão feitas considerações sobre as Convenções 148 e 155 da OIT sobre
saúde, segurança e meio ambiente do trabalho, bem como da sua aplicabilidade
e eficácia na ordem jurídica brasileira em termos de políticas preventivas voltadas
a diminuir os indicies de acidentes e doenças do trabalho no nosso país.
As questões ambientais do trabalho, mais conhecidas como condições de
trabalho, são tão antigas quanto o próprio Direito do Trabalho. Se inadequadas
tais condições são provocadas consequências para a saúde física e psíquica dos
trabalhadores, levando-os à morte ou deixando-os inválidos para o trabalho e
muitas vezes até para os mais simples atos da vida. Cabe lembrar que uma das
razões da criação do Direito do Trabalho foram as reivindicações trabalhistas
por melhores e adequadas condições de trabalho, como forma de preservação
da saúde e higidez física dos trabalhadores. Por isso, a importância da prevenção
com implementação de condições adequadas de trabalho, com a eliminação dos
riscos que causam os inúmeros acidentes que colocam o Brasil nos anais mundiais
como um dos países que mais produzem infortúnios do trabalho, razão pela
qual se reclama a aplicação e eficácia da Constituição Federal de 1988, das leis
infraconstitucionais e dos tratados internacionais, especialmente as Convenções
148 e 155 da OIT no campo da prevenção dos riscos ambientais.

2. BEM AMBIENTAL NO DIREITO DO TRABALHO


Meio ambiente, conforme define a lei, é o conjunto de condições, leis,
influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite,
abriga e rege a vida em todas as suas formas (Lei n. 6.938/81, art. 3º, inciso I).
Essa definição é ampla, devendo-se observar que o legislador optou por trazer
conceito jurídico aberto, a fim de criar um espaço positivo de incidência da
norma legal, o qual está em harmonia com a Constituição Federal de 1988,
que no caput do art. 225 buscou tutelar todos os aspectos do meio ambiente
(natural, artificial, cultural e do trabalho), afirmando que “todos têm direito
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo
e essencial à sadia qualidade de vida”.
Assim, dois são os objetos da tutela ambiental constantes da definição
legal e constitucional: um, imediato – a qualidade do meio ambiente em
84 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

todos os seus aspectos – outro, mediato – a saúde, segurança e bem-estar do


cidadão, expresso nos conceitos vida em todas as suas formas e qualidade de
vida (CF, art. 225, caput).
Nessa linha de entendimento o bem ambiental é o objeto do Direito
Ambiental. Quer no aspecto material, quer no imaterial, diz respeito ao valor
maior do ser humano: a vida. Por isso, estabelece a Carta Maior (art. 225,
caput) que o meio ambiente é um bem de uso comum do povo, essencial à sadia
qualidade de vida do ser humano, impondo ao Poder Público e à sociedade
organizada o dever de defendê-lo para as presentes e futuras gerações.
No Direito do Trabalho, o bem ambiental envolve a vida do trabalha-
dor como pessoa e integrante da sociedade, devendo ser preservado por meio
da implementação de condições adequadas nos ambientes laborais, higiene e
medicina do trabalho.

3. PROTEÇÃO LEGAL DO MEIO AMBIENTE DO


TRABALHO E SAÚDE DO TRABALHADOR
Como consagrado em declarações internacionais, o primeiro e mais
importante direito fundamental do homem é o direito à vida, suporte para
existência e gozo dos demais direitos. Para que os trabalhadores tenham de
verdade assegurado o direito à vida com qualidade é necessário implementar
trabalho digno, decente, seguro e sadio em condições que não degradem a sua
integridade física e psíquica.
A Constituição Federal de 1988 representou importante marco histórico
na proteção dos direitos fundamentais dos trabalhadores, incluindo o meio
ambiente do trabalho e a saúde como núcleos principais dessa proteção. Por
isso, como princípios fundamentais estabelece o art. 1º da Constituição Federal
que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos, entre outros, a cidadania, a dignidade da
pessoa humana e os valores sociais do trabalho. O art.170, por sua vez, diz que
a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames
da justiça social, observados a defesa do meio ambiente e o pleno emprego.
Quanto ao meio ambiente no geral, de forma ímpar e contundente o
art. 225 da Carta Magna brasileira estabelece que todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial
à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever
de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Para assegurar
Raimundo Simão de Melo 85

a efetividade desse importante direito incumbe ao Poder Público (§ 1º) pro-


mover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização
pública para a preservação do meio ambiente (inc. VI), sendo que as condutas
e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pes-
soas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente
da obrigação de reparar os danos causados (§ 3°).
Quanto ao meio ambiente do trabalho, nos aspectos preventivos e re-
paratórios, o art. 7º da Constituição Federal estabelece que são direitos dos
trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua
condição social a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas
de saúde, higiene e segurança (XXII) e, não menos importante, o inc. XXVIII
sobre o seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir
a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.
São exemplos de tutela constitucional do meio ambiente do trabalho,
que visam a eliminação ou ao menos a diminuição dos riscos para a saúde e
integridade física dos trabalhadores.
Recepcionados pela Constituição Federal, o Capítulo V da CLT, que trata
da segurança e medicina do trabalho, a Portaria n. 3.214/77, do Ministério do
Trabalho e suas várias Normas Regulamentadoras (NRs) cuidam da proteção
do meio ambiente do trabalho, visando eliminar ou diminuir os riscos am-
bientais e, com isso, proteger a integridade física e psíquica dos trabalhadores.
Existem na CLT dispositivos legais importantes para a defesa do meio
ambiente do trabalho e da saúde dos trabalhadores, como o art. 160, que reza:
“Nenhum estabelecimento poderá iniciar suas atividades sem prévia inspe-
ção e aprovação das respectivas instalações pela autoridade regional competente
em matéria de segurança e medicina do trabalho (grifados).

Esse dispositivo está em perfeita consonância com a Constituição Federal,


que no art. 225, § 1º e IV estabelece:
“Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: ... exigir,
na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora
de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto am-
biental, a que se dará publicidade” (grifados).

Ainda na CLT temos o art. 156 que estabelece:


“Compete especialmente às Delegacias Regionais do Trabalho, nos limites de
sua jurisdição (grifados):
I – promover a fiscalização do cumprimento das normas de segurança e medi-
cina do trabalho (grifados);
86 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

II – adotar as medidas que se tornem exigíveis, em virtude das disposições deste


Capítulo, determinando as obras e reparos que, em qualquer local de trabalho,
se façam necessárias (grifados);
III – impor as penalidades cabíveis por descumprimento das normas constantes
deste Capítulo, nos termos do artigo 201” (grifados).

O art. 157 da CLT, por sua vez diz que:


“Cabe às empresas (grifados):
I – cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho
(grifados);
II – instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções
a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais
(grifados);
III – adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional com-
petente (grifados);
IV – facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente” (grifados).
Arremata o art. 158 da CLT que:
“Cabe aos empregados:
I – observar as normas de segurança e medicina do trabalho, inclusive as ins-
truções de que trata o item II do artigo anterior (grifados);
II – colaborar com a empresa na aplicação dos dispositivos deste Capítulo
(grifados).
Parágrafo único – Constitui ato faltoso do empregado a recusa injustificada
(grifados):
a) à observância das instruções expedidas pelo empregador na forma do item II
do artigo anterior (grifados);
b) ao uso dos equipamentos de proteção individual fornecidos pela empresa”.
O art. art. 161 da CLT retrata um dos mais efetivos instrumentos de
proteção da saúde dos trabalhadores, estabelecendo que:
“O Delegado Regional do Trabalho, à vista do laudo técnico do serviço com-
petente que demonstre grave e iminente risco para o trabalhador, poderá
interditar estabelecimento, setor de serviço, máquina ou equipamento, ou
embargar obra, indicando na decisão, tomada com a brevidade que a ocor-
rência exigir, as providências que deverão ser adotadas para prevenção de
infortúnios de trabalho” (grifados).
Essa disposição legal, também em razão da ineficiência da atuação estatal,
não tem surtido os efeitos esperados, porque poucos não são os casos de grave
e iminente risco para a saúde dos trabalhadores, cuja atividade continua sendo
Raimundo Simão de Melo 87

executada e o resultado são os graves acidentes que matam, mutilam e deixam


trabalhadores incapacitados para o trabalho.
A lei previdenciária também incluiu normas de proteção à saúde dos tra-
balhadores, como se vê dos §§ 1º, 2º e 3º do art. 19 da Lei 8.213/91, in verbis:
§ 1º – “A empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e
individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador” (grifados).
§ 2º – “Constitui contravenção penal, punível com multa, deixar a empresa
de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho” (grifados).
§ 3º – “É dever da empresa prestar informações pormenorizadas sobre os riscos
da operação a executar e do produto a manipular” (grifados).
A lei previdenciária estabelece a obrigação de o empregador adotar me-
didas coletivas e individuais de proteção dos riscos nos ambientes de trabalho
e de prestar informações aos trabalhadores sobre os riscos das atividades que
desenvolvem. Não agindo o empregador desta forma, resta caracterizada a
culpa patronal pelos agravos à saúde dos trabalhadores, não bastando, para se
isentar desta responsabilidade, apenas o fornecimento de EPIs, uma vez que
estes apenas visam proteger dos riscos, mas não preveni-los.
Cabe lembrar que a obrigação preventiva dos tomadores de serviços com
a adoção de medidas coletivas e individuais aplica-se em relação aos seus em-
pregados diretos e, igualmente, aos terceirizados e temporários, porque neste
aspecto a responsabilidade do prestador e do tomador de serviços é solidária.
Ainda no aspecto legal existem várias normas internacionais promulgadas
pelo Brasil, que se incorporaram ao nosso sistema jurídico, as quais visam à pro-
teção do meio ambiente do trabalho e da saúde dos trabalhadores, como, por
exemplos, a Convenção de n. 155 da Organização Internacional do Trabalho
(OIT), que cuida da “Segurança e saúde do trabalhador e do meio ambiente
do trabalho em geral, em todas as áreas de atividade econômica” e a Conven-
ção n. 148 sobre a Proteção dos Trabalhadores Contra os Riscos Profissionais
devidos à Contaminação do Ar, ao Ruído e às Vibrações no Local de Trabalho.

4. INGRESSO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NO


DIREITO BRASILEIRO
A Constituição Federal de 1988 regulamentou a forma de incorporação
dos Tratados Internacionais no Direito interno. De acordo com ela compete
à União, na qualidade de representante da República Federativa do Brasil,
manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações interna-
cionais, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que foi fundda
88 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

sob a convicção primordial de que a paz universal e permanente somente pode


estar baseada na justiça social.
A OIT é responsável pela formulação e aplicação das normas interna-
cionais do trabalho (Convenções e Recomendações), estando o Brasil entre
os seus membros fundadores, que participa das suas Conferências desde a
primeira reunião.
As convenções da OIT, uma vez ratificadas por decisão soberana de
um país, passam a fazer parte do seu ordenamento jurídico interno. No
caso do Brasil, a promulgação e publicação incorporam os Tratados Inter-
nacionais ao direito interno, colocando-os, como regra, no mesmo nível das
leis ordinárias, excepcionando-se os Tratados e Convenções internacionais
aprovados na forma do art. 5º, § 3º da Constituição Federal após a EC n.
45/2004, que tratem sobre direitos humanos e forem aprovados em cada
Casa do Congresso Nacional em dois turnos, por três quintos dos votos dos
respectivos membros, os quais serão equiparados às Emendas Constitucionais
com hierarquia superior às leis ordinárias.
Portanto, os Tratados internacionais ingressam na ordem jurídica interna
brasileira mediante o preenchimento dos seguintes requisitos: a) negociação
pelo Estado brasileiro no plano internacional; b) assinatura do instrumen-
to pelo Estado brasileiro; c) mensagem do Poder Executivo ao Congresso
Nacional para discussão e aprovação ou não do instrumento; d) aprovação
parlamentar mediante Decreto Legislativo; e) ratificação do instrumento; f )
promulgação do texto legal do Tratado mediante Decreto presidencial.
A Convenção n. 148 da OIT foi aprovada na sua 63ª reunião da Con-
ferência Internacional do Trabalho em Genebra, em 1977 e entrou em vigor
no plano internacional em 11/7/1979. No Brasil ela foi aprovada pelo Decre-
to Legislativo n. 56/81, do Congresso Nacional, ratificada em 14/01/1982,
promulgada pelo Decreto presidencial n. 93.413, de 15/10/1986 e passou a
vigorar no plano nacional em 14/01/1983.
A Convenção n. 155 da OIT foi aprovada na sua 67ª reunião da Confe-
rência Internacional do Trabalho em Genebra, em 1981 e entrou em vigor no
plano internacional em 11/08/1983. No Brasil ela foi aprovada pelo Decreto
Legislativo n. 2/92, do Congresso Nacional, ratificada em 18/05/1992, pro-
mulgada pelo Decreto presidencial n. 1.254, de 29/09/1994 e passou a vigorar
no plano nacional em 18/05/1993.
Como referidas Convenções ingressaram no plano interno brasileiro
antes da Emenda Constitucional n. 45/2004, que acrescentou o § 3º ao art.
Raimundo Simão de Melo 89

5º da Constituição Federal, embora tratem sobre direitos humanos, normas


de saúde, higiene e segurança do trabalho, têm elas natureza de leis ordinárias,
que, para serem aplicadas devem ser confrontadas com a Constituição Federal e
demais regras legais infraconstitucionais (STF – RE n. 466.343- SP, 12/2008).

5. APLICABILIDADE E EFICÁCIA DAS CONVENÇÕES 148


E 155 DA OIT NA ORDEM JURÍDICA BRASILEIRA
O § 2º do art. 5º da nossa Constituição Federal estabelece que os direitos
e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do
regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em
que a República Federativa do Brasil seja parte.
A partir deste importante mandamento cabe verificar o plano de eficá-
cia, ou seja, sobre os efeitos da aplicação dessas duas normas internacionais,
que passaram a valer no ordenamento interno do Brasil em 1986 e 1993,
respectivamente.
Os atos jurídicos, como as leis, depois de verificada sua validade, estarão
aptos a produzir seus efeitos específicos no plano da eficácia, todavia, como se
sabe, nem toda lei tem sua eficácia prática no plano dos fatos, com resultados
sociais que designem a efetiva realização da norma jurídica no meio a que se
destina. No Brasil nem sempre são levados a sério os Tratados internacionais,
sendo que alguns deles são mesmo desconsiderados.
Assim, cabe ao Poder Judiciário e aos demais órgãos do Estado assegurar a
implementação e cumprimento no âmbito nacional, das normas internacionais
de proteção dos direitos humanos ratificadas pelo Brasil. Ao Congresso Nacional
cabe se abster de legislar em sentido contrário às obrigações assumidas internacio-
nalmente, como o fez através da recente reforma trabalhista no tocante às normas
de saúde, higiene e segurança do trabalho, submetendo-as à livre negociação
coletiva e até por ajuste individual com os trabalhadores, dizendo que normas
sobre duração do trabalho e intervalos não têm essa natureza, além do que, no
contexto geral da reforma não existiu qualquer preocupação com a prevenção
dos riscos ambientais. Ao contrário, foram criados obstáculos à sua efetivação.
Diante disso, cabe aos cidadãos organizados, beneficiários diretos dos
instrumentos internacionais voltados à proteção dos direitos fundamentais à
saúde, higiene e segurança do trabalho reclamarem perante o Ministério Pú-
blico e os órgãos judiciais do Estado a satisfação dos direitos estabelecidos nos
Tratados e na Constituição Federal.
Isso também pode ser feito no plano internacional por meio de
90 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

mecanismos de controle e punições para o Estado brasileiro, vinculados a


Tratados internacionais não cumpridos sobre direitos humanos, mesmo que
as punições ocorram somente no campo moral.
A partir dessas considerações passarei a analisar alguns aspectos das Con-
venções 148 e 155 da OIT em relação à sua aplicação e eficácia no plano
interno brasileiro.
A Convenção n. 148 da OIT trata da Contaminação do Ar, Ruído e
Vibrações nos locais de trabalho, cujas consequências são graves para a saúde
dos trabalhadores.
Apenas para se ter uma ideia da quantidade de doenças que podem aco-
meter os trabalhadores expostos a Vibrações (afecções dos músculos, tendões,
ossos, articulações, vasos sangüíneos periféricos ou dos nervos periféricos), ve-
jamos a relação seguinte, indicada no Anexo II, Lista A do Decreto n. 3048/99
(Agentes patogênicos causadores de doenças profissionais ou do trabalho, art.
20 da Lei nº 8.213/1991:
1) Síndrome de Raynaud (I73.0)
2) Acrocianose e Acroparestesia (I73.8)
3) Outros transtornos articulares não classificados em outra parte: Dor Arti-
cular (M25.5)
4) Síndrome Cervicobraquial (M53.1)
5) Fibromatose da Fascia Palmar: “Contratura ou Moléstia de Dupuy-
tren” (M72.0)
6) Lesões do Ombro (M75.-): Capsulite Adesiva do Ombro (Ombro Conge-
lado, Periartrite do Ombro) (M75.0); Síndrome do Manguito Rotatório ou
Síndrome do Supraespinhoso (M75.1); Tendinite Bicipital (M75.2); Tendi-
nite Calcificante do Ombro (M75.3); Bursite do Ombro (M75.5); Outras
Lesões do Ombro (M75.8); Lesões do Ombro, não especificadas (M75.9)
7) Outras entesopatias (M77.-): Epicondilite Medial (M77.0); Epicondilite
lateral (“Cotovelo de Tenista”); Mialgia (M79.1)
8) Outros transtornos especificados dos tecidos moles (M79.8)
9) Osteonecrose (M87.-): Osteonecrose Devida a Drogas (M87.1); Outras
Osteonecroses Secundárias (M87.3)
10) Doença de Kienböck do Adulto (Osteo-condrose do Adulto do Semilunar
do Carpo) (M93.1) e outras Osteocondro-patias especificadas (M93.8)
Por isso estabelece o art. 1 – 1 da Convenção 148 que tem ela aplicação
em todos os ramos de atividade econômica no país membro.
Em relação à Convenção 155, que trata de forma geral da Segurança e
Raimundo Simão de Melo 91

Saúde dos Trabalhadores, farei a seguir algumas considerações.


O art. 1-1 assegura a sua aplicação a todas as áreas de atividade econômica.
O art. 3 estabelece que para os fins da presente Convenção: (a) a ex-
pressão ‘áreas de atividade econômica’ abrange todas as áreas em que existam
trabalhadores empregados, inclusive a administração pública; (b) o termo ‘tra-
balhadores’ abrange todas as pessoas empregadas, incluindo os funcionários
públicos; (c) a expressão ‘local de trabalho’ abrange todos os lugares onde os
trabalhadores devem permanecer ou onde têm que comparecer, e que estejam
sob o controle, direto ou indireto, do empregador; (e) o termo ‘saúde’, com
relação ao trabalho, abrange não só a ausência de afecções ou de doenças, mas
também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente
relacionados com a segurança e a higiene no trabalho.
Portanto, a norma legal se aplica a todas as áreas de atividade econômica,
a todos os trabalhadores, inclusive da administração pública, a todas as locali-
dades de trabalho, levando em conta a pessoa dos trabalhadores onde tiverem
que comparecer por conta do trabalho, estejam ou não sob o controle direto ou
indireto do empregador e o termo saúde abrange não só a ausência de afecções
ou de doenças, mas também os todos os elementos físicos e mentais que afetam a
saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e a higiene no trabalho.
Como política nacional estabelece o art. 4 que todo membro que aderiu
à referida Convenção deverá por em prática e reexaminar periodicamente uma
política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores
e o meio ambiente de trabalho, que terá como objetivo prevenir os acidentes e
os danos à saúde, reduzindo ao mínimo as causas dos riscos inerentes ao meio
ambiente de trabalho, devendo promover treinamento necessário, qualificações
e a motivação das pessoas que intervenham, de uma ou outra maneira, para
que sejam atingidos níveis adequados de segurança e higiene adequados.
Ainda estabelece que sobre a proteção dos trabalhadores e de seus re-
presentantes contra toda medida disciplinar por conta da atuação por eles
empreendida na busca do objetivo maior de prevenção dos riscos ambientais
do trabalho.
Portanto, é dever do Estado por em prática e reexaminar periodicamente
uma política nacional de prevenção da segurança e saúde dos trabalhadores,
inclusive com treinamento necessário, qualificações e a motivação das pessoas
na busca dos objetivos a serem atingidos, assegurando a proteção dos trabalha-
dores e de seus representantes contra medidas disciplinares dos patrões, que,
ao contrário dos mandamentos acima, punem, perseguem e discriminam os
92 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

representantes sindicais e da CIPA em razão do trabalho que fazem em prol


da prevenção, como muito acontece na prática.
O art. 9 reza que o controle da aplicação das leis e dos regulamentos
relativos à segurança, a higiene e ao meio ambiente de trabalho deverá estar
assegurado por um sistema de inspeção das leis ou dos regulamentos, o que
também não é cumprido pelo Brasil, que, ao invés disso está “destruindo”
os órgãos de fiscalização, como o Ministério do Trabalho, parecendo mesmo
que com a intenção deliberada de não “incomodar” os descumpridores das
normas de saúde, higiene e segurança do trabalho. O resultado são os altos
índices de acidentes e de doenças do trabalho, que com a atual política de
Estado tendem a aumentar mais ainda.
Em suma, o que se observa das duas Convenções analisadas é que elas ga-
rantem que os agentes e as substâncias químicas, físicas e biológicas, métodos e
condições de trabalho estejam sob o mais absoluto controle, não envolvam riscos
para a saúde dos trabalhadores, que sejam tomadas as medidas de proteção ade-
quadas, tudo com o fim de evitar os efeitos prejudiciais para a saúde dos mesmos.
Essas normas, em grande parte foram acolhidas na legislação infraconsti-
tucional brasileira e nas Normas Regulamentadoras da Portaria n. 3.214/77 e
estão em total harmonia com os mandamentos explícitos e princípios estabe-
lecidos na Constituição Federal brasileira de 1988. Todavia, como conclusão
inarredável podemos afirmar, com base na experiência diária e nos próprios
dados estatísticos acidentários que a sua aplicação ainda é de pouca efetivida-
de no cenário geral dos acidentes e doenças ocupacionais. Se isso ainda está
ocorrendo, o que se pode esperar se cumprida a pretensão do governo atual,
de revogar 90% da regulamentação estabelecida de forma tripartite através
das NRS da Portaria n. 3.214/77, como vem sendo apregoado como forma
de modernização das leis trabalhistas.

6. CONVENÇÃO N. 190 SOBRE VIOLÊNCIA E ASSÉDIO


NO TRABALHO
Por oportuno neste ano de 2019, em que se comemora o centenário da
OIT, cabe o louvável registro de que na sua 108ª Reunião da Conferência Inter-
nacional do Trabalho em Genebra, em junho de 2019, os membros tripartites
da OIT, depois de 4 anos de debates sobre o tema, aprovaram a Convenção de
n. 190, que representará atuação histórica da organização contra a violência e
o assédio no trabalho.
A Convenção 190 reconheceu que a violência e o assédio no mundo
Raimundo Simão de Melo 93

do trabalho levam à violação ou abuso dos direitos humanos e são ameaça à


igualdade de oportunidades e, por isso, incompatíveis com o trabalho decente.
Governos, representantes patronais e de trabalhadores chegaram a um
acordo histórico neste ano de 2019 para adotar a primeira Convenção que bus-
cará a eliminação da Violência e do Assédio no Mundo do Trabalho, coroando
a sessão de encerramento da Conferência anual da Organização Internacional
do Trabalho (OIT) no dia 21/06/2019 com um novo instrumento jurídico
internacional aplicável a todas as categorias de trabalhadores, independente-
mente de seu status contratual, inclusive pessoas em formação, como aprendizes
e estagiários, assim como aqueles cujos contratos de trabalho terminaram,
voluntários e pessoas que procuram emprego.
Na outra ponta, compreende e compromete a todos os que tenham a
autoridade, cumprem os deveres e as responsabilidades de um empregador em
relação ao seu cumprimento.
A Convenção 190 define violência e assédio como comportamentos, prá-
ticas ou ameaças que visem e resultem em danos físicos, psicológicos, sexuais ou
econômicos para os trabalhadores atingidos por essas graves práticas, registrando
que os Estados membros têm a responsabilidade de promover um ambiente geral
de tolerância zero contra atitudes patronais prejudiciais aos trabalhadores.
“Este é um dia histórico. No seu centenário, a OIT não podia trazer
um melhor presente que uma convenção que aborda um dos problemas mais
perniciosos do trabalho e que não deixa ninguém de fora”, disse a canadense
Marie Clarke Walker, que representou os trabalhadores no Comitê que redigiu
o texto da Convenção 190 da OIT.
De outro lado, a negociadora patronal, a australiana Alana Matheson,
reconheceu diante dos delegados da 108ª Conferência Internacional do Tra-
balho que a violência e o assédio são “uma epidemia que deve terminar” e
considerou que esta convenção “pode mudar significativamente esta realidade”,
como todos esperam.
Registre-se por importante que a Convenção 190 da OIT se aplica
tanto no local de trabalho como em ambientes relacionados ou derivados
deste, incluindo os espaços onde os empregados recebem sua remuneração,
onde fazem intervalo e comem, assim como em banheiros e vestiários, com-
preendendo também viagens, capacitações, eventos sociais relacionados ao
trabalho, locais de hospedagem disponibilizados pelo empregador e o trajeto
de ida e volta ao trabalho. A Convenção reconhece também que a violência
e o assédio podem ocorrer através de comunicações vinculadas ao trabalho,
94 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

incluindo as de caráter virtual.


A Convenção 190 da OIT entrará em vigor 12 meses depois que dois
Estados a tenham ratificado, e foi complementada por uma Recomendação
da organização, um texto que detalha ainda mais o alcance, mas que não tem
o peso jurídico da primeira, porque não será de cumprimento obrigatório.
Esperemos, pois, os bons resultados da aplicação da Convenção 190 da
OIT no mundo do trabalho, porque o assédio e a violência no trabalho não
interessam aos trabalhadores nem aos empregadores, uma vez que tais práticas
corroem de forma indelével as relações de trabalho e causam prejuízos econô-
micos, financeiros, sociais e humanos a todos, inclusive à sociedade.

7. CONCLUSÕES
O Brasil, incluindo Tratados internacionais a que aderiu, o Capítulo V
da CLT, as NRs da Portaria n. 3.214/77 e a Constituição Federal de 1988
passou a ter uma boa legislação de proteção ao meio ambiente do trabalho e
à saúde dos trabalhadores. Houve, de fato, importante evolução da legislação
sobre o tema ora analisado. Não obstante isso, os índices acidentários ainda são
preocupantes, colocando o Brasil no ranking mundial por volta do 10º lugar.
Pela análise ora feita, verifica-se que as Convenções 148 e 155 da OIT ga-
rantem que os agentes e as substâncias químicas, físicas e biológicas, métodos e
condições de trabalho estejam sob o mais absoluto controle, não envolvam riscos
para a saúde dos trabalhadores, que sejam tomadas as medidas de proteção ade-
quadas, tudo com o fim de evitar os efeitos prejudiciais para a saúde dos mesmos.
Essas normas, em grande parte foram acolhidas na legislação infraconsti-
tucional brasileira e estão em total harmonia com os mandamentos e princípios
estabelecidos na Constituição de 1988, mas mostram dados estatísticos aci-
dentários oficiais, sua aplicação ainda é de pouca efetividade no cenário geral
dos acidentes e doenças ocupacionais no Brasil.
Essa situação poderá piorar com a reforma trabalhista recentemente
aprovada, a qual foi feita sem qualquer preocupação com a melhoraria das
condições de trabalho, banindo até do conceito de regras de saúde e segurança
a duração do trabalho e os intervalos intrajornada, para permitir que conven-
ções, acordos coletivos e até acordos individuais de trabalho possam aumentar
a jornada de trabalho, reduzir a proteção prevista em lei, estabelecer banco de
horas e reduzir intervalos de descanso, entre outras investidas sobre condições
de trabalho, o que ofende o comando do inc. XXII do art. 7º da Constituição
Federal, o qual visa à proteção da vida e da saúde dos trabalhadores como
Raimundo Simão de Melo 95

direito fundamental e Tratados internacionais assinados pelo Brasil, como as


Convenções 148 e 155, entre outras que preconizam o trabalho decente.

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ANÁLISE DO CONTROLE DE
CONVENCIONALIDADE DAS CONVENÇÕES DA
OIT NO ÂMBITO DO TRIBUNAL SUPERIOR DO
TRABALHO
ANALYSIS OF THE ILO CONVENTIONALITY CONTROL AT THE
SUPERIOR LABOUR COURT

Ana Virginia Moreira Gomes1·


Sarah Linhares Ferreira Gomes2·

RESUMO: O estudo examina em que medida e como o Tribunal Superior do


Trabalho – TST reconhece a validade das convenções da Organização Interna-
cional do Trabalho – OIT, analisando um aspecto específico do tema: o exercício
do controle de convencionalidade das convenções no âmbito do TST. Para isso,
a pesquisa analisa 600 decisões do TST, com recorte temporal de 2009 a 2019.
O artigo explora como uma hipótese a ampliação do uso do recurso de revista
como meio para o fortalecimento do exercício do controle de convencionalidade
por esse tribunal.
Palavras-chave: Controle de Convencionalidade; Tribunal Superior do Traba-
lho; Organização Internacional do Trabalho; Recurso de Revista.
ABSTRACT: The study examines to what extent and how the Superior Labor
Court (TST) recognizes the validity of International Labor Organization (ILO)
conventions, analyzing a specific aspect of the topic: the exercise of conventiona-
lity control of ILO conventions within the scope of TST. To achieve this goal, the
research analyzes 600 TST decisions, within the 2009 to 2019 timeframe. The
article explores as a hypothesis the broadening of the use of the review appeal as a
means for the strengthening of the conventionality control exercise by this court.
Keywords: Conventionality Control; Superior Labor Court; International Labor
Organization; Review Appeal.

1 Doutora pela Universidade de São Paulo. Pós-Doutorado na School of Industrial and Labor Relations da
Cornell University. Professora da Pós-Graduação em Direito Constitucional e do Curso de Direito da Uni-
versidade de Fortaleza. Coordena o Núcleo de Estudos Sobre Direito do Trabalho e da Seguridade Social
(NETDS) da Universidade de Fortaleza. Endereço eletrônico: [email protected]
2 Advogada. Ex-pesquisadora Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PROBIC)
e membro do Núcleo de Estudos Sobre Direito do Trabalho e da Seguridade Social (NETDS) da Universi-
dade de Fortaleza. Endereço eletrônico: [email protected]
Ana Virginia Moreira Gomes· – Sarah Linhares Ferreira Gomes· 97

INTRODUÇÃO
As convenções internacionais aprovadas no âmbito da OIT constituem
um sistema de normas que buscam universalizar condições justas e decentes de
trabalho. O Brasil, como membro originário da OIT, já ratificou 97 das 190
convenções da OIT.3 A ratificação das convenções constitui passo essencial,
porém insuficiente, para se assegurar o efetivo cumprimento dos direitos ali
protegidos. O reconhecimento da validade dessas normas internacionais pelas
cortes nacionais é uma das formas de se assegurar que os Estados cumpram
suas obrigações internacionais perante a OIT.
Nesse sentido, este estudo tem como objetivo examinar em que medida e
como o Tribunal Superior do Trabalho – TST reconhece a validade das conven-
ções da OIT, analisando um aspecto específico do tema: o exercício do controle
de convencionalidade das convenções no âmbito do TST. A pesquisa explora
como uma hipótese a ampliação do uso do recurso de revista como meio para o
fortalecimento do exercício do controle de convencionalidade por esse tribunal.
A análise é realizada através de pesquisa bibliográfica e documental, por
meio de livros, artigos científicos, revistas. Ademais, o estudo realizou uma
pesquisa empírica, a partir da obtenção de dados coletados no sítio do TST,
especificamente em consulta jurisprudencial, utilizando-se o termo “conven-
ção da OIT”. Foram analisadas 600 decisões judiciais, com recorte temporal
de 2009 a 2019, sendo 60 decisões judiciais por cada ano. A abordagem do
presente trabalho, é, portanto, de natureza quantitativa e qualitativa, aplican-
do-se o critério de representatividade numérica para a compreensão dos dados
coletados e a análise das fundamentações jurídicas das decisões. Ressalta-se
que os dados foram tabulados através do software para análise quantitativa,
Statistical Package for the Social Sciences (SPSS versão 21) e estão apresentados
na forma descritiva por meio de tabelas.
A pesquisa foi financiada pelo Edital EDITAL PROBIC/FEQ/
UNIFOR 2018.4

1. O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE NO BRASIL


Inerente ao processo de concretização do Estado Democrático de Direito,
culminante dos esforços promovidos na promulgação da Constituição Fede-
ral de 1988, a evolução do sistema jurídico pátrio prevê, além da produção
3 Ver ILO. NORMLEX. Disponível on line: <https://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPU-
B:1:0::NO:::>. Acesso em 24/8/2019.
4 Agradecemos a contribuição do aluno do programa de iniciação científica da Universidade de Fortaleza,
Guilherme Arraes Alencar Cunha.
98 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

normativa interna realizada pelo Congresso Nacional, a necessidade de inclu-


são de garantias e direitos fundamentais derivados da ratificação de tratados
e convenções, compreendida nas relações estabelecidas entre o Brasil e a co-
munidade internacional. A inclusão desses elementos normativos na ordem
jurídica interna cria, todavia, questionamentos doutrinários e jurisprudenciais
acerca de sua posição hierárquica no sistema jurídico doméstico. Essa é uma
questão essencial para se assegurar a eficácia dos tratados ratificados diante de
potenciais conflitos desses com normas internas.
A reforma promovida pela incorporação da Emenda Constitucional – EC
nº 45 de 2004, que incluiu o § 3º no art. 5º da Constituição Federal de 1988,
trouxe ao Brasil uma nova regra sobre a internalização e hierarquia dos tratados
de direitos humanos – TDHs. O Congresso Nacional, ao decidir acerca da
ratificação e internalização dos TDhs, pode conferir a esses a hierarquia jurídica
equivalente às emendas constitucionais, se aprovada a ratificação por meio de
votação realizada em cada Casa em dois turnos, com o quórum mínimo de
três quintos dos votos dos respectivos membros.5
Com a promulgação da EC nº 45, restaram questionamentos acerca
de sua aplicabilidade a TDHs já ratificados e em vigor. Em decisão relativa à
possibilidade da prisão civil para o depositário infiel, no julgamento do RE
466.343/SP, o Supremo Tribunal Federal – STF harmonizou a questão, con-
ferindo a esses TDHs o caráter supralegal. No que tange aos tratados comuns,
relativos a temas não compatíveis com a promoção dos direitos humanos, o
STF entendeu que os tratados internacionais comuns ainda guardam relação de
paridade hierárquica com o ordenamento jurídico brasileiro. Em meio ao jul-
gamento, duas teses preponderavam entre os ministros. A primeira, elaborada
pelo ministro Celso de Mello, garantia aos tratados a natureza constitucional,
uma vez que incidiria sobre eles “o § 2º do art. 5º da Constituição, que lhes
confere natureza materialmente constitucional, promovendo sua integração e
fazendo com que se subsumam à noção de bloco de constitucionalidade”.6 A
segunda tese, vencedora por votação apertada de 5 votos contra 4, foi elaborada
pelo ministro Gilmar Mendes. Para o ministro, a inclusão do § 3º no art. 5º:
Em termos práticos, trata-se de uma declaração eloquente de que os tratados já
ratificados pelo Brasil, anteriormente à mudança constitucional, e não subme-
tidos ao processo legislativo especial de aprovação no Congresso Nacional, não
podem ser comparados às normas constitucionais.7
5 ALMEIDA, Antoniel Lima. O controle jurisdicional de convencionalidade no direito brasileiro. RJurFA7,
Fortaleza, v. IX, n. 1, p. 9-20, abr. 2013, p. 10.
6 STF, Jurisprudência, 2006. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurispru-
dencia.asp. Acesso em 24/8/2019.
7 STF, Jurisprudência, 2006. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurispru-
dencia.asp. Acesso em 24/8/2019.
Ana Virginia Moreira Gomes· – Sarah Linhares Ferreira Gomes· 99

Na doutrina, Mazzuoli8, em artigo produzido como síntese de sua tese,


examinou a posição adotada pelo STF acerca da hierarquia conferida aos
tratados recepcionados pelo Brasil antes da EC nº 45. Para o autor, o voto do
ministro Gilmar Mendes se mostra insuficiente na medida em que os tratados
comuns não estariam em nível de paridade com a norma infraconstitucional,
pois não poderiam ser revogadas por advento de lei posterior. Dessa forma,
o status supralegal não deveria ser conferido aos TDHs, e sim aos demais
tratados. Quanto aos TDHs, Mazzuoli persegue o entendimento de Celso
de Mello, já que esses já teriam hierarquia constitucional independente-
mente de quórum de votação.9 Com base na EC nº 45, os TDHs viriam
a ser recepcionados como materialmente constitucionais (art. 5o, § 2o) ou
material e formalmente constitucionais (art. 5o, § 3o), de modo que, além
do controle de constitucionalidade já realizado, decorre do sistema consti-
tucional a exigência do controle de convencionalidade, que consistiria na
análise de compatibilidade da lei produzida internamente no país com os
TDHs ratificados e em vigor.10
Ao se analisar a natureza hierárquica dos tratados, Mazzuoli11 observou a
peculiaridade inerente aos tratados comuns, aqueles que versaram sobre temas
distintos dos direitos humanos e de garantias fundamentais, uma vez que tais
instrumentos teriam status de norma supralegal. Ambos os tipos de tratados
serviram como mecanismos para o controle das normas infraconstitucionais no
país, apesar de uma distinção: o controle de convencionalidade seria reservado
apenas aos tratados de direitos humanos, enquanto que os tratados comuns
exerceriam um controle relativo à legalidade das normas.
O novo entendimento elaborado pela doutrina com base na alteração
advinda da EC nº 45 veio a propiciar uma inovação no entendimento de
validade e vigência no caso de conflito entre tratados ratificados e em vigor e
normas internas. Conforme Mazzuoli, a lei deve ser compatível não só com
a Constituição, mas também com os tratados internacionais. Dessa maneira,
uma norma prevista no ordenamento jurídico, de acordo com os preceitos
constitucionais, poderia ter sua vigência assegurada, mas sua validade viria
ser comprometida em decorrência de afronta ao que o autor chama de dupla

8 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Teoria geral do Controle de Convencionalidade no direito brasileiro. Re-
vista de Informação Legislativa, Brasília, ano 46, n. 181, jan./mar. 2009.
9 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Teoria geral do Controle de Convencionalidade no direito brasileiro. Re-
vista de Informação Legislativa, Brasília, ano 46, n. 181, jan./mar. 2009, p. 121
10 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Teoria geral do Controle de Convencionalidade no direito brasileiro. Re-
vista de Informação Legislativa, Brasília, ano 46, n. 181, jan./mar. 2009, p. 114
11 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Teoria geral do Controle de Convencionalidade no direito brasileiro. Re-
vista de Informação Legislativa, Brasília, ano 46, n. 181, jan./mar. 2009, p. 114
100 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

compatibilidade vertical material:


Para que exista a vigência e a concomitante validade das leis, necessário será
respeitar-se uma dupla compatibilidade vertical material, qual seja, a compa-
tibilidade da lei (1) com a Constituição e os tratados de direitos humanos em
vigor no país e (2) com os demais instrumentos internacionais ratificados pelo
Estado brasileiro.12

Com enfoque específico no controle de convencionalidade, têm-se como


principal intuito a sistematização baseada na compatibilidade entre os atos jurí-
dicos advindos da produção normativa do país com os compromissos firmados
frente à comunidade internacional. Para tanto, o controle de convencionali-
dade é exercido via controle difuso, na medida em que o juiz e os tribunais
possuem o dever de observar e aplicar os tratados internacionais, declarando a
invalidade de normas infraconstitucionais, ou pela via concentrada, realizada
de maneira concentrada pelo STF ou uma corte internacional.
Este estudo foca no controle de convencionalidade exercido no caso das
convenções internacionais aprovadas pela OIT nas decisões do TST. Apesar
das convenções da OIT serem passíveis, com a aplicação do §3º do art. 5º da
Constituição Federal, de serem incorporadas ao ordenamento jurídico pátrio
com a equivalência de emenda constitucional, a mesma controvérsia existente
sobre a posição hierárquica dos tratados internacionais apresenta reminiscên-
cias no tocante a essas normas internacionais.
A regra trazida pela EC nº 45, até o momento da redação deste estudo,
somente havia sido aplicada no caso da internalização de dois tratados in-
ternacionais, quais sejam, a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com
Deficiência e seu Protocolo Facultativo; e o Tratado de Marraqueche sobre
a acessibilidade a obras publicadas às pessoas cegas, com deficiência visual
ou com outras dificuldades. Retrato da inadequação por parte do Congresso
Nacional quanto ao uso do procedimento: cinco convenções internacionais
da OIT já foram ratificadas e internalizadas pelo Brasil após 2004, ano da
promulgação da EC nº 45, porém em nenhum desses casos o Congresso
Nacional decidiu adotar o procedimento do §3º do art. 5º da Constitui-
ção Federal.13 A doutrina de forma majoritária defende que as convenções
internacionais da OIT são consideradas tratados que versam sobre direitos
humanos, nesse ponto de vista, Carlos Husek alude:

12 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Teoria geral do Controle de Convencionalidade no direito brasileiro. Re-
vista de Informação Legislativa, Brasília, ano 46, n. 181, jan./mar. 2009, p. 117.
13 MAZZUOLLI, Valerio de Oliveira; FRANCO, Georgenor de Sousa Filho. Incorporação e aplicação das
convenções internacionais da OIT no Brasil. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, vol. 167, ano 42,
p. 169-182, jan./fev. 2016, p. 175.
Ana Virginia Moreira Gomes· – Sarah Linhares Ferreira Gomes· 101

As convenções internacionais do trabalho, da OIT, poderiam ser consideradas


tratados de direitos humanos? Entendemos que sim, porque os direitos sociais
são fundamentais, representam direitos a uma vida digna, plena, de exercício da
cidadania, de erradicação da pobreza, de valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa, de uma sociedade livre, solidária e justa, de prevalência dos direitos
humanos, de repúdio ao racismo e outras formas de manifestação do poder.
Desse modo, arriscamos: as convenções internacionais do trabalho assinadas e
ratificadas pelo Brasil são tratados de direitos humanos e não podem ser contra-
riadas por lei ordinária.14

Para Mazzuoli & Franco15, as convenções internacionais do trabalho


seriam consideradas TDHs em sua síntese, vindo a ingressar no sistema
jurídico brasileiro com a materialidade constitucional, conforme o §2º
do art. 5º. Para Bomfim16, no entanto nem todas as convenções da OIT
poderiam ser passíveis de serem consideradas como tratados internacionais
de direitos humanos, uma vez que a alcunha da norma só seria passível
de ser concedida diante do atendimento do chamado “tríplice conteúdo
da dimensão ética”, que consiste na existência dos preceitos da: cidadania,
dignidade e justiça social. De todo modo, no que concerne ao grau hie-
rárquico das convenções da OIT no sistema pátrio nacional, acredita-se
como preponderante o entendimento de que tais normas são dotadas de
hierarquia supralegal no direito interno, na medida em que versam sobre
direitos humanos, cabendo aos tribunais brasileiros sua aplicação e a con-
sonância com a legislação ordinária.

2. O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE NO ÂMBITO


DO TST: UMA ANÁLISE QUANTITATIVA
Com base na pesquisa empírica realizada, inicialmente, foi levantada
uma hipótese com o escopo de verificar se as convenções da OIT citadas nas
600 decisões judiciais coletadas foram ratificadas ou não pelo Brasil. Tendo
sido a convenção ratificada, a norma deve ser integrada ao ordenamento
jurídico interno, respeitada a sua validade e vigência. Constatou-se que 553
decisões judiciais citadas foram ratificadas pelo Brasil, conforme demonstra
o gráfico abaixo.

14 HUSEK, Carlos Roberto. Curso Básico de Direito Internacional Público e Privado no Trabalho. 3. ed.
São Paulo: LTR, 2015, p. 128.
15 MAZZUOLLI, Valerio de Oliveira; FRANCO, Georgenor de Sousa Filho. Incorporação e aplicação das
convenções internacionais da OIT no Brasil. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, vol. 167, ano 42,
p. 169-182, jan./fev. 2016.
16 BOMFIM, Brena Késsia Simplício do. Controle de Convencionalidade na Justiça do Trabalho. 1 ed. Rio
de Janeiro: Lumem Juris, 2017, p. 50-51.
102 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Gráfico 1 – A convenção da OIT como objeto de ratificação pelo Brasil.

Fonte: Adaptado do TST.

Assim, faz-se necessário mencionar a possibilidade de aplicação do con-


trole de convencionalidade nos casos que houve a ratificação das convenções
da OIT pelo Brasil, caso tratem-se de tratados que versem sobre direitos hu-
manos e que não foram incorporados pelo procedimento do artigo 5º, §3º da
CRFB/88, uma vez que de acordo com o entendimento do STF e da doutrina
majoritária, tais normas possuem hierarquia de supralegalidade, servindo como
parâmetro para a validade das normas infraconstitucionais. Nessa linha de
raciocínio, Bomfim17 alude a importância do reconhecimento e da aplicação
do controle de convencionalidade pelos magistrados e tribunais brasileiros:
17 BOMFIM, Brena Késsia Simplício do. Controle de Convencionalidade na Justiça do Trabalho. 1 ed. Rio
de Janeiro: Lumem Juris, 2017, p. 82.
Ana Virginia Moreira Gomes· – Sarah Linhares Ferreira Gomes· 103

De nada adianta o Brasil ratificar os tratados perante a comunidade internacio-


nal e internalizá-los na ordem jurídica interna se não os aplicar e compatibilizar
com o ordenamento jurídico como um todo. Os juízes e Tribunais devem estar
atentos a tal integridade de forma que suas decisões se mostrem compatíveis
com a ordem jurídica interna e internacional. Vale ressaltar que, ao internalizar
um tratado por meio da promulgação de um decreto, o País passa a considera-lo
como parte de seu ordenamento jurídico, sem qualquer distinção das leis pro-
duzidas pelo parlamento interno.

Entretanto, inobstante a imprescindibilidade do exercício do controle de


convencionalidade, os dados indicam que das 600 decisões judiciais coletadas,
apenas três fundamentam sua argumentação na existência de uma antinomia,
isto é, um conflito de normas, no caso, interna e internacional. Ademais, ne-
nhuma decisão utilizou o termo “controle de convencionalidade”.

Gráfico 2 – Conflito entre norma interna e convenção internacional da OIT

Fonte: Adaptado do TST.

As decisões judiciais, que discutiram sobre o conflito entre normas in-


terna e internacional, versaram sobre as convenções internacionais da OIT nº
141, nº 171 e nº 181 que aludem sobre as seguintes matérias: organização dos
104 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

trabalhadores rurais, trabalho noturno, e, por fim, às agências de empregos


privados, respectivamente.
No caso referente à Convenção nº 141 da OIT, especificamente no pro-
cesso sob o nº 101040-51.1999.5.15.0120, a Sexta Turma do TST, em sessão
realizada no dia 25 de novembro de 2009, manifestou entendimento pela
preponderância da norma internacional, em razão de ser mais benéfica ao
trabalhador e pela sua hierarquia supralegal. A lei 5.889/73 que regulamenta
o trabalho rural, identifica o trabalhador rural, tendo em vista as atividades do
empregador. Já a referida norma da OIT caracteriza tal espécie de empregado,
a partir do exercício de atividades exercidas por ele, sendo assim considerado,
caso labore em atividades agrícolas, artesanais ou outras semelhantes. Desse
modo, a decisão judicial em discussão entendeu que a convenção nº141 da
OIT ampliava o conceito de trabalhador rural, possibilitando, no caso concre-
to, a aplicação dos direitos destinados a tal espécie de trabalhador. Ademais,
o TST entendeu que a norma internacional versava sobre direitos humanos,
possuindo, dessa maneira, hierarquia de supralegalidade, o que ensejou a pre-
ponderância na norma internacional.
No que concerne à decisão judicial relativa à Convenção nº 171 da OIT,
no processo de nº 10065-53.2016.5.03.0012, a Terceira Turma do TST, por
ocasião da sessão realizada no dia 13 de dezembro de 2017, discutiu sobre o
conflito entre a Convenção nº 171 da OIT e o artigo 73, §2º da CLT. A pri-
meira norma, determina que o trabalho noturno é aquele exercido entre 24
horas às 5 horas, já a segunda norma define como trabalho noturno aqueles
realizado entre 22 horas às 5 horas. Tal discussão tinha o intuito de verificar se
era ou não devido o adicional noturno para o trabalhador que laborou poucos
minutos depois das 22 horas.
A decisão reconheceu o conflito entre a norma internacional e norma inter-
na, mas afastou a incidência da primeira, em face da norma constante na CLT ser
mais benéfica ao trabalhador, visto que proporcioná-lo-ia o direito ao adicional
noturno. Verifica-se, assim, obediência ao artigo 19, §8ª da Constituição da OIT
que consagra o princípio da norma mais benéfica ao trabalhador.
Nesse mesmo sentido, Valério Mazzuoli18 expõe que um dos fundamen-
tos da OIT é a universalização das normas trabalhistas, sendo assim, não
seria benéfico para o trabalhador que as normas constantes nas convenções
da OIT fossem menos favoráveis do que com relação à legislação interna. O

18 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Integração das Convenções e Recomendações Internacionais da OIT no


Brasil e sua aplicação sob a perspectiva do Princípio Pro Homine. Revista de Direito do Trabalho, São
Paulo, v. 39, n. 152, p. 11-34, jul/ago. 2013, p. 246.
Ana Virginia Moreira Gomes· – Sarah Linhares Ferreira Gomes· 105

ordenamento internacional e nacional “devem atuar de forma integrada para


assegurar a plena vigência dos direitos humanos, devendo o direito interno
priorizar a incorporação dos padrões de proteção requeridos pelos tratados de
direitos humanos, especialmente os trabalhistas editados pela OIT”.19
No que se refere à decisão que versou sobre a Convenção nº 181 da OIT,
no processo de nº 1829-57.2016.5.13.005, a Quarta Turma do TST, na sessão
que aconteceu no dia 18 de dezembro de 2018, intermediou conflito referente
à aplicação da legislação nacional ou estrangeira na celebração de um contrato
trabalhista. Na demanda em discussão, os recorrentes argumentaram que a
CLT não seria aplicada, pois o contrato celebrado entre as partes havia sido
firmado para prestar serviços em uma embarcação, em território distinto do
território brasileiro. Desse modo, reconhecendo tal argumento, foi aplicada a
Convenção nº 181 da OIT, que dispõe acerca das agências de emprego priva-
das, afastando, assim, a incidência da legislação trabalhista brasileira.
A pesquisa indica que o controle de convencionalidade pouco vem sendo
exercido no âmbito do TST, não sendo sequer objeto de discussão pelos jul-
gadores, não obstante a sua importância e imprescindibilidade para a efetiva
integração entre o direito internacional e o direito nacional. Um dos funda-
mentos para a não aplicação do controle de convencionalidade na seara do
referido tribunal, observado na pesquisa empírica, é a ausência da hipótese
de cabimento no artigo 896 da CLT, referente a lesão ou inobservância às
convenções internacionais da OIT, o que será abordado no tópico seguinte.

3. CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE E RECURSO


DE REVISTA
No âmbito do TST, observa-se a tese de lesão ou inobservância a con-
venções da OIT ratificadas pelo Brasil, em sede do recurso de revista, como
forma do recorrente tentar reverter a decisão proferida pelo Tribunal Regional
do Trabalho, no sentido da satisfação dos seus direitos trabalhistas.
Foi constatado na pesquisa empírica que, das 600 decisões analisadas,
a maioria – 323 decisões – não aplicava as convenções da OIT. Os casos de
não aplicação fundamentaram-se, com frequência, na ausência da hipótese
de cabimento recursal do recurso de revista no artigo 896 da CLT20 referen-
19 MELATI, André Vinicius. Normas da OIT e o direito interno. Revista Eletrônica Tribunal Regional do
Paraná, 3 ed., ano 1, n. 2, p. 103-136, dez. 2011, P. 132.
20 Como exemplo, cita-se trecho da decisão proferida pela terceira turma do TST, na sessão realizada no dia
04 de junho de 2008, no processo de nº 44414/2002-900-06-00.1 que denegou o Recurso de Revista por
ausência da hipótese de cabimento de lesão ou inobservância à convenção da OIT: “A reclamante aponta
ofensa aos arts. 462 da CLT e 7º, XIV, da Carta Magna, além de colacionar arestos. Invoca os termos do
106 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

te à lesão ou inobservância às convenções internacionais, ocasionando a sua


inadmissibilidade. Quando a convenção da OIT era aplicada por ocasião de
tal espécie recursal, baseava-se conjuntamente em outros dispositivos constitu-
cionais e infraconstitucionais, utilizando a norma internacional, apenas como
“argumento subsidiário”, quase como uma fonte material.
O recurso de revista possui previsão no artigo supracitado e é conside-
rado “um recurso eminentemente técnico” 21, que possui o escopo de assegurar
a uniformização da interpretação da legislação no âmbito dos tribunais do
trabalho. Não possui, assim, o intuito, de apreciar aspectos fáticos, mas tão
somente questões jurídicas.22 Uma das suas hipóteses de cabimento, dentre
outras, concerne à decisão judicial que violar “literal disposição de lei federal
ou afronta direta e literal à Constituição Federal”.23
Ademais, o artigo 896 da CLT que consagra a previsão das hipóteses de
cabimento do recurso de revista é considerado um rol taxativo, não admitindo,
portanto, a sua interposição em outros casos que não estejam previstos em lei.
Está sujeito, também, ao duplo juízo de admissibilidade, sendo esse exercido
tanto por o juízo a quo, quanto pelo juízo ad quem.24 Nessa fase recursal, são
analisados os requisitos de admissibilidade, e caso sejam satisfeitos, realiza-se
a apreciação meritória do recurso interposto.
Desse modo, observa-se que a ausência da hipótese de cabimento do
artigo 6º da Convenção nº 95 da OIT. Registre-se, inicialmente, que não existe no ordenamento jurídico a
previsão de cabimento do recurso de revista por desrespeito à convenção da OIT”. No mesmo sentido, a
segunda turma do TST, nos autos do processo nº 425.949/98.0, por ocasião da sessão realizada no dia 05
de setembro de 2001, manifestou o seguinte entendimento: “em suas razões vem o reclamante alegando
divergência jurisprudencial com os arestos de fls. 99/105 e violação da convenção nº 158/OIT, sustentando
que esta convenção é constitucional, auto executável em virtude de sua ratificação e impede dispensas que
não sejam socialmente justificáveis em todo o território nacional. Cumpre ressaltar, em princípio, que não se
encontra albergada pelo artigo 896, ‘c’, da Consolidação das Leis do Trabalho a hipótese de cabimento da
Revista por violação de convenção da OIT”.
21 Art. 896 da CLT: Cabe Recurso de Revista para Turma do TST das decisões proferidas em grau de recurso
ordinário, em dissídio individual, pelos Tribunais Regionais do Trabalho, quando: a) derem ao mesmo dis-
positivo de lei federal interpretação diversa da que lhe houver dado outro Tribunal Regional do Trabalho, no
seu Pleno ou Turma, ou a Seção de Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, ou contrariarem
súmula de jurisprudência uniforme dessa Corte ou súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal; b) de-
rem ao mesmo dispositivo de lei estadual, Convenção Coletiva de Trabalho, Acordo Coletivo, sentença nor-
mativa ou regulamento empresarial de observância obrigatória em área territorial que exceda a jurisdição do
Tribunal Regional prolator da decisão recorrida, interpretação divergente, na forma da alínea a; c) proferidas
com violação literal de disposição de lei federal ou afronta direta e literal à Constituição Federal.
22 SARAIVA, Renato. Curso de Direito Processual do Trabalho. 6 ed. São Paulo: Método, 2009, p. 555.
23 Art. 896 da CLT: Cabe Recurso de Revista para Turma do TST das decisões proferidas em grau de recurso
ordinário, em dissídio individual, pelos Tribunais Regionais do Trabalho, quando: a) derem ao mesmo dis-
positivo de lei federal interpretação diversa da que lhe houver dado outro Tribunal Regional do Trabalho, no
seu Pleno ou Turma, ou a Seção de Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, ou contrariarem
súmula de jurisprudência uniforme dessa Corte ou súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal; b) de-
rem ao mesmo dispositivo de lei estadual, Convenção Coletiva de Trabalho, Acordo Coletivo, sentença nor-
mativa ou regulamento empresarial de observância obrigatória em área territorial que exceda a jurisdição do
Tribunal Regional prolator da decisão recorrida, interpretação divergente, na forma da alínea a; c) proferidas
com violação literal de disposição de lei federal ou afronta direta e literal à Constituição Federal.
24 PEREIRA, Leone. Manual de Processo do Trabalho. 5a. ed., São Paulo, Saraiva, 2018, p. 791.
Ana Virginia Moreira Gomes· – Sarah Linhares Ferreira Gomes· 107

recurso, referente à lesão ou inobservância a tratados internacionais que versem


sobre direitos humanos, constitui um óbice para a apreciação meritória das
convenções da OIT no âmbito do TST, ocasionando, por conseguinte, a inad-
missibilidade recursal. Entretanto, já existem decisões pontuais que admitem
essa espécie de recurso em face da violação de tratados internacionais, como
verificado no acordão proferido pela sétima turma do TST nos autos do pro-
cesso de nº 1076-13.2012.5.02.0049, em sede do agravo de instrumento em
recurso de revista, na sessão realizada no dia 24 de maio de 2019.
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA EM FACE
DE DECISÃO PUBLICADA NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014.
PROTEÇÃO JURÍDICA E ACESSO AO TRABALHO DA PESSOA COM
DEFICIÊNCIA. DIREITO ÀS ADAPTAÇÕES RAZOÁVEIS. OBRIGAÇÕES
DO ESTADO BRASILEIRO PERANTE A SOCIEDADE INTERNACIONAL.
SISTEMAS DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS E INTERAME-
RICANO DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS. DECLARAÇÃO
SOCIOLABORAL DO MERCOSUL. EFICÁCIA HORIZONTAL DOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS. APLICAÇÃO ÀS RELAÇÕES PRIVADAS.
PERSPECTIVA CONSOLIDADA PELA CONVENÇÃO DAS NAÇÕES
UNIDAS SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, DE
2007, APROVADA NO ÂMBITO INTERNO COM EQUIVALÊNCIA A
EMENDA CONSTITUCIONAL, E PELA LEI Nº 13.146/2015 – LEI BRA-
SILEIRA DE INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA (ESTATUTO
DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA). RESPONSABILIDADE E FUNÇÃO
SOCIAL DA EMPRESA. Agravo de instrumento a que se dá provimento para
determinar o processamento do recurso de revista, em face de haver sido demons-
trada possível afronta aos artigos 2 e 27, 1, “i”, da Convenção das Nações Unidas
Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (RR-1076-13.2012.5.02.0049 Data
de Julgamento: 24/04/2019, Relator Ministro: Cláudio Mascarenhas Brandão, 7ª
Turma, Data de Publicação: DEJT 03/05/2019).25
No caso, discutia-se a possibilidade de processamento do recurso de
revista em face da inobservância aos artigos 2º e 27, inciso I, alínea “i” da
Convenção das ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, com o
objetivo de possibilitar a apreciação do mérito recursal pelo TST. O agravo
de instrumento foi julgado procedente, possibilitando a apreciação meritória
do recurso de revista, que posteriormente também foi julgado procedente, no
sentido da aplicação da norma internacional.
O processo versava sobre o caso de uma ex-empregada de uma determi-
nada instituição bancária que solicitou a facilitação de acesso ao ambiente de

25 Para acessar a decisão do Tribunal Superior do Trabalho na íntegra, acessar o sitio eletrônico: <http://apli-
cacao4.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTs-
t=1076&digitoTst=13&anoTst=2012&orgaoTst=5&tribunalTst=02&varaTst=0049&submit=Consultar>
108 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

trabalho, uma vez que essa possui limitação física, sendo vítima de paralisia
cerebral, contudo, o pedido foi negado. O TRT da 2ª região manifestou en-
tendimento de que “inexiste no ordenamento jurídico, e mesmo no complexo
das normas tuitivas do deficiente, qualquer previsão que obrigue a distribuição
geográfica dos postos de trabalho” e “a mudança de local de trabalho, desde
que não implique alteração do domicílio do empregado, está inserida no poder
diretivo do empregador, conforme se infere do art. 469 da CLT, não configu-
rando alteração contratual lesiva”.
Contudo, a Sétima Turma do TST, modificou o entendimento emanado
pelo TRT da 2ª região, determinando a condenação do banco ao pagamento
de indenização por danos morais equivalente a R$ 100 mil reais, com base na
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Entendeu o relator
do recurso, ministro Cláudio Brandão, que “não mais se admite postura passiva
das empresas em relação ao direito às adaptações razoáveis” e também “não lhes
cabe apenas oferecer vagas para pessoas com deficiência ou reabilitadas e esperar
que se adequem ao perfil exigido”. Ainda, fundamentou sua decisão com base
na Convenção nº 159 da OIT que versa sobre a reabilitação profissional e o
emprego de pessoas com deficiência, ratificada pelo Brasil.
A argumentação da decisão examinada partiu do reconhecimento da
validade da norma, reconhecendo as obrigações estatais perante a comuni-
dade internacional, de forma a garantir uma maior proteção ao direito dos
trabalhadores. Nesse sentido, Bomfim26 alude que “a máxima efetividade dos
direitos humanos, assim, deve ser sempre garantida por meio do diálogo entre
a legislação interna e a internacional ratificada”.
A decisão da sétima turma do TST demonstra um avanço no posiciona-
mento do TST acerca da possibilidade de interposição do recurso de revista em
face de tratados internacionais, devendo o caso ser utilizado como paradigma
para alcançar também, a apreciação meritória das convenções da OIT. Para
tanto, faz-se necessária uma interpretação extensiva do artigo 896, inciso “c”
da CLT que expressa a hipótese de cabimento de lesão à legislação federal e à
Constituição Federal.

CONCLUSÕES
Os dados examinados nesta pesquisa indicam ser insuficiente o exercí-
cio do controle de convencionalidade no âmbito do TST, mesmo tendo as

26 BOMFIM, Brena Késsia Simplício do. Controle de Convencionalidade na Justiça do Trabalho. 1 ed. Rio
de Janeiro: Lumem Juris, 2017, p. 46
Ana Virginia Moreira Gomes· – Sarah Linhares Ferreira Gomes· 109

convenções da OIT hierarquia supralegal. A pesquisa propõe a ampliação das


hipóteses de cabimento do recurso de revista no TST como meio para o forta-
lecimento do exercício do controle de convencionalidade. Como o STF27 adota
o entendimento de que os TDHs possuem a hierarquia supralegal, sendo, desse
modo, superiores hierarquicamente à legislação infraconstitucional (em qual-
quer esfera de poder, seja federal, estadual ou municipal), o recurso de revista
deve englobar a hipótese de cabimento concernente à lesão ou inobservância
das convenções internacionais da OIT.

REFERÊNCIAS
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Fortaleza, v. IX, n. 1, p. 9-20, abr. 2013.
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em: <http://aplicacao4.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&cons-
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MELATI, André Vinicius. Normas da OIT e o direito interno. Revista Eletrônica Tribunal Regional do Para-
ná, 3ª. ed., ano 1, n. 2, p. 103-136, dez. 2011.
PEREIRA, Leone. Manual de Processo do Trabalho. 5a. ed., São Paulo, Saraiva, 2018.
SARAIVA, Renato. Curso de Direito Processual do Trabalho. 6ª. ed. São Paulo: Método, 2009.

27 O entendimento do STF acerca da supralegalidade dos tratados internacionais que versam sobre direitos
humanos foi explanado no Recurso Extraordinário nº 466.343-1/SP e Habeas Corpus nº 87.585/TO. Para vi-
sualizar as decisões, acessar o sítio eletrônico: <http://www.stf.jus.br/imprensa/pdf/re466343.pdf> e < http://
redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=597891>
CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE ACERCA
DO TRABALHO INFANTIL
CONVENTIONALITY CONTROL ABOUT CHILD LABOR

Camila Ceroni Scarabelli1

RESUMO: O objetivo desse artigo é demonstrar a necessidade premente da


realização de controle de convencionalidade da legislação nacional que discipli-
ne trabalho infanto juvenil. A partir dos principais Tratados Internacionais de
Direitos Humanos, em especial sobre proteção de crianças e adolescentes contra
a sua exploração no mercado de trabalho, serão analisados alguns artigos da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) a fim de averiguar sua conformidade
com a proteção internacional.
Palavras-chaves: Direito Internacional do Trabalho; Proteção Internacional à
Criança e Adolescente; Controle de convencionalidade; Trabalho infantil
ABSTRACT: The objective of this article is to demonstrate the urgent need to
carry out the conventionality control of national legislation that disciplines child
labor, to ascertain from the main International Human Rights Treaties, especially
on the protection of children and adolescents against their exploitation. in the
labor, some articles of the Consolidation of Labor Laws (CLT) will be analyzed
in order to ascertain their compliance with international protection.
Keywords: International Labor Law; International Protection for Children and
Adolescents; Conventionality control; Child labor

1. BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO
Atuar na área de proteção à criança e adolescente implica em conhecer
e analisar não apenas a legislação nacional que disciplinam seus direitos e
obrigações, se impondo sobremaneira a necessidade de se aplicar a legislação
internacional relativa a essa área.
Não poucas são as normas nacionais restritivas de proteção. E em tempo
de crise, novas normas advém por vezes mais perversas, embora fundadas numa

1 Juíza do Trabalho do TRT da 15ª Região. Coordenadora do Juizado Especial da Infância e da Adolescência
da Circunscrição de Campinas-SP.
Camila Ceroni Scarabelli 111

tese de reequilíbrio de mercado, mas que acabam desprotegendo ainda mais


os mais vulneráveis.
E dentre esses vulneráveis estão as crianças e adolescentes, os quais são
identificados por organismos internacionais como merecedores de proteção
mais intensa, para os salvaguardar de exploração, maus tratos, supressão de
direitos e atos abusivos.
Nesse contexto, surge a importância de se realizar, diante da existência
de normas internas menos tutelares, a averiguação de estão em conformidade
com os tratados internacionais relativos à proteção dos direitos das crianças
e adolescentes.
A partir de análise exemplificativa de alguns dispositivos existentes na
Consolidação das Leis do Trabalho, que nunca foram expressamente revogados
no sistema legal interno, pretende-se demonstrar a importância da realização
do controle de convencionalidade inclusive no que concerne novas legislações
infraconstitucionais.

2. A IMPORTÂNCIA DO DIREITO INTERNACIONAL


Para se poder realizar o controle de convencionalidade de normas in-
ternas acerca da temática “trabalho infantil”, há que se realizar, inicialmente,
algumas considerações acerca do Direito Internacional do Trabalho, disciplina
voltada à universalização de princípios de justiça social e das normas jurídicas
correspondentes, com estudo de questões conexas necessárias para consecução
desses ideais, e incrementação da cooperação internacional visando à melhoria
das condições de vida do trabalhador e à harmonia entre o desenvolvimento
técnico-econômico e o progresso social.
Na análise da relação entre o direito internacional público e o direito
interno estatal, prevalece a corrente monista, segundo a qual “O Direito é um
só” tanto nas relações internacionais, quanto nas relações internas do Estado.
Importante ressaltar que o Brasil ratificou a Convenção de Viena sobre
o Direito dos Tratados pelo Decreto n 7.030, de 14/12/20092, a qual adota
a teoria monista internacional, estabelecendo em seu artigo 27 que “Uma
parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o
inadimplemento de um tratado”. Ademais, a Constituição Brasileira promul-
gada em 1988 não estabelece distinção entre jurisdição interna e jurisdição
internacional, o que, analisando em conjunto com o art. 27 da Convenção
2 BRASIL. Decreto nº 7.030, de 14/12/2009. Promulga a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Dispo-
nível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d7030.htm. Acesso em: 29/02/2020.
112 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

de Viena sobre o Direito dos Tratados, demonstra que internamente o Brasil


adota o primado do Direito Internacional sobre o direito interno, de forma
a se concluir que a legislação interna não pode violar tratados e normas im-
perativas de Direito Internacional.
Por certo que, a Corte Interamericana de Direitos Humanos também
adota a teoria internacionalista dialógica, de acordo com a qual se estabelece
a necessidade de diálogo das fontes de proteção internacional e interna, con-
sagrando no que diz respeito aos direitos humanos o princípio pro homine, de
acordo com o qual deve prevalecer a norma mais favorável ao ser humano,
independente de sua hierarquia.
No âmbito interno, o art. 5º da Constituição Federal passou a ter contorno
diferenciado quanto ao estabelecimento da posição hierárquica dos tratados de
direitos humanos no direito interno, em consonância com a ordem internacional.
Primeiramente, há que se indicar que o § 2º do art. 5º constitucional,
mantém sua redação originaria, estabelecendo que “Os direitos e garantias ex-
pressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios
por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa
do Brasil seja parte.”. Contudo, o § 3º do mesmo dispositivo, incluído pela
Emenda Constitucional nº 45/2004, passou a estabelecer que “Os tratados e
convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada
Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respec-
tivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”.
Assim, os tratados e normas internacionais ratificados pelo país pelo
procedimento estabelecido no § 3º do art. 5º da CF/88 terão hierarquia cons-
titucional, sendo que os demais tratados e normas internacionais de direitos
humanos terão posição de supralegalidade, conforme estalecido no § 2º, no
mesmo sentido da posição prevalecente do Supremo Tribunal Federal no jul-
gado no RE 466.343-SP3.

3. O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE
O controle de convencionalidade nada mais é do que a verificação de con-
formidade de atos administrativos, legislativos e judiciais com as disposições

3 “EMENTA: PRISÃO CIVIL. Depósito. Depositário infiel. Alienação fiduciária. Decretação da medida
coercitiva. Inadmissibilidade absoluta. Insubsistência da previsão constitucional e das normas subalter-
nas. Interpretação do art. 5º, inc. LXVII e §§ 1º, 2º e 3º, da CF, à luz do art. 7º, § 7, da Convenção Ameri-
cana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Recurso improvido. Julgamento conjunto
do RE nº 349.703 e dos HCs nº 87.585 e nº 92.566. É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer
que seja a modalidade do depósito.” (STF. Pleno. RE 466.343-SP. Relator Ministro Cezar Peluso. Data do
Julgamento: 03/12/2008. DJe 04/06/2009).
Camila Ceroni Scarabelli 113

de tratado internacional de direitos humanos, podendo ser exercido tanto pelo


Tribunal Internacional, quanto pelos juízes internos de cada país.
No âmbito internacional, através do controle de convencionalidade, o
Tribunal Internacional pode averiguar quando o poder constituinte elabora sua
Constituição ou a reforma em desacordo com tratados internacionais de di-
reitos humanos, mesmo controle que pode realizar quando o poder legislativo
derivado interno aprova leis infraconstitucionais ou o administrador público
edita ato administrativo que sejam incompatíveis com o art. 2º da Convenção
Americana de Direitos Humanos4 (obrigatoriedade de adoção de dispositivos
no direito interno que assegurem os direitos humanos e liberdades públicas);
bem como pode se manifestar quando ocorrer incompatibilidade entre a juris-
prudência, práticas administrativas ou judiciais em relação a essa Convenção
Americana de Direitos Humanos.
Já no âmbito nacional, o controle de convencionalidade pode ser rea-
lizado por qualquer juiz ou tribunal, quando profere decisão protegendo os
direitos da pessoa humana, deixando de aplicar no caso concreto o direito in-
terno, para aplicar o tratado ou a convenção internacional, mediante exame de
confrontação normativa (direito interno X tratado internacional). Dessa forma,
através do controle jurisdicional de convencionalidade das leis, o Poder Judiciário
nacional, em quaisquer de suas esferas e instâncias, pode realizar a análise de
validade de uma lei em cotejo com tratado internacional de direitos humanos
em vigência no país, numa espécie de averiguação de compatibilidade vertical
material de normas de direito interno em relação às convenções internacionais
de direitos humanos ratificadas por dado país.
Não se pode confundir controle de constitucionalidade com o controle
de convencionalidade, já que pelo primeiro se averiguará a conformidade de
leis com a Constituição do país, sendo que o último averiguará conformida-
de de leis nacionais com normas internacionais. Exatamente por isso que os
procedimentos e requisitos que versam sobre controle difuso e concentrado
de constitucionalidade, assim como reserva de plenário não se aplicam ao
controle de convencionalidade, mas apenas ao controle de constitucionalida-
de. Ademais, se o controle de constitucionalidade somente pode ser exercício
no âmbito interno no Poder Judiciário do próprio país, diversamente ocorre
com o controle de convencionalidade que poderá dar ensejo à análise de
4 “Artigo 2. Dever de adotar disposições de direito interno – Se o exercício dos direitos e liberdades mencio-
nados no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados
Partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta
Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais
direitos e liberdades.” (Pacto San José da Costa Rica. Disponível em: https://www.cidh.oas.org/basicos/
portugues/c.convencao_americana.htm. Acesso em: 29/02/2020).
114 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

conformidade, não apenas no Poder Judiciário interno, mas também em


Cortes Internacionais de Justiça.
Na dicotomia entre essas duas modalidades de controles de aplicabilidade
de legislação interna, por força das reiteradas decisões da Corte Interameri-
cana de Direitos Humanos, controle de convencionalidade deve ser exercido
prioritariamente e de ofício, inclusive antes de se apreciar se a norma interna
é inconstitucional. Nesse sentido, porque extremamente relevante, há que se
pontuar o ensinamento de Valério Mazzuoli:
“o exercício prioritário do controle de convencionalidade pelos tribunais internos
(“controle primário”) tem sido ordenado pela Corte Interamericana de Direitos Hu-
manos desde 2006, cujas decisões o Brasil se comprometeu (pelo Decreto Legislativo
nº 89/1998) a respeitar e a fielmente cumprir. Esse controle interno deve ser efetivado
sempre em primeiro plano, antes da eventual manifestação de um tribunal interna-
cional a respeito, por terem os juízes nacionais maiores condições de avaliar o grau
da violação de direitos humanos em causa, além de serem melhores conhecedores das
realidades e complexidades locais”5.

Exatamente por isso que o exercício do controle de convencionalidade é


obrigação imposta aos juízes nacionais, sendo que o seu não exercício pode gerar
responsabilização internacional ao Brasil por violação de direitos humanos.
Uma vez realizado o controle de convencionalidade e sendo verificada a
incompatibilidade da lei nacional com um tratado de direitos humanos, por
ser esse último uma norma mais favorável à pessoa humana (princípio pro
homine), a norma nacional será inválida e não será aplicada ao caso concreto
(conformidade difusa) ou a todos os casos (conformidade concentrada), cuja
decisão produzirá efeitos “ex tunc”. No caso de controle concentrado de con-
vencionalidade, a decisão ainda produzirá efeitos “erga omnes” vinculante para
todos os órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública nacionais.

4. TRATADOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO


INFANTO-JUVENIL
As normas de Direito Internacional se materializam em: tratado (acordo
internacional concluído por escrito entre Estados, podendo ser bilateral ou
multilateral), convenção internacional (tratado internacional solene multilate-
ral, versando sobre assuntos de interesse geral), pacto (um tratado com objetivo
político, que pode ser constitutivo ou tratar de assunto relevante), carta (tra-
tado solene que constitui uma organização internacional), protocolo (acordos
5 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Controle jurisdicional de convencionalidade das leis. 5. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2018. p. 40.
Camila Ceroni Scarabelli 115

internacionais subsidiários ou complementares de tratado anterior), declaração


(estabelece compromissos gerais para os sujeitos de direito internacional, sem
força cogente mas de extrema relevância), constituição (tratado de criação).
No contexto mundial, foi somente a partir da Declaração Universal de
Direitos Humanos (DUDH) de 1948, que pode se identificar o início da
proteção aos direitos humanos em âmbito internacional, a qual estabelece a
constituição de um patamar civilizatório mínimo. E somente desde então é
que se passa a defender a existência de um Direito Internacional dos Direi-
tos Humanos.
Outros documentos internacionais surgiram na mesma onda protetiva
humana, tais como Pactos de Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), Convenções Internacionais sobre
a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, sobre a Eliminação
de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência, sobre a Proteção de todos os Trabalhadores Migrantes
e dos Membros de suas Famílias, chamando-se a atenção para a Convenção
sobre os Direitos da Criança.
A Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil pelo
Decreto nº 99.710/90, estabelece em seu art. 1º que um relevante conceito
internacional ao termo “criança”, nos seguintes termos:
“considera-se como criança todo ser humano com menos de dezoito anos de idade,
a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja
alcançada antes.”6.

Essa norma internacional obriga no reconhecimento da condição


especial da criança como pessoa em desenvolvimento e no respeito à sua
dignidade, prevendo a necessidade de sua proteção e cuidados especiais desde
antes do seu nascimento até completar 18 anos de idade. Impõe aos Esta-
dos-Membros “reconhecerem o direito da criança de estar protegida contra a
exploração econômica e contra o desempenho de qualquer trabalho que possa ser
perigoso ou interferir em sua educação, ou que seja nocivo para sua saúde ou para
seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social.” (art. 32.1) e os
obrigando na adoção de “medidas legislativas, administrativas, sociais e educa-
cionais com vistas a assegurar a aplicação do presente artigo. Com tal propósito,
e levando em consideração as disposições pertinentes de outros instrumentos in-
ternacionais, os Estados Partes, deverão, em particular: a) estabelecer uma idade
ou idades mínimas para a admissão em empregos; b) estabelecer regulamentação
6 BRASIL. Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1999. Promulga Convenção sobre Direitos da Criança.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D99710.htm. Acesso em: 06/05/2020.
116 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

apropriada relativa a horários e condições de emprego; c) estabelecer penalida-


des ou outras sanções apropriadas a fim de assegurar o cumprimento efetivo do
presente artigo.” (art. 32.2). Estabelece ainda ser dever dos Estados Membros
“proteger a criança contra todas as formas de exploração e abuso sexual. Nesse
sentido, os Estados Partes tomarão, em especial, todas as medidas de caráter na-
cional, bilateral e multilateral que sejam necessárias para impedir: a) o incentivo
ou a coação para que uma criança se dedique a qualquer atividade sexual ilegal;
b) a exploração da criança na prostituição ou outras práticas sexuais ilegais; c)
a exploração da criança em espetáculos ou materiais pornográficos.” (art. 34).
Na seara da proteção às crianças e aos adolescentes no âmbito do traba-
lho, há várias normas internacionais de relevante importância.
O Tratado de Versalhes (28/06/1919), conhecido como Tratado de Paz
– que pôs fim à 1ª Guerra Mundial -, destinou a sua “Parte XIII” para a cria-
ção da Organização Internacional do Trabalho, agência tripartite das Nações
Unidas, tendo por objetivo a promoção da justiça social, e como missões a
redução das desigualdades sociais, promoção do trabalho decente e desen-
volvimento sustentável, mediante desempenho de sua função normativa em
prol principalmente do emprego, proteção social, recursos humanos, saúde e
segurança, proteção às crianças e às mulheres em relação ao trabalho.
A Constituição da OIT foi aprovada na 29ª Conferência Internacional do
Trabalho de Montreal (1946) e tem como anexo a Declaração relativa aos fins e
objetivos dessa Organização internacional, conhecida como Declaração da Fila-
délfia (26ª reunião da CIT / Filadélfia – 1944), ratificada em 1948 pelo Brasil.
Referido documento internacional reconhece no seu preâmbulo “que existem
condições de trabalho que implicam, para grande número de indivíduos, miséria e
privações, e que o descontentamento que daí decorre põe em perigo a paz e a harmonia
universais, e considerando que é urgente melhorar essas condições no que se refere, por
exemplo, ...à proteção das crianças, dos adolescentes e das mulheres,...” e que assim
sendo, devem ser objeto de proteção por meio de normatização internacional.
A Declaração de Princípios e de Direitos Fundamentais no Trabalho
aprovada na 86ª sessão da Conferência Internacional do Trabalho da OIT
realizada em Genebra em 1998, arrolou dentre seus quatro princípios fun-
damentais e objetivos estratégicos exatamente a abolição efetiva do trabalho
infantil (art. 2º)7. Já no ano subsequente, durante a 87ª CIF, foi adotado pela
7 “Declara que todos os Membros, ainda que não tenham ratificado as convenções aludidas, têm um compromisso
derivado do fato de pertencer à Organização de respeitar, promover e tornar realidade, de boa fé e de conformidade
com a Constituição, os princípios relativos aos direitos fundamentais que são objeto dessas convenções, isto é:
a) a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva;
b) a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório;
Camila Ceroni Scarabelli 117

1ª vez oficialmente pela OIT o termo “trabalho decente”, como decorrente da


convergência dos quatro objetivos estratégicos da OIT.
Vários foram os documentos internacionais que se sucederam, sejam
da Organização Internacional do Trabalho, sejam da Organização das
Nações Unidas, destacando-se dentre os Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio” – que deveriam ter sido concretizados até 2015 – a ODM-1 sobre
a erradicação da pobreza extrema, uma das causas para o trabalho infan-
til, a ODM-2 sobre a universalização do ensino básico e ODM-4 sobre
redução a mortalidade infantil. Destaca-se também dentre os Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 – a serem atingidos até 2030
– a ODS-8 sobre emprego digno e crescimento econômico, especialmente
quanto aos seguintes subitens: a) ODS-8.8 estabelecendo a universalização
do respeito aos direitos humanos e da dignidade, com investimento nas
crianças, para que cresçam livres de violência e da exploração; b) ODS-
8.23 sobre empoderamento dos vulneráveis, inclusive para que a agenda
reflita as necessidades das crianças e jovens, mediante adoção de medidas
e ações mais eficazes em conformidade com o direito internacional, aten-
dendo às necessidades especiais das pessoas que vivem em áreas afetadas
por emergências humanitárias complexas e áreas afetadas pelo terrorismo;
c) ODS-8.25 obrigando no comprometimento ao fornecimento de edu-
cação inclusiva e equitativa de qualidade em todos os níveis de ensino,
com acesso a oportunidades desde a primeira infância inclusive aos jovens
para aprendizagem profissional ao longo da vida, para que adquiram co-
nhecimentos e habilidades necessários; d) ODS-8.51 que coloca crianças
e jovens como protagonistas do ativismo necessário para criar um mundo
melhor no século XXI8.
O Pacto de San José da Costa Rica, de 22/11/69, ainda estabelece em
seu art. 19 que “toda criança tem direito às medidas de proteção que a sua
condição de menor requer por parte da sua família, da sociedade e do Estado”9.
Dentre os documentos internacionais da OIT, integrantes do sistema
internacional de proteção à criança e ao adolescente quanto ao mercado de
trabalho, destacam-se em especial as Convenções nºs 138 e 182, assim como

c) a abolição efetiva do trabalho infantil; e


d) a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação.” (OIT. Declaração da OIT sobre
os Princípios e Direitos no Trabalho. 1998. Disponível em: https://www.ilo.org/public/english/standards/
declaration/declaration_portuguese.pdf. Acesso em: 29/02/2020.
8 NAÇÕES UNIDAS. Agenda 2030. Disponível em: https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/. Acesso
em: 29/02/2020.
9 Pacto San José da Costa Rica. Disponível em: https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_
americana.htm. Acesso em: 29/02/2020.
118 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

as Recomendações nº 146 e 190.


A primeira dessas convenções, a de nº 138, aprovada em 1973 e em
vigor no Brasil desde 28 de junho de 2002, trata da idade mínima para
admissão no emprego de 16 anos, não podendo ser inferior a 15 anos, ex-
cepcionalmente se tolerando ingresso no mercado de trabalho aos 14 anos
de idade desde que o Estado-Membro previamente justifique à Organi-
zação Internacional do Trabalho as razões de ter que adotar essa exceção,
mas obrigando que o ingresso no mercado de trabalho não poderá ser em
idade inferior a conclusão da escolaridade obrigatória no país. Estabelece
a necessidade do país adotar política que assegure efetivamente a abolição
do trabalho infantil e que eleve, de forma progressiva, a idade mínima de
admissão ao trabalho. No entanto, excepciona da idade mínima, quanto à
participação de crianças em representações artísticas, desde que mediante
expressa autorização da autoridade judiciária competente, com limitação
das horas de trabalho e estabelecendo as condições de exercício (art. 8.1).
A segunda dessas convenções, a de nº 182, adotada em 1999 e em vigor
desde 02 de fevereiro de 2001 no Brasil, além do estabelecer as piores formas de
trabalho infantil, proibidas de serem exercidas por quem tem menos do que 18
anos de idade completos, obrigada na adoção pelo país de ações imediatas para
sua eliminação. Em suma, são indicadas como sendo as piores formas de trabalho
infantil, conforme dispõe seu art. 3º: “a) todas as formas de escravidão ou práticas
análogas à escravidão, tais como a venda e tráfico de crianças, a servidão por dívidas
e a condição de servo, e o trabalho forçado ou obrigatório, inclusive o recrutamento
forçado ou obrigatório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados; b) a
utilização, o recrutamento ou a oferta de crianças para a prostituição, a produção
de pornografia ou atuações pornográficas; c) a utilização, recrutamento ou a oferta
de crianças para a realização para a realização de atividades ilícitas, em particular
a produção e o tráfico de entorpecentes, tais com definidos nos tratados internacio-
nais pertinentes; e, d) o trabalho que, por sua natureza ou pelas condições em que é
realizado, é suscetível de prejudicar a saúde, a segurança ou a moral das crianças.”10
Essas duas convenções internacionais e respectivas recomendações foram
ratificadas pelo Brasil, tornando obrigatório seu cumprimento em território na-
cional. Como não foram aprovadas na forma estabelecida no § 3º do art. 5º da
Constituição Federal, tem eficácia supralegal, nos termos do § 2º desse artigo,
combinado com entendimento do Supremo Tribunal Federal no RE 466.343-SP.

10 BRASIL. Decreto 3.597/2000. Convenção 182 da OIT. Proibição das piores formas de trabalho infantil e
ação imediata para a sua eliminação. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3597.
htm. Acesso em: 29/02/2020.
Camila Ceroni Scarabelli 119

5. CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE EM RELAÇÃO


À LEGISLAÇÃO INTERNA SOBRE TRABALHO INFANTO-
JUVENIL
Observada a hierarquia normativa acerca de as convenções da OIT de
proteção contra a exploração infantil no trabalho terem natureza supralegal,
para fins de controle de convencionalidade, diante de um conflito entre trata-
do internacional de direitos humanos e uma lei nacional, prevalecerá a norma
internacional, exceto se considerando princípio pro homine, se constatar na
realização do diálogo das fontes, que, diante do caso concreto, a norma mais
favorável à criança e ao adolescente for efetivamente a norma nacional.
No âmbito interno, duas normatizações contidas na Constituição Fe-
deral, além de se adequarem à conformidade com a convencionalidade, são
relevantes para confronto de normas infraconstitucionais, quais sejam: a)
artigo 7º, XXXIII, proíbe “trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores
de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição
de aprendiz, a partir de quatorze anos”; b) art. 208 estabelece “O dever do
Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: (…) educação
básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade,
assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso
na idade própria”.
Salienta-se que a Emenda Constitucional nº 59, de 11/11/2009,
estabeleceu o ensino básico obrigatório dos 4 aos 17 anos de idade, compreen-
dendo a educação infantil (para crianças de 4 e 5 anos), ensino fundamental
(de 6 a 14 anos) e ensino médio (de 15 a 17 anos)11. Referida norma consti-
tucional está em consonância com p art. 2º, item 3, da Convenção da OIT
nº 138 (A idade mínima fixada nos termos do parágrafo 1º deste Artigo não
será inferior à idade de conclusão da escolaridade obrigatória ou, em qualquer
hipótese, não inferior a quinze anos), sendo, portanto, convencional.
No entanto, em que pese o art. 7º, XXXIII, constitucional ser con-
vencional, no que diz respeito à fixação da idade mínima para o trabalho aos
16 anos de idade, por atender ao item II-7 da Recomendação nº 146, assim
como ao art. 3º, item 1 quando à maioridade trabalhista plena aos 18 anos
de idade12 e ao art. 3º, item 3, quanto a maioridade trabalhista relativa aos
11 BRASIL. Emenda Constitucional 59, de 11/11/2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/Emendas/Emc/emc59.htm#art1. Acesso em: 29/02/2020.
12 “Art. 3º. (…) 1. Não será inferior a dezoito anos a idade mínima para a admissão a qualquer tipo de empre-
go ou trabalho que, por sua natureza ou circunstâncias em que for executado, possa prejudicar a saúde, a
segurança e a moral do adolescente.” (Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/
D4134.htm. Acesso em: 29/02/2020).
120 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

16 anos de idade13, há que se salientar que quaisquer propostas de emenda


constitucionais tendentes a reduzir ainda mais a idade mínima para ingresso
no mercado de trabalho não passará pelo controle de convencionalidade, pois
colidirá diretamente com o teor da Convenção nº 138 da OIT, ratificada pelo
Brasil e essa inconvencionalidade poderá ser declarada por quaisquer juízes
e tribunais brasileiros, por afronta direta ao art. 2º, item 3, da Convenção
nº 138 da OIT14.
No âmbito infraconstitucional, mais especificamente em termos de
Consolidação das Leis do Trabalho, os arts. 403, caput (vedação de traba-
lho a pessoas com idade inferior a 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a
partir dos 14 anos), 403, parágrafo único (proibição de trabalho infantil em
locais prejudiciais à sua formação, ao seu desenvolvimento físico, psíquico,
moral e social e em horários e locais que não permitam a frequência à escola),
404 (proibição de trabalho noturno ao meno de 18 anos de idade) e 405, I
(proibição de trabalho infantil em locais e serviços perigosos ou insalubre),
são convencionais, pois respeitam as convenções internacionais da OIT sobre
idade mínima para admissão no emprego, especialmente o art. 3º, itens 1 e
3, da Convenção nº 138 da OIT.
No entanto, o § 2º do art. 405 da CLT, ao permitir o trabalho em ruas
e logradouros públicos mediante autorização judicial, quando for verificado
ser indispensável à subsistência infantil ou de sua família, é inconvencional,
pois colide com normas internacionais protetivas contra exploração infantil,
sua saúde e segurança no trabalho, não sendo possível sequer ser considerado
como norma mais benéfica (princípio pro homeni).
Esse artigo celetista viola o art. 2º, itens 1 e 3, da Convenção nº 138 da
OIT, os quais estabelecem que nenhuma pessoa em idade inferior à estabelecida
pelo país como idade mínima de admissão no emprego poderá ser contratada,
empregada ou trabalhar em qualquer ocupação em território nacional, bem
como proíbem a empregabilidade em idade inferior à conclusão da escolaridade
obrigatória, ou sem qualquer hipótese, não podendo ser inferior aos 15 anos de
idade. Ademais, de acordo com o art. 8º, itens 1 e 2, da mesma Convenção,
somente para o trabalho artístico seria possível a concessão de autorização
13 “Art. 3º. (…) 3. Não obstante o disposto no parágrafo 1 deste Artigo, a lei ou regulamentos nacionais
ou a autoridade competente poderá, após consultar as organizações de empregadores e de trabalhadores
concernentes, se as houver, autorizar emprego ou trabalho a partir da idade de dezesseis anos, desde que
estejam plenamente protegidas a saúde, a segurança e a moral dos adolescentes envolvidos e lhes seja pro-
porcionada instrução ou treinamento adequado e específico no setor da atividade pertinente.” (Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4134.htm. Acesso em: 29/02/2020).
14 “Art. 2º, (...) 3. A idade mínima fixada nos termos do parágrafo 1º deste Artigo não será inferior à idade de
conclusão da escolaridade obrigatória ou, em qualquer hipótese, não inferior a quinze anos.” (Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4134.htm. Acesso em: 29/02/2020).
Camila Ceroni Scarabelli 121

para trabalho infantil antes dos 18 anos de idade, o que por óbvio está ex-
cluindo o trabalho infantil em ruas e logradouros públicos15. Além disso, o
art. 3º, item d, da Convenção 182 da OIT considera como uma das piores
formas de trabalho infantil aqueles “d) trabalhos que, por sua natureza ou
pelas circunstâncias em que são executados, são suscetíveis de prejudicar a saúde,
a segurança e a moral da criança.”16. Também viola art. 32.1 da Convenção
sobre os Direitos da Criança, que obriga o país a fazer cumprir o direito da
criança de estar protegida contra a exploração econômica e contra o desempenho
de qualquer trabalho que possa ser perigoso ou interferir em sua educação, ou que
seja nocivo para sua saúde ou para seu desenvolvimento físico, mental, espiritual,
moral ou social.
Por fim, há que se considerar que em tempos de intensa alteração legisla-
tiva, especialmente por meio de normas infraconstitucionais das mais variadas
naturezas, tais como leis ordinárias (por exemplo, Lei 13.467/17, que reforma
a CLT), medidas provisórias (por exemplo, MP 905/2019, que institui o con-
trato verde amarelo e altera dispositivos da legislação trabalhista, recentemente
revogada no último dia de sua vigência), assim como por meio de propostas de
emenda constitucional (por exemplo, PEC 18/2011, e as apensadas 35/2011,
274/2013, 77/2015, 107/2015 e 108/2015), o controle de convencionalidade
volta à tona como meio mais rápido e eficaz de avaliação da conformidade
entre as mudanças legislativas e o respeito aos Direitos Humanos, devendo
ser exercido com prioridade pelo Poder Judiciário nacional, para assegurar a
preservação da proteção aos Direitos Humanos, inclusive das crianças e ado-
lescentes na área trabalhista.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora pouco adotado na prática pelo poder Judiciário Brasileiro, o
controle de convencionalidade é não apenas necessário, mas principalmente
indispensável para o afastamento da aplicabilidade de normas internas vio-
ladoras de princípios internacionais de proteção de crianças e adolescentes,
inclusive na área trabalhista.
15 “Artigo 8º.
1. A autoridade competente, após consulta às organizações de empregadores e de trabalhadores concer-
nentes, se as houver, poderá, mediante licenças concedidas em casos individuais, permitir exceções para a
proibição de emprego ou trabalho provida no Artigo 2º desta Convenção, para finalidades como a partici-
pação em representações artísticas.
2. Licenças dessa natureza limitarão o número de horas de duração do emprego ou trabalho e estabelece-
rão as condições em que é permitido.” (Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/
D4134.htm. Acesso em: 29/02/2020).
16 OIT. Convenção 182. Piores formas de trabalho infantil. Disponível em: https://www.ilo.org/brasilia/con-
vencoes/WCMS_236696/lang—pt/index.htm. Acesso em: 29/02/2020.
122 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

A Justiça do Trabalho é um berço excelente para implementação da ave-


riguação da conformidade normativa trabalhista infanto-juvenil, onde ainda
despontam casos de exploração trabalhista antes dos 18 anos de idade e em
atividades proibidas, parte das quais, inclusive enquadráveis como as piores
formas de trabalho infantil.
E esse poder-dever de realizar o controle de convencionalidade em todas
as esferas do Poder Judiciário se intensifica diante do aumento de alterações
legislativas e edição de novas normas, ainda que de vigência transitória (tais
como as várias medidas provisórias editadas em momento de crise econômica
e situação de emergência de saúde mundial decorrente de novo coronavírus),
porque pela supremacia supralegal e constitucional dos tratados de direitos
humanos, não podem ser afrontados pela legislação interna.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Decreto nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho.
BRASIL. Decreto 3.597, de 12 de setembro de 2000. Promulga Convenção 182 e a Recomendação 190
da OIT sobre a Proibição das piores formas de trabalho infantil e ação imediata para a sua eliminação.
BRASIL. Decreto nº 4.134, de 15 de fevereiro de 2002. Promulga a Convenção nº 138 e Recomendação
146 da OIT sobre Idade Mínima de Admissão ao Emprego.
BRASIL. Decreto nº 7.030, de 14 de dezembro de 2009. Promulga a Convenção de Viena sobre o Direito
dos Tratados.
BRASIL. Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1999. Promulga Convenção sobre Direitos da Crian-
ça.
BRASIL. Emenda Constitucional 59, de 11 de novembro de 2009.
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Controle jurisdicional de convencionalidade das leis. 5. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2018. p. 40.
NAÇÕES UNIDAS. Agenda 2030. Disponível em: https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/. Aces-
so em: 29/02/2020
OIT. Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos no Trabalho. 1998. Disponível em: https://www.
ilo.org/public/english/standards/declaration/declaration_portuguese.pdf. Acesso em: 29/02/2020.
OEA. Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto San José da Costa Rica, de 22 de novembro
de 1969. Disponível em: https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm. Acesso
em: 29/02/2020.
STF. Pleno. RE 466.343-SP. Relator Ministro Cezar Peluso. Data do Julgamento: 03/12/2008. DJe
04/06/2009.
A PROTEÇÃO MULTINÍVEL DOS DIREITOS:
PIONEIRISMO DA ORGANIZAÇÃO
INTERNACIONAL DO TRABALHO
MULTIPLE PROTECTION OF RIGHTS: PIONEERING OF THE
INTERNATIONAL LABOR ORGANIZATION

Cleber Lúcio de Almeida1


Wânia Guimarães Rabêllo de Almeida2

RESUMO: É inegável a importância da Organização Internacional do Trabalho


(OIT) na luta pela promoção e proteção da dignidade humana daqueles que
vivem do trabalho. Neste sentido, o presente ensaio tem a intenção de demons-
trar que a OIT foi pioneira na preocupação com aquilo que posteriormente veio
a ser denominado “proteção multinível dos direitos”.
Palavras-chave: Organização Internacional do Trabalho; Dignidade humana do
trabalhador; Proteção multinível.
ABSTRACT. The importance of the International Labor Organization (ILO)
in the fight for the promotion and protection of the human dignity of those
who live from work is undeniable. In this sense, the present essay intends to
demonstrate that the ILO was a pioneer in its concern with what later came to
be called “multilevel protection of rights”.
Keywords: International Labor Organization; Human dignity of the worker;
Multilevel protection.

1. INTRODUÇÃO
A doutrina da proteção multinível dos direitos humanos sustenta a existência

1 Pós-doutor em Direito pela Universidad Nacional de Córdoba/ARG. Doutor em Direito pela Universidade
Federal de Minas Gerais. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor
dos cursos de graduação e pós-graduação (mestrado e doutorado) da Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais. Juiz do Trabalho junto ao TRT da 3ª Região.
2 Pós-doutora em Direito pela Universidad Nacional de Córdoba/ARG. Doutora e mestra em Direito Privado
pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professora de Direitos Humanos no curso de gra-
duação da Faculdade de Direito Milton Campos. Professora de Direitos Humanos do Trabalho e Processo
Coletivo do Trabalho no curso de especialização, em Direitos Humanos e coordenadora do Núcleo da Di-
versidade da Faculdade de Direito Milton Campos. Advogada.
124 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

de um marco plural, composto, em rede ou multinível de proteção dos direi-


tos humanos.
Esta doutrina está inserida no processo de estabelecimento da jurisdição
internacional permanente e traduz o abandono da visão puramente interestatal
do contencioso internacional e a busca pela realização da justiça internacional,
como é registrado por Antônio Augusto Cançado Trindade, para quem este
processo envolve “a relevância dos princípios gerais de direito, a unidade do
direito na realização da justiça e a jurisdição internacional como coparticipe
da nação na realização da justiça”.3
Sob o prisma desta doutrina, os direitos humanos são protegidos em
âmbitos espaciais distintos, quais sejam, o sistema nacional de justiça e as ins-
tituições supranacionais (no caso da América Latina, tem-se o sistema interno
de justiça – juízes e tribunais de cada Estado – e o Sistema Interamericano de
Direitos Humanos – Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte
Interamericana de Direitos Humanos).
Vem à luz, como resposta a este risco, a doutrina da proteção multinível dos
direitos humanos, que tem como ponto de partida a afirmação da existência de
um marco plural, composto, em rede ou multinível de reconhecimento e prote-
ção dos direitos humanos, e, ainda, que a pessoa humana transcende o Estado.4
René Urueña assevera que foi o processo de integração europeia que
conduziu a uma espécie de “governança multinível” ou mesmo de um “consti-
tucionalismo multinível”, na perspectiva de que algumas matérias, dentre elas
os direitos humanos, passaram a ser regulamentadas de maneira simultânea
por normas nacionais e supranacionais.5
Sob este prisma, portanto, a gênese da doutrina da proteção multinível de
direitos humanos está no processo de integração europeia.
O presente artigo pretende, dentro dos limites que lhe são próprios, de-
monstrar que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi pioneira na
ideia de proteção multinível de direitos inerentes à dignidade humana.

2. A OIT E A PROTEÇÃO MULTINÍVEL DOS DIREITOS


A preocupação com a proteção de direitos inerentes à dignidade humana
ganhou especial relevo após a Segunda Guerra Mundial, como demonstra, por
3 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Os tribunais internacionais na realização da justiça, 2015, p. 3-9.
4 MARITAIN, Jacques. Los derechos del hombre y la ley natural, 1982, p. 79.
5 URUEÑA, René. Protección multinivel de los derechos humanos em América Latina? Oportunidades, desa-
fios y riscos. Protección multinivel de los derechos humanos. Manual. 2013. On line.
Cleber Lúcio de Almeida – Wânia Guimarães Rabêllo de Almeida 125

exemplo, a adoção, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1948, da De-
claração Universal dos Direitos Humanos, valendo observar que em 1945 a Carta
da Organização das Nações Unidas realçou, no artigo 55, “c”, a necessidade de
favorecer “o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das liberdades
fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião”.
Portanto, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Carta da Orga-
nização das Nações Unidas apontam para a necessidade de promoção e proteção
dos direitos humanos para além dos Estados nacionais, o que permite afirmar
que, em princípio, o surgimento formal da ideia de proteção multinível de
direitos está localizado nos dois textos acima citados.
Mas, como foi adiantado, o presente artigo pretende demonstrar que a
OIT é a pioneira na ideia de proteção multinível de direitos inerentes à dig-
nidade humana.
Pois bem.
A proteção multinível dos direitos tem como fundamento a necessidade
de promover e proteger a dignidade humana.
E é esta exatamente a finalidade fundamental do Direito do Trabalho.
Com efeito, o Direito do Trabalho disciplina a relação de emprego vi-
sando à proteção e promoção da dignidade humana daqueles que dependem
da alienação da sua força de trabalho para atender às necessidades próprias
e familiares.
Hugo Sinzheimer aduz, neste sentido, que realizar a dignidade do homem
“é a missão especial do Direito do Trabalho. Sua função consiste em evitar que
o homem seja tratado igual às coisas. Quem quiser compreender o espírito do
Direito do Trabalho deve ver dominar esta ideia fundamental nas múltiplas
disposições que contem”.6
Portanto, o Direito do Trabalho antecipa, formalmente, a preocupação
com a proteção e promoção da dignidade humana.
Esta preocupação é realçada em 1919, com a criação, no Tratado de
Versalhes, da OIT.
É que a OIT foi criada tendo como um dos seus objetivos fundamentais
“universalizar os princípios da justiça social e, na medida do possível, uni-
formizar as correspondentes normas jurídicas” e “incrementar a cooperação
internacional visando à melhoria das condições de vida do trabalhador e à
6 SINZHEIMER, Hugo. La esencia del Derecho del Trabajo, 1984, p. 67.
126 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

harmonia entre o desenvolvimento técnico-econômico e o progresso social”.7


Neste sentido, a Constituição da OIT estabelece que ela tem por função
“redigir normas internacionais do trabalho sob a forma de convenções e re-
comendações que estabelecem as condições mínimas de proteção no trabalho
e assegurar-se de sua implementação”.8 Resta patente, portanto, que a OIT,
ao definir as suas funções, assenta as bases para uma proteção multinível de
direitos inerentes à dignidade humana, vez que chama a atenção para a necessi-
dade da proteção normativa dos trabalhadores no nível interno e internacional
e o estabelecimento de garantias supranacionais voltadas à concretização dos
direitos normativamente reconhecidos.
A OIT tem por função básica, desse modo, o estabelecimento do Direi-
to Internacional do Trabalho, que, consoante assinala Oscar Ermida Uriarte,
surge com dupla finalidade: “regular a concorrência tanto nacional como
internacional e salvaguardar a dignidade humana, evitando a exploração eco-
nômica do trabalhador. O célebre postulado da OIT de que ‘o trabalho não é
uma mercadoria’ deixa claro a citada vinculação. Se trata de retirar o trabalho
humano do mercado (ou pelo menos, evitar sua excessiva mercantilização,
nacional e internacional)”.9
Como assinala Oscar Ermida Uriarte, “as convenções internacionais do
trabalho são o primeiro e o mais desenvolvido dos intentos de criar uma rede
normativa internacional de alcance mundial” 10 rede que, segundo esclarece este
doutrinador, foi construída com base em quatro fundamentos, quais sejam, a
justiça social, a constatação de que a paz é impossível sem equidade, o princípio
de que o trabalho não pode ser tratado como uma mercadoria e a preocupação
com o ‘dumping social’.11
Recorde-se que as convenções da OIT possuem a natureza de tratados,
posto que estes contemplam, conforme o art. 2º da Convenção de Viena sobre o
Direito dos Tratados, os acordos internacionais firmados entre Estados e regidos pelo
Direito Internacional, “qualquer que seja a sua denominação específica”.
Os tratados, como resulta do art. 5º, §§ 2º e 3º, da Constituição da República,
são tratados gerais ou tratados sobre direitos humanos, compreendendo estes últimos
7 SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito internacional do trabalho, 1983, p. 17.
8 OIT, 2011, p. 7. Destacou-se. On line.
9 URIARTE, Oscar Ermida. La Declaración del Mercosur y su aplicabilidad judicial. Revista Pistas, n. 5,
outubro de 2001, p. 28.
10 URIARTE, Oscar Ermida. La Declaración del Mercosur y su aplicabilidad judicial. Revista Pistas, n. 5,
outubro de 2001, p. 24.
11 URIARTE, Oscar Ermida. La Declaración del Mercosur y su aplicabilidad judicial. Revista Pistas, n. 5,
outubro de 2001, p. 25.
Cleber Lúcio de Almeida – Wânia Guimarães Rabêllo de Almeida 127

aqueles que são celebrados visando à promoção e proteção da dignidade humana.


Com isso, não há como negar que as convenções da OIT constituem trata-
dos sobre direitos humanos, na medida em que asseguram aos trabalhadores direitos
cuja satisfação constitui uma exigência da vida conforme a dignidade humana.
Resta claro, assim, que a OIT foi pioneira naquilo que constitui a ideia
fundamental da doutrina da proteção multinível dos direitos, ou seja, estabe-
lecer múltiplos níveis normativos de reconhecimento e proteção de direitos
inerentes à dignidade humana.
Aliás, como registra Eric Hobsbawm, “os movimentos operários e seus
movimentos associados em favor da reforma social e pela transformação social
foram movimentos pelos Direitos do Homem, tanto no sentido individual
quanto no social”12, ou seja, os movimentos operários estão na gênese dos pró-
prios direitos humanos, sendo relevante anotar, neste sentido, que a Declaração
Universal dos Direitos Humanos adota vários princípios próprios do Direito do
Trabalho e responde a várias reivindicações dos trabalhadores.
É importante ressaltar que a proteção da dignidade humana dos trabalha-
dores não se limita ao reconhecimento formal de alguns direitos. Os direitos
existem concretamente na medida em que são efetivamente gozados.
Daí a razão pela qual a preocupação da OIT não é apenas com o reco-
nhecimento normativo de direitos, vez que ela estabelece uma série de garantias
voltadas a assegurar a efetividade de tais direitos.
Nesta direção, por exemplo, consoante os artigos 24 e 25 da Constituição
da OIT e o Regulamento do Conselho de Administração da OIT:
a) organização profissional de empregados pode dirigir à OIT reclamação contra
o Estado, alegando o descumprimento de convenção a que tenha aderido;
b) admitida a reclamação, o Conselho de Administração constituirá um comitê
tripartite para analisá-la segundo as regras estabelecidas no Regulamento do
Conselho de Administração;
c) o Comitê pede informações ao Estado e apresenta ao Conselho de Administra-
ção um relatório, no qual descreverá as etapas sucessivas do exame da reclamação
e apresentará as suas observações e recomendações quanto às decisões a serem
tomadas pelo Conselho de Administração;
d) o Conselho de Administração aprova as recomendações e passa o caso para a
Comissão de Peritos para acompanhamento;

Já as reclamações por violação da liberdade sindical são submetidas pelo


12 HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções: 1789-1848, 2015, p. 510.
128 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Conselho de Administração ao Comitê da Liberdade Sindical da OIT, que


pedirá informações ao Estado e após examinará a reclamação e submeterá
as suas conclusões e recomendações ao Conselho de Administração, que
aprovará o relatório e retorna o caso para o Comité, para acompanhamento,
observando-se que a reclamação pode ser apresentada inclusive contra o
Estado que não tenha ratificado convenção que verse sobre liberdade sindical,
o que se deve ao fato de os membros da OIT terem reconhecido os princípios
da liberdade sindical.

3. A RELEVÂNCIA DA PROTEÇÃO MULTINÍVEL DOS


DIREITOS: O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE DAS
NORMAS INTERNAS
É inegável a relevância econômica, política e social dos direitos voltados
à promoção e proteção da dignidade humana.
Por esta razão, inclusive, vários destes direitos foram constitucionalizados,
como se deu, por exemplo, com a Constituição mexicana de 1917.
Mas, a Primeira Guerra Mundial chamou a atenção para a necessidade
de alguns direitos serem assegurados inclusive contra o Estado, o que se deve
ao reconhecimento de que a pessoa humana transcende o Estado.13
E é neste contexto que surge a OIT.
A OIT, preocupada com a proteção da dignidade humana e a concor-
rência entre os Estados fundada no valor atribuído ao trabalho humano, lança
as bases para a proteção da dignidade humana para além do Estado e, princi-
palmente, contra o Estado.
A proteção multinível dos direitos inerentes à dignidade humana ganha
especial relevância em ambiente de reformas legislativas voltadas à desconstru-
ção do Direito do Trabalho.
É que a proteção multinível dos direitos coloca em evidência a técnica
de confronto normativo, que visa verificar a compatibilidade ou ausência de
contradição entre as disposições de Direito interno e as normas que compõem
o Direito Internacional dos Direitos Humanos, qual seja, o controle de con-
vencionalidade, que deve, inclusive, ser guiado pelo princípio da adequação
do Direito interno ao Direito Internacional dos Direitos Humanos, valendo
observar que o Estado, ao aderir a um tratado sobre direitos humanos, assume,

13 MARITAIN, Jacques. Los derechos del hombre y la ley natural, 1982, p. 79.
Cleber Lúcio de Almeida – Wânia Guimarães Rabêllo de Almeida 129

por exemplo, as obrigações de:


1) no exercício da sua função normativa, revogar as normas internas que
contrariem o tratado, salvo se a norma interna for mais benéfica para as pessoas,
e não editar normas que contrariem tratado.
A propósito, Antônio Augusto Cançado Trindade ressalta que “o corpus
juris do Direito Internacional dos Direitos Humanos destaca que nem tudo
o que é legal no ordenamento jurídico interno o é no ordenamento jurídico
internacional” e que o Estado deve ter a sua responsabilidade internacional re-
conhecida “pela simples aprovação ou promulgação de uma lei em desarmonia
com suas obrigações convencionais internacionais de proteção”14;
2) no exercício da sua função jurisdicional, interpretar e aplicar as normas
internas conforme o Direito Internacional dos Direitos humanos.
A interpretação e aplicação do Direito interno conforme o Direito In-
ternacional dos Direitos Humanos é imposta pelo artigo 29, “a”, “c” e “d”
da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa
Rica), segundo o qual nenhuma das disposições daquela Convenção pode ser
interpretada no sentido de permitir a qualquer dos Estados, grupo ou indiví-
duo suprimir o gozo ou o exercício dos direitos e liberdades nela reconhecidos
ou limitá-los em maior medida do que nela previsto, excluir outros direitos e
garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma demo-
crática representativa de governo ou excluir ou limitar o efeito que possam
produzir a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e outros
atos internacionais da mesma natureza, sendo relevante anotar que “Os Estados
não podem dispor dos seres humanos da forma que quiserem, sem importar
seus direitos reconhecidos no corpus iuris do direito internacional dos direitos
humanos” (TRINDADE, 2015, p. 211).
A Constituição da República de 1988 também impõe aos juízes e tribu-
nais a obrigação de interpretação e aplicação conforme, como se vê dos seus
arts. 4º, II, 5º, § 2º, e 105, III, “a”, que consagram o princípio da adequação
do Direito interno ao Direito Internacional dos Direitos Humanos, valendo
assinalar que os citados comandos constitucionais deixam claro que o constituinte
brasileiro, ao tratar da relação entre o Direito Interno e o Direito internacional,
optou pela primazia deste sobre aquele.
Esta primazia é, ainda, estabelecida pelo artigo 27 da Convenção de Viena
sobre o Direito dos Tratados, segundo o qual o Estado não pode invocar as disposições
14 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado Trindade. Decisão e voto convergente disponíveis em www.cnj.jus.
br/conteudo/arquivo/2016/04/092b26ab5f98e3f92118. Acesso em 10.10.2019.
130 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

do seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado, prevendo


esta Convenção, ainda, que os tratados obrigam as partes (artigo 2º) e que o Estado
é obrigado a abster-se da prática de atos que frustrem o objeto e a finalidade de
um tratado (artigo 18). Na mesma direção caminham a Declaração Universal
dos Direitos Humanos (artigo 30), o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais (artigo 2º), a Convenção Americana sobre Direitos Humanos
(artigos 1º, n. 1 2º, n. 1), o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre
Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (artigos
1º e 2º) e a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento (artigo 5º).
A supralegalidade dos tratados sobre direitos humanos foi afirmada, inclusive,
pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Re 466.343-1/SP, e implica
vedação de retrocesso da condição social das pessoas estabelecida pelas normas
de Direito Internacional dos Direitos Humanos, registrando-se que o artigo 4º
do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais dispõe que os
direitos nele assegurados somente podem ser limitados pela lei e exclusivamente
com o objetivo de favorecer o bem-estar geral em uma sociedade democrática.
É relevante ressaltar que o controle de convencionalidade das normas
internas é imposta:
1) pelos arts. 5º, § 1º, e 7º, caput, da Constituição da República, que impõem a com-
patibilização das fontes internas do Direito do Trabalho com as suas fontes externas,
tendo em vista, especialmente, os princípios da prevalência da norma mais favorável,
e, ainda, pelo art. 4º, II, também da Constituição da República, segundo o qual o
Brasil adota como princípio a prevalência dos direitos humanos;
2) pela supralegalidade dos tratados sobre direitos humanos;
3) pelo art. 13 do Código de Processo Civil (CPC), que, na condição de fonte subsi-
diária e supletiva do Direito Processual do Trabalho (art. 769 da Consolidação das
Leis do Trabalho e art. 15 do CPC), impõe que, na solução judicial dos conflitos
de interesses de natureza trabalhista, sejam consideradas as disposições previstas em
tratados, convenções e acordos internacionais;
4) pelas obrigações assumidas pelo Brasil perante a comunidade internacional, va-
lendo recordar, por exemplo, que: a Declaração Universal dos Direitos do Homem
estabelece a obrigação de o Estado não exercer atividade ou praticar qualquer ato
destinado à destruição dos direitos e liberdades nela estabelecidos (artigo 30); a Con-
venção de Viena sobre o Direito dos Tratados dispõe que os tratados obrigam as partes
e devem ser cumpridos de boa-fé (artigo 2º) e que o Estado é obrigado a abster-se da
prática de atos que frustrariam o objeto e a finalidade de um tratado (artigo 18); o
Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais impõe aos Estados
a obrigação de adotar medidas que visem assegurar, progressivamente, por todos os
meios apropriados, o pleno exercício dos direitos nele reconhecidos; a Convenção Ame-
ricana de Direitos Humanos impõe aos Estados a obrigação de respeitar os direitos e
Cleber Lúcio de Almeida – Wânia Guimarães Rabêllo de Almeida 131

liberdades nela reconhecidos e garantir o seu livre e pleno exercício (artigo 1º, n. 1) e
adotar as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar
efetivos os direitos e garantias nela previstos (artigo 2º, n. 1); a Constituição da OIT
dispõe que os Estados devem cumprir as convenções que tiverem ratificado (art. 35).

Natalia Torres Zuñiga, adotando como ponto de partida o Sistema Inte-


ramericano de Direitos Humanos, afirma que o controle de convencionalidade
é “uma técnica de confronto normativo que determina a compatibilidade das
disposições de direito interno com a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos (CADH) e a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos
Humanos (Corte IDH); e/ou permite declarar a inconvencionalidade das dis-
posições, interpretações e omissões de direito interno à luz dos instrumentos
mencionados”, sendo por ela ressaltado que o controle de convencionalida-
de tem como objetivo “a proteção de determinados princípios comuns no
âmbito nacional e internacional, como a dignidade humana” e que a sua
realização, além de ser imposta pelo artigo 2º da Convenção Americana de
Direitos Humanos e artigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados, constitui uma “obrigação que deriva de qualquer tratado de direitos
humanos, porque o dever de adequação do direito interno irradia a todas as
disposições do direito internacional”.15
Consoante Juan Manuel Romero Martínez, os elementos que compõem o
controle de convencionalidade podem ser divididos em três grupos, quais sejam, as
autoridades que devem realizá-lo, a intensidade com que deve ser realizado e os
parâmetros que devem guiá-lo, sendo por ele assinalado: em relação ao primeiro as-
pecto assinalado, que se trata de controle a ser realizado por todos os órgãos estatais,
especialmente os órgãos jurisdicionais; no que comporta ao segundo aspecto colocado
em evidência, que se trata de controle a ser realizado de ofício pelas autoridades
estatais, no marco das respectivas competências e segundo as normas processuais
pertinentes; sobre o terceiro aspecto evidenciado, que se trata de controle a ser rea-
lizado de acordo com o “corpus juris interamericano, composto pelos instrumentos
internacionais de direitos humanos estabelecidos no contexto do SIDH”.16
Juan Manuel Romero Martínez acrescenta que os juízes devem conhecer, in-
terpretar e aplicar todo o aparato normativo sobre direitos humanos, “o que inclui
não só os instrumentos internacionais da região, como também as interpretações
jurisprudenciais efetuadas pela Corte IDH, assim como suas opiniões consultivas”
15 ZÜÑIGA, Natalia Torres. Control de convencionalidad y protección multinivel de los derechos humanos em
el Sistema Interamericano de Derechos Humanos. Revista de la Faculdad de Derecho n. 70, 2013, p. 348-
350. Disponível em revistas.pucp.edu.pe/index.php/derechopucp/article/view/6757.
16 MARTÍNEZ, Juan Manuel Romero. La protección multinivel de los derechos humanos. Tendencias y de-
safios para a región Interamericana. Métodhos. Revista Electronica de Investigación Aplicada em Derechos
Humanos de la CDHDF, n. 12, p. 42.
132 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

e, com isto, se converter em “agentes do direito interamericano”, de forma que


possam deixar de aplicar normas internas incompatíveis com o direito convencio-
nal e realizar interpretações constitucionais que possibilitem a aplicação do direito
internacional dos direitos humanos no âmbito interno.17
Cumpre ressaltar que Natalia Torres Zúñiga e Juan Manuel Romero Martí-
nez examinam o controle de convencionalidade à luz do Sistema Interamericano de
Direitos Humanos (SIDH), mas as suas lições devem ser estendidas para alcançar
todas as normas que compõem o Direito Internacional dos Direitos Humanos, que
é também composto pelas convenções da OIT, por força do art. 4º, II, e 5º, §2º, da
Constituição da República, valendo observar que o controle difuso de convenciona-
lidade é imposto não só pelos citados comandos constitucionais, como, também, pelo
art. 13 do CPC, na perspectiva, inclusive, de que, ainda conforme Juan Manuel
Romero Martínez, a ordem jurídica interna e internacional deve “harmonizar-se e
coordenar-se mediante uma rede de proteção comum, que compartilha um objetivo,
isto é, a proteção mais ampla das pessoas”.18

CONCLUSÃO
A doutrina da proteção multinível dos direitos humanos sustenta a existência
de um marco plural, composto, em rede ou multinível de proteção de direi-
tos humanos.
É afirmado que a gênese desta doutrina está no processo de integra-
ção europeia.
No entanto, a OIT foi pioneira naquilo que constitui a ideia funda-
mental da doutrina da proteção multinível dos direitos, ou seja, estabelecer
múltiplos níveis de reconhecimento de proteção de direitos inerentes à digni-
dade humana.
A proteção multinível dos direitos humanos ganha especial relevância
em ambiente de reformas legislativas voltadas à desconstrução do Direito
do Trabalho, vez que coloca em evidência a técnica de confronto normati-
vo, que visa verificar a compatibilidade ou ausência de contradição entre as
disposições de Direito interno e as normas que compõem o Direito Interna-
cional dos Direitos Humanos, dentre elas as convenções da OIT, qual seja,

17 MARTÍNEZ, Juan Manuel Romero. La protección multinivel de los derechos humanos. Tendencias y de-
safios para a región interamericana. Métodhos. Revista Electronica de Investigación Aplicada em Derechos
Humanos de la CDHDF, n. 12, p. 47.
18 MARTÍNEZ, Juan Manuel Romero. La protección multinivel de los derechos humanos. Tendencias y de-
safios para a región interamericana. Métodhos. Revista Electronica de Investigación Aplicada em Derechos
Humanos de la CDHDF, n. 12, p. 43.
Cleber Lúcio de Almeida – Wânia Guimarães Rabêllo de Almeida 133

o controle de convencionalidade.
A realização deste controle atende à necessidade de garantir a mais ampla
proteção dos seres humanos e, ao realizá-lo, os juízes e tribunais se tornam não
apenas agentes do Direito Internacional dos Direitos Humanos, mas verdadei-
ros agentes da dignidade humana.

REFERÊNCIAS
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INTERNACIONAL. Carta da Organização das Nações Unidas. Disponível em https://nacoesunidas.org/
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org/wcmsp5/groups/public/—-americas/—-ro-lima/—-ilo-brasilia/documents/genericdocument/
wcms_336957.pdf. Acesso em 22.10.2019.
INTERNACIONAL. Convenção Americana de Direitos Humanos. Disponível em https://www.cidh.oas.org/
basicos/portugues/c.convencao_americana.htm. Acesso em 10.10.2019.
INTERNACIONAL. Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Disponível em http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D7030.htm. Acesso em 19.10.2019.
INTERNACIONAL. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em https://nacoesunidas.org/
direitoshumanos/declaracao/ Acesso em 22.10.2019.
MARITAIN, Jacques. Los derechos del hombre y la ley natural. Buenos Aires: Editorial Leviatan, 1982.
MARTÍNEZ, Juan Manuel Romero. La protección multinivel de los derechos humanos. Tendencias y desafios
para a región interamericana. Métodhos. Revista Electronica de Investigación Aplicada em Derechos Humanos
de la CDHDF, n. 12, p. 37-56. Disponível em https://revistas-colaboracion.juridicas.unam.mx/index.php/
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SINZHEIMER, Hugo, La esencia del Derecho del Trabajo. In Crisis económicas y Derecho del Trabajo: estú-
dios sobre la problemática humana y conceptual del Derecho del Trabajo. Madri: IELSS, 1984, p. 69-77.
SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito internacional do trabalho. São Paulo: LTr, 1983.
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Os tribunais internacionais na realização da justiça. Rio de Janeiro:
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TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Voto concordante com a sentença proferida pela Corte Interame-
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ZÜÑIGA, Natalia Torres. Control de convencionalidad y protección multinivel de los derechos humanos
em el Sistema Interamericano de Derechos Humanos. Revista de la Faculdad de Derecho n. 70, 2013, p.
348-369. Disponível em revistas.pucp.edu.pe/index.php/derechopucp/article/view/6757.
O DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO E
O PAPEL DA OIT NO ÂMBITO DA PROTEÇÃO À
LIBERDADE SINDICAL
THE INTERNATIONAL LABOR LAW AND THE ILO’S ROLE IN
PROTECTING THE TRADE UNION FREEDOM

Adriana L. S. Lamounier Rodrigues1

RESUMO: O presente texto, cuja metodologia é teórico-propositiva, objetiva


analisar o Direito Internacional do Trabalho, dando ênfase à sua instituição mais
importante, a Organização Internacional do Trabalho e examinando sua origem,
estrutura, funções e as Convenções de nº 87, 98 e 154 (referentes à liberdade sin-
dical). Enfatizou-se, no capítulo, o papel da Organização em proteger o Direito
Coletivo do Trabalho a nível internacional por meio das convenções que elabora,
bem como atuando na intermediação de conflitos internacionais.
Palavras-chave: Direito Internacional do Trabalho; Convenção nº 87 da OIT;
Convenção nº 98 da OIT; Convenção nº 154 da OIT; Liberdade Sindical.
ABSTRACT: The present paper, whose methodology is theoretical and pro-
positional, aims to analyse the International Labor Law, emphasizing its most
important institution, the International Labor Organization and examining its
origin, structure, functions and Conventions 87, 98 and 154. (referring to union
freedom). The chapter also emphasized the Organization’s role in protecting the
Collective Labor Law at the international level through its conventions, as well
as acting in the intermediation of international conflicts.
Keywords: International Labor Law; ILO’s Convention C087; ILO’s Conven-
tion C098; ILO’s Convention C154; Trade Union Freedom.

“[...] almejamos um mundo fundado em quatro liber-


dades humanas essenciais [...]

1 Pós-Doutorado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Doutora em
Direito pela UFMG em cotutela com a Universidade de Roma Tor Vergata. Master em Direito Sindical pela
Universidade de Roma Tor Vergata. Bacharel em Direito pela UFMG. Advogada, com atuação especial em
Direito Coletivo do Trabalho no escritório Caldeira Brant. Endereço eletrônico: [email protected]
Adriana L. S. Lamounier Rodrigues 135

A terceira é a liberdade de viver sem passar necessida-


de [...] em todos os lugares do mundo. A quarta é a
liberdade de viver sem medo [...] em todos os lugares
do mundo.”2

1. A HISTÓRIA DA PROTEÇÃO AO TRABALHADOR NO


ÂMBITO INTERNACIONAL
Desde a Revolução Industrial, com a exploração do trabalho em níveis
aviltantes e com o aprofundamento do Liberalismo, a reunião de operários nas
fábricas (grandes, verticais e homogêneas) propiciou, em meio a esse pântano
de dificuldades, o desabrochar de uma flor chamada Direito Coletivo do Tra-
balho. Que árdua missão é a do Direito do Trabalho, refúgio de vulneráveis e
deságue das maiores tensões sociais!3
Nesse cenário árduo, a proteção ao trabalhador já contava com a atuação
coletiva supranacional. A internacionalização da luta operária foi fundamental
para o desenvolvimento da tutela social, pois a partir dela se percebeu a emer-
gência da atuação supranacional, que se consolidou por meio das normativas
sociais que se espalhavam e davam melhores condições aos operários. A nascen-
te democracia social desenhou-se com a luta transnacional dos trabalhadores.
A formação e percepção da classe trabalhadora e de pauta social comum a
diversos Estados foi uma das grandes forças criadoras do Direito do Trabalho4.
A ideia de solidariedade entre trabalhadores no âmbito mundial em-
basou as ideologias da luta operária na Europa nos séculos XIX e XX, tendo
como princípio a ideia de união proletária mundial. Propagava-se O Mani-
festo, de Karl Marx e Friedrich Engels, que instigava os trabalhadores de todo
o mundo a se unirem.5
O internacionalismo operário da época, de acordo com Richard Hyman
(1999), era assentado em três pressupostos: a ideia de que o proletariado seria
o grande protagonista da emancipação humana destinada a libertar sua classe;
a crença de que o avanço do capitalismo traria a homogeneização do prole-
tariado; e a ideia de que tal homogeneização propiciaria a fundação de uma
comunidade de interesses organizada como classe pelos sindicatos. Segundo,
2 ROOSEVELT, Franklin. Discurso feito em 1941.
3 Paráfrase à comparação usada pela Defensora Pública Mirelle Morato em seu discurso de posse em 22 de
setembro de 2015.
4 REIS, Daniela Muradas; NICOLI, Pedro Augusto Gravatá. A negociação coletiva transnacional no novo
mundo do trabalho. Revista Fórum de Direito Sindical. Belo Horizonte, Editora Fórum, 2015, p. 04.
5 “Trabalhadores do mundo: uni-vos!”
136 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Hobsbawm, em sua origem, “o movimento operário era concebido como in-


ternacional em estrutura e como internacionalista em objetivo”6.
Em meados do século XIX, iniciou-se um processo que fez surgir o
gérmen do Direito Internacional do Trabalho, por meio do movimento de
várias personalidades que se empenharam para a conquista de melhores con-
dições de proteção ao labor.
A primeira atuação com proeminência histórica7 foi a do industrial Robert
Owen, nascido no País de Gales, que apregoava urgente proteção aos trabalhado-
res nos Estados industrializados. Owen executou reformas sociais em sua própria
indústria têxtil, “situada na aldeia escocesa de New Lamark”8, e foi responsável
pela propositura de diversos padrões protetivos aos trabalhadores, sugerindo que
as condições de trabalho melhorassem também por via internacional. Exemplo
disso é a proposta realizada pelo industrial no ano de 1818, na qual convidou os
governos a limitar internacionalmente a jornada de trabalho9.
De acordo com o professor Cássio Mesquita Barros, podem ser enumera-
das as seguintes manifestações, que contribuíram para o surgimento do Direito
Internacional do Trabalho.
A propositura de Daniel Legrand ao Congresso Nacional, recomendando
que a França tomasse frente no movimento internacional de restrição do traba-
lho infantil; a célebre Primeira Internacional10, realizada por Marx e Engels em
Londres no ano de 1864, na qual se defendeu arduamente o internacionalismo
operário como forma de se chegar à revolução do proletariado; o Congresso de
Berlim, realizado em 1890, que estabeleceu a idade mínima para o trabalho
de menores em minas; o surgimento do movimento sindical na Inglaterra,
no início do século XIX, que se difundiu por toda a Europa e pelos Estados
Unidos na segunda metade desse mesmo século; a Encíclica Rerum Novarum,
de 1891; a realização do Congresso de Legislação do Trabalho em Paris, em
1900, que resultou na aprovação dos estatutos da Associação Internacional
para a Proteção do Trabalhador, inspirando as duas primeiras convenções in-
ternacionais do trabalho.
Em 1914, deflagra-se a I Guerra Mundial. Diante disso, o conselho da
6 HOBSBAWM, Eric. A era dos impérios. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988, p. 10.
7 REIS, Daniela Muradas. O princípio da vedação do retrocesso no Direito do Trabalho. Tese (Doutorado
em Direito do Trabalho) – Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte,
2007, p. 22.
8 SUSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. São Paulo. LTr, 2000, p. 83.
9 SUSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. São Paulo. LTr, 2000, p. 83.
10 De acordo com Daniela Muradas e Ricardo Antunes (2007), a Primeira Internacional emblematicamente
denota a amplitude universal da questão operária e a universalidade do pensamento socialista.
Adriana L. S. Lamounier Rodrigues 137

maior entidade sindical americana, a American Federation of Labor, convocou


centrais sindicais de outros Estados para que se realizasse o congresso de paz.
Nos anos finais da guerra, encontros das entidades sindicais de vários
países eram realizados com o objetivo de assegurar condições mínimas de
trabalho no Tratado de Paz.
Em fevereiro de 1919, a Conferência Sindical Internacional encaminhou
declaração com vasta proteção normativa ao trabalho à Conferência de Paz.
Também com esse objetivo, sindicatos cristãos realizaram em Paris um congres-
so que sugeriu à Conferência de Paz padrões mínimos de condições de trabalho
a serem cumpridos pelos membros da Sociedade das Nações11.
Outro fato notório é que a destruição provocada pela I Guerra Mun-
dial tornou evidentes as falhas do liberalismo econômico e a necessidade de
profundas mudanças político-econômicas. Assim, a partir de 1919, o inter-
vencionismo estatal ganhou protagonismo.
Nesse mesmo ano, o Tratado de Versalhes, célebre tratado de paz, fundou
a Sociedade das Nações e a Organização Internacional do Trabalho (OIT). A
OIT, representando épica conquista dos trabalhadores, inicia a definitiva inter-
nacionalização do Direito do Trabalho com a inserção em diversos instrumentos
internacionais de tópicos relativos à proteção do trabalhador e à melhoria das
condições laborais. Como ensina Arnaldo Süssekind, “um tratado internacional
de remarcado relevo consagrava, assim, o Direito do Trabalho como um novo
ramo da ciência jurídica; e, para universalizar as suas normas, criava a OIT”12.

2. SISTEMA NORMATIVO DA ORGANIZAÇÃO


INTERNACIONAL DO TRABALHO
Criada em 1919, a OIT expressa força centrípeta e de ampla propagação,
conquistando para si o centro da regulação internacional em matéria de trabalho.
Trata-se de organização intergovernamental detentora de personalidade jurídica
internacional desde 1945, que adotou o sistema de soft law, ou seja, a volunta-
riedade dos Estados-nação é sua marca principal. Nesse contexto, seu sistema
normativo é constituído por normas praticamente isentas de coercibilidades. A
seguir, far-se-á uma breve e panorâmica exposição da dogmática jurídica da OIT.
Essa entidade, sendo organização multilateral especializada, constitui-se

11 REIS, Daniela Muradas. O princípio da vedação do retrocesso no Direito do Trabalho. Tese (Doutorado
em Direito do Trabalho) – Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte,
2007, p. 23.
12 SUSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. São Paulo. LTr, 2000, p. 106.
138 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

como elaboradora de fontes formais de Direito Internacional, uma vez que produz
tratados e atos normativos que devem ser observados pelos Estados-membros13.
As denominadas Convenções Internacionais do Trabalho correspondem
às principais e mais densas normas elaboradas pela organização. Nominalmente
são convenções internacionais, mas, em sua essência, se firmam como tratados
internacionais de Direitos Humanos.
As convenções, uma vez aprovadas pelas Conferências Internacionais do
Trabalho, “ficam abertas à ratificação dos Estados-membros até uma eventual
decisão de revisão futura, total ou parcial, por uma nova convenção”14.
Quanto aos procedimentos e obrigações relacionados às Convenções, a
Constituição da OIT, em seu art. 19, §5º, dispõe de forma detalhada:
a) será dado a todos os Estados-Membros conhecimento da convenção para fins
de ratificação; b) cada um dos Estados-Membros compromete-se a submeter,
dentro do prazo de um ano, a partir do encerramento da sessão da Conferência
(ou, quando, em razão de circunstâncias excepcionais, tal não for possível, logo
que o seja, sem nunca exceder o prazo de 18 meses após o referido encerra-
mento), a convenção à autoridade ou autoridades em cuja competência entre a
matéria, a fim de que estas a transformem em lei ou tomem medidas de outra
natureza; c) os Estados-Membros darão conhecimento ao Diretor-Geral da Re-
partição Internacional do Trabalho das medidas tomadas, em virtude do presente
artigo, para submeter a convenção à autoridade ou autoridades competentes,
comunicando-lhe, também, todas as informações sobre as mesmas autoridades
e sobre as decisões que estas houverem tomado; d) o Estado-Membro que tiver
obtido o consentimento da autoridade, ou autoridades competentes, comuni-
cará ao Diretor-Geral a ratificação formal da convenção e tomará as medidas
necessárias para efetivar as disposições da dita convenção; e) quando a autoridade
competente não der seu assentimento a uma convenção, nenhuma obrigação
terá o Estado-Membro a não ser a de informar o Diretor-Geral da Repartição
Internacional do Trabalho — nas épocas que o Conselho de Administração
julgar convenientes — sobre a sua legislação e prática observada relativamente
ao assunto de que trata a convenção. Deverá, também, precisar nestas informa-
ções até que ponto aplicou, ou pretende aplicar, dispositivos da convenção, por
intermédio de leis, por meios administrativos, por força de contratos coletivos,
ou, ainda, por qualquer outro processo, expondo, outrossim, as dificuldades que
impedem ou retardam a ratificação da convenção15.

Além disso, outra fonte normativa da OIT é a Recomendação, instituto

13 CRIVELLI, Ericson. Direito Internacional do Trabalho Contemporâneo. São Paulo, LTr, 2010, p. 71.
14 CRIVELLI, Ericson. Direito Internacional do Trabalho Contemporâneo. São Paulo, LTr, 2010, p. 72.
15 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO Lisboa. Normas internacionais do trabalho.
Disponível em: <http://www.ilo.org/public/portugue/region/eurpro/lisbon/html/portugal_visita_guia-
da_03b_pt.htm>. Acesso em 10 agosto de 2019.
Adriana L. S. Lamounier Rodrigues 139

que não está aberto à ratificação dos Estados-membros e, consequentemente,


não é remetido à internalização nos ordenamentos jurídicos nacionais.
Ainda menos densas e exigíveis juridicamente, porém também fontes
normativas, estão as Resoluções da Organização, que correspondem a decisões
proferidas por uma “Comissão de Resoluções instaurada especificamente para
debater e decidir uma proposta que tenha sido apresentada à apreciação da
conferência internacional”16.
Destaque-se que algumas Resoluções servem como instrumentos para
suprir as lacunas jurídicas deixadas pelas Convenções, sendo o caso mais conhe-
cido o do direito de greve que, contraditoriamente, não é objeto de nenhuma
Convenção Internacional do Trabalho17.
Além do sistema normativo, a OIT possui um sistema de controle de
aplicação de normas, que se destaca por ser um dos mais antigos sistemas in-
ternacionais de controle.
Cabe lembrar que a OIT é comandada por um Conselho Administrati-
vo, composto por 56 membros, e que delibera por meio de uma Conferência
Internacional do Trabalho. O órgão se destaca por possuir uma representação
tripartite dos seus Estados-membros: governos, empregadores e trabalhadores18.
Sobre as atribuições do Conselho Administrativo, ressalta Hector Hugo
Barbagelata:
El Consejo de Administración tiene la responsabilidad de coordinar todas las acti-
vidades de la OIT. Entre otros cometidos: determina la fecha, el lugar y el orden del
día de la Conferencia General, las Conferencias Regionales, Conferencias Técnicas,
Comisiones de Industria y análogas; designa los diez Estados de mayor importancia
industrial; elige al Director General del BIT; aprueba y somete a la Conferencia el
Programa y Presupuesto para cada bienio; instituye y designa los miembros de las Co-
misiones, examina las conclusiones de éstas y dispone el curso que debe dárseles, etc.19

Quanto às formas de controle referentes ao cumprimento das normas


editadas pela OIT, há na organização dois sistemas de controle: o regular e
o especial. O primeiro, iniciado em 1926, se dá por meio da exigência de
os Estados-membros apresentarem relatórios periódicos sobre a aplicação das
16 CRIVELLI, Ericson. Direito Internacional do Trabalho Contemporâneo. São Paulo, LTr, 2010, p. 75.
17 Malograram todas as tentativas de ser elaborada uma Convenção Internacional sobre o direito de greve
no âmbito da OIT, ou ao menos uma Recomendação. Hodges-Aeberhard (1997) reporta que os principais
esforços datam dos anos de 1947, 1950 e 1978, quando então a organização entendeu por bem não mais se
concentrar na elaboração de um texto único.
18 CRIVELLI, Ericson. Direito Internacional do Trabalho Contemporâneo. São Paulo, LTr, 2010, p. 77.
19 BARBAGELATA, Héctor-Hugo. Derecho del Trabajo – Evolución del Derecho Laboral en el Uruguay.
Conceptos fundamentales. Tomo 1, vol. 1. 3ª. Ed. Montevideo, Fundación de Cultura Universitaria 2002, p.
193-194.
140 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

normas das Convenções por eles ratificadas e informes sobre as Convenções


não ratificadas. Tais relatórios periódicos são analisados pela Comissão de Pe-
ritos em Convenções e Recomendações, que, por sua vez, produz um relatório
anual. Por conseguinte, o relatório é apresentado à Comissão de Aplicação de
Convenções e Recomendações – órgão tripartite permanente.
No relatório da Comissão de Peritos são ressaltados os aspectos jurídicos
e fáticos sobre os quais se requer aplicação efetiva de uma determinada Con-
venção20. Contudo, de acordo com Américo Plá Rodriguez, tal relatório não
possui juridicidade:
Estas interpretações, porém, são simples opiniões de caráter administrativo e não
representam nenhum valor jurídico para os Estados. De outra parte, a Comissão
se abstém de expressar sua opinião cada vez que se trata de uma divergência
importante, limitando-se a assinalar os diversos casos à atenção do Conselho de
Administração21.

Já o segundo sistema, especial ou de controle provocado, funciona me-


diante a solicitação de atores sociais (artigos 24 e 25 da Constituição da OIT),
de Estados-membros ou por decisão ex officio do Conselho de Administração.
São dois os mecanismos de tal sistema especial: queixas ou reclamações. A
queixa é o procedimento contencioso mais formal da OIT22. O ente queixoso
pode fundamentar a sua queixa na defesa de um interesse geral. Por sua vez, a
reclamação “pode ser proposta contra qualquer Estado-membro, sob a alegação
de descumprimento de uma convenção internacional ratificada”23.
Há também um controle específico que observa unicamente a aplicação
das Convenções 87 e 98 da OIT, executado pelo Comitê de Liberdade Sindi-
cal, existente desde 1951.24 O Comitê é composto por nove membros e possui
conformação tripartite. Autores como Valticos entendem que o trabalho con-
tencioso que o Comitê executa tem natureza quase judicial.
A título de ilustração, o gráfico a seguir sistematiza as várias queixas que
foram propostas ao Comitê em face dos Estados:

Gráfico 1 – Queixas examinadas pelo Comitê da Liberdade Sindical entre março de


2005 e junho de 2007

20 CRIVELLI, Ericson. Direito Internacional do Trabalho Contemporâneo. São Paulo, LTr, 2010, p. 80.
21 RODRIGUEZ, Américo Plá. Los Convenios Internacionales del Trabajo. Montivideu, 1965, p. 76.
22 VALTICOS, Nicolas. Derecho internacional del trabajo. Madrid, Editorial Tecnos, 1977, p. 518.
23 CRIVELLI, Ericson. Direito Internacional do Trabalho Contemporâneo. São Paulo, LTr, 2010, p. 85.
24 Tal Comitê será objeto de tópico específico à frente.
Adriana L. S. Lamounier Rodrigues 141

Fonte: OIT, 2008, p. 10.

Como é possível verificar, a porcentagem do número de queixas relativas a


atos de discriminação antissindical é a maior, correspondendo a 26% dos casos.
Essas queixas referem-se a atos perpetrados pelos empregadores (incluindo o
Estado na qualidade de empregador), tais como dispensas, transferências e
recusas em contratar em face de sindicalistas ou trabalhadores sindicalizados,
em virtude de terem decidido filiar-se a uma organização sindical, constituir
um sindicato ou dele participar25.
Diante do exposto, infere-se que não há no sistema normativo da OIT a
forte coercibilidade, tendo em vista que o pressuposto da Organização é a vo-
luntariedade. Nesse sentido, a OIT difere de sistemas como o da Organização
Mundial do Comércio (OMC), que impõe severas sanções, como a suspensão
da aplicação de concessões.
Sobre as relações coletivas do trabalho, a OIT adotou, especificamen-
te, dois instrumentos fundamentais referentes a liberdade sindical e a direito
de sindicalização e negociação coletiva, quais sejam, a Convenção nº 87 e a
Convenção nº 98, respectivamente. Dada a importância que possuem, tais
Convenções, juntamente com a Convenção nº 154, de fomento à negociação
coletiva, serão pormenorizadas.

25 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO Lisboa. Normas internacionais do trabalho.


Disponível em: <http://www.ilo.org/public/portugue/region/eurpro/lisbon/html/portugal_visita_guia-
da_03b_pt.htm>. Acesso em 10 ago. 2019.
142 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

2.1. A CONVENÇÃO 87 DA OIT


Em 1948, a OIT adotou a Convenção nº 87, que retoma a matéria da
autonomia sindical, discernindo que a “afirmação do princípio da liberdade
sindical” está “entre os meios aptos a melhorar a condição dos trabalhadores
e assegurar a paz”26.
Em seu preâmbulo, dispõe a Convenção:
Considerando que a Declaração de Filadélfia reafirma que “a liberdade de ex-
pressão e de associação é condição essencial para a continuidade do progresso”;
adota, no nono dia de julho de mil novecentos e quarenta e oito, a seguinte
Convenção que pode ser citada como a Convenção sobre a Liberdade Sindical
e a Proteção do Direito Sindical, de 194827.

Vale ressaltar que a Declaração de Filadélfia28 de 1944, indo além do


Tratado de Versalhes, dispôs sobre o compromisso com a realização da justiça
social, a valorização do trabalho humano, aprofundou as garantias do pacto
de paz e estabeleceu como fundamento da ordem jurídica internacional o “de-
senvolvimento espiritual dentro da liberdade e da dignidade, da tranquilidade
econômica e com as mesmas possibilidades”29, defendeu a primordialidade da
democratização das relações de trabalho e apregoou também a garantia de
uma renda mínima e essencial a todos a quem tal proteção é necessária. A
Declaração inegavelmente representou grande avanço normativo justrabalhista
e aprofundamento do princípio da justiça social.
A Convenção nº 87 refere-se à liberdade associativa para fins sindicais
e à proteção do direito de sindicalização. A primeira requer plena autonomia
privada das partes ou livre escolha do ambiente organizacional ao qual os traba-
lhadores pretendem se integrar, para exercício da defesa de interesses comuns30.
26 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção nº 87, de 17 de junho de 1948.
Liberdade Sindical e Proteção ao Direito de Sindicalização. Genebra, 1948. Disponível em: <http://
www.oitbrasil.org.br/content/liberdade-sindical-e-prote%C3%A7%C3%A3o-ao-direito-de-sindicaliza%-
C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 10 set. 2019.
27 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção nº 87, de 17 de junho de 1948.
Liberdade Sindical e Proteção ao Direito de Sindicalização. Genebra, 1948. Disponível em: <http://
www.oitbrasil.org.br/content/liberdade-sindical-e-prote%C3%A7%C3%A3o-ao-direito-de-sindicaliza%-
C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 10 set. 2019.
28 Sobre o tema, dita Giancarlo Perone que: “La Dichiarazione di Filadelfia avverte l’esigenza di esaminare e
considerare alla luce di questo principio fondamentale tutti i programmi di azione e tutte le necessarie misure
di carattere economico e sociale. Viene così configurato un quadro molto ampio di obiettivi che comprende il
miglioramento della salute e della cultura, la stabilizzazione dei prezzi mondiali delle materie prime e delle
derrate, la realizzazione di un livello adeguato di alimentazione di abitazione e di ricreazione, la tutela della
libertà di espressione.” (PERONE, 2010, p. 205)
29 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO Lisboa. Normas internacionais do trabalho.
Disponível em: <http://www.ilo.org/public/portugue/region/eurpro/lisbon/html/portugal_visita_guia-
da_03b_pt.htm>. Acesso em 10 ago. 2019.
30 BASSO, M.; POLIDO, F. A Convenção 87 sobre liberdade sindical de 1948: Recomendações para a adequa-
ção do direito interno brasileiro aos princípios e regras internas do trabalho. Revista do Tribunal Superior
do Trabalho, Brasília, Ano 78, nº3, jul a set.2012, p. 154.
Adriana L. S. Lamounier Rodrigues 143

Sabe-se que a liberdade de associação na esfera laboral foi consagrada, na


Constituição da OIT de 1944, como princípio essencial para o funcionamento e
aperfeiçoamento das condições de trabalho e para a consecução da paz universal.
A Convenção estabelece em seu art. 2º que os trabalhadores e emprega-
dores têm o direito de se constituir e se filiar a organizações de sua escolha, sem
necessidade de autorização prévia. Afirma também que as organizações de tra-
balhadores e empregadores têm o direito de constituir e de se filiar a federações
e confederações, sendo que toda organização e confederação têm o direito de se
filiar a organizações internacionais de trabalhadores e empregadores (art. 5º).
De acordo com os professores Fabrício Bertini Pasquot Polido e Maris-
tela Basso:
Da vertente funcional do princípio da liberdade associativa para fins laborais
surge também o direito de afiliação, participação ou credenciamento em orga-
nizações já existentes, pelo qual trabalhadores e empregadores têm a opção de
escolher se ingressam ou não na estrutura associativa estabelecida31.
O art. 3.1, por sua vez, preceitua o direito de as organizações criadas ou
constituídas pelos trabalhadores e empregadores estabelecerem seus próprios
estatutos, regulamentos e demais normas de funcionamento e gestão.
Por fim, o art. 11 assevera que deve ser assegurado aos trabalhadores e
aos empregadores o livre exercício do direito sindical.
Ressalte-se que a Convenção 87 faz parte das convenções obrigatórias
para os Estados-membros da OIT, uma vez que dispõe sobre um dos princípios
fundamentais da Organização.
Além disso, por meio da Declaração da OIT de 1998:
[...] os países membros da Organização reafirmaram o seu compromisso de
respeitar, promover e realizar os princípios relativos aos direitos fundamentais
no trabalho, quais sejam, a liberdade de associação e o reconhecimento efetivo
do direito de negociação coletiva, a abolição efetiva do trabalho infantil, a eli-
minação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório, e a eliminação
da discriminação em matéria de emprego e de profissão32.
Assim, todos os Estados-Membros são obrigados a respeitar os princípios
fundamentais consagrados na referida Declaração, tendo ou não ratificado as
convenções da OIT a eles correspondentes.
31 BASSO, M.; POLIDO, F. A Convenção 87 sobre liberdade sindical de 1948: Recomendações para a adequa-
ção do direito interno brasileiro aos princípios e regras internas do trabalho. Revista do Tribunal Superior
do Trabalho, Brasília, Ano 78, nº3, jul a set.2012, p. 156.
32 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO Lisboa. Normas internacionais do trabalho.
Disponível em: <http://www.ilo.org/public/portugue/region/eurpro/lisbon/html/portugal_visita_guia-
da_03b_pt.htm>. Acesso em 10 ago. 2019.
144 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

O Brasil, apesar de ter votado pela adoção da Convenção nº 87 na XXXI


Sessão da Conferência Geral dos membros da OIT em 1948, não a ratificou.
E ainda hoje o texto da Convenção continua a esperar. Até mesmo após a
Declaração de 1998 estabelecer que ela é uma das convenções fundamentais,
o Estado brasileiro continua a não garantir a plena liberdade sindical.

2.2. A CONVENÇÃO Nº 98 DA OIT


A Convenção nº 98 da OIT, adotada em 1949, estabelece a proteção
contra atos antissindicais e a proteção das organizações de trabalhadores e de
empregadores contra atos de ingerência de umas em relação às outras. Além
disso, prevê medidas destinadas a promover a negociação coletiva.
É considerada “convenção-irmã”33 da Convenção nº 87, uma vez que
são interdependentes e constituem convenções fundamentais da Organização
Internacional do Trabalho.
A Convenção nº 98 dispõe que os sindicatos deverão gozar de proteção
contra atos de ingerência de uns nos outros, devendo ser assegurado o respeito
ao direito de sindicalização. Seu artigo 1º estabelece que:
1. Os trabalhadores devem se beneficiar de proteção adequada contra todos os atos
de discriminação que tendam a lesar a liberdade sindical em matéria de emprego.
2. Tal proteção deve nomeadamente aplicar-se no que respeita a atos que
tenham por fim:
a) Subordinar o emprego do trabalhador à condição de ele não estar filiado num
sindicato ou que deixe de fazer parte de um sindicato;
b) Despedir o trabalhador ou causar-lhe prejuízo por quaisquer outros meios, por
motivo de filiação sindical ou de participação em atividades sindicais fora das horas
de trabalho ou, com o consentimento do patrão, durante as horas de trabalho34.
O Brasil ratificou a Convenção, apesar de ser notória, na prática, a ocor-
rência de condutas antissindicais praticadas pelo empregador, pelo Estado e
também pela sociedade no país. Nesse sentido, cerca de 26% das queixas
brasileiras ao Comitê de Liberdade Sindical dizem respeito à discriminação
antissindical. Contudo, à constante prática antissindical se soma a ausência
de qualquer tipo de sanção.
Em relação à conduta antissindical praticada pelo Estado e também aos
33 BASSO, M.; POLIDO, F. A Convenção 87 sobre liberdade sindical de 1948: Recomendações para a adequa-
ção do direito interno brasileiro aos princípios e regras internas do trabalho. Revista do Tribunal Superior
do Trabalho, Brasília, Ano 78, nº3, jul a set.2012, p. 158.
34 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção nº 98, de 1º de julho de 1949. Di-
reito de Sindicalização e Negociação Coletiva. Genebra, 1949. Disponível em: <http://www.ilo.org/brasilia/
convencoes/WCMS_235188/lang—pt/index.htm>. Acesso em: 10 set. 2019.
Adriana L. S. Lamounier Rodrigues 145

atos de ingerência, a legislação permite a sua ocorrência e até mesmo a in-


centiva. Exemplo disso é o artigo 611 da Consolidação das Leis do Trabalho
brasileira (CLT) que, ao restringir a liberdade sindical, vez que impõe o enqua-
dramento sindical por categoria, acaba por permitir condutas antissindicais do
Estado e atos de ingerência do Poder Judiciário.
Mais uma vez verifica-se a ineficácia de uma convenção da OIT, quando
de sua aplicação em um ordenamento pátrio. Um estudo35 interessante reali-
zado pela Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho comprovou que
menos de 30% dos juízes trabalhistas brasileiros conhecem as normas da OIT.
Ressalta-se que o Comitê de Liberdade Sindical, ao apreciar o caso 252336,
constatou que a legislação brasileira não reconhecia a prática de condutas antis-
sindicais em face dos trabalhadores sindicalizados. Por essa razão, recomendou37
que o Governo brasileiro tomasse medidas para modificar a legislação e co-
locá-la em conformidade com os princípios da liberdade sindical38. Trata-se,
pois, de evidente contrariedade à Convenção nº 98, não obstante se tratar de
Convenção ratificada pelo país.
Até o ano de 2016 nada mudou a respeito da omissão do Governo bra-
sileiro, uma vez que não foram tomadas medidas para que se inserisse no
ordenamento jurídico nacional norma que reconhecesse claramente as con-
dutas antissindicais, de forma a se aplicar integralmente a Convenção nº 98
da OIT. Mais uma vez, constata-se um déficit de efetividade das convenções.
Apesar disso, é bom ressaltar que as convenções da OIT têm muito valor
quando são aplicadas por juízes nacionais delas conhecedores. Talvez nisto
resida a maior importância das convenções da Organização: a possibilidade
de serem aplicadas diretamente pelas cortes dos Estados-Membros. Exemplo
disso é o acórdão39 do processo de nº TST-RR-77200-27.2007.5.12.0019, do
35 Estudo relatado em aula da disciplina de Direito do Trabalho da Pós-Graduação no dia 9 de março de 2016
pelo colega Platon Teixeira Neto.
36 A queixa feita pela Federação Nacional dos Portuários encontra-se disponível em: <http://www.abrea.org.br/
PDFs/Queixa%20FNP%20para%20OIT.pdf>. Acesso em: 10 set. 2019.
37 O argumento foi o seguinte: “D) No que se refere à alegação segundo a qual a legislação nacional não reco-
nhece a figura dos atos antissindicais em prejuízo dos trabalhadores por sua filiação a uma organização, o
Comitê pede ao Governo que tome medidas para que se modifique a legislação para colocá-la em conformi-
dade com princípios da liberdade sindical e que lhe mantenha informado a respeito da evolução legislativa.
Recomendação Comitê de Liberdade Sindical.” (OIT, 2008)
38 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO Lisboa. Normas internacionais do trabalho.
Disponível em: <http://www.ilo.org/public/portugue/region/eurpro/lisbon/html/portugal_visita_guiada_03b_
pt.htm>. Acesso em 10 ago. 2019.
39 A ementa do acórdão é a seguinte: “RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA – CONDUTA ANTISSIN-
DICAL – DEMISSÃO POR JUSTA CAUSA DE PARTICIPANTE DE GREVE – CONVENÇÃO Nº 98 DA
OIT – INTEGRAÇÃO DAS DISPOSIÇÕES DA ORDEM JURÍDICA INTERNACIONAL AO ORDENA-
MENTO JURÍDICO INTERNO – INDENIZAÇÃO POR PRÁTICA DISCRIMINATÓRIA. A questão objeto
do recurso refere-se diretamente ao disposto na Convenção nº 98 da OIT, que trata do direito de sindicalização e
de negociação coletiva. Nesse aspecto, embora ainda não seja habitual a utilização de normas de direito interna-
146 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Ministro Relator Vieira de Mello Filho, do Tribunal Superior do Trabalho,


que aplicou analogicamente a Lei nº 9.029/95, as Convenções nº 111 e nº
98, da OIT, ratificadas pelo Brasil. Na decisão, uma empresa foi punida
por prática de conduta antissindical (dispensa do trabalhador em razão de
participação em movimento paredista), para que fosse restaurada a liberdade
sindical protegida pelo art. 1º da Convenção nº 98 da OIT.
Outro exemplo de aplicação de Convenções da OIT e princípios fundamen-
tais é a seguinte decisão (sentença 178/2015) da Corte Constitucional italiana:
Essa denuncia, inoltre, la violazione degli art. 5 e 6 della Carta sociale euro-
pea, che tutelano, rispettivamente, i diritti sindacali e il diritto di negoziazione
collettiva, la violazione degli artt. 27 e 28 della Carta dei diritti fondamentali
dell’Unione europea, che attengono al diritto dei lavoratori all’informazione e
alla consultazione nell’àmbito dell’impresa e al diritto di negoziazione e di azioni
collettive, il contrasto inconciliabile delle norme impugnate con la Convenzione
OIL n. 87, firmata a San Francisco il 17 giugno 1948, concernente la libertà
sindacale e la protezione del diritto sindacale, e con la Convenzione OIL n. 98,
firmata a Ginevra l’8 giugno 1949, concernente l’applicazione dei Principi del
diritto di organizzazione e di negoziazione collettiva, entrambe ratificate e rese
esecutive con legge 23 marzo 1958, n. 367.40

2.3. A CONVENÇÃO Nº 154 DA OIT E RECOMENDAÇÃO


163 DA OIT
A Convenção nº 154 da OIT trata de negociação coletiva e foi ratificada
cional como causa de pedir de pretensões trabalhistas, ou como fundamento de sentenças e acórdãos proferidos,
a aplicabilidade dessas normas para solução das controvérsias judiciais está consagrada, não havendo dúvidas
quanto à vigência e eficácia dos diplomas internacionais ratificados pelo Congresso Nacional. As decisões do
Supremo Tribunal Federal, referentes à integração ao ordenamento jurídico nacional das normas estabelecidas
no Pacto de San José da Costa Rica, consolidaram o reconhecimento da relação de interdependência existen-
te entre a ordem jurídica nacional e a ordem jurídica internacional, implicando na incorporação à legislação
interna dos diplomas internacionais ratificados. Os precedentes alusivos ao Pacto de San José da Costa Rica
marcam o reconhecimento dos direitos fundamentais estabelecidos em tratados internacionais como normas
de status supralegal, isto é, abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. A afirmação do direito
fundamental à liberdade sindical, para sua plenitude e efetividade, importa na existência e utilização de medi-
das de proteção contra atos antissindicais. De acordo com a Convenção nº 98 da Organização Internacional do
Trabalho, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo nº 49/52, todos os trabalhadores devem ser
protegidos de atos discriminatórios que atentem contra a liberdade sindical, não só referentes à associação ou
direção de entidades sindicais, mas também quanto à participação de atos reivindicatórios ou de manifestação
política e ideológica, conforme se destaca da redação do art. 1º da aludida convenção. Nessa medida, a decisão
do 12º Tribunal Regional do Trabalho , em que aplicou, analogicamente, a Lei nº 9.029/95 para punir e coibir
o ato antissindical da reclamada, que demitira por justa causa dezoito trabalhadores que participaram de greve,
revela a plena observação do princípio da liberdade sindical e da não discriminação, e consagra a eficácia plena
do art. 1º da Convenção nº 98 da OIT no ordenamento jurídico, no sentido de promover a proteção adequada
contra quaisquer atos atentatórios à liberdade sindical. Recurso de revista não conhecido. [...]” (BRASIL, 2012)
40 ITÁLIA. Corte Constituzionale. Sentenza 178/2015. Giudizio GIUDIZIO DI LEGITTIMITÀ COSTITU-
ZIONALE IN VIA INCIDENTALE Presidente CRISCUOLO – Redattore SCIARRA Udienza Pubblica del
23/06/2015 Decisione del 24/06/2015 Deposito del 23/07/2015 Pubblicazione in G. U. 29/07/2015 Norme
impugnate: Art. 9, c. 1°, 2° bis, 17°, primo periodo, e 21°, ultimo periodo, del decreto legge 31/05/2010, n.
78, convertito, con modificazioni, dall’art. 1, c. 1°, della legge 30/07/2010, n. 122; art. 16, c. 1°, lett. b) e c),
del decreto legge 06/07/2011, n. 98, convertito, con modificazioni, dall’art. 1, c. 1°, della legge 15/07/2011,
n. 111. Disponível em: <http://www.cortecostituzionale.it/actionSchedaPronuncia.do?anno=2015&nume-
ro=178>. Último acesso em: 12 set. 2019.
Adriana L. S. Lamounier Rodrigues 147

em 1992 pelo Brasil. Tal convenção define a negociação coletiva41 como o


procedimento destinado à elaboração de contratos coletivos de trabalho, tendo
por finalidade fixar as condições de trabalho e regular as relações entre empre-
gadores e trabalhadores ou entre as suas organizações representativas. O artigo
5º da Convenção dispõe sobre as medidas para estimular a negociação coletiva:
1. Deverão ser adotadas medidas adequadas às condições nacionais para fomentar
a negociação coletiva.
2. As medidas a que se refere o §1º deste artigo deverão ter por objetivo que:
a) A negociação coletiva seja possibilitada a todos os empregadores e a todas as
categorias de trabalhadores dos ramos de atividade a que se aplique a presente
Convenção;
b) A negociação coletiva seja progressivamente estendida a todas as matérias a
que se referem os anexos ‘a’, ‘b’, e ‘c’ do artigo 2 da presente Convenção;
c) Seja estimulado o estabelecimento de normas de procedimento acordadas
entre as organizações de empregadores e organizações de trabalhadores;
d) A negociação coletiva não seja impedida devido à inexistência ou ao caráter
impróprio de tais normas;
e) Os órgãos e os procedimentos de resolução dos conflitos trabalhistas sejam conce-
didos de tal maneira que possam contribuir para o estímulo à negociação coletiva42.
De acordo com o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barro-
so, em acórdão do RE nº 590.415, “a negociação coletiva é uma forma de superação
de conflito que desempenha função política e social de grande relevância”43.
E, tendo em vista o grau de importância da contratação coletiva, que
gera instrumentos criadores de normas numa relação de participação de
produção normativa, tal negociação deve ser valorizada de forma que a auto-
nomia coletiva seja reconhecida e que o princípio da boa-fé não seja violado.
Nesse sentido, uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho aplicou as
Convenções nº 98 e nº 154 da OIT, primando por aquilo que foi acordado
entre os sindicatos profissional e patronal:
CESTA BÁSICA – NORMA COLETIVA QUE CONFERE NATUREZA
INDENIZATÓRIA À PARCELA – ART. 7º, XXVI, DA CF. 1. O art. 7º,
41 É o que dita o artigo 2: “Para efeito da presente Convenção, a expressão ‘negociação coletiva’ compreende
todas as negociações que tenham lugar entre, de uma parte, um empregador, um grupo de empregadores ou
uma organização ou várias organizações de empregadores, e, de outra parte, uma ou várias organizações de
trabalhadores, com o fim de: fixar as condições de trabalho e emprego; ou regular as relações entre empre-
gadores e trabalhadores; ou regular as relações entre os empregadores ou suas organizações e uma das várias
organizações de trabalhadores, ou alcançar todos estes objetivos de uma só vez.” (OIT, 1983)
42 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção nº 154, de 19 de junho de 1981.
Fomento à negociação coletiva. Genebra, 19 jun. 1981. Disponível em: <http://www.ilo.org/brasilia/conven-
coes/WCMS_236162/lang—pt/index.htm>. Acesso em: 10 set. 2019.
43 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Tribunal Pleno. Recurso Extaordinário 590.415 SC. Rela-
tor: Luís Roberto Barroso. Data de Julgamento: 30/04/2015. DJE 29/05/2015.
148 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

XXVI, da CF privilegia a negociação coletiva, por meio das convenções e dos


acordos coletivos de trabalho. 2. Na hipótese vertente, a norma coletiva conferiu
a natureza jurídica indenizatória à cesta básica objeto da condenação. Todavia, o
Regional deferiu o pedido de incidência das contribuições previdenciárias sobre
o valor quitado a título. 3. Se o art. 7º, XXVI, da CF, na esteira das Conven-
ções 98 e 154 da OIT, estimula e valoriza a negociação coletiva, seria dele fazer
letra morta e atentar contra o princípio da boa-fé, desprezar o acordado entre
as partes e conferir a natureza jurídica salarial à parcela na vigência da referida
norma coletiva. Pela teoria do conglobamento, não se interpretam as cláusulas
normativas de forma isolada, mas observando-se todo o conjunto de vantagens
alcançadas pela categoria. Recurso de revista parcialmente conhecido e provido.44

Por fim, o artigo 6º da Convenção nº 154 estabelece que não serão cria-
dos obstáculos para o funcionamento de sistemas em que a negociação coletiva
seja celebrada num quadro de mecanismos de conciliação ou arbitragem, em
relação às partes que participem de forma voluntária da negociação.
Para enfatizar a importância da negociação, a OIT ainda criou a Re-
comendação nº 163 sobre meios de se promover a negociação coletiva. Em
seu artigo 2º, a referida Recomendação dispõe que medidas condizentes com
as condições nacionais devem ser tomadas para facilitar o estabelecimento e
desenvolvimento, em base voluntária, de organizações livres, independentes e
representativas de empregadores e de trabalhadores45.
Em seu penúltimo dispositivo (artigo 8º), a Recomendação nº 163 res-
salta que se facilitem os procedimentos para a solução de conflitos trabalhistas
ajudem as partes a encontrar elas próprias a solução da disputa.

3. O COMITÊ DE LIBERDADE SINDICAL


O órgão de controle dotado de menos voluntarismo na OIT é o já men-
cionado Comitê de Liberdade Sindical. De acordo com Giancarlo Perone
(2010), é o órgão controlador dotado de maior rapidez e efetividade dentro
da Organização. Tal comitê merece ser tratado de forma apartada, por ser
iniciativa da OIT que resulta em controle mais apurado sobre o respeito à
liberdade sindical pelos Estados.
Desse modo, com o Comitê, o sistema de controle da OIT em relação
à liberdade sindical resultou em uma espécie de obrigação geral e ampla, que
44 BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Sétima Turma. Recurso de Revista nº 43800-
17.2008.5.15.0047, Relatora: Maria Doralice Novaes, Data de Julgamento: 07/12/2010, Data de Publicação:
DEJT 10/12/2010.
45 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção nº 154, de 19 de junho de 1981.
Fomento à negociação coletiva. Genebra, 19 jun. 1981. Disponível em: <http://www.ilo.org/brasilia/conven-
coes/WCMS_236162/lang—pt/index.htm>. Acesso em: 10 set. 2019.
Adriana L. S. Lamounier Rodrigues 149

inclui todos os Estados-Membros da Organização, independentemente da ra-


tificação das convenções. Nas palavras de Nicolas Valticos:
[...] uma obrigação geral de todos os governos em prestar contas de sua ação,
ainda que não hajam ratificado as convenções da matéria. Esta responsabilidade
internacional dos Estados e sua preocupação de evitar críticas pode influir na sua
ação, prevenir ou limitar abusos e inspirar modificações políticas46.
O Comitê de Liberdade Sindical da OIT tinha a promessa de se tornar
um importante mecanismo mundial em prol da liberdade sindical. Integrante
do Conselho de Administração da OIT, é composto por um presidente inde-
pendente e nove membros escolhidos pelo próprio Conselho e se reúne três
vezes ao ano em sessões fechadas. Na sessão deliberativa sobre a queixa ou
reclamação apresentada, o representante do Estado contra o qual a queixa foi
formulada não pode estar presente.
Um recente caso italiano submetido ao Comitê é o polêmico caso FIOM-
-CGIL (caso nº 2953 de 2014), referente ao problema de representatividade no
âmbito da Fiat Pomigliano D’Arco e Mirafiori. A CGIL denunciou a violação
pela FIAT do direito de ter representantes sindicais na empresa, de ter praticado
ato antissindical, incluindo a recusa de contratar funcionários sindicalizados,
a demissão de dirigentes sindicais e a falta do governo47 de ação em resposta a
estas violações. Dentre as recomendações dadas pelo Comitê, destaca-se:
a) Il Comitato chiede al Governo di agire rapidamente sulla questione e di tenerlo
informato delle iniziative prese dal Governo, in consultazione con le parti sociali, per
trarre eventuali conseguenze legislative derivanti dalla sentenza della Corte Costitu-
zionale del 3 luglio 2013 concernente la definizione del criterio di attribuzione dei
diritti sindacali rafforzati riconosciuti dall’articolo 19 dello Statuto dei Lavoratori,
in linea con le Convenzioni e i principi riguardanti la libertà sindacale dell’OIL
d) Riguardo alle altre accuse di condotta antisindacale e di discriminazione contenute
nel presente caso, il Comitato chiede di essere informato delle decisioni giudiziarie
ancora in sospeso. Chiede, inoltre, al Governo di prendere le iniziative necessarie,
come facilitare il dialogo tra il Gruppo e l’organizzazione ricorrente, per impedire
che nuovi conflitti di natura simile si presentino all’interno del Gruppo in esame. Il
Comitato chiede al Governo di tenerlo informato su questa questione48.
O Comitê como resposta determina algumas recomendações que, como
as citadas acima, muitas vezes são genéricas e dependentes de informações do
país acionado. Ademais, dada a ausência de sanção, não há garantias de que o
Estado seguirá o que foi recomendado.
46 VALTICOS apud SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. São Paulo. LTr, 2000, p. 275.
47 Sentenza n. 231 de 2013 della Corte Costituzionale.
48 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. 2014. Disponível em: https://www.ilo.org/
wcmsp5/groups/public/—-europe/—-ro-geneva/—-ilo-rome/documents/publication/wcms_240415.pdf
150 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Existem vários casos49 brasileiros submetidos ao Comitê que discorrem sobre


proteção em face de condutas antissindicais. Entre eles, cita-se o caso nº 2792
(CUT, CONTRAF e FETEC/SP versus Brasil). As organizações sindicais Central
Única dos Trabalhadores (CUT), Confederação Nacional dos Trabalhadores no
Ramo Financeiro (CONTRAF), Federação dos Trabalhadores em Empresas de
Crédito (FETEC/SP) e Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancá-
rios de São Paulo, Osasco e Região alegaram que, com a finalidade de obstaculizar
e impedir o exercício do direito de greve dos bancários, os bancos integrantes da
Federação Nacional dos Bancos (FENABAN) recorriam à autoridade judicial
antes que se iniciasse a greve, solicitando interditos proibitórios (e as consequen-
tes ordens judiciais de distanciamento), argumentando a necessidade de proteção
contra a situação; alegaram também que, em cumprimento às ordens judiciais
de distanciamento, a força pública intervinha de maneira violenta50.
Diante disso, o Comitê emitiu como resposta duas recomendações:
que o Governo brasileiro velasse pelo respeito dos princípios em matéria
de realização de piquetes de greve, comunicando-os às partes envolvidas no
conflito e ao Poder Judiciário, e que, embora salientando que os atores sociais
estão recolhendo informações e documentos sobre as questões em causa sob
mediação, entende a importância de as questões levantadas na queixa serem
objeto de negociações entre as partes, convidando o Governo a continuar a
tomar medidas nesse sentido.
Trata-se de caso interessante; porém, apesar de ter havido relatórios, in-
formes e tentativas de respostas do Governo, nada concreto foi realizado ainda.

4. CRISE DOS ESTADOS NACIONAIS


Como já dito por Giancarlo Perone, a OIT, como organização inter-
governamental com representação e composição tripartite – trabalhadores,
empregadores e Estado – , depende fortemente da força do Estado nacional,
uma vez que cabe a ele ratificar e aplicar as convenções. São os Estados-nação
49 Casos que envolvem o Brasil que já foram conclusos, disponíveis no sítio eletrônico da OIT <www.ilo.org>: 11;
83; 125; 137; 205; 332; 385; 554; 558; 595; 616; 623; 632; 748; 787; 800; 830; 927; 958; 1002; 1034; 1041; 1225;
1237; 1270; 1294; 1313; 1331; 1377; 1417; 1427; 1461; 1481; 1487; 1509; 1720; 1830; 1866; 1871; 1889; 1982;
1992; 1997; 2016; 2099; 2156; 2260; 2294; 2427; 2470; 2523; 2588; 2635; 2636; 2656; 2739; 2773; 2792.
50 No informe nº 363 do Comitê de Liberdade Sindical assim consta: “En su comunicación de 31 de marzo de
2010, la Central Única dos Trabalhadores (CUT), la Confederação Nacional dos Trabalhadores no Ramo Fi-
nanceiro (CONTRAF), la Federação dos Trabalhadores em Empresas de Crédito de São Paulo (FETEC/SP)
y el Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de São Paulo manifiestan que la negociación
colectiva que realizan las organizaciones sindicales que representan a los trabajadores bancarios del Brasil se
lleva a cabo en el ámbito nacional. Las reivindicaciones se discuten entre un comando nacional de bancarios
que representa a los trabajadores y la FENABAN (Federación Nacional de Bancos) que representa a los
empleadores. Señalan los querellantes que, entre otras organizaciones sindicales, forman parte del comando
nacional de bancarios la CONTRAF/CUT, la FETEC/SP y el Sindicato dos Empregados em Estabelecimen-
tos Bancários de São Paulo.” (OIT, 2012, p. 101)
Adriana L. S. Lamounier Rodrigues 151

que, ao fim e ao cabo, devem executar as normas internacionais do trabalho.


Os Estados, por sua vez, se veem, no presente processo de globalização,
com sua autonomia política e jurídica reduzida, ao mesmo tempo em que
empresas, objeto da ação regulatória de normas internacionais, deixaram de se
restringir ao âmbito local, tornando as possibilidades de eficácia da ação nor-
mativa dos Estados-nação ainda mais débeis para fazer frente à nova realidade.
A paulatina perda de soberania dos Estados nacionais e a consequente
expansão do poderio das empresas multinacionais e transnacionais propiciou
a definitiva ruptura do reconhecimento exclusivo do Estado como sujeito de
Direito Internacional.
Na atualidade, os Estados Nacionais dividem o cenário internacional com
ONGs e empresas transnacionais, o que representa um desafio ainda maior ao
Direito Internacional do Trabalho, já que está assentado sobre um modelo que
atribui a eles a centralidade na aplicação do conjunto normativo negociado e
produzido pela OIT51. E, assim, cada vez mais se torna imperiosa a necessidade
de o Direito Internacional do Trabalho reconhecer a personalidade jurídica
ampla de empresas e sindicatos supranacionais e transnacionais.
Já afirmava, em 2010, Giancarlo Perone que:
[...] si è pure osservato che la filosofia ispiratrice dell’OIL è basata sul ruolo regolatore
dello Stato, dalla nuova realtà economica internazionale viceversa messo in crisi. La
logica delle norme dell’OIL fa riferimento agli Stati nazionali, sui quali ricadono
gli obblighi risultanti dalle sue convenzioni, ma questa strategia richiede di essere
adeguata all’internazionalizzazione dell’economia e all’ampliato novero dei suoi
protagonisti. La tradizionale normativa OIL ha evidente difficoltà, oggi, a guidare
e stimolare un’equa crescita sociale, che, anzitutto, esige la regolazione dell’azione
dei principali attori transnazionali52.
É notória, destarte, a grave dificuldade porque passa a OIT, diante da crise
dos Estados nação e da força e diversificação dos outros atores transnacionais.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em face da crise normativa dos Estados Nacionais e, consequentemente,
da OIT, um dos fatores causadores de tal crise poderia ser atenuado se se ins-
tituísse a Organização como uma das mediadoras internacionais de conflitos
coletivos multinacionais. Até porque tal mediação evidentemente se coaduna-
ria com a Declaração Tripartite de Princípios sobre as Empresas Multinacionais
51 CRIVELLI, Ericson. Direito Internacional do Trabalho Contemporâneo. São Paulo, LTr, 2010, p. 109.
52 PERONE, Giancarlo. Le fonti internazionali. In: PERSIANI, Mattia; CARINCI, Franco (org.). Le fonti del
Diritto del Lavoro, Volume Primo del Trattato di Diritto del Lavoro. Padova, CEDAM, 2010, p. 252.
152 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

e a Política Social, porque esta estimula modos de prevenção e solução de


conflitos extrajudicialmente.
E, diante dos aspectos que foram apresentados no presente trabalho, a
Organização Internacional do Trabalho, sem dúvidas, é o melhor órgão para
apoiar a mediação de conflitos coletivos transnacionais, haja vista que tem em
sua essência a cultura de paz, a postura voluntarista e o caráter tripartite.
Assim, tal mediação seria importante atribuição a ser desenvolvida, por-
quanto a Organização reúne as condições adequadas, notadamente enquanto
espaço de debate para criação de normas de Direito Coletivo de Trabalho entre
grandes multinacionais e entidades sindicais internacionais.
Portante, verifica-se que somente pela ação conjunta dos Estados, forças
sociais e OIT, para promover a padronização de proteções trabalhistas, espe-
ra-se conseguir resultados positivos53, especialmente no que tange à proteção
da liberdade sindical.

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CRIVELLI, Ericson. Direito Internacional do Trabalho Contemporâneo. São Paulo, LTr, 2010.

53 PERONE, Giancarlo. Le fonti internazionali. In: PERSIANI, Mattia; CARINCI, Franco (org.). Le fonti del
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Adriana L. S. Lamounier Rodrigues 153

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INTEGRAÇÃO DAS CONVENÇÕES E
RECOMENDAÇÕES INTERNACIONAIS DA OIT NO
BRASIL E SUA APLICAÇÃO SOB A PERSPECTIVA
DO PRINCÍPIO PRO HOMINE
INTEGRATION OF THE ILO’S INTERNATIONAL CONVENTIONS AND
RECOMMENDATIONS IN BRAZIL AND THEIR APPLICATION FROM
THE PERSPECTIVE OF THE PRO HOMINE PRINCIPLE

Valerio de Oliveira Mazzuoli1

RESUMO: Este ensaio investiga a integração das convenções e recomendações


da OIT no Brasil sob a perspectiva do princípio pro homine. O estudo revela o
modo de elaboração desses instrumentos internacionais, bem assim como tais
convenções e recomendações da OIT se internalizam na ordem jurídica brasi-
leira. O artigo conclui que a aplicação das convenções e recomendações da OIT
no Brasil deve pautar-se pelo princípio pro homine, segundo o qual a primazia é
da norma mais favorável ao ser humano (trabalhador) sujeito de direitos.
Palavras-chave: tratados internacionais; convenções da OIT; recomendações da
OIT; incorporação dos tratados no Brasil; princípio pro homine.
ABSTRACT: This paper investigates the integration of ILO conventions and
recommendations in Brazil from the perspective of the pro homine principle.
The study reveals the way that those international instruments are developed,
as well as how those ILO conventions and recommendations are internalized
in the Brazilian legal system. The article concludes that the application of Con-
ventions and Recommendations of the ILO in Brazil should be guided by the
pro homine principle, under wich the primacy is given in favor of the rule that
is more favorable to human being (worker) subject of rights.
Keywords: international treaties, ILO conventions, ILO recommendations; in-
corporation of treaties in Brazil; pro homine principle.

1 Professor-associado da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Pós-Dou-


tor em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade Clássica de Lisboa (Portugal). Doutor summa cum
laude em Direito Internacional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em
Direito pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Franca. Membro titular da Sociedade
Brasileira de Direito Internacional (SBDI), da Associação Brasileira de Constitucionalistas Democratas
(ABCD) e da Academia Mato-Grossense de Letras (Cadeira nº 36).
Valerio de Oliveira Mazzuoli 155

1. INTRODUÇÃO
A atividade normativa da Organização Internacional do Trabalho (OIT)
consiste basicamente na elaboração de convenções e recomendações internacio-
nais do trabalho, cuja finalidade é promover justiça social entre os Estados,
de maneira equitativa e de modo a que não exista concorrência desleal entre
eles.2 Até 2010 a OIT já havia aprovado 188 Convenções e 199 Recomen-
dações, as quais versam temas dos mais diversos e dos mais importantes para
o cenário jurídico laboral.
Contudo, as convenções e as recomendações são instrumentos jurídi-
cos distintos, merecendo ser analisados separadamente. Tais instrumentos,
que examinaremos a seguir, têm sua regulamentação prevista na Consti-
tuição da OIT, à qual os Estados ratificantes se comprometeram a cumprir
e a fielmente executar. Sua aplicação interna, porém, há de atender ao
princípio pro homine, segundo o qual, havendo conflito entre as disposi-
ções internacionais e as de Direito interno, deve-se optar pela norma mais
benéfica ou mais favorável ao ser humano sujeito de direitos. É sob esse
prisma que se deve compreender a integração das convenções e das reco-
mendações da OIT no Brasil.

2. AS CONVENÇÕES DA OIT
Na gênese, as convenções da OIT tinham por finalidade proteger apenas
os trabalhadores da indústria. Posteriormente (por decisão da Corte Perma-
nente de Justiça Internacional, de 1922) atingiram também os trabalhadores
agrícolas. Com o passar do tempo, evoluiu-se para a proteção dos trabalhadores
tanto do setor público como do privado, passando depois a também atingir
os autônomos e cooperados. Atualmente, até mesmo grupos ou sociedades
tradicionais, como os índios e povos tribais, são protegidos pelas convenções
(destaque-se, v.g., a Convenção 169 de 1989). Essa “ação normativa” da OIT
tem sido, ao longo dos anos, a pedra angular de todo o sistema internacional
de proteção ao trabalho e ao trabalhador.3
Deve-se, portanto, compreender a mecânica dessas convenções (sua
natureza jurídica, modo de elaboração, vigência internacional etc.) e seu
processo de integração à ordem jurídica interna, para depois investigar como
há de ser aplicado o princípio pro homine quando em jogo a utilização de
uma convenção da OIT no Brasil.
2 Para detalhes, v. Mazzuoli, Valerio de Oliveira, Curso de direito internacional público, 12. ed. rev., atual. e
ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 943 e ss.
3 V. Süssekind, Arnaldo. Direito internacional do trabalho, 2. ed. ampl. e atual. São Paulo: LTr, 1986, p. 176.
156 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

2.1. CONCEITO DE CONVENÇÃO


As convenções da OIT são tratados multilaterais abertos,4 de natureza
normativa, elaborados sob os auspícios da Conferência Internacional do Tra-
balho, a fim de regulamentar o trabalho no âmbito internacional e também
outras questões que lhe são conexas.
Por autorização da própria Constituição da OIT, a Conferência Inter-
nacional do Trabalho poderá adotar convenções, recomendações e resoluções, no
que se percebe que o labor da Conferência é essencialmente normativo e de
controle.5 Abstraindo-se esta última categoria de normas (as resoluções), o con-
junto normativo consubstanciado nas convenções e nas recomendações da
OIT é chamado de Código Internacional do Trabalho, figurando as resoluções
e outros documentos como seus anexos.6
A diferença entre as convenções e as recomendações da OIT é pura-
mente formal, uma vez que, materialmente, ambas podem tratar dos mesmos
assuntos ou temas. Em sua essência, tais instrumentos nada têm de diferen-
te de outros tratados e declarações internacionais de proteção dos direitos
humanos: versam sobre a proteção do trabalho e do trabalhador e um sem
número de matérias a estes coligados. Mas, formalmente, ambas se distin-
guem, uma vez que as convenções são tratados internacionais em devida forma
e devem ser ratificadas pelos Estados-Membros da Organização para que
tenham eficácia e aplicabilidade no seus respectivos Direitos internos, ao
passo que as recomendações não são tratados e visam tão somente sugerir ao
legislador de cada um dos países vinculados à OIT mudanças no seu Direito
interno relativamente às questões que disciplina.
As convenções ratificadas (e em vigor internacional) constituem fonte
formal de Direito, gerando para os cidadãos direitos subjetivos, que podem
ser imediatamente aplicáveis (desde que não se trate de norma com conteúdo
meramente programático, cuja aplicação fica condicionada às possibilidades
fáticas e jurídicas de otimização existentes). É certo que a aplicação imediata
das convenções ratificadas tem maior possibilidade jurídica de concretização
nos países cujas Constituições adotam o monismo jurídico na regência das
relações entre o Direito interno e o Direito Internacional (como é o caso do
Brasil).7 Mas tal não significa que em outros sistemas não possa o juiz interno
4 V. a exceção do art. 21, § 1º, da Constituição da OIT (infra).
5 Cf. Seitenfus, Ricardo. Manual das organizações internacionais, 4. ed., rev., atual. e ampl. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2005, p. 230.
6 Cf. Süssekind, Arnaldo. Direito internacional do trabalho, cit., p. 173.
7 V. Leary, Virginia A. International labour conventions and national law: the effectiveness of the automatic
incorporation of treaties in national legal systems. The Hague: Martinus Nijhoff, 1982, p. 35-41; e Mirolo,
Valerio de Oliveira Mazzuoli 157

aplicar imediatamente uma convenção da OIT quando do exercício (que


pode ser até mesmo exercido ex officio) do controle da convencionalidade das
leis.8 Já as convenções não ratificadas constituem fonte material de direito,
na medida em que servem como modelo ou como fonte de inspiração para o
legislador infraconstitucional.9
Segundo Américo Plá Rodríguez, em sua obra clássica sobre o tema, as
convenções da OIT, no que tange à natureza de suas normas e seus objetivos,
podem ser classificadas em quatro tipos: a) convenções de uniformização; b)
convenções de princípios; c) convenções de igualdade de direitos; e d) con-
venções de igualdade de procedimentos.10 A esses quatro tipos também podem
ser adicionadas as chamadas “convenções particulares” (bilaterais ou plurila-
terais), como referidas pelo art. 21, § 1º, da Constituição da OIT,11 que são
convenções fechadas, restritas aos países que as firmam, em contraposição às
convenções universais, adotadas pela Conferência Internacional do Trabalho,
cuja característica principal é a de sempre permanecerem abertas à ratificação
ou à adesão dos Estados-Membros da OIT, ou dos que, porventura, vierem a
se tornar parte da Organização.12
É oportuno transcrever o art. 5º da Convenção de Viena sobre o Direito
dos Tratados (1969), segundo o qual: “A presente Convenção aplica-se a todo
tratado que seja o instrumento constitutivo de uma organização internacional
e a todo tratado adotado no âmbito de uma organização internacional, sem
prejuízo de quaisquer normas relevantes da organização.” O que pretendeu a
Convenção de Viena de 1969 dizer é que, relativamente aos tratados constitu-
tivos de organizações internacionais (como é o caso da Constituição da OIT)
e aos tratados concluídos sob os auspícios dessas organizações (a exemplo das
convenções da OIT), é a própria Convenção de Viena que deverá ser aplica-
da, salvo se houver “normas relevantes da organização”, que, neste caso, são
normas especiais que se aplicam em detrimento das normas gerais contidas na
Convenção de Viena de 1969.

René R. & Sansinena, Patricia J. Los convenios de la OIT en el derecho del trabajo interno. Córdoba: Ad-
vocatus, 2010, p. 87-89.
8 Sobre essa temática, v. Mazzuoli, Valerio de Oliveira, O controle jurisdicional da convencionalidade das
leis, 3. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Ed. RT, 2013.
9 Cf. Süssekind, Arnaldo. Direito internacional do trabalho, cit., p. 174.
10 Plá Rodríguez, Américo. Los convenios internacionales del trabajo. Montevideo: Facultad de Derecho y
Ciencias Sociales de la Universidad de la República, 1965, p. 233-235.
11 Eis o que dispõe: “Todo projeto que, no escrutínio final, não obtiver dois terços dos votos presentes, poderá
ser objeto de uma convenção particular entre os Membros da Organização que o desejarem”.
12 Cf. Süssekind, Arnaldo. Direito internacional do trabalho, cit., p. 182-183.
158 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

2.2. NATUREZA JURÍDICA DAS CONVENÇÕES


As convenções internacionais do trabalho pertencem à categoria dos
tratados multilaterais abertos, uma vez que não têm destinatário certo, estan-
do abertas à ratificação ou à adesão dos países-membros da OIT, ou ainda
daqueles que, no futuro, tornar-se-ão partes da Organização. No que tange
à substância, à diferença dos tratados firmados entre Estados, que visam (de
regra) à concessão de vantagens recíprocas, as convenções da OIT têm por
meta a universalização das normas de proteção ao trabalho e sua incorporação
ao Direito interno dos Estados-Membros.13
Tais convenções integram o que a doutrina chama de tratados-lei ou
tratados-normativos, que têm por objetivo fixar normas gerais de Direito Inter-
nacional Público pela vontade paralela das partes, confirmando ou modificando
costumes adotados entre os Estados.
Relativamente à proteção internacional do trabalho, também não se des-
carta a existência de tratados entre Estados, concluídos nos moldes clássicos
conhecíveis pelo Direito dos Tratados, bilaterais ou multilaterais, versando
questões decididas entre eles. Dentre os tratados de que o Brasil é parte em
matéria trabalhista merece destaque o Tratado de Itaipu, concluído com o
Paraguai em 26 de abril de 1973, sobre a aplicação de normas trabalhistas às
relações de emprego e previdenciárias em Itaipu, assim como o Tratado de
Assunção, que instituiu o Mercosul em 1991.

2.3. MÉTODO NEGOCIAL


As convenções da OIT apresentam método negocial distinto das con-
venções multilaterais em geral, primeiramente, por serem produzidas em foro
único: a Conferência Internacional do Trabalho.14 Mas o característico peculiar
à negociação de tais convenções está na participação de outras representações
para além dos plenipotenciários estatais. Ou seja, enquanto da negociação das
convenções multilaterais em geral participam apenas governos, da negociação
daquelas (à Conferência anual da OIT) participam também representantes dos
empregadores e dos trabalhadores. É certo, esclarece Rezek, que os representantes
classistas são designados pelo governo de origem, mas o são, necessariamente,
de acordo com os grêmios profissionais mais representativos das duas classes.15
13 V. Süssekind, Arnaldo (et all.). Instituições de direito do trabalho, vol. 2, 20. ed. atualizada por Arnaldo
Süssekind e Lima Teixeira. São Paulo: LTr, 2002, p. 1.491.
14 Cf. Mirolo, René R. & Sansinena, Patricia J. Los convenios de la OIT en el derecho del trabajo interno, cit.,
p. 99-100, que por esse e outros motivos consideram as convenções internacionais do trabalho como tratados
sui generis.
15 V. Rezek, José Francisco. Direito dos tratados. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 159-160.
Valerio de Oliveira Mazzuoli 159

Em suma, a diferença negocial entre as convenções da OIT e outras


convenções multilaterais está em não serem discutidas, aprovadas e assinadas
somente por representantes dos Estados contratantes, mas também por repre-
sentantes dos empregadores e dos trabalhadores.
O texto final da convenção é registrado nas atas da correspondente reu-
nião e assinada pelo Presidente da Conferência e pelo Diretor-Geral do Bureau
Internacional do Trabalho.
Frise-se que apesar de a Constituição da OIT referir-se à “ratificação” das
convenções, o mais correto seria chamar o engajamento do Estado de “adesão”
ao tratado multilateral aberto, seguindo a terminologia utilizada pela Conven-
ção de Viena sobre o Direito dos Tratados para a hipótese, pois as convenções
da OIT não são firmadas pelos representantes dos Estados que a adotam, mas
apenas pelo Presidente da reunião (à Conferência Internacional do Trabalho) e
pelo Diretor Geral do Bureau. Em princípio, só se ratifica o que anteriormente
se assinou; como no caso das convenções da OIT não houve assinatura anterior
(dos plenipotenciários dos Estados), o que existe tecnicamente é a possibilidade
de adesão ao texto convencional.16

2.4. VIGÊNCIA INTERNACIONAL


Para que uma convenção internacional do trabalho tenha vigência no
plano internacional basta que a mesma seja ratificada por um número deter-
minado de Estados, normalmente previsto na própria convenção, e que tenha
havido o decurso de um prazo determinado. Ainda que o Estado já tenha ra-
tificado a convenção, esta não terá qualquer vigor interno se, no momento de
sua ratificação, não se encontrar em vigor internacional.17 Como qualquer outro
tratado internacional de que um Estado seja parte, as convenções internacio-
nais do trabalho somente terão vigência interna depois de já estarem vigorando
no âmbito internacional, não se concebendo que um tratado internacional
tenha validade interna em determinado país se o mesmo (que sequer existe
como ato jurídico perfeito) ainda não vigora internacionalmente.18
Em regra, as convenções da OIT têm estabelecido que a sua vigência
internacional terá início após o prazo de doze meses do registro de pelo menos
duas ratificações no Bureau Internacional do Trabalho, competindo ao Dire-
tor-Geral desse Bureau comunicar tal data a todos os Estados-membros da

16 V. Süssekind, Arnaldo. Direito internacional do trabalho, cit., p. 211.


17 Cf. Süssekind, Arnaldo (et all.). Instituições de direito do trabalho, vol. 2, cit., p. 1.491.
18 Nesse exato sentido, v. Campos, Francisco, Direito constitucional, vol. II, Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1956, p. 318-319.
160 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Organização. Uma vez em vigor internacional, a convenção obrigará cada


um dos seus Estados-partes em relação à OIT, doze meses após a data em que
registrar a respectiva ratificação.19
Não obstante poderem ser denunciadas após um período de dez anos,
as convenções da OIT têm vigência indeterminada, caracterizando-se como
tratados permanentes. São, também, instrumentos mutalizáveis, uma vez que a
saída de uma parte da convenção não prejudica a execução integral do tratado
em relação às demais partes no acordo.20

2.5. INTEGRAÇÃO AO DIREITO BRASILEIRO


Depois de adotadas na Conferência, as convenções internacionais do tra-
balho seguem basicamente o mesmo trâmite interno de qualquer outro tratado
internacional em devida forma celebrado pelo Estado brasileiro, à diferença
inicial que tais convenções do trabalho dispensam a formalidade da assinatura,
visto que a Conferência a adota, garantindo a autenticidade do texto apenas
duas assinaturas: a do Presidente e a do Secretário-Geral da Conferência.21 Afora
isso, a integração das convenções da OIT ao Direito brasileiro dá-se da mesma
forma que qualquer outro tratado, devendo por igual respeitar as regras gerais
do Direito dos Tratados e as normas internas relativas à sua celebração previstas
na Constituição, em particular os arts. 84, inc. VIII e 49, inc. I, que tratam,
respectivamente, da competência do Presidente da República para concluir
tratados e do Congresso Nacional para referendá-los, autorizando sua posterior
ratificação por parte do governo.22
Entretanto, no que diz respeito ao caso específico da integração das
convenções da OIT no nosso Direito interno, algumas peculiaridades se apre-
sentam, causando sérias divergências na doutrina.
Como se sabe, pela teoria geral do Direito dos Tratados, a submissão de
um tratado à autoridade interna competente para referendá-lo não é obriga-
tória, sendo apenas uma faculdade (ou seja, ato discricionário) do Presidente
da República. Este, que jamais poderia ter deflagrado o processo de celebração
de tratados, tem o poder de decidir se vai ou não submeter o texto do tratado
assinado à autoridade (interna) competente, que irá verificar a viabilidade de
o País se engajar definitivamente ao tratado anteriormente assinado. Se esta
19 Süssekind, Arnaldo (et all.). Instituições de direito do trabalho, vol. 2, cit., p. 1.492.
20 Para o entendimento dos tratados mutalizáveis, v. Mazzuoli, Valerio de Oliveira, Direito dos tratados, São
Paulo: Ed. RT, 2011, p. 81.
21 Cf. Rezek, José Francisco. Direito dos tratados, cit., p. 160-161; e Pereira de Araújo, João Hermes, A pro-
cessualística dos atos internacionais, Rio de Janeiro: MRE, 1958, p. 131.
22 Para detalhes, v. Mazzuoli, Valerio de Oliveira. Direito dos tratados, cit., p. 341-388.
Valerio de Oliveira Mazzuoli 161

autoridade interna entender viável a participação do País no tratado em ques-


tão, aprovará o seu texto autorizando a sua ratificação, que é levada a cabo
pelo chefe do Poder Executivo. Esta ratificação de competência do governo
também é facultativa (discricionária), uma vez que o ato aprobatório da auto-
ridade interna não vincula o Executivo, que poderá ratificar ou não o acordo,
a depender (no momento da ratificação do tratado, que pode ocorrer anos e
anos depois de sua aprovação interna) da conveniência e oportunidade do ato.
O que ocorre é que, relativamente às convenções da OIT, essa proces-
sualística não é seguida in totum, o que gera dúvidas na doutrina. A confusão
tem lugar em virtude da redação do art. 19, § 5º, alínea b, da Constituição da
OIT, que assim dispõe:
“5. Tratando-se de uma convenção:
b) cada um dos Estados-Membros compromete-se a submeter, dentro do prazo
de um ano, a partir do encerramento da sessão da Conferência (ou, quando, em
razão de circunstâncias excepcionais, tal não for possível, logo que o seja, sem
nunca exceder o prazo de 18 meses após o referido encerramento), a convenção
à autoridade ou autoridades em cuja competência entre a matéria, a fim de que
estas a transformem em lei ou tomem medidas de outra natureza”.

O art. 19, § 5º, letra d, do mesmo tratado, deixa entrever ser obrigatória
a ratificação da convenção, quando assim estabelece:
“d) o Estado-Membro que tiver obtido o consentimento da autoridade, ou
autoridades competentes, comunicará ao Diretor-Geral a ratificação formal da
convenção e tomará as medidas necessárias para efetivar as disposições da dita
convenção” [grifo nosso].

Como se infere dos dispositivos acima transcritos, os Estados-partes nas


convenções internacionais do trabalho contraem a obrigação formal de subme-
ter tais convenções à autoridade competente ex ratione materiae para aprovar
tratados indicada pelo seu Direito interno. Essa obrigação em submeter a con-
venção à autoridade competente, segundo a doutrina mais abalizada, subsiste
também na hipótese de os delegados do Estado terem votado contra a sua
adoção, não terem participado da reunião, ou ainda no caso de o Estado ter
ingressado posteriormente na OIT.23
A “autoridade competente” a que se refere o dispositivo deve ser encon-
trada à luz do que dispõe o texto constitucional de cada país, sendo certo que,
no Brasil, tal autoridade é o Poder Legislativo, pois é o único órgão com função
típica de legislar, a fim de dar efeitos à aplicação da convenção internacional

23 Cf. Süssekind, Arnaldo. Direito internacional do trabalho, cit., p. 195.


162 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

do trabalho no plano nacional.24 Ora, se nos termos da Constituição brasileira


compete à União “manter relações com Estados estrangeiros e participar de
organizações internacionais” (art. 21, inc. I), bem como legislar sobre direito
do trabalho (art. 22, inc. I, in fine), e se cabe “ao Congresso Nacional, com
a sanção do Presidente da República (…), dispor sobre todas as matérias de
competência da União” (art. 48, caput), sendo ainda de sua competência ex-
clusiva “resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou aos internacionais
que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”
(art. 49, inc. I), a outra conclusão não se pode chegar senão a de que a “autori-
dade competente” referida pela Constituição da OIT é, no Brasil, o Congresso
Nacional. À mesma conclusão já havia chegado a comissão de notáveis para a
aplicação das convenções e recomendações, reunida na Conferência Interna-
cional do Trabalho (36ª sessão) realizada em Genebra em 1953: “A expressão
‘autoridade competente’ significa a autoridade que tem o poder de legislar
sobre as questões que são objeto da convenção ou da recomendação, que é, na
maioria dos casos, o Parlamento”.25
A dúvida que surge na doutrina diz respeito à aparente obrigatoriedade
de serem tais convenções ratificadas pelo Presidente da República, uma vez
aprovadas pelo Congresso Nacional, tendo em vista que o art. 19, § 5º, alínea
b, da Constituição da OIT, dispõe que, tratando-se de uma convenção, cada
Estado-membro “compromete-se a submeter, dentro do prazo de um ano, a
partir do encerramento da sessão da Conferência (…), a convenção à autori-
dade ou autoridades em cuja competência entre a matéria, a fim de que estas a
transformem em lei ou tomem medidas de outra natureza”. Apesar de o tratado
da OIT não se referir expressamente à obrigatoriedade dessa ratificação, esta,
entretanto, pareceu a Celso de Albuquerque Mello uma consequência lógica,
“principalmente levando-se em consideração a natureza social destas conven-
ções e ainda ser o nosso século caracterizado pelo conflito social que só tende a
se agravar”.26 Nesse caso, entendeu a referida doutrina que uma vez referendada

24 V. Süssekind, Arnaldo. Idem, p. 202-203 e p. 206-207, respectivamente; e Crivelli, Ericson, Direito interna-
cional do trabalho contemporâneo, São Paulo: LTr, 2010, p. 72. Em idêntico sentido na doutrina argentina,
v. Mirolo, René R. & Sansinena, Patricia J., Los convenios de la OIT en el derecho del trabajo interno, cit.,
p. 153-155. Alguns autores, como João Hermes Pereira de Araújo, entendem que a expressão “autoridades
competentes” incluiria “tanto o Poder Executivo como o Legislativo” (A processualística dos atos interna-
cionais, cit., p. 177). No mesmo sentido, v. Hurd, Ian, International organizations: politics, law, practice.
Cambridge: Cambridge University Press, 2011, p. 167, para quem: “As autoridades competentes podem ser
o legislativo ou o executivo internos, ou (no sistema federal) um governo subnacional, como uma província
ou cantão”.
25 V. Courtin, Michel. La pratique française en matière de ratification et l’article 19 de la Constitution de
l’O.I.T., in Annuaire Français de Droit International, vol. 16, Paris, 1970, p. 601.
26 V. Mello, Celso D. de Albuquerque. Direito constitucional internacional: uma introdução, 2. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2000, p. 280; e também, Rezek, José Francisco, Direito dos tratados, cit., p. 162, para
quem: “Obtido que seja o consentimento da ‘autoridade competente’, o governo do Estado membro deverá
ratificar a convenção internacional do trabalho, fazendo chegar à secretaria da OIT o pertinente instrumento
Valerio de Oliveira Mazzuoli 163

a convenção pelo Poder Legislativo, a ratificação do Presidente da República


deixaria de ser um ato discricionário para tornar-se obrigatório.
Parece lógico que se o Presidente da República é obrigado a submeter a
convenção internacional do trabalho ao Parlamento, uma vez que este a aprova,
não há de ser discricionária a posterior ratificação. Perceba-se que o tratado
constitutivo da OIT afirma que as convenções deverão ser submetidas às “au-
toridades competentes” para que estas “a transformem em lei”. Ora, o único
órgão capaz de fazer leis é Poder Legislativo. Não é função típica do Executivo
esta tarefa. De forma que a melhor exegese do tratado constitutivo da OIT é
a de que ele obriga a submissão das convenções internacionais do trabalho à
manifestação do Congresso Nacional, sendo certo que uma vez referendadas
por este Poder deverão ser obrigatoriamente ratificadas pelo Executivo.27 Essa
tese é corroborada pelo próprio art. 19, § 5º, alínea d, do tratado constitutivo
da OIT, segundo o qual o Estado-Membro que tiver obtido o consentimento
da autoridade interna competente para aprovar tratados “comunicará ao Di-
retor-Geral a ratificação formal da convenção e tomará as medidas necessárias
para efetivar as disposições da dita convenção”.
Portanto, somos da opinião de que, uma vez submetidas ao Congresso
Nacional para aprovação, e uma vez aprovadas por este, as convenções inter-
nacionais do trabalho deverão ser obrigatoriamente ratificadas pelo Presidente
da República, segundo a melhor exegese do art. 19, § 5º, alíneas b e d, da
Constituição da OIT. Trata-se de excepcionalíssima exceção (sic) no Direi-
to Internacional Público, à faculdade (discricionariedade) da ratificação pelo

de ratificação. Quebra-se, assim, por duas vezes, a sistemática usual, em que o governo nem está obrigado
a submeter ao parlamento o projeto de tratado a que não lhe interesse dar sequência, nem tampouco, ocor-
rendo a submissão e a aprovação, a levar adiante seu primitivo intento, ratificando o tratado”. Em sentido
contrário, entendendo que os Estados “não são obrigados a ratificar as convenções”, v. Nascimento, Amauri
Mascaro, Curso de direito do trabalho, 19. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 99; e também Sei-
tenfus, Ricardo, Manual das organizações internacionais, cit., p. 232, que assim leciona: “A obrigatoriedade
imposta aos Estados de submeter o texto das convenções aos seus Parlamentos não implica uma automática
ratificação. Os Estados podem negar-se a fazê-lo. No entanto, os textos poderão servir de orientação para
ações governamentais. Do ponto de vista do direito internacional, portanto, as normas oriundas da OIT não
devem ser assimiladas a uma legislação internacional, pois dependem de um ato de concordância por parte
dos Estados”. V. ainda, Mirolo, René R. & Sansinena, Patricia J., Los convenios de la OIT en el derecho del
trabajo interno, cit., p. 59, que entendem que “a submissão [à autoridade competente] não significa ratifica-
ção, ainda que o objeto daquela seja possibilitar posteriormente a ratificação”.
27 Cf. Mello, Celso D. de Albuquerque. Ratificação de tratados: estudo de direito internacional e constitu-
cional. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1966, p. 77-80. Na lição desse mesmo internacionalista: “Devemos
assinalar que com relação ao Convênio da OIT a ratificação deixa de ser um ato discricionário do Poder Exe-
cutivo; entretanto, isto não significa que o Estado se veja obrigado a ratificá-la, bastando para não ocorrer
tal fato que elas sejam rejeitadas pelo Legislativo. A ratificação permanece como um ato discricionário do
Estado, mas deixa de sê-lo por parte do Poder Executivo” (Idem, p. 80). Para João Hermes Pereira de Araújo,
mesmo no caso de o Poder Executivo não julgar oportuna uma convenção, deverá submetê-la ao Congresso
Nacional, mas acompanhada de uma Exposição de Motivos solicitando, naturalmente, a sua rejeição; e caso
o Congresso não a rejeite, “o Presidente seria obrigado a ratificar a contragosto um ato internacional, pois
o mesmo art. 405 do Tratado de Versailles [antigo correspondente do art. 19, § 5º, alínea b, do convênio
constitutivo da OIT] torna obrigatória a ratificação dos atos aprovados” (A processualística dos atos interna-
cionais, cit., p. 179).
164 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Chefe do Executivo, que não ocorre ordinariamente na conclusão dos tratados


internacionais em geral.
Caso o Congresso Nacional não concorde integralmente com a con-
venção poderá transformá-la em lei ou tomar outras medidas, segundo o que
entender conveniente, mas sem que haja a possibilidade de ratificação do tra-
tado, salvo a hipótese de o próprio instrumento prever a possibilidade de sua
aprovação (e consequente ratificação) parcial.
Frise-se, entretanto, que, segundo alguns autores, a referência feita pela
Constituição da OIT relativamente à submissão das convenções às autoridades
competentes, a fim de que estas a “transformem em lei” ou “tomem medidas
de outra natureza”, estaria a permitir, neste último caso (tomar medidas “de
outra natureza”), que autoridades executivas (sem a anuência do Congresso
Nacional) tomassem tais medidas.28 Contudo, pensamos que essa interpretação
não tem razão de ser, pois se assim fosse seria de todo desnecessária a existência
de prazo para a submissão à autoridade competente, além do que tornar-se-ia
inócua a disposição do art. 19, § 5º, alínea d, da Constituição da OIT, segundo
a qual “o Estado-Membro que tiver obtido o consentimento da autoridade,
ou autoridades competentes, comunicará ao Diretor-Geral a ratificação formal
da convenção e tomará as medidas necessárias para efetivar as disposições da
dita convenção”. Não teria sentido o governo submeter a ele próprio o texto do
tratado e, posteriormente, comunicar ao Diretor-Geral a ratificação formal da
convenção. Assim, parece evidente que a autoridade competente a que se refere
o dispositivo é uma autoridade distinta do próprio governo.29
Uma vez depositado (junto ao Bureau Internacional do Trabalho) o
instrumento de ratificação, em virtude do que prescreve o art. 20 da Cons-
tituição da OIT, incumbirá ao Diretor-Geral da Repartição Internacional
do Trabalho comunicar a ratificação da convenção ao Secretário-Geral das
Nações Unidas, para fins de registro, de acordo com o art. 102 da ONU,
obrigando apenas os Estados-membros que a tiverem ratificado. Mais corre-
to seria dizer que – no caso específico das convenções da OIT – os Estados
aderem ao tratado multilateral aberto, uma vez que tais convenções não são,
em verdade, assinadas pelos plenipotenciários dos Estados, “mas apenas pelo
Presidente da reunião da Conferência que as aprovou e pelo Diretor Geral
da Repartição Internacional do Trabalho”.30

28 Nesse sentido, v. Valticos, Nicolas, Derecho internacional del trabajo, Trad. José Mª Treviño. Madrid: Tec-
nos, 1977, p. 467-469.
29 Cf. Plá Rodríguez, Américo. Los convenios internacionales del trabajo, cit., p. 262.
30 Süssekind, Arnaldo. Direito internacional do trabalho, cit., p. 211.
Valerio de Oliveira Mazzuoli 165

Depois de ratificada, a convenção internacional do trabalho é ainda –


como qual qualquer outro tratado ratificado pelo Brasil – promulgada por
decreto do Poder Executivo (indicando-se, nesse instrumento, o número do De-
creto Legislativo do Congresso Nacional que aprovou a convenção e a data do
registro de sua ratificação no Bureau) e publicada no Diário Oficial da União.31
A necessidade de promulgação executiva desses tratados provém de uma praxe
adotada entre nós desde o Império, não havendo qualquer regra constitucional
a exigir tal ato presidencial para que o tratado surta efeitos no plano do Direito
interno. Assim sendo, não é irrazoável supor que as convenções internacionais
do trabalho têm aplicação imediata no ordenamento brasileiro a partir de suas
respectivas ratificações (desde que, é claro, já se encontrem em vigor no plano
internacional), devendo apenas ser publicadas no Diário Oficial da União.32

2.6. INCORPORAÇÃO MATERIAL E FORMAL


Não se pode esquecer que, sendo as convenções internacionais do traba-
lho tratados internacionais que versam sobre direitos humanos33 (notadamente
direitos sociais), sua integração ao Direito brasileiro dá-se com o status de
norma materialmente constitucional, em virtude da regra insculpida no art.
5º, § 2º, da Constituição de 1988, que assim dispõe:
“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decor-
rentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais
[de direitos humanos] em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Caso se pretenda atribuir hierarquia de norma constitucional formal a


tais convenções, basta aprová-las (antes de sua ratificação) pelo quorum que
estabelece o § 3º do mesmo dispositivo constitucional, fruto da EC 45/2004,
que assim estabelece:
“Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem
aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quin-
tos dos votos dos respectivos membros, serão [depois de ratificados] equivalentes
às emendas constitucionais”.

Segundo o nosso entendimento, o § 3º do art. 5º da Constituição acima


transcrito não retira o status de norma constitucional que os tratados de direi-
tos humanos já têm em razão do § 2º do mesmo dispositivo constitucional.

31 Cf. Süssekind, Arnaldo. Idem, p. 213.


32 Cf. Leary, Virginia A. International labour conventions and national law…, cit., p. 44-50.
33 V. Mirolo, René R. & Sansinena, Patricia J.. Los convenios de la OIT en el derecho del trabajo interno, cit.,
p. 89. Cf. em paralelo, Russomano, Mozart Victor, Considerações gerais sobre o impacto das normas inter-
nacionais trabalhistas na legislação interna, in Genesis – Revista de Direito do Trabalho, vol. 17, Curitiba,
mai./1994, p. 457-463.
166 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Para nós, o que o § 3º do art. 5º da Carta de 1988 faz, é simplesmente


permitir que, além de materialmente constitucionais, os direitos humanos
constantes dos tratados internacionais ratificados pelo Brasil sejam também
formalmente constitucionais.34
Assim, as convenções internacionais do trabalho ratificadas pelo Brasil,
para além do seu status materialmente constitucional, poderão ainda ter os
efeitos formais das emendas constitucionais, caso aprovadas pela maioria qua-
lificada (e em dois turnos) do Congresso Nacional antes de ratificadas.
O status materialmente constitucional das convenções internacionais
do trabalho reforça o argumento de sua aplicabilidade imediata a partir das
respectivas ratificações, obrigando os juízes e tribunais do trabalho a aplicá-
-las a partir daí (desde que já em vigor no plano internacional) em quaisquer
casos concretos sub judice. Ou seja, uma vez ratificadas deve o Estado-juiz
dar seguimento ao cumprimento imediato das convenções em causa, es-
pecialmente (mas não exclusivamente) quando autoaplicáveis; no caso das
convenções de caráter programático, a aplicação imediata também é de rigor,
não obstante condicionada às possibilidades fáticas e jurídicas de otimização
existentes.35 Esse exercício que deve fazer o juiz – de aplicar imediatamente
as convenções da OIT, invalidando as leis internas com elas incompatíveis
– pertence ao âmbito do que se denomina controle da convencionalidade das
leis na modalidade difusa.36
Caso não se entenda que as convenções da OIT têm hierarquia de norma
constitucional no Brasil, não se pode deixar de atribuir-lhes o nível, no mínimo,
supralegal,37 a partir da decisão do STF no RE 466.343-1/SP, julgado em 3 de
dezembro de 2008.38 De uma forma ou de outra, a superioridade hierárquica
34 Para detalhes, v. Mazzuoli, Valerio de Oliveira, O novo § 3º do art. 5º da Constituição e sua eficácia, Revista
Forense, vol. 378, ano 101, Rio de Janeiro, mar./abr./2005, p. 89-109; e Mazzuoli, Valerio de Oliveira, O
controle jurisdicional da convencionalidade das leis, cit., p. 57-76.
35 Cf. Mirolo, René R. & Sansinena, Patricia J.. Los convenios de la OIT en el derecho del trabajo interno, cit.,
p. 68-69.
36 Se forem tais convenções da OIT aprovadas pela maioria qualificada do art. 5º, § 3º, da Carta de 1988,
poderão ainda (após ratificadas) servir de paradigma ao controle concentrado de convencionalidade
perante o STF.
37 Assim é na Argentina, depois da reforma constitucional de 1994. De fato, prevê o art. 75, inc. 22, da Cons-
tituição argentina, que “os tratados e concordatas têm hierarquia superior às leis”. Portanto, na Argentina,
as convenções da OIT têm, no mínimo, hierarquia supralegal. Perceba-se que o mesmo art. 75, inc. 22,
da Constituição argentina, atribui expresso nível constitucional a vários instrumentos de direitos humanos
nominalmente citados (v.g., a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, as convenções
contra o genocídio, a tortura e a discriminação racial, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação contra a Mulher e a Convenção sobre os Direitos da Criança). O legislador argentino
não incluiu nesse rol as convenções da OIT. Porém, a última parte do dispositivo deixa entrever que outros
tratados de direitos humanos (v.g., as convenções da OIT) poderão atingir o dito nível constitucional se
aprovados por dois terços da totalidade dos membros de cada Câmara do Congresso Nacional.
38 Para as nossas críticas à tese da supralegalidade dos tratados de direitos humanos, e em defesa do status
Valerio de Oliveira Mazzuoli 167

das convenções da OIT relativamente às leis ordinárias terá repercussão na


aplicação judiciária de diversas normas do art. 7º da Constituição Brasileira de
1988 (direitos dos trabalhadores urbanos e rurais) combinadas com os direitos
previstos nas convenções adotadas pelo Brasil.39

2.7. PRIMAZIA DA NORMA MAIS FAVORÁVEL (PRINCÍPIO


PRO HOMINE)
Não obstante a reforma do texto constitucional brasileiro, pela EC
45/2004, ter autorizado a integração formal de tratados e convenções inter-
nacionais sobre direitos humanos (como é o caso das convenções da OIT)
no ordenamento jurídico nacional, ainda assim pensamos que em havendo
conflito entre uma convenção internacional do trabalho ratificada e as leis
internas nacionais, deverá prevalecer a norma mais favorável ao ser humano,
em homenagem ao princípio pro homine.40 Sendo um dos propósitos da OIT
a universalização das regras trabalhistas, não seria bom para o trabalhador que
eventuais normas das convenções adotadas pela Conferência Internacional do
Trabalho fossem menos favoráveis à proteção dos seus direitos em relação às
normas do Direito interno de seu país. Daí ter a Constituição da OIT prescrito
expressamente, no § 8º do seu art. 19, que:
“Em caso algum, a adoção, pela Conferência, de uma convenção ou recomen-
dação, ou a ratificação, por um Estado-membro, de uma convenção, deverão
ser consideradas como afetando qualquer lei, sentença, costumes ou acordos
que assegurem aos trabalhadores interessados condições mais favoráveis que as
previstas pela convenção ou recomendação”.

Esta disposição é exemplo do que chamamos de “cláusula de diálogo”


ou “vaso comunicante” (ou ainda “cláusula de retroalimentação”) entre o
Direito Internacional dos Direitos Humanos (no caso, o Direito Interna-
cional do Trabalho) e outras normas de proteção (v.g., o Direito interno do
Estado, seja escrito ou costumeiro etc.).41 Tais cláusulas são aquelas presentes
nos tratados contemporâneos de direitos humanos que interligam a ordem
jurídica internacional com a ordem interna, retirando a possibilidade de
prevalência de um ordenamento sobre o outro em quaisquer casos e fazendo

constitucional desses instrumentos ao nosso direito interno, v. o nosso estudo “O novo § 3º do art. 5º da
Constituição e sua eficácia”, in Revista Forense, vol. 378, já cit., p. 89-109.
39 Cf. Crivelli, Ericson. Direito internacional do trabalho contemporâneo, cit., p. 74.
40 V. Mazzuoli, Valerio de Oliveira. Tratados internacionais de direitos humanos e direito interno. São Paulo:
Saraiva, 2010, p. 104-105 e 118-120, respectivamente. Para idêntica discussão no direito argentino, v. Miro-
lo, René R. & Sansinena, Patricia J., Los convenios de la OIT en el derecho del trabajo interno, cit., p. 36-38.
41 Para um estudo completo dessas “cláusulas de diálogo” entre o Direito Internacional dos Direitos Humanos
e o Direito interno, v. Mazzuoli, Valerio de Oliveira, Tratados internacionais de direitos humanos e direito
interno, cit., p. 116-128.
168 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

com que tais ordenamentos (o internacional e o interno) “dialoguem” para


resolver – eles próprios – qual norma deve prevalecer no caso concreto (ou,
até mesmo, se as duas deverão prevalecer concomitantemente) quando pre-
sente uma situação de antinomia.42 Aliás, pode-se dizer que o art. 19, §
8º, da Constituição da OIT é uma cláusula de diálogo especial, vez que,
como se nota, ultrapassa aquilo que concerne exclusivamente às leis, para
também dizer respeito às sentenças, costumes ou acordos que assegurem aos
trabalhadores condições mais favoráveis que as previstas pela convenção ou
recomendação. Daí a possibilidade de uma norma jurídica interna – assim
como uma sentença, ou um costume ou eventual acordo – ser aplicada em
detrimento do estabelecido por uma convenção ou recomendação internacio-
nal do trabalho, uma vez que o princípio adotado pela OIT não é a primazia
das normas internacionais do trabalho sobre o Direito interno estatal, mas
a prevalência da norma mais favorável ao trabalhador.
Frise-se, assim, que o art. 19, § 8º, da Constituição da OIT, é mais amplo
que o conhecido art. 29, alínea b, da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos de 1969, que prevê que nenhuma de suas disposições pode ser inter-
pretada no sentido de “limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade
que possam ser reconhecidos em virtude de leis de qualquer dos Estados-partes
ou em virtude de Convenções em que seja parte um dos referidos Estados”. Ora,
se a Convenção Americana não exclui a possibilidade de leis internas ou outras
convenções internacionais ampliarem o seu âmbito material de incidência, a fim
de garantir para mais os direitos e liberdades nela reconhecidos, a Constituição
da OIT, como se nota, vai mais além e autoriza que também uma sentença, um
costume ou um eventual acordo que amplie as garantias trabalhistas consagradas
em qualquer convenção ou recomendação internacional do trabalho tenha sua
aplicação garantida em detrimento da própria convenção ou recomendação em
causa. Daí, como pensamos, tratar-se de um dispositivo especial dentre as normas
internacionais de proteção dos direitos humanos.43
Na aplicação de uma convenção internacional do trabalho em um dado
caso sub judice deve o magistrado trabalhista primar por verificar qual a norma
mais benéfica ao ser humano (trabalhador) sujeito de direitos, se a normativa
internacional ou a interna. Ao “escutar” o que as fontes dizem – para falar
como Erik Jayme44 – , deve o juiz optar pela aplicação da norma que, no caso
42 Cf. Jayme, Erik. Identité culturelle et intégration: le droit international privé postmoderne, Recueil des Cou-
rs, vol. 251 (1995), p. 259.
43 Normas como esta em análise reforçam a ideia de que cabe aos juristas em geral (e aos aplicadores do Direi-
to, em especial) compreender o diálogo que todas as fontes jurídicas mantêm entre si, a fim de aplicar sempre
a que mais proteja o ser humano em um dado caso concreto.
44 Cf. Jayme, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 259.
Valerio de Oliveira Mazzuoli 169

concreto, mais proteja os interesses da pessoa. Tal é exatamente o sentido e o


conteúdo do princípio pro homine, que abre as possibilidades de o julgador
decidir com mais justiça um caso concreto, sem restar “preso” a critérios pre-
viamente definidos de solução de antinomias.

2.8. INTERPRETAÇÃO DAS CONVENÇÕES


Por fim, é necessário registrar que o art. 37, §§ 1º e 2º, da Consti-
tuição da OIT, prevê dois procedimentos para a resolução das dificuldades
relativas à interpretação da própria Constituição e das convenções inter-
nacionais do trabalho adotadas pela Conferência. Nos termos do § 1º do
citado dispositivo, “quaisquer questões ou dificuldades relativas à interpre-
tação da presente Constituição a das convenções ulteriores concluídas pelos
Estados-membros, em virtude da mesma, serão submetidas à apreciação da
Corte Internacional de Justiça”. Mas, não obstante o disposto neste pará-
grafo, diz ainda a Constituição da OIT que o Conselho de Administração
poderá “formular e submeter à aprovação da Conferência, regras destinadas
a instituir um tribunal para resolver com presteza qualquer questão ou
dificuldade relativa à interpretação de uma convenção que a ele seja levada
pelo Conselho de Administração, ou, segundo o prescrito na referida con-
venção” (art. 37, § 2º). Este tribunal especial da OIT, criado em virtude
deste § 2º do art. 37, deverá regular seus atos pelas decisões ou pareceres
consultivos da CIJ, devendo qualquer sentença por ele pronunciada ser co-
municada aos Estados-membros da OIT, cujas observações, a ela relativas,
serão transmitidas à Conferência.

3. AS RECOMENDAÇÕES DA OIT
Para além das convenções, a atividade normativa da OIT compreende
também a celebração de recomendações internacionais do trabalho. Tais ins-
trumentos distinguem-se das convenções tão-somente sob o aspecto formal,
uma vez que, como já se disse, ambas podem tratar dos mesmos assuntos sob
o enfoque material. Enquanto as convenções são tratados internacionais em
sentido estrito, as recomendações não são tratados e visam tão somente sugerir
ao legislador de cada um dos países vinculados à OIT mudanças no seu Direito
interno relativamente às questões que disciplina.
Assim como se fez relativamente às convenções da OIT, é também im-
portante verificar o que são propriamente as recomendações, qual sua natureza
jurídica e como se integram ao ordenamento jurídico pátrio.
170 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

3.1. CONCEITO DE RECOMENDAÇÃO


As recomendações da OIT são instrumentos internacionais, destituídos
da natureza de tratados, adotados pela Conferência Internacional do Trabalho
sempre que a matéria nelas versada não possa ser ainda objeto de uma conven-
ção. A criação de uma recomendação pode dar-se, dentre outros motivos, pelo
fato de as disposições aprovadas pela Conferência da OIT não terem contado
com número suficiente de adesões. Portanto, em regra, o acordo constitutivo
da OIT visa a criação de convenções, determinando, contudo, que a proposi-
ção examinada terá a forma de uma recomendação caso a questão tratada, ou
algum dos seus aspectos, não se preste, no momento, para a adoção de uma
convenção (art. 19, § 1º).
Segundo Valticos, é possível distinguir três funções principais das reco-
mendações: a) regulamentar certo assunto ainda não suficientemente discutido
para ser versado numa convenção; b) servir de complemento a uma convenção,
sendo útil, v.g., como inspiração aos governos sobre determinado tema; e c)
auxiliar as administrações nacionais na elaboração de legislação uniforme sobre
a matéria (deixando-as, porém, à vontade para implementar as adaptações que
sejam necessárias de acordo com o Direito local).45
Tais recomendações, entretanto, apresentam certas peculiaridades, que as
transformam em verdadeiras normas internacionais sui generis. Ao contrário do
que sucede com as demais recomendações conhecidas em Direito Internacional
Público, que não criam obrigações jurídicas para os Estados que as adotam, as
recomendações da OIT caracterizam-se por impor aos Estados-membros dessa
organização internacional certas obrigações, ainda que de caráter formal. Tal
decorre do estatuído no art. 19, § 6º, alíneas b e d, da Constituição da OIT,
que obriga cada um dos seus Estados-membros submeter a recomendação à
autoridade interna competente para que esta, baseando-se na conveniência
e oportunidade da recomendação, a transforme em lei ou tome medidas de
outra natureza em relação a matéria nela versada. Aos Estados-membros da
Organização, nos termos do mesmo dispositivo, compete ainda informar o
Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho sobre a sua legislação
e prática observada relativamente ao assunto de que trata a recomendação,
devendo também precisar nessas informações até que ponto aplicou ou pre-
tende aplicar os dispositivos da recomendação, e indicar as modificações destes
dispositivos que sejam ou venham a ser necessárias para adotá-los ou aplicá-los.

45 Cf. Valticos, Nicolas. Derecho internacional del trabajo, cit., p. 234-235. Ainda sobre o tema, v. Fontoura,
Jorge & Gunther, Luiz Eduardo, A natureza jurídica e a efetividade das recomendações da OIT, in Revista de
Informação Legislativa, ano 38, nº 150, Brasília: Senado Federal, abr./jun./2001, p. 195-404.
Valerio de Oliveira Mazzuoli 171

Eis a redação do art. 19, § 6º, alíneas b e d, da Constituição da OIT, que


merecem ser transcritos:
“6. Em se tratando de uma recomendação:
b) cada um dos Estados-membros compromete-se a submeter, dentro do prazo
de um ano a partir do encerramento da sessão da Conferência (ou, quando, em
razão de circunstâncias excepcionais, tal não for possível, logo que o seja, sem
nunca exceder o prazo de 18 meses após o referido encerramento), a recomen-
dação à autoridade ou autoridades em cuja competência entre a matéria, a fim
de que estas a transformem em lei ou tomem medidas de outra natureza”.
“d) além da obrigação de submeter a recomendação à autoridade ou autoridades
competentes, o Membro só terá a de informar o Diretor-Geral da Repartição
Internacional do Trabalho – nas épocas que o Conselho de Administração julgar
convenientes – sobre a sua legislação e prática observada relativamente ao assunto
de que trata a recomendação. Deverá também precisar nestas informações até
que ponto aplicou ou pretende aplicar dispositivos da recomendação, e indicar
as modificações destes dispositivos que sejam ou venham a ser necessárias para
adotá-los ou aplicá-los”.

Portanto, a peculiaridade das recomendações da OIT – não obstante elas


não serem tratados, estando dispensadas de ratificação – consiste no fato de
serem elas obrigatoriamente submetidas à “autoridade competente” (que, no
Brasil, como já se disse, é o Congresso Nacional), ao contrário do que sucede
com as demais recomendações votadas na maioria das conferências e congressos
internacionais, em que depois de assinadas já passam a valer internacionalmen-
te. Tal peculiaridade torna a recomendação da OIT norma internacional sui
generis, que cumprirá a função de fonte material de direito.46
Não existe também a obrigatoriedade de as recomendações da OIT serem
promulgadas internamente. Não obstante isso, o Decreto nº 3.597, de 12 de
janeiro de 2000, promulgou a Recomendação nº 190 da OIT.

3.2. NATUREZA JURÍDICA


As recomendações distinguem-se das convenções internacionais do tra-
balho apenas sob o aspecto formal, e não do ponto de vista material, como
já falamos. Assim, ainda que ambas possam cuidar de assuntos semelhantes,
apenas as convenções devem ser ratificadas pelos Estados-membros da OIT,
o que significa dizer que as recomendações não têm de passar pelos mesmos
trâmites internos pelos quais deve passar um tratado internacional para a sua
efetiva integração ao Direito brasileiro. Disso se dessume que, ao contrário das
46 Cf. Süssekind, Arnaldo. Direito internacional do trabalho, cit., p. 186-187; e Plá Rodríguez, Américo, Los
convenios internacionales del trabajo, cit., p. 237.
172 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

convenções, as chamadas recomendações da OIT não pertencem à categoria


jurídica dos tratados internacionais. São, como o próprio nome está a indicar,
propostas e sugestões feitas aos seus Estados-membros relativamente a questões
ligadas ao direito do trabalho não estabelecidas em convenções internacionais.47
Não sendo tratados, as recomendações – repita-se – estão dispensadas de per-
correr todo o procedimento (interno e internacional) relativo à conclusão dos
acordos internacionais em devida forma.
Contudo, como já se observou, apesar de estarem destituídas da natu-
reza jurídica de tratados, as recomendações da OIT não estão dispensadas de
serem submetidas à “autoridade competente” para que esta as transforme em
lei ou tome medidas de outra natureza relativamente à matéria nelas versa-
da. Assim, tanto as convenções como as recomendações da OIT, devem ser
submetidas ao Congresso Nacional para que este, no primeiro caso, autorize
a sua ratificação e, no segundo, analise a viabilidade de se adotar as normas
constantes da recomendação. Dessa forma, se o Congresso Nacional (no caso
brasileiro) tem a intenção de transformar em Direito interno os princípios
e regras constantes da recomendação, deve adotar uma lei especial em que
contenham tais disposições da recomendação, o que não seria necessário no
caso das convenções, as quais, uma vez aprovadas pelo Parlamento, já ingres-
sariam automaticamente no ordenamento jurídico brasileiro após ratificadas
e uma vez em vigor no plano internacional.48

3.3. INTEGRAÇÃO AO DIREITO BRASILEIRO


Estando destituídas da natureza de tratados, em princípio não se poderia
falar em verdadeira integração das recomendações da OIT no Direito interno
brasileiro. Contudo, como já se viu, a Constituição da OIT impõe certas
obrigações formais aos seus Estados-membros, sobretudo a de submeter as
recomendações adotadas pela Conferência Internacional do Trabalho à auto-
ridade interna competente para a sua análise. Portanto, no caso específico das
recomendações da OIT – ao contrário das demais recomendações conhecidas
pelo Direito Internacional em geral – tal integração formal existe, devendo ser
respeitado o que dispõe a Constituição da OIT.

47 Para alguns autores, como René Mirolo e Patricia Sansinena, as recomendações da OIT têm apenas “força
moral orientadora”, à diferença das convenções, que criam “obrigações jurídicas de fundo, tão logo sejam
ratificadas” (Los convenios de la OIT en el derecho del trabajo interno, cit., p. 59). No mesmo sentido, v.
Seitenfus, Ricardo, Manual das organizações internacionais, cit., p. 230, para quem: “Ao contrário das con-
venções, as recomendações não possuem um efeito vinculante e tampouco implicam obrigatoriedade para os
Estados. São elas manifestações, que têm o peso de aconselhamento, e não da imposição. Contudo, o fato de
redigi-las e divulgá-las cria um ambiente favorável ao encaminhamento de soluções que, porém, originam-se
na vontade dos Estados”.
48 Cf. De la Cueva, Mario. Derecho mexicano del trabajo, vol. 1, 2. ed. México, D.F.: Porrúa, 1943, p. 280.
Valerio de Oliveira Mazzuoli 173

Assim, sob o aspecto formal tanto as convenções da OIT quanto as suas


recomendações, depois de firmadas, devem ser submetidas, no caso brasileiro,
ao crivo do Congresso Nacional para que este, no caso das convenções, auto-
rize a sua ratificação – que é ato próprio do Presidente da República – , e no
das recomendações, adote medidas legislativas relativamente às disposições
constantes de seu texto (ou seja, as transformem em lei) ou tome medidas de
outra natureza. Caso o Congresso Nacional pretenda transformá-las em lei,
total ou parcialmente, deverá enviar o respectivo Projeto de Lei para a sanção
do Presidente da República, momento a partir do qual suas normas serão
transformadas em norma de Direito interno. Mas, como lembra Arnaldo Süs-
sekind, quando “a recomendação versar matéria da competência dos decretos
executivos ou regulamentares, caberá apenas ao Presidente da República adotar
as medidas adequadas que entender (art. 84, inc. IV, da CF)”.49
Ainda no caso das recomendações, outra diferença é que o Estado-mem-
bro não está obrigado a enviar ao Bureau Internacional do Trabalho relatórios
anuais sobre a sua aplicação no país, ainda que suas regras correspondam à
legislação nacional, cumprindo-lhe somente esclarecer, quando solicitado pelo
Diretor-Geral do Bureau, qual o estado atual de sua legislação e a prática re-
lativa à matéria versada na recomendação, precisando em que medida ela foi
posta em execução ou em que medida pretende executá-la e, também, quais
as modificações que considera necessárias para poder adotar e aplicar as suas
normas, nos termos do art. 19, § 6º, alínea d, da Constituição da OIT.50
As recomendações da OIT servem ainda de fonte de inspiração ao legis-
lador nacional para que adote os parâmetros mínimos de proteção propostos
pela Organização Internacional do Trabalho. Porém, havendo disposição in-
terna mais benéfica aos seres humanos (trabalhadores) sujeitos de direito, as
recomendações (assim como as convenções) cedem às normas internas mais
benéficas, em homenagem ao princípio pro homine.

4. CONCLUSÃO
A integração das convenções e recomendações da OIT no Brasil – assim
como a de quaisquer tratados de direitos humanos ratificados pelo Estado
– deve atender ao princípio pro homine, segundo o qual o intérprete deve
sempre optar pela aplicação da norma mais favorável ao ser humano (traba-
lhador) sujeito de direitos. Como se viu, há na Constituição da OIT (art. 19,
§ 8º) preceito segundo o qual em caso algum a adoção “de uma convenção ou
49 Süssekind, Arnaldo (et all.). Instituições de direito do trabalho, vol. 2, cit., p. 1.500.
50 Cf. Süssekind, Arnaldo. Direito internacional do trabalho, cit., p. 208-209.
174 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

recomendação, ou a ratificação, por um Estado-membro, de uma convenção,


deverão ser consideradas como afetando qualquer lei, sentença, costumes ou
acordos que assegurem aos trabalhadores interessados condições mais favo-
ráveis que as previstas pela convenção ou recomendação”. Essa “cláusula de
diálogo” (ou “vaso comunicante”) convencional permite que se aplique sempre
a norma mais favorável num caso concreto, técnica de solução de controvérsias
inspirada no princípio pro homine.
No que tange especificamente às convenções da OIT, conclui-se que sua
integração ao Direito brasileiro dá-se com o status (no mínimo) materialmen-
te constitucional, com aplicação imediata a partir da respectiva ratificação
(desde que a convenção já esteja em vigor internacional). Tal significa que os
juízes e tribunais do trabalho já estão obrigados a aplicar ditas convenções a
partir daí em quaisquer casos concretos sub judice. Uma vez ratificadas, deve
o Estado-juiz dar seguimento ao cumprimento imediato das convenções em
causa, especialmente (mas não exclusivamente) quando autoaplicáveis; no
caso das convenções de caráter programático, a aplicação imediata também
é de rigor, não obstante condicionada às possibilidades fáticas e jurídicas de
otimização existentes.
O exercício que há de fazer o magistrado trabalhista – de aplicar ime-
diatamente as convenções da OIT, invalidando as leis internas com elas
incompatíveis – pertence ao âmbito do chamado controle de convencionalidade
das leis na modalidade difusa. Assim procedendo, estará o magistrado respei-
tando o que a Corte Interamericana de Direitos Humanos (desde 2006) tem
ordenado: que os juízes e tribunais nacionais controlem, em primeira mão, a
convencionalidade das leis locais em face dos tratados internacionais de direitos
humanos ratificados e em vigor no país.51
Tratando-se de instrumentos internacionais de direitos humanos, a apli-
cação das convenções e recomendações da OIT no plano do direito doméstico
há de atender ao princípio pro homine, segundo o qual a primazia é da norma
que, no caso concreto, mais proteja o trabalhador sujeito de direitos.

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UNIDAS E DO DUE DILIGENCE GUIDANCE
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ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
COMPLIANCE AND DUE DILIGENCE LABOR: JOINT APPLICATION
OF THE TRIPARTITE DECLARATION OF PRINCIPLES ON
MULTINATIONAL ENTERPRISES AND SOCIAL POLICY OF THE
INTERNATIONAL LABOR ORGANIZATION, OF THE GUIDING
PRINCIPLES ON BUSINESS AND HUMAN RIGHTS OF THE
ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS GUIDELINES
COOPERATION AND ECONOMIC DEVELOPMENT

Valério Soares Heringer1

RESUMO: Este artigo tem por objetivo apresentar os fundamentos dos progra-
mas de compliance e os riscos da não-conformidade, enfatizando-se a necessidade
de aperfeiçoamento da atividade de due diligence em matéria de trabalho, em-
prego e direitos humanos. Analisa ainda a proposta da Organização das Nações
Unidas de incentivo ao uso da due diligence em direitos humanos. Discute as

1 Mestre em Gestão Pública pela Universidade do Federal do Espírito Santo. Especialista em Direito Civil,
Direito Processual Civil, Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho e Direito Previdenciário
(UnB). MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas. Exerce o cargo de Procurador do
Trabalho desde 1999 e a chefia do Ministério Público do Trabalho no Espírito Santo desde 2017. Exerceu
os cargos efetivos de Procurador da Fazenda Nacional, de Procurador do INSS e Analista Judiciário do
TRT-ES. Nomeado em 1º Lugar para o cargo efetivo de Procurador do Município de Vitória em (1996).
Aprovado nos concursos para os cargos de Auditor Fiscal do Trabalho, Oficial de Justiça Avaliador e Téc-
nico Judiciário do TRT-MG. Professor no programa de Pós-Graduação em Compliance da FDV-Vitória.
Conferencista e palestrante nas áreas de gestão de organizações públicas e privadas, Direito do Trabalho,
ética e desenvolvimento humano.
Valério Soares Heringer 177

orientações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico


sobre due diligence para uma conduta empresarial responsável. Propõe, então,
a harmonização dos referidos instrumentos com o referencial teórico-jurídico
da Declaração Tripartite de Princípios sobre Empresas Multinacionais e Política
Social da Organização Internacional do Trabalho e finalmente apresenta algumas
propostas de due diligence com vistas à prevenção de riscos de não-conformidade
em temas centrais da matéria trabalhista.
Palavras-chave: Compliance; Gerenciamento de riscos; Devida diligência; Di-
reito do Trabalho; Direitos Humanos; Organização Internacional do Trabalho.
ABSTRACT: This article aims to present the fundamentals of compliance pro-
grams and the risks of non-compliance, emphasizing the need to improve the
due diligence activity in labor, employment and human rights. It also analyzes
the United Nations’ proposal to encourage the use of due diligence in human
rights. It discusses the Organization for Economic Cooperation and Develop-
ment’s guidelines on due diligence for responsible business conduct. It proposes,
therefore, the harmonization of these instruments with the theoretical-legal fra-
mework of the Tripartite Declaration of Principles on Multinational Enterprises
and Social Policy of the International Labor Organization and finally presents
some due diligence proposals aimed at preventing risks of non-compliance in
central themes of the labor subject.
Keywords: Compliance. Risk management; Due diligence; Labor law; Human
rights; International Labor Organization.

1. INTRODUÇÃO
O Relatório de Competitividade Global de 2019 do Fórum Econômico
Mundial2 constatou que o mundo não está no caminho certo para alcançar
os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas para
2030. Segundo o estudo, nas últimas quatro décadas a desigualdade de renda
aumentou nos países desenvolvidos assim como nos países emergentes, am-
pliando as diferenças sociais.
De acordo com estimativas do Banco Mundial3, a redução da pobreza
extrema está desacelerando: 3,4 bilhões de pessoas, ou 46% da população
mundial, ainda vive com menos de US$ 5,50 por dia e luta para atender às
suas necessidades básicas. Após alguns anos de declínio constante, a fome volta
a aumentar no planeta e atinge 826 milhões de pessoas, contra 784 milhões
em 2015. 20% da população africana sofre com a desnutrição e a meta da
Organização das Nações Unidas de ‘fome zero’ está inviabilizada.
O Fórum Econômico Mundial reconhece que nos últimos quarenta anos
2 Disponível em http://www3.weforum.org/docs/WEF_TheGlobalCompetitivenessReport2019.pdf
3 Fórum Econômico Mundial. Relatório de Competitividade Global de 2019, p.8
178 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

os países desenvolveram tecnologias inovativas, introduziram o liberalismo em


suas agendas econômicas e consolidaram a globalização, mas não deram sufi-
ciente atenção aos impactos negativos sobre trabalhadores e sobre a renda da
população, colocando no centro das discussões econômicas atuais a necessidade
urgente de se reverter a desigualdade e a pobreza no mundo.
Considerando esse quadro de aguda incerteza e o fato de que a rique-
za socialmente produzida vem sendo “legitimamente” distribuída de forma
socialmente desigual, na contundente asserção de Ulrich Beck4, este estudo
permitirá, com base em uma abordagem de caráter funcionalista, avançar na
discussão relacionada com a necessidade de elevar os padrões de relacionamen-
to entre o capital e o trabalho, melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores
e assegurar a sustentabilidade das organizações.
Desse modo, o capítulo dois deste artigo será dedicado a conhecer os
fundamentos dos programas de compliance e os riscos da não-conformidade,
enfatizando-se a necessidade de aperfeiçoamento da atividade de due diligen-
ce em matéria de trabalho, emprego e direitos humanos. Em seguida será
abordada a proposta da Organização das Nações Unidas (ONU) às empresas
no sentido de praticarem a due diligence em direitos humanos. No capítulo
quatro serão discutidas as orientações da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre due Diligence para uma condu-
ta empresarial responsável. No capítulo cinco, será proposta a harmonização
desses dois instrumentos com o referencial teórico-jurídico da Declaração
Tripartite de Princípios sobre Empresas Multinacionais e Política Social da
Organização Internacional do Trabalho. Por fim, no capítulo 6, serão apresen-
tadas algumas propostas de due diligence com vistas à prevenção de riscos de
não-conformidade em temas centrais da matéria trabalhista.

2. COMPLIANCE E OS RISCOS DA NÃO-CONFORMIDADE


Compliance é um termo que traduz, no contexto da governança orga-
nizacional, o propósito de atender ao determinado pelas leis e por normas
de conduta internas ou externas à organização. Equivale à ideia de que o
sujeito, seja ele pessoa física ou jurídica, não apenas tem como objetivo,
mas incorpora em suas práticas, o cumprimento das normas a que se acha
subordinado5. Suas origens podem ser encontradas na década de 1930 nos
Estados Unidos, com o surgimento de grandes corporações cuja propriedade
4 BECK, Ulrich. Sociedade de Risco. Rumo a uma outra modernidade. Editora 34. 2011, P. 24.
5 HERINGER, Valério. Corrupção empresarial nas relações público-privadas: a importância dos programas de
compliance. FGV. 2014, p. 51
Valério Soares Heringer 179

cabia a um conjunto multivariado de detentores de ações representativas do


capital. Essas organizações, entretanto, eram dirigidas de modo centralizado
por agentes específicos que controlavam fisicamente os respectivos meios de
produção. Como essa administração não necessariamente visava ao benefício
dos acionistas, começaram a surgir conflitos decorrentes da desvinculação
entre o poder diretivo e o controle do capital, conflitos esses que passaram a
exigir, para sua adequada resolução, uma abordagem diferenciada das relações
entre os proprietários da empresa e os agentes contratados para adminis-
trá-la.6 Os programas de compliance ganharam força a partir da metade do
século XX com a regulação antitruste e evoluíram com os movimentos pela
ética nos anos 1970 e pela prevenção criminal nos anos 1980.7
As dinâmicas do mercado, a complexidade da gestão e o ambiente
regulatório se tornaram os principais desafios das empresas no mundo contem-
porâneo. As expectativas dos investidores impulsionam os gestores em direção
a novas oportunidades de negócio, parte das quais promovidas ou fomentadas
pelo poder público, que se esforça na criação de marcos legais e infralegais cada
vez mais rígidos em matéria de coerção e sanção.8 Tornou-se evidente, assim,
a necessidade das organizações estabelecerem programas de compliance que
permitam a elas conhecer e gerenciar os riscos da não-conformidade, evitando
prejuízos reputacionais e financeiros decorrentes de condutas irregulares asso-
ciadas à corrupção, fraudes ou práticas antiéticas que causem danos a pessoas
ou grupos, ao meio ambiente, à sociedade e ao Estado.
Para Alexandre Assaf Neto9 o compliance deve ser executado de “forma
permanente, apresentando-se como responsável pela certificação de que as di-
versas áreas da empresa estejam atendendo a todas as regras e normas aplicáveis”.
A implantação de um sistema de gestão de compliance pode guiar-se pelos
direcionadores da norma ISO 19600:2014. Caso a organização também preten-
da incorporar mecanismos de gestão antissuborno, a norma ISO 37001:2017
deve ser consultada. Pressuposto básico para a estruturação do sistema de
compliance é a integral compreensão do que é a organização – considerada
individualmente e em seu contexto de atuação – assim como as necessidades
e expectativas das partes interessadas, o que se obtém realizando um completo
diagnóstico situacional. Para as organizações que realizam planejamento estraté-
gico, é recomendável que instituam um processo de compliance reciprocamente
6 VERISSIMO, Carla. Compliance. Incentivo à adoção de medidas anticorrupção. Saraiva. 2018, p. 98.
7 VERISSIMO, Carla. Compliance. Incentivo à adoção de medidas anticorrupção. Saraiva. 2018, p. 98.
8 Cf. LEI 12.684/2013 que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela
prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências.
9 ASSAF NETO, Alexandre. Mercado Financeiro. Atlas. 2011, p. 141
180 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

alinhado aos demais processos, programas e projetos que desenvolva.


A definição das obrigações de compliance varia de acordo o porte, a com-
plexidade, a estrutura e o portfólio de operações da organização. No entanto,
é elementar que sejam observados todos os parâmetros – atuais e futuros – de
regulação das suas atividades entre os quais: tratados, convenções e reco-
mendações oriundos de organismos multilaterais de direito público externo;
resoluções e protocolos baseados em normas de direito internacional público;
leis nacionais, estaduais, distritais, municipais e demais atos administrativos
de caráter normativo; concessões, permissões, licenças e outros instrumentos
de autorização; normas expedidas por agências reguladoras; decisões judiciais
em processos nos quais figura como parte ou sujeito juridicamente interes-
sado; jurisprudência firmada em relação a assuntos de interesse da empresa e
sua cadeia de valor; convenções e acordos coletivos de trabalho; acordos com
setores, grupos, comunidades ou organizações não governamentais; termos de
compromisso celebrados com autoridades públicas, agentes privados, clientes
ou fornecedores; políticas públicas e procedimentos inerentes ao exercício pro-
fissional, contratos e outros documentos obrigacionais públicos ou privados;
regulamentos empresariais e demais instrumentos autocompositivos.10
A identificação, análise e avaliação de riscos constitui etapa fundamental e
permanente nos sistemas de gestão de compliance. Mas esta é uma área da gover-
nança organizacional que tem muito a evoluir. Pesquisa global de gerenciamento
de riscos realizada pelo Aon Centre of Innovation and Analytics durante o segun-
do semestre de 2018 compilou respostas de mais de 2.600 gestores de risco de
33 indústrias englobando empresas de todos os portes em operação em mais de
60 países. Dessas, apenas 24% disseram que quantificam seus dez maiores riscos;
somente 20% usam modelos de risco e 10% informaram que não implementa-
ram nenhum processo formal de gestão de riscos. Dentre os 15 maiores riscos
apontados na pesquisa, o dano à reputação ou à marca figura em segundo lugar
na lista, perdendo apenas para o temor de desaceleração econômica.11
No Brasil, a KPMG publicou em 2018 a 4ª edição do seu estudo sobre
Gerenciamento de riscos: os principais fatores de risco divulgados pelas empresas
abertas brasileiras, em que analisou dados de 238 empresas de capital aberto
atuantes em diferentes setores da economia utilizando informações extraídas
dos Formulários de Referência da CVM. O estudo constatou que “nas em-
presas com faturamento acima de 10 bilhões de reais, 76% têm uma estrutura

10 FARIAS, Adilson de Brito; MACHADO JÚNIOR, Celso. Manual de Sistema de Gestão de Compliance.
Revista Metropolitana de Governança Corporativa. 2018, p. 89.
11 Aon Centre of Innovation and Analytics. Pesquisa Global de Gestão de Risco 2019 – Sumário Executivo, p. 17.
Valério Soares Heringer 181

dedicada a essa atividade. Já nas empresas com faturamento de até 500 milhões
de reais, a porcentagem cai para 20%”. 12 Nessa pesquisa, os 10 fatores de risco
mais reportados pelas empresas com atuação no território nacional foram, em
ordem percentual de indicações: riscos regulatórios (86%), riscos aos acionistas
(84%), riscos associados às estratégias de negócio (82%), riscos operacionais
(81%), condições econômicas e de mercado (79%), concorrência (79%), riscos
associados à atuação do acionista controlador (76%), riscos jurídicos (76%),
riscos financeiros e de caixa (71%) e riscos associados aos gestores (60%).
A avaliação dos fatores de risco de compliance com identificação de suas
causas permite o estabelecimento de mecanismos de controle adequados para
cada situação, os quais devem ser acompanhados de protocolos ou checklists de
atuação e resposta aos impactos negativos deles decorrentes. O processo de ava-
liação dos riscos de não-conformidade envolve, por conseguinte, uma análise
situacional crítica, permanente e regularmente exercida, sem prejuízo de sua
deflagração extraordinária sempre que mudanças normativas ou contextuais
exijam um novo posicionamento ou abordagem diversa da aplicada até então.
Medida normalmente incorporada aos programas de compliance é a
devida diligência ou due diligence baseada no risco (risk-based diligence), ado-
tada sempre que o risco de compliance se posicione além dos marcos ordinários
pré-definidos pela organização, notadamente quando desenvolve análises a
respeito de categorias específicas de negócio; de pessoas; de processos ou pro-
jetos; de produtos ou serviços; de normas, acordos e contratos; de aquisições,
fusões ou transações não ordinárias. Nesses casos, o processo de análise deve
incluir qualquer due diligence necessária para obter informação suficiente para
avaliar os riscos de não-conformidade13 de modo a permitir a construção de
uma matriz de riscos individualizada, baseada na probabilidade de ocorrência
do evento e no impacto dele resultante, permitindo à organização estabelecer
as relevâncias e priorizações, bem como estruturar planos de ação.
Considerando que as organizações analisam frequentemente diferentes
tipos de riscos e impactos, um dilema que normalmente se apresenta é se os
direitos humanos podem ser integrados aos processos tradicionais de avaliação
de riscos.14 Esse assunto será analisado nos capítulos seguintes.

12 KPMG. Gerenciamento de riscos. 2018. p. 77.


13 FARIAS, Adilson de Brito; MACHADO JÚNIOR, Celso. Manual de Sistema de Gestão de Compliance.
Revista Metropolitana de Governança Corporativa. 2018, p. 89.
14 A este respeito, podem ser consultados: Mike Baab and Margaret Jungk. The Arc of Human Rights Priorities,
2009 e Guide to Human Rights Impact Assessment and Management (HRIAM), publicado por The Interna-
tional Business Leaders Forum (IBLF) and the International Finance Corporation (IFC), in association with
the UN Global Compact.
182 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

3. DUE DILIGENCE E DIREITOS HUMANOS


A due diligence pode ser definida de várias maneiras. O International
Council on Mining and Metals (ICMM)15 abordou a devida diligência em direi-
tos humanos como um processo: de conscientização interna; de compreensão
de como e onde as atividades empresariais podem se cruzar com os direitos
humanos e violá-los; de análise das medidas de prevenção ou de mitigação de
possíveis riscos aos direitos humanos e de indicação das providências tendentes
a remediar os impactos concretos que ocorreram ou possam ocorrer.
O Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas
(ONU) aprovou em 16.11.2011 o Guiding Principles on Business and Human
Rights: Implementing the United Nations ‘Protect, Respect and Remedy’ Frame-
work”16 ou simplesmente Princípios orientadores sobre negócios e direitos humanos:
implementando a estrutura ‘proteger, respeitar e remediar’ das Nações Unidas. Esse
documento, após reiterar o dever dos Estados de proteger as pessoas contra
o abuso de direitos humanos em seu território, enunciou a responsabilidade
corporativa de respeito aos direitos humanos internacional-mente reconheci-
dos – considerados pelo menos os expressos na Carta Internacional de Direitos
Humanos e na Declaração da Organização do Trabalho sobre Princípios Fun-
damentais e Direitos no Trabalho.
Segundo a ONU, a responsabilidade de respeitar os direitos humanos
exige que as empresas, em suas atividades: a) evitem causar ou contribuir para
a ocorrência de impactos adversos nos direitos humanos por meio de suas
atividades próprias e lidar com esses impactos quando ocorrerem; b) prevenir
ou mitigar impactos adversos nos direitos humanos que sejam diretamente
ligados às suas operações, produtos e serviços ou por suas relações comerciais,
mesmo que não tenham contribuído para tais impactos17
Para incorporar esse propósito às suas práticas organizacionais, as
empresas devem elaborar e emitir uma declaração de política empresarial
aprovada pelo mais elevado nível decisório que estipule as expectativas de
direitos humanos da empresa em relação aos trabalhadores, parceiros de
negócios e outros agentes, sujeitos ou partes diretamente ligadas às suas
operações, produtos ou serviços. Essa declaração deve ter ampla divulgação
interna e externa, e refletir-se nas políticas e procedimentos operacionais
15 ICMM International Council on Mining and Metals. Human rights in the mining and metals industry Inte-
grating human rights due diligence into corporate risk management processes March 2012
16 ONU. Guiding Principles on Business and Human Rights: Implementing the United Nations ‘Protect, Res-
pect and Remedy’ Framework. 2011
17 ONU. Guiding Principles on Business and Human Rights: Implementing the United Nations ‘Protect, Res-
pect and Remedy’ Framework. 2011 (princípio 13).
Valério Soares Heringer 183

necessários para incorporá-la em toda a organização18.


O princípio 17 do referido documento se destina a orientar as empresas a
praticarem a due diligence em direitos humanos com a finalidade de identificar,
prevenir, mitigar e explicar como a organização aborda os impactos negativos
sobre os direitos humanos.
No levantamento e análise dos efeitos reais e potenciais das atividades
empresarias sobre os direitos humanos, o processo de due diligence: a) deverá
alcançar os impactos adversos nos direitos humanos que a empresa venha a
causar diretamente ou para cuja ocorrência contribuiu por meio de suas ativi-
dades, ou ainda aqueles que estejam ligados a operações, produtos ou serviços
suportados por integrantes de sua cadeia de valor e parceiros de negócio; b)
variará em complexidade de acordo com o tamanho, com a natureza da em-
presa e com o contexto de suas operações; c) será contínuo, considerando que
os riscos aos direitos humanos podem mudar ao longo do tempo à medida em
que as operações ou contexto operacional evoluírem.
No processo de due diligence a organização deve utilizar recursos internos,
bem como valer-se de técnicos e peritos externos, realizar consultas com grupos
potencialmente afetados e outras partes interessadas relevantes, conforme apro-
priado ao tamanho da empresa e a natureza e ao contexto da operação19.
Os princípios 19, 20 e 21 dirigem-se aos atos de reparação. Para prevenir
e mitigar impactos adversos nos direitos humanos, as empresas devem asso-
ciar aos resultados de suas avaliações de impacto algumas funções e processos
internos relevantes para a tomada de medidas apropriadas. Essa integração
efetiva exige que: a) a responsabilidade pelo tratamento de tais impactos seja
atribuída ao nível e função adequados dentro da empresa; b) a tomada de
decisões internas, alocações orçamentárias e supervisão de processos devem
permitir respostas efetivas a esses impactos; c) a ação apropriada poderá variar
de acordo com circunstâncias relacionadas com a vinculação direta ou indireta
da empresa na causa do impacto e com o uso de recursos disponíveis no trata-
mento do impacto adverso. Para verificar se os impactos adversos nos direitos
humanos estão sendo corretamente abordados, as empresas devem monitorar a
eficácia de suas respostas aos eventos. Para tanto, o rastreamento deve basear-se
em indicadores qualitativos e quantitativos adequados bem como recorrer ao
feedback de fontes internas e externas, incluindo as partes interessadas.

18 ONU. Guiding Principles on Business and Human Rights: Implementing the United Nations ‘Protect, Res-
pect and Remedy’ Framework. 2011 (princípio 16).
19 ONU. Guiding Principles on Business and Human Rights: Implementing the United Nations ‘Protect, Res-
pect and Remedy’ Framework. 2011 (princípio 18).
184 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

4. DUE DILIGENCE PARA CONDUTA RESPONSÁVEL


DE EMPRESAS MULTINACIONAIS. ORIENTAÇÕES
DA ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Também o Conselho da Organização para a Cooperação e Desenvol-
vimento Econômico (OCDE), reconhecendo que as atividades empresariais
podem causar impactos negativos, aprovou em 30.05.2018 o Due Diligence
Guidance for Responsible Business Conduct20 ou simplesmente Orientações de Due
Diligence para Conduta Empresarial Responsável voltado para empresas multi-
nacionais, assim consideradas as empresas – total ou parcialmente estatais ou
privadas – detentoras ou controladoras da produção, distribuição, serviços ou
de outros benefícios externos ao país onde estão sediadas, independentemente
do seu tamanho, forma de propriedade, localização ou segmento econômico
em que desenvolvem suas operações e grau de autonomia entre as unidades de
negócio que integram seus respectivos grupos empresariais21.
O guia da OCDE recomenda a implantação, execução e monitoramento
de processos de due diligence em contextos relacionados com direitos humanos,
emprego e relações laborais, meio ambiente, combate à corrupção, relações de
consumo, accountability e transparência. São abrangidos todos os tipos de relações
negociais da empresa: fornecedores, franqueados, licenciados, empresas parceiras,
investidores, clientes, contratados, consumidores, assessores financeiros, jurídicos
e outros, bem como qualquer outra entidade, pública ou privada, que se vincule
às suas atividades comerciais, de produção ou de prestação de serviços22.
Para a OCDE, a devida diligência deve ser entendida como o conjunto de
processos interrelacionados para identificar os impactos negativos, preveni-los
e mitigá-los, bem como realizar o acompanhamento da implementação e dos
resultados e informar sobre como se abordam os impactos negativos relacio-
nados com as atividades próprias das empresas, suas cadeias de valor e demais
relações comerciais. A devida diligência deve fazer parte do processo decisório
e de gestão de riscos das empresas, inclusive incorporando – mas não se res-
tringindo – aos contornos clássicos da due diligence em processos transacionais.
Ruggie e Sherman observam que 23
Devemos salientar que não é correto dizer que a devida diligência está ‘no coração’
20 OECD Due Diligence Guidance for Responsible Business Conduct, 2011.
21 Para os fins deste trabalho adotamos a noção de “empresas multinacionais” referida no item 6 da Declaração Tri-
partite de Princípios Sobre as Empresas Multinacionais e a Política Social. OIT, Declaração Tripartite, 2017, p. 8.
22 OECD Due Diligence Guidance for Responsible Business Conduct, 2011, p. 11.
23 John Gerard Ruggie, John F. Sherman, III. 2017, p. 923
Valério Soares Heringer 185

dos Princípios Orientadores [da OCDE]. A estrutura ‘Proteger, respeitar e remediar’


é mais complexa. Aborda estados, empresas, bem como indivíduos e comunida-
des afetados adversamente de maneiras diferentes, porém complementares. Para
os estados, a ênfase está em suas obrigações legais sob o regime internacional de
direitos humanos para proteger contra violações de direitos humanos por terceiros
em sua jurisdição, incluindo negócios, bem como em políticas lógicas que sejam
consistentes e apoiem o cumprimento dessas obrigações. Para as empresas, além
do cumprimento das obrigações legais, os Princípios Orientadores concentram-se
na necessidade de prevenir e abordar o envolvimento em impactos adversos aos
direitos humanos, para os quais é prescrita a realização de diligência prévia em di-
reitos humanos. Para as pessoas e comunidades afetadas, os Princípios Orientadores
incluem meios pelos quais eles podem ter mais poder para obter reparação através
de meios judiciais e não judiciais. Os Princípios Orientadores buscam alcançar um
maior alinhamento entre os três sistemas de governança no domínio comercial e
de direitos humanos sob a estrutura “Proteger, respeitar e remediar”. Portanto, a
due diligence em direitos humanos é apenas um componente de um sistema mais
complexo. (RUGGIE, John; SHERMAN, John. 2017, p. 923.)

Assim, independentemente dos encargos atribuídos aos Estados, a OCDE


estabeleceu que a conduta empresarial responsável deve ser incorporada nas po-
líticas e sistemas de gerenciamento das empresas multinacionais, a partir da qual
são identificados e avaliados os impactos adversos advindos das respectivas opera-
ções, cadeias de suprimento e demais relações negociais para em seguida adotar
medidas (ou contribuir para sua adoção) que visem a impedir, cessar ou mitigar
tais danos. O acompanhamento da implementação dos resultados e a comunica-
ção às partes interessadas sobre como os impactos estão sendo tratados também
são medidas que integram o ciclo da devida diligência, conforme figura 1.
186 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Figura 1. Processo de devida diligência e medidas de apoio. OECD Due Diligence


Guidance for Responsible Business Conduct, 2011, p. 21.

5. COMPATIBILIZAÇÃO DA DECLARAÇÃO TRIPARTITE


DE PRINCÍPIOS SOBRE EMPRESAS MULTINACIONAIS E
POLÍTICA SOCIAL DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL
DO TRABALHO COM AS DIRETRIZES DA ORGANIZAÇÃO
DAS NAÇÕES UNIDAS E AS ORIENTAÇÕES
DA ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
O Conselho de Administração da Repartição Internacional do Trabalho
da Organização Internacional do Trabalho (OIT), na 329ª sessão ocorrida
em Genebra, de 9 a 24 de março de 2017, aprovou o novo texto da De-
claração Tripartite de Princípios sobre Empresas Multinacionais e Política
Social, originalmente editada em 1977 e submetida a sucessivas alterações
em 2000, 2006 e 2007.
Nada obstante a feição recomendatória da Declaração Tripartite de Prin-
cípios sobre Empresas Multinacionais e Política Social da OIT, bem como o
fato de ainda carecer de avanços em direção, pelo menos, ao estabelecimento
de uma política laboral mais equitativa entre os trabalhadores dos países-sede
e dos países anfitriões24 e ainda a constatação de que muitas de suas proposições
já foram incorporadas à legislação brasileira, é de fundamental importância que
as empresas – multinacionais ou nacionais – efetivamente pratiquem a devida
diligência em matéria de direitos humanos, trabalho e emprego.
Nesse sentido, as empresas devem introduzir em seus processos internos
e nas suas relações com os demais stakeholders as proposições constantes dos
documentos examinados neste artigo, quais sejam: a) os Princípios Orientado-
res sobre Negócios e Direitos humanos das Nações Unidas; b) as Orientações
de Due Diligence para Conduta Empresarial Responsável e; c) a Declaração
Tripartite de Princípios sobre Empresas Multinacionais e Política Social da
OIT. Assim, considerados os limites e propósitos deste artigo, as empresas
devem adotar como referencial para estruturação do instrumento de devida
diligência em matéria de relações laborais a Declaração Tripartite de Princípios

24 FONSECA, Bruno G. Borges da. A Superexploração da Força de Trabalho e a Declaração Tripartite de


Princípios sobre Empresas Multinacionais e Política Social da Organização Internacional do Trabalho: Di-
reito Internacional do Trabalho. Aplicabilidade e Eficácia dos Instrumentos Internacionais de Proteção ao
Trabalhador. São Paulo: Ltr. 2018, p. 351.
Valério Soares Heringer 187

sobre Empresas Multinacionais e Política Social da OIT, a partir da qual serão


conectados os princípios e orientações dos outros dois instrumentos.
Para tanto, no capítulo seguinte encontram-se recomendações capazes de
qualificar a função de due diligence das empresas que desenvolvam atividades no
Brasil, relativamente a temas centrais em matéria laboral e de direitos humanos
em conexão com aqueles.

6. DUE DILIGENCE EM MATÉRIA TRABALHISTA.


PREVENÇÃO AOS RISCOS DA NÃO-CONFORMIDADE.
ALGUMAS PROPOSTAS.
Marco regulatório geral
Devem integrar a base teórico-jurídica dos checklists de devida diligência
em matéria trabalhista os seguintes instrumentos: a) Declaração Tripartite de
Princípios sobre Empresas Multinacionais e Política Social da OIT; b) Decla-
ração da OIT sobre Justiça social para uma globalização equitativa (2008); c)
Convenções e Recomendações Internacionais do Trabalho; d) conclusões da
Conferência Internacional do Trabalho sobre a promoção de empresas susten-
táveis (2007); e) conclusões da Conferência Internacional do Trabalho sobre
trabalho decente nas cadeias de suprimentos globais (2016); f ) Princípios
Orientadores sobre Negócios e Direitos Humanos: Implementação do Quadro
das Nações Unidas para “proteger, respeitar e remediar” (2011); g) objetivos e
metas da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável (2015); h) Agenda
de Ação de Adis Abeba (2015) sobre financiamento para o desenvolvimento;
i) Acordo de Paris (2015) sobre mudanças climáticas; j) Diretrizes da OCDE
para Empresas Multinacionais (revisada em 2011); k) Recomendações con-
tidas no C20 Policy Pack 201925. Além disso, todas as empresas nacionais ou
multinacionais devem levar em conta as práticas locais e respeitar os padrões
internacionais aplicáveis ao caso. Devem também cumprir os compromissos
livremente contratados e dar cumprimento às regras relativas às relações de
trabalho em todas as suas operações.26

Promoção de emprego
As empresas devem se esforçar para melhorar as oportunidades e os
padrões de emprego levando em consideração as políticas e os objetivos
dos governos, prover a segurança no emprego, garantir o desenvolvimento

25 Disponível em https://civil-20.org/2019/wp-content/uploads/2019/08/C20-POLICY-PACK-2019-web2.pdf
26 Declaração Tripartite de Princípios sobre Empresas Multinacionais e Política Social da OIT – Anexo, item 47.
188 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

sustentável da empresa a longo prazo27 e contribuir para a implementação


das Agendas Nacionais de Trabalho Decente (OIT/2006)28 e de Trabalho
Decente para a Juventude (OIT/2011)29. Em países-anfitriões que enfrentam
problemas mais graves de desemprego e subemprego, como o Brasil neste
momento, as empresas devem trabalhar no sentido de promover o emprego
formal na cadeia de fornecedores e sempre que possível prestigiar os arranjos
produtivos locais com uso da força de trabalho ali existente.30 Devem, ainda
dedicar especial atenção às conclusões relativas à promoção de empresas
sustentáveis, adotado pela Conferência Internacional do Trabalho (2007),
ao Pacto Global para Emprego (2009)31 e ao objetivo 8 dos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável.32

Tecnologia e desenvolvimento do trabalhador


Ao investirem em países em desenvolvimento, as empresas devem
utilizar tecnologias capazes de gerar empregos e, na medida do possível,
adaptar suas tecnologias às necessidades e características dos países anfitriões,
promovendo direta ou indiretamente o desenvolvimento profissional dos
trabalhadores que ali residam.

Eliminação do trabalho forçado ou obrigatório


Propõe a OIT que as empresas nacionais e multinacionais adotem me-
didas no âmbito de suas competências para tornar efetiva a proibição e a
eliminação de trabalho forçado ou obrigatório em suas operações33.
De acordo com o Observatório Digital da Erradicação do Trabalho Escra-
vo e do Tráfico de Pessoas do Ministério Público do Trabalho em parceria com
a OIT, entre 2003 e 2018 foram resgatados 45.028 trabalhadores em situação
de trabalho forçado no Brasil. O perfil dos casos revela padrões e vulnerabili-
dades que merecem maior atenção das autoridades: 73% dos resgatados eram
trabalhadores agropecuários, 31% deles eram analfabetos e 39% não havia
concluído o 5º ano do ensino fundamental. As atividades econômicas mais

27 Declaração Tripartite de Princípios sobre Empresas Multinacionais e Política Social da OIT – Anexo, itens
13 e 14.
28 Disponível em https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—-americas/—-ro-lima/—-ilo-brasilia/docu-
ments/publication/wcms_226229.pdf
29 Disponível em https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—-americas/—-ro-lima/—-ilo-brasilia/docu-
ments/genericdocument/wcms_302678.pdf
30 Declaração Tripartite de Princípios sobre Empresas Multinacionais e Política Social da OIT – Anexo, item 18.
31 Disponível em http://www.lim.ilo.org/1/wp-content/uploads/2009/12/OIT_Pacto_Mundial_PORT_web.pdf
32 Disponível em https://nacoesunidas.org/conheca-os-novos-17-objetivos-de-desenvolvimento-sustenta-
vel-da-onu/
33 Declaração Tripartite de Princípios sobre Empresas Multinacionais e Política Social da OIT – Anexo, item 25.
Valério Soares Heringer 189

comumente envolvidas em trabalhos forçados são a criação de bovinos para


corte, o cultivo de arroz, a fabricação de álcool e o cultivo da cana de açúcar.
Embora majoritário em áreas rurais, o trabalho em condições análogas à de
escravo também se apresenta em centros urbanos. No município de São Paulo,
por exemplo, houve 588 resgates no período 2003/2008, 64% dos quais se
ativavam no segmento econômico industrial da confecção.
Em razão disso, na atividade de due diligence as empresas devem dedicar
extrema atenção às condições de trabalho praticadas pelos integrantes de sua
cadeia de fornecedores ou parceiros de negócio, considerado o risco de danos
reputacionais gravíssimos para quem mantém a seu serviço trabalhador em
condição análoga à de escravo.
No Brasil, é crime punível com até oito anos de reclusão manter alguém
em condição análoga à de escravo, seja submetendo-o a trabalhos forçados
ou a jornada exaustiva, seja sujeitando-o a condições degradantes de trabalho
ou ainda restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida
contraída com o empregador ou preposto. Essa pena também será aplicada
àquele que: cerceia a utilização de qualquer meio de transporte por parte do
trabalhador com o propósito de retê-lo no local de trabalho; mantém vigilância
ostensiva no local de trabalho; se apodera de documentos ou objetos pessoais
do trabalhador com idêntica finalidade de retê-lo no local de trabalho. O delito
se agrava caso seja cometido contra criança ou adolescente ou motivado por
preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem34
Também comete crime aquele que agencia, alicia, recruta, transporta,
transfere, compra, aloja ou acolhe pessoa, mediante grave ameaça, violência,
coação, fraude ou abuso, com a finalidade de submetê-la a trabalho em con-
dições análogas à de escravo ou a qualquer tipo de servidão, restando agravada
a pena caso o delito seja cometido por agente público no exercício de suas
funções ou a pretexto de exercê-las ou praticado contra criança, adolescente
ou pessoa idosa ou com deficiência e também nos casos em que o agente se
prevalece de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalida-
de, de dependência econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica
inerente ao exercício de emprego, cargo ou função.35
Destaquem-se as normas da OIT de combate ao trabalho escravo: Con-
venção nº 29 da OIT sobre Trabalho Forçado (1930) ratificada pelo Brasil em
25.04.1957; Convenção nº 105 da OIT sobre a abolição do trabalho forçado

34 Código Penal Brasileiro, artigo 149.


35 Código Penal Brasileiro, artigo 149-A.
190 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

(1957), ratificada pelo Brasil em 18.06.1965; Recomendações nº 35 e 203 da


OIT sobre trabalho forçado (medidas complementares), de 2014.

Abolição do trabalho Infantil: idade mínima e piores formas


A OIT preconiza que as empresas multinacionais e nacionais respei-
tem a idade
mínima de admissão em emprego ou trabalho, promovendo a abolição
efetiva do trabalho infantil em suas operações3637. Cabe aqui a mesma adver-
tência da seção anterior no sentido de ampliar esse monitoramento a todas as
empresas integrantes da cadeia de valor das multinacionais. Normas da OIT
sobre o tema: Convenção 138 sobre a idade mínima (1973), ratificada pelo
Brasil em 26.06.2001 e Recomendação nº 146; Convenção 182 sobre as Piores
Formas de Trabalho Infantil (1999), ratificada pelo Brasil em 02.02.2000 e
Recomendação nº 190.

Igualdade de oportunidades e tratamento


As empresas multinacionais devem ser orientar-se pelo princípio da não
discriminação em todas as suas operações, abstendo-se de promover qualquer
tipo de distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião,
opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito
destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em maté-
ria de emprego ou profissão.38 No Brasil, além da Constituição Federal e da
Consolidação das Lei do Trabalho (CLT), a Lei nº 9.029/9539 é de observância
obrigatória para todas as empresas que desejam acautelar-se de riscos de não-
-conformidade decorrentes da prática de ato discriminatório.40
Quanto à política de igualdade salarial, há muito a se fazer. De acordo
com o Observatório da Diversidade e da Igualdade de Oportunidades41 do
Ministério Público do Trabalho em parceria com a OIT, segundo os dados da
36 Declaração Tripartite de Princípios sobre Empresas Multinacionais e Política Social da OIT – Anexo, item 27.
37 A esse respeito, confira-se as Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais, 2011, Capítulo V, parágrafo 1c.
38 Convenção OIT 111, de 1958.
39 A Lei 9.029, de 13.04.1995, proíbe a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de
acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situa-
ção familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses
de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal. Além
disso, tipifica como crime as práticas discriminatórias concernentes à exigência de teste, exame, perícia,
laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez
e à adoção de quaisquer medidas, de iniciativa do empregador, que configurem: a) indução ou instigamento
à esterilização genética; b) promoção do controle de natalidade fora dos programas públicos ou privados
submetidos Sistema Único de Saúde do Brasil (SUS).
40 A esse respeito, confira-se as Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais, 2011, Capítulo V, parágrafo 1 e.
41 Disponível em https://smartlabbr.org/diversidade
Valério Soares Heringer 191

Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2017, as mulheres brasilei-


ras recebem cerca de 85,1% do rendimento médio dos homens. Quando se
analisam as diferenças remuneratórias pela perspectiva interseccional de sexo e
raça/cor, ao adotar-se a remuneração média (R$ 3.300,00) dos homens brancos
brasileiros (grupo paradigma), verifica-se que a remuneração média dos demais
grupos correspondeu aos seguintes percentuais: a) mulheres brancas 76,8%; b)
homens negros 68,3% e; c) mulheres negras 54,9%.42 Nos cargos de direção
a diferença de remuneração média entre homens e mulheres é de aproxima-
damente 36,6% em desfavor das mulheres. Apenas com base nesses poucos
indicadores se verifica a urgente necessidade de adoção da devida diligência em
matéria de remuneração, sendo aplicáveis as seguintes normas da OIT sobre
o tema: Convenção 100 sobre igualdade de remuneração (1951) e Recomen-
dação 90. Finalmente, sobre este assunto, embora a Declaração Tripartite de
Princípios sobre Empresas Multinacionais e Política Social da OIT afirme que
os salários, benefícios e condições de trabalho oferecidas pelas empresas mul-
tinacionais em todas as suas operações não deve ser menos favorável para seus
trabalhadores do que os oferecidos por empregadores similares estabelecidos
no próprio país anfitrião, o desejável em termos de plena igualdade é o defe-
rimento, aos trabalhadores do país anfitrião, das mesmas condições ofertadas
aos trabalhadores do país-sede, quando estas sejam superiores aos daqueles.

Liberdade de associação e direito de organização sindical


A garantia de proteção à liberdade de organização e associação sindical
não é apenas obrigação estatal, mas dever das empresas, que devem abster-se
da prática de qualquer ato tendente a eliminar, proibir, interferir ou limitar
o direito dos trabalhadores de exercerem sua cidadania sindical.43 Do mesmo
modo, as organizações integrantes do sistema sindical brasileiro devem ser
respeitadas e protegidas contra atos ilegais de interferência em sua dinâmica
representativa. Nesse sentido temos a aplicação das Convenções OIT 98, sobre
o direito de sindicalização e de negociação coletiva (1952) e a 154, sobre fo-
mento à negociação coletiva (1981) ambas ratificadas pelo Brasil. Além dessas,
a Constituição Federal dedica diretamente ao tema os artigos 8º a 11 e a Con-
solidação das Leis do Trabalho o Título V.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desemprego, o aumento da desigualdade social e da pobreza, a ausência

42 Cf. https://smartlabbr.org/diversidade/localidade/0?dimensao=genero
43 A esse respeito, confira-se as Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais, 2011, Capítulo V, parágrafo 1 b.
192 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

de esperança na capacidade do modelo liberal de garantir prosperidade aos


povos do mundo e o avanço das propostas políticas populistas e pouco res-
ponsivas aos clamores dos grupos menos favorecidos reforçam a necessidade
de rediscussão das relações entre o capital e o trabalho com vista ao aumento
da dignidade e da qualidade de vida dos trabalhadores.
A crescente a preocupação dos organismos supranacionais de direito
público com a justa e plena aplicação das normas de direitos humanos e de
direito trabalhista pelas corporações multinacionais vem contribuindo para a
ampliação do uso de certos instrumentos de gestão. É o caso das ferramentas de
gerenciamento de risco e da due diligence, que receberam da ONU o reconhe-
cimento de sua importância na identificação, prevenção, mitigação e reparação
de impactos negativos de condutas empresariais sobre os direitos humanos. A
pura e simples aplicação da due diligence aos direitos humanos e ao direito do
trabalho é circunstância a ser comemorada, independentemente do fato dela
se integrar aos processos tradicionais de compliance ou ser desenvolvida de
forma autônoma e especializada.
Para um resultado mais distributivo e equânime em termos socio-
trabalhistas é mais adequado que a due diligence em matéria de trabalho e
emprego utilize como referencial teórico-jurídico a Declaração Tripartite de
Princípios sobre Empresas Multinacionais e Política Social da OIT e a ela se
integrem os Princípios Orientadores sobre Negócios e Direitos humanos da
ONU e as Orientações de Due Diligence para Conduta Empresarial Respon-
sável da OCDE.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
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Valério Soares Heringer 193

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Saraiva, 2017.
UM SÉCULO DE OIT – NOVOS DESAFIOS E
PERSPECTIVAS
ILO CENTURY – NEW CHALLENGES AND PROSPECTS

Gustavo Teixeira Ramos1

“Si vis pacem, cole justiciam.”2


(Se deseja paz, cultive justiça).

RESUMO: A OIT – Organização Internacional do Trabalho surgiu em 1919


num contexto de substituição de paradigma – do Estado Liberal ao Estado Social
– em que a igualdade associou-se à ideia de Justiça Social. Desde a sua origem,
a OIT promove a adoção por Estados-Membros de normas internacionais de
proteção jurídica ao trabalhador, polo mais fraco na relação trabalhista, sob a
premissa fundamental, enunciada na Declaração de Filadélfia (1944) de que o tra-
balho não é mercadoria. Fortalece-se a cada dia o papel da OIT como organismo
internacional fundamental para a efetivação dos direitos sociais relacionados ao
trabalho e à previdência em várias partes do mundo. Especialmente nos últimos
anos, porém, as relações sociais e trabalhistas vêm sofrendo transformações cada
vez mais velozes, impulsionadas pelos sucessivos avanços tecnológicos e também
em decorrência da readequação da estrutura organizacional das empresas num
contexto de concorrência internacional. Nesse contexto, três desafios merecem
especial atenção por parte da OIT na atualidade: i) insuficiência do conceito
tradicional de subordinação jurídica; ii) avanço incontrolado da terceirização de
serviços; iii) law shopping ou darwinismo social. O presente artigo procura enun-
ciar as principais características e os problemas decorrentes de cada um desses
desafios, destacando-se o papel da OIT em superá-los. Ao final, apontam-se
perspectivas de atuação da OIT para a promoção da dignidade do trabalhador,
seja por intermédio do discurso ou da adoção de normas e ações concretas de
estímulo à solidariedade entre países e entre todos aqueles (empregados ou não)
que dependem da própria força de trabalho para sobreviver.
1 Mestrando em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas pelo Centro Universitário UDF, linha de pesquisa
Constitucionalismo, Direito do Trabalho e Processo. Advogado com experiência relevante nas áreas de Direito
do Trabalho, Direito Ambiental do Trabalho e Direito Constitucional, sobretudo no âmbito do Tribunal Supe-
rior do Trabalho – TST e do Supremo Tribunal Federal – STF. Especialista em Direito Material e Processual do
Trabalho pela Universidade Mackenzie. Graduado em Direito pela Universidade de Brasília – UnB.
2 Frase gravada na pedra fundamental do escritório da Organização Internacional do Trabalho – OIT – às
margens do Lago Léman, na Suíça.
Gustavo Teixeira Ramos 195

Palavras-chave: Organização Internacional do Trabalho; Justiça Social; digni-


dade do trabalhador.
ABSTRACT: The ILO – International Labor Organization emerged in 1919 in a
context of paradigm replacement – from the Liberal State to the Social State – in
which equality was associated with the idea of Social
​​ Justice. Since its origin, the
ILO has promoted the adoption by Member States of international standards of
legal protection for workers, the weakest pole in the labor relationship, under the
fundamental premise of the Philadelphia Declaration (1944) that labor is not a
commodity. Every day the ILO’s role is strengthened as a fundamental interna-
tional body for the realization of social rights related to work and social security
in various parts of the world. Especially in recent years, however, social and labor
relations are changing fast, driven by successive technological advances and also
as a result of the readjustment of the organizational structure of companies in a
context of international competition. In this context, three challenges deserves
special attention from the ILO today: i) inadequacy of the traditional concept
of legal subordination; ii) uncontrolled progress in outsourcing services; iii) law
shopping or social darwinism. This article seeks to outline the characteristics
and problems arising from each of these challenges, highlighting the ILO’s role
in overcoming them. Finally, ILO perspectives for action to promote worker
dignity are pointed out, either through discourse or the adoption of norms and
concrete actions to stimulate solidarity among countries and among all those
(employees or not) who depend on own workforce to survive.
Keywords: International Labor Organization; Social Justice; worker´s dignity.

1. O CONTEXTO DE SURGIMENTO DO DIREITO DO


TRABALHO E DA OIT.
A igualdade jurídica e os direitos individuais e políticos proclamados
pelo Estado Liberal no final do século XVIII com a finalidade de extinguir
os privilégios da nobreza e do clero e os arbítrios praticados contra os súditos
revelaram-se insuficientes à manutenção da ordem pública diante da flagrante
desigualdade social surgida após a denominada 1ª Revolução Industrial, pe-
ríodo de consolidação do sistema capitalista de produção.
Realmente, ao encobrir sob seu manto de abstração um mundo de desi-
gualdades de fato – econômicas, sociais e políticas – o Estado Liberal fechava
os olhos para o fato de que muitas pessoas morriam de fome e ao relento, en-
quanto os tribunais assentavam as bases da jurisprudência no lirismo segundo
o qual “todos os homens são iguais perante a lei”.3
Na obra-prima “Os Miseráveis” (1862), Victor Hugo retrata contingentes

3 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 61.
196 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

populacionais enormes submetidos à mais absoluta pobreza, tendo como últimos


recursos a mendicância e a prostituição, após a migração massiva dos campos para
as cidades em busca de subsistência por meio de algum trabalho, qualquer que
fosse. Diante desse cenário insustentável, e apesar dos significativos lucros obtidos
por alguns empresários naquele período, o Estado burguês viu-se pressionado
por movimentos de trabalhadores e de desempregados, a buscar soluções que
evitassem uma nova revolução, agora de índole comunista ou socialista, cujas
ideias pululavam em toda a Europa e migravam para novos continentes.4
Constatou-se que a liberdade nem sempre era exercida de forma ética,
constituindo-se muitas vezes na liberdade egoísta, a resultar na triste realidade
do homem médio da época: “economicamente oprimido, espiritualmente es-
cravo”5. O liberalismo clássico, que cultuava a ampla liberdade de contratar e
a regra de ouro da não-intervenção do Estado nas relações privadas, não pôde
resolver o problema essencial de ordem econômica das vastas camadas proletá-
rias da sociedade e das condições aviltantes de trabalho, realizado por crianças
a partir de 5 anos de idade, com jornadas de trabalho exaustivas, precárias
condições de saúde no ambiente laboral e salários indignos, tudo assistido por
um faminto exército de desempregados.6
A ampla liberdade de contratar vivenciada na primavera do liberalismo
europeu aliada ao absenteísmo ou, por vezes, até à repressão estatal7 geraram o
que alguns chamam de período de maior exploração do homem pelo homem
da história, tido como pior até que na época da escravidão, já que o escravo

4 A esse respeito: MARX, Karl; ENGELS, Friederich. Manifesto do Partido Comunista. Trad. Sueli Toma-
zzini Barros Cassal. Porto Alegre: L&PM, 2002. E também: MARX, Karl. O Capital: crítica da economia
política. Trad. Rubens Enderle. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2017.
5 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 61; 187-191.
6 Num dos incontáveis exemplos de seu profundo trabalho descritivo sobre a origem e o modus operandi do
sistema de produção capitalista, Karl Marx registra o seguinte relato desse período: “Na fábrica de papéis de
parede, os tipos mais grosseiros são impressos com máquinas, e os mais finos, manualmente. O período de
atividade mais intensa é entre o começo de outubro e o fim de abril, quando esse trabalho é realizado quase sem
interrupção das 6 horas da manhã às 10 da noite ou ainda mais tarde. J. Leach declara: “No último inverno”
(1862), “6 das 19 moças foram dispensadas em decorrência de doenças provocadas por excesso de trabalho.
Para mantê-las acordadas, tenho de gritas em seus ouvidos”. W. Duffy: “Frequentemente, as crianças estavam
tão cansadas que não podiam manter seus olhos abertos durante o trabalho; na verdade, nós mesmos quase não
conseguimos.” J. Lightbourne: “Tenho 13 anos [...]. Durante o inverno passado, trabalhamos até as 9 horas da
noite e, no inverno anterior, até as 10 da noite. No último inverno, quase todas as noites eu costumava gritar
de dor em meus pés machucados”. G. Aspden: “Quando este meu filho tinha 7 anos de idade, eu costumava
carregá-lo nas costas para toda parte, atravessando a neve, e ele costumava trabalhar 16 horas por dia! [...]
Frequentemente eu tinha de ajoelhar-me para alimentá-lo, enquanto ele permanecia junto à máquina, pois não
lhe era permitido abandoná-la ou pará-la”. MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I: o
processo de produção do capital. Trad. Rubens Enderle. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2017. p. 320-321.
7 A data de 1º de maio foi internacionalmente escolhida como Dia do Trabalhador em homenagem a traba-
lhadores submetidos a violenta repressão estatal após a deflagração de uma greve geral nos Estados Unidos
em 1º.5.1886, precisamente em Chicago, à época centro industrial daquele país, e cujo principal pleito era
a redução da jornada de trabalho de 13h para 8h diárias em todo o país. Na época, tanto na Europa quanto
nos Estados Unidos as jornadas de trabalho chegavam a 17h por dia, não havendo falar em férias, segurança
no trabalho ou aposentadoria. Era o auge da 2ª Revolução Industrial, especialmente após a descoberta do
gerador e do motor elétrico (1831).
Gustavo Teixeira Ramos 197

era visto como propriedade com valor econômico (a ser preservada, portanto),
enquanto o operário seria facilmente substituído num contexto de enorme de-
semprego e pobreza, com os lucros empresariais variando em função da maior
ou menor exploração de sua força de trabalho (mais-valia8).
O Estado deveria deixar, pois, seu clássico papel de passividade (lais-
sez-faire9) – em sua concepção liberal – para intervir (especialmente na
economia) mediante a implementação de medidas positivas (obrigações de
fazer) visando a garantir uma igualdade material mínima entre os cidadãos no
que se refere aos direitos à saúde, à educação, à moradia, ao trabalho, enfim,
no campo dos direitos sociais. Constatou-se a falácia do direito à liberdade
sem a consideração de fatores econômicos e sociais, reconhecidos hoje como
indispensáveis ao gozo da verdadeira liberdade10.
Era preciso, então, que o Direito se afastasse de seu papel histórico de
instrumento de dominação11 e retirasse a venda dos olhos de Dice12.
Com a instituição do novo paradigma constitucional estabelecido em
conformidade ao chamado Estado Social de Direito, a igualdade vincula-se à
ideia de Justiça Social e a demandas por redistribuição de recursos financeiros
e de poder. Procura-se estabelecer, em nível nacional e internacional, antídotos
contra situações de desequilíbrio e de exploração, especialmente mediante a
proteção jurídica do polo mais fraco em certas relações jurídicas, com destaque
para a relação jurídica trabalhista.13
É nesse contexto de consolidação do chamado Estado Social de Direito,
8 “Sabemos que o valor de toda mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho materializado em seu
valor de uso, pelo tempo de trabalho socialmente necessário à sua produção”. MARX, Karl. Ibidem, p. 263/264.
9 “A expressão completa é “laissez-faire, laissez-aller, laissez-passer, le monde va de lui-même”, que significa literal-
mente “deixai fazer, deixai ir, deixai passar, o mundo vai por si mesmo”. Esta frase teria sido usada pela primeira
vez, em associação ao liberalismo econômico, pelo Marquês de Argenson em 1751.” SIGNIFICADOS. Signifi-
cado de laissez-faire. Disponível em: <https://www.significados.com.br/laissez-faire/>. Acesso em 9 out. 2019.
10 A desigualdade extrema, na pertinente análise de Oscar Vilhena Vieira, torna invisíveis os muito pobres e dá
imunidade aos privilegiados. (VIEIRA, Oscar Vilhena. Direitos Fundamentais: uma leitura da jurisprudência
do STF. Colaboração de Flávia Scabin e Marina Feferbaum. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2017. p. 257/270).
11 Maquiavel (1469-1527) observou ser o controle da lei uma das formas de o príncipe se perpetuar no poder,
de onde a célebre frase: “Aos amigos os favores, aos inimigos a lei”. MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe.
Comentários de Napoleão Bonaparte e Rainha Cristina da Suécia. Trad. Ana Paula Pessoa. São Paulo: Jar-
dim dos Livros, 2007. p. 157.
12 Personificação da Justiça na mitologia grega, cuja representação é feita descalça e com os olhos bem aber-
tos, metaforizando a busca pela verdade, enquanto a Iustitia romana era representada de olhos vendados e
empunhando uma espada e uma balança.
13 “Nesse quadro inovador, surgem inclusive ramos inusitados na árvore jurídica, compostos por segmentos
jurídicos especializados, porém abrangendo largos setores sociais, invertendo, regra geral, o viés dominador
característico dos segmentos jurídicos tradicionais. É o que se passa com os instigantes e criativos Direito
do Trabalho e Direito de Seguridade Social, despontados, revolucionariamente, em fins do século XIX e
início do século XX, os quais foram seguidos, décadas depois, após a Segunda Guerra Mundial, pelo Direito
do Consumidor e pelo Direito Ambiental.” DELGADO, Maurício Godinho; DELGADO, Gabriela Neves.
Constituição da República e Direitos Fundamentais. Dignidade da Pessoa Humana, Justiça Social e Di-
reito do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2015. p. 73/74.
198 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

em substituição ao fracassado Estado Liberal – que é constituída a Organiza-


ção Internacional do Trabalho – OIT – mediante a assinatura do Tratado de
Versalhes em 1919, cujas premissas fundamentais consideram que:
[...] a paz para ser universal e duradoura deve assentar sobre a justiça social;
[...] existem condições de trabalho que implicam, para grande número de indi-
víduos, miséria e privações, e que o descontentamento que daí decorre põe em
perigo a paz e a harmonia universais, e considerando que é urgente melhorar essas
condições no que se refere, por exemplo, à regulamentação das horas de trabalho, à
fixação de uma duração máxima do dia e da semana de trabalho, ao recrutamento
da mão-de-obra, à luta contra o desemprego, à garantia de um salário que assegure
condições de existência convenientes, à proteção dos trabalhadores contra as mo-
léstias graves ou profissionais e os acidentes do trabalho, à proteção das crianças,
dos adolescentes e das mulheres, às pensões de velhice e de invalidez, à defesa dos
interesses dos trabalhadores empregados no estrangeiro, à afirmação do princípio
“para igual trabalho, mesmo salário”, à afirmação do princípio de liberdade sin-
dical, à organização do ensino profissional e técnico, e outras medidas análogas;
[...] a não adoção por qualquer nação de um regime de trabalho realmente
humano cria obstáculos aos esforços das outras nações desejosas de melhorar a
sorte dos trabalhadores nos seus próprios territórios.14

Os fins e objetivos da OIT constam da Declaração de Filadélfia, adotada


ao final da 26ª Conferência Geral da OIT, realizada em 10 de maio de 1944,
com menção aos seguintes princípios fundamentais:
a) o trabalho não é uma mercadoria;
b) a liberdade de expressão e de associação é uma condição indispensável a um
progresso ininterrupto;
c) a penúria, seja onde for, constitui um perigo para a prosperidade geral;
d) a luta contra a carência, em qualquer nação, deve ser conduzida com infati-
gável energia, e por um esforço internacional contínuo e conjugado, no qual os
representantes dos empregadores e dos empregados discutam, em igualdade, com
os dos Governos, e tomem com eles decisões de caráter democrático, visando o
bem comum.15

Nessa trilha, já há um século a OIT vem contribuindo efetivamente com


o estabelecimento de patamares civilizatórios mínimos nas relações jurídicas
trabalhistas, sobretudo por intermédio da elaboração, adoção, aplicação e pro-
moção de Normas Internacionais do Trabalho16, sob a forma de convenções,
14 OIT. Declaração de Filadélfia. Disponível em: <https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—-americas/
—-ro-lima/—-ilo-brasilia/documents/genericdocument/wcms_336957.pdf>. Acesso em 4 nov. 2019. p. 2-3.
15 Ibidem, p. 19-21.
16 OIT. Normas Internacionais do Trabalho. Disponível em: <https://www.ilo.org/brasilia/temas/normas/
lang—pt/index.htm>. Acesso em 4 nov. 2019.
Gustavo Teixeira Ramos 199

protocolos, recomendações, resoluções e declarações, construídas de modo


consensual com a participação tripartite de trabalhadores, organizações de
empregadores e governos, ao tempo em que reafirma constantemente a neces-
sidade de inclusão social e a dignidade do ser humano.
Com o fim da II Guerra Mundial, concebe-se o Estado Democrático
de Direito como fruto da conscientização da importância da incorporação da
democracia na organização do Estado e também na sociedade. Com seminal
contribuição da OIT, destaca-se a centralidade do ser humano – com sua
dignidade – perante o Estado e as instituições civis e políticas, em torno do
qual devem gravitar a edição e a aplicação das normas, bem como as diversas
ações governamentais.
Potencializa-se assim, no âmbito do Estado Democrático de Direito, a
afirmação e a concretização coletiva das liberdades individuais e dos direitos
civis e políticos lançados pioneiramente no clima do Estado Liberal, mas ainda
longe de se tornarem realidade àquela época, bem como os direitos sociais
assegurados formalmente nas constituições editadas sob a égide do Estado
Social de Direito, mas com um longo caminho para sua real efetivação como
Estado de Bem-Estar Social, especialmente nos países em desenvolvimento.17
Fortalece-se a cada dia o papel da OIT como organismo internacional
fundamental para a efetivação dos direitos sociais relacionados ao trabalho e à
previdência em várias partes do mundo.

2. TRÊS DESAFIOS ATUAIS DO MUNDO DO TRABALHO.


Especialmente nos últimos anos, mas pelo menos desde as quatro últi-
mas décadas, as relações sociais e trabalhistas vêm sofrendo transformações cada
vez mais velozes, impulsionadas pelos sucessivos avanços tecnológicos em escala
global, que têm sido chamados de 3ª revolução tecnológica do capitalismo18.
Diante de tal fator de notória constatação e também em decorrência da rea-
dequação da estrutura organizacional das empresas e de seu sistema produtivo
17 A igualdade material ganhou importância com a elevação dos direitos sociais, entre eles o Direito do Traba-
lho e o Direito da Seguridade Social, à condição de direitos fundamentais de primeira grandeza, já que po-
sicionados de modo anterior à própria organização do Estado. A Constituição do Brasil de 1988 é excelente
exemplo a esse respeito, seguindo o caminho trilhados pelas Constituições de França (1946), Itália (1947),
Alemanha (1949), Portugal (1976) e Espanha (1978). (DELGADO, Maurício Godinho; DELGADO, Ga-
briela Neves. Constituição da República e Direitos Fundamentais. Dignidade da Pessoa Humana, Justiça
Social e Direito do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2015. p. 41).
18 “Tais aperfeiçoamentos e inovações, por sua profundidade, têm sido denominados de terceira revolução tec-
nológica do capitalismo. Seus pontos mais notáveis consistem nas conquistas da microeletrônica, da robo-
tização, da microinformática, inclusive internet, e das telecomunicações”. DELGADO, Maurício Godinho.
Capitalismo, Trabalho e Emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos da reconstrução. 3. ed.
São Paulo: LTr, 2017. p. 37/38. Também a esse respeito: HOBSBAWN, Eric. Tempos fraturados. Cultura
e sociedade no século XX. Trad. Berilo Vargas. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
200 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

num contexto de concorrência internacional, surgiu certo discurso de matriz


intelectual desconstrutiva do primado do trabalho e do emprego19, quase sempre
visando à promoção de alterações normativas trabalhistas ditas modernizantes20.
Nessa perspectiva, os elementos conceituais e estruturais do Direito do
Trabalho são colocados à prova e passam por necessária reavaliação, em prol
de sua atualização, sempre atrelada ao alcance de seus objetivos e à realização
de sua missão: regular a relação de emprego visando à proteção jurídica e à
garantia da dignidade do ser humano que trabalha21.
Nesse contexto, três desafios atuais do mundo do trabalho serão deduzi-
dos no presente ensaio: i) insuficiência do conceito tradicional de subordinação
jurídica; ii) avanço incontrolado da terceirização de serviços; iii) Law shopping
ou dumping social.

2.1. INSUFICIÊNCIA DO CONCEITO TRADICIONAL DE


SUBORDINAÇÃO JURÍDICA.
A aproximação virtual entre os habitantes do planeta aliada à reestruturação
empresarial decorrente da globalização econômica e da intensificada concorrência
interempresarial (por menores custos e maiores mercados) e entre trabalhadores
(por empregos), em nível internacional, ao tempo em que permite mais fácil
controle do trabalho e exercício do poder diretivo pelo empregador, mesmo à
distância, dificulta a percepção e a caracterização da subordinação do trabalha-
dor, à luz de seu conceito clássico22, elemento sem o qual não se confere acesso,
ordinariamente, às tutelas normativas do Direito do Trabalho.
Assim, um dos primeiros desafios a enfrentar na contemporaneidade diz
respeito à renovação do conceito de subordinação jurídica, visando à carac-
terização da relação jurídica trabalhista e, como consequência, à incidência
19 Por exemplo: HARARI, Yuval Noah. The menaning of life in a world without work. In: The Guardian.
Disponível em: <https://www.theguardian.com/technology/2017/may/08/virtual-reality-religion-robots-sa-
piens-book>. Acesso em 4 nov. 2019. Ricardo Antunes sintetiza: “No pensamento contemporâneo, tornou-se
(quase) lugar-comum falar em desaparição do trabalho (Dominique Méda), em substituição da esfera do tra-
balho pela “esfera comunicacional” (Habermas), em “perda de centralidade da categoria trabalho” (Off), ou
ainda em “fim do trabalho” (como Jeremy Rifkin, ou ainda na versão mais crítica à ordem do capital, como
em Kurtz), para citar as formulações mais expressivas”. ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio
sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 16. ed. São Paulo: Cortez, 2015. p. 174.
20 DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, Trabalho e Emprego: entre o paradigma da destruição e os
caminhos da reconstrução. 3. ed. São Paulo: LTr, 2017. p. 35/67.
21 A respeito do tema: SUPIOT, Alain. O espírito de Filadélfia. A Justiça Social diante do Mercado Total.
Trad. Tânia do Valle Tschiedel. Porto Alegre: Sulina, 2014.
22 Lorena Porto observa que a subordinação é a contraface do poder diretivo: “são as duas faces de uma mesma
moeda. Então, para haver subordinação, deve haver também o exercício do poder diretivo, seja de fato, seja
potencialmente. O fenômeno do poder somente pode ser bem compreendido caso analisado sob a pers-
pectiva multidimensional, pois ele se realiza concretamente por meio de diversas dimensões. Esse caráter
multidimensional é ainda mais marcante na sociedade contemporânea”. PORTO, Lorena Vasconcelos. A
subordinação no contrato de trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009. p. 42.
Gustavo Teixeira Ramos 201

da ordem juslaboral em benefício daquele que vende a sua força de trabalho.


O conceito de subordinação jurídica constitui elemento estrutural para o
Direito do Trabalho, porquanto seu objeto de interesse é a relação de emprego,
que tem na subordinação seu pressuposto fático-jurídico23 essencial. Na maior
parte do mundo, se o trabalho é caracterizado como subordinado, isto se traduz,
em tese24, em acesso às normas tutelares que regulam a relação de emprego25, sejam
elas de índole constitucional, legal, supralegal, convencional ou principiológica.
Daí porque se lançou a pertinente consideração de que a existência ou não da
subordinação indica quem o direito do trabalho visa a proteger26.
A subordinação clássica ou tradicional, forjada no período pós-Revolução
Industrial da segunda metade do século XIX, cujo melhor retrato consta do
filme de 1936 “Tempos Modernos”, de Charles Chaplin, é fundada na relação
de sujeição do empregado diante do empregador, a quem compete o controle,
a fiscalização e a gerência do trabalho realizado de modo milimétrico. Substi-
tui-se a violência como técnica de poder pela rígida disciplina.
Tal critério ainda hoje é hegemônico, sendo o mais utilizado pelo Poder
Judiciário para declarar o vínculo de emprego e, assim, tutelar os direitos de
uma grande massa de trabalhadores. Sem dúvida, o critério tradicional da
subordinação jurídica, que realça a submissão funcional do empregado às su-
cessivas e reiteradas ordens diretas do empregador, mostra-se importante até os
dias atuais, pois alberga a maioria dos trabalhadores, especialmente nos países
subdesenvolvidos ou em desenvolvimento.
Sucede que a subordinação clássica vem se revelando, com o tempo,
insuficiente para assegurar eficácia protetiva a um universo crescente de
trabalhadores (cooperados, terceirizados, “pejotizados”, teletrabalhadores,
contratados por plataformas digitais).
A precarização das relações de trabalho vem ganhando espaço, seja com o
23 “Esses elementos ocorrem no mundo dos fatos, existindo independentemente do Direito (devendo, por isso,
ser tidos como elementos fáticos). Em face de sua relevância sociojurídica, são eles, porém, captados pelo
Direito, que lhes confere efeitos compatíveis (por isso devendo, em consequência, ser chamados de elemen-
tos fático-jurídicos).” DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 17. ed. São Paulo:
LTr, 2018, p. 287.
24 No Brasil, por exemplo, ainda que os elementos caracterizadores da relação de emprego abranjam a presta-
ção intuito personae (pessoalidade) por pessoa física, a não-eventualidade, a onerosidade e a subordinação,
normalmente a comprovação da existência de subordinação é o elemento chave para a caracterização da
relação de emprego.
25 De acordo com Jorge Luiz Souto Maior: “A verificação da relação de emprego é uma questão de ordem pú-
blica e sua configuração parte do pressuposto jurídico do elemento subordinação”. SOUTO MAIOR, Jorge
Luiz. A supersubordinação – invertendo a lógica do jogo. In: Revista Justiça do Trabalho, Porto Alegre,
ano 25, nº 297, p. 61-95, set. 2008. p. 76.
26 PORTO, Lorena Vasconcelos. Por uma releitura universalizante do conceito de subordinação: a subordina-
ção integrativa. In: ROCHA, Cláudio Jannotti da; PORTO, Lorena Vasconcelos, coordenadores. Trabalho:
diálogos e críticas. Homenagem ao professor Márcio Túlio Viana. Vol. I. São Paulo: LTr, 2018. p. 69.
202 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

aumento do número de trabalhadores “autônomos”, seja com a ampliação das


formas de subcontratação de trabalho, seja com a simples informalidade. Nesse
contexto, a manutenção do conceito tradicional de subordinação leva a grandes
distorções, comprometendo a própria razão de ser e a missão do Direito do
Trabalho. Para Lorena Vasconcelos Porto, o fato de, atualmente, o poder empre-
gatício ser exercido de forma mais sutil, indireta e, por vezes, quase imperceptível
faz com que a função essencial do Direito Laboral não seja atingida.27
Diante dessa constatação, indaga-se: como proteger não apenas os indiví-
duos do assim chamado “chão de fábrica”, mas também aqueles trabalhadores
que possuem certa autonomia, por vezes independência técnica ou superior
conhecimento específico, mas que possuem inegável dependência socioeconô-
mica em relação ao empregador?
Segundo Gabriela Neves Delgado, a subordinação jurídica opera hoje por
outras vias que não só a direta e a incisiva, como no caso do trabalho em do-
micílio, em que o empregador exerce seu poder diretivo por meio do controle
do resultado da produção28. O mesmo ocorre com os motoristas vinculados à
empresa Uber ou a outras plataformas digitais, por exemplo.
Há, de fato, um número crescente de trabalhadores que não se enqua-
dram na noção tradicional de subordinação, diante do exercício do poder
empregatício de modo cada vez mais sutil, num contexto de avanços tecno-
lógicos, reestruturações empresariais e concorrência no mercado de trabalho
em nível internacional.
Como observa Ricardo Antunes, o sistema de metabolismo social do
capital necessita cada vez menos do trabalho estável e cada vez mais das diver-
sificadas formas de trabalho parcial, terceirizado, intermitente, em explosiva
expansão em todo o mundo produtivo e de serviços29.
Nesse cenário preocupante, novas noções de viés ampliativo vêm sur-
gindo no Direito do Trabalho, de modo a encarar a subordinação sob ótica
alheia ao subjetivismo30, tais como a subordinação objetiva, a subordinação
27 PORTO, Lorena Vasconcelos. A necessidade de uma releitura universalizante do conceito de subordinação.
In: Revista de Direito do Trabalho, v. 34, n. 130, p. 119-142, abr./jun. 2008, p. 121.
28 DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 191.
29 ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do
trabalho. 16. ed. São Paulo: Cortez, 2015. p. 208.
30 Os teóricos que consideram a subordinação do ponto de vista subjetivo vinculam-se mais ao critério clássico
da subordinação, pois esta somente estará presente em uma relação direta mantida entre o empregador e o
empregado, e será medida, para ser considerada existente ou não, de acordo com a carga de hierarquia e
dependência pessoal existente entre as partes. Já a corrente objetiva da subordinação vê o instituto do ponto
de vista da atividade prestada, sem dar maior importância para a relação entre os sujeitos contratantes. Uma
obra que aprofunda o tema é a seguinte: PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato de
trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009.
Gustavo Teixeira Ramos 203

estrutural e a subordinação integrativa31. Estas novas leituras do elemento


subordinação não visam a substituir a verificação prévia da existência da su-
bordinação em sua acepção clássica, até mesmo porque o controle preciso e
direto da jornada, do ambiente laboral e do modo da execução do trabalho
ainda prevalece em grande parte do mundo, especialmente nos países menos
desenvolvidos. A ideia é ampliar o conceito para abraçar os socioeconomica-
mente dependentes que não estejam submetidos a esse controle subjetivo e
que vêm sendo sistematicamente excluídos do sistema protetivo laboral sob
a máscara do discurso da liberdade e da independência.
A Organização Internacional do Trabalho – OIT compartilha a preocu-
pação com a crescente diminuição da proteção ao trabalho, tendo identificado
que o tema (caracterização da relação de trabalho para fins de reconhecimento
de direitos) é de interesse geral de empregadores, do governo e dos trabalhadores.
Interessa aos empregadores que a concorrência seja equivalente no
mercado de trabalho, o que pode ser impossibilitado se algumas empresas
conseguirem remunerar o trabalho humano a um preço mais baixo mediante
a supressão de direitos (donde a célebre frase de Marx: “E o direito à igual
exploração da força de trabalho é o primeiro direito humano do capital”32).
Isso também interessa aos empresários para que o mercado de consumo seja
ampliado, já que a grande massa de trabalhadores é quem mais consome em
qualquer economia. O tema interessa, de outro lado, ao governo, em função
da perspectiva de maior arrecadação tributária, mediante a caracterização da

31 A subordinação objetiva, ao invés de se manifestar pela intensidade de comandos empresariais dirigidos


ao trabalhador considerado, desponta da simples integração da atividade laborativa obreira nos fins da
empresa. Com isso, reduz-se a relevância da intensidade das ordens, substituindo o critério pela ideia de
integração aos objetivos empresariais. A crítica que se faz a tal construção teórica é que se trata de concep-
ção desproporcional, incapaz de diferenciar o real trabalho autônomo e o labor subordinado (DELGADO,
Maurício Godinho. Direitos fundamentais na relação de trabalho. In: Revista LTr: legislação do trabalho,
São Paulo, v. 70, n. 6, p. 657-667, jun. 2006).
A subordinação estrutural, de outro lado, ao tempo em que atenua o enfoque sobre a existência ou não
de comando empresarial direto, acentua a inserção estrutural do trabalhador específico na dinâmica do
tomador de seus serviços. Maurício Godinho Delgado qualifica essa nova noção conceitual de subordi-
nação como a que “se manifesta pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços,
independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica
de organização e funcionamento”. (DELGADO, Maurício Godinho. Direitos fundamentais na relação de
trabalho. In: Revista LTr: legislação do trabalho, São Paulo, v. 70, n. 6, p. 657-667, jun. 2006, p. 667).
Um outro novo conceito que desponta na doutrina brasileira na tentativa de abraçar a nova realidade é
intitulado subordinação integrativa. Segundo Lorena Porto, a subordinação, em sua dimensão integrativa,
faz-se presente quando a prestação de trabalho integra as atividades exercidas pelo empregador e o traba-
lhador não possui uma organização empresarial própria, não assume riscos de ganhos ou perdas e não é
proprietário dos frutos do seu trabalho, que pertence, originalmente, à organização produtiva alheia para
a qual presta a sua atividade. Noutras palavras, o trabalhador, nesses casos, não trabalha por sua própria
conta e risco, mas sim por conta alheia, sob a dependência de outrem. (PORTO, Lorena Vasconcelos.
Por uma releitura universalizante do conceito de subordinação: a subordinação integrativa. In: ROCHA,
Cláudio Jannotti da; PORTO, Lorena Vasconcelos (Coord.). Trabalho: diálogos e críticas. Homenagem ao
professor Márcio Túlio Viana. Volume I. São Paulo: LTr, 2018. p. 68).
32 MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I: o processo de produção do capital. Tradução
de Rubens Enderle. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2017. p. 364.
204 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

relação de emprego em detrimento do trabalho autônomo ou informal, e


também em função do sempre visado aquecimento da economia com a maior
circulação de bens e serviços decorrente da maior distribuição de renda. E,
naturalmente, interessa aos trabalhadores porque terão mais direitos, proteção
(saúde e segurança) e benefícios econômicos.
É digno de registro que a Recomendação nº 198 da OIT (Recomendação
sobre a Relação de Trabalho)33 orienta os países-membros a adotarem uma polí-
tica nacional que busque esclarecer a todos (população, governo e magistrados)
a respeito dos elementos possíveis de caracterização da relação de trabalho, além
do dever de verificação frequente da adequação da legislação laboral existente
em cada país a esse respeito. Entre os elementos indicativos da caracterização do
trabalho que merece proteção, aponta-se exemplificativamente: (i) verificação dos
fatos independentemente da forma; (ii) integração do trabalhador na organização
da empresa; (iii) que a remuneração seja a única ou a principal fonte de renda
do trabalhador; (iv) o fato de não haver riscos financeiros para o trabalhador.
O debate em questão – que deve continuar contando com a contribuição
da OIT – é extremamente atual e interessa aos diversos países do mundo, tendo
encontrado terreno fértil nos países europeus (Espanha, Alemanha, França,
Itália), de modo que professores e doutrinadores do Direito do Trabalho vêm
enunciando novos conceitos e discutindo os problemas relacionados à defini-
ção da subordinação e à sua diferenciação em relação à autonomia34.

2.2. AVANÇO INCONTROLADO DA TERCEIRIZAÇÃO DE


SERVIÇOS
Diante das inúmeras possibilidades de organização e controle do trabalho
à distância, as empresas cada vez menos querem contratar trabalhadores com
vínculo de emprego formal para atender às suas necessidades de produção ou
de prestação de serviços. Nas palavras de Márcio Túlio Viana:
Em linhas gerais, se tomarmos como parâmetro os anos gloriosos do capitalismo,
talvez possamos dizer que o sistema adota uma estratégia invertida. Se antes
admitia incluir (ainda que de forma desigual), agora quer excluir – empregados,
direitos, políticas sociais, etapas do processo produtivo.
33 OIT. Recomendação n. 198. Disponível em: <http://www.ilo.org/dyn/normlex/es/f?p=NORMLEXPU-
B:12100:0::NO:12100:P12100_INSTRUMENT_ID:312535:NO>. Acesso em 8 nov. 2019.
34 Em luminar artigo, Lorena Porto resgata propostas do relatório Supiot para a Comissão Europeia, com seus
quatro círculos concêntricos de tutela; as correntes pluralista e monista na doutrina italiana; o conceito de ajeni-
dad (alienação) na doutrina espanhola e suas diversas dimensões (quanto aos frutos do trabalho, à titularidade
da organização, ao mercado e quanto aos riscos); e, por fim, a proposta de Rolf Wank na doutrina alemã, em que
se cuida de definir a autonomia a partir de critérios negativos (liberdade empresarial, participação nos riscos
e possibilidade de realizar ganhos), deixando a subordinação como figura residual e, portanto, mais ampla:
PORTO, Lorena Vasconcelos. Por uma releitura universalizante do conceito de subordinação: a subordinação
integrativa. In: ROCHA, Cláudio Jannotti da; PORTO, Lorena Vasconcelos (Coord.). Trabalho: diálogos e
críticas. Homenagem ao professor Márcio Túlio Viana. Volume I. São Paulo: LTr, 2018. p. 59-65.
Gustavo Teixeira Ramos 205

Como um vulcão que vomita lava, a nova fábrica lança para fora tudo o que
não diz respeito ao foco de suas atividades, chegando até – no limite – a jogar-se
inteira, ou quase inteira, descartando sua própria natureza de fábrica.35

Com a terceirização, o trabalhador é inserido no processo produtivo do


tomador de serviços, mas mantém laços formais apenas com a empresa presta-
dora de serviços, dando origem a uma relação trilateral: o trabalhador; a empresa
prestadora de serviços, que contrata formalmente esse trabalhador; e a empresa
tomadora de serviços, que se beneficia do trabalho prestado pelo obreiro mas
não assume a posição clássica de empregadora desse trabalhador36.
Com discurso em prol da especialização e, assim, do aumento da eficiên-
cia, da produtividade e da qualidade dos produtos e dos serviços prestados,
a terceirização se amplia em todo o mundo. A empresa moderna, como um
camaleão, quer ser volátil, inconstante, versátil, apresentando-se ágil, leve, livre,
de modo a reduzir não só os custos, mas os riscos, o que lhe permite reagir
mais facilmente às variações do mercado37. A terceirização se tornou, então,
o novo elixir da vida empresarial, atingindo praticamente todos os setores e
ramos produtivos e de serviços38. Para Giovanni Alves, a terceirização tornou-se
o Zeitgeist39 do capitalismo flexível40.
Cuida-se a terceirização, portanto, de uma das principais formas encon-
tradas pelo capital para se afastar das amarras e dos limites estabelecidos pelo
Direito do Trabalho. E isto se dá de modo bastante simples: por meio da trans-
ferência (ao menos aparente41) de uma ou de algumas atividades do tomador de
35 VIANA, Márcio Túlio. Para entender a terceirização. 3. ed. São Paulo: LTr, 2017. p. 34-35.
36 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Ibidem, p. 434.
37 VIANA, Márcio Túlio. Op. Cit, p. 36. Essa é a opinião, por exemplo, de Luiz Carlos Amorim Robortella,
que enxerga na terceirização via segura a permitir maior especialização, qualidade e produtividade nas em-
presas (ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. Prevalência da Negociação Coletiva sobre a lei. In: Revista
LTr, São Paulo: LTr, ano 64, n. 10, out. 2000, p. 1.238).
38 ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. 1. ed. São
Paulo: Boitempo, 2018. p. 173.
39 Palavra alemã que significa “espírito do tempo” ou “sinal dos tempos”. Seu conceito foi introduzido por
Johann Gottfried Herder em 1769. SIGNIFICADOS. Significado de Zeitgeist. Disponível em: <https://
www.significados.com.br/zeitgeist/>. Acesso em 10 mar. 2019.
40 ALVES, Giovanni. Terceirização e barbárie salarial. In: RAMOS FILHO, Wilson; LOGUÉRCIO, José
Eymard; MENEZES, Mauro de Azevedo (Orgs). Terceirização no STF. Elementos do debate constitucio-
nal. Bauru: Canal 6, 2015. p. 8.
41 Vítor Filgueiras faz a seguinte crítica a esse respeito: “Será mesmo que a terceirização é externalização ou trans-
ferência de atividades? À luz de centenas de casos empíricos referentes a pequenas, médias e grandes empresas,
nacionais e multinacionais, analisados in loco ao longo de sete anos, contemplando entrevistas com trabalha-
dores e empresários, investigações de sistemas de informação, leitura de contratos e outros documentos, forma
apurados indícios de que não procede a definição da terceirização como transferência de parte de atividade
empresarial. Na verdade, esses mesmos indícios estão presentes na maior parte das pesquisas existentes na lite-
ratura, mas sem a extração do conteúdo ali subjacente. As pesquisas apontam (mesmo quando não mencionam
explicitamente) por meio de inúmeras evidências que, invariavelmente, o tomador de serviços que terceiriza,
longe de transferir a atividade, continua a ter controle sobre ela. Esse controle pode ocorrer de diversas formas
e por meio de inúmeros instrumentos, estando na própria raiz da terceirização nos moldes do fenômeno hoje
conhecido, bastando lembrar que a própria empresa que deu nome ao toyotismo era proprietária das pessoas
206 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

serviços para uma outra empresa, caracterizada como prestadora de serviços e


que contratará o profissional dito “terceirizado”.
José Roberto Freire Pimenta e Adriana Campos de Souza Freire Pimenta
consideram que a terceirização corresponde, na esfera privada, à passagem do
modelo fordista de organização produtiva para o toyotista, e, na esfera da Admi-
nistração Pública, ao abandono do paradigma do Estado do Bem-Estar Social
intervencionista em prol da adoção do modelo de Estado mínimo e enxuto
propugnado pelas ideias neoliberais.42
Nas palavras de Ricardo Antunes:
Desse modo, reengenharia, lean production, team work, eliminação de postos de
trabalho, aumento de produtividade, qualidade total, “metas”, “competências”,
“parceiros” e “colaboradores” são partes constitutivas do ideário e da pragmática
cotidiana da “empresa moderna”.
Se, no apogeu do taylorismo-fordismo, a pujança de uma empresa estava represen-
tada pelo número de trabalhadores que nela atuavam, pode-se afirmar, de modo
contrário, que a empresa que tipifica a fase da flexibilidade liofilizada é aquela
que aglutina o menor contingente de trabalho vivo e concentra o maior volume
de trabalho morto, corporificado no maquinário informacional-digital, o que
lhe gera – potencialmente – maiores índices de produtividade e de lucratividade
na concorrência interempresas.
Essas metamorfoses no processo de produção tiveram – e ainda têm – conse-
quências significativas no universo do trabalho: desregulamentação dos direitos
sociais; precarização e terceirização da força humana que trabalha; aumento da
fragmentação e heterogeneização no interior da classe trabalhadora; enfraqueci-
mento do sindicalismo de classe e incentivo à sua conversão em um sindicalismo
mais negocial e de parceria, mais de cúpula e menos de base, mais parceiro e
colaborador e menos confrontacionista43.
O novo modelo tem gerado, de um lado, em pequena escala, o tra-
balhador polivalente e multifuncional da era informacional-digital, capaz de
exercitar sua dimensão intelectual com maior intensidade; de outro, “uma
massa de trabalhadores precarizados, terceirizados, flexibilizados, informaliza-
dos, cada vez mais próximos do desemprego estrutural”44.
jurídicas interpostas”. FILGUEIRAS, Vítor Araújo. Terceirização e trabalho análogo ao escravo: coincidên-
cia? Disponível em: <https://indicadoresdeemprego.files.wordpress.com/2013/12/tercerizac3a7c3a3o-e-traba-
lho-anc3a1logo-ao-escravo1.pdf>. Acesso em 7 jun. 2019. p. 5.
42 PIMENTA, José Roberto Freire; PIMENTA, Adriana Campos de Souza Freire. O combate às terceirizações
ilícitas e a defesa do direito fundamental à relação de emprego regular pelo Ministério Público do Trabalho.
In: MIZIARA, Raphael; ASSUNÇÃO, Carolina Silva Silvino; CAPUZZI, Antônio (Coord.). Direito do
Trabalho e Estado Democrático de Direito. Homenagem ao professor Maurício Godinho Delgado. São
Paulo: LTr, 2018. p. 71.
43 ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. 1. ed. São
Paulo: Boitempo, 2018. p. 103-104.
44 Ibidem, p. 104.
Gustavo Teixeira Ramos 207

Para Dallegrave Neto, enquanto no fordismo o trabalhador atua numa


única parte da produção, de forma repetitiva, rápida e estressante, com o con-
trole centralizado hierarquicamente, no toyotismo o trabalhador é polivalente,
versátil, apto a operar várias máquinas e a desempenhar múltiplas funções
simultaneamente. São tarefas também repetitivas, rápidas e ainda mais es-
tressantes que no fordismo, em face da maior responsabilidade e da menor
porosidade da jornada de trabalho.45
Esse novo modelo de acumulação capitalista, associado a um sistema de
regulamentação política e social distintos do modelo anterior (taylorista-for-
dista) é chamado por David Harvey de acumulação flexível, assim definido:
A acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por um confronto direto
com a rigidez do fordismo. Ela se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho,
dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se
pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras
de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas
altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A
acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento
desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exem-
plo, um vasto movimento no emprego no chamado “setor de serviços”, bem
como conjuntos industriais completamente novos em regiões até então subde-
senvolvidas (tais como a “Terceira Itália”, Flandres, os vários vales e gargantas do
silício, para não falar da vasta profusão de atividades dos países recém-industriali-
zados). Ela também envolve um novo movimento que chamarei de “compressão
do espaço-tempo” no mundo capitalista – os horizontes temporais da tomada de
decisões privada e pública se estreitaram, enquanto a comunicação via satélite e
a queda dos custos de transporte possibilitaram cada vez mais a difusão imediata
dessas decisões num espaço cada vez mais amplo e variado46.

Harvey observa no atual modelo o aumento de pressão no controle do


trabalho, aproveitando-se do enfraquecimento da força dos trabalhadores em
razão de fatores como o desemprego. “A acumulação flexível”, analisa, “parece
implicar níveis relativamente altos de desemprego ‘estrutural’ (em oposição a
‘friccional’), rápida destruição e reconstrução de habilidades, ganhos modestos
(quando há) de salários reais e o retrocesso do poder sindical – uma das colunas
políticas do regime fordista”47.
Outro aspecto interessante é que as economias de escopo derrotaram as
45 DALLEGRAVE NETO, José Afonso. Norma trabalhista, sistema jurídico e a proibição do retrocesso social.
Ensaio sobre a inconstitucionalidade dos projetos de lei que visam permitir a terceirização da atividade-fim
da empresa. In: CARELLI, Bicanca Bonfim; MEDEIROS, Benizete Ramos de. Um construtor de direitos
sociais. Estudos em homenagem ao centenário de Benedito Calheiros Bonfim. São Paulo: LTr, 2016. p. 81.
46 HARVEY, David. Condição pós-moderna. Uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. Trad.
Adail Ubirajara Sobral; Maria Stela Gonçalves. 13. ed. São Paulo: Edições Loyola, 1992. p. 140.
47 Ibidem, p. 141.
208 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

economias de escala do fordismo, acelerando o ritmo de inovação dos produ-


tos, o que foi fundamental para a sobrevivência num contexto de recessão e
de aumento de competição interempresarial em nível internacional. Assim,
o tempo de giro – elemento chave da lucratividade capitalista – foi reduzido
pelo uso de novas tecnologias e de novas formas de organização do trabalho
(estoques just-in-time). Porém, “a aceleração do tempo de giro na produção
teria sido inútil sem a redução do tempo de giro no consumo”48.
Tadeu da Cunha lembra que essa lógica parte de definição de Edward
Bernays49, sobrinho de Freud, de que o consumidor tem necessidades limita-
das, mas desejos ilimitados. Assim, para estimular os desejos, bastaria desfazer
a ideia de que as compras devam responder a necessidades práticas e causas
racionais50. Os produtos a adquirir teriam, então, mais um sentido simbólico, a
fazer com que objetos triviais fossem consumidos. Nessa esteira, a vida útil dos
produtos diminuiu, aumentando a produção e estabelecendo a cultura do con-
sumismo51. Tal procedimento, cuja lógica subjacente está atrelada à tendência
decrescente do valor de uso das mercadorias, acarreta diversas consequências
nocivas ao meio ambiente e à força humana de trabalho52.
Um dos elementos centrais do modelo de produção e de organização de
trabalho denominado toyotismo, prevalecente na atualidade, é a substituição da
estrutura vertical da empresa, em que há concentração do processo produtivo
normalmente numa mesma empresa e, muitas vezes, num mesmo ambiente,
por uma estrutura empresarial horizontalizada, em que se busca, tanto quanto
possível, a delegação crescente das etapas da produção para outras empresas,
especialmente por intermédio da terceirização.
Porém, sob o ângulo do trabalhador, constata-se a relação direta exis-
tente entre: terceirização e ampliação dos índices de acidentes de trabalho
e de adoecimentos ocupacionais; terceirização e desorganização coletiva dos
48 Ibidem, p. 148.
49 Edward Bernays (1891-1995) foi um pioneiro no campo da propaganda e das relações públicas. Citado pela
revista Times como um dos 100 americanos mais influentes do século XX, Bernays se baseava no princípio
de que as sociedades se comportam como manadas e suas decisões e ações são facilmente manipuladas,
mediante apelo ao inconsciente. Criou técnicas de persuasão a partir desses impulsos. Entre seus feitos, des-
tacam-se a criação de uma campanha que influenciou os americanos a apoiarem a entrada do país na I Guerra
Mundial e a publicidade que estimulou o consumo de cigarros pelas mulheres, como símbolo da mulher
forte e independente. (O RANDÔMICO. Edward Bernays. Disponível em: <https://orandomico.wordpress.
com/2010/11/17/edward-bernays/>. Acesso em 16 mar. 2019).
50 CUNHA, Tadeu Henrique Lopes da. O fordismo/taylorismo, o Toyotismo e as implicações na terceiriza-
ção. In: Boletim Científico ESMPU, Brasília, a.15 – nº 47, p. 183-210 – jan./jun. 2016. p. 196.
51 “Isso dirige a nossa atenção para a produção de necessidades e desejos, para a mobilização do desejo e da
fantasia, para a política da distração como parte do impulso para manter nos mercados de consumo uma
demanda capaz de conservar a lucratividade da produção capitalista”. HARVEY, David. Condição Pós-mo-
derna. Ibidem, p. 64.
52 ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São
Paulo: Boitempo, 2003. p. 52.
Gustavo Teixeira Ramos 209

trabalhadores; terceirização e frustração de direitos trabalhistas; terceirização e


discriminação no ambiente laboral; terceirização e precarização das condições
de trabalho; terceirização e rebaixamento do nível salarial dos trabalhadores,
com reflexos na economia. Há também muitos estudos no sentido de que a
terceirização afeta negativamente – e de modo intenso – a relação do trabalha-
dor com seu ambiente laboral. Assim:
Criando trabalhadores e trabalhadoras de ‘primeira e segunda categorias’, fa-
tiando-os e diferenciando-os entre contratados diretamente e ‘terceirizados’,
ampliam-se ainda mais as heterogeneizações e fragmentações no corpo pro-
dutivo. A título de exemplo: nas jornadas mais extensas; na intensificação do
trabalho; na maior rotatividade; nos salários menores; nos cursos treinamentos
(que em geral são menos frequentes para terceirizados); no acesso limitado às
instalações da empresa (a exemplo de refeitórios e vestiários diferenciados); nas
revistas na entrada e saída da empresa; nas mais arriscadas condições de (in)
segurança do trabalho, tudo isso acarretando graves problemas na saúde dos
trabalhadores e trabalhadoras, tanto no aumento dos acidentes, bem como nas
estatísticas decorrentes de mortes e suicídios no trabalho.53
A OIT tem um relevante papel a desempenhar no controle civilizatório
da terceirização, que cresce em todo o mundo, apesar de seus inúmeros efeitos
nefastos aos trabalhadores e às economias dos países.

2.3. LAW SHOPPING OU DARWINISMO SOCIAL.


Fazendo uso de sua capacidade atual de se mudarem facilmente de locali-
zação, as grandes corporações, em geral logo após se instalarem em determinados
países, procuram logo desmontar o aparato regulatório social e ambiental e
enfraquecer as resistências dos movimentos sociais. Caso não sejam aceitas as
condições requeridas – isenções fiscais, favores fundiários, flexibilização das
normas trabalhistas, ambientais e urbanísticas – o “empreendedor” acena com a
migração para outra localidade no interior do país ou até mesmo para outro país54.
Alain Supiot anota que, em conformidade ao que chama de “Mercado
Total”, o Direito vem sendo considerado apenas um produto competitivo em
escala mundial, sobre o qual agiria a seleção natural das ordens jurídicas mais
adaptadas às exigências financeiras. Segundo essa lógica, “ao invés de a livre
concorrência ser baseada no Direito, é o Direito que deveria ser baseado na
livre concorrência”55.
53 ANTUNES, Ricardo. A sociedade da terceirização total. In: Revista da ABET, v. 14, n. 1, p. 6-14, jan./jun.
2015, p. 11.
54 A depender do ramo de atividade da empresa, após a exploração máxima de uma mina ou de um produto al-
tamente tóxico, também haverá migração de país (como acontece com frequência com o uso de agrotóxicos
ou de amianto), visando a se esquivar do enorme passivo social e ambiental deixado.
55 SUPIOT, Alain. O Espírito de Filadélfia: a justiça social diante do mercado total. Trad. Tânia do Valle
210 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

A constante reafirmação doutrinária e jurisprudencial das quase absolutas


liberdades associadas ao comércio (liberdade no estabelecimento de preços, na
contratação de pessoas e na circulação de capitais e de mercadorias) estimula
nos investidores e nas empresas multinacionais o interesse de não se subme-
terem às leis (tributárias, trabalhistas, ambientais) dos países em que operam.
Law shopping ou darwinismo social seria caracterizado, assim, por um
mercado internacional de normas a ser “adquirido” pelas empresas como con-
dição para se instalarem em determinado país ou nele se manterem, de modo
que as normas mais flexíveis (ou que melhor se adaptam aos desígnios do
capital) são “eleitas”, trazendo empregos e recursos para as economias desses
países (sobrevivência na visão darwinista).56 Informa Alain Supiot:
A fim de ajudar os ‘consumidores de direito’ a fazerem sua escolha neste ‘mercado
de normas’, o Banco Mundial publica todos os anos, desde 2004, no âmbito de
seu programa Doing Business, um relatório avaliando os direitos nacionais, tendo
por referência a eficácia econômica. A base de dados cifrados assim mostrados é
destinada a fornecer as ‘medidas objetivas’ do Direito de 178 países (rebatizados
de ‘economias’). Ela contém, essencialmente, indicadores estatísticos de ‘infle-
xibilidade’ dos direitos trabalhistas desses países. O relatório Doing Business de
2005 contém, por exemplo, um capítulo intitulado ‘Hiring and Firing Workers’,
que é especialmente consagrado à medida dos entraves ao investimento que o
Direito do Trabalho representaria em cada país. O quadro comparativo de todos
os Direitos do Trabalho do mundo é construído ao redor dos seguintes indica-
dores: dificuldade de emprego; dificuldade de prolongamento ou de redução da
duração do trabalho; dificuldade econômica de demissão de um trabalhador;
índice de inflexibilidade do emprego; custos de um emprego e custos de uma
demissão. Compreende-se que ‘dificuldades’ e ‘inflexibilidades’ qualificam as
regras e ‘custos’ dos direitos protetores dos assalariados. O índice de ‘inflexibili-
dade do emprego’ impõe, assim, pontos de penalidade aos Estados que admitem
um excesso de direitos aos trabalhadores, tais como uma proteção social aos
trabalhadores em tempo parcial; salários mínimos julgados, pelo Banco, muito
elevados (20 dólares por mês é, desta forma, julgado muito elevado para os países
africanos); um trabalho com duração dentro de um limite de menos de 66 horas
por semana; um aviso de demissão ou programas de luta contra a discriminação
racial ou sexual. A instauração dos ‘mercados de produtos legislativos’ deve levar
à eliminação progressiva dos sistemas normativos menos aptos a satisfazer as
expectativas financeiras dos investidores.57

As imposições relacionadas à definição da localização empresarial


são também um mecanismo de divisão dos trabalhadores e dos países em

Tschiedel. Porto Alegre: Sulina, 2014. p. 58.


56 Ibidem, p. 58-59.
57 Ibidem, p. 59-61.
Gustavo Teixeira Ramos 211

desenvolvimento, colocando-os em competição quanto à oferta de normas


flexibilizadas (renúncia a direitos). Assim, as próprias vítimas da exploração
saem em defesa dos projetos dos grandes capitais58.
De outro lado, os responsáveis pela degradação social e ambiental não
raro escondem os perigos que criam, valendo-se de desinformação organizada,
mediante importante investimento em marketing59. A cegueira dos cidadãos é
trabalhada institucionalmente, por exemplo, mediante o argumento de que
o desenvolvimento trará alguns prejuízos inevitáveis.60 Invoca-se o fatalismo
da globalização financeira, do fim do trabalho, da terceirização, para justi-
ficar o desemprego e a redução de direitos como algo natural para o qual se
caminha inexoravelmente.
O risco socioambiental é, assim, sistematicamente alocado às populações
mais destituídas ou a governos com maiores índices de desemprego, com base
na lógica da livre escolha (infernal) entre condições precárias e arriscadas de
trabalho ou nenhum trabalho; entre algum dinamismo econômico – mesmo
predatório – ou nenhum crescimento.
É preciso resgatar urgentemente, portanto, o espírito da Declaração de
Filadélfia, que considera o Direito não só como um conjunto de regras que
não se deve transgredir, mas sobretudo um conjunto de fins a ser atingido.61

3. PERSPECTIVAS PARA A PROMOÇÃO DO TRABALHO


DECENTE
Sob o prisma democrático, é preciso compreender o trabalho em sua
dimensão ética, não mercantil. Por se constituir no principal meio legítimo
de sobrevivência na sociedade capitalista de produção, o mesmo trabalho que
auxilia na construção da identidade social do homem pode também destruir

58 ACSELRAD, Henri; MELLO, Cecília Campello do Amaral; BEZERRA, Gustavo das Neves. O que é
Justiça Ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, 2009. p. 133-142.
59 A esse respeito, indica-se a seguinte leitura: MICHAELS, David. Doubt is their product: how industry´s
assault on science threatens your health. Oxford: Oxford University Press, 2008. Nesta obra, o autor com-
prova como a indústria do cigarro, sabedora dos malefícios do cigarro à saúde humana, por décadas, con-
tratou cientistas mercenários para esconder tal fato do conhecimento público, disputando cada conclusão
científica em prol de manter a população confusa e, assim, consumindo seus produtos.
60 Esconde-se, assim, a evidente desigualdade distributiva quanto ao uso e acesso aos recursos naturais do pla-
neta, bem como a concentração dos riscos sociais e ambientais sobre os mais despossuídos. Há construção
de insensibilidades quanto à poluição ambiental por intermédio da desinformação (informações perversas)
e de promessas de empregabilidade, de modo a cooptar a sociedade, contando sempre com a dependência
econômica da população no entorno de determinada empresa poluente. A respeito do conceito de poluição
ambiental, ver: EBERT, Paulo Roberto Lemgruber. Dano ambiental: conceito e caracterização. In: Dicio-
nário de Saúde e Segurança do Trabalhador. Conceitos. Definições. História. Cultura. MENDES, René
(org.). Novo Hamburgo: Proteção Publicações Ltda, 2018. p. 337.
61 SUPIOT, Alain. Ibidem, p. 105.
212 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

sua existência, caso não existam condições mínimas para o seu exercício em
condições hígidas e dignas. Assim, “compreender o trabalhador enquanto
mero instrumento para a realização de determinado serviço, tônica da so-
ciedade civil contemporânea, compromete o entendimento maior de que o
homem deve ser fim em si mesmo”62.
A importância do Direito do Trabalho – e das Normas Internacionais do
Trabalho, naturalmente – foi bem sintetizada por Maurício Godinho Delgado
e Gabriela Neves Delgado:
Mediante suas regras imperativas, o Direito do Trabalho busca democratizar a
mais importante relação de poder existente no âmbito da dinâmica econômica,
instituindo certo parâmetro de igualdade jurídica material nessa relação profun-
damente assimétrica. Atenua o poder empregatício e eleva as condições de vida e
trabalho da pessoa humana trabalhadora no âmbito de sua relação de emprego. [...]
Com isso, o Direito do Trabalho também realiza um importante papel de política
de distribuição de renda no mundo da economia e da sociedade capitalistas,
diminuindo, em alguma medida, as tendências concentradoras de renda e de
poder que são características do capitalismo63.

No atual cenário global, o Direito do Trabalho mantém-se como o mais


potente instrumento do Estado no combate às desigualdades indesejáveis, que
são justamente aquelas não naturais (de índole social, econômica, ambiental e
cultural).64 Porém, ao buscar regular relações fundantes do modelo econômico
vigente (ordem pública65), se subutilizado, esse potente instrumento favorecerá
a promoção de desigualdades.66.
É imperioso e urgente, portanto, com a participação da OIT, reposicionar

62 DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. 2. ed. São Paulo: LTr, 2015. p. 25.
63 DELGADO, Maurício Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A Reforma Trabalhista no Brasil com os
comentários à Lei nº 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017. p. 40-41.
64 Sob tal premissa, Maurício Godinho Delgado observa que a Constituição de 1988 sabiamente detectou
que o trabalho regulado é o mais importante veículo de afirmação comunitária da grande maioria dos seres
humanos que compõem a atual sociedade capitalista, sendo, por isso, um dos mais relevantes instrumentos
de afirmação da democracia na vida social. Daí porque se afirma que, na desigual sociedade capitalista, “o
emprego, regulado e protegido por normas jurídicas, desponta [...] como o principal veículo de inserção do
trabalhador na arena socioeconômica capitalista, visando a propiciar-lhe um patamar consistente de afirma-
ção individual, familiar, social, econômica e, até mesmo, ética”. DELGADO, Maurício Godinho. Direitos
fundamentais na relação de trabalho. In: Revista LTr: legislação do trabalho, São Paulo, v. 70, n. 6, p. 657-
667, jun. 2006, p. 658-659.
65 “O objetivo principal da revolução ultraliberal” é “colocar a ‘ordem espontânea do mercado ao abrigo do
poder das urnas. Isso pressupõe retirar inteiramente a repartição do trabalho e das riquezas, assim como do
dinheiro, da esfera política. Essa limitação da democracia é necessária para impedir as populações ignoran-
tes de se imiscuir nas leis da economia que escapam aos seu entendimento”. Para a doutrina ultraliberal “a
insegurança econômica dos trabalhadores e sua exposição ao risco são os motores de sua produtividade e de
sua criatividade” [...] Ao recusar em seu princípio a ideia de justiça social, ela preconiza que a repartição do
trabalho e de seus frutos precisa da ordem espontânea do Mercado e deve ser, assim, retirada da intervenção
pública.” SUPIOT, Alain. Op. Cit, p. 31.
66 PEREIRA, Ricardo. PEREIRA, Ricardo. A Inconstitucionalidade da liberação generalizada da terceirização.
In: Revista da ABET, v. 14, n. 1, p. 62-77, jan./jun. 2015, p. 72.
Gustavo Teixeira Ramos 213

a economia de mercado em bases institucionais sólidas67, que coloquem as


empresas, e não os sistemas jurídicos, em níveis de concorrência, consoante
importante alerta de Alain Supiot68. Para tanto, é preciso renegar o fundamen-
talismo econômico professado na maior parte do mundo na atualidade.69
Mas apenas isto ainda não será suficiente. É preciso que a OIT estimule
a solidariedade positiva entre os Estados, apoiada em objetivos comuns de
trabalho decente70 e de Justiça no regime das trocas entre os países. É preciso
erigir a Justiça Social como a pedra angular da ordem jurídica internacional,
como se esmerou em fazer a Declaração de Filadélfia em 1944.71
É preciso ir além e, sem esperar iniciativas empresariais e da sociedade
civil, buscar encontrar soluções para o enorme e crescente contingente de
desempregados, de desalentados, de precarizados, de subutilizados, de tempo-
rários, de migrantes, de aposentados de modo indigno, de subempregados, de
terceirizados, de comissionados e de disfarçados de pessoas jurídicas, incapazes
de se organizar coletivamente por melhores condições de vida e de trabalho72,
apesar de o cenário ser de piora de tais realidades em todo o mundo do traba-
lho. O panorama de financeirização do capital (capital flexível) pressiona as
indústrias a desvalorizarem ainda mais o trabalho humano.
O desemprego precisa ser enfrentado radicalmente, mas tal não se dará
– de modo sustentável e verdadeiro – mediante a falácia do discurso de

67 “A importância fundamental do emprego para o desenvolvimento econômico e a maior igualdade e justiça


social pode ser demonstrada estatisticamente. Conforme nos revelam dados da Organização Internacional
do Trabalho (OIT), os países mais desenvolvidos econômica e socialmente do mundo são aqueles que pos-
suem o maior percentual da população economicamente ativa (PEA) na condição de “empregados” e menor
percentual nas categorias “empregadores e trabalhadores autônomos” e “trabalhadores familiares não remu-
nerados”. Basta confrontar, por exemplo, no que tange ao percentual de empregados na composição da PEA,
os números da Noruega (92,5%), Suécia (90,4%), Dinamarca (91,2%), Alemanha (88,6%), Países-Baixos
(88,9%) e Reino Unido (87,2%), com aqueles presentes na Grécia (60,2%), Turquia (50,9%), Tailândia
(40,5%), Bangladesh (12,6%) e Etiópia (8,2%).” PORTO, Lorena Vasconcelos; Meirinho, Augusto Grieco
Sant´Anna. O Trabalho Autônomo e a reforma trabalhista. In COSTA, Ângelo Fabiano Farias da; MONTEI-
RO, Ana Cláudia Rodrigues Bandeira; BELTRAMELLI NETO, Silvio (Coord.). Reforma Trabalhista na
visão de Procuradores do Trabalho. Salvador: JusPODIVM, 2018. p. 81.
68 SUPIOT, Alain. Op. Cit., p. 98-99.
69 “Codificados pelas instituições econômicas e financeiras internacionais, os principais dogmas desse funda-
mentalismo econômico (a infalibilidade do Mercado, as benfeitorias da concorrência generalizada, a priva-
tização dos serviços públicos, a desregulamentação do trabalho, a livre circulação de capitais e mercadorias)
tornaram-se, em poucos anos, uma espécie de religião oficial. Seu culto é celebrado por uma multidão de
pregadores que encontram diariamente nas grandes mídias, meios de propagação de sua fé, muito mais in-
vasores do que as tribunas das igrejas de outrora; e seus preceitos são observados pelos governos de direita e
de esquerda, não obstante o crescente número de incrédulos e de heréticos”. SUPIOT, Alain. Op. Cit, p. 33.
70 Segundo a OIT, o trabalho decente implica gerar suficientes postos de trabalho para responder às demandas
da população e que sejam empregos produtivos e de qualidade, ocupados em condições de liberdade, igual-
dade, segurança e dignidade.
71 SUPIOT, Alain. Op. Cit., p. 154.
72 Altos índices de desemprego, tanto quanto a terceirização, a informalidade ou a pejotização, desestimulam a
organização coletiva dos trabalhadores, a sindicalização e o associativismo, favorecendo, a aceitação de con-
dições indignas e inseguras de trabalho, o trabalho extenuante e lesivo, em condições análogas à escravidão,
e ambientes laborais com frequentes assédio moral e/ou sexual.
214 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

renúncia a direitos e a garantias, constitucionalizados ou não. Os empregos


não virão por meio da adoção de normas que precarizam ainda mais o em-
prego para os que ainda o têm.
O desemprego também poderá ser enfrentado mediante a redução da
jornada de trabalho, ao invés de sua intensificação e ampliação, como tem
acontecido em todo o mundo73. Assiste-se a uma superexploração de trabalha-
dores com baixos salários, especialmente por intermédio das novas tecnologias
de controle, enquanto, de outro lado, milhões estão desempregados.
Para se enfrentar o desemprego, o Direito deve regular a livre concorrência,
estabelecer peias ao Deus-mercado (e à livre contratação), e não ser controlado
por ele. Atualmente, porém, os direitos sociais são vistos exclusivamente com a
lente econômica da austeridade fiscal, cuidando-se de produtos ofertados num
mercado internacional de normas, a serem escolhidos por empresas multinacio-
nais que trarão empregos. Ora, é preciso combater o desemprego com o fim dos
“paraísos fiscais”, mas principalmente com o fim dos “paraísos sociais”, surgidos
com a oferta de mão de obra a preço baixíssimo em países muito pobres ou
em desenvolvimento. Porém, se esse movimento de luta e de resistência não
for global, como sempre destacou a OIT, de nada adiantará, pois as empresas
multinacionais migram a cada dia com mais facilidade de um país para outro na
busca das condições ideais visando à ampliação das margens de lucro.
A esse respeito, cumpre realçar relevante iniciativa que a OIT implemen-
tou ao lado do Ministério Público do Trabalho no Brasil referente à criação
da plataforma “Iniciativa SmartLab”. Tal Plataforma permite o mapeamento
de deficits de trabalho decente em todas as suas dimensões. Nela foram cria-
dos quatro Observatórios temáticos (de Segurança e Saúde no Trabalho; da
Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas; da Prevenção e da
Erradicação do Trabalho Infantil; da Diversidade e Igualdade de Oportunida-
des no Trabalho), em que constam dados públicos relevantes sistematicamente
atualizados e divulgados gratuitamente.74 Tal iniciativa contribui inestimavel-

73 Recentemente, no Brasil, tal se deu com a edição da Lei nº 13.467/2017.


74 “A iniciativa SmarlLab surgiu para construir conhecimento relevante para políticas públicas de promoção do
trabalho decente com o uso de um recurso público de baixíssimo custo: dados públicos abertos. A iniciativa
conjunta do MPT e da OIT Brasil deu origem à Plataforma SmartLab, que tem fortalecido a cooperação com
organizações governamentais, não-governamentais e internacionais que atuam na promoção dessa agenda e
que precisam de informações para tomar decisões sobre as ações que desenvolvem. Por meio de Observató-
rios Digitais, a plataforma beneficia também a comunidade científica, que passa a ter acesso a informações
com facilidade sem precedentes para pesquisa. Além disso, o fluxo público de informações para tomada de
decisões baseadas em evidências e orientadas para resultados beneficia a sociedade civil em geral. [...] A
plataforma SmartLab é verdadeira base de conhecimento sobre déficits de trabalho decente, apresentando as
informações de forma simples e intuitiva para todas as localidades brasileiras. No Observatório do Trabalho
Decente, essas informações são organizadas em doze dimensões do conceito preconizado pela OIT: 1. Con-
texto Econômico e Social; 2. Rendimentos adequados e trabalho produtivo; 3. Jornada de trabalho decente;
4. Conciliação entre o trabalho, vida pessoal e familiar; 5. Trabalho a ser abolido; 6. Estabilidade e segurança
Gustavo Teixeira Ramos 215

mente para a tomada de decisões fundamentadas, por governos e sociedade


civil e política, voltadas à promoção do trabalho decente.
A OIT deve seguir contribuindo com o alerta de que se atualmente 2
bilhões de pessoas sobrevivem com menos de U$ 2 ao dia75 e quase 1 bilhão de
pessoas passa fome no mundo76 não é porque elas não querem ou não poderiam
produzir, mas porque sequer têm essa oportunidade, e tal fato deve importar
aos governantes do mundo para que não se eleve o índice que os economistas
chamam de desemprego “fisiológico” (ou aceitável) em decorrência dos avan-
ços da tecnologia. Não se pode esquecer que na Índia, na China, na África,
nas Américas Latina e Central há centenas de milhões de pessoas que jamais
trabalharam e jamais elevaram suas exigências acima do nível de subsistência.
Essas populações, contudo, devem possuir o direito – de índole fundamental
em grande parte do mundo – de cultivar esperanças humanas, como uma
expectativa de vida razoável, a libertação da dor física, o acesso à educação, ao
saneamento básico e ao trabalho decente77.
O mundo contemporâneo, pós-moderno, extremamente tecnológico,
tem anulado a organização coletiva dos trabalhadores, dividindo-os em pautas
individuais e específicas, cada qual com sua prioridade. Muitos não querem
sequer ser considerados trabalhadores, mas sim empresários. Microempresários
individuais. Chamam-se de empresários de si próprios (com seus veículos,
como se dá com os contratados pela Uber, por exemplo), quando na verdade
trabalham para outros e assumem o risco da atividade, muitas vezes recebendo
no trabalho; 7. Igualdade de oportunidades e de tratamento no emprego; 8. Ambiente de trabalho seguro; 9.
Seguridade social; 10. Diálogo social; e representação de trabalhadores e empregadores; 11. Oportunidades
de emprego; 12. Empresas e trabalho decente. Há, ainda, nesta plataforma, quatro Observatórios temáticos:
Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho; Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do
Tráfico de Pessoas; Observatório da Prevenção e da Erradicação do Trabalho Infantil; Observatório da Di-
versidade e Igualdade de Oportunidades no Trabalho. Para cada Observatório, dados públicos brutos foram
extraídos de centenas de fontes, compilados, organizados e tratados. Além disso, com o uso de técnicas
estatísticas e de econometria, grande quantidade de indicadores inéditos foram criados para municípios, para
unidades federativas e para o Brasil. A plataforma incorpora, automatiza e atualiza uma série de indicadores
do Sistema de Indicadores Municipais de Trabalho Decente (SIMTD) desenvolvido no âmbito da OIT Brasil
em cooperação com o IBGE e o governo brasileiro. Todas as tecnologias, fontes e padrões utilizados ou
desenvolvidos pela iniciativa são gratuitos e de domínio público. SMARTLAB. Brasil. Seleção atual. Ini-
ciativa SmartLab. Promoção do Trabalho Decente Guiada por Dados. Disponível em: <https://smartlabbr.
org/>. Acesso em 7 nov. 2019.
75 STELZER, Joana. Direito do Comércio Internacional. Do Free Trade ao Fair Trade. Curitiba: Juruá,
2018. p. 123.
76 Agência Brasil. Cerca de 820 milhões de pessoas passam fome no mundo, estima ONU. Disponível em:
<http://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2018-10/cerca-de-820-milhoes-de-pessoas-passam-
-fome-no-mundo-estima-onu> Acesso em 26 abr. 2019.
77 Para incluir, a primeira medida é que todos tenham acesso a empregos decentes, conforme o conceito enun-
ciado pela OIT em 1999. Por essa razão, os elementos centrais da Agenda 2030 para o Desenvolvimento
Sustentável, aprovada na última Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro de 2015, em vigor desde
janeiro de 2016, são exatamente os quatro pilares do programa de trabalho decente da OIT, quais sejam,
(i) promoção do emprego de qualidade, (ii) respeito às normas internacionais do trabalho, em especial os
princípios e direitos fundamentais, (iii) proteção social e (iv) diálogo social. NAÇÕES UNIDAS – BRASIL.
Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/tema/agen-
da2030/>. Acesso em 9 out. 2019.
216 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

menos que um salário-mínimo, mas sempre enviando parte dos rendimentos


à empresa contratante.78
Após a 3ª Revolução Tecnológica (com a microeletrônica, a internet, a
nanotecnologia), já se fala em Indústria 4.0, em que as máquinas são capazes
de tomar decisões em tempo real e há integração plena entre as diversas tec-
nologias. Constata-se, porém, que o discurso do fim do trabalho pertence à
ideologia ultraliberal, visando à redução de direitos conquistados a duras penas
e à justificação dos elevados índices de desemprego, olvidando-se de que o
Direito do Trabalho surgiu justamente num contexto de revolução tecnológica
(1ª Revolução Industrial).
Daí porque no recente relatório intitulado “Trabalho para um futuro
mais brilhante”, a Comissão Global sobre o Futuro do Trabalho estabeleceu:
Recomendamos que a OIT instaure os arranjos institucionais para permitir que
seja o ponto focal no sistema internacional para o desenvolvimento e a análi-
se comparativa de políticas para o futuro nacional das estratégias de trabalho.
Além disso, recomendamos que a OIT promova a coordenação entre todas as
instituições multilaterais relevantes na formulação e implementação da agenda
centrada no ser humano, apresentada no nosso relatório.
Recomendamos que a OIT dê alta prioridade aos principais desafios da mudança
transformacional no trabalho. Precisa avaliar seus padrões e garantir que estejam
atualizados, relevantes e sujeitos a supervisão adequada. Acima de tudo, vemos um
papel estratégico para a OIT em aprofundar a compreensão de como os processos
de digitalização e automação continuam a afetar o mundo do trabalho, para poder
gerenciá-los para o benefício de todos. Isso inclui uma avaliação dos efeitos das
novas tecnologias no planejamento do trabalho e no bem-estar do trabalhador.
Especificamente, recomendamos que a OIT estabeleça um laboratório de inova-
ção em tecnologias digitais que possam apoiar o trabalho decente. O laboratório
pilotaria e facilitaria a adaptação e adoção de tecnologias para apoiar empregado-
res, trabalhadores e inspetores do trabalho no monitoramento das condições de
trabalho e forneceria capacitação e suporte sobre como analisar e usar os dados
coletados. Trabalho para um futuro mais brilhante – Comissão Global sobre o
Futuro do Trabalho. E já que a mudança tecnológica é um processo contínuo,
não apenas um evento, recomendamos que a Organização crie um grupo de

78 É disso que o Brasil precisa, argumenta-se: cultura de empreendedorismo. Ainda que isto seja verdade em
alguma porção, este é um discurso enganador para a maior parte da população brasileira, pois muito pou-
cos têm real condição de empreender. Ser pequeno empresário não é tarefa fácil. Os riscos são muitos. É
necessário capital inicial. Nem todos têm preparo ou formação. É preciso ser gestor de pessoas, entender
de questões financeiras e tributárias, de marketing (inclusive virtual), lidar com contabilidade, compras,
estoque etc. Mesmo sem o gozo de direitos básicos (férias, direito a se afastar do trabalho se vier a adoecer)
e sem as benesses reais dos grandes empresários, “é melhor ser empresário”, pensam muitos “pejotizados”
ou “autônomos”, que não se dão conta de que são trabalhadores como outros quaisquer, mas sem direitos
e sem segurança. E sem perspectiva real de futuro. Na verdade, cuida-se de um discurso auto iludido, que
aparenta liberdade e poder, como resposta aos assustadores índices de desemprego, especialmente entre os
mais jovens.
Gustavo Teixeira Ramos 217

monitoramento especializado para acompanhar o curso da inovação e aconselhar


sobre como ela deve enfrentar os desafios políticos resultantes.
Recomendamos que a OIT dê atenção especial à universalidade de seu mandato.
Isto implica a ampliação de suas atividades para incluir aqueles que historicamen-
te permaneceram excluídos da justiça social e do trabalho decente, especialmente
os trabalhadores informais. Implica igualmente em ações inovadoras para abordar
a crescente diversidade de situações em que o trabalho é realizado, em particular
o fenômeno emergente do trabalho mediado digitalmente na economia de plata-
formas. Consideramos uma garantia trabalhista universal como uma ferramenta
apropriada para lidar com esses desafios e recomendamos que a OIT dê uma
atenção urgente aos meios de sua implantação.79

Sem dúvida, compete ao Direito do Trabalho enquadrar os avanços tec-


nológicos e do capital aos interesses da sociedade. Como observa Alain Supiot,
não basta distribuir direitos individuais como se distribuem armas, com a es-
perança de que surja daí uma sociedade inteiramente contratual e justa. Todo
o Direito Social foi construído sobre uma colocação metódica de dúvida em
relação ao consentimento do fraco à vontade do forte.80
De outro lado, é muito importante seguir investindo energia na pre-
venção e no combate aos atos antissindicais – cuja prática, lamentavelmente,
amplia-se em várias partes do mundo -, e também cobrar que os Estados-
-Membros ampliem o controle de inconvencionalidade relacionado às Normas
Internacionais do Trabalho aprovadas pela OIT.
Por fim, a OIT deve estimular os Estados-Membros a aprimorarem cons-
tantemente seus mecanismos internos (normativos ou não) de promoção do
trabalho decente. Assim, as Normas Internacionais do Trabalho – que consti-
tuem patamares mínimos de regulação às relações jurídicas trabalhistas (mesmo
porque construídas a partir de difíceis consensos tripartites com a participação
de muitos países) – não devem ser vistas como metas-teto, o que acabaria por
engessar a melhoria da condição social dos trabalhadores em países que progri-
dem mais rápido em alguns setores, ao subtrair do princípio laboral protetivo
a vertente de aplicação da norma mais favorável ao trabalhador81.
Enfim, os desafios que a OIT terá que enfrentar não são pequenos, mas a
bússola a guiá-la há de ser, também para o próximo século, a da Justiça Social,
sem a qual não poderá haver paz duradoura.

79 SINAIT. Relatório OIT. Trabalho para um futuro mais brilhante. Disponível em: <https://sinait.org.br/docs/
relatorio_oit_portugues_2019.pdf>. Acesso em 5 nov. 2019.
80 SUPIOT, Alain. Op. Cit., p. 44.
81 Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. Tradução de Wagner D. Giglio. 3. ed. São Paulo: LTr,
2000. p. 85.
218 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

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A INTER-RELAÇÃO ENTRE O ORDENAMENTO
JUSLABORAL PÁTRIO E O INTERNACIONAL:
PRINCÍPIOS DA PROGRESSIVIDADE E DA
VEDAÇÃO DO RETROCESSO COMO LIMITES
MATERIAIS DAS NORMAS DE DIREITO DO
TRABALHO

Carolina Pereira Lins Mesquita1

RESUMO: O objetivo deste paper é analisar a inter-relação entre o ordenamento


jurídico laboral pátrio e o internacional. Para tanto, são contrapostas as teorias
jurídicas universalista e pluralista do Direito e, em seguida, expostos os efeitos
dessas teorias no que se referem às relações entre o ordenamento jurídico nacio-
nal e o internacional e seus consectários, com o fim de verificar em que medida
as normas internas pátrias são influenciadas pelas normas internacionais que
versam sobre o Direito do Trabalho, especialmente as Convenções da OIT. Nesse
caminhar, discorre-se criticamente sobre o posicionamento do Supremo Tribunal
Federal a respeito da matéria, bem como a natureza das normas internacionais
vigentes na República Federativa do Brasil, com detido enfoque naquelas que
versam sobre direitos humanos. Por fim, foram abordadas as dimensões dos
princípios da progressividade e da vedação do retrocesso, não os limitando aos
domínios do Direito Internacional do Trabalho, com o fito de demonstrar que
são os limites estatuídos para as normas do direito do trabalho, independente-
mente do status normativo.

Palavras-chave: Direito do Trabalho Internacional; Direito do Tra-


balho no Brasil; Organização Internacional do Trabalho; Centenário;
Vedação do Retrocesso Social.
ABSTRACT: The purpose of this paper is to analyze the interrela-
tionship between the national and international labor legal systems. To
this end, the universalist and pluralist legal theories of law are opposed,
and then the effects of these theories are exposed in relation to the re-
lations between the national and international legal systems and their

1 Professora Adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Doutora em Ciências Jurídicas e
Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense
(PPGSD/UFF). Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Carolina Pereira Lins Mesquita 221

consulars, in order to verify to what extent the Domestic domestic


standards are influenced by international standards dealing with labor
law, especially ILO Conventions. In this way, we discuss critically the
position of the Supreme Federal Court regarding the matter, as well
as the nature of the international rules in force in the Federative Re-
public of Brazil, with a special focus on those dealing with human
rights. Finally, the dimensions of the principles of progressivity and
the prohibition of retrogression were addressed, not limiting them to
the domains of International Labor Law, in order to demonstrate that
they are the limits established for the norms of labor law, regardless of
the normative status.
Keywords: International Labor Law; Labor Law in Brazil; Internatio-
nal Labor Organization; Centenary; Prohibition of Social Retrocession.

1. INTRODUÇÃO
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é uma organização in-
tergovernamental permanente, sediada em Genebra, na Suíça, fundada após
a Primeira Guerra Mundial, em 1919, pela Conferência de Paz. A OIT tem
como objetivos a promoção da justiça social e o reconhecimento internacional
dos direitos humanos e trabalhistas, além de ser encarregada de promover a
realização do programa exposto no preâmbulo e os fins e objetivos previstos
na Declaração da Filadélfia.
Trata-se da única das agências especializada do Sistema das Nações
Unidas dotada de particular estrutura tripartite na qual os representantes dos
empregadores e dos trabalhadores atuam na construção normativa.
A OIT, que tem mantido representação no Brasil desde 1950, possui
como objetivos estratégicos: promover os princípios fundamentais e direitos
no trabalho com base em um sistema de supervisão e de aplicação de normas;
promover melhores oportunidades de emprego/renda para mulheres e homens
em condições de livre escolha, de não discriminação e de dignidade; aumen-
tar a abrangência e a eficácia da proteção social; e fortalecer o tripartismo e o
diálogo social.
As normas de Direito Internacional do Trabalho são fontes jurídicas,
dotadas de inquestionável teor jurídico-normativo, destinadas a universalizar
padrão mínimo de tutela indispensável ao homem, diante de sua excelência
222 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

e inata dignidade, apresentando-se como uma característica peculiar da dog-


mática laboral.
Diante deste quadro, o objetivo deste paper é analisar a inter-relação entre
o ordenamento jurídico laboral pátrio e o internacional.
Para tanto, são contrapostas as teorias jurídicas universalista e pluralista
do Direito e, em seguida, expostos os efeitos dessas teorias no que se referem
às relações entre o ordenamento jurídico nacional e o internacional e seus
consectários, com o fim de verificar em que medida as normas internas pátrias
são influenciadas pelas normas internacionais que versam sobre o Direito do
Trabalho, especialmente as Convenções da OIT.
Na Sequência discorre-se criticamente sobre o posicionamento do Supre-
mo Tribunal Federal a respeito do status das normas internacionais no Brasil,
com detido enfoque naquelas que versam sobre direitos humanos, incluídos
os sociais trabalhistas.
Por fim, foram abordadas as dimensões dos princípios da progressividade
e da vedação do retrocesso, não os limitando aos domínios do Direito Interna-
cional do Trabalho, com o fito de demonstrar que são os limites estatuídos para
as normas do direito do trabalho, independentemente do status normativo.

2. O UNIVERSALISMO E O PLURALISMO JURÍDICOS


Durante muito tempo, o universalismo jurídico, manifesto pelo ideal
de um direito universal único, persistiu no pensamento jurídico ocidental,
sobremaneira pelo prestígio a ele atribuído, advindo do Direito romano e,
posteriormente, do Direito natural. Eis aí a gênese do monismo jurídico.
Para os jusnaturalistas, o monismo jurídico se relaciona à noção de exis-
tência de um direito universal único, fruto não da vontade, mas da revelação
do direito natural à razão humana. Assim, os direitos particulares dos diversos
povos e épocas “não eram outra coisa senão especificações históricas”. 2

2 A teoria do direito como instituição contrapõe-se à teoria normativa do direito, entendendo o direito
não como norma (ou seja, que o “fenômeno originário da experiência jurídica é a regra de conduta”), mas
como instituição, surgida no âmbito da sociedade civil, como fenômeno social. Em linhas gerais, para este
entendimento haverá direito sempre que houver grupos sociais organizados, isto é, grupos que suplantaram
a fase inorgânica e que, portanto, passaram à fase de institucionalização (inclusive, grupos organizados
de delinquentes e a família). Mas, ao contrário, não haverá direito em grupos sociais inorgânicos (por
exemplo, classes sociais não organizadas). A crítica que se faz a esse entendimento é que combate-se
propriamente a teoria estadista do direito, ao invés da teoria normativa do direito (teoria esta que admite a
pluralidade de centros de positivação jurídica e que, em princípio, não coincide, na sua acepção ampla, ao
estadismo jurídico). Outra crítica que se faz a teoria do direito como instituição é que as normas (regras
de conduta) antecedem as instituições (grupos sociais organizados). Em verdade, são as regras de conduta
que possibilitam a transformação dos grupos de inorgânicos em grupos organizados. E, de outro lado, nem
Carolina Pereira Lins Mesquita 223

Já a origem do pluralismo jurídico, compreendido como a existência con-


comitante de diversidade de ordenamentos jurídicos, conforme anota Bobbio,
pode ser auferida de dois momentos (ou processos) históricos. 3
A primeira concepção do pluralismo jurídico, de caráter estadista, re-
monta ao surgimento do historicismo jurídico que sustentava a existência, em
contraponto ao direito natural comum e universal, de diversidade de ordena-
mentos, tanto quanto for o número de nações no mundo, que exprimem o seu
gênio jurídico (sua personalidade) ao ordenamento estatal.
Com o advento do positivismo jurídico, fundado na concepção do di-
reito apenas quando emanado da autoridade competente, o pluralismo passa
a prevalecer. Por certo, o próprio positivismo jurídico estrutura-se na possibili-
dade da existência de pluralidade de ordenamentos, vez que entende que cada
poder soberano é independente e detém o poder de criação de ordenamentos
jurídicos próprios e autônomos.
A crença na exclusividade da produção estatal foi reforçada no plano
internacional pela afirmação da soberania estatal no modelo wesphaliano, na
medida em que tal sistema funda-se no princípio da soberania territorial e dele
deriva o reconhecimento da igualdade formal entre Estados. Nestes termos,
é assegurada a não intervenção estatal em assuntos internos de outros, com
o que impõe o respeito recíproco e a independência dos Estados soberanos.
O “positivismo identifica-se com a concepção voluntarista do Direito”,
na medida em que reconhece o direito não como fruto da razão, mas como
vontade. Neste esteio, para esse entendimento do direito, somente haveria
possibilidade de se falar em unidade de ordem jurídica caso se conceba apenas
um poder soberano universal.

todas as regras de condutas são suficientemente hábeis a constituir uma instituição (cf. Bobbio, 2001, p.
28-37).
3 A teoria do direito como instituição contrapõe-se à teoria normativa do direito, entendendo o direito
não como norma (ou seja, que o “fenômeno originário da experiência jurídica é a regra de conduta”), mas
como instituição, surgida no âmbito da sociedade civil, como fenômeno social. Em linhas gerais, para este
entendimento haverá direito sempre que houver grupos sociais organizados, isto é, grupos que suplantaram
a fase inorgânica e que, portanto, passaram à fase de institucionalização (inclusive, grupos organizados
de delinquentes e a família). Mas, ao contrário, não haverá direito em grupos sociais inorgânicos (por
exemplo, classes sociais não organizadas). A crítica que se faz a esse entendimento é que combate-se
propriamente a teoria estadista do direito, ao invés da teoria normativa do direito (teoria esta que admite a
pluralidade de centros de positivação jurídica e que, em princípio, não coincide, na sua acepção ampla, ao
estadismo jurídico). Outra crítica que se faz a teoria do direito como instituição é que as normas (regras
de conduta) antecedem as instituições (grupos sociais organizados). Em verdade, são as regras de conduta
que possibilitam a transformação dos grupos de inorgânicos em grupos organizados. E, de outro lado, nem
todas as regras de condutas são suficientemente hábeis a constituir uma instituição (cf. Bobbio, 2001, p.
28-37).
224 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Já o segundo momento do pluralismo jurídico, chamado de “institu-


cional”, é assim denominado por Bobbio “porque a sua tese principal é a de
que existe um ordenamento jurídico onde existe uma instituição, ou seja, um
grupo social organizado”.4
As correntes que lhes deram origem foram as sociológicas e as antiestatais,
ligadas à escola do direito livre e ao entendimento de ser possível a co-existência
de diversas ordens jurídicas oriundas não só do Estado, mas também de toda a
sociedade. Logo, para essa teoria, a existência de pluralidade de ordenamentos
jurídicos seria verificada não só no plano interno5 dos Estados, mas também
na ordem jurídica internacional.
Em anteposição ao pluralismo jurídico, contudo, ressurge, notadamente
após a Segunda Guerra Mundial e a criação das Nações Unidas, no seio do posi-
tivismo jurídico, a concepção da universalidade do direito (não aquela, fruto da
razão e do estado de natureza, como pugnado pelos jusnaturalistas), mas como
fruto do desenvolvimento histórico do próprio positivismo. Essa nova compreen-
são do monismo jurídico estaria atrelada à ideia de criação de um direito positivo
unitário, oriundo de um Estado mundial único.
Especificamente no que concerne à construção da ordem jurídica interna-
cional, esse entendimento do monismo questiona a própria imprescindibilidade
da soberania estatal, sustentando a doutrina do Direito Internacional Público
que o fenômeno jurídico internacional pode até mesmo prescindir da partici-
pação volitiva direta de um Estado particular.
4 A teoria do direito como instituição contrapõe-se à teoria normativa do direito, entendendo o direito não
como norma (ou seja, que o “fenômeno originário da experiência jurídica é a regra de conduta”), mas como
instituição, surgida no âmbito da sociedade civil, como fenômeno social. Em linhas gerais, para este en-
tendimento haverá direito sempre que houver grupos sociais organizados, isto é, grupos que suplantaram
a fase inorgânica e que, portanto, passaram à fase de institucionalização (inclusive, grupos organizados de
delinquentes e a família). Mas, ao contrário, não haverá direito em grupos sociais inorgânicos (por exemplo,
classes sociais não organizadas). A crítica que se faz a esse entendimento é que combate-se propriamente
a teoria estadista do direito, ao invés da teoria normativa do direito (teoria esta que admite a pluralidade
de centros de positivação jurídica e que, em princípio, não coincide, na sua acepção ampla, ao estadismo
jurídico). Outra crítica que se faz a teoria do direito como instituição é que as normas (regras de conduta) an-
tecedem as instituições (grupos sociais organizados). Em verdade, são as regras de conduta que possibilitam
a transformação dos grupos de inorgânicos em grupos organizados. E, de outro lado, nem todas as regras de
condutas são suficientemente hábeis a constituir uma instituição (cf. Bobbio, 2001, p. 28-37).
5 Aqui se enquadra o entendimento de Reale (1994) no que se refere à pluralidade de ordenamentos na ordem
interna, porquanto afirma que “há, em suma, todo um Direito ‘grupalista’, que surge ao lado ou dentro do
Estado”. O autor sustenta o seu entendimento no que se refere à pluralidade de ordens jurídicas no plano
interno dos Estados: “Como contestar a juridicidade das organizações esportivas? Não possuem elas uma sé-
rie de normas, e até mesmo de tribunais, impondo a um número imenso de indivíduos determinadas formas
de conduta sob sanções organizadas? Lembre-se outro fenômeno do maior alcance, que é o profissional ou
sindical, estabelecendo, no campo das atividades de classe, um conjunto de normas que também são pro-
tegidas por sanções organizadas. Parece-nos, pois, procedente a teoria da pluralidade das ordens jurídicas
positivas”. Salienta-se que o autor fundamenta a teoria da pluralidade dos ordenamentos jurídicos internos
em uma gradação de positividade jurídica, “ou seja, diversos graus de incidência do Direito positivo, quer
em extensão, quer em intensidade, devido exatamente à maior ou menor organização da sanção, sua obje-
tividade e eficácia”. Então, para Reale, o ordenamento jurídico do Estado se distinguiria das demais ordens
jurídicas (por exemplo, as sindicais, as esportivas e a canônica), já que só o Estado representaria o ordena-
mento jurídico soberano, ao qual todos recorrem para dirimir conflitos recíprocos (cf. Reale, 1994, p. 77-78).
Carolina Pereira Lins Mesquita 225

Nota-se que a concepção monista do direito encontra adeptos na cor-


rente jusnaturalista e na positivista. Sintetizando: naquela, o monismo é
fundamentado em um direito natural universal, que inspira o direito positivo
de todas as nações e em diferentes momentos históricos; neste, ele é alicer-
çado também em um direito universal, contudo positivo, fruto da evolução
história do próprio positivismo jurídico dos diversos Estados e emanado de
uma única autoridade mundial suprema.
De outro lado, a concepção pluralista do direito também conta com
adeptos tanto na corrente jusnaturalista quanto na positivista. Na jusnatu-
ralista, o pluralismo jurídico por si só decorre da concepção de duas espécies
de direitos, o natural e o positivo. No positivismo, pela existência de distintas
ordens estatais soberanas, que também se obrigam no plano do Direito In-
ternacional Público ou, ainda, pelo entendimento de que são jurídicas outras
ordens oriundas da sociedade e independentes do Estado (e.g. da Igreja e dos
grupos sociais, incluindo as profissionais classistas).
Diversos podem ser, portanto, os enfoques fundamentadores para se
sustentar o pluralismo ou o monismo jurídico, encontrando terreno fértil
de debates nos domínios do Direito Internacional Público, principalmente
com o fito de justificar e compreender o modo como se procedem as relações
cada vez mais intensas entre ordem estatal e a internacional, bem como entre
as respectivas normas.

3. AS RELAÇÕES ENTRE O ORDENAMENTO JURÍDICO


NACIONAL E O INTERNACIONAL E CONSECTÁRIOS
Há várias possibilidades de relações de ordens normativas. Ilustra-se com
as estabelecidas entre a ordem jurídica e a ordem moral, entre a ordem jurídica
e a ordem religiosa, entre ordem jurídico-estatal e as ordens particulares (pro-
venientes de instituições privadas). Entretanto, a que interessa especificamente
a esta abordagem é aquela estabelecida entre duas espécies de ordens jurídicas:
a interna dos Estados e a internacional.
É essencial dizer assente o caráter eminentemente jurídico do ordena-
mento internacional, há muito reconhecido, derivado dos avanços teóricos e
da prática internacional.6
6 Aqui se reconhece, de antemão, a natureza jurídica do ordenamento jurídico internacional, afastando, por
conseguinte, as teorias negativistas do Direito Internacional que, conforme Muradas (2010, p. 108): “negam
o status jurídico às relações internacionais em virtude de variados fundamentos, tais como uma pretensa
ausência de sanção da norma internacional (nesta concepção a ordem internacional reporta-se a preceitos
de ordem moral), a ausência ou insuficiência de instâncias judiciais (em sentido próprio) no plano interna-
cional, bem como a assimetria nas relações entre Estados no plano internacional (esta concepção nega a
226 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

A partir desta assertiva, deve-se reconhecer como inquestionável o caráter


jurígeno das normas internacionais do trabalho (fontes heterônomas),7 encon-
trando em sede constitucional referência expressa a essas espécies normativas
(arts. 5º, §2º, 102, III, “b”, e 105, III, “a”, da CRFB).8
Após estas elucidações propedêuticas, adentra-se na análise das discussões
relativas às relações estabelecidas entre a ordem interna e a internacional, que
ocupam posição central no Direito Internacional Público.
É de ressaltar, abstraindo os diversos matizes teóricos, que para a com-
preensão do Direito do Internacional a doutrina edificou duas principais teorias:
a dualista e a monista. Da escolha e adoção de cada uma delas decorrerão con-
sectários práticos distintos. Ilustra-se com os procedimentos relativos à própria
validade formal interna e o status hierárquico dos tratados internacionais ratifi-
cados pela República Federativa do Brasil em contraponto às normas internas.
Para a corrente dualista,9 a ordem interna e a internacional compõem dois
ordenamentos jurídicos distintos e independentes que podem ser representadas
por dois círculos que não se tangenciam,10 incomunicáveis. Diante de tal teore-
própria existência da ordem internacional”. Especificamente acerca da coação extraestatal, Reale (1994, p.
77; 349) explana o seu posicionamento: “Nós sustentamos, em nosso livro Teoria do Direito e do Estado,
que a coação existe também fora do Estado. O Estado é o detentor da coação em última instância. Mas, na
realidade, existe Direito também em outros grupos, em outras instituições que não o Estado.” Completa o
seu entendimento: “O que caracteriza o Direito não é a coação efetiva, real, concreta, mas a possibilidade de
coação. Não se pode contestar a possibilidade de coação no plano do Direito Internacional, que já apresenta
casos de coação até mesmo juridicamente organizada. Nada exclui a possibilidade de um órgão superestatal,
munido de força suficiente, para que exija dos Estados o cumprimento das normas de caráter internacional.
Podemos dizer que, apesar dos pesares, a evolução no plano da comunidade internacional vai obedecer aos
mesmos marcos que se apontam na evolução do Direito Privado, com uma passagem progressiva da solução
armada dos conflitos para o seu superamento nos quadros do Direito”.
7 Existe celeuma doutrinária acerca da natureza jurídica dos tratados e convenções internacionais ratificados
pelo Brasil, se são convoladas em fontes normativas nacionais ou se mantém o status de normas interna-
cionais. A posição teórica fundada no dualismo sustenta a natureza de fonte de direito interno derivada, já
que decorreriam das próprias normas estatais, ou seja, da lei, considerada como genuína fonte originária (cf.
Catharino, 1972, p. 99-101). De outro lado, os filiados da teoria monista sustentam a manutenção do status
de normas internacionais, mesmo quando ratificados no plano interno por Decreto Presidencial, após prévio
procedimento legislativo extraordinário, que somente lhe emprestaria força executória interna, sem alteração
da sua qualidade de fonte jurígena internacional (cf. Muradas, 2010, p. 111-3).
8 Dispõem os arts. 5º, §2º, 102, III, “b” e 105, III, “a”, da CRFB, respectivamente: Art. 5º, §2º “Os direitos e
garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”; Art. 102
“Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: [...] III jul-
gar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão re-
corrida: [...] b) declarar a inconstitucionalidade de tratado e lei federal [...]”; Art. 105 “Compete ao Superior
Tribunal de Justiça: [...] III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância,
pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando
a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; [...]”.
9 Conforme Reale (1994, p. 348-9): “Note-se, aliás, que a teoria dualista não exclui que possa haver relações
internacionais entre ordenamentos não estatais, e mesmo entre particulares, desde que como tais os Estados
as reconheçam, expressa ou tacitamente”.
10 As justificativas teóricas para a separação entre as ordens nacionais e ordem internacional derivariam: da va-
riação das fontes jurídicas (direito internacional como fruto da vontade comum de vários Estados; nacional,
fruto da vontade unilateral dos Estados); e da diversidade de categorias ou relações jurídicas sob a regência
destas duas ordens jurídicas (direito internacional regularia as relações entre Estados no plano exterior;
nacional, as relações dos Estados e seus cidadãos ou as formadas entre estes) (cf. Muradas, 2010, p. 108-9).
Carolina Pereira Lins Mesquita 227

ma, a norma de direito internacional para ter eficácia no plano interno deve ser
internalizada (por meio de procedimentos legislativos), só depois disso passando
a ter vigência interna.11
Em face da previsão desses procedimentos legislativos de internalizar as
normas internacionais, a natureza jurídica dessas normas sofreria uma muta-
ção: passando de normas internacionais para normas internas derivadas. E, já
que derivadas e subordinadas à Constituição do país, seriam dotadas de eficácia
de norma infraconstitucional.
Afasta-se, por conseguinte, a possibilidade de haver conflito entre normas
de direito interno e de direito internacional, posto que a norma internacional
só vai ser obrigatória para o Estado se a estiver positivado no ordenamento
interno. Dessa feita, os conflitos porventura existentes tratarão de conflitos
entre normas internas, seguindo as regras de solução de antinomias do mesmo
sistema jurídico (no caso, as propostas pelo ordenamento estatal).
Para a corrente monista, as ordens jurídicas internacional e nacional
compõem um sistema jurídico único ou “universal”, havendo, pois, interde-
pendência e inter-relação entre elas, residindo o critério distintivo apenas no
que se refere a graus de manifestação (grau interno e grau internacional).
Em face desta teoria, o Estado, quando assume compromisso internacio-
nal – reverberado pelo ato de adesão do Chefe de Estado à norma de direito
internacional (ratificação) –, acarreta a automática atribuição de vigência da
norma internacional no plano nacional, sendo desnecessários atos legislativos
internos. Logo, verifica-se a coincidência entre vigência interna e a vigência
internacional.12 Além disso, constata-se também a manutenção da natureza
jurídica de norma internacional, mesmo quando aplicável à dimensão interna.13
Do ato de ratificação decorrem obrigações no plano internacional para o
Estado. Entretanto, pode ou não coincidir com o marco inicial da vigência do
instrumento normativo no plano internacional porquanto o próprio diploma
pode prever outras condições necessárias para lhe desenvolver a vigência. Caso

11 Nesse sentido, Álvares da Silva (1996, p. 19), para quem o marco da vigência interna pátria dos tratados
internacionais é a aprovação pelo Congresso Nacional, via Decreto Legislativo.
12 Pelo entendimento de coincidência da vigência interna com a internacional, Muradas (2010). A autora con-
clui: “Não implementada a condição ou termo inicial de vigência do tratado internacional (não expirado,
pois o período da vacatios legis) a vigência interna fica sobrestada até que se opere a vigência internacional,
salvo, é claro, se o ordenamento jurídico nacional dispuser de modo diverso” (cit., p. 116-121).
13 Reportando especificamente para o caso brasileiro, segundo Fraga (1998), a promulgação (e publicação)
da norma internacional pelo Decreto Presidencial “não convolaria esta fonte jurídica em direito nacional,
eis que o decreto presidencial somente emprestaria força executória ao tratado”. Completa que, “ao aplicar
a norma internacional, o Poder Judiciário aplica o próprio tratado (Direito Internacional), e não o direito
nacional (o produzido, apenas, pelos órgãos internos), em que, supostamente, se tenha transformado por via
do decreto de promulgação” (cit., p. 127).
228 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

a vigência internacional seja imediata, coincidirá com o ato de ratificação. Caso


dependa de outras condições, fala-se em vigência diferida.
Ilustram-se tais assertivas com as convenções internacionais do trabalho,
que, comumente estabelecem em seus próprios textos que a vigência no âmbito
internacional se dará após doze meses contados do registro de duas ratificações
perante a Repartição Internacional do Trabalho. De outro lado, fixam que ela
entrará em vigor no plano internacional, em relação a cada Estado-membro,
doze meses após a data do registro de sua ratificação, desde que já vigore no
âmbito internacional.
Como a concepção monista preconiza a existência de uma ordem jurídica
única, há possibilidades de conflitos entre normas de direito internacional e de
direito interno, solucionáveis com o primado do direito interno dos Estados
(teoria monista com primazia do direito interno, fundada na soberania estatal)
ou com o primado do direito internacional (teoria monista com primazia do
direito internacional). Note-se que a relação estabelecida aqui entre os graus
de ordem jurídica (interna e internacional) se dá na forma de subordinação/
supremacia de uma sobre a outra.
Aquela que pugna pelo primado do direito internacional sustenta que
em caso de conflito prevalecerão as normas internacionais, inclusive sobre as
constitucionais de um Estado. Esta teoria afasta a alegação de transgressão à
soberania estatal, sob o fundamento de que o Estado, na adoção do tratado
internacional, necessariamente manifestou o seu consentimento, mencionan-
do, ainda, a possibilidade de denúncia da norma internacional.
A denúncia consiste em ato volitivo unilateral por meio do qual o Estado
manifesta o interesse em pôr termo à vigência de uma norma internacional,
desobrigando-se na ordem internacional. Convém dizer que aos tratados in-
ternacionais que consagram direitos humanos (inclusive, os trabalhistas) é
reconhecida a natureza de ius cogens, além da marca do princípio da progres-
sividade e da vedação do retrocesso. Por essas razões, deve ser interpretada
restritivamente a possibilidade de denúncia prevista no próprio texto das
convenções internacionais do trabalho, que, usualmente, prevê a hipótese de
denúncia após o prazo decenal mínimo de vigência e, de toda forma, surtindo
efeitos somente após o lapso de doze meses contados da comunicação oficial
do Estado-membro à Repartição Internacional do Trabalho.
Essa concepção monista do direito remonta a Kelsen,14 para quem a “a
14 Consoante Kelsen (2000, p. 499) “como a ordem jurídica internacional requer não apenas as ordens jurídicas
nacionais como complementação necessária, mas também determina a sua esfera de validade em todos os
aspectos, o Direito internacional e o Direito nacional formam um todo inseparável”. Reale (1994, p. 348),
Carolina Pereira Lins Mesquita 229

ordem jurídica internacional ‘delega’ a complementação das suas próprias


normas às ordens jurídicas nacionais” e a esfera de validade da ordem nacional
seria limitada pela própria ordem internacional,15 sendo defendida principal-
mente pela doutrina internacionalista.
Aquela que pugna pelo primado do direito interno16 sustenta que em caso
de conflito normativo as normas internas prevalecerão. Nesse sentido, como
a Constituição de um país é considerada norma hierarquicamente superior
às normas de direito internacional, ela é hábil a afastar a aplicação de tratado
internacional devidamente ratificado que com ela entre em testilhas.
Há ainda a corrente monista mista, defendida principalmente pela doutri-
na constitucionalista. Para esta linha teórica, quando as normas internacionais
ratificadas pelo Brasil dispuserem sobre qualquer matéria equivalerão às leis
infraconstitucionais (notadamente às leis federais, por força do entendimento
pela equiparação entre as normas auferido da literalidade do art. 102, III, b,
da CRFB). Então, nesse caso, conforme defendido pela teoria monista com
primazia do direito interno, haverá prevalência do direito interno.
Quando, todavia, as normas internacionais dispuserem sobre direitos hu-
manos (aqui incluindo os trabalhistas), terão o status de norma materialmente
constitucional, acarretando, por conseguinte, sua aplicabilidade imediata e a
natureza de cláusula pétrea (cf. art. 60, §4º,17 da CRFB), à semelhança da teoria
monista com primado do direito internacional.
É de destacar que essa interpretação específica e diferenciada para o caso
dos tratados e convenções internacionais que versam sobre direitos humanos18
discorrendo sobre a fundamentação teórica desta corrente, afirma: “Alguns internacionalistas contemporâ-
neos, especialmente os filiados à teoria de Kelsen, sustentam, entretanto, que o Direito Internacional não
pressupõe, nem lógica, nem praticamente, a existência do Estado, pois é este que não poderia existir se
não houvesse uma comunidade internacional, na qual os Estados juridicamente coexistem, respeitando-se
mutuamente. Para reforço dessa tese alega-se que há Direito Internacional também entre outros grupos des-
providos da qualidade estatal, e até mesmo entre indivíduos, à margem dos Estados”.
15 Explica Kelsen (2000, p. 498): “O resultado de nossa análise dos chamados elementos do Estado é o de que
as esferas de validade territorial e pessoal da ordem jurídica nacional, a existência territorial e pessoal do
Estado, são determinadas e delimitadas em relação a outros Estados pelo Direito internacional segundo o
principio de eficácia”.
16 Quanto à origem da corrente monista com primazia do direito interno, segundo Muradas (2010 p. 110), remonta
a Hegel, a “ideia de supremacia da vontade do Estado no direito internacional pode ser inferida na passagem
dos Princípios da filosofia do direito de Hegel. Leia-se: “Porque os Estados, em sua situação recíproca de in-
dependência, são como vontades particulares, porque a validade dos tratados assenta nessas vontades, e porque
a vontade particular de um todo é, em seu conteúdo, o bem desse todo; é esse bem que constitui a lei suprema
do seu comportamento para com outrem, tanto mais que, por um lado, a ideia de Estado se caracteriza pela
supressão do contraste entre o direito, como liberdade abstrata, e o bem, como conteúdo particular realizado, e
por outro lado, o reconhecimento inicial dos Estados é dado como realidades concretas”.
17 Dispõe o §4º do art. 60 da CRFB: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I –
a forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes;
IV – os direitos e garantias individuais”.
18 Barzotto (2007, p. 21) conceitua direitos humanos “como o reconhecimento de direitos à pessoa enquanto pes-
soa, derivados da dignidade própria da condição humana. Direitos humanos dos trabalhadores, por conseqüên-
230 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

decorre do art. 4º, II,19 da CRFB, que estabelece a prevalência dos direitos fun-
damentais para a República Federativa do Brasil, e do art. 5º, §2º, da CRFB,
que prescreve: “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”
O Supremo Tribunal Federal, contudo, rejeitou expressamente a aplicabi-
lidade imediata dos tratados internacionais e o status de norma constitucional,
ainda os que versem sobre direitos humanos, exigindo, para que eles tenham
vigência interna, a incorporação conforme os ritos previstos na Carta de 1988.20
Colocando de certa forma um fim nesta discussão, a EC 45/2004 acres-
centou o §3º ao art. 5º da CRFB, prescrevendo: “os tratados e convenções
internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do
Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos
membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”
Em um primeiro momento, a interpretação do citado dispositivo consti-
tucional foi no sentido de ter atribuído força à teoria monista mista (a sustentada
pelos constitucionalistas), posto que somente quando as normas internacionais
versarem sobre direitos humanos poderão ser equivalentes às emendas consti-
tucionais, passando a ser não só “materialmente” constitucional, mas também
“formalmente” constitucional, ainda, com a alteração subordinada ao art. 60,
§4º, da CRFB (cláusula pétrea).
Entretanto, os efeitos da positivação desse dispositivo restringiram a in-
terpretação progressista há muito afiançada pelos doutrinadores defensores dos
direitos humanos. Ora, diante dessa alteração constitucional, somente os tratados
aprovados depois da EC 45/04 é que poderão ser equiparados às emendas consti-
tucionais e, mesmo assim, desde que atendidas as formalidades de incorporação
no direito interno (aprovação em dois turnos, com três quintos, em cada Casa do
Congresso Nacional). Dessa forma, ao invés de a alteração constitucional a priori
atribuir força constitucional às normas internacionais sobre os direitos humanos,
independentemente de formalidades específicas de aprovação, de fato, dificultou
a atribuição de status constitucional a esses tratados.21

cia, são os fundados na dignidade da pessoa humana nas suas dimensões jurídicas, políticas e econômicas.”
19 Art. 4º, II, da CRFB: “A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos se-
guintes princípios: II – prevalência dos direitos humanos”.
20 Cf. Recurso Extraordinário 80.004/SE, DJ 29.12.1977; Habeas Corpos 72.131/RJ, DJ 01.08.2003; Habeas
Corpos n. 81.139/GO, DJ 19.08.2005, dentre outros.
21 Em 2019, após quinze anos da EC45/04, somente a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Defi-
ciência e seu protocolo facultativo e o Tratado de Marraqueche para Facilitar o Acesso a Obras Publicadas
às Pessoas Cegas, com Deficiência Visual ou com outras Dificuldades para Ter Acesso ao Texto Impresso
foram aprovados com o status de emenda constitucional no País.
Carolina Pereira Lins Mesquita 231

Então, necessário sintetizar como os tratados e convenções internacionais


podem incorporar-se ao ordenamento interno, de acordo com a forma como
foram aprovados pelo Congresso Nacional e segundo entendimento do STF.
Em se tratando de normas internacionais que versem sobre direitos hu-
manos, primeira hipótese: se aprovados em cada Casa do Congresso Nacional,
em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão
equiparados à emenda constitucional, formal e materialmente, e com alterações
subordinadas ao art. 60, §4º, da CRFB (cf. §3º, art. 5º, CRFB). Isso, indu-
bitavelmente, atribui força ao entendimento de que a Constituição de 1988
é da modalidade aberta bem como à ideia de bloco de constitucionalidade.
Segunda hipótese: se o tratado internacional não alcançar o quórum
de aprovação necessário à aquisição do status de emenda constitucional e for
aprovado pela maioria simples, conforme STF,22 terá o caráter supralegal.23
Explica-se: será hierarquicamente superior às normas infraconstitu-
cionais e inferior à Constituição da República. Dessa maneira, afasta-se a
possibilidade de uma norma interna posterior suspender a eficácia de um
tratado de direitos humanos anteriormente incorporado na ordem interna
(claro, quando este mais tuitivo).
Relevante mencionar que esse status de supralegalidade é atribuído às
normas internacionais que versem sobre direitos humanos, mesmo que apro-
vadas pelo Congresso Nacional anteriormente à introdução do §3º ao art.
5º da CRFB.
Quanto aos demais tratados internacionais ratificados pelo Brasil que
não versem sobre direitos humanos, eles são incorporados à ordem jurídica
nacional com a qualidade de normas infraconstitucionais, equiparados às
leis federais (cf. entendimento pela equiparação entre as normas auferido do
art. 102, III, b, da CRFB, e neste sentido o voto do ministro Celso de Melo
da ADIn 1.480-3/DF).24

22 Cf. decisão do STF, RE-466343; RE-349703; HC-87585, Sessão de 3.12.2008. Neste julgamento, o STF
decidiu conforme o voto do ministro Gilmar Mendes, pela supralegalidade dos tratados internacionais rati-
ficados pela República Federativa do Brasil. Em sentido contrário, como voto vencido, o ministro Celso de
Melo, para quem todos os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e em vigor te-
riam sempre status de norma constitucional, seja com hierarquia somente material (status material de norma
constitucional) ou hierarquia material e formal (status de emenda constitucional, quando aprovados com o
quorum especial do art. 5º, §3º/CRFB), considerando o disposto no art. 5º, §2º/CRFB. O posicionamento de
Celso de Melo coincide com o de Mazzuoli (2009).
23 Salienta-se que a tese da supralegalidade dos tratados internacionais ratificados pelo Brasil já foi positivado
na ordem jurídica pátria, conforme se aufere do art. 98 do Código Tributário Nacional: “Os tratados e as
convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela
que lhes sobrevenha”.
24 DJ 18.05.2001. Muradas (2010, p. 141) critica: “[...] o entendimento de mera equiparação do tratado à lei
permite a revogação da norma de origem internacional por mera superveniência de lei – o que é um non
232 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

De toda forma, ressalta-se que todos os tratados internacionais ratificados


pela República Federativa do Brasil são passíveis de se submeterem ao crivo
de constitucionalidade do STF, em sede de recurso extraordinário, mesmo
após a ratificação25 e ainda que equiparadas às emendas constitucionais. Este
instrumento de controle é relevante sobremaneira para as hipóteses em que as
normas internacionais reverberem patamar normativo inferior ao nacional no
que se refere aos direitos humanos e aos sociais trabalhistas.
Por outro lado, os tratados internacionais de direitos humanos em vigor
no Brasil são, à semelhança da Constituição Federal, paradigmas de controle da
produção normativa doméstica. Em outros termos – à semelhança do controle
de constitucionalidade e de modo complementar -, as convenções internacionais
são passíveis de serem utilizadas como balizas para apreciação da validade das leis
infraconstitucionais, por meio do chamado “controle de convencionalidade”.26
O controle de convencionalidade pode ocorrer via controle difuso (me-
diante a propositura de uma ADIn27 no STF pelos legitimados do art. 103 da
CRFB) ou pelo controle concentrado (em qualquer processo judicial versando
sobre casos concretos, como questão prejudicial de mérito).28 Contudo, o STF ao
compreender que os tratados de direitos humanos não contam como valor cons-
titucional quando não aprovados pelo quórum qualificado (e sim supralegal),
eles podem ser utilizados como paradigma apenas para o controle difuso de con-
vencionalidade (ou seja, supralegalidade) e não por via de controle concentrado.
Desta forma, o controle concentrado somente seria possível considerando como
paradigmas os tratados internacionais aprovados como emendas à constituição.

sense, pelo qual se gera a política da irresponsabilidade internacional brasileira”.


25 Salienta-se que no Brasil não há controle de constitucionalidade sobre os tratados internacionais pelo Poder
Judiciário durante o processo de sua ratificação. Entretanto, no Congresso Nacional deve passar obrigatoria-
mente pela Comissão de Constituição e Justiça.
26 Controle de convencionalidade pode ser definido como o controle das leis infraconstitucionais considerando
como parâmetro de validade material das normas domésticas os tratados e convenções internacionais vigen-
tes no País. Caso paradigmático de controle de convencionalidade realizado no Brasil é o do RE 466343/SP,
de relatoria do Ministro Cezar Peluso, julgado em 03/12/2008, quando o Supremo Tribunal Federal entendeu
ser “ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito” à luz do art. 7º, §7,
da Convenção Americana de Direitos Humanos, também chamada de Pacto de San José da Costa Rica.
27 Além da Ação Direita de Inconstitucionalidade – ADIn, é possível também a propositura de Ação Declarató-
ria de Constitucionalidade – ADECON e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF,
para se exigir o cumprimento de um preceito fundamental com sede em tratado de direitos humanos formal-
mente constitucional ante a aprovação com quórum qualificado do §3º, art. 5º, da CRFB (de três quintos, em
duas votações em cada casa) (cf. Gomes, 2009, p. 4).
28 Com propriedade, Sarlet (2015) afiança que “O Poder Legislativo, quando da apreciação de algum projeto
de lei, assim como deveria sempre atentar para a compatibilidade da legislação com a CF, também deveria
assumir como parâmetro os tratados internacionais, o que, de resto, não se aplica apenas aos tratados de di-
reitos humanos, mas deveria ser levado ainda mais a sério nesses casos. Não se pode olvidar que legislação
interna incompatível com algum tratado ratificado pelo Brasil e que esteja em vigor na esfera supranacional
configura violação do tratado, cabendo ao Poder Legislativo operar de modo preventivo também nessa
seara”. Consoante o autor, o Chefe do Executivo também poderia vetar lei aprovado pelo Poder Legislativo
quando detectar violação de tratado internacional.
Carolina Pereira Lins Mesquita 233

Não obstante as colocações tecidas, dada a relevância da temática, ne-


cessário dizer que, especificamente sobre relação entre ordem internacional e
ordem nacional no que concerne aos direitos humanos, a doutrina sustenta uma
superação dessa tradicional dicotomia entre teoria monista e teoria dualista, am-
parando uma verdadeira concorrência normativa entre a ordem interna e a ordem
internacional, que se interpenetram e completam para a melhor proteção da
pessoa humana29 (princípio pro homine ou pro persona). Filiamos a esta corrente.
Diante da concorrência normativa, o princípio pro homine (ou princípio
da norma mais favorável à pessoa humana) determina, portanto, a aplicação da
norma mais benéfica ao indivíduo na escolha seja entre duas ou mais normas
internacionais (dimensão horizontal) ou entre normas internacionais e nacio-
nais (dimensão vertical). Ademais se afastam, por conseguinte, os conflitos
normativos entre ordem interna e ordem internacional, já que a proteção aos
direitos humanos é concorrente e cumulativa.
De toda forma, salienta-se, por fim, que normas internacionais sobre
direitos humanos (inclusive os trabalhistas) são reconhecidas como de ius
cogens do Direito Internacional, prejudicando a vigência de disposições de
tratados e convenções internacionais com eles incompatíveis (art. 53 da Con-
venção de Viena).30

4. AS NORMAS DE DIREITO INTERNACIONAL DO


TRABALHO
Depois de proceder-se a análise das relações sobre a ordem jurídica interna
e a internacional, apropriado dissertar sobre as normas de Direito Internacional
do Trabalho, mormente diante de seu relevo na tutela do trabalhador e em
face de seu propósito de universalização e atribuição de civilidade mínima à
exploração do trabalho pelo capital.
As normas de Direito Internacional do Trabalho podem ser definidas como
“texto jurídico preparado pela OIT para uso dos Estados-Membros e da comu-
nidade internacional, nas quais definem padrões mínimos para o mundo do
29 Conforme Muradas (2010, p. 110): “a querela travada entre os internacionalistas, relativa à interdependência
e independência entre a ordem estatal e ordem internacional, expressão das concepções monista e dualista,
estaria superada no âmbito das prerrogativas da pessoa humana, em face da concorrência dos sistemas de
normas e aparatos jurídicos, de tal modo que a ordem jurídica nacional e a ordem internacional compõem
sistemas coordenados e complementares de proteção e promoção da pessoa humana.”
30 A Convenção de Viena, promulgada pelo Decreto 7.030, de 14.12.2019, dispõe em seu art. 53: “É nulo um
tratado que, no momento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional
geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma imperativa de Direito Internacional geral é uma
norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual
nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional
geral da mesma natureza”.
234 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

trabalho”. São, pois, fontes jurídicas, dotadas de inquestionável teor jurídico-


-normativo, destinadas a universalizar padrão mínimo de tutela indispensável
ao homem, diante de sua excelência e inata dignidade.
Não se deve olvidar, portanto, que as normas internacionais do trabalho
reverberam piso mínimo universal de proteção laboral, aceitável pela comu-
nidade internacional, direcionado pela diretriz de progressiva ampliação pelo
direito interno, não tendo, em hipótese alguma, vocação para a redução de
patamares normativos já alcançados no plano interno de cada Estado. Esse
entendimento decorre diretamente do princípio da norma mais favorável, do
princípio da norma mínima e do princípio da vedação do retrocesso social,
amplamente reconhecidos no plano internacional.
Quanto às funções das normas internacionais do trabalho, é possível
sintetizar dizendo que são: a normativa, representando diretrizes sociais globais
mínimas de tutela e civilizatórias da prestação do trabalho, quando ratificadas
e vigentes; a interpretativa, uma vez que servem para balizar a interpretação
das normas internas e internacionais; e a integradora, porquanto integram os
sistemas nacionais e internacional de proteção ao trabalhador.
São espécies de documentos normativos internacionais emanados da OIT:
a Constituição,31 as convenções, as recomendações, as declarações,32 os protocolos,33
as resoluções,34 as orientações35 e os Trabalhos dos Órgãos de Supervisão da OIT,36
além dos demais documentos autorizados37.
Em conformidade com a práxis internacional, todo acordo de vonta-
des entre Estados e/ou organismos internacionais terá a natureza de tratado
31 A Constituição da OIT, adotada em 1919, converteu-se na Parte XIII do Tratado de Versalhes e foi elaborada
considerando os sentimentos de justiça e paz no mundo. Ela é fonte primária da qual emanam todas as outras
fontes, sendo que o Estado, ao se tornar membro da OIT, compromete-se solenemente no cumprimento da
Constituição da Organização.
32 As declarações são fontes do Direito Internacional do Trabalho, são atos unilaterais das Organizações Inter-
nacionais que confirmam ou reformulam normas de direito costumeiro, enunciam princípios gerais de Direi-
to, e interpretam normas e princípios jurídicos contidos na constituição e estatutos (Barzotto, 2007, p. 87).
Em sentido contrário, isto é, negando o caráter de fonte, Delgado (2008, p. 155) sustenta apenas o caráter
pragmático não vinculante das declarações, “embora expedido por Estados soberanos em face de determina-
do evento ou congresso”. Ilustram-se como exemplos de declarações provindas da OIT a da Declaração da
Filadélfia e a Declaração de 1998, sobre os princípios e direitos fundamentais do trabalho.
33 Os protocolos são instrumentos normativos utilizados pela OIT para fins de revisão alguma norma (disposi-
tivo específico) constante das convenções internacionais do trabalho por ela emanada.
34 “As resoluções são documentos aprovados pela Conferência Internacional do Trabalho pertinentes à adminis-
tração da Organização Internacional do Trabalho. Não se trata, pois, de documento jurígeno em sentido estrito,
não se dirigindo aos Estados, mas sim à regência da própria entidade internacional” (Muradas, 2010, p. 107).
35 Orientações são observações, comentários e estudos remetidos aos Estados-membros pelo Diretor-Geral da
OIT. Típico exemplo são aquelas orientações enviadas posteriormente à queixa feita por outro Estado e à
decorrente análise feita pela Comissão de Inquérito após relatórios anuais.
36 Os Trabalhos dos Órgãos de Supervisão são as jurisprudências procedidas da OIT. Ilustram-se pelas Comis-
sões de Peritos, Comissões de Investigação, do Comitê de Liberdade Sindical, entre outros.
37 Outros documentos autorizados são, tecnicamente, as doutrinas quando apontadas como fontes pela OIT.
Carolina Pereira Lins Mesquita 235

internacional, independentemente da denominação que lhe seja atribuída (e.g.,


tratado, convenção, convênio, acordo, pacto e carta).
A Convenção de Viena (1969), no art. 2º, §1º, “a”, define os tratados como
o “acordo internacional celebrado por escrito entre Estados e regido pelo direito
internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais ins-
trumentos conexos, qualquer que seja sua denominação particular”. Delgado os
define como “documentos obrigacionais, normativos e programáticos firmados
entre dois ou mais Estados ou entres internacionais”.
É de ressaltar que no campo do Direito Internacional do Trabalho a OIT
elege a terminologia convenções internacionais, entendidas como “tratados mul-
tilaterais abertos, de caráter normativo” por Sussekind (1998).38
Registrem-se, ainda, as chamadas “Convenções Fundamentais da OIT”,
que versam sobre direitos humanos básicos. Elas independem de ratifica-
ção, vez que constantes do instrumento constitutivo da Organização e cuja
obrigatoriedade decorre da simples adesão dos Estados-membros à OIT (há
necessidade, inclusive, de manifestação expressa nesse sentido como requisito
para tornar-se membro da OIT).39
Essas convenções fundamentais são reunidas em quatro grupos: liber-
dade sindical e reconhecimento da negociação coletiva de trabalho (Convenções
87 e 98); erradicação do trabalho forçado e obrigatório (Convenções 29 e 105);
não discriminação no emprego (Convenções 100 e 111); e fixação da idade
mínima para o trabalho e erradicação das piores formas do trabalho infantil
(Convenções 138 e 182).
Já as recomendações provenientes da OIT, elas são instrumentos aprova-
dos pela Conferência Internacional do Trabalho, de caráter programático, não

38 Esclarece Süssekind (1998, p. 30): “Multilaterais, porque podem ter um número irrestrito de partes; abertos,
porque podem ser ratificadas, sem limitação de prazo, por qualquer dos Estados-membros da OIT, ainda que
esse Estado não integrasse a Organização quando da aprovação do tratado (o simples fato de estar filiado à
OIT permite ao país aderir a qualquer das convenções até então adotadas, salvo as que foram revistas por
outras e que, por esse motivo, não mais permanecem abertas à ratificação); de caráter normativo, porque
contém normas cujo destino é a incorporação ao direito interno dos países que manifestaram sua adesão ao
respectivo tratado”.
39 Dispõe o artigo 1 da Constituição da OIT: “2. Serão Membros da Organização Internacional do Trabalho os
Estados que já o eram a 1º de novembro de 1945, assim como quaisquer outros que o venham a ser, de acordo
com os dispositivos dos parágrafos 3º e 4º do presente artigo. 3. Todo Estado-Membro das Nações Unidas,
desde a criação desta instituição e todo Estado que for a ela admitido, na qualidade de Membro, de acordo com
as disposições da Carta, por decisão da Assembléia Geral, podem tornar-se Membros da Organização Inter-
nacional do Trabalho, comunicando ao Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho que aceitou,
integralmente as obrigações decorrentes da Constituição da Organização Internacional do Trabalho. 4. A
Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho tem igualmente poderes para conferir a qualidade
de Membro da Organização, por maioria de dois terços do conjunto dos votos presentes, se a mesma maioria
prevalecer entre os votos dos delegados governamentais. A admissão do novo Estado-Membro tornar-se-á
efetiva quando ele houver comunicado ao Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho que aceita
integralmente as obrigações decorrentes da Constituição da Organização”. (sem destaque no original).
236 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

submetidas à ratificação pelos Estados-membros, que enunciam “aperfeiçoa-


mento normativo considerado relevante para ser incorporado pelos Estados”.
Não pode haver dúvida, portanto, que as recomendações (junto com as
resoluções e às orientações da OIT) são normas jurídicas,40 contudo sem força
da obrigatoriedade, dotadas apenas do caráter pragmático. Isto é, apenas suge-
rem a ação dos Estados-membros em determinada direção, seja para a adoção
de políticas legislativas ou de programas executivos.
Conforme o art. 19, §19, da Constituição da OIT, a recomendação é
adotada “se a questão tratada, ou um dos seus aspectos, não se preste, no mo-
mento, para a adoção de uma convenção”. Além disso, embora não seja sujeite
à ratificação, o referido documento fixa a obrigatoriedade de os Estados-mem-
bros submetê-las à apreciação da autoridade competente no plano nacional, no
prazo de dezoito meses (cf. art. 19, §6º, da Constituição da OIT).
No âmbito brasileiro, a legitimidade subjetiva (competência) para a ce-
lebração de tratados e convenções internacionais (ato complexo) deriva da
conjugação de vontades do Poder Executivo41 e do Poder Legislativo, conforme
previsto nos arts. 84, VIII,42 e 49, I,43 da CRFB.
A ratificação – ato formal de aceitação, vinculação e adesão ao tratado,
privativo do Presidente da República, posto que Chefe de Estado – consiste
em ato de soberania, deixado a cargo da República Federativa do Brasil (pessoa
jurídica de direito internacional). Todavia, em face da sistemática constitucio-
nal brasileira e conforme doutrina majoritária, a ratificação do tratado deve ser
precedida da aprovação pelo Congresso Nacional e da consequente promulga-
ção via Decreto Legislativo.

40 Deveali (apud Muradas, 2010, p. 108) afirma a natureza jurídica das convenções, recomendações e resolu-
ções internacionais do trabalho, esclarecendo que “[...] são de diferentes intensidades, do ponto de vista de
sua característica normativa, as recomendações aprovadas pelas Conferências Internacionais do Trabalho da
OIT, assim como suas resoluções e igualmente as declarações de outros congressos internacionais”.
41 A competência é privativa do Presidente da República para celebrar tratados. Contudo, esta competência pode
ser delegada ao Ministro das Relações Exteriores e a outras pessoas que tenham conhecimento da temática dis-
cutida, denominados de “agentes plenipotenciários”. O instrumento pelo do qual essa competência é delegada
designa-se Carta de Plenos Poderes, na qual se autoriza o agente para a negociação de tratado e prevê os limites
para a essa negociação. Por força do previsto no art. 8º da Convenção de Viena, pacífico que essa delegação é
presumida para o Ministro das Relações Exteriores. Importante esclarecer, ainda, que o agente plenipotenciário
tem autorização para assinar o tratado internacional, entendido como ato de autenticação do texto e de mani-
festação da intenção do Estado em se obrigar futuramente (duplicidade de efeitos), que não se confunde com o
ato de ratificação do tratado, por meio do qual o Chefe de Estado manifesta formalmente o seu consentimento e
efetivamente se obriga no plano internacional. Logo, deve restar claro: a assinatura e a autenticação do tratado
não se confundem com a sua ratificação, não gerando obrigatoriedade do tratado para o Estado (este encargo só
ocorre com a ratificação, conforme a Convenção de Havana, de 1928).
42 Dispõe o art. 84, VIII, da CRFB: “Compete privativamente ao Presidente da República: VIII – celebrar
tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos à referendo do Congresso Nacional”.
43 Dispõe o art. 49, I, da CRFB: “É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I – resolver definitiva-
mente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao
patrimônio nacional”.
Carolina Pereira Lins Mesquita 237

Assim, o Presidente da República não poderá ratificar um tratado


não aprovado pelo Congresso Nacional (ao qual compete resolver definiti-
vamente sobre os tratados, cf. art. 49, I, da CRFB), sob pena de flagrante
inconstitucionalidade.
Por força do §5º, “d”, do art. 19 da Constituição da OIT, o Estado que ra-
tifica uma convenção se compromete no plano internacional a adotar “as medidas
necessárias para tornar efetivas as disposições da referida convenção”. Essa obriga-
ção, segundo o Manual de Procedimentos em matéria de convenções e recomendações
da OIT (1993, p. 16), “não consiste unicamente em integrar a convenção na
legislação, mas também na necessidade de assegurar sua aplicação prática”.

5. O PRINCÍPIO DA PROGRESSIVIDADE E O PRINCÍPIO


DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO
A partir da dinâmica dos tratados e convenções internacionais sobre di-
reitos humanos (incluídos os trabalhistas), amparada em moderna doutrina
defensora e afirmadora dos direitos humanos44 e respaldada por diversidade de
documentos normativos internacionais do trabalho,45 difunde o princípio da
vedação do retrocesso sociojurídico46 ao trabalhador no âmbito do Direito Inter-
nacional do Trabalho como consectário direito do princípio da progressividade.
O seu recurso interpretativo para a formulação da reserva implícita do
retrocesso sociojurídico do trabalhador na esfera do Direito Internacional do
Trabalho: na natureza jurídica dos direitos dos trabalhadores firmados na ins-
tância internacional, na razão de ser das convenções internacionais do trabalho
(ratio legis), nas finalidades deste espécime normativo (telos) e, especialmente,
nas disposições constitucionais da Organização Internacional do Trabalho.
Em Teoria Geral do Direito do Trabalho propomos a aplicação dos princí-
pios da progressividade e do princípio da vedação do retrocesso às convenções
e acordos coletivos do trabalho como limites materiais destas espécies nor-
mativas, tendo como fundamento os limites materiais estabelecidos para as

44 Exemplificam-se: Cançado Trindade, Nicolas Válticos, Flávia Piovesan, Antônio Boggiano, Massimiliano
Delfino, Celso Lafer e José Joaquim Gomes Canotilho, entre outros.
45 Ilustram-se com alguns documentos internacionais nos quais a autora baseia sua tese de progressividade
da proteção da pessoa humana e da reserva implícita do retrocesso sociojurídico do trabalhador: art. 30 da
Declaração de Direitos do Homem, art. 5º do Pacto de Direitos Civis e Políticos (1966), art. 5º do Pacto de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), Diploma Internacional de Proteção aos Direitos Humanos
de Teerã (1968), Diploma Internacional de Proteção aos Direitos Humanos de Viena (1993), art. 29 da Con-
venção Americana sobre Direitos Humanos, art. 1.1 da Convenção contra a Tortura, art. 41 da Convenção
sobre os Direitos da Criança e art. 19, VIII, da Constituição da OIT.
46 Também designado de cláusula de proibição de evolução reacionária, regra do não retorno da concretização,
princípio da proibição da retrogradação (cf. Fileti, 2009).
238 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

sentenças normativas (art. 114, §2º, da CRFB),47 das cláusulas contratuais (art.
468/CLT),48 das normas internacionais do trabalho (art. 19 da Constituição
da OIT, com disposição correspondente no art. 405, §11, do Tratado de Ver-
sailles)49 e a positivação constitucional dos princípios da norma mais favorável,
vedação do retrocesso e seu corolário lógico, o princípio da progressividade
(art. 7º, caput, da CRFB).50
Note-se que esta compreensão das normas juscoletivas como integrantes
do todo sistêmico do direito do trabalho e sujeitas aos critérios de validade
formal (celebração por sindicato profissional, art. 8º, IV/CRFB)51 e material
(princípios da vedação do retrocesso e progressividade sociojurídica do traba-
lhador, caput do art. 7º/CRFB), supera as tradicionais teorias52 de aderência
contratual das normas coletivas, inclusive a expressada na súmula 277 do TST53
bem como o problema do limbo jurídico criado pela nova redação do art. 614,
§3º54 pela Lei 13.467/17.
Aufere-se, então que a noção de vedação do retrocesso social está de manei-
ra indissolúvel vinculada à noção de progresso, que por sua vez se define como
‘marcha adiante, movimento em uma direção definida.
Além disso, o princípio da vedação do retrocesso atua inquestionavel-
mente como limite material à edição normativa, mormente aquela tendente a

47 Dispõe o art. 114, §2º/CF: “Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facul-
tado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a JT decidir o
conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas
anteriormente.”
48 Dispõe o art. 468/CLT “Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condi-
ções por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao
empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia”.
49 Dispõe o art. 19 da Constituição da OIT: “Em nenhum caso poderá considerar-se que a adoção de uma
convenção ou de uma recomendação pela Conferência, ou a ratificação de uma convenção por qualquer dos
Membros, afetará qualquer lei, sentença, costume ou acordo que garanta aos trabalhadores condições mais
favoráveis do que as que figuram na convenção ou na recomendação”.
50 Dispõe o caput, do art. 7º/CRFB: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem
à melhoria de sua condição social”.
51 Dispõe o art. 8º, VI/CRFB: “é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho”.
52 Em síntese, as teorias são: aderência irrestrita (as normas coletivas ingressam para sempre nos contratos
individuais de trabalho, não podendo ser deles suprimidas, seguindo os efeitos de cláusulas contratuais, art.
468/CLT); aderência limitada ao prazo de vigência (as normas coletivas vigoram pelo prazo assinalado
no diploma, em aplicação semelhante à atribuída às sentenças normativas pelo antigo teor da Súmula 277/
TST) e; aderência limitada por revogação (as normas coletivas vigoram até que novo diploma negocial os
revogasse de forma expressa ou tácita, conforme atual redação da Súmula 277 de aplicação suspensa pelo
STF, ADPF n. 323/DF).
53 Dispõe a Súmula 277/TST: “As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas inte-
gram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante nego-
ciação coletiva de trabalho”. O ministro relator Gilmar Mendes, na ADPF 323/DF determinou a suspensão
da aplicação da referida súmula, sob o entendimento que o TST, sem amparo legal, interpretou o art. 114,
§2º, da CRFB de forma arbitrária, especialmente porque o §1º, do art. 1º da Lei 8.542/92 foi revogado pelo
Poder Legislativo.
54 Dispõe o §3º do art. 614 da CLT (com redação dada pela Lei 13.467/2017): “Não será permitido estipular dura-
ção de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho superior a dois anos, sendo vedada a ultratividade”.
Carolina Pereira Lins Mesquita 239

precarizar, reduzir ou suprimir direitos humanos.


Por essa razão, comumente são arrolados dois principais conteúdos do
princípio da vedação do retrocesso social: o positivo e o negativo. O conteúdo
positivo reside no dever de o legislador perseverar no propósito de ampliar,
progressivamente e de acordo com as condições fáticas e jurídicas, o grau de
concretização dos direitos fundamentais sociais, não se trata de mera manuten-
ção do status quo, mas de imposição da obrigação de avanço social. O negativo
refere-se à imposição ao legislador de, na atividade legiferante, respeitar a não
supressão ou a não redução do grau de densidade normativa que os direitos
fundamentais já tenham alcançado por meio do arcabouço normativo-positivo.
Demais, vislumbra-se que a ideia de progressividade no campo do Direito
do Trabalho atua como diretriz em dois sentidos não excludentes: o horizontal
e o vertical. O primeiro é atribuído como função do Direito Individual do
Trabalho e o segundo, como função do Direito Coletivo do Trabalho.
A progressividade horizontal em matéria justrabalhista deve ser verificada e
perquirida sobremaneira pelo segmento individual do Direito do Trabalho, no
sentido de extensão do seu manto tutelar regulamentador a universo cada vez
maior de trabalhadores (não apenas aos subordinados clássicos). Nesse aspecto,
o princípio da progressividade exercido pelo Direito individual do Trabalho
atua na promoção de um mínimo de distribuição de riquezas; na retirada de
maior número de pessoas da condição de absoluta miserabilidade, conferin-
do-lhes um mínimo de civilidade, alcançada por intermédio de também um
mínimo poder aquisitivo; e na imposição de freios e limites à justiça cumulativa
abusiva da exploração do capital sobre o trabalho.
Por outro lado, a progressividade vertical em matéria justrabalhista deve
ser processada e buscada com esmero sobremaneira pelo segmento coletivo do
Direito do Trabalho e pelos movimentos reivindicativos sindicais e da negocia-
ção coletiva. Nessa dimensão, o princípio da progressividade atua na elevação
do patamar heterônomo mínimo, seja em termos quantitativos ou qualitativos
de direitos, promovendo, em certa medida, a justiça distributiva e reduzindo
a desigualdade socioeconômica entre os homens.
O princípio da progressividade, desempenhado nesses dois sentidos com-
plementares (horizontal e vertical), fomenta que o Direito do Trabalho exerça
efetivamente importante função de realização da justiça social e reafirmação
da dignidade humana.
O princípio da vedação do retrocesso no Direito do Trabalho, além de
ser consectário do da progressividade, tem matizes outras, também de fundo
240 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

principiológico: o princípio da proteção, o princípio da norma mínima e o


princípio da norma mais favorável.
Decorre, primeiramente, do princípio da proteção, que é a gênese do
Direito do Trabalho, ponto de partida para a formação do Direito do Trabalho,
o fio condutor para seu desenvolvimento e motriz para a sua existência, sem o
qual o ramo juslaboral perde seu sentido ontológico, teleológico e axiológico.
O princípio da vedação do retrocesso deriva, ainda, do princípio da
norma mais favorável, que atua como critério de aplicação das normas do Di-
reito do Trabalho e como limite material dessa normatividade, fixando limites
ao detentor do poder normativo na escolha do repertório normativo.
Ele resulta também do princípio da norma mínima, que afiança o enten-
dimento de que as normas do Direito do Trabalho, irrenunciáveis e imperativas,
são instituidoras de um rol mínimo de direito deferidos aos trabalhadores, gra-
vados pela inderrogabilidade.
O princípio da vedação do retrocesso também provém da função central
desempenhada pelo Direito do Trabalho – a tutela do trabalhador direcionada
a imprimir uma melhoria progressiva (ininterrupta e sem retrocessos) das con-
dições de contratação, econômica e social do trabalhador – , que, por sua vez,
é auferida do conjunto normativo do Direito do Trabalho, inclusive de proce-
dência constitucional (ilustra-se com os arts. 7º, caput, e 1º, III e IV, da CRFB).
Pode-se enunciar, então, que o princípio da proibição do retrocesso social
tem por escopo a vedação da supressão ou da redução de direitos fundamen-
tais econômicos, sociais e culturais já incorporados ao patrimônio jurídico dos
homens. Assim, atua na preservação de um patamar jurídico-normativo já con-
quistado, na defesa contra sua restrição ou supressão arbitrária e despropositada.
Com efeito, ele opera na proteção do núcleo essencial e intangível dos
direitos fundamentais, inclusive os trabalhistas, coadunando-se com a tutela à
dignidade do homem pugnada pelo Estado Democrático de Direito. Por essa
razão, leciona Canotilho: “os direitos socais e econômicos (e.g., direito dos
trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez alcançados ou
conquistados, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional
e um direito subjetivo”.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Supremo Tribunal Federal ao decidir em 2008(RE-466343; RE-
349703; HC-87585) pela supralegalidade dos tratados internacionais de
Carolina Pereira Lins Mesquita 241

direitos humanos não aprovados por quórum qualificado (art. 5º, §3º/CRFB)
atribuiu qualidade dispares para os instrumentos normativos internacionais.
Além de dificultar a aquisição do status de norma materialmente constitucional,
o STF restringiu a possibilidade de controle concentrado de convencionalidade
das normas domésticas, somente possível tendo como paradigmas os tratados
internacionais aprovados como emendas à constituição.
Este posicionamento do STF diverge da corrente afirmadora dos direitos
humanos, nos quais se inclui os sociais trabalhistas, no sentido de superação da
dicotomia entre teoria monista e teoria dualista, amparando uma verdadeira
concorrência normativa entre a ordem interna e a internacional, que se inter-
penetram e completam para a melhor proteção da pessoa humana (princípio
pro homine ou pro persona).
As diretrizes dos princípios pro homine, da vedação do retrocesso e da
progressividade sociojurídica do trabalhador determinam a aplicação da norma
mais benéfica ao indivíduo, seja entre duas ou mais normas internacionais
(dimensão horizontal) ou entre normas internacionais e nacionais (dimensão
vertical). Ademais se afastam, por conseguinte, os conflitos normativos entre
ordem interna e ordem internacional, já que a proteção aos direitos humanos
é concorrente e cumulativa.
As normas de Direito Internacional do Trabalho consubstanciam em
bloco ou sistema de proteção dos direitos do homem, especialmente diante de
seu relevo na tutela do trabalhador e em face de seu propósito de universali-
zação e atribuição de civilidade mínima à exploração do trabalho pelo capital.
Reverberando piso mínimo universal de proteção laboral, aceitável pela co-
munidade internacional, as normas da OIT são direcionadas pela diretriz de
progressiva ampliação pelo direito interno, não tendo, vocação para a redução
de patamares normativos já alcançados no plano interno de cada Estado.
Demais, vislumbra-se que a ideia de progressividade no campo do Direito
do Trabalho atua como diretriz em dois sentidos não excludentes: o horizontal
e o vertical. O primeiro é atribuído como função do Direito Individual do
Trabalho e o segundo, como função do Direito Coletivo do Trabalho.
A progressividade horizontal em matéria justrabalhista deve ser verificada e
perquirida sobremaneira pelo segmento individual do Direito do Trabalho, no
sentido de extensão do seu manto tutelar regulamentador a universo cada vez
maior de trabalhadores (não apenas aos subordinados clássicos). Nesse aspecto,
o princípio da progressividade exercido pelo Direito individual do Trabalho
atua na promoção de um mínimo de distribuição de riquezas; na retirada de
242 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

maior número de pessoas da condição de absoluta miserabilidade, conferin-


do-lhes um mínimo de civilidade, alcançada por intermédio de também um
mínimo poder aquisitivo; e na imposição de freios e limites à justiça cumulativa
abusiva da exploração do capital sobre o trabalho.
Por outro lado, a progressividade vertical em matéria justrabalhista deve
ser processada e buscada com esmero sobremaneira pelo segmento coletivo do
Direito do Trabalho e pelos movimentos reivindicativos sindicais e da negocia-
ção coletiva. Nessa dimensão, o princípio da progressividade atua na elevação
do patamar heterônomo mínimo, seja em termos quantitativos ou qualitativos
de direitos, promovendo, em certa medida, a justiça distributiva e reduzindo
a desigualdade socioeconômica entre os homens.
Diante do enfraquecimento da proteção nacional ao empregado (espe-
cialmente levada a cabo pela Lei 13.467/17, chamada de “reforma trabalhista”)
e no cenário de crise econômica, mais do que nunca imperioso acionar os prin-
cípios da vedação do retrocesso e progressividade sociojurídica do trabalhador
enquanto limites materiais das normas de direito do trabalho, qualquer que
seja o seu status.

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RESPEITO SOB A ÓTICA DO TRABALHO DECENTE
NOTES ON THE FORTH INDUSTRIAL REVOLUTION AND RECENT
ILO IMPRESSIONS OF IT FROM PERSPECTIVE OF DECENT WORK

Silvio Beltramelli Neto1


Leandro Faria Costa2

RESUMO: O artigo tem por escopo contribuir para a compreensão deste


complexo momento de reestruturação produtiva e de nova metamorfose da
morfologia do trabalho, assim como evidenciar como a OIT vem refletindo,
mais recentemente, a respeito do tema, tendo por pano de fundo do Traba-
lho Decente. Para tanto, serão sumariadas a relação da OIT com a proteção e
promoção dos direitos humanos no campo das relações de trabalho, a criação
e o conteúdo da concepção de Trabalho Decente, as chamadas três primeiras
Revoluções Industriais, o atual fenômeno designado Quarta Revolução Indus-
trial e, finalmente, serão examinados dois relatórios oficiais internacionais e um
brasileiro, redigidos pela própria OIT, que problematizam as transformações
contemporâneas da morfologia do trabalho, intentando, assim, apreender quais
as atuais impressões da Organização acerca das transformações contemporâneas
vivenciadas em seu objeto de atuação. Foram empregados o método indutivo de
abordagem e bibliográfico de procedimento.
Palavras-chave: Quarta revolução industrial; Organização Internacional do Tra-
balho; Trabalho decente.
ABSTRACT: The article aims to contribute to the understanding of this com-
plex moment of productive restructuring and new metamorphosis of labor
morphology, as well as to highlight how the ILO has been reflecting, more
recently, on the theme, from the perspective of Decent Work. To this end, the

1 Professor Titular da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), Centro de Ciências


Humanas e Sociais Aplicadas, Faculdade de Direito, vinculado ao Programa de Pós-Graduação Strictu Senso
em Direito, integrante da linha de pesquisa “Cooperação Internacional e Direitos Humanos” e do Grupo de
Pesquisa “Direito num Mundo Globalizado. Membro do Ministério Público do Trabalho.
2 Graduando da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), Centro de Ciências Huma-
nas e Sociais Aplicadas, Faculdade de Direito. Integrante do Programa de Iniciação Científica da Pró-Rei-
toria da PUC-Campinas e do Grupo de Pesquisa “Direito num Mundo Globalizado”, beneficiando-se de
fomento na modalidade Bolsa FAPIC/Reitoria da PUC-Campinas.
Silvio Beltramelli Neto – Leandro Faria Costa 245

ILO’s relationship with the protection and promotion of human rights in the
field of labor relations, the creation and content of the concept of Decent Work,
the so-called first three Industrial Revolutions, the current phenomenon called
the Fourth Industrial Revolution and finally, two international and one Brazilian
official reports, written by the ILO itself, which problematize the contempo-
rary transformations of labor morphology, will be examined, thus trying to
apprehend the current impressions of the Organization about the contemporary
transformations experienced in its object of activity. The inductive approach and
the bibliographic method of procedure were employed.
Keywords: Fourth industrial revolution; International Labor Organization;
Decent work.

1. INTRODUÇÃO
A Quarta Revolução Industrial, fenômeno identificado pelo Fórum Econô-
mico Mundial, altera profundamente os paradigmas de compreensão do sistema
de produção vigente e, por conseguinte, a morfologia das relações de trabalho.
Neste cenário, o trabalho, elemento estrutural do capitalismo, é tomado
como profundamente modificado em sua dinâmica de funcionamento e ope-
ração, a fim de se adequar às novas exigências do mercado.
Novas tecnologias, ocupações até então impensadas, produtos e bens da
vida absolutamente inovadores, dentro deste contexto, convivem e, muitas vezes,
viabilizam o incremento do desemprego estrutural planetário, a aceleração da
transferência em massa de mão-de-obra dos setores agrícola e industrial para o
setor de serviços, o decréscimo dos salários médios e a absoluta precarização de
direitos humanos sociais, em especial pela labuta informal e insegura (em suas
várias facetas) e pela extinção ou flexibilização de direitos básicos, por diferentes
vias, tais como o advento de distintas modalidades de contratos de trabalho atí-
picos (intermitentes, teletrabalho, etc.), a intensificação da fragilização sindical,
a prevalência absoluta dos negociados coletivo e individual sobre o legislado e o
arrefecimento da proteção social a desempregados, inválidos e idosos.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT), por sua vez, desde o
início do século XXI, tem na concepção de Trabalho Decente o fio condutor
de todas as suas construções teóricas, elaboradas a partir do diálogo entre re-
presentantes de empregados, empregadores e Estados. A promoção do Trabalho
Decente propõe um caminho de políticas públicas que se opõe justamente
àquelas ocorrências verificadas com a Quarta Revolução Industrial, na medida
em que suscita a proteção de direitos humanos nas relações de trabalho, a ge-
ração de empregos de qualidade, a ampliação da proteção social e a adoção do
246 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

diálogo social como sistema democrático de deliberações de interesse público.


Neste momento em que a OIT cumpre cem anos de existência, O pre-
sente artigo tem por escopo contribuir para a compreensão deste complexo
momento de reestruturação produtiva e de nova metamorfose da morfologia
do trabalho, assim como evidenciar como a centenária organização internacio-
nal vem refletindo, mais recentemente, a respeito do tema, tendo por pano de
fundo do Trabalho Decente. Para tanto, o escrito segue trajeto em que su-
maria a relação da OIT com a proteção e promoção dos direitos humanos no
campo das relações de trabalho, passa à elucidação da criação e do conteúdo
da concepção de Trabalho Decente, segue para a descrição das chamadas três
primeiras Revoluções Industriais e debruça-se, mais detidamente, sobre o atual
fenômeno designado Quarta Revolução Industrial e, finalmente, examina dois
relatórios oficiais internacionais e um brasileiro, redigidos pela própria OIT, a
respeito das transformações contemporâneas da morfologia do trabalho, inten-
tando este estudo apreender quais as atuais impressões da Organização acerca
das transformações contemporâneas vivenciadas em seu objeto de atuação.
As reflexões a seguir foram desenvolvidas com o emprego do método
indutivo de abordagem e bibliográfico de procedimento.

2. OIT NA VANGUARD DA PROTEÇÃO INTERNACIONAL


DOS DIREITOS HUMANOS
Dos escombros da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) nasceram
duas instituições internacionais multilaterais. De um lado, a Liga das Nações.
De outro, a OIT.
Produtos do acordo de paz assinado pelas potências europeias que en-
cerrou a conflito, o Tratado de Versalhes, aquelas organizações surgiram em
1919 e nasceram com o objetivo de frear o ímpeto bélico dos países, esta-
belecendo padrões globais e funcionando como instrumento de mediação e
arbitramento das contendas.
O fracasso da Liga das Nações em mitigar as divergências no continen-
te acabou por torná-la impotente e, portanto, inapta a ser um instrumento
político de moderação e construção de consenso. A Segunda Guerra Mundial
(1939-1945) foi a representação histórica da falência do modelo idealizado
pela instituição, uma vez que foi incapaz de impedir um novo conflito mun-
dial. Adveio, então, a Organização das Nações Unidas (ONU), sucessora da
antiga Liga das Nações. Herdando seu legado, constitui-se, a partir daí, como
principal órgão de preservação da paz entre os Estados.
Silvio Beltramelli Neto – Leandro Faria Costa 247

Portanto, a OIT é a mais antiga organização internacional interestatal


global existente. Mesmo com todas as inflexões ocorridas ao longo dos anos,
sustentou-se por articular diversas nuances bastantes específicas. A justiça
social, porém, é o imperativo de trabalho da instituição desde sua origem,
atuando como farol programático no mar da história.
Cabe ressaltar, ainda, que a OIT foi criada para enfrentar as mudanças
sociais advindas das alterações ocorridas desde a Primeira Revolução Industrial
até os dias de hoje. A necessidade de uma legislação internacional do traba-
lho relaciona-se com a estruturação de padrões que permitam aferir a justiça
social, uniformizando as normas jurídicas e a buscando eliminar as diferenças
sociais para a manutenção da paz. No plano econômico, objetiva diminuir as
diferenças regionais, fomentando a aproximação dos Estados e a organização
da economia mundial de maneira menos assimétrica e desigual.
O Preâmbulo da Constituição da OIT exemplifica a necessidade da
reformulação da maneira com que o capitalismo mundial enxerga o labor,
preocupando-se, dessa maneira, com a proteção dos direitos humanos dos
trabalhadores3, fruto das lutas sociais na Europa e nas Américas, tendo como
representante histórico no Direito Internacional o Tratado de Versalhes, reco-
nhecendo os direitos dos trabalhadores e a necessidade da intervenção estatal
na promoção de desenvolvimento humano.4
Com a emergência da ONU como organizadora da geopolítica global,
a OIT foi vinculada ao seu funcionamento. Tornou-se, então, a sua primeira
agência especializada, sendo pioneira na análise de um aspecto específico do
capitalismo mundial: o trabalho assalariado. A OIT responsável pela formula-
ção, adoção, aplicação e fiscalização das normas internacionais do trabalho nos
países por meio de convenções, recomendações, resoluções e declarações. Esses
documentos têm feição jurídica de tratados internacionais, distinguindo-se
pela força vinculante existente.
As convenções são tratados internacionais que definem padrões e pisos
mínimos a serem observados e cumpridos por todos os países que os ratifi-
cam. A ratificação de uma convenção ou protocolo da OIT por qualquer um
de seus 187 Estados-Membros é um ato soberano e implica sua incorporação

3 “Considerando que existem condições de trabalho que implicam, para grande número de indivíduos, misé-
ria e privações, e que o descontentamento que daí decorre põe em perigo a paz e a harmonia universais, e
considerando que é urgente melhorar essas condições no que se refere, por exemplo, à regulamentação das
horas de trabalho, à fixação de uma duração máxima do dia e da semana de trabalho.” (ORGANIZAÇÃO
INTERNACIONAL DO TRABALHO. Constituição OIT e Declaração de Filadélfia. Disponível em:
<https://www.ilo.org/brasilia/centro-de-informacoes/documentos/WCMS_336957/lang—pt/index.htm>.
Acesso em: 22 out. 2019).
4 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 4. ed. São Paulo. Saraiva. 2017. p. 53.
248 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

total ao sistema jurídico, legislativo, executivo e administrativo do país em


questão, tendo, portanto, um caráter vinculante.5 As recomendações fre-
quentemente complementam convenções, propondo princípios reitores mais
definidos sobre a forma como essas podem ser aplicadas.6 Já as resoluções
representam pautas destinadas a orientar os Estados-Membros e a própria
OIT em matérias específicas. As declarações, por sua vez, contribuem para
a criação de princípios gerais de direito internacional7, cuja vinculação deve
ser afirmada a partir da valorização do consenso internacional consagrado
pela opinio juris dos Estados como fonte material de Direito Internacional
dos Direitos Humanos, para além do mero consentimento individualmente
formalizado com a ratificação espontânea de tratados8.
O fato de ter uma estrutura tripartite torna a OIT uma organização
especial em todo o sistema de proteção de direitos humanos. Congrega Esta-
dos, empregadores e representantes dos trabalhadores, os principais atores do
mercado de trabalho que participam, em situação de igualdade numérica, das
diversas instâncias da Organização.
Com isso, garante um nível de participação democrática na construção
de consensos, estratégias e documentos internacionais. Busca, assim, caminhos
para debater sobre políticas públicas de impacto e metas trabalhistas que con-
duzam ao desenvolvimento socio-individual.
Por isso, em 1998, com a aprovação da Declaração da OIT sobre os
Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho, houve a reafirmação universal
do compromisso dos Estados-Membros de respeitar, promover e aplicar os di-
reitos e princípios do trabalho. Houve, ademais, a reafirmação da justiça social
como essencial para a garantia da paz universal e permanente, a valorização do
crescimento econômico não como um fim em si mesmo (mas ressignificado
a partir da equidade), progresso social e erradicação da pobreza, e a promo-
ção de políticas sociais sólidas, justiça e instituições democráticas.9 Demais
disso, a atenção às pessoas com necessidades sociais especiais, em especial os
desempregados e trabalhadores migrantes, com reunião de esforços regionais,
internacionais e nacionais para a resolução dos seus problemas, é somada ao

5 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Normas Internacionais de Trabalho. Genebra, s.d.


Disponível em: <https://www.ilo.org/brasilia/temas/normas/lang—pt/index.htm>. Acesso em: 21 out. 2019.
6 Ibidem.
7 Ibidem.
8 CANÇADO TRINDADE, Antonio A. A humanização do direito internacional. Belo Horizonte: Del Rey,
2006, p. 79-82.
9 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Declaração da OIT sobre os princípios e di-
reitos fundamentais do trabalho. Genebra: OIT, s.d. Disponível em: <https://www.ilo.org/public/english/
standards/declaration/declaration_portuguese.pdf>. Acesso em: 21 out. 2019.
Silvio Beltramelli Neto – Leandro Faria Costa 249

desenvolvimento de políticas eficazes para a criação de emprego.


A OIT, portanto, em essência e à vista de sua história, busca mediar a
tensão capita versus trabalho, a partir da criação de consensos tripartites globais.
Marcada por essa característica nasce a concepção de Trabalho Decente.

3. O ADVENTO DA CONCEPÇÃO DE TRABALHO


DECENTE E SEU CARÁTER INDUTOR DE POLÍTICAS
PÚBLICAS
O conceito de Trabalho Decente foi apresentado ao mundo no entarde-
cer no século XX. Na dinâmica de funcionamento do capitalismo mundial, as
alterações estruturais são fundamentais para a reatualização das bases produ-
tivas, objetivando maior lucro e acumulação de capital pelos donos dos meios
de produção.
A liberalização, somada ao acentuado processo de globalização das eco-
nomias, incrementou diversas variáveis na relação capital-trabalho10 e ajuda a
explicar que, em 1999, na 87ª Conferência Internacional do Trabalho, o então
Diretor-Geral da OIT, Juan Somavia, tenha anunciado o Trabalho Decente
como objetivo central da entidade para todas as suas políticas de atuação e
programas, uma vez que mudanças econômicas ocorridas a partir da crise
do Estado de Bem-Estar Social e prevalência do neoliberalismo impactaram
fortemente o mundo do trabalho. A proposta da ideia de Trabalho Decente ad-
mitiu-se inspirada na Declaração e Programa de Ação de Copenhague (1995),
resultante da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social da ONU11, evi-
denciando a ampliação das oportunidades e condições laborais dignas como
uma das condicionantes da promoção de Desenvolvimento Social12.

10 BELTRAMELLI NETO, Silvio; BONAMIM, Isadora R.; VOLTANI, Julia de C. Trabalho Decente segundo
a OIT: uma concepção democrática? Análise crítica à luz da teoria do contrato social. Revista Eletrônica do
Curso de Direito da UFSM, v. 14, p. 1-36, 2019, p. 8.
11 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração e Programa de Ação da Cúpula Mundial sobre
Desenvolvimento Social, 1995. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Confer%-
C3%AAncias-de-C%C3%BApula-das-Na%C3%A7%C3%B5es-Unidas-sobre-Direitos-Humanos/declara-
cao-e-programa-de-acao-da-cupula-mundial-sobre-desenvolvimento-social.html>. Acesso em: 21 out. 2019.
12 A construção da noção de Desenvolvimento Social vem a reboque da difusão das ideias econômicas de John
Maynard Keynes e da consolidação política do modelo do Welfare State, nos países hegemônicos da época
do pós-Segunda Guerra Mundial (SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o
desperdício da experiência. 2. ed. Porto: Edições Afrontamento, 2002, p. 137). A consagração internacional
do Desenvolvimento Social pelas Declarações da ONU, já nos anos setenta do século XX, vai representar a
consolidação da superação da visão desenvolvimentista puramente econômica — segundo a qual a produção
de riquezas gera, per si, incremento das condições de vida — pela percepção de que o desenvolvimento só
se aufere com o bem-estar coletivo em diferentes aspectos sociais, como educação, saúde, valor do salário
mínimo, meio ambiente, entre outros, panorama contrário à desigualdade social (HUNT, L. A Nova história
cultural. 3. ed. São Paulo: Martins Editora, 2001, p. 34; AMARO, R. R. Desenvolvimento – Um conceito
ultrapassado ou em renovação? Da teoria à prática e da prática à teoria. Cadernos de Estudos Africanos, n.
4, 2003, p. 40-60, p. 59).
250 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

A concepção de Trabalho Decente orienta a promoção de oportunidades


para que homens e mulheres obtenham um trabalho produtivo e de quali-
dade, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humana,
sendo considerado condição fundamental para a superação da pobreza, a
redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática
e o desenvolvimento sustentável.13 Conquanto a OIT, propositalmente, não
se valha de uma definição cerrada de Trabalho Decente, à feição de um tipo
jurídico que configure situações especificas de venda da força de trabalho14,
sua finalidade dinamizadora de políticas públicas nacionais por meio de
programas específicos conta com objetivos precisamente estabelecidos, de-
notando seu caráter essencialmente processual.
A promoção do Trabalho Decente se assenta em um plexo de quatro
objetivos estratégicos: o respeito aos direitos humanos no trabalho, a geração
de emprego produtivo e de qualidade, a ampliação da proteção social e o for-
talecimento do diálogo social.15
O primeiro objetivo estratégico dirige-se à salvaguarda de direitos hu-
manos trabalhistas, especialmente aqueles definidos como fundamentais pela
Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais do Traba-
lho (liberdade sindical, direito de negociação coletiva, eliminação de todas as
formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação e erradicação de
todas as formas de trabalho forçado e trabalho infantil), tomando-os como
parâmetro jurídico mínimo de aspiração civilizatória e intuito preservador da
dignidade humana.16 Tal Declaração de 1998 ressalta, ainda, os indispensáveis
compromissos públicos e privados com a justiça social, a relação entre pro-
gresso social, crescimento econômico e erradicação da pobreza, denotando sua
interação com a ideia de Desenvolvimento Social.
O segundo objetivo estratégico pugna pela criação de postos de trabalho
de qualidade, com remuneração capaz de propiciar uma vida digna e desenvol-
vimento humano, ressaltando a igualdade como imperativo das relações laborais.
O terceiro objetivo está vinculado à proteção social e contribui para
a amortização dos efeitos das crises econômicas, garantindo amplo acesso a

13 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Trabalho Decente. Genebra: OIT, s.d. Disponível


em: <https://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-decente/lang—pt/index.htm>. Acesso em: 21 out. 2019.
14 Um estudo sobre o conceito de Trabalho Decente, suas nuances dentro da OIT e suas possibilidades à vista
de um potencial tipo jurídico justiciável pode ser encontrado em BELTRAMELLI NETO, Silvio; VOLTA-
NI, Julia de Carvalho. Investigação histórica do conteúdo da concepção de Trabalho Decente no âmbito da
OIT e uma análise de sua justiciabilidade. Revista de Direito Internacional, v. 16, n. 1, p. 166 – 185, 2019.
15 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Trabalho Decente, cit.
16 BELTRAMELLI NETO, Silvio; BONAMIN, Isadora Rezende; VOLTANI, Julia de Carvalho. Trabalho
Decente: Uma concepção democrática? Análise crítica à luz da teoria do contrato social, cit., p. 3.
Silvio Beltramelli Neto – Leandro Faria Costa 251

serviços básicos de sobrevivência, especialmente àqueles que não possuem con-


dições de manter o próprio sustento, temporária ou permanentemente, por se
encontrarem inaptos ao trabalho ou desempregados.
O fortalecimento do diálogo social, quarto e último objetivo estratégico,
ressalta a natureza dialógica e tripartite da OIT. Os sindicatos, os empregadores
e os Estados devem construir, sob tal prisma, paulatinamente, alternativas às
formas tradicionais de relação estabelecidas pelo tempo. Logo, com a inserção
de novas maneiras de promover o consenso, há a aposta no fortalecimento dos
mecanismos de diálogo, a fim de promover a distensão das questões sociais e
manter a paz entre os agentes sociais.
A despeito das disputas conceituais ainda existentes acerca do preciso con-
teúdo da noção de Trabalho Decente, a consolidação de seus quatro objetivos
estratégicos permitiu que a OIT avançasse em seu principal desiderato: a dina-
mização, junto aos Estados, de políticas públicas inspiradas naqueles objetivos.
A pretensão do Trabalho Decente como gatilho de políticas públicas na-
cionais já pode ser percebido em 2001, quando foi tratado como uma “meta
móvel”, uma ideia que evolui à medida em que se transformam as possibi-
lidades, as circunstâncias e as prioridades de cada sociedade (sobretudo em
âmbito nacional), sendo que seus valores mínimos avançam com o progresso
econômico e social.17 Tal pretensão não tardou em de difundir.
Em 2005, a IV Cúpula das Américas, ocorrida em Mar del Plata, Argen-
tina, logrou editar Declaração de 34 chefes de Estados com o compromisso de
combate à pobreza, à desigualdade, à promoção do emprego pleno e produtivo
e do trabalho decente para todos. Já no ano de 2006, a Assembleia Geral da
ONU também estabeleceu como meta de políticas e estratégias nacionais e
internacionais de desenvolvimento a promoção do emprego pleno e produtivo
e do trabalho decente para todos.18
Já o Brasil editou sua Agenda Nacional de Trabalho Decente (ANTD)
em 2006, resultado do Memorando de Entendimento assinado, em 2003, pelo
então presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva e pelo então Diretor-Geral
da OIT, Juan Somovia. À ANTD seguiram-se o Plano Nacional de Trabalho
Decente (PNTD) de 2010 e a Agenda Nacional de Trabalho Decente para a
Juventude (ANTDJ) de 2011, além de outras agendas subnacionais do mesmo
17 ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO. CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DEL TRA-
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252 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

tema (estaduais e municipais).


A ANTD encontra-se estruturada em torno de três prioridades: gerar
mais e melhores empregos, com igualdade de oportunidades e de tratamento;
erradicar o trabalho escravo e eliminar o trabalho infantil, em especial em suas
piores formas, e fortalecer os atores tripartites e o diálogo social como um
instrumento de governabilidade democrática19.
Para cada eixo prioritário da ANTD enunciaram-se “resultados espera-
dos”, desacompanhados de dados concretos que os alicerçassem, e linhas de
ação, correspondentes às formas pelas quais deverão ser colocadas em prática as
medidas para a obtenção dos resultados vislumbrados. Já o PNTD, por se tratar
de um instrumento de implementação da Agenda Nacional, repete os eixos
prioritários descritos na ANTD, especificando as metas e prioridades. Para a
geração de empregos, o PNTD propõe o fomento do emprego em empresas
sustentáveis e que promovam o desenvolvimento sustentável, além de micro e
pequenas empresas. A prioridade da erradicação do trabalho escravo e elimi-
nação do trabalho infantil em suas piores formas remete à confecção de planos
nacionais específicos. Já a prioridade do diálogo social indica como medidas
o estabelecimento de mecanismos e instâncias de diálogo social fortalecidos e
ampliados, em especial os instrumentos de negociação coletiva20.

4. AS TRÊS REVOLUÇÕES INDUSTRIAIS


Os avanços tecnológicos e as mudanças socioeconômicas que marcaram
a sociedade inglesa do século XVIII catapultaram a Revolução Industrial. O
período que compreendeu 1760 a 1850 foi chamado de Primeira Revolução
Industrial. As mudanças na estrutura da Inglaterra foram fundamentais para a
emergência de uma nova forma de organização do modo de produção.21
A sociedade, antes essencialmente rural, foi tornando-se industrial, a
partir do desenvolvimento da atividade produtiva. A saída das pessoas do
19 BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Agenda Nacional do Trabalho Decente. Brasília, 2006. 20p.
Disponível em: <https://www.ilo.org/brasilia/publicacoes/WCMS_226229/lang—pt/index.htm%22>. Acesso
em: 29 out. 2019. Faz-se logo sentir, neste rol de prioridades da ANTD, a ausência do primeiro objetivo estra-
tégico do Trabalho Decente, qual seja, a proteção dos direitos fundamentais nas relações de trabalho.
20 BRASIL. Plano Nacional de Emprego e Trabalho Decente: gerar emprego e trabalho decente para com-
bater a pobreza e as desigualdades sociais. Brasília, DF, 2010. 44 p. Disponível em: <https://www.ilo.org/
brasilia/publicacoes/WCMS_226249/lang—pt/index.htm%22>. Acesso em: 29 out. 2019. Uma análise
crítica do conteúdo da ANTD e de seus desdobramentos pode ser conferida em BELTRAMELLI NETO,
Silvio; BONAMIM, Isadora R. Apontamentos comparativos sobre as propostas das agendas nacionais brasi-
leiras para o Trabalho Decente. In: COSTA, Felipe V. B.; SOUZA, Luiza B. C. (Org.). Anais do I Congresso
Internacional de Direito do Trabalho e Direto da Seguridade Social – Programa de Mestrado em Direito
do UDF. 1ed.Belo Horizonte: RTM, 2018, p. 167-183.
21 DATHEIN, RICARDO. Inovação e Revoluções Industriais: uma apresentação das mudanças tecnológi-
cas determinantes nos séculos XVIII e XIX. Publicações DECON Textos Didáticos 02/2003. DECON/
UFRGS, Porto Alegre, Fevereiro 2003, p. 2.
Silvio Beltramelli Neto – Leandro Faria Costa 253

campo para habitar as cidades que estavam nascendo estimulou o florescer das
indústrias, ao gerar um exército de reserva pela grande mão-de-obra existente.22
A transição do modo de produção feudal para o capitalista gerou uma acumu-
lação primitiva de capital, possibilitando o investimento e impulsionando o
desenvolvimento econômico.23
Cabe ressaltar o fato de que a Inglaterra possuía ávidos espaços para o
consumo de mercadorias, uma vez que influenciou político-financeiramen-
te o fim da escravidão nas colônias e o seu êxodo rural criou um mercado
antes inexiste nas cidades.24 Por sua vez, os processos produtivos da época eram
organizados, inicialmente, de forma artesanal. Todas as etapas poderiam ser
realizadas por uma única pessoa. O artesão era o dono de seu próprio tempo,
das ferramentas de trabalho e da matéria-prima necessária. Nesse sentido, a
família estava umbilicalmente ligada à organização do labor.
Com o aumento do número de pessoas na cidade, surgiu a necessidade
de otimizar e acelerar a confecção dos produtos. Houve o surgimento das
manufaturas, que demandavam a concentração de trabalhadores em local espe-
cífico, contratados por um comerciante. A produção foi cindida e cada grupo
de trabalho cuidava de uma etapa específica.25
Gradualmente, a fabricação foi assumindo outras características. O
comerciante passou a vender matéria-prima e alugar ferramentas para o ar-
tesão. Estabeleceu-se, assim, uma relação de dependência entre comerciante
e artesão. As máquinas, especialmente o tear mecânico, somada ao uso da
energia a vapor, permitiram a separação e organização das fábricas em regi-
mes específicos de trabalho. Assim, o tempo que o funcionário levava para
desempenhar alguma função estava subordinado ao tempo da máquina. A
despersonalização da atividade produtiva afetou a maneira como o indivíduo
interpretava a própria subjetividade.26
O avanço tecnológico evoluiu muito no final do século XIX, principal-
mente na indústria. Incrementou-se bastante: gasolina, máquinas, motores
a combustão, telefone, etc. Nessa mesma época, a energia elétrica passou a
ser usada nas indústrias e nas casas. A capacidade da produção industrial foi
22 Ibidem, p. 3-5.
23 HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções. São Paulo: Paz e Terra, 2015, p. 56-64.
24 SALLES, Ricardo. A segunda escravidão. Tempo, Niterói, v. 19, n. 35, p. 249-254, dez. 2013.
25 ROMEIRO, Ademar Ribeiro. Revolução Industrial e a mudança tecnológica na agricultura europeia. Revis-
ta História, São Paulo, n. 123-124, p. 5-33, ago/jul.1990/1991, p.14-16.
26 UGARTE, Maria Cecília Donaldson. O corpo utilitário: Da revolução industrial à revolução da informação.
IX Simpósio Internacional Processo Civilizador: Tecnologia e Civilização. Ponta Grossa, 2008, p. 1-8,
p.2. Disponível em: <http://www.uel.br/grupo-estudo/processoscivilizadores/portugues/sitesanais/anais9/
artigos/mesa_redonda/art5.pdf>. Acesso em: 21 out. 2019.
254 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

aumentada exponencialmente e, assim, a economia crescia com rapidez.27


O período compreendido entre os anos 1850-1870 até o fim da Segunda
Guerra Mundial (1939-1945) foi batizado de Segunda Revolução Industrial.
Nessa fase, duas fontes de energia foram essenciais para o desenvolvimento:
eletricidade e petróleo.28
A eletricidade proporcionou economia de recursos uma vez que a sua
geração é mais barata do que o carvão, antiga fonte de energia. A ener-
gia a vapor, paulatinamente, foi substituída pela eletricidade nas fábricas e
transportes. Já o petróleo, foi inicialmente utilizado na iluminação pública.
Posteriormente, passou a ser empregado para movimentar as máquinas nas
fábricas e, com o melhoramento do motor de combustão interna, foi possível
utilizá-lo como combustível.29
Novos métodos de produção foram colocados na agricultura, com o uso
de um novo maquinário e fertilizantes químicos, ocasionando o aumento na
produção de alimentos. Essa transformação levou ao baixo preço de produtos
agrícolas e possibilitou um grande aumento populacional. As empresas, por sua
vez, começaram a produzir mais e cada vez mais barato, havendo uma disputa
por mercados. Assim, a concorrência tornou-se cada vez mais maior. Nesta
toada, países como Inglaterra, EUA, Alemanha e França passaram a praticar o
capitalismo monopolista.30
A irrupção do capitalismo monopolista é marcada pela reorganização do
mercado e do sistema de produção, através das operações comerciais, financei-
ras e industriais dos monopólios e oligopólios. 31
A formação de oligopólios resultou numa grande concentração de capital,
porque um número reduzido de empresas controlava os principais setores da
economia: automobilístico, mineração e ferrovias, reduzindo custos de produção.
A internacionalização fez com que os países capitalistas se lançassem na
corrida para dominar a economia mundial. Esse fenômeno recebeu o nome
de imperialismo e, com ele, além de mercados consumidores, as potências

27 SILVA, Maria Cristina Amaral da Silva; GASPARIN, João Luiz. A Segunda Revolução Industrial e suas
influências sobre a educação escolar brasileira. Navegando pela história da educação brasileira – 20 anos
de Histedbr. Campinas: HISTEDBR, 2009, p. 6-10.
28 DATHEIN, Ricardo, op. cit., p. 4-5.
29 HOBSBAWN, Eric. Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo. 5. ed. Rio de Janeiro. Forense
Universitária, 2000, p.101-123.
30 Ibidem, p.124-127.
31 SEVES, Natalia Cabau. Capitalismo monopolista no Brasil: a implantação do novo padrão de acumulação
do capital e a redefinição da hegemonia política no seio do bloco no poder. Anais do V Simpósio Interna-
cional Lutas Sociais na América Latina. Londrina, 2013, p.14-16.
Silvio Beltramelli Neto – Leandro Faria Costa 255

industriais europeias aumentaram a procura por matérias-primas, intensifi-


cando a disputa por produtos provenientes da América Latina, África e Ásia.32
Depois da Segunda Guerra Mundial, as empresas colapsaram pela su-
perprodução e déficit no consumo. O capitalismo entrou em crise e houve
falência, desemprego e o aumento da pobreza. Assim, a surgiu a necessidade de
aprimoramento e novos avanços no campo tecnológico, abrangendo a ciência
ao sistema produtivo. Esse período foi chamado de Terceira Revolução Indus-
trial ou Revolução Técnico-Científico-Informacional.33
A partir da década de 50, inúmeros campos do conhecimento começa-
ram a sofrer alterações em função do avanço tecnológico experimentado. As
indústrias que utilizaram de alta tecnologia sobrepuseram-se sobre aquelas que
utilizavam formas tradicionais de tecnologia como metalúrgica, siderúrgica e
a indústrias de automóveis.34
A crise do petróleo em 1973 abalou as estruturas da geopolítica e a ma-
neira como interpretavam os fenômenos econômicos. Cabe ressaltar, ainda,
que houve uma queda na produtividade do trabalho somada a dificuldade
dos países em manter o Estado de Bem-Estar Social. O aumento do custo das
matérias-primas e o encarecimento da matriz energética contribuíram para a
desestabilização da economia mundial. Assim, durante a década de 70 e início
dos anos 80, as principais economias industrializadas revelam-se incapazes
de superar a crise econômica, de ordem estrutural, ao afetar negativamente o
ritmo de produção, com queda do PIB e da renda dos trabalhadores.35
Por outro lado, a crise manifesta-se na queda de produtividade e de ren-
tabilidade e na ausência de um pacote de inovações tecnológicas nos setores
considerados mais dinâmicos da economia industrial ocidental.
As relações laborais foram diretamente impactadas por uma dinâmica de
superação da crise. Os países europeus, como a Alemanha, e mesmo asiáticos,
como o Japão, passaram a implementar outras formas de organizar o trabalho
e da cadeia produtiva, adotando inovações tecnológicas de gestão, organi-
zação do funcionamento das indústrias, racionalização dos investimentos, a
diminuição no número de funcionários. O trabalho passa a ser definitivamen-
te contabilizado como um mero custo variável, pelo qual o capitalista busca

32 CAMPOS, Fabio Antonio de. Imperialismo e internacionalização dos mercados latino-americanos nos anos
1950. Revista Economia Ensaios, n. 30, v. 1, 2015, p. 7-34.
33 HOBSBAWN, Eric. Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo, cit., p. 160-171.
34 Ibidem, p. 172-181.
35 PEREIRA, Elenita Malta. O ouro negro: Petróleo e as crises políticas, econômicas, sociais e ambientais na
2ª metade do século XX. Outros Tempos, v. 5, n. 6, p. 54-72, São Luís, dez. 2008, p. 57-59.
256 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

diminuir a sua participação no custo total. Houve a inserção da microeletrônica


enquanto paradigma tecnológico, a terceirização da produção, organização de
jornadas de trabalho mais flexíveis, uma maior integração entre financiamento,
fornecimento e produção, surgimento de um tipo de empresa concentrada,
multi-industrial, com um importante braço financeiro, atuando em escala
internacional. Por fim, o aumento extraordinário da interconexão dos merca-
dos financeiros, a intensificação das estratégias competitivas internacionais e
a reestruturação de comando das corporações oligopólicas modificou profun-
damente a feição do capitalismo mundial.36

5. A QUARTA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL


O que se entende por Quarta Revolução Industrial tem como referencial
teórico primeiro o Fórum Econômico Mundial. A expressão foi cunhada pelo
presidente da entidade, Klaus Schwab, a partir de uma série de reflexões acerca
daquilo que, no século XXI, o modo de produção apresentava como inédito e
sem precedentes na história.
Mesmo que mais avançada e perceptível nos países com economias his-
toricamente desenvolvidas, o padrão de incremento científico e modificação
das circunstâncias perpassa toda a economia mundial. Sustenta-se que as di-
cotomias das teorias econômicas (liberalismo e keynesianismo) não suportam
a complexidade do fenômeno por negligenciarem aspectos relevantes da sua
dinâmica de funcionamento37.
Não mais se percebe o desenvolvimento de uma área em específico. Ao
unir os sistemas digitais, físicos e biológicos, potencializaram-se as formas de
ganho de produtividade. A própria ideia de Homem como ser natural foi mo-
dificada porque o corpo é visto como o signo da relação natureza-tecnologia.38
Os efeitos no mundo do trabalho é uma das questões mais importantes
da Quarta Revolução Industrial. A articulação mundial para a modernização
da produção impacta diretamente na quantidade de pessoas empregadas e na
eventual qualidade dos postos de serviços advindos dela. Paulatinamente, a
composição do quadro geral das empresas passa a depender, cada vez menos,
do trabalho humano. Se nas outras revoluções industriais havia o controle
das operações das máquinas pelos homens, o que se vê avançar, atualmente, é

36 FARAH JÚNIOR, Moisés Francisco. A Terceira Revolução Industrial e o Novo Paradigma Produtivo: Algu-
mas Considerações sobre o Desenvolvimento Industrial Brasileiro nos Anos 90. Revista da FAE, Curitiba,
v. 3, n. 2, p. 45-61, mai./ago. 2000, p. 48-50.
37 SCHWAB, Klaus. The fourth industrial revolution. Geneva: World Economic Forum, 2016. p. 26-40.
38 Ibidem, p. 45-58.
Silvio Beltramelli Neto – Leandro Faria Costa 257

uma inteligência que supervisiona o próprio labor não-humano. Eis a era da


Internet das Coisas (IoT).39
Os padrões globais da Quarta Revolução Industrial apontam, inicialmente,
para uma repetição e aprofundamento da desigualdade de renda, além da pre-
carização do trabalho. As melhorias na produção não incidem, necessariamente,
na qualidade laboral. Ao contrário, houve a piora significativa nas condições pelo
arrocho salarial, aumento da jornada de trabalho, criação de vagas temporárias
que dificultam o estabelecimento jurídico de uma relação de emprego. 40
Porém, a própria formulação teórica do conceito indica que as expe-
riências advindas das revoluções industriais implicam no enfrentamento de
três desafios prementes: certificar que a Quarta Revolução Industrial tenha
benefícios justamente distribuídos; gerenciar os possíveis riscos e danos ad-
vindos da sua externalidade e garantir que seja liderada por homens e seja
centrada na humanidade. 41
Portanto, a atividade humana, segundo o proposto pelo idealizador da
noção de Quarta Revolução Industrial, deve ser o fundamento último de todas
análises sobre tal fenômeno, sustentando-se que o conteúdo dessas transfor-
mações terá substrato capaz de desenvolver e proporcionar condições dignas
de sociabilidade.

6. OLHARES RECENTES DA OIT ACERCA DA QUARTA


REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
A OIT, pela sua natureza tripartite, elabora seus programas e respostas
às modificações de paradigma a partir de uma perspectiva pretensamente
dialógica e democrática. Por isso, toda construção teórica ou mesmo prá-
tica acerca da Quarta Revolução Industrial demanda compreender de que
maneira os atores envolvidos na OIT se articulam e criam respostas para as
novas questões e problemas.
Cabe ressaltar, contudo, que, até o momento, não foi possível encontrar
documento específico por parte da OIT que utilizasse a expressão “Quarta
39 “A Internet das Coisas corresponde à fase atual da internet em que os objetos se relacionam com objetos
humanos e animais os quais passam a ser objetos portadores de dispositivos computacionais capazes de
conexão e comunicação. Nesse sentido, os objetos tendem a assumir o controle de uma série de ações do
dia a dia, sem necessidade de que as pessoas estejam atentas e no comando” (SANTAELLA, L.; GALA, A.;
POLICARPO, C.; GAZONI, R. Desvelando a Internet das Coisas. Revista GEMInIS, v. 4, n. 2, p. 19-32,
15 dez. 2013, p. 28).
40 EDWARDS, Paul; RAMIREZ, Paulina. When should workers embrace or resist new technology?. New
technology, work and employment, v. 31, n. 2, p. 99-113, 2016, p. 106.
41 SCHWAB, Klaus; DAVIS, Nicholas. Aplicando a Quarta Revolução Industrial. São Paulo: Edipro, 2018,
p. 48-49
258 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Revolução Industrial”. Bem por isso, a análise de estudos e relatórios da OIT


possibilitam inferências sobre suas reflexões acerca do novo estágio das rela-
ções de trabalho, influenciado, decisivamente, pela revolução tecnológica e,
dentro deste espectro, pode-se entender que se está a tratar do fenômeno que
experimentou designação própria, no âmbito primeiro do Fórum Econômico
Mundial. Como não poderia deixar de ser, o Trabalho Decente segue condi-
cionando e se apresentando como parâmetro civilizatório das análises da OIT
acerca dos desafios das relações laborais.
Em 2017, o relatório produzido em conjunto pela OIT e pelo Euro-
found42, intitulado “Working anytime, anywhere: the effects of world of work”,
examina as transformações ocorridas na Europa durante o século XXI. Foram
analisados os cenários dos seguintes países do continente europeu: Itália, Es-
panha, Países Baixos, Suécia, Reino Unido, Bélgica, Finlândia, Alemanha,
Hungria e França. Países que possuem escritórios da OIT como Argentina,
Brasil, Japão e Estados Unidos também foram objetos de reflexão.
O foco do relatório é o teletrabalho, que consiste na utilização de smart-
phones, computadores pessoais, laptops e tablets, com o propósito de laborar
fora dos limites do ambiente físico de trabalho. Adota-se uma classificação dos
funcionários que fazem uso dessa tecnologia em relação ao seu local de trabalho
e da intensidade da frequência do seu trabalho usando esse mecanismo fora
das instalações do empregador. 43
Os efeitos positivos da adoção dessa tecnologia estão relacionados com a
redução do tempo de deslocamento e maior autonomia na elaboração da jornada
de trabalho. Tais fatos propiciam maior flexibilidade em termos de organização
do tempo de trabalho, supostamente gerando maior equilíbrio entre a vida pes-
soal e a profissional, além de estimular a produtividade.44 Em contrapartida, os
efeitos negativos podem ser percebidos na tendência em aumentar as horas de
serviço e criar uma sobreposição entre trabalho remunerado-vida pessoal, resul-
tando em intensificação e alargamento das jornadas de trabalho.45
Os resultados parciais apontam para um equilíbrio positivo entre
42 Criada em 1975, a Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho (Eurofound) é
uma agência tripartida da União Europeia, busca “disponibilizar conhecimentos para ajudar a desenvolver
melhores políticas sociais, de emprego e laborais” (EUROFOUND. Quem somos. Missão. Irlanda: Euro-
found, 2019. Disponível em: <https://www.eurofound.europa.eu/pt/about-eurofound/who-we-are>. Acesso
em: 29 out. 2019).
43 EUROFOUND; INTERNATIONAL LABOUR OFFICE. Working anytime, anywhere: the effects of
world of work. Luxembourg and Geneva: Eurofound ana ILO, 2007, p. 5. Disponível em: <https://www.
eurofound.europa.eu/publications/report/2017/working-anytime-anywhere-the-effects-on-the-world-of-
-work>. Acesso em: 21 out. 2019.
44 Ibidem., p. 16-19.
45 Ibidem., p. 21-28.
Silvio Beltramelli Neto – Leandro Faria Costa 259

benefícios e desvantagens resultantes dessa forma de organização de trabalho.46


Mesmo assim, as conclusões do relatório sobre efeitos do objeto de estudo são
altamente ambíguas e estão relacionadas entre o uso do teletrabalho, o local
onde desempenha as funções, o obscurecimento dos limites da vida profissional
e pessoal e das características das diferentes ocupações.47
Já o “Global Employment Trends of Youth: Paths to a Better Working Future”,
estudo da OIT de 2017, aborda uma importante característica da Quarta Re-
volução Industrial: as oportunidades de emprego para a juventude no mundo
do trabalho.48
A queda acentuada dos jovens no envolvimento da força de trabalho
em atividade, com a forte presença dos jovens entre os desempregados são
particularidades do trabalho mundial atual. A qualidade do emprego continua
sendo uma grande preocupação, porquanto diretamente afetada pela pobreza.
A economia informal, por exemplo, emprega a maioria dos jovens, atual-
mente. A proporção é extremamente relevante nos países em desenvolvimento,
onde a informalidade afeta 96,8% e 90,2% dos jovens e adultos empregados,
respectivamente. Nos países emergentes, os jovens no emprego informal repre-
sentam 83,0% do total de jovens trabalhadores, quase 20 pontos percentuais a
mais do que os adultos. A informalidade é consideravelmente menos difundi-
da, mas ainda é relevante, nos países desenvolvidos, onde preocupa um pouco
menos de 20% da juventude trabalhadora.49
Os robôs e outras tecnologias automatizadas para manufatura e servi-
ços ainda estão significativamente concentrados nos países desenvolvidos,
enquanto os países em desenvolvimento e emergentes continuam a contar
com mão-de-obra frequentemente pouco qualificada e com baixos salários.
À medida que as tecnologias evoluem, os custos provavelmente diminuem,
sua difusão aumenta e qualquer vantagem comparativa atual de mão-de-obra
barata em países com renda mais baixa provavelmente diminuirá.50
Este estudo da OIT analisa as possibilidades de melhora deste quadro
desalentador, no contexto das mudanças atuais da morfologia do trabalho,
o fazendo à luz da promoção do Trabalho Decente. Tal fato indica que essa

46 Ibidem., p. 44-51.
47 Ibidem., p. 57-59
48 INTERNATIONAL LABOUR OFFICE. Global Employment Trends for Youth 2017: Paths to a better
working future. Geneva: ILO, 2017. Disponível em: <https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—-dgre-
ports/—-dcomm/—-publ/documents/publication/wcms_598669.pdf>. Acesso em: 21 out. 2019.
49 Ibidem, p. 21.
50 Ibidem, p. 39.
260 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

construção está condicionada e pautada pelo diálogo tripartite. Os fatores que


influenciam a transição do trabalho ordinário para o decente estão inter-re-
lacionados. Todavia, a construção de soluções que propiciam a aplicação dos
quatros objetivos estratégicos que compõem o conceito de Trabalho Decente
demandam a observação da mudança de paradigma acerca da atual feição
morfológica do trabalho. Não obstante, segundo tal prisma, mesmo no cenário
hodierno, o respeito aos direitos humanos no trabalho permanece estimulando
e condicionando a promoção do emprego formal de qualidade, o qual, por
sua vez, continua a ter a capacidade de ampliar a proteção social e fortalecer
os mecanismos de diálogos existentes na superação das dificuldades socioeco-
nômicas e no fomento ao desenvolvimento.
Ademais, os fatores socioeconômicos e educacionais estão intrinsecamen-
te ligados. A combinação entre estudo e aprendizado no âmbito do próprio
labor é apontada como um importante potencial de solução dos problemas
contemporâneos.51
Por fim, o estímulo a postos de trabalho dirigidos a jovens por meio
de políticas econômicas pró-emprego, políticas macroeconômicas, estratégias
setoriais, desenvolvimento de habilidades técnicas e essenciais e a observânia
dos direito humanos trabalhistas para homens e mulheres, que permitam a
transição para a formalidade, são políticas que, segundo a OIT, propiciam um
futuro melhor para os jovens, em matéria de trabalho.52
Em âmbito nacional, também patrocinado pela OIT, o relatório “Futuro
do Trabalho no Brasil: Perspectivas e Diálogos Tripartites”, de 2018, sumaria
as discussões de quatro Diálogos Nacionais Tripartites sobre o porvir do
labor. O documento registra o debate acerca de importantes características
atinentes à Quarta Revolução Industrial. Ali, há a reflexões sobre a nova
forma de organização do trabalho e da produção, os desafios de capacitação
dos modelos de trabalho e considerações sobre o Trabalho Decente, o futuro
do labor e o desemprego.53
Diz-se que a iniciativa privada pode e deve somar-se às políticas públi-
cas para responder de modo eficaz às transformações do trabalho, à luz das
mudanças dos processos produtivos, como se pode ver acontecer, segundo o
relato, na indústria têxtil e de confecção do Brasil.54
51 Ibidem., p. 29-36.
52 Ibidem., p. 86-89.
53 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Futuro do trabalho no Brasil: Perspectivas
e diálogos tripartites. Genebra: OIT, 2018, p. 7. Disponível em: <https://www.ilo.org/brasilia/publicacoes/
WCMS_626908/lang—pt/index.htm>. Acesso em: 21 out. 2019.
54 Ibidem, p. 20.
Silvio Beltramelli Neto – Leandro Faria Costa 261

Questões como as novas tecnologias, a globalização, o desenvolvimento


sustentável e a relação entre energias renováveis e a geração de emprego são im-
portantes parâmetros de discussão existentes no documento e atinentes à Quarta
Revolução Industrial. Existe, ainda, a preocupação na associação entre agentes
públicos, sociais e privados na aplicação da regulação de novas formas de padrão de
governança para o futuro do mundo do trabalho. Os objetivos do desenvolvimento
sustentável, somados à regulação do trabalho em perspectiva futura, ressaltam os
contornos do fenômeno na dinâmica da nova morfologia do trabalho.55
Por fim, segundo a OIT, não se trata de combater as novas formas de
contratos de trabalho, mas de repensar e redesenhar as políticas públicas de
proteção dos trabalhadores. É preciso se aprofundar no entendimento da in-
terdependência das relações de trabalho em diferentes momentos da cadeia
produtiva, para que se dê conta de como as relações de trabalho da empresa
mãe afetam as relações de trabalho das empresas ao longo da cadeia. 56

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As mudanças na morfologia do trabalho ocorridas na Quarta Revolução In-
dustrial já são perceptíveis em todo mundo mesmo que, de maneira e intensidade
diferentes, conforme o nível de desenvolvimento econômico e social dos países.
O fato é que, chame-o com a designação conferida pelo Fórum Econô-
mico Mundial ou não, é inegável o fenômeno contemporâneo da influência
determinante da revolução tecnológica na morfologia do trabalho e seus impac-
tos na extinção e criação de novos postos laborais, sua influência nas taxas de
emprego formal, informal e desemprego, bem como sua associação ao ímpeto
ultraliberal que se espalha pelo mundo, nesta quadra histórica, em prol do
avanço vertiginoso da flexibilização de direitos humanos trabalhistas.
A OIT demonstra, em suas discussões e estudos, não estar alheia aos
acontecimentos, embora pareça ainda se encontrar, assim como todos os
estudiosos do assunto, na busca pelo entendimento da abrangência e da com-
plexidade das mudanças societais deste século, que, para além do trabalho,
atinge os costumes, a saúde física e mental, a economia, a política, enfim, a
vida humana em todas as suas dimensões.
Ao menos neste momento, não parece exagerado imaginar que se está a
passar por um período da existência humana de profunda transformação social
e sua compreensão, em todas as nuances, afigura-se sobremaneira dificultada
55 Ibidem, p. 25-31.
56 Ibidem, p. 39.
262 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

em vista da concomitância da reflexão com a alteração estrutural da sociedade


que se intenta apreender.
No que toca às relações de trabalho, a centenária OIT, pensa-se, se en-
contra no estágio de sua história em que seus princípios mais basilares e seus
objetivos mais essenciais, atinentes à não coisificação do ser humano pela
exploração da força de trabalho, apresentam-se mais direta e selvagemente
afrontados, a desafiar, como nunca ao longo deste século de existência, seu
intrínseco ímpeto regulatório da tensão capital versus trabalho.

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REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA E A SALVAGUARDA
DA CENTRALIDADE DO TRABALHO DIGNO NO
SEIO DE UMA SOCIEDADE DEMOCRÁTICA – O
FUTURO DO TRABALHO E OS 100 ANOS DA
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO
TECHNOLOGICAL REVOLUTION AND THE SAFEGUARD OF
THE CENTRALITY OF DECENT WORK WITHIN A DEMOCRATIC
SOCIETY – THE FUTURE OF WORK AND THE 100 YEARS OF THE
INTERNATIONAL LABOR ORGANIZATION – ILO

Dinaura Godinho Pimentel Gomes1


Marco Antônio César Villatore2

RESUMO: Este trabalho tem por objetivo tratar dos avanços tecnológicos que
configuram a Quarta Revolução Industrial com sérias e relevantes repercussões
nas relações trabalhistas. Tal como vêm apontando as Declarações da Organi-
zação Internacional do Trabalho – no auge de seus 100 anos de fundação – as
mudanças assim introduzidas pela globalização econômica vêm provocando, no
mundo, um acentuado crescimento econômico para poucos e um retrocesso
social para a grande maioria das pessoas que depende de um trabalho decente
para viver com dignidade. É o que espelha, em particular, a realidade brasileira,
diante das altas taxas de desemprego e do aumento expressivo da desigualdade
social. Todavia, à luz dos princípios e regras constitucionais em sintonia com
as normas dos Tratados Internacionais dos Direitos Humanos, que incluem
o conjunto normativo da OIT, impõe-se, no âmbito do Estado Democrático

1 Pós-Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP. Doutora em Direito
do Trabalho e Sindical pela Università degli studi di Roma I, “La Sapienza”, com revalidação do diploma
pela Universidade de São Paulo – USP. Pós-Graduada em Economia do Trabalho – Curso de Especializa-
ção pela UNICAMP. Magistrada do Trabalho aposentada (9ª. Região- PR). Membro Titular da Academia
Paranaense de Direito do Trabalho. Membro Titular da Academia de Letras, Ciências e Artes de Londrina.
Professora Universitária. E-mail: [email protected].
2 Pós-Doutor em Direito Econômico pela Università degli studi di Roma II, “Tor Vergata”. Doutor em Direito
do Trabalho e Previdência Social pela Università degli studi di Roma I, “La Sapienza”, com revalidação do
diploma pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestre em Direito do Trabalho pela PUCSP.
Professor Titular do Programa de Pós-graduação (Mestrado e Doutorado) em Direito da Pontifícia Univer-
sidade Católica (PUCPR). Professor Adjunto II do Curso de Graduação em Direito da UFSC. Professor do
Centro Universitário Internacional UNINTER de Curitiba/PR. Coordenador do Núcleo de Estudos Avança-
dos de Direito do Trabalho e Socioeconômico (NEATES) da PUCPR. Advogado. E-mail: marcovillatore@
gmail.com.
Dinaura Godinho Pimentel Gomes – Marco Antônio César Villatore 265

de Direito, a adoção de novos mecanismos jurídicos e competentes estratégias


por parte dos poderes públicos, para o alcance de um sistema capitalista mais
humano, de forma a conciliar, efetivamente, a livre iniciativa com os valores
sociais do trabalho, concretizando o devido respeito à dignidade humana e ga-
rantindo a plena satisfação dos direitos humanos fundamentais, em prol do
desenvolvimento sustentável do país.
Palavras-chave: revolução tecnológica; economia de mercado global; Organiza-
ção Internacional do Trabalho; Trabalho decente.
ABSTRACT: This paper aims to address the technological advances that shape
the Fourth Industrial Revolution, with serious and relevant repercussions on
labor relations. As the International Labor Organization’s Declarations have
pointed out – at the height of its 100 years of foundation – the changes intro-
duced by economic globalization have been producing remarkable economic
growth for only a few in the world and social backlash for the vast majority
of people who depend on decent work to live with dignity. This is particularly
true for Brazil, given its high unemployment rates and the significant increase
in social inequality. However, in the light of the constitutional principles and
rules in line with the norms of the International Treaties of Human Rights,
which include the ILO’s normative set, the adoption of new legal mechanisms
and competent strategies by the public authorities is required under of the De-
mocratic Rule of Law, in order to achieve a more humane capitalist system, and
to effectively reconcile free enterprise with the social values of labor, with due
respect to human dignity and the fulfillment of fundamental human rights, in
favor of the sustainable development of the country.
Keywords: Technological revolution; Global market economy; International
Labor Organization- Decent work.

1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS
O presente ensaio trata do impacto dos avanços tecnológicos, em ritmo
bem acelerado, a provocar significativas mudanças na organização e no desem-
penho do processo produtivo. Se, de um lado, o ritmo dessas transformações
promove o progresso no desenvolvimento de muitas atividades empresariais,
do outro, vem gerando incertezas e instabilidades nas relações pessoais, prin-
cipalmente no mundo do trabalho.
Essa verdadeira revolução técnica e científica está conectada ao poderio
econômico centrado em grandes conglomerados transnacionais com programas
de qualidade altamente capitalizados. Reforça a facilidade de que dispõem na
circulação de informações e de seus produtos, nos países em desenvolvimento,
porém, sem a eles oferecer alternativas. Afastados de quaisquer limites e responsa-
bilidade social, visam ao aumento inexorável de suas margens de lucro. Com isso,
266 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

a competição no mercado global se torna cada vez mais selvagem, a exigir sempre
mais diferentes formas de gerenciamento da produção de bens e de serviços.
Tais tendências chegam a ameaçar inclusive as bases da democracia
duramente conquistada, porque se voltam sobremaneira a minimizar o Esta-
do-nação, principalmente aquele que não incentiva o exercício da cidadania na
defesa dos interesses comuns, por meio de uma relevante participação social.
Assim, torna-se incapaz de regular a ordem econômica e, por consequência, de
ditar novas políticas sociais, bem como de defender e expandir as existentes.
É visível o afastamento de projetos de investimento social, principalmente nas
áreas de educação, segurança e saúde.
As imposições do mercado globalizado, assim fomentadas pela conside-
rável expansão da tecnologia e da informação, não levam em conta os valores
éticos, morais e de solidariedade. Desse modo, propiciam a eliminação maciça
de empregos e a manutenção de uma alarmante desigualdade social a imperar
em todo planeta. Para o enfrentamento desse triste panorama, no âmbito
interno brasileiro, os princípios e regras constitucionais têm como direcionar
a conduta ética dos poderes públicos, para a realização dos objetivos funda-
mentais da República Federativa do Brasil, a fim de assegurar a todos existência
digna (CRFB/1988, artigos 3º. e 170).
Nessa mesma direção, os Tratados Internacionais de Proteção dos Di-
reitos Humanos têm como influenciar fortemente a adoção e imposição de
medidas democráticas de condução das Ordens Econômica e Financeira, em
vista de um progresso social que, majoritariamente, depende de um desenvol-
vimento sustentável lastreado na valorização do trabalho humano.
Em 22 de janeiro de 2019 foi publicado um estudo em comemoração
aos 100 anos da Organização Internacional do Trabalho intitulado “Trabalhar
para um futuro com mais promessa”, que também será utilizado como base
no presente momento.
É o que se propõe a tratar neste ensaio.

2. MUNDO DO TRABALHO EM PERMANENTE


TRANSFORMAÇÃO
A busca pelo progresso tecnológico, no âmbito da economia global ca-
pitalista, acarreta não apenas a flexibilização dos direitos dos trabalhadores,
mas, também, a precarização do trabalho humano. A observância e aplicação
dos direitos trabalhistas, historicamente padronizados, são considerados como
sério empecilho ao crescimento econômico do país.
Dinaura Godinho Pimentel Gomes – Marco Antônio César Villatore 267

A globalização conduz à monopolização e ao enfraquecimento de forças


produtivas nacionais, causando déficits comerciais nos mais diversos países.
Isto porque a expansão e forte influência de grandes empresas, que agem em
qualquer lugar do planeta, impõem sempre novos métodos de produção, fo-
cados exclusivamente no incessante aumento de seus fluxos de capital. Por
decorrência, contrariam as aspirações históricas voltadas à justiça social.
Parte dessa realidade vem, assim, retratada por Carlos Eduardo Martins:
A globalização produz amplas mudanças na economia política do capital. Ela
eleva as escalas de produção e cria uma divisão do trabalho tecnicamente in-
tegrada, que passa a operar no mercado internacional da economia-mundo.
As tecnologias de informação viabilizam a integração global da gestão de uma
empresa [...].
Cria-se um movimento global, ainda não inicial, de descentralização dos ativos
de produção dos países centrais, que afeta profundamente regiões da periferia.
As grandes empresas passam a articular sua produção em escala mundial [...].
Os países dependentes se articulam numa divisão internacional do trabalho em
que dirigem cada vez mais sua produção para o mercado mundial. O trabalho
superexplorado nesses países se articula a níveis tecnológicos cada vez mais ele-
vados, por meio do planejamento integrado das empresas globais.3

A competição global, assim estruturada, torna-se cada vez mais impiedosa.


Passa a exigir inovações generalizadas mediante a expansão de tecnologias digitais,
o que provoca a fusão de interesses de blocos econômicos dominantes. Com isso,
impõe a constante reestruturação das empresas nacionais, o que, em grande parte,
favorece a exclusão social pela decorrente ausência de empregos. A abertura de
novas vagas favorece, principalmente, trabalhadores capacitados para a inovação
e criatividade permanentes, em plena desenvoltura de sua versatilidade.
Nesse contexto, ressalta Jeffry A. Frieden:
A concorrência estrangeira fechou as portas de dezenas de milhares de fábricas
e pôs fim a dezenas de milhões de postos de trabalho nas indústrias da Europa
Ocidental e na América do Norte. As fábricas dos países ricos não conseguem
competir com os manufaturados vindos da Ásia, América Latina ou Europa
Oriental, onde os salários correspondem a 10% dos praticados na Europa ou
nos Estados Unidos [...]. Governos abrem suas fronteiras à economia mundial
e oferecem a alguns cidadãos o potencial para alcançar riqueza e sucesso, o que
pode condenar outros cidadãos a condições difíceis e dolorosas.
Não há como evitar os efeitos negativos inerentes ao capitalismo global. E não
há como medir se o sofrimento de um trabalhador cujo emprego foi perdido
por causa da globalização valer mais que os benefícios gerados a um trabalhador
3 MARTINS, Carlos Eduardo. Globalização, Dependência e Neoliberalismo, na América Latina. São Paulo:
Boitempo, 2011, p. 118/119.
268 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

por um emprego que depende da globalização.4

Desse modo, verifica-se a expansão de empresas com equipes de empre-


gados cada vez mais enxutas, submetidas ao cumprimento de múltiplas tarefas
ao mesmo tempo. Direcionam seu foco para o avanço da inteligência artificial,
através da robotização, visando ao aumento da produtividade com menos
custos e mais rapidez. Para tanto, o conhecimento vem destacado como o mais
importante fator de produção, como aponta prestigiosa doutrina:
O conhecimento que, graças ao livre autodesenvolvimento dos homens, como
todas as suas qualidades insubstituíveis, e não graças à sua instrumentalização e
dominação, tornou-se a principal força produtiva [...].
A queda de braço entre trabalhadores do conhecimento e o capital está em plena
efervescência. Há uma disputa sem precedentes entre o movimento do software
livre e as empresas que dominam as tecnologias de informação.
Trabalhadores do conhecimento são contratados a peso de ouro para compor
departamentos de desenvolvimento de software em grandes empresas como a
Apple e a Microsoft. Muitas vezes, são chamados para compor a direção das
empresas e se tornarem sócios.5

Com efeito, todas as difusas e negativas tendências do capitalismo, manifes-


tadas pela globalização econômica, são voltadas, não raro, à busca da expansão da
figura dos gestores de negócios e tecnologias, auxiliados por técnicos polivalentes
qualificados, os quais têm sido submetidos à constante capacitação com sobre-
carga de trabalho. Por outro lado, uma grande massa de trabalhadores, alijada
da possibilidade de acesso à educação de qualidade e à contínua requalificação
profissional, nesses moldes exigidos, acaba sendo duramente considerada inepta
e excluída da evolução do processo civilizatório. Permanece à margem, inclusive,
da tutela jurídica. Para garantir sua mantença, esses trabalhadores são lançados
no setor informal da economia, ou, quando muito, aproveitados para a prestação
de serviços temporários, muitas vezes, a título precário, o que agrava a pobreza
e aumenta os índices de desigualdade social.
A propósito, Noam Chowski, ao tratar da hodierna insegurança dos tra-
balhadores americanos, salienta com muita precisão:
Atualmente, os americanos têm carga horária muito maior do que a de tra-
balhadores de outros países comparáveis no nosso, e isso exerce sobre nossos
cidadãos um efeito disciplinador – na forma de menos liberdade, menos tempo
para o lazer e para pensar, mais necessidade de obedecer a ordens dos superiores

4 FRIEDEN, Jeffry A. Capitalismo Global: história econômica e política do Século XX. Trad. Vivian Man-
nheimer. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008, p. 500.
5 CONSENTINO, Carlo. Direito do Trabalho, Tecnologias da Informação e da Comunicação: impactos nas
relações individuais, sindicais e internacionais de trabalho. Belo Horizonte: Editora RTM, 2018, p. 291-292.
Dinaura Godinho Pimentel Gomes – Marco Antônio César Villatore 269

e assim por diante. São grandes os efeitos suscitados por esse estado de coisas.
Vemos hoje os dois membros adultos de várias famílias trabalhando, porém suas
famílias estão entrando em colapso, pois não possuem a contraparte de serviços
públicos como as das nações com condições econômicas semelhantes às nossas.
No entanto, para os donos do mundo, está tudo ótimo. Eles obtêm lucros enor-
mes. Contudo, para a maior parte da população, a situação é desoladora. Esses
dois sistemas, financeirização e terceirização internacional da produção, fazem
parte dos processos que nos levaram ao círculo vicioso da concentração de ri-
queza e de poder. Os industriais ainda continuam ganhando muito dinheiro,
mas seus meios de produção estão em terras estrangeiras. A maior parte dos
lucros das maiores empresas americanas vem do exterior, e isso cria todo tipo
de oportunidades para se transferir para o restante da população o fardo de se
manter em condições mínimas de sobrevivência.6

Como se nota, persiste essa triste realidade de exclusão social daqueles


desprovidos de poder e de riqueza, apesar da formidável previsão de normas
internacionais de proteção dos direitos humanos; princípios e regras cons-
titucionais ditados pelo Estado-nação, além das normas legais duramente
conquistadas, no decorrer de um longo processo de evolução histórica. Por
sua vez, o sindicato, visto e reconhecido institucionalmente como entidade
indispensável ao diálogo social, para viabilizar melhores condições de trabalho
e de vida aos seus representados, sofre o enfraquecimento de sua atuação, o que
impõe aos estudiosos repensar sua natureza e seu âmbito de atuação.
Ademais, a ação governamental e as políticas públicas tendem a perder
sua efetividade com sérios prejuízos no âmbito social e, até mesmo, nas ordens
econômica e financeira. A economia não prospera em situações, como essas,
dominadas por incertezas, principalmente quando as regras jurídicas são sub-
metidas a constantes mutações, fragilizando a tomada de decisões no âmbito
empresarial. Novos negócios não se concretizam, o que dificulta a geração de
renda com sérios reflexos negativos na retomada de postos de trabalho, cada vez
mais reduzidos. É o resultado de um círculo vicioso, não raro, estabelecido pela
própria ineficiência de decisões governamentais, respaldadas pela discrepante
burocracia, reprimindo oportunidades de investimento.
A transformação de tal realidade depende da tomada de sérias medidas
governamentais voltadas a restabelecer a segurança jurídica, associada aos ideais
de estabilidade e de previsibilidade, como preleciona Humberto Ávila:
Só se pode planejar e agir quando há segurança para planejar e para agir. Se-
gurança é, deste modo, um meio de realização das liberdades individuais [...].

6 CHOMSKI, Noam. Réquiem para o sonho americano: os dez princípios de concentração de riqueza e poder.
Trad. Milton Chaves de Almeida. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2017, p. 56/57.
270 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Afinal, quem não pode confiar nas condições jurídicas para a realização de seus
atos guardará distância das grandes realizações, já que a liberdade significa, jus-
tamente, a possibilidade de plasmar a própria vida de acordo com os próprios
projetos [...].
A segurança jurídica também é um elemento objetivo do ordenamento jurídi-
co. Ela é um meio de atingir o bem de todos. Quando há um elevado grau de
insegurança, o indivíduo evita ações que estimulam a integração. Com isso, a
cooperação social é reprimida.
A segurança jurídica é, igualmente, um meio de garantir a dignidade da pessoa
humana. O respeito à dignidade abrange o tratamento do homem como pessoa
capaz de planejar o seu futuro. O homem é um ser orientado para a ação futura,
que procura, no seu agir, estabilizar o futuro. A garantia da dignidade engloba,
pois, o respeito da autonomia individual do homem. A insegurança jurídica
prejudica, enfim, a vida dos cidadãos.7

Exsurge desta sintética análise que o neoliberalismo dominante busca


limitar a efetiva atuação do Estado no âmbito socioeconômico, justamente para
preservar as estruturas financeiras favoráveis a poucos e em total desprestígio
da maioria da população desprovida de poder e de riqueza.
Mesmo assim, como se vive em uma sociedade de trabalho, impõe-se antes
de tudo valorizar o trabalho humano. A redução da taxa do desemprego estru-
tural depende basicamente do desenvolvimento do país, lastreado na educação
de qualidade, na justa distribuição da riqueza e criação de novas tecnologias. Por
isso, urge dar relevância à capacitação sistemática da mão de obra, para o enfren-
tamento da contemporânea revolução, ora denominada 4ª. Revolução Industrial.
Portanto, exige-se tal redirecionamento para enfrentar a imposição permanente
de readaptações das habilidades laborais favoráveis ao desenvolvimento de inte-
ligência artificial nos diversos setores da economia de mercado.
Tratando desse tema, Klaus Schwab salienta que “as novas tecnologias
mudarão drasticamente a natureza do trabalho em todos os setores e ocupações. A
incerteza fundamental tem a ver com a quantidade de postos de trabalho que serão
substituídos com a automação”.8
Nessa senda, sobre do impacto de tecnologias emergentes e de outros
consideráveis fatores no mercado de trabalho, Klaus Schwab, assim preleciona:
No mundo de amanhã, surgirão muitas novas posições e profissões, geradas não
apenas pela quarta revolução industrial, mas também por fatores não tecnológicos,

7 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica. Em Permanência, Mudança e Realização do Direito Tributário. São
Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 34, 63 e 64.
8 SCHWAB, Klaus. A Quarta Revolução Industrial. Trad. Daniel Moreira Miranda. São Paulo: Edipro, 2016,
p. 42.
Dinaura Godinho Pimentel Gomes – Marco Antônio César Villatore 271

como pressões demográficas, mudanças geopolíticas e novas normas sociais e


culturais. Hoje, não podemos prever exatamente o que acontecerá, mas estou
convencido de que o talento, mais que o capital, representará o fator crucial da
produção. Por essa razão, a escassez de uma força de trabalho capaz, mais que
a disponibilidade de capital, terá maior probabilidade de constituir o limite
incapacitante de inovação, competitividade e crescimento [...].
Essas pressões também irão nos forçar a reconsiderar o que entendemos por ‘alta
competência’ no contexto da quarta revolução industrial. As definições tradicio-
nais de trabalho qualificado dependem da presença da educação avançada ou
especializada e um conjunto definido competências inscritas a uma profissão ou
domínio de especialização. Dada a crescente taxa das mudanças tecnológicas, a
quarta revolução industrial exigirá e enfatizará a capacidade dos trabalhadores
em se adaptar continuamente e aprender novas habilidades e abordagens dentro
de uma variedade de contextos.9

Como se percebe, os novos equipamentos de trabalho gerados pelas tec-


nologias de ponta poderão causar a eliminação de funções e de postos de
trabalho ainda existentes, embora a prestação de serviços por conta de outrem,
a configurar a condição de empregado, continuará sendo imprescindível. Para
tanto, urge dar ênfase à promoção de educação de qualidade, pois o conheci-
mento continuará sendo a mola propulsora para a criação e a manutenção de
novos postos de trabalho.10
É por meio de um sistema eficiente de educação, em todos os níveis,
principalmente quando voltados à formação profissional competente, que
possibilita a inclusão social de grande parte dos trabalhadores, no seio de uma
sociedade regida pelo Estado Democrático de Direito. É o que bem sustenta
Mauricio Godinho Delgado, ao aduzir que “a incorporação de todas as pessoas
à estrutura e à dinâmica do sistema político, econômico, social e cultural é nuclear
à ideia e à prática da Democracia”.
Para ele, “essa incorporação tem de se materializar por meio de políticas públi-
cas e normas jurídicas, em face de ser o capitalismo incapaz, pelo exercício e dinâmica
de suas meras forças de mercado, de realizar semelhante processo inclusivo”.
Desse modo, segundo o citado mestre e ministro do Tribunal Superior
do Trabalho, incumbe à ordem jurídica trabalhista de cada sociedade e a cada
9 Ibidem, p. 51.
10 De acordo com um relatório do Fórum Económico Mundial, a automação colocará cerca de 75 milhões de
empregos em risco mas, por outro lado, deverá criar cerca de 133 milhões de novos postos de trabalho. Os
robots deverão substituir cargos em empresas de contabilidade, fábricas e correios, bem como em funções
de secretariado e trabalho de caixa. Estes trabalhadores, diz o Fórum Económico Mundial, precisarão atua-
lizar as suas competências. Outras profissões, por outro lado, necessitarão de empregados para os trabalhos
criados pela automação, nomeadamente na análise de dados, criadores de software, especialistas em redes
sociais. Disponível em: <https://www.noticiasaominuto.com/tech/1083141/robots-vao-criar-58-milhoes-de-
-empregos-nos-proximos-quatro-anos. Acesso em: 22.08.2019.
272 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Estado “a função decisiva de realizar social e economicamente a Democracia,


concretizando, em boa medida, seu objetivo de permanente de inclusão das corres-
pondentes populações”.11
Em total sintonia, a vigente Constituição da República Federativa do
Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988, elege o valor da dignidade
humana como um dos fundamentos do regime político democrático que
instaurou e institucionalizou (art. 1º., inc. III). Para tanto, proclama a pre-
valência dos direitos humanos (art. 4º., inc. II) e a exequibilidade plena dos
direitos fundamentais (em seu preâmbulo). Alarga a dimensão desses direitos
para alcançar os direitos sociais (arts. 6º., 7º. e 8º.). Proclama que a livre
iniciativa não pode estar dissociada da valorização do trabalho humano, ao
qual se reporta, igualmente, como princípio supremo da ordem constitucio-
nal e fundamento da ordem econômica (art. 1º., inc. IV, combinado com
o art. 170). Amplia as condições de igualdade, quando realça a necessária
observância dos “ditames da justiça social”.
Adotando-se esse perfil democrático, torna-se possível fortalecer a par-
ticipação social de todos os cidadãos, em prol da existência de uma sociedade
menos desigual, mesmo em razão dos efeitos nefastos da globalização.
O grande desafio do processo de globalização que tem como ápice a atual socie-
dade de informação é mudar radicalmente suas ações no contexto das sociedades,
pois no momento em que ele promove a integração global, esta é essencialmente
de caráter econômico, ferindo o campo cultural e político da sociedade, criando
uma cidadania global apenas para aqueles que fazem parte de tal processo. Ou
seja, trata-se de incluir os indivíduos por meio das novas tecnologias e fazer com
que as novas ferramentas auxiliem na criação do direito para além dos interesses
econômicos, para que a cidadania além das fronteiras tenha sentido.12

Impõe-se admitir, portanto, que a prestação de serviços dos assalariados


por conta de outrem continua sendo relevante na maior parte do mundo, como
meio indispensável para se prover a vida com dignidade. Para tanto, deverá per-
sistir o pleno reconhecimento e a defesa da centralidade do trabalho humano
nos ordenamentos jurídicos dos países ocidentais, em prol do bem de todos.
Nesse sentido, urge centralizar interesses no restabelecimento da primazia
do trabalho como expressão da pessoa humana, jungida ao fortalecimento da
11 DELGADO, Mauricio Godinho. Relação de Emprego e Relações de Trabalho: a retomada do expansionis-
mo do Direito Trabalhista. In: SENA, Adriana Goulart de. Dignidade Humana e inclusão social: caminho
para a efetividade do direito do trabalho no Brasil/ Adriana Goulart de Sena; Gabriela Neves Delgado;
Raquel Portugal Nunes. São Paulo: LTr, 2010, p. 17.
12 Nas palavras de NASCIMENTO, Valéria Ribas. A Redefinição da Cidadania na era da Sociedade da Infor-
mação: (Im)Possibilidade para além das fronteiras dos Estados Nacionais. In: Direito e Novas Tecnologias:
Desafios à Proteção de Direitos na Sociedade em Rede. SILVA, Rosane Leal da; OLIVEIRA, Rafael Santos
de. (Orgs.). Curitiba: Editora Íthala, 2017, p. 189.
Dinaura Godinho Pimentel Gomes – Marco Antônio César Villatore 273

concepção institucional e comunitária de empresa, no pleno exercício de sua


função social, à luz do art. 170 da CRFB.
Alberto Asquini, lastreando-se na doutrina institucionalista, conceitua a
empresa como “toda organização de pessoas – voluntária ou compulsória – em-
basada em relações de hierarquia e cooperação entre seus membros, em função de
um escopo comum”.
Prosseguindo, enfaticamente preleciona com muita clareza:
Na empresa como organização de pessoas, compreendendo o empresário e os
seus colaboradores, concentram-se todos os elementos característicos da institui-
ção: o fim comum, isto é, a conquista de um resultado positivo, socialmente útil,
que supera os fins individuais do empresário (intermediação, lucro) e dos empre-
gados (salário); o poder ordenatório do empresário em relação aos trabalhadores
subordinados; a relação de cooperação entre esses; a consequente formação de
um ordenamento interno da empresa, que confere às relações de trabalho, além
do aspecto contratual e patrimonial, um particular aspecto institucional. Cer-
tamente a configuração da empresa como instituição toma relevo somente nas
empresas de maiores dimensões, mas isso não impede de se considerar como ins-
tituição, também, a pequena empresa, de base familiar: pode-se dizer que, em tal
caso, a empresa, como instituição, tende a coincidir com a instituição familiar.13

É desse modo que se realça a importância do papel institucional da em-


presa direcionado ao exercício de sua função social. Integra empreendedores e
empregados não apenas voltados aos interesses de cada um, mas principalmente
à promoção social de toda comunidade que dela depende direta e indiretamente.
Por certo, o que se obtém, ao final, é uma ampla participação econômico-social
dos membros dessa coletividade que, aos poucos, se materializa na solução de
questões locais, ancorada em valores de solidariedade humana, no exercício de
uma cidadania ativa em prol de todos, devidamente conectada com uma socieda-
de em rede. Por conseguinte, são fatores tendentes a fortalecer o multilateralismo
direcionado a combater a exclusão social em todas as esferas do planeta.

3. DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS


DOS TRABALHADORES EM VISTA DA REALIZAÇÃO
DA JUSTIÇA SOCIAL E O RELEVANTE PAPEL DA
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO
Como já se destacou, a força da organização das cadeias globais,
13 ASQUINI, Alberto. Perfis da Empresa (Profili dell’empresa). Trad. de Fábio Konder Comparato. In: Revista
de Direito Mercantil, n. 104, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p. 123/124. Disponível em: <https://
pt.scribd.com/document/342236754/Alberto-Asquini-Perfis-de-Empresa- pdf?doc_id=342236754&down-
load=true&order=450372885. Acesso em: 22.10.2018.
274 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

principalmente quando voltada preferencialmente à especulação no mercado


financeiro, influencia a ação governamental e as políticas públicas, muitas vezes
em total afronta aos princípios e às regras constitucionais em vigência.
Ora, o Estado-nação não deve estar a serviço de grandes conglomerados,
como seu instrumento privado, para o alcance de suas finalidades essencial-
mente voltadas à maximização de lucros. Ao contrário, mesmo no âmbito de
um sistema capitalista sob o comando de um mercado econômico globalizado,
cumpre-lhe regular e conduzir a ordem econômica ao alcance do bem de todos,
executando suas permanentes políticas públicas (CRFB, art. 3º., inciso IV e art.
170). Assim, ao fomentar e, até mesmo, subsidiar o crescimento econômico do
País, nos seus diversos setores, o Estado tem como garantir segurança, direito à
saúde e o acesso à educação de qualidade. Através de tal atuação, competente
e transparente, podem resultar melhores condições materiais à permanente
capacitação profissional de trabalhadores, em razão das frequentes exigências
lançadas pelas lideranças produtivas globais constituídas em redes.
Em outras palavras, mediante a realização dos direitos fundamentais
sociais, dando-se mais destaque ao investimento substancial em educação, prin-
cipalmente no ensino fundamental e médio, tornam-se acessíveis as necessárias
condições para se reagir contra os efeitos nefastos das forças da globalização e do
constante impacto de novas tecnologias, como propõe Anthony B. Atkinson:
Elevar o nível de capacitação da força de trabalho torna o país mais capacitado
a se beneficiar da globalização. Haverá mais beneficiados e menos prejudicados
[...]. Essa conclusão parece estar totalmente alinhada com a estratégia adotada
pela União Europeia e outros países desenvolvidos, de priorizar o investimento
em educação: “Capacitar as pessoas com as habilidades corretas para as profissões
de hoje e de amanhã”, é uma das iniciativas do programa Europa 2020.14

Além disso, para ser mantido um padrão civilizatório mínimo, urge


centralizar interesses no fortalecimento da função social de toda e qualquer
empresa, que assim se compromete com a satisfação dos ideais de Justiça Social
(CRFB, art. 170). Portanto, acima dos interesses voltados a lógica produtiva e
econômica, mantém-se a exigência de se possibilitar o alcance de uma econo-
mia mais humanista em benefício de todos. Assim, novos caminhos devem ser
percorridos, novos desafios devem ser afrontados, para, de novo, ser combatido
o modo desenfreado de exploração humana, principalmente em razão da exi-
gência de trabalho precário e informal que tanto agrava a pobreza.
Sob a égide do Estado Democrático de Direito, há inúmeros mecanismos

14 ATKINSON, Anthony B. Desigualdade: o que pode ser feito. Trad. Elisa Câmara. São Paulo: Le Ya, 2015,
p. 117/118.
Dinaura Godinho Pimentel Gomes – Marco Antônio César Villatore 275

jurídicos previstos para se restaurar e resguardar a efetividade do direito ao


trabalho decente, devidamente assegurado inclusive por normas internacionais
dos direitos humanos. Desse modo, assim dispõe o Pacto Internacional de
Direitos Econômicos Sociais e Culturais, em seu artigo 6º.:
As Partes do presente Pacto reconhecem o direito ao trabalho, que
compreende o direito de toda pessoa de ter a possibilidade de ganhar a vida
mediante um trabalho livremente escolhido ou aceito, e tomarão medidas
apropriadas para salvaguardar esse direito.
Em complemento, o artigo 7º. assegura enfaticamente o direito de toda
pessoa a condições justas de trabalho e a uma remuneração que “assegure, no
mínimo, uma existência decente para o trabalhador e sua família”.15
Nesse contexto, sob a inspiração e a força impositiva dos Tratados Interna-
cionais dos Direitos Humanos, o Estado Democrático de Direito se apresenta
como o principal agente de processos de transformação social, salvaguardan-
do também, pela sua intervenção, a eficiência da ordem econômica. Assim,
tem como exigir eficazmente dos agentes econômicos, no exercício da livre
iniciativa, o pleno comprometimento com o respeito da dignidade da pessoa
humana em total sintonia com os valores de igual liberdade e segurança. Para
tanto, vincula o direito de propriedade ao alcance de um fim social, conforme
os ditames da Justiça Social. É o que impõe a Constituição da República Fe-
derativa do Brasil, em seu art. 170, caput.
A propósito, eis o que preleciona Gilberto Bercovici:
A previsão do valor social da livre iniciativa como fundamento da ordem eco-
nômica constitucional significa que a livre iniciativa não é garantida em termos
absolutos, mas como atividade que contribui para o progresso da sociedade. Por
mais ampla que seja a concepção de “‘valor social”, o significado mínimo diz
respeito a algo não individualista. A iniciativa privada é limitada e suscetível de
ser vinculada positivamente na direção de utilidade social.16
15 Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
Art. 6º. 1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito ao trabalho, que compreende o direito
de toda pessoa de ter a possibilidade de ganhar a vida mediante um trabalho livremente escolhido ou aceito,
e tomarão medidas apropriadas para salvaguardar esse direito.
Art. 7º. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de gozar de condições de
trabalho justas e favoráveis, que assegurem especialmente:
a) Uma remuneração que proporcione, no mínimo, a todos os trabalhadores:
i) Um salário equitativo e uma remuneração igual por um trabalho de igual valor, sem qualquer distinção;
em particular, as mulheres deverão ter a garantia de condições de trabalho não inferiores às dos homens e
perceber a mesma remuneração que eles por trabalho igual;
ii) Uma existência decente para eles e suas famílias, em conformidade com as disposições do presente Pacto...”.
Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm. Acesso em: 24.10. 2018.
16 BERCOVICI, Gilberto. A iniciativa Econômica na Constituição Brasileira de 1988. In: Estado e Consti-
tuição: estado social e poder econômico face a crise global. MORAES, José Luís Bolsan de [Org. et. al.].
Florianópolis: Empório do Direito, 2015, p. 50.
276 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Impõe-se, portanto, uma atuação ativa e imprescindível dos poderes pú-


blicos contra a força compulsiva da desregulamentação do mercado. Nesses
moldes, o Estado, ao concretizar seu papel de garantir a funcionalidade e a
eficiência da economia de índole capitalista, passa a ter reais condições de
assegurar a todos o bem comum (CRFB, art. 3º., inciso IV), tudo de modo a
obter eficácia política e jurídica aliada à inseparável dimensão ética e finalista.
A propósito, eis o que preleciona Jürgen Habermas:
Sob uma visão da teoria do direito, o multiculturalismo suscita em primeira linha
a questão sobre a neutralidade ética da ordem jurídica e da política. Denomino
éticas, nesse contexto, todas as questões que se referem a concepções do bem
viver ou da vida não malograda. Questões éticas não se deixam julgar sob o ponto
de vista ‘moral’ que se pergunta se algo é ‘igualmente bom para todos’; sobre o
fundamento de valorações intensas, pode-se avaliar bem melhor o julgamento
imparcial dessas questões com base na autocompreensão e no projeto de vida
perspectivo de grupos em particular, ou seja, no que é ‘bom para nós’, mas a
partir da visão do todo manifestada por esses grupos.17

Quando se promove o bem de todos (CRFB, art. 3º., inciso IV), eficaz-
mente, o direito à vida digna se concretiza sem exceções, eis que tem como
parâmetro o valor Justiça. Assim, podem ser combatidas as selvagens projeções
do capitalismo, que causam exclusões no âmbito social, econômico e cultural.
Sob esse aspecto, deixa de prevalecer a ideia de sobrevivência do mais apto com
o descarte do inapto, nas palavras de Ricardo Hasson Sayeg e Wagner Balera,
que ainda asseveram o seguinte:
O neoliberalismo acredita na intervenção mínima do Estado, segundo a qual
deve-se permitir que – por meio da famosa “mão invisível“ de Adam Smith – a
economia siga a maré de sua própria dinâmica e selvageria [...].
Por sua vez, a grave crise ocorrida em 2008 no sistema financeiro global – que
estendeu a destruição do capitalismo às pessoas mais favorecidas – demonstrou
definitivamente que o capitalismo precisa ser salvo dos capitalistas neoliberais.
Uma resposta deve ser dada a eles, e a melhor resposta é a humanização da
economia de mercado, deslocando deontologicamente o capitalismo neoliberal:
do ser – que corresponde ao estado de natureza, selvagem e desumano – para o
dever-ser da concretização multidimensional dos direitos humanos mediante a
universal dignificação da pessoa humana.18

Nesse cenário, a atuação positiva do Estado poderá render oportunida-


des necessárias de também ser garantido e melhor observado o princípio da

17 HABERMAS, Jürgen. A luta por reconhecimento no Estado Democrático de Direito. In: A inclusão do ou-
tro: estudos de teoria política. Trad. Georg Sperber; Paulo Astor Soethe [UFPR]. São Paulo: Edições Loyola,
2002, p. 243.
18 SAYEG, Ricardo Hasson; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista. Petrópolis: KBR. 2011, p. 24-25.
Dinaura Godinho Pimentel Gomes – Marco Antônio César Villatore 277

conservação da empresa. Por isso, constitui impostergável tarefa dos poderes


públicos competentes, à luz da Constituição da República Federativa do Brasil,
estabelecer diretrizes para o exercício da atividade econômica tendentes à for-
malização de uma ordem futura capaz de garantir, eficazmente, o direito à vida
com dignidade. É por meio do trabalho decente que a maioria das pessoas se
torna incluída no meio social, em condições de traçar seu próprio destino, no
pleno exercício de sua autonomia e cidadania.19
A propósito, para Oscar Vilhena:
Estão diretamente relacionadas ao exercício da cidadania as liberdades de pen-
samento, consciência, convicção filosófica e política, expressão, manifestação e
reunião, protegidas pelo art. 5º., da Constituição Federal, bem como as con-
dições materiais básicas à existência digna, como educação, trabalho, saúde
e segurança, asseguradas pelo art. 6º. do texto constitucional. Esses direitos
constituem o esteio da cidadania e da formação de uma sociedade civil plural,
flexível e capaz de criar alternativas para o exercício do poder. A cidadania ainda
acarreta um conjunto de obrigações que impõe a harmonização dos interesses e
direitos individuais à realização recíproca dos direitos dos demais membros da
comunidade e dos direitos da coletividade.20

Nos âmbitos econômico e social, para a maioria das pessoas, principal-


mente para aquelas desprovidas de bens e de poder, a realidade aponta que
apenas através do trabalho decente, em favor de outrem, torna-se possível
adquirir o status de cidadão, como partícipe da sociedade. Significa que os
direitos sociais trabalhistas básicos passam a ser dotados de efetividade e ple-
namente assegurados quando há o real desempenho de um trabalho decente.
Desta condição de cidadão, por envolver uma relação de mão dupla, emerge,
ao mesmo tempo, a assunção de responsabilidades perante a comunidade em
que se insere. Assim, “uma participação democrática que se impõe passo a passo
cria com o status da cidadania uma nova dimensão de solidariedade mediada
juridicamente”, nas palavras de Habermas.21
Por isso, antes de se buscar, no mundo do trabalho, a desregulamenta-
ção ou a flexibilização da legislação trabalhista, considerada vetusta em várias

19 Nesse sentido, Pedro Demo, ao tratar da exclusão social, fundando-se em Schnaper, pontua que, “embora a ex-
clusão esteja estreitamente ligada à solidão e à desagregação social, o emprego continua preponderante para
definir a condição social do indivíduo”. Reproduz o pensamento de Robert Castel que define a marginalidade
como “uma produção social que encontra sua origem nas estruturas da base da sociedade, na organização do
trabalho e no sistema de valores dominantes a partir dos quais se repartem os lugares e se fundam as hierar-
quias, atribuindo a cada um sua dignidade ou sua indignidade social”. In: DEMO, Pedro. Charme da exclusão
social: polêmicas do nosso tempo. 2. ed. Campinas: Autores Associados, 2002, p. 20-21.
20 VIEIRA, Oscar Vilhena. Direitos Fundamentais: uma leitura da jurisprudência do STF. 2. ed. São Paulo:
Malheiros, 2017, p. 547.
21 HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. Trad. Georg Sperber; Paulo Astor
Soethe [UFPR]. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p. 128.
278 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

disposições, torna-se imprescindível expandir, cada vez mais, o sentimento


constitucional em prol da realização dos direitos humanos e fundamentais
mediante a revitalização do primado da liberdade, bem espelhado nos direitos
civis e políticos em sintonia com o primado da igualdade, consubstanciado
nos direitos sociais, econômicos e culturais. Sobreleva a necessária cooperação
internacional no sentido de humanizar a globalização em prol do respeito à
dignidade humana associado à valorização do trabalho no mundo.
Peter Häberle, defende o valor integrador da Constituição a inspirar
as relações entre Estados, no sentido da formação do “Estado Constitucional
Cooperativo”, nos seguintes termos:
A cooperação internacional não se limita apenas à cooperação entre Estados. A
modernização dos veículos e meios de comunicação é, também, em nível so-
cietário, motivo de uma superação das fronteiras nacionais e da construção da
sociedade internacional. O Estado Constitucional cooperativo colocou o desafio
da cooperação internacional também no plano “social” privado. A transferência
(e, ocasionalmente, também, o comprometimento) de políticas estatais econô-
micas e de desenvolvimento para outras políticas voltadas para o comércio de
empresas multinacionais somente pode ser vinculada, socialmente, pela coope-
ração internacional dos Estados e ser obrigada ao cumprimento de objetivo de
segurança econômica coletiva. Os esforços por um “Código de comportamento
para empresas multinacionais”, no âmbito da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico – OECD, são um primeiro passo para a realização
desse postulado. Desde que estejam preparadas a assumir sua responsabilidade
social correspondente à sua influência no plano internacional, elas deveriam,
como fatores da integração econômica privada, não mais ser combatidas como
fatores prejudiciais da vida econômica internacional, e sim, serem promovidas
como complemento da cooperação estatal no plano societário.22

Voltada à realização desses mesmos objetivos, a Organização Interna-


cional do Trabalho – OIT – aprovou, em 19 de junho 1998, a “Declaração
da OIT sobre princípios e direitos fundamentais no trabalho”, invocando a fiel
observância do respeito aos direitos fundamentais, mediante o acesso a um
trabalho adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equi-
dade e segurança, capaz de assegurar uma vida digna. Desse modo, ao buscar
a renovação do compromisso universal entre Países Membros, a Declaração
conclama a todos à realização do “objetivo de manter o vínculo entre progresso
social e o crescimento econômico”, de modo a “assegurar aos próprios interessados

22 O Estado Constitucional Cooperativo vem conceituado por Peter Häberle como “o Estado que justamente
encontra a sua identidade também no Direito Internacional, no entrelaçamento das relações internacionais
e supranacionais, na percepção da cooperação e responsabilidade internacional, assim como no campo da
solidariedade. Ele corresponde, com isso, à necessidade internacional de políticas de paz”. In: HÄBERLE,
Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Trad. Marcos Augusto Maliska e Elisete Antoniuk. Rio de Janeiro
– São Paulo- Recife: Renovar, 2007, p. 4.
Dinaura Godinho Pimentel Gomes – Marco Antônio César Villatore 279

a possibilidade de reivindicar livremente e em igualdade de oportunidades uma


participação justa nas riquezas a cuja criação têm contribuído, assim como a de
desenvolver plenamente seu potencial humano”.23
O conjunto normativo da OIT, que tem natureza de direitos humanos,
vem buscando trazer equilíbrio às relações trabalhistas, no âmbito interna-
cional, para salvaguardar o acesso ao trabalho decente, no decorrer de um
longo período de cem anos. Por meio da citada Declaração, a OIT releva a
necessária observância, pelos Estados Membros, mesmo sem a ratificação cor-
respondente das disposições previstas em suas Convenções, das quais destaca
como fundamentais os princípios e direitos relativos à liberdade sindical e ao
reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; à eliminação de todas
as formas de trabalho forçado ou obrigatório; à abolição efetiva do trabalho
infantil; e à eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação.24
Espelha seu compromisso de renovação das práticas internacionais exis-
tentes, para assegurar a manutenção efetiva das conquistas sociais do passado
em prol da melhoria progressiva das condições de vida e de trabalho para todas
as pessoas, sem qualquer exclusão, compatíveis com a dignidade humana. Por-
tanto, para os Estados Membros, como o Brasil, emerge o dever de cumprir
efetivamente as Convenções e Recomendações Internacionais da OIT, para,
assim, garantir a evolução progressiva dos direitos humanos, no âmbito dos
quais se destacam os direitos dos trabalhadores.
Nessa senda, Rúbia Zanotelli de Alvarenga, ao fazer suas considerações
sobre a citada Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho
de 1988, assevera o seguinte:
A aplicabilidade e a efetividade das Convenções Fundamentais da OIT no Brasil
são de suma importância, por este país estar inserido em um mundo cada vez
mais globalizado, que prioriza a prevalência do lucro desordenado e a redução
do Estado Social em detrimento da dignidade de todo ser humano que vive (ou
que sobrevive) do trabalho.
Portanto, adotá-las implica proteger o ser humano em toda sua magnitude. O
Brasil clama com urgência (ou com emergência) por uma sociedade comprome-
tida com a conscientização, com a adoção, com a promoção e com a proteção
dos valores sociais pela formação de uma ordem ético-jurídica voltada para o
desenvolvimento humano e social e para o bem-estar do trabalhador [...].

23 Declaração da OIT sobre os princípios e direitos fundamentais no trabalho. In: Constituição da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) e seu Anexo (Declaração de Filadélfia). In: SCALÉRCIO, Marcos; MIN-
TO, Tulio Martinez. Normas da OIT organizadas por temas. São Paulo: LTr, 2016, p. 414.
24 Declaração da OIT sobre os princípios e direitos fundamentais no trabalho. In: Constituição da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) e seu Anexo (Declaração de Filadélfia). In: SCALÉRCIO, Marcos; MIN-
TO, Tulio Martinez. Normas da OIT organizadas por temas. São Paulo: LTr, 2016, p. 414.
280 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

A finalidade e o objeto do Direito Internacional do Trabalho são universalizar os


princípios de justiça social, assim como, para além, buscar a uniformização das
normas jurídicas dos Estados-Membros ou signatários da OIT. Ademais, também
constitui finalidade desta Organização, a partir de sua estrutura normativa, esta-
belecer – pelo princípio da vedação do retrocesso social – a progressividade dos
direitos sociais dos trabalhadores pela sua ampliação em âmbito internacional.25

Dando seguimento ao reforço dos valores que vem defendendo em suas


Convenções Internacionais, a OIT também lançou a Declaração sobre Justiça
Social para uma Globalização Justa, que foi adotada pela Conferência Inter-
nacional do Trabalho na 97ª. Sessão, em Genebra, em 10 de junho de 2008.
Reflete um amplo consenso sobre a necessidade de se alcançar uma globali-
zação mais humanista, para que todos tenham acesso aos melhores resultados
conquistados, por meio de um trabalho digno.
Nesse sentido, a Conferência reconhece e declara, entre outros itens,
o seguinte:
Num contexto marcado por mudanças aceleradas, os compromissos e esforços
dos Membros e da Organização visando a colocar em prática o mandato consti-
tucional da OIT, particularmente pelas normas internacionais do trabalho, para
situar o pleno emprego produtivo e o trabalho decente como elemento central
das políticas econômicas e sociais, deveriam basear-se nos quatro igualmente
importantes objetivos estratégicos da OIT, sobre os quais se articula a Agenda
do Trabalho Decente e que podem resumir-se da seguinte forma:
[..] promover o emprego criando um entorno institucional e econômico susten-
tável de modo que os indivíduos possam adquirir e atualizar as capacidades e
competências necessárias que permitam trabalhar de maneira produtiva para sua
própria realização pessoal e bem-estar coletivo [..]; respeitar, promover e aplicar
os princípios e direitos fundamentais no trabalho, que são de particular impor-
tância, tanto como direitos como condições necessárias para a plena realização
dos objetivos estratégicos [...].26

Emerge do inteiro teor da citada Declaração o reconhecimento dos be-


nefícios da globalização. Todavia, destaca a necessidade de adoção de políticas
públicas para a manutenção de trabalho digno, por meio do qual os resultados
daí advindos se revertam em favor de todos, de forma equitativa. Salienta, para
tanto, ser imprescindível a adoção de novas estratégias, pelos governos dos
Estados associados, aos empregadores e trabalhadores, em vista da realização
da justiça social.
25 ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. A declaração de princípios e direitos fundamentais no trabalho de 1988
e as convenções fundamentais da OIT comentadas. São Paulo: LTr, 2018, p. 121.
26 Declaração da OIT sobre Justiça Social para uma Globalização Justa. Disponível em: https://www.
ilo.org/wcmsp5/groups/public/—-americas/—-ro-lima/—-ilo-brasilia/documents/genericdocument/
wcms_336918.pdf: > Acesso em: 24.11. 2018.
Dinaura Godinho Pimentel Gomes – Marco Antônio César Villatore 281

Trata-se, portanto, de uma Declaração “renovada de fé na OIT”. Por isso


tem por base os valores e princípios consagrados em sua Constituição para
enfrentar e vencer os desafios do Século XXI.
Assim, denota-se que a Organização Internacional do Trabalho está
sempre atenta às transformações que vêm ocorrendo no mundo do trabalho
e se preocupa com o futuro do trabalho no planeta, realçando a observân-
cia dos princípios de proteção do trabalho, a serem adequados às diversas
variações de emprego, de forma mais dinâmica e evolutiva. Nesse sentido,
a OIT criou, em 30 de agosto de 2017, a Comissão Global sobre o Futuro
do Trabalho:
La Comisión Mundial sobre el Futuro del Trabajo inició sus trabajos en oc-
tubre de 2017 por invitación del Director General de la OIT. Durante el año
siguiente, se reunió en cuatro ocasiones, la última de las cuales tuvo lugar en
noviembre de 2018. Hemos entablado una conversación progresiva sobre todos
los aspectos relativos al mundo del trabajo, en el curso de la cual se han defi-
nido cuáles son los principales problemas y las oportunidades que se plantean
y hemos tratado de formular algunas recomendaciones sobre las medidas que
deberían tomar todas las partes interesadas, en particular los gobiernos, los
empleadores y los sindicatos.27

E se complementa explicando que:


Esse novo organismo global “deverá realizar uma investigação aprofundada sobre
o futuro do trabalho, a fim de fornecer uma base analítica para garantir a concreti-
zação da justiça social no século XXI. A Comissão irá focar especialmente na relação
entre trabalho e sociedade, no desafio de criar empregos decentes para todos, na
organização do trabalho e da produção e na governança do trabalho”.28

Em janeiro de 2019, ano de aniversário de 100 anos da OIT, foi publi-


cado um trabalho importante:
Los avances tecnológicos – la inteligencia artificial, la automatización y la robó-
tica – crearán nuevos puestos de trabajo, pero quienes van a perder sus trabajos
en esta transición podrían ser los menos preparados para aprovechar las nuevas
oportunidades. Las competencias de hoy no se ajustarán a los trabajos de mañana
y las nuevas competencias adquiridas pueden quedar desfasadas rápidamente.
La ecologización de nuestras economías creará millones de puestos de trabajo a
medida que adoptemos prácticas sostenibles y tecnologías limpias; en cambio,
otros puestos de trabajo desaparecerán cuando los países vayan reduciendo pro-
gresivamente sus industrias basadas en el carbón y en el uso intensivo de los

27 Informe de la Comisión Mundial sobre el Futuro del Trabajo. Disponível em: http://www.cuestaduarte.org.
uy/noticias/item/730-informe-de-la-comisi%C3%B3n-mundial-sobre-el-futuro-del-trabajo. Acesso em:
24.11. 2018.
28 Com 28 membros, OIT lança Comissão Global sobre o Futuro do Trabalho. Disponível em: <https://www.
ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_571065/lang—pt/index.htm.> Acesso em: 22.08.2019.
282 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

recursos. La evolución demográfica no es un factor desdeñable. Si bien es cierto


que el aumento de la población juvenil en algunas regiones del mundo y el en-
vejecimiento de la población en otras pueden ejercer presión sobre los mercados
de trabajo y los sistemas de la seguridad social, estos cambios abren nuevas vías
que nos brindan la posibilidad de contar con sociedades activas, basadas en los
cuidados y la inclusión.
Tenemos que aprovechar las posibilidades que nos brindan estas transforma-
ciones profundas para crear un futuro más prometedor y conseguir seguridad
económica, igualdad de oportunidades y justicia social; así como, en última
instancia, reforzar nuestro tejido social.
Aprovechar el momento: Revitalizar el contrato social.29

Nesse cenário, urge desenvolver cada vez mais uma cultura local – tanto
pelos poderes públicos, quanto pela própria sociedade – que favoreça a plena
aplicação dessas normas internacionais de proteção dos direitos humanos. Por
decorrência, abre-se a oportunidade de favorecer, em quaisquer circunstâncias,
o acesso ao trabalho decente para toda pessoa em busca da satisfação de suas
necessidades e do real sentido de sua vida, por meio de suas realizações de
ordem econômica, social e cultural.
O trabalho publicado em final de janeiro de 2019 traz a sua importância,
da seguinte forma:
Un programa centrado en las personas.
Proponemos un programa centrado en las personas para el futuro del trabajo que
fortalezca el contrato social, situando a las personas y el trabajo que realizan en
el centro de las políticas económicas y sociales y de la práctica empresarial. Este
programa se asienta en tres ejes de actuación, que combinados entre sí generarían
crecimiento, igualdad y sostenibilidad para las generaciones presentes y futuras:
(…)
1. APROVECHAR EL MOMENTO
Nuestra subsistencia se basa en el trabajo. Gracias al trabajo podemos satisfacer
nuestras necesidades materiales, evitar la pobreza y construir una vida digna.
Más allá de satisfacer nuestras necesidades materiales, el trabajo puede contribuir
a darnos una sensación de identidad, de pertenencia y de propósito. También
amplía el abanico de opciones que se nos presentan y nos permite vislumbrar
un futuro más optimista.
El trabajo también tiene importancia colectiva al establecer una red de conexio-
nes e interacciones que forjan la cohesión social. La organización del trabajo y
de los mercados laborales es esencial para determinar el grado de igualdad que

29 Trabajar para un futuro más prometedor. Disponível em: <https://www.ilo.org/infostories/es-ES/Campaigns/


future-work/global-commission#intro> Acesso em 29 de janeiro de 2019.
Dinaura Godinho Pimentel Gomes – Marco Antônio César Villatore 283

alcanzan nuestras sociedades.30

Espera-se que as supracitadas premissas sejam realmente adotadas pelas


sociedades como um todo, para que os cidadãos consigam trilhar seus cami-
nhos com dignidade.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No âmbito de uma sociedade democrática, como a nação brasileira – à
luz da Constituição da República Federativa do Brasil e sob a inspiração da
força vinculante dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos – cumpre
ao Estado direcionar a atuação dos agentes econômicos à obtenção do bem de
todos, no pleno exercício de sua função social, conforme os ditames da Justiça
Social (CRFB, art. 170).
Por decorrência, alicerçadas numa parceria socioeconômica, emergem as
condições de se buscar a ampliação de sistemas de informação a possibilitar
a transferência e a adaptação de novas tecnologias advindas de países mais
desenvolvidos, nos mais diversos campos. Tudo de forma a motivar novos
e rentáveis negócios, associados ao compromisso de geração de empregos
decentes. Nesse particular, a contínua capacitação técnico-profissional dos tra-
balhadores tornou-se indispensável para o enfrentamento dos desafios impostos
pela contemporânea revolução tecnológica no mundo do trabalho.
De forma transparente, incumbe, portanto, ao Estado adotar regras segu-
ras para estimular empresas ao alcance de etapas mais progressistas e inovadoras
de produção, mediante estímulos fiscais com diminuição da carga tributária e
menos burocracia. Assim, mediante alocação de recursos públicos, jungida a
plataformas de internacionalização, tem como reger com segurança o desen-
volvimento do país, de forma mais sustentável.
Desses meios institucionais, assim previstos e sedimentados, renderá
ensejo à adoção de diretrizes necessárias para a redução da desigualdade social,
atualmente em níveis elevadíssimos, o que também legitima o investimento
público na proteção dos mais vulneráveis.
Trata-se, portanto, de relevantes estratégias para também se comba-
ter o domínio de especulações financeiras que não propiciam empregos,
crescimento e, muito menos, inovações tecnológicas. Portanto, no âmbito
governamental, à luz da Lei Maior, urge conciliar, de fato, os valores sociais

30 Trabajar para un futuro más prometedor. Disponível em: <https://www.ilo.org/infostories/es-ES/Campaigns/


future-work/global-commission#intro> Acesso em 29 de janeiro de 2019.
284 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

do trabalho e da livre iniciativa num ambiente de efetiva concretização do


direito de todos à existência digna.
Em tal dimensão e mediante qualificada educação – devidamente asse-
gurada e implementada como um dos direitos sociais – o trabalhador jamais
poderá ser visto e considerado como um mero objeto da atividade econô-
mica, mas, sim, devidamente respeitado como sujeito de direitos humanos
e fundamentais.
Nestes termos, torna-se possível traçar e realizar o perfil de uma economia
de mercado mais humanista, guiada por princípios democráticos a propiciar
avanços tecnológicos, crescimento econômico e prosperidades sociais, de modo
a promover o bem de todos, principalmente através do acesso ao trabalho
decente, como bem exalta a Organização Internacional do Trabalho – OIT.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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A IMPOSSIBILIDADE DA CUMULAÇÃO DOS
ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE
À LUZ DO PRECEDENTE JUDICIAL CONSTITUÍDO
PELO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO
ATRAVÉS DO INCIDENTE DE RECURSO DE REVISTA
REPETITIVO EM 2019: UMA NECESSÁRIA ANÁLISE
CONSTITUCIONAL E CONVENCIONAL DO TEMA 17
THE IMPOSSIBILITY OF ACCUMULATION OF ADDITIONAL PAY
FOR HAZARDOUSNESS AND INSALUBRITY IN THE LIGHT OF THE
JUDICIAL PRECEDENT CONSTITUTED BY THE SUPERIOR COURT
OF WORK THROUGH THE INCIDENT OF REPETITIVE MOTION
TO REVIEW IN 2019: NECESSARY CONSTITUTIONAL AND
CONVENTIONAL ANALYSIS OF THEME 17

Cláudio Jannotti da Rocha1


Ailana Santos Ribeiro2
Helena Emerick Abaurre3

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo fazer análise constitucional e


convencional do precedente judicial constituído pelo TST, em 2019, a partir
do incidente de recurso de revista repetitivo (Tema 17), que decidiu pela a im-
possibilidade da cumulação dos adicionais de periculosidade e de insalubridade.
Utiliza-se do método de dedutivo, consubstanciado no critério qualitativo, em
pesquisa doutrinária, legal e jurisprudencial.
1 Cláudio Jannotti da Rocha é Professor Adjunto do Curso de Direito da Universidade Federal do Espírito Santo
(UFES). Doutor e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC MINAS).
Coordenador do Grupo de Pesquisa Trabalho, Seguridade Social e Processo: diálogos e críticas (UFES-CNPq).
Pesquisador do Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidadania (UnB-CNPq). Membro da RENA-
PEDTS e da RETRABALHO. Membro do Instituto de Ciências Jurídicas e Sociais. Pesquisador (ICJS). Autor
de livros e artigos publicados no Brasil e no Exterior. Advogado.
2 Ailana Ribeiro é Professora de Direito do Trabalho do Instituto de Educação Continuada da PUC Minas.
Mestre em Direito do Trabalho, linha de pesquisa “Trabalho, modernidade e democracia”, pela PUC MI-
NAS. Pós-graduada em Direito Material e Processual do Trabalho pela PUC Minas. É pesquisadora do
Grupo de Pesquisa: Trabalho, Seguridade Social e Processo: diálogos e críticas (UFES-CNPq). Pesquisadora
no grupo de pesquisa “Retrabalhando o Direito” (RED), integrante da RENAPEDTS. Servidora do Tribunal
Regional do Trabalho da 3ª Região.
3 Helena Emerick Abaurre é graduanda do curso de Direito da Universidade Federal do Espírito Santo e pesqui-
sadora do Grupo de Pesquisa Trabalho, Seguridade Social e Processo: diálogos e críticas, da (UFES-CNPq).
CLÁUDIO JANNOTTI DA ROCHA – AILANA SANTOS RIBEIRO – HELENA EMERICK ABAURRE 287

Palavras chave: Incidente de Recurso de Revista Repetitivo; Precedente Judicial;


Acumulação; Constituição. Convenção 155 da OIT.
ABSTRACT: This article aims to make a constitutional and conventional
analysis of the judicial precedent set by the TST in 2019, from the incident of
repetitive motion to review appeal (Theme 17), which decided that it is impos-
sible to accumulate the hazardous and unhealthy work additional pay. It is used
the deductive method, embodied in the qualitative criterion, based in doctrinal,
legal and jurisprudential research.
Keywords: Incident of Repetitive Motion Review; Judicial precedent; Accumu-
lation; Constitution. ILO Convention 155.

1. INTRODUÇÃO
Saúde e a segurança são questões que encontram-se relacionadas direta-
mente e implicitamente ao surgimento do Direito do Trabalho, tendo em vista
as condições deploráveis, perversas e sub-humanas que os trabalhadores vive-
ram nos séculos XVIII e XIX, que acarretaram número alarmante de acidente
de trabalho. Portanto, falar nestes temas significa discorrer também sobre as
fontes materiais, fatores propulsores ao próprio desenvolvimento e sedimenta-
ção do ramo juslaborativo, tanto no espectro nacional, como no internacional.
Daí a sua extrema relevância no cenário jurídico e social no qual estão inseridas
as relações trabalhistas.
O Direito do Trabalho emergiu no século XX, como produto do sistema
capitalista, através do Estado Social, estando, por isso, ligado à linha evolutiva
do sistema de produção industrial e do próprio capitalismo. A relação empre-
gatícia é o objeto nuclear do direito laboral, sendo perceptível exatamente ao
longo do movimento de eclosão e expansão da Revolução Industrial (séculos
XVII e XVIII), com a vinculação da mão de obra livre ao sistema produtivo
capitalista que se buscava consolidar.
O Estado Social de Direito é fruto do constitucionalismo social, iniciado
no México (1917) e na Alemanha (1919), quando foram criados direitos so-
ciais (trabalho, saúde, educação, alimentação, previdência, habitação e outros)
com patamar constitucional. Logo após, outras nações, principalmente as
ocidentais, passaram a constitucionalizar os direitos sociais inspirados nesses
dois países. Essa modalidade estatal é capitaneada justamente pelo Direito
do Trabalho.
O processo de formação e consolidação da relação empregatícia, molda-
do pelo que se denomina de sistema da grande indústria, serviu à conjuntura
288 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

econômica deflagrada com a Revolução Industrial. Isso porque, ao combinar


liberdade pessoal com subordinação, foi peça indispensável para potencializar,
ao máximo, não só a inteligência produtiva, sistematizada e objetivada do ser
humano, como a produtividade do trabalho ao longo dos últimos dois séculos
e meio, hipótese subliminar da dominação.
Em prol de uma produtividade acelerada e de insaciável desejo de
lucratividade pelos grandes empresários industriais, no entanto, nenhuma
atenção era destinada aos trabalhadores que, reduzidos à condição de meros
operadores de máquinas, a essas eram preteridos. Como consequência, in-
vestia-se todo o capital na aquisição de maquinário produtivamente potente,
destinando-se apenas o mínimo ao trabalhador, alvo de salários ínfimos e
condições de trabalho aviltantes.
Ao se adentrar nas fábricas que fomentaram a Revolução Industrial era
inevitável deparar-se principalmente com crianças e mulheres despejados em
galpões sujos, onde realizavam movimentos repetitivos exaustivamente, ao
longo de jornadas intermináveis. E, em meio à total ausência de segurança na
realização de suas atividades, o cansaço físico e mental decorrente da pressão
patronal por produtividade, drásticos acidentes, contaminação por doenças
infecciosas e mortes eram acontecimentos corriqueiros no ambiente fabril.
Em contraposição à perpetuação desse cenário altamente perigoso e in-
salubre é que foi desenvolvida a Medicina do Trabalho, inicialmente restrita a
uma atuação apta a restaurar a produtividade dos trabalhadores doentes. Esse
modus operandi dos médicos do trabalho, inclinado muito mais a atender a
interesse patronal do que ao próprio trabalhador, permaneceu evidente até
início do século XX, quando uma produção normativa de caráter preventivo
passou a ser defendida pela então recém fundada Organização Internacional
do Trabalho (OIT). Com isso, as atenções da Medicina do Trabalho deixaram
de concentrar-se apenas no doente, e o trabalhador passou a ser percebido e
compreendido como espécie de vítima em potencial, cuja saúde e integridade
física deveriam ser constantemente protegidas.
Conforme leciona Sebastião Geraldo de Oliveira4:
O incremento da produção em série, após a Revolução Industrial, deixou à
mostra a fragilidade do trabalhador na luta desleal com a máquina, fazendo cres-
cer assustadoramente o número de mortos, mutilados, doentes, órfãos e viúvas.
Nesse período é que surgiu a etapa da “Medicina do Trabalho”, cuja característica
principal foi a colocação de um médico no interior da empresa para atender ao

4 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Estrutura normativa da segurança e saúde do trabalhador no Brasil.
Revista do Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região, v.45, n.75, jan./jun., 2007, p. 109.
CLÁUDIO JANNOTTI DA ROCHA – AILANA SANTOS RIBEIRO – HELENA EMERICK ABAURRE 289

trabalhador doente e manter produtiva a mão-de-obra. Surgiram também as


primeiras leis a respeito do acidente do trabalho, primeiramente na Alemanha,
em 1884, estendendo-se a vários países da Europa nos anos seguintes, até chegar
ao Brasil, por intermédio do Decreto Legislativo n. 3.724, de 15 de janeiro de
1919. A criação da Organização Internacional do Trabalho – OIT – pelo Tratado
de Versalhes incrementou a produção das normas preventivas, tanto que, já na
sua primeira reunião no ano de 1919, foram adotadas seis convenções, que direta
ou indiretamente visavam à proteção da saúde, bem-estar e integridade física
dos trabalhadores, porquanto tratavam da limitação da jornada, desemprego,
proteção à maternidade, trabalho noturno das mulheres, idade mínima para
admissão de crianças e trabalho noturno dos menores.

A seara da Medicina do Trabalho apenas foi fortalecida e elastecida em


meados do século XX, quando se iniciou a fase da Saúde Ocupacional, carac-
terizada por atendimento médico voltado às origens dos problemas de saúde
suportados pela classe obreira. No Brasil, nesse mesmo período, o conceito de
saúde foi ampliado com a criação da Organização Mundial de Saúde (OMS),
em 1946: foram ampliadas as normas de segurança e medicina do trabalho, ins-
tituindo os Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e Medicina do
Trabalho – SESMT – e as Comissões Internas de Prevenção de Acidentes – CIPA.
Em 1977, foi então editada a Lei 6.514, responsável por inserir alterações
no Capítulo V, do Título II da CLT, que trata “Da Segurança e da Medicina do
Trabalho”. Dentre as diversas inovações e regulamentações advindas de tal lei, todas
elas com o condão de atenuar a exposição do trabalhador aos riscos inerentes às
atividades por ele desenvolvidas, ganharam relevo no ordenamento jurídico bra-
sileiro as figuras do adicional de insalubridade e do adicional de periculosidade.
Desde então, apesar de previstos pela Constituição da República Fede-
rativa do Brasil de 1988 (CF/88) como direitos do trabalhador, o dever de
eliminação ou redução dos agentes perigosos e insalubres pelos empregadores
tornou-se a grande expressão do intuito protetivo à saúde e segurança do traba-
lhador. Por esta razão, ergue-se enquanto problemática a análise do precedente
judicial constituído pelo TST, em 2019, a partir do incidente de recurso de
revista repetitivo (Tema 17), que decidiu pela a impossibilidade da cumulação
dos adicionais de periculosidade e de insalubridade.
Buscar-se-á comprovar a hipótese de que a cumulação, pela interpretação
das convenções da OIT seria não somente viável, mas devida aos trabalhadores
expostos a ambos agentes nocivos, de tal feita que entendimento contrário ameaça
ser dissonante ao progresso jurídico, social e ao caráter teleológico, civilizatório,
democrático e, sobretudo, constitucionais, ínsitos ao Direito do Trabalho.
290 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Os aspectos jurídicos atinentes a cada um desses adicionais serão abor-


dados em apartado, para que, seja possível analisar constitucionalmente o
recente posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho desfavorável à
cumulação em comento.
Será utilizada a metodologia qualitativa, na perspectiva dedutiva, con-
substanciada na doutrina e na jurisprudência e lei nacional e internacional,
destacando-se as Convenções nº 148 e nº 155 da Organização Internacional
do Trabalho a fim de se concluir que, a partir da interpretação holística dos
princípios, e dos instrumentos normativos, ora fontes do Direito do Trabalho,
seria viável, do ponto de vista jurídico, a cumulação dos adicionais de insalu-
bridade e de periculosidade por futuro overruling.

2. DOS ASPECTOS JURÍDICOS DOS ADICIONAIS DE


INSALUBRIDADE E DE PERICULOSIDADE
2.1. O ADICIONAL DE INSALUBRIDADE
A palavra insalubre, do latim insalūbris, numa visão genérica e perfunctó-
ria, consiste em qualidade apta a caracterizar tudo aquilo que é pouco saudável,
capaz de causar doenças.
No âmbito jurídico, no entanto, esse conceito foi aprimorado e, de certa
forma, estreitado pelo art. 189 da CLT, que, ao definir o que são, para fins
legais, atividades insalubres, assim dispõe:
Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua na-
tureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes
nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e
da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.

Aportando-se no aludido dispositivo e combinando-o com art. 190 do


mesmo diploma legal, pode-se conceituar as atividades ou operações insalubres
como aquelas definidas em quadro aprovado pelo Ministério do Trabalho, que
pela natureza, condições ou métodos de trabalho expõem os empregados a
agentes químicos, físicos ou biológicos, em níveis de tolerância superiores aos
limites estabelecidos pelas normas reguladoras.
Regulamentadas atualmente pela Norma Regulamentadora n° 15 (NR-
15), as atividades insalubres são todas aquelas mencionadas nos anexos n.º 6,
13 e 14 da NR-15, cujos limites de tolerância encontram-se especificados nos
anexos n.º 1, 2, 3, 5, 11 e 12 da mesma norma. A exemplo, cita-se as atividades
exercidas sob condições hiperbáricas e aquelas que implicam a exposição do
CLÁUDIO JANNOTTI DA ROCHA – AILANA SANTOS RIBEIRO – HELENA EMERICK ABAURRE 291

trabalhador a radiações ionizantes.


O trabalho em condições insalubres, ainda que intermitente, envolve
maior perigo para a saúde do trabalhador e, por isso mesmo, ocasiona aumento
na remuneração do empregado, conforme Súmula 47 do TST. Cumprindo
essa finalidade, o art. 192 da CLT estabeleceu que o exercício do trabalho
em condições insalubres assegura ao empregado a percepção de adicionais de
10%, 20% ou 40% sobre o salário mínimo da região, conforme classificados
em graus mínimo, médio ou máximo, respectivamente.
Uma vez apresentada em juízo demanda na qual o trabalhador requeira a
concessão do adicional de insalubridade, será necessário que o juiz, para fins de
caracterização e classificação da insalubridade arguida, designe perito (Médico
ou Engenheiro do Trabalho), cujo laudo instruirá a decisão do magistrado.
Por força de interpretação jurisprudencial conferida pela Seção de Dissídios
Individuais I (SDI-I), consubstanciada em sua OJ n. 4, para que se conceda ao
empregado o direito ao respectivo adicional é imprescindível que, além da cons-
tatação da insalubridade por laudo pericial, a atividade por ele realizada esteja
prevista pelo quadro oficial elaborado pelo Ministério da Economia.
No que se refere à sua base de incidência, determina o art. 192 da CLT
ser esta o salário mínimo, ficando aqui ressalvada a existência de recente en-
tendimento do Supremo Tribunal Federal, Súmula Vinculante 4, no sentido
de considerar que a vinculação do cálculo do adicional ao salário mínimo
contraria o disposto no art. 7°, IV da CF/88.
Há, ainda, disposição legal no sentido de impor ao empregador a neu-
tralização ou eliminação da insalubridade por meio da adoção de medidas de
conservação do ambiente do trabalho, bem como o dever de fornecer equipa-
mentos de proteção individual (EPI’s) que reduzam a intensidade dos efeitos
decorrentes da exposição aos agentes agressivos, tudo conforme art. 191 da CLT.

2.2. O ADICIONAL DE PERICULOSIDADE


Diversamente daquelas eivadas de insalubridade, as atividades ou opera-
ções perigosas, em virtude da sua própria natureza ou do método de trabalho,
colocam o trabalhador em condições de risco acentuado.
Conforme preceitua o art. 193 da CLT, esse risco acentuado pode decorrer
da exposição permanente do trabalhador a inflamáveis, explosivos ou energia
elétrica e roubos ou outras espécies de violência física em atividades de segu-
rança patrimonial ou pessoal. Recentemente, esse rol foi ampliado pela Lei nº
12.997, publicada em 20/06/2014, que inseriu o parágrafo 4° ao art. 193 da
292 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

CLT, determinando que o trabalho em motocicleta também caracteriza ativi-


dade perigosa.
A legislação trabalhista, ao discorrer acerca da caracterização da periculo-
sidade, refere-se à exposição em caráter permanente do trabalhador a condições
de risco. No entanto, o Colendo Tribunal Superior do Trabalho, por meio da
Súmula nº 364, cuja redação foi alterada pela Resolução 174 de 2011, passou
a entender plenamente possível a concessão do adicional de periculosidade ao
trabalhador que, ainda que intermitentemente, realize atividades perigosas.
Quanto a esta situação leciona Márcio Túlio Viana5:
Tal como acontece com o adicional de insalubridade, o de periculosidade é
devido no trabalho intermitente; mas indevido no eventual, o mesmo acontecen-
do, segundo o TST, se o tempo de exposição é extremamente reduzido (Súmula
n. 364). Mas esta última conclusão é discutível: embora a CLT exija exposição
permanente com explosivos ou inflamáveis (art. 193), essa permanência deve ser
entendida como a exposição rotineira, ainda que por tempo muito curto: afinal,
pode-se perder a vida em um minuto....
O adicional que é devido aos empregados que se encontram submetidos
aos requisitos legais é objetivamente fixado pelo art. 193, parágrafo 1º da CLT,
no percentual de 30%, incidente sobre o salário do empregado. O mesmo dis-
positivo faz a ressalva expressa de que estarão incluídas na base de incidência
os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participação nos lucros
da empresa. Ainda nesse sentido, a Súmula nº 132, do TST esclarece que o
adicional de periculosidade pago em caráter permanente integrará o cálculo de
indenização e de horas extras, uma vez que a sua feição é salarial.
A caracterização da periculosidade, assim como ocorre com a insalubri-
dade, também se dá através de laudo pericial confirmativo da situação de risco,
elaborado por Médico do Trabalho ou Engenheiro do Trabalho. Entretanto,
para que a formação do convencimento do magistrado se dê no sentido de ser
devido o respectivo adicional, será necessário observar se a situação de risco in
concreto enquadra-se nos requisitos regulamentares aprovados pelo Ministério.
Foi editada em 1978 a NR-16, responsável por regulamentar as atividades
e operações perigosas, especificando atividades (dentro daquelas genericamente
citadas pelo art. 193 da CLT) e delimitando as respectivas áreas de risco.
O adicional de periculosidade é devido, conforme Súmula nº 364, I, do
TST, quando o empregado estiver exposto permanentemente ou que, de forma
intermitente, sujeita-se a condições de risco, sendo indevido, apenas, quando
5 VIANA, Márcio Túlio. A proteção social do trabalhador no mundo globalizado – O Direito do trabalho
no limiar do século XXI. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, n. 37, 2000, p. 119.
CLÁUDIO JANNOTTI DA ROCHA – AILANA SANTOS RIBEIRO – HELENA EMERICK ABAURRE 293

o contato dá-se de forma eventual, assim considerado o fortuito, ou o que,


sendo habitual, dá-se por tempo extremamente reduzido. Segundo o inciso
II, a fixação do adicional de periculosidade, em percentual inferior ao legal e
proporcional ao tempo de exposição ao risco, deve ser respeitada, desde que
pactuada em acordos ou convenções coletivos.

2.3. NATUREZA JURÍDICA E CONSIDERAÇÕES GERAIS


ACERCA DOS ADICIONAIS
Ambos os adicionais que constituem objeto de análise do presente
trabalho correspondem, nas palavras de Maurício Godinho Delgado6, a
“parcelas contraprestativas suplementares devidas ao empregado em virtude
do exercício do trabalho em circunstâncias tipificadas mais gravosas”. São
parcelas pagas pelo empregador em adição à parcela salarial principal a que
o empregado faz jus em decorrência de infortúnios a que se encontra sujeito
no exercício de sua atividade laboral.
Via de regra consistem em expressão pecuniária. Contudo, realça Mau-
rício Godinho Delgado7, ser plenamente possível a convenção de que parcelas
de tal natureza sejam pagas em utilidades, a exemplo do que se opera com o
adicional de fronteira.
O entendimento hegemônico tanto em termos de doutrina quanto de
jurisprudência é no sentido de que, vez que nitidamente contraprestativo,
já que pago diretamente pelo empregador em virtude da relação de em-
prego, o adicional é provido de natureza salarial. Nessa tônica, integram o
ordenamento jurídico hodierno algumas Súmulas do Tribunal Superior do
Trabalho, dentre elas a de nº 248:
A reclassificação ou descaracterização da insalubridade, por ato da autoridade
competente, repercute na satisfação do respectivo adicional, sem ofensa ao direito
adquirido ou ao princípio da irredutibilidade salarial.

Não dispõe de respaldo legal e jurisprudencial o entendimento de que as


parcelas pagas a título de adicionais possuam caráter indenizatório, mas sim
salarial, gerando, portanto, todos os reflexos salariais.
Contudo, no que se refere ao princípio trabalhista da irredutibilidade
salarial, Maurício Godinho Delgado8 faz importante ressalva quanto a uma
peculiaridade jurídica dos adicionais:

6 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18ª ed. São Paulo: Ltr 2019, p. 789.
7 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18ª ed. São Paulo: Ltr 2019, p. 789.
8 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18ª ed. São Paulo: Ltr 2019, p. 789.
294 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Embora sendo salário, os adicionais não se mantêm organicamente vinculados


ao contrato, podendo ser suprimidos, caso desaparecida a circunstância tipificada
ensejadora de sua percepção durante certo período contratual. São, desse modo, o
exemplo mais transparente do chamado salário condição, acolhido reiteradamente
pela jurisprudência (ilustrativamente, Súmulas 60 e 265, 291, 80 e 248, TST) e
por textos legais trabalhistas (ilustrativamente, arts. 194 e 469, parágrafo 3°, CLT).
O enquadramento dos adicionais de insalubridade e periculosidade na
categoria de “salário-condição”, cuja repercussão prática é a possibilidade de
sua supressão, encontra-se explicitado pelo art. 194 da CLT. Tal dispositivo,
determina a cessação do direito aos adicionais de insalubridade e periculosidade
uma vez que eliminado o risco à saúde ou integridade física do empregado, nos
termos da regulamentação do Ministério.
Nessa tônica, Valentin Carrion9 assevera ser a integração do adicional
no contrato de trabalho relativa, haja vista a possibilidade legal de que seja
suprimido quando deixar de persistir a agressão nociva à pessoa do trabalhador.
Quanto à classificação doutrinária desses adicionais, nos termos do que
leciona Maurício Godinho Delgado10, ambos constituem hipótese de “adicional
legal abrangente”. Legais, simplesmente por encontrarem-se previstos em lei.
Abrangentes, porque, ao contrário do que se opera com os adicionais de caráter
restrito, aplicam-se a qualquer empregado que se enquadrar nas circunstâncias
tipificadas em lei e regulamentadas pelas NR’s do Ministério da Economia,
pouco importando a categoria profissional a que pertençam.
Expostas as características e peculiaridades dos adicionais de insalubri-
dade e periculosidade em conformidade com o que se extrai do texto da CLT,
passa-se agora a análise conglobada do ordenamento jurídico no que se refere
às normas de saúde e segurança do trabalhador, com ênfase na regulamenta-
ção dos adicionais em questão, bem como aos critérios que devem reger a sua
interpretação e aplicação pelos magistrados trabalhistas.

2. A INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL E
CONVENCIONAL DAS NORMAS TRABALHISTAS
2.1. UMA VISÃO CONGLOBADA DAS NORMAS DE SAÚDE
E SEGURANÇA DO TRABALHADOR
O complexo normativo atualmente existente, responsável por disciplinar

9 CARRION, Valentim. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. Atualizado por Eduardo Car-
rion. 36.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 219.
10 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18ª ed. São Paulo: Ltr 2019, p. 789.
CLÁUDIO JANNOTTI DA ROCHA – AILANA SANTOS RIBEIRO – HELENA EMERICK ABAURRE 295

e garantir, no plano fático, a preservação da saúde e segurança do trabalhador


brasileiro é, simultaneamente, farto e esparso. E, dada a relevância do tema,
uma vez que repercute diretamente na dignidade da pessoa do trabalhador,
não poderia ser diferente.
O robusto e mais importante respaldo legal em meio às normas de origem
nacional encontra-se insculpido pelo art. 196 da CRFB/88, que consagra a
saúde como direito de todos e dever do Estado, o que permite inferir que, no
plano trabalhista, conforme aduz Sebastião Geraldo de Oliveira11, a saúde é
direito do trabalhador e dever do empregador.
Ainda na esfera constitucional, o art. 7°, XXII, introduz como direito
dos trabalhadores urbanos e rurais a redução dos riscos inerentes ao trabalho
através de normas de saúde, higiene e segurança, e em seu inciso XXIII assegura
o adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas.
A preocupação do legislador constituinte não orbitou apenas em torno da
monetização dos riscos e infortúnios suportados pelos trabalhadores, indo além
ao impor aos empregadores o dever de sempre tender a eliminação ou redução
dos agentes perigosos e insalubres. Nesse sentido, Valentin Carrion12 afirma que
a preocupação relativa aos efeitos de agentes agressivos sobre a pessoa humana
emana não apenas da Medicina do Trabalho, mas, sobretudo, da lei.
O art. 5°, parágrafo 2° da CRFB/88 estabeleceu que os direitos e ga-
rantias expressos no texto constitucional não excluem outros decorrentes do
regime e princípios por ela adotados, bem como dos tratados internacionais
em que a República Federativa do Brasil seja parte. Nesses últimos, encon-
tram-se incluídas as Convenções da Organização Internacional do Trabalho
(OIT), que, vez ratificadas pelo Brasil, incorporam-se à legislação interna
(art. 5º, parágrafo 2°, CRFB/88).
Como membro da OIT, o Brasil já ratificou diversas e importantes conven-
ções relativas ao meio ambiente do trabalho, saúde e segurança do trabalhador,
que, conforme esclarece Sebastiao Geraldo de Oliveira13, tendem a viabilizar
evolução harmônica das normas protetivas, alcançando o que denomina de
“universalização da justiça social e do trabalho digno para todos”. Leciona ainda:
Diversas convenções da OIT ratificadas pelo Brasil tratam do tema da segurança,
saúde e meio ambiente do trabalho.(...) No entanto, merecem maior atenção,
11 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Estrutura normativa da segurança e saúde do trabalhador no Brasil.
Revista do Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região, v.45, n.75, jan./jun., 2007.
12 CARRION, Valentim. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. Atualizado por Eduardo Car-
rion. 36.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 219.
13 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Estrutura normativa da segurança e saúde do trabalhador no Brasil.
Revista do Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região, v.45, n.75, jan./jun., 2007.
296 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

pela amplitude de abrangência, três dessas convenções: 1. A Convenção n. 148


que trata dos riscos devidos à contaminação do ar, ao ruído e às vibrações no local
de trabalho 4 ; 2. A Convenção n. 155 que trata da segurança e saúde dos tra-
balhadores e do meio ambiente de trabalho 5 ; 3. A Convenção n. 161 que trata
dos serviços de saúde no local de trabalho.6 Convém destacar, como exemplo
do grau de importância, dois artigos Da Convenção n. 155 acima mencionada:
Art. 4 – 1. Todo Membro deverá, em consulta às organizações mais representa-
tivas de empregadores e de trabalhadores, e levando em conta as condições e a
prática nacionais, formular, pôr em prática e reexaminar periodicamente uma
política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores
e o meio ambiente de trabalho. 2. Essa política terá como objetivo prevenir os
acidentes e os danos à saúde que forem conseqüência do trabalho, tenham relação
com a atividade de trabalho, ou se apresentarem durante o trabalho, reduzindo
ao mínimo, na medida que for razoável e possível, as causas dos riscos inerentes
ao meio ambiente de trabalho. Art. 8 – Todo Membro deverá adotar, por via
legislativa ou regulamentar ou por qualquer outro método de acordo com as
condições e a prática nacionais, e em consulta às organizações representativas de
empregadores e de trabalhadores interessadas, as medidas necessárias para tornar
efetivo o artigo 4 da presente Convenção14.
Já em nível de lei ordinária, a CLT, conforme demonstrado em sede de
primeiro capítulo, é o principal aparato normativo de disciplina desses direitos.
Entretanto, considerando a necessidade de se pormenorizar todos os comandos
relativos à saúde e segurança do trabalhador, a fim de proporcionar condições
favoráveis a seu efetivo cumprimento pelos seus destinatários, o legislador or-
dinário cuidou em delegar competência normativa ao Ministério da Economia.
O art. 200 da CLT determinou que cabe ao Ministério estabelecer disposi-
ções complementares às normas de que trata o Capítulo de “Saúde e Segurança”,
tendo em vista as peculiaridades de cada atividade ou setor de trabalho.
Acerta o professor Sebastião Geraldo de Oliveira ao ponderar que, la-
mentavelmente, os dispositivos mais conhecidos desse capítulo, nos meios
jurídicos, “são os que tratam dos adicionais de insalubridade e de periculosi-
dade, demonstrando que a pretensão remuneratória imediata despertou mais
interesse do que o propósito de preservação da vida e da saúde.”

2.2. CRITÉRIOS CONTEMPORÂNEOS DE INTERPRETAÇÃO


DAS NORMAS TRABALHISTAS
A interpretação jurídica consiste em importante instrumento prévio à
jurisdição propriamente dita, vez que apta a transferir para o plano concreto o

14 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Estrutura normativa da segurança e saúde do trabalhador no Brasil.
Revista do Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região, v.45, n.75, jan./jun., 2007.
CLÁUDIO JANNOTTI DA ROCHA – AILANA SANTOS RIBEIRO – HELENA EMERICK ABAURRE 297

conteúdo e extensão de norma jurídica do modo mais fiel à intenção legislativa.


Alice Monteiro de Barros15 explana que:
Interpretar consiste em aplicar as regras que a hermenêutica perquire e ordena.
A interpretação é um processo mental de pesquisa do real conteúdo da lei. Não
é, entretanto, apenas a lei escrita que deverá ser interpretada, mas toda a norma
jurídica, e não somente os preceitos obscuros. (...) O fundamento ontológico se
subsume à conduta humana e traduz uma expressão de ego existencial, logo o
Juiz não poderá presumir já conhecê-la e vinculá-la a uma norma. O fundamento
axiológico, por sua vez, exige a verificação dos valores contidos no fato, para in-
dividualizá-lo. O fundamento gnosiológico está relacionado com a necessidade
de se conhecer o fato no contexto do Direito. Finalmente, tem-se o fundamento
lógico, que consiste na adaptação do fato à norma, utilizando-se de coerência
nas conexões de pensamento.

A interpretação jurídica é método imprescindível à adequação do Di-


reito, que busca submeter os fatos do mundo real a regras mais claras e mais
individualizadas, evitando que o direito se reduza à expressão fria e generalista
de um encadeamento de palavras.
Todos aqueles métodos de interpretação que vigoram nos siste-
mas jurídicos
contemporâneos tendem e devem tender ao alcance de uma meta em
comum, que é a de “fazer do Direito um critério mais igualitário e universal de
aferição de condutas, tornando-o, desse modo, um instrumento mais perfeito
de socialização e democratização” 16.
Na seara juslaborativa, entretanto, além de tais linhas básicas que norteiam
o método exegético, tem-se evidente outro propósito específico: fazer prevalecer,
quando da aplicação da norma, os princípios inerentes ao Direito do Trabalho.
Fundamentando essa necessidade proeminente de que a leitura do direito
trabalhista se dê à luz de “jurisprudência axiológica”, isto é, interpretação inspi-
rada pela prevalência dos valores e princípios nucleares desse ramo do direito,
está o próprio dever do julgador em afirmar e garantir o caráter democrático e
igualitário do Direito do Trabalho nas situações submetidas à sua apreciação.
Contemporaneamente, conforme assevera Maurício Godinho Delgado17, a
recomendação no âmbito da hermenêutica jurídica é a de que sejam combinados,

15 BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. 7.ed. São Paulo: Ltr, 2011, p. 106.
16 DELGADO, Gabriela Neves. Direitos humanos dos trabalhadores: perspectiva de análise a partir dos
princípios internacionais do direito do trabalho e do direito previdenciário. Revista do TST, vol. 77, n.
3, jul/set, 2011
17 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18ª ed. São Paulo: Ltr 2019, p. 230.
298 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

na medida do possível, três dos métodos interpretativos disponíveis, forman-


do-se “todo unitário”. São esses métodos: o lógico, centrado na investigação da
mens legis em prol da coerência e harmonia do texto legal; o sistemático, que
busca harmonizar a norma ao ordenamento jurídico como todo, investigando
a “tendência normativa hegemônica nas diversas normas e diplomas existentes
sobre matérias correlatas”; e o teleológico ou finalístico, que vincula a exegese às
finalidades sociais da norma jurídica, evitando resultados práticos que contrariem
o objetivo central de proteção ao trabalhador emanado da lei.
Constitui grande e atual desafio a realização pela ciência jurídica tra-
balhista da “dimensão constitucional” que restou delineada pela CRFB/88.
Maurício Godinho Delgado demonstra18:
Alguns obstáculos têm se apresentado nas últimas décadas com respeito a esse
tema. De um lado, o ainda insistente e injustificável manejo, por parte da comu-
nidade jurídica, inclusive judiciária, de ultrapassado critério de análise da eficácia
jurídica das normas constitucionais (enquadrando-as como autoexecutáveis ou
não autoexecutáveis); ou, alternativamente, o manejo impróprio do critério
moderno, de modo a suprimir, na prática, qualquer mínima eficácia jurídica a
normas tidas como de eficácia contida ou de eficácia limitada. De outro lado, a
recusa a conferir efeitos jurídicos reais à função normativa dos princípios jurídi-
cos e, em consequência, a vários e decisivos princípios constitucionais, muitos de
grande impacto na área juslaborativa. Acresça-se, ainda, a insuficiente utilização
do critério hermenêutico moderno intitulado interpretação em conformidade
com a Constituição, que evita as equações às vezes excessivamente formais, rigo-
rosas, excludentes e maniqueístas (...), em benefício de uma linha interpretativa
agregadora dos comandos impostos pela Constituição com as dimensões com-
patíveis e/ou adequáveis das normas infraconstitucionais confrontadas.
A interpretação das normas do direito trabalhista, como preparação para
atividade jurisdicional equilibrada, deve sempre condizer não apenas com os
princípios e regras específicos à área juslaborativa, mas, sobretudo, com os
valores propagados pela Constituição.
Transplantado o entendimento para a seara específica da saúde e se-
gurança do trabalhador, culmina na necessária compreensão de que todas
as normas infraconstitucionais atinentes a esse tema (Capítulo V da CLT)
devem ser aplicadas pelo julgador em primazia dos seguintes pilares cons-
titucionais, dentre outros: a preservação do valor social do trabalho (art.1°,
IV, CF), a dignidade da pessoa humana (art. 1°, III, CF), a garantia da saúde
como direito de todos (art. 196, CF) e , por fim, a garantia à redução ou
eliminação dos riscos que afetem a integridade física, orgânica e mental dos

18 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18ª ed. São Paulo: Ltr 2019, p. 236.
CLÁUDIO JANNOTTI DA ROCHA – AILANA SANTOS RIBEIRO – HELENA EMERICK ABAURRE 299

trabalhadores (art. 192, CF e art. 7°, XXII, CF).

3. DO PRECEDENTE CONSTITUÍDO PELO TRIBUNAL


SUPERIOR DO TRABALHO ATRAVÉS DO INCIDENTE DE
RECURSO DE REVISTA REPETITIVO EM 2019: TEMA 17
Importante destacar que a partir do CPC de 2015, a litigiosidade bra-
sileira passou a ser composta por três espécies: 1-) a litigiosidade a individual
ou de varejo, existente e prevalecente desde do CPC de 1973 e anteriores; 2-)
a litigiosidade coletiva, aquela das ações coletivas, ajuizadas pelos substitutos
processuais, como o Ministério Público e Sindicato e a 3-) litigiosidade repe-
titiva, que foi inserida pelo CPC de 2015, que formou o microssistema de
julgamento de casos repetitivos.
A litigiosidade repetitiva é formada por processos individuais, mas pos-
suem uma questão jurídica comum que se repete com o mesmo substrato fático
idêntico ou parecidos e que possuem a mesma questão jurídica, devendo ser
tratados e julgados da maneira idêntica em nome dos princípios da segurança
jurídica e da isonomia.
O incidente do recurso repetitivo (1.036 a 1.041 do CPC), dessa forma,
ao lado dos incidentes de resolução de demandas repetitivas (976 a 987 do
CPC) e de assunção de competência (art. 947 do CPC), trouxeram para o
ordenamento jurídico brasileiro uma terceira hipótese de litigiosidade: que é a
litigiosidade repetitiva. Na seara trabalhista, o incidente de recurso de repetitivo
é regulamentado também pela Lei nº 13.015/2014, que deu nova redação ao
artigo 896 da CLT, fazendo emergir o incidente de recurso de revista repetitivo,
previsto no art. 896-B da CLT, que deverá ser aplicado conjuntamente com os
artigos 1.036 ao 1.41 do CPC.
Conforme art. 927, III, do CPC, as decisões dos incidentes do recurso
repetitivo, de resolução de demandas repetitivas e de assunção de competência
são precedentes judiciais vinculantes, ao lado das demais hipóteses.
Portanto, o precedente judicial constituído nos autos IRR-239-
55.2011.5.02.0319, pelo TST é vinculante e por isso ensejará efeito a todos
os processos em curso, bem como naqueles que serão ajuizados que tenham
o mesmo objeto.
Para que seja entendida a tese e a ratio decidendi por ela constituída, tor-
na-se necessário fazer estudo cronológico dos autos que ensejaram a afetação
e corolário a instauração do Incidente de Recurso Repetitivo.
300 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

O caso julgado teve início na reclamação trabalhista proposta por agente


de tráfego da American Airlines que requeria o pagamento dos dois adicionais.
Ele sustentou que, por executar serviços de pista, como o acompanhamento do
abastecimento, do reboque e do carregamento das aeronaves, tinha direito ao
adicional de periculosidade. Além disso, afirmou que ficava exposto também
aos ruídos emitidos pelo funcionamento das turbinas dos aviões, o que carac-
terizaria insalubridade.
O Juízo da 9ª Vara do Trabalho de Guarulhos (SP) deferiu apenas o
adicional de periculosidade, por considerá-lo mais favorável ao empregado, e
rejeitou o pedido de cumulação. O entendimento foi mantido pelo Tribunal
Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), que fundamentou sua decisão no §2º
do artigo 193 da CLT, que determina que o empregado nessa circunstância
poderá optar por um dos adicionais.
No Tribunal Superior do Trabalho, a Oitava Turma rejeitou o recurso
do empregado, por entender que a decisão do TRT estava alinhada com a
jurisprudência do TST. Ele então interpôs embargos de divergência à SDI-1,
nos termos do art. 894, II, da CLT.
Em outubro de 2017, a SDI-1 decidiu acolher a proposta de instaura-
ção de Incidente de Recurso de Revista Repetitivo apresentada pelo Ministro
Alexandre Agra Belmonte, que verificou a existência de decisões divergentes a
respeito da matéria entre as Turmas do TST, instaurando assim o Tema 17 – IRR.
O Ministro Luiz Phlippe Vieira de Mello Filho, foi designado o Relator
do Incidente, determinou a publicação de edital e a expedição de ofícios aos
TRTs e ao Ministério Público do Trabalho e de carta-convite a pessoas, órgãos
e entidades para manifestação, como determina a sistemática dos recursos
repetitivos, art. da CLT.
Prevaleceu, no julgamento, o voto do Ministro Alberto Luiz Bresciani de
Fontan Pereira, constituindo a tese jurídica de que o artigo 193, parágrafo 2º,
da CLT foi recepcionado pela Constituição da República e veda a cumulação
dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, ainda que decorrentes de
fatos geradores distintos e autônomos.
Em 26 de setembro, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais
(SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu, que não é possível o
recebimento cumulativo dos adicionais de insalubridade e de periculosidade,
ainda que decorrentes de fatos geradores distintos e autônomos. A decisão,
por maioria, foi proferida no julgamento de incidente de recurso repetitivo, e
a tese jurídica fixada será aplicada a todos os casos semelhantes, por constituir
CLÁUDIO JANNOTTI DA ROCHA – AILANA SANTOS RIBEIRO – HELENA EMERICK ABAURRE 301

precedente judicial vinculante.


A corrente do Relator Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho ficou
vencida. Segundo seu voto, o dispositivo da CLT estaria superado pelos inci-
sos XXII e XXIII do artigo 7º da Constituição da República, que tratam da
redução dos riscos inerentes ao trabalho e do adicional de remuneração para as
atividades penosas, insalubres ou perigosas. Ainda de acordo com o Ministro, a
vedação à cumulação contraria a Convenção 155 da Organização Internacional
do Trabalho (OIT), relativa à segurança e à saúde dos trabalhadores.
Muito embora na presente data o acórdão esteja sendo redigido pelo
Ministro Redator Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, ainda não se tenha
acesso ao teor e corolário a racio decidendi, tem-se através do noticiário oficial
do TST que o entendimento prevalecente é consubstanciado na interpretação
literal do §2º do artigo 193 da CLT, da CLT, ficando olvidada as interpretações
sistemática, constitucional, convencional e teleológica, que eram defendidas
pelo Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho.
Assim, até que ocorra um overruling pela SDI 1 do TST, havendo pedido
de cumulação dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, mesmo
com motivos distintos, o pedido deverá ser julgado improcedente, devendo
o autor escolher qual dos dois pretende receber, nos termos da tese jurídica
constituída nos autos IRR-239-55.2011.5.02.0319, que serviu de sustentáculo
para a racio decidendi.

4. ANÁLISE DO PRECEDENTE FRENTE ÀS CONVENÇÕES


148 E 155 DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO
TRABALHO
As divergências suscitadas nas cortes que ensejaram o julgamento do
Tribunal Superior do Trabalho em relação a possibilidade da cumulação dos
adicionais de periculosidade e insalubridade giram em torno da recepção
ou não do dispositivo celetista pelo texto constitucional brasileiro, além da
compatibilidade da cumulação frente às Convenções da Organização Inter-
nacional do Trabalho, questionando-se a sobreposição destas à consolidação
da legislação trabalhista pátria.
A matéria, ora alvo de tamanha divergência entre as cortes, apenas não
fugiu à competência do órgão do Tribunal Superior do Trabalho para fixação
de tese por ter como objeto da controvérsia a Convenção nº 155. Caso este
instrumento o fosse assim irrelevante para o discutido não haveria razão para
a análise não competir ao Superior Tribunal de Justiça.
302 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Nos cabe, portanto, enquanto operadores e intérpretes do direito laboral


analisar o pronunciamento da Corte Superior Trabalhista, a partir da perspec-
tiva do Direito do Trabalho Constitucionalizado e Internacional, adotando os
critérios contemporâneos da interpretação das normas trabalhistas, entre os
quais destaca-se a força normativa das Convenções Internacionais e os princí-
pios do Direito do Trabalho.
Desde a aprovação da Emenda Constitucional nº 45 de 2004, que
acrescentou o § 3º ao art. 5º da Constituição Federal os tratados interna-
cionais de direitos humanos incorporados após a vigência da Emenda têm
prevalência sobre as leis ordinárias federais, alçando pelo menos o status
de normas supralegais. Leciona o Professor Raimundo Simão Melo que as
Convenções nº 148 e nº 155 ingressaram no plano interno brasileiro antes
da Emenda. Desta feita, embora tratem sobre direitos humanos, normas
de saúde, higiene e segurança do trabalho, para serem aplicadas devem ser
confrontadas com a Constituição Federal e demais regras legais infraconsti-
tucionais (STF – RE n. 466.343- SP, 12/2008) 19.
A introdução das Convenções Internacionais no sistema jurídico interno,
tendo a n° 148 vigência nacional a partir de 14 de janeiro de 1983, e a n° 155,
iniciada em 18 de maio de 1993, incorporou normas cujo teor coaduna com
a possibilidade de cumulação dos adicionais, estabelecendo critério e limites
em face da exposição simultânea a vários agentes nocivos.
Ora, nada menos é o tratado internacional que instrumento de veicu-
lação de regras jurídicas, que, através da manifestação de vontade das partes
contratantes, visa à produção de efeitos jurídicos, criando obrigações para
aqueles Estados 20. Desta manifestação surgem obrigações, que, em caso de
descumprimento, ensejam sanções.
Um dos elementos essenciais configurativos do tratado internacional é
expressar aquilo que as partes livremente acordaram. Se o Brasil acordou livre-
mente a ratificação das convenções em comento, não há razão para afastar a
sua incidência – e consequente prevalência -, vedando a cumulação em voga.
Se as normas de direito interno criam direitos e deveres para os empregadores,
os tratados de direitos humanos, conforme rege o texto constitucional, uma
vez incorporados, igualmente são criadores de obrigações.

19 MELO, Raimundo Simão. O papel da OIT em 100 anos de existência e a importância das Convenções 148
e 155 sobre Saúde, Segurança e Meio Ambiente do Trabalho. Disponível em: https://www.cidp.pt/revistas/
rjlb/2019/4/2019_04_1457_1478.pdf Acesso em 17/10/2019.
20 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 9ª ed. São Paulo. Revista dos
Tribunais, 2015, p. 197.
CLÁUDIO JANNOTTI DA ROCHA – AILANA SANTOS RIBEIRO – HELENA EMERICK ABAURRE 303

A Convenção n. 155 da OIT, produto da Conferência Geral convocada


em Genebra pelo Conselho de Administração do Departamento Internacional
do Trabalho, em 1981, trata da segurança e saúde dos trabalhadores, e, em seu
art. 11, item b, impõe às autoridades competentes as seguintes obrigações no
que se refere, especificamente, à exposição do trabalhador a agentes agressivos
à sua saúde e integridade física, in verbis:
Artigo 11. Com a finalidade de tornar efetiva a política referida no artigo 4
da presente Convenção, a autoridade ou as autoridades competentes deverão
garantir a realização progressiva das seguintes tarefas: (...) b) a determinação
das operações e processos que serão proibidos, limitados ou sujeitos à autori-
zação ou ao controle da autoridade ou autoridades competentes, assim como a
determinação das substâncias e agentes aos quais estará proibida a exposição no
trabalho, ou bem limitada ou sujeita à autorização ou ao controle da autoridade
ou autoridades competentes; deverão ser levados em consideração os riscos para
a saúde decorrentes da exposição simultâneas a diversas substâncias ou agentes.

A Convenção nº 148 da OIT, trata da Contaminação do Ar, Ruído e


Vibrações nos locais de trabalho e foi aprovada na sua 63ª reunião da Conferên-
cia Internacional do Trabalho em Genebra, em 1977, dispondo em seu texto:
Artigo 8.3. Os critérios e limites de exposição deverão ser fixados, completados
e revisados a intervalos regulares, de conformidade com os novos conhecimentos
e dados nacionais e internacionais, e tendo em conta, na medida do possível,
qualquer aumento dos riscos profissionais resultante da exposição simultânea a
vários fatores nocivos no local de trabalho.

Analisando os textos convencionais e realizando o confronto necessário


entre as normas com status de legislação ordinária, observa-se que firmar o
entendimento pela receptividade constitucional e pela aplicabilidade do art.
193, § 2º da CLT em detrimento do texto internacional é permitir que ins-
trumentos domésticos menos benéficos ao trabalhador tenham prevalência em
relação àqueles internacionais ratificados pelo Brasil. Além de se testemunhar
uma verdadeira incompatibilidade entre ambas normas vigentes no sistema,
rompendo justamente a unidade que é devida à integridade dos ordenamentos
jurídicos e que também é almejada pelo sistema de precedentes.
A Constituição Federal adota cláusula aberta – numerus apertus – em
relação aos direitos fundamentais, admitindo o reconhecimento não somen-
te daqueles nela positivados, mas também dos decorrentes dos princípios
adotados pelo regime e decorrentes de tratados internacionais que o Estado
brasileiro seja parte. Pois bem, se o legislador constituinte redigiu orientação
expansiva, não cabe aos órgãos julgadores optarem pela interpretação restritiva
de direitos, fazendo prevalecer normas menos benéficas aos jurisdicionados.
304 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Mesmo que as Convenções nº 155 e nº 148 fossem desprovidas de


qualquer valor normativo no ordenamento jurídico brasileiro, ainda assim
seria admissível a cumulação em razão da garantia insculpida no artigo 7º
da Constituição Federal.
A partir da leitura do artigo 193 § 2º da CLT, à luz do fenômeno da
aderência constitucional, não se poderia alcançar compreensão diversa à de que
o dispositivo não foi recepcionado pela CRFB/88 uma vez que seu conteúdo
não se coaduna com os princípios introduzidos pela norma constitucional no
sentido de estipular “outros direitos que visem à melhoria de sua condição
social e, especialmente, em desrespeito ao princípio de proteção da dignidade
da pessoa humana do obreiro”.
Se o papel do intérprete é atribuir à interpretação constitucional a máxima
efetividade, a fim de que possa, de imediato, produzir as consequências deseja-
das pelo constituinte e, assim, conformar o comportamento social ao quanto
por ela desejado, não pode o julgador se afastar da intenção constitucional, no
tocante à percepção simultânea dos adicionais, e deixar de conferir tais direitos
ao trabalhador de modo pleno e efetivo.
O princípio da proteção desenvolve uma teia de proteção à parte vulnerável
e hipossuficiente na relação empregatícia, e é inspirador amplo de todo o comple-
xo de regras, princípios e institutos que compõem o ramo jurídico especializado
do Direito do Trabalho21. A partir deste princípio, torna-se difícil de conceber
que, num sistema jurídico que prioriza uma proteção jurídica plena e eficaz do
trabalhador, direitos constitucionais não possam, por hora, ser integralmente
concedidos ao obreiro, a não ser por um futuro overruling do precedente firmado.

5. CONCLUSÃO
Conforme buscou-se demonstrar inicialmente, o Direito do Trabalho
teve o seu surgimento e desenvolvimento centrado, em grande parte, na ne-
cessidade de se conferir um patamar mínimo de proteção à saúde e segurança
do trabalhador, cuja mão de obra era explorada pelos empresários industriais.
Destaca-se ainda que o número de mortes e acidentes de trabalho ocasiona-
dos por tais questões nesse momento histórico era alarmante, próximo ao das
grandes guerras mundiais.
Consolidado como ramo do direito comprometido em garantir equilíbrio
nas relações jurídicas entre empregado e empregador, desenvolveu princípios,
valores e regras próprias, encarregadas de nortear que o local de trabalho deve
21 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18ª ed. São Paulo: Ltr 2019, p. 233.
CLÁUDIO JANNOTTI DA ROCHA – AILANA SANTOS RIBEIRO – HELENA EMERICK ABAURRE 305

ser pautado pela segurança e pelo comprometimento com a vida do trabalhador,


cabendo aos órgãos públicos, e principalmente à atividade jurisdicional, garan-
tir no plano prático a proteção jurídica da parte hipossuficiente dessa relação.
No âmbito da saúde e segurança, a legislação ordinária, constitucional e
internacional incorporada ao direito interno garantem ao empregado exercer
suas atividades em condições insalubres e perigosas mediante modesto acrésci-
mo salarial, recebendo uma espécie de indenização, um plus – mas com caráter
e efeitos salariais.
O legislador ordinário trabalhista, entretanto,consentindo com a possi-
bilidade de expor um mesmo empregado à ação de agentes simultaneamente
insalubres e perigosos, não cuidou em garantir-lhe proteção jurídica condizente
com a intensidade e gravidade dos prejuízos e riscos suportados. Isso porque o
art. 193, parágrafo 2° da CLT, determinou que ao trabalhador caberia realizar
opção ao adicional que lhe fosse mais vantajoso.
Com aporte na interpretação literal desse dispositivo, a tese jurídica consti-
tuída em setembro de 2019 pelo TST, é sustentada no sentido de que a cumulação
dos adicionais de insalubridade e periculosidade, é indevida por contrariar a lei
infraconstitucional. Esse entendimento proibitivo é específico para os dois adi-
cionais, visto que todos os demais adicionais são perfeitamente cumuláveis, como
por exemplo, hora extra e noturna, sendo hipótese de distinguishing.
O precedente judicial vinculante constituído pela SDI-1 do TST, con-
substanciado em uma ratio decidendi de interpretação literal, em nome do
princípios da segurança jurídica e da isonomia, deve ser obrigatoriamente
aplicado a todos os processos de pedido de acumulação de insalubridade e pe-
riculosidade, ainda que decorrentes de fatos geradores distintos e autônomos,
existentes e que venham ser ajuizados até que algum dia ocorra overruling.
Os autores deste singelo artigo entendem que não é que a percepção con-
comitante desses adicionais, como forma de monetização dos riscos e agressões
que afetam o trabalhador, venha, de fato, resolver a celeuma da preservação da
saúde e segurança no trabalho. Afinal, o que deve ser alcançada é a proteção
à saúde e segurança no local de trabalho e não o pagamento dos adicionais,
já que em primeiro lugar está a vida, depois o dinheiro. No entanto, não po-
dendo ignorar que essa exposição a agentes insalubres e perigosos ocorre, seja
pela inevitabilidade ou pela própria displicência do empregador, o mais justo
e adequado a se fazer é remunerar o empregado integralmente, através dos me-
canismos que a própria Constituição (artigo 7º, XXII e XXIII) e dos Tratados
Internacionais ratificados pelo Brasil (mormente a Convenção 155 da OIT)
306 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

oferecem e determinam aos intérpretes do Direito do Trabalho.


Efetiva-se, assim, a própria razão de existir este ramo especializado do
Direito que tem como função precípua a manutenção e o cuidado com a
vida do trabalhador, tendo como objeto epicentral a saúde e segurança do
trabalhador, ideia esta que ficou vencida no julgamento dos autos IRR-239-
55.2011.5.02.0319, porquanto era defendida, pelo Ministro Relator Luiz
Philippe Vieira de Mello Filho e por outras Ministros do TST. Afinal é a inco-
lumidade do ser humano que deve ser a norteadora de qualquer interpretação
jurídica, afinal vida só se tem uma e é para o ser humano que o Direito existe
e sempre existirá, tanto é assim que o fundamento epicentral do ordenamento
jurídico brasileiro é a dignidade do ser humano, previsto no art. 1º, III, da
Constituição. Ora, se o trabalhador labora em contato com agentes insalubres
e em condições perigosas deverá receber os respectivos adicionais, pois é a sua
vida que está em xeque.

REFERÊNCIAS
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BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 28ª edição, atualizada. São Paulo: Malheiros Edi-
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trabalho.gov.br/images/Documentos/SST/NR/NR16.pdf Acesso em: 17/10/2019.
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nais de insalubridade e de periculosidade. Disponível em: http://tst.jus.br/noticia-destaque/-/as-
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de-e-de-periculosidade?inheritRedirect=false . Acesso em 20/10/2019.
CARRION, Valentim. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. Atualizado por Eduardo Car-
rion. 36.ed. São Paulo: Saraiva, 2011
DELGADO, Gabriela Neves. Direitos humanos dos trabalhadores: perspectiva de análise a partir dos
princípios internacionais do direito do trabalho e do direito previdenciário. Revista do TST, vol. 77, n.
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DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18ª ed. São Paulo: Ltr 2019.
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 9ª ed. São Paulo. Revista dos
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OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Estrutura normativa da segurança e saúde do trabalhador no Brasil.
Revista do Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região, v.45, n.75, jan./jun., 2007
VIANA, Márcio Túlio. A proteção social do trabalhador no mundo globalizado – O Direito do trabalho
no limiar do século XXI. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, n. 37, 2000
O COMBATE AO TRABALHO INFANTIL SOB A
PERSPECTIVA DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL
DO TRABALHO

THE FIGHT AGAINST CHILD LABOR UNDER THE PERSPECTIVE OF


THE INTERNATIONAL LABOR ORGANIZATION

Adriana Goulart de Sena Orsini1


Raquel Betty de Castro Pimenta2

“Não há maior violência do que negar os sonhos


das crianças”
Kailash Satyarthi, em seu discurso de aceitação do
Prêmio Nobel da Paz em 2014.

RESUMO: Desde sua criação, a Organização Internacional do Trabalho tem


como um dos seus pilares de atuação o combate efetivo ao trabalho infantil, ação
imprescindível para a promoção do trabalho decente no mundo. Parte-se da per-
cepção de que o trabalho de crianças e adolescentes não só impede os indivíduos
de adquirir a educação e as habilidades que necessitam para um futuro melhor,
mas também perpetua a pobreza e afeta as economias nacionais, com perda de
competitividade, produtividade e investimentos. Proteger às crianças e adoles-
centes e erradicar o trabalho infantil, propiciando educação, assistência a suas
famílias com oportunidades de emprego para os adultos contribui diretamente
na construção do trabalho decente. O presente artigo apresenta um estudo do
combate ao trabalho infantil como um dos princípios fundamentais de atuação
1 Professora Doutora Associada da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais; Membro
do Corpo Permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais;
Doutora pela Universidade Federal de Minas Gerais; Desembargadora Federal do Trabalho do Tribunal
Regional do Trabalho da 3ª Região; Gestora Regional do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de
Estímulo à Aprendizagem, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, na 3ª Região.
2 Doutora pela Università degli Studi di Roma Tor Vergata (Itália) em cotutela internacional com a Universi-
dade Federal de Minas Gerais (Brasil); Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais; Especialista em Direito do Trabalho Ítalo-Brasileiro pela Universidade Federal de Minas
Gerais e pela Università di Roma Tor Vergata; Servidora do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região;
Professora Substituta da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais e de cursos de Pós-
-Graduação lato sensu.
308 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

da Organização Internacional do Trabalho, com o exame das Convenções n. 138


e 182 da Organização Internacional do Trabalho, e das Recomendações n. 146 e
190, que acompanham referidas Convenções. Apresenta, também, o Programa
Nacional de Combate ao Trabalho Infantil e Estímulo à Aprendizagem, imple-
mentado pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho, e suas perspectivas de
atuação na realidade brasileira. Pretende-se demonstrar que o trabalho infantil
é uma das mais graves violações dos direitos humanos, e que a erradicação do
trabalho infantil é uma das principais formas de se dar efetividade ao dever de
proteção integral e prioritária à criança e ao adolescente, de concretizar os prin-
cípios da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho, bem como
de se atingir uma sociedade justa, igualitária e socialmente responsável.
Palavras-chave: Trabalho Infantil; Organização Internacional do Trabalho; Con-
venções da OIT.
ABSTRACT: Since its creation, the International Labor Organization has as
one of its pillars of action the effective fight against child labor, an indispensable
action for the promotion of decent work in the world. It starts from the percep-
tion that child labour not only prevents children from acquiring the skills and
education they need for a better future, it also perpetuates poverty and affects
national economies through losses in competitiveness, productivity and poten-
tial income. Protecting children and adolescents and eradicating child labor by
providing them with education, and assisting their families with employment
opportunities for adults contribute directly to creating decent work. This article
presents a study of the fight against child labor as one of the fundamental prin-
ciples of action of the International Labor Organization, with the examination
of Conventions no. 138 and 182 of the International Labor Organization, and
of Recommendations no. 146 and 190, which accompany such Conventions.
It also presents the National Program to Combat Child Labor and the Encou-
ragement of Professional Training, implemented by the Superior Council of
Labor Justice, and its perspectives of action in the Brazilian reality. It is intended
to demonstrate that child labor is one of the most serious violations of human
rights, and that the eradication of child labor is one of the main ways of giving
effect to the duty of full and priority protection of children and adolescents, of
achieving the principles of the dignity of the human person and the social value
of work and of achieving a just, egalitarian and socially responsible society.
Keywords: Child Labor; Internacional Labor Organization; ILO Standards.

1. INTRODUÇÃO
Desde sua criação em 19193, a Organização Internacional do Trabalho
tem como um dos pilares de sua atuação o combate efetivo ao trabalho infantil,

3 A Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi criada em 1919, como parte XIII do Tratado de Ver-
salhes, que pôs fim à Primeira Guerra Mundial, fundando-se sobre a convicção primordial de que a paz
universal e permanente somente poderia estar baseada na justiça social.
Adriana Goulart de Sena Orsini – Raquel Betty de Castro Pimenta 309

ação imprescindível para a promoção do trabalho decente no mundo.


Parte-se da percepção de que o trabalho de crianças e adolescentes não só
impede os indivíduos de adquirir a educação e as habilidades que necessitam
para um futuro melhor, mas também perpetua a pobreza e afeta as economias
nacionais, com perda de competitividade, produtividade e investimentos. Pro-
teger às crianças e adolescentes e erradicar o trabalho infantil, propiciando
educação, assistência a suas famílias com oportunidades de emprego para os
adultos contribui diretamente na construção do trabalho decente.
No presente artigo, far-se-á um estudo do combate ao trabalho infantil
como um dos princípios fundamentais de atuação da Organização Internacio-
nal do Trabalho, com o exame das Convenções n. 138 e 182 da Organização
Internacional do Trabalho.
Ainda, será apresentado o Programa Nacional de Combate ao Trabalho
Infantil e Estímulo à Aprendizagem, implementado pelo Conselho Superior
da Justiça do Trabalho, e suas perspectivas de atuação na realidade brasileira.

2. O COMBATE AO TRABALHO INFANTIL COMO PARTE


DOS “CORE LABOUR STANDARDS” DA ORGANIZAÇÃO
INTERNACIONAL DO TRABALHO
No plano internacional, diversos diplomas normativos instituem normas
protetivas da infância, visando a proteção das crianças e adolescentes contra o
trabalho infantil e outras formas de exploração.
Interessante notar que, na perspectiva internacional, os termos “criança”
e “trabalho infantil” referem-se a todos os indivíduos que possuam menos do
que 18 anos – englobando tanto as crianças quanto os adolescentes.
A proibição do trabalho infantil está presente em diferentes espécies de
normas internacionais, estando assegurado nos principais Tratados de Direi-
tos Humanos emanados pela Organização das Nações Unidas (ONU), em
organismos regionais como a União Europeia e a Organização dos Estados
Americanos (OEA) e, no campo trabalhista, pela Organização Internacional
do Trabalho (OIT).
Na esfera da ONU, são importantes as previsões de combate aao trabalho
infantil contidas na Carta das Nações Unidas, de 1945, na Declaração Univer-
sal dos Direitos Humanos, de 19484, no Pacto dos Direitos Civis e Políticos
4 Acerca da importância e origem da Declaração Universal e dos direitos trabalhistas nela contidos, cf: PI-
MENTA, Raquel Betty de Castro. Os direitos humanos dos trabalhadores na Declaração Universal dos Di-
310 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

e no Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos de 1966. De


maneira específica, integrando o sistema especial de proteção dos Direitos
Humanos, ganha destaque a Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989.
A Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989, é o tratado internacio-
nal de direitos humanos com o mais elevado número de ratificações por Estados
Membros da ONU. Flávia Piovesan destaca o fato de que o documento “acolhe
a concepção de desenvolvimento integral da criança, reconhecendo-a como ver-
dadeiro sujeito de direito, a exigir proteção especial e absoluta prioridade”5.
Sob uma perspectiva regional, de abrangência sobre os Estados america-
nos, podem ser citados a Declaração Americana sobre os Direitos e Deveres
do Homem, de 1948, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos,
de 1969 (conhecida como “Pacto de São José da Costa Rica”) e o Protocolo
Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1988 (conhecido como “Pro-
tocolo de São Salvador”).
No âmbito da Organização Internacional do Trabalho, o combate ao tra-
balho infantil tem grande destaque. São diversas as normas editadas no âmbito
da Organização Internacional do Trabalho, desde a sua criação em 1919, que
preveem medidas visando a eliminação efetiva do trabalho infantil, passan-
do pela estipulação de idades mínimas para o trabalho em diferentes ramos
econômicos, proibições de trabalho de crianças e adolescentes em ambiente
insalubre ou perigoso, identificação e combate às piores formas de trabalho
infantil, dentre outras.
A própria Constituição da OIT, de 1919, e suas alterações posteriores,
bem como o seu Anexo, a Declaração de Filadélfia, de 1944, destacam a pro-
teção das crianças e dos adolescentes como um dos princípios orientadores da
ação e como objetivo a ser perseguido pelo organismo internacional.
A Declaração da Filadélfia, referente aos fins e objetivos da OIT, ampliou
os princípios gerais do trabalho que devem ser observados pelos Estados mem-
bros do organismo internacional, ocasião em que foram enfatizadas as seguintes
obrigações relacionadas ao combate ao trabalho infantil:
“Anexo — Declaração Referente aos Fins e Objetivos da Organização Interna-
cional do Trabalho (Declaração da Filadélfia)

reitos Humanos (1948). In: ROCHA, Cláudio Jannotti da; LUDOVICO, Giuseppe; PORTO, Lorena Vascon-
celos; BORSIO, Marcelo; ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de (Coord.). Direito internacional do trabalho:
aplicabilidade e eficácia dos instrumentos internacionais de proteção ao trabalhador. São Paulo: LTr, 2018,
p. 310-323.
5 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 14 ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2013. p. 287.
Adriana Goulart de Sena Orsini – Raquel Betty de Castro Pimenta 311

[...]
III — A Conferência proclama solenemente que a Organização Internacional
do Trabalho tem a obrigação de auxiliar as Nações do Mundo na execução de
programas que visem:
[...]
h) garantir a proteção da infância e da maternidade;
[...]
j) assegurar as mesmas oportunidades para todos em matéria educativa e
profissional.”6

Em 1998, foi editada a Declaração sobre os Princípios e Liberdades Fun-


damentais no Trabalho, aprovada como uma Resolução da Assembleia Geral7.
Não possui natureza de tratado internacional, não sendo sujeita a ratificação
pelos Estados membros da OIT.
De qualquer maneira, o documento afirma que todos os Estados membros
da OIT, pelo simples fato de serem integrantes do organismo internacional,
possuem a obrigação de respeitar, promover e realizar de boa-fé, e em con-
formidade com a Constituição da OIT, os princípios relativos aos direitos
fundamentais no trabalho – os denominados “core labour standards”8.
A Declaração de 1988 elencou os quatro eixos fundamentais de atuação
da Organização Internacional do Trabalho:
“Declaração sobre os Princípios e Liberdades Fundamentais no Trabalho, 1998
A Conferência Internacional do Trabalho:
[...]
2. Declara que todos os Membros, ainda que não tenham ratificado as Conven-
ções, têm um compromisso derivado do simples fato de pertencer à Organização
de respeitar, promover e tornar realidade, de boa fé e de conformidade com a
Constituição, os princípios relativos aos direitos fundamentais que são objeto
dessas Convenções, isto é:
(a) a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva;
6 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Constituição da Organização Internacional do
Trabalho e seu anexo (Declaração da Filadélfia de 1944). 1919 e emendas posteriores. Disponível em:
<http://www.ilo.org/brasilia/temas/normas/WCMS_336957/lang—pt/index.htm>. Acesso em: 12 out. 2019.
7 A Declaração dos Princípios e Liberdades Fundamentais no Trabalho é um documento declaratório prove-
niente da 86ª Sessão da Conferência Internacional do Trabalho, ocorrida em Genebra em junho de 1998, na
qual todos os Estados membros da OIT aprovaram a sua redação final e com os princípios nela enunciados.
8 Sobre o conceito de “core labour standard” e os impactos da reforma trabalhista, cf: LORENTZ, Lutiana
Nacur. A Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017 a luz de três grandes chaves de leituras: o feminismo, a Cons-
tituição Federal/88 e o “core labour standard”. In: MELO, Raimundo Simão de; ROCHA, Cláudio Jannotti
da (Coord.). Constitucionalismo, trabalho, seguridade social e as reformas trabalhista e previdenciária. São
Paulo: LTr, 2017. p. 445-451.
312 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

(b) a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório;


(c) a efetiva abolição do trabalho infantil; e
(d) a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação.”9

Cada um dos eixos possui duas convenções internacionais do trabalho


indicadas como convenções fundamentais.
No que se refere ao eixo da liberdade sindical e ao reconhecimento efetivo
do direito de negociação coletiva, são fundamentais as Convenções n. 87, sobre
liberdade sindical e proteção ao direito de sindicalização, de 1948, e n. 98,
sobre direito de sindicalização e de negociação coletiva, de 1949.
No eixo relativo à eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou
obrigatório, são apontadas como convenções fundamentais as Convenções n.
29, sobre trabalho forçado ou obrigatório, de 1930, e n. 105, sobre abolição
do trabalho forçado, de 1957.
Quanto ao eixo da abolição efetiva do trabalho infantil, são fundamentais
as Convenções n. 138, sobre idade mínima para admissão, de 1973, e n. 182,
sobre a proibição das piores formas do trabalho infantil e ação imediata para
sua eliminação, de 1999.
Por fim, no eixo relativo à eliminação da discriminação em matéria de
emprego e ocupação, são fundamentais as Convenções n. 100, sobre igualdade
de remuneração para a mão de obra masculina e a mão de obra feminina por
um trabalho de igual valor, de 1951, e n. 111, sobre discriminação em matéria
de emprego e ocupação, de 1958.
Serão examinadas as duas Convenções Fundamentais referentes à aboli-
ção efetiva do trabalho infantil, que traçam parâmetros básicos de atuação dos
Estados Membros para o efetivo combate a esta prática pelo mundo.

3. AS CONVENÇÕES FUNDAMENTAIS N. 138 E N. 182 DA


ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO
No que se refere ao terceiro eixo de atuação, de acordo com a OIT, mais
de 90% (noventa por cento) dos Estados membros da organização ratificaram
as Convenções n. 13810 e n. 182, o que demonstra um claro consenso sobre a
9 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Declaração da OIT sobre os princípios e direitos
fundamentais no trabalho. 1998. Disponível em: <http://www.ilo.org/brasilia/publicacoes/WCMS_230648/
lang—pt/index.htm>. Acesso em 12 out. 2019.
10 Em abril de 2018, a Convenção n. 138 sobre idade mínima no trabalho já contava com ratificação por 171
Estados, sendo que com a ratificação pela Índia em 2017, calcula-se que 93% das crianças do mundo estão
cobertas pela proteção desta Convenção. Para a OIT, o fato de um número tão expressivo de Estados com tão
Adriana Goulart de Sena Orsini – Raquel Betty de Castro Pimenta 313

importância dos direitos e dos princípios por elas proclamados.


Estas Convenções Fundamentais foram acompanhadas de Recomenda-
ções , editadas para complementar suas disposições. Em 1976, foi editada a
11

Recomendação n. 146, relativa à idade mínima no emprego, que acompanha


a Convenção n. 138, ao passo que em 1999 foi editada a Recomendação n.
190, sobre Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e Ação imediata
para sua Eliminação, para complementar as disposições da Convenção n. 182.

3.1. CONVENÇÃO N. 138 SOBRE IDADE MÍNIMA DE


ADMISSÃO A EMPREGO, DE 1973
A Convenção de n. 138 da OIT dispõe sobre idade mínima de admissão
a emprego. Foi aprovada na 58ª Reunião da Conferência Internacional do
Trabalho de 1973, em Genebra, com vigência no plano internacional em 19
de junho de 1976.
Não foi a primeira Convenção Internacional editada pela OIT sobre o
tema da idade mínima de admissão no emprego, e sim um instrumento geral
sobre a matéria, que teve como objetivo substituir gradualmente as Convenções
Internacionais já existentes sobre o tema, aplicáveis a limitados setores econô-
micos12. Com a ratificação desta Convenção Fundamental, os Estados Membros
que já haviam ratificado as Convenções anteriores promovem a substituição
da normativa antecedente.
O Brasil ratificou a Convenção n. 138 em 28/06/2001, após aprovação
pelo Decreto Legislativo n. 179, de 14/12/1999. Internamente, sua promul-
gação deu-se pelo Decreto n. 4.134, de 15/02/200213.
diversas condições econômicas e sociais terem ratificado a Convenção demonstra não só a universalidade
dos valores por ela assegurados, mas também indica a flexibilidade construída pelo pelo texto da Convenção,
que possibilita aos Estados adaptá-la conforme suas necessidades. (Tradução livre de trecho do documento
ILO CONVENTION No. 138 AT A GLANCE. Disponível em: <https://www.ilo.org/ipec/Informationresour-
ces/WCMS_IPEC_PUB_30215/lang—en/index.htm>. Acesso em 12 out. 2019).
11 A Recomendação é um tipo de instrumento normativo internacional de natureza diversa dos Tratados e Con-
venções Internacionais, pois não é sujeita a ratificação pelos Estados participantes das conferências ou pelas
instituições que a adotam. No entanto, as Recomendações editadas pela OIT servem para complementar suas
Convenções Internacionais, com normas regulamentares, de cunho programático, que criam para os Estados
membros da Organização uma obrigação de natureza formal: a de submetê-la ao Poder Legislativo para
legislar ou adotar outras medidas referentes à matéria versada (SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional
do Trabalho. 3 ed. atual. e com novos textos. São Paulo: LTr, 2000. p. 186).
12 São elas: a Convenção n. 5 sobre a Idade Mínima na Indústria, de 1919; a Convenção n. 7 sobre a Idade
Mínima no Trabalho Marítimo, de 1920; a Convenção n. 10 sobre a Idade Mínima na Agricultura, de 1921;
a Convenção n. 15 sobre a Idade Mínima de Estivadores e Foguistas, de 1921; a Convenção n. 33 sobre a
Idade Mínima no Emprego não-Industrial, de 1932; a Convenção n. 58 (de revisão) sobre a Idade Mínima
no Trabalho Marítimo, de 1936; a Convenção n. 59 (de revisão) sobre a Idade Mínima na Indústria, de 1937;
a Convenção n. 60 (de revisão) sobre a Idade Mínima no Emprego não-Industrial, de 1937; a Convenção n.
112 sobre a Idade Mínima de Pescadores, de 1959, e a Convenção n. 123 sobre a Idade Mínima no Trabalho
Subterrâneo, de 1965.
13 BRASIL. Decreto n. 4.134, de 15 de fevereiro de 2002. Promulga a Convenção no 138 e a Recomendação
no 146 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Idade Mínima de Admissão ao Emprego.
314 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Aos Estados é estipulado o compromisso de implementar uma política


nacional de eliminação do trabalho infantil e, ainda, de elevar progressivamente
a idade mínima para o trabalho, até um nível adequado ao completo desen-
volvimento físico e mental dos jovens.
A idade mínima de 15 anos para o trabalho em geral é estabelecida, no
artigo 2º, ressaltando-se que a idade mínima estipulada deve ser coincidente
com a idade de conclusão da escolaridade compulsória.
Admite-se, porém, a fixação de uma idade inicial de 14 anos nas situações
em que as condições econômicas e educacionais do país não estiverem “sufi-
cientemente desenvolvidas”, de forma a permitir a adoção de limite de idade
superior (art. 2º, item 4, da Convenção n. 138).
Para o trabalho em condições de maiores riscos, o artigo 3º prevê que
não será inferior a 18 anos a idade mínima para a admissão a qualquer tipo
de emprego ou trabalho que, por sua natureza ou circunstâncias em que for
executado, possa prejudicar a saúde, a segurança e a moral do jovem, a serem
definidos em lei. Contudo, é autorizado, no item 3 do artigo, que tal limite seja
reduzido para 16 anos, “desde que estejam plenamente protegidas a saúde, a
segurança e a moral dos jovens envolvidos e lhes seja proporcionada instrução
ou formação adequada e específica no setor da atividade pertinente”.
Como visto, a Convenção n. 138 da OIT permite aos Estados efetuarem
algumas adaptações em virtude das circunstâncias de seu desenvolvimento, o
que pode ser explicado pelo fato de ter sido editado com o intuito de tornar-se
um tratado geral sobre o tema, aplicável a diferentes realidades. São as chama-
das “cláusulas de flexibilidade”14.
Em seu artigo 4º, estabelece ainda que, após consulta às organizações de
empregadores de trabalhadores concernentes, as autoridades competentes dos
Estados poderão excluir da aplicação desta Convenção um limitado número
de categorias de emprego ou trabalho a respeito das quais se levantarem reais
e especiais problemas de aplicação. Para tanto, exige-se a apresentação de uma
declaração anexa ao ato de ratificação, especifiando os ramos de atividade e
tipos de empreendimentos excluídos do alcance da Convenção.
Na prática, contudo, a OIT vem notando a inobservância dos critérios
estipulados para que os Estados manifestem tais exclusões. É o que explica
Lelio Bentes Corrêa:
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4134.htm>. Acesso em: 12 out. 2019.
14 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. ILO CONVENTION No. 138 AT A GLANCE.
Disponível em: <https://www.ilo.org/ipec/Informationresources/WCMS_IPEC_PUB_30215/lang—en/in-
dex.htm>. Acesso em 12 out. 2019.
Adriana Goulart de Sena Orsini – Raquel Betty de Castro Pimenta 315

“Não obstante, a Comissão de Peritos em Aplicação de Convenções e Recomen-


dações da OIT tem observado, com preocupação, o fato de vários países, embora
não tenham lançado mão da faculdade de exclusão anteriormente mencionada,
limitarem o alcance da Convenção mediante leis nacionais, especialmente no
tocante ao trabalho doméstico e ao trabalho n âmbito familiar. Tal conduta, a
part de caracterizar a violação das obrigações assumidas por força da ratificação
da Convenção, compromete seriamente a eficácia da norma internacional, na
medida em que 67,5% do total do trabalho infantil encontrado no mundo,
na faixa etária dos 5 aos 17 anos, situa-se no âmbito familiar, não remunerado
(correspondendo a mais de 145 milhoes de crianças e adolescentes), enquanto
estima-se que outros 15,5 milhões estejam engajados no trabalho infantil do-
méstico. Exatamente por isso, o Relatório Global produzido pela OIT em 2010
alerta para a necessidade de se intensificarem os esforços dos Estados-membros,
adotando-se medidas inovadoras visando à erradicação do trablaho infantil do-
méstico e no âmbito familiar.”15

No contexto de educação vocacional ou técnica, a Convenção n. 138


permite o trabalho a partir dos 14 anos, ou a partir dos 12 anos no caso dos
países insuficientemnete desenvolvidos (conforme artigos 6º e 7º). Ainda, é
prevista a possibilidade de as legislações nacionais autorizarem o “trabalho leve”
a pessoas entre 13 e 15 anos, no item 1 de seu artigo 7º:
“Art. 7º — 1. As leis ou regulamentos nacionais poderão permitir o emprego ou
trabalho a pessoas entre treze e quinze anos em serviços leves que:
a) não prejudique sua saúde ou desenvolvimento; e
b) não prejudiquem sua freqüência escolar, sua participação em programas de
orientação vocacional ou de treinamento aprovados pela autoridade competente
ou sua capacidade de se beneficiar da instrução recebida.”

Por fim, em seu artigo 8º, a Convenção n. 138 trata da possiblidade de se


extabelecer exceções ou licenças para o trabalho infantil com propósitos especiais,
como em performances artísticas. As autorizações deverão limitar o número de
horas de duração do trabalho e estabelecer as condições para sua realização.
Para complementar a Convenção n. 138, foi também editada, em 1976,
a Recomendação n. 146, para garantir a aplicação dos preceitos concernentes
à idade mínima no emprego. A Recomendação sugere que, para se assegurar
o cumprimento da Convenção n. 138, os Estados Membros devem conferir
alta prioridade à identificação e ao atendimento das necessidades de crianças
e adolescentes na política e em programas nacionais de desenvolvimento, de
forma a criar as melhores condições possíveis para o seu desenvolvimento
15 CORRÊA, Lelio Bentes. O trabalho infantil sob a perspectiva internacional. In: CALSING, Renata de Assis;
ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de (Coord.). Direitos humanos e relações sociais trabalhistas. São Paulo:
LTr, 2017, p. 185-186.
316 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

físico e mental.
Dentre outras questões, a necessidade de se garantir a educação básica
para as crianças e adolescentes é enfatizada pela Recomendação n. 146, que
registra que:
“Deveria ser obrigatória e efetivamente garantida a freqüência escolar em tempo
integral ou a participação em programas aprovados de orientação profissional
ou de formação, pelo menos até a idade mínima especificada para admissão
a emprego”.

A importância de se garantir a escolaridade e a formação profissional


de qualidade para as crianças e adolescentes é explicada por Kátia Magalhães
Arruda, que registra a preocupação com as perspectivas futuras da população:
“Com os incrementos tecnológicos e a crescente busca da qualidade nas empresas e
em todas as atividades, quer seja de produção ou de serviços, as melhores condições
de ascensão no mundo do trabalho ficam para os detentores de maior aptidão e
qualificação para desenvolvê-lo, o que por si só mostra quão dura é a perspectiva
de crianças que são forçadas a abandonar o estudo para ingressar no trabalho.
[...]
Devemos atentar ainda para o custo social do trabalho de crianças. Devido a di-
versos fatores físico-psíquicos, estão muito mais expostas a riscos e danos físicos,
emocionais, intelectuais, que se farão sentir no convívio familiar, no crescimento
unipessoal e no interrelacionamento social. O prejuízo para o valor da força de
trabalho, ao reduzir o valor da mão de obra, causa também a redução do valor
dos recursos humanos futuros”16.

3.2. CONVENÇÃO N. 182 SOBRE A PROIBIÇÃO DAS PIORES


FORMAS DE TRABALHO INFANTIL E A AÇÃO IMEDIATA PARA
SUA ELIMINAÇÃO, DE 1999
A Convenção n. 182 da OIT sobre a proibição das piores formas de
trabalho infantil e a ação imediata para sua eliminação foi aprovada pela 87ª
Conferência Internacional do Trabalho, em 1999.
Foi ratificada pelo Brasil em 02/02/2000, após aprovação pelo Decreto
Legislativo n. 178, de 14/12/1999. Internamente, foi promulgada pelo De-
creto n. 3.597, de 12/09/200017.

16 ARRUDA, Kátia Magalhães. As piores formas de trabalho e o direito fundamental à infância. In: Adriana
Goulart de Sena; Gabriela Neves Delgado; Raquel Portugal Nunes. (Org.). Dignidade humana e inclusão
social. São Paulo: LTr, 2010, p. 37-38.
17 BRASIL. Decreto n. 3.597, de 12 de setembro de 2000. Promulga Convenção 182 e a Recomendação 190
da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre a Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil
e a Ação Imediata para sua Eliminação, concluídas em Genebra, em 17 de junho de 1999. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3597.htm>. Acesso em: 12 out. 2019.
Adriana Goulart de Sena Orsini – Raquel Betty de Castro Pimenta 317

Em seu preâmbulo, deixa clara a necessidade de adotar novos instru-


mentos para a proibição e eliminação das piores formas de trabalho infantil,
principal prioridade da ação nacional e internacional, incluídas a cooperação
e a assistência internacionais, como complemento da Convenção e Recomen-
dação sobre a idade mínima de admissão ao emprego.
Além disso, registra que a eliminação efetiva das piores formas de trabalho
infantil requer “uma ação imediata e abrangente que leve em conta importância
da educação básica gratuita e a necessidade de liberar de todas essas formas
de trabalho as crianças afetadas e assegurar a sua reabilitação e sua inserção
social ao mesmo tempo em que são atendidas as necessidades de suas família”s,
além de reconhecer que “o trabalho infantil é em grande parte causado pela
pobreza e que a solução no longo prazo está no crescimento econômico sus-
tentado conducente ao progresso social, em particular à mitigação da pobreza
e à educação universal”.
Em seu artigo 1º, a Convenção n. 182 impõe a necessidade de adoção de
“medidas imediatas e eficazes” por parte dos Estados que a ratificarem, tenden-
tes a assegurar a proibição e abolição, em caráter de urgência, das denominadas
“piores formas de trabalho infantil”.
O artigo 2º registra que o termo “criança” designa toda pessoa com idade
inferior a 18 anos, retomando a definição contida em outros documentos in-
ternacionais que atrelam trabalho infantil a todo o trabalho desenvolvido por
crianças e adolescentes.
A definição do que se entende por “piores formas de trabalho infantil” é
trazida no artigo 3º da Convenção n. 182:
“Artigo 3
Para efeitos da presente Convenção, a expressão “as piores formas de trabalho
infantil” abrange:
a) todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, tais como
a venda e tráfico de crianças, a servidão por dívidas e a condição de servo, e o
trabalho forçado ou obrigatório, inclusive o recrutamento forçado ou obrigatório
de crianças para serem utilizadas em conflitos armados;
b) a utilização, o recrutamento ou a oferta de crianças para a prostituição, a
produção de pornografia ou atuações pornográficas;
c) a utilização, recrutamento ou a oferta de crianças para a realização para a reali-
zação de atividades ilícitas, em particular a produção e o tráfico de entorpecentes,
tais com definidos nos tratados internacionais pertinentes; e,
d) o trabalho que, por sua natureza ou pelas condições em que é realizado, é
318 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

suscetível de prejudicar a saúde, a segurança ou a moral das crianças”.

No artigo 4º, estabelece-se a obrigação de os Estados que ratifiquem a


Convenção determinarem, pela legislação nacional ou pela autoridade compe-
tente, após consulta a organizações de empregadores e trabalhadores, os tipos
de trabalho a que se refere a alínea “d” do artigo antecedente, ou seja, aqueles
que, por sua natureza ou condições de execução, são suscetíveis de prejudicar
a saúde, a segurança ou a moral das crianças18. Tal lista deverá ser examinada e
revista de forma periódica.
A Convenção n. 182 estabelece, ainda, a obrigação de que sejam criados
mecanismos de monitoramento (artigo 5º), de se implementarem programas
de ação para eliminar, como medidas prioritárias, as piores formas de trabalho
infantil (artigo 6º), inclusive com o estabelecimento e aplicação de sanções
penais ou de outra espécie (artigo 7º).
Acerca das medidas adotadas pelos Estados que ratificaram a Convenção,
nota Lelio Bentes Corrêa:
“Mais de 90 Estados-partes adotaram planos de ação e programas de âmbito
nacional para a erradicação das piores formas de trabalho infantil até hoje. No
Brasil, o Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil foi
publicado em 2004, e revisto em 2011.”19

Além disso, em seu artigo 8º, a Convenção possibilita aos Estados to-
marem medidas de apoio recíproco para a aplicação dos seus dispositivos, por
meio de cooperação ou assistência internacionais intensificadas, que incluirão
o apoio ao desenvolvimento social e econômico, programas de erradicação da
pobreza e de educação universal.
A Convenção n. 182 é complementada pela Recomendação n. 190,
editada em 1999, estabelecendo que os programas de ação mencionados na
referida Convenção deverão ser implementados em caráter de urgência, em
consulta com instituições governamentais, organizações de empregadores e de
trabalhadores, e levando em consideração a opinião das crianças diretamente
afetadas pelas piores formas de trabalho infantil, de suas famílias e de outros
grupos interessados. Segundo Florença Dumont Oliveira:
“Entre os objetivos de tais programas deve-se identificar e denunciar as piores

18 No Brasil, para o cumprimento de tal previsão da Convenção n. 182, foi elaborada a denominada LISTA
TIP – Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil, por meio do Decreto n. 6.418, de 12 de junho de 2008.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Decreto/D6481.htm>. Acesso
em 12 out. 2019.
19 CORRÊA, Lelio Bentes. O trabalho infantil sob a perspectiva internacional. In: CALSING, Renata de Assis;
ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de (Coord.). Direitos humanos e relações sociais trabalhistas. São Paulo:
LTr, 2017, p. 187.
Adriana Goulart de Sena Orsini – Raquel Betty de Castro Pimenta 319

formas de trabalho infantil, não só impedindo tal labro como protegendo crian-
ças resgatadas, que deverão ter garantidas sua inserção social por meio de medidas
que atendam a suas necessidades educacionais, físicas e psicológicas.
Ademais, prevê a referida Recomendação que seja dispensada especial atenção às
crianças mais jovens, às menias e ao problema do trabalho oculto. Neste ponto,
merece destaque o trabalho doméstico de crianças e adolescentes, cujo combate
é mais árduo, por ocorrer dentro das residências, dificultando a fiscalização,
inclusive em razão da inviolabilidade do domicílio. Por esse motivo, fundamen-
talmente em casos de trabalho infantil doméstico, é elementar a conscientização
e sensibilização social.
Aliás, a Recomendação em comente também prevê, como objetivos dos alu-
didos programas de ação, a necessidade de informar, sensibilizar e mobilizar a
opinião pública e os grupos interessados, inclusive as crianças e suas famílias. Tal
sensibilização é essencial, mormente em países como o Brasil, onde ainda há,
lamentavelmente, uma conivência social com a questão do trabalho infantil.”20

4. O PROGRAMA NACIONAL DE COMBATE AO


TRABALHO INFANTIL E DE ESTÍMULO À APRENDIZAGEM,
DO CONSELHO SUPERIOR DA JUSTIÇA DO TRABALHO
A erradicação do trabalho infantil é também uma luta do Poder Judiciário
brasileiro, em especial da Justiça do Trabalho, que vem colaborando com o
cumprimento do compromisso assumido pelo Brasil diante da comunidade
internacional de extinguir as piores formas de trabalho infantil até 2020.
Entretanto, o sucesso dessa luta depende da articulação entre os Poderes
Executivo, Legislativo, Judiciário, o Ministério Público e as organizações não
governamentais da sociedade civil, pois somente por meio de ação conjunta e
engajada será possível a erradicação do trabalho infantil.
Assumindo o compromisso, bem como a sua parte de responsabilidade
neste tema, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e o Tribunal
Superior do Trabalho (TST) buscam sensibilizar e instrumentalizar os juízes do
trabalho, seus servidores e o conjunto da sociedade brasileira, para, empenhando
todos os esforços, reconhecer o trabalho infantil como grave forma de violação de
direitos humanos, e a responsabilidade de todos no seu combate e erradicação.
Desde 2012, a Justiça do Trabalho vem empreendo ações concretas para
o tratamento e enfretamento do trabalho infantil. A instituição, por meio do
20 OLIVEIRA, Florença Dumont. Abolição efetiva do trabalho infantil. In: ROCHA, Cláudio Jannotti da; LU-
DOVICO, Giuseppe; PORTO, Lorena Vasconcelos; BORSIO, Marcelo; ALVARENGA, Rúbia Zanotelli
de (Coord.). Direito internacional do trabalho: aplicabilidade e eficácia dos instrumentos internacionais de
proteção ao trabalhador. São Paulo: LTr, 2018, p. 435.
320 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Ato n° 99/CSJT.GP.SG, de 4 de maio de 2012, da Comissão Nacional sobre


Trabalho Infantil e, no mesmo ano, por meio do Ato Conjunto n° 21/TST.
CSJT.GP, da Comissão de Erradicação do Trabalho Infantil e de Proteção ao
Trabalho Decente do Adolescente são exemplos concretos do engajamento do
Poder Judiciário Trabalhista.
O Programa de Combate ao Trabalho Infantil no âmbito da Justiça do
Trabalho foi instituído em 11 de novembro de 2013, por meio do ATO Nº
419/CSJT que dispôs sobre seus objetivos, linhas de atuação, a criação do
portal do Programa, entre outros.
Em 14 de março de 2016, por meio do Ato n° 63/CSJT, o nome do
“Programa de Combate ao Trabalho Infantil” foi alterado para “Programa de
Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem”, denominação
adotada desde então.
O Programa de Combate é coordenado pela Comissão Nacional de Er-
radicação do Trabalho Infantil da Justiça do Trabalho, criada levando-se em
consideração o dever institucional da Justiça do Trabalho de atuar ativamente
no estímulo de políticas para erradicação do trabalho infantil e para proteção
do trabalho decente do adolescente e tendo a reponsabilidade social como
estratégia. Atua por meio de Comissões Regionais nos vinte e quatro tribunais
do trabalho.
Entre suas atribuições está a de coordenar as ações, projetos e medidas
a serem desenvolvidas pela Justiça do Trabalho em prol da erradicação do
trabalho infantil no Brasil e da proteção ao trabalho decente do adolescente.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho infantil é uma das mais graves violações dos direitos huma-
nos, e seu combate é um dos eixos fundamentais de atuação da Organização
Internacional do Trabalho e de todos os Estados que fazem parte do orga-
nismo internacional.
A erradicação do trabalho infantil é uma das principais formas de se dar
efetividade ao dever de proteção integral e prioritária à criança e ao adoles-
cente, de concretizar os princípios da dignidade da pessoa humana e do valor
social do trabalho, bem como de se atingir uma sociedade justa, igualitária
e socialmente responsável.
O trabalho infantil priva crianças e adolescentes de uma infância
verdadeiramente saudável, criando empecilhos de ordem prática em sua
Adriana Goulart de Sena Orsini – Raquel Betty de Castro Pimenta 321

escolarização e qualificação profissional futura, o que acaba por impactar


diretamente na manutenção da pobreza e desigualdade social, e dificultando
o desenvolvimento de todos os Estados.
Desse modo, importante dar-se efetividade às Convenções Internacio-
nais do Trabalho referentes ao tema do combate ao trabalho infantil, com
implementação dos compromissos assumidos pelo Estado brasileiro peran-
te a comunidade internacional. Um exemplo concreto de tais iniciativas
é o Programa Nacional de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à
Aprendizagem, do CSJT/TST, que vem contribuindo para o envolvimento
do Poder Judiciário Trabalhista na luta contra a triste realidade que atinge
milhares de crianças e adolescentes no Brasil.

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ção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que trata da proibição das piores formas de trabalho
infantil e ação imediata para sua eliminação, aprovada pelo Decreto Legislativo no 178, de 14 de dezembro de
1999, e promulgada pelo Decreto no 3.597, de 12 de setembro de 2000, e dá outras providências. Disponível
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do Programa de Combate ao Trabalho Infantil no âmbito da Justiça do Trabalho. Disponível em: <https://
juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/81593/2016_ato0063_csjt.pdf?sequence=1&isAllo-
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O “8 DE MARÇO” DE 1857, OS PARADIGMAS E
PARADOXOS DOS MOVIMENTOS DE MULHERES
(FEMINISTAS?) NO BRASIL E A DISCUSSÃO NO
ÂMBITO DA OIT
“THE 8 DE MARCH” OF 1857, A PARADIGMS AND PARADOXES
OF WOMEN’S (FEMINISTS?) MOVEMENTS IN BRAZIL AND ILO
DISCUSSION

Lutiana Nacur Lorentz1

RESUMO: No presente estudo a autora procedeu ao inventário tanto dos vários


movimentos feministas no Brasil de forma crítica, quanto da normatividade de
gênero no mundo e no Brasil, por pesquisa bibliográfica, através da chave de
leitura do feminismo descolonial adotado em Lugones e depois do feminismo
interseccional de Fraser. Também foi feita pesquisa estatística de remuneração de
gêneros, no Direito do Trabalho, com ênfase nas convenções da OIT, em âmbito
criminal e na representação legislativa as quais comprovam as discriminações e
assimetrias de gêneros no Brasil. Após foi analisada a infomisoginia atual dos
Red Pills, Chan’s, MRA’s, INCEL’s que redundou na “Lei Lola” e ao final foram
feitas proposições evolutivas com vistas tanto à evolução na simetria de gêneros
no Brasil, quanto a ressignificação dos reais movimentos feministas.
Palavras-chave: normatividade antiga e atual; infomisogenia: incel’s; oit; con-
venções; estatísticas; propostas.
ABSTRACT: In the present study, the author took stock of both the various fe-
minist movements in Brazil critically and of gender normativity in the world and
in Brazil, through bibliographic research, through the reading key of decolonial
feminism adopted in Lugones and after Fraser’s intersectional feminism. Statis-
tical research on gender remuneration, in Labor Law and Conventions of ILO
(International Law Organization) was also carried out, in the criminal sphere and
in legislative representation, which prove the gender discrimination and asym-
metries in Brazil. Afterwards, the current infomisogyny of the Red Pills, Chan’s,
MRA’s, INCEL’s, which resulted in the “Lola Law”, was analyzed and in the end

1 Procuradora Regional do Trabalho em Minas Gerais. Mestre e Doutora em Direito Processual pela PUC
MINAS, visitante na Universidade La Sapienza de Roma, professora Adjunta I (admitida por concurso) da
graduação e mestrado da Universidade FUMEC, durante dez anos, ganhadora do Prêmio Evaristo de Morais
Filho por três vezes. Atualmente também é professora da Escola Superior do Ministério Público da União
(ESMPU) e assessora do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) na Comissão de Defesa de
Direitos Fundamentais. CV: http://lattes.cnpq.br/1516587726318143.
324 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

evolutionary propositions were made with a view to both the evolution in gender
symmetry in Brazil and the resignification of the actual feminist movements.
Keywords: past and currente normativity; infomisogenia: incle’s; ilo; conven-
tions; statistics.; proposals

1. INTRODUÇÃO
Este artigo tem como propósitos investigar uma análise crítica dos 10
(dez) principais tipos de feminismo: (1º) o feminismo carreirismo- branco;
(2º) o neoliberal; (3º) o negro; (4º) o feminismo verde, ou ecofeminismo;
(5º) o interseccional; (6º) o social democrático; (7º) o comunista e o socialis-
ta; (8º) o comunitário; (9º) O LGBTIQ+ (10º) e o descolonial. As chaves de
leitura deste trabalho são primeiro lugar o feminismo descolonial (Lugones)
e depois o interseccional (Fraser).
Foi analisada a questão da mulher, em geral, nas angulações normativas e
históricas, no mundo e no Brasil. Inventariou-se a normatividade feminina no
mundo (método indutivo) e no Brasil (método dedutivo), incluindo a questão
da infomisoginia (Chan’s, MRA’s, INCEL’s) na sequência analisou-se as quatro
grandes fases do movimento feminista no mundo e no Brasil. Foi feita uma
pesquisa estatística que comprova as discriminações sofridas pela mulher no
Brasil em quatro recortes: remuneração (redistribuição), Feminicídios, mídia
(reconhecimento) e representatividade (Poder Legislativo). Foram feitas pes-
quisas bibliográficas e estatísticas sobre a situação do gênero feminino feito
pela Organização das Nações Unidas (ONU), Organização Internacional do
Trabalho (OIT), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e no Conselho Nacional do Mi-
nistério Público (CNMP). Na conclusão, foram apresentadas proposições de
ressignificações evolutivas de gênero, no Brasil.

2. ANÁLISE DOS DEZ TIPOS DE FEMINISMO: DO


CARREIRISMO BRANCO AO DESCOLONIAL
A presente pesquisa irá apresentar de uma maneira perfunctória (apesar
de reconhecer-se a prejudicialidade das categorizações analíticas do capitalis-
mo separatista e desagregador) apenas para fins de reconhecimento crítico os
10 (dez) principais tipos de feminismo: (1º) o feminismo carreirismo- bran-
co;(2º) o feminismo neoliberal; (3º) o feminismo negro; (4º) o ecofeminismo,
ou feminismo verde; (5º) o interseccional; (6º) o social democrático; (7º) o
Lutiana Nacur Lorentz 325

comunista e o socialista; (8º) o comunitário; (9º) o LGBTIQ+ (10º) e o des-


colonial. Entretanto, vale fazer a ressalva de que vários tipos de feminismos
se sobrepõem e ligam-se enquanto outros se opõem.
O feminismo carreirismo-branco, ou de conveniência, ou “de perfumaria”,
na verdade é uma fraude ao real movimento porque tem como reais propósitos
alavancar a carreira de específicas mulheres, em geral brancas, mas estas reprodu-
zem os motes da sociedade patriarcal, machista e excludente tanto internamente,
ou seja, nas próprias casas oprimem, empregadas domésticas em regra, negras e
são refratárias (externamente) a libertação das mulheres (notadamente pobres)
negando-lhes direitos sociais fundamentais, notadamente os trabalhistas. A estes
movimentos são apresentados os questionamentos: o que significa seu “nós”
mulheres brancas? Em que tipo de realidade vocês trabalham? Uma única? La-
mentavelmente, é o mais recorrente hoje em dia, sobretudo de algumas bancadas
religiosas de extrema direita que entendem que a forma de libertação das mu-
lheres é justamente tirar-lhes direitos e mantê-las em situações subalternizadas.
Este “feminismo” (na verdade, movimento de mulheres) aderiu ao PL
867/2015, “Escola Sem Partido” que visa negar as discriminações em geral e ao
gênero feminino. -Neste sentido foi apresentado o PL 867/2015, “Escola Sem
Partido”, em 23-3-2015 e reapresentado inúmeras. Este PL visa eliminar dis-
cussões religiosas, morais e sexuais do debate acadêmico e escolar em oposição a
jusfundamentalidade da Liberdade Docente e Discente da CF/88, art. 206, II e
da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra
a Mulher (Convenção Belém do Pará) ratificada pelo Brasil, art.8º, letra “B”:
“b) modificar os padrões sociais e culturais de conduta de homens e mulheres,
inclusive a formulação de programas formais e não formais adequados a todos
os níveis do processo educacional, a fim de combater preconceitos e costumes
e todas as outras práticas baseadas na premissa da inferioridade ou superiori-
dade de qualquer dos gêneros ou nos papéis estereotipados para o homem e
a mulher, que legitimem ou exacerbem a violência contra a mulher;” (G.N.)
O feminismo neoliberal alinha-se de certa forma ao carreirismo-bran-
co porque propugna pela retirada de direitos trabalhistas às mulheres em
geral, mas diferencia-se do mesmo, porque além disto, pretende a retirada
do Estado da maior parte das relações deixando “ao mercado”, ou melhor,
às transnacionais, grandes empresas nacionais e bolsa de valores o coman-
do da economia (e do mundo) em um verdadeiro capitalismo sem peias,
prevalecendo a lei do mais forte, a formação de cartéis, ausência de direito
de concorrência, aumento da miséria dos empregados (e da população em
geral), volta do trabalho escravo (MIRAGLIA, 2015) e infantil, concentração
brutal de renda, aumento da correlata criminalidade (WACQUANT, 2001)
326 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

etc. Também é um movimento de cooptação do capitalismo de rapinagem.


O feminismo social democrático (PORTO, 2017) é aquele que apesar
de não propor a mudança do sistema capitalista (este é o feminismo comu-
nista, ou socialista) entende que é mais necessário do que nunca a presença
do Estado como regulador das relações jurídicas, trabalhistas, econômicas
e notadamente a distribuição forçada de renda (forçada) pela forte presença
de um Direito do Trabalho com densa, progressista e expansiva proteção social.
O feminismo negro tem em Djamila Ribeiro (RIBEIRO, 2017) acadê-
mica e filósofa brasileira uma referência (criadora da teoria do “Lugar de Fala”
que aliás coincide, em parte, com uma música de outra ativista negra Soares,
Elza Soares, “O que se Cala”) cita-se também a professora e filósofa americana
Ângela Davis (DAVIS, 2019) que propugnam pela confluência das questões de
gênero com raça e cor, com prevalência nestas. Em suma, Ribeiro defende que
a negativa de discriminação de raça da mulher branca ocorre devido a diferentes
“modus vivendi”, ou de “lugar de fala” com relação à negra.
O feminismo verde também visa ao feminismo de convergência pelo cru-
zamento de questão de gênero com questões ambientais. Este trabalho entende
que estes dois últimos feminismos de convergência são extremamente necessários
até porque na historicidade do feminismo, na gênese verificar-se-á que ele nasceu
exitosamente da convergência entre trabalhistas e sufragismo, vide filmografia:
As Sufragistas- Mães, Filhas, Revolucionárias, direção, direção Sarah Gavron,
Univesal Pictures, 1 hora e 47 minutos, 2015 (lançamento no Brasil).
O feminismo interseccional tem em Nancy Fraser (FRASER and
HONNETH, 2003), filósofa americana um paradigma e também é de con-
vergência. Defende que há um verdadeiro cruzamento de várias questões
discriminatórias como que em camadas: há tanto discriminação de gênero,
quanto de raça e cor, classes sociais, etc. agudizando no cruzamento destas
camadas a discriminação. Ela inclui na sua teorética uma tríplice angulação
para verificação da posição das minorias (gênero feminino): a questão da
representatividade (em todas as esferas de poder), redistribuição (material)
e reconhecimento (esta não como forma de homogeneidade e sim de cons-
ciência interna do grupo discriminado sobre sua situação).
O feminismo comunitário e revolucionário surgiu na Bolívia, tendo uma
das matrizes em Julieta Paredes Carvajal (CARVAJAL 2019), poeta e ativista
boliviana (além de Yuderkis Mimosa e Ochy Curiel, da República Domini-
cana) e tem como bases a destituição do patriarcado, a defesa sobretudo nos
países colonizados de repúdio a globalização como farsa (SANTOS, 2015) e
valorização do localismo para preservar-se as relações comunitárias, os saberes
Lutiana Nacur Lorentz 327

e práticas locais de cultivo, tecelagem, de cosmos e religiosidade. Critica a


epistemologia eurocêntrica, “moderna” e ocidental e busca o comunitário ao
revés do individual como objetivo. Elas entendem que a Bolívia tem que fazer
seu próprio feminismo e que será este que incluirá os homens.
O feminismo LGBTIQ+ tem como principal referência a filósofa ameri-
cana Judith Butler (BULHER, 2003) e Jack Halberstam. Aquela defende que
o sexo não seja visto como dual e sim múltiplo e defende que o cria gênero é
comportamento, defende o direito da mulher ao prazer, seu direito de escolha;
lésbicas, gays, bissexuais e transexuais, à sua não objetificação, valorização de
sua liberdade de adotar o comportamento que reputar conveniente e que ela
não tenha que se portar da maneira ditada pela sociedade machista e patriarcal
para ser respeitada, ou até culpabilizada por estupros.(LOURES, 2016)
O feminismo descolonial tem em Maria Lugones (LUGONES, 2019)
argentina, professora da universidade Binghantom (NY) e Rita Laura Segato
(SEGATO, 2007), argentina, antropóloga e professora na UNB, referências.
Lugones propugna pela análise da colonialidade (sistema de poder capitalista no
mundo) e consequente desumaninação do colonizado e sobretudo da mulher
colonizada, trabalhando interseção de questões de gênero com várias marcas
deixadas na América Latina e Caribe pela colonização, sustentando que a mesma
não é apenas um “locus” físico, mas sobretudo uma captura da (inter)subjetivi-
dade; defende que os colonizados se mantêm num estado de (subalternidade,
clarificando que as mulheres brancas colonizadoras (de forma recorrente) eram
guardiãs do sistema patriarcal o que reflete-se até hoje sobretudo nas mulheres
das classes médias e alta que continuam a oprimir as mulheres pobres (em regra
negras) e negam a existência da qualquer discriminação de gênero.
A autora trabalha com a dicotomia humano (colonizado europeu) e inu-
mano (colonizados) que são consideradas aberrações do colonizador branco,
perfeito, as mulheres inversões de virago objetificada as quais são negadas a
legitimidade, voz, sentido e visibilidade e as consequências atuais desta cisão.
Entende que os construtos centrais de capitalismo mundial se assentam na tríade
opressão: de gênero racializada, sexualizada e de classe (há contratos no capi-
talismo de dominação racial e sexual). Este artigo não pode deixar de citar o
Whiteman Burden (“o fardo do homem branco” colonizador e a conjugação do
colonialismo, imperialismo, “Estado de Direito” e civilização dos “bárbaros”)
como pressupostos inclusivamente do Nazismo (MATTEI and NADER, 2013).
Este artigo defende que sejam desmascarados e denunciados os “femi-
nismos” de farsa (movimento de mulheres de rapinagem – “rape” estupro em
inglês) e que haja ressignificação dos reais movimentos feministas que devem
328 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

ser de convergência: o feminismo negro, verde, interseccional, social demo-


crático, descolonial, etc.

3. BREVE INVENTÁRIO JURÍDICO DA NORMATIDADE


CONCERNENTE À MULHER NO MUNDO E NO BRASIL
Inicialmente a presente pesquisa objetivou um breve inventário jurídico
do tratamento normativo dispensado à mulher, com metodologia de pesquisa
bibliográfica e estatística, tendo sido feita a pesquisa no mundo (método dedu-
tivo) e no Brasil (método indutivo). Os códigos foram escolhidos por critério de
preponderância e não por linearidade temporal (LORENTZ e MATA, 2019).
Existem relatos de algumas sociedades matriarcais nas famílias bárbaras, poliândri-
cas (ENGELS, 2014), entretanto na antiguidade a sociedade era essencialmente
patriarcal para todos as normatividades antigas: os Dez Mandamentos, a Lei das
Doze Tábuas e Código de Hamurabi, nos quais a mulher é objetificada ao ponto
de literalmente constar na lista de bens do marido. Nos Dez Mandamentos (AL-
BERGARIA, 2012) ela aparece junto à casa, servos (as), bois e jumento do marido:
“Não terás outros deuses além de mim…Honra teu pai e tua mãe, a fim de que
tenhas vida longa na terra que o Senhor,o teu Deus, te dá. Não matarás.Não
adulterarásNão furtarás….Não cobiçarás a casa do teu próximo. Não cobiçarás
a mulher do teu próximo, nem seus servos ou servas, nem seu boi ou jumento,
nem coisa alguma que lhe pertença. (G.N. E N.N.)
O Código de Hamurabi (ALBERGARIA, 2012) que é considerado o
documento jurídico mais importante do mundo antigo, antes da Grécia
Antiga (séculos VXIII e XVII, a.C.) previa que se a mulher tivesse compor-
tamento defeituoso, ou por não ser virgem, poderia ser morta pelo marido,
perdoada ou devolvida ao pai (cap. IX e X, nº 129). Na Lei das Doze Tábuas
(ALBERGARIA, 2012) base do Direito Romano (450/451 A.C.), a mulher ou
aparece também como sujeita ao poder do marido ou como insana (Tábuas 6ª
e 10ª) e o pátrio poder tem a extensão de vida e morte dos filhos (Tábua 4ª).
Em âmbito mundial, a gênese do chamado “8 de março”, Dia Interna-
cional da Mulher, data de 8 de março de 1857 quando houve uma greve de
mulheres em Nova York, na fábrica Cotton, reivindicando licença-materni-
dade e jornada dia de 10 horas. Os policiais atearam fogo e 129 (cento e vinte
e nove) operárias foram queimadas. Esse movimento ficou conhecido como
“trabalhismo” e teve convergência com o “sufragismo”, no qual as mulheres
pleiteavam direito ao voto. O “8 de março” das mulheres antecedeu o chamado
“1º de maio” (Dia Internacional do Trabalhador) em 29 anos, cujas origens
também foram de outra greve ocorrida em 1º de maio de 1886 de homens e
Lutiana Nacur Lorentz 329

mulheres em Chicago que objetivava a redução de jornada para 8 horas dia


e resultou em prisões e morte por enforcamento de grevistas.
No Brasil, o Código Civil de 1916, no artigo 6º, considerava a mulher
relativamente incapaz, sendo equiparada aos menores, aos pródigos e aos
silvícolas. Seus atos precisavam da validação do pai (quando solteira), ou do
marido (quando casada) e pelo art. 242 precisavam de autorização marital
para trabalhar. Somente em 1932, com a reforma do Código Eleitoral, as
mulheres conquistaram o direito ao voto no Brasil (o que efetivou-se em 1946
com o voto feminino obrigatório) direito alcançado a partir de ações desde
políticas até armadas de sufragistas como Elvira Kolmer (GAMA, 1987),
advogada, que com 23 (vinte e três) anos arregimentou e liderou batalhão
armado, em 1930, com alistamento de 8 mil mulheres. Também se desta-
ca a ação da Sufragista e Trabalhista Bertha Lutz (ABREU, LATTAMAN,
AMARÃO, 2001) que lutou pela educação e sufrágio feminino, foi Deputada
Federal, defendeu licença maternidade de 3 meses (à época, 1936), jornada
de 13 horas para mulheres, igualdade remuneratória com homens, etc.
O art. 6º do Código Civil de 1916, a partir da conquista do direito ao
voto feminino, foi alterado pela Lei nº. 4121, de 27-08-1962 (Estatuto da
Mulher Casada) e pela Lei nº. 6515, de 2-12-1977 (Lei do Divórcio).
Com a Constituição de 1988 foi ressignificada a questão de gênero. Após
intensa luta capitaneada principalmente por movimentos feministas (BERTO-
LIN, 2018) foi prevista constitucionalmente a igualdade entre os gêneros, em
todos os âmbitos (art. 5º, I) e também na sociedade, que passa ser, de patriarcal,
para familiar (art.226, §5º e §8º). Seguindo essa base matricial, o Código Civil
de 2002, promove a simetria entre mulheres e homens, na sociedade familiar e
fora dela (arts. 3º, 4º,1571, 1631-1634). Do mesmo modo estabelecem duas
relevantes convenções internacionais: a Convenção Interamericana para Pre-
venir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, concluída em Belém do
Pará, em 09-06-94 e promulgada pelo Dec. nº. 1.973, de 1-8-96 e a Conven-
ção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher,
de 1979, da ONU, promulgada pelo Dec. nº. 4.377, de 13-09- 2002, além
das ratificações das Convenções 100 e 111, da OIT.
Na esfera do Direito do Trabalho, a Lei nº. 9029, de 13-04-95 (CLT,
art. 373, A) estabeleceu vedação de práticas como: realização de exames de
esterelidade como condição de admissibilidade, dispensa em virtude de gra-
videz, revistas íntimas, exigência de que a mulher a ser contratada tenha “boa
aparência”, dentre outras. Porém, os artigos da Lei nº. 13.467, de 13-07-17
sobre compensação de jornada em condições insalubres implicarão no aumento
330 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

do desemprego feminino, em claro retrocesso na proteção da mulher. Também


numa análise recente do Direito Penal (Código Penal de 1940) observa-se que
era recorrente o uso da expressão “mulher honesta”, não no sentido de mulher
que cumpre suas obrigações de cidadã, quita suas dívidas etc., mas sim aquela
que se comporta da maneira como a sociedade patriarcal define, submetendo-
-se a valores preconceituosos naturalizados. Tal expressão inacreditavelmente
esteve inscrita na legislação brasileira até o advento da Lei nº. 12.015, de
7-8-2009 (ou seja, por 69 anos!) quando finalmente crimes contra mulheres
deixaram de ser avaliados tendo em conta pretensa honestidade da vítima.
Ainda na ótica do Direito Penal, como já mencionado o Brasil ratifi-
cou a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
contra a Mulher, concluída em Belém do Pará a Convenção sobre a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979, da ONU,
tendo sido acionado por inúmeros casos de agressões à mulher, inclusivamente
ocorridos com Maria da Penha Maia Fernandes, os quais, levados à Corte In-
teramericana, impulsionaram a aprovação da Lei nº 11.340, de 07-08- 2006
(Lei Maria da Penha) e, posteriormente, tendo sido acionada a ONU com
denúncia de que o Brasil tinha passado em 2013 do nada honroso 7º lugar
em Feminicídios para o vergonhoso 5º lugar mundial foi aprovada a Lei nº.
13.104, de 9-03-15 (Lei do Feminicídio).

4. A INFOMISOGINIA: MEN’S RIGHTS ACTIVISTS (MRA’S),


MASCULINISTAS (“MASCU’S”) E INVOLUNTARY CELIBATES
(INCEL’S)
A misoginia na era digital da Quarta Revolução Industrial se alastrou,
com a terminologia de “infomisoginia” valendo-se sobretudo do anonimato
e facilidade de cooptação de seguidores no mundo, através dos Chan’s (dimi-
nutivo de Channel, canais da internet da Web Profunda ou Deep Web) que
hospedam comunidades composta por homens supremacistas de gênero (mas-
culino) e de cor (brancos) com características: ódio às mulheres – em especial
negras, ou simplesmente empoderadas , crise de masculinidade, espetaculari-
zação da violência, considerando notadamente que o homem (e não a mulher)
é o oprimido pela sociedade atual.
Estes Chan’s têm vários nomes desde “Red Pill” os Men’s Rights Activists
– MRAs (ZUCHEBERG, 2018) até os mais agressivos ‘INCEL’s” (Involuntary
Celibates), mais comuns nos EUA, mas que têm migrado para o Brasil com o
nome “Masculinistas” – “MASCUS”. Seus membros usam da infomisoginia
agressiva, que em resumo vai desde “manuais de sedução”, aparentemente ligados
Lutiana Nacur Lorentz 331

ao filósofo Ovídio, até “manuais de estupro” de mulheres, ataque à reputação


mediante a criação de perfis falsos da mulheres na internet, com o propósito de
atribuir-lhes prática de abortos de fetos masculinos, castração, etc., chegando ao
ponto de incentivar a realização de chacinas. Pesquisadora de estudos clássicos,
Donna Zuckerberg realizou estudo sobre esse submundo e causou espécie ao
divulgar um número imenso de homens membros de INCEL’s.
No Brasil, a misoginia digital, assim como nos EUA, vem crescendo
exponencialmente, sendo uma prática constante contra inúmeras mulheres,
em especial mulheres negras e que ocupam cargos de poder, tais como Do-
lores Aronovich Aguero (Lola Aronovich), professora de Literatura Inglesa
da Universidade Federal do Ceará e ativista feminista, que foi perseguida e
ameaçada por grupos misóginos com práticas de infomisoginia (https://www.
viomundo.com.br/denuncias/blogueira-lola-aronovich-e-ameacada-por-mem-
bros-de-forum-que-dois-assassinos-de-suzano-frequentavam-veja-mensagens.
html, acesso em 07-4-2019). Após intensa luta política, foi promulgada a Lei
nº.13.642, de 3-4-2018 (“Lei Lola”), de combate a misoginia digital, atribuindo
à Polícia Federal a investigação de crimes que propaguem ódio ou aversão às
mulheres. As operações da PF “Bravata” e Intolerância” culminaram em prisões,
inclusive do agressor digital da Professora. A PF ligou o massacre de Nova Ze-
lândia https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/mundo/2019/03/18/
interna_mundo,743594/apos-massacre-nova-zelandia-vai-restringir-acesso-as-
-armas-de-fogo.shtml, acesso em 07-4-2019. A estes grupos de INCEL’s e já
está em fase adiantada de investigações do liame dos “MASCU’s” ao Massacre
de Suzano, no Brasil (https://www.dw.com/pt-br/os-massacres-de-christchurch-
e-suzano-e-o-lado-obscuro-da-internet/a-47945454, acesso em 07-4-2019).

5. DIVERSAS FASES DO MOVIMENTO FEMINISTA E


PESQUISA ESTATÍSTICA NO DIREITO DO TRABALHO E
ANÁLISE DAS CONVENÇÕES DA OIT, DIREITO PENAL E
PODER LEGISLATIVO NO BRASIL
Usando de técnica incialmente analítica e, ao final, sistêmica, será feita a
análise das fases do movimento feminista, o qual se divide em quatro grandes
marcadores históricos não lineares e sim preponderantes e sujeitos a retrocessos
constantes. Tal análise será realizada primeiramente no panorama mundial e
em seguida na realidade do Brasil. Marshall (MARSHALL, 1967) defendia
existir uma ordem de conquista de direitos: em primeiro lugar seriam os civis,
após viriam os políticos e, doravante, os sociais. A primeira fase do Movimento
Feminista teve início no final do século XIX e durou até 1945, tendo como
332 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

principais focos: o direito ao voto feminino (“Sufragistas”), o direito a salário


igual pelo mesmo trabalho realizado pelo homem, direito à educação para a
mulheres etc. No Brasil, por pesquisa estatística com base em dados secun-
dários tanto do Direito do Trabalho (angulação remuneração) e análise das
Convenções da OIT, Direito Penal (angulação feminicídios) e Poder Legisla-
tivo (angulação representatividade) comprova-se a permanência, até os temos
atuais, de grave assimetria entre os gêneros em todos os aspectos abordados.
Nas eleições de 2018, apesar de as mulheres serem quase 52% da população,
não se atingiu na última legislatura 15% de representatividade.
PERCENTUAL
TOTAL:
NÚMERO: NÚMERO: REPRESEN-
CASA PARLAMEN-
HOMENS MULHERES TAÇÃO:
TARES
FEMININA.
Deputados 513 436 77 15%
Senado
81 72 11 13,6%
Federal

Legislatura de Total de Parlamen- Parlamentares Percentual


tares
Minas Gerais Parlamentares Homens Mulheres Feminino

Deputados
53 49 04 7,5%
Federais
Deputados
77 67 10 13%
Estaduais
Senadores 3 3 0 0%

As conclusões são que o Brasil ocupa a 115ª posição no ranking mun-


dial de presença feminina no Parlamento dentre os 138 países analisados pelo
Projeto Mulheres Inspiradoras (http://www.marlenecamposmachado.com.br/
documentos/pequisa-presenca-feminina-noparlamento.pdf, acesso em 14-3-
2018), com base no banco de dados primários do Banco Mundial (BIRD) e
do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A representação feminina, no Legislativo
do Brasil é uma das piores do mundo, ficando atrás de Ruanda.
No que concerne à segunda grande pauta da primeira fase do Movimento
Feminista – remuneração igual para trabalho de gênero igual, em 2015 as mu-
lheres recebiam em média 72,7% do que era pago para homens segundo o IBGE
(Secretaria de Previdência. Ministério da Fazenda. Política de Proteção Social e
Igualdade de Gênero. Brasília:DF, nov.2017). Segundo o Banco Mundial, o Brasil
é um dos piores países do mundo no quesito diferença de renda entre homens e
Lutiana Nacur Lorentz 333

mulheres (ttp://www.worldbank.org/content/dam/Worldbank/Event/Gender/
GenderAtWork_web2.pdf, acesso: 04/03/2018) o que é corroborado pela OIT
(www.ilo.org/global/about-the-ilo/newsroom/news/WCMS_619550?lang=es,
acesso em 17-04-2019). Estudos realizados também pelo IBGE em 2018, deno-
minados “Sistema Nacional de Informações de Gênero” – SNIG – comprovam
a “dupla” e “tripla” jornada feminina, ou seja, a divisão sexual do tempo do tra-
balho (Https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101551_informativo.
pdf, Informações 08.06.2018, acesso em 15-4-2019):

E por que isso ocorre? As hipóteses levantadas por esta pesquisa (e que
serão provadas no item seguinte, que trata da segunda fase do Movimento Fe-
minista) é de que basicamente são três os motivos: primeiro, porque é somente
a mulher que goza do direito de licença ampla para os cuidados iniciais com
334 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

filhos e filhas (licença à gestante – de 120 a 180 dias). A licença ao pai em regra
é ínfima (5 a 20 dias). Segundo, porque é senso comum que cabe à mulher,
e “naturalmente” somente a ela, todos os cuidados para com os filhos e a casa
(TEODORO, 2016). Esses dois motivos fazem com que ela tire licença gestan-
te, tenha menos tempo disponível para o empregador, não possa fazer amiúde
horas extras etc., o que culmina no seu menor potencial de contratação, na
sua menor remuneração e, de forma muito recorrente, subemprego e trabalho
na informalidade para conseguir dar conta dessas duplas e triplas jornadas.
Essa divisão sexual do tempo de trabalho doméstico/familiar entre os gêneros no
Brasil, sobrecarregando a mulher, diminui sua remuneração, independência e
perpetua o “ciclo feminino geracional da pobreza”.
Um terceiro fator, que deve ser apontado por sua relevância, é a não
ratificação pelo Brasil da Convenção 156, da OIT, que prevê tratamento
legal diferenciado em favor do trabalhador e da trabalhadora com obrigações
familiares e também a falta de responsabilidade do Estado na manutenção
de creches e escolas para afiançar que a mulher possa sair para trabalhar sem
temores de que seus filhos estarão sem amparo, ou, como ocorre no Brasil
(em franco descumprimento ao art. 212, CF/88) em perigo, notadamente
para as famílias de baixa renda.
Para a demonstração desta hipótese, seguem provas das duplas e
triplas jornadas femininas no Brasil. Com efeito, além do trabalho re-
munerado, externo (produtivo), as mulheres acumulam a maior parte do
trabalho reprodutivo, não remunerado (lar e filhos) validando a tese da
divisão sexual do tempo do trabalho “in pejus” da mulher. Em 2016, o
IBGE (https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/multidominio/
genero/20163-estatisticas-de-genero-indicadores-sociais-das-mulheres-
-no-brasil.html?=&t=resultados, acesso em 7-4-2019) indicou que a
mulher, em média, tem pelo menos o dobro de horas por semana gastas
com o cuidado para com o lar e filhos:
Lutiana Nacur Lorentz 335

Pelo exame dos dados constata-se que, sob os dois grandes motes da pri-
meira fase do Movimento Feminista, o Brasil ainda não atingiu os objetivos
pretendidos pelas Trabalhistas e Sufragistas.
A segunda fase do Movimento Feminista deu-se dos idos do final da
década de 1960 e durou até 1990, tendo referenciado a figura da filósofa
Simone de Beauvoir (BEAUVOIR, 2009) apesar de o livro mencionado ter
sido publicado em 1949, o mesmo passou a ser usado como base matricial
apenas na segunda fase do Movimento), sendo notável o corte promovido por
ela entre dois conceitos diversos: sexo e gênero. A autora clarificou que sexo é
o biológico (homem e mulher) e gênero é a construção complexa histórica do
“papel fixo” da mulher na sociedade nos vieses: social, cultural, político, eco-
nômico etc. Porém, até o advento da obra de Beauvoir, havia a “transposição
automática” de caracteres (pseudo-biológicos, ou de biologismo de má-fé) de
sexo para gênero (BEAUVOIR, 2018) no seguinte senso: sexo homem, macho,
é ativo, detentor da força, da razão, liderança, dominação. Já a Mulher, a fêmea,
seria a passiva, detentora da fraqueza, emoção, irracionalidade, submissão,
função básica de matriz.
Esses conceitos (pseudo-biológicos (SANTOS, 2019) foram “assimila-
dos” pelo gênero: masculino papel de domínio (ou liderança) social, político,
econômico e cultural, trabalho externo, remunerado e reconhecido é papel
principal. Já o feminino seria função de parideira, de mãe, voltada (“natural-
mente”, ou pela “vontade de Deus”) aos cuidados com a prole, com a casa,
ausência de papéis (ou parca presença) nos vieses político, econômico e cul-
tural, ou seja, situação de opressão ou subalternidade. Trabalho que caberia a
ela seria naturalmente o labor dentro de casa, não remunerado, invisibilizado,
secundário. Tanto isto é verdade que, mesmo quando a mulher obteve o di-
reito de trabalhar fora de casa (exceto a negra que desde sempre laborou como
escrava) ela manteve no Brasil a dupla jornada e a tripla jornada (cuidado com
filhos e casa) pouco divido com os homens, conforme dados de 2018 IBGE
(https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101551_informativo.pdf,
acesso em 15-04-2019).
Beauvoir demonstrou o erro da naturalização dos “papéis fixos” de gênero.
Para ela, a superação desses papéis depende do preenchimento, por homens
e mulheres, dos pressupostos: controle de natalidade (felizmente a pílula an-
ticoncepcional foi inventada em 1960), oferta igualitária (https://biblioteca.
ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101551_informativo.pdf, acesso em 15-04-
2019) de oportunidades educacionais (sobre a falta de educação às mulheres há
documentário: Daughters of Destiny, NETFLIX, direção: Vanessa Roth, 240
336 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

minutos, ano 2017), de saúde e, notadamente, pela liberdade de escolha. Com


o preenchimento destes pressupostos mínimos, qualquer dos sexos pode – e deve
– ocupar em protagonismo em espaços políticos, econômicos, culturais e sociais.
Nessa segunda fase, em âmbito mundial foram teorizadas (SAFFIOTI, 1986)
as diversas faces da opressão da mulher, tendo sido criados fóruns de discussões,
horizontalizados, com propósitos de evolução, em parte efetivados no Brasil,
que usaram emblemas como “Quem ama não mata” em resposta ao vetusto e
recorrente “Matar em Legítima Defesa da Honra” (SAFFIOTI, 1986).
Tais discussões se expandiram nas universidades (BITTENCOURT,
2015) incluindo o temário de gênero na pauta do governo, passando-se a
exigir políticas públicas em favor das mulheres na saúde, educação dos filhos
e combate à violência. Nas teorizações dessa Onda surgiu o Feminista Legal
Studies. Nos USA, apesar ter sido assegurado o direito a sufrágio com a 15ª
Emenda, em 1870 a todo cidadão americano (“o direito de voto dos cidadãos dos
Estados Unidos não poderia ser negado ou cerceado pelos Estados Unidos, nem por
qualquer estado da federação, seja por motivo de raça, cor ou de prévio estado de
servidão”), a Suprema Corte dos EUA entendeu que esta emenda não se apli-
cava às mulheres, com interpretação conservadora, patriarcal e discriminatória.
Apenas com a 19ª Emenda, em 1920 é que após muitas lutas as sufragistas,
feministas obtiveram este direito, ou seja, 50 (cinquenta) anos depois, segue:
“o direito de voto dos cidadãos dos Estados Unidos não será negado ou cerceado em
nenhum Estado em razão do sexo”. (ASSIS, 2017), na década 80, na Austrália,
Estados Unidos, etc. o qual sustentava que a perspectiva analítica do gênero
é uma estrutura social importante para produção ou destruição do Direito.
Notadamente no Brasil, desde o século XIX o conceito de “privacidade”
emergiu não apenas como um meio de proteção individual, mas muito mais
como forma de que empresas e famílias ficassem infensas à aplicação das leis.
Nessa realidade foram criados os ditos populares que tanto prejudicaram a
defesa da mulher vítima de violência “em briga de marido e mulher ninguém
mete a colher”. Na Grécia antiga, apesar de a lei ter sido uma conquista como
um comando a ser obedecido por todos, vigorava a “Lei do Pai”, Lei de Oikos
(LORENTZ e SOUZA, 2018) que permitia ao pai, dentro de casa, decepar,
mutilar e até matar. No Brasil, muitos séculos após, a casa da mulher é o lugar
onde se corre mais riscos de sofrer violência, sendo que o país ostenta o vergo-
nhoso 5º lugar no mundo em feminicídios (“violência doméstica”), segundo a
ONU (https://nacoesunidas.org/onu-feminicidio-brasil-quinto-maior-mun-
do-diretrizes-nacionaisbuscam-solucao/, acesso em 15-4-2019.) esta taxa só é
menor que El Salvador, Colômbia, Guatemala e URSS.
Lutiana Nacur Lorentz 337

A terceira fase, ou Pós-Feminismo (BARBOSA e LAGE, 2015) que


ocorreu nos anos 80/90, implicou em uma conduta crítica à segunda fase, ao
conceito homogêneo de ser mulher, sustentou a multiplicidade de diferenças
internas de sexualidade, raça, classe social etc., ou seja, propugnou da diferença
na igualdade, o feminismo plural. Também havia uma crítica muito incisiva em
face do patriarcalismo e assistencialismo estatal. Essa fase marcou um declínio
do movimento feminista, notadamente no Brasil, no qual o Neoliberalismo
atua na destruição de movimentos coletivos (notadamente sindical e feminista)
e direitos sociais arduamente conquistados pelos trabalhadores do segundo
quartel do século XIX.
Em suas pesquisas Delgado (DELGADO, 2006) descreve os motivos
de gênese do Neoliberalismo, em síntese: ausência de contraponto político
(o fim do comunismo e do movimento sindical revolucionário), uma frontal
perseguição ao movimento sindical operário (BAUMAN, 2008); alterações
econômicas (hegemonia do capital especulativo bancos e bolsas de valores), cul-
turalmente pelo individualismo e escolha do consumo como propósito de vida
(DEBORD, 2013), uso da mídia como forma de alienação e fragmentação social
(CHOMSKY, 2013). Tal fase atingiu o Brasil, com efeitos impactantes desta
terceira onda, notadamente a redução das políticas públicas em favor da mulher,
a parca escolarização, a falta de horário integral das crianças em escolas etc., ou
seja, houve redução do espaço público de assistência aos filhos, o que, novamente,
agrava a dupla e tripla jornada da mulher trazendo como consequência, seu tra-
balho parcial e precarizado, bem como o trabalho de crianças (para suprir a falta
de renda familiar), a criminalidade infantil e tantas outras consequências nefastas.
A quarta onda do feminismo, em curso, tem as características: crítica ao
código binário de Beauvoir de sexo (homem e mulher) e gênero (masculino e
feminino), sendo possíveis outros tipos enquadráveis pelo desejo, transexuali-
dade, pelo “queer” (reconhecimento LGBTIQ+), sem bases pré-determinadas
de sexualidades, capitaneado pelo pós-estruturalismo francês e estudos de
Judith Butler, Eve Kosofsky Sedgwick e Jack Halberstam, propugna pelo “po-
sitive body”, novas conformações estéticas, para além dos padrões de beleza e
magreza ditados pelo machismo. Essa fase está ligada a anti-misandria e obje-
tiva o protagonismo do direito da mulher ao prazer, à sua não objetificação,
valorizando sua liberdade de adotar o comportamento que reputar conveniente
e chancelando que ela não tenha que se comportar da maneira ditada pela
sociedade machista e patriarcal para ser respeitada, ou até culpabilizada por
estupros (LOURES, 2016).
Isso ocorreu na “Marcha das Vadias” (“Marcha das Vadias -Movimento
338 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

pelo fim da violência de gênero e da culpabilização da vítima”. https://mar-


chadasvadiascwb.wordpress.com/conheca-a-marcha/porquevadias/, acesso em
25-07-2018: “movimento que se iniciou em Toronto, em 2011, quando nesta
universidade, após ocorrência de vários estupros foi chamada a polícia e esta
disse que não haveria tantos estupros se as estudassem não se comportassem
como vadias. No dia seguinte, em 03 de abril de 2011, aconteceu a primeira
Slutwalk, uma passeata pelo fim da culpabilização da vítima em casos de agres-
são sexual. No Brasil organizou-se, no mês seguinte, a “Marcha das Vadias”,
movimento de enfrentamento à violência doméstica. Usou-se a força da polê-
mica da semântica “vadia” para ressignificá-la no senso que fugiria ao modelo
da sociedade machista.”).
Essa quarta fase também não foi plenamente atingida pelo Brasil, o que
se percebe pelos índices alarmantes tanto de feminicídios (já citados), quanto
pelos homicídios e preconceito aos LGBTGI+, bem como pelo comportamen-
to incessante da mídia no sentido de objetificar a figura feminina. Além disto,
no Ministério Público Brasileiro (MPB), o CNMP pela pesquisa “Cenários”
(http://www.cnmp.mp.br/portal/images/20180622_CEN%C3%81RIOS_
DE_G%C3%8ANERO_v.FINAL_2.pdf, acesso em 15-4-2019) desvelou
imensa assimetrias verifica-se que, quanto mais alto o grau, menor é a repre-
sentação feminina. Esta análise é reveladora da dificuldade que as mulheres
enfrentam para alcançar espaços de poder, ou mesmo obter melhores trabalhos.
Isto porque as assimetrias de tratamento da mulher, no Brasil, já comprovadas
nos outros tópicos no macrossistema brasileiro, se refletem no microssistema
(FOUCAULT, 2001) no MPB. E qual é a consequência? Sobretudo para as
mulheres pobres a dupla e tripla jornada acarreta a obtenção apenas de trabalhos
precarizados, informais, subempregos, ou seja, com menor remuneração e pior
proteção social o que acaba por as submeter, por necessidade econômica, ao poder
patriarcal amiúde violente e tóxico e infelizmente fechando o ciclo da pobreza e
submissão da mulher-trabalhadora-precarizada à violência marital.
Em que pese o Brasil ter ratificado duas Convenções Internacionais da
OIT muito importantes em matéria de gênero a 100 e a 111, OIT (que fazem
parte do “Core Labor Standart”) lamentavelmente não ratificou a Convenção
156, OIT (c/c Recomendação 165, da OIT) que trata de trabalhadores (as) com
obrigações familiares, o que é de essencialidade, notadamente para o Brasil que
é um país em que a mulher é a que sempre têm o “dever naturalizado” dos
cuidados com filhos e casa, além dos deveres laborativos. Em diversos países
em que esta Convenção foi ratificada são previstas licenças especiais para levar
filhos ao médico, jornadas alternativas para que a empregada possa buscá-los
Lutiana Nacur Lorentz 339

na escola, etc. muitos sem redução de remuneração com complementação da


mesma pelo Estado, ou com redução de cargas de tributos para o empregador.
Tais dados só confirmam os dados gerais já descritos, de dupla e tripla
jornada feminina, que foram naturalizados, bem como a discriminação sofrida
pelas mulheres, o que para Bourdieu em resumo é a “dominação masculina”,
em todas as estruturas sociais e de atividades produtivas e reprodutivas, baseadas
em uma divisão sexual do tempo trabalho de produção e de reprodução biológica
e social (BOURDIEU, 2002). Urge a desnaturalização de papéis de gênero
(ADICHIE , 2015) e a tomada de consciência de que o movimento feminista
defenda (WOOLF, 2006) que as únicas diferenças entre gêneros são as bioló-
gicas e que todas as demais foram forjadas historicamente (COMPARATO,
2005), artificialmente construídas e que devem ser transformadas.

6. PROPOSIÇÕES
Em termos proposições gerais propugna-se que o Brasil ratifique a Con-
venção 156, da OIT (e sua Recomendação 165, da OIT) que trata da questão
dos empregados (As) com obrigações familiares, que devem ter tratamento
diferenciado (OIT, 2009)2, até porque em 2009, segundo a OIT3, um terço
das famílias na América Latina eram providas apenas por mulheres, com proje-
ção para 2019 de 51% destas famílias monoparentais sustentadas apenas por
mulheres (em detrimento das biparentais).
Outra medida necessária seria a publicização, para fins de boicote eco-
nômico e social, das condenações de pessoas, físicas ou jurídicas por assédio
moral, sexual, agressões, discriminação por gênero etc. Vale lembrar que em
2017, em Charlottesville, Virgínia (EUA), três negros foram mortos na jornada
de violência provocada por grupos racistas. Usou – se a informática contra a
discriminação, através do site “Yes, You’re Racist” que tirou fotos dos nazistas
e enviou para seus contatos pessoais obtidos no Face Book, etc.: emprega-
dor (a), família, amigos (as), etc. usando de informações dos racistas em suas
próprias páginas da internet. O resultado foi devastador para os racistas! O
movimento feminista também precisa dar transparência e para isto ter acesso
as condenações por práticas machistas, assédio moral, sexual, discriminação
de remuneração, etc.
2 A OIT recomenda licença para cuidar de filhos doentes (ou para emergências familiars), adoção da licença
parental, horários flexíveis e prestações serviços educacionais pelo Estado. No Chile 30% do salário das
empregadas de 18-24 é pago pelo Estado, in Trabalho e família: rumo as novas formas de conciliação
com corresponsabilidade social/Organização Internacional do Trabalho. Brasília: OIT, 2009, p.21, 31 e
p.50.
3 Trabalho e família: rumo as novas formas de concilição com corresponsabilidade social/Organização
Internacional do Trabalho. Brasília: OIT, 2009, p 42-44.
340 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Ainda, a criação da Licença Parental (LORENTZ, 2019) na linha da


Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra
a Mulher, de 1979, da ONU e Dec. nº.4.377, 13-09-2002, art. 5º, “b” e
11,2, “c” (com alteração da Licença Maternidade do art. 7º, XVIII, CF/88,
de 120 (ou 180) dias não deveria ser concedida exclusivamente à mulher
e sim a qualquer dos pais. Na Dinamarca desde 1980 já ocorre a chamada
“Licença extensiva ao pai”, ou seja, da licença após o parto de 24 semanas,
após a 14ª semana quem pode gozar – la é o pai (conforme escolha do casal),
igualmente na França há a “licença parental”, desde 1991 (BARROS, 1995),
com ressignificação da leitura do art. 7º, XIX e 10º,§1º ADCT, CF/88, para
“Licença Parental”, à escolha dos mesmos. A licença parental já é adotada
por vários países sendo a mesma dividida de forma obrigatória entre homens e
mulheres, dentro de parte do período total em países como Portugal e Suécia
(https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—-americas/—-ro-lima/—-ilo
brasilia/documents/publication/wcms_229658.pdf, acesso em 25-04-2019).
Tal medida iria conferir democratização e horizontalidade a sociedade pa-
triarcal (ADICHIE, 2015). Esta Autora redigiu a proposta de Licença Parental
encaminhada pelo ofício nº. 2725.2019- GAB/PGT do DD. Procurador-Geral
do Trabalho à DD. Procuradora-Geral da República (PGR), protocolado na
PGR em 07-06-2019.
Também deveriam ser criadas nas ONG’s, nos departamentos dentro
dos Sindicatos, das Universidades, nos centros de atendimentos etc. de
grupos de Auto Defensoras e Promotoras Populares para questões de gênero.
Também deveria ser criado (por reserva legal) um Fundo para Mulheres
(a exemplo dos FIA’s) para as condenações judiciais em ações metaindivi-
duais (tanto dos MP’s, quanto de outros legitimados ativos) que envolvesse
o temário gênero feminino revertendo-se (em harmonia com o art.8ª, “b”
e “e” da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Vio-
lência contra a Mulher, concluída em Belém do Pará, de 9-6-94, e Dec.
nº.1973/96) os valores para educação das mesmas, campanhas educativas
de combate à discriminação, etc.
Nas carreiras públicas, judiciário, MP, defensoria pública e em todas
as escolas propugna-se pela inclusão, como parte integrante dos cursos de
ingresso, em estágios probatórios e disciplinas escolares (mutatis mutandis
a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
Contra a Mulher), “Convenção de Belém do Pará de Dec.1973/96, art. 8º,
letra “e” c/c Lei nº.11340/2006, art.8º) a matéria de gênero. Nas carrei-
ras públicas, propõe-se a criação de atendimento especializado ao público
Lutiana Nacur Lorentz 341

externo, com a presença de mulheres, para tratar de questões envolvendo


ilícitos de gênero. Nas escolas de carreiras públicas, na linha das teoriza-
ções da segunda onda do Feminismo, do Feminist Legal Studies, propõe-se
a criação de linhas de pesquisa de uma Teoria Latino-Americana de Estudos
Jurídicos Feministas (na linha do Feminismo Descolonial de Legornes) e
pela criação de ouvidoria interna (de mulheres), com a presença de uma
equipe de mulheres atuando de forma permanente junto às Corregedorias
para colher denúncias internas de procuradoras, servidoras, estagiárias,
funcionárias e terceirizadas.
Finalmente, propõe-se que (na linha da Convenção 156, da OIT ) todas
as promoções por merecimento e também as promoções para entrâncias, em
quaisquer carreiras públicas deveriam ser feitas por gênero feminino e mas-
culino, alternadamente, mas dando-se preferência ao membro (A) que tenha
obrigações familiares, considerando-se a proporção entre o número de inte-
ressados homens e mulheres.

7. CONCLUSÕES
No presente trabalho restou provado que há discriminações em face da
mulher tanto no âmbito societário geral quanto no MPB. Dessarte, segundo a
base matricial desta pesquisa, as teorias Lugones e após de Fraser, nenhuma das
três chaves de leitura da igualdade feminina foram alcançadas no Brasil, quais
sejam: redistribuição, representação e reconhecimento das mulheres. E pior,
verificou-se que vários movimentos feministas têm reais propósitos adversatá-
rios a simetria com o gênero feminino notadamente o Feminismo Carreirismo
Branco e as representações legislativas de extrema direita religiosa, mostrando
que a Colonialidade está muito presente, lamentavelmente, notadamente no
PL 867/2015 “Escola Sem Partido”.
Através das estatísticas, verificou-se que há imensa assimetria desses
pressupostos, no Brasil, com relação ao gênero feminino, que sequer atingiu
plenamente os ideários da segunda fase do Movimento Feminista, da terceira
e muito menos da quarta, verificando-se inclusivamente mais retrocessos
recentes do que avanços. Nesse contexto, este trabalho propõe medidas a
serem implementadas tanto pela sociedade em geral, quanto nas carreiras
públicas e escolas para que sejam combatidas e superadas as discriminações
à mulher, para a efetivação da jusfundamentalidade da Constituição/88 e das
Convenções Internacionais adotadas pelo Brasil para efetivação dos melhores
ideais de democraticidade, respeitabilidade e simetria entre gêneros.
342 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

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WOOLF, Virginia. Profissões para mulheres e outros artigos feministas. Porto Alegre:L&PM, 2016.
ZUCHEBERG, Donna. Not All Dead White Men: Classics and Misogyny in the Digital Age (Nem To-
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Documentário: Daughters of Destiny, NETFLIX, direção: Vanessa Roth, 240 minutos (IV partes), ano 2017.
Documentário: Period – End of Sentence, direção Rayka Zehtahbchi, 26 minutos, 2018, Oscar de 2019.
BREVES NOTAS SOBRE A JURIDICIDADE DA
GREVE POLÍTICO-LABORAL: COMPREENSÕES DA
OIT E DO BRASIL
BRIEF NOTES ABOUT THE LEGALITY OF THE POLITICAL-LABOR
STRIKE: ILO’S AND BRAZIL’S UNTERSTANDINGS

Ana Cláudia Nascimento Gomes1

RESUMO: O artigo aborda a interpretação da greve político-laboral na OIT,


pelo seu Comitê de Liberdade Sindical, e pela jurisprudência nacional. Pretende
iniciar questionamento sobre os rigores da jurisprudência para a qualificação da
juridicidade do movimento paredista e sobre a atualidade essa exigência diante
das complexidades do hodierno Direito do Trabalho.
Palavras-chave: Greve. OIT; Comitê de Liberdade Sindical; Brasil;
Jurisprudência.
ABSTRACT: The text approach with the interpretation of the political-labor
strike at ILO – Commitree on Freendom of Association – and at national courts.
It intends to start questioning about the rigor of labor jurisprudence for the
qualification for the legality of the strikes and discuss the brasilian position on
the complexities Labor World.
Keywords: Strike. ILO; Commitree on Freendom of Association; Jurisprudence.

1. INTRODUÇÃO
É com enorme prazer que aceitamos o estimado convite para colaborar
com esta obra coletiva intitulada 100 anos da Organização Internacional
do Trabalho: análises e reflexões seculares necessárias, sob a coordenação
dos Doutores Lorena Vasconcelos Porto, Cláudio Jannotti da Rocha e Rúbia
Zanotelli de Alvarenga. A importância do cerne, considerando a longevidade
da OIT e as suas relevantes funções no âmbito do Direito Internacional do
Trabalho, bem como a competência dos respectivos coordenadores, desde logo,
1 Doutora em Direito Público pela Universidade de Coimbra. Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Professora Concursada da PUCMINAS-Belo Horizonte.
Procurada do Trabalho. Atualmente, membro do Ministério Público da União (MPU/MPT) Auxiliar da Pro-
curadoria-Geral da República em matéria trabalhista.
346 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

indicam o rumo desta obra em direção a certeiro sucesso editorial. Registramos


os nossos agradecimentos pela recordação de nosso nome.
O tema que nos foi gentilmente cedido para tratar se relaciona com a
Liberdade Sindical de modo amplo; o qual tem nos preocupado com alguma
frequência nos últimos tempos2, em função do renitente atraso que o Brasil
tem demonstrado, em sede de Direito Comparado, relativamente a outros
Estados-membros da OIT. Aliás, soa mesmo sintomático que, justamente no
ano do centenário da organização, o Brasil tenha comparecido na sua Short List3
por violação a uma das convenções mais importantes em termos de Direito
Coletivo do Trabalho: a Convenção nº 98, sobre Direito de Sindicalização e de
Negociação Coletiva (de 1949).
Desta vez, entretanto, propormo-nos especialmente a focar na questão
– juridicamente mais delicada e menos ostensiva – da juridicidade (ou da
ausência dela) para a denominada Greve Política; isto é, aquela em que os
interesses coletivamente tutelados pelos trabalhadores, mediante a absten-
ção intencional e coordenada ao trabalho, causando prejuízo à execução das
atividades empresariais ou institucionais do empregador, direcionam-se pri-
mordialmente à ordem política, rechaçando ou pleiteando medidas à cargo dos
poderes políticos do Estado.4
Segundo Carlos Monis Lopes:
“Entende-se por greve política, em sentido amplo, a dirigida contra os poderes
públicos para conseguir determinadas reivindicações não susceptíveis de negocia-
ção coletiva. Ou, mais genericamente ainda, a digerida contra os poderes públicos

2 GOMES. Ana Cláudia Nascimento. NETTO. Luísa Cristina Pinto e.; “Sindicalização na Função Pública
Brasileira: Desafios para a Implementação da Convenção nº 151 da OIT”, in A Convenção nº 151 da OIT
sobre o Direito de Sindicalização e Negociação na Administração Pública: desafios na Realidade Brasi-
leira, Org. SILVA. Clarissa Sampaio; GOMES. Ana Virgínia Moreira; Ed. LTR, São Paulo, 2017, p. 71-94;
GOMES. Ana Cláudia Nascimento, “A Liberdade de Associação Sindical e o Reconhecimento Efetivo do
Direito de Negociação Coletiva: Há Espaço Hermenêutico para a Superação do Status Quo?; in Direito
Internacional do Trabalho – Aplicabilidade e Eficácia dos Instrumentos Internacionais de Proteção ao
Trabalhador, Coord. DA ROCHA, Cláudio Jannotti; LUDOVICO, Giuseppe; PORTO, Lorena Vasconcelos;
BORSO. Marcelo; ALVARENGA, Rúbia Zanoteli de, Ed. LTR, São Paulo, 2018, p. 400-415; GOMES. Ana
Cláudia Nascimento. ALBERGARIA. Bruno. “Vinculação imediata das Autoridades Públicas aos Direitos
Fundamentais e aos Direitos Coletivos dos Servidores Públicas ‘Estatutários’ no Brasil – O Exemplo do
Direito de Greve – Algum Paradoxo ou Necessidade de Reflexão, in Direito Administrativo e Direitos Fun-
damentais: Diálogos Necessários, Coord. NETTO, Luísa Cristina Pinto e; BITTENCOURT NETO, Eurico.
Ed. Fórum, Belo Horizonte, 2012, p. 19-49.
3 “OIT inclui Brasil entre países suspeitos de violar convenções de trabalho – Ministério da Economia critica
decisão e afirma que não foram apresentadas provas de que a reforma trabalhista tenha violado as normas da
organização”, in https://veja.abril.com.br/economia/oit-inclui-brasil-entre-paises-suspeitos-de-violar-con-
vencoes-de-trabalho/, acesso em 05 out. 2019. Ainda: “No centenário da OIT, violação de normas trabalhis-
tas pelo Brasil volta ao debate”, in https://www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2019/06/no-centenario-da-
-oit-violacao-de-normas-trabalhistas-pelo-brasil-volta-ao-debate/, acesso em 04 out. 2019.
4 V. LEITE. Jorge. O Direito da Greve. Das lições ao 3º ano da FDUC ed. 1992/1993, Serviços de Acção So-
cial da Universidade de Coimbra, Serviços de Textos de Coimbra, 1994; FERNANDES, António Monteiro,
“Reflexões sobre a Natureza do Direito à Greve”, in Estudos sobre a Constituição, 2º vol., Livraria Petrony,
Porto, 1978, pág. 321-333.
Ana Cláudia Nascimento Gomes 347

nacionais ou estrangeiros. Dentro deste amplo conceito de greve política estão


incluídas: a) as greves revolucionárias ou insurrecionais que, necessariamente,
são gerais; b) as greves políticas puras, não insurrecionais”.5

A greve, por si só, já é tema demasiadamente complexo e perturbador,


justamente porque se apresenta para além dos rígidos limites do Direito. Foi
e é, inclusive em termos históricos, movimento social, integrando também o
campo de estudo da Sociologia do Direito.6 Além disso, a greve – na vertente
de “direito de causar prejuízo ao empregador”7 – causa repulsa ou repugnância
na sociedade, mormente quando os seus interesses são por ela atingidos, como
naturalmente se verifica em greves em atividades essenciais (art. 11 da Lei nº
7.783, de 28 de junho de 1989), nos serviços públicos; ou, ainda, no âmbito
da Função Pública em geral8. O tema específico deste artigo tem um toque a
mais de “espinhos”; pois agrega o fenômeno jurídico greve à defesa de interesses
não exclusivamente trabalhistas e prioritariamente políticos.
Elegemos este tema porque, em termos apriorísticos, já sabíamos que
havia também descompasso entre o cenário da OIT, na medida em que o seu
Comitê de Liberdade Sindical (CLS) não impossibilita o reconhecimento da
licitude (preferimos o termo juridicidade) da Greve Política (como gênero);
enquanto, a Justiça do Trabalho, por outro lado, tem apresentado posiciona-
mento majoritário pela inadmissibilidade desse tipo de greve. Esse contraste
nos motivou, não obstante seja pressuposta a dissintonia existente entre a
Convenção nº 87 da OIT (Convenção sobre a Liberdade Sindical e a Proteção
ao Direito de Sindicalização, de 1948) e a Constituição da República de 1988
(CR/88) que possa justificar tal contrariedade.
Pressupomos que uma postura absolutamente contrária a todos os
tipos de greves políticas não se compatibiliza com o atual cenário do Direito
do Trabalho (no Brasil e no mundo); cenário que se tem caracterizado pela
multiplicação dos modos de prestação do trabalho (teletrabalho; uberização;
pejotização; licitude da terceirização nas atividades-fim), cujos trabalhadores,
5 Apud ABADE, Catharine Rico. In: “Greve política: Reflexões acerca do tema”, https://catharineabade.jus-
brasil.com.br/artigos/338778469/greve-politica-reflexoes-acerca-do-tema, acesso em 30 mai. 2018.
6 V. ADAM. Gérard. REYNAUD. J. D., Sociologia do Trabalho – Os Conflitos, Trad. Fernando Leorne, Rés
Editora, Porto, 1984.
7 Conf. RAMALHO. Maria do Rosário Palma. Tratado de Direito do Trabalho – Parte III: Situações Labo-
rais Colectivas, Livraria Almedina, Coimbra, 2012, p. 427. Segundo a definição de greve da Autora: “abs-
tenção colectiva e concertada da prestação laboral por um conjunto de trabalhadores com vistas à satisfação
de objetivos comuns”; destacando os seus caracteres subjetivo (dos trabalhadores subordinados), natureza
(direito coletivo), meio (abstenção do trabalho) e fim (causar prejuízo ao empregador para a satisfação da
pretensão dos trabalhadores).
8 FERRAZ. Alexandre Sampaio, “Quando os Trabalhadores Param? Reinterpretando A Ocorrência de Greves
no Brasil”, in Lua Nova, São Paulo, nº 104, 2018, p. 167-200. Não é sem razão que o Brasil demorou tanto
tempo para constitucionalizar (1998) e, posteriormente, legitimar (2007) as greves no âmbito da Função
Pública. V. STF, MI 712/PA, Rel. Min. Eros Grau, DJe nº 206, de 30/10/2008.
348 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

dispersos, não formalmente subordinados, nem sempre estão sob uma dada
representação sindical ou podem ter suas demandas resolvidas mediante a
celebração de instrumentos normativos. E isto sem olvidar que, simultanea-
mente, tem sido notada a perda de centralidade das associações sindicais na
defesa dos interesses dos trabalhadores (basta pensar, por exemplo, no poder
atual das plataformas digitais e nos trabalhadores alijados do sistema formal
de empregos).9 Portanto, essas possíveis condicionantes nos orientaram a ótica
para a verificação da adequação da greve política como meio legítimo de tutela
desses “hodiernos” trabalhadores e de suas complexas reivindicações.
Vejamos, portanto, esse quadro de diferenças entre as interpretações do
Direito Convencional e do Direito Interno e sobre ele pretendemos poder
antecipar algumas constatações. Este é, pois, o nosso objetivo.

2. O DIREITO DE GREVE NO PLANO INTERNACIONAL E


A GREVE POLÍTICA NO COMITÊ DE LIBERDADE SINDICAL
DA OIT
Cediço que a principal convenção da OIT em matéria de liberdade sin-
dical – a Convenção nº 87 – não garante ou sequer menciona a palavra greve.
Não há, com efeito, consagração deste importante direito de resistência cole-
tiva dos trabalhadores nesta que, pela própria OIT, é uma de suas “principais
convenções”, conforme a sua Declaração de 1998 (“Declaração da OIT sobre os
Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho). Esta declaração sedimentou,
por parte da organização, a complexa noção de trabalho decente10. E, tal “silêncio
normativo” das convenções da OIT expressamente sobre o direito de greve – que
até poderia indicar se tratar de um quase “silêncio eloquente” – permanece,11

9 V. DESLANDES. Lígia. “A crise do sindicalismo no final do século XX”, in https://www.ligiadeslandes.


com.br/07/08/2017/a-crise-do-sindicalismo-no-final-do-seculo-xx/, acesso em 05 out. 2019. Segundo a Au-
tora: “Os teóricos pessimistas acreditam que o sindicalismo moderno só pode se assentar na existência de
amplos contingentes de uma classe operária homogeneizada pelos modelos de produção e de organização de
tipo fordista-taylorista. Por essa razão, o sindicalismo se tornaria impossível nessa nova fase do capitalismo,
assentado no toyotismo (na chamada acumulação flexível).” E, arremata: “Os sindicatos devem se hori-
zontalizar a fim de abranger o conjunto da classe trabalhadora, que se encontra numa situação de crescente
exploração, e por isso mesmo traz dentro de si um grande potencial anticapitalista. As explosões sociais que
vez ou outra eclodem em diversas partes do mundo comprovam isso.”
10 V. “O Trabalho Decente é o ponto de convergência dos quatro objetivos estratégicos da OIT: o respeito aos
direitos no trabalho (em especial aqueles definidos como fundamentais pela Declaração Relativa aos Direi-
tos e Princípios Fundamentais no Trabalho e seu seguimento adotada em 1998: (i) liberdade sindical e reco-
nhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; (ii) eliminação de todas as formas de trabalho forçado;
(iii) abolição efetiva do trabalho infantil; (iv) eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de
emprego e ocupação), a promoção do emprego produtivo e de qualidade, a extensão da proteção social e o
fortalecimento do diálogo social”; in http://www.oitbrasil.org.br/content/o-que-e-trabalho-decente, site da
OIT no Brasil, acesso em 07 jul. 2019.
11 A existência desse “silêncio eloquente” na OIT sobre o direito de greve é, contudo, contestada por: HOD-
GES-AEBERHARD, Jane. ODERO DE DIOS. Alberto. Princípios do Comitê de Liberdade Sindical Refe-
rentes à Greve. Organização Internacional do Trabalho, Brasília, 1993, p. 4.
Ana Cláudia Nascimento Gomes 349

apesar de os movimentos paredistas operários estarem intimamente relacio-


nados ao próprio reconhecimento internacional da imprescindibilidade da
positivação do Direito do Trabalho (enquanto ramo especialmente direcionado
à tutela do trabalhador, individual e coletivamente); e, portanto, reflexamente,
à própria institucionalização da OIT. “Na realidade, a palavra ‘greve’ só aparece,
acidentalmente, na Convenção nº 105, de 1957, sobre a Abolição do Trabalho
Forçado, ...., e nos Parágrafos 4º, 6º e 7º da Recomendação nº 92, de 1951, sobre
Conciliação e Arbitragem Voluntárias”.12
A precisa consagração internacional do direito de greve, contudo, acabou
por vir da Organização das Nações Unidas no Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos Sociais e Culturais (de 1966); tratado mais recente do que a vetusta
Convenção nº 87 da OIT, já ratificado pelo Brasil (em 1992)13. Assume, assim,
este pacto, no nosso âmbito interno, status mínimo de norma supralegal, con-
soante o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).14 O
direito de greve está previsto no art. 8º desse tratado, verbis:
ARTIGO 8º
1. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a garantir:
a) O direito de toda pessoa de fundar com outras, sindicatos e de filiar-se ao
sindicato de escolha, sujeitando-se unicamente aos estatutos da organização in-
teressada, com o objetivo de promover e de proteger seus interesses econômicos
e sociais. O exercício desse direito só poderá ser objeto das restrições previstas
em lei e que sejam necessárias, em uma sociedade democrática, no interesse
da segurança nacional ou da ordem pública, ou para proteger os direitos e as
liberdades alheias;
b) O direito dos sindicatos de formar federações ou confederações nacionais e
o direito destas de formar organizações sindicais internacionais ou de filiar-se
às mesmas.
c) O direito dos sindicatos de exercer livremente suas atividades, sem quais-
quer limitações além daquelas previstas em lei e que sejam necessárias, em
uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional ou da ordem
pública, ou para proteger os direitos e as liberdades das demais pessoas:
d) O direito de greve, exercido de conformidade com as leis de cada país.
2. O presente artigo não impedirá que se submeta a restrições legais o exercício

12 Cf. HODGES-AEBERHARD, Jane. ODERO DE DIOS. Alberto. Princípios do Comitê de Liberdade Sindi-
cal Referentes à Greve. Organização Internacional do Trabalho, Brasília, 1993.
13 Decreto n. 591, de 06 de julho de 1992, p. 4.
14 STF. RE 466.343/SP, Rel. Min. Cezar Peluso: “diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacio-
nais que cuidam da proteção dos direitos humanos, não é difícil entender que a sua internalização no orde-
namento jurídico, por meio do procedimento de ratificação previsto na CF/1988, tem o condão de paralisar
a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante”.
350 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

desses direitos pelos membros das forças armadas, da política ou da adminis-


tração pública.
3. Nenhuma das disposições do presente artigo permitirá que os Estados Partes
da Convenção de 1948 da Organização Internacional do Trabalho, relativa à
liberdade sindical e à proteção do direito sindical, venham a adotar medidas
legislativas que restrinjam – ou a aplicar a lei de maneira a restringir as garantias
previstas na referida Convenção. (grifou-se)

Esse tratado internacional, devidamente integrado à ordem jurídica


brasileira e com supralegalidade normativa, pode, em variadas situações, ser
a fonte jurídica direta para a densificação do conteúdo das atividades sin-
dicais (e, portanto, das próprias finalidades da greve); e, dessa forma, para
nós, mesmo a despeito do que contenha na Lei nº 7.783/89 (Lei de Greve);15
porquanto, sobre este diploma tem prevalência hierárquica e concretiza a
Constituição com prioridade. E, o assentamento supralegal de que as asso-
ciações sindicais têm o direito fundamental de exercer ampla e livremente
as suas atividades (“de defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais
da categoria”; CR/88-art. 8º-III c/c art. 5º-§2º) de forma estrita com a de-
mocracia (e a sociedade democrática) pode apontar para um conteúdo (das
reinvindicações paredistas) que tenha sim vertente política.16
A despeito da ausência de uma convenção da OIT específica sobre o
direito de greve (fato que é reflexo não apenas do tema ser melindroso, mas
também da composição tripartite da organização); isto não significa dizer que
ela não tenha sobre um posicionamento sobre esse direito fundamental. Exis-
tem as decisões do Comitê de Liberdade Sindical, cuja finalidade “é promover
o respeito dos direitos sindicais de jure e de facto”.17
“O Comitê de Liberdade Sindical é um órgão triparte do Conselho de Ad-
ministração da OIT, composto de nove membros – três trabalhadores, três
empregadores e três delegados governamentais – com seus respectivos suplentes.
Esse comitê examina regularmente, durante cada uma das três reuniões anuais
do Conselho de Administração, queixas formais por supostas violações de direi-
tos sindicais apresentadas à OIT (...). Um ponto que não deve ser esquecido é
que esse procedimento baseia-se em queixas contra Estados-membros da OIT,
inclusive contra aqueles que não tenham ratificado as convenções sobre a liber-
dade sindical.”18
15 Em especial, para fins do seu art. 14: “Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas con-
tidas na presente Lei ...”.
16 O art. 3º da Lei de Greve parece, entretanto, limitar a greve a direitos que podem ser convencionados cole-
tivamente. (“Frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral, é facultada a
cessação coletiva do trabalho”)
17 Cf. OIT: Liberdade Sindical: Recopilação de Decisões e Princípio do Comitê de Liberdade Sindical do
Conselho de Administração da OIT, Brasília, Organização Internacional do Trabalho, 1ª edição, 1997, p. 8.
18 Cf. SIMPSON, W. R., apud HODGES-AEBERHARD, Jane. ODERO DE DIOS. Alberto. Princípios do
Ana Cláudia Nascimento Gomes 351

O CLS baseia-se no pressuposto de que a “greve é um dos diretos fundamen-


tais dos trabalhadores e de suas organizações”; “direito legítimo a quem podem recorrer
... na defesa de seus interesses econômicos e sociais”.19 O CSL, de início, recusou a
juridicidade da greve puramente política. Contudo, com passar dos anos e a li-
berdade fundamental inerente às associais sindicais de legitimamente eleger os
interesses que devem ser defendidos, passou a adotar uma posição “mais democra-
ticamente amiga”, especialmente diante da dificuldade em se separar, como áreas
estanques, interesses puramente econômicos da categoria daqueles que seriam
exclusivamente políticos ou direcionados às esferas de Poder do Estado. Afinal,
por vezes a interação dessas searas de interesse e de tal modo intensa que a defesa
de uma passa necessariamente pela defesa da outra, até por coerência.20
Assim:
Por conseguinte, numa decisão ulterior, o Comitê chegou à conclusão de que os
interesses profissionais e econômicos, defendidos pelos trabalhadores mediante o
exercício de direito de greve, abrangem não só a obtenção de melhores condições
de trabalho ou as reivindicações coletivas de caráter trabalhista, mas também a
busca de soluções para as questões de política econômica e social. Na mesma
ordem de idéias, o Comitê tem declarado que as organizações de trabalhadores
deveriam poder manifestar, num contexto mais amplo – que ultrapassa o con-
texto dos conflitos trabalhista que podem ser resolvidos mediante a conclusão
de um contrato coletivo – seu desacordo quanto a questões econômicas e sociais
que afetem os interesses de seus membros. Essa ação deve limitar-se, entretanto,
à expressão de um protesto e não visar à perturbação da ordem pública.21

Conforme mais recentemente sintetizou Raimundo Simão de Melo:


O Comitê de Liberdade Sindical e a Comissão de Peritos da Organização In-
ternacional do Trabalho (OIT) têm rejeitado a tese de que o direito de greve
deva se limitar aos conflitos de trabalho suscetíveis de finalizar uma convenção
coletiva de trabalho apenas. Para esses órgãos, as reivindicações a se defender com

Comitê de Liberdade Sindical Referentes à Greve. Organização Internacional do Trabalho, Brasília, 1993, p.
6. Sobre a criação do CLS (juntamente a Comissão de Investigação e Conciliação em Matéria de Liberdade
Sindical), em 1950/51, V. OIT: Liberdade Sindical: ... (cit.).
19 Cf. OIT: Liberdade Sindical: Recopilação de Decisões ... (cit.), p. 120.
20 Cf. HODGES-AEBERHARD, Jane. ODERO DE DIOS. Alberto. Princípios do Comitê ... (cit.), p. 9: “...o
Comitê tem considerado que as greves de caráter puramente político não se enquadram nos princípio da
liberdade sindical”; porém, “é difícil fazer uma clara distinção entre o político e o realmente sindical”, pois
“ambas as noções têm pontos comuns”. Cf. OIT: Liberdade Sindical: Recopilação de Decisões ... (cit.), p.
121: “Os interesses profissionais e econômicos, que os trabalhadores defendem mediante o direito de greve,
abrangem não só a obtenção de melhores condições de trabalho ou reivindicações coletivas de ordem pro-
fissionais, como também envolvem a busca de soluções para questões de política econômica e social e para
problemas que se apresentam na empresa e que interessam diretamente aos trabalhadores”; “Embora as greve
de natureza puramente política não estejam amparadas pelos princípios da liberdade sindical, os sindicatos
deveriam poder organizar greves de protesto, especialmente para exercer o direito de criticar a política eco-
nômica e social do governo”.
21 Cf. HODGES-AEBERHAR, Jane (e outro). Princípios do Comitê ... (cit.), p. 9. Ainda, BABOIN, José Car-
los de Carvalho. O tratamento jurisprudencial da greve política no Brasil. Faculdade da Universidade de
São Paulo, 2013, p. 9.
352 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

a greve podem ser de três categorias: (i) as de natureza trabalhista, que buscam
garantir ou melhorar as condições de trabalho e de vida dos trabalhadores; (ii)
as de natureza sindical, que buscam garantir e desenvolver os direitos das or-
ganizações sindicais e de seus dirigentes; (iii) as de natureza política, que têm
por fim, embora indiretamente, a defesa dos interesses econômicos e sociais dos
trabalhadores.22

Portanto, hoje o CLS tem adotado uma posição razoável sobre a Greve
Política (assim também em relação à Greve de Solidariedade)23. Não seriam as
greves puramente políticas aquelas albergadas pela Convenção nº 87 da OIT;
porém, também não seriam apenas aquelas puramente trabalhistas as admitidas
no seu âmbito de proteção. Trata-se de uma solução compromissória, equilibra-
da e harmoniosa com a própria composição heterogênea da organização.24 Daí
optarmos pela denominação de Greve Político-laboral, a fim de demonstrar
não envolver uma greve alienada em termos juridicamente trabalhistas.

3. A GREVE NA JURISPRUDÊNCIA NACIONAL E, EM


ESPECIAL, A GREVE POLÍTICA
Talvez seja o tema da greve aquele que, no âmbito do Direito Coletivo,
mais tenha “engasgado” a jurisprudência nacional. Não é de todo equivocado
dizer que, após a greve ter superado a fase de sua tipificação penal25 e alçado
efetiva consagração constitucional no âmbito do Direito Positivo,26 também no
plano jurisprudencial, experimentou obstáculos. Há, com efeito, uma verda-
deira “jurisprudência defensiva”27 sedimentada da greve. Os fatores dessa nossa
particular constatação são de variada ordem e têm também fundamento no
art. 14 da Lei nº 7.783/89.
Inicialmente, pelo fato da CR/88 não ter acolhido a plena liberdade sindi-
cal, nos moldes da Convenção nº 87 da OIT. A despeito da Carta ter evoluído
22 Cf. MELO. Raimundo Simão, “Interesses tuteláveis pela greve segundo o Direito brasileiro”, in CONJUR,
https://www.conjur.com.br/2019-ago-02/reflexoes-trabalhistas-interesses-tutelaveis-greve-segundo-direito-
-brasileiro?imprimir=1, acesso em 05 set. 2019.
23 Cf. OIT: Liberdade Sindical: Recopilação de Decisões ... (cit.), p. 122: “A proibição geral das greves de
solidariedade poderia ser abusiva e os trabalhadores deveriam poder recorrer a tais ações desde que fosse
legal a greve inicial que apoiam”.
24 Essa também a posição intermediária de Maria do Rosário Palma Ramalho para as greves legítimas em
Portugal. RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Tratado de direito do trabalho ... (cit.), p. 445-446.
25 Código Penal de 1890. Na Constituição de 1937, art. 139: “A greve e o lock-out são declarados recursos anti-
-sociais nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional”.
26 Constituição de 1946, art. 158: “É reconhecido o direito de greve, cujo exercício a lei regulará.”
27 Cf. VAUGHN. Gustavo Fávero; VEIGA. Natália Salvador, “A jurisprudência defensiva ataca novamen-
te”, in https://www.migalhas.com.br/dePeso, acesso em 05 out. 2019; “A jurisprudência defensiva pode ser
entendida como a prática adotada pelos tribunais brasileiros, notadamente as cortes superiores, para o não
conhecimento de recursos em razão de apego formal e rigidez excessiva em relação aos pressupostos de
admissibilidade recursal”.
Ana Cláudia Nascimento Gomes 353

na questão sindical, manteve braços atados ao passado. Consagrou a liberdade


sindical em face do Poder Público, na sua natural condição de direito contra o
Estado28; mas, manteve intacto o modelo de sindicato único por base territorial
– o princípio da unicidade sindical -, com a contribuição sindical obrigatória, de
natureza tributária (extinta pela Reforma Trabalhista de 2017).29 É que a liberdade
sindical, assim como outros direitos fundamentais é um complexo de direitos e
liberdades fundamentais. Conforme anotam Gomes Canotilho e Vital Moreira:
“a liberdade de associação sindical analisa-se, tal como a liberdade de associação
em geral, num conjunto de liberdades e direitos.... Uns são direitos individuais
dos trabalhadores (face ao Estado, aos empregadores e aos próprios sindicatos);
outros são direitos dos próprios sindicatos (face ao Estado e aos empregadores)”30.

A vertente negativa do direito fundamental de associação sindical en-


contra-se constitucionalizada, na medida em que é vedado ao Poder Público
imiscuir-se no sindicato, assegurando a sua autonomia objetiva (e a sua auto-
gestão). Disto decorre, em princípio, o direito das associações sindicais de se
auto-organizarem e autoadministrarem: “Isto faz ele ditando, no ato de consti-
tuição e no estatuto, as regras básicas sobre a sua finalidade, a sua organização e
o seu funcionamento”31. Ainda, a vertente individual: a liberdade de associar-se
ou de não se manter associado (art. 8º-V; filiação sindical).
Contudo, outras vertentes individuais da liberdade sindical não mere-
ceram guarida na CR/88. A liberdade de constituir associações sindicais e a
liberdade de associar-se ao sindicato que mais lhe convier foram decisivamente
restringidas pelo constituinte originário32.
A consagração parcial da liberdade fundamental sindical na CR/88 dire-
ciona para que, no âmbito dos conflitos individuais e coletivos (especialmente
nestes) de trabalho seja preliminarmente instaurado debate sobre a legalidade
da greve mediante a própria aferição da representatividade e da legitimidade
do ente sindical que a convocou, organizou e deflagrou, nos termos do art. 4º
da Lei nº 7.783/89.33
28 Art. 8º-I: a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no
órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical;
29 V. STF. ADI 5794, Rel. Min. Edson Fachin, Tribunal Pleno, Ata de Julgamento DJe nº 153, de 31/07/2018.
30 In Constituição da República Portuguesa Anotada, Artigos 1º a 107º, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pág. 732.
31 Cf. PEDREIRA, Luiz de Pinho, “A Autonomia coletiva profissional”, in ARION SAYÃO ROMITA, Sindi-
calismo, LTr, São Paulo, 1986, pág. 43.
32 Cf. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Idem, pág. 55, são reflexos do corporativismo: “Suas técnicas são co-
nhecidas no Brasil como sistema do sindicato único, o enquadramento sindical oficial do Estado, a carta de
reconhecimento dos sindicatos outorgada pelo Ministério do Trabalho, a imposição do sistema confederativo
sindical, o sindicato por categoria e os tipos de entidades sindicais que poderiam existir, a atribuição de poderes
normativos ao Judiciário para decidir conflitos coletivos, o imposto sindical, a intervenção do Estado nas orga-
nizações sindicais para afastar as suas diretorias, a proibição da greve e do locaute, e assim por diante”.
33 Art. 4º Caberá à entidade sindical correspondente convocar, na forma do seu estatuto, assembléia geral que
354 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Os requisitos da legitimidade sindical do sindicato profissional (com


esteio na defesa do princípio da unicidade sindical) acabam por refletir na pró-
pria juridicidade do movimento.34 Nessa medida, a legalidade do movimento
paredista (e, via de consequência, da participação do obreiro nesse movimento)
acaba por também ficar na dependência da representação da categoria, salvo
exceções (art. 4º-§2º, da Lei 7.783/1989).
Não fosse suficiente a necessidade de atendimento da legitimidade da
entidade sindical profissional (sendo óbvio que tais fatores não são analisados
no caso das entidades sindicais patronais, considerada a ótica da deflagração
da greve), a jurisprudência ainda exige uma “ladainha” de degraus e requisitos
para se alcançar a juridicidade do movimento paredista (e, nessa condição,
gerar os efeitos jurídicos assegurados pela lei35), tais como, por exemplo, via
de regra: a ausência de instrumento normativo em vigor;36 o atendimento aos
procedimentos legais e estatutários para o estabelecimento da pauta reivindi-
catória;37 a efetiva superação do procedimento de negociação coletiva;38 em caso
de atividades essenciais, a atendimento aos percentuais mínimos para atendi-
mento das necessidades indispensáveis da comunidade39 (percentuais os quais,
registre-se, d.v., correntemente têm sido estabelecidos em patamares medianos
ou supramedianos pela jurisprudência; enquanto, para a nossa ótica, deveriam
ser majoritariamente inframedianos).
Assim, a deflagração de um movimento paredista legítimo e legal nos
afigura verdadeira “estratégica burocrática”;40 a qual, por si só, já é um potente
definirá as reivindicações da categoria e deliberará sobre a paralisação coletiva da prestação de serviços.
§ 1º O estatuto da entidade sindical deverá prever as formalidades de convocação e o quórum para a deli-
beração, tanto da deflagração quanto da cessação da greve.
§ 2º Na falta de entidade sindical, a assembléia geral dos trabalhadores interessados deliberará para os fins
previstos no “caput”, constituindo comissão de negociação.
34 TST. SDC. OJ 12, já cancelada: “Greve. Qualificação Jurídica. Ilegitimidade ativa “ad causam” do Sindicato
Profissional que Deflagra o Movimento”.
35 TST. SDC, OJ 10: “Greve abusiva não gera efeitos”.
36 Compreensão que constava, aliás, de forma expressa na Orientação Jurisprudencial nº 01 da SDC do TST,
entretanto cancelada.
37 TRT 3ª Região, Processo nº 0011369-55.2018.5.03.0000, Rel. Cleber Lúcio de Almeida: “É abusivo o direito
de greve exercido sem a observância das normas inseridas na Lei 7.783/89, tanto em relação a seus requisitos
formais quanto aos materiais.”
38 TST. SDC, OJ 11: “Greve. Imprescindibilidade de tentativa direta e pacífica da solução do conflito. Etapa
Negocial Prévia”.
39 TST. SDC, OJ 38: “Greve. Serviços Essenciais. Garantia das Necessidades Inadiáveis da População Usuária.
Fator Determinante da Qualificação Jurídica do Movimento”.
40 TST – RO 130-66.2017.5.11.0000, Rel. Min. Guilherme Caputo Bastos: “Nesse contexto, mostra-se abusiva
a greve levada a efeito na qual restam inobservados qualquer dos requisitos necessários à validade do mo-
vimento grevista: 1 – ocorrência de real tentativa de negociação antes de se deflagrar o movimento grevista
(art. 3º, caput, da Lei 7.783/89); 2 – aprovação da respectiva assembleia de trabalhadores (art. 4º da Lei
7.783/89); 3 – aviso-prévio aos empregadores e usuários com antecedência mínima de setenta e duas horas
da paralisação de serviços ou atividades essenciais (art. 13 da Lei 7.783/89); e 4 – respeito ao atendimento
às necessidades inadiáveis da comunidade, quando se tratar de greve em atividades essenciais (art. 9º, § 1º,
Ana Cláudia Nascimento Gomes 355

“freio de mão” de movimentos reivindicatórios laborais. Não estamos, com


isto, defendendo a deflagração irresponsável e desarrazoadas de movimentos
paredistas; mas, sim, chamando a atenção para o fato de que, com fundamen-
tos legais, a jurisprudência acaba por enquadrar em termos bastante rigorosos
aquele que é o direito de resistência coletivo por excelência dos trabalhadores,
mesmo quando guarde, em sua essência, a natureza de conflito social que
possibilita o próprio fortalecimento da solidariedade laboral.41
Não fosse bastante – e agora diretamente relacionado ao tema do nosso
artigo – a jurisprudência trabalhista tem declarado serem abusivas as greves
políticas, e mesmo que as reivindicações direcionadas ao Governo estejam niti-
damente inseridas nas questões laborais lato sensu.42 A jurisprudência trabalhista
tem exigido – para fins de se concluir pela legalidade do movimento paredista e,
ato contínuo, para a geração de efeitos específicos nas relações de trabalho – que
sejam tutelados ou reivindicados apenas os interesses que podem ser resolvidos
mediante a celebração de instrumento normativo (acordo coletivo de traba-
lho ou convenção coletiva de trabalho); ou, ainda, na esfera de possibilidade
de intervenção de solução pelo respectivo empregador/categoria econômica;
rechaçando, pois, as “greves não laborais”. Assim:
Em um tal contexto, os interesses suscetíveis de serem defendidos por meio da
greve dizem respeito a condições contratuais e ambientais de trabalho, ainda
que já estipuladas, mas não cumpridas; em outras palavras, o objeto da greve
está limitado a postulações capazes de serem atendidas por convenção ou acordo
coletivo, laudo arbitral ou sentença normativa da Justiça do Trabalho, conforme
lição do saudoso Ministro Arnaldo Süssekind, em conhecida obra.43
EMENTA: GREVE. PARALISAÇÃO DE CARÁTER POLÍTICO. ABUSIVI-
DADE. De acordo com a iterativa jurisprudência do c. TST, é abusiva a greve de
índole política, espécie de movimento paredista dirigido ao Poder Público, nas
quais as reivindicações da classe trabalhadora não são passíveis de serem dirimidas
pela via da negociação coletiva.(...).44

da Constituição Federal c/c os arts. 10, 11 e 12 da Lei nº 7.738/89).”


41 Cf. BABOIN, José Carlos de Carvalho. O Tratamento Jurisprudencial ... (cit.), p. 128.
42 TST-RO-10633-71.2017.5.03.0000, Rel. Min. Ives Gandra da Silva Martins Filho: “1. O direito de gre-
ve é o poder do trabalhador sobre a prestação de serviços, para fazer frente ao poder do empregador so-
bre a remuneração, quando frustradas as vias negociais para compor conflito coletivo surgido entre eles.
Greve política não é direito trabalhista, uma vez que dirigida contra o Poder Público, sem que o empre-
gador tenha o que negociar para compor o conflito social. Nesse sentido tem se posicionado a SDC do
TST (cfr. TST-SDC-1000418-66.2018.5.00.0000, Red. Designado Min. Ives Gandra da Silva Martins Fi-
lho, DEJT de 14/02/19; TST-R0-10504-66.2017.5.03.0000, SDC, Rel. Min. Dora Maria da Costa, DEJT de
07/06/18; TST-R0-1393-27.2013.5.02.0000, SDC, Rel. Min. Maria de Assis Calsing, DEJT de 29/05/17;
TST-RODC-2025800-10.2006.5.02.0000, SDC, Rel. Min. Fernando Eizo Ono, DEJT de 04/11/11; TST-
-R0-51534-84.2017.5.02.0000, SDC, Rel. Min. Walmir Oliveira da Costa, DEJT de 20/06/14).”
43 TST-R0-51534-84.2017.5.02.0000, SDC, Rel. Min. Walmir Oliveira da Costa.
44 TRT 3ª Região – Processo nº 0011514-07.2017.5.03.0143-RO, Rel. Des. Taisa Maria Macena de Lima. Tam-
bém, TRT 3ª Região – Processo nº 0010504-66.2017.5.03.0000, Rel. Des. Sebastião Geraldo de Oliveira.
356 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Com base em tais pressupostos contratuais, foram excluídas do âmbito


de proteção do art. 9º da CR/88 greves que não guardavam sintonia com
as possibilidades de solução por via negocial coletiva. Assim expressamente
tratadas pelo TST, por exemplo, as greves de 2017, convocadas em desfavor
das Reformas Trabalhista e Previdenciária que se avistavam. Criticam Maria
Rosária Barbato e Rosa Juliana Cavalcante da Costa:
As greves não foram dirigidas ao patronato nem se limitaram a pauta tocante a
cláusulas contratuais. Mas é inegável que as categorias reivindicavam o respeito
aos seus direitos e interesses, atingidos pelas medidas propostas pelo Estado.
Se, por um lado, distanciam-se dos critérios utilizados pelo Tribunal Superior
do Trabalho par considerar a greve legal, por outro, encontram legitimação
nos princípios do Comitê de Liberdade Sindical da OIT, do qual o brasil é
Estado-membro.45

Essa controvérsia não é nova, derivada da abertura dada pela norma ga-
rantidora do direito fundamental dos trabalhadores (art. 9º), a quem incumbe
decidir sobre os interesses a serem tutelados pelo movimento paredista, e a Lei
de Greve (Lei 7.783/1989), que, de forma inversa, pretende amarrar o recurso
à greve às cláusulas de contratação (individuais ou coletivas). Considerado o
quadro normativo semelhante em Portugal (Constituição da República Por-
tuguesa de 1976 e respectiva lei de greve), anotam nesse particular Gomes
Canotilho e Vital Moreira:
Os trabalhadores são livres na determinação dos motivos, na definição da men-
sagem e na seleção dos fins da greve, não podendo a lei liminar o âmbito dos
interesses defendidos – liberdade de definição dos motivos da greve (nº 2).
Uma tão enfática norma não pode deixar para dúvidas acerca da ilegitimidade
da restrição do direito de greve ao âmbito das relações de trabalho propriamente
ditas, sendo um caso raro de proibição de restrições a direitos fundamentais.
Não surpreende, aliás, tal solução constitucional. Sendo os trabalhadores cons-
titucionalmente interessados não apenas em obter as melhores condições de
trabalho (e não só perante a entidade empregadora, mas também perante o
Estado ...); mas, igualmente, no campo da organização e gestão da economia (...)
e, ainda, num vasto conjunto de domínios que consubstanciam a democracia
participativa (...), compreende-se então que não apenas os interesses estritos às
relações de trabalho possam ser fundamento de recurso à greve.46

Tal interpretação mais sensível à Greve Político-laboral recebeu guarida


em julgado do TST, sob a relatoria do Ministro Maurício Godinho Delgado:
45 BARBATO, Maria Rosaria; COSTA, Rosa Juliana. “A Reforma Trabalhista de 2017 e a Justiça do Trabalho:
ponderações sobre o caráter político das greves nacionais à luz dos princípios da OIT”. In: Lutar para quê?
Da greve às ocupações: um debate contemporâneo sobre o direito de resistência, Maria Rosaria Barbato
(Org.). Belo Horizonte: RTM, 2018, p. 92.
46 CANOTILHO, J.J. Gomes; MOREIRA VITAL. Constituição da República ... (cit.), p. 755-756.
Ana Cláudia Nascimento Gomes 357

RECURSO ORDINÁRIO EM DISSÍDIO COLETIVO. AMPLITUDE DO


DIREITO DE GREVE. A Carta Magna brasileira de 1988, em contraponto a
todas as constituições anteriores do país, conferiu, efetivamente, amplitude ao
direito de greve. É que determinou competir aos trabalhadores a decisão sobre a
oportunidade de exercer o direito, assim como decidir a respeito dos interesses
que devam por meio dele defender (caput do art. 9o, CF/88). A teor do co-
mando constitucional, portanto, não são, em princípio, inválidos movimentos
paredistas que defendam interesses que não sejam rigorosamente contratuais,
ilustrativamente, razões macroprofissionais e outras.47

E, apesar da posição da jurisprudência trabalhista, a greve política (em


geral!) recebera expresso acolhimento em importante acórdão do STF:
A Constituição, tratando dos trabalhadores em geral, não prevê limitação do
direito de greve: a eles compete decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e
sobre os interesses que devam por meio dela defender. Por isso, a lei não pode
restringi-lo, senão protege-lo, sendo constitucionalmente admissíveis todos
os tipos de greve: greves reivindicatórias, greves de solidariedade, greves po-
líticas, greves de protesto. Não obstante, os abusos no seu exercício, como, de
resto, qualquer abuso de direito ou liberdade, sujeitam os responsáveis às penas
da lei (§2º do art. 9º) – lei que, repito, não pode restringir o uso do direito. A
Constituição (§1º do art. 9º) apenas estabelece que lei definirá os serviços ou
atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis
da comunidade.48

Ademais, a despeito da expressa dicção do art. 114-II da CR/88 e da espe-


cialização da Justiça do Trabalho, não são todos os litígios decorrentes de greves
aqueles que lhe compete decidir, consoante entendimento firmado pelo STF.
Depois de anos de latência do direito de greve na Função Pública (pela
primeira vez no Brasil, a CR/88 reconheceu o direito de sindicalização e de
greve dos servidores públicos49; direito fundamental que se transfigurou, biso-
nhamente, nesse interregno, em exercício abusivo e ilegal de paralização, face
à ausência de lei regulamentadora), sobrevieram as decisões do STF (MI’s nº
712 e 708)50 que legitimaram o exercício do movimento paredista dos servidores

47 TST-RODC-548/2008-000-12-00.0, Rel. Min. Maurício Godinho Delgado. Acórdão de 09/11/2009.


48 STF. MI 712/PA, Rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, parte do voto do Relator, item 13, fls. 5. Decisão de
25/10/2017.
49 V. GOMES. Ana Cláudia Nascimento. Emprego Público de Regime Privado – A Laboralização da Função
Pública, Ed. Fórum, Belo Horizonte, 2017; GOMES. Ana Cláudia Nascimento. NETTO. Luísa Cristina
Pinto e.; “Sindicalização na Função Pública ... (cit.), p. 71-94; GOMES. Ana Cláudia Nascimento. ALBER-
GARIA. Bruno. “Vinculação imediata das Autoridades ... (cit.), p. 19-49.
50 STF. MI 708/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno. “Mandado De Injunção. Garantia Fundamental
(Cf, Art. 5º, inciso LXXI). Direito de Greve dos Servidores Públicos Civis (Cf, Art. 37, inciso VII). Evolução
do Tema na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF). Definição dos Parâmetros de Competência
Constitucional para Apreciação no Âmbito da Justiça Federal e da Justiça Estadual até a edição da Legis-
lação Específica Pertinente, nos termos do Art. 37, VII, da CF. Em Observância aos ditames da Segurança
Jurídica e à Evolução Jurisprudencial na Interpretação da Omissão Legislativa sobre o Direito de Greve dos
358 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

públicos; porém, com a fixação de competência material da Justiça Comum,


mesmo em face da “competência ampliada” da Justiça do Trabalho (EC nº
45/2004).51
Se por um lado, a jurisprudência constitucional superou verdadeiro en-
trave para a concretização do direito de greve no âmbito da Função Pública,
não é menos verdade que a “pulverização” das Justiças para a apreciação das
causas atinentes aos movimentos paredistas (Justiça do Trabalho para os tra-
balhadores em geral; Justiça Federal para os servidores públicos federais e,
finalmente, Justiça Estadual para os servidores públicos estaduais e municipais)
acaba por dificultar ainda mais uma apreciação harmoniosa do instituto; sendo
certo, no âmbito da Justiça Comum se tem notado decisões ainda mais restri-
tivas relativamente aos movimentos paredistas, evidentemente, com esteio no
princípio do interesse público.52
Apesar disto, considerando que as greves na Função Pública implicam,
nos casos de servidores públicos stricto sensu, a necessidade de posterior lei
formal para o aumento dos vencimentos (arts. 37 e 39-XI; portanto, as rei-
vindicações podem embutir inerente característica política), há julgados do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) legitimando movimento paredista nessas
condições,53 o qual, assim, não se afigura puramente como político pela inerência
com o conteúdo da relação de trabalho jurídico-pública.
Isto posto, o quadro jurisprudencial trabalhista não é, pois, de todo “afe-
tuoso” às greves político-laborais; e, isto, a despeito de importante acórdão do
STF em sentido contrário e o fato de que deveria ser a Justiça do Trabalho

Servidores Públicos Civis, Fixação do Prazo de 60 (Sessenta) Dias para que o Congresso Nacional Legisle
sobre a Matéria. Mandado de Injunção Deferido para Determinar a Aplicação das Leis nos 7.701/1988 e
7.783/1989”.
51 COUTINHO. Grijalbo Fernandes. FAVE. Marcos Neves. Justiça do Trabalho: Competência Ampliada,
LTR, São Paulo, 2005.
52 Assim, por exemplo, em nossa ótica, ao negar de forma absoluta o exercício do direito de greve às carreiras
policiais, não obstante o silêncio da CR/88 para tal categoria: ARE 654.432/GO, Rel. Min. Alexandre de
Moraes, Tribunal Pleno, DJe nº 114, de 11/06/2018: “Impossibilidade absoluta do exercício do direito de
greve às carreiras policiais. Interpretação teleológica do texto constitucional, em especial dos artigos 9º, §
1º, 37, VII e 144”. Neste julgado, fixou-se a seguinte tese: “1 – O exercício do direito de greve, sob qualquer
forma ou modalidade, é vedado aos policiais civis e a todos os servidores públicos que atuem diretamente na
área de segurança pública”.
53 STJ. Petição nº 12.195 (2018/0090436-8), Rel. Ministro Og Fernandes. No relatório da decisão monocrática:
“Entretanto, houve recurso para que tal projeto de lei fosse ao plenário da Câmara dos Deputados, para apre-
ciação e votação. Como não houve a aprovação do projeto de lei no ano de 2016, as categorias da carreira
de auditoria da RFB, auditores-fiscais e analistas-tributários, intensificaram sua pressão política, resolvendo
o Presidente da República, Michel Temer, dar prosseguimento na questão da maneira que reputou conve-
niente.” E, na Dúvida não há, portanto, sobre a legitimidade e a possibilidade de deflagração de movimento
paredista por servidores públicos, quando já envidados todos os esforço necessários para a tentativa de
negociação com a administração, ou mesmo descumprimento de acordos e tratativas anteriores, de forma
a frustrar a expectativa legítima da categoria laboral No caso em testilha, inexistem evidências a afastar a
presunção de legalidade de movimento paredista, fundado na inobservância por parte da União do acordo
firmado através do Instrumento n. 13/2015”.
Ana Cláudia Nascimento Gomes 359

aquela mais “hospitaleira”, no âmbito nacional, às compreensões do CLS/OIT;


eis que compatíveis com a abertura do art. 9º da CR/88 e harmoniosos com
art. 8º do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. O
excesso de rigidez, ademais, para a aferição da juridicidade da greve se mostra
ainda pouco adequado às hodiernas transformações que tem sofrido o mundo
do trabalho, como, aliás, demonstrou a “greve” dos motoristas rodoviários de
carga de maio de 2018.

4. A GREVE DOS TRANSPORTADORES RODOVIÁRIOS DE


CARGAS DE MAIO DE 2018.
De fato, mais recentemente, em maio de 2018, paralização geral dos
transportadores rodoviários de cargas no Brasil conduziu-nos à verificação do
desgaste dessa configuração “rigorosa e necessariamente enquadrada” da
greve (em geral); seja pela forma como foi articulada pelos trabalhadores;
pelo forte impacto do movimento, em setor estratégico da econômica; seja
ainda pela forma como foi cautelarmente estancada (ADPF 519, Rel. Min.
Alexandre de Moraes). Com efeito, a paralisação quase conduziu a um colapso
no sistema de transporte nacional e, por consequência, no abastecimento nos
estabelecimentos. Façamos um breve apanhado do caso e de suas motivações.
As insatisfações dessa “categoria profissional” têm várias causas e foram
sintetizadas, de forma bastante pertinente, em manifestação da Procuradoria-
-Geral da República (PGR), exarada em agosto de 2016 na ADI 5322, Rel.
Min Alexandre de Moraes (ainda não julgada); ação que questiona as Leis
Federais nºs 12.619/201254 e 13.103/201555. Segundo a PGR, opinando pela
inconstitucionalidade material de disposições acrescidas e alteradas na Conso-
lidação das Leis do Trabalho, que modificaram prejudicialmente o regime de
trabalho desses profissionais:
O sistema de transporte rodoviário de cargas é marcado pelo forte caráter estra-
tégico para a economia nacional, por sua dependência operacional desse modal
de transporte, com forte pressão pelo barateamento do seu custo.
O significativo desenvolvimento econômico do país, sobretudo na década de
setenta, associado à falta de infraestrutura de transportes, ensejou a necessidade
da rápida e ampla expansão das vias de transporte rodoviário para escoamento

54 Lei nº 12.619, de 30 de abril de 2012: Dispõe sobre o exercício da profissão de motorista; altera a Consoli-
dação das Leis do Trabalho – CLT (...) para regular e disciplinar a jornada de trabalho e o tempo de direção
do motorista profissional; e dá outras providências.
55 Lei nº 13.103, de 2 de março de 2015: Dispõe sobre o exercício da profissão de motorista; altera a Consolida-
ção das Leis do Trabalho – CLT, (...) para disciplinar a jornada de trabalho e o tempo de direção do motorista
profissional; altera a Lei nº 7.408, de 25 de novembro de 1985; revoga dispositivos da Lei nº 12.619, de 30
de abril de 2012; e dá outras providências.
360 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

da produção.
Nos anos seguintes, no entanto, a economia tornou-se profundamente de-
pendente desse modelo, pois a pressão pelo barateamento do custo do frete
rodoviário brasileiro reduziu seu preço a um dos menores do mundo, desestimu-
lando o investimento em ferrovias e hidrovias, que perderam competitividade em
face do seu alto custo de construção. É o que conclui a Confederação Nacional
dos Transportes (CNT), com base em estudo desenvolvido pelo Instituto CO-
PPEAD de Administração, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 2009,
sobre o transporte rodoviário de cargas brasileiro.
Analisando o contraste do baixo preço do frete com seu alto custo operacional,
decorrente das precárias condições das rodovias brasileiras, do preço elevado dos
caminhões e combustíveis e do elevado índice de acidentes de trânsito e roubos
de carga, a pesquisa CNT/COPPEAD revela que o valor médio pago pelos
fretes rodoviários é muito baixo em comparação com seus custos, e que esse frete
artificialmente baixo compromete a saúde do setor, impede o crescimento de
outros modelos de transporte e “gera externalidades negativas para a sociedade”.
Segundo o estudo, as principais causas para o baixo valor dos fretes rodoviários
são, dentre outras, a baixa manutenção e renovação de veículos, carregamentos
com sobrepeso, “jornadas de trabalho excessivas” e inadimplência no setor.
Reconhece-se, aqui, que o excesso de jornada de trabalho imposto aos motoristas
do transporte rodoviário de cargas, no país, é prática ínsita ao modelo de ativi-
dade praticada, e que esse excesso ordinário contribui para a redução artificial
do preço do frete, por sonegação de custos.
Isso revela que, além dos custos operacionais ordinários com remuneração de
motoristas, combustível, pneus etc., o frete rodoviário também implica custos
não computados e não assumidos pelo setor, seja nos reparos das rodovias, por
avarias decorrentes do excesso de peso transportado, seja no custeio previden-
ciário e nos tratamentos de saúde decorrentes de mortes e ferimentos causados
por acidentes de trânsito envolvendo caminhões de frete, seja, também, na apro-
priação barata do excesso de jornada de trabalho dos motoristas, com todas as
implicações trabalhistas e sociais que disso decorre.(…).56

O Ministério Público do Trabalho também veiculou Nota Pública sobre


movimento paredista na oportunidade e corroborou as sérias condições de
trabalho a que estavam – e ainda permanecem – submetidos os transportadores
rodoviários de cargas:
(...) Trata-se de movimento de contornos diferenciados e que ocorre em momen-
to muito sensível, pois entrelaça questões logísticas, políticas comerciais e fiscais.
Não obstante o impreciso conteúdo das reivindicações apontar para temas distin-
tos da pauta trabalhista convencional, a insatisfação que lhes causou demonstra
56 PGR. ADI 532/DF. Manifestação da Procuradoria-Geral da República, assinado pelo PGR Rodrigo Janot, de
16/08/2016. In: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4778925, acesso em 05/10/2019.
Ana Cláudia Nascimento Gomes 361

as consequências, previsíveis, da precarização das condições de trabalho do seg-


mento que primeiro sentiu os impactos da reforma trabalhista.
Com efeito, para as relações de trabalho que envolvem motoristas, a reforma
trabalhista chegou antes, com as alterações promovidas pela Lei nº 11.442/2007.
Tal marco normativo representou a transformação de milhares de trabalhado-
res, outrora empregados, num enorme contingente de autônomos e agregados,
muito embora suas atividades continuem subordinadas a corporações econômi-
cas de transporte, dos quais dependem econômica e logisticamente. E assim, os
trabalhadores ficaram à míngua do sistema de proteção do emprego, tal como
determina o Texto Constitucional.
O reduzido rendimento e a necessidade de suportar individualmente os custos e
os riscos da atividade estimulam a prática de jornadas sobre-humanas, sustenta-
das, em grande parte, segundo apontam pesquisas de campo, pelo consumo de
drogas que mantém os condutores, na condição de empreendedores endividados,
acordados por longos períodos. A situação das jornadas extenuantes, pondo
em risco o trânsito e a vida do motorista e dos demais condutores de veículos,
agravou-se drasticamente a partir da Lei nº 13.103/2015.
(…)
O quadro é grave e preocupante, pelas dimensões e pela persistência, mas não
se pode dizer que seja surpreendente na essência e em seus contornos, dada à
degradação das condições de trabalho.
A ampla possibilidade de terceirização no setor, com diferentes roupagens e
artifícios que pretendem camuflar a situação de efetiva subordinação e depen-
dência dos trabalhadores em relação às corporações que organizam e dirigem a
atividade, propicia a desorganização dos trabalhadores e do movimento, fato
que, conforme vem sendo observado, dificulta enormemente o processo de
negociação para a pacificação do conflito.
Há um clima compreensível de insatisfação, externado em manifestações com
pauta incerta e inconstante, com coordenação diluída e interlocutores impre-
cisos. No seu componente legítimo, esse modo peculiar de organização do
movimento representa um grande desafio à negociação de interesses de
modo a que sejam assegurados os direitos mínimos aos trabalhadores e res-
tabelecida a ordem social.57 (g.n.)

Essa confluência de pontos negativos para a involução das condições


laborais dos trabalhadores rodoviários, com ou sem vínculo de emprego forma-
lizado, recebeu, segundo a análise do doutrinador e professor da Universidade
de São Paulo Jorge Luiz Souto Maior, influxos indiretos da suspensão de

57 “MPT publica nota à sociedade brasileira sobre a crise no transporte de cargas”, do Procurador-Geral do
Trabalho em exercício Luiz Eduardo Guimarães Bojart, de 30 mai. 2018. Acessível em: http://portal.mpt.
mp.br/wps/portal/portal_mpt/mpt/sala-imprensa/mpt-noticias/955d1378-f13f-4f9c-95ca-c653d6a69626,
em 30 mai. 2018.
362 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

processos judiciais trabalhistas, por força da liminar deferida nos autos da


ADC 48/DF, Rel. Min. Roberto Barroso,58 que tem como objeto a Lei nº
11.442/2007.59 Afirma este jurista: “... seja na condição formalizada de empre-
gados, seja na situação juridicamente desvirtuada de ‘autônomos’, tem sido trágica
a condição de trabalho e de vida dos caminhoneiros no Brasil ...”.60
Tais argumentos, em nossa ótica: (i) corroboram a existência de uma le-
gítima e generalizada insatisfação laboral da categoria envolvida, o que conduz,
no mínimo, à legitimação do exercício coletivo e concertado do direito de ma-
nifestação (CR/88, art. 5º-IV) e do exercício direito de reunião (CR/88, art.
5º-XVI) para externalização de suas reivindicações relacionadas à profissão/
atividade econômica, que, nessa condição, independem da situação de juridica-
mente subordinados, ou não, dos manifestantes e, ainda que não se considere o
movimento paredista como greve típica, enquadrável nos exatos termos do art.
4º da Lei 7.783/1989, ele encontra-se imediatamente albergado no art. 9º da
Constituição; (ii) via de consequência, revelam ser constitucionalmente possível
o enquadramento do movimento paredista como “greve político-laboral espon-
tânea”, já que coletivo e concertado, mas não direcionado ao atendimento de
reivindicações por parte de “empregadores formais” e nem organizado por ente
sindical; todavia, ainda relacionadas à execução das atividades profissionais dos
grevistas; e (iii) por outro lado, impossibilitam o tratamento jurídico, por parte
dos poderes públicos, do movimento como aprioristicamente repugnável, ilícito
ou generalizadamente ad terrorem (com amparo no precedente firmado na ADPF
187/DF, Rel. Min. Celso de Mello).61 Desde que pacíficos e sem constrangimento

58 STF. ADC 48, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 18, de 31 jan. 2018: “Ementa: Direito do Trabalho. Medida
Cautelar em Ação Declaratória de Constitucionalidade. Transporte rodoviário de cargas. Terceirização da
atividade-fim. Medida cautelar deferida. 1. A Lei nº 11.442/2007 (i) regulamentou a contratação de transpor-
tadores autônomos de carga por proprietários de carga e por empresas transportadoras de carga; (ii) autorizou
a terceirização da atividade-fim pelas empresas transportadoras; e (iii) afastou a configuração de vínculo de
emprego nessa hipótese. 2. É legítima a terceirização das atividades-fim de uma empresa. A Constituição
Federal não impõe uma única forma de estruturar a produção. Ao contrário, o princípio constitucional da
livre iniciativa garante aos agentes econômicos liberdade para eleger suas estratégias empresariais dentro do
marco vigente (CF/1988, art. 170). 3. A proteção constitucional ao trabalho não impõe que toda e qualquer
prestação remunerada de serviços configure relação de emprego (CF/1988, art. 7º). 4. A persistência de deci-
sões judiciais contraditórias, após tantos anos de vigência da Lei 11.442/2007, reforça a presença de perigo
de dano de difícil reparação e gera grave insegurança jurídica, em prejuízo a todas as partes que integram
a relação contratual de transporte autônomo de carga. 5. Verossimilhança do direito e perigo da demora
demonstrados. Medida cautelar deferida”.
59 “Dispõe sobre o transporte rodoviário de cargas por conta de terceiros e mediante remuneração e revoga a
Lei no 6.813, de 10 de julho de 1980”.
60 MAIOR. Jorge Luiz Souto Maior, “Você realmente se preocupa com os caminhoneiros?”, in https://www.
conjur.com.br/2018-mai-28/souto-maior-voce-realmente-preocupa-caminhoneiros, acesso em 30 mai.
2018.
61 ADPF 187, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgamento 15/06/2011, DJe nº 102, de 29/05/2014.
Na ementa: “A Liberdade de Reunião como Pré-Condição Necessária à Ativa Participação dos Cidadãos
no Processo Político e no de Tomada de Decisões no Âmbito do Aparelho de Estado – Consequente Le-
gitimidade, sob Perspectiva Estritamente Constitucional, de Assembleias, Reuniões, Marchas, Passeatas
ou Encontros Coletivos Realizados em Espaços Públicos (ou Privados) com o Objetivo de Obter Apoio
para Oferecimento de Projetos de Lei, de Iniciativa Popular, de Criticar Modelos Normativos em Vigor, de
Ana Cláudia Nascimento Gomes 363

de outrem, são garantidos constitucionalmente o direito de manifestação e o


direito de reunião, mormente em locais abertos e de pleno acesso público.
O fato do movimento paredista dos transportadores rodoviários não ter
sido articulado por ente sindical representativo da categoria profissional, até
porque inorganizada (“greve sem sindicato”; “greve selvagem”62 ou “greve es-
pontânea”63), não repele a sua acolhida na noção “democraticamente amiga “
de greve, a despeito do procedimento fixado no art. 4º da na Lei de Greve, eis
que pode ser imediatamente alicerçada no art. 9º da CR/88 (c/c art. 5º-§1º).
Outros fatores são ainda salientados pela doutrina para demonstrar a falibi-
lidade de um enquadramento rigoroso do movimento paredista e dos interesses
tutelados no quadro de uma sociedade democrática, a justificar a juridicidade da
paralização sub examine: a crise de representatividade sindical e as alterações que
o capitalismo contemporâneo tem vivenciado nos últimos tempos:
(…)
A crise de representatividade enfrentada pelo sindicalismo brasileiro, tanto em
razão de suas raízes corporativistas como por força da desestruturação produ-
tiva na modernidade pós-industrial, tem culminado numa constante perda de
legitimidade das entidades de classe, refletindo diretamente no seu poder de
insurgência frente às demandas da categoria.
Não é à toa que várias categorias profissionais, ignorando a existência de um
sindicato regularmente constituído e legalmente investido de representatividade,
pratiquem atos de resistência coletiva espontânea, em especial a greve, expressão
maior dessa resistência.

Com a chegada do novo século, consolidou-se a fragmentação da antiga fábrica
fordista. Os operários não são mais reunidos no velho ambiente de produção
serial. A terceirização externa provocou a coexistência de empregados e não
empregados, gerando disputa pelo posto de trabalho. As inovações tecnológicas,
sobretudo na área da microeletrônica e das telecomunicações, permitiram o
trabalho à distância, deslocando o empregado para fora das divisas do estabele-
cimento empresarial. Implode-se o espírito de solidariedade coletiva.
A dessindicalização (não filiação ou desfiliação das entidades sindicais) tornou-se
Exercer o Direito de Petição e de Promover Atos de Proselitismo em Favor das Posições Sustentadas pelos
Manifestantes e Participantes da Reunião”.
62 Na rede mundial de computadores localizou-se justamente uma greve de “caminhoneiros” ocorrida nos
EUA, como “greve selvagem”: “Greve selvagem é uma greve que é iniciada e/ou levada adiante espon-
taneamente, pelos trabalhadores, sem a participação ou à revelia do sindicato que representa a classe. Tal
movimento já ocorreu no Brasil e nos Estados Unidos, onde 100 mil caminhoneiros fizeram uma paralisação
de 30 dias na década de 1970.”: in: https://pt.wikipedia.org/wiki/Greve_selvagem, em 30 mai. 2018.
63 MOTA. Konrad Saraiva (e outro): “Greve sem sindicato: Limites e Possibilidade do Movimento Espontâ-
neo de Resistência Coletiva”; in: www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=f869d4accedf2bf6, acesso em 30
mai. 2018.
364 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

evidente, já que os sindicatos continuam presos a uma armação conservadora,


enfrentando enorme dificuldade de manutenção da padronização de outrora,
frente à nova “roupagem” do capital. O poder sindical perde sua força, mas a
resistência operária tende a ir além da sindicalização.
….
Recentemente, a população de algumas das principais capitais brasileiras (...)
presenciaram a paralisação dos transportes coletivos urbanos em virtude de mo-
vimentos que não foram oficialmente deflagrados pelas entidades sindicais dos
trabalhadores. Tais paralisações, conforme noticiado na imprensa (...), nasceram
de coalizões espontâneas de trabalhadores ou foram compostas de agrupamentos
dissidentes dos sindicatos.64

Espontâneo, porém, extremamente coeso e certeiro quanto às suas finali-


dades de pressão política, o movimento paredista motivou o ajuizamento, pela
União, da ADPF 519/DF. A concessão da liminar, por decisão monocrática,
fundou-se na necessidade de restrição do direito de reunião/greve ao princípio
da proporcionalidade, para prevalência de outros direitos fundamentais, e na
obstrução do tráfego nas vias rodoviárias terrestres:
(...)O direito de greve, sob a ótica jurídica, portanto, se configura como direito
de imunidade do trabalhador face às consequências normais de não trabalhar,
incluindo-se no exercício desse direito diversas situações de índole instrumental,
além do fato de o empregado não trabalhar, tais como a atuação de piquetes
pacíficos, passeatas, reivindicações em geral, a propaganda, coleta de fundos,
“operação tartaruga”, “cumprimento estrito do dever”, “não-colaboração” etc.
Há diversas espécies de greves permissíveis pelo texto constitucional, podendo os
trabalhadores decretar greves reivindicativas, objetivando a melhoria das condi-
ções de trabalho, ou greves de solidariedade, em apoio a outras categorias ou
grupos reprimidos, ou greves políticas, visando conseguir as transformações
econômico-sociais que a sociedade requeira, ou, ainda, greves de protesto.
A garantia plena e o efetivo exercício dos direitos de greve e reunião consistem em
exigência nuclear do direito fundamental à livre manifestação de pensamento,
sendo absolutamente necessários na efetivação da cidadania popular e funda-
mentais no desenvolvimento dos ideais democráticos.
O direito de greve consagrado pela Constituição Federal, em seu artigo 9º, e o
direito de reunião, previsto no artigo 5º, XVI, entretanto, não são absolutos e
ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente
consagrados pela Carta Magna (relatividade ou convivência dos direitos funda-
mentais), pois as democracias modernas, garantindo a seus cidadãos uma série
de direitos fundamentais que os sistemas não democráticos não consagram, pre-
tendem, como lembra Robert Dahl, a paz e a prosperidade da Sociedade como
64 MOTA. Konrad Saraiva (e outro): “Greve sem sindicato: Limites e Possibilidade do Movimento Espontâ-
neo de Resistência Coletiva”; in: www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=f869d4accedf2bf6, acesso em 30
mai. 2018.
Ana Cláudia Nascimento Gomes 365

um todo e em harmonia.
Dessa maneira, como os demais Direitos Fundamentais, os direitos de reunião e
greve são relativos, não podendo ser exercícios, em uma sociedade democrática,
de maneira abusiva e atentatória à proteção dos direitos e liberdades dos demais,
as exigências da saúde ou moralidade, da ordem pública, a segurança nacional,
a segurança pública, da defesa da ordem e prevenção do crime, e o bem-estar da
sociedade; como proclamam a Declaração dos Direitos Humanos das Nações
Unidas, em seu artigo 29 e a Convenção Europeia de Direitos Humanos, em
seu artigo 11:
(...)
A relatividade e razoabilidade no exercício dos direitos de reunião e greve são
requisitos essenciais em todos os ordenamentos jurídicos democráticos; sendo
necessário harmonizá-los com os demais direitos e garantias fundamentais nas
hipóteses de conflitos, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em
atrito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma
redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual, sempre em busca do
verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com suas
finalidades precípuas e buscando o bem-estar de uma sociedade democrática.
(...)
Não há dúvidas, portanto, que os movimentos reivindicatórios de empregadores
e trabalhadores – seja por meio de greves, seja por meio de reuniões e passeatas – ,
não podem obstar o exercício, por parte do restante da Sociedade, dos demais
direitos fundamentais, configurando-se, claramente abusivo, o exercício desses
direitos que impeçam o livre acesso das demais pessoas aos aeroportos, rodovias
e hospitais, por exemplo, em flagrante desrespeito à liberdade constitucional
de locomoção (ir e vir), colocando em risco a harmonia, a segurança e a Saúde
Pública, como na presente hipótese.
Na presente hipótese, entendo demonstrado o abuso no exercício dos direitos
de reunião e greve, em face da obstrução do tráfego em rodovias e vias públicas,
impedindo, a livre circulação no território nacional e causando a descontinui-
dade no abastecimento de combustíveis e no fornecimento de insumos para a
prestação de serviços públicos essenciais, como transporte urbano, tratamento
de água para consumo humano, segurança pública, fornecimento de energia
elétrica, medicamentos, alimentos e tudo quanto dependa de uma cadeia de
fabricação e distribuição dependente do transporte em rodovias federais – o que,
na nossa realidade econômica e social, tem efeitos dramáticos.65

Após tal decisão cautelar, o Governo editou a Medida Provisória nº 832,


de 27 de maio de 2018, que “instituiu a Política de Preços Mínimos do Transporte

65 STF. ADPF 519, Rel. Min. Alexandre de Moraes, decisão liminar monocrática, de 23/05/2018.
366 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Rodoviário de Cargas”, 66 “acordada durante a greve”,67 considerando o “ta-


belamento dos fretes era uma das medidas que o governo negociou com os
caminhoneiros para pôr fim à paralisação da categoria que durou 11 dias”.68 De
toda forma, a batalha judicial permanece, considerando que a Confederação
da Agricultura e Pecuária do Brasil ajuizou ADI (ADI 5959, Rel. Min. Luiz
Fux) questionando a constitucionalidade da referida MP.
Esse caso nos levou às seguintes e iniciais deduções sobre a questão da
configuração da juridicidade da greve, em geral, e da greve político-laboral,
em especial:
(i) a descaracterização da relação de emprego formal por outras formas
de prestação laboral (subordinadas ou não, mas com dependência econômi-
ca e profissionalidade) potencializa a eclosão de movimentos paredistas não
orquestrados por entes sindicais, justamente pelo fato de tais trabalhadores
não estarem necessariamente representados por uma associação com atributos
sindicais e nem celebrarem instrumentos normativos; (ii) tal descaracterização,
ainda, conduz que os trabalhadores direcionem difusamente as suas reinvindi-
cações (para tomadores de serviços e poderes públicos simultaneamente); (iii)
a ausência da articulação sindical, todavia, para além de não excluir a caracte-
rização do movimento como “greve”, também não inviabiliza a concertação e
a eficácia do movimento paredista (e mesmo estabelecerem “negociações cole-
tivas atípicas”69); porém, prejudica a solução “tradicional” do impasse, inclusive
em sede de Dissídio Coletivo na Justiça do Trabalho, mormente em face da
dispersão dos respectivos representantes (o que dificulta a caracterização da
legitimidade processual); finalmente, (iv) nesse contexto, nos afigura artificial
e utópica insistir na atualidade de um enquadramento extremamente rigoroso
da juridicidade da greve, em geral, e da greve político-laboral, em especial.
Sinais de mudança se avizinham!

4. SINAIS DE MUDANÇAS DOS PARADIGMAS


TRADICIONAS DA GREVE
Se é inequívoco que a alteração do cenário jurisprudencial nacional
66 In https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7736291&ts=1567534614348&disposition=inli-
ne, acesso em 05 out. 2019.
67 Cf. “Governo sanciona medida provisória do frete acordada durante greve – Presidente vetou a anistia às
multas da paralisação dos caminhoneiros. Decisão foi publicada no Diário Oficial da União nesta quin-
ta”, in https://noticias.r7.com/brasil/governo-sanciona-medida-provisoria-do-frete-acordada-durante-gre-
ve-09082018, acesso em 05 out. 2018.
68 Idem.
69 V. RAMALHO. Maria do Rosário Palma. Negociação Colectiva Atípica, Livraria Almedina, Coimbra,
2009.
Ana Cláudia Nascimento Gomes 367

relativo à greve depende em muito da revisão do Direito Constitucional (es-


pecialmente para a consagração do princípio da plena liberdade sindical); não é
menos correto que são viáveis intepretações “democraticamente mais amigas”
do direito de greve, em geral, e das greves político-laborais, em especial. Afinal,
a intepretação do Direito Convencional pela CSL/OIT (c/c art. 8º do Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais) permite legitimar,
no plano interno, movimentos de resistência coletiva dos trabalhadores como
greve, ainda que voltados à defesa de seus interesses econômicos e/ou profis-
sionais em face de instituições e órgãos políticos; e, assim, para todos os fins
de direito e em benefício dos trabalhadores.
Acreditamos que cedo ou tarde a Justiça do Trabalho flexibilizará a sua
compreensão; se não por voluntário acolhimento dos afluxos que provêm do
CSL/OIT, por imposição das próprias transformações que hodiernamente per-
passa o Direito do Trabalho, pela transfiguração de sua relação típica e formal
de emprego e, via de consequência, dos entes (personalizados ou não) que irão,
doravante, tutelar coletivamente os interesses econômicos e profissionais desses
trabalhadores. Oxalá que seja pela primeira hipótese!

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A TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADE-FIM NO BRASIL
COMO IMPEDITIVO AO TRABALHO DECENTE
PRECONIZADO PELA OIT
THE OUTSOURCING OF END-ACTIVITY IN BRAZIL AS IMPEDITIVE
TO DECENT WORK PROVIDED BY THE ILO

Paulo Antonio Maia e Silva1

RESUMO: Uma das metas da OIT é de desenvolver a concepção do trabalho


decente, partindo de quatro objetivos estratégicos. A terceirização é um fenô-
meno social e jurídico cuja principal característica, no âmbito do direito do
trabalho, é a de estabelecer uma simetria e conformidade na relação de emprego
distoante da concepção formatada pelo direito laboral, que parte da bilateralida-
de entre empregado e empregador como alicerce de toda a ciência justrabalhista.
A terceirização de atividade-fim, autorizada pela lei 13.429/2017 e declarada
constitucional pelo STF compromete gravemente o atingimento do trabalho
decente. Se buscará demonstrar que no âmbito das relações de trabalho subordi-
nado a terceirização de atividade-fim não permite e se constitui em impeditivo do
atingimento do trabalho decente como concebido pela OIT, em seus objetivos
estratégicos. Se abordou as situações concretas à luz do ordenamento jurídico
vigente nas quais o trabalho terceirizado de atividade-fim compromete e impede
a concretização do trabalho decente no tecido sócioeconômico brasileiro.
Palavras-chave: Trabalho decente; Terceirização. OIT
ABSTRACT: One of the ILO’s goals is to develop the concept of decent work
based on four strategic objectives. Outsourcing is a social and legal phenomenon
whose main feature, within the scope of labor law, is to establish a symmetry
and conformity in the employment relationship that distinguishes itself from the
conception shaped by labor law, which starts from the bilaterality between em-
ployee and employer as the foundation of all justrabalist science. The outsourcing
of core activity, authorized by law 13.429 / 2017 and declared constitutional by
the Supreme Court severely compromises the achievement of decent work. It
will be sought to demonstrate that, in the context of employment relationships,
outsourcing of core activity does not allow and constitutes an impediment to
achieving decent work as conceived by the ILO in its strategic objectives. The
concrete situations were approached in the light of the current legal system in
1 Mestre em Direito das Relações Sociais PUC/SP. Professor da Graduação e Pós Graduação do Centro Uni-
versitário de João Pessoa. Advogado.
370 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

which the outsourced work of end activity compromises and prevents the reali-
zation of decent work in the Brazilian socioeconomic fabric.
Keywords: Outsourcing. Decent work. ILO.

O conceito de trabalho decente, formalizado pela OIT em 1999, tem o


objetivo de promover as devidas condições para a consecução de um trabalho
produtivo e de qualidade, cujas circunstâncias considerem o respeito às liber-
dades, à isonomia, segurança e dignidade humanas.
A terceirização é um fenômeno social e jurídico cuja principal caracte-
rística, no âmbito do direito do trabalho, é a de estabelecer uma simetria e
conformidade na relação de emprego que distoa da concepção formatada pela
ciência laboral, que parte da bilateralidade entre empregado e empregador
como alicerce de sua dogmática.
Ainda que seu surgimento tenha se dado na esfera da articulação dos
processos produtivos da empresa como mecanismo de auxílio ao empresário,
lhe possibilitando descentralizar atividades secundárias e entregá-las a tercei-
ros, a realidade de sua aplicação na relação de trabalho revelou facetas que
comprometeram gravemente a sua tutela, como, por exemplo, retirar o traba-
lhador da vida da empresa tomadora, suprimindo sua integração ao ambiente
de trabalho e sua identidade coletiva enquanto membro de uma categoria
profissional. Outras mazelas estão associadas à terceirização, mas o direito do
trabalho sempre se preocupou em impingir restrições para evitar sua desnatu-
ração e coibiu a figura da terceirização da atividade-fim, considerando-a ilícita.
Com o advento da lei 13.429, de 30 de março de 2017, alterada pela lei
13.467, de 13 de julho de 2017, o direito brasileiro permitiu a terceirização
da atividade-fim. O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, declarou-a cons-
titucional, como se verá adiante.
O objetivo deste trabalho é o de buscar demonstrar que a terceirização
de atividade-fim não só não permite como se constitui em impeditivo no de-
senvolvimento e atingimento do trabalho decente como concebido pela OIT,
em seus objetivos estratégicos.

TRABALHO DECENTE
O trabalho decente é conceito central para o alcance dos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidos pelas Nações Unidas que busca
promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, em-
prego pleno e produtivo e trabalho decente.
O trabalho decente é o ponto de convergência dos quatro objetivos
Paulo Antonio Maia e Silva 371

estratégicos da OIT:
I- O respeito aos direitos no trabalho, notadamente os definidos como funda-
mentais como a liberdade sindical, o direito de negociação coletiva, a eliminação
de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação e erra-
dicação de todas as formas de trabalho forçado e trabalho infantil);
II- A promoção do emprego produtivo e de qualidade;
III- A ampliação da proteção social;
IV- O fortalecimento do diálogo social.
Na década de 90, o avanço da globalização e as grandes transformações por
ela produzidas, a reengenharia produtiva implantada em grandes empresas e po-
líticas econômicas baseadas na estabilização monetária, que chegaram a endossar
a inevitabilidade de um “crescimento sem emprego”, provocaram consequências
negativas na esfera das relações trabalhistas, onde defender recomendações de for-
talecimento do trabalho e das melhorias de suas condições era uma tarefa árdua.2
Neste cenário, no início da década seguinte, a OIT estimulou a adoção de
políticas para a geração de trabalho e renda, assim como para a difusão dos di-
reitos do trabalho, principalmente nos países economicamente mais atrasados,
lançando uma campanha internacional pela promoção do trabalho decente,
na qual reafirma os postulados do trabalho como valor em si mesmo, dele não
poder ser enxergado apenas como fator de produção e da impossibilidade da
autorregulação das relações de trabalho.
O trabalho decente tem como prerrogativa a afirmação do papel do
Estado democrático na consolidação de um padrão civilizado de relações so-
ciais, tendo como pressuposto a fundamentalidade do trabalho como vetor
para a superação da pobreza, da inclusão social e condição elementar para a
consecução de uma vida digna e da cidadania.
Para Druck, o trabalho decente se refere a um:
“trabalho produtivo e adequadamente remunerado, exercido em con-
dições de liberdade, equidade, e segurança, sem quaisquer formas de
discriminação, e capaz de garantir uma vida digna a todas as pessoas
que vivem de seu trabalho”.3
A promoção do trabalho decente no Brasil passou a ser um compromisso
quando o governo brasileiro e a OIT, em 2003, assinaram o ‘Memorando de
Entendimento’ que prevê um programa Especial de Cooperação Técnica para
2 PRONI, Marcelo Weishaupt. Trabalho decente e vulnerabilidade ocupacional no Brasil.In: Economia e So-
ciedade, Campinas, v. 22, n.3 (49), p. 825-854, dez. 2013.Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/ecos/
v22n3/09.pdf>. Acesso em: 03 set 2019
3 DRUCK, Graça. Trabalho, precarização e resistências: novos e velhos desafios?.CADERNO CRH, Salva-
dor, v. 24, p. 37-57, 2011.
372 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

a promoção de uma Agenda Nacional de Trabalho Decente.


São consideradas pela OIT para o Brasil três diferentes prioridades para
a geração de mais e de melhores empregos (que deve, dentro de sua soberania,
estabelecer a sua gradação), a saber: I) erradicar o trabalho escravo e eliminar
o trabalho infantil em todas as suas formas; II) fortalecer os atores tripartites
(governo, empresa e trabalhador); e, III) diálogo social com um instrumento
de governabilidade democrática. 4
Segundo Sachs, frente a todas as divergências e desigualdades presentes
no Brasil, entre as quais saúde, saneamento e educação, o trabalho decente se
constitui como a principal arma para se atender a quase todas as necessidades
do trabalhador, por duas razões: a) a partir do momento que o trabalhador
está exercendo suas atribuições de forma legal não há razão para sua situação,
a princípio, ser precarizada; e, b) atribui-se o sentimento do trabalhador como
ser humano, que, durante seu trabalho busca autorrealização, autoestima e
desenvolvimento na escala social. No entanto, segundo afirma, isto pressupõe
uma significativa geração de empregos formais, exercidas em boas condições e
convenientemente remuneradas.5
O trabalho terceirizado da atividade-fim do empresário não possibilita
se atingir o trabalho decente, como idealizado pela OIT.

MODELO CONSTITUCIONAL REGULADOR DA RELAÇÃO DE


EMPREGO
Como ponto de partida, afirma-se que a prestação de serviços terceiri-
zados, seja de atividade-meio ou fim, em sua estrutura e organização provoca
a ruptura do modelo trabalhista previsto e tutelado na ordem constitucional
brasileira, com graves repercussões econômicas e sociais.
O modelo regulador da relação de emprego constante da Constituição
Federal Brasileira de 1988 é construído sob a perspectiva de um pacto político
cujos fundamentos são dúplices, sob os vieses econômico e social.
Sob o ângulo econômico, o Brasil adotou o sistema capitalista (art.1°,
IV, 170, II e III) assegurando a propriedade privada dos bens, como direito
fundamental, e a livre iniciativa, como um dos princípios da ordem econômica.
O Estado Democrático de Direito brasileiro, portanto, permite a existência de
atividade empresarial, a preservação do capital e a sua reprodução até mesmo
4 Promoção do Trabalho Decente no Brasil. Disponível em <https://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-de-
cente/WCMS_302660/lang—pt/index.htm> acesso em 03 set 2019.
5 SACHS, Ignacy. Inclusão social pelo trabalho decente: oportunidades, obstáculos, políticas públicas. In:
Estudos Avançados, São Paulo, v. 18, n. 54, p. 23-49, maio/ago.2004. Disponível em: http://www.scielo.br/
pdf/ea/v18n51/a02v1851.pdf>. Acesso em: 03 set. 2019
Paulo Antonio Maia e Silva 373

pelo sistema da mais-valia, onde se autoriza a obtenção do proveito econômico


decorrente do trabalho humano alheio.
Por outro lado, no texto constitucional essa autorização está vinculada a
uma contrapartida consubstanciada na concessão de garantias mínimas e de
direitos àqueles que não seriam detentores da propriedade e por serem despro-
vidos de capital, seriam, dentro deste sistema econômico, reduzidos a fator de
produção da engenharia empresarial.
O texto constitucional no caput do artigo 170 prescreve que a ordem
econômica está fundada na valorização do trabalho humano e na livre inicia-
tiva, tendo por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
justiça social, constituindo-se em objetivos fundamentais da República Federa-
tiva do Brasil, segundo o art.3° da Constituição Federal Brasileira: I – construir
uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais
e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Pode-se assim dizer que “(..) a ordem econômica nacional, tal como es-
tabelecida na Constituição brasileira, prioriza o trabalho humano sobre todos
os demais valores da economia de mercado”6
Assim, aos cidadãos brasileiros são assegurados não apenas direitos funda-
mentais individuais no artigo 5°, mas também os direitos fundamentais sociais
dispostos no artigo 6°, como garantias mínimas fornecidas pelo Estado para
que se lhes permita a consecução da dignidade.
Uma das formas de atuação do Estado neste sentido é o de estabelecer
obrigações aos que detém o capital em suas relações contratuais, sendo a mais
importante o Direito do Trabalho, aplicando-se ao empresário a obrigatorie-
dade de observância dos direitos inseridos no rol do artigo 7° da Constituição
e na legislação trabalhista ordinária (CLT e congêneres).
Desta maneira, neste pacto constitucional, há uma imposição vinculató-
ria de conduta para os que detêm o capital em relação aos que lhe alienam o
labor: o de que seu trabalho será realizado dentro de condições mínimas e de
que ele será cercado de um mínimo de garantias.
A necessidade de proteção ao trabalho e ao trabalhador decorrente do
pacto constitucional implica na responsabilização daquele que faz uso da força
6 TRINDADE, Pedro Mahin Araujo, LOPES, João Gabriel Pimentel. A Terceirização e o Supremo (parte 2):
O STF e a terceirização da política http://trabalho-constituicao-cidadania.blogspot.com.br/2014/06/o-stf-e-
-terceirizacao-da-politica.html> acesso em 24.7.2017
374 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

de trabalho alheia, com proveito econômico ou não. Se, por um lado, é assegu-
rada aos trabalhadores a percepção dos direitos sociais, por outro lado é imposta
aos empregadores a responsabilidade pelo seu cumprimento.
Com tais considerações, se pode afirmar que relação de emprego firmada
entre empregado e empregador está constitucionalmente delineada como vetor
da ordem social do Estado Democrático de Direito brasileiro sendo vedada sua
descaracterização, sobretudo quando presentes seus elementos constitutivos
(artigos 2° e 3°, da CLT).

TUTELA CONSTITUCIONAL DA RELAÇÃO DE EMPREGO


Entre o empregado e o empregador forma-se um liame subjetivo e
direto que estabelece um nexo entre o trabalhador, detentor dos direitos
trabalhistas, e o empregador, que toma a mão-de-obra alheia e dela toma
proveito, econômico ou não.
A relação de emprego é a mais importante relação de trabalho existente
no sistema capitalista não por acaso. Mauricio Godinho Delgado aponta que
por meio da relação de emprego, amparada no trabalho livre, mas ao mesmo
tempo subordinado, permite
“ ao empresário usufruir do máximo de energia, da emoção, da inteligência e da
criatividade humana, dando origem a um mecanismo de integração da pessoa
ao sistema produtivo dotado de potencialidade máxima no tocante à geração de
bens e serviços na sociedade histórica.”7
Gabriela Neves Delgado e Helder Santos Amorim apontam:
“Exatamente porque o trabalho é instrumento valioso para assegurar ao obreiro
existência digna conforme os ditames da justiça social, é que a Constituição Fe-
deral de 1988 construiu um amplo sistema normativo de proteção à relação de
emprego, criando um dever objetivo de proteção à relação de emprego no país, com
dupla dimensão: a dimensão temporal (com a continuidade do vínculo jurídico
de emprego) e a dimensão espacial (com a integração do trabalhador à empresa.”8
Ricardo José Macedo de Brito Pereira, por seu turno, assevera que:
“A Constituição de 1988 ao dispensar a proteção a relação de emprego adota
como modelo a contribuição da dogmática trabalhista. Não se trata de qualquer
relação de emprego, mas a que é baseada na subordinação e na pessoalidade, entre
os demais elementos previstos na legislação que são onerosidade, não eventuali-
dade e trabalho prestado por pessoa física.” 9

7 DELGADO, Maurício Godinho e DELGADO, Gabriela Neves. Constituição da República e direitos funda-
mentais: dignidade da pessoa humana, justiça social e direito do trabalho.2 ed., São Paulo: Ltr, 2013, p.107.
8 DELGADO, Gabriela Neves, AMORIM, Helder Santos. Os Limites Constitucionais da Terceirização, 2ª
ed., São Paulo:Ltr, 2015, p.92
9 PEREIRA, Ricardo José Macedo de Brito. A Inconstitucionalidade da Liberação Generalizada da Terceiri-
Paulo Antonio Maia e Silva 375

Com efeito, no rol dos direitos sociais dos trabalhadores, cuja condição
de direito fundamental estabelece patamar civilizatório mínimo e indispen-
sável ao atingimento da dignidade da pessoa humana, mas que também atua
na condição de norma reguladora da ordem social do Estado Democrático
de Direito brasileiro preconiza no artigo 7°, inciso I, a proteção da relação de
emprego contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, enfatizando-a como
a destinatária de todo arcabouço jurídico-trabalhista em nosso país.
Desta forma, se pode extrair que o modelo bilateral da relação de em-
prego em sua concepção clássica formatada nos artigos 2° e 3° da CLT, mas
também reconhecida pelas legislações de diversos países como “verdadeira fat-
tispecie a partir do qual se identificam as condições relacionais determinantes para
a incidência de todas as normas imperativas de proteção ao trabalhador, principal
fonte dos direitos sociais trabalhistas.”10 se constitui, no texto da Constituição
Federal de 1988, em modelo de proteção social e não apenas jurídico.

A TERCEIRIZAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA


A terceirização provoca a fratura da relação de emprego constitucional-
mente tutelada e encontra não apenas resistência, mas impedimento de sua
aplicação irrestrita no Estado Democrático de Direito brasileiro por meio de
dispositivos e princípios insculpidos no texto da Constituição Federal de 1988,
admitindo-a na hipótese da atividade-meio.
Gabriela Neves Delgado e Helder Santos Amorim afirmam que:
“A leitura integrada das regras constitucionais que regulam a proteção ao regime
de emprego (arts.7° a 11°) e que regulam a contratação de serviços na atividade-
-meio(arts.37, XXI, e art.170, § 1°, III) conduzem à conclusão de que a terceirização,
por sua repercussão restritiva ao emprego direto com o beneficiário final da mão de obra,
regime este socialmente mais protegido, somente se legitima, excepcionalmente, na medida
indispensável à promoção daquelas finalidades gerenciais, tornando-se ilegítima a sua
prática além dessa medida, ou seja, na sua atividade-fim empresarial.”11
Ricardo José Macedo de Brito Pereira afirma:
“A terceirização em atividades acessórias, em princípio, não é vedada pela Cons-
tituição de 1988, na medida em que fica preservado o modelo de relação de
emprego protegida no texto constitucional. Mas ela violará a Constituição se

zação. Interpretação da Lei 13.429, de 31.03.2017 in in GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. ALVARENGA,
Rúbia Zanotelli de(Coord).Terceirização de Serviços e Direitos Sociais Trabalhistas. São Paulo: Ltr, 2017.
10 DELGADO, Gabriela Neves, AMORIM, Helder Santos. Os Limites Constitucionais da Terceirização, 2ª ed,
São Paulo:Ltr, 2015, p.93
11 DELGADO, Gabriela Neves, AMORIM, Helder Santos. A Inconstitucionalidade da Terceirização na Ati-
vidade-Fim: O Valor Social da Livre-Iniciativa e a Função Social da Empresa in GARCIA, Gustavo Filipe
Barbosa. ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de(Coord).Terceirização de Serviços e Direitos Sociais Trabalhis-
tas. São Paulo: Ltr, 2017.
376 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

for adotada para desmobilizar os trabalhadores, comprometer o meio ambiente


de trabalho ou gerar discriminações. ”12
Como primeiro fundamento a amparar esta afirmação se vê que não
obstante se constate a autorização no texto constitucional para a terceirização
da atividade-meio pela administração pública, contida nos artigos 37, XXI13
e 173, § 1°, III14, esta não anula a exigência do concurso público prevista no
artigo 37, II, e nessa conjugação de dispositivos se infere a vedação à terceiri-
zação da atividade-fim não só no âmbito dos entes públicos, mas igualmente
na iniciativa privada, como se verá.
A fundamentação reside nos princípios da organização funcional da ad-
ministração pública e da eficiência administrativa, que tornariam possível aos
órgãos estatais contratarem, mediante processo licitatório (cuja contratação é
impessoal, diga-se), atividades acessórias e de auxílio às atribuições finalísticas dos
órgãos públicos, permitindo que possam destinar seus esforços e trabalho para as
atividades centrais visando os melhores resultados na busca do interesse coletivo.
Por tais motivos e por este ângulo, o texto constitucional limitaria e
excepcionaria a terceirização de atividades-meio no seio da administração pú-
blica, preservando a admissão das tarefas afetas ao seu núcleo de competências,
atividade-fim, à previa submissão ao concurso público.15
Na esfera da iniciativa privada, a vedação à terceirização da atividade-fim
encontra fundamento constitucional na interpretação sistêmica entre a auto-
rização dada no artigo 37, XXI, à terceirização das atividades de apoio pelos
órgãos da administração pública com o preceito contido no artigo 170, § 1°,
III, que proclama a submissão das empresas estatais exploradoras de ativida-
des econômicas ao regime jurídico próprio da empresas privadas, sobretudo
quanto aos direitos e obrigações cíveis, comerciais, trabalhistas e tributários,
12 PEREIRA, Ricardo José Macedo de Brito. A Inconstitucionalidade da Liberação Generalizada da Terceiri-
zação. Interpretação da Lei 13.429, de 31.03.2017 in in GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. ALVARENGA,
Rúbia Zanotelli de(Coord).Terceirização de Serviços e Direitos Sociais Trabalhistas. São Paulo: Ltr, 2017.
13 XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão con-
tratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorren-
tes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta,
nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis
à garantia do cumprimento das obrigações. (grifos nossos)
14 Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica
pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante
interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas
subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação
de serviços, dispondo sobre:
III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da adminis-
tração pública;
15 DELGADO, Maurício Godinho e DELGADO, Gabriela Neves. Constituição da República e direitos funda-
mentais: dignidade da pessoa humana, justiça social e direito do trabalho.2 ed., São Paulo: Ltr, 2013, p.129.
Paulo Antonio Maia e Silva 377

consubstanciando o princípio da paridade de concorrência entre estas empresas


estatais e empresas privadas, vedando qualquer privilégio daquelas em relação a
estas. Por força da conjugação e integração destes dispositivos constitucionais se
extrai a permissão excepcional da terceirização da atividade-meio na iniciativa
privada, não admitindo-a sob a modalidade da atividade-fim.
DA DECLARAÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE DA
TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADE-FIM PELO STF
A lógica da terceirização é a de possibilitar a diversificação dos processos de
produção e do trabalho e o seu proposito originário é fundamentado na teoria
do foco que estabelece a concentração das atividades empresariais no seu core
business ou parte central do negócio, o ponto forte e estratégico da atuação de
uma determinada empresa 16, permitindo que as tarefas e serviços considerados
como periféricos e acessórios sejam transferidas a terceiros. Ela foi pensada para
se aplicar as atividades-meio do empresário e não à sua atividade finalística.
Por isso é importante registrar o julgamento pelo Supremo Tribunal Fe-
deral da ADPF(Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) n° 324 e
do Recurso Extraordinário n° 958.252, onde a Corte Constitucional brasileira
apreciou, em ambos, a constitucionalidade da terceirização na “atividade-fim”
das empresas. Estas ações discutiam processos que tinham como objeto a ter-
ceirização na atividade-fim anteriores à entrada em vigor das leis 13.429/17 e
13.467/17, que passaram a disciplinar a prestação de serviços terceirizado no
Brasil e a possibilidade de terceirização na atividade-fim.
Em sua manifestação, de repercussão geral, por maioria de votos (7 a 4),
o STF entendeu pela constitucionalidade da terceirização da atividade-fim,
fixando a seguinte tese:
“É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas
jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, man-
tida a responsabilidade subsidiária da contratante. 2. Na terceirização, compete à
contratante: i) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada; e
ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem
como por obrigações previdenciárias, na forma do art. 31 da Lei 8.212/1993”.
Em que pese a posição de considerável parcela da doutrina trabalhista
sobre a constitucionalidade da terceirização da atividade-fim, exposta ante-
riormente, a decisão do Supremo Tribunal Federal altera o panorama jurídico
constitucional sobre a matéria, sendo, assim, considerada constitucional a
transferência das atividades de uma empresa para outra, sejam atividades
16 MIZIARA, Raphael. PINHEIRO, Iuri. A Regulamentação da Terceirização e o Novo Regime do Trabalho
Temporário. Comentários Analíticos à Lei 6.019/74, São Paulo: Ltr, 2017, p.68.
378 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

principais ou secundárias.
Entretanto, a decisão do Supremo Tribunal Federal não altera o regramen-
to da terceirização dado pelas leis 13.429/17 e 13.467/17. Extrai-se dos textos
das referidas leis que não será permitido à empresa contratante (a que terceiriza
uma ou mais etapas de suas atividades) exercer sobre os empregados da empresa
contratada a pessoalidade ou subordinação, ainda que transfira a atividade-fim.
Ou seja, a essência jurídica da terceirização continua mantida, apenas
estendida à atividade-fim das empresas (de difícil implantação, diga-se), de
maneira que não se pode entender que a decisão da excelsa Corte autorizou
a contratação de empregados por empresa interposta. Neste sentido trazemos
parte do voto do Ministro Alexandre de Moraes no referido julgamento
“Da mesma maneira, caso a prática de ilícita intermediação de mão de obra, com
afronta aos direitos sociais e previdenciários dos trabalhadores, se esconda for-
malmente em uma fraudulenta terceirização, por meio de contrato de prestação
serviços, nada impedirá a efetiva fiscalização e responsabilização, pois o Direito
não vive de rótulos, mas sim da análise da real natureza jurídica dos contratos.
Impende anotar que no ordenamento jurídico brasileiro somente se autoriza
a contratação de trabalhadores por empresa interposta na modalidade do trabalho
temporário, na forma e requisitos da lei, como já registra a súmula 331 do TST.
Neste aspecto, convém salientar que a lei 13.429, de 30 de março de
2017, que passa a disciplinar a terceirização sob a denominação de contrato
de prestação de serviços a terceiros, altera a lei 6.019/1974, originariamente
reguladora do trabalho temporário.
A Lei 6.019/74 é considerada como uma das primeiras leis que inseriram
no plano normativo positivo a terceirização nas relações de trabalho no Brasil.
Algumas diferenças substanciais, porém, ocorrem entre o trabalho temporá-
rio e a terceirização propriamente dita. A primeira, que só foi eliminada pela
permissão da terceirização de atividade-fim que adveio da lei 13.467/2017, é
que os serviços objeto do contrato de trabalho temporário são modalidades de
terceirização de atividade-fim.
As outras características distintivas entre o trabalho temporário e a tercei-
rização típica são a duração provisória do trabalho e a presença da pessoalidade
e da subordinação entre o trabalhador temporário e o tomador de serviços. A
essência do trabalho temporário reside na substituição provisória da mão de
obra permanente da empresa tomadora de serviços, admitindo-se a pessoali-
dade e a subordinação na prestação.
A pessoalidade e a subordinação, entretanto, são excluídas pela lei
13.429/17 do contrato de prestação de serviços a terceiros.
Paulo Antonio Maia e Silva 379

O parágrafo 1º do artigo 4º-A, inserido pela lei em comento define a


empresa prestadora como a empregadora do trabalhador terceirizado, assu-
mindo as responsabilidades trabalhistas contratuais decorrentes do disposto
nos artigos 2° e 3° da CLT, como a contratação, a remuneração e a direção do
trabalho realizado pelos trabalhadores, afastando a possibilidade da empresa
contratante exercer o poder diretivo sobre a prestação dos serviços dos empre-
gados da empresa terceirizada ou que os remunere.
A redação do parágrafo 2° do artigo 4°-A afirma que “não se configura
vínculo empregatício entre os trabalhadores, ou sócios das empresas prestadoras
de serviços, qualquer que seja o seu ramo, e a empresa contratante.”
Ao interpretar a lei 13.429/2017, Ricardo José Macedo de Brito Pereira
também chega a mesma conclusão:
“ O contrato de prestação de serviços a terceiros observa regime distinto, como a
propósito consta do item III da mencionada súmula nota 3).Não há previsão de sua
utilização para toda e qualquer atividade e a relação de pessoalidade e subordinação
se dá diretamente com a empresa prestadora de serviços e não com a contratante.”17
Entender que a legitimação constitucional, pelo STF, da terceirização da
atividade-fim provocou a permissão da pessoalidade e da subordinação seria
descaracterizá-la. Rodrigo de Lacerda Carelli afirma que a transferência de
atividade-fim “não se trata de terceirização, mas de ato fictício, mera interme-
diação desfigurando e desnaturando o instituto.”18
Há, desta maneira, não obstante sua autorização pelo ordenamento jurí-
dico brasileiro e a declaração de sua constitucionalidade, um obstáculo lógico à
terceirização da atividade-fim consistente no fato de que o tomador de serviços
não pode exercer sobre o prestador de serviços a pessoalidade e a subordinação.19

A TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADE-FIM E OS IMPEDIMENTOS


AO TRABALHO DECENTE
A adoção da terceirização em todas as atividades de uma empresa, ainda
que se admitindo hipoteticamente inexistir a pessoalidade e a subordinação,
provocaria o fenômeno da “empresa sem empregados” e como consequência
direta impediria a aplicação plena das normas laborais brasileiras pensadas
para a relação bilateral de emprego, as quais se constituem em vetores para a
17 PEREIRA, Ricardo José Macedo de Brito. A Inconstitucionalidade da Liberação Generalizada da Terceiri-
zação. Interpretação da Lei 13.429, de 31.03.2017 in in GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. ALVARENGA,
Rúbia Zanotelli de(Coord).Terceirização de Serviços e Direitos Sociais Trabalhistas. São Paulo: Ltr, 2017.
18 CARELLI, Rodrigo de Lacerda apud MIZIARA, Raphael. PINHEIRO, Iuri. A Regulamentação da Terceirização
e o Novo Regime do Trabalho Temporário. Comentários Analíticos à Lei 6.019/74, São Paulo: Ltr, 2017, p.69.
19 MIZIARA, Raphael. PINHEIRO, Iuri. A Regulamentação da Terceirização e o Novo Regime do Trabalho
Temporário. Comentários Analíticos à Lei 6.019/74, São Paulo: Ltr, 2017, p.57.
380 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

concretização do trabalho decente.


Partindo dos objetivos estratégicos do trabalho decente elencados pela
OIT se pode extrair que a terceirização vulnera o respeito aos direitos no traba-
lho, o da ampliação da proteção social e o do fortalecimento do diálogo social.
Ao terceirizar todas as suas atividades, o empresário tomador dos ser-
viços se encontrará desobrigado do respeito ao cumprimento das políticas
sociais constitucionalmente asseguradas, cuja incidência pressupõe o número
de empregados da empresa, como, por exemplo o disposto no artigo 11 da
Constituição que prevê como direito dos trabalhadores a eleição de um empre-
gado representante nas empresas com mais de duzentos empregados.
A redução do número de empregados pode vir a ser fator obstativo de
observância da política de inclusão de pessoas portadoras de deficiência no
mercado de trabalho prevista no artigo 24, XII, da Constituição Federal e dis-
ciplinada no artigo 93 da lei 8213/91, que obriga a empresa com 100 (cem)
ou mais empregados a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por
cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de
deficiência habilitadas, na proporção nela estabelecida.
A terceirização de todos os postos de trabalho de uma empresa também
acarretaria a sua isenção de atender a política social de inclusão de inserção
e qualificação dos jovens no mercado de trabalho, prevista no artigo 227 da
Constituição Federal e disciplinada no artigo 429 da CLT que estabelece a
obrigatoriedade de os estabelecimentos de qualquer natureza a empregar e
matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de
aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no
máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções
demandem formação profissional.
A terceirização, em si, é fator impeditivo à proteção espacial do direito do
trabalho ao trabalhador subordinado, que busca a máxima integração deste à vida
da empresa e da valorização da relação direta entre o trabalhador e o tomador direto
dos seus serviços, cujo pressuposto parte da ideia de categoria profissional, noção
constitucional que é fundamento da organização sindical vigente no artigo 8° da
Carta Magna Brasileira e pressupõe a vinculação entre os trabalhadores como con-
dição para seu exercício. Estes breves exemplos atestam que o trabalho terceirizado
atinge a um só tempo o respeito aos direitos no trabalho e a ampliação da proteção
social, elementares para o trabalho decente ser alcançado e mantido.
No tocante à liberdade sindical e o direito de negociação coletiva, os
trabalhadores terceirizados se encontram prejudicados posto que por não per-
tencerem à categoria profissional vinculada à categoria econômica dos seus
Paulo Antonio Maia e Silva 381

tomadores de serviços não se encontram integrados à dinâmica empresarial


destes e não usufruem das normas coletivas construídas na negociação coletiva.
A noção de categoria profissional pressupõe um vínculo de solidariedade
entre os empregados que laboram em favor de um empreendimento econômico
como condição para o exercício da coalizão profissional, circunstância que ine-
xiste na relação terceirizada e que, portanto, impede a efetiva representatividade
dos trabalhadores terceirizados.20
De idêntica maneira, para promover maior integração do trabalhador subor-
dinado à vida da empresa, e partindo do seu pressuposto, a Constituição federal
confere-o direito à participação nos lucros ou resultados e excepcionalmente parti-
cipação na gestão da empresa, o que inexiste na terceirização. Estes exemplos afetam
diretamente não só os direitos ao trabalho da liberdade sindical e de negociação
coletiva como também o fortalecimento do diálogo social, outro dos objetivos
estratégicos da OIT que colaboram com a formação do trabalho decente.
A empresa sem empregados diretos estaria isenta de participar de pro-
gramas sociais importantes e que partem da premissa da existência de relação
de emprego como o programa de salário-educação, previsto no artigo 212,
§ 3°, da Constituição Federal, como fonte de custeio da educação básica, do
programa salário-família, previsto no artigo 7°, XII, da Constituição Federal e
do Programa de Integração Social, que financia o seguro-desemprego, previsto
no artigo 239, da Constituição Federal.
Com estes exemplos, se demonstra que a terceirização da atividade-fim
se constitui em fator impeditivo ou dificultador do objetivo estratégico da
ampliação da proteção social, relevante para a construção e manutenção do
trabalho decente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A terceirização não é um fenômeno passageiro. Sua aplicação, entretanto,
deve observar a limites que lhe permitam atingir ao seu objetivo e natureza,
que é o de permitir ao empresário realizar a descentralização de atividades
empresariais periféricas e secundárias para um terceiro, fazendo com que ele
possa concentrar suas energias nas atividades que lhe são fundamentais para
atingir o êxito empresarial.
A adoção da terceirização da atividade-fim das empresas, chancelada pelas
leis 13.429 e 13.467, de 2017 e declarada constitucional pelo STF, possibilitaria a
20 Cf DELGADO, Gabriela Neves, AMORIM, Helder Santos. A Inconstitucionalidade da Terceirização na
Atividade-Fim: O Valor Social da Livre-Iniciativa e a Função Social da Empresa in GARCIA, Gustavo
Filipe Barbosa. ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de(Coord).Terceirização de Serviços e Direitos Sociais Tra-
balhistas. São Paulo: Ltr, 2017.
382 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

existência de uma empresa sem empregados inviabilizando o alcance dos objetivos


estratégicos da OIT do respeito aos direitos no trabalho, da ampliação da proteção
social e do fortalecimento do diálogo social e a aplicação plena das normas laborais
brasileiras pensadas para a relação bilateral de emprego, as quais se constituem em
vetores para a concretização do trabalho decente, impedindo seu atingimento.
O comprometimento da consecução do trabalho decente pela aplicação
da terceirização de atividade final, por seu turno atinge os postulados insertos
nos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil de construir uma
sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar
a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais e de
promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade
e quaisquer outras formas de discriminação.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição De Descumprimento De Preceito Fundamental 324. Reque-
rente: Associação Brasileira Do Agronegócio – ABAG. Interessado: Tribunal Superior Do Trabalho. Relator:
Ministro Roberto Barroso.Brasilia, 30 de agosto de 2018. DJE 06/09/2019
DELGADO, Gabriela Neves, AMORIM, Helder Santos. Os Limites Constitucionais da Terceirização. 2ª ed,
São Paulo: Ltr, 2015.
___ A Inconstitucionalidade da Terceirização na Atividade-Fim: O Valor Social da Livre-Iniciativa e a Fun-
ção Social da Empresa in GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de (Coord).
Terceirização de Serviços e Direitos Sociais Trabalhistas. São Paulo: Ltr, 2017.
DELGADO, Maurício Godinho e DELGADO, Gabriela Neves. Constituição da República e direitos funda-
mentais: dignidade da pessoa humana, justiça social e direito do trabalho.2 ed., São Paulo: Ltr, 2013.
DRUCK, Graça. Trabalho, precarização e resistências: novos e velhos desafios?CADERNO CRH, Salvador,
v. 24, p. 37-57, 2011.
FERRAZ, Fernando Basto. Terceirização e demais formas de flexibilização. São Paulo, Ltr: 2006.
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de(Coord).Terceirização de Serviços e
Direitos Sociais Trabalhistas. São Paulo: Ltr, 2017.
MIZIARA, Raphael. PINHEIRO, Iuri. A Regulamentação da Terceirização e o Novo Regime do Trabalho Tem-
porário. Comentários Analíticos à Lei 6.019/74, São Paulo: Ltr, 2017, p.57.
PEREIRA, Ricardo José Macedo de Brito. A Inconstitucionalidade da Liberação Generalizada da Terceiri-
zação. Interpretação da Lei 13.429, de 31.03.2017 in in GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. ALVARENGA,
Rúbia Zanotelli de(Coord).Terceirização de Serviços e Direitos Sociais Trabalhistas. São Paulo: Ltr, 2017.
PRONI, Marcelo Weishaupt. Trabalho decente e vulnerabilidade ocupacional no Brasil.In: Economia e
Sociedade, Campinas, v. 22, n.3 (49), p. 825-854, dez. 2013.Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/
ecos/v22n3/09.pdf>. Acesso em: 03 set 2019.
Promoção do Trabalho Decente no Brasil. Disponível em <https://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-de-
cente/WCMS_302660/lang—pt/index.htm> acesso em 03 set 2019.
SACHS, Ignacy. Inclusão social pelo trabalho decente: oportunidades, obstáculos, políticas públicas. In:
Estudos Avançados, São Paulo, v. 18, n. 54, p. 23-49, maio/ago.2004. Disponível em: http://www.scielo.
br/pdf/ea/v18n51/a02v1851.pdf>. Acesso em: 03 set. 2019.
TRINDADE, Pedro Mahin Araujo, LOPES, João Gabriel Pimentel. A Terceirização e o Supremo (parte 2):
O STF e a terceirização da política http://trabalho-constituicao-cidadania.blogspot.com.br/2014/06/o-stf-
-e-terceirizacao-da-politica.html> acesso em 24.7.2017.
LUCES Y SOMBRAS EN LOS CIEN AÑOS DE LA OIT
LUZES E SOMBRAS NOS CEM ANOS DA OIT

Martha Elisa Monsalve Cuellar1

Treinta años consecutivos, formando parte como consejera técnica del


sector empleador de mi país y, además viviendo en toda su intensidad el espíritu
de la OIT, dan el conocimiento y la independencia para hacer los señalamien-
tos que con todo respeto a modo de crítica constructiva queremos hacer en
este espacio académico.
Siendo lo primero precisar que, coincidimos con los múltiples recono-
cimientos que se han hecho a la Organización Internacional del Trabajo en la
celebración de su centenario, púes como decía el gran maestro brasileno Cassio
Mesquita Barros, quien durante 16 años encarnó lo que deben ser las calida-
des de un miembro de la comisión de expertos “todo lo que hay en materia de
derecho laboral y seguridad social está en la OIT”, pero lamentablemente, cada
día se pierde más por la tendencia, con ya 12 jueces en los integrantes de ese
organismo importante de control establecemos su cambio de rumbo al conver-
tirlo en falladores perdiendo de vista su origen y objetivos para su Constitución
desde 1956, situación ésta que condujo a la renuncia motivada de uno de sus
más prestigiosos miembros Mario Akerman, quien notó que los asuntos se
repartían atendiendo a las tendencias que señalan los diferentes miembros de
la comisión de expertos, en lo que no estuvo de acuerdo.
Si bien, coincido plenamente con el maestro Mesquita Barros, precisamen-
te el estar considerado en ese foro mundial todo lo relativo al derecho laboral y
seguridad social, el primer cuestionamiento seria, ¿por qué la OIT no pudo dar
cumplimiento a postulados tan importantes como el de la justicia social, que
conlleva la protección social para todos y la paz como objetivo a lograr?
1 Doctora en Derecho y Ciencias Políticas UGC, Doctora Honoris Causa de la Universidad Paulo Freire
de Nicaragua, Presidenta del Instituto Latinoamericano de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social
ILTRAS, miembro de número de la Academia Iberoamericana de Derecho del Trabajo y de la Seguridad So-
cial, docente nacional e Internacional, autora de innumerables artículos y Coordinadora de más de 30 libros
de derecho colectivo, Consejera Técnica del Sector Empleador de Colombia, asistente a las reuniones de la
OIT desde 1989, especializada en Derecho Laboral Colectivo, Seguridad Social, Normas Internacionales del
Trabajo y Derechos Humanos.
384 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Podríamos afirmar que son las tareas sin cumplir que entrarían a primer
plano para el segundo siglo y que parecen ser el sentido de instrumentos interna-
cionales muy importantes, que a raíz del centenario se han conocido sin olvidar
los 17 objetivos del 2030 y la declaración sobre la globalización equitativa.
Nos referimos al informe de la comisión mundial, producto de los pro-
fundos análisis de 9 importantes miembros de ese grupo, que durante 2018
trabajaron para presentar el informe el 22 de enero de 2019, en donde en sus
274 páginas se consagra en nuestro sentir el derrotero que deberá cumplir la
OIT como órgano asesor de la ONU y por tanto la rectora del desarrollo del
futuro del trabajo.
A ese documento se agrega el informe sobre protección social que analiza
los resultados de la recomendación 202 de 2012, sobre pisos de protección social
queriéndola hacer sostenible, desde la construcción de este documento en los
años 2011 y 2012, observamos dos aspectos importantes, no tuvo la jerarquía de
convenio cuando veníamos del Convenio 102 de 1952 con tan baja ratificación,
23 antes y ahora 43 y, basar la sostenibilidad de la seguridad social en la carga
impositiva que el sector gobierno asume abandonando el trípode sobre el cual
se construyó la seguridad social, dejando los aportes a los empleadores y traba-
jadores, nos pareció inviable ya que los países en vía de desarrollo no resistimos
la carga impositiva con fenómenos de corrupción, evasión y elusión que han
llevado nuestros sistemas a grados de colapso muy peligrosos.
El estado de bienestar de España tuvo que revisarse por lo difícil de
sostenibilidad, ese documento al que nos venimos refiriendo fue presentado
durante la 108ª reunión de asamblea de 2019 y que recomendamos estudiar
a fondo para comprender hacia dónde vamos en materia de seguridad social.
Nos opusimos a la adopción de un nuevo convenio el 190 del centenario
y recomendación 206 de 2019, hemos manifestado en diferentes escenarios la
preocupación por la baja ratificación de los convenios, con el agravante de que
no contamos con estudios serios para detectar las razones de la baja ratificación
de convenios y sobre todo que, en casos como el de México frente al Convenio
98 sobre negociación colectiva, adoptado en 1948 y en el caso de Colombia se
adoptó en 1976, sin que conozcamos pronunciamientos de los organismos de
control frente al no cumplimiento de los 12 meses como plazo para ingresar a
la legislación nacional en casos como este.
Lo anterior, nos lleva a la consideración que los organismos de control
resultan inoperantes y que sus mecanismos no cumplen con la función asignada,
esto como un simple ejemplo para reiterar lo que hemos manifestado en repetidas
oportunidades frente al análisis de la OIT y definirlo como un organismo pétreo,
Martha Elisa Monsalve Cuellar 385

político en donde cuenta mucho el poder económico de los países miembros.


Hasta 2014 en la 18ª reunión de Lima de los países de América el director
Guy Ryder, esbozó el tema del futuro del trabajo cuando la revolución 4.0 o
transformación de la tecnología data de 1990 con la aparición de la telefonía
celular que transformo el trabajo en el mundo, es como si la OIT hubiera
permanecido de espaldas a los cambios del trabajo de la forma de ofertarlo de
realizarlo, la segmentación de las empresas, los avances de la tecnología que
han transformado el mundo del trabajo.
Los instrumentos internacionales salidos de OIT en 2019: el informe
mundial y el de protección social, además de la adopción del convenio 190,
recomendación 206, la declaración del centenario y la resolución, marcaran
la nueva época de la OIT y la oportunidad de que los objetivos sin cumplir
sean una realidad.
Decíamos que no estuvimos de acuerdo en la adopción del nuevo con-
venio, porque sin existir un estudio sobre los desuetos, apenas se encuentran
en proceso de denuncia 6, por desuetos sin aplicación pero que frente a
proceso tan lento como el de la denuncia quedaran allí por otros diez años,
otro mecanismo que la OIT tiene que reformar, debe además, examinar sus
estructuras, demasiado burocráticas y paquidérmicas, para que sea ágil en el
cumplimiento de las funciones fijadas en la constitución de 1919 y normas
posteriores es urgente necesidad.
Pero, lo que nos preocupa en grado sumo es lo que encontramos como po-
siciones antagónicas y discursos contradictorios que producen los instrumentos
que adopta la OIT, el el mundo entero rechaza la relación laboral con la cual se
protegen los derechos de los trabajadores que dio origen al derecho del trabajo,
muchas de nuestras legislaciones de rango garantista concedieron muchos dere-
chos y garantías que resultaron inmanejables en un mundo que presento grandes
cambios económicos como consecuencias de las crisis y de la cual la última, la de
2008 aún se sufren efectos que empezaron a flexibilizar la relación laboral con
lo que se ha conocido como la huida del derecho del trabajo y aparecen todas
estas nuevas formas de trabajo en donde el elemento subordinación desaparece.
La aparición de las plataformas que en este momento están en la mira de
la jurisprudencia como Uber, Globo, Rappi en donde se busca la existencia de
la relación laboral y la declaratoria de la obligación de pago de derechos y ga-
rantías de carácter laboral, somos los primeros en reconocer la importancia de
la protección social que debe ser generada desde la cultura de la seguridad social
que hemos dejado a un lado y que el trabajador por el solo hecho de serlo debe
cuidarlo como el tesoro más precioso para él y su familia y por tanto construirla.
386 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

Se discute que los trabajadores de la era disruptiva no tienen protección,


olvidando que la Declaración Universal de Derechos Humanos de 1948, en
sus 30 artículos y 22 instrumentos internacionales posteriores, protegen al
ser humano y que es este ser humano es el único capaz de realizar un trabajo
intelectual, pues en la inteligencia artificial siempre esta imbuida una mente
humana, allí esta esa protección y no aferrarnos a los 8 Convenios fundamen-
tales y 4 de gobernanza promulgados en 1944 en Filadelfia por parte de la OIT.
A través de los postulados de trabajo decente, del paso de la informalidad
a la formalidad en donde la relación laboral parece ser la única vía de posibili-
dad, es cuando pensamos que los discursos de la OIT resultan contradictoria
frente a las tendencias mundiales, pero aún más preocupante es la situación
frente al fenómeno mundial del decrecimiento de las organizaciones sindicales,
el debilitamiento de la negociación colectiva que instrumentos internacionales
adoptados por la OIT, desde 2012 en la recomendación sobre pisos de protec-
ción social se le un texto insertado como fuera de lugar, así lo consideramos
al señalar: “fomentar y proteger el derecho de asociación y de libertad sindical y
de negociación colectiva”, así debe plasmarse en un instrumento de pisos de
protección social? consideramos que no es el instrumento para esta manifes-
tación, igualmente en el Convenio 189 sobre trabajadores domésticos y en los
documentos adoptados en 2019, cuando en el informe de la comisión mundial
se esboza que los trabajadores y empleadores tendrán que pensar en nuevas
organizaciones y que además el diálogo social deberá hacerse entre múltiples
interlocutores, como sucedió recientemente en Túnez y China.
Los anteriores aspectos nos llenan de preocupación, porque no hay
coherencia y así lo hemos manifestado a funcionarios de la OIT, a quienes
obvio, por estar vinculados a la organización no les queda más que escuchar
y manifestar que lo entienden e igualmente lo piensan, pero que no pueden
tomar ningún partido al respecto y lo entendemos perfectamente pero, con la
libertad que tenemos, podemos dejar en escenarios como este el producto de
nuestra percepción directa, de haber participado en la construcción de docu-
mentos internacionales y haber vivido largos años en los escenarios de la OIT,
tomando atenta nota de lo que se dice, hace y se aplica desde ese importante
organismo internacional, al cual reconocemos su gran importancia, pero que
para el segundo siglo de existencia si debe hacer un examen retrospectivo y
efectuar cambios fundamentales en su estructura y procedimientos que para
el siglo XXI, la era de las grandes tecnologías y nuevas formas de trabajo que
no acabamos de inventar resultan completamente desuetas.
Gracias
AS (S)CEM RAZÕES DE CELEBRAR

Cláudio Jannotti, Lorena Porto, Rúbia Zanotelli e Rosemary Pires


brindam a comunidade acadêmica com a organização de relevante Cole-
ção, reunindo autoras e autores que refletem sobre as diversas dimensões e
magnitudes nas quais o tempo histórico dessa Organização Internacional
pôde se desdobrar. Essas dimensões se desenham a partir da afirmação de
premissas, princípios e valores que passam a orientar o pensamento justra-
balhista em dimensão global e da contribuição de normas específicas, todas
elas consentâneas com sua inspiração humanística, que apontam diretrizes
para o enfrentamento de cada uma das diversas realidades de trabalho e suas
constantes metamorfoses.
Essas reflexões reverberam de forma destacada no pensamento jurídico
brasileiro, cuja institucionalização da regulação do trabalho foi profundamente
afetada pelo cenário internacional entre 1930 e 1945, e, ainda hoje, respira os
influxos protetivos emanados pela OIT. Não por acaso, a instrumentalização
das normas internacionais do trabalho permitiu a construção de diversas das
exegeses combativas que buscam fazer frente aos objetivos declarados e implí-
citos da recente reforma trabalhista brasileira.
O legado da OIT nos remete às razões de sua existência: do Tratado de
Versailles de 1919 à Declaração de Filadélfia de 1944, foram se consolidando,
no cenário internacional, ideias cujo silenciamento no momento histórico
inicial da ascensão do sistema capitalista de produção causou impactos dra-
máticos. As afirmações de que o trabalho humano não é uma mercadoria, de
que a paz permanente depende da justiça social, e de que a pobreza, onde quer
que ela exista, é um risco à prosperidade em toda parte reagem firmemente à
degradação e à desumanização por que passou a classe trabalhadora na experi-
mentação inicial do capitalismo sem peias a que os modelos de estado liberais
entregaram a humanidade.
Assim, ao celebrar 100 anos de OIT, celebramos também o que Alain
Supiot denominou de “Espírito de Filadélfia”1 e podemos reiterar a atualidade
1 SUPIOT, Alain. O espírito de Filadélfia: a justiça social diante do mercado total. Porto Alegre: Sulina, 2014,
388 COLEÇÃO DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO – VOLUME 2

do seu conteúdo. Se é verdade, de um lado, que o mundo ao nosso redor se


transformou, é igualmente relevante destacar que, infelizmente, essas transfor-
mações ainda não foram úteis para fazer frente às razões pelas quais a OIT fora
criada: a vulnerabilidade da pessoa humana que depende do trabalho para viver
em face da opulência do capital, a desigualdade social alarmante e a evidência
da fragilidade dos pactos de paz e democracia diante de arranjos sociais injustos.
Saudar os cem anos da OIT é pensar no legado humanístico de uma
matriz de pensamento que antecede ao marco histórico de 1919, e já influen-
ciava (e era influenciada por) documentos jurídicos paradigmáticos, como
a Constituição Mexicana de 1917 – sob a égide da qual Mário de La Cueva
pôde afirmar que o direito do trabalho é, antes de tudo, um direito a serviço da
vida. 2Mas recordar essa data implica também pensar em meios que permitam
ser possível a reivindicação do próprio fluir do tempo, a fim de que se possam
construir passos no sentido de que seja ele qualificado, no dizer de Milton
Santos, como um tempo de vida cotidiana.
Para o geógrafo brasileiro, pensar as possibilidades da globalização im-
plica conceber que o modelo de globalização perverso pautado em “formas
de relações econômicas implacáveis, que não aceitam discussão e exigem obe-
diência imediata, sem a qual os atores são expulsos de cena ou permanecem
escravos de uma lógica indispensável ao funcionamento do sistema como um
todo”3não é a única possibilidade aberta no horizonte das relações humanas,
sendo possível pensar e também construir uma outra globalização.
Nessa outra globalização possível, ao contrário da concepção just in time
que coloniza a globalização perversa, admitindo uma única temporalidade que
se pauta na “sobrevivência no mundo da competitividade à escala planetária”,
de modo homogeneizador, empobrecedor e limitado, Santos encontra lugar
para várias temporalidades simultaneamente presentes, de forma paralela e
solidária, que admitam a existência de todos e cada um, com suas diferentes
origens e finalidades. O tempo da vida cotidiana seria, assim, o tempo da he-
terogeneidade criadora, que, ao revés da colonização do tempo e dos interesses
privados, demanda desesperadamente a política como atividade pública de
conciliação de múltiplos interesses.4
Distante do horizonte idealizado por Milton Santos, nesse outubro de
p.44.
2 DE LA CUEVA, Mario. Direito Mexicano do Trabalho. Porrua, 1944, p.15.
3 SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janei-
ro: Record, 2002, p. 60.
4 SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janei-
ro: Record, 2002, p. 20.
Renata Queiroz Dutra 389

2019, a América Latina arde sob o avanço implacável do neoliberalismo, cujas


consequências perversas sobre o trabalho e a vida já impactam a paz social na
Argentina, no Chile, no Equador e aproximam-se cada vez mais do Brasil.
A realidade pulsante coloca os juristas do tempo presente diante de
caminhos opostos: ceder ao desespero de tentar responder às perguntas com
alternativas limitadas colocadas pela razão neoliberal5ou se ocupar de re-
formular as perguntas insistentemente dirigidas pelo “mercado total” 6de
modo que suas múltiplas escolhas possam assegurar o espaço da política,
das heterogeneidades e da diversidade, das temporalidades sobrepostas, do
presente e do passado da história do trabalho, e do pensamento humanístico
centenário que a OIT consolida.
Essa obra mostra que a austeridade dos tempos presentes não nos remete
inexoravelmente a estranhar as razões de toda a principiologia e normatividade
progressistas que já foram construídas em defesa do trabalho e da vida. Do
contrário, insta-nos a reafirmar, por cem ou quantas mais forem as vezes, a
lição histórica de que é o trabalho a força motora do mundo e de que apenas
a partir de uma organização cada vez mais justa e digna das relações laborais
poderemos estabelecer relações humanas, sociais e institucionais justas, frater-
nas e verdadeiramente democráticas.
Salvador, 31 de outubro de 2019.

Renata Queiroz Dutra


Professora Adjunta de Direito do Trabalho da Universidade Federal da
Bahia (UFBA)

REFERÊNCIAS
DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São
Paulo: Boitempo, 2016.
DE LA CUEVA, Mario. Direito Mexicano do Trabalho. Porrua, 1944.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro:
Record, 2002.
SUPIOT, Alain. O espírito de Filadélfia: a justiça social diante do mercado total. Porto Alegre: Sulina, 2014.

5 DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São
Paulo: Boitempo, 2016, p. 14.
6 SUPIOT, Alain. O espírito de Filadélfia: a justiça social diante do mercado total. Porto Alegre: Sulina, 2014,
p. 55.

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