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o bolsonarismo
como neofascismo
ARMANDO BOITO JR.*
É um grave erro o de crer que o fascismo tenha partido desde 1920, ou desde a
Marcha sobre Roma, com um plano pré-estabelecido, fixado previamente, de um
regime de ditadura como este regime foi depois organizado no curso do decênio e
como o vemos hoje. Seria, esse, um grave erro. (Togliatti, 2010, p. 20-21).
A ditadura fascista foi levada a assumir a sua forma atual por fatores objetivos:
pela situação econômica e pelos movimentos de massa determinados por aquela
situação. (Togliatti, 2010, p.21)
Entre 1923 e 1926 [...] nasce o totalitarismo. O fascismo não nasceu totalitário, ele
tornou-se totalitário [...]. (Togliatti, 2010, p.32, tradução minha, ABJ)
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superficialmente crítica, vinculada à inserção ao grande capital e à democracia burguesa; corrupção e à velha política (democrática);
social, aos interesses e aos valores das politização do machismo, do racismo politização do machismo, do racismo (difuso) e da
camadas intermediárias. (sistemático) e da homofobia (difusa). homofobia (sistemática).
Mobilização de base. Partido de massa organizado com milícias. Organização frouxa pelas redes sociais.
Processo geral de ascensão do fascismo ao Espécie: fascismo original Espécie: neofascismo
governo
Surgimento numa situação de crise política Sim, com polarização forte. Sim, com polarização moderada.
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A base de massa do movimento fascista cria uma situação complexa quando
tal movimento assume o governo, o que ocorre graças à sua cooptação pela bur-
guesia e particularmente por uma das frações burguesas que disputam a hegemonia
no bloco no poder. Hitler e Mussolini tiveram de se desvencilhar, para cumprir
a função de organizar a hegemonia do grande capital monopolista, da chamada ala
plebeia do fascismo, chegando, como é sabido, a eliminar fisicamente a liderança
dessa ala; além disso, tiveram de alterar – no caso de Mussolini – ou tornar letra-
-morta – no caso de Hitler – o programa original do movimento (Guerrin, 1965;
Poulantzas, 1970; Togliatti, 2010; Shirer, 2017). Em escala menor, Bolsonaro é
levado, para atender prioritária mas não exclusivamente aos interesses do capital
internacional e da burguesia associada, a entrar em conflito com os segmentos da
classe média que aspiram ao fim daquilo que denominam “velha política” e com o
movimento dos caminhoneiros, seus apoiadores que se sentem traídos pela política
de preços dos combustíveis que atende aos interesses dos investidores internacionais.
A crise política que gera o fascismo original é mais grave que a crise política
brasileira que gerou o neofascismo. Ambas possuem elementos gerais comuns:
estão articuladas com uma crise econômica do capitalismo; apresentam uma crise
de hegemonia no interior do bloco no poder – disputa entre o grande e o médio
capital, num caso, e disputa entre a grande burguesia interna e grande burguesia
associada ao capital internacional, no outro; comportam uma aspiração da bur-
guesia por retirar conquistas da classe operária; são agravadas pela formação
abrupta de um movimento político disruptivo de classe média ou pequeno burguês;
comportam uma crise de representação partidária da burguesia; são marcadas
pela incapacidade dos partidos operários e populares de apresentarem solução
própria para a crise política – os socialistas e comunistas foram derrotados antes
da ascensão do fascismo ao poder (Poulantzas, 1970) e o movimento democrático
e popular no Brasil vem sofrendo uma série de derrotas desde o impeachment de
Dilma Rousseff e revelando incapacidade de reação (Boito Jr., 2018; 2019). Essa
semelhança entre as duas crises é muito forte e é de importância maior para carac-
terizar o fascismo e explicar a sua origem nas sociedades capitalistas (Poulatazas,
1970). Há, contudo, um componente fundamental que diferencia a crise política
na qual nasceu o fascismo original da crise política na qual nasceu o neofascismo.
E essa diferença nos leva de volta para a questão da base de massa do fascismo.
A “esquerda” que o fascismo original enfrenta é um movimento operário de
massa, organizado em partidos socialista e comunista, e esforça-se, por exigência
da luta política de então, para replicar esse tipo de organização, criando, como
sucedâneo das células e sessões, as milícias. O seu inimigo é mais ameaçador e
poderoso. Já o neofascismo, esse tem pela frente uma “esquerda” que é representada
por um reformismo burguês – o neodesenvolvimentismo dos governos do PT – que
se apoia numa base popular desorganizada. O inimigo do neofascismo é menos
ameaçador e é politicamente mais frágil. Nessa situação, o neofascismo organi-
zou-se fundamentalmente por intermédio das redes sociais. No caso do fascismo