P-227 - O Duplo e Sua Sombra - William Voltz
P-227 - O Duplo e Sua Sombra - William Voltz
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O DUPLO E
SUA SOMBRA
Autor
WILLIAM VOLTZ
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização e Revisão
SKIRO
No ano de 2.401, quando os duplos apareceram na
Galáxia, o Lorde-Almirante Atlan, chefe da United Stars
Organization, julgou conveniente mandar que seus mutantes
secretos Tronar e Rakal Woolver, desempenhassem uma
missão, para ajudar Perry Rhodan a repelir os invasores
vindos de Andrômeda.
Os parasprinters — nome dado aos gêmeos Woolver, que
são capazes de locomover-se no interior de qualquer fluxo
energético — fazem um excelente trabalho.
Os gêmeos nascidos no planeta Imart, de cuja existência
nem mesmo Gucky, o mutante de maior capacidade do
Exército de Mutantes de Rhodan, tinha qualquer idéia,
solucionam o mistério dos duplos e fazem espionagem no
centro de invasão dos maahks.
Mas só um dos parasprinters — Rakal Woolver —
consegue voltar. Tronar é preso e colocado no
multiduplicador. O original desaparece sem deixar qualquer
vestígio, enquanto surge a duplicata de Tronar, enviada a
Kahalo por Grek-1, chefe da invasão dos maahks, onde deverá
fazer espionagem e sabotagem. Mas os postos de comando de
Perry Rhodan já estão prevenidos.
Rakal Woolver também está preparado — e o duplo luta
com sua sombra...
O nome daquele homem alto que usava traje espacial era Tronar Woolver.
Parecia-se exatamente com Tronar Woolver. Mas não era Tronar Woolver.
Por estranho que pudesse parecer, ele se dava conta disso; e, o que era ainda mais
estranho, isso o fazia sofrer. Era a duplicata de um homem aprisionado pelos maahks.
Fazia dez dias que tinha sido produzido no multiduplicador e começara a pensar.
Seu primeiro pensamento foi o seguinte: “Tudo que eu penso são pensamentos
emprestados; tudo que sinto são sentimentos de outra pessoa!”
Era a síntese de um homem vindo de um mundo chamado de Imart, mundo este que
era o segundo planeta de um sol amarelo do tipo normal conhecido como Gator.
A duplicata de Tronar Woolver lembrava-se de Imart, embora nunca tivesse vivido
lá. Lembrava-se dos tempos da juventude, e também se lembrava de uma pequena aldeia
e de outros imartenses. Mas sabia perfeitamente que havia uma lacuna em sua memória.
Faltava uma parte de seu consciente. Uma parte muito importante.
O duplo chamado de Tronar Woolver sabia que no momento em que saíra do
multiduplicador começara a morrer. Era apenas uma pedra num jogo, um instrumento
sem vontade própria, um nada...
Se julgassem conveniente, os maahks poderiam ter produzido milhares de
duplicatas de Tronar Woolver, um exército de desesperançados.
A duplicata de Tronar Woolver era capaz de imaginar um exército desse tipo. Via
com os olhos da imaginação o exército dos Woolver entrar em forma. Via-se na extrema
esquerda desse exército, fitando milhares de olhos castanhos, observando inúmeros
corpos que se movimentavam, corpos estes que eram todos exatamente iguais.
Via-os marchando. Eram milhares de Tronar Woolvers. O ruído de seu passo
cadenciado fazia tremer o chão.
Era um exército de fantasmas, vindo da oficina de um feiticeiro.
— Woolver!
Era uma figura parada na porta. Uma figura com pernas curtas e robustas e braços
que chegavam até os joelhos. Uma figura coberta com uma pele cinza-pálida.
Era um maahk.
— Woolver!
Woolver levantou. Encontrava-se num camarote. Era um camarote pequeno.
Pequeno e esterilizado. Uma verdadeira casa de caracol. Uma casa de caracol feita para
um entre bilhões de possíveis Woolver.
— O que está esperando? — perguntou o maahk, que já começava a impacientar-se.
Seus olhos fitavam o duplo, como se quisessem descobrir os pensamentos do
mesmo.
“O que poderia pensar um duplo”, pensou Tronar Woolver.
Afastou abruptamente a cadeira e dirigiu-se à porta. Usava traje espacial. Era o
mesmo traje que o verdadeiro Tronar Woolver usara ao aparecer misteriosamente a bordo
da nave maahk.
“Bem” — pensou a duplicata de Woolver num assomo de ironia — “Sempre é um
traje original.”
— Você parece inseguro — constatou o maahk, que estava esperando.
— Não importa — respondeu o duplo em tom cansado. — Os interrogatórios
intermináveis são bastante cansativos.
Fitou atentamente o maahk e procurou descobrir alguma característica que lhe
permitisse identificá-lo, mas logo desistiu. Os maahks eram todos iguais. Até mesmo para
um duplo.
— Quem é você? — perguntou.
— Grek-42 — respondeu o maahk. — Temos de apressar-nos. Os cientistas estão à
sua espera.
O falso Woolver fechou a porta atrás de si. Encostou na mesma por um instante. O
corredor que se estendia à sua frente estava tão fortemente iluminado que a luz lhe fazia
doer os olhos.
— Vamos logo! — ordenou o maahk.
“Filho de uma cadela!”, pensou Tronar Woolver e saiu andando. Perguntou-se
como se explicava que tivesse um sentimento do dever para com os maahks. Cumpria
sem a menor resistência qualquer ordem que eles lhe davam. Isto se explicava em parte
pelo fato de ele ter medo. Se recusasse o cumprimento de uma ordem, morreria. Qualquer
forma de insurreição, qualquer ato errado e qualquer perigo de ser descoberto por algum
inimigo ativaria o dispositivo de segurança. E quando este entrasse em ação, o duplo se
desintegraria.
Muitos dos atos praticados por Tronar Woolver tinham sua origem no medo. Fora
composto por moléculas de carbono e proteínas e depois lhe tinham insuflado a vida. De
um instante para outro começara a pensar. Por mais que lhe repugnasse a vida que estava
levando, ele temia perdê-la.
E não era só. Fora condicionado durante o processo de duplicação, de uma forma
que para ele permanecia inexplicável. Nem por isso considerava os seres que o haviam
produzido como amigos, mas segundo o esquema mental e de comportamento que lhe
fora imposto os terranos eram inimigos.
O maahk o fez parar no fim do corredor. Apontou para uma esteira transportadora.
Woolver saltou sobre a mesma e viu-se carregado. O maahk ficou atrás dele, para vigiá-
lo. Os maahks não se arriscavam. Não esqueciam nenhum detalhe. Seus planos eram
lógicos e previam todas as eventualidades. Raramente cometiam um erro.
A duplicata de Tronar Woolver era o maior erro que já haviam cometido.
— Salte! — gritou Grek-42.
Woolver saltou da esteira transportadora e ficou parado à frente de um túnel
antigravitacional. Estava escuro no interior do mesmo. Woolver tinha medo da escuridão.
A morte era escura. E pensar na morte era uma coisa pavorosa.
— Entre no túnel, Woolver! — ordenou Grek-42.
“Quantos tipos destes existem?”, perguntou-se o duplo. Era uma maneira esquisita
de se identificar por números.
“Bom dia, Grek-200.443! Bobagem!”
Woolver entrou tropeçando no túnel. O pesado traje pressurizado fez com que
imediatamente perdesse o equilíbrio. O maahk flutuava atrás dele; era uma massa escura
e disforme. Parecia que o túnel não tinha fim. Woolver admirou-se de nunca esbarrar
numa parede, embora voasse sem o menor controle.
Quantas vezes ainda seria interrogado? Afinal, já contara a Grek-1 e aos cientistas
tudo de que se lembrava.
De repente viu a claridade apontando à sua frente. Quem dera que fosse um pouco
mais rápido. Ficou espantado ao notar que pousou sobre os pés, e não sobre a barriga
como da última vez. Estava no fim do túnel e esperou que o maahk aparecesse.
Grek-42 pousou com muita habilidade. Sua voz superou o zumbido de algumas
máquinas que não se viam.
— Por ali, Woolver!
O duplo lembrava-se do caminho. Era a terceira vez que o percorria. Já fora
interrogado duas vezes. Queriam usá-lo para alguma coisa. Grek-1 era um ser diabólico,
que não mandaria duplicar ninguém se não tivesse um bom motivo para isso.
Duplicar! Que palavra esquisita.
Tronar Woolver, duplicado em 2 de maio de 2.401.
Nos documentos que tinham sido tirados do verdadeiro Woolver lia-se que o
mesmo tinha nascido no ano de 2.367. Nascido...
— Um momento, Woolver! — o maahk que o estava levando para ser interrogado
passou por ele.
Apesar do corpo robusto, os maahks se movimentavam com muita agilidade.
Sabiam andar mais depressa que Woolver no interior de seu traje protetor.
— Espere-me aqui! — ordenou Grek-42 e desapareceu por uma abertura que
Woolver ainda não tinha visto.
A mesma voltou a fechar-se depois que o maahk tinha passado.
“O que será que eles pretendem fazer comigo?”, pensou o duplo.
A parede abriu-se. Dois maahks saíram de uma sala ampla.
— Entre aqui, Woolver!
Quem dera que eles se desacostumassem de constantemente dizer seu nome. Seu
nome? Lorotas! Um nada não pode ter nome.
Woolver entrou e viu-se à frente de Grek-1. Podia parecer estranho, mas o fato é
que reconheceu o comandante da espaçonave. No aspecto exterior Grek-1 não era
diferente dos outros maahks. Mas irradiava alguma coisa que estes não possuíam. Grek-1
era uma personalidade marcante.
Tronar ficou parado no centro da sala. Lançou os olhos para os aparelhos de ensaio
com os quais fora maltratado porque os maahks queriam descobrir por que havia uma
lacuna em sua memória.
— Já estávamos à sua espera, Woolver — disse Grek-1. — Está na hora de
levarmos isso adiante.
O duplo levantou a cabeça.
— Você se sente muito fraco? — perguntou um dos cientistas. — Será que seu
conjunto de oxigênio não funciona como deveria?
— Não é nada — respondeu Woolver. — Estou bem.
Ficou refletindo se não deveria produzir uma ferida profunda no próprio rosto, para
tornar-se diferente do original. Mas lembrou-se de que a cicatriz apenas deixaria
desfigurado um rosto duplicado.
— Está bem — disse Grek-1, enquanto se aproximava lentamente do duplo. —
Vamos começar.
— Estou às ordens — disse a duplicata de Tronar Woolver.
Viu novamente o exército-fantasma de milhares de Tronar Woolvers surgir atrás do
comandante. Iam saindo um após o outro do multiduplicador. Havia uma expressão de
ansiedade em seus rostos. Havia um maahk de pé ao lado do duplicador, que desenhava
um traço preto no chão cada vez que um Woolver saía do aparelho.
Os Woolvers entraram em posição atrás de Grek-1 e olhavam fixamente para o
duplo.
— Vamos recapitular todos os detalhes para depois dar início à execução de meu
plano — disse Grek-1.
O exército de Woolvers dissolveu-se.
O duplo concentrou-se. Não poderia ser desleixado. Era bem possível que Grek-1 se
impacientasse. E seria muito fácil o maahk pronunciar a sentença de morte de um duplo.
“Ele tem um plano”, pensou Woolver. “Provavelmente terei que executá-lo.”
Fora produzido para isso.
***
Grek-1 já condenara o duplo Tronar Woolver à morte. Não fizera isso por maldade,
mas simplesmente porque precisava dele para executar um plano muito importante.
Desde o momento em que Tronar Woolver aparecera misteriosamente a bordo da
espaçonave, Grek-1 não se sentia tão seguro quanto antes. Pelo contrário. Via-se
obrigado a usar métodos completamente novos para atingir seus objetivos. Era um
homem prudente, e por isso resolvera adiar o uso da trilha de desvio de impulsos até que
soubesse exatamente como o terrano fora parar a bordo de sua nave. Seria perfeitamente
possível trazer outras naves maahks através do transmissor solar e fazer com que
materializassem no espaço galáctico sem que ninguém o notasse.
Mas na opinião de Grek-1 estariam correndo certo risco se nas condições em que se
encontravam transmitisse o sinal combinado para a frota maahk que se mantinha à espera
no sistema de Horror. Antes de mais nada teria que descobrir como fora possível que um
agente terrano entrasse a bordo de sua espaçonave.
E não era só isso. Grek-1 também pretendia usar a duplicata do agente para os
objetivos dos maahks.
O comandante olhou para o homem que estava parado à sua frente, no interior de
um traje pressurizado. Não havia nenhum detalhe, por menor que fosse, capaz de
diferenciar o duplo do verdadeiro Tronar Woolver, que fora aprisionado pelos maahks.
— Seu original era um dos especialistas de uma organização que os terranos
costumam designar pela sigla USO — constatou Grek-1. Como sempre, era ele que
estava conduzindo o interrogatório. Preferia confiar no seu senso lógico em vez das
constatações alongadas dos cientistas.
— É verdade — confirmou o falso Woolver.
— O chefe desta organização é um arcônida — prosseguiu Grek-1.
A simples menção da palavra arcônida foi suficiente para despertar o velho ódio que
sentia por esse povo. A lembrança da guerra que seu povo havia travado com os
arcônidas estava profundamente ancorada em sua mente.
— Seu nome é Atlan — informou o duplo num impecável kraahmak. — Foi o
Lorde-Almirante Atlan que colocou meu original à disposição do serviço de segurança
terrano.
— Dali se conclui que seu original possuía faculdades extraordinárias — disse
Grek-1. — Estas faculdades deixaram de ser reproduzidas pelo duplicador, ou então você
simplesmente não se lembra delas.
— Impossível — observou um dos técnicos. — O duplicador nunca erra. O duplo é
a reprodução perfeita do terrano que caiu nas nossas mãos. As faculdades que o original
possuía foram transmitidas ao duplo.
— Percebi muito bem que não existe a menor dúvida de que na memória deste
homem existem alguns lapsos não preenchidos — disse Grek-1 com a voz calma.
— Ele não sabe dizer como veio parar aqui — quando viu que o técnico pretendia
formular outras objeções, Grek-1 levantou os braços num gesto de defesa. —
Acreditamos que os terranos tenham criado um novo tipo de transmissor, e que tenham
usado o mesmo para colocar Tronar Woolver no interior de nossa nave. Por que teriam
feito isso? Afinal, não podem ser ingênuos a ponto de acreditar que seu agente não seria
descoberto.
Grek-1 já tinha refletido bastante sobre o problema. Precisava descobrir como o
agente terrano fora parar no interior da nave. O plano de invasão teria de ficar suspenso
até que Grek-1 tivesse encontrado uma explicação para isso.
O duplo criado pelos maahks não tinha conhecimento da trilha de desvio de
impulsos que se encontrava a bordo da nave. Foi outra precaução tomada por Grek-1, que
queria insinuar o falso especialista da USO entre os terranos como se fosse o verdadeiro
Woolver. Por isso o sósia deste não deveria dispor de informações importantes dos
maahks.
— Procure pensar — disse, dirigindo-se a Woolver.
— No interior desta Galáxia existe algum inimigo que possa tornar-se perigoso para
os terranos?
— Os aconenses — respondeu o duplo imediatamente. — Eles tentam
constantemente quebrar o poder dos terranos. Estão interessados principalmente nos
transmissores. Mas por enquanto suas tentativas de interferir nos acontecimentos que se
desenrolam em Kahalo sempre fracassaram. Os aconenses são os ancestrais dos
arcônidas.
— Interessante — disse Grek-1 em voz baixa.
O velho ódio que nutria pelos arcônidas voltou a tomar conta dele, mas seu cérebro
continuou a funcionar perfeitamente. Já pensava num meio de usar as duas
superpotências galácticas uma contra a outra.
— Conte-me alguma coisa sobre os aconenses — pediu, dirigindo-se ao duplo.
— Eles se retiraram para o interior do chamado Sistema Azul e quase não
demonstram mais nenhum interesse pelo que se passa na Galáxia — disse Tronar
Woolver. — Só voltaram a entrar em atividade quando os terranos conseguiram romper o
campo defensivo que cerca seu sistema solar. Depois que os arcônidas deixaram de ser
importantes, a influência exercida por seus ancestrais tem crescido constantemente.
— Na memória de Tronar Woolver estão armazenados dados mais precisos sobre o
Sistema Azul? — perguntou o comandante maahk.
O duplo acenou com a cabeça.
— Perfeitamente — respondeu. — Meu original recebeu um treinamento em
astronavegação. Conheço a posição galáctica do grupo estelar M-13.
Grek-1 mal conseguiu disfarçar a satisfação que estas palavras lhe provocaram.
Começou a elaborar um plano muito ambicioso. Já tinha uma possibilidade de introduzir
o duplo entre os terranos.
No seu íntimo o maahk sentiu-se exultante. Além de executar um lance decisivo
contra os terranos, poderia infligir uma derrota aos velhos inimigos de seu povo. Grek-1
pôs-se a raciocinar. Nada deveria ser entregue ao acaso. Qualquer ato precipitado poderia
representar o fracasso do plano.
Grek-1 não poderia imaginar que deixara de considerar um dado muito importante.
Afinal, não tinha conhecimento da existência dos mutantes terranos. As faculdades
paranormais que possuíra o original chamado Tronar Woolver não tinham sido
transmitidas ao duplo do mesmo. Além disso o falso Tronar Woolver não sabia que
possuía um irmão que também era um mutante.
As conseqüências do medo que os duplos produzidos pelos maahks tinham pela
própria vida começavam a produzir resultados. Os primeiros cinco humanos duplicados
pelos maahks, ou seja, o Major Halgor Sorlund e seus companheiros, também tinham
sido atacados por esse medo. Por isso mesmo os duplos desses terranos não haviam
revelado, durante seu encontro com o comandante maahk Grek-1, que os mutantes
terranos eram muito perigosos. Os cinco duplos acharam preferível guardar silêncio a
este respeito, pois tinham medo de que Grek-1 os condenasse à morte.
Apesar de sua formidável capacidade de raciocínio, Grek-1 nem pensou na
possibilidade de que o verdadeiro Tronar Woolver pudesse ter sido um mutante. Só
pensou nos recursos técnicos fantásticos que teriam permitido a um terrano entrar numa
nave dos maahks.
O comandante achava provável que Tronar Woolver tivesse sido transportado para
bordo da nave por uma espécie de raio transmissor.
O duplo dos mutantes também não tinha o menor conhecimento das capacidades
parapsíquicas de que dispunha o original. E não sabia nada a respeito de seu irmão Rakal.
O multiduplicador não fora capaz de transmitir à duplicata as faculdades de Tronar
Woolver, que se desenvolviam na quinta dimensão.
O plano de Grek-1 era muito seguro. Nenhum detalhe fora omitido. Não havia
nenhum lapso. Além de tudo dispunha do dispositivo de segurança embutido no corpo do
duplo, que provocaria a destruição do falso agente da USO assim que surgisse um perigo
mais sério.
Desta forma, acreditava Grek-1, não poderia haver nenhum revés.
O falso Tronar Woolver seria enviado para junto dos terranos, onde dentro de pouco
tempo conseguiria informações muito importantes.
Grek-1 felicitou-se pela boa idéia. Os terranos se espantariam ao ver que seu agente
tinha voltado. E não seriam somente os terranos, refletiu Grek-1.
Também os aconenses...
***
O comandante do cruzador pesado aconense Astagun, um aconense chamado Kal-
Rah, não sabia que só tinha dois dias de vida. Entrou na sala de comando da nave com
uma expressão arrogante no rosto.
Os astronautas que estavam de serviço por ali levantaram-se de um salto e
inclinaram o corpo, num gesto de reverência. Kal-Rah tinha fama de ser um homem que
se enervava facilmente com os subordinados.
Kal-Rah fez um gesto relaxado. Os homens voltaram aos seus lugares. Kal-Rah
dirigiu-se à mapoteca, que ficava no centro da sala de comando.
Para um aconense era muito baixo e gordo. Tentava compensar o infortúnio, usando
botas altas, em cujas solas havia um revestimento metálico.
Dessa forma os passos de Kal-Rah podiam ser ouvidos muito antes que o mesmo
entrasse numa sala.
Kal-Rah usava uma manta de cores vivas, presa sobre o ombro direito por meio de
um grampo de ouro.
— Recebemos novas ordens — disse. Seus subordinados ficaram calados, conforme
mandavam as regras da disciplina. — A Astagun mudará de rumo e se dirigirá às áreas
periféricas do grupo estelar. Parece que uma operação de grande envergadura está sendo
preparada no centro da Galáxia — um sorriso de desprezo apareceu no rosto de Kal-Rah.
— Já está na hora de acabarmos com a influência dos terranos nessa área.
Kal-Rah anunciou as novas coordenadas. Os computadores de bordo fariam o
cálculo da rota.
O aconense não poderia saber que esta rota terminaria na morte.
— Acho que a Astagun foi escolhida por causa do alto nível de sua tripulação —
disse.
Afastou-se da mapoteca e dirigiu-se à poltrona de comando. A cada passo que dava,
suas botas martelavam ruidosamente o chão. Pareciam tiros de pistola.
2
A ordem dada por Grek-1 aos comandantes das quatro unidades menores era a
seguinte: “Localizem uma nave aconense e tragam-na discretamente ao centro da Via
Láctea”.
Grek-1 não tinha dúvida de que seria possível cumprir esta ordem. As armas do
maahks eram infinitamente superiores às dos aconenses. Além disso os aconenses não
esperavam um ataque de surpresa.
O duplo de Tronar Woolver já conhecia os planos do comandante. Acompanhara a
saída das quatro naves de guerra. As mesmas não demorariam a voltar.
A duplicata de Tronar Woolver passava a maior parte do tempo no interior de seu
pequeno camarote. Regularmente aparecia um cientista maahk para examiná-lo. De vez
em quando o conteúdo de seu conjunto regenerador de oxigênio tinha de ser renovado.
O duplo sentia-se aliviado porque Grek-1 não o martirizava mais com os
interrogatórios. Concluiu que o plano do comandante não tinha nenhuma falha. Isso
deixou Tronar indiferente, pois o fato o protegia contra a necessidade de permanecer
constantemente na perigosa proximidade de Grek-1.
O duplo não sabia se a tarefa que Grek-1 lhe tinha reservado era possível. Iria para
junto dos terranos e desempenharia o papel do verdadeiro Tronar Woolver. O ser criado
no interior de um multiplicador teve suas dúvidas de que isso seria possível.
Tronar Woolver fora condicionado por ocasião da produção, e por isso cumpriria da
melhor forma possível todas as ordens que lhe fossem dadas pelos maahks.
Naturalmente imaginava que seria eliminado assim que tivesse cumprido sua
missão. Por isso refletia para encontrar um meio de iludir os terranos e enganar Grek-1. O
que mais o assustava era a programação de segurança introduzida em seu corpo, que o
mataria automaticamente se cometesse um erro ou fosse desmascarado.
O que o deixava mais preocupado eram as falhas que havia em sua memória. Grek-
1 não sabia até onde chegava a deficiência das recordações da síntese de Woolver. Tronar
vivia rebuscando o próprio cérebro, à busca de novos detalhes. Alguns acontecimentos do
passado do verdadeiro Tronar Woolver ficavam fora do seu alcance. O duplo sentiu que
não se tratava de acontecimentos muito importantes. Mas a falta de conhecimentos fazia
com que se sentisse inseguro. Receava que, quando estivesse entre os terranos, fosse
cometer alguns erros fatais.
A duplicata de Tronar Woolver caminhava nervosamente de um lado para outro no
interior do pequeno camarote. Não sabia que a alguns anos-luz dali o irmão do verdadeiro
Tronar Woolver também caminhava nervosamente de um lado para outro. O duplo nem
sequer sabia da existência de Rakal.
Depois da morte de Tronar Woolver, Grek-1 fizera a nave sob seu comando mudar
novamente de posição. A gigantesca espaçonave circulava em torno de um sol sem
planetas situado no centro da Galáxia. Ali, entre as enormes aglomerações de estrelas do
centro galáctico, a gigantesca nave não poderia ser localizada pelos rastreadores. As
emanações dos sóis muito próximos uns dos outros frustrariam qualquer tentativa de
rastreamento. Só mesmo por um acaso incrível a nave dos maahks poderia ser descoberta.
Os pensamentos do duplo foram interrompidos quando um maahk entrou no
camarote. Woolver acreditava que fosse mais um cientista. Deitou prontamente na cama
especialmente preparada.
— Provavelmente é o último exame a que você é submetido antes de entrar em
ação, Woolver — disse o maahk.
— As quatro naves de guerra voltarão tão depressa? — perguntou Tronar.
O cientista deu uma resposta afirmativa.
— O comandante faz questão de que seu estado de saúde esteja afetado quando
aparecer entre os terranos — disse. — Daqui em diante você será tratado como inimigo.
Os terranos devem ter a impressão de que você atravessou o inferno.
O duplo permaneceu imóvel durante o exame. Parecia que o maahk não tinha
encontrado nada que o preocupasse. Finalmente inclinou-se sobre a cabeça de Woolver.
Este o via perfeitamente pelo visor do capacete.
— Caso consiga lembrar-se de mais alguma coisa, apresente-se a Grek-1. Mesmo
que pareça não ter nenhuma importância. Qualquer informação pode ajudar-nos a
descobrir como seu original conseguiu entrar nesta nave.
— Está bem — respondeu o duplo, aborrecido. — O comandante já disse isso.
O cientista fitou-o por algum tempo sem dizer uma palavra.
— Você parece aborrecido — constatou finalmente.
A cópia de Woolver assustou-se. Procurou dar uma impressão mais confiante ao
rosto. Não podia assumir o risco de fazer com que Grek-1 modificasse seu plano e
dispensasse sua colaboração. O comandante era um homem muito cauteloso, e qualquer
informação do cientista poderia levá-lo a dispensar a colaboração do falso Woolver.
— Estou pensando na minha tarefa — disse Tronar.
— É mesmo? — o maahk que atendia pelo nome de Grek-237 voltou a endireitar o
corpo. — Quando chegar perto dos terranos, você não pode parecer agitado. Isso poderia
fazer com que o dispositivo de segurança entrasse em funcionamento e o destruísse.
— Isto é uma ameaça? — perguntou o duplo, exaltado.
— Não — respondeu Grek-237.
— Algum cientista maahk já se preocupou com os sentimentos de um duplo
produzido por eles? — perguntou Woolver.
— Para quê? — respondeu o maahk, tranqüilo. — Só fabricamos duplos quando
precisamos deles. Assim que tiverem cumprido sua missão, não têm mais nenhum
interesse para nós.
— E têm de morrer — completou a duplicata do homem da USO.
— Naturalmente — confirmou Grek-237. — Isto é uma conseqüência perfeitamente
lógica, pois nessa altura os corpos originais geralmente estão mortos.
— Quero ficar a sós — pediu o duplo.
— Pare de pensar nisso — recomendou o maahk. — Por enquanto nenhuma
duplicata se deu bem com isso. O comandante não gosta que um duplo se torne muito
independente.
Foi só o que o cientista teve a dizer. Retirou-se. A imagem fiel de Tronar Woolver
voltou a ficar só.
***
Grek-7, comandante do grupo de quatro naves de guerra, mandou que o vôo linear
fosse interrompido assim que suas unidades penetraram na área periférica do grupo
estelar M-13. Grek-1 o advertira para que não penetrasse muito profundamente na
concentração de estrelas, pois nesse caso correria perigo de entrar em choque com uma
frota aconense. E Grek-1 queria evitar de qualquer maneira que isso acontecesse.
Grek-7 recebera ordem para apoderar-se de uma única nave aconense de tamanho
médio e seqüestrá-la juntamente com a tripulação. Quando soubessem de que uma de
suas naves fora perdida, os aconenses só poderiam acreditar que os terranos fossem
responsáveis por isso.
Grek-7 talvez fosse o subcomandante mais leal de Grek-l. Nunca lhe passava pela
cabeça discutir com seus superiores.
Grek-1 não se importava nem um pouco que Grek-7 agisse assim por convicção ou
por esperteza; o que valia era sua lealdade.
Grek-7 sabia que era o único subcomandante em que Grek-1 confiava plenamente.
Por isso esforçava-se constantemente para conservar essa confiança.
Sempre era bom estar em harmonia com o comandante. Achava vantajoso cumprir
as ordens de Grek sem quaisquer comentários.
Também desta vez Grek-7 pretendia convencer o comandante dos maahks de sua
capacidade e disposição de cumprir as ordens de forma exemplar. Grek-7 nem pensava
em penetrar mais profundamente no grupo estelar estranho para alcançar um resultado
mais rápido. Grek-1 não apreciava os homens que não sabiam esperar.
Por isso mesmo Grek-7 não ficou nem um pouco decepcionado ao notar que depois
da interrupção do vôo linear os rastreadores supersensíveis das quatro espaçonaves não
detectaram a presença de qualquer objeto voador não identificado. Apesar do grande
número de naves de que dispunham os aconenses, segundo informara Woolver, teria sido
um grande acaso se descobrissem imediatamente um veículo espacial dos mesmos.
Grek-7 esperava que teriam de realizar uma busca prolongada. Deu as ordens
correspondentes. As quatro naves aceleraram e voltaram a passar para o vôo linear. Grek-
7 poderia dar ordem para que as unidades vasculhassem a área independentemente uma
da outra, o que lhe permitiria vasculhar uma área maior, mas julgou preferível não dividir
o grupo, pois com isso o mesmo seria enfraquecido.
Segundo dissera o duplo, as naves aconenses não representavam qualquer perigo
para os veículos espaciais dos maahks, a não ser que aparecessem em grandes grupos.
Mas Grek-7 resolveu não assumir risco. Também neste ponto resolveu seguir fielmente
as instruções de seu superior.
A paciência de Grek-7 foi recompensada quando o mesmo emergiu pela segunda
vez da área de libração. Os rastreadores das naves reagiram todos ao mesmo tempo.
Imediatamente começaram a ser realizados cálculos exatos.
Dali a alguns segundos Grek-7 ficou sabendo que acabavam de localizar uma
espaçonave que se deslocava pelo espaço à velocidade da luz. Diante do grande tamanho
da concentração de estrelas e das dimensões bastante reduzidas da nave, este fenômeno,
apesar da velocidade enorme, parecia tão lento que as pessoas que se encontravam a
bordo das naves maahks tiveram a impressão de que o objeto estranho estava parado no
espaço.
Grek-7 era considerado um dos astronautas mais experimentados nas fileiras dos
maahks. Nunca se deixaria enganar por uma simples observação ótica. Os aparelhos não
deixavam dúvida de que dentro de pouco se aproximariam o bastante do objeto estranho
para entrar em combate com o mesmo.
Grek-1 fazia questão de que os tripulantes da nave que seria seqüestrada só fossem
paralisados. Não deveria haver mortes nem destruição no interior da nave aconense. Os
planos de Grek exigiam uma nave que estivessem em perfeito estado de funcionamento.
Só quando se convenceu de que nenhum grupo de naves maior se aproximava,
Grek-7 deu ordem para que as quatro naves dos maahks saíssem em alta velocidade e em
várias direções. A nave esférica aconense seria atacada de surpresa de quatro lados
diferentes, para que não tivesse nenhuma chance de defender-se.
A nave de Grek-7 continuou na mesma rota, enquanto as outras se afastaram em alta
velocidade. Os impulsos captados pelos rastreadores eram cada vez mais nítidos. Graças
à memória de Tronar Woolver os maahks sabiam que os rastreadores dos aconenses não
se comparavam aos dos maahks. Além disso os antigos inimigos dos arcônidas
dispunham de recursos que lhes permitiam escapar em grande escala à ação dos
rastreadores.
Foi por isso que o cruzador aconense prosseguiu viagem como se nada tivesse
acontecido, quando já se encontrava ao alcance das armas dos maahks.
***
O Comandante Kal-Rah estava mal-humorado. Constatara que sua nave não fora
escolhida para desempenhar uma missão especial. Teria de executar apenas uma tarefa de
rotina.
Os tripulantes do cruzador pesado entreolharam-se demoradamente quando Kal-Rah
fez uma ligeira alocução pelo sistema de intercomunicação, dizendo que no futuro
qualquer indisciplina seria rigorosamente punida. Não disse por que justamente nesse
momento tivera essa idéia, mas isso não importava. As pessoas que se encontravam a
bordo sabiam perfeitamente que Kal-Rah se sentia bastante amargurado.
Para ele o vôo de patrulhamento era uma operação degradante.
Dali a pouco, quando apareceu na sala de comando da Astagun, os oficiais
esforçaram-se para não se transformar em objetos das críticas de Kal-Rah. Kal-Rah
atingiu a poltrona do comandante, com os saltos da bota tilintando. Seu substituto, que
estivera sentado na mesma, levantou apressadamente. Kal-Rah sentou com o rosto
sombrio.
— Poderia perguntar se há alguma novidade — disse, dirigindo-se ao imediato da
Astagun. — Mas nem espero que nesta área exista uma coisa interessante.
— Não, comandante — apressou-se seu substituto a responder.
Kal-Rah fez um gesto displicente e o oficial retirou-se às pressas.
Kal-Rah fechou os olhos e recostou-se na poltrona. Sabia que a bordo de sua nave
ninguém se atreveria a rebelar-se com os métodos que usava no comando da nave. Mas
cometeu um erro. Achava que o medo dos tripulantes era uma forma de respeito.
Acreditava que possuía uma grande autoridade, mas só dispunha do poder do tirano,
cujos súditos só esperam o momento de poder prejudicá-lo em alguma coisa.
O som estridente do alarme fez com que Kal-Rah se erguesse abruptamente. Levou
alguns segundos para recuperar-se da surpresa. Era bastante duvidoso que, mesmo que
suas reações fossem mais rápidas, pudesse salvar a Astagun, mas se não tivesse
demorado tanto, os aconenses poderiam ter oferecido uma resistência obstinada.
Nenhum dos subordinados de Kal-Rah atreveu-se a agir sem que tivesse recebido
ordens expressas.
Apavorado, o comandante olhou para os rastreadores. Os mesmos mostravam
quatro objetos voadores que se aproximavam do cruzador, vindos de várias direções.
Esta formação só poderia ser interpretada como um ataque.
— Ativar campos defensivos! — apressou-se Kal-Rah em ordenar.
Já era tarde.
A onda de choque dos grandes paralisadores maahks envolveu a Astagun. Kal-Rah
teve a impressão de que estava congelando de dentro para fora. Arregalou os olhos e viu
que o piloto que estava sentado a seu lado tentava acelerar a Astagun. Mas as mãos não
alcançaram os controles. O homem amoleceu na poltrona.
Kal-Rah sentiu-se dominado pelo pânico. Fez um grande esforço para inclinar o
corpo em direção aos controles. Sua mão direita apalpou o revestimento polido dos
comandos.
Ouviu um ruído surdo vindo de trás. Um dos aconenses acabara de cair ao chão.
De repente Kal-Rah perdeu a visão. Conseguiu levar a mão à alavanca do
acelerador. Seus dedos tocaram o metal frio.
Foi quando o frio que estava tomando conta do corpo do aconense atingiu o cérebro.
Kal-Rah parou de pensar e sua mão fraquejou. O comandante caiu para trás na sua
poltrona.
A Astagun corria descontrolada pelo espaço, enquanto as quatro naves maahks
saíam em sua perseguição que nem uma matilha de lobos famintos.
***
Muito satisfeito, Grek-7 lançou um olhar para os controles.
A nave aconense não chegara a abrir fogo ou ativar um campo defensivo. Grek-7
concluiu que os tripulantes tinham sido imobilizados.
O resto seria simples. Nem seria necessário recorrer às funções lógicas do cérebro
de Grek-7 para assegurar o êxito final da operação.
— Vamos cercar a nave aconense — decidiu Grek-7. Tinha certeza absoluta de que
se tratava de uma nave aconense. Ao contrário das naves terranas ou arcônidas,
apresentava um achatamento acentuado nos pólos, a tal ponto que se parecia antes com
uma elipse que com uma esfera. O duplo de Tronar Woolver chamara a atenção dos
maahks para esta diferença.
De repente a nave aconense desacelerou. Grek-7 não deixou que isso o enganasse.
As naves maahks provavelmente dispunham de um dispositivo de segurança que
desligava os propulsores assim que a supervisão pelos tripulantes fosse suspensa.
— Ligar raio de tração — ordenou Grek-7.
A nave aconense foi atingida pelas tremendas forças hipermagnéticas que a
mantiveram presa no interior do grupo de naves maahks.
Grek-7 já estava colocando um traje espacial. Pretendia voar para bordo da nave
aconense com mais alguns maahks, para tomar as providências que ainda se tornavam
necessárias.
— Preparar barco auxiliar!
Esta ordem foi dirigida aos técnicos que se encontravam no hangar da nave de
guerra.
Grek-7 escolheu três homens que o acompanhariam. Eram Grek-36, Grek-108 e
Grek-444.
O equipamento do pequeno grupo incluía armas e tradutoras simultâneas. Grek-7
não sentiu nem um pouco e medo. Julgava-se em vantagem diante dos aconenses, mas
nem por isso o êxito rápido o levou a abandonar as cautelas. Grek-7 nunca se esquecia de
incluir eventuais imprevistos em seus cálculos.
Esperou que seus companheiros também colocassem os trajes protetores e dirigiu-se
ao hangar juntamente com os mesmos. Entraram numa pequena nave blindada, que já
estava preparada para decolar. Os técnicos retiraram-se do hangar. A eclusa abriu-se. O
barco precipitou-se para o espaço, acelerando fortemente. Grek-7 não perdeu tempo com
observações demoradas. O sistema de pilotagem automática os levou para perto da
Astagun, reduzida à impotência.
Pela primeira vez Grek-7 se viu obrigado a ordenar a destruição de alguma coisa.
Escolheram uma eclusa menor e abriram-na com o raio da arma térmica. Grek-7 fazia
votos de que a nave aconense dispusesse de um mecanismo de segurança que evitasse
que o oxigênio existente em grande parte da nave escapasse para o vácuo.
O barco foi ancorado ao lado da abertura criada à força. Grek-7 e seus três
companheiros não precisaram comunicar-se para saber o que tinham que fazer.
Foram flutuando um após o outro para dentro da nave inimiga, com Grek-7 na
frente. Grek-7 esperou os outros no interior da câmara da eclusa. A parede interna da
eclusa estava fechada, conforme esperava Grek-7, fazendo com que somente no interior
da câmara reinasse o vácuo, mortal tanto para os aconenses como para os maahks, que só
conseguiriam permanecer ali dentro de trajes espaciais.
Os quatro maahks fizeram um trabalho rápido e cuidadoso. Retiraram placas presas
à parte inferior de seus trajes espaciais e fecharam cuidadosamente o rombo aberto na
nave. Quando retornassem, não teriam nenhuma dificuldade em soltar o material de
vedação, usado em todas as naves maahks.
Enquanto Grek-7 examinava os comandos desconhecidos que havia no interior da
câmara, seus companheiros concluíram o trabalho de vedação. Grek-7 só compreendia
em parte os letreiros que se encontravam embaixo das inúmeras chaves, pois só
conseguira adquirir pequena parte dos conhecimentos lingüísticos que Tronar Woolver
transmitira aos maahks.
Mas o simples pensamento lógico permitiu que Grek-7 compreendesse a finalidade
dos diversos comandos. Restabeleceu a pressão normal no interior da câmara, deixando
que o oxigênio penetrasse na mesma. Feito isso, abriu a parede interna da eclusa.
Segundo os conceitos terranos, a manobra não durara mais de vinte minutos.
Os quatro maahks penetraram na Astagun lado a lado com as armas destravadas na
mão. Os corredores e as salas estavam iluminados, mas ao que tudo indicava a nave não
estava mais sob controle.
Dali a pouco o comando de abordagem encontrou o primeiro aconense, que estava
deitado no corredor, completamente imóvel. Seu rosto estava desfigurado. Grek-7
contemplou-o demoradamente. Correspondia exatamente à descrição que o duplo havia
feito dos homens do Sistema Azul.
— Foi paralisado — disse Grek-7. — Precisamos encontrar a sala de comando.
Foram-se aproximando da parte central da nave, onde segundo as informações de
Woolver ficava a sala de comando. Descobriram um número cada vez maior de
aconenses inconscientes. Grek-7 não perdeu tempo para examiná-los.
Finalmente entraram na sala de comando. Grek-7 passou os olhos pelo recinto
amplo. Pelo menos vinte aconenses estavam que nem mortos, deitados ou sentados nos
lugares em que tinham estado no momento do ataque.
— Quem será o comandante? — perguntou a voz de Grek-444, saída do receptor
embutido no capacete do comandante maahk.
Grek-7 já o encontrara. Saiu caminhando na direção de Kal-Rah.
Grek-7 agarrou o aconense e arrastou-o para fora da poltrona. Colocou-o
violentamente no chão e tirou uma lâmina de dez centímetros de comprimento de um
bolso lateral externo de seu traje espacial. Passou-a pelo corpo do comandante. Kal-Rah
estremeceu.
Grek-7 contemplou-o com a expressão de quem olha para um inseto que está
rastejando à sua frente e ligou a tradutora simultânea, que fora programada para o
intercosmo. Grek-7 esperava que a máquina fosse um bom intérprete.
O comandante maahk levantou Kal-Rah com uma espantosa facilidade e colocou-o
de volta na sua poltrona.
O aconense abriu os olhos. Os maahks se encontravam atrás dele, e por isso não os
viu. Pôs as mãos na nuca e passou a massageá-la intensamente. Só então foi virando a
cabeça.
A Galáxia nunca chegaria a saber qual foi a reação de Kal-Rah ao ver os quatro
desconhecidos. É bem verdade que no relatório apresentado a Grek-1 o Comandante
Grek-7 chegou a mencionar que o aconense caíra ao chão, e que tiveram de fazer um
esforço tremendo para acordá-lo.
Quando finalmente conseguiu, Grek-7 julgou preferível falar imediatamente ao
aconense.
— Por enquanto não há motivo para preocupar-se, aconense. Sua vida ainda não
está em perigo.
Enquanto falava, Grek-7 percebeu que o ódio pelos aconenses começava a tomar
conta dele. O homem que se encontrava à sua frente era parente dos velhos inimigos de
seu povo. Teve a sensação nítida desse ódio. Uma velha ferida voltou a sangrar em Grek-
7. Os descendentes dos aconenses haviam expulso os maahks da Via Láctea, depois de
uma guerra de extermínio.
Grek-7 entesou o corpo. Não poderia entregar-se ao ódio. A hora da vingança ainda
haveria de soar. Quanto a isso não tinha a menor dúvida.
Naquele momento nem Grek-7 nem Kal-Rah seriam capazes de imaginar que o
primeiro encontro entre os maahks e os aconenses era um acontecimento que teria uma
influência decisiva no futuro da Galáxia.
— Quem... quem são vocês? — conseguiu dizer Kal-Rah depois de algum tempo.
Grek-7 disse. Kal-Rah já ouvira falar na guerra travada entre os arcônidas e os
metanitas. Fez um grande esforço para compreender que os descendentes de um povo que
se acreditava tivesse sido exterminado se encontravam à sua frente.
— O que querem? — perguntou Kal-Rah. — Se nosso comando supremo descobrir
que estão fazendo pirataria nesta parte da Galáxia, vocês serão mortos.
A tradutora simultânea encontrou a expressão “grandes operações de rapina” para
exprimir o sentido da palavra pirataria.
— Só queremos esta nave — respondeu Grek-7 com a maior calma. — Dentro de
instantes daremos o fora.
Kal-Rah condescendeu num sorriso de desprezo.
— Quem vai pilotar a Astagun? — perguntou em tom arrogante.
Grek-7 bateu em seu peito com a direita enluvada, fazendo-o cambalear.
— Você, aconense! — respondeu.
A segurança demonstrada pelo maahk fez com que Kal-Rah recuasse. Passou a mão
pela manta dispendiosa e, usando toda firmeza que conseguiu pôr na voz, disse:
— Nunca!
Talvez Kal-Rah tinha a impressão de que voaria para a morte certa caso obedecesse
às ordens do maahk.
Grek-7 já esperara a recusa do comandante. Tomou suas providências. Hoje em dia
correm na Galáxia inúmeros boatos sobre as torturas cruéis aplicadas pelos maahks.
Ninguém sabe se esses boatos são verdadeiros. O fato é que Grek-7 se limitou a dar
um soco no comandante Astagun. Este soco quebrou todas as resistências de Kal-Rah.
— Deixem-me em paz! — gritou o mesmo. — Para onde querem que eu leve esta
nave?
Grek-7 indicou um lugar situado no centro da Via Láctea, onde Grek-1 já estava à
espera do cruzador aconense apresado.
Grek-1 tinha necessidade urgente dessa nave. A mesma levaria Tronar Woolver de
volta para junto dos terranos.
O falso Tronar Woolver, naturalmente!
4
Para Grek-1 o regresso das quatro naves de guerra não representava nenhuma
surpresa. Nunca pensara que nesta parte seu plano pudesse fracassar. Ficou ansioso à
espera da chegada do comandante aconense a bordo da nave maahk. Grek-7 já fornecera
alguns detalhes pelo rádio, mas tivera de resumir suas mensagens, porque apesar de todas
as precauções ainda corriam perigo de que os impulsos transmitidos pelo rádio fossem
captados pelas naves terranas que patrulhavam a área.
Grek-1 recolhera-se ao seu camarote. No início queria falar a sós com o aconense,
para formar uma opinião toda pessoal sobre o mesmo.
Grek-1 tinha tempo de sobra para interrogar os aconenses. Grek-7 só gastara metade
do tempo que lhe fora concedido para apresar uma nave aconense.
O duplo estava preparado para entrar em ação. Tudo dependia de encontrar uma
maneira de incluir os aconenses em seu plano. Grek-1 já condenara à morte os oitocentos
tripulantes da Astagun. Não costumava assumir riscos. Não deveria haver testemunhas do
encontro da duplicata de Tronar Woolver com os terranos, mesmo que se tratasse de
testemunhas que não soubessem interpretar os acontecimentos.
O aparelho que se encontrava sobre uma mesa, à frente de Grek-1, emitiu um
zumbido.
O maahk ergueu-se, curioso. Ninguém se atreveria a entrar no camarote sem
anunciar-se. Grek-1 deu sinal de que estava preparado.
Grek-7 entrou ao lado de um ser enfiado num monstruoso traje espacial. Grek-7
ficou parado junto à porta, enquanto Kal-Rah dava alguns passos para dentro do camarote
e acabou parando, indeciso.
Só nesse instante Grek-1 conseguiu distinguir alguns detalhes do rosto de Kal-Rah.
Havia uma espantosa semelhança com os rostos arcônidas que Grek-1 tinha visto em
fotografias. Grek-1 ficou sentado, imóvel, contemplando o prisioneiro.
Finalmente fez um ligeiro sinal para Grek-7, que se retirou em silêncio. Kal-Rah
lançou um olhar apavorado para a porta. Parecia não compreender a situação em que se
encontrava.
— Onde estou? — gritou o aconense quando não suportou mais a expressão dos
olhos que o fitavam ininterruptamente.
A tradutora simultânea transmitiu a pergunta na língua kraahmak.
— Ainda não sabe, aconense?
Grek-1 virou a cabeça.
Para Kal-Rah foi um quadro mais ou menos agradável já que a cabeça dos maahks
assenta diretamente no corpo, e por isso Grek-1 teve de girar o tronco.
“Ele me vê em qualquer posição”, pensou o aconense desesperado, ao ver a
disposição dos olhos de Grek. Até então ficara confuso demais para notar os detalhes.
— Só posso imaginar — disse Kal-Rah com a voz apagada. — Estou numa nave
enorme de seu povo.
— Isso mesmo — confirmou Grek-1 no tom objetivo que lhe era peculiar. — Esta
nave é maior que qualquer veículo espacial de sua frota.
Kal-Rah cometeu um erro. Viu nesta informação uma ameaça. Em sua opinião
tratava-se de um lance do jogo do desconhecido. Kal-Rah acreditava que o maahk queria
intimidá-lo antes de iniciar as negociações.
— O tamanho da nave não é a única coisa que importa — respondeu
diplomaticamente. — Já vi naves bem maiores que esta fugir de naves pequenas.
— Não podem ter sido naves do meu povo — afirmou Grek-1 em tom confiante.
— Por que seqüestraram minha nave? — perguntou Kal-Rah. — Por que fui trazido
para cá?
— Para morrer — limitou-se Grek-1 a responder.
A tradutora simultânea transmitiu estas palavras com a mesma indiferença com que
tinham sido pronunciadas.
Kal-Rah tentou um sorriso. Seu rosto, que aparecia nitidamente atrás do visor do
desajeitado traje pressurizado, cobriu-se de pingos de suor.
— O senhor não está sendo nada gentil — disse. Pôs-se a refletir por um instante.
— O senhor já poderia mandar matar-me quando ainda estávamos na área periférica do
grupo estelar M-13. Resolveu esperar porque faz questão de executar pessoalmente a
sentença?
— Isso é uma boa pergunta, aconense — disse Grek-1.
— E qual é a resposta? — perguntou Kal-Rah em voz baixa e trêmula.
Grek-1 deixou cair os braços robustos sobre a mesa.
— Às vezes temos de recuar bastante no passado para encontrar uma resposta —
disse, esticando as palavras.
— A guerra do metano! — exclamou o aconense. — Não me venha me dizer que
quer exercer uma vingança mesquinha, embora praticamente não tivéssemos nada a ver
com essa guerra!
— Para mim vocês são inimigos — disse Grek-1. — Mas não mandei trazê-lo para
cá para satisfazer um sentimento de vingança. No entanto, julgo conveniente ligar a
execução dos meus planos à retaliação que deveria ter sido exercida há muito tempo.
Grek-1 voltou à mesma posição de antes. Era grande e ameaçador, sentado em sua
cadeira.
Kal-Rah ansiava pelas explicações que o desconhecido ainda lhe daria. Já tinha
certeza de que sua vida realmente estava em perigo. Por isso a única alternativa que lhe
restava era negociar com o maahk.
— Há muito tempo os arcônidas obrigaram meu povo por meios violentos a
abandonar a Via Láctea — disse Grek-1. — E agora estamos de volta, mais fortes do que
jamais fomos em toda a história.
— Pelo transmissor solar? — perguntou Kal-Rah.
Grek-1 fez como se não tivesse ouvido a pergunta.
Lembrou-se com todos os detalhes da ignomínia imposta a seu povo há dez mil
anos terranos.
— Acho que deveríamos conversar antes de o senhor tomar uma decisão precipitada
— disse Kal-Rah, que interpretou o silêncio daquele ser como uma atitude pensativa. —
Parece que o senhor parte de uma premissa falsa, a de que somos nós que dominamos a
Via Láctea.
— Não — contraditou Grek-1. — Os senhores desta Galáxia são os terranos.
Conseguiram exercer o poder na mesma.
— É o que o senhor pensa — observou Kal-Rah apressadamente. — Mas com o
tempo acabaremos por expulsá-los dessa posição. Um aliado forte poderia ajudar-nos
bastante a atingir este objetivo.
Grek-1 compreendeu imediatamente aonde queria chegar o aconense. E também
compreendeu que estava diante do representante de um povo que não recuava diante de
qualquer intriga para derrotar os terranos. Só neste instante começou a compreender por
que as recordações que Tronar Woolver guardava dos aconenses não eram das mais
amistosas.
— Vocês acreditam que seu povo poderá vir a dominar a Galáxia? — perguntou
cautelosamente.
No seu íntimo Kal-Rah sentia-se exultante. Acreditava estar no caminho certo. O
maahk mordera a isca lançada por Kal-Rah.
— Sempre dominamos esta Galáxia — disse em tom convicto. — Só nos afastamos
momentaneamente, para ver se nossos descendentes, os arcônidas, estavam em condições
de assumir a herança que tínhamos deixado. Mas estes entregaram o comando aos
bárbaros terranos. Agora chegou nossa vez. Reconquistaremos nossos velhos direitos. E
quem nos ajudar nessa reconquista será beneficiado.
Grek-1 perguntou-se se o aconense acreditava que ele era um débil mental, pois do
contrário não apresentaria uma proposta deste tipo. Nunca em toda sua carreira alguém
lhe fizera uma sugestão tão fácil de ser desmascarada. E a resposta não se fez esperar.
— Não existe nada que possa modificar nossos planos aconense. Temos uma
missão a cumprir.
Kal-Rah perguntou-se desesperado o que poderia fazer para abalar esta muralha de
lógica fria. Tinha de lutar pela vida, mas parecia que suas palavras eram muito fracas
para conseguir alguma coisa. Kal-Rah estava acostumado a ver suas palavras
impressionarem os outros. Acreditava que sabia convencer todo mundo.
O fato de só se defrontar com uma recusa misturada com indiferença fez com que
sua mente entrasse em curto-circuito.
Saltou para perto da mesa e investiu contra o maahk por cima da tampa de metal.
Grek-1 nem tentou desviar-se. Seus braços tentaculares enlaçaram o aconense. O
velho ódio de seu povo contra os arcônidas voltou a manifestar-se. Kal-Rah soltou um
grito estridente enquanto o maahk o atirava por cima da mesa. Ficou caído no chão.
Grek-1 acionou o sinal.
Dois maahks entraram correndo. Grek-1 fez um gesto ligeiro.
— Levem-no! — ordenou. — É mais inútil do que eu pensava.
Os dois astronautas seguraram Kal-Rah, que se debatia violentamente, e
carregaram-no sem fazer o menor esforço.
Grek-1 saiu do camarote. Pretendia ir à sala de comando. Dali em diante o
interrogatório dos aconenses poderia ficar por conta dos cientistas. Já sabia tudo que
acreditava ser importante.
Por estranho que pudesse parecer, depois do encontro com Kal-Rah passou a sentir
uma simpatia vaga pelos terranos. Acreditava que um inimigo dos aconenses não poderia
ser um inimigo natural dos maahks.
Grek-1 passou a caminhar mais devagar. Devia reprimir estes pensamentos. Os
senhores da galáxia tinham dado ordem para que conquistassem a Via Láctea.
Quando entrou na sala de comando, Grek-1 ainda estava pensando nos terranos.
Como se explicava que este povo tivesse conseguido pôr fora de ação todos os inimigos
num tempo relativamente curto? Grek-1 não acreditava em milagres. Os terranos deviam
ser combatentes incrivelmente fortes. Aos olhos de Grek isso não era nenhuma
desvantagem.
O fato de que tinham conseguido introduzir um especialista a bordo da nave maahk
concorreu para aumentar o respeito que sentia por esse povo jovem.
Teve a impressão de que seria ainda mais importante que antes enviar o duplo para
junto dos terranos. Precisava descobrir outros dados sobre o inimigo potencial dos
maahks, antes de usar a trilha de desvio de impulsos para introduzir outras naves na
Galáxia.
***
O duplo de Tronar Woolver ficou satisfeito porque os cientistas que se encontravam
a bordo estavam inteiramente ocupados com os prisioneiros aconenses. Isso fez com que
tivesse um descanso. Podia ficar em seu camarote sem que ninguém o perturbasse. Sabia
perfeitamente que a chegada dos aconenses faria com que dentro em breve entrasse em
ação.
Não se mostrou muito surpreso ao ver Grek-1 entrar em seu camarote algumas
horas após a chegada dos prisioneiros aconenses.
— Está na hora, Woolver — disse Grek-1, indo diretamente ao assunto. — Os
aconenses nos contaram tudo que ainda precisávamos saber. Não temos motivo para
esperar mais.
O duplo esforçou-se para disfarçar o nervosismo.
— Estou às ordens, comandante — disse.
— Os aconenses foram paralisados de novo e colocados a bordo de sua nave. Você
subirá a bordo do cruzador aconense e cumprirá sua tarefa.
O duplo levantou da cama na qual estivera sentado.
— Assim que nossa nave se tiver retirado mais profundamente para dentro da
concentração de sóis, você dará início ao seu trabalho — ordenou Grek-1. — Você não
pode cometer nenhum erro.
— Tenho plena consciência disso.
— Enquanto não registrar nenhum êxito, não terá oportunidade de voltar para junto
de nós — explicou o maahk. — Dependerá exclusivamente de você o que será feito de
sua vida.
“Vida!”, pensou o duplo, amargurado.
— Venha comigo! — ordenou Grek-1.
Saíram do camarote lado a lado, um ser cujo original fora o mutante Tronar
Woolver, e Grek-1, o mais poderoso dos maahks que se encontravam a bordo da
gigantesca espaçonave. Woolver admirou-se porque Grek-1 o acompanhou à eclusa. O
comandante permaneceu em silêncio até que se viram parados à frente da câmara da
eclusa.
— Muitas coisas você só fará porque alguma coisa no seu interior o obriga a isso —
disse, dirigindo-se à duplicata de Woolver.
O duplo olhou fixamente para ele.
O rosto de Grek continuou com a expressão indiferente de sempre.
— Sei muita coisa a seu respeito — observou. — Estou aprendendo a compreender
a mentalidade dos terranos. Você se sente como um terrano, como o membro da USO
chamado Tronar Woolver.
— Não sei — respondeu Woolver, esticando as palavras — Nem quero saber.
— Parece que para um terrano é terrível ser coagido — constatou Grek-1, fazendo
de conta que não ouvira as palavras proferidas pelo falso Woolver. — Apesar disso você
fará o possível para cumprir minhas ordens, pois sabe que qualquer erro que cometer fará
com que o dispositivo de segurança que o matará entre em ação.
— Por que falamos em coisas que pertencem ao futuro? — perguntou Woolver.
— O futuro é importante — disse o maahk. — E não é só isto. Pode ser sondado
com todos os acontecimentos que pertencem a ele. Uma inteligência que funciona
logicamente pode prever certas coisas com uma boa dose de segurança.
— Minha morte por exemplo — completou Tronar Woolver aborrecido.
Grek-1 fez um sinal para um robô que se encontrava nas proximidades. A parede
interior da eclusa abriu-se.
— Sei exatamente o que acontecerá com você — disse, dirigindo-se a Woolver. —
Apesar disso tenho um sentimento de insegurança. As reações dos terranos são
imprevisíveis. Por isso quero compreender sua mentalidade.
— Como se pode compreender um sentimento que não se é capaz de experimentar?
— perguntou o duplo.
— Odeio os aconenses e os arcônidas — disse Grek-1. — Provavelmente qualquer
terrano me odiaria. Qual e a diferença entre o ódio de um maahk e o de um terrano?
— Um terrano não sabe apenas odiar — respondeu Woolver e entrou na câmara
aberta.
Grek-1 seguiu-o com os olhos. Estes pareciam chamejar a luz que saía da eclusa.
— Talvez devesse ter gasto mais algum tempo estudando os sentimentos de seu
original — disse em tom Pensativo.
A eclusa fechou-se. Woolver preparou-se para fazer pequeno vôo pelo espaço
cósmico, pois pretendia ir à nave aconense. Uma vez lá, tiraria seu traje pressurizado e o
trocaria por um traje espacial aconense. Grek-1 lhe explicaria várias vezes cada passo que
teria que dar. Não poderia haver nenhum erro.
A parede exterior da eclusa deslizou para o lado. Woolver viu o espaço cósmico à
sua frente. No lugar em que se encontrava, quase exatamente no centro da Galáxia, o
quadro era fantástico. Mas não podia perder tempo com isso. Parecia que um lugar do
espaço não havia estrelas. Tinha-se a impressão de que um buraco escuro fora aberto no
Universo. Woolver sabia que se tratava da espaçonave aconense. Não perdeu tempo.
Empurrou-se e saiu voando em direção à Astagun. Ligou o sistema de retropropulsão e
dali a instantes foi parar na eclusa do cruzador. Olhou para trás. A nave dos maahks
escurecia quase totalmente o campo de visão.
Woolver fechou a eclusa e foi para dentro da nave. Estava a sós com oitocentos
aconenses inconscientes. Quando chegou à sala de comando, tirou o traje pressurizado.
Era a primeira vez em toda vida que respirava sem um conjunto gerador de oxigênio.
O comandante aconense Kal-Rah estava jogado no chão bem à sua frente. Woolver
não tinha possibilidade de despertar qualquer um dos aconenses. Nem perdeu tempo com
tentativas inúteis. Sabia que naquele momento a nave dos maahks estava acelerando para
mergulhar no centro da Galáxia.
O duplo de Tronar Woolver trouxera consigo várias coisas. Carregava um pequeno
transmissor, que lhe permitia entrar em contato com Grek-1 caso isso se tornasse
necessário. Além disso trazia consigo uma pequena bomba, cujo poder explosivo era
suficiente para destruir completamente o cruzador pesado.
Woolver dirigiu-se à sala de rádio e começou a familiarizar-se com a aparelhagem.
Teve de puxar o rádio-operador para o lado a fim de aproximar-se do hipertransmissor.
Quando terminou, o duplo captou com seu pequeno rádio o impulso transmitido por
Grek-1, que fora previamente combinado. A nave maahk já se retirara o suficiente para o
interior do centro galáctico.
O falso major sentou-se com o rosto sombrio à frente do hipertransmissor.
Dali a instantes começou a transmitir na onda hiper-curta. Usou o código da frota do
Império Solar.
5
Brawhrzwaran era um ancião trêmulo. O planeta do qual viera era tão pequeno que
Brawhrzwaran discutia com outros cinqüenta anciãos trêmulos quem devia assumir o
governo.
Brawhrzwaran conseguira, depois de uma série de lutas prolongadas, fazer-se
coroar rei. Naquele momento estava a caminho da Terra, para fazer negociações na
qualidade de representante do reino estelar Andraswar. Deixou apavorado o Tenente
Dunnegan, pois comportava-se como se fosse o representante de um povo poderoso.
Vivia aborrecendo a tripulação da nave Los Angeles e raramente saía da cozinha, onde se
empanturrava com as mais diversas guloseimas.
O Tenente Dunnegan perguntou-se, desesperado, qual era o crime que tinha
cometido, já que justamente ele fora escolhido para levar o velho arcônida a bordo de sua
nave. O veículo espacial que deveria levar Brawhrzwaran para a Terra não aparecera,
motivo por que a Los Angeles, destacada para servir de unidade de patrulhamento,
recolhera a bordo o rei de Andraswar.
Segundo as ordens que Dunnegan recebera do comando da frota, Brawhrzwaran só
seria levado à Terra depois de terminado o vôo de patrulhamento. Parecia que em
Terrânia ninguém se interessava muito pelo rei.
Quando foi chamado pela terceira vez no mesmo dia ao camarote de Brawhrzwaran,
o Tenente Dunnegan seguiu todo conformado. Sabia que o arcônida colonial não era uma
pessoa importante, mas sentia-se obrigado a tratá-lo como um grande hóspede.
A porta do camarote de Brawhrzwaran estava aberta. Dunnegan ouviu o velho
gemer. Apavorado, perguntou-se se algum dos tripulantes tinha perdido a paciência e
dado uma surra no velho. Quando entrou no camarote, Brawhrzwaran estava deitado na
cama, com o rosto desfigurado. Havia uma coberta colorida jogada de qualquer maneira
sobre seu corpo magro.
Dunnegan era um homem alto de ombros largos e olhos cinza-aço. Dava a
impressão de ser um homem enérgico, mas parecia que hesitava antes de entrar no
camarote.
O rei de Andraswar fitou-o prolongadamente.
— Por que não bateu à porta? — esbravejou.
Dunnegan estava acostumado a esse tipo de acesso.
Apesar disso estremeceu quando o velho atirou a coberta para longe e se ergueu
abruptamente na cama.
Dunnegan apontou com o polegar para trás de suas costas.
— A porta estava aberta — disse. — Além disso pensava que o senhor estivesse na
cozinha.
— Quero ser chamado de majestade! — ordenou o ancião. — Estive na cozinha e
comi uma salada de rabanete. Depois disso passei a sentir-me mal.
— Sinto muito, majestade — disse Dunnegan apressadamente, enquanto refletia se
alguém por acaso havia colocado um purgante na comida de Brawhrzwaran.
— Esta nave é uma câmara de tortura voadora — afirmou o rei estelar. — É a
primeira vez em toda vida que me acontece uma coisa dessas. Quanto tempo ainda durará
o vôo?
— Ainda temos uma missão importante a cumprir, majestade — respondeu
Dunnegan em tom paciente.
O velho arcônida levantou-se. Enrolou a coberta no corpo e saiu cambaleante em
direção ao tenente-coronel que nem uma múmia que tivesse despertado para a vida.
— Que tipo de oficial é o senhor? — chiou. — Não sei como Perry Rhodan pôde
atrever-se a mandar que eu ficasse sob seus cuidados.
“Provavelmente Rhodan nem sabe da existência deste anão venenoso, cujo reino é
habitado por outros cinqüenta anões venenosos”, pensou Dunnegan.
— A calefação deste camarote não funciona bem — queixou-se Brawhrzwaran e
parou bem à frente de Dunnegan. Seus olhos muito afundados nas órbitas chispavam. Era
um homem feio e exalava um cheiro penetrante. Dunnegan sabia que, desde que subira a
bordo da Los Angeles, sua majestade não se lavara.
— Na cozinha é mais quente — disse Dunnegan com uma ponta de ironia.
Sua Majestade o rei de Andraswar bateu com os pés, fazendo estalar os ossos.
— O que quer insinuar com isso? — gritou.
Dunnegan recuou um passo.
— Nada, majestade — apressou-se em dizer.
O velho viu no recuo de Dunnegan um sinal de que estava na hora de avançar. Quis
investir contra o tenente-coronel, mas pisou na coberta que estava arrastando no chão e
tropeçou.
Dunnegan segurou-o antes que caísse ao chão.
— Solte-me! — berrou Brawhrzwaran, indignado.
O cobertor caiu no chão, deixando à mostra o uniforme real, que brilhava de sujeira.
Dunnegam pegou o cobertor e atirou-o sobre a cama.
— Deseja mais alguma coisa, majestade?
— Quero ir à sala de comando — exigiu Brawhrzwaran.
“Meu Deus”, pensou Dunnegan, apavorado. Até então conseguira manter Sua
Majestade afastada da sala de comando. Certamente o arcônida também queria fazer suas
queixas por lá.
Antes que Dunnegan pudesse dar uma resposta, os alto-falantes do sistema de
intercomunicação estalaram e uma voz calma disse:
— Pede-se ao comandante que compareça imediatamente à sala de comando.
O pedido foi repetido duas vezes.
Dunnegan deixou o rei parado e saiu correndo.
— Não corra tanto, comandante! — gritou Brawhrzwaran e saiu correndo atrás
dele.
Dunnegan sabia que alguma coisa tinha acontecido. Normalmente não o chamariam
à sala de comando. Quando o tenente-coronel entrou na sala ampla, que ficava
exatamente no centro da Los Angeles, sentiu a tensão dos homens que se encontravam
por lá.
— Captamos impulsos de rádio de pequena intensidade, comandante — disse
Reagan, o imediato da Los Angeles.
Reagan era um homem corpulento com grandes olheiras. Isso lhe dava um aspecto
triste. Quando viu Brawhrzwaran entrar atrás de Dunnegan, esta impressão acentuou-se
ainda mais.
— Vêm de alguma nave? — perguntou Dunnegan.
— É difícil dizer, senhor — Reagan deu de ombros. — Trata-se de um pedido de
socorro. Ao que parece, os impulsos foram enviados por um certo Tronar Woolver,
especialista da USO.
Dunnegan estalou os dedos.
— É ele! — gritou, alarmado. — Recebi instruções do quartel-general para dirigir-
me a Kahalo assim que entrar em contato com o tal de Woolver.
Reagan estreitou os lábios.
— Quer dizer que no quartel-general estão à espera desta mensagem, senhor?
— Evidentemente! — respondeu Dunnegan. — Todas as naves de patrulhamento
que operam no centro da Via Láctea receberam as mesmas instruções. Já verificou de
onde veio o pedido de socorro, Reagan?
— Naturalmente, senhor. A posição do transmissor não se modifica. Por isso é bem
possível que os impulsos nem tenham sido transmitidos de uma nave. Dunnegan saiu
caminhando em direção à poltrona
— Vamos para Kahalo! — disse. — Até que enfim a Los Angeles tem oportunidade
de tornar-se famosa.
— O que é isso? — grasnou uma voz bem conhecida, vinda da entrada da sala. —
Não poderia haver melhor oportunidade que transportar o rei de Andraswar.
— Dê-lhe um rabanete, Reagan! — disse Dunnegan, contrariado. — Enfie-o em seu
pescoço magro até que não possa dizer mais nada.
Reagan bateu palmas de tão contente que ficou.
— Perfeitamente, senhor! — exclamou todo compenetrado.
O rei Brawhrzwaran soltou gritos estridentes, mas sua voz parecia cada vez mais
fraca enquanto saía correndo o mais depressa que suas perninhas conseguiam carregá-lo.
— Tomara que não estejamos provocando complicações galatopolíticas — disse
Dunnegan, enquanto a Los Angeles passava para o vôo linear.
Iria provocar exatamente este tipo de complicação, mas de uma forma bem diferente
do que imaginava.
***
Rakal Woolver fechou os olhos e mergulhou de cabeça na pequena piscina
construída no porão do edifício. Mergulhou alguns metros e voltou à tona, esguichando
água pela boca.
O Dr. Nardini estava sentado numa cadeira de vime junto à piscina e lia alguma
coisa.
Rakal foi nadando devagar na direção em que estava o médico. Mesmo de short o
Dr. Nardini tinha o aspecto de um gentleman. Quando Woolver chegou à beira da piscina
e puxou o corpo para fora da mesma, o médico levantou os olhos. Exibiu o sorriso
discreto que lhe era peculiar.
— O senhor nada muito bem — disse. — Se bem que para um homem do seu tipo
essa forma de locomoção deve ser bastante antiquada.
Woolver sorriu e sentou sobre uma toalha de banho. O ventre estreito e o peito de
tonel davam-lhe um aspecto estranho.
— O que está lendo, doutor?
Nardini fechou o livro.
— Para dizer a verdade, só andei pensando — confessou.
— Pensando em quê?
— No senhor; que mais poderia ser? Devo confessar que ando me ocupando muito
com o senhor. É um homem extraordinário.
— Não me orgulho disso nem um pouco — respondeu Rakal. Seu rosto assumiu
uma expressão séria. — Pelo contrário, gostaria de ser um homem comum.
— Se seu irmão estivesse aqui, o senhor provavelmente não pensaria assim —
afirmou Nardini.
Woolver não respondeu. Rolou para perto da piscina e deixou-se cair na mesma. A
água fechou-se em cima de seu corpo.
“Não faça os movimentos do nadador, e tudo chegará ao fim”, cochichou uma voz
interior ao ouvido do mutante.
Rakal tocou o fundo da piscina. Abriu os olhos e sentiu a pressão da água morna
sobre a retina. Remou com os pés e foi subindo.
— Ei! — exclamou Nardini quando veio à tona. — Já pensava que o senhor
quisesse romper o recorde de mergulho.
Woolver não teve tempo para responder.
O pequeno rádio que se encontrava sobre a toalha emitiu um zumbido agudo.
Nardini levantou-se de um salto e pegou o aparelho.
Woolver ouviu o médico dizer.
— Está aqui, sim senhor. Um instante, por favor.
Woolver saiu da água e foi para junto de Nardini.
Deixou um rastro molhado no chão. Woolver sentiu-se dominado por uma estranha
tensão.
— Major Woolver falando, senhor! — disse.
— Rhodan! — respondeu uma voz que parecia vir de bem longe. — Esperamos o
senhor a bordo da Crest.
Woolver ficou com o aparelho bem encostado à boca.
— Acon... aconteceu alguma coisa, senhor?
— Acho que conseguimos entrar em contato com o duplo de seu irmão. Tenho a
impressão de que os maahks tentam levá-lo para perto de nós.
O rosto de Woolver continuou impassível, mas Nardini viu que suas mãos se
crispavam.
— Muito bem, senhor. Já vou — disse Rakal.
— Transmitiremos um raio vetor — disse Rhodan. — O senhor pode saltar
diretamente para a Crest.
Woolver confirmou. Vestiu-se e enfiou o rádio no bolso. Nardini fitou-o em
silêncio.
— Chegou a hora — disse Rakal. — Já entraram em contato com o monstro.
Nardini sentiu a tensão tremenda que dominava o mutante.
— O senhor terá de cumprir sua missão — disse com a voz calma.
Woolver passou a mão sobre o cabelo curto.
— Obrigado por tudo, doutor — disse.
Nardini fez um gesto de indiferença.
— Sinto não poder acompanhá-lo, Mr. Woolver.
Rakal concentrou-se no raio de eco da onda de rádio hipercurta na qual Rhodan
irradiava regularmente seus impulsos. Nardini viu o mutante dissolver-se diante de seus
olhos e desaparecer.
Rakal Woolver acabara de orientar-se. Saltou, guiado pela energia da transmissão
de rádio, e foi parar diretamente a bordo da Crest II.
***
Woolver materializou bem à frente do rádio da Crest II. Passou pelo rádio-operador,
que estava muito espantado, e dirigiu-se à sala de comando, onde Perry Rhodan, Atlan e
Allan D. Mercant já estavam à sua espera. Os homens cumprimentaram amavelmente o
mutante. Não deram o menor sinal de terem percebido imediatamente que Woolver
estava nervoso.
— Já está a bordo? — perguntou.
Todo mundo parecia saber a quem ele se referia. Atlan respondeu que não.
— Ele se encontra na área do centro galáctico. Vem transmitindo pedidos de
socorro. Um dos nossos cruzadores de patrulhamento, a nave Los Angeles, captou estes
impulsos.
— O que vamos fazer, senhor?
— Já reuni uma frota — respondeu Rhodan no lugar de Atlan. — Decolaremos
assim que o rei de Andraswar estiver a bordo.
— Que rei é este? — perguntou Woolver, estupefato.
Rhodan sorriu.
— Bem que eu gostaria de saber. Parece que o tenente-coronel sente-se muito feliz
por ficar livre do representante deste reino estelar.
— Nunca ouvi falar num reino chamado de Andraswar — observou Allan D.
Mercant. — A julgar pelas palavras de Dunnegan, este Brawr... que nome horrível... o tal
do Brawhrzwaran só pode ser um arcônida atacado de demência senil, que quer ocupar
uma posição saliente.
Rhodan foi avisado de que a nave auxiliar enviada pela Los Angeles acabara de
pousar no hangar da Crest. Deu ordem imediatamente para que a frota de vinte naves
partisse. Todos os comandantes conheciam o destino.
Sua Majestade, o rei de Andraswar, entrou na sala de comando no momento em que
a Crest II estava passando para o vôo linear. Brawhrzwaran estava em companhia de um
dos oficiais do hangar. Assim que viu Rhodan, saiu caminhando na direção do mesmo.
Lançou um olhar demorado para os homens que se encontravam presentes.
— Estou decepcionado com o cerimonial de boas-vindas — disse em tom de
recriminação. — Poderia esperar ao menos uma recepção de chefe de estado.
Naquele momento não havia ninguém que não olhasse com uma expressão de
perplexidade para aquele homenzinho magro metido num uniforme imundo.
— Lamento que face às circunstâncias não possamos tributar-lhe as honras que lhe
são devidas, majestade — disse Rhodan.
Os olhos do rei iluminaram-se.
— Sinto-me feliz por estar à frente de um homem mais culto que esse moleque do
Dunnegan — disse. — Não quero perturbá-lo no cumprimento do dever.
Rhodan fez uma mesura.
— Mandarei instalar um camarote para Vossa Majestade.
O rei de Andraswar fez um gesto condescendente. Saiu, sorrindo de tão feliz que se
sentia. Atlan assobiou baixinho.
— Onde Dunnegan foi arranjar esse tipo?
— Lembro-me de um documento escrito assinado por um tal de Brawhrzwaran —
disse Mercant em voz baixa. — Acreditava que se tratasse de uma brincadeira de mau
gosto, pois ele se identificava como único herdeiro do sistema de Árcon e reivindicava os
direitos advindos dessa condição. Ele deve ter vindo para reforçar seu pedido.
— Alguém lhe deveria dizer que está metido num uniforme de lacaio — disse
Atlan, que teve de fazer um grande esforço para não soltar uma gargalhada.
***
Há vários anos as naves terranas exploravam o centro da Galáxia, mas assim mesmo
havia por lá mais mistérios sem solução que nos outros setores reunidos. Os astronautas
haviam criado uma mitologia em torno dessa parte do Universo. Contavam-se inúmeras
histórias e lendas, cuja veracidade nunca pôde ser provada.
Milhares de naves-patrulha terranas circulavam entre as aglomerações de sóis do
centro galáctico, mas algumas décadas ainda se passariam antes que os sóis mais
importantes tivessem sido catalogados.
Apesar das viagens de exploração, o centro da Via Láctea ainda não tinha perdido o
encanto misterioso que o cercava. Exercia uma atração mágica sobre qualquer astronauta.
As regiões periféricas da Galáxia com seus corredores laterais entrelaçados pareciam
menos interessantes aos terranos que o centro da Galáxia que habitavam.
Até mesmo Perry Rhodan, que já atravessara inúmeras vezes a área a bordo de uma
espaçonave, nunca deixava de sentir essa atração.
Mas desta vez não teve muito tempo para dedicar-se a qualquer tipo de observação.
Os receptores potentes da Crest II registraram o pedido de socorro constantemente
repetido de um ser que atendia pelo nome de Tronar Woolver. Às vezes os impulsos
recebidos estavam mutilados. As mensagens de Tronar Woolver eram cada vez mais
angustiantes. Comunicou aos seres que se aproximavam para salvá-lo de que corria um
perigo enorme.
Como os maahks deviam estar interessados em introduzir o duplo da forma mais
discreta possível entre os terranos, Rhodan não acreditava que seu grupo de naves
estivessem entrando numa armadilha. Mas estava curioso para saber de que forma Tronar
Woolver pretendia explicar seu regresso.
Atlan parecia pensar mais ou menos a mesma coisa, pois disse ao amigo de muitos
anos:
— Acho que os maahks devem ter inventado uma coisa toda especial para dar a
impressão de que o duplo é o verdadeiro Tronar. Daqui a pouco apresentarão um
espetáculo terrível diante dos nossos olhos, que dê a impressão de ser verdadeiro em
todas as fases.
— Talvez tenham largado o duplo num meteoro de grandes dimensões —
conjeturou Mercant. — Ou então colocaram-no a bordo de uma pequena espaçonave. Os
maahks sabem que têm de inventar uma história genial para terem uma chance.
— Talvez tentem um caminho mais simples — observou Atlan. — Quanto menos
complicada for a encenação do regresso de Woolver, mais plausível se tornará a história.
— Descobrirei imediatamente se a pessoa que vamos salvar é meu irmão — disse
Rakal Woolver entre os dentes.
Rhodan fitou o mutante de lado.
— O senhor não deverá aparecer — disse. — Não poderá entrar em contato com o
mutante enquanto o mesmo estiver em condições de refletir sobre a semelhança exterior
que existe entre ele e o senhor.
— Talvez pensasse que se trata de outro duplo — observou o Coronel Cart Rudo,
comandante da nave-capitânia.
A frota terrana continuava a aproximar-se do lugar de onde vinham os pedidos de
socorro. Rhodan permanecia constantemente nas proximidades das telas dos rastreadores
espaciais, pois queria ser informado assim que fosse detectada a origem das mensagens
de rádio.
Depois de um vôo não muito prolongado, os rastreadores de matéria do
supercouraçado forneceram uma indicação.
— Uma nave isolada, senhor! — exclamou o Coronel Rudo imediatamente. — Os
impulsos vêm de lá. Quanto a isso não existe nenhuma dúvida.
— Tente colocar a nave nas telas de televisão — ordenou Rhodan.
Os homens olharam atentamente para os instrumentos. As unidades terranas corriam
em alta velocidade para o ponto de destino. Parecia que a suposição de Rhodan, segundo
a qual não havia nenhuma armadilha, se confirmara. Havia uma única nave nesse setor do
espaço.
Dali a pouco os contornos de uma espaçonave apareceram na tela, como que
traçados pela mão de um fantasma.
Rhodan olhou com uma expressão de incredulidade para a silhueta bem conhecida
que apareceu diante dos seus olhos. Tratava-se de uma nave esférica com os pólos
achatados.
— Um cruzador aconense! — exclamou Atlan. — Como se explica isso?
— Bem que eu gostaria de saber — respondeu Rhodan. — Parece que nossos
amigos maahks prepararam um plano fantástico.
— Como é que o duplo foi parar a bordo de uma nave aconense? — perguntou
Mercant, perplexo. — Tomara que os maahks não tenham entrado em acordo com os
aconenses.
Rhodan cerrou fortemente os lábios.
— É o que eu receio — disse com um aceno de cabeça. — Os aconenses bem que
seriam capazes de trair a Galáxia, entregando-a a invasores vindos de fora, somente para
terem um lucro.
Atlan colocou a mão sobre o braço de Rhodan.
— Não acredito que os maahks e os aconenses se tenham aliado — disse. — Assim
que se encontrassem com os aconenses, os metanitas descobririam que se trata de um
povo bastante aparentado com os arcônidas. Isso provocaria um ódio nos maahks, que
tornaria difícil qualquer tipo de colaboração. Sinto-me inclinado antes a acreditar que os
maahks se tenham apoderado do cruzador por meios violentos.
— Quer dizer que o abordaram? — perguntou Rhodan.
— Isso mesmo — confirmou Atlan. — Quanto a isso não tenho a menor dúvida. Os
maahks sabem como executar um plano deste tipo. Querem evitar que alguém possa ser
levado a acreditar que os maahks tenham algo a ver com isso.
Rhodan franziu as sobrancelhas. Parecia não acreditar muito no que o amigo
acabara de dizer.
— Vamos aguardar — disse.
As naves aproximaram-se do cruzador aconense, que permanecia imóvel no espaço.
Os pedidos de socorro do duplo continuavam a ser captados pelos receptores da Crest II.
Se os maahks realmente tivessem inventado um espetáculo, o mesmo teria início
nesse instante.
6
Havia oitocentos aconenses a bordo. Mas o ser que no momento atendia ao nome de
Tronar Woolver estava só. O silêncio reinava no interior da nave. Era um silêncio tão
profundo que Woolver ouvia o ruído de seus passos através do capacete do traje espacial
aconense que estava usando.
A duplicata de Tronar Woolver estava sentada com as pernas dobradas ao lado do
comandante da Astagun e não tirava os olhos do mesmo. Parecia não haver vida nos
olhos do aconense.
Parecia um peixe enorme que Tronar Woolver tivesse pescado de Imart. O duplo
lembrou-se de como seu original tirara o peixe do anzol. De repente lembrou-se de que
havia mais alguém no regato, bem ao lado dele.
“Quem?” — perguntou-se o duplo.
Por que essa pessoa não passava de uma sombra em sua memória?
Inclinou-se para a frente e deu um empurrão no aconense.
— Acorde! — gritou.
Kal-Rah nem sequer mexeu as pálpebras. Estava inconsciente. O organismo
funcionava em ritmo bastante reduzido, mas a consciência de Kal-Rah se apagara.
Ainda bem.
Kal-Rah iria morrer...
“Quem era mesmo o homem que estivera a seu lado no regato?” — perguntou-se
Tronar Woolver, desesperado. Sentiu que sua vida dependia da resposta que seria dada a
esta pergunta. Tronar lembrava-se perfeitamente de todas as pessoas com as quais se
havia encontrado. Por exemplo, do velho colono que tinha construído sua cabana fora da
cidade e vivia afirmando que acabaria encontrando ouro, desde que levasse bastante
tempo cavando o chão. Ainda havia Parny, o decano da cidade, um homem robusto com
olhos de falcão e uma voz que era ouvida de longe. E havia a sombra.
— Saia daí! Apareça, sombra — cochichou o duplo. — Está com medo das
recordações?
A duplicata de Woolver lembrou-se de ter pegado o peixe no chão e colocado o
mesmo na bolsa refrigerada. Depois fora à cidade. A sombra o acompanhara. — Talvez
seja apenas minha imaginação — cochichou o duplo.
Segurou Kal-Rah, que continuava imobilizado, pelos ombros e levantou-o um
pedaço.
— Acorde! — gritou.
Soltou-o. Kal-Rah caiu ao chão.
“Não adianta!”, pensou o duplo.
Ele e a sombra prepararam o peixe. Numa fogueira acesa no quintal da casa que
ficava na periferia da cidade. O duplo teve a impressão de ainda sentir o paladar forte do
peixe. Lembrou-se de como removera a cabeça e as entranhas. A carne comestível fora
repartida. Com uma sombra.
O duplo bateu com os punhos cerrados na cabeça. Quem estivera em sua companhia
em Imart? Um fantasma?
— Não existem fantasmas — disse o duplo de si para si. — Exceto aqueles que são
produzidos pelos multiduplicadores dos maahks.
Quem sabe se não estivera sozinho? Era possível que a memória o traísse.
Todavia, o duplo via nitidamente a imagem em sua memória, ele se levantara e
apagara o fogo juntamente com a sombra.
Tronar Woolver sentiu um calafrio. Podia dar-se por satisfeito porque a sombra não
aparecera mais cedo em sua mente. Grek-1 o teria caçado implacavelmente. O maahk não
teria poupado o ser duplicado por um instante que fosse.
Tronar Woolver levantou-se e lançou mais um olhar para o aconense.
— Eu o invejo — disse.
Os olhos de Kal-Rah pareciam querer perfurar o teto da sala de comando, fixando-
se no nada.
O falso agente da USO soltou a bomba que trazia no cinto do uniforme e balançou-a
cuidadosamente na mão. Os aconenses lhe eram indiferentes, mas sua morte lhe parecia
tão sem sentido quanto sua vida.
Dirigiu-se ao centro da sala de comando. Teve a impressão que a sombra gravada
em sua memória o acompanhava. Parou e olhou para trás. Sentou ao lado da mesa dos
mapas. De repente um zumbido quase imperceptível saiu do cinto de seu uniforme.
O duplo desafivelou o cinto, comprimiu os dois rebites centrais e tirou um
minúsculo transmissor.
— Pois não — disse, baixando instintivamente a voz a ponto de falar aos cochichos.
Grek-1 dirigiu-se a ele, usando uma onda de hiper-rádio especialmente protegida.
— Um grupo de naves terranas se aproxima. Prepare a saída.
— Está bem — respondeu Woolver.
— Woolver... — Grek esticou a palavra.
— Sim?
— Não se esqueça dos ferimentos.
— Está bem — voltou a dizer Woolver.
A ligação foi interrompida. Tronar voltou a guardar o transmissor com todo o
cuidado no interior do cinto em que estivera escondido.
Tronar Woolver colocou a bomba sobre a mapoteca. Tivera de treinar repetidas
vezes a bordo da nave maahk todos os movimentos que fazia dali em diante.
Grek-1 não queria assumir risco.
— Retirar a tampa — disse Woolver em voz baixa e desprendeu a parte superior da
bomba.
Enquanto separadas, as partes da bomba que se encontravam sobre a mapoteca não
representavam nenhum perigo. Mas uma vez reunidas e acionado o mecanismo
detonador, as mesmas transformariam a Astagun numa nuvem atômica.
— Ligar o detonador — disse Woolver com a voz monótona.
Um único impulso de pequena intensidade irradiado com o transmissor especial
seria suficiente para provocar a explosão.
— Voltar a prender a tampa — disse Woolver.
Deixou a bomba sobre a mapoteca.
“Que coisa estranha”, pensou. “Mal consigo conceber que daqui a pouco tudo isto
deixará de existir.”
Foi caminhando em direção à saída da sala de comando. Nesse instante a sombra
voltou a aparecer em sua mente. Tronar estremeceu. Ficou parado por um instante, com
os ombros caídos. Parecia cansado e desolado. Naquele momento, em que recordava a
sombra, o silêncio reinante no interior da nave parecia ser ainda mais insuportável.
Voltou a olhar para a mapoteca. A bomba continuava no mesmo lugar. Não dava a
impressão de ser perigosa.
— Sombra, caso você tenha algum poder, evite a explosão — cochichou o duplo.
Saiu apressadamente da sala de comando. Entrou num corredor e viu três aconenses
paralisados deitados no chão. Woolver passou por cima deles e seguiu em direção ao
hangar. Fazia votos de que os terranos não resolvessem voltar, pois ligara o pedido de
socorro automático. Mas certamente já tinham localizado a Astagun e suas naves haviam
entrado numa formação esférica.
Woolver teve a impressão de que o caminho para hangar não tinha fim. Preferiu
pisar de leve com as solas duras de seu traje espacial, porque cada passo que ouvia lhe
dava a impressão de que a sombra tinha materializado.
O menor dos barcos espaciais estava preparado para a fuga no interior do hangar.
Mas antes de partir teria de fazer mais uma coisa.
A parte mais horrível de sua tarefa ainda estava por fazer. Ficara em dúvida por
muito tempo sobre se realmente seria capaz de cumprir a ordem desumana que lhe fora
dada.
O ser que por fora era igual a Tronar Woolver atravessou a eclusa e enfiou-se no
barco auxiliar. Ligou a única tela de imagem de que dispunha o veículo. A mesma lhe
mostraria quando chegasse o momento de abandonar a nave.
— Agora, sombra — disse Woolver — chegou o momento em que preciso de
auxílio.
Mas não havia ninguém que pudesse ajudar a criatura solitária. O duplo sabia disso.
O dispositivo de segurança embutido em seu corpo obrigava-o a cumprir as ordens do
comandante maahk.
Tronar Woolver sacou repentinamente a arma térmica.
Comprimiu um botão e a eclusa fechou-se. Woolver esperou que a pressão normal
fosse estabelecida no interior da pequena embarcação espacial. Seus pés tremiam. Teve a
impressão de que teria de vomitar.
Levantou a arma e disparou. Três vezes em seguida. Gemia fortemente, enquanto
rolava no chão, à frente dos controles do barco auxiliar.
Tronar Woolver, duplicata de um especialista da USO, acabara de cumprir a ordem
que lhe fora dada por Grek, causando ferimentos graves em si mesmo.
Mas ao que parecia o efeito dos raios escaldantes não consistira somente em
provocar fortes dores em seu corpo. Tiveram outra conseqüência.
A sombra desapareceu da memória do duplo.
O falso Woolver levou alguns minutos para superar a dor. Não se atrevia a olhar o
próprio corpo.
Arrastou-se para perto da tela de imagem. Conseguiu passar a mão pelo visor do
capacete, que estava coberto de fuligem. Fazia votos de que as naves terranas
aparecessem quanto antes, pois receava desmaiar dentro de pouco tempo.
A eclusa do hangar só se abrira. A única coisa que tinha que fazer era empurrar a
alavanca de partida do barco espacial, que o catapultaria para fora da nave. Tinha certeza
de que os terranos cuidariam do resto.
Woolver apoiou as costas no revestimento dos controles. Teve de fazer um grande
esforço para resistir à tentação de fazer decolar imediatamente o barco espacial.
Se não esperasse até que as naves terranas aparecessem na tela, seu plano estaria em
perigo. Foi difícil concentrar-se na observação. A superfície clara da tela de imagem
parecia balançar à frente de seus olhos.
Bem que gostaria de ter consigo algum analgésico. O terceiro tiro disparado contra
o próprio corpo excedera as medidas. Era possível que morresse antes de ser encontrado
pelos terranos.
Girou para o lado. Cerrou os dentes e conseguiu arrastar-se para dentro da poltrona
do piloto. Se morresse, não gostaria que o encontrassem jogado ao chão. O esforço
deixou-o tão exausto que chegou a perder os sentidos por alguns segundos. Quando
voltou a si, assustou-se.
Estreitou os olhos para enxergar melhor as imagens projetadas na tela. De repente
uma porção de pontos trêmulos apareceu na superfície luminosa. Woolver emitiu um som
rouco.
Eram eles.
Soltou um grito de dor quando levantou o braço e tentou pôr a mão na alavanca do
acelerador. Sua vista escureceu. Ficou deitado por algum tempo como se tivesse perdido
os sentidos. Não soube como, mas conseguiu agarrar a alavanca do acelerador. Houve um
rangido quando ele a soltou da posição de repouso e a empurrou para baixo.
Os neutralizadores de pressão compensaram os efeitos da aceleração extremamente
elevada, fazendo com que Woolver não sentisse nada quando a pequena nave se
precipitou pela eclusa da Astagun. Soltou a alavanca e afrouxou na poltrona. Permaneceu
nessa posição por alguns instantes, enquanto o barco espacial corria desarvorado.
Finalmente abriu a fivela do cinto com os dedos trêmulos e transmitiu um ligeiro
impulso. A bomba colocada na sala de comando do cruzador aconense detonou quase no
mesmo instante.
No lugar em que momentos antes estivera a Astagun havia uma nuvem brilhante de
poeira atômica em expansão. O duplo acompanhou o fim do cruzador na tela. fechou
cuidadosamente o cinto. A única coisa que poderia fazer dali em diante era esperar.
Até então executara em todos os detalhes a tarefa que lhe fora confiada, exatamente
segundo os planos de Grek.
Woolver não teve forças para continuar a contemplar tela. Desmaiou, tombou para
fora da poltrona e ficou caído no chão.
***
Quando a nave aconense explodiu, o barco auxiliar já fora localizado a bordo da
Crest II.
Os homens que se encontravam na sala de comando olharam estarrecidos para as
telas dos rastreadores. A nuvem atômica que se formara no local da explosão já
começava a perder-se no espaço.
— Não compreendo mais nada — disse Allan D. Mercant. — Quem destruiu esta
nave?
— A resposta certamente será dada pelo passageiro da pequena nave que saiu da
nave principal antes que esta explodisse — conjeturou Atlan. — Quase chego a apostar
que o falso Woolver se encontra a bordo desta nave.
— Se é assim, estou muito curioso para saber o que ele nos vai contar — disse
Rhodan.
Os técnicos que estavam de serviço no hangar principal receberam ordem de usar os
raios de tração para trazer a nave auxiliar para dentro da eclusa. Tinha-se a impressão de
que o pequeno veículo espacial viajava sem piloto.
Via-se perfeitamente na tela como o objeto voador desconhecido se aproximava
cada vez mais da Crest II. Seus propulsores não tinham força para resistir ao raio de
tração. Na opinião de Rhodan, os ocupantes da nave minúscula nem queriam evitar que a
mesma fosse recolhida a bordo da Crest II.
Rhodan continuou a dar suas ordens. Finalmente retirou-se em companhia de Rakal
Woolver.
— Nunca se esqueça de que não deve ser visto pelo duplo — disse, dirigindo-se ao
especialista da USO. — Mas é muito importante que o senhor o veja. Mas mantenha-se
afastado dele.
— O senhor acredita mesmo que a pessoa que vai subir a bordo é o duplo? —
perguntou Woolver.
— É o que tudo indica — respondeu Rhodan. Entraram lado a lado no elevador
antigravitacional e desceram alguns conveses. Foram parar no hangar em que estava
sendo aguardado o barco espacial.
— O senhor acha que foi o duplo que destruiu a nave aconense? — perguntou
Woolver, muito tenso.
— Logo saberemos — disse Rhodan, que não queria deixar o mutante ainda mais
confuso.
Achava que quase chegava a ser desumano obrigar Rakal Woolver a ver o duplo
sair do barco auxiliar. Mas do ponto de vista psicológico era preferível que o irmão de
Tronar Woolver logo se defrontasse com a realidade. Não adiantava mantê-lo afastado da
criatura que era exatamente igual ao verdadeiro Tronar Woolver. Rakal teria de
acostumar-se ao aspecto do duplo. Afinal, deveria assumir o papel do agente maahk.
Rhodan e Woolver entraram na sala de controle do encarregado do hangar, que
estava hermeticamente fechada para o lado do mesmo. Dali poderiam acompanhar a
chegada da nave sem colocar traje espacial. A eclusa já se abrira.
Atordoado, Rakal Woolver contemplou o grande hangar. Viu um grupo de robôs de
combate que estavam de prontidão. Os técnicos que usavam trajes espaciais brilhantes
também estavam armados.
O mutante quase não conseguia acreditar que dentro de instantes se veria à frente da
duplicata de seu irmão. Bem que gostaria de ter um meio de impedir a chegada do barco
espacial. Tentou encontrar o olhar de Rhodan, mas o Administrador-Geral olhava
constantemente para a eclusa aberta.
Rakal era bastante inteligente para compreender por que Rhodan o havia trazido
para este lugar. Woolver mordeu o lábio. O rosto magro de Rhodan não mostrava
qualquer emoção.
Woolver lamentava que Nardini não se encontrasse a bordo da Crest. A simples
presença do médico o deixaria mais tranqüilo.
De repente viu o barco espacial atravessar a eclusa e entrar no hangar. Pousou
suavemente no chão do mesmo. Imediatamente foi cercado pelos robôs. Rakal segurou-se
ao corrimão junto ao qual estava parado.
Esperava que o casco da pequena nave se quebrasse repentinamente que nem uma
casca de ovo, pondo à mostra o homem que era exatamente igual ao seu irmão gêmeo
Tronar. Mas não aconteceu nada.
Os técnicos aproximaram-se cautelosamente da nave desconhecida. A eclusa foi
fechada de novo.
Rhodan ligou o sistema de comunicação da plataforma de observação, que lhe
permitia entrar em contato com os técnicos que trabalhavam no hangar.
— Entrem nessa nave à força, caso não abra a eclusa dentro de três minutos —
ordenou.
Os homens ficaram à espera. Finalmente, quando Rakal já acreditava que muito
mais de três minutos se tivessem passado, a eclusa abriu-se, deixando passar a luz do
interior da nave. Rakal Woolver olhou para outro lado.
Ouviu Rhodan dizer com a maior calma:
— Olhe para lá, major! É importante que procure controlar-se desde o início.
Woolver fez um grande esforço e contemplou o retângulo formado pela eclusa.
Mais algum tempo passou sem que acontecesse nada.
De repente apareceu um corpo que rastejava lentamente pelo chão. Woolver
esqueceu-se de respirar. O desconhecido usava um traje espacial que estava quase
completamente queimado.
— Parece tudo muito verdadeiro! — constatou Rhodan em tom indiferente.
Woolver viu os técnicos correrem na direção do desconhecido e o levantarem.
Desprenderam rapidamente o capacete do resto do traje espacial. Woolver viu o rosto do
recém-chegado.
— É ele!— disse com a voz embargada.
Saiu cambaleante da plataforma de observação. Rhodan não foi atrás dele. Rakal
sentia-se grato porque o Administrador-Geral o deixava só. Foi até o corredor e
enconstou-se numa parede.
O ser que acabara de sair do barco espacial tinha o rosto de Tronar. Um rosto que
também era seu. No entanto, Rakal compreendera imediatamente que não era seu irmão.
A ligação psíquica que sempre existira entre eles não chegara a estabelecer-se. Não
conseguira entrar em contato com o duplo.
Rakal Woolver sofrera um terrível choque. Mal percebeu que Rhodan estava saindo
e o levava ao camarote.
— O senhor logo se recuperará disso, major — disse Rhodan quando Rakal já
estava deitado em sua cama, olhando fixamente para o teto. — Mandarei um médico.
Preciso cuidar do duplo.
Rakal ouviu a porta fechar-se atrás de Rhodan.
“Eu o mato”, pensou. “Eu mato esse duplo.”
Reconheceu que era uma pretensão absurda. A morte do duplo nunca o faria
esquecer o que vira quando os técnicos separaram o capacete do traje espacial queimado,
deixando à vista o rosto de Tronar.
Os verdadeiros culpados eram os maahks. A vinda do duplo parecia representar um
desafio para Rakal Woolver. Um desafio ao qual o mutante não poderia fugir.
Um belo dia estaria a bordo de uma nave maahk.
***
Antes de chegar à sala de comando, Rhodan encontrou-se com o rei de Andraswar.
Brawhrzwaran estava em companhia de um membro da tripulação da Crest, que não
parecia nada feliz. Rhodan destacara um homem para vigiar o arcônida. O ancião parecia
totalmente confuso, mas Rhodan não queria que andasse por todos os cantos da nave,
vendo o que havia na mesma.
— Queira desculpar, senhor — disse o guarda de Brawhrzwaran. — Não consegui
convencer Sua Majestade a permanecer em seu camarote.
Brawhrzwaran lançou um olhar fulminante para o homem.
— Notei que uma coisa extraordinária está acontecendo nesta nave — disse,
dirigindo-se a Rhodan. — Quero ter oportunidade para acompanhar os acontecimentos.
— Cabo, faça com que nas próximas horas o rei não saia de seu camarote — disse
Rhodan, sem dar resposta ao pedido do velho.
Brawhrzwaran deu alguns passos para trás e abriu as mãos.
— O senhor só pode estar brincando! — gritou. — Não sabe com quem está
falando?
— Vamos logo, cabo! — ordenou Rhodan.
O cabo segurou levemente o soberano de Andraswar, que protestava violentamente,
e empurrou-o à sua frente, em direção ao elevador antigravitacional.
Brawhrzwaran contemplou Rhodan e o cabo com pesados palavrões. Entrou no
poço do elevador numa posição nada digna de um rei. Rhodan franziu a testa e seguiu-o
com os olhos. Aquele arcônida só podia estar louco, ou então estava desempenhando um
papel muito bem ensaiado. O interesse que acabara de demonstrar pelo que se passava a
bordo da Crest II era bastante suspeito.
Assim que resolvesse o assunto ligado ao duplo, Rhodan cuidaria do rei.
O Administrador-Geral voltou à sala de comando. Atlan veio ao seu encontro e
disse:
— O duplo foi levado à clínica de bordo. Sofreu ferimentos perigosos causados por
uma arma térmica.
— Você acredita que tenha havido luta a bordo do cruzador aconense? — perguntou
Rhodan.
Um sorriso malicioso apareceu no rosto de Atlan.
— Não houve luta coisa alguma, Perry. Foi o duplo que se feriu. Fez isso por ordem
dos maahks.
— Você parece ter muita certeza — disse Rhodan com uma leve ironia.
— Infelizmente ainda não posso interrogá-lo. Antes disso terá de receber tratamento
médico.
— Mandarei John Marshall e Gucky para a clínica. Os dois mutantes tentarão
sondar os pensamentos do duplo sem que ele desconfie.
— Tomara que não possua uma barreira mental — disse Atlan.
— Logo saberemos — disse Rhodan e mudou de assunto. — Encontrei-me com
Brawhrzwaran. Ele se dirigia para cá. O rei pretendia colher informações. O que acha
disso?
— Está sendo vigiado?
— Está. O cabo Lowan está com ele. Mas parece que ele ficou um tanto
embaraçado. Tenho certeza de que não estará em condições de descobrir qualquer coisa
sobre o rei. Mandarei que seja substituído por um especialista.
Mercant aproximou-se.
— É possível que o duplo morra — disse. — Neste caso as coisas se tornarão
difíceis para nós. Rakal Woolver certamente não poderá assumir o papel da duplicata.
Rhodan fez um gesto decidido. Dirigiu-se ao intercomunicador e deu ordem para
que o telepata John Marshall comparecesse à sala de comando. A mesma ordem foi dada
a Gucky.
O rato-castor foi o primeiro a aparecer. Materializou no colo do Coronel Rudo.
— Toda vez que quero cochilar um pouco alguém me perturba — disse,
contrariado.
Rhodan olhou para o relógio.
— Você cochila que nem um urso no inverno — disse. — Está na hora de você
entrar novamente em atividade. Já está engordando nos quadris.
Apavorado, Gucky passou as patas pelos quadris.
— Acho que deveríamos aplicar-lhe um regime — disse Mercant, pensativo.
Gucky abaixou a cabeça para contemplar seu corpo.
— Vocês acham que realmente estou ruim assim? — perguntou, deprimido.
— Você está engordando mais que Geco — disse Atlan. — Não tem feito exercício.
Não quer dar um passo. Fica teleportando até mesmo quando a distância a ser percorrida
é muito pequena. Além de engordar, você vai sofrer do fígado e do coração.
— Não — objetou Gucky. — Prometo que daqui em diante vou começar uma vida
nova.
John Marshall, que acabara de entrar, ouviu as últimas palavras do rato-castor.
— Começar vida nova? — perguntou, estupefato.
— Que diabo pretende fazer, baixinho?
— Você sabe que estou muito doente, John? — perguntou Gucky com a voz
chorosa. — Estou com um pé na cova.
Marshall olhou com uma expressão de perplexidade para as pessoas que estavam
reunidas.
— O que aconteceu? — perguntou, preocupado. — Também tenho notado que
Gucky está ficando meio fleumático.
— Não, não, John! — choramingou Gucky.
— Um bom regime alimentar resolverá tudo — consolou Rhodan. — Naturalmente
é muito importante que comece logo com a ginástica, para perder os quilinhos
excedentes.
Gucky ensaiou um agachamento. Por pouco não caiu.
— Quem organizará meu regime? — perguntou.
— O Major Bernhard — disse Atlan.
Desta vez Gucky assustou-se de verdade.
— Vocês não podem fazer isso comigo — lamentou-se. — Não tenho nada contra
um regimezinho, mas ele não pode degenerar num tratamento de fome. Com Bernhard
terei de lutar por cada cenoura que quiser comer.
— A luta molda o homem — recitou Marshall em tom dramático. — Por que nos
chamou, senhor?
— O duplo Tronar Woolver foi internado na clínica de bordo — informou Rhodan.
— Leve Gucky e procurem descobrir o que está pensando. É muito importante
descobrirmos que ordens recebeu.
— Faremos o possível, senhor — prometeu Marshall. Segurou a pata de Gucky e
esperou que o rato-castor teleportasse com ele para a clínica de bordo. Mas Gucky
sacudiu resolutamente a cabeça.
— Vamos a pé, John — disse.
— A pé? — resmungou Marshall. — A clínica fica no convés inferior.
Gucky respirou profundamente.
— Acabo de iniciar um tratamento de emagrecimento — anunciou.
***
O despertar do duplo foi acompanhado de uma sensação agradável. Não sentia
nenhuma dor. Ficou deitado algum tempo, com os olhos fechados, sem pensar em nada.
Ficou entregue a uma sensação de liberdade. Em algum canto da mente deu-se conta de
que isso só podia ser efeito de algum medicamento, pois sofrera perigosos ferimentos.
O cheiro de queimado que o cercara ao sair do barco espacial se tinha desvanecido.
O falso Tronar Woolver sentiu-se cercado da limpeza peculiar dos objetos esterilizados.
Estava deitado de costas num leito muito macio. Estava quase totalmente envolto
em alguma coisa. Deviam ser ataduras.
“Consegui”, pensou.
Pela primeira vez experimentou um sentimento de satisfação por ter cumprido a
primeira parte de sua missão. Ele, o duplo, provara que era um homem de verdade. Grek-
1 não pudera ajudá-lo no momento decisivo; dependera exclusivamente da própria
capacidade.
“Tudo bem, duplo”, pensou. “Abra os olhos e veja o que há por aí.”
Por um instante a claridade reinante no recinto doeu nos olhos, mas logo conseguiu
distinguir os detalhes. Estava só numa sala não muito grande. Havia um medo-robô
parado junto à porta. A decoração do camarote era agradável.
O sósia de Tronar Woolver virou a cabeça e olhou para o armariozinho que ficava
ao lado da cama. Havia um vaso com flores artificiais sobre o mesmo.
“Consegui enganá-los”, pensou.
Continuou a examinar o que havia em torno dele. A decoração do camarote parecia
confirmar sua personalidade.
O robô viu que ele tinha acordado e aproximou-se da cama.
— É preferível que por enquanto não faça nenhum movimento, Major Woolver —
disse com a voz áspera. — Está muito fraco. Levará algum tempo para sair da cama.
O duplo sorriu.
Major Woolver! Que nome formidável para um pobre duplo. Tronar tentou falar,
mas só conseguiu tremer com os lábios. A simples contemplação do camarote o deixara
exausto. Percebeu que logo voltaria a adormecer. Não fez nenhum esforço para combater
o sono. No momento sentia-se completamente seguro. Os terranos não iniciariam os
interrogatórios enquanto não ficasse mais forte.
O duplo não poderia imaginar que à frente do camarote se encontravam dois dos
mutantes mais capazes do Império Solar, prestando atenção aos seus pensamentos.
O falso Tronar Woolver nem sequer sabia da existência dos mutantes.
Nem desconfiava de que estava imitando um deles.
***
Quando voltaram à sala de comando, Marshall e Gucky usaram a capacidade de
teleportação deste último. As informações conseguidas eram tão importantes que o amor
que Gucky dedicava à própria saúde teve de ser colocado em segundo plano.
— Ao contrário do que esperávamos, descobrimos muita coisa, senhor — informou
John Marshall. — Não havia nenhuma barreira em seu cérebro. Realmente se trata de um
duplo.
— Quando chegamos à porta de seu camarote, estava consciente — acrescentou
Gucky, pondo à mostra o dente roedor. — Não tenho o costume de ficar escutando na
porta dos outros — cruzou os bracinhos sobre o peito.
— Poderíamos ter escutado seus pensamentos sem sair da sala de comando, mas
neste caso não poderíamos concentrar-nos tanto em sua pessoa.
Para Rhodan esta manifestação de modéstia de Gucky era uma novidade, mas no
momento não tinha tempo para pensar nisso.
— Descobriu alguma coisa sobre a missão confiada ao duplo, John?
— As suposições do Lorde-Almirante Atlan são quase corretas — disse o telepata.
— O duplo deverá assumir o papel de Tronar Woolver em Kahalo e tentará aproximar-se
das pessoas mais importantes que tenham algo a ver com os controles do transmissor.
Além disso o comandante dos maahks espera obter novas informações sobre nossa base
de Kahalo.
— Os maahks não sabem como Tronar Woolver conseguiu chegar a bordo de sua
nave — acrescentou Gucky. — Incumbiram o duplo de descobrir o método que usamos
para levar Tronar para junto deles. Acreditam que talvez tenhamos usado um novo tipo
de transmissor.
— Quer dizer que os maahks sabem menos do que receávamos — constatou
Rhodan. — O fato de não terem a menor idéia das faculdades de um mutante ajuda
nossos planos. Grek-1 parece ter certeza de que seu plano será bem-sucedido.
Naturalmente levaremos o duplo para Kahalo. Mas só o faremos para que Rakal Woolver
assuma seu papel.
— Assim que o ferido se tenha recuperado um pouco, vou procurá-lo — anunciou
Atlan. — Provavelmente ele me reconhecerá e saberá que sou seu chefe direto. Já estou
curioso para saber como será a conversa que terei com ele.
— Isso vai... — Rhodan foi interrompido por um estalo saído do intercomunicador.
— Cabo Lowan falando dos alojamentos dos tripulantes, senhor — disse uma voz
exaltada. — O rei desapareceu.
— O rei desapareceu? — repetiu Rhodan, que dera apenas alguns passos para
colocar-se ao lado do microfone. — Vamos logo, cabo! Diga o que houve!
— O senhor mandou um especialista para substituir-me — disse Lowan. — Quando
olhou para dentro do camarote, Sua Majestade tinha desaparecido.
— Provavelmente Brawhrzwaran usa um defletor — disse Rhodan. — Tornou-se
invisível e saiu. Sem dúvida teria voltado de sua excursão sem que ninguém o percebesse,
se eu não tivesse enviado alguém para substituir Lowan. Não acredito mais que este
velho seja um rei. Temos de encontrá-lo, e depressa.
— Onde poderia estar? — perguntou Atlan.
— Achei estranho que ele soubesse que alguma coisa estava acontecendo a bordo.
Quem sabe se não é a segunda vez que ele sai? — Rhodan pôs-se a refletir. — Acho que
já sei o que está procurando.
— O duplo? — perguntou Allan D. Mercant.
— Sem dúvida. Mas acho que ele não sabe que se trata de um duplo. Acredito que
por ocasião da chegada do barco auxiliar o rei também se encontrava perto do hangar.
Viu que uma mininave aconense estava sendo recolhida por nós. E isso despertou sua
curiosidade.
— Quem você acha mesmo que é este rei? — perguntou Gucky.
— Um espião — respondeu Rhodan. — Um espião aconense.
***
Gucky encontrou o rei de Andraswar nas proximidades da clínica de bordo. Mas
antes de dar a perceber que encontrara o ser invisível aos seus olhos, tentou desvendar os
pensamentos do mesmo. Descobriu que Brawhrzwaran estava à procura do homem que
vira sair do barco espacial. Acreditava que se tratasse de um aconense. Queria entrar em
contato com ele para ajudá-lo.
Gucky concentrou-se no defletor do espião e desligou-o por meio de suas forças
telecinéticas. Brawhrzwaran tornou-se visível, sem dar-se conta de que perdera o dom da
invisibilidade. Gucky fez de conta que estava passando por acaso e que não via o
arcônida. Quando se encontrava ao lado dele, disse:
— Se quiser encontrar o homem que está procurando, deverá ir para outro lugar.
O rei de Andraswar talvez fosse um mau espião, mas não era um mau perdedor.
— É mesmo? — gritou e estendeu as mãos na direção de Gucky, para agarrá-lo.
Gucky o fez subir três metros e o manteve suspenso embaixo do teto.
Brawhrzwaran se pôs a praguejar.
Gucky fez um gesto ameaçador com a pata.
— Vossa Majestade usa expressões pouco delicadas — disse no tom de quem se
sente ofendido. — O que diriam suas damas da corte se o ouvissem dizer estas palavras?
— Desisto — suspirou Brawhrzwaran. — Prestarei meu depoimento.
Gucky deixou que caísse violentamente ao chão. O rei de Andraswar saiu
caminhando a passos cambaleantes à frente do rato-castor. Gucky avisou o pessoal da
sala de comando de que acabara de prender Brawhrzwaran. Dali a instantes entrou em
companhia do rei.
Brawhrzwaran fitou com uma expressão sombria os homens reunidos, que já
estavam à sua espera.
— Majestade — disse Rhodan. — Nunca acreditei que fosse capaz de fazer um
serviço tão malfeito.
Brawhrzwaran pôs as mãos no rosto e arrancou uma máscara de bioplástico. Um
rosto firme e juvenil ficou à mostra. Seu corpo entesou-se, e o espião perdeu a postura
senil.
— Os senhores me encontraram por acaso — disse o espião. — Se tivesse
continuado a bordo da Los Angeles, esta me teria largado na Terra. Teria mergulhado na
multidão antes que o Serviço Secreto soubesse quem era o rei de Andraswar.
— O senhor deveria ter ficado no seu camarote — disse Atlan. — Se não tivesse
andado pela nave, talvez não tivessemos percebido nada.
Brawhrzwaran deu de ombros.
— Temos centenas de agentes trabalhando — disse. — Os senhores não serão
capazes de pegar todos. Eu mesmo não teria sido preso, se Dunnegan não me tivesse
entregue.
— Qual é seu verdadeiro nome, Brawhrzwaran? — perguntou Rhodan.
— Direi antes que o senhor descubra por intermédio de seus mutantes. Meu nome é
Zar-Ban.
— É um nome bastante conhecido — observou Allan D. Mercant. — Se estou bem
informado, este homem pertence à elite dirigente do Serviço Secreto aconense.
Zar-Ban olhou para o próprio corpo com um sorriso sarcástico no rosto.
— Ficarei muito grato se puder tomar um banho e mudar de roupa — disse. — Este
uniforme me dá repugnância.
— Pois eu acho que fica muito bem em Vossa Majestade — disse Rhodan,
esticando as palavras. — Infelizmente vejo-me obrigado a pedir que volte ao seu
camarote. Teremos de trancar a porta e deixar dois robôs postados à frente da mesma, até
que chegue a hora de entregá-lo à Segurança Galáctica.
— Esse seu ar triunfal não durará muito, terrano — prometeu Zar-Ban.
Não ofereceu nenhuma resistência quando foi levado para fora.
— Ele não sabe o que aconteceu nestas últimas horas — disse Rhodan. — Não
temos motivo para duvidar de que não tinha a intenção de fazer espionagem a bordo da
Crest. Foi um simples acaso que o pedido de socorro do duplo foi captado justamente
pela nave de Dunnegan. Zar-Ban pretendia ir à Terra. Uma vez lá, desapareceria na
multidão para trabalhar para o Serviço Secreto aconense.
— O que prova que no momento os aconenses estão bastante ativos — observou o
Coronel Cart Rudo.
— Imaginam que alguma coisa está para acontecer — disse Rhodan.
Perguntou-se quantos agentes aconenses já viviam na Terra ou em alguns planetas
coloniais importantes. Seria impossível capturar todos os elementos perigosos.
Os aconenses não representavam um perigo direto para o Império Solar. Mas
poderiam tornar-se perigosos, se os deixassem agir livremente. Era bem possível que a
invasão dos maahks fosse iminente. Nestas condições as atividades dos aconenses
tornavam-se ainda mais perigosas. Era bem possível que dentro em breve outra batalha
decisiva fosse travada na Via Láctea.
Rhodan não poderia cansar-se de empenhar na luta as armas mais eficientes de que
dispunha o Império.
Uma destas armas era Rakal Woolver.
7
Rakal Woolver parecia calmo, mas Atlan percebeu que o mutante não estava tão
tranqüilo como aparentava. O imartense ainda sofria os efeitos do choque causado pela
presença do duplo de Tronar a bordo da Crest II.
Para uma pessoa estranha, especialmente para um arcônida, tornava-se difícil
compreender a ligação profunda entre Tronar e Rakal Woolver. Com a morte de Tronar
fora destruída uma coisa que representava algo de novo na história da convivência
humana.
Atlan ligou o sistema de transmissão para o camarote de Rakal Woolver.
— Quando eu procurar o duplo, o senhor poderá ouvir nossa conversa, major —
disse. — Preste muita atenção; é importante. Mais tarde terá de lembrar tudo que o duplo
disser.
— Pode confiar em mim — disse Rakal.
— O senhor parece cansado — constatou Atlan em tom desconfiado. —
Providenciarei para que a conversa que terei com seu sósia seja gravada em fita, para que
mais tarde possa refrescar a memória.
— Por que essa conversa é tão importante? — perguntou Rakal.
— Os maahks não sabem como seu irmão foi parar na nave deles. Querem que o
duplo descubra. Naturalmente não poderemos dizer a verdade a ele, pois traz consigo um
microtransmissor que lhe permite entrar em contato com os maahks. Faço votos de que
lhes transmita aquilo que eu lhe disser.
— Pretende mentir para ele?
— Isso mesmo — confessou Atlan. — Farei seu jogo.
Rakal Woolver começou a caminhar nervosamente de um lado para outro.
— Trata-se de um jogo ambíguo, que acabará por tomar-se tão confuso que
fatalmente haverá erros — disse em tom pensativo.
Atlan sabia que esta possibilidade não podia ser excluída. Já tinha experiência com
os maahks, e sabia perfeitamente que Grek-1 era capaz de elaborar planos muito espertos,
que lhe permitissem desistir das suas pretensões ao menor sinal de perigo.
Mas os maahks tinham cometido um erro ao enviar o duplo de Tronar Woolver para
junto dos terranos. Bastaria que os homens do Império Solar fossem bastante hábeis para
tirar proveito deste erro, antes que Grek-1 percebesse que havia um erro em seus planos.
— Certamente haverá imprevistos — disse Atlan, dirigindo-se a Rakal Woolver. —
Mas antes disso temos de colocar Grek-1 num aperto.
Na opinião de Rakal Woolver os preparativos eram demorados demais. Gostaria de
retribuir quanto antes o golpe que sofrera. Receava que os homens que haviam
assassinado seu irmão se afastassem antes que ele entrasse em ação. De qualquer
maneira, sabia que a morte dos metanitas não seria capaz de preencher o vazio que havia
em seu interior.
— O duplo é um posto avançado dos maahks em nossas fileiras — disse a voz de
Atlan em meio aos seus pensamentos. — Se conseguirmos fazer retornar o senhor para
junto deles, no lugar do duplo, o posto avançado será nosso.
— Não me esquecerei disso — prometeu Rakal.
Atlan dirigiu-se à porta.
— Travamos uma luta ininterrupta pela nossa existência — disse em tom calmo. —
Esta luta tornar-se-á cada vez mais intensa, à medida que avançarmos no espaço cósmico.
Não podemos fugir a esta luta, pois isso representaria o estancamento da evolução do
gênero humano.
Rakal teve que dar uma risada.
— O senhor fala que nem um terrano, embora seja um arcônida.
— Cada um de nós tem de esquecer alguma coisa, major — disse Atlan.
Saiu do camarote antes que o mutante pudesse dar uma resposta. Woolver lembrou-
se do irmão gêmeo. Ainda não se conformava com a idéia de que a sensação da presença
de Tronar se tinha apagado. O intercâmbio emocional ininterrupto que se formara entre
os irmãos gêmeos tinha chegado ao fim. Deixara de existir no momento em que os
maahks haviam colocado Tronar Woolver no interior do multiduplicador.
Antigamente Rakal sempre tivera medo de que ele e Tronar fossem apaixonar-se
pela mesma moça. Mas isso não acontecera. Nenhuma moça de Imart parecia ter
interesse num homem capaz de entrar em seu quarto passando por uma tomada.
Ao lembrar-se disso, Rakal sorriu. Tronar e ele muitas vezes tinham zombado um
do outro.
Woolver dirigiu-se ao aparelho de transmissão e fez a regulagem. Queria ouvir tudo
que o duplo dissesse. Precisava conhecer suas palavras para ser bem-sucedido em suas
ações contra os maahks.
Por enquanto era apenas um ouvinte. Mas não demoraria a entrar em ação.
Dali a instantes ouviu a voz de Atlan saindo do aparelho.
— Olá, major! — disse o arcônida. — Fico satisfeito em ver que está melhor.
Rakal Woolver emitiu um som abafado. Estavam dedicando a esse monstro as
mesmas atenções e cuidados que eram dispensados a seu irmão.
Rakal ligou o aparelho para o volume máximo.
De repente ouviu a voz de seu irmão Tronar. Os alto-falantes trovejaram, fazendo
vibrar o aparelho, mas nem por isso Rakal reduziu o volume.
— Nunca pensei que fosse conseguir, senhor — disse a voz de seu irmão.
Tronar teria dado exatamente a mesma resposta.
Rakal Woolver puxou uma cadeira e sentou à frente do aparelho de transmissão.
Não saiu do lugar enquanto durou a conversa.
***
Um homem que durante dez mil anos esteve em contato com os representantes dos
mais diferentes povos siderais não poderia deixar de dominar a arte da hipocrisia. Era
capaz de dar uma resposta amável, mesmo que estivesse fervendo de raiva por dentro.
Apesar disso Atlan sentiu-se inseguro por um instante, quando se aproximou do
leito de doente do duplo. Tinham-lhe dito que o mesmo era igual a Tronar Woolver, mas
bem no seu íntimo esperava que houvesse alguma característica que distinguisse o
original da duplicata, e que como chefe dos gêmeos mutantes não lhe seria difícil
descobrir a mesma.
Mas o homem que se encontrava na cama, e do qual há pouco haviam sido tiradas
as ataduras, era Tronar Woolver até mesmo nos melhores detalhes. Naturalmente tinha o
rosto encovado pelas dores e canseiras, mas isso era perfeitamente natural.
Atlan teve de fazer um grande esforço para acreditar que atrás dos olhos de Tronar
Woolver, que o fitavam com uma expressão de sinceridade, estava o cérebro de um ser
que pretendia dizer mentiras para ele.
— Meus parabéns, major — disse Atlan para dissimular a perturbação que
ameaçava dominá-lo. — O senhor teve um excelente desempenho.
Woolver não aceitou o elogio.
— Não foi tão ruim assim, senhor — disse com a medida exata de timidez que o
verdadeiro Tronar Woolver teria demonstrado.
Dali em diante Atlan compreendeu que teria de pesar cuidadosamente cada palavra
antes que a mesma passasse pelos seus lábios. O duplo não parecia sentir-se em perigo,
mas qualquer coisa o poderia deixar desconfiado.
— Como se explica que tenha desaparecido tão de repente da sala de comando da
nave-girino K-Namu, major? — perguntou.
Combinara com Rhodan que procurariam convencer o duplo de que os terranos não
tinham explicação para o desaparecimento dos especialistas da USO e não sabiam onde
os mesmos tinham materializado.
Atlan observou atentamente o duplo e teve a impressão de que havia uma ligeira
insegurança em sua reação. Os dedos de Tronar Woolver seguraram firmemente a coberta
estendida sobre seu corpo.
— O senhor já descobriu qual foi o motivo do meu desaparecimento? — perguntou
o duplo em tom de curiosidade.
Atlan não tinha a menor dúvida de que o falso Woolver fizera esta pergunta para
ganhar tempo, a fim de poder adaptar-se a uma situação nova e inesperada.
— Demos ordem para que alguns dos nossos cientistas mais competentes
examinassem a nave-girino, mas os mesmos não encontraram o menor sinal — informou.
— Por isso estou muito curioso para saber do senhor o que aconteceu, major. Como foi
parar a bordo da nave aconense?
Um sorriso forçado desfigurou o rosto do duplo.
— Isto pode parecer fantástico, senhor. De um instante para outro fui arrancado
para fora da K-Namu. Devo ter ficado inconsciente por algum tempo. Sei que quando
recuperei os sentidos já me encontrava a bordo do cruzador pesado aconense Astagun.
— Trata-se da mesma nave que explodiu quando nos aproximávamos dela? —
perguntou Atlan, embora já conhecesse a resposta.
Já sabia aonde o duplo queria chegar. Os maahks queriam que os terranos
acreditassem que o seqüestro de Tronar Woolver fora obra dos aconenses.
— Foi a mesma nave, senhor — confirmou o duplo.
— Como se explica isso? — perguntou Atlan, estupefato. — Não conhecemos
nenhum recurso técnico que permita tirar um homem de uma espaçonave para fazê-lo
rematerializar a bordo de outra.
A duplicata de Tronar Woolver abanou lentamente a cabeça.
— Acho que teremos de familiarizar-nos com a idéia de que os aconenses fizeram
uma descoberta científica formidável.
“Ora veja!”, pensou Atlan, num assomo de sarcasmo. “Daqui a pouco ele me falará
num misterioso raio de transmissão.”
— Tenho a impressão de que os cientistas do Sistema Azul desenvolveram um
método que permite seqüestrar um corpo humano por meio de um raio de transporte.
O duplo já recuperara completamente o autocontrole. Estava discutindo com a
maior calma um problema que nem existia.
“Vou esquentar a cabeça dele um pouco”, decidiu Atlan zangado.
— Um raio de transporte desse tipo só poderia ser criado num transmissor — disse
em voz alta. — E um transmissor só faz o transporte numa direção de cada vez. Em
outras palavras, tem de ser regulado de novo antes de poder levar a pessoa transportada
de volta ao ponto de origem.
A resposta do duplo surpreendeu Atlan.
— Compreendo o que quer dizer. A bordo da K-Namu não havia oportunidade para
a regulagem de um transmissor de qualquer tipo. Diante disso surge a suposição de que
os aconenses talvez tenham conseguido criar um raio de transmissor reflexivo. O objeto a
ser transportado serve como estação de inversão.
“Nada mau”, confessou Atlan de si para si. Antes que pudesse dar uma resposta,
Tronar prosseguiu.
— Naturalmente não possuo conhecimentos técnicos que me permitem formar uma
imagem precisa do processo, senhor.
“Naturalmente”, pensou o arcônida, irônico.
***
“Está acreditando piamente no que eu lhe conto”, pensou o duplo, satisfeito. O fato
de que os terranos também ignoravam como seu original desaparecera do interior da
nave-girino ajudaria bastante a realização de seu plano. Não correria o perigo de ser
apanhado numa contradição.
Atlan, que fora reconhecido pelo duplo como o chefe do verdadeiro Tronar
Woolver, perguntou:
— O que aconteceu depois que rematerializou a bordo da Astagun?
O duplo esperou que o medo-robô que permanecia constantemente em seu camarote
enfiasse um travesseiro embaixo de suas costas, para que ficasse mais confortável.
— Parece que os aconenses só queriam fazer uma experiência — disse finalmente.
— Ficaram pelo menos tão surpresos quanto eu — admirou-se de que foi tão fácil dizer
uma mentira destas.
— Posso imaginar — respondeu Atlan.
Tronar Woolver fez um gesto de indiferença.
— Não perdi tempo; aproveitei a surpresa deles. Felizmente materializei junto a
uma escotilha. Antes que eles soubessem o que estava acontecendo, saí correndo por um
corredor sem iluminação. Quando resolveram sair em minha perseguição, já me
encontrava em relativa segurança. Consegui entrar no hangar sem que ninguém
percebesse.
Atlan franziu a testa.
— Não compreendo por que não vasculharam cuidadosamente a nave.
“Agora preciso ter cuidado”, pensou o duplo. Fez um esforço para dar uma
expressão indiferente ao seu rosto.
— Acho que os aconenses pensaram que desapareci tão depressa como tinha
aparecido — disse. — Não vejo outra explicação.
— Deve ter sido isso mesmo — disse Atlan em tom pensativo.
“É justo que ele resolva pensar um pouco”, pensou o duplo. “Afinal, quero que ele
acredite a melhor mentira do ano. E vai acreditar mesmo, pois para os terranos não
existe outra explicação.”
— Quando cheguei ao hangar, entrei num barco espacial e procurei familiarizar-me
com o equipamento de transmissão do mesmo — prosseguiu. — Consegui ajustar o
hipertransmissor e expedir um pedido de socorro repetido a intervalos regulares. Dali a
pouco saí do barco espacial, pois era de se esperar que os aconenses acabassem notando
as mensagens de rádio. Soldei a eclusa do barco espacial com uma arma térmica roubada,
de forma que demorasse algumas horas antes que conseguissem aproximar-se do
transmissor para desligá-lo.
— Foi uma excelente idéia — elogiou Atlan. — E depois?
— Voltei ao depósito de armas onde tinha roubado a arma térmica e peguei algumas
bombas. Depois peguei um traje espacial aconense e abriguei-me num tubo de exaustão
do hangar. Consegui ligar o mecanismo de tempo das bombas. Finalmente o medo dos
aconenses veio em meu auxílio. Ao que parece, acreditavam que no interior do barco
espacial cuja eclusa fora soldada estivesse sendo preparado um ataque. Abriram a eclusa
do hangar para empurrar o barco para o espaço. Aproveitei a oportunidade para sair do
tubo de exaustão e consegui chegar a outro barco espacial. Felizmente não fecharam a
eclusa do hangar. Quando empurrei a alavanca do acelerador estava quase morto, mas
consegui sair antes que as bombas explodissem. O resto o senhor sabe.
O arcônida, que ocupava o posto de chefe supremo da USO, parecia impressionado
com a história. O duplo sentia-se cada vez mais seguro. Não havia como refutar suas
explicações. Não havia nenhuma testemunha capaz de afirmar o contrário do que ele
dizia.
“Eles me aceitaram”, pensou, satisfeito. “Grek-1 pode dar-se por satisfeito.
Praticamente já estou em Kahalo.”
— O senhor sofreu ferimentos graves, major — disse Atlan em tom sério.
— Disso eu sei, senhor — respondeu o duplo. — Ainda me sinto muito fraco.
— Assim que chegarmos a Kahalo, os médicos especializados cuidarão do senhor.
Farão com que esqueça o que padeceu.
— Obrigado, senhor.
— Por nada, major. Não quero desgastá-lo. A conversa é bastante cansativa.
O duplo acenou ligeiramente com a cabeça.
— Sim senhor.
Atlan aproximou-se da cama e bateu em seu ombro. O duplo espantou-se ao notar
que estava tendo um calafrio. Por pouco não recua diante do contato da mão de Atlan.
— Boas melhoras, major — disse Atlan e retirou-se.
O duplo quase chegava a sentir-se eufórico. Alcançara uma vitória inesperada. E a
vitória fora sua. Não agira como Tronar Woolver, mas como o duplo de Woolver. Estava
provado que o sósia não ficava nada a dever ao original.
O ser duplicado sentiu-se dominado por uma forte ambição. A amargura que sentira
tinha desaparecido. Já tinha esperança de que Grek-1 o presentearia com a vida, se
continuasse a ser bem-sucedido.
Só faltava informar o comandante maahk. O duplo mandou que o medo-robô fosse
buscar um copo de chá. Alguns minutos se passariam antes que o enfermeiro mecânico
voltasse. Esse tempo teria de ser bem aproveitado.
O falso membro da USO inclinou-se para fora da cama e fez um grande esforço
para puxar o cinto do traje espacial aconense para perto. Respirou aliviado ao notar que
ninguém se havia interessado pelo mesmo. Só o traje queimado fora levado dali.
Com alguns movimentos rápidos o duplo abriu a fivela do cinto e tirou o
transmissor.
***
Quando saiu da clínica, Atlan teve pressa em voltar à sala de comando da nave-
capitânia, onde Rhodan e Allan D. Mercant tinham acompanhado sua conversa, da
mesma forma que Rakal Woolver.
— Este sujeito mente que nem um mercador galáctico que quer vender uma velha
nave cargueira, fazendo-a passar por um iate de luxo — disse Rhodan quando o arcônida,
que parecia pensativo, se dirigiu à poltrona de comando.
— Nada mau, considerando que ele tinha de pensar muito depressa — disse
Mercant. — Seu relatório não apresenta nenhuma falha. Parece estranho, mas o duplo
confia em que esperemos coisas extraordinárias de nossos agentes.
— E agora? — perguntou Rhodan em tom pensativo.
Atlan apontou para a aparelhagem de rádio.
— Acontecerá exatamente aquilo que eu previa. Dentro de instantes tirará seu
pequeno transmissor do cinto do traje espacial e transmitirá uma mensagem em código
para os maahks.
— Com isto ele assume o risco de ser descoberto — disse Rhodan.
— Se não estivéssemos preparados, não haveria a menor possibilidade de captarmos
a mensagem condensada que ele vai transmitir — disse Mercant. — O duplo nem
desconfia de que estamos à espera de uma mensagem que será transmitida com seu
microaparelho.
Dali a três minutos cumpriu-se a previsão de Atlan. A estação de hiper-rádio captou
uma transmissão originada dentro da nave de 1.500 metros de diâmetro.
Os impulsos foram transmitidos em forma de símbolos maahks, concebidos na
língua universal dos povos maahks, o kraahmak. Os computadores da Crest II deram
início ao trabalho de decifração da mensagem codificada.
Dentro de duas horas Rhodan e Atlan conheciam todos os detalhes da mensagem
que o duplo havia transmitido a Grek-1.
A resposta do comandante maahk demorou meia hora.
Foi exatamente aquela que os homens que se encontravam na Crest II esperavam.
8
Rakal Woolver saiu da Crest II antes que a mesma pousasse. Introduziu-se num
raio-vetor e saltou diretamente para a superfície de Kahalo. Rhodan dera ordem para que
o mutante chegasse à clínica ultramoderna de Kahalo antes do duplo.
Woolver surpreendeu-se quando, ao sair da sala de rádio em cujo interior
materializou, e ao dirigir-se à clínica, encontrou-se com o Dr. Nardini. O médico usava
um terno reluzente de fibra de aço, camisa de peito duro e sandálias amarelas. Parecia um
manequim de moda.
— Ei! — exclamou Nardini. — Pelo que sei, a Crest II ainda não voltou.
— Dentro de alguns minutos descreverá uma órbita em torno de Kahalo, doutor —
disse Rakal. Cumprimentaram-se. Como sempre, Nardini mostrava-se descontraído e
demonstrava uma discreta amabilidade.
Rakal disse que pretendia ir à clínica, onde o duplo de seu irmão estava sendo
esperado para receber o tratamento de que precisava por causa das queimaduras graves
que tinha sofrido.
— Nesse caso estamos indo ao mesmo lugar — respondeu Nardini. Sorriu, pondo à
mostra uma fileira de dentes impecáveis.
Notou que Rakal Woolver já não estava tão tenso. Demonstrava muito cansaço, mas
os acontecimentos que se tinham desenrolado a bordo da Crest II pareciam tê-lo ajudado.
Rakal resolveu não saltar para a clínica; ficou em companhia do médico.
— Serei substituído daqui a três dias — informou Nardini. — Vou trabalhar como
colaborador da divisão médica da Segurança Galáctica.
Rakal sorriu.
— O senhor sempre lidou com gente que carregava segredos, doutor. Nada melhor
para garantir seu silêncio do que dar-lhe um emprego na Segurança.
— Se quisesse, poderia recusar — respondeu Nardini em tom seco. — Na
Segurança não ganharei tanto como na frota.
Chegaram à entrada da clínica. Era um dos menores edifícios da base. Mas suas
instalações eram exemplares.
— Quais são seus planos? — perguntou Nardini.
— Isto não depende exclusivamente de mim — respondeu Woolver. — Antes de
mais nada farei um curso hipnótico de kraahmak, para dominar completamente a língua
dos metanitas.
— Dali só se pode concluir que o senhor logo deverá assumir o papel do duplo —
constatou o médico.
— É o que espero — respondeu Rakal em tom zangado.
Atravessaram a porta de entrada. O guarda, que conhecia Nardini, deixou que os
dois passassem. O aumento da atividade dos agentes aconenses levara Rhodan a
determinar precauções especiais em todos os lugares. Os aconenses já tinham percebido
que alguma coisa fora do comum estava acontecendo no centro da Via Láctea. Os boatos
mais desencontrados circulavam no Sistema Azul. Por isso era perfeitamente natural que
um bando de agentes se tivesse dirigindo à área controlada pelos terranos, para descobrir
de qualquer maneira o que havia atrás das atividades que estes desenvolviam no centro
galáctico.
Rakal Woolver teve de apresentar-se ao Dr. Latham, chefe da clínica. Nardini
retirou-se para a divisão psiquiátrica.
Latham era um homem rechonchudo com lábios carnudos.
— O senhor deverá providenciar para que o duplo tenha um quarto separado, doutor
— disse Rakal Woolver. — Ele não deve entrar em contato com pessoas que não
conheçam os planos de Rhodan.
Latham escolheu um quarto e deu ordem para que seus auxiliares o preparassem.
— O duplo sofreu queimaduras graves — informou Rakal. — Mas está fora de
perigo. Quando estiver deitado em seu quarto, o senhor terá de esquentar sua cabeça,
doutor.
— O que poderei fazer? — perguntou Latham, aborrecido. — Fazer cócegas nele
com uma agulha de injeção até que tenha um acesso de riso e resolva contar o que sabe a
respeito dos maahks?
Woolver sorriu. Compreendia perfeitamente que Latham não se sentisse muito
satisfeito porque sua clínica estava sendo usada pelo Serviço Secreto.
— Não queremos que o senhor o faça falar à força, doutor. Nesse caso o dispositivo
de segurança embutido em seu corpo faria com que nunca mais falasse. Deve explicar-lhe
que terá de ser submetido a uma anestesia, se quiser ficar curado.
— Será que terá alguma objeção contra a anestesia? — perguntou Latham, que
parecia não compreender mais nada.
— Até terá muitas objeções. Por isso torna-se necessário que o senhor faça com que
ele se sinta bem seguro — Rakal inclinou-se por cima da escrivaninha do médico.
— O senhor deverá levá-lo a pensar que se trata apenas de uma anestesia de
pequena duração.
— Realmente não precisaremos de mais que isso para tratar suas feridas —
resmungou Latham.
Rakal apoiou as mãos sobre a escrivaninha.
— Quando estiver em estado narcótico ligeiro, o senhor o colocará no estado
narcótico mais profundo que sua clínica é capaz de produzir.
Latham levantou-se. Parecia bastante irritado porque Woolver, que era um leigo,
queria dar-lhe regras.
— Afinal, o que é que o senhor quer? Dispensar-lhe o tratamento de que precisa ou
matá-lo?
Woolver não se impressionou.
— Perry Rhodan explicará detalhadamente o que o senhor terá de fazer.
O nome de Rhodan fez com que Latham se acalmasse bem depressa.
— O mais importante é que em nenhuma fase do tratamento o duplo de meu irmão
desconfie de que se encontra nesta clínica não somente para receber o tratamento de que
precisa. O senhor terá de evitar que tenha contato com qualquer problema — um sorriso
sarcástico apareceu no rosto de Rakal. — Ele nem faz questão de entrar em contato com
outras pessoas.
— Providenciarei tudo — disse Latham.
O mutante pegou o videofone de Latham e entrou em contato com o porto espacial.
Sabia que o duplo seria transportado da Crest II para Kahalo num planador espacial.
Rhodan, Mercant e Atlan não pretendiam ir à clínica.
Woolver conseguiu fazer uma ligação direta com a Crest II, através da estação de
rádio do porto espacial.
— Na clínica já estão sendo feitos todos os preparativos para receber o duplo,
senhor — disse a Rhodan.
— Está bem, major — respondeu a voz de Rhodan.
— Sairemos da Crest num planador espacial. — Woolver acreditava que o
Administrador-Geral pretendia dar por finda a ligeira comunicação, mas a voz de Rhodan
voltou a fazer-se ouvir. — Cuide do seu hipnocurso, major. Talvez tenha de iniciar sua
missão mais cedo do que pretendíamos.
— Perfeitamente, senhor — confirmou Woolver.
Latham esperou que Woolver desligasse e apontou para a porta.
— Queira desculpar, major, mas prefiro cuidar disso pessoalmente, para que nada
saia errado.
Woolver cumprimentou o médico com um aceno de cabeça. Latham retirou-se.
Woolver caminhou lentamente para a janela e olhou pela mesma.
Ouviu a risada de um grupo de homens que se dirigia ao campo de pouso. Woolver
lembrou-se de que os acontecimentos mais importantes exercem pouca influência sobre
os sentimentos dos homens. Talvez fosse bom que o ser humano esquecesse depressa.
Era bom passar por cima de certas coisas.
Rakal não era capaz disso.
***
Trouxeram uma maca antigravitacional.
A maca estava sendo conduzida por dois robôs.
Um tanto desconfiado, o duplo acompanhava os preparativos de seu transporte.
Sabia que não devia mostrar que estava com medo. O tempo em que ficara sozinho num
camarote da clínica de bordo tinha chegado ao fim.
Os robôs empurraram a maca para junto da cama.
A tensão do duplo cresceu ainda mais quando Atlan entrou no camarote e ficou
parado ao lado da cama.
— O transporte não será muito confortável, major — disse o arcônida. — Mas é
importante que receba tratamento numa clínica moderna. Os recursos de que dispomos a
bordo da nave só permitiram que o mantivéssemos vivo.
O falso Tronar cerrou os dentes.
— Sinto-me razoavelmente bem, senhor — disse. — O senhor acha mesmo que
ainda terei de suportar um tratamento especial?
— O que houve com o senhor, major? — perguntou Atlan, estupefato. — Ainda não
compreendeu que os ferimentos que sofreu são muito graves?
— Compreendi, sim senhor — apressou-se o duplo em afirmar.
Baixou a cabeça, para que Atlan não visse que seu rosto estava adquirindo uma
coloração verde-escura de tão nervoso que estava. De repente passara a comportar-se
como um idiota. A partida súbita deixara-o confuso.
— Gostaria que o senhor compreendesse que não gosto de ficar deitado todo o
tempo — explicou. — Espero que não demorarei a entrar em ação.
Atlan deu uma risada descontraída. Parecia que o duplo tinha certeza de que
conseguira explicar seu comportamento.
— O senhor será levado para Kahalo, major. Na clínica do Dr. Latham já foram
curadas pessoas que estavam praticamente mortas.
O duplo tomou a liberdade de exibir um sorriso desconfiado. Não sabia se a reação
do original teria sido da mesma forma, mas o sorriso não poderia fazer mal. Precisava
encontrar um meio de livrar-se do sentimento de insegurança que o afligia sempre que
havia um terrano perto dele.
Os robôs tiraram-no cuidadosamente da cama e colocaram-no sobre a maca
suspensa. Tronar gemeu e fungou com mais força do que teria sido necessário diante da
dor que sentia. Esperava que isto levasse Atlan a não fazer perguntas embaraçosas.
O arcônida parecia preocupado. Inclinou-se sobre a maca em que o duplo estava
deitado. O agente maahk teve de fazer um grande esforço para enfrentar o olhar do lorde-
almirante.
Atlan colocou a mão em seu braço, para consolá-lo.
— Não foi tão ruim assim — disse.
Fez um sinal para os robôs. A maca saiu flutuando lentamente. Os robôs tiveram o
maior cuidado para que não esbarrasse em alguma coisa. O duplo ouviu que Atlan estava
acompanhando o transporte.
Chegaram relativamente depressa ao hangar principal da Crest II. A maca
atravessou a eclusa e entrou num jato espacial.
O duplo estava satisfeito por lembrar-se facilmente de certos detalhes, como o nome
dado à pequena nave em cujo interior se encontrava. Dessa forma não cometeria nenhum
erro. Quando via alguma coisa, geralmente se lembrava do nome. Também conhecia a
finalidade dos diversos objetos. Quanto a isso não havia motivo para receios.
Mas com os terranos com os quais um dia se encontraria as coisas não seriam tão
simples.
Woolver permaneceu em silêncio, mas respirou aliviado quando a maca foi parar no
chão do jato espacial, onde os robôs a prenderam nos suportes. Atlan entrou dali a pouco.
Woolver perguntou-se se haveria mais algum passageiro a bordo além do arcônida.
Ficou aliviado quando viu Atlan fechar a eclusa. Não poderia saber que Perry Rhodan e
Allan D. Mercant também se encontravam no jato espacial.
Mal sentiu a decolagem. Atlan pilotou a nave e durante a manobra de saída não deu
nenhuma atenção ao ferido. Só virou a cabeça para Tronar Woolver quando a nave ficou
a cargo do sistema de pilotagem automática.
— Daqui a vinte minutos pousaremos em Kahalo, major.
“É onde quero ir”, pensou o duplo.
— Estou bem confortável, senhor — disse em voz alta. — Por mim o vôo pode
durar duas vezes mais.
Os dois medo-robôs baixaram os olhos em sua direção. Até parecia que receavam
que qualquer palavra que passasse pelos seus lábios pudessem piorar seu estado. Às vezes
o duplo tinha a impressão de que eram vigias. A idéia deixou-o assustado.
Não seria possível que os terranos, descobrindo seu jogo, tivessem destacado os
robôs para vigiá-lo?
Passou discretamente as mãos pelo corpo. Sentiu-se aliviado ao perceber que o cinto
do uniforme em cuja fivela estava escondido o precioso microtransmissor continuava
preso em torno de seu corpo. Sem esse transmissor estaria perdido. Se Grek-1 chegasse à
conclusão de que não conseguia entrar em contato com o duplo, não faria mais nada para
ajudá-lo.
A bordo da Crest ninguém notara que Tronar vivia examinando o cinto de seu
uniforme. Os astronautas começavam a tratar seu equipamento com um respeito que
beirava à superstição.
O duplo fechou os olhos e cochilou. Sobressaltou-se quando Atlan gritou que o jato
espacial já tinha pousado.
Os robôs soltaram a maca e a levaram para fora da pequena nave. Graças aos dados
guardados na memória do verdadeiro Tronar Woolver, o duplo sabia o que o esperava em
Kahalo. Soube imediatamente qual era a finalidade dos diversos edifícios que apareceram
à sua frente.
Uma ambulância atravessou o campo de pouso e aproximou-se do jato espacial. O
duplo fazia votos de que os dois robôs que acompanhavam a maca finalmente dessem o
fora. Não tinha nada contra a companhia de Atlan. O arcônida poderia manter afastadas
as pessoas que quisessem fazer-lhe perguntas embaraçosas.
O motorista da ambulância era um homem baixo e robusto, que se limitou a
cumprimentar ligeiramente Atlan e abriu as portas. Os robôs fizeram entrar a maca no
carro. Atlan também entrou.
As portas fecharam-se e os robôs ficaram do lado de fora.
— Vamos diretamente à clínica — disse Atlan.
O duplo ouviu o uivo do motor. O veículo saiu em disparada. O motorista não teve
muita consideração pelo ferido. A maca balançava fortemente. O duplo não pôde evitar
que o sentimento de insegurança que começava a tomar conta dele se tornasse mais forte
a cada metro que percorriam. Estava com a boca ressequida e as palmas da mão úmidas
com a transpiração.
O carro foi freado abruptamente. O duplo ouviu o motorista saltar do assento e
dirigir-se à parte posterior do veículo. As portas do mesmo abriram-se, deixando passar a
claridade.
Atlan empurrou a maca para fora. O motorista fitou o duplo como se fosse um
animal raro. Woolver fazia votos de que nem todos o olhassem assim. Era uma sensação
desagradável entrar na clínica flutuando no ar. O duplo tinha certeza de que pelo menos
vinte pares de olhos o contemplavam pelas janelas, e que os donos desses olhos
gostariam de saber o que tinha acontecido com ele.
O guarda postado junto à entrada parecia ser o único que não dava muita
importância à chegada de Woolver. Fez um gesto rápido e deixou passar o transporte.
O primeiro homem com quem a duplicata de Woolver se encontrou na clínica foi o
Dr. Latham. Parecia que os olhos do médico queriam perfurá-lo.
— Não estou gostanto nem um pouco — disse o Dr. Latham, aborrecido. — Este
homem deveria ter sido operado há muito tempo.
— Pare de lhe meter medo, doutor — advertiu Atlan. — A bordo da Crest fizemos
tudo que estava ao nosso alcance.
O Dr. Latham ficou saltitando em torno da maca, como se quisesse exorcizar um
bando de demônios. Fez isto para examinar Woolver de todos os lados sem tocar nele.
— Está ruim — disse. E repetiu, em tom muito mais sério: — Está ruim!
Atlan ficou aborrecido.
— O senhor não acha que ao menos deveríamos levá-lo ao seu quarto, para que saia
de cima desta maca, doutor?
O Dr. Latham abriu caminho a contragosto e a maca saiu flutuando no ar. O duplo
estava completamente confuso. Esse Latham devia ser um pessimista incorrigível, ou
então tinha uma maneira desagradável de dizer a verdade a todo mundo. Tronar Woolver
achou que a última hipótese era a mais provável.
Amaldiçoou-se por ter disparado três tiros contra o próprio corpo. Dois
provavelmente teriam sido suficientes. Do jeito que estavam as coisas, teria de passar
alguns dias na clínica.
A maca foi empurrada para dentro de um recinto. O duplo manteve-se ocupado
examinando o ambiente desconhecido. O quarto de doente tinha um aspecto inocente. Era
exatamente igual ao que o duplo esperara encontrar, depois de ter pesquisado na memória
de Tronar Woolver os dados sobre aposentos dessa espécie.
Havia uma janela grande com uma persiana de plástico, que fora baixada, fazendo
com que uma luz mortiça enchesse o quarto. A janela não parecia muito resistente.
Ninguém parecia contar com a possibilidade de que Woolver pudesse fugir. Para o duplo
isto era mais uma prova de que sua manobra de despistamento fora bem-sucedida.
Havia flores sobre os criados-mudos; desta vez até eram flores naturais. Atlan e o
Dr. Latham empurraram a maca para junto da cama e colocaram o duplo cuidadosamente
sobre a mesma. Woolver gemeu como se pudesse desmaiar a qualquer momento.
Latham cobriu-o com uma coberta.
Atlan olhou para o relógio.
— Tenho alguns encontros importantes, major — disse. — Mas garanto que virei
visitá-lo regularmente.
Woolver mostrou-se agradecido. Sorriu. Atlan retirou-se. Latham ficou parado ao
pé da cama e fitou o novo paciente com uma expressão indecisa.
— Talvez não seja conveniente iniciar logo o tratamento. Acho que o senhor está
precisando de descanso.
— Estou — confirmou o duplo. — Quanto a isso não existe a menor dúvida, doutor.
— Pare de me chamar de doutor! — chiou Latham. — Para o senhor sou o Dr.
Latham.
— Tudo bem, doutor — respondeu Woolver.
Latham fungou, aborrecido, e saiu pisando fortemente. O duplo ouviu-o gritar com
um auxiliar assim que chegou ao corredor. Já não tinha a menor dúvida de que por ali
ninguém sabia quem ele realmente era. Estava no seu quarto, só e sem ser vigiado. Não
teria a menor dificuldade em sair do mesmo.
Acreditavam que era o verdadeiro Major Tronar Woolver, especialista da USO.
O duplo deitou de lado e fechou os olhos. Estava satisfeito. Grek-1 não poderia
desejar um agente melhor que ele.
O sósia de Woolver adormeceu. Acordou dali a algumas horas. Quando abriu os
olhos, havia alguém sentado ao lado da cama. Era um homem baixo e elegante, que usava
um traje reluzente de fibra de aço. Um alarme soou no cérebro de Woolver, que acordou
de vez.
O homem sorriu.
Parecia que na memória de Tronar Woolver este homem não existia. O duplo
resolveu ter muito cuidado.
— Olá! — resmungou.
— Espero que não o tenha acordado — disse o homem. — Sou o Dr. Nardini. Fui
designado para cuidar pessoalmente do senhor.
— Ah, é? — disse o duplo, demonstrando um grande interesse.
Fitou o médico.
— Já está sentado aí há muito tempo? — perguntou.
Nardini acenou com a cabeça.
— Faz uma hora que cheguei — respondeu.
O duplo disfarçou o nervosismo que começava a tomar conta dele.
— Por que ficou sentado todo esse tempo? — perguntou.
No mesmo instante teve vontade de morder os lábios. A pergunta fora uma grande
tolice. Mas o Dr. Nardini parecia não achar nada de estranho na mesma.
— Fiquei observando o senhor — disse.
— Descobriu alguma coisa? — perguntou a duplicata de Woolver com a voz
apagada.
— O senhor é um homem muito cansado e doente — respondeu Nardini. — Mas
voltará a ficar em forma. Parece ser um tipo resistente.
— Eu falei enquanto estava dormindo? — perguntou o duplo.
Nardini levantou-se e deu uma gargalhada.
— Quem acha que eu sou? Um espião?
— Eu disse alguma coisa? — insistiu o duplo.
— Disse — respondeu o médico.
O duplo sentiu o coração bater mais depressa. Aquele médico baixo com um olhar
sincero parecia ser muito inteligente. O duplo sabia que estava entrando numa área
perigosa. Mas precisava ter certeza.
— O que foi que eu disse?
Nardini contemplou-o por algum tempo.
— Disse alguma coisa a respeito de uma sombra — respondeu em tom hesitante.
O duplo ergueu-se abruptamente.
— O que foi mesmo que eu disse? — perguntou, nervoso.
— Nada de extraordinário, major. Parece que alguma coisa o deixa deprimido, o
que é bem natural. Quando estiver bom, estes pesadelos desaparecerão.
O duplo respirou aliviado sem deixar que seu interlocutor o percebesse. Por
enquanto ninguém desconfiara dele. O médico acreditava que tudo que Woolver tinha
dito enquanto estivera dormindo era apenas a conseqüência psicológica das experiências
traumatizantes pelas quais tinha passado. No futuro não seria diferente. Estava mais
seguro do que acreditara. Os terranos não tinham a menor dúvida de que realmente era o
Major Tronar Woolver.
— Amanhã iniciaremos o tratamento — informou Nardini. — Aplicaremos uma
anestesia leve.
— Já sei — disse Tronar.
Nardini foi à janela, levantou a persiana e olhou para fora. Seu perfil marcante
pareceu familiar a Tronar Woolver, mas ele não seria capaz de dizer por quê.
— Não se espante com o Dr. Latham — recomendou Nardini. — Ele não costuma
ter muita consideração com seus pacientes.
— É verdade — confirmou Woolver.
— É um velho ranzinza, mas conhece seu ofício. Vai ajudá-lo a ficar bom.
Nardini saiu da janela. Seu traje de fibra de aço fez um ligeiro ruído enquanto
atravessava o quarto a passos rápidos, só vindo a parar junto à porta.
— Se desejar alguma coisa, entre em contato comigo — disse.
— Obrigado, doutor — respondeu o duplo.
Nardini retirou-se, atravessou o corredor largo e entrou em outra sala, onde Perry
Rhodan, Atlan, Allan D. Mercant e o Dr. Latham estavam reunidos.
Nardini sentou na única cadeira que estava livre.
— Tenho certeza quase absoluta de que já se sente bem seguro — disse. Olhou para
o Dr. Latham. — Não gosta do senhor, doutor.
— E daí? — resmungou Latham, contrariado.
— Para mim isto é um bom sinal — disse Nardini. — Mostra que está se
preocupando com ninharias. O medo de ser descoberto é muito pequeno. Perguntou se
disse alguma coisa enquanto estava dormindo. Respondi a verdade, embora a mesma
fosse bastante embaraçosa. Depois dei uma explicação plausível, com o que ele se
convenceu de vez de que estava tudo em ordem.
— Quer dizer que o senhor acha que já podemos arriscar? — perguntou Rhodan.
— Acho, sim senhor — disse Nardini. — Podemos aplicar-lhe uma anestesia
ligeira. Já está preparado para isso. Não oferecerá nenhuma resistência, nem mesmo no
subconsciente.
— Não se esqueça de que há um dispositivo de autodestruição em seu corpo —
advertiu Atlan. — Se houver qualquer perigo de ele ser descoberto, seu corpo se
desintegrará.
— Assim que tiver adormecido, vamos colocá-lo em estado narcótico profundo —
interveio o Dr. Latham. — Não consigo imaginar que depois disso ainda tenha
capacidade para qualquer reação mental, mesmo que esta se encontre profundamente
ancorada em seu subconsciente. Por isso não acredito que ocorra a desintegração do
duplo.
— É um risco que temos de assumir — disse Rhodan. — Sem isso não
conseguiremos pôr as mãos no transmissor especial, sem o qual Rakal Woolver não
poderá desempenhar o papel do falso irmão.
— Naturalmente temos de mantê-lo sob vigilância contínua enquanto estiver
inconsciente — disse o Dr. Latham. — Isso contribuirá para que tudo dê certo.
— Parece que a idéia não o deixou muito entusiasmado — constatou Rhodan.
O Dr. Latham levantou-se.
— Isto é uma clínica — fungou, indignado — E ela esta sendo transformada num
alojamento de agentes.
10
Dali a doze horas apareceram o Dr. Latham e o Dr. Nardini para avisar o duplo de
que o tratamento seria iniciado logo. O mesmo estava acordado.
— Estou com fome — anunciou Tronar Woolver. — Por enquanto só me serviram
uma xícara de chá.
— O senhor não veio para passar férias, major — respondeu Latham em tom pouco
delicado.
— Quanto a isso não tenho a menor dúvida, depois que conheci o senhor, doutor —
respondeu Woolver, exaltado. — Mas se quiser que eu fique bom, terá de providenciar
para que eu seja alimentado melhor.
— Depois da anestesia lhe darão alguma coisa para comer — prometeu Nardini.
O duplo fitou Nardini com uma expressão de desagrado.
— O senhor estará presente durante o tratamento, doutor? — perguntou.
— Naturalmente — respondeu Nardini.
— Espero que coloque um jaleco branco — disse Tronar Woolver. — Não venha
me dizer que pretende cair sobre mim nestes trajes anti-higiênicos.
— Fico satisfeito em notar que já recuperou o senso de humor — disse Nardini com
um sorriso cativante.
Nardini e o Dr. Latham empurraram a cama para fora do quarto. Quando chegaram
ao corredor, outro grupo de médicos juntou-se a eles. Os mesmos discutiam
apaixonadamente, sem dar a menor atenção a Tronar Woolver.
O duplo sentiu-se mais seguro que nunca. Foi empurrado para dentro do centro
cirúrgico, onde retiraram a coberta.
— Terei que tirar toda a roupa? — perguntou.
— Não — respondeu Latham. — Basta tirar o casaco.
Woolver respirou aliviado. Poderia ficar com o cinto. Ninguém se espantaria com
esta mania, bastante disseminada entre os astronautas.
Nos trinta minutos que se seguiram o duplo foi examinado por vários médicos. O
sósia de Woolver não entendia quase nada do que os médicos diziam, mas parecia ser um
caso complicado. Isso não lhe interessava. O importante era que saísse da clínica quanto
antes.
— Teremos de amarrá-lo — disse o Dr. Latham depois de algum tempo.
Woolver deixou que o amarrassem à cama. Não podia mover os braços nem as
pernas, mas não teve medo. Os homens que o cercavam eram todos médicos. Nem sequer
Atlan estava presente.
Depois de amarrado, ligaram-no com uma infinidade de aparelhos. Estes
preparativos consumiram outros trinta minutos. Na memória do verdadeiro Tronar
Woolver não havia nenhuma indicação sobre o tempo que demorava este tipo de
tratamento especial.
Depois de mais algum tempo o Dr. Latham agitou um objeto alongado à frente do
rosto de Woolver e disse:
— Isto é a pistola de injeção. O senhor não sentirá nada quando adormecer.
— Está bem, doutor — resmungou o duplo.
— Se não conseguir acostumar-se a chamar-me de Dr. Latham, farei uma operação
plástica no senhor, major.
Encostou a pistola ao braço do agente maahk. Woolver admirou-se de não estar
sentindo os efeitos da injeção. Quis dizer ao Dr. Latham, mas sua voz era pesada. A
língua parecia ter inchado.
De repente o Dr. Latham começou a girar à frente dos olhos de Woolver e
mergulhou na escuridão.
— Adormeceu — exclamou o Dr. Latham.
Atlan e Rhodan vieram da sala contígua. Rhodan contemplou o duplo que parecia
morto.
Vamos esperar mais um pouco antes de aplicar a narcose profunda — cochichou
Nardini.
Rhodan sentiu-se aliviado porque até então tudo tinha corrido sem incidentes. O
perigo de o duplo se desintegrar era bem mais reduzido.
O Dr. Latham examinou os instrumentos.
— O comportamento dos órgãos é normal — anunciou. — O coração e a circulação
funcionam conforme era de esperar.
— O que está à sua frente é a duplicata de um ser humano — lembrou Atlan.
— Não estou gostando — respondeu Latham, exaltado.
— Quer desistir? — perguntou Rhodan em tom enérgico.
— É claro que não — respondeu Latham.
— O narcotizador — ordenou.
Os preparativos da narcose profunda foram iniciados. O duplo soltou um gemido
quase imperceptível. Rhodan prendeu a respiração, mas Lathan fez um sinal
tranqüilizador.
Dali a dez minutos o duplo se encontrava em estado de narcose profunda.
Latham saiu de junto da cama do homem inconsciente.
— Agora é sua vez — disse, dirigindo-se a Rhodan.
Este e Atlan aproximaram-se do duplo.
Rhodan sabia que o momento decisivo tinha chegado. Ainda não tinham certeza de
que a narcose profunda seria suficiente para neutralizar o condicionamento suicida do
duplo.
Com um movimento resoluto, Rhodan inclinou-se sobre o sósia inconsciente de
Tronar Woolver. Com um movimento rápido abriu o cinto do uniforme, tirando-o de
baixo do corpo de Woolver.
Não aconteceu nada. Woolver não esboçou nenhuma reação.
— Tudo em ordem, doutor — disse Rhodan. — Mantenha-o em estado de narcose
profunda.
Saiu da sala de cirurgia em companhia de Atlan.
Dirigiram-se ao escritório do Dr. Latham, onde Allan D. Mercant estava à sua
espera. Rhodan atirou o cinto sobre a mesa. Mercant pegou-o e examinou a fivela por um
instante. Apertou os rebites e a mesma abriu-se. Havia um objeto de aproximadamente
um centímetro no espaço oco da fivela. Mercant tirou-o cuidadosamente e colocou-o na
mesa.
— Aqui está o transmissor — disse.
— Teremos de examiná-lo muito bem — disse Rhodan. — O aparelho precisa ser
testado. Além disso precisamos dos respectivos grupos de símbolos, que terão de ser
registrados de uma forma que Rakal Woolver possa compreender.
Em comparação com os hipertransmissores das naves terranas, que quase chegavam
a ocupar uma sala inteira, o microtransmissor do duplo representava uma verdadeira
maravilha técnica. Para Rhodan isto era uma prova de que nesta área os maahks ao menos
se igualavam aos terranos.
Rhodan pegou o transmissor e guardou-o num estojo, que colocou em seu bolso.
— A bordo da Crest temos especialistas que poderão cuidar disto — disse. —
Enquanto isso Atlan poderá cuidar de Rakal Woolver.
— Quer dizer que você pretende regressar à Crest — constatou Atlan.
Rhodan fez que sim.
— No momento ninguém precisa de mim por aqui. Nem mesmo o senhor, Allan.
Basta que Atlan entre em contato com seu mutante particular.
Atlan fez como se não tivesse notado a ironia.
— Rakal já deve ter iniciado o curso hipnótico. Para assumir o papel do duplo, terá
que falar perfeitamente o kraahmak.
— O duplo está em boas mãos, pois o Dr. Latham cuida dele — disse Rhodan.
Entregou o cinto do falso Woolver a Atlan. — Entregue isto a Latham.
Despediram-se. Rhodan e Mercant dirigiram-se ao campo de pouso, onde entraram
num jato espacial preparado para decolar, que os levaria de volta à Crest II.
— Já começo a acreditar que nosso plano vai dar certo — disse Mercant no
momento em que o jato espacial começava a subir.
Rhodan bateu no estojo que trazia no bolso.
— Tomara que os maahks não tentem entrar em contato com seu agente antes que
Rakal esteja em condições de lidar cem por cento com o transmissor.
— Vamos fazer votos de que estejam à espera de notícias do duplo — disse
Mercant. — Afinal, seria muito arriscado para eles tentarem entrar em contato com
Tronar Woolver.
— O senhor acha que Rakal Woolver tem condições psíquicas de desempenhar uma
missão a bordo da nave maahk? — perguntou Rhodan. — A morte do irmão deixou-o
bastante abalado. É bem possível que seus nervos entrem em pane.
— No momento Rakal é o único trunfo de que podemos dispor neste jogo, senhor
— comentou Mercant.
— Os maahks têm muitos trunfos — reconheceu Rhodan. — Receio que ainda nos
deixem numa situação bem difícil.
— Parece que nossos inimigos são calculistas e frios que nem gelo — respondeu
Mercant. — De um lado isto é perigoso, mas de outro lado pode ser uma vantagem para
nós. Os maahks não darão início à invasão enquanto não tiverem certeza de que serão
bem-sucedidos.
Rhodan sorriu.
— Suas palavras não são muito tranqüilizadoras, Allan.
Mercant franziu a testa.
— Gostaria de ouvir uma coisa mais tranqüilizadora, senhor?
— Será que isso existe?
— Tenho certeza de que Rakal Woolver será bem-sucedido — disse Mercant.
***
O ensino hipnótico do kraahmak foi ministrado a Rakal Woolver no edifício da
administração de Kahalo. Constantemente tinha de prestar exames, e por isso não tinha
tempo para ir à clínica e falar com o Dr. Nardini.
Em compensação Atlan estava quase sempre perto dele.
O arcônida informara-o de que o microtransmissor do duplo já fora examinado a
bordo da Crest II.
O homem que ministrava o ensinamento hipnótico a Rakal era um agente da
Segurança Solar que falava pouco. Nunca dizia uma palavra em caráter particular.
Examinou juntamente com Atlan as novas capacidades do mutante.
As dificuldades de pronúncia que se tinham verificado no início logo
desapareceram.
Quando Rakal Woolver acordou pela terceira vez do estado hipnótico, Atlan estava
presente.
— Acho que o senhor já aprendeu o que basta, major — disse.
— Ainda temos de examiná-lo — observou o agente.
Rakal Woolver nem sabia qual era o nome do mesmo. Atlan chamou-o de Skinners,
mas talvez este nem fosse seu verdadeiro nome.
Rakal Woolver enfrentou pacientemente mais este exame. Se é que Skinners ficou
satisfeito com o mesmo, ele não mostrou.
Ao que parecia, esperava que Atlan comentasse os conhecimentos do mutante.
— Acho que já chega — disse Atlan.
Sem dizer uma palavra, Skinners começou a guardar os aparelhos de aprendizagem.
Atlan e Woolver esperaram que o agente terminasse e se retirasse.
— Esta gente sempre é tão calada? — perguntou Rakal, espantado.
— Quando têm de fazer um trabalho destes, são — respondeu Atlan.
— E olhe que fui um bom aluno — observou Rakal.
— O senhor terá muita necessidade do que aprendeu — disse o arcônida. — Falei
com Perry Rhodan antes de vir para cá. O exame do microtransmissor logo será
concluído com sucesso. Provavelmente já receberemos o aparelho amanhã.
A expressão do rosto de Rakal não mudou quando disse:
— Quer dizer que dentro em breve entrarei em ação, senhor.
Atlan observou-o atentamente. Já tinha percebido que o mutante recuperara o
equilíbrio psíquico. Só o futuro diria se possuía bastante firmeza para cumprir sua tarefa.
— O trabalho não será nada fácil, major.
— Sei disso melhor que qualquer outro — confirmou Rakal. — Não é a primeira
vez que vou para junto dos maahks.
— O senhor faz isso voluntariamente — lembrou Atlan. — Se quiser desistir,
ninguém o acusará por isso. Até acho recomendável que o faça. Pelo que sabemos do
inimigo, temos todo motivo para saber que na melhor das hipóteses se tornará prisioneiro
do mesmo.
— Conto com isso, mas farei o possível para evitar que aconteça — disse Rakal
Woolver em tom firme.
Atlan levantou-se.
— Voltaremos a encontrar-nos quando o transmissor for entregue ao senhor.
— Gostaria de ver o duplo antes que a coisa comece — pediu Woolver.
— Foi narcotizado e encontra-se na sala de cirurgia da clínica de Latham — disse
Atlan. — O quadro não o deixará muito alegre.
— Apesar disso quero vê-lo, senhor — insistiu Woolver.
— Seja o que quiser, major. Latham o levará para junto dele.
Atlan saiu. Woolver olhou para o relógio. Não sabia se devia entrar em contato com
Nardini quando fosse à clínica. O mesmo ainda estava de serviço na divisão psiquiátrica.
Não gostava de ser perturbado durante o trabalho.
Rakal tinha esperança de encontrá-lo por acaso quando fosse olhar o duplo.
Na verdade, nem sabia por que resolvera ir à clínica. Alguma coisa em seu interior
parecia arrastá-lo para lá. Queria ver o duplo mais uma vez de perto.
Lembrou-se de que era possível que os maahks pusessem as mãos nele, o
duplicassem e mandassem de volta um duplo em seu lugar.
“O que deve sentir um duplo?”, perguntou-se Woolver. Os telepatas que haviam
examinado o falso Tronar Woolver afirmavam que seus sentimentos eram iguais aos de
um ser humano. Será que havia alguma diferença entre ele e o verdadeiro Tronar?
Rakal tentou encontrar uma resposta a esta pergunta enquanto saía do edifício da
administração. Poderia ter usado o caminho paranormal para dirigir-se à clínica, mas
preferiu andar bem devagar, respirando o ar puro.
O duplo não possuía as faculdades parapsíquicas de seu irmão, que era verdadeiro.
Dali forçosamente teriam de resultar diferenças no campo emocional. Mesmo que
quisesse ver nele um ser humano, Rakal não poderia comparar o duplo com Tronar. O
mesmo só tinha o aspecto exterior e possuía as recordações de seu irmão gêmeo. A partir
do momento em que saíra do multiduplicador, o sósia passara a agir como um estranho,
não como o verdadeiro Tronar Woolver.
Rakal Woolver parou. De repente o desejo de ver o duplo desapareceu. Finalmente
passara a não sentir nada além de uma certa indiferença pelo agente maahk. Até então sua
mente oscilara constantemente entre o ódio e a compaixão.
Rakal Woolver teve a impressão de que recuara alguns anos no tempo. Encontrava-
se em Imart. Lembrou-se do que seu irmão lhe dissera em certa oportunidade.
— É possível que um dia um de nós morra, Rakal.
— Não acredito — respondera Rakal. — Morreremos no mesmo instante.
— Se alguém o matar, eu encontrarei o assassino — dissera Tronar.
— Por que alguém haveria de me matar? — perguntara Rakal, cujo pensamento era
muito mais objetivo que o do irmão.
— São coisas que acontecem — respondera o irmão.
E acontecera. Se bem que quem morrera fora Tronar.
Rakal Woolver continuou andando. Lembrou-se das palavras de Nardini, segundo o
qual o desejo de vingança era perfeitamente compreensível. Quem sabe se apesar das
vestes extravagantes Nardini não era um filósofo? Ou um homem capaz de compreender
os motivos que inspiravam os atos de seus semelhantes.
Rakal Woolver experimentou um leve sentimento de culpa, porque seu desejo de
vingança quase tinha desaparecido.
Ainda bem. Quando estivesse perto dos maahks, não deveria deixar-se levar a
praticar atos inspirados no sentimento. Devia ser frio e objetivo que nem o inimigo.
Um planador espacial passou em cima de Woolver e fez com que levantasse a
cabeça. Rakal ficou parado por um instante e perguntou-se de quantos dias ainda disporia
em Kahalo.
— Em todo planeta em que pomos os pés deixamos parte do nosso eu quando
saímos dele — dissera Nardini certa vez. — Até parece que perdemos um pouco de nossa
identidade.
Rakal sacudiu a cabeça. Não deixaria nada para trás. Ao menos em Kahalo.
***
**
*