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Sebenta português 12 ano

Sonetos Antero de Quental

Vida e obra

Nasceu em 1842, em Ponta Delgada, e morreu


em 1981, vítima de suicídio, devido à frustração
de já não ser o que era. A sua família está ligada
à colonização do de S. Miguel, nos Açores. Aqui
aprendeu as primeiras letras com António Feliciano de Castilho. Em 1858
matriculou-se na Universidade de Coimbra e acabou por se notabilizar entre a
juventude estudantil, pela sua irreverência e pelo seu talento literário, bem como
pelas causas civis e políticas em que participou.

As suas convicções assentavam na justiça, na liberdade e no amor, repudiando o


conservadorismo e a estagnação.

«Inaugurei em Maio de 1871 as Conferências Democráticas, publicando uma


delas em volume com o título de Causas da decadência dos povos peninsulares»1

A Questão Coimbrã opô-lo a Castilho e ao que para alguns se considerava a


«escola do elogio mútuo» e a exagerada continuação do Ultra-Romantismo. De
facto, a Questão Coimbrã revelou um conflito entre a nova geração e a velha
segunda geração romântica. Antero, com alguma «irreverência e excesso»,
conforme reconheceu mais tarde, escreveu a célebre carta «Bom Senso e Bom
Gosto» (2 de Novembro de 1865) contra A. F. de Castilho, que houvera feito
reparos à nova geração, no posfácio a Poema da Mocidade de Pinheiro Chagas,
referindo explicitamente Antero. Aquele escrito anteriano desencadeou uma
polémica literária, que se prolongaria pelo ano de 1866 e levaria mesmo a um
duelo à espada entre Antero e Ramalho Ortigão.

As Conferências do Casino queriam estudar as grandes questões da ciência e


da sociedade, tendo Antero feito a conferência de abertura (22 de Maio de 1871)

1
Carta autobiográfia escrita a Cândido de Figueiredo, datada de 3 de Maio de 1881.

Liliana Vieira Conde 1


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e a célebre conferência «Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos


Últimos Três Séculos» (27 de Maio de 1871), que influenciou toda a geração.

Poeta de aspirações sociais e realistas desde as Odes Modernas (1865 – «a Poesia


Moderna é a Voz da Revolução»), também é um poeta de angústias metafísicas,
em sonetos dos mais belos da língua portuguesa (Sonetos, 1886, com prefácio do
seu amigo Oliveira Martins), «autobiografia de um pensamento e memórias de
uma consciência» (segundo a carta autobiográfica citada), «expressão lírica de
uma angústia metafísica», (segundo Eça de Queirós, «Um Génio que era um
Santo», In Memoriam, 1896)2.

Os sonetos de Antero de Quental foram agrupados em 1886 por Oliveira Martins,


porém, a divisão em oito ciclos é contestada por António Sérgio, que defende
uma divisão diferente, a qual também não é aceite por todos. António Sérgio
defende, ainda, a existência de dois Anteros: o apolíneo e o noturno (o otimista e o
desiludido). O primeiro canta o Amor e a Razão, fontes da harmonia no
indivíduo e da sociedade, o otimismo da atividade pensante; o segundo canta a
noite, o sono e a morte, o pessimismo do regresso ao nada.

Os temas principais da sua poesia são:

• Deus;
• amor;
• justiça;
• fraternidade;
• morte;
• solidão;
• nada.

Na sua obra há a presença de um tipo de interrogação que não chega a ser


filosófica, como em Fernando Pessoa. A sua interrogação é meramente teórica,
pois dirige-se ao particular: EU/MUNDO ou DEUS.

2
http://www.esaq.pt/blog/2014/06/30/o-nosso-patrono/

Liliana Vieira Conde 2


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A angústia existencial3

Na obra poética de Antero, é visível uma profunda angústia existencial.

Com efeito, como afirma António Sérgio, a par de uma face luminosa do eu,
temos uma face noturna, sendo esta dualidade geradora de uma grande
inquietação interior.

• Na sua vertente apolínea, a poesia anteriana é dominada pela racionalidade de


um pensador que exalta o papel revolucionário do poeta e que aspira à justiça
social e ao Bem.

• No entanto, na obra de Antero está patente uma busca permanente da


perfeição, que não se compadece com a dimensão transitória e imperfeita da
realidade. Desse ponto de vista, todos os ideais estarão, à partida, condenados ao
malogro, uma vez que nunca poderão satisfazer totalmente a ânsia de Absoluto
do eu.

• É por este motivo que deparamos com a vertente mais negra da obra de Antero,
marcada por um profundo desalento provocado pelo desmoronar de todos os
seus sonhos.

• No intuito de se libertar deste sentimento doloroso de derrota, o eu busca


desesperadamente uma forma de evasão — quer através da aspiração a um
estado de indiferença próximo do «nirvana» budista (isto é, uma condição
próxima do não-ser) quer através do desejo de refúgio no sono no seio de uma
figura protetora, que tanto pode assumir traços maternais (sendo, por vezes,
identificada com Nossa Senhora) como traços paternais (destacando-se a figura
de Deus). No entanto, este desejo de proteção nem sempre é investido de
contornos positivos. De facto, o sujeito poético manifesta, ao longo de toda a obra,
dúvidas em relação à existência de Deus. Deste modo, mais do que um gesto
voluntário de entrega ao divino, o comportamento do eu é, na verdade, uma

3
https://www.santillana.pt

Liliana Vieira Conde 3


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atitude de desistência resultante de um sentimento de profundo desencanto em


relação a todas as esperanças

Configurações do Ideal

A obra poética de Antero é marcada pela busca de um ideal, que pode assumir
diferentes configurações.

• o eu faz a apologia da necessidade de transformação da sociedade — processo


em que o poeta teria um papel fundamental.

• o eu manifesta também a sua aspiração a um amor que surge, muitas vezes,


com contornos idealizados (e que é, por vezes, associado a uma figura feminina
também ela ideal).

• busca da perfeição a nível ético — que está, obviamente, também associada à


aspiração à justiça social. Este processo pauta-se por uma preocupação constante
com a busca do Bem e da própria santidade.

• Petrarquismo – mulher ideal

Linguagem, estilo e estrutura: - o discurso conceptual;


• o soneto - com os seus catorze versos decassilábicos, o soneto é uma forma
poética que permite desenvolver uma ideia, um raciocínio, de forma
sintética e concentrada. Após tratar um problema, normalmente de
natureza filosófica, o eu poético dos sonetos de Antero chega a uma
conclusão no terceto final e remata o seu pensamento com a chamada
«chave de ouro», com um desfecho engenhoso; há muitas marcas de
monólogo interior;
• recursos expressivos: a apóstrofe, a metáfora, a personificação; imagem e
alegoria; interrogações, as frases exclamativas e as reticências;

Liliana Vieira Conde 4


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• embora tente afastar-se do Romantismo, a linguagem surge recuperada


dessa corrente, cultivando um vocabulário e motivos literários associados
à noite, à morte, às ruínas, etc. (Nada aqui há de contraditório porque as
ideias estão em consonância com o ideário realista e o pensamento
moderno da segunda metade do século XIX);
• como na grande maioria dos sonetos Antero desenvolve um argumento e
trata questões filosóficas, a linguagem tende a ser abstrata («Tormento do
ideal»). Daí que se afirme que o poeta cultive um discurso concetual nas
suas composições poéticas, pois com esta linguagem debate ideias e
conceitos;
• alguns poemas adotam um registo narrativo e, nesse modo discursivo,
apresentam um breve episódio que retrata uma questão ou um problema
filosófico: a busca da felicidade («O palácio da ventura»), o papel do amor
e da morte na vida dos homens («Mors-amor»), entre outros.

A.M.C.
Pôs-te Deus sobre a fronte a mão piedosa:
O que fada o poeta e o soldado
Volveu a ti o olhar, de amor velado,
E disse-te: «vai, filha, sê formosa!»

E tu, descendo na onda harmoniosa,


Pousaste neste solo angustiado,
Estrela envolta num clarão sagrado,
Do teu límpido olhar na luz radiosa...

Mas eu... posso eu acaso merecer-te?


Deu-te o Senhor, mulher! o que é vedado,
Anjo! deu-te o Senhor um mundo à parte.

E a mim, a quem deu olhos para ver-te,


Sem poder mais... a mim o que me há dado?
Voz que te cante e uma alma para amar-te!

1. Caracterize a figura feminina evocada neste poema.


2. Evidencie a linguagem e o estilo de Antero de Quental, presentes neste
poema.
3. Comprove que este poema obedece a um discurso conceptual.
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IDEAL

Aquela que eu adoro não é feita


De lírios nem de rosas purpurinas,
Não tem as formas lânguidas, divinas,
Da antiga Vénus de cintura estreita...

Não é a Circe, cuja mão suspeita


Compõe filtros mortais entre ruínas,
Nem a Amazonas, que se agarra às crinas
Dum corcel e combate satisfeita...

A mim mesmo pergunto, e não atino


Com o nome que dê a essa visão,
Que ora amostra ora esconde o meu destino...

É como uma miragem que entrevejo,


Ideal, que nasceu na solidão,
Nuvem, sonho impalpável do Desejo...

1. O sujeito poético apresenta uma mulher ideal. Defina-a.


2. Evidencie a relação existente entre o sujeito poético e essa mulher.
3. O sujeito poético compara-a a outras mulheres. Qual a razão?
4. Este é um Antero apolíneo ou noturno? Justifique.

BEATRICE

Depois que dia a dia, aos poucos desmaiando,


Se foi a nuvem de ouro ideal que eu vira erguida;
Depois que vi descer, baixar do céu da vida
Cada estrela e fiquei nas trevas laborando:

Depois que sobre o peito os braços apertando


Achei o vácuo só, e tive a luz sumida
Sem ver já onde olhar, e em todo vi perdida
A flor do meu jardim, que eu mais andei regando:

Retirei os meus pés da senda dos abrolhos,


Virei-me a outro céu, nem ergo já meus olhos
Senão à estrela ideal, que a luz do amor contém...

Não temas pois - Oh vem! o Céu é puro, e calma


E silenciosa a terra, e doce o mar, e a alma...
A alma! não a vês tu? mulher, mulher! oh vem!

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1. O sujeito poético apresenta a descrição de Beatrice ao longo do poema.


Como a faz?
2. Demonstra como a influência petrarquista está presente neste poema.

O PALÁCIO DA VENTURA

Sonho que sou um cavaleiro andante.


Por desertos, por sóis, por noite escura,
Paladino do amor, busco anelante
O palácio encantado da Ventura!

Mas já desmaio, exausto e vacilante,


Quebrada a espada já, rota a armadura...
E eis que súbito o avisto, fulgurante
Na sua pompa e aérea formosura!

Com grandes golpes bato à porta e brado:


Eu sou o Vagabundo, o Deserdado...
Abri-vos, portas de ouro, ante meus ais!

Abrem-se as portas d' ouro, com fragor...


Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão - e nada mais!

1. Explique a estrutura deste soneto à luz das características de Antero.


2. Um «cavaleiro andante» contém em si a ideia de ação e movimento.
Delimite no texto os espaços físico e psicológico.
3. Na última estrofe, o sujeito poético chega, finalmente ao Palácio da
ventura. O que encontra o abrir as suas portas e qual a razão dessas
emoções?

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NOX

Noite, vão para ti meus pensamentos,


Quando olho e vejo, à luz cruel do dia,
Tanto estéril lutar, tanta agonia,
E inúteis tantos ásperos tormentos...

Tu, ao menos, abafas os lamentos,


Que se exalam da trágica enxovia...
O eterno Mal, que ruge e desvaria,
Em ti descansa e esquece alguns momentos...

Oh! antes tu também adormecesses


Por uma vez, e eterna, inalterável,
Caindo sobre o Mundo, te esquecesses,

E ele, o Mundo, sem mais lutar nem ver,


Dormisse no teu seio inviolável,
Noite sem termo, noite do Não-ser!

1. A quem se dirige o sujeito poético?


2. Quais as funções da noite?
3. O que deseja o sujeito poético na terceira e quartas estrofes?

ESTOICISMO

Tu que não crês, nem amas, nem esperas,


Espírito da eterna negação,
Teu hálito gelou-me o coração
E destroçou-me da alma as primaveras...

Atravessando regiões austeras,


Cheias de noite e cava escuridão,
Como num sonho mau, só oiço um não,
Que eternamente ecoa entre as esferas...

- Porque suspiras, porque te lamentas,


Cobarde coração? Debalde intentas
Opor à Sorte a queixa do egoísmo...

Deixa os tímidos, deixa aos sonhadores,


A esperança vã, seus vãos fulgores...
Sabe tu encarar sereno o abismo!

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1. Identifique o tema do soneto.


2. Caracterize o sujeito poético, justificando com excertos do texto.
3. A quem se dirige o sujeito lírico e o que pretende?

LACRIMAE RERUM (lágrimas das coisas)

Noite, irmã da Razão e irmã da Morte,


Quantas vezes tenho eu interrogado
Teu verbo, teu oráculo sagrado,
Confidente e intérprete da Sorte!

Aonde são teus sóis, como coorte


De almas inquietas, que conduz o Fado?
E o homem porque vaga desolado
E em vão busca a certeza que o conforte?

Mas, na pompa de imenso funeral,


Muda, a noite, sinistra e triunfal,
Passa volvendo as horas vagarosas...

É tudo, em torno de mim, dúvida e luto;


E, perdido num sonho imenso, escuto
O suspiro das coisas tenebrosas...

1. O sujeito poético dirige-se à noite como se fosse uma personagem, à


guisa de monólogo. Explica a razão.
2. Qual a tese defendida na terceira estrofe?

ANIMA MEA

Estava a Morte ali, em pé, diante,


Sim, diante de mim, como serpente
Que dormisse na estrada e de repente
Se erguesse sob os pés do caminhante.

Era de ver a fúnebre bacante!


Que torvo olhar! que gesto de demente!
E eu disse-lhe: «Que buscas, impudente,
Loba faminta, pelo Mundo errante?»

- «Não temas, respondeu (e uma ironia

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Sinistramente estranha, atroz e calma,


Lhe torceu cruelmente a boca fria).

Eu não busco o teu corpo... Era um trofeu


Glorioso de mais... Busco a tua alma.» -
Respondi-lhe: «A minha alma já morreu!»

1. Neste soneto é feita uma comparação entre duas entidades. Identifique-


as e proceda à sua caracterização.
2. Caracterize o sujeito poético.
3. Proceda à análise da estrutura formal do poema.

MÃE

Mãe - que adormente este viver dorido,


E me vele esta noite de tal frio,
E com as mãos piedosas até o fio
Do meu pobre existir, meio partido...

Que me leve consigo, adormecido,


Ao passar pelo sítio mais sombrio...
Me banhe e lave a alma lá no rio
Da clara luz do seu olhar querido...

Eu dava o meu orgulho de homem - dava


Minha estéril ciência, sem receio,
E em débil criancinha me tornava,

Descuidada, feliz, dócil também,


Se eu pudesse dormir sobre o teu seio,
Se tu fosses, querida, a minha mãe!

1. O que deseja o sujeito poético ao invocar a mãe?


2. Caracterize o sujeito poético
3. Comente a expressividade das reticências ao serviço do estado de
espírito do sujeito poético.
4. Explique a confusão involuntária entre a mãe e a amada, aliada à
utilização dos verbos no conjuntivo, na última estrofe.

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IGNOTO DEO

Que beleza mortal se te assemelha,


Ó sonhada visão desta alma ardente,
Que reflectes em mim teu brilho ingente,
Lá como sobre o mar o Sol se espelha?

O Mundo é grande – e esta ânsia me aconselha


A buscar-te na Terra: e eu, pobre crente,
Pelo Mundo procuro um Deus clemente,
Mas a ara só lhe encontro… nua e velha…

Não é mortal o que eu em ti adoro.


Que és tu aqui? olhar de piedade,
Gota de mel em taça de venenos…

Pura essência das lágrimas que choro


E sonho dos meus sonhos! se és verdade,
Descobre-te, visão, no Céu ao menos!

1. Caracterize o sujeito poético.


2. Que influência tem Deus na vida do sujeito poético?
3. Explique a expressão sublinhada no texto.
4. Que apelo é feito na última estrofe?

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