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2.

O VINHO DA MADEIRA NA VOZ DOS VISITANTES

Do livro de Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. textos


e Documentos, publicado pelo Centro De Estudos de História do
Atlântico, aqui ficam os testemunhos de alguns autores nacionais
e estrangeiros.
PARA A HIST RIA DO VINHO DA MADEIRA
DOCUMENTOS E TEXTOS
TïTULO
História do vinho da Madeira. Documentos e textos

1ª ediçäo: Novembro de 1993


Colecçäo Documentos, nº.2

AUTOR
Alberto Vieira

TRADUÇÄO DOS TEXTOS EM INGLëS


Isabel Marques da Silva

EDICÄO
Centro de Estudos de História do Atlântico
Rua dos Ferreiros, 165, 9000-FUNCHAL
Telef. (091) 22965, Fax. (091) 32151

TIRAGEM
1000 Exemplares

CAPA
Rótulo antigo: serrado de vinhas da firma Cossart, Gordon & Co
em S. Martinho

COMPOSIÇÄO E IMPRESSÄO
Imprensa de Coimbra, Lda
Largo de S. Salvador, 1-3, Coimbra

DEP SITO LEGAL Nº

ISBN Nº
Rótulo Antigo
LISTA DAS ABREVIATURAS

ARM Arquivo Regional da Madeira

RGCMF Registo Geral da Camara do Funchal

GC Governo Civil

T. Tomo

Fols Folios

nº. Número
Mulher madeirense.Henry Vizetelly.1880
Desde 1976 que temos dedicado parte do nosso tempo à
investigaçäo do vinho na História da Madeira. Ao longo destes
dezassete anos reunimos tudo, ou quase tudo, que com o vinho se
relaciona. Desta exaustiva recolha (material, fotográfica,
documental e bibliográfica), já fizemos sair a publico alguns
resultados: a exposiçäo sobre vinho da Madeira, que decorreu em
1982 no Teatro Municipal do Funchal e de que resultou o Museu do
Instituto do Vinho da Madeira; a publicaçäo do Breviário da Vinha
e do Vinho na Madeira (1990), um dicionário breve sobre alguns
temas do vinho.
Agora é chegado o momento de oferecer, ao leitor
interessado, uma selecçäo de documentos e textos sobre o mesmo
tema que consideramos fundamentais para a História do Vinho na
Madeira. Para uma segunda oportunidade fica a História completa
do Vinho da Madeira, desde o século XV até a actualidade, bem
como uma fotobiografia da vinha e do vinho da Madeira, que
publicite todo o nosso arquivo fotográfico.
A presente Colectânea de testemunhos sobre o vinho da
Madeira está dividida em três partes: na primeira temos os
documentos mais elucidativos, recolhidos nos arquivos oficiais;
na segunda os trabalhos de opiniäo da imprensa Funchalense a
partir de 1821; e na terceira o testemunho de autores nacionais
e estrangeiros sobre o vinho Madeira. Nesta última situaçäo temos
que nos autores nacionais a maior incidência é nos estudos
técnicos enquanto nos estrangeiros é o testemunho de visitante,
enriquecido por vezes com ilustraçöes de inegável valor
histórico, como sucede com Henry Vizetelly.
O luzidio rubinéctar que continua a correr sobre os cálices
de cristal é, näo só, a materializaçäo da pujança económica do
presente, mas também, do o testemunho de um passado histórico de
glórias. Prende-o à ilha uma tradiçäo de mais de cinco séculos.
Nele reflecte-se a época de resplendor e os momentos de crise.
Na ignorância de todos fica, quase sempre, a parte amarga
da labuta diária do colono no campo e nas adegas, o árduo
trabalho das vindimas, os borracheiros no seu passo cadenciado -
denunciado pelo eco dos seus cantares - por entre as encostas da
ilha. Para recriar esta ambiência torna-se necessário agarrar os
restos materiais e documentos e fazê-los reviver a labuta
sazonal, ou antes, desbobinar o filme que se esconde por entre
a ferrugem, a traça e o pó. Säo eles o único elo de ligaçäo com
os momentos de esplendor da faina viti/vinícola do povo ilhéu,
durante mais de cinco séculos.
O Vinho Madeira, celebrado por poetas e apreciado por
monarcas, príncipes, generais, exploradores e expedicionistas,
há alguns anos a esta parte vem perdendo o seu mercado e os seus
potenciais apreciadores. Isto resulta da situaçäo criada, entre
finais do séc. XVIII e princípios do séc. XIX, em que a grande
procura fez nascer da água e do fogo quantidades apreciáveis de
vinho velho. Depois foi o fastio em 1814. Mais tarde a natureza
fez acabar com as cepas de boa qualidade, fazendo-as substituir
pelo produtor directo que se tem mantido lado a lado com as
castas europeias numa prosmicuidade escandalosa. O futuro anuncia
o retorno ao passado com o retorno das castas tradicionais. Resta
esperar pela indispensável reconciliaçäo da hodierna
microvinificaçäo com a tradicional.
O Vinho Madeira, desde tempos recuados, adquiriu fama no
mundo colonial europeu, tornando-se a bebida preferida do
militar, expedicionista, aventureiro, em terras da América ou da
åsia. Escolhido pela aristocracia colonial, o vinho manteve-se
com lugar cativo no mercado londrino, europeu e colonial.

O ilhéu desde o último quartel do século XVI fez mudar os


canaviais por vinhedos, os quais alastraram a todas as terras
cultivadas, devorando a floresta a sul e a norte. Nesta autêntica
febre vitícola o madeirense esqueceu que devia semear cereais e
plantar árvores de fruto. O vinho era a sua única fonte de
sustento pois com ele adquiria-se o alimento necessário, trazido
pelas embarcaçöes americanas, ou a indumentária e manufacturas
europeias, nomeadamente inglesas, tudo trocado por pipas de
vinho.
Viveu a Madeira, desde o século XVII a princípios do XIX,
embalada pela opulência derivada do comércio do vinho e, com täo
avultados proventos, o madeirense adquiriu o luxo exuberante do
meio aristocrático londrino. O íncola habituou-se à vida cortesä
europeia, copiou os hábitos ingleses e, nas suas quintas rodeadas
de sumptuosos vinhedos e jardins, rivalizava-o no mais ínfimo
pormenor.
A presença da vinha na Madeira, que surge com os primeiros
colonos, era uma inevitabilidade do mundo cristäo. O ritual
religioso fez do päo e do vinho os dois elementos substanciais
da sua prática, fazendo-os símbolos da essência da vida humana
e do seu Salvador-Cristo. Por isso o vinho e o päo avançaram
conjuntamente com a Cristandade, levados por monges e bispos. Tal
realidade veio revolucionar os hábitos alimentares do ocidente
cristäo, a partir do séc. VII, estabelecendo o comer päo e beber
vinho como o símbolo do sustento humano.
Em meados do século XV, com o processo de ocupaçäo e
aproveitamento da ilha, é dada como certa a introduçäo de cepas
vindas do reino e mais tarde as celebres do Mediterâneo. Joäo
Gonçalves Zarco, Tristäo Vaz Teixeira e Bartolomeu Perestrello,
que receberam o domínio das capitanias do arquipélago, sob a
direcçäo do monarca e do Infante D. Henrique, procederam ao
desbravamento e ocupaçäo do solo com diversas culturas trazidas
do reino - o trigo, a vinha e a cana. Num lapso de tempo a
paisagem da ilha transformou-se: das escarpas brotaram as
culturas e o denso arvoredo foi cortado para construir
habitaçöes, erguer latadas. Nas planuras ribeirinhas do oceano,
onde havia local para varar um barco surgiu o Homem na sua fúria
constante contra a natureza a traçar socalcos que fez decorar de
dourados trigais e de verdejantes canaviais e vinhas. No Funchal
do funcho fez resplandecer os campos de trigo entremeados, aqui
e acolá, por canaviais e vinhedos. Em Câmara de Lobos, depois de
afugentados os lobos marinhos, subiu encosta acima de picareta
na mäo traçando o rendilhado dos socalcos donde fez plantar a
videira em vistosas latadas.
Foi desta forma que a vinha conquistou o solo ilhéu em
todas as direcçöes, tornando-se o vinho um produto importante na
actividade agrícola do ilhéu. Já em 1455 Cadamosto ficara
deslumbrado com o que viu na área vitícola do Funchal; «...tem
vinhos, mesmo muitíssimo bons, se se considerar que a ilha é
habitada há pouco tempo. Säo em tanta quantidade, que chegam para
os da ilha e se exportam muitos deles»
O vinho na Madeira do séc. XV apresentava-se já com um
produto competitivo do trigo e do açúcar, com grande peso na
economia local, sendo desde o início um potencial produto do
mercado externo da ilha. Os testemunhos abonatórios desta
importância no comércio externo säo múltiplos. Destes releva-se
o elogio de Shakespeare em algumas das suas peças.
Os trigais e canaviais deram lugar às latadas e balseiras
e a vinha tornou-se na cultura exclusiva do colono madeirense,
à qual este dá todo o seu engenho e arte. Tudo isto projectou o
vinho para o primeiro lugar na actividade económica da ilha,
mantendo-se por mais de três séculos. O ilhéu, desde o último
quartel do séc. XVI, apostou em exclusivo na cultura da vinha,
tirando dela o necessário para o seu sustento diário e,
igualmente, para manter uma vida de luxo, sumptuosos palácios e
igrejas.
Se em 1547 Hans Standen refere que a economia da ilha se
define pelo binómio vinho/açúcar, já em 1578 Duarte Lopes
colocava o vinho em primeiro lugar nas exportaçöes e em 1669 o
consul francês afirmava que o vinho era o principal negócio da
ilha. Toda a documentaçäo dos sécs. XVIII/XIX é unânime em
considerar o vinho como a principal e total riqueza da ilha, a
única moeda de troca. A Madeira näo tinha com que acenar aos
navios que por aí passavam, ou a demandavam, senäo o copo de
vinho. Tudo isto fez aumentar a dependência da economia
madeirense.
Contra esta política exclusivista imposta pelo
mercantilismo inglês se manifestaram, quer o governador e capitäo
general Sá Pereira, em regimento de agricultura para o Porto
Santo, quer o corregedor e desembargador António Rodrigues Veloso
em 1782 nas instruçöes que deixou na Câmara da Calheta, quando
aí esteve em alçada. Mas foi tudo em väo, ninguém foi capaz de
frenar a "febre vitícola", nem de convencer o viticultor a
abandonar a vinha, num momento em que o vinho da ilha tinha
grande procura no mercado internacional. E, mesmo assim, poucos
eram os anos em que a colheita era suficiente para satisfazer a
grande procura. Por isso, socorria-se aos vinhos inferiores do
norte e, até mesmo, ao vinho dos Açores e Canárias para poder
saciar-se o sedento colonialista europeu.
Desde o século XV que o ilhéu traçou a sua rota no mercado
internacional, acompanhando o colonialista nas suas expediçöes
e fixaçäo na åsia e América. O comerciante inglês, aqui
implantado desde o séc. XVII, soube tirar partido deste produto
fazendo-o chegar em quantidades volumosas às mäos dos seus
compatriotas que se haviam espalhado pelos quatro cantos do mundo
colonial europeu.
Vários factores fizeram com que o comerciante inglês se
instalasse na ilha e cá se afirmasse como um potencial negociante
do vinho. Destes, a referência a alguns dos mais importantes:
Richart Pickfort (1638/82), W. Boltom (1695/1714), James Leacock
(1741), Francis Newton (1745), R.Blandy (1811).
O movimento do comércio do vinho da Madeira ao longo dos
sécs. XVIII e XIX imbrica-se de modo directo no traçado das rotas
marítimas coloniais que tinham passagem obrigatória na ilha. A
estas rotas fundamentais juntavam-se outras subsidiárias, quase
todas sob controlo inglês: säo as rotas da Inglaterra colonial
que fazem do Funchal porto de refresco e carga de vinho no seu
rumo aos mercados das Indias Ocidentais e Orientais, donde
regressavam, via Açores, com o recheio colonial; säo os navios
portugueses da rota das Indias, ou do Brasil que escalam a ilha
onde recebem o vinho que conduzem às praças lusas; säo, ainda,
os navios ingleses que se dirigem à Madeira com manufacturas e
fazem o retorno tocando Gibraltar, Lisboa, Porto; e, finalmente,
os navios norteamericanos que trazem as farinhas para modeirense
e regressam carregados de vinho.
Por todas estas razöes o vinho ilhéu conquistou, desde o
séc. XVI, o mercado colonial em åfrica, åsia e América afirmando-
se até meados do séc. XIX como a bebida por excelência do
colonialista e das tropas coloniais em acçäo. Regressado o
colonialista à sua terra de origem, depois do surto do movimento
independentista, trouxe na bagagem o vinho da ilha e fê-lo
apreciar pelos seus patrícios.
O momento de apogeu da exportaçäo do vinho da ilha para
estes mercados situa-se entre finais do séc. XVIII e princípios
do séc. XIX, altura em que a saída atingiu a média de 20.000
pipas. Durante este período mais de 2/3 do vinho exportado
destinava-se ao mercado colonial americano, de que se destacam
as Antilhas, as plantaçöes do sul da América do Norte e N. York.
A primeira metade do séc. XIX é pautada por uma acentuada
alteraçäo na geografia do mercado consumidor do vinho da Madeira.
É o período de afirmaçäo dum novo mercado para cobrir as
exigências de novos e velhos apreciadores. A Inglaterra, Rússia
tomaram o lugar do mercado colonial a partir de 1831.
A juntar a esta mudança temos a concorrência do vinho de
França, Espanha e Cabo. Mais uma vez o curso da História
atraiçoou-nos. O fim das guerras europeias, em princípios do séc.
XIX, abriu as comportas do vinho europeu ao potencial mercado
colonial asiático e americano. A retirada do colonialista das
áreas colonizadas fez perder o gosto pelo vinho da ilha. Os
primeiros sintomas disto surgem a partir de 1814, agravando-se
de ano para ano. As colheitas de 1819 a 1821 mantiveram-se
estagnadas nos armazéns, por isso em 1820 vinte mil pipas
aguardavam comprador. O retrato verdadeiro da situaçäo
encontramo-lo no voz desesperada do homem da época: «Estäo as
casas ricas de vinho, pobres de sustento e de alimento».
Por tuso isto a recordaçäo do período que decorre dos anos
de 1840 a 1860 faz-se com muita dor e lágrimas. Foi esta a época
de maior sofrimento do incola. A unica soluçäo possível foi a
diáspora madeirense, mercê da solicitaçäo e aliciamento de
ingleses e seus acólitos, que fez com que a força de trabalho do
ilhéu chegasse a longinquas paragens a substituir os escravos,
agora feitos libertos. Entre 1840/50 o madeirense perdeu o amor
à sua terra e foi ao encontro dum novo paraíso fugaz, criado pelo
inglês nas Antilhas.
Hoje, passados mais de quinhentos anos sobre a introduçäo
da vinha na Madeira, todos nós mantemos bem vivo um imenso rol
de recordaçöes dos tempos áureos de apreciaçäo e comércio do
vinho. Mas, infelizmente, esta imagem passou já à História. æ
euforia da grande procura sucedeu-se a crise dos mercados,
agravada, ademais, pela presença das doenças que atacaram a vinha
(oídio e filoxera). Com isto perdeu-se a ligaçäo ancestral com
as tradicionais castas europeias mas, em contrapartida,
conquistou-se as variedades americanas. Também estas dificuldades
conduziram à debandada dos agentes comerciais que lhe traçaram
o mercado, perdendo-se, no meio desta desgraça, a maior parte da
documentaçäo particular. Por isso, ao historiador que pretende
rastrear este inolvidável percurso deparam-se inúmeras
dificuldades na sua revelaçäo. Aqui deixamos alguma dessas
imagens que conseguimos reunir.
1.DOCUMENTOS

A documentaçäo aqui publicada foi seleccionada de acordo


com as novidades que aporta sobre a actualidade e História do
Vinho. A documentaçäo, de tipo memorandum, que assume por vezes
um carácter repetitivo, surge, com frequência, no período de 1784
a 1835. Existem razöes de sobra para esta assídua presença
documental e empenho dos seus promotores em rastrear o estado
da questäo. Estamos perante um momento de crise do comércio do
vinho, que abalou fortemente a estrutura sócio-económica
madeirense, colocando a ilha num beco de difícil saída. As
medidas em prol da defesa da qualidade do vinho, a protecçäo
contra a concorrência, sucedem-se em catadupa, enquanto tardavam
as soluçöes alternativas para a economia madeirense.
Em 1821, com o aparecimento do primeiro jornal - O Patriota
Funchalense -, vira-se uma nova página na vida política da
Madeira. A partir de agora, a expressäo dos anseios dos
madeirenses tornam-se mais evidentes e ganha maior acuidade,
mercê da possibilidade de impressäo e ampla divulgaçäo volante.
O periódico, pela comunhäo com o leitor, torna-se numa nova força
de combate político e da sua expressäo ao presente e futuro. Säo
milhares de páginas que estäo ao nosso dispor, publicadas em mais
de uma centena de periódicos oitocentistas. Destes extraímos
aqueles textos mais significativos que surgem organizados em
quatro capítulos: o vinho, a aguardente, as estufas, aspectos
económicos. Neste último caso as apreciaçöes globais sobre a
vivência sócio-económica da ilha servem para situarmos a posiçäo
e importância assumida pelo vinho.

(...)

(SEGUEM-SE OS DOCUMENTOS DOS ARQUIVOS OFICIAIS E DOS JORNAIS,


DESDE 1821...)
2. TEXTOS NARRATIVOS

O vinho atraiu a atençäo de poetas, escritores,


investigadores e visitantes. Daqui teräo resultado alguns
testemunhos abonatórios da qualidade do produto provado e da sua
importância na vida económica madeirense, ao longo destes cinco
séculos. Por algum tempo dedicamo-nos a recolher estes
depoimentos. Parte disso é aqui e agora apresentaando ao leitor.
A organizaçäo destes textos foi feita de acordo com a
nacionalidade, porque também isso encerra uma divisäo temática.
Assim, enquanto os nacionais säo, fundamentalmente estudos
resultantes da crise que assolou a vinha a partir de meados do
século XIX, os estrangeiros expressam, quase sempre, o testemunho
do contacto físico com as vinhas e da prova do delicioso
rubinéctar. A partir da segunda metade do século XIX é evidente
neste grupo uma maior preocupaçäo descritiva e de enunciaçäo
histórica. A ideia de fazer a História e descriçäo pormenorizada
das visitas feitas aos vinhedos e lojas, é uma constante, que tem
em Henry Vizetelly a sua máxima expressäo.
Os textos em inglês foram traduzidos pela Dr. Isabel
Marques da Silva, cuja colaboraçäo agradecemos.
1. AUTORES NACIONAIS
O VINHO ANTES DA MOLÉSTIA VINHA

PAULO PERESTRELO DA CÅMARA

Publicado:

Breve notícia sobre a Madeira, Lisboa, 1841, pp.67-91


CAPITULO IV.

Cultura das vinhas. Theoria do tratamento e exportaçäo dos


vinhos.

O unico objecto de riqueza territorial, da Madeira que tal


título mereça, é sem duvida a preciosa e abundante producçäo de
seus generosos vinhos, os melhores que no mundo se conhecem, e
só com os quaes poderäo pertender emparelhar os do Porto, Xerez
ou Chypre. D'esta ilha, mandou vir o sabio Infante D. Henrique
as primeiras cepas do vidonho denominado malvasia pelos annos de
1427, e é de presumir que tambem todos os demais com pequena
excepçäo, pois ignoramos, que na época d'este Principe, houvessem
no Reino, vidonhos iguaes aos que hoje produz a Madeira, alem do
bastardo, boal, e verdelho, donde julgo säo oriundos, com a
differença de terem melhorado e a perfeiçoado a sua natureza, em
um solo pyrogeneo, gordo, forte, seco e virgem.

Diversas säo as qualidades de uva em que abunda a sua


colheita, e talvez mais numerosas que em nenhum outro paiz.
Tambem em nenhum outro é a sua cultura mais dificultosa e menos
duradoura, o que é devido à natureza do seu terreno pedregoso e
seco, onde um clima constantemente temperado, assim como a falta
d'agoas e de humidade, empecem a vegetaçäo e a tornäo de curta
longevidade, principalmente na parte do Sul, onde se produzem os
melhores vinhos.
N'esta regiäo, antes de 3 annos de cultivo, nada produz a
cepa; no quarto começa a vigorisar-se, e a dar annualmente
abundantes e grandiosos cachos; aos 8 annos acha se na sua
completa maturidade, e logo depois entra na sua decrepidez, perde
o viço e robustez, carrega pouco de uva, e por fim, morre entre
os 10 a 15 annos. Ao menos é esta a conhecida theoria nos
sequeiros, que dominäo na grande maioria da parte do Sul. O
contrario, porem, acontece na do Norte, onde uma temperatura,
mais fria, e um terreno humido, abundante de agoas e de arvoredo,
lhe conserva uma longevidade, sempre viçosa, entrelaçada nos
verdes ramos das arvores, produzindo quasi que sem trabalho, em
muito maior abundancia, porem no geral de inferior qualidade.
Duas palavras direi sobre os diversos lotes de vinho, e o
singular tratamento, de que nesta ilha usäo para rapidamente o
envelhecer.
Começaremos pelo Sercial, a meu ver, a mais precisosa e
exquesita das bebidas, assim como a mais custosa e rara a obter,
e a que mais tempo exige para um completo aperfeiçoamento. O seu
cacho, raramente adquire uma madureza perfeita, conserva sempre
uma natural agrosidade, e apenas é toleravel o que nasce na beira
mar, crestado pela marezia e ardor do sol. Nada menos de 10 annos
säo necessarios, para este liquido adquirir o gosto, aroma e
torrado que tanto o caracterisäo, e durante este longo período,
mui dispendioso e difficil é o seu trafego, absorvendo perto de
metade da sua totalidade em agoardente, a qual evaporando-se em
täo comprido espaço, näo fallando ja no da Estufa, faz sobresahir
ao Sercial as qualidades naturaes de que é dotado, as quaes a
idade aperfeiçoa; por isso uma pipa d'elle, da melhor qualidade,
com o tratamento que deixo dito, vale nunca menos de 200$000 rs.
O melhor, e talves o unico bom que se cultiva, é o da freguezia
do Paul do mar, pertencente ao morgado Joäo da Camara de
Carvalhal, e toda a ilha poderá produzir annualmente 100 pipas
do bom.
Vem logo depois a Malvasia, bebida doce que muitos preferem
ao Sercial, e que com elle emparelha na superioridade e valor.
Da de superior qualidade apenas se colheräo annualmente umas 200
pipas; esta se poderá bem comparar ao fabuloso nectar, no
mellifluo gosto e delicioso aroma, que parece sair de um ramo de
odoríferas flores. Com 8 annos de idade, já esta bebida é
preciosa, e quanto mais velha melhor, accrescendo, que mesmo de
1 anno é muito agradável, e até mais exhala o seu perfume, e mais
gosto da uva tem.
A colheita total, entre boa e má, chegara a perto de 600
pipas, porem a melhor, provem do lugar no Campanario, denominado
Fajam dos Padres, que pertenceu aos Jesuitas, e logo depois a do
Paul, Jardim, Arco da Calheta e Magdalena.
A 3ª qualidade de vinho que mais valor tem no mercado, mas
que poucos proprietarios mandäo fazer em separado por ser o
vidonho raro é o Boal, cujo cacho comprido e bago miudo, dado se
bem na vinha de pé, e por isso prematuramente crestado pelo ardor
do sol e calor natural da terra, temporäamente amadurece, o que
junto á fortaleza e generosidade da sua natureza, produz um
liquido de summa preciosidade, e o mais aromatico de quantos dá
a Madeira, porem de escaça quantidade pois de Boal puro, apenas
se poderäo colher annualmente umas 50 pipas. O de melhor
qualidade é produzido nas freguezias do Campanario, Camera de
Lobos, Stº Antonio, Estreito da Calheta &c. &c. e o seu preço
pouca differença faz para menos do da malvasia.
Apenas aqui farei mençäo da muito rara e estimada uva
denominada bastardo, a qual ja hoje pela sua escacez, näo se pode
separar para fazer liquido puro, de uma só qualidade. Duas cousas
se lhe notäo que a tornäo apreciavel e curiosa; a primeira é por
ser rara e excellente para o prato ou meza, pela dureza e
adstrigencia do seu bago, e a segunda é, que sendo uva preta,
produz vinho branco.
Em ordem numerica de valor, poderemos contar em quarta
qualidade, a conhecida e afamada Tinta, denominaçäo bem
applicada, pela sua cor, e exclusivamente feita da uva preta. Os
epicuristas classificäo-na em duas qualidades, a forte e a fraca.
A da primeira classe abunda nas freguezias de Stº Antonio, Camera
de Lobos, Estreito, e S. Martinho, e a da 2ª nas de Porto do
Moniz, Santa Cruz, e Gaula. O seu uso é muito recomendado nas
diarreias, gozando alem d'essa, d'outras virtudes medicinaes, e
em adstrigencia emparelha com o melhor vinho do Porto tinto.
Sendo velha, mais preço tem; com tudo a meu ver o estado da sua
perfeiçäo é aos 3 annos, antes que perca a côr e o aperto do
gosto, o que acontece dos 4 em diante. A sua colheita näo é
escaça, da melhor sorte, se poderäo colher annualmente 350 pipas
e no total umas 800; a do primeiro lote tendo de 2 a 3 annos de
idade pode valer 110$000 rs por pipa, mas a do segundo como quazi
só sirva para misturar com o vinho branco afim de lhe dar cor,
regula menos de metade d'est'outra, e näo tem consumo em paiz
estrangeiro.
Muitas outras qualidades de uva ha, taes como Canaria,
Peringó, Muscatel, Ferral Negrinho & porem a sua diminuta
quantidade pertencente a um só proprietario, em os sitios onde
nascem, näo permitte d'ellas fazer liquido puro, e väo juntamente
com o verdelho, formar a grande maioria da producçäo dos seus
vinhos, dos quaes esta ultima qualidade entra nas seis decimas
partes da sua totalidade. Vejamos agora o modo singular de os
tratar nos dois sistemas em uso Canteiro e de Estufa. O primeiro
reduz se a conserva-lo no vasilhame collocado em cima de duas
traves, na altura de 2 ou 3 palmos do chäo, e ahi se lhe presta
o necessario tratamento; começarei desde o seu primeiro processo.
Colhida que é a uva, e lançada no lagar, é pizada com os pés até
que o bago fica quazi moido; entäo de todo o bagaço se forma uma
pyramide sustentada em roda por cordas, em cima da qual uma taboa
vai servir de base a alguns pedaços de madeira quadrados até irem
tocar na vara do lagar, isto é, uma grossa viga que o atravessa,
com um machinismo de espremêr, ou apertar o objecto a que é
aplicado, com um pezo de pedra. Findo este processo, desmancha
se o bagaço, o qual ficou exausto de suco aparentemente, é
cortado, separado, e entäo outra vez fortemente calcado, ao que
chamäo repiza, findo o que, o mesmo reziduo ensopando-se outra
vez do amago da uva que, se näo poude esgotar no primeiro
processo, passa a um segundo igual, e o liquido que produz,
chamdado o da corda ou repiza, é de superior qualidade. Depois
torna-se a desmanchar o bagaço, deita-se lhe agoa, o que produz
a agoa pé.
Sacado o mosto da tina, he lançado em pipas, näo batocadas,
por causa da effervecencia que logo se lhe desenvolve, e dura nos
vinhos generosos até Dezembro. Claro que esteja, é tirado de cima
da borra; entäo é logo mandado para o alambique, e o que se quer
tratar para velho vai para o canteiro onde é clarificado com goma
de peixe, ou claras d'ovo, ou sangue, e logo tresfegado e
agoardentado. Nos primeiros 18 mezes, é necessario repetir este
processo 6 ou 8 vezes abafando-o sempre com agoardente. Se acaso
por ser muito maduro ou muito verde o vinho amolece, e fica como
azeite, o que acontece ás vezes nestes dois estremos, é percizo
logo baldea-lo, rolar a pipa em que está, ou bate-lo bem com o
mechedor e agoardenta-lo, mas se a nada disto cede, só o calor
da estufa o curará, ou servirá para agoardente.
Agora fallarei deste curioso processo de que se tem dito
muito mal e bem, e sobre o qual ainda hoje a opiniäo publica näo
está inteiramente pronunciada. A estufa nada mais é de que o
methodo de accelerar o desenvolvimento das particulas que
constituem a excellencia do vinho da Madeira, isto é, suprir em
3 mezes o que 7 ou 8 annos haviäo de exigir; e neste inegavel
principio, sustentarei, que o sistema de estufar a grande maioria
do vinho que a Madeira se exporta, he o que a tem sustentado
nestes ultimos annos em que este seu unico artigo de commercio
tem achado poderosos concorrentes nos mercados estrangeiros,
havendo o seu por capricho da moda, soffrido desuso, assim como
um eterno empate o viria estagnar, a näo ser o rápido processo
que tanto barateou o valor com que pode ser exportado este
genero, com bom interesse, sem com tudo ser adulterado ou
falsificado.
Uns 25 annos haveräo que ainda a Inglaterra, importava para
seu domestico consumo perto de 6:000 pipas de vinho da Madeira,
porem hoje nem 800 pipas gasta annualmente, em consequencia de
ter entrado em moda o Xerez, o Porto e os Vinhos Francezes, e
para as Indias näo vai ja ametade do que ia, por se fornecerem
em grande quantidade de vinho do Cabo da Boa Esperança, colonia
Ingleza.
Seria inepto julgar, que foi o processo da Estufa que
desacreditou este genero, e diminuio o seu consumo, pois alem de
se ter em recompensa acreditado na Russia, nos Estados Unidos,
na Hollanda &c. &c. existe a mesma possibilidade de se embarcar
vinho de Canteiro como d'antes, o que ainda hoje se pratica com
muitos freguezes. Alguns annos antes d'essa época, isto é, antes
da introducçäo das Estufas, custava uma pipa de Vinho prompto
para embarque muitissimo mais do que hoje, em consequencia de
exigir 5 ou 6 idades da que hoje produz este systema, e entäo a
näo ser esta providencia, que tanto veio baratear a unica
produçäo que aviventa a Madeira, o que seria hoje d'ella, se este
methodo näo tivesse facilitado a sua exportaçäo, barateando o seu
custo? Concluo pois erm quanto estes vinhos, pela sua carestia,
se näo poderäo proporcionar ao consumo de diversos Povos do
Norte, pouco gasto faziäo d'elles, porem hoje que o systhema das
Estufas veio facilitar a sua extracçäo, assim como dar-lhe
velhice e fortalesa para resistir ao gelo do Norte, recebeo nova
circulaçäo o sangue d'esta Ilha, e povos que estaväo privados
d'este artigo de luxo por causa do seu alto custo, hoje o gastäo
com profusäo, assim vêmos nós os Estados Unidos consumirem em
direitura ou por via de Inglaterra 4:200 pipas annualmente, a
Russia 2:000, a Hollanda, a Suecia, as cidades Hanseaticas &c.
&c. á proporçäo.
Todavia, näo se deve inserir pelo que deixo dito que o
vinho estufado seja superior em qualidade ao de canteiro, o qual
em geral é mais estimado, para o uso do paiz, näo só porque
grande parte é produzido nos melhores torröes do Sul da Ilha, mas
tambem por ser mais aromatico, macio e corpulento.
Consiste o processo de estufar vinho, na seguinte maneira.
Qualquer que seja o edificio, (em geral säo de abobeda) deve ser
hermeticamente rebocado, a estuque, deixando se lhe apennas a
porta por onde entra o vasilhame, a qual é tambem entaipada,
depois que a cascadura se acha estivada dentro, e apenas se lhe
deixa um postigo por onde um só homem possa caber, para hir
diariamente examinar com uma lanterna se há novidade dentro. No
edificio deve haver uma fornalha, praticada no interior, porem
de maneira que facilmente seja alimentada de fora com o
necessario combustivel, findo o que é fechada. Em todo o circuito
do muro da mesma Estufa ha um cano ou tubo de cantaria ou tejolo,
que faz circular o intenso calor da fornalha por toda a parte,
calor que muitas vezes excede a 160 graus de Farenheit, e entäo
o liquido ferve dentro da vazilha, como uma chaleira em cima de
brazas, tendo se lhe previamente feito um furo no fundo superior,
para näo arrebentar. Durante 3 mezes ou 100 dias se acha nesta
continua fermentaçäo na qual perde em geral 10 por 100 da sua
totalidade; entäo apaga-se a fornalha, e dias depois väo as pipas
para o canteiro, afim do vinho ser tratado. É notavel, que até
durante o maior auge de calor, enträo neste Inferno artificial
homens a isso acostumados, e com a ajuda da lanterna correm os
sinuosos espaços com que o vazilhame está estivado, e estancäo
facilmente algum esvaimento, ruptura ou broca.
A "MANGRA" OU DOENÇA DAS VINHAS

Por Joäo de Andrade Corvo

Publicado:

Memórias sobre as ilhas da Madeira e Porto-Santo. Por Joäo


Amdrade Corvo, sócio efectivo da Academia Real de Sciencias de
Lisboa- Memoria I.Memoria sobre a "mangra" ou doença das vinhas
da Madeira e Porto-Santo. Apresentada à Academia na Sessäo de 3
de Fevereiro de 1854, (Lisboa), (1954); "A mangra ou doença das
vinhas", in Das Artes e da História da Madeira, vols. IV-V,
nºs.24-29, 1956-1959.
CAPïTULO I

CULTURA DA VINHA NAS ILHAS DA MADEIRA E PORTO SANTO

Limites da Cultura da Vinha

A Ilha da Madeira, situada entre 32º 49' 44'' e 32º 37'


18'' de latitude boreal, está colocada próximamente no centro da
regiäo agricola das vinhas, que se estende, no hemisfério norte,
desde Truxillo no México a 8º de latitude até 52º, quando as
circunstâncias da exposiçäo e do sólo lhe säo favoráveis.
Sendo a ilha uma grandiosa serrania, que se levanta em
montes mais ou menos íngremes, desde o nível do mar até à altura
de 6.000 pés, claro está que a vinha se näo pode cultivar ali
senäo em parte do terreno arável, É sabido que a temperatura da
atmosfera dimimui nas montanhas, em proporçäo da sua elevaçäo,
da sua inclinaçäo, e de latitude em que se acham. Nos climas
temperados pode-se calcular que, quando as montanhas se elevam
abruptamente, a uma diferença do nível de 600 pés corresponde a
diferença de um grau na temperatura, e quando o declive das
montanhas é suave, esta diferença só se encontra de 700 em 700
pés pouco mais ou menos. Segue-se daqui, e é esta a opiniäo dos
físicos, que uma elevaçäo de nível de 615 pés (200 metros) produz
em geral o mesmo abaixamento de temperatura, que produziria a
aproximaçäo do pólo de um a dois graus, A vinha, planta delicada
e que carece de receber, desde que as suas gemas principiam a
rebentar até os cachos estarem perfeitamente maduros, um calor
total de 4.000º que precisa estar debaixo da acçäo de uma
temperatura pouco variável, e que suba sucessivamente de 9º pelo
menos a 20º, näo pode frutificar nos lugares muito elevados da
Madeira, e por isso a sua cultura, com proveito, é só possível
na zona das montanhas, compreendida , pouco mais ou menos, entre
o nível do mar e a altura de 2.000 a 2.300 pés. Bowdich assina
como limite extremo da regiäo das vinhas na Madeira a altura de
2.700 pés; este limite porém é demasiadamente elevado, quando se
trata de determinar a extensäo do sólo em que esta planta
produzir frutos maduros.
É para admirar contudo que a vinha suba täo pouco num país
situado a 32º de latitude, quando no Val-Sesia, ao pé do Monte-
Rosa na Suíça, ela chega a 1.000 metros (3.078 pés). Estes
limites pouco elevados da vinha na Madeira devem ser o resultado
dos nevoeiros, que quase todos os dias coroam as serras, e
impedem a acçäo directa dos raios solares.
A maior ou menor inclinaçäo do sólo influi täo
poderosamente na vegetaçäo da vinha, como na diminuiçäo da
temperatura. No Monte, por detrás do Funchal, cujo declive é
muito rápido, a vinha sobe só a 1.700 pés; no Curral das Freiras,
profundo e estreito vale que desce até ao mar segundo a direcçäo
da Ribeira dos Socorridos, limitado por montes cortados a prumo
que o abrigam, encontra-se a vinha cultivada na altura de 2.080
pés. No Pau Branco, por cima de Câmara de Lobos a vinha acha-se
cultivada com proveito na altura de 1922 pés. Segundo as
observaçöes do sr. Major Azevedo, o limite da cultura da vinha
no Estreito fica a 2.300 pés próximamente, acima do nível do mar.
Na Camacha a vinha frutifica a 2.200 pés.
Näo só a altura influi sobre a cultura da vinha, senäo
também a exposiçäo. As exposiçöes mais favoráveis na Madeira säo
as exposiçöes ao Sul, e ao sudeste; as menos favoráveis ao norte
e noroeste; por isso a vinha no sul da ilha sóbe a pontos mais
elevados do que no norte.
A influência destes três modificadores, altura acima do
nivel do mar, declive, e exposiçäo, näo se torna só manifesta
quando se quer determinar o limite superior que nas diferentes
freguesias da ilha tem a cultura da vinha; também a sua
influência nas qualidades da uva produzida, e conseguintemente
propriedades do vinho que dessa uva se extrai, säo perfeitamente
evidentes.
Em primeiro lugar pode fazer-se uma grande divisäo das
vinhas da Madeira, fundada na sua posiçäo geográfica, em vinhas
do sul, e vinhas do norte. Säo as primeiras em geral, que
produzem os vinhos preciosos da Ilha, e as segundas os vinhos
ordinários.
Nos seguintes mapas dos médios e máximos preços do barril
de vinho, arbitrados pelas Câmaras Municipais em 1851 nos
diversos Concelhos, pode ver-se a demonstraçäo desta preposiçäo.

Concelhos
Preço
vinhos
médio
em
dos
reis
Concelhos
do
norte
preço
médio
1851
vinhos


sorte

sorte

sorte


sorte

sorte

sorte

Machico
2350
1800
1555
S.Vicente
2260rs
2000rs
1725rs

Santa Cruz
1965
1635
1235
Sant'Ana
1780rs
1580rs
1600rs

Funchal
3430
2700
2060

Camara de
Lobos
4320
3440
2000
Ponta do Sol
1900
1435
840

Calheta
2940
2590
1865

Média dos
preços dos
vinhos no sul,
por sortes
2830
2265
1590
Média no
norte por
sortes
2020rs
1790rs
1660rs

CONCELHOS DO SUL
Preços
Máximos
CONCELHOS DO
NORTE
preços
máximos

Machico
2800rs
Säo Vicente
2600rs

Santa Cruz
2000rs

Funchal
1000rs

Câmara de Lobos
5400rs
Sant'Ana
2200rs

Ponta do Sol
2600rs

Calheta
5700rs

Média máximo preço


3716rs
Média máximo
preço
2400rs

Vê-se por este valores médios e máximos dos vinhos do norte


e do sul, que em geral as qualidades destes säo superiores às
daqueles. As Câmaras Municipais, ao arbitrarem valores aos vinhos
em cada uma das freguesias das ilhas da Madeira e Porto Santo,
dividem estes em vinhos de primeira, segunda e terceira sorte,
e, como os valores dados a esses vinhos estäo em relaçäo directa
com as suas qualidades, claro está, que os valores médios dos
vinhos do norte e do sul representam com bastante exactidäo o
merecimento relativo de uns e outros.
Estes mapas dos valores médios e máximos dos vinhos ainda
mostram também, em relaçäo aos concelhos do sul, a influência que
tem sobre as qualidades do vinho a altura a que se cultiva a
vinha acima do nível do mar. Em dois concelhos limitrofes, ambos
do sul da ilha, em Câmara de Lobos e na Ponta do Sol, por
exemplo, achamos uma grande diferença nas médias dos valores
arbitrados aos vinhos de primeira, segunda e terceira sorte.

Valores médios
dos vinhos em
Câmara de
Lobos

Valores médios
dos vinhos na
Ponta do Sol

1ª sorte
4$320rs
1ª sorte
1$900rs

2ª sorte
4$440rs
2ª sorte
1$435rs

3ª sorte
2$000rs
3ª sorte
$840rs

Se buscarmos as causas desta grande diferença, ser-nos-há


fácil encontra-las na diferença de altura a que a maior parte das
vinhas säo cultivadas, e no declive dos montes dum e doutro
concelho.
As diferenças, porém, que se encontram nos valores dos
vinhos nas freguesias do sul, näo se devem atribuir ùnicamente
à altura, a que se acham os terrenos dessas freguesias, em que
existe a vinha; as boas variedades de vidonhos cultivados, e
acidentes do solo, que apresentam às vezes excelentes exposiçöes
e admiráveis abrigos, säo duas poderosíssimas causas do alto
valor do vinho nalgumas localidades da Madeira.
Há sítios na Ilha famigerados pela excelência dos seus
vinhos; é entre todos notável a Fajä dos Padres, propriedade que
foi dos jesuítas, situada entre a montanha e o mar, e abrigada
dos ventos do norte, pelo mesmo monte de cujos detritos é
formada.
É aqui, e em parte do Paul do Mar, cuja situaçäo é muito
semelhante à Fazenda dos Padres, que se produz o melhor malvasia
da Madeira.
Nos recostos pouco elevados ao oeste do Funchal, em grande
parte das freguesias de Câmara de Lobos e Estreito, na Calheta,
etc. encontram-se vinhas cujos produtos säo muito estimados. A
distribuiçäo, porém, desses lugares privilegiados pela natureza
näo se pode sujeitar a regras, näo é possível sempre achar a
razäo da superioridade de um sítio sobre outro sítio, para a
produçäo desta ou daquela qualidade de vinho. Só há dois
princípios incontestáveis, os quais se podem aplicar a toda a
Ilha, quando se trata de avaliar em geral o mrercimento das
vinhas:
Os vinhos produzidos no sul säo suepriores aos produzidos
no norte.
Os vinhos produzidos em localidades situadas a menos de 500
pés de altura säo superiores aos produzidos em localidades mais
elevadas.
Na Ilha do Porto Santo só se cultiva a vinha em lugares näo
muito elevados, e os seus produtos säo pouco apreciados.

II

Solos em que se cultiva a vinha

A Madeira é, à excepçäo dos depósitos calcáreos da Ponte


de S. Lourenço e de S. Vicente, toda formada de rochas de origem
vulcânica. Além do basalto, ora em espessas assentadas, ora em
extensos diques, de escórias mais ou menos profundamente
desagregadas, e de diorite em esferoides, diorite orbicular, às
vezes muito alterada, pode-se, em todos os pontos da Ilha,
observar diferentes conglomerados e tufos vermelhos e amarelos
em camadas sobrepostas com bastante regularidade. Estes
conglomerados e tufos formados de substâncias vulcânicas,
apresentam bastante variedade no seu aspecto, e constituiçäo
física, mas näo devem diferir muito na composiçäo química. É à
custa destas rochas, que o sólo arável é formado, Como o Lacrima-
Christi, e os excelentes vinhos do Etna é o vinho da Madeira
produzido por plantas cultivadas em sólos vulcânicos.
Os princípios solos säo:
O cascalho, sólo formado pela decomposiçäo de conglomerados
basálticos.
A saibro, formado à custa do tufo vermelho; e cuja
composiçäo é, segundo Bowdich, em 100 partes; 46.8 de silex, 9,1
de alumina, 27,3 de óxido de ferro, 2,7 de soda, 3,8 de água,
10,3 de substâncias orgânicas. - Como a vinha carece para vegetar
de princípios que Bowdich, näo encontrou no saibro, onde ela
contudo prospera muito, näo se deve talvez considerar esta
análise como rigorosamente exacta.
A pedra mole, sólo produzido pelo tufo amarelo, cuja
composiçäo difere pouco da do saibro, mas que apresenta menos
agregaçäo do que este.
O massapés notável, por conter bastante argila, e
apresentar mais tenacidade do que os outros solos.
Os barros, sólos aluminosos de cor avermelhada.
Destes solos os mais convenientes para a cultura da vinha
säo o saibro, a pedra mole, e o solo que resulta da mistura
destas duas espécies e terras. Das outras variedades descritas
a melhor é o massapés nos lugares onde é possível conservar-lhe
uma humidade näo excessiva.
No Porto Santo a vinha é cultivada num solo formado pela
desagregaçäo de um calcáreo terroso, e grosseiro que assenta
sobre rochas de origem vulcânica.

III

Principais variedades de vinha, cultivadas na Madeira

É bem conhecida, de todos os que se dedicam aos estudos


botânicos, a facilidade com que têm muitas espécies vegetais de
dar origem a variedades; e a utilidade que a agricultura, em
geral, tem sabido tirar dessa propriedade admirável das plantas.
É em parte essa faculdade de se metamorfosear, que possuem as
plantas, que torna por vezes täo difíceis as classificaçöes
botânicas, e pöe em confusäo os quadros sistemáticos, em que os
naturalistas se esforçam por abranger todos os indivíduos do
reino vegetal.
Em muitas das espécies, que servem para a alimentaçäo do
homem, ou para os seus prazeres, encontramos nós exemplos da
pasmosa fecundidade da natureza em criar formas novas, e da
faculdade que têm os vegetais de aperfeiçoar, por vezes
simultaneamente todos os seus orgäos, por vezes alguns orgäos
ùnicamente, sacrificando a esse aperfeiçoamento outras partes do
organismo. Uma das espécies porém de que, sem dúvida, conhecemos
maior número de variedades é a vinha. O número dessas variedades,
näo é contudo täo considerável, quanto poderia imaginar quem
reunisse todos os nomes que se däo aos vidonhos em cada distrito
vinhateiro, sem procurar conhecer se ao mesmo vidonho compete
mais de um desses nomes, isto é, sem procurar conhecer a
sinonimia das variedades da vinha.
A necessidade de uma sinonimia completa é reconhecida em
todos os países, onde a cultura da vinha tem grande extensäo.
Alguns esforços se têm feito, para conseguir que essa sinonimia
se estabeleça sobre bases seguras: homens distintos pela sua
ciência, e dignos de admiraçäo pela constância, pela tenacidade
com que se entregaram a um trabalho difícil e de resultados pouco
brilhantes, têm contribuído eficazmente para os progresos da
ampelografia; colecçöes de vidonhos reunidos em museus, onde se
torna fácil comparar-lhes os caracteres botânicos, e estabelecer
seguramente a identidade, ou diferenças que entre esses vidonhos
existem, também têm auxiliado os progressos da ciência, mas
infelizmente näo tanto, quanto se poderia esperar de tais
estabelecimentos; é certo, porém, que a ampelografia está longe
da perfeiçäo, mesmo nas naçöes em que, para o seu adiantamento,
mais sacrifícios se häo feito.
O que há de desanimador ainda nos trabalhos sobre a
sinonimia das variedades da vinha é, que os resultados obtidos
num país podem servir, sim para termo de comparaçäo para os
trabalhos análogos noutro país, mas nunca säo aplicáveis senäo
naquele onde foram empreendidos. É esta talvez uma das razöes
que, junta à dificuldade inerente a tarefas desta natureza, tem
concorrido para afastar do estudo da ampelografia os homens da
ciência de alguns países, onde a cultura da vinha tem grande
desenvolvimento, e é uma das fontes mais produtivas da riqueza
agrícola. Em Portugal, pode dizer-se que o estudo da sinonimia
das variedades da vinha, e mesmo o estudo dos caracteres
botânicos dessas variedades está por encetar.
Näo é pois uma descriçäo das vinhas da Madeira que eu posso
dar aqui, apesar do desejo que tinha de o fazer, apresentarei
apenas o que, a respeito de alguns dos vidonhos mais
interessantes, pude colher e nas obras sobre a Madeira de Bowdich
e de Driver, e o que nas rarissimas plantas, ou antes nos
rarissimos ramos e frutos isentos de doença que encontrei na
Ilha, me foi possível observar.
As variedades principais da vinha, que se cultivam na
Madeira, säo as seguintes:

Boal. - Uvas de um branco alambreado: bagos pouco unidos


de pequena grandeza. Parra com as quatro divisöes superiores
muito profundas e agudas; pelos com ambas as faces. Julga-se que
esta variedade de vinha foi trazida de Bucelas para a ilha; há
porém, quem pense que ela veio de Borgonha.
Sercial. - Uvas amareladas de bagos redondos, parras com
quatro lobos arredondados; nervuras salientes; de um verde
amarelado. Esta variedade é a conhecida em Alemanha com o nome
de Hock.

Malvasia. - Há quatro qualidades de Malvasia. A candila ou


cadel; a malvasia roxa de bago redondo; a babosa de bago branco
e um tanto alongado; e a malvasia pròpriamente dita. Destas
variedades o principal é a candila, esta dá cachos grandes e
ovais de bagos ovados e cor de ouro, parras de cor amarela
esverdeada, com quatro divisöes muito profundas, e redondas, e
com duas menos distintas; cada dentadura tem uma ponta pequena
e amarelada. Esta foi a primeira variedade de vinha introduzida
na Madeira pelo príncipe D. Henrique em 1445, vinte e seis anos
depois da descoberta de ilha; é originária de Candia. Como a
posiçäo da Ilha da Madeira é quase idêntica à da ilha de Candia,
em relaçäo à direcçäo da linha isoterma dos 20º nada admira que
esta variedade prosperasse na Madeira.

Negra Molle-Tinta. - Uvas pretas de bago redondo. Parras


de sete lobos, com sinuosidades muito profundas e redondas; de
cor verde escura com pontuaçöes purpurinas.

Negrinha. - Uvas pretas, pouco preciosas. É necessário para


delas se fabricar vinho de algum merecimento sujeitar à acçäo do
sol, oito ou mais dias, as uvas depois de colhidas.

Verdelho. - Uva de bago amarelo, oval, Parras com sete


lobos, com sinuosidades pouco profundas, de cor verde escura.
Esta variedade é das que sobem a maiores alturas.

Tarrantés. - Bago roxo escuro; alongado.

Bastardo. - Bago preto, e redondo.

Isabelle. - Cachos grandes - bagos arredondados de um roxo


escuro, de pele grossa, muito abundantes em sumo; com um perfume
um pouco semelhante ao das maçäs - Parras grandes, pouco
divididas, com a página inferior coberta de pelos abundantes.
Variedade americana da vitis vulpina.

Eis aqui uma descriçäo, decerto incompleta, dos principais


vidonhos cultivados na Madeira. Nesta Memória teremos mais de uma
ocasiäo de a eles nos referirmos, e por isso esta descriçäo,
embora imperfeita, ser-nos-há de alguma utilidade.

IV
Cultura

Uma grande extensäo do solo da Madeira, onde a vinha pode


ser cultivada, acha-se situada no pendor áspero e escabroso de
altas montanhas, onde a terra vegetal näo poderia sustentar-se
e seria arrastada pelas chuvas torrenciais do outono até ao mar,
a näo serem os muros de pedra solta com que os cultivadores a
sustentam. O aspecto das montanhas da ilha na sua exposiçäo do
sul, e até à altura de 3.000 pés pouco mais ou menos; é
extremamente curioso e pitoresco; os socalcos, revestidos de
basalto, destinados a suster a terra dispöem-se uns sobre os
outros como degraus de uma escada colossal, e de cima desses
socalcos, aqui se debruçam os pampanos da vinha, ali brilham ao
sol as formosas folhas de inhame, mais longe levantam-se a
bananeira, a mangueira, a nespereira, a anoneira e outras árvores
dos trópicos, e por toda a parte as fuxias, as roseiras, os
tulipeiros, e as maracujás mostram as suas flores e os seus
frutos. É nestas pequenas porçöes de terra, roubadas pela
indústria e pelo trabalho incessante à acçäo dos agentes
atmosféricos, que as mais preciosas vinhas do sul säo cultivadas;
e daqui já se pode concluir o seu alto valor, o imenso capital
e trabalho que nelas está empregado, e o preço elevado que os
vinhos devem ter, mesmo em anos de produçäo regular, para poderem
pagar aos cultivadores os sacrificios que lhes custa a cultura
da vinha.
Em relaçäo ao modo de cultura da vinha pode dividir-se a
ilha em duas regiöes principais; a regiäo do norte, onde a vinha
é sustentada sobre castanheiros, e outras árvores altas; e a
regiäo do sul, onde em geral a vinha se estende horisontalmente
sobre grades de cana e salgueiro (salix rubra) a quatro ou cinco
palmos do chäo, em latadas de grande desenvolvimento.
No sul, porém, há, além deste modo de sustentar as vinhas
em latadas que descrevemos dois outros modos de dirigir o seu
crescimento. - Há as vinhas em corredor, que säo as que estendem
as suas varas sobre parreirais altos; e há as vinhas de pé, que
säo as que crescem sobre o solo, privadas, ou quase privadas de
apoio. Das vinhas tratadas por diversos processos, as que
geralmente däo produtos mais apreciáveis säo as das latadas
baixas.
A cultura e plantaçäo das vinhas é, na Madeira, feita com
bastante cuidado e perfeiçäo, o que infelizmente näo sucede às
outras plantas úteis. Contudo os processos adoptados nessa
cultura näo säo talvez os mais convenientes, como vamos ver. A
plantaçäo faz-se em valas de profundidade de quatro a seis pés,
nas quais se lançam pedras soltas para o escoamento das águas,
e boa terra com uma camada de mato. - Os bacelos säo tirados de
alguma das variedades mais vigorosas das vinhas, e depois säo
convenientemente enxertados. Uma plantaçäo de mil bacelos
importa, termo médio, cincoenta mil reis, segundo noticia dada
por cultivadores inteligentes. De ordinário as vinhas säo pouco
estrumadas com estrumes animais, porque se julga, com razäo, que
estes têm perniciosa influência sobre as qualidades das uvas. Uma
das coisas, que tem sido mais censurada às vinhas da Madeira, é
a grande proximidade em que ficam as cêpas umas das outras; esta
censura, contudo, näo é täo justa quanto o parece ser à primeira
vista. É fora de dúvida que o uso geral dos viticultores, fundado
sobre a maior ou menor necessidade de apressar a maturaçäo das
uvas, é de plantar os bacelos mais pertos uns dos outros à medida
que as vinhas se aproximam do limite, que os frios pöem à sua
cultura; mas a experiência, de acordo com a sua fisiologia,
também tem provado que as plantas säo mais fracas nas vinhas
muito bastas, e que as uvas säo mais ricas em açúcar e däo melhor
vinho, quando produzidas sobre plantas fracas; além disso, é
sabido que, no nosso hemisfério, além de certo limite para o sul
a cultura da vinha se torna impossível pelo grande vigor da sua
vegetaçäo, e que, em todos os lugares onde o clima fôr
extremamente favorável a essa planta, se se näo puzer obstáculo
à sua excessiva desenvoluçäo, haverá uma grande exuberância de
órgäos vegetativos, desenvolvidos à custa de uma limitada
produçäo dos órgäos de frutificaçäo; quando se quizer, pois,
apreciar os inconvenientes ou as vantagens do modo de plantaçäo
dos bacelos, adoptado geralmente no sul da Madeira será
indispensável ter em atençäo estas circunstâncias de grande
complexidade; e só se poderá fundamentar censura valiosa sobre
resultados de uma experiência (que felizmente ainda se näo fez)
de que se possa concluir qual o espaço mais conveniente a deixar
entre os bacelos na regiäo sul da Madeira.
As vinhas começam a produzir frutos, aproveitáveis para a
fabricaçäo do vinho, três ou quatro anos depois da sua plantaçäo,
e entäo elas säo todos os anos sujeitas a variadas operaçöes, que
favorecem a sua produtividade em frutos, à custa de certo da sua
duraçäo. Qual seja a época mais conveniente da poda näo é ponto
em que haja perfeito acordo entre os lavradores; uns preferem o
mês de Fevereiro, outros o de Março, e alguns hoje supöem ser a
melhor poda a que se pratica em Janeiro. O processo geralmente
adoptado na prática desta operaçäo tende a dar de ano para ano
um maior desenvolvimento às videiras, e conseguintemente a
enfraquecê-las, e a torna-las mui sujeitas a doenças que as
destroem; este processo de poda comprida é, principalmente no sul
da Ilha, seguido nas latadas e corredores, e o seu resultado é
estarem ao cabo de quinze anos de existência, e ainda menos,
estas vinhas em muito grande decadência. A preferência, contudo,
a dar à poda curta ou à poda comprida näo depende do capricho do
viticultor; a cada variedade de vinha compete um modod especial
de poda, e näo seguir esta operaçäo as indicaçöes da experiência
é , ou sacrificar a produçäo da vinha, ou sacrificar as cêpas.
Há plantas que däo frutos logo nas gemas ou borbulhas mais
inferiore, a estas compete a poda curta; outras variedades de
vinha há que só frutificam nos ramos que têm grande
desenvolvimento, nestas deve empregar-se a poda comprida. E neste
último caso estäo as variedades preciosas cultivadas ao sul da
Madeira; o que contudo, näo deva talvez justificar o hábito, em
que estäo os cultivadores, de dar um extraordinário
desenvolvimento às videiras cultivadas em latadas e corredores.
Todos os Enólogos confessam que, na cultura da vinha, é a poda
a operaçäo mais difícil; e só a experiência pode decidir, qual
o modo de a praticar nas diferentes variedades de vinha. É
contudo certo que na Madeira muitos proprietários se queixam de
que os rendeiros, pelo modo por que podam as vinhas, as obrigam
a produzir mais num ou dois anos, enfraquecendo-as assim e
arruinando-as.
Uma outra operaçäo cara e delicada de que as vinhas carecem
no sul é a encana, isto é, o arranjo e concerto das latadas e
parreirais, e a disposiçäo das varas sobre estes; é uma operaçäo
correspondente à empa, mas imperfeita em relaçäo às necessidades
da planta.
A cava das vinhas novas, de um, dois, ou três anos, faz-se
em Janeiro; as outras cavam-se no mês de Março ou nos princípios
de Abril, havendo cuidado de escolher dias em que näo haja nortes
ásperos, porque estes prejudicam as raízes, ofendidas pela
enxada, que ficam a descoberto depois da cava. Quando, semanas
depois da poda, as vinhas tem já brotado, e os pequenos cachos,
com bagos tendo apenas o diâmetro de dois a três milímetros, (ao
que chamam na Madeira cachos em muniçäo), se acham assombrados
pelas parras, procede-se ao arrancamento das folhas amarelas, e
das que fazem maior sombra aos cachos; tendo contudo cuidado que
estes näo fiquem inteiramente descobertos, e expostos aos ardores
do sol. Mais tarde esta operaçäo da desfolha torna a repetir-se,
quando as uvas estäo para luzir, isto é para entrarem em
maturaçäo; por este modo se facilita o progressivo amadurecimento
das uvas, e se väo tirando das vinhas folhas que servem para dar
ao gado.
Junto das vinhas importantes do sul da ilha há tanques,
onde se conservam as águas destinadas à rega das vinhas, rega que
se repete duas, três ou mais vezes nos veröes secos. Estes
tanques, cuja construçäo é cara, e para onde a água é trazida por
levadas às vezes de um grande desenvolvimento, contribuem para
o alto preço da produçäo do vinho. As regas das vinhas, que nos
países setentrionais diminuem muito a riqueza das uvas, no sul
da Madeira podem considerar-se uma necessidade; näo só por
aumentarem o suco das uvas, que sem as regas seria muito diminuto
nos anos secos, mas sobretudo por diminuirem a densidade do
mosto, que, sendo extrema, se opöe à fermentaçäo; näo só na
Madeira as vinhas säo regadas, em Astrakam e na Andaluzia há
vinhas que säo regularmente regadas também.
As uvas nos lugares mais favorecidos pelos raios solares
chegam a sazonar em fins de Agosto; em outros lugares o
amadurecimento só chega em meados de Setembro, e nestas épocas
tem lugar a vindima.
É, porém, necessário quase sempre apressar a vindima, e
mesmo levá-la a cabo antes do completo amadurecimento das uvas,
por causa da grande quantidade de lagartixas, (lacerta agilis),
e ratos, que atacam as vinhas, e lhe devoram grande parte dos
frutos.
Eis aqui, segundo as informaçöes que obtive, o tratamento
dado às vinhas mui geralmente no sul da Madeira, nos anos
anteriores a 1852; época em que a fatal moléstia se manifestou
na Ilha.

Dos Vinhos

Na Madeira e Porto Santo produzem-se muitas qualidades de


vinho, algumas das quais tem grande importância no comércio, e
outras só säo próprias para o consumo interno das ilhas, ou para
serem destilados nas fábricas de aguardente. Os vinhos mais
conhecidos pelas suas qualidades, säo:

O Bual - vinho branco delicado e maduro, de alto preço;


podendo ser consumido quer quando novo, quer quando velho. este
vinho é extraído das uvas do mesmo nome.
O Sercial - vinho seco, de cor alambreada, "aormático e de
fino perfume".E este vinho só adquire todas as boas qualidades
no fim de anos. É produzido pela variedade de vinha "sercial",
que descrevemos.
O Malvasia - vinho de cor alambreada, muito apreciado pelo
seu "perfume" e comparável ao Tokai; mas que a ilha da Madeira
produz só em pequena quantidade, e em lugares muito pouco
elevados.
A Tinta - vinho tinto bastante agradável, e que se
assemelha no sabor e qualidade ao Porto. A fermentaçäo fazendo-se
em contacto com o engaço, dá a este vinho o sabor adstrigente.
O Madeira - vinho, de todos o mais conhecido nos mercados
da Europa e da América, branco alambreadoa; quando amadurecido
pelo tempo, de um delicado perfume. Este vinho é o resultado da
mistura de uvas das variedades Verdelho, Tinta, Tarrantés,
Bastardo e Bual.
O Vinho pálido - vinho de pouco valor feito de "verdelho",
e clarificado.

Para a fabricaçäo dos vinhos mais preciosos da Madeira faz-


se escolha dos cachos de uvas melhores, logo depois da vindima.
As uvas levadas ao lagar, säo espremidas, primeiro por homens que
as pisam, depois pela pressäo da vara, e o líquido assim tirado
delas é levado em odres para os cascos onde fermenta por quatro,
ou cinco semanas pouco mais ou menos. Quando terminada esta
fermentaçäo faz-se o trasfego do vinho para outras vasilhas;
sendo esta operaçäo acompanhada de uma clarificaçäo, e do
adicionamento de uma quantidade considerável de aguardente. É
depois desta operaçäo que começa para os vinhos essa lenta
transformaçäo, que os enriquece e torna preciosos pelas suas
qualidades. Para fazer adquirir ràpidamente ao vinho propriedades
que só o tempo lhe pode dar convenientemente, introduziu-se na
Madeira, na época da guerra que agitou a Europa nos primeiros
anos deste século, e em que os vinhos daquela ilha foram muito
procurados, o uso de sujeitar vinhos novos durante meses a uma
alta temperatura (60º ou mais) dentro de estufas que para isso se
construíram. O número das estufas foi, desde essa época,
progressivamente crescendo, e em 1850 havia quarenta e duas
estufas em actividade. Os vinhos porém, assim trabalhados, näo
chegam segundo a opiniäo dos homens entendidos na matéria, a
adquirir as boas qualidades do vinho velho da Madeira, antes
adquirem às vezes um sabor pouco agradável, e o seu aparecimento
nos mercados estrangeiros tem contribuido para o descrédito dos
vinhos da ilha.
A aguardente que se aplica ao tratamento dos vinhos, é
fabricada na Madeira com vinhos da regiäo do norte e com os
vinhos do Porto Santo; a aguardente estrangeira, e mesmo a de
Portugal näo é, por lei, admitida na Ilha.
A produtividade das vinhas näo é, em geral, muito grande
na Madeira. Ainda que nalgumas das balseiras da regiäo do norte,
como por exemplo sucedeu em 1850 no sítio denominado Fajä do
Penedo, duas cêpas possam produzir até quatorze barris de vinho,
é contudo certo, que no sul a produçäo é de duas a seis pipas,
ao mais, por hectare, ou de oito almudes por mil bacelos, o que
é uma produçäo muito pouco considerável.
A produçäo geral da Madeira há bastantes anos que tinha uma
assustadora tendência a diminuir, e isto em consequência da
diminuta procura que dos seus vinhos se fazia nos mercados
estrangeiros. A doença das vinhas näo deve ser acusada da ruina
dos viticultores na Madeira; essa ruína estava-lhe eminente, o
mal das vinhas o que fez foi apressar uma crise que já estava
muito próxima.
Em 1813 a Madeira produziu 22.314 pipas de vinho, depois
desta época, ainda a produçäo tendeu a aumentar, e chegou,
segundo se afirma a 30.000 pipas. Este acréscimo teve lugar no
tempo exactamente em que o vinho da Madeira foi mais muito
procurado. Do vinho produzido na ilha, só 6.000 a 8.000 pipas é
que säo próprias para a exportaçäo; e com tudo em 1809, por
exemplo exportaram-se pouco mais de 15.000 pipas. Em 1825, já o
consumo tendia a diminuir, e a produçäo de vinhos era excessiva
na Madeira; daqui resultou uma medida absurda, daquelas que os
governos adoptam para obviar aos inconvenientes da má direcçäo
tomada, sem prudência pela indústria agricola de um pais, e que
quase sempre tem no futuro um efeito, contrário aquele que se
deseja alcançar; o governo proibiu a entrada na Ilha dos vinhos
e da aguardente, Daqui resultou distilarem-se quase 10.000 pipas
de vinho de inferior qualidade anualmente, o que foi paliativo
aos males dos cultivadores de vinhas; mas o perigo era grande,
para que um remedio destes podesse salvar a Ilha. Os
inconvenientes da excessiva preponderância, que tomara a cultura
da vinha sobre todas as outras, foram cada vez manifestando-se
com mais violência, até que a doença, que devasta actualmente os
vinhedos pôs remate à catástrofe da Madeira.
Em 1825 a exportaçäo foi de 14.432 pipas; em 1830, só de
5.499; em 1840; exportaram-se 7.975; em 1847, 5.577 pipas; em
1850, 7.125 pipas. A produçäo diminuiu, com a diminuiçäo da
exportaçäo, näo, infelizmente, porque à cultura da vinha se
substituísse outra cultura mais lucrativa, mas porque as vinhas
deixaram de ser convenientemente renovadas, e o seu tratamento,
a näo ser nos bons lugares, pouco cuidadosamente feito. Pelas
estatisticas oficiais feitas sobre os resultados da cobrança dos
impostos, estatísticas que, näo sendo absolutamente exactas, däo
contudo a lei que tem seguido a produçäo dos vinhos, pode bem
perceber-se o decrescimento dessa produçäo. Em 1813 a produçäo
foi, como dissemos, de 22.314 pipas, subiu depois a quase 30.000
pipas a produçäo na Madeira e Porto Santo; em 1847 a produçäo nas
duas ilhas foi de 19.487 pipas; em 1849 de 14.445; em 1852, época
em que o mal das vinhas se manifestou com evidência nas ilhas,
foi a produçäo calculada em 2.115 pipas e na Madeira só em 1720
pipas.
Eis aqui bem claramente provada a decadência da produçäo
e do comércio dos vinhos na Madeira; e conseguintemente conhecida
uma das principais causas da ruina da Ilha.

CAPïTULO II

ESTADO DAS VINHAS EM 1853

I
Regiäo Sul da Madeira

Funchal - Quando, nos últimos dias de Julho de 1853,


cheguei à Madeira, para cumprir as ordens da Academia as vinhas
em vez de apresentarem o aspecto gracioso, e pitoresco, que nesta
época do ano elas têm em toda a parte, e que naquela fértil Ilha,
em tempos mais felizes, decerto devia ser de incomparável
beleza, mostravam à primeira vista aquela nudez, aquela cor
escura das folhas, aquela paralizaçäo de vegetaçäo, que no outono
dá aos campos onde esta planta se cultiva em grande extensäo, uma
fisionomia triste, uma aparência de desolaçäo.
A penosa sensaçäo, que entäo causava o aspecto das vinhas,
crescia de intensidade, quando de mais perto se observavam os
estragos causados pelo terrível flagelo, que há dois anos devasta
aquela Ilha. As folhas, como crestadas pelo fogo, tinham perdido
o seu belo verde, e apareciam enegrecidas numas localidades,
noutras de um vermelho lívido cobertas de uma leve camada de pó
branco acinzentado (o oidium), com as formas extraordinariamente
alteradas às vezes por divisöes profundas, - sinal caracteristico
de pouco vigor e de pouca fecundidade. - Engelhadas, e sem viço,
as parras näo se assemelhavam com as de nenhuma das variedades
de vinha conhecidas.
As varas novas, em vez de terem a sua cor natural estavam
cobertas de manchas escuras, e às vezes com os tecidos corticais
em parte destruídos e como queimados; o seu desenvolvimento era
muito pequeno, dir-se-ia que estavam atacadas de raquitismo; se
esta palavra se pudesse aplicar às plantas.
Os frutos, parados na sua desenvoluçäo, estavam cobertos
duma camada espessa desse mesmo pó, que aparecia em manchas sobre
as folhas; bagos de uva haviam endurecidos, e como lenhificados
na sua superfície externa; outros bagos abertos por uma fenda
longitudinal, mostravam a descoberto o tecido polposo, requeimado
e negro, e as grainhas brancas e grossas a escaparem-se do
interior.
Por toda a parte se apresentavam os mesmos efeitos
calamitosos da doença; era evidente que a colheita de 1855 estava
totalmente perdida. Restava-me porém, estudar a intensidade
relativa da doença nas diversas localidades da ilha, e nas
diferentes variedades de vinha. Este estudo infelizmente, de
pouco rezultado podia ser, porque a doença quase que näo poupava
localidade alguma, nem em geral fazia distinçäo de variedades.
As primeiras uvas quase isentas de doença, que vi, estavam
numa pequena vinha do Sr. Abreu Castelo Branco em S. Joäo, junto
do Funchal. Alguns cachos, dois ou três ao mais, de negra-mole,
que estavam caidas no chäo, e um cacho que estava encostado sobre
uma vara de um corredor e coberto de feno, näo apresentava sinais
de doença, senäo num ou noutro bago, e aí mesmo via-se que a
doença parara, deixando apenas sobre a epiderme da uva
maculasinhas escuras, em pequena quantidade. Este fenómeno
notável, vi-o repetido depois bastantes vezes. Sempre que algum
cacho de uvas estava em imediato contacto, ou pelo menos muito
próximo, do solo ou de algum pilar ou viga de um "corredor", ou
da própria cêpa, apresentava-se isento de doença; e quando esse
benéfico efeito se näo manifestava no cacho todo, pelo menos ele
era evidente nos bagos do cacho que ficavam mais perto desses
corpos. Adiante entraremos em maiores particularidades a este
respeito.
Nas proximidades do Funchal alguns exemplos, análogos a
estes citei, encontrei em diversos lugares e variadas exposiçöes,
mas sempre em mui diminuta quantidade; achando-se as uvas nessa
favorável situaçäo, täo própria para as guardar da doença, quase
sempre por mero efeito do acaso. Devo confessar, contudo, que
também achei alguns cachos, numa situaçäo em tudo semelhante à
daqueles que havia encontrado säos, atacados do mal; sem que me
fosse possível descobrir motivo para a excepçäo, para o näo
aparecimento de um fenómenoque tantas vezes achei repetido. Em
todas as vinhas profundamente atacadas, um outro fenómeno notável
se observava muitas vezes. Aos ramos encostados ao chäo, aos
corredores, aos muros, ou que se estendiam sobre os tectos, das
palhoças dos colonos em que se acendia amiudadas vezes lume, e
nas velhas cêpas, apareciam rebentos novos isentos ou quasi
isentos de doença, com folhas verdes e perfeitas, e às vezes, com
uvas em muniçäo sem sinal algum de "oidium".
Numa fazenda do sr. Veiga, no Monte, a 500 pés acima do
nível do mar, um pé de verdelho que, de propósito e como
experiência, recebeu poda tardia, deu cachos bons; e, nesta mesma
fazenda havia em 26 de Agosto uvas muito pouco desenvolvidas,
mas isentas de doença, em rebentos que tinham aparecido já fora
de tempo; mas, a maior parte dessas uvas foram atacadas em
Setembro. Houve, depois um período em que a propagaçäo da
moléstia foi rápida e desvastadora, e que durou até ao meio de
Julho, um tempo em que ela parece haver perdido em parte a
faculdade de se reproduzir; este segundo período chegou até ao
fim de Agosto. Em Setembro a propagaçäo começou a fazer-se com
força, de modo, que os cachos de uvas que haviam nascido depois
do primeiro período, e atravessado o segundo isentos de doença,
vieram a ser atacados nos fins de Agosto ou principios de
Setembro.
De todas as variedades de vinha, a única que sempre se
mostrava, ou isenta de doença ou levemente atacada, era a
Isabelle variedade americana muito robusta de que falamos noutra
parte.
No concelho do Funchal, a única vinha que tinha uvas
completamente säs, era a vinha de Miss Norton, uma nobre ingleza,
há anos residente na Madeira, e respeitada pelos seus actos de
caridade. Deste facto notável falaremos noutro lugar desta
Memória.

Santa Cruz - Em todo este concelho näo houve nada de


notável. As vinhas atacadas em Abril, sofreram estragos
considerabilissimos em todos os seus orgäos anuais. As poucas
uvas livres do mal, que apareceram, nasceram quase todas em
vinhas rasteiras, nas quais se havia semeado trigo ou outras
plantas. Algumas cepas velhas secaram.

Machico - Aqui o mal fez estragos muito grandes, impedindo


o crescimento das uvas e fazendo-as arregoar (fender
longitudinalmente) muito cedo, enegrecendo as varas, encrespando,
deformando, e fazendo secar as parras. Só alguns cachos escaparam
junto ao solo, ou escondidos entre verdura.

Câmara de Lobos - O concelho de Câmara de Lobos, é um dos


concelhos em que se produz mais vinho e de melhor qualidade. O
estado das vinhas era deplorável em 1853, e a ruina causada pela
mangra (nome que na Madeira se aplicou em particular à actual
doença das vinhas) era neste ano muito maior, do que o já täo
grande estrago de 1852. Na Torre, onde se colhe vinho de muita
estimaçäo, as plantaçöes extensas, que ficam de um e de outro
lado da estrada que atravessa o sítio assim denominado, estavam
todas atacadas pela doença e tinham na sua máxima parte as folhas
de cor vermelha, pouco desenvolvidas e secas; no meio porém
dessas plantaçöes, ao norte da estrada, numa exposiçäo ao
nascente, e em vinha rasteira, escaparam algumas uvas, de que se
póde tirar aproximadamente, almude e meio de vinho bom; neste
sítio, como em muitos outros da Ilha, algumas cepas,
principalmente as velhas, tem secado. No Estreito também algumas
cepas de Tinta escaparam, num lugar exposto ao sudoeste. O
vidonho mais atacado no Concelho de Câmara de Lobos foi o
malvasia, que produz neste concelho um vinho muito precioso e
estimado.

Ponta do Sol - As vinhas foram atacadas, por todo o


concelho, muito cedo, e com violência, e só aqui ou ali escaparam
alguns cachos de uva, ou por estarem perto do solo, ou pela
aplicaçäo tópica de algum remédio. Na freguesia da Ribeira Brava,
em um sítio chamado o Lombo da Apresentaçäo, alguns rebentos que
se desenvolveram nas vinhas, depois da época em que a actividade
maior da vegetaçäo do "oidium" passou, conservaram cachos livres
de doença até ao dia 15 de Setembro, época em que sùbitamente
apareceram cobertos de mangra. Neste mesmo concelho, freguesia
da Ponta do Sol, uma vinha de Negrinha ou Negrete muito rasteira
deu boas uvas; e algumas cêpas de uma variedade de malvasia de
pele grossa, a que chamam vermejolho também escaparam. Neste
concelho morreram algumas plantas velhas.

Calheta - Neste concelho como em todos os da Madeira, a


doença foi muito mais violenta em 1853 do que no ano anterior.
No Paúl do Mar, freguesia abrigada ao nordeste por montanhas
cortadas quase a pique, e limitada ao sudoeste pelo mar, os
estragos causados pela mangra em 1853 foram terríveis, e em 1852
haviam sido quase nulos: no ano de 1853 apenas se pôde nesta
freguesia produzir um barril, aproximadamente de vinho säo,
produto de umas cêpas situadas no lugar denominado o Cascalho,
a meia encosta dos montes que abrigam a freguesia, com exposiçäo
ao sudoeste. Na Ponta do Pargo, freguesia em que termina a Ilha,
a oeste, a doença este ano foi ainda pouco intensa em duas
localidades. Na margem direita da ribeira dos Moinhos, numa
encosta pouco elevada e com exposiçäo ao sudoeste, mas abrigada
do sul pela margem fronteira da ribeira bastante elevada, havia
algumas vinhas de pé, tratadas com pouco esmero, com as cepas
muito espaçadas, - vinhas em que neste ano se havia semeado
trigo, cuja palha, abrigava em parte os cachos, - nas quais as
uvas pela maior parte estavam livres de "mangra". Na Fajä Grande
situada à beira-mar, com exposiçäo para o sudoeste, numa vinha
quase no mesmo estado daquela que descrevemos agora, a "mangra"
também se desenvolveu muito pouco.
II

Regiäo do Norte

Säo Vicente - Este concelho pertence a uma regiäo agrícola


muito diversa daquela a que pertencem os concelhos, que
descrevemos no precedente artigo: e com tudo a mangra manifestou-
se aqui com tanta intensidade como no sul, e causou estragos
iguais. Houve contudo, neste e noutro concelho do norte, algumas
vinhas livres da doença, de que faremos especial mençäo, e que
devem chamar a atençäo dos que desejam coleccionar factos para
a história deste mal das vinhas. Só quando essa história for
completa é que se poderá ter sobre a natureza da doença uma
opiniäo tal que ninguém ouse contraria-la; por ora é dificil
fazer passar ao espirito dos outros, mesmo as convicçöes que
estiverem mais firmemente gravadas no nosso espirito. Em ciência
só as verdades iluminadas pela evidência é que têm direito de
dominar sobre todas as inteligências, e se näo prestam à
discussäo, à duvida ao protestantismo; todas as outras estäo
sujeitas à controvérsia e, consequentemente, näo podem servir de
base a teorias, que sejam universalmente aceitas. É esta a causa
da grande superioridade, que têm em muitos casos as ciências
físico-matemáticas sobre todas as outras ciências.

No Porto do Moniz, no lugar chamado a Quebrada Nova, com


exposiçäo ao noroeste e abrigado do sul, havia uma vinha com uvas
sem mal; estando esta vinha cercada de outras, em situaçäo pouco
diferente, e em que o mal aparecia com violência. Em S. Vicente,
na Fajä da Areia, formada pelos detritos e quedas de terras da
montanha cortada a prumo, que constitui a costa pavorosa do norte
da Ilha, e que fica entalada entre a montanha e o mar, num lugar
constantemente batido pelos ventos do norte, carregados dessas
emanaçöes salinas, que säo como a poeira do oceano, na Fajä da
Areia uma vinha de pé de muito boas uvas; no mesmo lugar porém,
num espaço separado apenas por um muro pouco elevado, da vinha
sä, havia algumas cepas de gancheira, que estavam bastante
atacadas. Parte desta vinha sä de S. Vicente estava entre feno,
e näo só apresentava as uvas boas, mas a própria vara tinha muito
poucas manchas a amadureceu bem; as parras estavam quase boas;
na tinta de gancheira o ataque nas varas foi bastante forte.
Também neste concelho alguns cultivadores se queixavam de lhes
haverem secado as cepas velhas.

Santana - Este concelho que faz parte da mesma regiäo do


norte a que pertence S. Vicente, apresentou vinhas, pouco
atacadas, também em situaçöes semelhantes às da Fajä da Areia.
No Arco de S. Jorge, por exemplo, no terreno situado à beira-mar,
houve uvas säs numa fazenda pertencente ao sr. Rego, e em algumas
outras fazendas; e destas se extraiu vinho que teve um alto
preço. Também na Fajä do Mar na freguesia do Faial, em situaçäo
e exposiçäo idênticas às da "Fajä da Areia", numa quebrada ao
abrigo do sul, houve numa vinha de latada, uvas sem mangra.

III

Ilha do Porto Santo

Na Ilha do Porto Santo a vinha é cultivada em uma bacia


pouco elevada de terreno superficialmente arenoso; o seu modo de
cultura é aquele das vinhas, a que dissemos se dava o nome de
vinhas de pé. Como há muitos anos, pela extrema pobreza desta
triste ilha e pouco valor dos seus vinhos, näo tem havido
renovaçäo alguma nas vinhas, encontram-se ali espalhadas com
muita irregularidade, a grandes distâncias umas das outras, cepas
velhas estragadas, com pobre aparência e num estado de quase
completa caducidade. As uvas de Porto Santo foram atacadas pelo
oidium, mas cresceram em grande parte, e chegaram quase a ponto
de amadurecerem; uma chuva copiosa, porém, que caiu no dia 14 de
Agosto, fez arregoar rebentar os bagos em muitos cachos, e
diminuiu consideravelmente a colheita, que se esperava näo fosse
este ano extremamente pequena. Nas varas e nas folhas das vinhas
de Porto Santo pude observar evidentes sinais de mangra, e além
disso o avermelhamento das parras e gangrena dos tecidos
epidérmicos de algumas varas.

IV

Consequências

De todos estes factos observados nas ilhas da Madeira e


Porto Santo näo é possível tirar leis gerais: entre todos eles
há certa incoerência, certa falta de nexo, que se opöe a que os
possamos grupar e combinar, de modo a tirar deles consequências
positivas e cabalmente bem fundadas. Consequências desta ordem
seriam a satisfaçäo do desideratum dos homens, que têm aplicado
a sua atençäo e os seus esforços ao estudo deste mal das vinhas;
o qual ameaça aniquilar um dos mais preciosos elementos da
riqueza agrícola, e faz recear que um dia o homem se veja privado
de um agente que activa a sua alimentaçäo, e quase a substitui,
em parte, nalguns paízes. Näo sâo contudo para despresar as
relaçöes que existem entre alguns dos factos observados nas
ilhas; porque deles, se se näo podem tirar verdadeiras leis,
pode-se ao menos tirar a prova de que há circunstâncias
exteriores à vinha, que säo capazes de modificar o seu estado,
e impedir os progressos e até o aparecimento da doença; e que na
própria planta há também causas, que a predispöe mais ou menos
a ser invadida pela mangra.
O ataque das vinhas pela mangra em 1853 foi geral em toda
a parte. Näo houve variedade alguma de vinha exceptuada: nem
exposiçäo, nem altura acima do nível do mar, que näo apresentasse
sinais de doença. Com tudo se atendermos bem aos factos relatados
neste capítulo veremos:

1º - Que os cachos de uvas que nasceram e se desenvolveram


próximo do solo, o que principalmente sucedeu nas vinhas de pé;
os que estiveram sempre próximos de um corpo de extensa
superficie muro pilar, viga dos corredores ou a própria cepa -
e principalmente sendo esse corpo de cor escura; os que ficaram
cobertos por searas de gramineas ou mesmo pelas folhas de outras
plantas, ou escaparam totalmente à doença, ou foram por ela pouco
atacados.
2º - Que em situaçöes idênticas às que salvaram alguns
cachos da mangra, isto é, na proximidade do solo, nos tectos das
palhoças etc., as cepas rebentaram em Agosto e Setembro, dando
hastes novas cobertas de folhas de um verde muito belo, e com
alguns cachos, que chegaram a adquirir considerável
desenvolvimento.
3º - Que as variedades de vinha, em que se observaram mais
casos de pouca intensidade de doença, foram o verdelho, o
negrete, a negra mole, a tinta, e principalmente a vigorosa
variedade americana denominada isabelle. As variedades, cujos
frutos, säo muito ricos em açúcar, como malvasia, bual etc., à
excepçäo de alguns pés de vermejolho (planta cujos frutos tem
pele grossa) na Ponta do Sol, foram claramente as mais
profundamente lesadas pela moléstia.
4º - Que, comparativamente, o extremo oeste da Ilha da
Madeira, sobretudo a regiäo do norte, apresentava algumas vinhas
pouco atacadas da doença, quando se pode quase dizer, que na
regiäo do sul apenas raríssimos cachos escaparam.
5º - Que essas vinhas pouco atacadas no norte estavam
situadas a muito pequena altura, abrigadas do sul por elevadas
montanhas, e constantemente expostas à brisa do norte, que,
passando sobre uma imensa extensäo de mar, vinha carregada de
emanaçöes salinas.
6º - Que, quando muitas destas circunstâncias contrárias ao
desenvolvimento da mangra actuaram simultaneamente sobre uma
vinha, esta apresentou aparências de vegetaçäo vigorosa, e deu
frutos de que se pôde fabricar vinho; como, por exemplo, sucedeu
nas vinhas de pé ao norte da Madeira, e em parte das vinhas de
Porto Santo.
7º - Que algumas cepas velhas, que em 1852 já haviam
sofrido a mangra, principalmente nas folhas, secaram neste
segundo ano de doença; mas em pequena quantidade.

CAPïTULO III

DA DOENÇA DA VINHA

I
História

É bem conhecida hoje de todos a história do mal, que tem


devastado as vinhas; contudo, como do modo por que teve lugar o
primeiro aparecimento deste mal num jardim em Inglaterra, e a sua
propagaçäo depois por todos os países onde a vinha é cultivadas,
se podem tirar algumas induçöes, que ajudam o espírito na útil
investigaçäo da sua natureza e causas, por isso é útil dar aqui
abreviada notícia desse aparecimento e propagaçäo.
Foi nos anos de 1845 e 1846 que em Inglaterra, nas estufas
e latadas do jardineiro M. Tucker, em Margate, se manifestou uma
doença caracterizada pelo aparecimento de um pó branco, que
cobria os cachos e as folhas da vinha, impedia logo o
desenvolvimento destes orgäos, e fazia enrugar as folhas, e
rebentarem os frutos em pouco tempo; este pó, estudado por M.
Berkeley, reconheceu-se ser uma mucedinia, que, segundo aquele
botânico devia considerar-se uma espécie nova do género oidium,
e receber o nome de oidium tuckeri. Só e, 1848 é que a nova (?)
doença, depois de se haver lentamente propagado pela Inglaterra
e de ter atravessado a Bélgica, chegou ao norte de França. Em
1849 manifestou-se a mangra com intensidade nas vinhas das
proximidades de Paris; depois, em 1850, o mal, que já tinha em
França muitos elementos de propagaçäo, estendeu-se por todo o
meio-dia deste rico país, e apareceu também na Suíça, no
Piemonte, na Toscana, etc. Em 1851 e 1852 a invasäo era muito
mais geral e mais assustadora; Espanha, Portugal e Hungria foram
assolados nestes anos; e em Argel, na Síria, na åsia Menor
apareceu também por partes o mal das vinhas. Por este resumo
histórico vê-se de um modo claro que a propagaçäo da mangra se
fez gradual e sucessivamente: havendo principiado em 1845 num
jardim da Inglaterra, e gastando sete a oito anos a invadir toda
a regiäo das vinhas. Nos primeiros anos, em que o número das
cepas atacadas pela mucedinia era pequeno , e em que,
conseguintemente os meios de propagaçäo dessa mucedinia eram
limitados, a doença caminhou muito lentamente. Para ir de Margate
ao norte da França, a mangra levou mais de três anos. Quando,
porém, havia já (em 1849) uma imensa extensäo de vinhas cobertas
do terrível fungus, a propagaçäo podia fazer-se com muito maior
rapidez; e assim sucedeu. Nos três anos imediatos a 1848, em
quase todas as vinhas apareceu, com mais ou menos força, a
mangra.
Na Madeira e Porto Santo a história da doença das vinhas
merece ser conhecida; porque ela é um forte argumento a favor da
opiniäo dos que julgam, que esta doença é devida a acçäo
destruidora do oidium sobre os tecidos novos da vinha. Se säo
exactos, ou pròximamente exactos, os dados estatísticos
fornecidos pelos documentos oficiais, a colheita do vinho foi em
1850 abundante, comparativamente com as colheitas dos dois anos
anteriores. Em 1850 a colheita foi calculada em 20.000 pipas, mas
a sua importancia, avaliada pela décima, foi só de 12. 964 pipas;
no ano de 1849, a produçäo foi de 14.445 pipas; no ano de 1848
de 13.780 pipas. Só em 1852, é que na Madeira se reconheceu a
existência da mangra sobre todas as vinhas, e com tal violência
que logo lançou o terror no espírito de todos os viticultores;
e, contudo, pode-se afirmar que o oidium já em 1851 estava na
Ilha.
Se adoptarmos, como fazem os negociantes ingleses para o
vinho de exportaçäo, que a pipa igual a 92 galöes, isto é, que
a pipa contém 23 almudes, e considerarmos o barril com a
capacidade de dois almudes, concluiremos do mapa oficial
publicado no fim desta memória, que em 1851 a produçäo foi de
9.177 pipas, quantidade de vinho muito inferior das colheitas dos
anos anteriores, e principalmente à do ano de 1850. Vejamos se
algum facto histórico nos leva a atribuir esta diminuiçäo da
produçäo à existência da mangra em 1851. Segundo informaçöes de
pessoas muito dignas de crédito, e que tem seguido com atençäo
a marcha do mal das vinhas na Madeira, em 1851 no sítio do
Funchal denominado as Hortas, uma vinha adoeceu, cobrindo-se de
pó branco; como nas imediaçöes desta vinha se andava entäo
trabalhando num caminho, este facto, que provàvelmente se repetiu
noutras vinhas, passou quase desapercebido. O que há de mais
notável neste facto é que ele coincide com outro, com o qual
parece ter íntima relaçäo. Foi em Fevereiro deste mesmo ano de
1851, que chegou ao Funchal um mercador de plantas francês, que
levava na sua colecçäo algumas variedades de vinha, que haviam
sido colhidas em localidades já nesse ano infeccionadas pela
doença. Quem, ao ter conhecimento destes factos, näo acreditará
possível, que a doença das vinhas fosse, por assim dizer,
materialmente conduzida à Ilha, sobre plantas já infeccionadas?
Quando se compara a produçäo dos diferentes concelhos da
Ilha da Madeira no ano de 1852 com a de 1851, acha-se o seguinte:

CONCELHOS
PRODUÇÄO
1851

1852
Diferença
para menos em
1852
Relaçäo entre
os dois anos

Barris
Barris
Barris
Barris

Funchal
22.941,3
2.727,8
20.213,5
100:11,8

Santa Cruz
2,987,3
400,8
2.586,5
100:13,4

Machico
6.034,7
494,6
5.540,1
100: 8,1

Câmara de Lobos
16.417,5
2.911,3
14.006,2
100:17,7

Ponta do Sol
9.061
697,9
8.363,1
100: 7,7

Calheta
9.146,1
2.127,7
7.018,4
100:23,2

S. Vicente
38.972,6
8.566,7
30.305,9
100:21,9

Santana
46.683,2
1.862,2
44.821
100: 3,9

Total
152.243,7
19.789
132.454,7
100:12,9

Por este mapa, ve-se que os dois concelhos de S. Vicente


e Calheta foram, relativamente, os menos atacados; isto é, foram
menos atacados em 1852 os concelhos da Madeira, que estäo mais
afastados do Funchal, ponto de partida da mangra. Estes dois
concelhos formam, um na regiäo do norte outro na do sul, a
extremidade oeste da Ilha; e foram ainda estes dois concelhos no
ano de 1853, os que menos padeceram, sendo contudo os estragos
neste ano superiores aos do ano de 1852. Sítios houve que em 1852
produziram bastante vinho, e que no ano de 1853 näo tiveram quase
um único cacho de uvas säo; pode servir de exemplo, e prova deste
facto, o Paul do Mar.
O primeiro aparecimento do mal, em qualquer localidade da
Ilha, foi sempre, ou quase sempre sobre as vinhas em corredores;
depois comunicava-se às latadas, e só mais tarde às vinhas de pé,
que têm o privilégio de escapar mais do que as outras aos ataques
do oidium. Logo em 1852 certos concelhos foram invadidos, de modo
que a sua produçäo nesse ano diminuiu numa proporçäo assustadora.
No sul, Machico, Santa Cruz, Funchal, e Ponta do Sol foram os que
maior perda sofreram proporcionalmente; e no norte foi o concelho
de Santana que perdeu quase a totalidade da sua colheita. Nesse
ano de 1852, foram também as vinhas de pé, as menos atacadas no
sul; no norte escaparam principalmente as vinhas situadas à beira
mar: o que está de perfeito acordo com os factos que eu em 1853
pude observar. A perda causada pelo mal das vinhas em 1852, foi
oficialmente calculada do seguinte modo:

CONCELHOS
Valor da perda
Funchal
638.120$000 rs

Santa Cruz
50.999$000 rs

Machico
31.200$000 rs

Câmara de Lobos
150.000$000 rs

Ponta do Sol
25.000$000 rs

Calheta
20.000$000 rs

S. Vicente
120.000$000 rs

Santana
103.670$000 rs

Soma
1:137.990$000 rs

A perda brutal causada em 1852 pela näo produçäo do vinho,


foi pois avaliada em 1.1397:990$00 rs.: esta avaliaçäo é superior
à verdade sem nenhuma dúvida, se este cálculo se refere
ùnicamente à falta do vinho, e se a determinaçäo da grandeza
dessa falta foi feita por comparaçäo com o ano de 1851; porque,
nesse caso, sendo a diminuiçäo na produçäo em 1872 igual a
132.445 barris, era necessário que cada barril valesse 8$592 rs,
para que a perda se podesse calcular em 1.137.990$00 rs, preço
este quase quádruplo do preço médio do sul em 1851, e superior
ao máximo preço arbitrado aos vinhos de primeira sorte no mesmo
ano de 1852. É verdade que se a perda fosse calculada pela
comparaçäo do ano de 1852 com o de 1850, em que a produçäo foi,
segundo cálculos aproximados, de 20.000 pipas, (mas, segundo os
róes da décima, só de 12.964 pipas) a diferença entre a avaliaçäo
da perda e a sua realizaçäo se tornaria desde logo menor; mas
neste caso dever-se-ia também tomar para preço dos vinhos, o
preço médio dos bons anos, e fazer com esse preço o cálculo da
perda em 1852. Na apreciaçäo de uma perda desta ordem devem
entrar com tudo outras consideraçöes, que fazem com que ela se
deva considerar como muito mais grave, do que parece se-lo quando
se calcula só por uma avaliaçäo feita sobre o valor bruto do
género que faltou. Os trabalhos das vinhas ocupavam na Madeira
grande número de trabalhadores; para o colono, que nesta Ilha é
sacrificado e explorado de um modo revoltante, era a vinha um,
como mealheiro, em que ele ia depositando as suas economias em
trabalho, para depois, na época da venda dos vinhos, receber por
junto o valor dos seus depósitos; já agora por aqui se pode
apreciar, quais sejam os graves inconvenientes que devem resultar
para a Madeira da falta de vinhos. Mas, quando noutra memória,
entramos em maiores particularidades àcerca do estado económico
da Madeira, estes inconvenientes seräo melhor compreendidos.
Só depois de se haver estabelecido na Madeira, é que o mal
das vinhas passou a Tenerife onde foi bastante benigno em 1852,
mas onde em 1853 eu o encontrei, nalgumas vinhas, quase com a
mesma intensidade e violência com que ele se me havia apresentado
nas vinhas da Madeira.
(...)

O que se pode concluir de todas estas indicaçöes


históricas? Näo se pode, sem dúvida, concluir com segurança que
o mal das vinhas, que nós hoje observamos, existiu noutras épocas
com os mesmos caracteres e os mesmos sintomas, que actualmente
apresenta: mas pode sim concluir-se, que provàvelmente isto assim
sucedeu, ou, pelo menos, que as vinhas, e algumas plantas mais,
já em outras ocasiöes têm sido invadidas por doenças
perfeitamente análogas à mangra.

II

Sintomas

A mangra apresenta no seu primeiro aparecimento, e


posteriormente na sua desenvoluçäo, sintomas que perfeitamente
a caracterisam, e a fazem distinguir das outras doenças que
atacam a vinha, e que säo há mais tempo e mais geralmente
conhecidas. o modo por que a mangra ataca os diferentes orgäo da
planta é, com pequenas diferenças, o mesmo na sua essência; porém
os seus resultados, os seus efeitos imediatos säo diversos, näo
só segundo os órgäos em que ela aparece, senäo também segundo o
período da vegetaçäo em que esse aparecimento tem logar.
Estudaremos, pois, os sintomas do mal das vinhas, e os seus
efeitos nos diversos orgäos da vegetaçäo e da frutificaçäo; e
depois descreveremos o fungus, o bolor que, se por alguns
fisiologistas näo é considerado a causa única da doença, é por
todos tomado como o seu sinal patognomónico.

Raízes e cepas. - Tem havido discussäo entre os


observadores que se têm dedicado ao estudo do mal das vinhas,
sobre o estado das raízes e cepas das plantas atacadas: uns dizem
que a doença exerce directa acçäo sobre estes orgäos, outros que
eles só padecem por causa dos estragos feitos pela doença nos
órgäos anuais da vegetaçäo. Mr. Gaschet de Bordeus diz ter
encontrado muito profundas lesöes nas radículas dos pés de vinha
doentes, que fez arrancar; que essas radículas estavam em parte
apodrecidas e cobertas de bolor. Este facto é sem dúvida da maior
importância, mas carece ainda ser estudado com atençäo. As
radículas säo órgäos que se renovam; as radículas depois de
exercerem durante um certo tempo as suas funçöes de absorçäo
perdem a actividade vital, e ficam assim sujeitas à destruiçäo
como as folhas, e depois ao apodrecimento. Eu observei as raízes
de algumas plantas doentes, e achei numas, radículas mortas mas
pouco decompostas ao lado de radículas em plena actividade e
perfeitamente säs, noutras, que estavam nas proximidades de uma
levada onde constantemente corria água, radículas säs, e
radículas apodrecidas e cobertas de bolor; mas entre estes
bolores näo se encontravam o oidium das vinhas. Estes factos
persuadem-se, que näo deve ser atribuida à mangra a destruiçäo
das radículas, mas sim a um fenómeno perfeitamente normal. Era-me
contudo indispensável fazer a comparaçäo das raizes de plantas
ilesas, com as das plantas enfermas, para poder assentar
seguramente a minha opiniäo; mas essa comparaçäo, força é dize-
lo, na Madeira devia considerar-se impossível, porque plantas que
se podessem confiadamente reputar säs, näo as havia lá.
Nas cepas näo observei cousa alguma, que me podesse indicar
a presença da mangra. Alguns observadores dizem ter notado na
cepa manchas lívidas, as quais mais tarde se cobrem do fungo
destruidor das vinhas; se isto sucede é talvez no começo da
vegetaçäo anual da vinha, porque nos últimos dias de Julho,
quando cheguei à Madeira, näo me foi possível observar, nem uma
só vez, sinais da parasita das vinhas, sobre a parte lenhosa
destas plantas; e mesmo razöes há para duvidar do facto, sendo
uma das rpincipais a predilecçäo que o fungus manifesta para as
partes verdes do vegetal, o seu desaparecimento da superfície das
varas, por exemplo, logo que estas começam a passar para o estado
lenhoso.

Varas. Nas ramificaçöes da vinha a mangra pode desenvolver-


se em duas épocas diferentes; ou quando elas já têm um
considerável desenvolvimento e bastante força para resistirem à
doença, ou logo quando começam os gomos a desabrochar. Os efeitos
num e noutro caso säo muito diversos, e merecem particular
descriçäo.
Segundo o célebre naturalista M. Hugo von Mohl, o primeiro
aparecimento da mangra sobre as varas ainda verdes da vinha é do
seguinte modo: "sobre a casca verde dos ramos do ano, notam-se
pontos, onde a produçäo criptogâmica começa a vegetar o que se
reconhece por uma passageira alteraçäo na cor normal privativa.
Nesta época o cogumelo consiste num pequeno número de filamentos,
excessivamente ténues, só visíveis pelo auxílio de uma boa lente,
e que formam pela sua reuniäo na superfície da casca uma rede
irregular parecida com a teia de aranha. Nos logares indicados,
que o mais das vezes têm uma linha de diâmetro, a casca apresenta
uma côr mais carregada. Mais tarde, com os progressos do mal,
estas manchas alastram-se, tornam-se confluentes e tomam a côr
escura do chocolate". Esta descriçäo do primeiro período da
invasäo da moléstia é perfeitamente exacta. As manchas de que
fala M. Mohl säo perfeitamente visíveis; ocupam às vezes grande
extensäo da superfície das varas, outras aparecem isoladas umas
das outras, com pequenas dimensöes; a sua côr varia do verde
escuri à côr de chumbo; ou a uma côr de castanha avermelhada. æs
vezes estas manchas tornam-se perfeitamente negras, como
carbonizadas; e até nalgumas varas há o esfacelamento de parte
dos tecidos corticaes, ficando o tecido lenhoso a descoberto.
Todas estas manchas estäo cobertas de vegetaçäo criptogâmica, que
nunca é sobre as varas täo abundante como sobre as folhas, e
principalmente sobre os frutos. É certo, contudo, que apesar
destes extensos estragos causados pela doença as varas, quando
säo atacadas depois de haverem adquirido algum crescimento, podem
continuar a desenvolver-se e chegarem a tornar-se lenhosas, a
amadurecerem; porém, essas varas muito atacadas nunca se tornam
vigorosas, nem prometem muito para a futura vida da planta. Deve,
contudo, servir de prova cabal de que elas näo perderam, em
consequência da mangra, a vitalidade e as faculdades vegetativas,
a facilidade com que na Madeira nos meses de Agosto e Setembro
algumas delas, colocadas em situaçöes favoráveis deram rebentos
novos, cobertos de folhas isentas de doença.
Os estragos causados pela mangra säo muito mais terríveis
quando as varas säo fortemente atacadas, logo ao sair dos gomos:
porque neste caso a sua desenvoluçäo é paralisada, um como
raquitismo as atrofia, a sua epiderme torna-se toda côr de
chumbo, a lesäo penetra até ao íntimo da medula, as folhas que
nascem dessas ramificaçöes delgadas e como crestadas, säo
pequenas, encarquilhadas, e também de côr escura; se däo origem
a frutos, esses apenas com a grossura de um gräo de chumbo grosso
secam e morrem; tudo nelas, enfim, indica a existência de uma
lesäo mortal. E, de feito, nos meados de Setembro já as varinhas,
que eu no mês anterior tinha observado no estado miserável que
descrevi, estavam sem folhas, inteiramente secas e quebradiças
e, quando quebradas, deixavam ver todos os seus tecidos
inteiramente alterados por uma espécie de gangrena. Deste
deplorável estado dos rebentos anuais observei um notável exemplo
ao sudoeste da estrada que vai do Funchal para a antiga ponte do
Ribeiro Seco, e muito perto desta ponte; do lado oposto da
estrada, em pequena elevaçäo, havia uma vinha de pé também muito
atacada de mangra, mas em que os estragos sobre as varas eram
muito menos assustadores.

Folhas. - As folhas, como as varas, podem ser mais ou menos


lesadas pela mangra, segundo a época em que teve logar o
aparecimento do mal, e a intensidade com que ele se desenvolveu.
Quando as folhas säo atacadas pela doença, depois de
desenvolvidas, isto é, passadas algumas semanas depois de haverem
saido dos gomos, entäo as folhas continuam a crescer, conservam
em grande parte a sua côr normal, e näo cessam de exercer as
funçöes respiratórias: neste caso só se pode conhecer que as
folhas estäo com mangra, porque nas suas duas faces, mas
principalmente na parte superior, se notam superficialmente
manchas brancas, e como ligeiramente pulverulentas, que se podem
fazer com facilidade desaparecer por meio de uma ligeira fricçäo,
e que, fazendo-se desaparecer por esta forma, deixam a
descoberto, no próprio tecido das folhas, outras manchas, umas
vezes amareladas, outras escuras e lívidas. Ordinàriamente, esse
pó branco que macula a superfície das folhas, e que näo é outra
coisa senäo a criptogâmica de que já temos falado, cae por si
mesmo, ou sacudido pelo vento, e entäo nas folhas só ficam, como
sinais da doença, as nódoas amareladas ou escuras que existem nos
próprios tecidos destes órgäos, e que säo resultado da alteraçäo
mais ou menos profunda que os tecidos sofreram.
Näo säo, porém, os estragos sobre as folhas de täo pequena
importância, quando ela aparece logo no começo do desenvolvimento
destes órgäos, como sucedeu em 1853 em algumas vinhas da Madeira.
Neste caso as folhas cobrem-se todas do fungus; os seus tecidos
tomam uma côr denegrida e lívida: a sua forma altera-se,
tornando-se os lobos, às vezes, mais profundos e irregulares; e,
como a doença ataca ao mesmo tempo os pecíolos e os seca, as
folhas caem e as cepas ficam quase inteiramente despidas dos seus
importantes órgäos da respiraçäo. Claro está que, mesmo às
plantas novas, a falta destes órgäos näo pode deixar de causar
grande prejuizo; e, que esta destruiçäo das folhas se se repetir
mais ou menos um ou dois anos, há de necessàriamente trazer a
destruiçäo das vinhas. Felizmente a mangra näo se mostrou com
esta violência sobre as folhas da vinha, senäo em um número de
plantas, comsiderável sim, mas relativamente pouco importante.
Nas folhas das vinhas da Madeira uma outra alteraçäo,
diferente das que acabamos de descrever como sendo resultados dos
ataques da mangra, se mostrou muito geralmente; esta lesäo,
conhecida em diversos paises vinhateiros, mas que na Madeira näo
havia merecido ainda a tençäo dos viticultores, esta lesäo a que
em França chamam Rouget, e que já aqui em Portugal eu tinha
observado, consiste numa mudança, näo das membranas que
constituem as paredes dos tecidos elementares que entram na
composiçäo do limbo das folhas, mas sim na alteraçäo dos líquidos
contidos nesses tecidos. As folhas com esta doença, cujos efeitos
tem na Ilha sido também atribuídos à terrível mangra, fazem-se
segundo as minhas observaçöes, vermelhas primeiro nas nervuras
depois em todo o parenquima, conservando contudo, a sua
consistência e flexibilidade naturais; mais tarde, porém,
provàvelmente porque as funçöes das folhas se alteram, ou antes
porque essa alteraçäo de funçöes precedeu a coloraçäo vermelha,
que talvez seja apenas um resultado dela, mais tarde, digo, os
tecidos das folhas tornam-se rijos, quebradiços, e secos, e a
folha morre, e cai dos ramos inteira, ou se esfacela pouco a
pouco.
(...)
Por esta exposiçäo que acabo de fazer das minhas
observaçöes sobre a doença das vinhas, que os franceses chamam
rouget, e que em 1853 apareceu na Madeira quase por toda a parte,
ve-se evidentemente, e este facto está fora de dúvida em França
e na Itália, que esta doença nada tem com a mangra, inutilizando
órgäos täo importantes para a vinha como säo as suas folhas, e
influindo de certo nos actos respiratórios e de nutriçäo,
provoque o aparecimento de todas as outras enfermidades, que
atacam este delicado vegetal.

Frutos. - É nos frutos que a mangra se apresenta com mais


intensidade; säo as lesöes dos frutos as que principalmente
chamam a atençäo dos que observam uma vinha doente, näo só porque
os sintomas do mal säo aqui muito mais visíveis, senäo também
porque é a destruiçäo das uvas a que causa prejuizos mais
imediatos aos viticultores. A mangra causa nas uvas, como nos
outros órgäos da vinha estragos maiores ou menores segundo a sua
intensidade, e a época em que as ataca.
Se as uvas säo atacadas logo depois da queda da flor (uma
vez pude observar o oidium sobre os órgäos florais da vinha), ou
se adoecem quando ainda säo muito pequenas, quando estäo em
muniçäo, entäo o seu crescimento ou cessa desde logo, ou cessa
pouco depois; as uvas parecem durante alguns dias como envolvidas
num pó cinzento e ligeiro, que é o oidium, e depois secam,
tornam-se duras e negras, na sua superfície externa e na parte
de seus tecidos internos que ficam mais próximos da epiderme; até
que, por fim, o mal havendo atacado também os pedúnculos de cada
bago, e até o pé que prende os cachos à planta, os frutos todos
caem, quando o vento ou a chuva vêm açoitar os ramos da vinha. -
Se o oidium aparece mais tarde sobre os frutos, isto é, quando
eles têm as dimensöes de uma ervilha ou dimensöes um pouco
maiores, entäo, umas vezes ele cobre a totalidade dos bagos
outras só parte dos bagos do cacho, e mesmo se podem encontrar
bagos com metade ou um quarto apenas da sua superfície coberta
da criptogamia, e o resto perfeitamente limpo. Nos lugares
atacados pelo oidium a película das uvas cobre-se de pontuaçöes,
quase sempre de cor de castanha a princípio; depois, se o mal
progride, as pequenas manchas se tornam confluentes; näo é raro
encontrar manchas destas muito mais escuras, e lívidas, apanhando
a maior parte, e às vezes toda a superfície dos bagos doentes.
No caso, que estou descrevendo, quando as pontuaçöes escuras, e
que säo um pouco salientes, se tem tornado confluentes, ou mesmo
antes disso quando elas se têm disposto em linhas um pouco
irregulares do pedúnculo a extremidade oposta dos bagos, o que
muitas vezes sucede, as uvas rebentam, abrem-se por uma fenda
quase täo regular como se fora feita com um instrumento cortante,
e pöem a descoberto as grainhas, que continuam a crescer às
vezes, e tomam dimensöes bastante consideráveis. Este incidente
que tantas vezes se repete, esta rasgadura dos tecidos
epidérmicos das uvas doentes fàcilmente se explica, basta para
isso lembrar que a epiderme coberta das pequenas manchas escuras
perde a faculdade de crescer e de se distender, em quanto que a
pôlpa celular interna continua a receber a seiva e a crescer; o
antagonismo desta força de distençäo do tecido celular das uvas,
e da resistência à distensäo da epiderme, dá em resultado por fim
a rasgadura dos tecidos. É sabido também que entre o
desenvolvimento das sementes e dos tecidos carnosos de qualquer
fruto há uma espécie de antagnismo: as variedades de frutos mais
suculentos e polposos däo geralmente sementes menos desenvolvidas
e até em menor número do que as variedades menos perfeitas aos
olhos do pomicultor; näo nos devemos pois admirar de que os bagos
de uvas doentes, onde o desenvolvimento da pôlpa celular é
impedido pela rijeza da epiderme, e onde mais tarde, depois da
rasgadura desta, ela cessa quase inteiramente, as grainhas
continuando a receber nutriçäo se apresentem um pouco
hipertrofiadas. Sucede também às vezes que os frutos atacados
pela mangra neste segundo período do crescimento, näo rebentam
logo, mas continuam a crescer, e em vez de rebentarem, ou de
endurecerem muito, amolecem interiormente, e sofrem uma espécie
de putrefacçäo; esta terminaçäo do mal observei-a em alguns pés
de vinha, na Madeira, mas observei-a muito mais vezes em algumas
parreiras situadas nas proximidades de Santa-Cruz de Tenerife. -
O aparecimento da mangra também pode ter lugar quando as uvas
estäo quase a amadurecer, neste caso a mucedinia já lhes näo
causa grande mal; as uvas continuam no seu desenvolvimento,
passam ao período da maturaçäo, a criptogamia cai, e só ficam
como signais indeléveis da mangra as pontuaçöes escuras e um
pouco elevadas, que, como disse já, se formam nos lugares da
epiderme dos frutos, onde a criptogamia vegeta. Este terceiro
modo de manifestaçäo da doença, observei-a muitas vezes sobre a
variedade de vinha denominada Isabelle.
Os progressos da doença podem ser atalhados nos frutos,
aplicando-lhes medicaçöes tópicas como adiante direi, ou
colocando-os perto do solo, ou mesmo em imediato contacto com
ele; nestes casos a criptogamia cai, mas as pontuaçöes escuras
da epiderme permanecem indeléveis, mesmo depois das uvas estarem
limpas do oidium.
Estas pontuaçöes, säo devidas à modificaçäo que sofrem, näo
só a cuticula, mas os utrículos epidérmicos, que ficam
imediatamente por baixo dela. Quando se observam estas manchas
com o micróscopio, vê-se que a sua cor é devida ao escurecimento
da cutícula e das paredes das celulas imediatamente subjacentes,
e principalmente à existência dentro dessas celulas de um liquido
amarelado, em que nadam glóbulos cuja cor é muito semelhante à
que tomam os glóbulos azotados em presença do iodo: as celulas
e a cutícula assim alteradas perdem a faculdade de distender-se,
e é por isso que os bagos muito lesados pela mangra se fendem e
rebentam. Nos bagos doentes que rebentam, o tecido celular que
constituie a sua polpa, em vez de estar suculento e com a
flexibilidade que lhe é própria apresenta-se carnoso e rijo,
semelhando-se ao tecido das folhas carnosas; cousa idêntica
sucede à polpa daqueles bagos que, sem rebentarem, deixam de
crescer por causa do excessivo endurecimento dos tecidos
periféricos.
Pela descriçäo dos sintomas da mangra em todos os órgäo da
vinha vê-se, que o amis saliente, o mais constante, o primeiro
de todos eles é o desenvolvimento de uma criptogamia, de um bolor
na superfície externa desses orgäos; é pois necessário, que eu
dê aqui uma descriçäo sucinta deste bolor, que tem sido objecto
do estudo dos mais ilustrados botânicos da Europa, mas que é para
todos eles assunto ainda de dúvidas e de incertezas.

Dos fungus das vinhas. - Quando a doença que actualmente


devasta as vinhas, apareceu em Margate em 1845, logo M. Tucker
notou a existência de um pó branco, que cobria os órgäos da
fructificaçäo; este pó foi estudado por M. Berkeley, que
reconheceu ser um fungus, com os caracteres, segundo este
naturalista, que se atribuem ao genero oidium, e havendo
considerado este fungus como ainda näo descrito, nem observado,
deu-lhe o nome específico, pelo qual ele é hoje conhecido, de
oidium Tuckery.
Eis aqui qual é a organizaçäo que nesta pequena, maas
funesta criptogamia se pode observar com o micróscopio. A base
da planta, isto é a parte dela que se fixa imediatamente sobre
a epiderme dos frutos, ou se estende por debaixo da epiderme das
folhas, base da planta, que constitue o seu micelium o seu
sistema vegetativo, é formado de um número considerável de
filamentos, ténues, transparentes, divididos por dissepimentos
de distância a distância, e entretecidos uns com os outros de
maneira que formam uma rêde inextricável e, muitas vezes, sobre
os frutos, uma camada que encobre totalmente a epiderme destes.
Quando se separam um dos outros com cuidado estes filamentos, é
fácil, em alguns, ver pequenos apendices arredondados e curtos,
que nascem ao lado destes filamentos que ficam voltados para a
epiderme das uvas; estes apendices, que foram primeiro observados
por Gasparrini, representam as raízes deste pequeno bolor, e säo
em tudo semelhantes aos prolongamentos radiculares dos eriphes,
fungus parasitas como este que estou descrevendo. Da parte
superior do mycelium desta criptogamia nascem duas espécies
diversas de orgäos reproductores; uns muito simples, que se
desenvolvem com grande rapidez e numa abundância assustadora,
outros menos abundantes, menos fáceis de observar, mas com uma
organizaçäo mais perfeita. É fácil de ver, sobretudo nos frutos
em que a doença se tem manifestado uma ou duas semanas antes da
observaçäo, que da parte superior dos filamentos estereis, que
se fixam à epiderme dos frutos, se levanta imensa quantidade de
outros filamentos do comprimento de 1/3 de milimetro, divididos
por diafragmas às vezes bem evidentes, e terminados na parte
superior por uma celula de forma esferoidal, ou elipsoidal, e às
vezes por duas ou três destas celulas dispostas umas sobre as
outras como contas de um rosário. Cada uma destas últimas
articulaçöes dos filamentos ferteis transforma-se em spóro, isto
é, numa seminula capaz de reproduzir o fungus, que caracterisa
a doença das vinhas: ora, como os filamentos ferteis säo
inumeráveis, e cada um pode produzir muitos spóros, fácil é de
perceber o motivo por que a fatal propagaçäo deste bolor se faz
com pasmosa rapidez sobre uma vinha e mesmo sobre um paiz
inteiro. Nas folhas só sobresaem à epiderme os filamentos
sporíferos, os quaes saem através das aberturas dos estomatos.
A tenuidade extrema d'estes spóros transparentes, que apenas
chegam, segundo M. Montagne, a adquirir o comprimento de 0,035
de milimetro, e o diametro de 0,002 de milimetro, explicam também
a facilidade com que eles säo transportados pelo vento, e pelos
nevoeiros a grandes distâncias. Além destas sementes aerogénias
observa-se sobre o fungus denominado Oidium-Tuckeri um outro modo
de fructificaçäo; este consiste em uns corpos arredondados e
escuros, sesseis, nascendo sobre um pediculo próprio, às vezes
sustentados pelos mesmos filamentos que servem de apoio e de
origem aos spóros acima descritos, verdadeiros fructos formados
por uma membrana celulosa contendo dentro de si uma infinidade
de corpusculos susceptiveis de germinar.
(...)

III

Natureza da doença

Seria impossível que diante de um acontecimento de tanta


magnitude e importância, como a doença das vinhas, os homens da
ciência e os interessados na conservaçäo destas uteis plantas näo
buscassem penetrar o segredo deste grande fenómeno natural, näo
procurassem descobrir a origem, a causa prima deste flagelo. O
impossível näo se deu; pelo contrário, com o desejo de descobrir
a verdade, o espírito lançou-se em ideias especulativas, em
teorias mais ou menos singulares, e até em extravagantes
absurdos. Näo é intençäo minha descutir aqui cada uma das
hipóteses que se têm apresentado para explicar a mangra; algumas
dessas hipóteses näo merecem nem as honras da discussäo, e outras
já foram discutidas por escritores mais habeis do que eu: mas
seja-me ao menos permitido fazer algumas consideraçöes sobre as
principais dessas hipóteses, e filiar-me, por agora, entre os
seguidores da que me parece ser a verdadeira. Quem näo tem, mais
ou menos, em todas as coisas de ciência e até em todas as coisas
da vida a sua hipotese, verdadeira para o próprio espírito, ainda
que falsa seja para o espírito dos outros, hipótese que o guia
e o anima no estudo e no trabalho?
De todas as hipóteses apresentadas até hoje para explicar
o mal das vinhas, só qautro säo dignas de ser mencionadas:

1ª - Degenerescência ou alteraçäo no organismo.


2ª - Excesso de saude, ou pletora das vinhas.
3ª - Estragos causados por certo insecto da ordem dos
thysanuros.
4ª - Alteraçäo produzida nos órgäos exteriores da vinha por
um fungus parasita.
(...)

IV

Causas da grande intensidade da doença das vinhas na Madeira

É fóra de duvida que o mal das vinhas näo respeita nenhuma


das variedades desta planta, näo deixa isenta nenhuma localidade,
nenhum solo, nenhuma exposiçäo; mas é também certo que as
variedades mais finas, e mais ricas em princípios sacarinos,
principalmente as variedades brancas, säo, em geral, as mais
atacadas, é certo, e isto pode-se concluir das observaçöes de
todos os que têm estudado esta doença, é certo que ela ataca mais
as plantas que estäo em solos fortes; lendo com atençäo alguns
dos trabalhos que se tem escrito sobre este mal das vinhas, e
principalmente o relatório de M. V. Rendu pode também concluir-se
que a mangra mostra certa predilecçäo pelas exposiçöes ao sul,
ou antes a mangra parece ter menos predilecçäo pelas exposiçöes
ao norte do que pelas exposiçöes ao sul. A vista disto, está
claro, que a mangra devia encontrar na ilha da Madeira todas as
necessárias condiçöes para ter um desenvolvimento rápido e
exuberante.
A maior parte das variedades de vinha cultivadas na
Madeira, principalmente no sul, säo variedades muito finas e
delicadas, e singularmente abundantes em açúcar: de modo que
nelas o Oidium-Tuckeri achou, por assim dizer, um solo
perfeitamente preparado para o receber e o nutrir.
O clima da Madeira é extremamente temperado. Em todas as
estaçöes a temperatura conserva-se bastante elevada, e a humidade
atmosférica é bastante grande para que os bolores se possam
abundantemente desenvolver sobre os corpos organizados colocados
em situaçäo conveniente.
As duas condiçöes mais propícias ao desenvolvimento dos
bolores, o calor pouco variável näo descendo nunca abaixo de 14º
centigrados, nem subindo muito acima de 26º, e a humidade pouco
afastada do ponto de orvalho, säo as que o Oidium-Tuckeri
encontrou na Madeira, e por isso ele aí atacou as vinhas com uma
pasmosa violência, e se tem conservado sempre com uma intensidade
assustadora.
A natureza dos solos em que a vinha é cultivada, e a
exposiçäo da maior parte das encostas dos montes da Madeira, onde
estäo situados as mais preciosas plantaçöes, devem ter
contribuido também para tornar mais intenso o mal que devasta
aquela formosa Ilha.

Influência da "mangra" sobre o vinho

Antes de terminar este capítulo, direi duas palavras sobre


os resultados obtidos na fabricaçäo do vinho com uvas atacadas
pela mangra.
Em 1852 grande parte das uvas profundamente atacadas foram
abandonadas pelos lavradores, porque se reputava, e com razäo,
toda a despeza feita com a vindima de täo miseráveis frutos como
totalmente perdida; no ano de 1853, porém, a falta de vinhos
ordinários para o consumo da ilha da Madeira, e a total carência
de aguardente, cuja importaçäo é proíbida na Ilha, levaram os
possuidores de vinhas a fazer vindima de uvas de horrível
aparência, cobertas de bolor, arregoadas, isto é fendidas
longitudinalmente e com a polpa quase inteiramente endurecida,
de uvas enfim nas quais um desgraçado consumido pela fome
hesitaria em tocar. De uvas neste estado poder-se-ia tirar vinho?
De certo que näo. O líquido que saíu imediatamente das uvas muito
atacadas de mangra, que foram pisadas, foi um líquido um pouco
mais denso que o môsto, com uma côr amarelo-terrosa como a das
águas turvadas pela grêda, e com o cheiro característico da
mangra, que é mais fácil de reconhecer que de definir: cheiro
repugnante e incómodo, o qual se assemelha um pouco ao cheiro do
cobre esfregado com um ácido pouco activo, o ácido citrico, por
exemplo. Este líquido, em que à uma quantidade pouco considerável
de açúcar, é susceptível de fermentar, e fermenta efectivamente,
mas com bastante violência e por pouco tempo: porque a proporçäo
em que nele entra o fermento näo está na devida relaçäo com o
pouco açúcar das uvas doentes.
Esse líquido, ao qual com dificuldade se pode dar o nome
de vinho, que resulta da fermentaçäo do sumo extraído das uvas
doentes, é susceptível de clarificaçäo, e toma uma côr alambreada
ás vezes semelhante à do bom vinho; o sabor, porém, mesmo do mais
bem preparado é detestável; porque a um amargor muito sensível,
se junta o gosto insuportável do fungus parasita. É certo,
contudo, que do uso deste vinho näo resulta prejuízo à saúde do
povo.
VINHA E A CRISE

EDUARDO DIAS GRANDE

Publicado:

Relatório Sociedade Agricola do Funchal. Por Eduardo Grande,


Agronomo addido ao Governo Civil do Distrito do Funchal, Funchal,
1865.
O oidium tuckeri que desde o anno de 1852 assolava
implacavelmente as vinhas da Madeira, reduzindo-as a uma produçäo
mesquinha, como se vê do mappa que damos abaixo, e fazendo
abandonar quasi completamente em todo o Districto a sua cultura,
começa a desapparecer e as plantaçöes nascentes erguem-se
esperançosas por quasi toda a ilha para substituir os antigos
vinhedos.

Produçäo de vinho nas ilhas da Madeira e


Porto Sancto, nos annos de 1853 a 1859

ANNOS

HECTOLITROS

1853
3:167

1854
620

1855
151

1856
364

1857
423

1858
770

1859
632
A declinaçäo sensivel do mal, o enthusiamo tradicional por
esta cultura no Districto, a efficácia da enxofraçäo, como meio
preventivo, o uso ja vulgar deste processo em toda a ilha, tudo
nos faz crer que em pouco tempo a Madeira poderá offercer
novamente ao mercado vinhos da primitiva qualidade.
A crise, pela qual acaba de passar este Districto, näo foi
exclusivamente devida á molestia que täo violentamente attacou
os seus vinhedos.
De há muito que ella se preparava, pelo descredito que os
vinhos desta ilha foram pouco a pouco grangeando no estrangeiro,
com o abuso inconsiderado das estufas.
Com o fim de communicar, artificialmente, aos vinhos
qualidades que só o tempo lhes póde dar, introduzio-se na ilha,
no principio deste seculo, o processo de sujeitar os vinhos de
producçäo recente a altas temperaturas (60º ao mais) por espaço
de alguns mezes, em casas ou estufas preparadas para esse fim.
Por esta practica lançou-se imprudentemente nos mercados
estrangeiros uma grande porçäo de vinhos, muitos dos quaes mal
preparados, e estas duas circumstancias provocaram as
desconfianças dos consumidores, diminuiram a procura e
accarretaram uma baixa sensivel no preço deste genero.
Como os vinhos fossem a fonte exclusiva de receita para
este Districto, faltaram quasi repentinamente os meios de dar á
cultura da videira a assiduidade e perfeiçäo de amanhos que ella
requeria, e a producçäo baixou numa progressäo assustadora.
Com effeito em 1813 produziu a ilha 99:218 hectolitros de
vinho; depois desta epocha chegou ainda a produzir 126:000
hectolitros. De 1847 a 1852 (apparecimento da mangra) a producçäo
decresceu successivamente como se vê do mappa seguinte:

ANNOS
Hectolitros

1847
81.846

1848
57.688

1849
60.669
1850
54.448

1851
38.543

1852
8.883

Com a baixa de preço e falta de producçäo, diminuiu a


exportaçäo, e esta que parece fòra ainda em 1809 para mais de
57:960 hectolitros, e que chegará ainda em 1825 a 53:765
hectolitros, näo passou desde entäo de 30:000 hectolitros, como
se verá da tabella seguinte:

1828..37:185 hectolitros 1840..30:810 hectolitros


1829..31:317 " 1841..27:656 "
1830..21:250 " 1842..24:228 "
1831..21:381 " 1843..28:542 "
1832..27:667 " 1844..27:256 "
1833..33:553 " 1845..27:740 "
1834..35:659 " 1846..31:645 "
1835..20:868 " 1847..21:472 "
1836..30:576 " 1848..22:523 "
1837..31:388 " 1849..28:512 "
1838..37:976 " 1850..27:531 "
1839..39:945 "

Os valores que estes vinhos deixavam na ilha eram


consideráveis, mas pela fórma porque se fazia o seu commercio
cabiam elles quasi exclusivamente aos estrangeiros, em cujas mäos
estava monopolisado.
Na epocha da colheita o vinho em mosto era vendido, por
preços baixos, ás casas inglezas estabelecidas na ilha, que o
preparavam e embarcavam depois, para os differentes mercados do
seu consumo, deixando aos proprietários magrissimos lucros.
A grande escala em que estas casas negociavam tornava
conhecidas as suas firmas nos differentes mercados e excluia
deste commercio os proprietários, que só desvantajosamente podiam
luctar com a concorrência daquelles.
A adulteraçäo dos vinhos, e a sophisticaçäo dos bons
processos de melhorar este genero, de que por infelicidade se tem
abusado, tornavam ainda menos accessiveis aos viticultores,
lucros, que elles nunca deveriam ter deixado sahir das suas mäos.
Hoje que a cultura da videira promette vir a ser novamente
uma fonte de riqueza e de prosperidade para esta terra, deviam
os proprietários pensar nos meios de haver para si o commercio
dos vinhos e as vantagens que lhe säo inherentes.
A associaçäo dos viticultores em uma companhia para o
commercio dos vinhos para o estrangeiro, uma gerencia
intelligente que classificasse devidamente os productos vinicolas
do districto, que conquistasse a confiança e o credito dos dos
mercados, assegurando aos consumidores a genuidade do genero
offerecido, lograria de certo este proveitoso intento.
Näo cabe aqui o desenvolvimento deste pensamento que julgo
aproveitável e cujo alcance bem poderäo os leitores avaliar.
A crise que a agricultura deste paiz acaba de attravessar
foi tanto mais grave, quanto que o maior e melhor dos seus
terrenos, fôra votado imprevidentemente ao cultivo da vinha.
Hoje é necessário que os cultivadores se näo lancem de novo
á cultura da videira, é mister que näo alarguem á custa de outras
culturas valiosas, a área da producçäo vinicola.
O Districto perdeu muito com a falta de seus vinhos e com
o descredito que as bebidas artificiaes, alcunhadas com o titulo
de vinho da Madeira, lhe foram grangear no estrangeiro; mas é
também verdade que melhorou a sorte do colono, tomou a
agricultura um caminho mais providencial, e sobre tudo o mal näo
é täo grande como se quiz suppor, nem é irremediavel.
A introducçäo dos vinhos de Portugal, que muitos tem
querido venha estabelecer o equilibrio entre a cultura dos vinhos
e as outras producçöes da agricultura, matando as vinhas de
inferior qualidade, e mantendo apenas as que podessem existir com
a livre concorrencia, seria hoje um näo pequeno mal: a industria
das vinhas está novamente na sua infancia, e é necessário
proporcionarmos-lhe alguma protecçäo. Mais tarde, quando de todo
tiver desapparecido a molestia, quando as vinhas, agora
plantadas, tiverem chegado ao auge da sua producçäo, será
opportunidade de lançarmos no mercado vinhos de Portugal, e pôr
nas condiçöes de igualdade com as outras industrias a producçäo
vinicola madeirense. Hoje protecçäo á cultura nascente, que
desenvolvendo-se deve de novo chamar o commercio e os capitaes
a este porto.
A falta de bacello limitou este anno consideravelmente a
plantaçäo. Bom seria que na proxima epocha o Governo fizesse vir
para este Distrcto uma porçäo de plantas das castas mais selectas
dos vidonhos do Continente.
A cultura da vinha faz-se no Districto de duas fórmas
differentes; em balseiras, ou embarrados, na regiäo do norte; e
em latadas e corredores na parte do sul.
Nos embarrados a videira sustenta-se e enlata-se sobre
árvores dispostas para esse fim: neste systema a producçäo é
abundante, mas pouco qualificada, porque as uvas raras vezes
chegam a uma completa maturaçäo, já porque näo recebem a
reverberaçäo dos raios calorificos, ja porque as arvores näo säo
podadas convenientemente.
As arvores que no Districto se encontram associadas á
videira, säo o castanheiro, o carvalho, a faia e o louro.
O unico tractamento que recebem aqui as balseiras, é a
desfolha das arvores quando as uvas estäo proximas da maturaçäo,
e alguma limpesa tanto nas varas superabundantes da videira, como
nos ramos da planta que as sustenta.
Os vidonhos que se cultivam de embarrado säo, pela maior
parte, Verdelho, Sercial, e Tinta. Julgo que esta cultura é
susceptivel de grande melhoramento, e para elle entrego á
appreciaçäo competente dos agriucltores deste país, as indicaçöes
que se seguem:
1º - Empregar nos embarrados a robusta variedade americana,
conhecida pelo nome de Isabelle, enxertando-a depois em qualquer
das castas, verdelho, sercial e tinta, que até hoje se empregavam
para o mesmo fim.
Parece-me que por esta práctica devem obter-se individuos
que conciliem o vigor de vegetaçäo da primeira especie, com a
producçäo qualificada das ultimas.
2º - Escolher para amparo das videiras arvores fructiferas
e pouco folhosas, como o castanheiro, o carvalho, e o freixo,
cujas folhas säo uma excellente forragem.
O habito de enlatar a vinha sobre arvores de folhas
persistentes, como o louro e a faia, é altamente condemnavel,
porque estas arvores entretem no ambiente uma superabundancia de
humidade que provoca um grande luxo de folhagem á custa da
fructificaçäo. Tambem a desfolha destas arvores é mais
dispendiosa, o que näo deve perder-se da vista.
3º - æs arvores convem que sejam dispostas a uma tal
distancia, que o sol possa penetrar por entre ellas em todas as
direcçöes para que os cachos sejam menos assombrados e possam
amadurecer menos imperfeitamente.
4º - Nos logares desamparados e expostos aos ventos frios,
as videiras devem encostar-se do lado do meio dia, - nas
situaçöes temperadas ao poente, e ao norte só excepcionalmente,
nos casos de uma grande insolaçäo e calor muito intensivo.
5º - As arvores descabeçam-se a quatro ou cinco metros de
altura, e os bacellos devem acompanhalas até este ponto.
60 - As arvores ou devem ser podadas de maneira a ficarem
unicamente com quatro ou cinco ramos lateraes, ou em fórma de
cupula ou vaso arredondado.
No primeiro caso os braços da videira enlatam-se nos ramos
por toda a sua estensäo, e passam-se de umas a outras arvores,
formando festöes ou grinaldas, de um effeito admiravel.
No segundo cingem-se em roda da copa da arvore em espiraes
mais ou menos perfeitas e acompanhando esta em toda a sua altura.
7º - As balseiras devem ser cuidadosamente podadas todos os
annos para que as uvas sejam mais gradas e o vinho de melhor
qualidade.
Os vinhos do norte servem para lotar os da regiäo do sul,
que se melhoram com esta mistura, e que se tornam mais baratos,
porque, como vimos, a producçäo das balseiras é abundante e o seu
grangeio facil e economico.
As balseiras podem tambem por si só, dar vinhos fracos de
muita estimaçäo, no genero do clarete e do Rheno, sempre que
elles forem tractados convenientemente.
Na regiäo do norte, säo os vinhos de Ponta Delgada e do
Porto da Cruz os mais reputados.
Nos vinhos do sul a cultura é conduzida com bastante
perfeiçäo.
As vinhas desta regiäo situadas, pela maior parte, nos
declives das montanhas em socalcos laboriosamente construidos,
com destino a approveitar cuidadosamente toda a superficie do
terreno e sustental-o contra as aguas das chuvas, exigem para o
seu grangeio custosos amanhos e cuidados repetidos, que tornam
excessivamente caros os seus productos.
A duraçäo destas vinhas limita-se ao pequeno espaço de
quinze annos; a circunstancia de serem os bacellos plantados
muito perto uns dos outros, e o genero de poda a que a videira
é submettida no paíz, determinam o definhamento precoz desta
planta e a sua curta vida.
Parece, porém, que uma e outra practica se justificam, em
razäo da necessidade que ha de reprimir a excessiva vegetaçäo que
a videira tomaria neste clima, collocada em outras
circunstancias.
A poda comprida é, ao que dizem os agricultores, exigida
pelas especialidades o modo de vegetar das castas cultivadas na
ilha.
Pelas razöes que deixo indicadas, e näo tendo um profundo
conhecimento das vinhas deste paiz, näo me atrevo a condemnar
qualquer daquelles usos.
As vinhas desta regiäo säo regadas como as de algumas
situaçöes da Andaluzia, e este beneficio näo é aqui dos menos
dispendiosos.
Do que temos dito vê-se que os vinhedos do sul deixam aos
agricultores productos onerados de täo custosos adiantamentos que
só um preço excepcional póde devidamente retribuir. Assim a
cultura da vinha nesta parte da ilha deve limitar-se aos lugares
privilegiados em que se produzem as especialidades inimitáveis
dos seus vinhos, que tem em toda a parte um grande valor.
Os vidonhos que formam as vinhas do sul da Madeira säo
conhecidos pelos seguintes nomes:

Uvas Brancas

BUAL - Produz o vinho estimado conhecido por este nome.


Parece que este vidonho fôra importado de Bucellas.

SERCIAL - É, segundo o Sr. Joäo d'Andrade Corvo, conhecida


na Allemanha esta variedade pelo nome de Hocheim. Dá origem a um
dos vinhos mais qualificados da Madeira.

MALVASIA - Encontram-se deste vidonho differentes


variedades. Foi introduzida na ilha pelo Infante D. Henrique, em
1845.
É uma das castas mais estimadas da Madeira pelo perfume e
delicadesa dos seus produtos. Esta variedade foi importada de
Candia. Dá-se apenas nos logares abrigados e pouco altos.
A Fajä dos Padres, e o Paul do Mar eram affamados pela
excellencia da sua malvasia.
VERDELHO - Variedade que sobe a grande altura. É muito
productiva e dá o vinho conhecido por aquelle nome, que, quando
velho, é de grande estimaçäo.
Supponho que esta variedade é conhecida no reino pelo nome
de Gouveio.

BASTARDO BRANCO. - PERING . - CARÄO DE MOÇA. - GANCHEIRA. -


VERMEJOLHO. - BARRETE DE CLERIGO. - SABBA. - LISTRÄO. - Estas
variedades säo muito menos estimadas que as precedentes, e
concorrem com elles na factura dos vinhos de que fallamos, mas
säo particularmente a base do vinho conhecido simplesmente pelo
nome de Madeira.
Além destas encontram-se também o Muscatel branco, e o
Alicante, que se consomem nas mesas.

Uvas Coradas

NEGRA MOLLE - TINTA - É destas duas variedades que se


extrahe o vinho conhecido pelo nome de Tinta da Madeira.

NEGRINHA OU TINTA DE BAGO PEQUENO - Uvas de muito inferior


qualidade e de dificil maturaçäo.

BASTARDO PRETO - Uva muito adocicada e de bastante perfume.

TARRANTÉS - Bago roxo escuro, de boa qualidade.

MAROTO E CASTELLÄO - Variedades pouco estimadas.

ISABELLE - Variedade muito rustica e vigorosa, importada


da America.

FERRAL - MUSCATEL ROXO - ALICANTE ROXO - Cultivadas só para


consumo das mesas.

Além destas encontram-se também nas novas plantaçöes muitas


variedades de Portugal que se devem á importaçäo do bacello que
depois da invasäo da molestia se tem feito do continente.
Com quanto algumas destas espeicies, como o Arinto, a Tinta
do Padre Antonio e outras, sejam de boa qualidade e convenham
conservar-se, julgo, porém, que os viticultores deste paiz devem
exforçar-se em multiplicar as catas antigas dos seus vidonhos,
sujeitando a uma vigorosa enxertia todas as outras cepas menos
qualificadas para conservar o antigo cunho dos seus vinhos, que
a introduçäo de outros elementos poderia transtornar.
O Estreito, a Paul do Mar e o Jardim da Serra, passam por
ser os logares onde se colhem os vinhos mais finos da regiäo do
Sul.
CARTA

sobre

A NOVA MOLESTIA DA VINHA NA MADEIRA

dirigida

AO CHEFE CIVIL DO DISTRICTO

pelo

DR. JOÄO DA CAMARA LEME

Publicado:

Carta sobre a nova molestia da vinha da Madeira dirigida ao


Chefe civil do Distrito pelo Dr. Joäo da Camara Leme, Funchal,
1872.
Illmo. e Exmo. Snr.

Sabe V. Excª primeiramente que o desalento, a indolencia e


a inercia, no meio de uma calamidade, trazem quAsi sempre após
si as mais funestas consequencias.
Um bem triste exemplo d'esta verdade é o que se deu na
Madeira, quando o Oidium tukeri invadiu as nossas vinhas.
Näo ha muito que, chamando a attençäo do público madeirense
para täo desditosa quadra me exprimi assim:

"Havia um anno que me achava em França, quando me chegou


a triste noticia de que o Oidium tukeri fazia terrIvieis estragos
nas vinhas da Madeira.
Cuidei immediatamente em mandar para aqui todos os
esclarecimentos que pude colher sôbre o assumpto; e quem tiver
o número do Estudo de 30 de Novembro de 1852, ahi poderá ver
publicado o que entäo a tal respeito escrevi.
Poderá ver que indiquei os meios que já eram empregados
com vantagem na França para combater a molestia da vinha, e que,
entre elles, fallei do emprègo do pó de enxofre por meio de um
folle, com tendo dados os resultados mais vantajosos; - que por
essa occasiäo dirigi aos meus patricios palavras tendentes a
levantar-lhes o ânimo abatido por tamamha calamidade; - que me
esforcei para os dissuadir do proposito, que muitos formavam, de
emigrar, mostrando-lhes que näo deviam deixar as suas moradas,
desamparar as fazendas que tinham herdado de seus paes e regado
com o suor do seu rosto, e trocar por maus climas o clima
delicioso e o solo täo fertil da terra que os vira nascer, que
os acalentará em seus braços, e que até entäo lhes offerecêra
sempre senäo copiosos sufficientes meios para a sua subsistencia;
- poderá, finalmente, ver que lhes aconselhei que luctassem com
coragem contra a adversidade; que tractassem de conservar as suas
vinhas pelos meios que a sciencia e a experiencia mostrassem ser
os melhores; e que tivessem resignaçäo, confiança no Senhor, e
esperança no futuro.
"Infelizmente a minha voz näo foi ouvida! näo foram
seguidos os meus conselhos! cruzaram-se os braços; o flagello
caminhou sem encontrar obstaculos, deixando por toda a parte
ruina e destruiçäo; e, quando, mais tarde, os lavradores,
accordando do lethargo, quizeram accudir ás suas vinhas, näo
encontraram já senäo cadaveres!
"Veiu entäo a miseria com todos os seus horrores! veiu a
emigraçäo! e a Madeira, vestida de andrajos, andou esmulando de
cidade em cidade, de paiz em paiz!
"Que dolorosas recordaçöes! Mas, também, que profícua
liçäo!
Hoje, como V. Excª, de certo, tambem näo ignora, as nossas
vinhas, já em muitos pontos prêza de nova calamidade, estäo outra
vez ameaçadas de completa destruiçäo.
Com quanto a Madeira tenha actualmente recursos muito
maiores do que no tempo em que o vinho era a sua unica producçäo
importante; com quanto me pareça certo que o terrível flagello
que agora se ergue sobre nós näo póde já por-nos na situaçäo
desgraçada a que nos reduziu o Oidium tukeri, é fora de toda a
duvida que o mal que nos póde d'ahi resultar é ainda immenso.
Parece-me, pois, de toda a necessidade tomarem-se quanto
antes as possiveis providencias; e, sabem que näo se tenha ainda
descoberto um remedio com a desejada efficacia e de facil
applicaçäo, näo é isso razäo bastante para se näo empregarem
desde já aquelles dos meios propostos que mais pareçam vantajosos
e adaptados às nossas circumstancias.
Apezar de ter ainda a minha atençäo prêza a um
estabelecimento fabril da maxima importancia para èsta terra, e
de exigir ainda o meu estado de saude socêgo e descanço, näo
posso, sem gritar - álerta, - ver indolentes e cruzados os braços
no momento de perigo.
Por isso me resolvi a dirigir a V. Excª estas linhas em que
me proponho a consignar as noçöes mais importantes para nós que
pude colhér no que li sôbre a molestia que tamanhos estragos tem
feito, nestes ultimos anos, nas vinhas de outros paizes, e tanto
ameaça já as nossas; e espero que V. Excª, tomando-as em
consideraçäo, darà sem demora as providencias que estiverem ao
seu alcance, tendentes, já a esclarecer o público, já a fazer
observar, por via dos Administradores de Concelho, por via das
Camaras Municipais, por todos os modos possiveis, as medidas mais
prudentes e proficuas que as circumstancias aconselharem.
A molestia da vinha a que me refiro foi descoberta na
America em 1854, em Inglaterra em 1863, e em França tambem em
1863, mas só bem determinada neste paiz em 1866. Em Portugal foi
notada de 1868 para 1869.
O symptoma mais caracteristico e que mais tem attrahido a
attençäo dos observadores que teem estudado a nova moléstia das
vinhas, é uma ou mais manchas formadas no centro por parreiras
já mortas, ou quasi mortas, rodeadas de outras mais ou menos
attacadas, tornando-se o ponto de partida de um movimento de
extençäo que progride incessantemente até invadir tudo.
Logo depois de ter a molestia revelado a sua existencia por
este signal caracteristico, as folhas da vinha amarellecem em
toda a extençäo do limbo, passando depois de um amarello
esverdeado mais ou menos claro segundo a qualidade da vinha, a
um amarello côr de terra, appresentando algumas vezes uma aureola
marginal avermelhada. Quando chegam a este estado, näo tarda que
sequem, começando pela circumferencia; e, finalmente, caem, as
mais baixas precedendo sempre as mais altas.
Os bacellos näo passam por todas as phases regulares da sua
vegetaçäo: as pontas fazem-se lenhosas quando as partes médias
estäo ainda verdes; e no inverno tornam-se seccos e quebradiços.
As uvas chegam muitas vezes a amadurecer; mas, quando o mal
é intenso, tomam uma côr vermelho clara, quasi rozada; e um pouco
azedas; aquosas e sem perfume; o vinho näo presta nem se
conserva.
Säo estes os symptomas que se notam nas vinhas cuja
molestia é ainda recente; mas, quando ella é já antiga, quando
foi começada no ano precedente, os gomos que rebentam na proxima
primavera säo curtos e enfezados, e as folhas muito pequenas e
encarquilhadas para fóra, amarellecem pouco depois.
Algumas vezes aconetce, porém, que ellas conservam ainda
uma côr bastante verde, o que indica que a vinha pôde, durante
o inverno e no coméço da primavera, deitar raizes novas ou
regenerar as que estavam em parte destruidas.
Neste estado as vinhas teem por vezes ainda fòrça para
produzir alguns pequenos cachos, que näo chegam a amadurecer,
porque näo tarda que a molestiça faça novos progressos: entäo as
parras definham, murcham e morrem.
As vinhas que appresentam taes symptomas teem, com toda a
certeza, as raizes profundamente alteradas; e, examinando-se
èstas, encontram-se amollecidas e podres; os tecidos,
hypertrophiados e molles, cedem facilmente debaixo da pressäo dos
dedos, e deixam ver, quando se ferem com a unha, a parte lenhosa
do centro.
É pelas raizes mais pequenas que começa esta alteraçäo, que
em seguida se manifesta nas raizes grossas, e sobe, finalmente,
ao tronco, que em breve sécca e morre.
(...)

Desde que a Phylloxera Vastatrix existe, desde que tudo


demonstra que o progressivo desinvolvimento da nova molestia da
vinha näo é devido a um estado particular das videiras, mas sim
ao contagio e propagaçäo dos Phylloxeras, é hoje, a meu vêr, de
pequena importancia saber quaes foram as condiçöes que deram
primitivamente logar á appariçäo d'estes insectos; e entendo que
mau caminho seguem os que procuram evitar ou combater a
molestia, esforçando-se por collocar a vinha nas condicçöes
oppostas às que hypotheticamente pensam ser as que deram origem
ao Phylloxera.
A minha opiniäo é que devemos combater a nova molestia da
vinha, como hoje combatemos a sarna no homem e nos animaes; isto
é, prevenindo quanto possivel o contagio, e destruindo o acarus
nos individuos em que elle se manifesta, näo simplesmente com
remedios internos e geraes, como faziam os antigos, mas sim, e
sobretudo, por meio de agentes insectidos applicados localmente.
Para impedir o contagio é indispensavel procurar destruir
o Phylloxera nas vinhas já atacadas, ainda que näo estejam de
todo mortas, ainda quando seja necessario, para isso sacrifical-
as.
Näo cortâmos nós as cannas atacadas de bicho, para, por
este meio, salvarmos as cannas que estäo ainda sans? Näo
impedimos nós a propagaçäo da epidemia dos gados, abattendo os
animaes doentes para salvarmos os säos do contagio? Pelo mesmo
modo, e com os mesmos fundamentos, a conservaçäo das vinhas sans
exige que se sacrifiquem as vinhas atacadas da molestia, e que
já estäo votadas a uma morte certa; pois que só em quanto a vinha
tem vida, só em quanto tem raizes succulentas que possam
ministrar alimento aos phylloxeras, é que estes se acham juncto
d'ellas, e podem ser ahi destruidos. Assim amputa muitas vezes
o cirurgiäo um membro para salvar a vida ao resto do corpo; assim
se sacrifica muitas vezes uma parte para näo se perder o todo.
Por isso no Cantäo de Vaud, na Suissa, onde a vinha é uma
das principaes riquezas, se decretou o arrancamento forçado das
parras doentes; - por isso em França o ministro da agricultura
pensou em propôr á assemblea nacional igual medida.
Em quanto aos agentes que podem ser empregados para matar
os insectos, säo, como já vimos, muito numerosos; deve-se por
tanto escolher d'entre elles os que forem menos dispendiosos e
de mais facil aplicaçäo. - Inflezmente, na Madeira, muito poucas
vinhas ha que possam ser tractadas por inundaçäo, o que parece
ter produzido bons resultados.
O que é certo é que este assumpto deve prender a attençäo
dos agricultores da Madeira, a fim de empregarem, desde já, todos
os meios possiveis, tendentes a conservar as nossas vinhas, que
säo uma das maiores riquezas.
Convém que se saiba que os estragos que o Phylloxera
Vastatrix tem feito nas vinhas de diversos paizes säo já
immensos.
Numa brochura recentemente publicada no Porto sôbre o novo
flagello das vinhas, o auctor, fallando da França, exprime-se
assim: "Quem houver de percorrer as vastas e ferteis regiöes
vinicolas da França, desdè o Bordelais até as praias do
Mediterraneo, sentirá confranger-se-lhe o coraçäo, vendo pascer
rebanhos e manadas por entre uma necropolis de detritos vegetaes.
Alh, precisamente nos sítios em que poucos annos antes a vide se
avergava com o pezo de seus rubidos fructos, promettendo ao
lavrador, em premio dos suores com que tinha regado a terra,
abundancia e alegria; alli, onde as cançöes dos vindimadores
competiam com os gorgeios das avesinhas do ceo; alli apenas jaz
uma familia de mortos! As cepas despidas da sua verde folhagem,
umas erguidas, outras tombadas, assimilham aos restos de uma
floresta immensa, poupados por um incendio! Que desolaçäo!
Quantas lagrimas e lucto e privaçöes! Quanta dôr näo significam
aquelles tristes despojos!"
Em Portugal esta calamidade tem já tambem tomado proporçöes
altamente assustadoras. É o que manifestamente revela uma carta
de José Monteiro de Barros, de Vessadios, publicada no nº 99 -
1872 - do Jornal do Porto, e que peço a V. Excª licença para
transcerver aqui. Eil-a:

"Está sobre nós uma calamidade. O paiz vinhateiro está


ameaçado pelo Phylloxera Vastatrix, já sobre nós estende suas
azas negras a ultima adversidade que a providencia parece ter
querido enviar-nos para mostrar-nos o que somos e o que valemos;
näo estava ainda esgotado o calix dos soffrimentos e miserias,
eis-nos a braços com a ultima: e de certo ficaremos vencidos se
porventura os Poderes Publicos näo accodem opportunamente a este
desventuroso paiz, ordenando sem perda de tempo, que se estudem
os meios de combater este terrivel flagello.
"Haverá 3 annos que a nova molestia principiou em uma
quinta pertencente ao sr. Lopo Vaz, ninguem entre nós soube
explicar nem dizer quaes as causas d'essa nova molestia, nem
classifical-a; ninguem soube descobrir o remedio para esse mal
"Tambem é verdade que näo se empregaram diligencias para
o descobrir, pois que, attribuindo muitos o facto a causas
locaes, mais ou menos plausiveis e verdadeiras, näo se imaginou
entäo quäo terrivel era este novo mal.
"Hoje näo ha que duvidal-o, o Douro está em breve a ficar
reduzido á fome e á miseria; principia já a espalhar-se um panico
assustador na freguezia de Covas do Douro; é justamente nesta
freguezia onde se produzem os vinhos mais genuinos e mais
afamados de todo o paiz vinhateiro, e é justamente na ribeira de
Covas que o novo flagello vai mostrando os seus terriveis
effeitos.
"Ha poucos dias fui a uma Quinta que possuo em
Chancelleiros, e por essa occasiäo tive de presenciar e ver os
effeitos d'esse novo mal, e täo impressionado fiquei, que me
resolvi a escrever estas linhas, com o fim de publicar por meio
da imprensa, as minhas tristes observaçöes em algumas vinhas, e
principalmente, para poder supplicar a V...com o maior empenho,
que no seu muito lido jornal levanta a sua auctorisada voz em
favor do paiz vinhateiro. Em uma vinha pertencente ao sr. Fcº.
Pinto, de Chancelleiros chamada dos Cardinhaes, e em outras sitas
na Ribeira de Covas, na dos Fojos, por exemplo, é onde este anno
se observam os effeitos d'esse mal.
"Eu e alguns amigos andámos vendo essas vinhas, e retirámo-
nos com a dór no coraçäo, contristados e afflictos, por que
persentimos uma grande calamidade pendente sobre nós, e näo
podemos nem sabemos dar-lhe remedio. Na vinha dos Cardinhaes
notou-se o anno passado um enfraquecimento geral nas vides; os
rebentöes novos ficaram curtos, rachiticos, e affectados
visivelmente de uma nova molestia que näo a do Oidium, porque
nesta o enxofre produz salutares effeitos e naquella näo; este
anno nota-se que da extremidade da vara seccam os pampanos ou
sarmentos novos, e os que nasceram mais proximos das cepas ou
estäo quasi seccos ou sem força para crescer. Qual é a causa
d'este effeito? Que remedio será bom para combater este mal?
"Eu quizera pedir ao Governo que mande estudar esta
molestia, que por meio de seus subalternos explique que remedio,
se é que o ha, se deve empregar, e que finalmente empregue meios
para atalhar o mal em quanto é tempo; mas a minha voz é demasiado
fraca, e por isso desejo que os homens que escrevem sobre a
sciencia, aquelles que escrevem na imprensa, aquelles que se
interessam pelo bem do paiz, se occupem de um assumpto de tanta
consideraçäo.
"Ouso pedir ao digno deputado por Sabrosa, em cujo concelho
se tem manifestado estes effeitos da nova molestia, que eu estou
persuadido ser produzida pelo insecto a que tenho ouvido chamar
Phylloxera Vastatrix, empregue todos os esforços perante o
governo, a fim de elle se occupar sem demora d'este objecto, e
mandar ás localidades estudar por pessoa competente, os meios de
debellar este novo inimigo do nosso torräo, täo avassalado e
subjeito a desgraças tamanhas.
"Que podem esperar, sr. redactor, os lavradores que vem
invadidas as suas vinhas por este mal sem remedio?
"Já näo ha quem queira comprar vinhos, já näo ha quem
empreste aos proprietarios capitaes para costearem os grangeos
e despezas, como até hoje, porque a hypotheca constituida nas
vinhas näo é já garantia segura para os credores; e além d'estas
consequencias é bem facil de ver que outras hao de seguir-se bem
peiores para os habitantes de um paiz outr'ora täo rico e feliz.
"Aquelles que, como eu, presencearem e sentirem as
consequencias d'este novo mal podem affirmar que nos espera um
bem triste futuro.
"Alguem me diz que esta molestia invadira os vinhedos da
França e da Hespanha, porém o que eu ignoro, e ignoram todos aqu
é qual o remedio que se tem applicado, e se porventura algum tem
obstado á propagaçäo da molestia ou a tem curado, e no meu
entender todos os meios devem ser empregados para ver se se
consegue descobrir e achar um antidoto ou preservativo do mal.
"Como este assumpto interessa a todos os proprietarios, e
principalmente áquelles cuja fortuna consta de vinho, insisto em
pedir a todos que procurem, pelos meios ao seu alcance, o fim que
desejámos; pois do contrario veremos desgraçadamente em pouco
tempo invadido o paiz vinhateiro d'essa molestia e com ella vel-
o-hemos perecer e anniquillar-se talvez para sempre.
"Por em quanto está localisado o mal, mas creio que em
pouco tempo se estenderá em todo o paiz; e Deus permitta porém,
que eu me engane neste juizo.
"Esta nova molestia é, segundo vejo, differente em tudo
d'aquella com que luctamos ha tantos annos, differente na
propagaçäo, nos effeitos, e muito mais a temer, porque secca a
vinha onde entra, e näo deixa esperança alguma ao lavrador.
"Se V. Exca levanta em prol do paiz vinhateiro a sua
auctorisada voz, muito tem que lhe agradecer os habitantes d'esta
regiäo.
"Com relaçäo aos effeitos d'esta nova molestia devo
accrescentar que muitas videiras das vinhas invadidas näo
chegaram a rebentar, o que eu attribuo näo só á molestia, mas
ainda á sua intensidade e rapidez, pois é certo que foram podadas
e no anno passado rebentaram e produziram fructo, posto que näo
täo perfeito como nos annos anteriores. - Josè Lopes Monteiro de
Barros."
Em vista, pois, do que fica exposto, e porque me consta que
já em varios pontos d'esta ilha se manifesta täo terrivel
molestia, venho chamar a attençäo de V. Excª sobre este assumpto,
pedindo-lhe que considere se, nas actuaes circumstancias, näo
seria conveniente, entre outros meios que a V. Excª pareçam bons:
- 1º nomear uma commissäo, com a sua séde na cidade do Funchal,
encarregada de estudar a nova molestia das vinhas na Madeira,
fazer ensaios, e propôr os meios mais convenientes de a debellar;
2º crear em cada concelho uma comissäo fillial presidida pelo
respectivo administrador e da qual devam fazer parte os parochos
e presidente da camara municipal, e alguns proprietarios mais
instruidos, - commissöes que se corresponderiam com a commissäo
central dando conhecimento do desenvolvimento da molestia, dos
symptomas observados, dos ensaios feitos, e dos rezultados
obtidos; 3º fornecer, já pela caixa de soccorros sendo possivel,
já por subscripçöes, ou por qualquer outro modo que V. Excª
entender conveniente, os recursos necessarios para que essas
commissöes possam pôr em practica os meios que entenderem dever-
se empregar para preservar as nossas vinhas de täo terrivel
calamidade.
Se o que eu deixo dicto póder convencer a V. Excª de
necessidade de se tomarem quanto antes medidas energicas sôbre
este assumpto, e se com isso eu tiver feito algum serviço ao meu
paiz, darei como bem empregado este meu trabalho.
Peço licença a V. Excª para dar publicidade a ésta carta,
se o entender conveniente.

De V. Excª

com a maior consideraçäo e estima

mto. attº. vdor.

Dr. Joäo da Camara Leme


Os Métodos de Tratamento do vinho

Dr. Joäo da Camara Leme

Publicado:

Breve Notícia sobre o tractamento do vinho pelo calor. Pelo


Visconde do Cannavial, Funchal, 1882.
Näo ha dúvida: - o aquecimento pelo methodo Pasteur
conserva e melhora os vinhos. E estou certo de que, por este
methodo, se podem preparar, em pouco tempo, vinhos da Madeira
agradaveis, aromaticos, francos, com as qualidades genuinas do
puro summo da uva.
Mas concordo perfeitamente, com o sr. Conselheiro Ferreira
Lapa, em que difficilmente se poderá chegar a obter, por tal
methodo de educaçäo, o typo generoso e propriamente fidalgo a que
pertecenm os vinhos da Madeira. Tambem creio que näo é com um
aquecimento rapido, talvez de tres ou cinco minutos, em qualquer
cenothermo, que se poderá apresentar o vinho classico da Madeira,
generoso, quente, balsamico, perfumado, suavissimo, nem nenhuns
outros vinhos generosos.
E näo é tambem por meio de um processo que estraga o typo
e a natureza dos vinhos, como é o das estufas usadas na Madeira
desde os fins do seculo passado, que se poderäo obter aquelles
vinhos täo estimados.
Note-se bem que, no processo d'essas estufas, só no fim de
muitos dias chega o vinho a attingir a temperatura em que tem de
ser conservado, quando está reconhecido que convem que o
aquecimento lhe dè rapidamente, e com igualdade, o calor
necessario para a sua conservaçäo; as qualidades naturaes do
vinho, que um aquecimento bem dirigido deve conservar, ficam
alteradas ou estragadas; os principios volateis escapam-se por
uma abertura que é praticada na parte superior de cada pipa, para
dar sahida aos productos gazosos das fermentaçöes; o oxygenio
do ar que, desde que a fermentaçäo cessa, tem facil entrada por
essa abertura, accentua no vinho o gôsto de cozido, de requeimo,
o gôsto chamado de estufa; e a acçäo, durante mezes, em taes
condiçöes, de uma temperatura de 50 a 70º C., torna o vinho
sêcco, magro, decahido. Accresce que a grande quebra que o vinho
tem na estufa, os concertos necessarios para esconderem defeitos
nella adquiridos, as mais fortes adubaçöes sacharinas e
alcoolicas, e os grandes temperos indispensaveis para podèr o
vinho ter sahida no mercado, tornam este processo, além de mau,
muito caro.
É, pois, absurdo pretender desenvolver no vinho novo as
excellentes qualidades que apresenta o vinho de canteiro velho,
por meio de um processo monstruoso, que deve ser banido da
educaçäo de todos os vinhos naturaes.
Näo vejo, todavia, entre os outros methodos de aquecimento
de vinho de que tenho conhecimento, nenhum que satisfaça
convenientemente às condiçöes que reclama a educaçäo dos vinhos
generosos da Madeira, e que seja facil, economico, e
sufficientemente industrial para podèr ser applicado, com
vantagem igual, em grande escala, näo só a garrafas, senäo,
principalmente, a pipas, a vasos de grande capacidade.
Mas eu julgo ter resolvido o problema.
Coméço por elevar rapidamente a temperatura do vinho,
fazendo-o atravessar um tubo de estanho aquecido em banho-maria.
O vinho sae quente d'este aparelho por um tubo do mesmo
metal, que o vae deitar no fundo do vaso onde tem de ser
conservado durante muito tempo em temperatura muito branda, e que
deverá ser, em regra, uma boa pipa de carvalho.
Uma esponja humedecida com agua fria cerra a circumferencia
exterior da abertura por onde o tubo penetra na pipa; e serve
para condensar vapores do vinho e difficultar-lhes a passagem,
e bem assim para diminuir a evaporaçäo estabelecendo pressäo
sôbre a superficie do vinho.
Convem que a pipa fique cheia; e näo ha nisso
inconveniente, porque o vinho näo tem de ser ulteriormente
submettido a temperatura mais elevada do que a inicial.
Fecha-se entäo bem a bocca da pipa com batoque de madeira,
como deve ter sido fechada a abertura do tôrno.
Segundo que a pipa for destinada a ficar deitada, ou
empinada, haverá no centro do batoque da bocca, ou do tôrno, uma
abertura circular de diametro proprio para ser exteriormente
fechada com uma rolha de garrafa; mas de diametro maior
interiormente. Esta rolha será uma valvula de segurança; a
temperatura do vinho será conhecida por meio de um thermometro
nella enfiado; e as provas e a aguardentaçäo opportunamente
convenientes poderäo fazer-se facilmente.
A temperatura inicial deverá ser capaz de tornar inertes
os fermentos; podendo variar entre 50 e 70º C., segundo for o
vinho mais ou menos alcoolico, e mais ou menos adiantado em
edade; devendo convir, em geral,a temperatura de 60º C.
Näo deve, em regra, o vinho ser submettido a este methodo
de tratamento antes de estar bem claro e clarificado; convindo
que tenha ja recebido a terça parte, pelo menos, da aguardente
que se calcula deve receber no período da sua educaçäo até se
achar em estado de podèr bem apresentar-se nos mercados.
A percentagem alcoolica do vinho é determinada no principio
d'este tratamento, por meio de distillaçäo, num pequeno alambique
de J. Salleron, ou de Gay-Lussac.
Fechada a pipa, deve ser logo transportada para um logar
onde a acçäo prolongada de calor moderado favoreça o afinamento
do vinho.
Num paiz, como a Madeira, onde a temperatura média do
inverno é 17º 14, C., a da primavera 18º,02, a do estio 21º,60,
a do outomno 21º,22, e a média annual 19º,50, näo é difficil, nem
muito despendiosa, a conservaçäo, numa casa fechada e
convenientemente disposta, de uma temperatura de 5, 10 ou 15
graus acima da do ar exterior.
Parece-me com effeito, que, para o fim que tenho em vista,
bastará começar pela temperatura de 35º C, e descer
convenientemente até 25.
O vinho que, depois de ter recebido uma temperatura
superior a 50º C., for logo transportado para a casa onde deve
estacionar, e que chamarei estancia de afinamento, näo chegará,
de certo, ahi com menos de 40º C.
Achando-se essa estancia bem disposta, o arrefecimento do
vinho será lento, e tanto mais quanto maior numero de pipas
entrarem no mesmo dia assim aquecidas; devendo, em todo o caso,
ser a estancia mantida, por meio de um calorifero apropriado, na
temperatura de 35º C., em quanto o vinho näo tiver descido a essa
temperatura.
Thermometros enfiados nas rolhas das pipas indicaräo o grau
de calor do vinho. Do mesmo modo a temperatura da estancia será
conhecida por thermometros convenientemente dispostos, e que
possam ser observados de fóra, atravez de vidros.
O vinho, tendo baixado da temperatura inicial à de 35º C.,
diminuiu, necessariamente, de volume, deixando na pipa um väo,
que deve ser logo preenchido com boa aguardente, em grau näo
superior a 50º G. L., ou, approximadamente, 20º Cart.; a näo ser
que o vinho precise de uma forte adubaçäo alcoolica.
Um pequeno aparelho, de que faz parte um tubo que se
desarticula, torna facil a introduçäo da aguardente nas pipas e
a mistura d'esta com o vinho, que, pelo mesmo apparelho, póde ser
também facilmente extrahido em quantidade sufficiente para prova
ou exame.
Logo depois de ter o vinho descido à temperatura de 35º C.
e de ter sido preenchido o väo da pipa com aguardente, como fica
indicado, deve a temperatura da estancia de afinamento passar
para 30º C.
O vinho continua, pois, a arrefecer até se estabelecer de
novo o equilibrio; permanecendo entäo mais ou menos tempo nesta
temperatura, segundo as condiçöes especiaes do vinho e o effeito
que se quer obter.
Depois deixa-se ir descendo lentamente o calor até 27º C.
(temperatura da superficie do mar nas regiöes tropicaes);
fazendo-se aqui nova parada, até que se julgue opportuno, quando
está perto de findar o tempo do tratamento, fazer outra descida
até 25º C., temperatura esta que, nos paizes temperados como o da
Madeira, póde ser a da última antes de se apagar o calorífero;
o que deixará estabelecer-se o equilibrio com a temperatura do
ar exterior.
O vinho póde acabar de arrefecer dentro, ou fóra, da
estancia de afinamento.
Ésta estancia, na qual, segundo as circumstancias, os
vinhos podem demorar-se mezes, ou apenas semanas ou dias, sob a
acçäo de um calor mais ou menos brando, poderá ser utilisada, com
grande vantagem, näo só para os vinhos novos, superiores ou
baixos, senäo tambem para os vinhos de qualquer edade que näo
tenham completado o seu desenvolvimento.
Assim, por este methodo, de que tenho privilegio, o vinho
é posto rapidamente e ao abrigo do ar, em temperatura inicial
sufficientemente elevada para suspender a acçäo dos fermentos,
produzindo, ao mesmo tempo, outros effeitos favoraveis; e depois
conservado em vaso fechado, recebendo, todavia, repetidos
supprimentos de aguardente, sob a acçäo prolongada de calor muito
moderado , entre 35º e 25º C., - melhorando, envelhecendo,
afinando-se, adquirindo sabor mais agradavel, aroma mais suave,
sem contrahir defeitos, nem perder nada das suas qualidades
naturaes.
É um methodo racional, facil, economico, industrial, que
realisa, a meu ver, um importante melhoramento na educaçäo dos
vinhos principalmente dos vinhos generosos.
É claro que, por grande que seja o melhoramento do vinho
na estancia de afinamento, elle näo deixará de precisar, ainda
depois, de cuidados e de tempo para completar a sua educaçäo.
Mas parece-me fóra de dúvida que, pelos meios que ficam
indicados, a educaçäo dos vinhos da Madeira, e a de quaesquer
vinhos naturaes, será consideravelmente abreviada, e de modo que
nada percam das suas qualidades, e adquiram muito mais cedo os
caracteres apreciaveis que só adquiriam em muitos annos. E, assim
tratados, poderäo os nossos vinhos apresentar-se nos mercados de
consumo em boas condiçöes para revindicarem os antigos creditos.
Todavia, näo será facil recuperar o terreno perdido se,
depois de terem quasi desapparecido da circulaçäo ha perto de um
seculo, näo houver um grande podèr, um grande vulto, que se
apresente a garantir-lhes a genuidade, a fazer-lhes realçar o
valor, no meio d'essa profusäo de vinhos, mais ou menos alterados
e falsificados, com que uma industria menos sincera desacredita
o verdadeiro Madeira, e perverte o gôsto dos consumidores.
Ora, esse grande podèr, esse grande vulto, só póde e deve
ser uma associaçäo respeitavel de viticultores, de proprietarios,
de verdadeiros interessados pelo desenvolvimento da cultura da
vinha neste districto, e pelo restabelecimento da antiga
reputaçäo dos nossos preciosos vinhos genuinos, com a protecçäo,
e sob as vistas do govêrno.
É incontestavel que seria de grande vantagem para este
dsitricto que aqui se estabelecesse uma associaçäo para animar
e proteger a cultura da vinha e restabelecer os bons creditos dos
nossos vinhos genuinos.
Essa associaçäo näo coarctaria a legitima liberdade que tem
a industria de fabricar vinhos artificiais com quaesquer outros
succos vegetaes assucarados, e mesmo de os misturar com uma certa
quantidade de vinhos de uvas; comtando que nesses vinhos näo
entre cousa alguma nociva á saude, e os processos sejam
manifestos, como recommenda a boa fe industrial.
Näo ha razäo de queixa contra as imitaçöes de vinhos da
Madeira que se fabricam ostensivamente nos paizes estrangeiros
e se vendem como taes. Essas imitaçöes näo desacreditam os nossos
vinhos; antes os honram.
(...)
Näo me parece, todavia, que seja com o favor de medidas
legislativas e fiscaes coercivas da fraude, sempre odiosas e
geralmente inefficazes, que mais devem contar os nossos vinhos
genuinos, os quaes teem, para sua defeza, armas naturaes muito
mais poderosas.
É sabido que todos os vinhos artificiaes que se fabricam
nesta ilha, para imitarem o vinho Madeira, säo estufados em alta
temperatura, o que lhes deixa sabor e cheiro caracteristico.
É também certo que os vinhos de uvas estufados pelo mesmo
processo ficam alterados; ficam privados das suas qualidades
naturaes; e deixam, portanto, de ser vinhos genuínos.
Logo, desde que os vinhos da Madeira que tiverem gôsto ou
cheiro de estufa forem reconhecidos como vinhos näo naturaes, é
evidente que os nossos vinhos genuinos, convenientemente
educados, facilmente se distinguiräo, näo só pela ausencia
d'aquelle sabôr ou cheiro caracteristico da estufa, senäo pela
suavidade do aroma, pelo seu gôsto delicioso, pelas suas
excellentes qualidades.
Sendo êstas differenças de facil apreciaçäo; havendo
actualmente um meio facil e economico de apressar a educaçäo dos
vinhos generosos; e podendo, sem dúvida, apresentar-se no
commércio, com sufficiente remuneraçäo da agricultura e vantagem
da industria , vinhos da Madeira verdadeiros, com todas as suas
excellentes qualidades naturaes, pelos preços porque ahi estäo
embarcados tantos vinhos de inferior qualidade; parece-me que uma
associaçäo para vinhos tem, nestas condiçöes, bases solidas, que
offerecem a agricultores, a proprietarios, a capitalistas,
evidentes vantagens, sem as quaes ella näo poderia ter vida, nem
mesmo passar, nunca de um sonho dourado.
Mas näo basta pronunciar a palavra associaçäo para que
esteja dicto tudo o que mais importa nessa täo util iniciativa.
A associaçäo é, certamente, um principio fecundo; mas o seu
bom resultado depende muito da fórma apropriada ao fim e às
circumstancias.
Deverá ser uma sociedade commercial em nome collectivo?
Deverá ser uma sociedade em commandita?
Deverá ser uma companhia ou sociedade anonyma?
Parece-me evidente que, nas nossas circumstancias, näo póde
convir ao objecto que se tem em vista uma sociedade de
responsabilidade solidaria e illimitada de todos os associados,
ou mesmo só de alguns d'elles fornecendo outros apenas valor
determinado pelo qual só säo responsáveis.
Convirá, pois, uma d'essas sociedades em que os associados
limitam a sua responsabilidade ao valor das acçöes com que
subscrevem para um capital determinado?
(...)
É fóra de duvida que a Companhia Fabril de Assucar
Madeirense trouxe grandes e immediatos beneficios a ésta terra,
que entäo se achava em situaçäo näo menos deploravel do que a
actual. A industria fabril aperfeiçoou-se; o preço da canna de
assucar subiu a mais do dobro do que era; a cultura desenvolveu-
se; o paiz prosperou.
Infelizmente os proprietarios e agricultores näo
comprehenderam, pela maior parte, que o principal fim d'aquella
companhia näo fòra especular com capitaes na industria ou no
commércio, mas dar nova vida e vigor a um dos ramos agricolas
mais importantes d'este districto.
Näo comprehenderam que lhes convinha concorrerem com todos
os seus esforços para favorecerem e sustentarem um
estabelecimento que lhes era täo proveitoso; näo comprehenderam
que deviam ligar a elle directamente os seus interesses
agricolas, tomando cada um na empreza industrial a parte
compativel com as suas circumstancias.
E, ou por lamentavel cegueira, ou por condemnavel
indifferença, ou por outros sentimentos que näo säo para louvar,
näo só näo prestaram o auxílio que deviam ao novo estabelecimento
fabril, senäo, até, muitos d'elles, favoreceram a guerra que
contra o mesmo estabelecimento levantaram interesses creados de
emprezas puramente particulares, e deixaram sôbre os hombros de
um pequeno número de accionistas todo o pézo de grande empreza
de tamanha vantagem pública!
De modo que, näo tendo podido a Companhia vender todas as
acçöes, e tendo as despezas da construcçäo e organisaçäo da
fábrica excedido, por circumstancias extraordinarias, a
importancia do fundo social, teve a empreza difficuldades,
financeiras que näo pôde resolver, e que a fizeram cahir.
Isto näo teria, de certo acontecido se os proprietarios e
agricultores tivessem bem comprehendido onde estavam os seus
interesses. Mas também se näo teria, de certo, dado se, em vez
de ter a sociedade sido estabelecida com um capital de
400.000$000 reis dividido em acçöes de 400$000 reis, fôsse o
capital indeterminado, o número de socios illímitado, e muito
mais pequeno o valor de cada acçäo; pois que, assim, teria, sem
dúvida, a empreza reunido no seu seio muito maior número de
interesses, e adquirido muito mais elementos de vida, de vigor,
de estabilidade.
Pelas razöes que ficäo expostas, penso que uma associaçäo
para proteger os viticultores d'este districto e restabelecer os
antigos creditos dos vinhos da Madeira, näo deveria ser uma
sociedade anonyma da mesma natureza da Companhia Fabril de
Assucar Madeirense; tanto mais quanto é certo que, para que ella
se fundasse, seriam necessarias grandes entradas de capitaes, de
que, me parece, os proprietarios e agricultores madeirenses näo
podem dispor.
E se as circumstancias se apresentassem sufficientemente
favoraveis para que capitalistas de fóra da Madeira, sem
interesses ligados á agricultura d'esta terra, fôssem os mais
importantes accionistas de uma Companhia de vinhos neste
districto, tornar-se-hia essa associaçäo mais de especulaçäo
commercial do que de vantagem agricola.
A meu ver deveria ser uma sociedade de fórma anonyma, mas
com capital social indeterminado, numero de socios illimitado,
condiçöes de admissäo pouco onerosas, e pequena responsabilidade.
Deveria ser, numa palavra, uma sociedade cooperativa anonyma, de
responsabilidade limitada.
Várias associaçöes d'este genero se teem ultimamente
estabelecido no continente do Reino, para fins analogos. Tal é,
por exemplo, a Liga dos Lavradores de Viana, cujos estatutos
foram publicados no "Diário do Governo" nº 229, de 6 de outubro
de 1888.
A sociedade de Viana tem, porém, um fim muito mais complexo
do que conviria, talvez, á nossa, que, na minha opiniäo, deveria
circumscrever-se à industria vinicola.
Poderia denominar-se Associaçäo Vinicola da Madeira, ou
Real Associaçäo Vinicola da Madeira.
Compraria, educaria e venderia vinhos da Madeira de cuja
pureza näo pode-se duvidar-se, e que garantiria; devendo usar
marcas e dsitinctivos especiaes, ou mesmo do Estado, na
conformidade do artº 1º da lei de 4 de junho de 1883.
Elucidaria e venderia tambem por conta dos associados, ou
de estranhos, mediante commissäo, vinhos do districto do Funchal,
cuja pureza estivesse igualmente fóra de dúvida.
Poderia ser socio qualquer prorpietario ou lavrador do
districto do Funchal, qualquer que tivesse interesse pela
industria vinicola d'esta terra, pelo credito dos vinhos da
Madeira.
A sociedade teria depositos de vinhos no Funchal, e onde
mais as circumstancias aconselhassem. Estabeleceria as mais
largas relaçöes commerciaes; e empregaria todos os meios
convenientes para fazer conhecidos os seus produtos nos mercados
estrangeiros.
Os fundos da sociedade consistiriam em joias de admissäo,
quotas mensaes, commissöes. lucros, e qualquer receita eventual.
Poderia a joia ser de 5$000 ou 6$000 réis; devendo ser mais
pequena no primeiro anno da existecnia da sociedade do que nos
annos seguintes. Näo seria muito pesada uma quota mensal de 200
ou 300 réis por cada acçäo; e a responsabilidade de uma acçäo näo
deveria ir além de 40$000 réis; näo devendo nenhum socio podèr
ter mais de 50 acçöes.
No fim do anno seriam divididos os lucros da sociedade,
tirada uma parte para fundo de reserva.
Taes säo as principaes bases sôbre que, me parece, poderia
vantajosamente assentar uma sociedade destinada a proteger a
cultura da vinha neste dsitricto e a restabelecer os bons
creditos dos vinhos genuinos da Madeira, com a protecçäo e sob
as vistas do Govêrno.
Se ésta semente podesse näo cahir entre abrolhos, se
podesse achar terreno onde germinasse, e crescesse, e vigorasse,
é fe minha que daria fructo de grande valia.
OS TRES SYSTEMAS DE TRATAMENTO

DOS

VINHOS DA MADEIRA

PELO

CONDE DE CANNAVIAL

Publicado:

Os três systemas de tratamento dos vinhos da Madeira. Pelo Conde


Canavial, Funchal, 1900.
Os vinhos da Madeira que hoje apparecem, geralmente, nos
mercados, säo muito differentes d'esses vinhos afamados, que a
Madeira exportava antes dos fins do seculo XVIII.
A ilha da Madeira näo mudou; tem as mesmas localidades que
produziam esses vinhos täo excellentes; e, se ha algumas cêpas
introduzidas, que säo, principalmente, proprias para vinhos de
pasto, nem por isso deixa de podér continuar a produzir vinhos
bastantes alcoolicos, täo bons como os antigos, e em condiçöes
vantajosas para o commércio.
O que mudou é o systema do tractamento.
Com effeito:
No tractamento dos vinhos da Madeira teem sido empregados
tres systemas bem distinctos: - 1º, Systema sem aquecimento; 2º,
Systema com aquecimento lento, ficando o vinho em communicaçäo
com o ar ambiente; 3º, Systema com aquecimento rapido e
arrefecimento lento, demorado ou näo, em recipiente fechado.
Vou dizer o que tenho como certo sôbre cada um d'estes tres
systemas.

SYSTEMA SEM AQUECIMENTO

É o systema mais antigo; é o systema dito de canteiro; é


o UNICO SYSTEMA EMPREGADO até aos fins do seculo XVIII.
Era entäo pequeno o numero de cêpas, principalmente,
cumtivadas na Madeira: verdelho, malvazia, boal, sercial, tinta.
O vinho feito de uvas de uma só variedade, tomava o nome da cêpa
que o produzia; quando no vinho entravam uvas de diversas
variedades, elle tomava entäo o nome de vinho Madeira.
Na apreciaçäo do vinho tinham-se em conta o sitio e a
exposiçäo; a maturaçäo da uva, que, muitas vezes, se queria que
estivesse meio passada, e que exigia sempre uma rigorosa escolha,
para que o vinho da uva bem madura ficasse separado do da uva
menos madura, que era chamado vinho da escolha, ou vinho verde,
os annos mais chuvosos e frios, eram cuidadosamente notados nas
reservas annuaes; de modo que, quando as casas exportadoras
compravam o vinho antes da colheita, os cultivadores näo tinham,
geralmente, licença para a vindima, senäo depois de terem sido
enviados inspectores por essas casas, para verem se as uvas
estavam capazes.
Mas, a esse tempo, os exportadores para maior segurança,
costumavam comprar o vinho, depois de claro, aos colonos, aos
senhorios ou a commerciantes intermediarios. Por isso a colheita
da uva era feita sempre com o maior cuidado; e o vinho ia dos
lagares para as adegas; onde permanecia emquanto fermentava.
Se era sercial, a fermentaçäo durava emquanto havia assucar
no vinho, que, por isso, ficava sêcco e mais alcoolico, e se
tornava, depois, mais aromatico.
Se era malvazia ou boal, se, n'uma palavra, era vinho que
näo contivesse fermentos sufficientes para desdobrarem todo o
assucar, o vinho ficava dôce, mas menos alcoolico, e näo se
tornava täo aromatico.
Se era vinho Madeira ficava, mais ou menos doce, mais ou
menos alcoolico, e tornava-se depois mais ou menos aromatico,
segundo as variedades das uvas que o tinham produzido.
O tinta era especialemente notavel pela sua côr escura, que
perdia com o tempo.
Em todo o caso, o que é certo é que o vinho novo que tinha
acabado de fermentar, ficava claro quando os fermentos tinham
desdobrado todo o assucar, ou quando näo havia mais fermentos em
actividade que desdobrassem o assucar.
Era entäo que o vinho, depois de tirado de cima das bôrras,
entrava nos armazens dos exportadores, e começava, propriamente,
a sua educaçäo no canteiro.
O sercial era o vinho que dava menos trabalho. Näo contendo
assucar; e sendo mais alcoolico conservava-se mais tranquilo; de
modo que as clarificaçöes, e o balde e a celha, näo tinham muito
que fazer com elle.
Näo se dava, porém, o mesmo com os vinhos que continham
assucar; porque, se a percentagem do alcool näo era sufficiente
para conservar inertes os fermentos que ainda existiam,
porventura, no vinho, ou que se introduzissem pelo ar ou por
qualquer via; ou se a mudança de temperatura do ar ambiente fazia
descer a percentagem do alccol; logo o vinho se tornava menos
claro, baço, ou turvo; e ahi entrava logo em acçäo a sciencia das
clarificaçöes, e do balde e da celha. E como, segundo as
circumstancias, segundo o vinho estava mais ou menos turvo e
tinha mais ou menos tannino e alcool, o effeito da clarificaçäo
era variavel; dahi vem que as mesmas clarificaçöes näo pegavam
sempre egualmente bem; e, por isso, talvez, era mais preferivel
uma clarificaçäo de ovos, de gomma, de leite, de sangue, ou de
barro.
Mas, ao passo que as clarificaçöes e trásfegas se iam
tornando menos frequentes á medida que os fermentos iam sendo
eliminados, o vinho ia perdendo, sem sahir do canteiro, o gosto,
o sabor, o cheiro, e côr de novo, e adquirindo o gosto, o sabor,
o cheiro e a côr de vinho mais velho; até que, quando, passados
quatro ou cinco annos, o vinho podia conservar-se, por muito
tempo, sem alteraçäo, em vasilha fechada e longe de vinhos mais
novos, era considerado prompto para o consumo, tendo adquirido
as qualidades especiaes que o caracterisavam.
Assim o SERCIAL, côr de topazio claro, tornára-se secco,
muito alccolico, e muito aromatico; o MALVASIA, também côr de
topazio, talvez, mais apertada, do que a do SERCIAL, conservára-
se muito dôce, mas tornára-se muito menos alcoolico e menos
aromatico; o BOAL, de côr similhante á do sercial, conservára-se
menos dôce do que o MALVASIA mas tornára-se um pouco mais
alcoolico e aromatico; o TINTA, era especialmente caracterisado
pela sua côr escura, que os annos faziam desapparecer; o MADEIRA,
em que entrava, em grande parte, o verdelho, e, muitas vezes,
tinha a côr de rubim mais ou menos viva e apresentava qualidades
um pouco variaveis, segundo as qualidades das uvas que nelle
predominavam.
Eram estes geralmente, os vinhos que, depois de creados
lentamente no canteiro, sem serem aquecidos, eram embarcados ou
continuavam a envelhecer no mesmo canteiro, até serem, talvez
engarrafados.
Do que tenho lido deprehende-se que, antes de meado do
seculo XVIII, os vinhos da Madeira näo eram adubados com
aguardente. Mas, por mais maduras que fôssem as uvas que entäo
produziam esses vinhos, näo me parece que elles podessem
apresentar o grau alcoolico que hoje os distingue nos mercados,
a näo ser que, por occasiäo da fermentaçäo do môsto, se lhes
deitasse assucar que, pela sua fermentaçäo, produzisse um
accrescimo de alcool.
Eu abri ultimamente uma garrafa de vinho da Madeira do
seculo XVIII. Esta garrafa tinha a bocca bem fechada com lacre,
onde se lia a marca "Monteiros", antiga casa de vinhos da
Madeira.
No rotulo, que se via na parte inferior da garrafa, näo se
podia já ler o anno em que esse vinho tinha sido produzido,
porque as traças tinham destruido a parte do papel onde elle
estava escripto; mas eu lembrava-me bem de que esse rotulo tinha
a mesma data do rotulo de outra garrafa que ainda conservava, e
no qual pude vêr que estavam conservados os algarismos 177, que
indicavam a data de 1770, näo se podendo ler o ultimo algarismo
que indicava o anno, por estar tambem ruido das traças, É, pois,
este vinho anterior á data de 1780. A rolha estava já bastante
alterada; e näo poude ser extrahida inteira; os pedaços
extrahidos apresentavam, todavia, ainda uma certa resistencia que
parecia bem mostrar que ella näo fôra posta na garrafa ha 120
annos.
O vinho tinha um sabor secco e alcoolico em que se notava
bem o gôsto da rolha, mas pouco aromatico; era um vinho em que
näo achei merecimento á edade; éra um vinho decahido. Examinei
a percentagem de alcool que elle ainda conservava; achei 19 1/2
0/0. Mas um facto que muito comvém accentuar é que näo pude
descobrir neste vinho sabôr nenhum que fizesse lembrar o sabor
de queimado ou de torrado que tem sido caracteristico do vinho
da Madeira, do seculo XIX. É certo que näo apresentava vestigio
de que esse vinho fosse adubado com aguardente de má qualidade;
e entrei em dúvida se esse grau alcoolico do vinho já existiria
nelle em 1780, ou, se seria devido a um adubo alcoolico
posterior, quando elle tinha sido engarrafado, e reengarrafado,
talvez, mais de uma vez.
O que porém, parece averiguado é que, na segunda metade do
seculo XVIII, os vinhos da Madeira superiores eram já adubados
com aguardentes dos vinhos inferiores, e que já eram importadas,
especialmente de França, aguardentes para o mesmo fim.
Em todo o caso, o que está fóra de duvida é que, com quanto
se tivesse notado, em fins do seculo XVIII, que o vinho que ia
em viagem á India ou á America voltava sensivelmente melhor,
entrava-se ainda em dúvida se esse effeito seria devido ao calor
das regiöes tropicaes, ou ao movimento constante que o mar
imprimia ao navio. Mas esse facto, repetidas vezes observado,
foi, certamente, o que fez nascer a ideia do segundo systema de
tractamento dos vinhos da Madeira, ou systema do aquecimento
lento em communicaçäo com o ar ambiente, de que passo a occupar-
me.
Devendo notar-se que os vinhos da Madeira näo tinham tido
até entäo falsificadores; porque, como diz Joäo Pedro de Freitas
Drummond de Menezes, nas suas memorias escriptas em 1822: - antes
dos fins do seculo XVIII, "eram puros os vinhos, e a sua bondade
natural se apreciava sôbre os canteiros, subindo com os annos ao
grau de generosidade reconhecido, e sem egual no mundo".
Näo havia falsificadores; porque os nossos vinhos, até
entäo só tractados sôbre o canteiro, eram inimitaveis.

II

SYSTEMA COM AQUECIMENTO LENTO EM COMMUNICAÇÄO COM O AR


AMBIENTE

Estamos em fins do seculo XVIII.


A exportaçäo dos vinhos da Madeira tem augmentado muito,
principalmente para a Inglaterra, porque, em razäo da guerra, lhe
estäo fechados os portos da Europa. As reservas de vinhos em boas
condiçöes de embarque estäo esgotadas. O systema do canteiro näo
é processo applicavel a um largo e impaciente consumo com a
prespectiva de grandes lucros.
É facto reconhecido que o vinho da Madeira que vae em
viagem ás regiäes tropicaes volta consideravelmente melhor.
Um negociante do Funchal, chamado Pantaleäo Fernandes,
tendo tambem já observado que o vinho melhorava muito sendo
conservado em logares quentes, principalmente sendo posto ao sol,
aquece um armazem de vinhos novos com fogareiros, de noite e de
dia; e obtem resultado animador. É o primeiro passo para o novo
tratamento.
Pouco depois, outro negociante do Funchal dispöe tambem
vinhos novos em armazem onde o calor lhes é communicado por canos
de ar quente, e a que chama Estufa. Observa-se que o vinho perde
assim o gôsto de novo, e pode ser embarcado em menos tempo sem
se alterar.
Julga-se, com grande enthusiasmo, resolvido o problema; e
outros negociantes apressam-se em construir estufas.
Mas um grande obstaculo apparece.
O vinho d'estas estufas näo tem já o mesmo gosto, e outras
qualidades dos vinhos antigos tractados no canteiro. Apresenta,
especialmente, um sabor de torrado, de queimado muito
desagradavel.
Levantam-se fundados receios de que sejam assim
prejudicados os bons creditos dos vinhos da Madeira; e, por isso,
as estufas säo prohibidas na cidade do Funchal, por editaes do
Governador e Capitäo General da Madeira, em 25 de agosto de 1802
e 6 de novembro de 1803, por serem prejudiciaes á reputaçäo dos
vinhos.
Mas as estufas já säo a mola real da actividade do
commercio dos vinhos da Madeira; o qual, sem elles, ficaria
reduzido aos vinhos de canteiro que, levam muitos annos a educar.
Os commerciantes querem aproveitar-se das circumstancias que lhes
permittem venda larga e bôa de vinhos fabricados em pouco tempo
e com pouco esccrupulo.
Representam pedindo a permissäo das estufas dentro da
cidade, allegando a vantagem geral do desenvolvimento do
commercio dos vinhos. E as estufas säo restabelecidas na cidade
do Funchal em 1804.
Levantam-se também, entäo, com grande força, os
falsificadores, reconhecendo que podem assim imitar, com
quaesquer succos vegetaes, o vinho da Madeira, em que as estufas
deixam um gosto de torrado, de requeimo, que se torna
caracteristico dos nossos melhores vinhos.
Mas as circumstancias tornam os pedidos pouco escrupulosos;
e o commercio dos vinhos continua, apesar de tudo, grande e
vantajoso para todos.
Mas, por 1815, terminando a guerra, a Inglaterra começou
a ter menor necessidade dos vinhos da Madeira, a bebel-os mais
socegadamente, e achar mais agradaveis e mais baratos os vinhos
de outros mercados que nella já tinham entrada.
Começou entäo a diminuir o commercio dos nossos vinhos, que
já por toda a parte se apresentava com o gosto caracteristico da
estufa; näo sendo, nem podendo ser, portanto, já täo celebres e
estimados, como eram os vinhos antigos de canteiro antes dos fins
do seculo XVIII. A diminuiçäo da exportaçäo foi sobretudo notável
para os Estados Unidos da America, onde, na década de 1830 a
1840, foi annualmente de 4000 pipas, e em 1882, foi apenas de 48
litros, ou pouco menos de um oitavo de pipa!
Os mercados teem variado; mas as circumstancias näo teem
favorecido a firmeza do commercio, com grande desvantagem da
agricultura e da industria.
Ha muitos annos que a cultura da vinha na Madeira se tornou
pouco vantajosa para os colonos, e que os compradores de vinho
jä näo exigem na colheita os cuidados que antigamente se julgavam
indispensaveis.
Säo diversas, sem dúvida, as causas que teem feito variar
o consumo, o preço e o apreço dos vinhos da Madeira; mas, entre
ellas, apparece, bem distincto, o mau systema de tractamento,
geralmente, seguido, desde o começo do seculo XIX, que está
prestes a findar.
(...)
E o que ha de mais notavel é que tal systema se tem
conservado á sombra da ideia, já de ha muito conhecida, - que o
calor, convenientemente empregado, melhora consideravelmente o
vinho.
A rotina, cega, näo conhecendo outro processo mais
vantajoso, e näo podendo mesmo, muitas vezes, comprehender as
vantagens de processo melhor, continúa no caminho que está
habituada a seguir; e esforça-se por persuadir os compradores de
que vinhos estragados, talvez falsificados, säo vinhos com todas
as suas qualidades naturaes. E, nestas vezes, se attribue, até,
á estufagem o que só é devido a adubo de vinhos de canteiro
velhos ou de vinho surdo.
O conselheiro José Ignacio Ferreira Lapa, sabio portuguez
do mais elevado merecimento, auctor de importantes obras
scientificas, Director e Professor muito distincto do nosso
Instituto Geral de Agricultura, tendo sido nomeado, pelo Governo
de Portugal, commissario technico da agricultura na Exposiçäo
Universal de Paris em 1878, e tendo tido ahi occasiäo de provar
vinhos da Madeira estufados, mas cuidadosamente concertados e
temperados com vinhos de canteiro velhos, attribuia,
naturalmente, a uma estufagem bem dirigida, qualidades que a ésta
podiam ser devidas; e, numa Revista da Agricultura da mesma
Exposiçäo, que publicou em 1879, diz, fallando dos vinhos da
Madeira:
"A estufagem é muito uzada, e a ella devem em grande, parte
os vinhos da Madeira envelhecerem cedo e apresentarem o aroma e
toque final que os distingue de todos os outros vinhos
portuguezes".
Ora, tendo eu muita consideraçäo pelo mesmo conselheiro
Ferreira Lapa, de quem muito me honro de ter sido amigo
particular, enviei-lhe, por 1883, tendo feito estudos especiaes
sobre o tractamento dos vinhos da Madeira, amostras de vinhos
estufados que me foram fornecidas por negociantes do Funchal
muito respeitaveis; e descrevi-lhes, com a maior exactidäo, o que
era a estufagem na Madeira.
Na sua resposta disse-me que era uma MONSTRUOSIDADE! a
estufagem, como eu lhe informára que se fazia na Madeira. e
Accrescentou:
"É claro que, se o vinho for estufado havendo väo superior
na vazilha, o contacto do ar lhe communicará o gosto a cosido.
Se o calor da estufa for sempre de 140º F. tomará o gosto a
torrado ou a requeimo, sobretudo se for longo o periodo da
estufagem. Se as vazilhas forem novas, ou mal avinhadas, poderäo
comunicar-lhe sabores a madeira ou outros egualmente
desagradaveis."
Isto acha-se consignado num livro que publiquei em 1889
sobre o descredito dos vinhos da Madeira pelas estufas. E entendo
que o illustre professor mencionado chama, com muita razäo, -
MONSTRUOSIDADE - a um systema que priva os vinhos novos das suas
melhores qualidades naturaes, e lhes introduz defeitos
persistentes; que lhes tira assucar, alcool, oleos essenciaes,
e lhes introduz um sabor desagradavel que o carväo vegetal
empregado lhes näo póde nunca tirar de todo; e que os impede de
adquirir a finura täo assignalada nos antigos vinhos de canteiro.
Com effeito, quando os vinhos novos väo para o aquecimento
lento, estäo, geralmente, ainda fervendo lentamente. Väo em pipas
de madeira, que é má conductora de Calor. A temperatura do meio
ambiente só chega lentamente aos vinhos; indo-os aquecendo pouco
a pouco, e tornando a fermentaçäo mais activa. O desdobramento
do assucar produz alcool e acido carbonico.
O alcool nascente tende a dissolver-se no vinho; e o acido
carbonico, corpo gazozo, tende a sahir da vazilha; na qual, é,
portanto, indispensavel deixar uma abertura no fundo superior.
Mas o vinho vae aquecendo, e, á medida que o assucar vae
desapparecendo, vae sendo maior a evaporaçäo do alcool. Mas a
temperatura sóbe, talvez, até 150º ou 160º F., e o alcool
continua a evaporar-se, bem como os ethers que o alcool nascente
pode ter feito nascer; bem como os oleos essenciaes. Ao mesmo
tempo, o ar, penetrando pela abertura deixada na vazilha, produz
oxidaçöes que deixam no vinho um gosto de torrado ou de requeimo,
muito desagradavel.
De modo que, quando, no fim de tres mezes, o vinho sae do
aquecimento lento ao contacto do ar, é um liquido desprovido de
assucar, muito pobre de alcool, sem aromas especiaes, e com um
mau gôsto adquirido. É um vinho estragado; é um vinho que perdeu
as suas principaes qualidades naturaes.
E é este liquido que, depois de adoçado, alcoolisado e
aromatisado, segundo convem ao commercio, apparece, geralmente,
nos mercados, com o nome de vinho Madeira.
O que prova bem que o vinho submettido ao aquecimento lento
em communicaçäo com ar, perde muito alcool, é que negociantes
muito importantes, que tinham o habito de deitar alcool no vinho
antes do aquecimento, já hoje lhe näo deitam nenhum, senäo
depois; apesar de ser sabido que o alcool envelhece com o calor,
e o vinho melhora consideravelmente.
E o que näo deixa de ser curioso, é que alguns negociantes
mais pequenos, achando conveniente seguir cegamente as pisadas
dos negociantes maiores, tambem teem, ultimamente, deixado de
deitar aguardente em vinho que mandam para o aquecimento ao
abrigo do contacto do ar; quando é bem de ver que, näo havendo
aqui prejuizo, ganha o alcool, e ganha o vinho.
Disse-me, ultimamente, um cavalheiro intelligente que
negoceia em vinhos, que o que fica na pipa submettida ao
aquecimento lento em communicaçäo com o ar, é-um VINHÄO.
Terá propriedade esta expressäo?
Vinhäo é o liquido aquoso carregado de saes que na
distillaçäo do vinho da garapa, sae pela caldeira do alambique,
emquanto que, pela violeta, saem liquido alcoolico, ethers e
oleos essenciaes.
Na pipa de vinho submettida ao aquecimento fica tambem um
liquido aquoso contendo muitos saes; emquanto que, por uma
abertura do fundo superior da pipa, saem liquido alcoolico,
ethers e oleos essenciaes.
A analogia é frisante. Mas ha uma differença notavel:
Na destillaçäo do vinho da garapa despreza-se o vinhäo e
guardam-se liquido alcoolico, ethers, saes, no aquecimento do
vinho, desprezam-se, liquido alcoolico, ethers e saes, e guarda-
se o vinhäo!
Näo póde ser maior a monstruosidade! E aberta está de par
em par, a porta aos falsificadores!
Tanto mais, quanto é certo que, desde que se póde fazer
qualquer succo vegetal um vinhäo a que se dá facilmente o gôsto
de torrado, que caracterisa o vinho da Madeira; desde que o que
caracterisa os nossos vinhos nos mercados näo säo as boas
qualidades naturaes mas defeitos que se podem facilmente
introduzir em qualquer liquido; rebaixado está o mosto do vinho
da Madeira, e posto ao nivel de qualquer vinhäo; depreciado está
um dos ramos mais importantes da agricultura d'esta terra.

III

AQUECIMENTO RAPIDO, E ARREFECIMENTO LENTO, DEMORADO OU NÄO,


EM RECIPIENTE FECHADO

Desde antiga data, tem sido utilizado o calor no vinho em


communicaçäo com o ar, em differentes paizes, e para fins
diversos; mas é preciso chegar ao fim do primeiro quarto do
século XIX, para vêr surgir, em França, a idêa de aquecer o vinho
em vaso fechado.
Appert depois Gervais, e, mais tarde, Vergnette Lamotte e
Pasteur, fizeram trabalhos importantes, no mesmo sentido.
Reconheceu-se que o vinho, assim aquecido, adquire a
propriedade de se conservar; e apresenta, mais cedo, qualidades
proprias a vinhos mais velhos.
Este processo, que tomou o nome de Pasteur, teve, desde
entäo, grande voga. E construiram-se immediatamente apparelhos,
com o mesmo nome de Pasteur, que se espalharam por diversos
paizes, e especialmente pelos portos de mar das localidades
vinicolas; e, até, se tem dado o nome de pastorisaçäo, ao emprêgo
d'estes apparelhos.
Por 1880, estando eu já mais descançado de trabalhos
relativos á canna de assucar, a que particularmente me entregára,
pude olhar attentamente para o tratamento dos vinhos da Madeira;
e, tendo conhecimento das vantagens que os vinhos de França e
outros analogos, adquiriam pelo aquecimento com os apparelhos
Pasteur, pensei em estudar se, por tal systema, poderiam ser
tambem melhorados os vinhos da Madeira, täo prejudicados pelo mau
tratamento aqui geralmente seguido. Mas, desde logo, encontrei
embaraços no caminho.
Os apparelhos Pasteur, baseados sobre operaçöes feitas com
garrafas; e feitos para o aquecimento de vinho que tem de
conservar-se e circular em garrafas, pareceu-me, logo, de muito
pequeno expediente para o trafego dos vinhos da Madeira, que se
guardam, geralmente, em pipas, e se embarcam em pipas.
Mas outra circumstancia, mais importante, chamou a minha
attençäo.
Nos apparelhos Pasteur, o vinho entra frio, aquece, qunado
muito, até cêrca de 75º C., e em 3 minutos, sae frio como entrou.
O vinho que entra arrefece o vinho que sae.
Pareceu-me logo, também, que täo fugitivo aquecimento näo
podia produzir, nos vinhos da Madeira, conveniente
desenvolvimento nas suas excellentes qualidades.
Quiz, todavia, obter resultados practicos, e estudei entäo
diversos vinhos da Madeira nas condiçöes do systema Pasteur.
Achei que o gosto de novo desapparecia muito pouco para que
o vinho Madeira podesse ser embarcado em pouco tempo como vinho
mais velho; e que os seus outros caracteres näo tinham tambem
sufficientemente melhorado. Mas achei, que os vinhos de Pasto
poderiam vantajosamente entrar em pouco tempo no consumo.
Quiz, no entretanto, ouvir, sobre o assumpto, a opiniäo
auctorisada do já mencionado Conselheiro Ferreira Lapa; e enviei-
lhe, em 1883, juntamente com as amostras de vinhos estufados pelo
modo seguido na Madeira, outras amostras de vinhos da Madeira
aquecidos pelo systema Pasteur.
E o Conselheiro Ferreira Lapa, depois de ter minuciosamente
examinado e apreciado todas as amostras de vinhos que lhe enviei,
disse-me que entendia que os vinhos da Madeira, tratados pelo
systema Pasteur, poderiam produzir vinhos agradaveis, francos,
com as qualidades genuinas do puro sumo da uva; mas que, por tal
systema, se näo poderia obter o typo generoso e propriamente
FIDALGO a que pertenciam os vinhos da Madeira; que se näo poderia
obter o typo QUENTE, BALSAMICO, PERFUMADO, suavissimo que
caracterisa os nossos vinhos.
Vendo assim, täo competentemente, confirmada a minha
opiniäo, acabei de me convencer de que, com relaçäo,
particularmente, aos vinhos da Madeira, seria necessario abrir
caminho, para se poder chegar aonde convinha.
Eu tinha deante de mim um importante livro, publicado pelo
mesmo Conselheiro Ferreira Lapa, onde se lia o seguinte:
"O aquecimento dos vinhos com o fim de os preservar de
futuras alteraçöes, ganha de dia para dia, maior numero de
partidarios em todos os paizes vinhateiros.
"Os ensaios e experiencias feitos por particulares, pelas
companhias de vinhos e pelos governos, multiplicam-se e
estabelecem, cada vez mais, os bens fundados creditos d'aquelle
processo salvador dos vinhos.
"É um facto que os vinhos aquecidos:
"Se conservam inalteraveis, podendo ser expedidos por toda
a parte sem o risco que geralmente correm os vinhos medianos näo
aquecidos.
"Que muitos vinhos em começo de alteraçäo se restabelecem
pelo aquecimento.
"Que o bouquet e a força alcoolica, longe de amortecerem
se exaltam muitas vezes pelo aquecimento.
"Que a côr dos vinhos aquecidos é geralmente mais franca.
"Que os vinhos austeros se adoçam pelo aquecimento.
"Que o aquecimento dispensa dois terços pelo menos na
aguardentaçäo dos vinhos de embarque.
"Que os vinhos aquecidos logram mais cedo as qualidades
apreciaveis da velhice, isto é, depuraçäo, modificaçäo na côr e
suavidade."
Eu tinha tambem deante de mim um livro publicado pelo
distincto enologo portuguez, Batalha Reis, onde se liam as
seguintes palavras sobre as condiçöes que devem satisfazer os
apparelhos de aquecimento:
1ª - Produzir rapidamente e com egualdade o calor
necessario para garantir o vinho contra toda a alteraçäo futura;
2ª - Conservar as qualidades naturaes do vinho;
3ª - Tornar facil e pratico o uso d'este trafego em boas
condiçöes economicas.
(...)
"A acçäo do calor sobre o vinho precisa ser rapida e durar
apenas alguns instantes.
"Sobre o liquido quente deve sustentar-se uma forte
pressäo, para que os principios volateis do vinho se näo evaporem
facilmente e essa perda lhe näo modifique as qualidades.
"É indispensavel evitar o contacto do ar com o liquido,
quer proximamente ao seu aquecimento, quer depois da applicaçäo
do calor: mas sobretudo durante a operaçäo e emquanto o vinho
está quente. Porque parece que o oxygenio do ar lhe accentua o
gosto da estufagem, lhe modifica a côr e aroma e o torna magro,
secco e decahido. Tambem se aconselha que se näo demore nunca o
vinho numa temperatura muito elevada, porque lhe ficará
prejudicada a elegancia e o aroma.-
"O apparelho mais practico será o que fôr de uso mais facil
e commodo, e reunir uma grande simplicidade e uma necessaria
solidez. Afóra isso precisa näo communicar sabor nenhum ao vinho,
dar um conveniente despejo, gastar pouco combustivel e ser
barato".
Estes principios deviam estar em vista na apreciaçäo do
problema que muito importava resolver sobre os vinhos da Madeira,
e cujas condiçöes estavam postas.
Continuei entäo os meus estudos já começados; e as minhas
experiencias e observaçöes duraram mais seis annos.
Pareceu-me que eram muito largos os limites de 50º e 75º C.
estabelecidos mais modernamente por Pasteur para o aquecimento
do vinho.
Pareceu-me que o aquecimento ás temperaturas mais baixas
näo dava garantia de que os mycodermes ficassem todos inertes,
e de que o vinho se conservasse sem alteraçäo, nem que o cheiro
e o gosto tivessem modificaçäo bem apreciavel.
Pareceu-me que aquelle unico aquecimento, que Pasteur
entendia deve ser sempre muito curto, näo podia ser, por si só
sufficiente, para os fins que se desejavam obter.
Estabeleci a 70º C. (158º F.) os limites mais baixos das
minhas novas experiencias, e elevei-as até 85% C. (185º F.) sem
inconveniente, e com resultados notavelmente vantajosos.
A mais curta duraçäo do aquecimento era a do tempo que o
vinho podia gastar em arrefecer espontaneamente.
Mas estudei com muito cuidado que vantagens resultariam de
ser o arrefecimento mais ou menos demorado por temperatura mais
moderada, e obtive resultados tambem muito satisfatorios.
Estudei que vantagens poderiam advir de ser, mais ou menos,
repetido, a espaços, o aquecimento rapido do vinho
espontaneamente arrefecido, e convenci-me de que se podiam assim
obter resultados tambem muito vantajosos.
Fiz, numa palavra, experiencias e observaçöes sobre todos
os pontos a respeito dos quaes me convinha mais esclarecer-me.
E em 1889, cêrca de dez annos depois de ter começado os
meis estudos sobre o tractamento dos nossos vinhos, estabeleci
um systema de aquecimento e afinamento de vinhos, que tomou o
nome de Systema Cannavial, e de que tenho privilegio em portugal;
- systema de aquecimento rapido, e arrefecimento lento, demorado
ou näo, em recepiente fechado; - e organisei para a conveniente
execuçäo d'este systema, apparelhos especiaes que se acham
montados num estabelecimento para esse fim expressamente
construido.
N'este estabelecimento, recebem-se, emquanto é possivel,
näo só pelo interesse industrial, senäo tambem pelo desejo de
favorecer a generalisaçäo de processos da maior vantagem para a
agricultura e industria d'esta terra, todos os vinhos que os
priprietarios e negociantes querem mandar educar por um systema
que deve, mais tarde ou mais cedo, restabelecer, em toda a
parte, os bons creditos dos vinhos da Madeira, apresentando, em
todos os mercados, os nossos vinhos com as suas excellentes
qualidades naturaes, sem serem denegridas com defeitos
adquiridos; especialmente com esse gôsto de torrado ou de requino
que hoje ainda caracterisa os vinhos d'esta ilha, quasquer que
elles sejam, e que só deverá servir para caracterisar os vinhos
que näo säo genuinos.
O vinho que vae ser aquecido entra, depois de medido, num
reservatorio superiormente disposto; d'onde desce, pelo seu
proprio pêso, por um cano de estanho, no qual é elevado, em
banho-Maria e ao abrigo do contacto do ar, á temperatura de 158º
F. (70º C.) a 176º F. (80º C.); continuando depois a descer, sem
encontrar nada no caminho que lhe apresse o arrefecimento; e
chegando, finalmente, depois de ter marcado num thermometro a
temperatura adquirida, ao fundo da mesma pipa d'onde sahíra pouco
antes, e cuja bocca, disposta de modo a impedir perda de vapores,
é fechada logo que termina a operaçäo.
O vinho de uma pipa nunca se mistura com o de outra pipa;
o trabalho é facil; e o expediente é grande, em pipas ou
quaesquer vasilhas.
O vinho gasta cêrca de 3 minutos no transito do seu
aquecimento, que, para uma pipa de 450 litros, exige hora e meia.
O calor, communicado pelo vinho ao interior da pipa, manifesta-se
em breve exteriormente. Os arcos alargam-se; e precisam de ser
rebatidos.
O vinho assim aquecido näo é nunca voluntariamente
arrefecido, e, quando se lhe näo demora o arrefecimento deixa-se
que elle se faça naturalmente, mais ou menos lentamente segundo
a differença entre a temperatura da pipa e a do meio ambiente;
gastando, geralmente cêrca de tres dias.
É o mais curto arrefecimento do vinho rapidamente aquecido
pelo systema Cannavial.
Quem observar este vinho pouco depois do aquecimento, ou
no fim do arrefecimento, tendo-se conservado a pipa sempre bem
fechada, nota que elle näo fermenta; que näo tem cheiro que
indique a presença de enxofre; e que o aroma de novo se tornou
mais agradavel; nota que o gôsto está tambem sensivelmente
mudado; e que parece de vinho de mais edade; e uma operaçäo
destillatoria, feita antes e depois do aquecimento, mostra que
a percentagem alcoolica é egual. Houve, pois, neste aquecimento,
um notavel melhoramento e näo houve prejuizo.
Mas convem fazer aqui notar que, no systema Pasteur, näo
ha senäo um só aquecimento, seguido logo do arrefeciemnto, de
modo que o aquecimento e o arrefecimento duram apenas alguns
instantes: nos apparelhos respectivos, o vinho que entra arrefece
o vinho que sae.
No systema Cannavial o aquecimento póde ser repetido; e o
arrefecimento é sempre lento, e, talvez, muito demorado.
Pasteur pareceu ter muito em vista evitar os inconvenientes
que podia ter no vinho , a acçäo prolongada da temperatura
necessaria para tornar inertes os mycodermes; sem pensar nos
beneficios que o vinho podia recolher da acçäo demorada d'uma
temperatura moderada.
O systema Cannavial, tendo tambem muito em vista aquecer
o vinho á temperatura necessaria para tornar inertes os
mycodermes; e, reconhecendo que basta que esse aquecimento seja
curto; entendeu que isso näo deve ser razäo para se privar o
vinho da acçäo benefica d'uma temperatura moderada, por tempo
sufficientemente longo.
Naö se póde, mesmo, comprehender que Pasteur e outros digam
como acima se viu:
"Que a acçäo do calor sobre o vinho precisa de ser rapida
e durar apenas alguns instantes", quando está sobejamente provado
quanto essa acçäo é benefica, sendo convenientemente utilisada.
Nem é necessario citar maiores provas do que os nossos vinhos de
roda, esses nossos antigos vinhos que ganhavam täo preciosas
qualidades, nas longas viagens de ida e volta, que faziam
atravessando o Equador.
É baseado sobre taes principios que este estabelecimento
organisou Casas, ou Estancias, proprias para demorar o
arrefecimento do vinho. Quando, pois, uma pipa de vinho é
destinada ao afinamento numa d'estas Estancias, é para lá
transportada, hermeticamente fechada, logo depois de terminado
o aquecimento; e assim permanece, durante mezes, num recinto onde
a temperatura é moderada, mas constante e bem regulada.
Cinco fornalhas introduzem ar quente em canos que däo tres
voltas nas Estancias; e que säo guarnecidos de chapas de ferro
para facilitarem a transmissäo do calor, sempre bem regulado e
facilmente observado por thermometros que se podem bem ler de
fóra.
As Estancias, que säo sempre cuidadosamente revistadas para
serem as pipas opportunamente rebatidas, säo, a principio,
mantidas na temperatura de 120º F. (50º C.); mas depois de ter o
vinho arrefecido sufficientemente para se pôr em equilibrio com
o meio ambiente, essa temperatura vae lentamente descendo, e
fazendo paradas convenientes, até o fim do afinamento.
O vinho assim aquecido, e afinado conserva todas as suas
qualidades naturaes apresenta qualidades proprias de vinho de
canteiro que tem 5 ou 6 annos, e uma notavel figura muito
apreciavel; sem apresentar nenhum mau sabor, nem defeito algum;
e, sendo convenientemente tratado, póde logo ser lotado com
outros vinhos aquecidos e conservados livres de fermentos, e
mesmo ser embarcado, sem risco de se alterar, e com grande
economia d'alcool.
Convém notar-se, porém, que o vinho que näo tiver sido
devidamente adubado com alcool antes do aquecimento, näo póde
ter, quando termina o arrefeciemnto, qualidades que só póde
adquirir vinho sufficientemente rico de alcool.
Este processo de aquecimento e afinamento dos vinhos, ou
processo de aquecimento rapido e de arrefecimento demorado, em
recepiente fechado, é o mais proprio para vinhos superiores ou
medianos; é o mais proprio para o vinho Madeira e para todos os
vinhos especiaes.
Mas, se se trata de vinhos de Pasto, de vinhos que devem
entrar immediatamente em consumo, basta um só aquecimento rapido,
com o arrefecimento natural de 3 dias. Assim ficam inertes os
mycodermes; a fermentaçäo pára; e o vinho conserva-se sem se
alterar, se näo ficar exposto a fermentos novos; o cheiro e o
gosto de novo ficam logo modificados e tornam-se mais agradaveis;
accentuam-se qualdiades proprias de vinho mais velho; de modo que
o vinho aquecido póde entrar, com vantagem, no consumo, e mesmo,
ser embarcado. É um processo que póde ser largamente utilisado
no commercio.
Mas por este processo, repetido duas ou mais vezes, a
pequenos intervallos, póde-se, mesmo, preparar o vinho Madeira,
com rapidez admiravel.
Com effeito, o vinho aquecido e arrefecido naturalmente,
duas ou tres vezes, perde logo o cheiro e gosto de novo, e
adquire qualidades que säo proprias de vinho de muito maior
idade; qualidades que tomam rapido desenvolvimento com o repouso
em vasilha fechada, e em logar conveniente. Parece que a acçäo
curta e repetida do aquecimento rapido substitue, aqui, até certo
ponto, a acçäo longa, constante e branda do arrefecimento
demorado. Säo circumstancias que o commercio deve cuidadosamente
estudar, e de que póde utilmente aproveitar-se, principalmente
quando lhe convenha apressar os seus embarques; perto dos quaes
deverá sempre completar-se o adubo necessario ao vinho.
Por este mesmo processo póde, até, preparar-se para adubo,
vinho muito alcoolisado rapidamente envelhecido, e vinho surdo,
ou muito dôce, mais ou menos alcoolisado, e tambem envelhecido.
É certo que o assucar da uva é o mais proprio para adoçar
o vinho; e por isso tem, para esse fim, grande vantagem o vinho
surdo, ou vinho abafado com alcool; isto é, vinho em môsto cujo
assucar se näo desdobrou porque a fermentaçäo foi suffocada.
Ora, no vinho em môsto que fôr rapidamente aquecido, tambem
a fermentaçäo pára immediatamente, e o assucar conserva-se sem
se desdobrar, como no vinho surdo; bastando accrescentar ao
vinho, antes do aquecimento, o alcool que convier para que o
envelhecimento d'este se torne mais sensivel reunido ao dôce do
vinho.
E, até, quem näo tiver môsto póde conseguir resultado
analogo com qualquer vinho e assucar de canna, embora seja
preferivel a este o assucar da uva.
É certo que o vinho Madeira que fôr preparado por este
processo näo é vinho Madeira velho; mas é vinho genuino, com
qualidades naturaes, que näo foram alteradas; é vinho produzido
pelo puro sumo da uva, e em que se näo nota esse sabor de
requeimo ou de torrado que ainda hoje, para mal d'esta terra,
caracterisa, em muitos mercados, os vinhos da Madeira; porque é
adquirido no tratamento, ainda aqui geralmente seguido, do
aquecimento lento em communicaçäo com o ar.
Os vinhos em que se descobrir o gosto de torrado ou de
requeimo levam, pois, comsigo, um signal muito desfavoravel, que
está denunciando sempre um vinhäo.
O systema do aquecimento rapido e arrefecimento lento,
demorado ou näo, em vaso fechado, adeantou um grande passo no
caminho da agricultura e industria dos paizes vinicultores e,
principalmente, da Ilha da Madeira.
Estudem os interessados, conscienciosamente, o assumpto.
Abram-se, á luz de täo util melhoramento, que já está bem
clara, os olhos de vêr que permanecem ainda adormecidos nas
trevas.
E, insistindo sobre o importante assumpto que desenvolvi
na parte final do livro que publiquei em 1879, direi, com a maior
convicçäo, que UMA ASSOCIAÇÄO DE PROPRIETARIOS, VITICULTORES, e
NEGOCIANTES DE VINHOS, ASSENTANDO NAS BASES APRESENTADAS, SERIA
O MEIO MAIS EFFICAZ DE OBTER, EM MENOS TEMPO, OS RESULTADOS MAIS
VANTAJOSOS. Parece-me que nas nossas circumstancias, seria
preferivel, e sobretudo de mais facil execuçäo, uma sociedade
cooperativa, anonyma, de responsabilidade limitada.
O VINHO. O ORGULHO DE TODOS OS MADEIRENSES

Eduardo Nunes

Publicado:

Porque me orgulho de ser madeirense, Funchal, 1951


A este patrimonio natural, juntam-se as culturas mais
remotas; a cana sacarina que produz o melhor açúcar do mundo, e
donde se extrai a conhecida Aguardente da Madeira, álcool e mel,
tem quase a idade da ilha, pois foi plantada nuns terrenos onde
hoje se ergue a nossa Sé Catedral. A ela, e ainda no Século XV,
seguem-se os vinhedos, com uma primeira casta de Malvasia, a que
se seguiram todas as que säo hoje, também o escol da exportaçäo
e do consumo local: Sercial, Boal, Moscatel, Terrantez, Tinto,
Americano, Caninha, Jacquez, Alicante, Ferral, Bastardo, Listräo
e ainda outros.
O vinho da Madeira é um vinho de "dessert". Ainda que o
Duque de Clarence, condenado à morte, preferisse afogar-se num
tonel de Malvasia da Madeira, como suplício final, este trágico
pormenor histórico ainda mais avoluma a reputaçäo do produto -
e a sua fama e o seu nome mais se propalarem no mundo. Jorge IV
da Inglaterra tornou-o o mais chic e de maior renome. O Rei
Eduardo, ao tomar conta da coroa britânica, verificou com
satisfaçäo que estavam cheias de preciosos vinhos da Madeira as
caves do Palácio de Buckingham. Era, a tal ponto, precioso e
singularmente aromático, que a moda do tempo em toda a Grä-
Bretanha, nas festas da coroa e da aristocracia, fê-lo perfume
mundano, deitado nos lenços, às gotas, e, com ele, aromatizando-
se as mäos, como se fora um raro e inebriante perfume.
O vinho da Madeira correu mundo - singrou por todos os
mares e rompeu todas as fronteiras. Está permanentemente nos
festins de Francisco I de França e de Carlos II da Inglaterra;
faz parte das refeiçöes de Fernando da Bulgária e é colocado nos
poröes da nau-cárcere, que conduz Napoleäo ao cativeiro de Santa
Helena. Anda por congressos internacionais, conquistando fama e
enriquecendo-se de prémios, desde a Medalha de Ouro à Legiäo de
Honra.
Para que fosse único em todo o orbe, para que se
distanciasse sempre de qualquer assimilaçäo, era, entäo, colocado
nos navios que demandavam o porto do Funchal e neles davam a
volta ao mundo, para que, nas zonas do Equador, ganhassem a
estufagem que, mais tarde, a indústria superou. E talvez porque
Shakespeare quizesse que uma das suas personagens trocasse a alma
por um cálice de Madeira, entra na cura de diversíssimas doenças
e restituie energias morais e físicas. Aromático, doce,
encorpado, cor de topázio-claro, verdadeiro oiro líquido, velho
como a colonizaçäo portuguesa da ilha, é capaz de congraçar no
mesmo gosto homens e mulheres - escreve António Batalha Reis.
É oferecido a Reis e a Principes Regentes, a Chefes de
Estado e a ministros, a senhores feudais e a burgueses
opulentos...e - forte paradoxo! - a uma Miss Portugal oriunda das
regiöes congéneres do Douro...
Enquanto escrevo, o Congresso do Office Internacional du
Vin, reunido em Narbonne, define os tipos especiais dos mais
afamados vinhos - e de entre os célebres destaca-se o nosso - o
nosso Vinho da Madeira.
O vinho de Anacreonte, que o levava a coroar-se de rosas
quando esvaziava a última taça, näo seria um Malvasia de cuja
casta vieram para a Madeira algumas cepas?...
Interior do armazém de vinhos de Blandy Brothers no Funchal.
Henry Vizetelly.1880.
2. AUTORES ESTRANGEIROS
1. Giulio Landi, 1530(?)

Publicado:

La Descrittione de l'isola de la Madera(...), Placência, 1574;


"Descriçäo da ilha da Madeira", in A Madeira vista por
estrangeiros.1455-1700, ed. António Aragäo, Funchal, 1981, pp.51-
116.
Esta Ilha produz também grande quantidade de vinho de toda
a espécie, mas a maior quantidade é de vinhos generosos e
brancos, semelhantes ao grego de Roma. Produz também malvasia mas
näo já em muita quantidade e é reputado melhor do que o de
Cândia. E porque os da Ilha näo costumam beber vinho, vendem-no
a mercadores, que o levam para a Península Ibérica e para outros
paises setentrionais. Além disso há uma enorme abundância de
maçäs e de peras e toda a espécie de frutas e, entre elas,
pêssegos, figos e melöes saborosissimos. Aqui toda a fruta
amadurece mais cedo do que na Itália. Eu, no dia de Pentecostes,
que foi a 21 de Maio, comi uvas maduras.
2. Pompeo Arditi,1567

Publicado:

Viaggio all'isola di Madera e alle Azzore(...), Florença, 1934;


"Viagem à ilha da Madeira e aos Açores", in A Madeira Vista Por
Estrangeiros, Funchal, 1981, pp.119-136.
A capitania do Funchal produz quase todo o açúcar, pois
Machico por näo ser täo abundante em águas, produz pouco, mas em
contrapartida produz trigo e aveia. Toda a ilha produz grande
quantidade de vinhos, que säo considerados excelentes e muito
semelhantes à malvasia de Cândia; o trigo que aí se colhe é muito
bom, mas täo pouco que näo chega para a terça parte da ilha; por
isso säo obrigados a importá-lo das Canárias e das ilhas dos
Açores. A colheita vem muito mais rápida que a nossa, de tal modo
que a 12 de Maio comemos päo novo, uvas, figos e melöes. Mas os
homens da ilha diziam que, no principio de Março, começavam a
comer päo novo. É muito abundante em frutos de toda a espécie e
entre outros em banana daquela localidade que às vezes vem de
Chipre para Veneza. Esta terra é täo fértil que as árvores num
ano däo fruto. Além disso tem uma maravilhosa propriedade, pois
näo só näo cria animais venenosos, mas se vierem doutra parte,
rapidamente morrem, nem se encontram outros animais nocivos, além
de ratos e räs, pouco mais compridas que um dedo. A cidade do
Funchal é a maior povoaçäo de toda a ilha e poderá ter umas cinco
a seis mil almas. Está situada numa praia de milha e meia de
comprimento, voltada para Cabo Verde. Aí ancoram todos os barcos
que vêm comprar açúcar, vinho e conserva de açúcar, de que nesta
cidade se fazem de óptima qualidade e em muita abundância. Aqui,
assim tanto os que vendem como os que compram, pagam direitos ao
Rei, à razäo de dez por cento, de modo que o Rei com isto e com
aquilo que lhe provém do açúcar das gentes da terra, que lhe däo
um quinto, todos os anos, livre de todas as despesas, obtém
cinquenta mil ducados.
3. Hans Sloane.1687

Publicado:

A Voyage to the Islands Madera(...), 2 vols, Londres, 1707;


Heraldo da Madeira, nºs. 452-456; A Madeira vista por estrangei
ros, Funchal, 1981, pp.139-170.
A ilha é formada na sua maior parte por uma montanha muito
alta com quatro milhas de altitude, calculadas da base ao topo.
Está geralmente coberta de nuvens e apresenta vertentes
extremamente ingremes que tornam os seus pequenos rios muito
rápidos e a margens ou penhascos extraordinariamente altos e
caindo perpendicularmente sobre os leitos. Esta ilha é muito
fértil tendo antigamente produzido grande quantidades de açúcar
aqui cultivado e de excelente qualidade. O que agora possuem é
bom, mas muito escasso, devido à existência de muitas plantaçöes
nas ïndias Ocidentais. Näo lhes vale a pena cultivá-lo embora,
depois de refinado ou depurado, seja muito branco, cotando-se
meia libra dele com o valor de uma libra de outras espécies de
açucar. Assim, embora consigam um produto de maior cotaçäo, acham
que lhes é muito mais proveitoso dedicarem-se aos vinhos, pelo
que apenas produzem o açúcar indispensável aos gastos caseiros
e ao fabrico de doces, indo ainda comprá-lo ao Brasil, às suas
próprias plantaçöes. A maior parte da ilha está actualmente
coberta de vinhedos. O solo é muito propício a esta cultura, por
ser rochoso e ingreme. Costumam fazer uma poda muito curta à
maneira usada na cultura da vinha em França. Adoptaram as castas
mais estimadas neste país, como a "Hermitage" que cresce nas
margens rochosas e ingremes do Ródano. Há três espécies de uvas:
a branca, a vermelha e a grande muscadínea ou Malvasia. A
primeira é a mais abundante, pois a maior quantidade de vinho é
produzido com a uva branca sendo depois avermelhada com a adiçäo
de tinto ou vinho vermelho. Esta mistura, dando-lhe uma cor mais
carregada que o champagne, auxilia-o na preservaçäo. Sabe-se
muito bem que os vinhos brancos, de uma maneira geral, se
deterioram muito rapidamente e que os tintos säo tanto mais
fáceis de se manter quanto mais intensa for a sua coloraçäo. Por
isso, em França, deixam depois da pisa as cascas e o sumo das
uvas permanecer nas cubas, durante maior ou menor espaço de
tempo, conforme as caracteristicas e a cor que pretenderem. O
vinho virgem feito do sumo que escorre imediatamente das cascas
sem fermentar ou ter sido sujeito à prensa, dentro de pouco tempo
fica bom e pronto a ser bebido, mas estraga-se depressa. A razäo
disto resulta do facto de as cascas serem necessárias, pois
impregnam o vinho com algo equivalente ao lúpulo da cerveja. O
mesmo, de certo modo, sucede com o azeite: sabe-se que aquela
espécie desprovida de gosto ou cheiro, o azeite virgem, que corre
das azeitonas sem ser sujeito à pressäo e sem a adiçäo de sal,
em dois meses se torna rançoso; ao contrário, aquele que foi
sujeito à prensa e fermentou, impregnando-se com as cascas e o
caroço de azeitona, é capaz de se conservar durante muito tempo
sem a necessidade de adiçäo de qualquer produto. O Malvasia ou
vinho de uva muscadínea, näo se conserva. Em pouco tempo torna-se
muito picante, pelo que é feito em pequenas quantidades. O maior
volume de produçäo de vinho é o da uva branca com um pouco de
tinto, que tem a propriedade curiosa e muito especial de se
tornar melhor quanto mais exposto estiver ao sol e ao calor.
Assim, em vez de o levarem para uma adega fresca, expöem-no ao
sol e ao calor. Os que estäo pouco costumados a este vinho,
acham-no desagradável, de gosto ligeiramente semelhante ao Xerez,
sendo, a seguir a este, o que se revela mais forte e com outras
propriedades. É exportado em grandes quantidades para as
plantaçöes das ïndias Ocidentais e, ultimamente, para o Ocidente,
pois näo há nenhuma espécie de vinho que se mantenha täo bem em
climas quentes.
4. John Ovington.1689

Publicado:

A Voyage to Suratt in the Year 1689, Londres, 1696; Heraldo da


Madeira, nº.449, 1906; "Uma viagem a Suratt no ano de 1689", in
A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, pp.174-221.
A maior quantidade das vinhas da Ilha foi trazida de Candia;
há tres ou quatro qualidades de vinho. Um tem a côr do Champagne
de pouca estimaçäo; outro é mais forte e palido, como o vinho
branco; outro é rico e delicioso, o chamado Malvasia; o outro é
tinto, egualando tinta na côr, mas é muito inferior aos outros
no paladar e nunca é bebido senäo com outros vinhos, com os quaes
é misturado, afim de dar-lhes côr e perserval-os. Para fermental-
os, moem e cosem uma certa pedra chamada "Jess", deitando uns
oito a nove litros em cada pipa. O vinho da Madeira tem um
predicado que é melhorar com o calor do sol, se o buraco do
batoque está exposto ao ar. O producto das vinhas é dividido em
partes eguaes pelo proprietario e por quem colhe as uvas e as
espreme. Na sua maioria os negociantes säo ricos e prosperos,
emquanto que os que colhem as uvas, e empregados por eles säo
pobres. Entre os negociantes, os Jesuitas näo säo dos mais
pequenos e todos os annos disfrutam maior fortuna: asseguram o
monopolio da Malvasia, de que só ha um bom vinhedo em toda a
Ilha, e que está inteiramente nas suas mäos. Pode-se calcular -
e modestamente - a produçäo anual em 20.000 pipas, das quaes se
calcula que o conteúdo de 8.000 sejam bebidas na Ilha, o de
3.000 a 4.000 gasto em derrames e o resto transportado, na sua
maior parte para Barbados, onde o vinho é consumido mais
liberalmente do que qualquer outro vinho Europeu.
5.G. Forster.1777

Publicado:

A Voyage round the world(...), Londres, 1777; Heraldo da Madeira,


nºs.290-292, 297-298(1905); Atlântico, nº.55, 1986, pp.69-78.
A grande produçäo da Madeira é o vinho e foi através dele
que a Ilha ganhou fama e sustento. As vinhas säo cultivadas
sempre que o solo, a água e a exposiçäo ao sol propiciem as
devidas condiçöes. Os vinhedos säo cortados por uma ou mais
veredas de cerca de duas jardas de largura e limitadas por muros
de dois pés de altura. Ao longo destas veredas sobre as quais se
forma uma arcada de ripas de sete pés de altura, fixam-se estacas
de madeira em distâncias regulares para suportar um xadrês de
canas que desce em ângulo a partir de ambos os lados da vereda
até ficar a pé e meio ou dois pés do chäo, estabelecendo-se
depois, a esta altura, sobre toda a área da vinha. Deste modo as
vinhas säo sustentadas a partir do chäo e as pessoas têm espaço
para mondar as ervas daninhas que nascem sob a latada. Durante
as vindimas rastejam sob este xadrês, cortam os cachos e colocam-
nos em cestos: vi alguns desses cachos que pesavam seis libras
ou mais. Este método de conservar o terreno limpo e húmido e
possibilitando o amadurecimento das uvas à sombra, contribui para
dar aos vinhos madeirenses aquele excelente sabor e corpo que os
tornam notáveis. Os proprietários das vinhas säo obrigados a
reservar parte dos terrenos para o cultivo das canas, pois o
xadrês näo pode ser feito sem elas. Segundo me disseram, alguns
vinhedos apresentam-se bastante maltratados devido à falta do
útil caniço.
A qualidade dos vinhos näo é igual, originando consequente
mente preços diferentes. O melhor, feito de cepas importadas de
Cândia, por ordem do Infante D. Henrique é designado por Malvasia
da Madeira, uma pipa do qual näo pode ser comprada, no local, por
menos de 40 ou 50 libras esterlinas. É um riquíssimo vinho doce,
produzido em pequena quantidade. A qualidade seguinte é o vinho
seco, exportado para o mercado inglês a 30 ou 31 libras
esterlinas por pipa. As qualidades inferiores, exportadas para
os mercados das ïndias Orientais, ïndias Ocidentais e América do
Norte, custam 28,25 ou 20 libras esterlinas. Em média säo
produzidas trinta e uma mil pipas, contendo cada uma 110 galöes.
Cerca de treze mil pipas dos vinhos de melhor qualidade säo
exportados e o resto é transformado em aguardente para exportaçäo
para o Brasil, utilisado para o fabrico de vinagre ou consumido
na regiäo.
As cercas dos vinhedos säo formadas por muros e sebes de
tabaibeiras, romanzeiras, murtas, espinheiros e roseiras bravas.
Os pomares produzem pêssegos, damascos, marmelos, maçäs, peras,
nozes, castanhas e muitos outros frutos europeus e, de vez em
quando, frutas tropicais como a banana, a goiaba e o ananás.
Existem igualmente na Madeira todos os vulgares animais
domésticos da Europa e a carne do carneiro e da vaca é muito
saborosa, embora os animais sejam de pequeno porte. Os cavalos
säo pequenos mas seguros, subindo com agilidade as muitas veredas
que säo os únicos meios de comunicaçäo no campo. Näo existem
carruagens, mas na cidade usam uma espécie de zorra ou trenó,
formado por duas pranchas juntas por travessas de madeira que
forma, à frente, um ângulo agudo; säo puxadas por bois e usadas
para o transporte de vasilhame para o vinho e outras mercadorias
pesadas, destinadas ou provenientes de armazéns.
O seu principal trabalho é a plantaçäo e cultivo das
vinhas, mas como este ramo da agricultura requer pouca atençäo
durante a maior parte do ano, eles säo naturalmente propensos à
preguiça. A amenidade do clima que torna desnecessário o
excessivo aprovisionamento para previsíveis inclemências do tempo
e a facilidade com que säo satisfeitas as exigências do apetite
devem ser a causa de uma indolência que as leis em nenhuma parte
contrariam motivando-os para as perspectivas de uma maior
felicidade e infundindo-lhes o gosto pelo trabalho. Parece que
o governo português näo procura as soluçöes mais adequadas contra
esta perigosa letargia do estado. Ultimamente ordenaram a
plantaçäo de oliveiras nos sítios demasiado secos e estéreis para
a produçäo de vinho, mas näo pensaram em prestar assistência
temporária aos trabalhadores e näo ofereceram qualquer prémio
através do qual pudessem contrariar a resistência às inovaçöes
e a aversäo ao trabalho.
As vinhas säo entregues apenas em posse anual e o
cultivador somente recebe quatro décimos do produto - outros
quatro décimos säo pagos em espécie ao dono da terra, um décimo
ao rei e um ao clero. Proveito täo escasso e a ideia de estar
meramente a labutar para os lucros de outros, excluem absoluta
mente a esperança de um aumento de produçäo, mesmo que sejam
tentados melhoramentos. Oprimidos como säo, mantêm no entanto um
alto grau de alegria e satisfaçäo; as suas tarefas säo geralmente
aliviadas com cançöes e reúnem-se à tardinha, vindos de
diferentes propriedades, para dançar ao som entorpecedor de uma
guitarra.
6. J. Barrow.1792

Publicado:

A voyage to Conchinchina in the years 1792 and 1793, Londres,


1806.
As plantas cultivadas säo vinhas, laranjas, limöes, cidras,
figos, bananas, goiabas, damascos, pêssegos e frutos europeus,
além de boas nozes e castanhas.
A Ilha produz trigo, cevada e centeio; mas mais de dois
terços dos cereais consumidos säo importados dos Açores ou Ilhas
Ocidentais e da América.
Durante mais de um século a Madeira foi considerada uma
Ilha de grande valor, principalmente pela grande quantidade de
açúcar que produziu; mas desde que esta cana aromática se
espalhou pelo continente e pelas ilhas do novo mundo, pouco é
agora aqui cultivado; e o açúcar extraído é de qualidade
inferior, usado apenas entre a classe mais baixa da populaçäo,
geralmente como um espesso sumo castanho semelhante a melaço. O
solo árido parece muito mais adequado para o cultivo da vinha do
que para a cana-de-açúcar. Na realidade, o vinho pode ser
considerado como o produto principal da ilha, cuja quantidade
produzida varia, conforme os anos, entre quinze e vinte e cinco
mil pipas.
A maior quantidade exportada em cada ano parece ter sido
quinze mil pipas, da seguinte maneira:

Para as ïndias Oridentais....................Pipas 5.500


Para Inglaterra................................... 4.500
Para as ïndias Ocidentais......................... 3.000
Para a América e levado por Americanos............ 2.000
15.000

O valor das exportaçöes, com algumas fruta e outros


artigos, pode ser calculado em 500.000 L., das quais mais de
400.000 L. referem-se á Grä-Bretanha e suas colónias, em troca
de produtos manufacturados e alimentos que atingem um valor de
cerca de 300.000 L. originando uma balança comercial favorável
à ilha de 100.000 Libras. A América fornece à Ilha de Madeira
serrada, alimentos salgados e cereais até um montante de 80.000
L. anualmente, o que é mais do que é importado para a Ilha por
Portugal da Europa, Brasil e Açores; e a totalidade de produtos
importados da Madeira pela Terra-mäe näo excede 10.000 L. Diz-se
que as receitas totais da Ilha, que consistem em um décimo da
produçäo e impostos sobre importaçäo e exportaçäo, atingem cerca
de 100.000 L., das quais depois de pagas as despesas das
instituiçöes civis, militares e eclesiásticas, säo atribuídas
30.000 L. à Coroa, embora o antigo governador assegurasse a Lord
Macartney que a quantia Líquida recebida pela Coroa de Portugal
raramente excedia oito ou dez mil libras.
Parecerá extraordinário, e eu näo me atreveria a mencionar
isto se näo houvesse a confirmaçäo de um senhor que está há 30
anos na Ilha, que täo grande quantidade de vinho fosse enviada
anualmente para a India e aí consumida (porque desta, menos de
300 pipas por ano regressam à Europa) e täo pouco seja importado
pela Inglaterra. Esta última situaçäo pareceria ser de menos
difícil explicaçäo que a primeira. Porque embora se possa supôr
que a quantidade consumida na Grä-Bretanha, sob o nome de
Madeira, seja, num cálculo minímo, equivalente ao total exportado
da Ilha ou mais do que três vezes do que é realmente importado.
Todavia, sabe-se bem que existem variedades de misturas com o
nome de Madeira, algumas das quais säo compostas de vinhos que
nunca tiveram a sua origem na ilha, como os de Tenerife, Lisboa
e Xerês. E no que diz respeito à ïndia, pode salientar-se que
embora aí seja reduzida a populaçäo de Ingleses e poucas pessoas
de outras nacionalidades bebam vinho Madeira, este e o vinho
tinto säo, no entanto, os únicos vinhos de consumo generalizado
tanto pelas autoridades como pelo exército, verificando-se que
o primeiro é abundantemente usado durante o jantar.
Este vinho tem a fama de possuir muitas qualidades
extraordinárias. Tenho ouvido dizer que se Madeira genuíno for
exposto a temperaturas muito baixas até ficar congelado numa
massa sólida de gelo e outra vez descongelado pelo fogo, se fôr
aquecido até ao ponto de fervura e depois deixado arrefecer ou
se ficar exposto ao sol durante semanas seguidas em barris
abertos ou colocado em caves húmidas näo sofrerá o minímo dano
apesar de sujeito a täo violentas alteraçöes. No entanto, os
vinhos que säo consumidos na Ilha constituem uma bebida grosseira
e pobre, a qual se comparada a um "London Particular" é täo
ordinária como uma cerveja ordinária comparada à de boa
qualidade.
A maneira mais vulgar de colocar as vinhas é por meio de
uma armaçäo feita em vimes, fixa a latadas com cerca de cinco pés
de altura; mas em alguns vinhedos elas säo postas por cima das
árvores ou de estacas altas; e noutros säo cortadas a uma altura
de dois ou três pés, como no Cabo da Boa Esperança. Em alguns
lugares, as colinas säo trabalhadas de modo a formar socalcos
(poios) com o objectivo de sustentar a terra através de paredes
de pedra. O modo de fabricaçäo do vinho é muito simples. As uvas
säo apanhadas, deitadas num tanque e espremidas primeiro com os
pés e depois pela pressäo de uma alavanca de madeira. O
proprietario da terra e o cobrador dos impostos da Coroa assistem
a esta operaçäo: este último tira da tina o décimo de mosto que
lhe corresponde, sendo depois dividido o restante entre o
proprietário da terra e o arrendatário. Cada um leva consigo um
número suficiente de carregadores para transportar as suas
respectivas partes, às vezes em barris, e às vezes em odres de
pele de cabra, para as adegas no Funchal. Os comerciantes
Ingleses geralmente fornecem antecipadamente dinheiro aos
agricultores de maneira a motivá-los para um cultivo mais
cuidadoso.
7.George-Thomas Staunton.1797

Publicado:

An Authentic Account of an embassy from the king of great Britain


to the emperor of China(...), Londres, vol.I, 1797, pp.69-71.
O principal produto da Ilha é a uva, da qual säo feitas
anualmente, em média, quase vinte e cinco mil pipas de vinho de
cento e vinte e cinco galöes cada. Metade deste é exportado para
Inglaterra, América do Norte e ïndias Orientais e Ocidentais. O
restante é consumido pelos habitantes da ilha, no seu estado
original ou como uma aguardente feita dele. A uva da Madeira é
branca e produz um sumo da mesma cor; mas há outras que produzem
um sumo com uma cor mais forte originando um vinho vermelho
chamado "Tinto", o qual, quando misturado com o primeiro em
pequena quantidade, serve para lhe dar um tom mais claro.
Há igualmente uma uva de cor vermelha, chamada "Bastarda",
cujo sumo é branco. Em raros solos é cultivada uma outra uva,
extraordináriamente rica e doce, da qual é produzido o célebre
vinho Malvasia. Deste, a quantidade média produzida diz-se
aproximar-se das quinhentas pipas e é vendido a cerca de sessenta
libras cada pipa. Do outro vinho que, por qualidades opostas, é
chamado Madeira seco, o preço mais alto cobrado, quando novo, a
comerciantes do artigo, raramente excede trinta e duas libras
cada pipa. A outras pessoas, normalmente näo habituadas aos
meandros do negócio, um preço superior é sempre pedido. Ao vinho
velho é feito um acréscimo de cinco xelins ou mais por pipa, por
cada ano que é conservado, o que equivale à quantidade perdida
se derramado, à evaporaçäo e aos juros do capital que permanece
näo empregue. O preço médio de qualquer qualidade de vinho é
pouco mais ou menos catorze libras, o que reduz o valor total de
exportaçöes muito abaixo de duzentas mil libras, parte do qual
serve para pagar produtos manufacturados da Grä-Bretanha, farinha
e peixe salgado da América e milho das ilhas ocidentais que
pertencem, do mesmo modo que a Madeira, à Coroa de Portugal.
Näo é raro os comerciantes da Madeira comprarem mercadorias
inglesas, com uma taxa de vinte e cinco por cento de lucro sobre
o preço original, indicado na factura dos produtos. Na realidade,
a factura é, algumas vezes, alterada na passagem entre a
Inglaterra e a Madeira e preços superiores säo acrescentados como
se tivessem sido pagos, na origem, por cada artigo. Esta prática
ilegal é täo divulgada que é dado o nome de "facturas de água
salgada" a esses preços alterados. No entanto, os consumidores
säo os únicos prejudicados, uma vez que o comerciante madeirense
faz geralmente o mesmo aumento proporcional, para além do que
paga, às mercadorias que tem para vender.
O governo de Portugal impöe um imposto sobre todas as
importaçöes para a Madeira, excepto alimentos, assim como também
sobre vinho exportado; e cobra, do mesmo modo, taxas internas.
No entanto, diz-se que o total líquido näo ultrapassa oito mil
libras, depois de todas as despesas civis e militares serem
pagas. Os lucros provenientes desta ilha säo, indubitávelmente,
mais consideráveis para a Grä-Bretanha do que para a sua Terra
mäe (Portugal), como consequência do comércio realizado entre
elas e da feitoria britânica aí estabelecida e que consiste,
presentemente, em mais de vinte casas comerciais e cujas fortunas
adquiridas se centram na Grä-Bretanha. As outras naçöes pouco
disputam aos Ingleses neste seu comércio com a Madeira. Mesmo os
Portugueses que tentaram competir com eles, raramente prosperaram
por terem, como se supöe, menos conhecimento comercial assim como
também, provávelmente, um capital e crédito mais pequenos e menos
ligaçöes com estrangeiros.
Os comerciantes Britânicos controlam, para seu interesse,
os cultivadores de vinha, fornecendo-lhes de antemäo tudo o que
eles necessitam, nos intervalos da vindima e nas estaçöes mais
baixas. Os seus negócios com os habitantes portugueses do Funchal
também devem ser intensos; exceptuando este facto, parecem näo
existir muitas relaçöes sociais entre eles.
8. Anónimo, 1801

Publicado:

A Guide to Madeira containing a short account of Funchal,


Londres, 1801, pp.12-20.
Na Madeira a vinha propaga-se mais através de mergulhias
do que através da semente. Antigamente era plantada com o arado
a uma profundidade muito semelhante àquela a que a vinha é
plantada presentemente em França, isto é, a uma profundidade de
12 ou 18 polegadas. Mas, neste primeiro periodo, o solo deve ter
sido muito mais rico; a sua natureza e os aspectos climáticos
determinaram a profundidade a que a vinha devia ser plantada,
como método mais apto para o seu desenvolvimento. É também
provável que as chuvas, nesse período, tenham sido mais
regulares, pois a ilha possuia entäo muita madeira. O caso é, no
entanto, agora muito diferente, pela pobreza do solo e as
frequentes secas. Assim, é necessário plantar a vinha a uma
profundidade de 3 a 6 pés. Esta é protegida da dureza do chäo,
no fundo da vala, por uma quantidade de terra solta colocada por
baixo.
Embora a vinha cresça em qualquer solo quando é prestada
atençäo à profundidade a que ela é plantada de acordo com a
natureza da terra, ela parece preferir mais um certo tipo de solo
do que outro.
Assim, um solo leve e arenoso ou com cascalho é preferível
a outro qualquer por permitir que as raízes se espalhem mais e
por fornecer alimento com facilidade em toda a extensäo da terra.
Ao contrário, um solo argiloso e duro, por se opôr ao seu
crescimento, é desfavorável na mesma proporçäo. Produz-se uma
grande variedade de uvas na Madeira, tais como a Negro Mole,
Verdelho, Boal, Bastardo, Preta, Boalerdo Branca, Babosa
Terrantez, Negrinha, Maroto, Casuda, Negrinha de Agua de Mel,
Lestrong Galija, Castelläo, Bringo, Malvasia, Malvasia Roxo,
Malvasiam, Sercial, Sercial Grosso, Tinta de Lisboa, Alicante
Preto, Alicante Branco, Ferral, Moscatel, Dedo de Dama, etc, etc,
etc. Mas se este grande número de qualidades fosse reduzido à
Negro Mole, à Verdelho e à Boal, os vinhos seriam certamente de
muito melhor qualidade.
A vindima na Madeira começa no início de Setembro... o
processo utilizado para fazer o vinho é extremamente simples.
Quando as uvas säo apanhadas, säo imediatamente colocadas dentro
da prensa, a qual é uma máquina de construçäo muito simples e näo
diferente do instrumento utilizado em Inglaterra para fazer
cidra. Ela consiste na "Paixa" ou reservatório, com o "Fuzo" ou
barra, e a "Vara" ou alavanca. A paixa é quadrada ou rectangular,
feita de madeira de castanheiro, com cerca de três pés de
espessura e suportada por três grandes vigas. A vara ou alavanca
atravessa o reservatório, estendendo-se nove ou dez pés para lá
da paixa, ligando-se na sua extremidade mais distante, onde
existe um parafuso fêmea, com o fuzo ou barra. A parte de cima
do fuzo é um parafuso macho, enquanto a parte que liga à alavanca
está presa, por meio de uma barra de ferro, a uma grande pedra,
cujo tamanho é proporcional ao da prensa. Quando as uvas que se
pretende espremer estäo todas colhidas e colocadas no reservató
rio, três, quatro ou mais trabalhadores entram nessa parte da
máquina e com os pés pisam as uvas até näo se conseguir tirar
mais sumo delas. O sumo é deixado correr para um recipiente
colocado debaixo da paixa, através de um buraco no seu meio ou
num canto, sobre o qual é geralmente colocado um cesto pequeno
que serve de peneira, de modo a impedir que as cascas, sementes
ou talos escapem. depois de espremidas ou pisadas uma vez, as
uvas esmagadas säo colocadas num monte, o qual é rodeado por uma
corda disposta à volta e cereado por tábuas ou bocados de
madeira, sendo depois colocado debaixo da alavanca a qual desce
sobre ele espremendo-o e deixando permanecer nesta situaçäo até
que o líquido cesse de correr. Depois a alavanca é levantada, as
tábuas e as cordas säo retiradas, a massa é partida aos pedaços
por instrumentos algo semelhantes a enxadas e depois säo
novamente espremidas ou pisadas e outra vez sujeitas à operaçäo
da alavanca. Este processo é mesmo repetido uma terceira vez, com
o objectivo de obter da uva uma maior quantidade de vinho; e, por
fim, uma quarta vez, com afinalidade de obter a Agua-Pé. No
entanto, nesta quarta ou última vez, quando a massa é partida,
está täo seca como um bocado de madeira e, por isso, antes de a
pisar, é necessário juntar-lhe uma quantidade de água na
proporçäo de dois barris para cada pipa de sumo que tenha sido
obtida. Assim, se doze barris de vinho ou sumo foram obtidos, säo
adicionados dois de água. A massa utilizada para obter a "Agua-
Pé" é normalmente colocada sobre pressäo à noite, ficando nesta
posiçäo até à manhä seguinte, quando a "Agua-Pé" é retirada e
colocada em cascos para uso imediato.
O modo de fazer o vinho Tinto a partir da uva escura
chamada Negra Mole e da Verdelho é um pouco diferente, pois as
uvas passam apenas por uma pressäo da alavanca e säo depois
escorridas por uma peneira comum, a qual permite que as cascas
e as sementes também passem, ficando para trás só os talos. Tudo
isto é posto num tanque aberto e mexido três ou quatro vezes por
dia durante cerca de duas semanas e, quando a fermentaçäo tiver
acabado, é deitado em cascos. O tratamento do mosto ou vinho näo
fermentado é também simples. É retirado do casco que o recebeu
no mesmo dia em que foi espermido e posto noutro de modo a se
proceder à fermentaçäo. Com bom tempo, a fermentaçäo começa quase
imediatamente, a qual se nota pela subida do líquido e por fazer
expelir uma quantidade considerável de ar ou gás ácido carbónico;
mas com tempo húmido ou frio, este processo é de certo modo mais
lento. Em qualquer lugar onde as uvas, quando apanhadas, estejam
adequadamente maduras, a fermentaçäo é rápida e o vinho fica bom.
A efervescência geralmente termina dentro de cerca de um mês ou
seis semanas, ou talvez antes; mas continua ainda um certo grau
de fermentaçäo, especialmente no caso de vinhos mais ricos.
Para clarear o vinho Madeira mistura-se, geralmente, uma
espécie de gipsita de alabastro chamado gesso, trazida
principalmente de Espanha. Esta mistura é mexida duas vezes por
dia até começar a ter um cheiro a vinho e o gás ácido carbónico
se evaporar. Este processo de clareamento é, na Madeira, a última
parte do processo de manufactura do vinho, näo sendo obrigatório
nada mais, a näo ser separá-lo da borra, o que geralmente é feito
por volta do início do ano. Os vinhos do norte da ilha e aqueles
de algumas das terras mais altas na "Serra", podem fermentar nos
cascos, sem nenhum outro cuidado ou sem ser necessário juntar
qualquer coisa mais. Da variedade de uvas encontradas na Madeira,
podia-se concluir que haveria uma correspondente variedade de
vinho e, na realidade, de cada espécie particular de uvas
mencionada, um tipo particular de vinho pode ser obtido. Todavia,
as diferentes uvas säo geralmente misturadas quando se faz o
vinho Madeira, excepto as uvas Malvasia e Sercial. As primeiras
produzem um vinho considerado superior a qualquer vinho doce; e
as últimas um outro, superior a qualquer vinho seco, muito
estimado pela sua raridade e pelo seu sabor distinto. Também a
uva "Tinta" produz um vinho de caracteristicas análogas ao vinho
da Borgonha, mas é geralmente misturado com os outros vinhos.
Säo produzidas anualmente uma média de 25 a 30.000 pipas
de vinho na Madeira. Metade delas é exportada e a outra metade,
e às vezes mais, é consumida na ilha. Este vinho é considerado
superior a qualquer dos vinhos do sul e certamente contém uma
proporçäo maior de sacarina, de álcool e de aroma que qualquer
um deles. No entanto, o aroma näo se terá desenvolvido
adequadamente nem o vinho terá adquirido o seu grau próprio de
qualidade até que tenha perdido alguma da sua aspereza e acidez,
pela aplicaçäo regular, durante um periodo de tempo, de um certo
grau de calor e movimento que se obtém permitindo-lhe adquirir
uma certa idade na Madeira ou transportando-o para um clima mais
quente e deixando-o por lá um período mais longo ou mais curto.
Daqui surgiu a prática de dar a tais vinhos, como säo destinados
ao consumo Inglês, uma viagem às ïndias Ocidentais, ou à volta
das ïndias Orientais, China e Brasil, e ocasionalmente
permitindo-lhes permanecer num desses climas por alguns anos
antes de serem enviados para Inglaterra. O comerciante,
geralmente, despacha tais vinhos, quando os tem em seu poder, a
bordo de grandes navios quase cheios de carga, e se colocado no
fundo do poräo, considera-se que o vinho, se torna ainda melhor.
Na realidade, deve admitir-se que os melhores vinhos madeirenses
säo os que foram submetidos a tais viagens.
9.Thomas Edward Bowdich.1823

Publicado:

Excursions in Madeira and Porto Santo during the Autumn of 1823,


while on his third voyage to Africa, London, 1825;
Excursions dans les isles de Madère et de Porto-Santo, Faites
dans l'Automne de 1823, pendant son troisième voyage en Afrique,
Paris, 1826, pp.107-112.
A variedade de vinhas na Madeira näo tem fim; se ouvir os
cultivadores, näo há dois que concordem em dar o mesmo nome à
menos importante. Eu näo tive oportunidade de ver o fruto, mas
examinei as folhas das únicas variedades que o cultivador pensa
valer a pena separar, colhendo-as de diferentes plantaçöes e
comparando-as cuidadosamente para näo me enganar nos nomes o que
pode acontecer com muita facilidade se näo tomarmos esta
precauçäo. (Os sumos do "verdelho", "negro mole", "bastardo",
"bual" e "tinta" säo geralmente misturados" para) produzir o
melhor vinho da Madeira, ou seja, aquele que se obtem na parte
sul da ilha, cujo sabor muito deve às duas últimas qualidades de
uva acima referidas. Da "tinta", quando produzida sem mistura,
resulta um vinho muito semelhante ao Borgonha, tanto em cor como
em sabor, enquanto novo, sendo todavia muito mais macio. Se se
mantiver cerca de dois anos na pipa, torna-se bastante parecido
ao Porto de tonalidade aloirada e, ao fim de vinte anos, näo se
distingue, na cor ou no sabor, do rico Madeira velho. É o único
vinho tinto feito na ilha e fermenta com cascas de uva de modo
a fixar-lhe a cor. Sendo engarrafado mais cedo mantém, durante
mais tempo, as características do Borgonha, mas corre o risco de
vir a apresentar mau sabor no caso de formaçäo de depósito. Os
vinhos mais claros como o "verdelho" puro ou vinho do norte
adquirem uma tonalidade de âmbar com a idade, ao passo que
aqueles cujas cascas determinam certa cor ao sumo durante o
esmagamento tornam-se mais leves com a idade. O "sercial",
segundo se diz, resulta de uma uva do Reno, importada da Europa.
Näo posso pronunciar-me sobre isto pois näo disponho de uma
descriçäo deste tipo de uva, mas espanta-me que embora o
"sercial" seja um vinho seco, o produto dessa uva consiga atingir
idade (para ser transportado). Há pelo menos três qualidades de
Malvasia: A Cadel ou Cândida é a melhor, mas produz-se pouco;
a "babosa" e a "malvasion" produzem-se com facilidade mas a
última é muito inferior. A fermentaçäo da malvasia é verificad
mais cedo do que a dos outros vinhos, para que fique mais doce.
O melhor solo para a vinha é o "saibro" (argiloso) ou uma
igual mistura de "saibro" e "pedra mole" (areäo), ou de tufo
calcário vermelho e amarelo; o último, por ser muito leve e
solto, seria arrastado pelas chuvas se näo fosse misturado com
outro tipo de solo. Quantidades iguais de "saibro", "pedra molle"
e "massapes" (massapês ou massapé), que é uma terra argilosa,
parecem ser preferíveis em situaçöes muito secas e eu já vi
camadas só de "pedra molle" à volta das raízes das vinhas em
locais invulgarmente húmidos. Claro que os cultivadores mais
pobres säo obrigados a se contentar com o solo que encontram no
local, mas quando este é argiloso, misturam areia (cinza
vulcânica antes mencionada) com ele e considera-se que a vinha
resiste mais tempo neste solo do que em qualquer outro. Diz-se
que dura sessenta anos neste solo se fôr plantada em locais
suficientemente espaçosos. Cavado o solo, as valas säo feitas com
uma profundidade de quatro a sete pés, de acordo com a natureza
do solo e uma quantidade de terra solta ou com pedras é colocada
no fundo, para impedir as raízes de alcançar o solo argiloso duro
por baixo, que se oporia ao seu crescimento. Eles regam o solo
três vezes se o Veräo fôr muito seco, deixando que a água corra
até que o solo fique bem ensopado; quanto menos o solo fôr
regado, mais forte será o vinho, mas a quantidade diminui em
proporçäo. Alguns cultivadores deitam estrume de vaca nas raízes
das vinhas quando as plantam, e quando o vinho se torna pobre,
misturam uma quantidade fresca de estrume com o solo à
superfície; outros consideram que o adubo animal prejudica o
sabor da uva e em vez disso espalham o "lupinus perennis" entre
as vinhas; eles fazem isto em Janeiro de dois em dois anos,
cortam-no e enterram-no, revolvendo a superfície do solo, depois
das pequenas chuvas que predominam durante cerca de dez dias no
fim de Abril. Um acre Inglês produzirá quatro pipas de vinho em
circunstâncias muito favoráveis; mas uma pipa parece ser a
quantidade média, tendo em consideraçäo as plantaçöes de vinha
em toda a ilha. A vinha propaga-se por mergulhia e eles
preferem o "verdelho" do norte quando formam uma plantaçäo na
parte sul da ilha, pois ele melhora consideravelmente com o solo,
clima e aspecto melhores; nesta, enxertam qualquer outra
variedade que desejem: as uvas produzem vinho até ao quarto
ano. As hastes do "arundo Sagittata" (cuja ramagem serve para
alimentar gado), säo usadas para fazer armaçöes para suportar as
vinhas na parte sul da ilha, e a "salix rubra" é utilizada para
as amarrar a esta latada. No norte da ilha, as vinhas säo
colocadas à volta dos castanheiros, sendo necessário este suporte
mais firme devido aos fortes ventos que lá prevalecem; mas eles
esquecem-se geralmente de cortar os ramos, os quais impedem que
o sol chegue à vinha e ela, evidentemente, enfraquece no solo
vegetal, natural para o castanheiro. Se uma camada de leve solo
silicioso, que o tufo calcário contíguo forneceria, fosse deitado
sobre a terra vegetal, ambas as árvores floresceriam de modo
igual.
Na Madeira as vinhas däo fruto até à altitude de 2700 pés,
mas näo pode ser feito vinho deles; a altura máxima a que elas
säo hoje em dia cultivadas com esta finalidade é no vale do
Curral das Freiras que fica a 2080 pés acima do mar. Há muita
controvérsia acerca do melhor momento para podar as vinhas; uns
preferem Fevereiro, outros meados de Março; depende, principal
mente, da sua previsäo sobre o tempo quando a floraçäo tiver
lugar, o que será entre seis semanas e dois meses depois da poda.
Quanto ao tratamento dos vinhos, eu observei que o produto de um
ano tem frequentemente que ser tratado de modo muito diferente
do de outro ano. Quando as uvas estäo verdes, a fermentaçäo deve
ser verificada; quando estäo húmidas devido às chuvas fora de
estaçäo, ela tem que ser ajudada; de modo geral, quanto mais
maduro o fruto, mais difícil é a fermentaçäo. Faz-se, na ilha uma
bebida alcoólica muito agradável a partir de uma segunda vez em
que a uva é espremida (sendo a primeira só com os pés), na qual
se deita imediatamente uma quantidade de aguardente para impedir
a fermentaçäo e produzir uma bebida doce. O gesso é, geralmente,
muito utilizado para clarear e amadurecer os vinhos enquanto se
formam, a näo ser que aconteça serem de uma safra verde. A
importaçäo de aguardente estrangeira está agora proibida, e mesmo
a que é feita agora em Portugal está sujeita a um imposto,
chegando a uma proibiçäo; ela é feita do vinho do norte e da
borra de outros. No tempo da guerra, todas as casas eram
obrigadas a amadurecer os seus vinhos nos fornos pois näo
guardavam reservas: aqueles que fadoce.
O melhor solo para a vinha é o "saibro" (argiloso) ou uma
igual mistura de "saibro" e "pedra molle" (areäo), ou de tufo
calcário vermelho e amarelo; o último, por ser muito leve e
solto, seria arrastado pelas chuvas se näo fosse misturado com
outro tipo de solo. Quantidades iguais de "saibro", "pedra molle"
e "massapes" (massapês ou massapé), que é uma terra argilosa,
parecem ser preferíveis em situaçöes muito secas e eu já vi
camadas só de "pedra molle" à volta das raízes das vinhas em
locais invulgarmente húmidos. Claro que os cultivadores mais
pobres säo obrigados a se contentar com o solo que encontram no
local, mas quando este é argiloso, misturam areia (cinza
vulcânica antes mencionada) com ele e considera-se que a vinha
resiste mais tempo neste solo do que em qualquer outro. Diz-se
que dura sessenta anos neste solo se fôr plantada em locais
suficientemente espaçosos. Cavado o solo, as valas säo feitas com
uma profundidade de quatro a sete pés, de acordo com a natureza
do solo e uma quantidade de terra solta ou com pedras é colocada
no fundo, para impedir as raízes de alcançar o solo argiloso duro
por baixo, que se oporia ao seu crescimento. Eles regam o solo
três vezes se o Veräo fôr muito seco, deixando que água corra até
que o solo fique bem ensopado; quanto menos o solo fôr regado,
mais forte será o vinho, mas a quantidade diminui em proporçäo.
Alguns cultivadores deitam estrume de vaca nas raízes das vinhas
quando as plantam, e quando o vinho se torna pobre, misturam uma
quantidade fresca de estrume com o solo à superfície; outros
consideram que o adubo animal prejudica o sabor da uva e em vez
disso espalham o "lupinus perennis" entre as vinhas; eles fazem
isto em Janeiro de dois em dois anos, cortam-no e enterram-no,
revolvendo a superfície do solo, depois das pequenas chuvas que
predominam durante cerca de dez dias no fim de Abril. Um acre
Inglês produzirá quatro pipas de vinho em circunstâncias muito
favoráveis; mas uma pipa parece ser a quantidade média, tendo em
consideraçäo as plantaçöes de vinha em toda a ilha. A vinha
propaga-se por mergulhia e eles preferem o "verdelho" do norte
quando formam uma plantaçäo na parte sul da ilha, pois ele
melhora consideravelmente com o solo, clima e aspecto melhores;
nesta, enxertam qualquer outra variedade que desejem: as uvas näo
produzem vinho até ao qaurto ano. As hastes do "arundo sagittata"
(cuja ramagem serve para alimentar o gado), säo usadas para fazer
armaçöes para suportar as vinhas na parte sul da ilha, e a "salix
rubra" é utilizada para as amarrar a esta latada. No norte da
ilha, as vinhas säo colocadas à volta dos castanheiros, sendo
necessário este suporte mais firme devido aos fortes ventos que
lá prevalecem; mas eles esquecem-se geralmente de cortar os
ramos, os quais impedem que o sol chegue à vinha e ela,
evidentemente, enfraquece no solo vegetal, natural para o
castanheiro. Se uma camada de leve solo silicioso, que o tufo
calcário contíguo forneceria, fosse deitado sobre a terra
vegetal, ambas as árvores floresceriam de modo igual.
Na Madeira as vinhas däo fruto até à altitude de 2700 pés,
mas näo pode ser feito vinho deles; a altura máxima a que elas
säo hoje em dia cultivadas com esta finalidade é no vale do
Curral das Freiras que fica a 2080 pés acima do mar. Há muita
controvérsia acerca do melhor momento para podar as vinhas; uns
preferem Fevereiro, outros meados de Março; depende, principal
mente, da sua previsäo sobre o tempo quando a floraçäo tiver
lugar, o que será entre seis semanas e dois meses depois da poda.
Quanto ao tratamento dos vinhos, eu observei que o produto de um
ano tem frequentemente que ser tratado de modo muito diferente
do de outro ano. Quando as uvas estäo verdes, a fermentaçäo deve
ser verificada; quando estäo húmidas devido às chuvas fora de
estaçäo, ela tem que ser ajudada; de modo geral, quanto mais
maduro o fruto, mais dificil é a fermentaçäo. Faz-se, na ilha uma
bebida alcoólica muito agradável a partir de uma segunda vez em
que a uva é espremida (sendo a primeira só com os pés), na qual
se deita imediatamente uma quantidade de aguardente para impedir
a fermentaçäo e produzir uma bebida doce. O gesso é, geralmente,
muito utilizado para clarear e amadurecer os vinhos enquanto se
formam, a näo ser que aconteça serem de uma safra verde. A
importaçäo de aguardente estrangeira está agora proibida, e mesmo
a que é feita agora em Portugal está sujeita a um imposto,
chegando a uma proibiçäo; ela é feita do vinho do norte e da
borra de outros. No tempo da guerra, todas as casas eram
obrigadas a amadurecer os seus vinhos nos fornos pois näo
guardavam reservas: aqueles que faziam isto por si próprios,
aumentavam gradualmente o calor de cerca de 60 até 90 graus;
outros que os confiavam a fornos públicos, achavam, geralmente,
que havia falta de cuidado até ao último momento e depois acabava
tudo por ferver
10. Alfred Lyall(?).1826

Publicado:

Rambles in Madeira, and Portugal, in the early part of MDCCCXXVI,


Londres, 1827, pp.155-156.
Importa-se madeira incluindo tábuas para barris, sobretudo
da América. Diz-se que os barris da Madeira säo os melhores do
mundo; säo todos feitos na ilha e os tanoeiros formam uma
corporaçäo que tem privilégios especiais. Säo os únicos
trabalhadores autorizados a exercer a sua actividade na rua.
O modo de cultivo e fabricaçäo dos vinhos da Madeira tem
sido frequentemente discrito; e, geralmente, com bastante
pormenor. O relato que se segue é extraído das obras de Messrs.
Gourlay, Henderson, e Bowdich; mas os detalhes foram, na sua
maioria, verificados por inquéritos pessoais feitos no local. As
melhores qualidades de uvas säo as chamadas Boal, Sercial,
Verdelho, Negra Mole, Malvasia; elas reproduzem-se através do
corte de partes de videiras adultas, plantadas em buracos cavados
a uma profundidade de três a sete pés. O modo usual de colocar
as vinhas nas plantaçöes do sul é em armaçöes quadradas ou
latadas, feitas da cana comum e a dois ou três pés acima do chäo.
No norte da ilha, säo colocadas por cima das árvores. A vindima
começa no início de Setembro. As uvas säo primeiro esmagadas com
os pés numa tina feita de madeira ou escavada na rocha; e o sumo
assim espremido é dsitinguido como "vinho da flor"; as uvas
esmagadas säo entäo reunidas e colocadas num rolo dentro de um
acorda espessa, feita dos rebentos da vinha entrelaçados e
sujeitas várias vezes à prensa, para que se obtenha a segunda
qualidade de "mosto". Esta é normalmente misturada com a anterior
e mudada no mesmo dia para cascos para fermentar. A rapidez da
fermentaçäo depende, em parte, da temperatura do tempo e também
da boa amturaçäo da uva. A reacçäo mais intensa geralmente dura
cerca de um mês ou seis semanas; mas verifica-se a continuaçäo
de um certo grau de fermentaçäo, particularmente nas qualidades
mais ricas de vinho. A bebida é clareada por um tipo de gesso
importado de Espanha; esta é a última parte do processo. Por
volta do início do ano, o vinho é trasfegado da borra.
No caso do vinho tinto feito da uva preta chamada Negra
Mole, as uvas säo apenas esmagadas uma vez por pressäo e depois
o sumo é escoado através de uma peneira que permite que passem
as cascas e as sementes, ficando para trás os calos; tudo isto
é vertido numa tina aberta e mexido três a quatro vezes por dia,
até que a fermentaçäo acabe, sendo entäo trasfegado para barris.
Ao fazer o vinho branco, os diferentes tipos de castas säo
geralmente misturados, excepto a Malvasia ou "Malmsey" e a
Sercial. A primeira destas é geralmente deixada amadurecer mais
um mês do que qualquer outra até que a casca comece a murchar.
A sercial só vinga em lugares especiais. A quantidade produzida
raramente atinge cinquenta pipas por ano.
Normalmente deita-se uma certa quantidade de aguardente,
cerca de dois galöes por pipa ou mais, nos vinhos para
exportaçäo, com excepçäo, julgo, do Tinto. Também no tempo da
guerra, por causa da grande procura, os comerciantes eram
incapazes de manter qualquer reserva à disposiçäo, era vulgar
amadurecer o vinho em fornos, elevando a temperatura gradualmente
de 60 a 100 graus. E eu acredito que é ainda usual submeter uma
parte da produçäo a esta operaçäo com temperatura artificial. O
amadurecimento do vinho é assim, sem dúvida, acelerado, mas pondo
de certo modo em causa a delicadeza do seu sabor.
A quantidade média de produto por toda a ilha é uma pipa
por acre, embora nalguns casos quatro pipas tenham sido
produzidas no mesmo espaço.
O vinho do norte é geralmente muito inferior; o único de
agradável consumo é o do Porto da Cruz. É quase todo consumido
na ilha ou transformado em aguardente. Há cerca de doze
destilarias. Três pipas de vinho fazem uma de aguardente.
O preço do Madeira seco, no momento, é quarenta e cinco
libras por pipa. O do Sercial, Boal, Tinta e Malvasia é quase o
dobro, custando cada um oitenta e seis libras por pipa.
A cana de açúcar foi enviada para a ilha pelo Infante D.
Henrique, vinda da Sicília. O primeiro açúcar foi feito na
capitania de Machico e a uva Malvasia vingou primeiro aí.
Os vinhos da Madeira estäo, sem dúvida, entre os melhores
do mundo. Talvez devido à combinaçäo das qualidades de riqueza,
consistência e sabor, acrescidas a uma grande imunidade aos danos
provocados pelo tempo ou exposiçäo e näo há cultura intensa que
possa ser considerada superior a eles. Seria de todo desnecessá
rio entrar em muito detalhe num assunto täo familiar para nós.
No entanto, as melhores espécies da Madeira näo säo vistas em
Inglaterra de modo täo comum como se poderia esperar: a Malvasia
que combina tanta força, doçura e suavidade; o Tinto, um
agradável vinho de côr vermelha, com um sabor a Hermolen, o mais
leve da produçäo Madeirense; o Boal, uma uva mais rara que se diz
ser originária da Borgonha; e sobretudo o Sercial, um dos mais
deliciosos que jamais bebi - combinando a riqueza normal do sabor
do Madeira com uma estimulante leveza comparável à do espírito
que atinge tudo o que é desejável; diz-se que esta uva é
originária de Hockheim; se assim é, melhorou eztraordináriamente
com a emigraçäo.
Todos estes vinhos säo produtos da costa sul da ilha. Os
do norte säo muito inferiores em qualidade e säo geralmente
notáveis pela sua acidez a qual, acrescida ao sabor insípido, os
torna pouco agradaveis. De vez em quando encontrei uma espécie
melhor, particularmente na produçäo do Porto da Cruz; um vinho
levemente ácido, de modo algum desagradável, embora muito
diferente da nossa noçäo corrente do Madeira.
11. James Holman.1827

Publicado:
Travels in Madeira(...), Londres, vol.I, 1840, pp.16-23.
Sei que o contrabando é uma prática täo corrente nesta ilha
que näo há nenhuma dificuldade em obter qualquer artigo proibido
que se deseje. Entre os mais comuns estäo a aguardente Francesa
e a genebra Holandesa. Continuou-se a fazer contrabando do
primeiro destes artigos, em grande quantidade, durante algum
tempo depois da proibiçäo de bebidas alcoólicas, porque se
considerava ser a melhor bebida alcoólica que se podia utilisar
e por se recear que os vinhos näo conseguissem manter as suas
características sem ela. No entanto, a experiência mostrou-lhes
que näo só podem deixar de usar a aguardente Francesa mas também
que a aguardente feita na ilha adapta-se muito melhor à sua
finalidade.
Foi feita uma extensiva confiscaçäo de genebra durante a
nossa curta estada na Madeira, sob as seguintes circunstâncias:
Um barco partiu, dirigindo-se a um navio Holandês, na mesma noite
em que este deixou o porto, o que, sem dúvida, foi previamente
combinado, e trouxe 300 caixas de genebra, que desembarcou na
costa noroeste da ilha. Ficou lá durante esse dia e continuou,
na penumbra da noite seguinte, em direcçäo à cidade do Funchal.
Mas, durante a viagem, fez um rombo e teria afundado se näo fosse
a ajuda de um barco de pesca que estava perto, na altura. Os
pescadores foram facilmente subornados de modo a ajudarem os
contrabandistas a desembarcar e a colocar a carga ilícita numa
caverna na Baía do Padre, um pouco a oeste do Funchal. No
entanto, no dia seguinte, um incidente de muito má sorte revelou
tudo o que se passou. Um casal de namorados resolver fazer uma
excursäo do Funchal a Câmara de Lobos, e, deixando o primeiro
lugar num pequeno barco, desembarcaram, na devida altura, na Baía
do Padre. Näo tinham andado muito quando descobriram a caverna
e, tentados pela sua frescura e pela sua situaçäo solitária,
entraram nela. Para sua surpresa, viram um homem deitado numa
parte mais recuada do seu interior. Como parecia que ele estava
a dormir muito profundamente, aventuraram-se a olhar mais para
dentro, quando repararam no grande número de caixas colocadas num
canto escuro. E, suspeitando que tinham sido ali colocadas para
fugir à vigilância dos funcionários da alfândega, comunicaram
imediatamente o facto a algumas pessoas na Alfândega, na
esperança de serem recompensados pelo seu zelo. O pessoal da
Alfândega, que provavelmente já estava ao corrente da situaçäo,
näo pareceu muito ansioso em interferir, e disse aos informadores
desapontados que podiam levar algumas caixas para eles próprios
e näo dizer mais nada acerca do assunto. No entanto, pouco tempo
depois, o caso chegou aos ouvidos do Governador, que mandou
imediatamente um grupo militar para confiscar o depósito ilícito,
cujo conteúdo foi demonstrado pelo potente efeito que teve nos
soldados.
(.....)
Uma vez que o vinho é de importância vital para a
prosperidade da ilha, exige, desde logo, a atençäo de um
estrangeiro. Prevalece uma espécie de controvérsia, com melhores
razöes de um lado do que de outro, acerca das correspondentes
qualidades dos vinhos produzidos nos lados norte e sul da ilha,
segundo a qual os vinhedos do lado norte sofreram o que parece
ser uma censura indiscriminada e pouco sensata. A Verdelho é a
uva mais cultivada no lado norte, a uqal os cultivadores com mais
experiência usam para produzir o mais forte e estimado dos seus
vinhos; e quando atinge a crescimento dos vinhedos do sul, é tida
na mais alta estima. No entanto, temos que admitir que o clima
do norte é desfavorável para a uva, e que a maior parte dos
vinhos desse lado só servem para serem destilados. A causa disto
pode relacionar-se com uma variedade de circunstâncias, tais como
a marcada diferença do solo e localizaçäo, e o modo de cultivo,
colocando-se as vinhas sobre as árvores, enquanto que no lado sul
é praticado um sistema mais aprovado que consiste em colocar as
uvas sobre uma latada horizontal, levantada a dois ou três pés
do chäo. Ela suporta a planta e permite que o fruto fique bem
exposto à influência do sol. Uma maior superioridade de sabor é,
sem dúvida, assim obtida. No lado norte, as uvas säo todas da
qualidade branca, enquanto no sul há uma grande variedade, mas
principalmente de qualidade vermelha, da qual se diz que o melhor
vinho é feito. os afamados vinhedos de Malvasia e Sercial ficam
para os lados do extremo oeste da parte sul. Produz-se apenas uma
quantidade muito pequena de vinho neste local, tanto de primeira
qualidade, como de qualquer valor como vinho característico, pois
na parte mais a este desta localizaçäo há uma constante corrente
de água precepitando-se dos cumes das rochas, que muito deteriora
o valor das plantaçöes sobre as quais a sua influência se
estende. A prática de apanhar as folhas da vinha para permitir
que o calor favorável do sol chegue ao fruto, como também uma
livre circulaçäo de ar, tem sido considerada muito benéfica para
levar o fruto à perfeiçäo. Este processo traz outros lucros ao
cultivador, pois as folhas formam um alimento excelente para
engordar gado destinado a abate, dando também à carne um sabor
delicado e delicioso.
De modo geral, os vinhos da Madeira podem ser divididos em
três denominaçöes e podem ser assim descritos:
Tinto é um vinho vermelho, o produto da uva de Borgonha
transplantada para a Madeira. Bebe-se em perfeiçäo no segundo e
terceiro anos, antes de ter depositado o seu conteúdo extractico,
uma vez que depois disto torna-se um vinho Madeira, com a
consistência total e com a cor e o sabor normais.
Sercial é o produto da uva de Hock: um vinho pálido,
activo e com um sabor muito forte. Näo deve ser bebido com menos
de sete anos e necessita de muitos mais anos para atingir a
perfeiçäo.
Malvasia, quando genuíno, é um vinho rico e altamente
fortificante. Há uma variedade deste vinho que se chama Malvasia
verde, que possui alguma semelhança com o «Frontignan».
A primeira qualidade do vonho Madeira é, certamente, igual
à melhor produçäo da uva em qualquer parte do mundo pelo seu
sabor aromático e efeitos benéficos. Por isso, é muito lamnetável
que uma quantidade täo pequena deste vinho, no seu estado puro,
seja enviada para os mercados estrangeiros e que a sua qualidade
seja sacrificada pelas especulaçöes sórdidas de comerciantes sem
princípios. Consumidores de vinho em Inglaterra säo muitas vezes
enganados pela ideia de que uma viagem às ïndias Orientais ou
Ocidentais é suficiente para garantir a excelência do vinho. Mas
isto é uma falácia obvia, pois, se o vinho näo fosse de boa
qualidade quando exportado da ilha, mil viagens näo o poderiam
tornar no que nunca tinha sido. Todos os comerciantes na Madeira
sabem bem que uma grande parte dos vinhos assim exportados säo
de uma qualidade inferior, e säo adquiridos em troca de géneros
por pessoas geralmente conhecidas como comerciantes por troca.
Posso aqui referir, com uma observaçäo geral, que os bons
vinhos Madeira säo igualmente melhorados pelos extremos do calor
ou do frio e que a humidade é sempre prejudicial para eles.
Ultimamente introduziu-se na Madeira vinhas de Borgonha.
Está muito errada a opiniäo corrente segundo a qual os vinhos de
Tenerife e dos Açores säo para aqui trazidos para lhes dar o
sabor do Madeira, sendo depois enviados para os mercados
estrangeiros como produçäo da ilha. Embora o contrabando seja
abertamente realizado e em tais dimensöes que devia destruir uma
opiniäo täo falaz, qualquer pessoa que se relacione com esta ilha
deve estar consciente da completa impossibilidade de introduzir
vinhos estrangeiros com a finalidade de os exportar outra vez
como produçäo da ilha; em primeiro lugar porque todos os
habitantes quereriam resistir a tal tentativa, com a certeza de
que a introduçäo actuaria contra os seus próprios interesses, e
pelo receio óbvio de que a maior quantidade e a qualidade
inferior dos vinhos adulterados prejudicariam o carácter e
reduziriam o preço do seu próprio vinho.
Além disso, o grande aumento que causaria na quantidade
enviada para fora da ilha, tornaria muito difícil aos especulado
res de vinhos falsificados evitar serem descobertos. É, por isso,
muito mais razoável supor que as misturas têm lugar nos mercados
para onde o vinho é enviado. A sua grande procura tenta as
pessoas relacionadas com o tráfico a entrarem numa fraude que tem
tido o efeito de tanto deteriorar os vinhos materialmente que,
por fim, eles começaram a perder o seu antigo carácter, a sair
de moda, e, consequentemente, a diminuir na procura, bem como no
preço. Sabe-se que este sistema de misturar diferentes vinhos
para aumentar a quantidade de um vinho favorito, prevalece, em
grande número, nos de França e Portugal. Os Claretes do mercado
de Londres säo principalmente preparados para esse fim, e, na
viagem, perdem muito da natureza pura da produçäo original. E a
quantidade de Porto adulterado que é vendido em Inglaterra é
quase inacreditável. É também um facto bem sabido que há mais
Tokay vendido no continente e em Inglaterra durante um ano, do
que o espaço limitado onde é produzido - as montanhas da Hungria
- poderia produzir em vinte anos.
Mas, independentemente desta viciaçäo a que os vinhos estäo
sujeitos, há também uma outra causa para a qualidade inferior
daqueles vinhos que constituem a verdadeira produçäo das ilhas.
Alguns Ingleses e outros estrangeiros, de uma classe muito
diferente da dos respeitáveis comerciantes Ingleses que há já
muito tempo aqui se estabeleceram, dedicam-se à exportaçäo de
vinhos em vez de tratarem do negócio que originalmente
estabeleceram na ilha. Eles pensaram que se tornaria proveitoso
comprar vinhos baratos e, claro, inferiores, com a finalidade de
os enviarem para os mercados Europeus, com a convicçäo de que
tudo o que fosse conhecido como produçäo genuína da Madeira seria
vendido. Através deste método para aumentar o seu negócio, chegou
ao estrangeiro a pior espécie do produto nativo e tomou o lugar
da melhor. Claro que há uma grande variedade de qualidades; mas
näo há qauntidade de vinho de primeira qualidade superior ao que
é necessário para dar sabor aos seus vinhos inferiores; e só
adaptando-os a essa finalidade é que seriam capazes de prover uma
quantidade suficiente para a enorme procura nos vários mercados
que têm que abastecer.
Pode-se observar pela seguinte tabela sobre a exportaçäo
de vinho da Madeira, que a procura diminuiu rápidamente em 1825,
6 e 7, devido às causas acima mencionadas.

meses

1825

1826

pipas de 110
gal.
barril
de 55
q.c. de
4 27,5
0,5
q.c.
de
15
pipas
medida
velha
barril
Q.C.
0,5
q.c.

Janeiro
1367
1
0
0
1092
1
1
1

Fevereiro
751
1
0
1
420
1
1
1

Março
1915
1
0
0
905
1
1
1

Abril
2463
0
1
0
777
1
1
1

Maio
1252
1
1
0
1826
1
1
1

Junho
1112
1
1
0
866
0
0
1

Julho
1329
1
1
1
488
1
0
1

Agosto
677
1
0
0
978
1
0
0

Setembro
741
0
0
1
317
0
0
1

Outubro
1338
1
1
0
730
1
1
1

Novembro
881
1
1
0
703
1
0
1

Dezembro
599
0
0
1
289
1
0
0

14 425
9
7
4
9 391
10
6
9
meses

1827

Pipas
Barris
Q.C.
0,3 Q.C.

Janeiro
371
1
0
1

Fevereiro
573
0
0
0

Março
252
0
1
1

Abril
958
1
1
1
Maio
1539
0
1
0

Junho
535
0
1
1

Julho
567
1
1
0

Agosto
279
0
1
1

Setembro

Outubro

Novembro
Dezembro

5274
3
6
5
12.John Driver.1834

Publicado:

Letters from Madeira in MDCCCXXXIV(...), Londres, 1850, pp.71-75


Näo consigo deixar de lhe explicar agora (embora näo tenha
espaço para lhe dar muita da informaçäo que coligi sobre este
assunto) a razäo porque os vinhos da Madeira caíram, nos últimos
anos, (e sem dúvida com justiça) em täo má reputaçäo em
Inglaterra. Nenhum paíz produz vinhos melhores que os da Madeira,
mas a quantidade relativa a esta classificaçäo está limitada a
cerca de 6.000 pipas anuais enquanto o produto total da ilha é
de cerca de 30.000 pipas. Durante o tempo de guerra, que acabou
em 1814, a procura de vinhos era muita, devido ao grande número
de navios que por aqui passavam; de tla modo que os de melhor
qualidade foram logo vendidos, deixando nas adegas apenas os
vinhos do norte, que säo de modo geral muito pobres e ácidos. Foi
demasiada a tentaçäo dos coemrciantes da Madeira em recusar
satisfazer encomendas para vinhos a 70 e 80 libras por pipa,
quando 20 libras por pipa era o valor do vinho existente nos seus
armazéns. Para remediar isto tanto quanto possível e para
disfarçar, em parte, a acidez e o sabor a vinho novo, foram
utilizadas as "estufas" ou fornos, os quais, mantendo os vinhos
durante três meses num lugar fechado, a uma temperatura elevada
(cerca de 100 graus) lhes deram uma maturaçäo e uma idade
ficticia que induzia os comerciantes a vendê-los como vinhos
velhos. Este método forçado, como pode ser chamado, deteriora o
sabor genuíno, que näo consegue ser-lhe restaurado por nenhum
método subsequente de conservaçäo, mas, de certo modo, é minha
opiniäo que o calor da estufa utilizado de modo mais moderado e
durante um período mais longo seria benéfico, agindo sobre o
vinho, até certo ponto, de modo semelhante a uma viagem à volta
das ïndias Orientais e Ocidentais, o que é, afinal, o melhor
método de alcançar a maturaçäo característica da idade. A
consequência natural desta prática foi que a Madeira perdeu a sua
fama de produzir bons vinhos, e diz-se que os comerciantes
importavam para a ilha vinhos de Tenerife, Faial, etc. a um preço
baixo, e depois voltavam a embarcá-los como sendo o seu próprio
produto. Eles tiveram, depois, poucas encomendas de Inglaterra
e apenas queixas de carregamentos anteriores.
Durante este tempo era permitido receber na Ilha aguardente
e rum a uma taxa insignificante, o primeiro dos quais era usado
para fortificar os vinhos. Em 1823 foi aprovado um decreto
proibindo a importaçäo de vinhos, aguardente ou outras bebidas
alcoólicas, excepto em garrafas e, nesse caso, com um imposto
elevado. Este decreto, desde entäo, fez com que cerca de 10.000
pipas de vinho inferior fossem destiladas anualmente para fazer
aguardente que seria misturada com vinhos melhores, etc; e assim
tem tido o efeito desejado no comércio de exportaçöes, o qual
atinge ente 8.000 e 12.000 pipas anualmente, de qualidades
superiores e médias. Assim, há agora um bom vinho genuíno que é
enviado para Inglaterra, o qual a seu bom tempo será tido em täo
alta consideraçäo como anteriormente; mas uma procura extensiva
seria provávelmente a maneira de produzir o mesmo resultado
anteriormente mencionado, pois näo podem ser exportadas mais de
6.000 a 8.000 pipas de vinhos realmente bons.
Em seguida menciono as diferentes qualidades de vinhos
produzidos na Ilha, alguns dos quais raramente se encontram em
Inglaterra, como por exemplo, o Tinta e o Boal:
"Sercial" - Um vinho branco seco, possuindo muita
consistência, sabor e aroma.
"Boal" - Um vinho branco delicado; a vinha supöe-se ser de
Borgonha.
"Malvasia" - Um vinho doce rico, produzido em pequena
quantidade.
"Madeira" - Um excelente vinho seco, o qual, se conservado
durante um período de tempo suficiente é muito agradável.
"Tinta" - Um vinho de cor vermelha, de sabor peculiar, que
näo se assemelha ao Porto, ao Clarete ou ao Masdeu; mas aprxima-
se mais do último, sendo apenas um pouco mais seco. Quando novo
tem algo do sabor a Borgonha.
"Negrinha" - Um rico vinho tinto, ou bebida estimulante,
feito de uvas secas ao sol.
13. Fitch W. Taylor.1840

Publicado:

The flag ship: or a voyage around the world, N.Y., 1840, pp.106-
109
A ilha da Madeira é conhecida pelos Americanos principal
mente devido aos seus vinhos; e em anos anteriores, pelas
quantidades de cereais que eram importados dos Estados Unidos
para a ilha. Nos últimos anos, o número de embarcaçöes aqui
chegadas, vindas dos Estados Unidos, diminuiu, embora ainda seja
matéria de algum interesse para o nosso comércio.
A parte principal do comércio está nas mäos dos comercian
tes Ingleses que têm residência permanente na ilha, com as suas
famílias.
Os pormenore seguintes, relacionados com o cultivo da vinha
e o modo de segurar o seu produto, podem näo ser de pouco
interesse, pela forma como säo transmitidos, na sua essência, num
esboço de Mr. Bowditch. O melhor tipo de uva para fazer vinho säo
a Boal, Sercial, Verdelho, Negra Mole e Malvasia. Diz-se que elas
näo säo saborosas para comer como fruto. As vinhas propagam-se
através de mergulhias em valas. O modo comum de colocar as vinhas
é em latadas, feitas de cana vulgar e a dois ou três pés acima
do chäo. O início da colheita das uvas para a produçäo do vinho
ocorre em principios de Setembro. As uvas säo primeiro
esmagadas com os pés numa tina feita de madeira ou escavada na
rocha; e o sumo assim expremido é distinguido como "vinho da
flor"; as uvas esmagadas säo entäo reunidas e colocadas num rolo
dentro de uma corda espessa, feita dos rebentos de vinha
entrelaçados e sujeitas várias vezes à prensa, para que se
obtenha a segunda qualidade de "mosto". Esta é normalmente
misturada com a anterior e mudada no mesmo dia para cascos para
fermentar. A rapidez da fermentaçäo depende em parte da
temperatura do tempo e também da boa maturaçäo da uva. A reacçäo
mais intensa geralmente dura cerca de um mês ou seis semanas; mas
verificou-se a continuaçäo de um certo grau de fermentaçäo
particularmente nas qualidades mais ricas de vinhos. A bebida é
clareada por um tipo de gesso importado, sobretudo de Espanha;
esta é a última parte do processo. Por volta do início do ano o
vinho é trasfegado da borra.
No caso do vinho Tinta, feito da uva preta chamada Negra
Mole, as uvas säo apenas esmagadas uma vez por pressäo e depois
o sumo é escoado através de uma peneira que permite que passem
as cascas e as sementes, ficando para trás os talos; tudo isto
é vertido numa tina aberta e mexido três ou quatro vezes por dia
até que a fermentaçäo acabe, sendo entäo trasfegado para barris.
Ao fazer o vinho branco, os diferentes tipos de castas säo
geralmente misturados, excepto a Malvasia ou Malmsey e a Sercial.
A primeira é geralmente deixada amadurecer mais um mês do que
qualquer outra até que a casca comece a murchar. A uva Malmsey
é produzida apenas em alguns locais dotados de uma peculiar
temperatura de exposiçäo. A uva nem sempre produz um vinho doce.
Na realidade, só o faz numa ou duas situaçöes. Noutros casos, é
deitado açúcar, queimado por uma madeira especial. A Sercial só
vinga em lugares especiais. A quantidade produzida raramente
atinge cinquenta pipas por ano.
Normalmente deita-se uma certa quantidade de aguardente,
cerca de dois galöes por pipa ou mais nos vinhos para exportaçäo,
com excepçäo, creio eu, do Tinto. Também no tempo de guerra,
quando por causa da grande procura os comerciantes eram incapazes
de manter qualquer reserva à disposiçäo, era vulgar amadurecerem
o vinho em fornos, elevando a temperatura gradualmente de 60 a
100 graus; e é ainda usual submeter uma certa parte da produçäo
a esta operaçäo com temperatura artificial. O amadurecimento do
vinho é assim, sem dúvida, acelerado, mas pondo, de certo modo,
em causa a delicadeza do seu sabor.
A quantidade média de produçäo por toda a ilha é uma pipa
por acre, embora nalguns casos quatro pipas tenham sido
produzidas.
O vinho do norte da ilha é geralmente de qualidade
inferior. É quase todo consumido na ilha ou transformado em
aguardente. Há cerca de doze destilarias. Três pipas de vinho
fazem uma de aguardente.
A quantidade de vinho produzido durante os últimos cinco
anos, de acordo com uma lista que me foi fornecida pelo Cônsul
Americano é a seguinte:

Em 1834 - 15.000 pipas


Em 1835 - 15.500 "
Em 1836 - 29.000 "
Em 1837 - 2.900 " (...)
14.Robert White.1851

Publicado:

Madeira, its climate and scenary, Londres, 1851, pp.54-63


Com o declínio do comércio do açúcar, a vinha tornou-se o
principal produto da Madeira. Alguns escritores dizem que esta
planta foi introduzida pelo Infante D. Henrique durante o ano que
se seguiu à descoberta da ilha. Mas isto é muito imporvável pois
todos os historiadores afirmam que, para limpar os terrenos para
fins de agricultura, Zarco pegou fogo às florestas que
continuaram a arder durante vários anos. De qualquer modo, aprece
evidente que a ilha só foi desbravada para posterior cultivo
alguns anos após aquele período.
A vinha foi provavelmente introduzida em 1425, vinda de
Chipre, mas näo foi intensamente cultivada até ao início do
século dezasseis: e é mais do que provável que as melhores foram
introduzidas pelos Jesuítas num período muito posterior. Os
vinhos das suas propriedades distinguiam-se de todos os outros,
e, embora aqueles tivessem depois passado para outras mäos, os
seus produtos continuaram a demonstrar melhor qualidade.
A vinha propaga-se por mergulhias, plantadas a uma
profundidade de três a seis pés. E, geralmente, näo há produçäo
durante os primeiros três anos. Durante a segunda ou terceira
primavera, as vinhas säo colocadas ao longo de uma rede de canas,
"Arundo Sagittata" (que é abundantemente cultivada para esse fim
em localidades baixas ou húmidas), e sustentadas por estacas a
cerca de três ou quatro pés do chäo. No entanto, no norte e
noutras localidades menos desenvolvidas, säo geralmente colocadas
por cima de castanheiros por ser o método de cultivo menos caro;
e isto é, certamente, mais pitoresco e agradável aos olhos que
as rígidas e formais latadas, sob as quais todos os tipos de
vegetais säo cultivados e as ervas daninhas podem crescer em
abundância; no entanto, diz-se que a uva é mais rica quando
cultivada perto do solo.
A vindima geralmente tem lugar, no sul, no princípio de
Setembro e, de acordo com a exposiçäo ou elevaçäo, duas a três
semanas mais tarde no norte. As ratazanas e lagartixas parecem
destruir quase um quinto da produçäo e ao abandonar as plantaçöes
de vinha mais baixas quando a vindima continua mais para cima,
fazem uma enorme devastaçäo entre as uvas ainda näo colhidas. As
uvas, depois de apanhadas, säo "escolhido" ou seleccionadas. As
de qualidade inferior säo geralmente reservadas para eles
próprios. Säo depois vertidas no "lagar", uma tina de madeira
grande e grosseira, onde säo pisadas. depois de retirado o
primeiro sumo, a massa que resta é posta junta e enrolada por uma
corda, sendo em seguida submetida à pressäo da alavanca. O sumo
é recolhido numa tina e transportado para os armazéns em odres
de peles de cabra onde säo esvasiados para barris com o fim de
fermentar, o que, normalmente, ocorre activamente durante quatro
a cinco semanas. Depois de extraído o sumo, uma quantidade de
água é deitada na prensa, e o refugo passa por uma repetiçäo do
mesmo processo, produzindo assim a "água pé", água pé ou refugo,
uma bebida que é tida em grande estima pelas classes mais baixas,
mas que frequentemente produz diarreia violenta, especialmente
se usada depois de começar a fermentaçäo.
Quando o vinho acaba de fermentar, é separado da borra e
trasfegado para outros barris onde é clareado com ovos, sangue
de boi ou, mais frequentemente um tipo de gesso, tendo sido
préviamente adicionado a cada pipa um ou dois galöes de
aguardente para impedir que se verifique uma fermentaçäo ácida.
A aguardente utilizada para tal é feita na ilha dos vinhos
inferiores, tais como os do Porto Santo, Säo Vicente e outras
partes do norte.
A produçäo média da vinha em toda a ilha está calculada em
pouco mais de uma pipa por acre. As espécies de vinho inferior,
depois de serem clareadas, säo sujeitas a uma temperatura de 140
a 160 graus Fahr, em fornos, durante seis meses, assumindo,
através deste processo de amadurecimento artificial, uma idade
aparente, mas, ao mesmo tempo, adquirindo um sabor seco e um
gosto a fumo que nunca consegue ser completamente erradicado.
Esta classe de vinhos é embarcada anualmente em grandes
quantidades para Hamburgo, onde é submetida a um processo que
altera a sua qualidade, de modo a parecer Hock, sendo uma
grande quantidade enviada com este nome para o mercado Inglês.
Os vinhos produzidos ao longo da costa sul da ilha da
Madeira näo säo comparáveis aos de qualquer outro país quer em
consistência, aroma, suavidade ou sabor delicado. Seguem-se
aqueles que constituem os principais vinhos e uvas da ilha;
raramente säo encontrados fora da ilha.

Malvasia - Um vinho com uma côr suave, feito da "Malvasia


Cândida", uma uva grande e oval, com uma rica côr dourada
quando madura, suspensa em longos e finos cachos. Os melhores
vinhos desta qualidade säo rpoduzidos na "Fazenda dos Padres",
antigamente era pertencente aos Jesuítas e no "Paúl do Mar",
ambos situados a oeste do Funchal. Para os cultivadores, é
considerada uma vinha muito pouco lucrativa, apenas se
desenvolvendo perto do mar, com uma flor täo delicada que o mais
ligeiro nevoeiro ou humidade durante a primavera a destrói
implacávelmente. Toda a produçäo de vários anos é frequentemente
escassa ou praticamente nula. O Malvasia, por esta razäo bem como
por causa da sua qualidade superior e rica, é considerado o mais
valioso de todos os vinhos da Madeira e é geralmente pago a um
preço que varia entre 75 e 85 Libras por pipas embarcada. As
outras uvas da mesma classe säo a "Malvasiäo", que só serve para
fazer vinagre e a "Malvazia Roxa", uma uva inferior de côr
avermelhada, usada apenas para vinhos inferiores.

Boal - Um vinho macio e delicado, feito de uma linda uva


redonda, amarela-clara, com um tamanho aproximado ao dum pequeno
berlinde e quando madura tem que ser imediatamente colhida, caso
contrário murcha e produz pouco sumo. O Campanário era
antigamente a localidade mais afamada pela uva Boal, mas nos
últimos anos tornou-se escassa, provávelmente em consequência da
sua produçäo incerta. O vinho é duma qualidade peculiarmente
delicada, bastante adocicado, sendo um vinho esplêndido tanto
quando novo como quando velho. O preço de embarque normal do Boal
varia entre 70 Libras e 80 Guinéus por pipa.

Sercial - Um vinho seco com uma côr suave, com um aroma


forte e muito sabor, produzido de uma uva redonda a que chamam
"Hock", pendurada em cachos espessos. O Sercial de melhor
qualidade é produzido na Paúl do Mar e é täo desagradável ao
paladar quando novo que só pode ser consumido depois de ter oito
anos de idade. É entäo considerado por conhecedores o melhor e
mais proveitoso de todos os vinhos da Madeira, bem como também
um excelente medicamento para o estomâgo. A própria uva näo é
comestível; até as lagartixas näo lhe tocam. É geralmente
exportada a um preço que varia entre 70 e 80 libras por pipa. A
"Serilha", uma uva da mesma classe, produz um vinho fraco e
inferior mas raramente cultivada. E a "Esganaçäo", cultivada nas
regiöes mais altas da Ponta de Sol e Seixal é geralmente
espremido com outras uvas inferiores para utilizaçäo generalizada
na ilha.
Tinta ou Borgonha da Madeira - Um vinho escuro e de sabor
especialmente delicado, feito da pequena uva preta da Borgonha.
Os melhores vinhos desta espécie säo produzidos nas regiöes de
Câmara de Lobos e Estreito. Ele deve a sua côr avermelhada às
cascas da uva que permanecem no vinho durante o processo da
fermentaçäo o que também lhe dá a caracteristica adstringente do
Porto. O Tinta deve ser usado durante o primeiro ou segundo ano;
depois desse período, perde gradualmente o seu aroma e sabor
delicados. O preço comum deste vinho varia entre 60 Libras e 70
Libras por pipa.

Tinto - Um vinho escuro, feito da uva "Negra Mole",


consideravelmente maior, mais suave e com mais sumo que a uva
Tinta ou de Borgonha. É abundantemente produzida e geralmente
utilizada com as outras variedades de uva para fazer o Madeira.

Madeira - Assim chamado por ser o vinho principal da Ilha -


é feito de uma variedade de uvas misturadas no lagar, predominan
do a "Verdelho", "Tinto", "Terrantez" e "Boal". Quando novo
possui uma côr suave ligeiramente avermelhada mas que sedimenta
gradualmente conforme o vinho se torna maduro, adquirindo entäo
uma brilhante tonalidade côr de âmbar. O Madeira mais apreciado
é produzido na parte da ilha entre o Funchal e o Campanário, mas
particularmente nas regiöes de Câmara de Lobos e Estreito. Diz-se
que este vinho melhora muito com uma viagem às ïndias Orientais
ou Ocidentais e é classificado no mercado de Londres respectiva
mente como "London Particular" e "East or West India Madeira" o
preço normal de embarque é entre 25 a 50 Libras ou mais por pipa.
Verdelho - Um vinho pálido, com bastante consistência e
sabor peculiarmente requintado, feito de uma pequena uva,
ligeiramente colorida, com o mesmo nome, cultivada em toda a
ilha, desde a costa até uma altitude de 2.700 pés acima do mar.
O melhor Verdêlho é produzido na costa sul e no vale do Porto da
Cruz, no norte. Quando puro, atinge mais rapidamente a maturaçäo
que qualquer outro vinho da Madeira.

"Palhête" ou "Vinho Pálido" - Um vinho de fraca coloraçäo


amarelo-claro, geralmente feito da uva "Verdêlho" por um processo
de clareaçäo com carväo que destrói a côr forte e em grande
medida a consistência e bom sabor do vinho.

"Surdo" - Um tipo de bebida alcoólica feita das uvas mais


consistentes e completamente maduras, tanto de côr escura como
clara,impedindo que a fermentaçäo tenha lugar e mantendo assim
toda a doçura do mosto. É principalmente usada para dar
consistência e maciez a vinhos de qualidade inferior. O "Surdo"
tem sido exportado em pequenas quantidades com o nome de Vinho
das Freiras; no entanto, hoje em dia deixou de ser embarcado.

"Negrinho" - Um rico vinho de côr escura, ou bebida


estimulante, feito de uma uva escura, redonda e suculenta
chamada, pelos nativos, "Maroto" e considerada a mais inferior
de todas as uvas usadas para fazer vinho. É, no entanto, muito
forte e prolífera mas nunca amadurece completamente; quando
apanhada, é parcialmente seca ao sol antes de ser espremida. O
Negrinho é apenas feito em pequenas quantidades e raramente o
encontramos.

Há muitas outras qualidades de uvas cultivadas na ilha. As


grandes e formidáveis Alicante e Moscatel säo cultivadas em
pequenas propriedades, apenas como fruta de mesa e diz-se que
existem quase quarenta espécies diferentes para fazer vinho.
Os vinhos da Madeira, com excepçäo do Tinta, devem ser
guardados em caves de temperatura moderada e uniforme e
colocados, durante um curto período, a uma certa distância do
fogo antes de serem decantados; e o recipiente para onde säo
decantados deve ser aquecido de modo semelhante.
A quantidade exacta de vinho produzida na ilha da Madeira
é totalmente desconhecida. Supöe-se, no entanto, que chegue, num
cálculo minímo, a uma quantidade entre dezoito e vinte mil pipas
anualmente, das quais apenas um terço é exportado; a quantidade
restante é transformada em aguardente ou consumida na ilha.
A quantidade total exportada durante o ano de 1850 chegou
a 7.125 pipas; o que demonstra uma diminuiçäo de 254 pipas em
relaçäo aos apagamentos do ano anterior e menos de 850 pipas que
o total de exportaçöes de 1840. Em 1809 foram embarcadas 15.363
pipas da Madeira, apenas em navios Britânicos, e a quantidade
importada de Inglaterra durante o mesmo ano excedeu 639.000
galöes. A procura destes vinhos na Grä-Bretanha tem diminuido
rapidamente nos últimos anos. As entregas totais para consumo
doméstico, em 1849, chegou a 71.097 galöes contra 112.555 galöes
em 1840, o que demonstra uma diminuiçäo de 41.458 galöes ou quase
um terço em dez anos. Em 1821, mais de 400.000 galöes foram
conservados para consumo doméstico do Reino Unido.
Esta quebra do consumo de vinhos da Madeira em Inglaterra
abriu, no entanto, outros mercados. Pode verificar-se, por
pagamentos dos Estados Unidos, que a quantidade importada de
Inglaterra por este pais e directamente da Madeira aumentou entre
101.176 galöes em 1854 e 303.125 galöes em 1850, o que resulta
em 201.945 galöes ou quase 200 por cento em cinco anos.
15.Edward Vernon Harcourt.1851

Publicado:

A sketch of Madeira(...), Londres, 1851, pp.46-49.


AS MELHORES REGIÖES DE VINHO

Os melhores vinhos da Madeira säo produzidos nas freguesias


de Câmara de Lobos, Säo Martinho e Säo Pedro, nas partes mais
baixas de Santo António, no Estreito de Câmara de lobos,
Campanário, Säo Roque e Säo Gonçalo. As partes mais altas das
últimas cinco freguesias produzem apenas vinhos de segunda e
terceira qualidade. Os melhores Malvasia e Sercial säo da Fajä
dos Padres no sopé do Cabo GIräo e do Paul e Jardim do Mar.
As parras de Malvasia säo as melhores para suportar um
enxerto. A melhor vinha para plantar no sul é a Verdelho, é
obtida tanto do norte como do Curral das Freiras.
O tempo que uma plantaçäo de vinha dura depende tanto do
cultivador como da qualidade do solo. Quando o agricultor é
descuidado ou concentra-se apenas nas suas bemfeitorias, as
vinhas, frequentemente amontoam-se no solo perto umas das outras,
crescendo fracas e doentes, produzindo comparativamente pouco
fruto e morrem dentro de oito ou dez anos, a näo ser que sejam
forçadas a existir mais uns anos com doses parcas de adubo. Um
cultivador plantará as suas vinhas a uma distância de dez a doze
"palmos", quando no mesmo solo, com tratamento apropriado, as
plantas produziräo melhor e duraräo entre cinquenta e cem anos.
As vinhas säo colocadas numa espécie de latada feita do
"Arundo donax", à qual säo amarradas com rebentos partidos de
salgueiro, excepto no norte da ilha onde crescem de modo
exuberante e selvagem por cima dos ramos dos castanheiros. Quando
as folhas caiem, essa armaçäo vista dos montes parece redes
espalhadas no chäo. Um ou mais caminhos atravessam cada plantaçäo
de vinha. Ao longo desses caminhos constroem-se suportes de
madeira com cerca de sete pés de altura, distâncias regulares,
para sustentar armaçöes que descem de ambos os lados até dois pés
do chäo. A esta altura, as canas estendem-se por toda a plantaçäo
de vinha. Qause näo há espaço para os homens andarem, mesmo com
dificuldade, por baixo desta latada, quer seja para mondar, podar
ou colher as uvas.
Um alqueire de terreno, quando se trata de solo da melhor
qualidade e bem cultivado, produzirá, num ano médio, entre doze
e quinze barris de vinho, dos quais doze väo para a pipa. Se o
solo é de qualidade média e bem cultivado, produzirá entre oito
e dez barris. Terreno de qualidade média ou boa com maus
cultivadores náo produzirá mais do que um ou dois barris.
Normalmente os maus agricultores näo plantam vinhas. A exportaçäo
de vinho da Madeira e Porto Santo durante os últimos três anos
atingiu uma média de 6.738 pipas, enquanto que a quantidade
produzida atingiu uma média de 15.887 pipas. Isto faz com que a
grande quantidade de 9.149 pipas seja anualmente consumida na
ilha ou utilizada para o fabrico de aguardente. As maiores
quantidades säo bebidas por pescadores e "burroqueros", os quais
gastam cerca de um terço das suas posses numa bebida alcoólica
que é usada com a denominaçäo de "vinho baixo". (...)

QUALIDADES DE VINHOS

Os nomes das diferentes qualidades de vinho produzido na


Madeira säo: Malvasia, Sercial, Tinta, Boal, Verdelho, Bastardo,
Negrinho e Maroto, todos feitos de uvas que têm esses nomes. Os
três últimos säo raros e a Nregrinha e Maroto säo uma má espécie
de uvas, sempre usadas na manufactura de vinho verde ou vinho de
refugo. O chamado vinho Madeira é feito principalmente da uva
Verdelho com uma mistura de Tinta ou; a primeira dá-lhe
consistência, as duas últimas sabor. A Bastardo comum é uma uva
preta que produz um vinho de côr clara; a Bastardo branca é rara.
A Tinta ou, como por vezes é chamada, Negra Mole, dá uma côr
escura aos vinhos novos. Qaundo ela própria é utilizada para
fazer vinho, a casca é separada do pedúnculo e fermentada com o
sumo da uva, caso contrário o vinho tinto seria destituído das
peculiaridades de côr e sabor que o distinguem.

MANUFACTURA DO VINHO

Para fazer um bom vinho é essêncial que as uvas estejam


completamente maduras. A maturaçäo é considerada através da
constataçäo da relativa moleza dos cachos quando perdem a sua
rigidez. As uvas pouco amadurecidas e as de inferior qualidade
devem ser cuidadosamente escolhidas e separadas para o vinho
verde. Quando o lagar está cheio, as uvas säo pisadas e depois
espremidas sob a trave do lagar. O mosto é levado em odres feitos
de pele de cabra e deitados em barris onde será submetido à
fermentaçäo. Quando acaba o período mais intenso da fermentaçäo,
isto é, dentro de dez ou doze dias, é pratica comum deitar em
cada barril duas ou três libras de gesso em pó, mexendo-o para
se misturar nos vinhos, diariamente, durante os dez dias
seguintes. Diz-se que o gesso elimina as partículas da água do
vinho e impede que ele se torne viscoso. A fermentaçäo diminui
gradualmente e, ao fim de seis ou oito semanas, a borra é
trasfegada e um ou dois galöes de aguardente säo adicionados a
cada pipa.
Os vinhos da Madeira säo consideravelmente melhorados e
amadurecidos pelo calor. É prática comum dar a estes vinhos uma
passagem para as índias Orientais ou Ocidentais antes de serem
desembarcados em Inglaterra. A temperatura do poräo de um navio
na ïndia ou dum navio carregado de açúcar na Jamaica por vezes
excede 110 graus Fahrenheit. Algumas pessoas amadurecem o vinho
em casa, em fornos. O abuso desta prática, por dar uma falsa
aparência de idade a vinhos inferiores, tornou-se, por várias
vezes, prejudicial ao comércio da ilha.
Os camponeses calculam que um décimo do produto das
plantaçöes de vinha é destruido por moscas, lagartixas e
ratazanas.
16. E.S.Wortley,1854

Publicado:

A visit to Portugal and Madeira, Londres, 1854, pp.308-317.


Uma ou duas palavras a respeito das vinhas e dos vinhos
desta ilha é capaz de näo ser desinteressante para alguns dos
meus leitores. Sou muito ignorante sobre o que é mau ou bom vinho
(pois raramente o provo) e, tanto quanto o julgo, nós apenas
provamos uma qualidade durante a nossa curta estadia - o
vulgarmente chamado Madeira. Este vinho é assim chamado, segundo
parece, por ser preparado a partir de uma série de diferentes
qualidades de uvas e, deste modo, näo pode ser chamado pelo nome
de nenhuma qualidade em particular. Entre elas estäo aquelas
conhecidas como a uva bastardo, a boal, a terrantez, a tinto, a
negrinho e a verdelho. Estas säo geralmente misturadas e produzem
um vinho branco, o qual, se devidamente cuidado, misturado
correctamente e guardado por um período suficientemente longo,
é geralmente considerado excelente. Supöe-se que a uva verdelho
se desenvolve muito bem na fregeusia do Porto da Cruz, apesar
desta localidade estar situada no norte. Na realidade, o Porto
da Cruz possui imensas vinhas cujo produto é considerado, pelos
conhecedores, de categorias muito semelhantes, E no que se refere
à uva verdelho, consta-me que é superior às do sul da ilha.
Se o que nos davam ao jantar era realmente Madeira,
parecia-me muito mais doce que o que é transportado para
Inglaterra e achei-o muito melhor. Mas, sem dúvida, esta näo é
a opiniäo de uma conhecedora. O Malvasia, aquele rico vinho
branco täo bem conhecido, é o produto de uma vinha que foi
originalmente introduzida de Cândia, muito difícil de cultivar:
uma temperatura especial é necessária para permitir que ela
chegue à perfeiçäo e foram encontradas apenas poucas localidades
nas quais se desenvolveu perfeitamente. Há alguns vinhedos, o
chamado Fazenda dos Padres, do lado oeste do Funchal, onde se
procuram os melhores vinhos desta espécie. A Fazenda dos Padres
fica situada no sopé do Cabo Giräo. Para dar o sabor doce, a
fermentaçäo do vinho Malvasia é verificada mais cedo que a dos
outros vinhos da Madeira. Há vários outros vinhos. Entre eles
encontra-se o Tinta que é vermelho escuro e considera-se que tem
um sabor análogo ao Borgonha. Se guardado cerca de dois anos, é
considerado um excelente substituto do vinho do Porto e é
particularmente apreciado para fazer sangria; mas quando se tenta
guardá-lo mais tempo, ele deteriora-se em gosto e côr e deixa de
possuir o aroma delicado que inicialmente o distinguia. Há também
um vinho chamado Tinto. O Sercial é considerado pelos seus
admiradores o melhor e o mais saudável de todos os vinhos brancos
daqui, mas precisa de muito tempo para amadurecer apropriadamen
te. É curioso que as uvas que o produzem näo säo comestíveis -
até as lagartixas as rejeitam. A vinha de onde se extraem estas
uvas, em número muito limitado, tem a tendência a enfraquecer,
excepto em lugares muito especiais. Esta vinha veio originalmente
da Alemanha e lá os conhecedores de tais assuntos afirmam que ela
produz o "Hock", Depois há o Negrinho um rico vinho vermelho
escuro, ou antes um estimulante feito de uvas espalhadas nos
telhados das casas e aí secas ao sol. Maroto é o nome da vinha.
O Boal, como o Tinta, parece ser dificil de encontrar e pouco
conhecido em Inglaterra. É um delicado vinho branco feito de uma
pálida uva amarela-clara. Há também um vinho chamado Surdo, ou
antes parece-me uma espécie de bebida licorosa, feitas de uvas
mais maduras e bastante consistentes. Näo se permite que a
fermentaçäo ocorra e desta maneira conserva-se toda a doçura do
mosto. Diz-se que o Surdo tem sido exportado apenas em
quantidades limitadas e com denominaçäo de "Nun's Wine" (Vinho
das Freiras), mas hoje em dia é mais exportado. Esperemos que as
"Freiras" o tomem apenas como medicamento. É difícil reconciliar
um vinho licoroso forte com a nossa ideia de uma vestal,
envolvida nos seus véus, à qual, supomos, só deverá ser permitido
um gole de água de uma fonte cristalina.
Creio que há alguns vinhos que näo mencionei mas devo
utilizar como desculpa a minha grande ignorância no assunto.
Penso que uma coisa encantadora relacionada com as afamadas
vinhas e a vindima da Madeira é a visäo dos belos cachos na
estaçäo em que estäo maduros e também a própria vindima
movimentada e pitoresca. Como devem ficar lindas as plantaçöes
de uvas quando as ricas uvas maduras ficam penduradas em profusäo
por todos os lados! Que belas devem ser essas vinhas, carregadas
com o seu produto exuberante que trepam do modo mais gracioso de
ramo para ramo entre os soberbos e imponentes castanheiros! Como
devem brilhar ao sol todos os cachos compridos e pesados da
"Malvasia Cândida", com as suas esplêndidas uvas ovais de uma
quente côr dourada brilhante! E como as espessas massas pendentes
da escura marota devem queimar com a luz ardente, e os ricos
frutos grandes da alicante e moscatel maduras.
A vindima deve ser uma época movimentada e interessante
quando os camponeses, ocupados na colheita, fervilham à volta dos
locais onde o fruto precioso está suspenso na rede de canas -
espalhando-se e deixando-se ver nas latadas, meio escondido, ou
caindo dos festöes que trepam entre o amontoado de castanheiros
opulentos. No norte, normalmente abraçam-se aos castanheiros, mas
nesta parte da ilha as latadas säo talvez mais comuns. Sob estas,
säo cultivados vegetais de várias espécies e as ervas daninhas
näo säo destruídas. No conjunto, as vinhas enroladas nas árvores
parecem muito pitorescas e ornamentais. No entanto, defende-se
a ideia de que quanto mais perto do solo a uva cresce, tanto
melhor é o fruto e, assim, melhor o vinho produzido por ele. Em
resumo, a força da planta parece estar mais concentrada no fruto
quando ele é mantido numa posiçäo baixa e näo se permite que se
espalhe, dispersando-se até atingir determinada altura. O início
de Setembro, no sul, a época em que a vindima tem lugar e ocorre
duas ou três semanas mais tarde nas regiöes do norte; mas isto
depende muito da altitude, exposiçäo ao sol e outras circunstân
cias. Depois das uvas serem apanhadas, säo cuidadosamente
separadas - "escolhido" (sie) e reservam-se as de pior qualidade
ou as rejeitadas para os homens que as colhem. As seleccionadas
säo depois deitadas no lagar, uma grande tina de madeira
grosseira e tosca, onde säo pisadas e esmagadas com os pés.
Se este processo fosse visto por alguns amantes de vinho
no nosso país onde as ideias säo belas e refinadas, talvez
tivesse um efeito incomparávelmente superior às prelaçöes sobre
a temperança de Father Mathew.
Depois de ser extraído o primeiro sumo por este processo,
a matéria restante é amontoada e rodeada por uma corda em
círculos e depois aplica-se a pressäo de uma alavanca sobre estes
resíduos. Uma tina está pronta para receber o sumo que é
imediatamente levado para as adegas em odres. Quando lá chega é
deitado em barris para fermentar. Isto dura normalmente, em
efervescência activa, cerca de cinco semanas. Depois do sumo ser
extraído, é deitada água no lagar em grandes quantidades de modo
regular e o refugo passa pelo mesmo tratamento. Este segundo
processo produz a água-pé, isto é, o líquido obtido com os
restos. Esta é uma bebida que merece as preferências das classes
mais pobres. Todavia, é considerada prejudicial e provoca
frequentemente fortes diarreias, especialmente se for tomada
descuidadamente, depois da fermentaçäo ter começado, o que
infelizmente sucede por vezes, pois os camponeses, lamento, säo
frequentemente descuidados no que a isto diz respeito.
Depois de ter acabado a fermentaçäo, o vinho é separado da
borra e é imediatamente mudado ou trasfegado, creio ser este o
termo certo, para outros barris. É entäo clareado com sangue de
boi, ovos ou, ainda mais vulgarmente, com gesso. Mais ou menos
dois galöes de aguardente deitaram-se anteriormente em cada pipa
de modo a impedir que ocorra a fermentaçäo ácida. Na realidade,
nesta ou em posteriores etapas do processo, é geralmente
necessário um cuidado considerável, pois o vinho está sujeito a
uma segunda fermentaçäo. O gesso, com o qual ele é clareado, é
frequentemente trazido do Porto Santo ou de Espanha. No que diz
respeito a tipos de vinho mais delicados, a qualidade de
aguardente que é usada para os enriquecer tem consequências muito
importantes e alguns säo estragados por näo ter sido utilizada
aguardente de primeira qualidade. A aguardente francesa é
proibida, excepto em garrafas com um alto imposto, e a melhor que
pode ser obtida na Madeira para os fins que já mencionei é feita
do vinho do Porto Santo.
Durante os primeiros quatro ou cinco anos näo se produz
qualquer vinho das parreiras, parece que depois disso a média
produzida é de cerca de uma pipa por acre, embora sob circunstân
cias altamente favoráveis, o acre Inglês talvez produza quatro
pipas por ano. Se o Veräo fôr seco, é necessário ou aconselhável
regar o solo cerca de três vezes com água dos poços vizinhos à
plantaçäo de vinha; estes tanques säo considerávelmente caros.
Muitas localidades que näo säo aproveitadas na ilha säo
consideradas, por conhecedores, como particularmente favoráveis
para o cultivo da vinha, mas näo se consegue explorá-las devido
à falta de água. Isto podia ser remediado através da colocaçäo
de canos que transportassem a água e sem dúvida que o proprietá
rio em breve se sentiria indemnizado pelas despesas tidas em tais
obras.
As vinhas propagam-se através de mergulhias plantadas no
terreno a uma profundidade de três a sete pés. A profundidade das
valas depende do tipo de solo. A quantidade total de vinho
produzido anualmente por esta ilha é de cerca de 25 ou 30.000
pipas, das quais talvez um terço seja exportado. No entanto, de
acordo com algumas pessoas conhecedoras, isto é uma estimativa
exagerada. Só em 1809, 15.365 pipas foram embarcadas da Madeira
em barcos Ingleses. A quantidade total do que foi importado por
Inglaterra nesse ano foi superior a 639.000 galöes. Tem se
verificado uma rápida quebra na procura destes vinhos especiais
nos últimos anos, no nosso país. Embora o gosto pela produçäo
vinicola da Madeira tenha diminuido täo concretamente na Grä-
Bretanha, o mesmo näo se passou noutros países. Através de
pagamentos vindos da Amércia, pode observar-se que a quantidade
importada de Inglaterra pelos Estados Unidos e também directamen
te da Madeira teve, na realidade, um aumento de 101.176 galöes
em 1845 para 303.125 em 1850, o que resulta em 201.949 galöes ou
cerca de 200 por cento em cinco anos.
Há alguns anos, os vinhos da Madeira cairam em descrédito
e circunstâncias especiais foram motivo suficiente para esta
mudança de opiniäo e gosto entre aqueles que em tempos muito
tinham defendido a produçäo na ilha. Isto porque durante o longo
período da guerra que terminou em 1814, a procura do vinho por
navios que por cá passavam era enorme, de modo que todas as
qualidades superiores foram rapidamente vendidas. Assim, as
quantidades que restavam nas adegas eram apenas de vinhos
inferiores do norte que têm a reputaçäo ou má fama de serem
excessivamente ácidos e, para além disso, se revelarem muito mais
pobres - de facto, de um modo geral, de uma qualidade bastante
inferior. No entanto, os proprietários näo conseguiam resistir
á tentaçäo de se aproveitar da oportunidade que lhes foi dada de
fornecer de imediato aqueles que encomendavam vinho a 70 L. ou
80 L. por pipa, näo obstante ser vinho de 20 L. por pipa todo o
que lhes restava. Tal era, na realidade, o seu valor real. Eles
recorreram entäo a meios artificiais para ultrapassar tanto
quanto possível a aspereza de sabor e a já mencionada acidez
destes vinhos. Para este fim, foram introduzidos os fornos
(estufas), de modo que, mantendo o vinho num lugar fechado e
restrito - talvez a uma temperatura de cem graus - ele poderia
adquirir uma maturaçäo prematura e falsa e adquirir uma
enganadora aparência de idade. Geralmente pensa-se que este
processo forçadp tem como efeito deteriorar o verdadeiro sabor
natural de todos os vinhos. E é mais do que suspeito que, desde
a altura em que foi experimentado pela primeira vez, tem sido
aplicado alternadamente a vinhos de todas as classes. Nenhum
cuidado ou conduta posterior restitui ao vinho o sabor genuíno
quando ele foi assim prejudicado e afectado. Pessoas que percebem
do assunto consideram a temperatura do forno ou "estufa" se mais
gradualmente aplicada, se continuasse por mais tempo e com uma
moderaçäo mais sensata, podia resultar de modo benéfico e
produzir resultados como os que uma viagem às ïndias Orientais
e Ocidentais se julga geralmente produzir, o que é normalmente
considerado um método excelente de melhorar o vinho, conduzindo-o
a um estado de alta perfeiçäo. Alguns escritores afirmam que, em
consequência do modo pelo qual vinhos inferiores säo alterados
em estufas, estes adquirem um sabor seco a fumo o que nunca
consegue ser posteriormente erradicado. Destas qualidades de
vinhos exportam-se anualmente grandes quantidades para Hamburgo
onde, depois de submetidas a um processo que as faz parecer muito
a "Hock", säo vendidas como tal. É presume-se que uma parte
considerável desta imitaçäo de "Hock" é enviada para o mercado
Britânico. Quanto aos vinhos produzidos ao longo da costa sul da
Madeira, considera-se que säo raramente e se possível equiparados
em delicadeza e sabor, aroma e pureza e suavidade a qualquer
outro vinho. Quanto às uvas e vinhos principais da ilha, as uvas
nunca säo exportadas e uma grande parte dos vinhos é, na
realidade, muito pouco conhecida fora do país.
As ratazanas e lagartixas säo apreciadoras das uvas, se näo
mesmo do generoso licor extraído delas. A vindima, que, claro,
näo só varia com a estaçäo como também com a localidade, tem
geralmente lugar em Setembro, como já fora dito. Os lugares onde
o sol brilha com maid força normalmente tomam a liderança nesta
operaçäo interessante. Conforme a colheita das ricas uvas maduras
progride ao longo dos lados quentes dos vales, as lagartixas
apreciadoras e ratazanas "bons vivants" (sic), que se reunem em
multidöes numerosas, seguem bem de perto a operaçäo. Um
cultivador näo pode deixar o seu fruto na vinha depois dos
proprietários em redor terem colhido os seus, a näo ser que ele
dicida arriscar uma muito pesada e séria reduçäo nos seus lucros
antecipados. Essas alegres ratazanas devoram grandes quantidades
desse fruto precioso. Supöe-se que elas demonstram uma nítida
preferência pela uva Tinta como cujo sumo, supöe-se, elas brindam
às fadas que reinam nos seus coraçöes e tocas, iluminando os
primeiros e derramando a luz da sua peluda beleza sobre oa
últimos, por mais escuros e sombrios que sejam. Muitas vezes, uma
rápida e jovem ratazana arrasta para aí o seu copo transbordante
de sumo Borgonha para oferecer à amada da sua devoçäo - aquela
de focinho perfeito cujo movimento gracioso da cauda conduz à
loucura -, cujo estranho guincho demonstra extase ou morte
repentina, cuja fisionimia encantadora do mais suave tom grisalho
ou lamacento, limpo como a própria lama, demonstra confusäo e
caos, a quem ele ofereceu a sua mäo e fortuna e por quem lutaria
e morderia até ao último momento; e por quem, também, no caso
esta virgem castanha côr de noz rejeitasse a sua homenagem, ele
abandonaria, talvez, a sua terra mäe para sempre e obteria
passagem no poräo do primeiro navio que partisse, com o desespero
corroendo o seu coraçäo enquanto haveria de roer as caras duras
e asperas de marinheiros adormecidos.
17.William Hadfield.1854

Publicado:

Brazil, the River Plate and the Falkland islands; with the cape
Horn route to Australia, including notices of Lisbon, Madeira,
the Canaries and Cape Verds, Londres, 1854, pp-69-70.
Infelizmente, a populaçäo que depende da sua principal
produçäo - as vinhas - sofreu neste como no último ano grandes
quebras no referido produto por causas quase incompreensíveis ou,
pelo menos, irremediáveis e de consequências quase täo
calamitosas, embora em pequena proporçäo, como o aprodecimento
da batata nas nossas ilhas, Eu näo acreditaria sem o ver: por
todo o lado as uvas estavam murchas, como ervilhas secas e, em
muitos casos, as árvores pareciam definhar. Tal terrível provaçäo
parece-me que nunca foi aqui conhecida anteriormente. Ela
compartilha muito do mesmo carácter virulento das doenças que em
tempos afectaram a produçäo cerealífera e algo de semelhante
ocorreu com marcada violência nas Ilhas Canárias em 1704. Dois
anos de fracasso com uma vindima, numa ilha como a Madeira,
representaria praticamente a destruiçäo se näo fossem os seus
outros recursos vegetais ilimitados; e, como no caso da
destruiçäo da batata irlandesa, é prognosticavel que muito de bom
possa surgir para a populaçäo a partir do crescente estimulo para
a indústria assim ocasionado, sendo ela conduzida de modo a näo
colocar uma dependência demasiado grande em qualquer produto. No
entanto, é uma visäo melancólica observar que o suporte de toda
uma populaçäo é atingido por täo inesperada doença. Todos os
meios tentados para impedir o seu progresso, mas sem sucesso; e
se ela continuar a sua devastaçäo, o vinho Madeira estará de
quarentena até que consiga notável recuperaçäo daqui a alguns
anos quando, por motivos naturais, ele estiver mais em voga e fôr
mais procurado do que tem acontecido desde há bastantes anos.
18.F.R.G.S. 1863

Publicado:

Wanderings in west Africa from Liverpool to Fernando Po, Londres,


vol. I, 1863, pp.67-71.
E agora sobre o vinho que já deliciou o mundo e que täo
rapidamente se tornou um assunto arqueológico - oh, meu Deus,
isto é assunto para um antiquário!
A vinha foi introduzida a partir de Chipre em 1425 e de
Cândia em 1445. No entanto, ela näo foi verdadeiramente cultivada
até o início do século dezasseis quando os Jesuítas plantaram as
melhores mergulhias. Em seguida, os Franciscanos levaram-na para
a Califórnia. Havia cerca de quarenta qualidades diferentes que
eram usadas para fazer vinho. As melhores eram a rica, deliciosa,
embora de cultura incerta e näo lucrativa, Malvasia Cândida ou
Malvasia; a suave e delicada Bual, uma uva Burgonhesa que se
desenvolveu imenso; a seca e leve Sercial; o "Amotillado" destes
vinhos, desagradáveis quando novos e feitos de uma uva branca do
reno, täo desagradável ao paladar ques e diz que as lagartixas
a evitavam; o Tinta, semelhante a "Hermitage" ou Burgonhês da
Madeira, cuja forte côr vermelha clara era produzida pelas cascas
fermentadas com o seu conteúdo; e, finalmente, o vinho Madeira
corrente. Este último era feito a partir de uma grande variedade
de uvas brancas e escuras, misturadas no lagar. Quando novo,
tinha uma côr como vinho tinto e água a qual se transformava num
tom levemente côr de âmbar. A idade, o calor e a oscilaçäo suave
melhoravam o seu sabor. Os Madeira das ïndias Oriental e
Ocidental, assim chamados depois das suas viagens, eram
superiores ao "London Particular".
Atkins, em 1720, comprou uma pipa de Madeira no "Fonchia
le", como se dizia na época da visita do Comodoro Anson, por dois
fatos já usados e outra por três cabeleiras em segunda mäo. A
pipa custava nos seus dias prósperos entre 25 L. e 85 L., sendo
a média 50 L., e a produçäo inicial chegava a 20.000 ou 25.000
pipas, das quais um terço era exportado, e produzia-se 350.000
L. por ano. Em 1825 a exportaçäo foi de 14.432 pipas; näo foi mau
para um local montanhoso, densamente habitado, com trinta milas
de comprimento, doze e meia de largura, cerca de setenta e duas
de perímetro, näo atingindo 240 milas quadradas; na realidade,
mais extensa em um quarto que a Ilha de Wight. A decadência do
Madeira começou durante as guerras Napoleónicas, quando os
comerciantes embarcaram produçöes inferiores, as quais os
"cettes" conseguiram imitar. Presentemente, uma "pessoa
ilustre", um favorito dos Srs. Moore e Thackeray, temendo o
efeito do Madeira na sua gota, concluiu que o Xerez seria uma
bebida mais genuína e saudável, sendo seguido pelos seus leais
súbditos. O maior consumidor do Madeira foi, em tempos, a
Inglaterra; seguia-se-lhe a Russia e os Estados Unidos, os quais,
no entanto, afirmam ter tomado a primazia. Em S. Petersburg até
é preferido ao champagne. Em Nova York paguei onze dolares por
uma garrafa e vi homens a matar o seu aroma com gelo em vez de
o aquecer cuidadosamente como Lafitte. Sob a repentina peste de
1852, a terrível "Oidium Tucheri", a energia das pessoas decaiu
e em 1854 a exportaçäo foi reduzida para 1860 pipas. Um pouco
mais que uma pipa por acre era produçäo média da terra, sendo
o máximo quatro pipas. Os melhores solos, como em Fernando Pó,
eram formados por basalto em decomposiçäo e por tufos calcários
vermelhos e amarelos; os piores eram formados por terra dura e
argilosa. Os vinhos da costa sul,em redor do Funchal, eram os
mais elogiados, sendo inigualáveis pela sua consistência, aroma
e delicadeza de sabor. O solo seco das regiöes mais baixas, onde
a planta florescia melhor, tornava o seu cultivo peculiarmente
laborioso. Eram abertas valas no solo com cinco a oito pés de
profundidade, que se estendiam até ao subsolo húmido, remediando
a necessidade de irrigaçäo, mesmo na força do Veräo. Faziam-se
entäo mergulhias sendo a vegetaçäo com pouco valor entre os pes,
como couves e hortaliças, reunida nas valas e enterrada como
adubo. Durante a segunda ou terceira primavera a vinha era
colocada ao longo de uma latada e no norte era unida ao ulmeiro
ou ao castanheiro. Durante três anos näo havia produçäo, e depois
de cada vinte anos toda a plantaçäo de vinha necessitava ser
plantada de novo. A "vendemmia" ou vindima, que se realizava nos
principios ou fins de Setembro conforme o local, nada oferecia
de especial. As uvas colhidas eram esmagadas com os pés numa tina
de madeira grosseira ou num lagar tosco. Depois de uma única
pressäo com alavanca, o produto passava por uma peneira que
retinha os pedúnculos e o mosto era guardado em cubas abertas,
sendo ocasionalmente mexido, durante quatro ou cinco semanas.
Depois da fermentaçäo,era deitado em barris limpos, clareado com
ovos gesso ou sangue de boi; e impedia-se o avinagramento
adicionando em cada pipa um ou dois galöes de aguardente do Porto
Santo ou de Säo Vicente. Vinhos inferiores submetiam-se, em
fornos, a uma temperatura de 140 a 150 graus (F), a qual, depois
de seis meses, fazia com que eles parecessem mais velhos, mas
deixava-os com um sabor seco a fumo.
Ainda restavam algumas pipas de Madeira na ilha, se seräo
mais produzidas, só Deus o sabe. Os comerciantes declaram que o
vinho recuperará, mas näo enquanto vivos. É bem sabido que foi
encontrado um remédio para o oidio.
A vinha é lavada e limpa. Quando aparece o pulverulento
fungo branco, é-lhe aplicado um pouco de enxôfre em pó, e a
ferida é mantida sadia com uma rega de cal. Durante o último ano
várias plantaçöes de vinha obtiveram uma boa produçäo; mas os
Madeirenses dedicaram-se a uma nova industria, aparentemente
instados pelos cinco päes de açúcar que estäo no escudo colonial,
e pelo velho orgulho de que a sua ilha produz o melhor vinho, e
água, trigo e açúcar do mundo. A cana tinha sido introduzida nos
primeiros tempos a partir do Mediterrâneo; O Infante D. Henrique
enviou-a da Sicilia. Mas a competiçäo com a Jamaica e a sua mäo
de obra escrava em breve reduziu os engenhos de 120 a três. A
esperança de mais uma vez ter êxito decai actualmente. A mäo de
obra custa trinta centos por dia e o Português näo trabalha como
um contrabandista de Louisiana. O açúcar näo pode ser produzido
a menos de 4 d. por Lb. e o preço de venda a retalho da produçäo
da ilha é de 6 d. Além disso, as máquinas säo bastante caras e
as hipoteses säo limitadas. Se pudesse ter sido reduzido a
metade, valeria a pena; agora, näo vale. O melhor uso seria fazer
aguardente para uso das pessoas. A terra para o açúcar é
limitada; o extremo mais alto para o seu cultivo no lado sul pode
ser estimado e, 1.000 pés. Por fim, a cana cansa o solo até à
exaustäo, ela requer água e, o que raramente consegue obter,
grandes quantidade de adubo. É evidente que presentemente a
Madeira näo pode competir com Cuba ou com as colónias Britânicas
livres que, dentro de alguns anos, podem expulsar Cuba do seu
mercado, forçando-a a importar, näo a exportar o seu açúcar. Uma
outra indústria é a cochonilha para cujo crescimento se adapta
bem o cacto (O. Tuna) que abunda no terreno. Mas este ramo está
a decair, mesmo em Tenerife, pelo aparecimento da Magenta que irá
extinguir a cochonilha täo eficazmente como o foi Garibaldi em
Aspromonte. No entanto, apesar de todas estas perdas, a Madeira
está mais rica do que na época do comércio do vinho. Só os
Ingleses gastam 30.000 l. a 40.000 l. por ano no Funchal.
Ainda restam algumas pipas de Madeira na ilha, já o disse.
Os comeciantes vendem três qualidades: uma a 80 l., outra a 100
l., e a outra a 110 l., por pipa. A pipa é, no entanto, uma
medida pequena - 92 galöes (= 45 "Dozen"), enquanto a de xerez
é de 108 e a de porto 115. A garrafa, näo adulterada pelos
habitantes de "Cette" custa entre $3 a $5
19. J.L.Thudichum e A. Dupré.1872

Publicado:

A treatise on the origin, nature and varieties of wine, Londres,


1872, pp.691-695.
Primeiro Grupo - Madeira e as Pequenas Ilhas Desertas

Nota Histórica - A Madeira foi descoberta pelos Portugueses


sob o comando do Infante D. Henrique no ano de 1418. Eles
destruiram a floresta à volta da baia sul, agora chamada Funchal
e em 1421 plantaram vinhas que e suposto terem sido trazidas de
Chipre e Candia. O fogo posto às florestas no lado sul da ilha
ocupou os colonos cerca de sete anos e as suas plantaçöes tiveram
um enorme sucesso imediato.

Solo - A Madeira consiste numa base de calcário terciário


que está coberto pelos produtos resultantes da erupçäo dum vulcäo
agora extinto, o Pico Ruivo, 6.000 pés de altura. Estes vários
produtos säo basalto, traquito, tufo calcário e diferentes lavas
posteriores; elas formam declives escarpados com muitas ravinas
e, aqui e ali, consideráveis desabamentos de terra tornam o
terreno muito complicado no que se refere ao acesso e cultivo.
A rocha vulcânica desintegra-se sob a influência da chuva e do
sol e torna-se numa pedra mole ("pedra molla"), que agora se
transforma facilmente num chäo arenoso, no qual todos os tipos
de plantas crescem prontamente. Este solo tem que ser mantido
através de paredes formando pequenos terraços, caso contrário a
água da chuva levá-lo-ía rapidamente pelos vales abaixo, até ao
mar.

Variedades de Vinhas - A Malvasia, que se diz ter vindo de


Candia, é considerada como produtora do melhor vinho Madeira. A
Vidonha é talvez cultivada numa área maior do que a Malvasia; na
forma exterior é semelhante à Chasselas e produz Madeira seco.
Vinhas secundárias säo a Bagonal, a Sercial ou Esgana-Cäo, a
Muscatel e Alicante. Estas produzem uvas brancas, mas as
seguintes produzem todas uvas negras - a Bastardo, a Tinta, a
Negra Mole e a Ferral. No século passado cultivou-se a Pérgola,
uma vinha de uva escura. Com excepçäo do Tinta, a maior parte das
uvas negras säo usadas para fazer vinho branco.

Modo de Cultivo - As vinhas säo amarradas a latadas de


madeira ou canas que variam em altura entre 3 e 6 pés. Por vezes,
as canas säo colocadas em arcos, de modo que as uvas amadurecem
na sombra dos caminhos cobertos. Na parte norte da ilha, as
vinhas säo estendidas sobre árvores podadas e, como consequência,
as uvas säo aguadas e sem qualidade. Durante a estaçäo chuvosa,
de Outubro a Março, as vinhas ficam sem folhas e o vinhedos
surgem entäo nus e desolados. A meados de Março as vinhas começam
a rebentar e no início de Abril estäo bastante verdes; florescem
em Maio e Junho e perfumam todas as partes da ilha. Nesta altura,
as noites frias por vezes danificam a florescência e prejudicam
a colheita. Mas o calor do Veräo, em qualquer dos casos,
rapidamente desenvolve e amadurece as uvas, de modo que a
colheita pode começar no fim de Julho.

Vindima e Vinificaçäo - As uvas säo pisadas e esta massa


é espremida por uma alavanca rude ou uma prensa feita com um
tronco. O mosto fermenta em barris. Quando vendido aos
comerciantes de vinho, é transportado para as suas adegas em
pequenos barris ou odres de pele de cabra amarrados no dorso das
mulas. Desta venda do vinho "em mosto" deve ser distinguida uma
venda posterior do vinho transformado num estado mais claro que
se chama "in limpo". O mosto é geralmente logo misturado com
aguardente que se diz ser entre emio e um galäo por pipa
Portuguesa. Depois de terminada a primeira fermentaçäo, o vinho
é trasfegado de toda a borra e novamente misturado com uma
quantidade semelhante de aguardente. Cerca de três semanas
depois, é trasfegado pela segunda vez, clareado, juntando-se-lhe
novamente um galäo de aguardente. Quando o vinho se torna
brilhante, é trasfegado pela última vez e colocado em grandes
barris para amadurecer. Este processo requere cerca de seis anos.
Antes de ser exportada, cada pipa recebe mais um galäo de álcool.

Maturaçäo do vinho - A maturaçäo do vinho pode ser


efectuada apenas pelo tempo, mas ela obtém melhores e mais
rápidos resultados quando ajudada pelo calor e pelo movimento.
Com essa finalidade, o vinho é colocado em navios como mercadoria
e enviado para uma viagem mais curta ou mais longa às ïndias
Ocidentais ou Orientais, a Java ou à China. Depois do seu
regresso, tornou-se vinho viajado ou "vino de roda". É provável
que o calor e o moviemnto a que o vinho se submete causem uma
oxidaçäo mais rápida das componentes extrativa e adstringente e
uma formaçäo prematura das outras, às quais o vinho deve o seu
sabor. Os vinhos que näo säo embarcados, säo colocados em
depósitos que podem ser aquecidos e deixados lá durante algumas
semanas ou meses. Este processo também produz uma oxidaçäo mais
rápida e, além disso, destrói qualquer fungo que possa tornar o
vinho gasoso ou, de outra maneira prejudique, o seu sabor. Pois
o Madeira, como todos os vinhos do sul, está sujeito a muitos
acidentes tais como a gasificaçäo, viscosidade, sabor amargo,
acetificaçäo; e muito vinho que é enviado num estado impróprio,
regressa mais ou menos estragado. Contra estes azares, juntar
aguardente tem sido até aqui o único remédio, mas os produtores
de vinho pelo menos têm tido o bom gosto de restringir a adiçäo
de álcool ao minimo compatível com a segurança.

Qualidade dos Vinhos - O vinho Madeira, normalmente assim


chamado, é um liquido mais ou menos côr de âmbar, de um peculiar
sabor agradável. Nele reside o caracter das uvas Malvasia e
Vidonha. A Sercial também lhe dá qualidades peculiares,
nomeadamente adstringência e, com esta, qualidades duradouras.
Mas a aspereza assim produzida retarda de algum modo a sua
maturaçäo. A maior parte do Madeira é seco, isto é, sem açúcar,
sendo assim capaz de ser conservado com menos aguardente do que
vinhos doces. As qualidades superiores melhoram durante dez anos
em barril e depois durante dez anos em garrafa, depois disso
tornam-se menos perfeitos. As variedades de vinho tinto na
Madeira näo se distinguem nem pela qualidade nem pela grande
quantidade. Elas parecem-se com os vinhos mais fracos de
Portugal, os "Consumos".

Classificaçäo do Cultivo - Os melhores vinhedos do lado sul


pertencem à Família Real de Portugal e os seus produtos näo säo
comercializados. A melhor regiäo que produz vinhos para venda é
o Pago de Pereira. Vinhedos de segunda classe säo os da
Calheta, Arco da Calheta, Ponta do Sol, Ribeira Brava, Câmara de
Lobos, Estreito, Säo Martinho e Santo António. Os vinhos do lado
norte da ilha säo principalmente usados para o fabrico de
aguardente. Os vinhedos mais notáveis nesta parte säo os do Porto
da Cruz, Säo Jorge, Ponta Delgada, Porto Moniz, Säo Vicente e
Seixal.

Quantidade de Vinho Produzido - Antes de 1852 a Madeira


produzia anualmente cerca de 20.000 pipas de vinho e, em anos
abundantes, por vezes 30.000 pipas. Mas na Primavera de 1852,
logo a seguir ao tempo da florescência, o oídio invadiu os
vinhedos e em poucas semanas destruiu completamente as colheitas.
Com excepçäo de 1856, em cujo ano cerca de 200 pipas de vinho
foram feitas no norte da ilha em Ponta Delgada e no Arco de Säo
Jorge onde a vinha é cuidadosamente colocada em latadas baixas
perto do solo e näo puxada para cima das árvores podadas, näo foi
feito qualquer vinho na ilha durante os cinco anos que
antecederam 1857. Isto causou uma perda anual para os proprietá
rios e cultivadores superior a 230.000 libras esterlinas. Os
proprietários arrancaram as vinhas e plantaram cana-de-açúcar e
abóbora amarela; as latadas antigamente carregadas com uvas,
agora tornaram-se amarelas com as abóboras. A partir de 1860 a
vinha passou a ser mais cultivada na Madeira; todavia, a
exportaçäo de vinho em 1871 ainda näo chegou a um décimo do que
era em 1850.
A lei territorial da Madeira é muito complicada o que torna
a venda e compra de terra quase impossível. Como consequência,
há poucas hipóteses de emprego do capital e é possível, embora
muito lamentável, que a Madeira nunca consiga recuperar o seu
valor vitícola, acabando por cair nas baixas posiçöes das ilhas
Turcas do Mediterrâneo.
20.S.G.W.Benjamin.1878

Publicado:

The Atlantic islands as resorts of health and pleasure, N.Y.,


1878, p.116.
Logo depois de sairmos dos limites do Funchal, avistamos
a vila de Câmara de Lobos e o Cabo Giräo, um rochedo vertical de
2185 pés de altura, com base nas águas marítimas que se avistam
lá me baixo. É o promontório mais alto do mundo. Deixando-o à
nossa esquerda, entrámos na regiäo do Estreito que é virtualmente
a regiäo produtora de vinho da Madeira, estando as suas encostas
densamente cobertas de vinhas colocadas em latadas que
frequentemente cobrem o caminho com um arco. O pouco vinho
produzido no lado norte e no Porto Santo é de qualidade inferior
e é transformado em aguardente que será misturada com o melhor
Madeira. A vinha foi inicialmente introduzida na ilha vinda de
Chipre em 1425 e o vermelho chäo vulcânico deu-lhe um sabor que
lhe trouxe uma rápida fama. O estudante de Shakespeare lembrar-
se-á da alusäo de Poins a ele quando este diz a Falstaff "Jack,
como concordaram o diabo e tu sobre a tua alma, que tu lhe
vendeste na última Sexta-Feira Santa por um cálice de Madeira!"
Até 1852 este nobre vinho continuou a brilhar na mesa daqueles
cujas adegas continham os vinhos mais raros. Nesse ano, a
produçäo foi de cerca de 20.000 pipas. Depois, sem aviso, uma
doença - um fungo na planta e no fruto chamado "Oídium Tuckeri" -
apareceu e em 1853 a produçäo decaiu para 100 pipas. Isto
continuou durante doze anos. o prejuizo resultante do súbdito
colapso das fontes produtoras de riqueza da ilha ultrapassou
qualquer espectativa. Algum tempo depois, o cultivo da cana-de-
açúcar restaurou uma parte da properidade perdida da Madeira.
Todavia, mais tarde foi encontrada uma forma de combater a
propagaçäo da doença e de retomar parcialmente a produçäo de
vinho. Isto é feito sulfatando tanto a videria como as uvas
através de um processo muito trabalhoso, como se pode imaginar.
O vinho Madeira "par excellence" é feito da mistura de uvas
negras e brancas e de uma côr de suave clareto gradualmente
empalidece até atingir uma tonalidade de topázio de uma riqueza
surpreendente. Quatro outras qualidades säo também produzidas -
Malvasia, Bual, Sercial e Tinta, todas excelentes. A primeira é
demasiado conhecida para necessitar mais qualquer mençäo; a
última, da uva de Borgonha é um vinho tinto suave.
21. Henry Vizetelly.1880

Publicado:

Facts about Port and Madeira(...), Londres, 1880, pp.149-202


PARTE III

VINHEDOS E VINHOS DA MADEIRA E TENERIFE

I. A VIAGEM æ MADEIRA - A VINDIMA EM SANTA CRUZ E SÄO JOÄO

A Fama inicial do vinho da Madeira - Viagem para a Ilha a bordo do African - despedidas
em
Southampton - O Navio aporta em Plymouth - Os nossos Amigos Passageiros - Variedades
de Peixe e Caranguejo
da Cidade do Cabo - História da Descoberta Espantosa do Engenheiro Chefe Jones -
Avistamos o Porto Santo
e depois a Madeira - Aparência da última vista do mar - Veículo anfíbio de desembarque
Madeirense - Carros
de Bois e Carroças - Excursäo de Barco a Santa Cruz - O Vinhedo da Messrs. Krohn aí
situado - O Método
de colocar as Vinhas - Colhendo e Pisando as Uvas - A Proximidade Agradável de um
Tubaräo - Passeio à Quinta
do Monte - A Vindima no Vinhedo do Sr. Leacock em Säo Joäo - Tratamento das Vinhas
atacadas pela Filoxera
e pelo Oídio - Pisando e Espremendo as Uvas - Um Homem que pisa as uvas agita-se sobre a
Vara.

Ao visitar a Madeira para testemunhar e descrever a


vindima e para conhecer os vinhos que a ilha produz, tornou-se
um ponto de curiosidade para mim saber como será possível que um
vinho, antigamente täo famoso em toda a Europa, tenha saído de
tla modo de moda, como parece ter acontecido com o Madeira. Ele
escapou aos ataques persistentes e muitas vezes ignorantes contra
o Xerez e o Porto, pois ninguém acredita que o vinho tenha sido
tratado com sulfato de cálcio para neutralizar a acidez ou
indevidamente alcoolizado. Além disso, nenhum oráculo médico
publicou a sua ignorância sobre os detalhes da vinificaçäo do
vinho. No fim do século quinze, o vinho Madeira, era já exportado
para a Europa e, a meados do século dezasseis, era tido em grande
valor na côrte de Francisco I de França. Pela referência que
Shakespeare lhe faz em Henrique IV quando Poins censura Falataff
por causa do acordo que ele fizera com Satanás sobre a sua alma,
acusando secamente Jack por «a ter vendido a Satanás na última
Sexta-feira Santa por um cálice de Madeira e uma perna fria de
frango», realça-se a ideia de que era bem conhecido em Inglaterra
näo muito tempo depois.
Abandonámos Inglaterra a bordo do African, pertencente à
Union Steamship Company, que leva alguns dos mais rápidos navios
até ao Cabo da Boa esperança, Natal e outros portos na costa
sudeste de åfrica. Uma rápida passagem por Waterloo e uma suave
viagem através das alegres regiöes de Surrey e Hampshire, cujas
colheitas douradas, à espera da foice do ceifeiro, se estendem
por entre agradáveis herdades Inglesas, anichadas por baixo de
montanhas cobertas de árvores, levou-nos até Southampton, onde
os cumprimentos e despedidas se sucediam uns aos outros todos os
dias durante todo o ano. Como de costume, uma multidäo de
visitantes, amigos ou familiares de passageiros que partiam ou
funcionários do barco, subiram ao navio antes da sua partida e
seguiu-se um almoço sem restriçöes para todos os que se
encontravam a bordo. Havia um senhor alto com uma barba preta que
parecia querer dizer alto muito delicado a uma bonita jovem que
viajava para a Madeira sob a protecçäo do capitäo, mas havia
sempre um amável amigo que conseguia meter-se a meio. Um
passageiro de primeira classe do sexo feminino, esposa do
prospector de diamantes do Cabo, chegou a bordo num horrível
estado de embriaguez, para muito escândalo de quem a observava.
Ela abandonou imediatamente o companheiro e foi levada ao seu
camarote, näo voltando a aparecer até termos passado em segurança
pelas águas turbulentas de Biscaia e estarmos a rumar directamen
te para a baia do Funchal.
Algumas despedidas eram forçosamente comoventes enquanto
outras assemelhavam-se a uma ruidosa alegria irreal. Dizia-se
piadas e bebia-se copos de despedida e o imponente navio desejava
"Boa Viagem", mas, ao mesmo tempo, olhos humedecidos desmentiam
os lábios que muito riam. O nosso amigo alto de barba há muito
tempo que estava à espera da sua oportunidade e agora conseguiu-
a, e enquanto se dobrava sobre a donzela de olhos brilhantes,
inclinada para o lado de fora do barco como nós próprios, reuniu
coragem para dizer qualquer coisa que deve ter sido bem objectiva
pois os ingénuos olhos azuis baixaram e um rubor carmesim
espalhou-se por todo o rosto da rapariga. Finalmente tocou o
último apito, quem näo era passageiro foi convidado a retirar-se
e com um acompanhamento em coro gritando «levantar âncora», ela
foi lentamente içada, deixando de impedir o nosso progresso.
Eram já três horas da tarde quando nos pusemos a caminho
e navegámos pelas águas de Southampton. Depois, contornando a
Ilha de Wight, passando por Osborne, onde uma bandeira içada e
três navios de guerra ancorados a pouca distância da costa,
faziam notar a presença da Realeza, deixámos as Needles para trás
e seguimos a costa até Plymouth, que, situado entre as ondas
sussurrantes de um «Canaletto» de tonalidade verde e o céu azul
salpicado de nuvéns fantásticas, ficava mesmo muito pitoresco,
com o Monte Edgcumb erguendo-se à esquerda o seu aprque magestoso
extendendo-se até à borda do penhasco, e reflectindo a sua
folhagem de um verde profundo na água em turbilhäo, lá em baixo.
Em Plymouth embarcou um grupo de duros homens da Cornualha
com destino ao Cabo onde esperavam fazer fortuna logo de seguida,
como muitos outros que partiram antes deles mas que depois
regressaram mais pobres em vez de ricos. O Cabo näo é nenhum
lugar do Tom Tidler e «estrelas da åfrica do Sul» säo muito menos
abundantes que o fruto do mangueiro. Na realidade, as coisas
estavam muito más « lá no sul», segundo colonos que regressavam
a bordo do African, e a situaçäo näo melhorou por causa da
rivalidade que, aparentemente, existe entre homens da província
de Este e Oeste. Foi nesta viagem que, pela primeira vez, me
apercebi do facto surpreendente - que me foi contado por um
Escocês astuto que se tinha instalado «para Oeste, Senhor, numa
parte decente do país» - que os produtos principais daquela
localidade mergulhada nas trevas da ignorância, a Cidade do Cabo,
säo lúcios marinhos e caranguejos, uma afirmaçäo que, se repetida
perto de um natural da Cidade do Cabo, é suficiente para o pôr
completamente furioso. Um colono a bordo tomou a liberdade de
afirmar que a grande dificuldade relacionada com o Parlamento
Colonial surgiu deste «lúcios marinhos e caranguejos» muito
característicos da Cidade do Cabo, que durante anos foram täo
caritativamente devorados pelos membros de distritos afastados,
que estes, em completa repugnância, declararam firmemente que näo
suportariam mais tal situaçäo. Outro homem do Oeste afirmou que,
neste caso, a Cidade do Cabo seria completamente arruinada, pois
ela tinha subsistido durante muitos anos pelo pouco dinheiro
gasto lá pelos membros provinciais do Parlamento, e se ela fosse
privada dessa fonte, o resultado inevitável seria a miséria e a
desolaçäo. No entanto, outro colono dos arredores de Kaffirland -
que maliciosamente afirmou que muitos missionários passam o tempo
a beber «Allsopp» engarrafado e a decorar o «London Society», em
vez de converterem os negros pagäos, usando, além disso, aqueles
lindos e de elevada moral lenços de mäo, imprimidos, destinados
a eles para seu uso exclusivo - tornava as coisas piores ao
afirmar que a água de Table Bay tinha um carácter täo pestilento
que até os lúcios marinhos e os caranguejos näo podiam mais viver
nela, e que estavam a entregar-se às frescas águas de Port
Elizabeth ou a aparecer mortos e com um desagradável mau cheiro
na praia em frente à Cidade do Cabo!
É difícil imaginar cinco dias de viagem mais divertidos do
que os que tivemos, embora a passagem fosse desprovida de
qualquer incidente particular. Foi um óptimo alívio fugir a
cartas a pedir respostas, às aborrecidas solenidades dos jantares
Londrinos e à atmosfera sufocante dos teatros de Londres, estar
completamente privado de jornais e liberto da preocupaçäo de
telegramas contraditórios, vindos directamente do campo de
batalha no Danúbio. Entre as nossas mais árduas ocupaçöes estavam
observar um cardume de golfinhos brincalhöes ou o rápido voo dos
alma-de-mestre tempestuosos. A nossa maior ansiedade para com o
futuro acabava com a hora das refeiçöes, as quais, embora fossem
frequentes bem como excelentes, eram invariavelmente esperadas
com muita impaciência desprezível.
Um dos passageiros contou uma óptima história de um
incidente que teve lugar numa sua viagem ao Cabo, numa altura em
que a febre dos diamantes estava no seu auge. O Engenheiro Chefe
Jones apareceu uma tarde no tombadilho da popa e levando a mäo
à boina para cumprimentar o Sr. Verdant Foz - um passageiro com
destino à Cidade do Cabo que se orgulhava pela sua perspicácia,
embora a sua simplicidade fosse por vezes difícil de suportar -
calmamente inquiriu, «Por favor, senhor, pode dizer-me o que é
isto aqui?» Os olhos do Engenheiro Chefe Jones piscaram, pegou
numa pequena pedra rude translúcida para examinar, a qual o Sr.
Verdant Fox nervosamente agarrou e levou à luz. Durante algum
tempo ele pareceu espantado e virava constantemente o objecto na
sua mäo. Assumindo depois um aspecto conhecedor, perguntou de
onde veio a pedra. «Simplesmente encontrei-a lá em baixo, senhor,
entre o carväo. pensei que parecia um pocado bonitinho de calhau
e trouxe-o para lhe mostrar. Julga que vale alguma coisa?» «Bom,
näo me importo de lhe dar cinco libras por ela,» exclamou o Sr.
Fox bastante imprudentemente. «Cinco libras! ah, está a brincar!
Mesmo assim parece-me que vale alguma coisa, por isso vou dá-la
à minha velha quando regressar.» O Sr. Fox pareceu desapontado.
«Mas como é que conseguiu encontrá-la?» perguntou. «Bem, vi
qualquer coisa com aspecto esbranquiçado entre o carväo, parei
e peguei nesta pedra aqui.» «Bem, Jones, meu rapaz, tudo o que
posso dizer é que é um verdadeiro diamante.» Naturalmente o Jones
pareceu exultante e, alegre, continuou o seu caminho, enquanto
o Sr. Fox começou a espalhar a notícia da «descoberta» pelo
tombadilho da popa.
Claro que tal afirmaçäo foi recebida com incredibilidade
geral; mas dois ou três dias depois ocorreu outra descoberta -
um fogueiro descobriu duas pedras perto uma da outra, no mesmo
monte de carväo - e uma grande sensaçäo surgiu a bordo. Um ou
dois membros empreendedores da sociedade privadamente decidiram
comprar a mina de onde vinha o carväo e o Sr. Verdant Fox e
alguns amigos passaram os seus dias lá em baixo na carvoeira e
na sala das máquinas, peneirando carväo e vasculhando nas cinzas.
Ocasionalmente o Engenheiro Chefe Jones juntou-se a eles na sua
interessante procura; e, embora curiosamente nenhum dos
passageiros descubrisse alguma coisa, Jones, uma manhä, fez uma
valiosa descoberta com a forma de uma pequena pedra, embora muito
bonita, que ele logo vendeu a bordo por 40 Libras em dinheiro.
A excitaçäo chegou, assim, ao ponto mais alto e muitos
passageiros passaram o tempo todo a procurar no meio do carväo.
Mas, de repente, surgiu uma revelaçäo espantosa, que estes
«caçadores» de diamantes receberam tanto com incredibilidade como
com vexaçäo mal escondida. Foi afirmado que tudo o que aconteceu
näo foi mais que uma partida bem organizada. Os diamantes eram
verdadeiros mas nunca foram encontrados entre o carväo. Foram
dados oa Jones por um pesquisador de diamantes a bordo, que
estava a regressar ao Cabo com algumas pedras rudimentares ainda
em sua posse, e que tinha planeado a falsa descoberta para se
divertir à custa dos seus companheiros de viagem que mais
facilmente se deixassem levar.
Ao nascer do dia, no nosso quinto dia de viagem, avistámos
a ilha do Porto Santo, erguendo-se do mar como um fantasma -
Porto Santo, «o porto santo», de onde os primeiros colonizadores
Potugueses viram a nuvém que aparentemente estava a oeste e que
depois demonstrou ser a rochosa «Ilha da Madeira» - segundo os
antigos místicos, a «Ilha dos Abençoados», e a Madeira de hoje em
dia. Colombo residiu algum tempo no Porto Santo e na Madeira -
casando com uma filha de um governador Português do primeiro
local - antes de partir na sua aventura em busca do novo mundo.
Antes do meio dia passámos por perto do grupo de pequenas ilhas
conhecidas como as Desertas, e avistámos completamente a própria
Madeira, os áridos montes rochosos e as montanhas cobertas de
pinheiros, os quais nos tomaram de certo modo de surpresa quando
cosneguimos ver a ilha pela primeira vez. No entanto, tudo se
alterou conforme nos aproximámos do Funchal, e pequenas aldeolas
formadas por casas muito brancas, que se distinguiam em grupos
acolhedores na costa ou nos vales e ravinas, situadas por entre
os vinhedos em latada ou pequenos pedaços de terra com cana-de-
açúcar, e a fertilidade da ilha tornou-se suficientemente óbvia.
Finalmente dobrámos a «Brazen Head» e apareceu o Funchal,
estendendo-se na base das magestosas montanhas, e com as ondas
a quebrarem na praia. Mesmo à esquerda, fortins pouco resisten
tes, aparentemente com a finalidade de defesa, apresentavam as
suas torres brinquedo e ameias irregulares e, quando passámos por
esse lugar, a construçäo semelhante a um castelo na Loo rock
anunciou a nossa aproximaçäo disparando um dos enferrujados
canhöes que se carregam pela boca, que decoram as suas canhoeiras
em desagregaçäo. Em breve, o African lançou âncora, um enxame de
barcos aproximou-se e a parte anfíbia da populaçäo da ilha
começou a mergulhar no mar para apanharem moedas de prata que os
passageiros, de vez em quando, atiravam para fora do barco. Cerca
de um quarto de hora depois encaminhávamo-nos para a costa, onde,
devido à rebentaçäo e à inclinaçäo da praia, recorria-se a bois
para puxar os barcos para cima. Além disso puxavam a nossa
bagagem em cima de uma espécie de trenó até à Alfândega, enquanto
outros bois nos transportavam até ao nosso destino, numa
carruagem de vimes, que deslizava em cima de uma espécie de trenó
pelas ruas empedradas. Por causa das suas ruas inclinadas e
peculiarmente pavimentadas, nunca säo usados na Madeira veículos
sobre rodas.
A nossa primeira excursäo foi a um vinhedo pertencente à
Messr. Krohn, situado um pouco acima da pequena aldeola à beira
mar chamada Santa Cruz, um ponto de reuniäo favorito na
Primavera, a cerca de doze milas a este do Funchal e de onde se
tem uma vista completa do grupo das ilhas Desertas. Quatro
vigorosos remadores queimados pelo sol levaram-nos mais longe
numa hora e meia. Uma pequena baia, alguns barcos, um grupo de
casas brancas mais ou menos escondidas por entre as árvores,
algumas pequenas casas de campo empoleiradas a meio da encosta
com pequenos pedaços de terra com vinhas, canas-de-açúcar e
batatas doces plantadas em poios ao longo das encostas da ravina
- estas säo as principais caratcerísticas de Santa Cruz vista do
mar. Ao chegar a terra, atravessámos a praça, ou passeio público,
plantada com árvores que davam muita sombra; depois atravessámos
um pequeno bosque de loureiros a cerca de quarenta ou cinquenta
pés de altura e em breve encontrámo-nos a subir a encosta onde
fica situado o vinhedo que tinhamos vindo ver.
Como em todos os vinhedos da Madeira, a sua área é
limitada, compreendendo apenas quatro acres, estando rodeado de
muralhas por todos os lados. Embora nas vertentes da ravina a
superfície tenha sido nivelada, trazendo-se terra de outros
lugares de modo a apresentar apenas uma subida em direcçäo à
extremidade mais distante onde há uma agradável casa de campo
rodeada de raras árvores tropicais ou outras. Estas incluem
oleandros, brilhantes quando em flor e ricos em perfume;
«criobotrya japonica», que produz um fruto amarelo com a forma da
ameixa, que amadurece na Primavera; anonas, um fruto aromático;
goiabas; romäzeiras em flor com os seus espantosos botöes
escarlates; pitangueiras, produzindo um fruto parecido ao morango
em sabor; árvores do café e da pimenta, com a sua folhagem
semelhante a penugem e muitas outras. Elevaçöes abruptas
apresentando poios cultivados e com abetos coroando os seus
cumes, rodeiam o vinhedo de ambos os lados. A maioria das vinhas,
que säo principalmente da qualidade verdelho, com uma quantidade
insignificante de tinta, ou uva negra, säo colocadas sobre uma
baixa latada horizontal, a uma altura de cerca de quatro pés do
chäo, quase uma cópia do sistema de colocar as uvas que prevalece
em certos distritos vinicolas da Alemanha chamado «Kammerbau». As
restantes vinhas säo colocadas mais altas em relaçäo ao solo
naquilo que é chamado corredor, oferecendo as latadas colocadas
por cima uma agradável sombra para os calores do Veräo. Estas
latadas säo construídas em cana ou madeira de pinheiro, com
estacas de castanheiro a servirem de suportes. Näo havia sinal
de filoxera entre as vinhas e, se considerarmos a humidade pouco
usual da última estaçäo, poucas uvas apodreceram, tendo sofrido
mais das legiöes de lagartixas e dos enxames de abelhas e vespas
do que de qualquer outra causa. Na realidade, a ilha está coberta
de lagartixas. Elas trepam as paredes mais altas e alimentam-se
de uvas; enquanto, no que se refere às abelhas, embora seja
proibido tê-las na vizinhança de vinhedos, a proibiçäo näo é
respeitada e, geralmente, perdem-se os melhores cachos de uvas
nas suas depradaçöes.
Aqui, os trabalhadores que colhem as uvas säo todos homens,
com barba preta, descalços, e com roupas esfarrapadas, com a sua
pele quase täo castanha quanto os seus calçöes cor de mogno. Eles
apanham as uvas e atiram-nas para dentro de redondos cestos
abertos com pegas, esvaziando-os depois num cesto maior,
semelhante na forma e conhecido como o «cesto da vindima». Este
último cesto tem capacidade para mais de um quintal de uvas,
mais ou menos o suficiente para produzir um barril de mosto, o
mesmo que um pouco mais de nove galöes imperiais. A casa do lagar
ficava no centro do vinhedo, e o próprio lagar era formado por
uma enorme tina de madeira, semelhante ao usado na regiäo do
Xerez. No entanto, em vez de um parafuso de metal elevando-se no
centro do lagar, uma enorme trave de madeira, como aquelas usadas
nas proximidades de Lisboa e no Alto Douro, está pendurada no
meio do lagar e ajuda na extracçäo do sumo das cascas de uvas
amontoadas, depois destas terem sido bem pisadas por vários pés
acastanhados. No entanto, antes dos pisadores entrarem no lagar,
o próprio peso das uvas produz um fluxo contínuo de sumo que
corre para a tina contígua - um regato que se torna uma torrente
quando se começa a pisar. Os homens, dispersos pelo lagar,
começam com um movimento lento e regular, depois esticam os
braços e agarram-se na enorme trave interveniente, aproximando-se
e afastando-se rapidamente um do outro, dando, ocasionalmente,
meia volta uma vez para a esquerda, uma vez para a direita,
abrandando, depois, os seus movimentos agitados para um tipo de
dança lenta e monótona. Näo conseguimos assistir ao fim da
operaçäo, e iniciámos o nosso regresso ao Funchal, encontrando
no nosso caminho um tubaräo, a uma distância de nós de três
comprimentos de barcos, a nadar despreocupadamente no mar. Os
homens do barco disseram que näo havia perigo. No entanto, nós
observamos a distância crescente entre nós e a enorme bocarra do
animal com um certo grau de satisfaçäo. Ao chegar ao Funchal
subimos uma íngreme rua pavimentada, que em certas partes era
apenas formada por escadas de pedra, até à Quinta do Monte, a
linda moradia de campo do Sr. Leland Cossart, situada a algumas
milhas na montanha e a alguns milhares de pés acima do mar. Neste
lugar encantador, com extensos jardins, apresentando um admirável
gosto e plantados com folhagem luxuriante, tivemos a vantagem de
ficar durante a maior parte do tempo que passámos na Madeira.
Um ou dois dias depois da minha excursäo a Santa Cruz, tive
oportunidade de observar a vindima em Säo Joäo, a noroeste do
Funchal, num vinhedo com cerca de treze acres de extensäo e muito
bem cultivado pelo seu proprietário, o Sr. Leacock, cuja casa é
uma das mais velhas no negócio do vinho Madeira, datada do ano
de 1749. Aqui, as vinhas plantadas em canteiros elevados que
formam um rego entre as diferentes filas , säo colocadas ao longo
de arames horizontais, sustentados por postes inclinados, que se
juntam na parte superior, formando um V invertido. As vinhas säo
também mais cuidadosamente podadas do que é costume, sendo
prática comum deixar as suas hastes tornarem-se em madeira. Näo
há muitos anos, o vinhedo do Sr. Leacock foi atacado pela
filoxera e muitas vinhas foram seriamente afectadas. No entanto,
o proprietário, através do seu atento cuidado e de tratamento
sensato, incluindo a aplicaçäo de uma espécie de verniz nas
raízes principais da vinha, o qual neste caso parece ter sido o
necessário, conseguiu recuperar a maior parte das vinhas doentes,
atingindo uma condiçaö comparativamente saudável. O cultivador
de vinha na Madeira tem näo só pavor da filoxera, como também que
proteger as suas vinhas contra o oídio. Isto consegue-se
enxofrando-as, mas esta prática tem a desvantagem de se tornar
difícil retirar todo o enxofre do fruto. O Sr. Leacock faz isto
com a ajuda de um fole e escovas que as mulheres aprenderam a
usar com paciência e geito na estaçäo do ano em que as cascas das
uvas começam a brilhar. Embora o vinhedo possua menos de treze
acres, as uvas säo colhidas em näo menos de oito alturas
diferentes, sendo apenas apanhados em cada momento os cachos
completamente maduros. Por este motivo, a vindima que começou a
24 de Agosto, durará um período de três semanas completas. Quem
colhia as uvas eram mulheres descalças, com vestidos leves e
casacos brancos de linho, com lenços vermelhos e amarelos
amarrados à cabeça. A sua remuneraçäo era equivalente a apenas
7,4 d. por dia, enquanto que os homens que recolhiam as uvas
nos cestos maiores e as pisavam no lagar recebiam um equivalente
a 1s. 3d.
A casa do lagar é uma construçäo baixa de pedra com um alto
telhado, iluminada por algumas pequenas janelas, e à sombra dos
grandes ramos de um óptimo espécime da eriobotrya japonica.
Possui vários lagares, sendo o maior deles capaz de espremer
quatro ou cinco pipas de mosto ao mesmo tempo. Encontrámos seis
homens a trabalhar lá, três em cada lado de uma espécie de trave
divisória ou vara. O primeiro sumo que saiu foi deitado num
balceiro ou pequena tina, contendo cerca de oitenta galöes, e que
possui uma torneira na parte mais baixa, para permitir que o sumo
saia depois dos restos de enxofre que ficaram nas uvas se terem
depositado na parte mais baixa. Os pisadores fizeram várias vezes
o mesmo movimento que já descrevemos, e quando o sumo já näo saia
do lagar através da abertura que ficou tapada com as uvas
esmagadas, estas foram empilhadas no centro ou aos lados,
pressionadas e lçevemente espremidas com as mäos, e o sumo,
conforme ia escorrendo, era coado, passando por um cesto
pendurado na bica ou tubo do lagar. Este empilhamento foi
repetido três vezes, conhecidas como a primeira, segunda e
terceira abertura, e depois passou-se a outra operaçäo - a massa
é reunida de modo compacto num monte central, ficando pronta para
receber a corda, que foi cuidadosamente enrolada à sua volta, com
espaços pelo meio, pelos quais o sumo podia passar. Um forte
disco de madeira, reforçado com pedaços cruzados, foi colocado
na parte de cima, e sobre este foram colocadas, transversalmente,
várias pequenas barras quadradas de metal, e uma forte tábua por
cima de tudo. A pressäo é exercida sobre este monte através do
parafuso perpendicular numa das duas extremidades, que se apoia
numa enorme pedra a alguns pés do lagar. O sumo espremido deste
modo chama-se vinho da corda. Depois de uma ou duas horas nesta
operaçäo, a massa sólida é quebrada com as mäo ou, se necessário,
com enxadas, e depois começa a repisa, um vigoroso movimento de
dança ou saltos executado sobre as cascas de uvas aparentemente
secas. Faz-se isto para esmagar, de maneira eficaz, aquelas uvas
que estäo já em passas e que se tornaram mais moles por terem
ficado de molho no sumo produzido. A repisa dura cerca de meia
hora, e os homens alegram o seu trabalho com uma variedade de
piadas, partidas ou outras. Por vezes, doisd eles de uma lado da
trave subitamente agarram um camarada e atiram-no por cima da
trave para o outro lado, onde os homens o receberäo com os braços
abertos, mas só para o atirar de volta outra vez por cima da
trave, entre o riso de todos. As cascas das uvas säo novamente
empilhadas; depois deita-se água por cima delas, e säo bem
revolvidas e espremidas pela última vez, produzindo a água pé que
se dá aos trabalhadores para beberem.

II. OS VINHEDOS DE SÄO MARTINHO, CÅMARA DE LOBOS, DO


ESTREITO, QUINTA GRANDE, SANTO ANT NIO E OUTROS.

Uma descida em Carro de Cesta para o Funchal - Excursäo com um Grupo de Pessoas
transportadas em Redes
aos Vinhedos no Lado Sul da Ilha - Encontro com alguns Boracheiros trazendo para baixo,
em Odres de Pele
de Cabra, Vinho acabado de fazer - A Freguesia de Säo Martinho - A Ravina da Ribeira dos
Socorridos - Vista
do Pico de Câmara de Lobos - Os seus Vinhedos destruídos pela filoxera - Pequeno Almoço
na Escola de uma
Dama - os Vinhedos do Estreito - Atravessamos o Ribeiro do Vigário - Subida até ao Cabo
Giräo, o mais alto
Promontório do mundo contra o qual o Mar joga com Violência - Almoçamos lá e os nossos
Carregadores fazem
a sua Sesta - Descida ingreme e Difícil para Câmara de Lobos - Regressamos ao Funchal de
Barco - Perigoso
Redemoinho da Ponta da Cruz - Excursäo a Cavalo aos Vinhedos do Distrito de Santo
António - Os Mirantes
Madeirenses ou locais de Observaçäo - Vestuário escasso usado pelas Crianças - Os Poios da
Madeira com
muitas centenas de Milhas - Posse da Terra na Ilha - Renda paga em Géneros - O Vinhedo do
Senhor Salles -
Visitamos o Vinhedo conhecido como Mäe dos Homens, num carro de bois - Achamos os
Animais mais Pacientes
e Calmos do que os seus Condutores Excitados e Barulhentos - Os Vinhedos Principais no
Lado Norte da Ilha.

Na manhä seguinte à nossa visita a Säo Joäo, fomos


acordados logo depois das cinco horas com a notícioa de que
homens com carros de cesta estavam à espera para nos levarem do
Monte ao Funchal, donde carregadores de redes transportariam
alguns de nós através de vários dos principais distritos de
viticultura, no lado sul da ilha. Por volta das seis deslizávamos
por um caminho íngreme e escorregadio, a uma velocidade que
ocasionalmente chegava às vinte milhas à hora. O carro de cesta,
no qual fizemos a nossa descida - o método usual de chegar ao
Funchal -, desliza sobre patins de madeira, com relativa
facilidade, uma vez posto em movimento pelo seu par de ágeis
condutores, que o guiam com as suas mäos ou com a ajuda de
tirantes de cabedal presos à frente de ambos os lados. Quando o
caminho é muito íngreme, os homens pressionam um dos seus pés na
armaçäo do carro para diminuir a velocidade e sempre que querem
tornar suave seguram os tirantes de cabedal com os ombros e puxam
o carro como um par de corcéis. A primeira vez que se encontre
a ser täo rapida e bruscamente transportado por uma rua
grosseiramente pavimentada embora escorregadia e que veja perante
você os íngremes declives que está quase a descer, ou as curvas
agudas que têm que ser feitas neste ritmo de partir o pescoço,
está inclinado a sentir-se um pouco nervoso. Mas em breve chega
à conclusäo que, se este näo é exactamente o modo mais seguro,
é o mais fácil e o mais agradável, pois é, sem dúvida, o único
modo rápido de viajar na ilha. Formávamos um grupo de quatro, e
cada um tinha os seus carregadores de rede - homens ágeis e
musculosos, dois dos quais carregavam a rede, enquanto o terceiro
revezava um ou outro de tempos a tempos. Como era necessário
levarmos os nossos mantimentos connosco, um grupo de homens e
rapazes foram contratados para este fim, de modo que o nosso
grupo era, na totalidade, considerável. As redes, que säo
suspensas em fortes varas com cerca do mesmo tamanho que um
gurupés de um pequeno barco à vela, devem ter um peso considerá
vel quando ocupadas; mas os nossos carregadores partiam täo
ligeiros como se o seu peso fosse apenas um bordäo com uma
trouxa, e caminhavam pela íngreme rua acima a pelo menos quatro
milhas à hora.
Depois de termos saído do distrito do Funchal, atravessámos
a ravina do Ribeiro Seco, estando a estreita rua da montanha
ladeada por sebes de amoras silvestres, misturadas com
madressilvas, rosas e gerânios e, ocasionalmente, figos do
inferno. Aqui e ali, as fazendas, ou terras cultivadas, que,
devido ao carácter montanhoso e rochoso da regiäo, formam
frequentemente pequenas porçöes de terra no limite da encosta,
säo cercadas por paredes de pedra nas quais se pode ver jovens
lagartixas a subir em rápidas correrias. Passamos por baixo de
corredores de vinha, por pequenos pedaços de terra com cana-de-
açúcar e figueiras com sombra, com pequenos cursos de água a
gorgolejar ao passar ao nosso lado. à nossa direita elevam-se os
picos de Säo Martinho e Santo António, o primeiro coberto até
metade com vinhas, enquanto as maiores montanhas por detrás estäo
coroadas com castanheiros e pinheiros. Encontramos continuamente
morenas camponesas, ossudas e descalças, e deparamo-nos com um
grupo de borracheiros a trabalhar com os seus barretes de forma
fantástica que se parecem com funis invertidos, trazendo para
baixo vinho acabado de fazer em peles de ovelhas e cabras em cima
das suas costas e fixas por tiras de couro atravessadas nas suas
testas a arder. Finalmente atingimos a igreja de Säo Martinho -
uma pequena mata de ciprestes indicando o cemitério adjacente -
e passamos a fornalha da vila onde pareciam reunir-se todas as
bilhardices masculinas da vizinhança.
Säo Martinho é uma importante regiäo de viticultura,
produzindo um vinho de elevada categoria com um refinado aroma;
e, felizmente, as suas vinhas foram apenas ligeiramente atacadas
pela filoxera. A vindima já tinha começado, mas a colheita
prometia ser apenas muito moderada devido às uvas terem
apodrecido por um excesso de humidade. A nossa primeira paragem
foi num local chamado Terra dos Alhos. Aqui, os nossos
carregadores das redes tiveram um curto descanso, deliciando-se
com copos de ponche quente numa venda à beira da estrada,
enquanto nós esticávamos as nossas pernas, caminhando para cima
e para baixo. Logo depois de termos novamente partido, descemos
até metade da ravina da Ribeira dos Socorridos, cujos lados estäo
cobertos com poios construidos e cultivados, na sua maioria, com
cana-de-açúcar e algumas figueiras e figos do inferno. O caminho
é grosseiro e ventoso, e lá ao longe em baixo fica o leito de um
rio, escuro e pedregoso, que no inverno se torna numa torrente
impetuosa, arrastando consigo enormes pedregulhos no seu
precurso. Por cima, um castanheiro ocasional oferece a sua sombra
de boas vindas; pois o sol está a brilhar intensamente e os
nossos carregadores a transpirar necessitam de um terceiro homem
para suportar a rede atrás enquanto sobem o íngreme e grosseiro
caminho, no lado oposto da ravina, o qual conduz ao pico de
Câmara de Lobos.
Desta elevaçäo ventosa, olhamos para baixo de um dos lados
para uma pequena vila de pescadores, com a sua pequena península
rochosa e o imponente Cabo Giräo e a sua baia miniatura, e do
outro para um fértil vale, antigamente coberto com vinhas que
produziam uma das melhores e mais robustas colheitas da Madeira.
Há um ou dois anos, as vinhas desceram do cume do pico, por todos
os seus lados, e ocuparam todos os pedaços de terra cultivados
nos limites da vila; mas a filoxera destruiu quase todas elas e
o famoso distrito de produçäo de vinho de Câmara de Lobos, que
costumava produzir 3.000 pipas anualmente e agora produz apenas
100. Um do nosso grupo, o Sr. Russel Gordon, que se tinha tornado
um grande proprietário neste e em distritos adjacentes pelo seu
casamento com uma senhora portuguesa de elevada posiçäo social,
informou-nos que, mesmo há dois anos, Câmara de Lobos produziu
para cima de alguns milhares de pipas de vinho; mas, desde entäo,
quase todas as vinhas deterioraram-se e plantou-se cana-de-açúcar
no seu lugar sempre que se conseguiu um bom abastecimento de
água. No entanto, o próprio pico, uma massa de pedra mole,
vermelha e quebradiça, produz apenas vinhas e, por isso, um
grande pedaço de terra deixou completamente de ser cultivado. Por
todo o lado eram visiveis sinais da antiga prosperidade do
distrito - poios erguendo-se por cima de poios em todo o recanto
e lugar com boas vistas, com sólidas casas de pedra, rodeadas por
árvores e jardins, salpicando todas as encostas. Mais para cima,
na montanha, fica o distrito conhecido como Estreito de Câmara
de Lobos, onde algumas vinhas foram plantadas a uma altitude de
pouco menos de alguns milhares de pés acima do nível do mar, ou
várias centenas de pés acima de onde a vinha se desenvolve com
certeza. Até agora, a filoxera só tinha atacado as vinhas mais
baixas, mas as outras sofreram bastante com as chuvas näo usuais
da última Primavera e Veräo.
Os nossos carregadores partiram de novo e meia hora depois
entraram por um portäo aberto, andando ao longo de um estreito
caminho, por baixo de latadas carregadas com grandes cachos de
uvas maduras. Parámos numa pequena casa pertencente a um dos
caseiros do Sr. Gordon, que estava literalmente coberta de vinhas
e que, na realidade, era a escola feminina da vila. Aqui tomámos
o pequeno almoço, num modo simples, com várias especialidades da
Madeira, incluindo um velho Sercial de qualidade especial, com
um apetite que o calor excessivo näo tinha de modo algum
moderado. Quando recomecámos a andar, visitámos os vinhedos à
volta da igreja do Estreito, passando por vezes, por baixo de
vinhas em corredores e eventualmente fazendo a descida do vale
do Ribeiro do Vigário, avistando, volta e meia, o brilhante mar
azul. Depois seguimos por um caminho de montanha às voltas,
estreito e acidentado, passando, ocasionalmente, por uma casa com
pipas de vinho alinhadas sobre uma elevaçäo rochosa em frente
para amadurecer mais rapidamente sob a influência de um sol
escaldante. De um dos nossos lados erguia-se uma parede de rocha,
e no outro descia um precipício abrupto, ao seguirmos uma curva
da ravina para atravessarmos a estreita ponte de pedra ligando
o abismo rochoso. Encarapitadas no cume da escarpa estavam uma
ou duas pequenas casas. Depois de passar por elas, o caminho
continuava, durante um bocado, entre paredes de pedra com vinhas
em latadas deixando pendurados os seus cachos por cima de nós.
Os nossos carregadores caminhavam em frente com grandes
passadas e com vivacidade, ganhando tempo e passos, e, deste
modo, dando às nossas redes um agradável movimento de oscilaçäo,
o que quase nos levava até à terra dos sonhos, de onde eramos
repentinamente chamdos de volta ao fazermos uma descida abrupta
aos solavancos. Ocasionalmente parávamos durante algum tempo para
inspeccionar um vinhedo e indagar das perspectivas da vindima.
Numa casa provámos um vinho muito agradável, que o seu
proprietário camponês, possuidor de uma reserva de quinze ou
dezasseis pipas avaliadas entre duzentas ou trezentas libras,
estava excessivamente ansioso por vender. Quando partimos outra
vez, os nossos carregadores que, entretanto, se tinham refrescado
livremente com vinho, tornaram-se extraordinariamente alegres,
mandando piadas a todo o camponês que passava. Passou-se uma boa
hora em subidas e descidas contínuas do complicado caminho às
voltas, ao longo dos íngremes lados da ravina, apresentando-se,
por todos os lados, poios e pequenas fazendas. Uma queda de água
cai sobre uma elevaçäo da rocha e perde-se num borrifo
extremamente leve, o caminho da montanha torna-se estreito e
irregular e difícil de atravessar, o precipício torna-se mais
soberbo e íngreme, e, se os nossos carregadores, cuja alegria de
certo modo nos incomoda, apenas dessem um passo em falso,
veriamos por baixo de nós uma queda certa de trezentos ou
quatrocentos pés. Finalmente alcançámos a parte alta e as
mulheres espantavam para o nosso grupo com os olhos abertos, das
protas das suas casas cobertas de colmo, construídas encostadas
ás íngremes encostas e literalmente enterradas debaixo de vinhas
luxuriantes. Os nossos carregadores continuavam täo alegres como
sempre, e um deles, orgulhoso por uma oportunidade para exibir
o seu Inglês depois de perguntar o caminho a um camponês que
passou, espantou-o e provocou o riso nos seus camaradas ao gritar
«All right; thank you, sir, very much!». Enquanto seguíamos pelo
caminho às voltas para o cume do Cabo Giräo, por outras palavras
Cabo de Voltar Novamente, cosneguimos uma panorâmica do distrito
chamado Quinta Grande, cujas vinhas, apenas ligeiramente
afectadas pela filoxera, prometiam dar uma produçäo muito
razoável. Estamos agora na regiäo onde abundam castanheiros e
passamos, durante um bocado, por baixo da sua agradável sombra,
depois passamos por um curto atalho nas fazendas em redor e,
finalmente, atingimos o cume do Cabo.
Aqui olhamos sobre os lados prependiculares do que dizem
ser o mais alto penhasco do mundo, contra o qual o mar bate
constantemente. A altitude é de quase 2.000 pés; e os vinhedos,
formados por desabamentos de terra na sua base, cuja produçäo
é muito estimada, quando vistos de cima parecem pouco maiores que
uma folha de papel ministro. Aqui nós almoçámos e enquanto
fumavámos o nosso charuto e conversávamos, os nossos cansados
carregadores de redes dormiam a sua sesta bem merecida. Depois
de um descanso de uma hora, descemos a pé por um péssimo e
perigoso caminho até à pitoresca vila piscatória de Câmara de
Lobos - literalmente os lobos marinhos - onde reparámos que
muitos dos homens usavam chapéus verdes envernizados e razos com
a área de um pequeno guarda-chuva. Um barco que tinhamos mandado
vir do Funchal estava pronto para nos levar outra vez para casa
e em breve estávamos a deslizar ao lado de muitas rochas
salientes sobre as quais o mar quebrava com força, e por muitos
perigosos redemoinhos, sendo o pior o da Ponta da Cruz onde os
nossos homens do barco tiraram reverentemente os seus chapéus e
benzeram-se religiosamente, pois muitos dos seus companheiros
encontraram aqui um túmulo na água. Chegados ao Funchal, fomos
a cavalo até ao Monte à luz de uma brilhante lua.
Num outro dia fizemos uma excursäo ao distrito de Santo
António, visitando entre outros vinhedos um bastante extenso,
pertencente ao Senhor Salles, o qual, em anos excepcionalmente
bons, chegou a produzir cem pipas de vinho. Antes de continuar
mos, fizemos uma viagem de despedida pela linda Quinta do Monte,
pertencente ao Sr. Leland Cossart, com os seus relvados e
ribeiros, os seus alegres canteiros com flores e uma fonte
esculpida em mármore e a sua torre de guarda que possibilita uma
bela vista sobre o Funchal e sobre as embarcaçöes na baía. Foi
agradável passear nos seus bosques de carvalhos Ingleses e
caminhar nos passeios plantados com árvores de qualidade
especial, de climas tropicais e temperados. Aqui havia pinheiros,
eucaliptos, sobreiros e árvores da borracha, nespereiras-do-
Japäo, magnólias e camélias do tamanho de jovens carvalhos,
eucaliptos Australianos com a sua folhagem prateada verde-azulada
e muitas outras cujos nomes exóticos näo me atrevo a escrever.
Fizemos a excursäo a Santo António montados a cavalo, e a
viagem, com o devido desconto para a natureza da rua que era do
tipo comum da Madeira, foi muito agradável. O nosso percurso
situou-se, em parte, por entre os muros dos jardins de bonitas
casas, com vinhas colocadas em corredores juntando-se por cima
das nossas cabeças. Por entre as suas arcadas cobertas de folhas,
volta e meia avistavámos as caras sorridentes de jovens raparigas
sentadas nos mirantes, entretidas a observar quem por lá passava.
Garotos morenos estendiam-se ao sol à frente das portas das
casas, vestidos com o reduzido traje comum na ilha que consiste
numa única peça, algo entre uma camisa e uma camisa da noite e
que é usada pelas crianças de ambos os sexos até terem cerca de
oito anos. Fomos até ao cume do pico de Santo António, que, de
um lado, possibilita uma panorâmica perfeita dos vinhedos e
povoaçöes de Säo Martinho e Santo Amaro, sendo os montes entre
estes e o promontório púrpura que se estende até ao mar,
cultivados principalmente com cereais, com pedaços de terra com
vinha aqui e ali, enquanto que nas terras mais baixas onde se
pode obter água, as canas de açúcar predominam invariavelmente.
Voltando-se para o outro lado, o olhar abrange uma vasta extensäo
de vinhas que se estendem por cima do largo vale e que se esticam
até metade das encostas das montanhas mais próximas, cujos cumes
estäo revestidos com castanheiros e pinheiros. Por detrás erguem-
se os picos distantes, umas vezes com alguns bocados com
vegetaçäo escassa, outras despidos e com um aspecto desolador,
os seus lados escarpados interceptados por sombrias ravinas. A
vista abrange as freguesias de Santo António, Säo Roque e Säo
Joäo, juntamente com a do Funchal e a do Caminho do Meio. Em
redor, muita da terra cultivada é eregida em socalcos por paredes
de pedra segundo a moda que prevalece na ilha.
Uma rua atravessa o vinhedo do Senhor Salles e uma parte
dele, à beira da ravina, foi atingida tanto pela filoxera como
pelo oídio, e, por este, porque as vinhas näo tinham sido
tratadas com enxofre, de acordo com a prática dominante. As
vinhas já destruidas pela filoxera tinham sido substituidas por
cana-de-açúcar. Por isso, a produçäo desta parte do vinhedo
apresentaria uma quebra considerável, mas do outro lado da rua
onde as vinhas estavam num estado mais saudável, a safra seria
muito mais satisfatória. Recentemente, o Senhor Salles dedicou-se
ao cultivo de ananás em estufas (mas sem recorrer ao calor
artificial) e até agora tem sido bem sucedido, pois encontrou um
mercado imediato para este em Londres a 16s. cada.
Os vinhedos da freguesia de Santo António produzem
geralmente um bom vinho, enquanto que aqueles compreendidos por
aquilo que é conhecido como a bacia hidrográfica do Funchal e
outros a este desta no Caniço, Santa Cruz e Machico produzem um
vinho leve de qualidade muito razoável. Felizmente, nenhuma
destas localidades foram até agora seriamente afectadas pela
filoxera. Um grande vinhedo que visitámos no Caminho do Meio, nas
proximidades do Funchal, era conhecido pelo nome de Mäe dos
Homens. Pertencia ao Senhor Leitäo, um banqueiro da Madeira e
possuidor de uma considerável reserva de vinho. Fomos lá num
carro puxado por bois, os quais, de modo igual, ignorando a
gritaria e adulaçäo dos condutores, moviam-se penosamente no seu
próprio ritmo sempre igual pela íngreme, sinuosa e pavimentada
rua acima que conduzia para fora da cidade. Os bois da Madeira
säo muito mais pacientes e calmos que os seus condutores, que,
quando obrigavam os animais a avançar, levantavam as suas vozes
de estentor até ao nível mais elevado, gritando constantemente
«Ca-para-mim-boi-ca-ca-ca-oá» (Vem a mim, boi, vem, vem, vem). O
vinhedo era constituído por socalcos que surgiam um por cima do
outro, sendo a maioria das vinhas colocadas em baixas latadas,
e as restantes em corredores encostados às paredes e por cima dos
caminhos. As vinhas tinham, em regra, doze anos; no entanto, uma
pequena quantidade tinha apenas três anos e produzia pela
primeira vez. Embora tratadas com muito cuidado, a produçäo do
vinhedo prometia ser espantosamente reduzida - trinta e cinco
pipas em mais de trinta acres. Uma variedade de circunstâncias
conduziram a este resultado. Havia sintomas de filoxera, e muitas
das uvas apodreceram devido à humidade excessiva, além de
sofrerem das pragas usuais dos produtores de vinho da Madeira na
forma de abelhas, vespas, moscas, lagartixas e ratazanas. O oídio
foi evitado, tratando-se as vinhas com enxofre na proporçäo de
uma arroba (32 libras) por acre. Rodeada por cana-de-açúcar e
sobre um mar de vinhas ficava a casa cor-de-rosa, residência do
proprietário, com o grande compartimento central no rés-do-chäo
servindo como casa do lagar.
No lado norte da ilha a maior quantidade de vinho é
produzida no Seixal e em Säo Vicente, enquanto o melhor é
certamente produzido no Porto da Cruz, onde o Sr. Robert
Donaldson possui um vinhedo, de cuja excelente produçäo teremos
ocasiäo de falar aos poucos. É melhor fazer a excursäo até lá a
partir de Santa Cruz, subindo o habitual caminho íngreme,
pavimentado no início com calhaus redondos ou pedras lisas,
compridas e estreitas, passando depois por cima de rochas de
diferentes tamanhos e formas. Em vez de estar rodeado pelas altas
paredes, o caminho encontra-se ladeado por fúcsias, gerânios e
urze-branco, permitindo assim ver o mar reluzente e de um azul
vaporoso e a comprida península rochosa na extremidade este da
ilha. A oeste do Porto da Cruz fica a famosa Penha D'åguia, com
acesso apenas por um dos lados, e unida à terra em redor por uma
tira de terreno cultivado a um nível mais baixo.
III. AS VINHAS, O SEU CULTIVO E OS PRINCIPAIS DISTRITOS DE
VITICULTURA NA MADEIRA.

Introduçäo da Vinha na Madeira - Destruiçäo causada pelo Oídio - Nova plantaçäo de


Vinhas - A
Phylloxera Vastatrix - Qualidades de Uvas Cultivadas nos Vinhedos da Madeira - Cultivo e
Arranjo das Vinhas
- Modo Passado e Presente de Colocar as Vinhas, adoptado no lado Norte da Ilha -
Variedades de Solos - Os
Vinhedos da Madeira em Socalcos - Posse da Terra - Renda invariavelmente paga em
Géneros - Os Principais
Concelhos de Viticultura - A Encantadora Quinta do Sr. R. Davies chamada A Vigia -
escassez de ågua na
Madeira - Levadas periódicas e o seu Grande Valor - O Abastecimento de ågua Potável.

Há uma vaga tradiçäo, segundo a qual a vinha foi


inicialmente introduzida na Madeira vinda de Chipre no princípio
do século quinze e logo depois da segunda descoberta da ilha pelo
famoso capitäo Joäo Gonçalves Zarco. No entanto, a importaçäo das
melhores qualidades de vinhas parece dever-se aos Jesuítas, num
período muito mais recente. O vinho dos seus vinhedos ultrapassou
todos os outros em qualidade, e até ao momento em que as vinhas
foram destruídas pelo oídio, algum do melhor vinho produzido na
ilha veio de vinhedos que antigamente pertenceram a esta ordem
religiosa. A primeira vez que as vinhas foram atacadas pelo oídio
foi em 1852, e poucos anos depois estavam todas exterminadas,
altura em que a cana-de-açúcar de um modo geral as substituiu nos
lugares em que a quantidade necessária de humidade podia ser
assegurada. Cerca de oito anos depois, as vinhas começaram a ser
outra vez plantadas, e em 1863 produziu-se uma quantidade
moderada de vinho. Desde essa época, os vinhedos ampliaram-se
gradualmente, até que a novo cultivo das vinhas foi suspenso pelo
aparecimento da phylloxera vastatrix na ilha durante o ano de
1873.
Dois terços das vinhas nos vinhedos da Madeira säo da
qualidade verdelho, cujas uvas possuem muita sacarina e produzem
um rico vinho de qualidade esplêndida. A uva sercial, que se diz
ser a famosa uva «riesling» do Reno, transplantada para a
Madeira, agora muito rara, (predomina, na sua maioria, no
concelho da Ponta do Pargo, no lado sudoeste da ilha), produz um
vinho branco, forte e seco, que possui um requintado aroma. No
entanto, quando é novo, este vinho é desagradável ao paladar,
sendo a idade necessária para o levar à perfeiçäo e desenvolver
o sabor agradável pelo qual se destingue. Outra uva é a boal,
também bastante rara, dando um rico vinho saboroso, delicado em
sabor e com um aroma especial. A uva negra, geralmente redonda,
misturada com as anteriores variedades brancas é a tinta, da qual
se faz, em certa quantidade, um vinho diferente, com uma cor
profunda e um sabor adstringente, devido aos pedúnculos e às
cascas das uvas que ficam em infusäo no mosto durante a
fermentaçäo. Dentro de poucos anos, este vinho torna-se amarelo-
acastanhado, e com o passar do tempo adquire a cor de um profundo
Madeira médio. Outra variedade de uva, conhecida como a bastardo,
tem uma tonalidade cor-de-rosa. o vinho que ela produz tem um
aroma muito delicado e é doce ao paladar, deixando,no estanto,
uma astringência näo desagradável. Outras uvas brancas que
ocasionalmente encontrámos säo a terrantês, a listräo e a maroto,
a primeira das quais produz um vinho de certo modo estimado
quando velho.
Toda a gente já ouviu falar no famoso Malvasia da Madeira,
produzido da espécie de uva malvasia - um vinho delicioso, que
com a idade se torna um tanto alcoólico e tem todo o carácter de
um delicado licor. Durante alguns anos o melhor Malvasia
produzido na ilha era feito com uvas cultivadas num local
especial, perto do mar e por baixo de um alto penhasco, chamado
Fajä dos Padres, a oeste de Câmara de Lobos e num vinhedo
pertencente aos Jesuítas. Hoje, no entanto, o vinhedo tornou-se
propriedade da família Netto e está cultivado principalmente com
vinhas da qualidade verdelho. A uva malvasia requer um solo muito
seco e calor intenso, e näo é normalmente colhida até que se
adquira as características de uva passada. Uma quantidade
insignificante de vinho é feita da uva muscatel, de sabor doce,
e possuindo o bem conhecido aroma especial que uma decocçäo de
flores de sabugueiro imita muito bem. Uma vez que os vinhedos da
Madeira säo, em regra, de área reduzida e cultivados com diversas
qualidades de vinhas, näo vale a pena ao cultivador separar as
diferentes espécies antes de as espremer no lagar. Consequente
mente, a totalidade das uvas säo esmagadas juntas, sendo o
resultado um rico vinho branco, de certo modo com uma cor
profunda, devido à mistura de uvas negras, encontrando-se em
todos os vinhedos uma certa quantidade delas. Em vinhedos de
maior estensäo, geralmente tem-se mais cuidado. As diferentes
qualidades de uvas säo esmagadas separadamente, e o mosto de cada
uma delas é mantido separado, especialmente o das qualidades
sercial, boal e malvasia.
Na Madeira a vinha propaga-se por mergulhias, que
costumavam ser plantadas apenas a uma profundidade de vinte
polegadas. Agora, no entanto, costuma-se coloca-las em valas com
quatro pés ou mais de profundidade, de acordo com a qualidade do
solo. No fundo da vala coloca-se uma camada de pedras soltas para
evitar que as raízes penetrem no solo duro por baixo. Nos
vinhedos de melhor qualidade, estas mergulhias säo geralmente
feitas com muita distância entre elas. As vinhas däo fruto no
terceiro ano e säo colocadas, na maioria dos casos, tanto em
latadas como em corredores, tendo ambos sido descritos no meu
relato sobre o vinhedo da Messrs. Krohn em Santa Cruz. Uma
desvantagem destas latadas é que por baixo de muitas delas quase
näo há espaço para os homens rastejarem de modo a mondarem,
podarem, colocarem as vinhas na latada e tirarem parcialmente as
suas folhas, como é geralmente feito durante os meses de veräo,
ou apanharem as uvas na altura da vindima. Só em casos
particulares é adoptado um outro sistema de colocar as vinhas
mais moderno, tal como o seguido pelo Sr. leacock em Säo Joäo.
Quando vista de cima, a estrutura destas latadas, descoradas como
é costume pela influência combinada do sol e chuva, assemelha-se
muito a um conjunto de redes espalhadas no solo.
No lado norte da ilha, antes das devastaçöes causadas pelo
oídio, as vinhas eram presas aos numerosos castanheiros, e podiam
crescer até qualquer altura, ou entäo eram deixadas crescer à
vontade, por cima das rochas e pelo chäo. Como o bom vinho só vem
das uvas cultivadas perto da superfície do solo, muita da
produçäo das vinhas presas às árvores só prestava para destilar
em aguardente. Logo depois do aparecimento do oídio, a maioria
das árvores foi destruída pela mangra e quando as vinhas foram
plantadas de novo, foram colcoadas de modo semelhante ao das do
lado sul da ilha.
Os solos dos vinhedos da Madeira säo saibro ou tufo
calcário vermelho decomposto, cascalho, de características
pedregoso, pedra mole ou tufo calcário amarelo decomposto, e
massapés ou argila resultante da decomposiçäo de tufos calcários
mais escuros. O solo que produz o melhor vinho é o saibro, mais
especialmente quando lhe é juntado uma mistura de pedras. Em
muitos lugares, as vinhas säo plantadas no solo empilhado em
socalcos suportados por paredes de pedra. Este sistema foi
originalmente adoptado como precauçäo contra as chuvas periódicas
que arrastavam o solo com elas pelas íngremes encostas abaixo.
Hoje em dia, onde quer que seja possível acumular terra e
levantar uma parede, é certo que isto será feito pelo ocupante
da terra, embora o proveito muito provavelmente näo seja
proporcionado ao tempo e trabalho dispendido. Mas entäo, de
acordo com o sistema de posse universal na ilha, um senhorio näo
pode expulsar um rendeiro sem primeiro o compensar por todos
esses melhoramentos - o que, a propósito näo incluem prédios que
tenham sido feitos - que o rendeiro tenha feito no seu pedaço de
terra. Estas benfeitorias ou melhoramentos säo avaliadas por
funcionários do Governo, que invariavelmente se inclinam para o
lado do rendeiro e as estimam num alto valor. A consequência
disto é que quanto mais terra o arrendatário coloca num monte e
quanto mais muros ele levanta no seu pequeno pedaço de terra,
mais certo está de que nunca será mandado para fora dele, pois
presentemente estas construçöes a que o camponês e a sua família
dedicam todo o seu tempo livre, tanto se torne vantajoso ou näo,
frequentemente excedem o valor da própria terra. Presentemente,
deve haver muitas centenas de milhas destes socalcos em toda a
ilha.
Renda em géneros é a regra na Madeira. O rendeiro lavra,
planta e aduba o solo, faz a colheita, que, quando é trigo, ele
debulha; se for cana-de-açúcar, ele extrai a sacarina; se foram
as uvas, ele espreme, dando metade do produto ao senhorio como
renda, depois do Governo ter tirado a sua dízima. Metade da
produçäo de milho, açúcar e vinho é reclamada rigidamente pelo
senhorio, mas todos os vegetais cultivados säo geralmente retidos
pelo rendeiro, juntamente com os cereais, embora o senhorio possa
exigir metade dos últimos, se quiser.
O rendeiro que reside na terra que lhe foi arrendada é
chamado um caseiro, devido à casa que ocupa, enquanto se ele
apenas arrendar a terra e näo residir nela, é chamado um «méyro»,
pela metada da produçäo que ele tem que dar ao seu senhorio. O
último é geralmente o proprietário só da terra - pertencendo, em
quase todos os casos, ao rendeiro prédios, aterros, árvores,
vinha, etc.
O mais importante distrito de viticultura da Madeira é, ou
melhor, era Câmara de Lobos, e um dos seus melhores vinhedos era
o de Torre Bella, pertencente ao Sr. Russell Gordon. Quase todas
as suas vinhas, como já foi mencionado, foram destruídas pela
filoxera. Nas encostas da montanha a oeste fica a freguesia do
Campanário, näo täo importante como Câmara de Lobos no que
respeita à quantidade de vinho que é capaz de produzir, mas, na
minha opiniäo, produz um vinho de ainda mais alta qualidade -
menos forte, mas no conjunto mais refinado em sabor e aroma.
Felizmente, este distrito näo foi, até ao presente, atingido pela
filoxera. Os vinhedos por baixo dos penhascos do Cabo Giräo e
Fajä dos Padres também produzem bons vinhos, mas só em
quantidades limitadas. As freguesias de Säo Martinho, Santo
António, Santo Amaro e Säo Joäo, nas proximidades do Funchal,
todas produzem vinhos de classe elevada. Do vinhedo do Sr.
Leacock, no último dos lugares acima referidos, já falei, e a näo
muita distância dele fica o famoso vinhedo do Ribeiro Seco,
pertencendo até há pouco tempo à Messrs. Davies, a bem conhecida
firma exportadora de xerez do Jerez. O vinho deste vinhedo,
plantado depois da sua destruiçäo pelo oídio com vinhas
principalmente da apreciada qualidade palomino trazidas do Jerez
para este fim, goza de uma alta reputaçäo, mas infelizmente
muitas das vinhas foram recentemente destruídas pela filoxera,
e canas-de-açúcar tomaram o seu lugar. Na nossa viagem para o
vinhedo, visitámos a encantadora quinta do Sr. Davies e os
jardins, nos arredores do Funchal, conhecidos como a Vigia, um
dos lugares de interesse turístico da Madeira. A quinta está
geralmente ocupada por inquilinos importantes, tendo residido lá
durante vários anos a imperatriz da Aústria e o falecido Lord
Brounlow. Foi construída e os os seus terrenos foram arranjados
pelo falecido Sr. Richard Davies, ouvindo-se ainda muito falar
no Funchal sobre o seu conhecimento e espírito empreendedor. Os
jardins lindamente arranjados da Vigia, que se estendem até à
beira da rocha e têm uma panorâmica sobre o Funchal, abundam em
espécies esplêndidas de vegetaçäo tropical e árvores raras,
arbustos e flores, importadas da Europa, América do Norte e do
Sul e åsia Austral sem preocupaçöes para com as despesas.
Porque a água é excessivamente escassa e, consequentemente,
excepcionalmente valiosa na Madeira, cereais que requerem
irrigaçäo säo raramente cultivados pelos camponeses. A água é
recolhida de nascentes e ribeiros nas montanhas, de onde é
conduzida pelas margens de escarpas perpendiculares, deslizando
por vezes através de canos de madeira suspensos por cima, e por
vezes através de canais talhados na rocha sólida, situados aos
nossos pés. O direito a um fornecimento de água é confirmado por
documentos de propriedade que especificam os intervalos a que o
fornecimento deve ser executado e o período de tempo que deve
durar. Na altura da nossa visita ouvimos falar de uma levada
cheia, como é chamada, que compreende um pé cúbico de água,
correndo continuamente durante doze horas, uma vez de quinze em
quinze dias, sendo avaliada em 80 Libras por ano, e, na
realidade, um qaurto deste fornecimento era mesmo vendido por um
quarto da quantia acima mencionada. Como a água corre continua
mente, acontece que muitos daqueles com direito a ela recebem o
seu fornecimento a horas muito pouco convenientes. å noite vêem-
se constantemente luzes a se moverem nas montanhas e ouvem-se os
levadeiros a assoprar por uma concha, emitindo um som muito
semelhante ao de um chifre, para avisar os pequenos ocupantes de
que chegou a sua vez para o fornecimento de água. Se näo
obedecerem a este aviso, podem ficar sem o seu fornecimento. O
que acima foi dito refere-se exclusivamente a água para irrigaçäo
e uso corrente, sendo a água potável fornecida através de um tubo
com a circunferência de uma pena de escrever.

IV. O FUNCHAL E ALGUNS ARMAZÉNS DE VINHO Lå SITUADOS.

A Capital da Madeira - O seu Aspecto à Beira Mar e Vista do Mar - Os Armazéns de


Vinho da Messers.
Cossart, Gordon and Co. - Os seus Armazéns do Serrado - A Tanoaria - Um Armazém
Arrastado por Cheias de
Inverno - Vinhas colocadas em Latadas proporcionam Sombra em todos os Espaços Abertos -
O Tratamento a que
o Mosto ou Vinho Novo se submete - Os Armazéns Estufa da Cossart, Gordon and Co. -
Tratamento do Madeira
com Calor Artificial ou Natural - Procedimento seguido nas Estufas - Os Armazéns «Pateo»
da Cossart, Gordon
and Co., e alguns dos vinhos excepcionais que possuem - Reserva de Madeira que a Firma
tem.

Uma das coisas que mais desapontam na Madeira é a sua


capital. Embora, do mar, pareça ser pitoresca, em terra o seu
aspecto näo tem nada de convidativo. A sua praça é uma coisa
miserável, com arredores banais, entre os quais se encontram um
hospital com aspecto decadente e duas prisöes. O Palácio de Säo
Lourenço, no qual residem os governadores civil e militar, é uma
construçäo nada atraente, meia acastelada, pintada com um amarelo
vivo - evidentemente com o objectivo de o tornar mais imponente.
O teatro está transformado num armazém de vinho, no que se refere
a lojas, os «Magasins du Louvre» da capital Madeirense säo
formados por meras filas de lojas sombrias onde tecidos comuns
säo vendidos a preços exorbitantes. Quanto a «articles de luxe»,
nunca säo vistos em exposiçäo; e as únicas lojas que se
vangloriam de embelezamento säo as dos farmacêuticos. As ruas do
Funchal säo invariavelmente estreitas e pavimentadas com pequenas
pedras redondas, sobre as quais é muito difícil andar: é um
mistério como as senhoras Inglesas e Portuguesas o conseguiram
fazer com os sapatos de salto alto da moda. Lages, excepto num
canto de uma pequena rua, säo completamente desconhecidas no
Funchal.
Visto da baía, o Funchal apresenta um aspecto mais
atraente. Parece anichar-se acolhedoramente à beira mar, sob a
sombra de soberbas montanhas com os seus cumes cobertos por
nuvéns, cujas encostas e ravinas, cultivadas em todos os pedaços
de terra disponíveis, estäo salpicadas de frescas residências de
veräo, sequestradas em encantadores quintais. å esquerda e à
direita da cidade existem algumas antigas fortalezas, que um
único disparo de um couraçado reduziria a fragmentos. Perto de
uma refrescante zona verde, formada pelas árvores na Praça da
Constituiçäo, fica o palácio já mencionado, enquanto, por detrás,
o pináculo anäo da catedral espreita timidamente por cima das
casas em redor. A antiga alfândega com um sólido aspecto, fica
voltada para a praia, do cnetro da qual se ergue - com a
arrogância aparente de uma Agulha de Cleopatra ou uma Coluna de
Trajan - um pilar solitário, gigantesco e com um aspecto sombrio,
erigido há muitos anos por um Inglês de tipo empreendedor, mas
completamente ignorante sobre a engenharia, que julgou ter
inventado um novo método de descarregar os navios, do qual esta
construçäo singular é hoje a única memória. Na Praça da
Constituiçäo, nas ruas que conduzem à praia, näo há falta de
animaçäo durante o principio da manhä. Na própria praia,
multidöes aguardam a chegada de barcos de pesca que regressam,
enquanto nas ruas o ambiente está cheio de vida - com o tráfico
de carros de bois e carros de cesta; as ordens barulhentas dos
condutores aos seus animais imperturbáveis; os camponeses,
vestidos de modo exótico, que chegam das freguesias vizinhas;
grupos de borracheiros com odres com mosto novo pendurados nas
suas costas, e mantidos fixos por uma faixa que passa pela testa;
carregadores de redes que aprtem em direcçäo às montanhas com
turistas casuais; bilhardices sobre as noticias locais em cada
esquina e vendedores ambulantes, indulentemente encostados às
paredes ou sentados nos degraus das portas enquanto expöem as
suas mercadorias variadas. As ruas säo, na sua maioria, estreitas
e as casas, em regra, baixas. Aplica-se liberalmente cal nas suas
fachadas que säo embelezadas com brilhantes tapassóis verdes e
varandas. Entre a populaçäo nativa parece haver poucas relaçöes
sociais, sendo aqui desconhecido o agradável passeio ao
anoitecer, comum nas cidades do sul de Espanha. O reduzido
salário dos governadores civil e militar proibe-os de convidar
os magnatas Madeirenses, enquanto, no que diz respeito ao teatro,
já explicamos que näo há nenhum. Com a excepçäo, no entanto, de
um baile ocasional, sendo as únicas oportunidades para as
senhoras apresentarem as suas «toilettes de soirés» quando um
navio de guerra Britâncio entra no porto, e um dos expedidores
mais importantes convida os oficiais para um jantar e um baile.
Os primeiros armazéns ou adegas que visitei no Funchal
foram os da Messers. Cossart, Gordon and Co., a maior e mais
antiga casa de exportaçäo de vinho na Madeira, datando a sua
fundaçäo do ano de 1745. Os seus armazéns compreendem três
conjuntos diferentes de prédios, conhecidos respectivamente como
os armazéns do Serrado, da Estufa e os armazéns «Pateo», todos
situados a uma distância de cinco minutos uns dos outros.
O terreno onde fica os armazéns do Serrado possui quatro
ou cinco acres, com armazéns de um único andar ocupando três dos
seus lados, ficando a tanoaria no quarto lado. Aqui observámos
pipas a serem feitas precisamente do mesmo modo que o utilizado
no Jerez, talvez com a excepçäo do cutelo que os homens manejam
täo destramente ser um pouco mais pesado e desajeitado do que
o que é usado pelos seus irmäos da mesma confraria do Jerez. Os
tanoeiros do Funchal trabalham à peça e cada pipa, que é
certamente um artigo bem executado, custa qualquer coisa como
algumas libras. å volta da tanoaria havia pilhas de aduelas de
carvalho Americano, já preparadas ou em bruto, enquanto no centro
do terreno havia barracöes onde as pipas säo medidas, marcadas
com ferro quente, escaldadas e submetidas à acçäo do vapor de
água, bem como alguns grandes reservatórios. O espaço vago entre
os barracöes e os armazéns está ocupado com filas de pipas de
vários tamanhos, acabadas de vir da tanoaria, passando aqui por
um período de habituaçäo com água. Quando sito está terminado,
as pipas säo transferidas para o armazém de Avinhar, sendo lá
enchidas com vinho comum, que permanece dentro delas durante dois
ou três meses. Neste armazéns há sempre em uso para este fim
entre oitenta e cem pipas de vinho, o qual depois de usado muitas
vezes näo está mais adequado e é destilado em aguardente. Na
parte detrás da tanoaria há um curso de água seco, uma íngreme
ravina com cerca de quarenta pés de profundidade, que se cruza
com a cidade do Funchal, e está quase toda ladeada por uma
avenidade plátanos. Durante o inverno, a água corre por aqui
abaixo vinda das montanhas, trazendo com ela enormes pedregulhos,
pesando bem uma tonelada, e arrastando tudo o que encontra na sua
passagem. No ano de 1803, a torrente impetuosa transbordou as
margens íngremes da ravina, arrastando um armazém da Cossart,
Gordon and Co., que tinha sido construído na beira, juntamente
com algumas centenas de pipas de vinho, que se perderam na
totalidade. A mesma cheia arrastou o Consulado Britânico (a
alguma distância mais abaixo) e uma igreja, para näo falar de
outros prejuízos.
Todo o terreno näo ocupado destes armazéns do Serrado está
cultivado com vinhas colocadas em corredores, entremeadas aqui
e ali com um mangueiro, uma figueira ou anoneira. Além disso,
vinhas em latadas cobrem todos os caminhos em frente aos vários
armazéns, permitindo que os homens aí empregados estejam sempre
debaixo de sombra. O primeiro armazém que visitámos - um prédio
comprido e estreito com cerca de trezentos pés de comprimento,
com aberturas com grades quadradas ao longo da sua parte da
frente para permitir a entrada livre de ar - pode conter
seiscentas pipas, em filas triplas com duas camadas cada. É usado
para receber vinho em mosto, ou vinho acabado de fazer. Gerânios
escarlates com cerca de altura de um homem, estäo colocados por
cima de toda a sua parte da frente, e por baixo da larga
cobertura das vinhas em latada - estendendo-se do telhado do
armazém até ao do barracäo em frente - säo guardadas pipas vazias
à espera de serem enchidas com vinho.
É uma prática comum entre os exportadores de vinho da
Madeira adquirir a produçäo de um vinhedo antes das uvas serem
esmagadas. Neste caso, eles ou mandam alguém em especial ou
nomeiam um agente que resida na localidade, para verificar que
as uvas näo säo colhidas antes de estarem maduras; que o trabalho
no lagar é feito correctamente; e para providenciar o transporte
do mosto para os seus armazéns de vinho do Funchal. Aí o mosto
continua a fermentar, com o batoque de cada pipa apenas coberto
com uma folha de figueira,geralmente até meados de Novembro.
Tanto antes como depois da fermentaçäo junta-se uma pequena
quantidade de álcool, variando a quantidade de acordo com a
qualidade do mosto, mas raramente excedendo três por cento.
Quando o vinho estiver completamente claro, é trasfegado e
separado em lotes de acordo com a sua qualidade, e depois enviado
para a estufa ou loja de aquecimento: uma especialidade em
relaçäo aos vinhos da Madeira, da qual eu falarei. Em frente ao
armazém onde se recebe o mosto, fica um armazém para a
aguardente; e daí prosseguimos, por baixo dos corredores cobertos
de vinha, para outros armazéns contendo vinhos com um ano,
acabados de chegar da estufa - vinhos que depois de terem
recebido mais uma pequena quantidade de álcool (variando entre
um e três galöes por pipa), passavam pelo trasfego e pela
refinaçäo antes de passarem aos armazéns para serem firmados. Aí
permaneceräo em barricas contendo 400 galöes cada até estarem
completamente amadurecidos para serem exportados. Deve-se
salientar que o mosto é fermentado e o vinho aquecido, trasfegado
e levado de um armazém para outro naquilo que é chamado canteiro
ou pequenas pipas, contendo cada uma 130 galöes, medida de vinho
velho.
Os armazéns Estufa da Messrs. Cossart, Gordon and Co.
compreendem um bloco de prédios com dois andares, divididos em
quatro compartimentos diferentes. No primeiro destes, vinhos
comuns säo sujeitos a uma temperatura de 140 graus Fahrenheit -
derivada de serpentinas aquecidas com carväo antracite - durante
três meses. No compartimento seguinte, vinhos de uma qualidade
intermédia säo aquecidos até 130 graus por um período de quatro
meses e meio; enquanto que o terceiro é deixado de parte para
vinhos superiores, aquecidos de modo variado dos 110 aos 120
graus durante um período de seis meses. O quarto compartimento,
conhecido como o Calor, näo possui serpentinas, mas deriva o seu
aquecimento exclusivamente dos compartimentos adjacentes,
variando entre 90 e 100 graus; e aqui säo colocados apenas vinhos
de alta qualidade. O objectivo deste aquecimento do vinho é
destruir quaisquer germes de fermentaçäo que permaneçam nele, e
amadurecê-lo mais rapidamente de modo a que possa ser exportado
no seu segundo ou terceiro ano sem outra adiçäo de álcool. O uso
destas estufas na Madeira data do início do presente século e a
maior parte do vinho passa por este ou por um modo semelhante de
tratamento antes de ser exportado. Estas estufas artificialmente
aquecidas säo apenas usadas pelas maiores casas de exportaçäo,
que, no entanto, aquecem aí vinho para outros exportadores a uma
taxa estipulada. Outros conseguem o objectivo desejado, colcoando
os seus vinhos numa espécie de estufa, onde permanecem expostos
ao calor total do sol. Durante o dia, é assegurada uma
temperatura de 120 a 130 graus, que, no entanto, se torna
consideravelmente mais baixa durante a noite - uma circunstância
que é observada por muitos como prejudicial para o desenvolvimen
to do vinho. Nas freguesias do campo, onde näo existe qualquer
forma de estufas, os proprietários de vinho colocam as barricas
ao ar livre em posiçöes favoráveis para assegurar uma acçäo
completa dos raios de sol. A prática dominante desde há muitos
anos de mandar o Madeira numa viagem às ïndias Orientais ou
Ocidentais e outra vez para a pátria é apenas uma variante deste
método de amadurecer o vinho submetendo-o a uma alta temperatura,
sendo necessáriamente muito elevado o calor que encontra nestas
latitudes quando fechado no poräo do navio.
Nas estufas que estou agora a descrever - que, se cheias,
säo capazes de aquecer 1.600 pipas de vinho de uma vez - as
pipas säo colocadas de pé, em pilhas de quatro, com pipas mais
pequenas por cima, deixando-se uma estreita passagem entre as
diferentes pilhas para permitir a passagem de um homem para se
assegurar de que as pipas näo vertem, pois quando sujeitas a
elevada temperatura têm tendência natural para o fazer. Um buraco
com cerca de um sexto de polegada de diâmetro foi previamente
feito no batoque de cada pipa para permitir que o vapor quente
saia, caso contrário a pipa rebentaria. Na realidade, as pipas,
näo pouco frequentemente, vertem, como depreendemos das numerosas
manchas escuras em várias partes do chäo, tornando necessário que
os diferentes compartimentos da estufa sejam inspeccionados uma
vez durante o dia e uma vez durante a noite, de modo que qualquer
acidente deste tipo seja imediatamente rectificado. Cada
compartimento possui alçapöes duplos, e depois de serem enchidos
com vinho as portas interiores säo revestidas com cal, de modo
a fechar qualquer abertura que possa haver. Quando é necessário
entrar na estufa, apenas as portas exteriores säo abertas, e um
pequeno alçapäo nas portas interiores é empurrado para permitir
a entrada do homem encarregado que passa por entre as diferentes
pilhas de pipas batendo levemente numa a seguir à outra, para se
assegurar de que näo há derrame. Ao sair da estufa, depois de lá
ter ficado uma hora, embrulha-se automáticamente num cobertor,
bebe um copo cheio de vinho, e depois fecha-se num pequeno
compartimento, no qual näo entra ar frio, preparado para esse
fim. A Messrs. Cossart, Gordon and Co. normalmente coloca os seus
vinhos na estufa durante os meses de Janeiro e Fevereiro, o que
permite a remoçäo para outros armázens antes de começar a próxima
vindima. Durante o tempo em que estäo na estufa, diminuem uns 10
a 15 por cento pela evaporaçäo das suas partes aquosas.
Falta ainda falar dos armazéns Pateo. Estes ficam situados
nas trazeiras da casa da contabilidade da firma, onde todos os
livros e documentos relacionados com as suas transacçöes, desde
o início do seu estabelecimento, säo cuidadosamente preservados.
Passando por baixo de uma arcada e através de um campo estreito
plantado com flores, entre as quais estäo gerânicos colocados ao
nível das janelas do primeiro andar, entramos num pequeno armazém
que forma uma espécie de ante-sala para os armazéns que se
seguem. O primeiro destes possui vinho em barricas que contêm
quatro pipas cada, em perfeita condiçäo para exportaçäo, só
precisando de ser trasfegado. Aqui provámos algumas especialida
des, incluindo um Branco seco, feito exclusivamente de uva
verdelho, o qual, tendo fermentado perfeitamente, possui todas
as qualidades de um Madeira seco; excepcionalmente bom; também
um Sercial da Ponta do Pargo, da vindima de 1865, excessivamente
seco e de sabor perfeito, e ligeiramente pálido. No armazém por
cima havia vinhos de diferentes qualidades e idades, incluindo
um Palhetinho, ou vinho amarelo claro, de sabor delicado e com
um excelente aroma; também alguns vinhos ainda mais pálidos, com
o cognome Yankee de ågua da Chuva da Madeira devido à sua
suavidade e delicadeza excepcionais. Aqui estava também
armazenado um vinho de 1863 - um Vinho do Sol, como era chamado,
por ter amadurecido pela exposiçäo ao sol e nunca ter passado
pela estufa - e finalmente um pálido e delicado Malvasia da
vindima do ano anterior, com um aroma muito intenso, que prometia
tornar-se um vinho de qualidade singularmente especial.
No armazém de «Vinhos Velhíssimos» - o rés-do-chäo do
prédio no lado sul do pátio - havia algumas grandes pipas,
contendo vinho de reserva de muita idade e numerosas «soleras»,
incluindo um Câmara de Lobos, cuja origem data de 1844 - um
poderoso vinho de cor profunda e de sabor muito delicado - sendo
novamente enchidas de tempos em tempos com vinho da qualidade de
uva bastardo. Uma «solera» de Säo Martinho, datada de 1843,
apresentava um vinho suave, de qualidade especial, com um
excelente aroma, enquanto que uma «solera» Boal do ano de 1832
mostrou ser de sabor excepcionalmente delicado. Havia também
algumas soleras Malvasia, respectivamente dos anos de 1835 e
1850, a primeira das quais tinha todas as qualidades de um licor
de selecçäo; juntamente com uma pipa de vinho Verdelho do ano de
1851, que nunca tinha sido exposto ao calor artificial: um
perfeito vinho maduro, da qualidade mais elevada. No fim deste
armazém «solera» há um armazém que contém Surdo ou vinho doce e
Vinho Concertado ou mosto fervido, tornado mais fino pela adiçäo
de qualquer vinho vulgar, e que, como o «Jerez vino dulce» e «vino
de color» säo usados para dar sabor e cor a vinhos de qualidade
inferior. Continuando pela passagem em arco que conduz ao pequeno
jardim cultivado com bananeiras, roseiras e gerânios e com vinhas
colocadas em corredores por cima dos caminhos, chegámos a outro
armazém contendo vinho dos anos de 1874 e 1875, do lado norte da
ilha, os quais, sem a alta qualidade do verdadeiro Madeira, säo
suaves e agradáveis como bebidas, e säo exportados ao que parece
ser um preço muito moderado. Só nos seus armazéns Pateo, a
Messers. Cossart, Gordon and Co. tinha para cima de duas mil
pipas de vinho, das quais treze centenas estavam em condiçöes de
serem exportadas.

V. OUTROS ARMAZÉNS DE VINHO DO FUNCHAL

Os Armazéns e Estufas da Messers. Krohn Brothers no quarteiräo do Carmo - Cena


animada aí assistida -
Borracheiros entregando odres com mosto - Os melhores Vinhos da Firma - Os seus Clientes
Reais e Imperiais -
Grande Reserva de Madeira nos Quarenta Armazéns da Messers. Blandy Brothers - Os raros
e velhos Vinhos da
Firma - uma Curiosidade Arcaica - A Antiga Firma Leacock and Company - Uma Objecçäo a
dar Comida aos Peixes
- Os Armazéns e Vinhos da Leacock and Co. - Umas Irmäs Veneráveis - Os melhores vinhos
do Sr. H. D. Drury -
Os Armazéns de Henriques e Lawton, antigamente a Mansäo de uma senhora de Linhagem -
Um Longo e Dispendioso
precesso Legal - Câmra de Lobos e outros bons Madeiras da Firma - As suas Estufas - Os
Armazéns da Messrs.
Welsh - Os delicados Vinhos que nos foram mostrados nos Armazéns da Messrs. R.
Donaldson and Co. - Os
Armazéns e Vinhos da Meyrelles Sobrinho e Cia., Henrique J. M. Camacho, Viuva
Abudarham e Filhos, Augosto
C. Bianchi, Cunha, Leal Irmäos e Cia., e Leitäo - A vindima da Madeira - O grande Excesso
de Procura da
Produçäo - Causa pela qual a Madeira saiu da Moda - Grandes Reservas de Bom Vinho
presentemente na Ilha -
O seu Preço Moderado.

Uma firma que ocupa um lugar cimeiro na lista de


exportaçöes da Madeira é a Krohn Brothers and Co., cujos
escritórios, armazéns, e estufas ficam situados uns perto dos
outros no quarteiräo do Funchal conhecido como o Carmo. Em frente
da casa espaçosa onde está instalada a casa da contabilidade -
uma construçäo pomposa com uma alta torre central com telhado,
com as habituais barras de ferro em todas as suas janelas mais
baixas e varandas ornamentais nas de cima -, uma baixa passagem
em arco conduz a um pátio pavimentado onde estäo dois carros de
bois esperando à sombra para transportarem algumas pipas de vinho
para a praia. Em frente à entrada de onde as pipas säo trazidas
a rolar, ficam as estufas da firma, um compacto prédio de dois
andares, encimado por um compartimento espaçoso com os lados e
o tecto em ferro. Este é a Estufa do Sol, na qual sessenta pipas
de vinho podem ser submetidas à influência dos raios de sol ao
mesmo tempo. Nos dois andares da estufa propriamente dita, o
primeiro dos quais tem entrada pelas trazeiras. - ficando ao
mesmo nível do pátio devido à inclinaçäo do solo - cerca de 500
pipas podem ser empilhadas, e amadurecidas através de calor
artificial, provocado, como já foi explicado, por serpentinas que
passam pelo interior do prédio. Perto da estufa fica uma pequena
estrutura que contém os uteinsílios do empacotador para a
exportaçäo de amostras, os ferros de marcar, etc. A fornalha
propriamente dita confina com a fresca tonoaria com sombra, no
lado direito. Por baixo de um grande alpendre, na parte trazeira
do prédio e perto de um jardim umbroso, estäo empilhadas em filas
pipas de todos os tamanhos. As pipas säo medidas por meio de um
pequeno tanque que possui um indicador e mesmo ao lado homens
descalços com compridas camisas estäo a limpar as pipas com uma
quantidade de pequenas pedras redondas dentro delas, rolando-as
para a frente e para trás com um movimento brusco ao longo de
suas fortes traves. No armazém mesmo em frente das estufas
encontram-se os vinhos mais baratos da Messrs. Krohn Brothers and
Co. - um Madeira absolutamente leve variando entre 26 e 30 libras
por pipa - armazenados no andar superior; enquanto no andar de
baixo, trabalhadores com as habituais camisas compridas, estäo
a preparar um carregamento de um puro vinho seco de sabor suave
para o mercado Holandês, trasfegando a bebida alcoólica para
grandes jarros de cobre. Estas longas camisas, habituais nos
trabalhadores dos armazéns de vinho do Funchal, säo fornecidas
pelos patröes, que, deste modo escaparam a um aumento de salários
pedido com o argumento de terem de usar muita roupa e de a
estragarem facilmente. No rés-do-chäo deste armazém há barricas
de aguardente e de vinhos acabados de vir da estufa, à espera de
serem melhorados antes de passarem para outros armazéns mais
espaçosos, situados numa rua contígua. Estes últimos compreendem
um rés-do-chäo e dois andares superiores, cada um formando um
vasto compartimento iluminado por grandes janelas em cada uma das
extremidades, e com filas de pliares de pedra a dividi-lo em três
partes. Aqui, a firma recebe as suas aquisiçöes de mosto, sendo
depositadas no armazém, no rés-do-chäo do prédio.
No momento da nossa visita, encontrámos um grupo de
borracheiros encharcados de suor, entregando odres com mosto, que
tinham trazido das montanhas nessa manhä. Ao serem despejados nas
pipas, um empregado do armazém volta e meia media os conteúdos
de um certo número deles escolhidos ao acaso e verificava a
quantidade de sacarina através de um sacarómetro, para se
certificar de que cada odre continha todo o seu barril,
correspondente a cerca de nove ou dez galöes, e de que o mosto
näo fora falsificado «en route». O preço do mosto oscila entre
18s. e 21s. por barril - sendo doze barris equivalentes a uma
pipa. Os borracheiros mais robustos fazem, durante o auge da
vindima, duas ou mesmo três viagens das montanhas para a cidade
e de regresso às montanhas, durante um dia. Nas raras partes da
ilha em que os caminhos säo bons, o mosto é trazido das montanhas
em pipas em carros de bois. No entanto, todo o vinho produzido
no lado norte chega pelo mar, näo na forma de mosto, mas na forma
seguinte, como «vinho em limpo», ou vinho fermentado, e, por näo
haver no Funchal molhe ou cais, é desembarcado de um modo muito
primitivo. Os barcos ficam ancorados a alguma distância da costa,
as pipas säo atiradas para fora do barco e homem atrás de homem
da tripulaçäo, depois de se despir e de se benzer religiosamente,
salta para o mar e colocando as suas mäos sobre uma pipa, nada
atrás dela até chegar às vagas que rebentam na praia, onde as
pipas säo colocadas em corças e puxadas para cima, pela praia
inclinada. No ano da nossa visita, o vinho novo do norte da ilha
alcançou entre 7 e 8 libras por pipa.
No primeiro e segundo andares do prédio de que temos estado
a falar, säo armazenados vinhos de qualidade mais baixa e
intermédia, sendo um dos melhores um «Verdelho fino» de sabor
delicado e de agradável aroma, com alguns vinhos novos que
prometem transformar-se em Madeira de alta categoria. Depois de
visitarmos vários outros armazéns, onde säo guardados lotes de
vinho diverso, incluindo um recentemente arrendado para armazenar
uma parte das aquisiçöes da firma de mosto novo, passámos para
o antigo armazém onde a Messers. Krohn tem reunidos os seus
melhores vinhos. Entra-se neste venerável armazém através de um
estreito pátio pavimentado, e os vários andares, com as pesadas
cargas que têm que suportar, estäo apoiados em fortes vigas. As
grandes pipas têm pequenas chapas pretas penduradas, indicando
o seu conteúdo. Provámos aqui um excelente vinho para exportaçäo,
seco e ligeiramente picante, depois uma amostra que se mostrou
lindamente genuína e suficientemente envelhecida, em seguida um
vinho delicado e explendidamente amadurecido; Também um «Verdelho
fino» amarelo claro, extremamente suave e de sabor refinado, que
tinha sido aquecido até a temperatura de 120 graus e ao qual näo
foi adicionado mais de 4 por cento de álcool. Este vinho é
exportado principalmente para a Escócia e Rússia, sendo conhecido
no último país sob o nome de Madeira Branco.
Mostraram-nos, em seguida, um Câmara de Lobos muito seco,
de 1874, o qual, depois de estar seis meses numa estufa normal
a 120 graus, passou mais quatro meses ao sol. A este seguiu-se
um Câmara de Lobos de 1868, um vinho poderoso, ácido e aromático,
com um «vinho velhíssimo» da mesma localidade, muito forte mas
maravilhosamente suave, que tinha adquirido um refinado aroma e
um sabor levemente agradável. Este vinho tinha trinta e nove anos
e foi adquirido pela firma há uns oito anos a quase 200 libras
por pipa. Um vinho reserva mostrou igulamente ser seco e suave,
agradavelmente picante e com um delicado aroma a vinho. Entre
outros vinhos, reparámos num velho Malvasia de cor profunda e num
Tinta do ano de 1869; e, sobretudo, um Boal deliciosamente suave
e levemente doce, com um aroma muito perfumado - um vinho que
nunca falta na reserva do Rei da Baviera. Outro real cliente da
firma para vinho Madeira de alta categoria é o Czarewitch.
A maior reserva de Madeira armazenado por qualquer casa de
exportaçäo no Funchal é a que pertence à Messrs. Blandy Brothers.
Ela chega a atingir cerca de 5.000 pipas, variando em valor entre
35 e 250 libras cada, e foi acumulada pelo velho Sr. Charles R.
Blandy, a seguir à destruiçäo dos vinhedos da Madeira de 1852.
Estes vinhos - que incluem alguns admiráveis exemplares e uma
variedade de produçöes, armazenados distintamente tanto quanto
à localidade de produçäo como quanto ao ano da vindima - estäo
guardados em näo menos de quarenta armazéns, ligados por
passagens, escadas, patamares e entradas abertas em maciças
paredes de pedra.
Sai-se dos escritórios na Rua de Säo Francisco - uma rua
que segue em direcçäo ao mar - e entra-se num pequeno pátio
rodeado por estranhos prédios irregulares, sendo o rés-do-chäo
de um deles o antigo armazém onde os vinhos mais veneráveis da
firma estäo reunidos. É um compartimento longo e sombrio,
iluminado por pequenas janelas quadradas, protegidas por barras
de ferro, e pavimentado com lages. Aqui, alinhadas em filas,
estäo umas trinta ou quarenta enormes pipas, todas com um aspecto
mais ou menos antigo, e muitas possuindo as marcas de firmas
madeirenses antigamente famosas, hoje extintas, cujas reservas
ainda estäo aqui expostas. Cada uma destas pipas possui entre 620
e 670 galöes; e todas elas contêm vinhos de sabor e aroma raros,
embora geralmente demasiado concentrados e poderosos para serem
bebidos puros, sendo o seu principal valor por darem qualidade
a produçöes mais jovens. Provámos aqui entre outras amostras, um
Câmara de Lobos mistura de grande vinosidade e agradável sabor
picante; um poderoso e antigo Reserva de qualidade especial da
mesma freguesia e da «solera» de 1792; um bom e antigo vinho
concentrado do vinhedo de Torre Bella, maravilhosamente puro e
suave; um extraordinário Sercial, produzido há meio século e
exalando hoje um maravilhoso aroma, tendo um sabor marcado,
embora agradável e picante. Foi nos dito que durante os primeiros
vinte anos da sua vida, este vinho era demasiado áspero, näo
sendo de modo nenhum agradável. Outro vinho venerável era um
Malvasia velhíssimo, um vinho de enorme suavidade combinada com
um atraente sabor levemente amargo. Confinando com este
verdadeiro museu de vinho ficava antigamente o velho teatro do
Funchal, que o Sr. Charles R. Blandy adquiriu e converteu num
armazém de vinho. Aqui, uma série de arcos conduzem a uma
sucessäo de pátios rodeados de prédios cheios de pipas sobre
pipas de vinho. No antigo teatro, onde se armazenam vinhos em
pipas duplas, os trabalhadores estavam ocupados a melhorar o
vinho com clara de ovo, enquanto que numa espécie de armazém
aberto se fazia uma mistura de cinquenta pipas. Esta mistura, que
indicava uma idade média de oito anos, mostrou ser um vinho
agradável e näo demasiado alcoólico, com um sabor levemente
picante, e de cor bastante brilhante, embora ainda näo tivesse
sido melhorado. Daqui, uma escada conduz para uma plataforma em
cima, onde está instalado um mecanismo para erguer e descer as
pipas, e tem-se acesso a vários armazéns espaçosos, contendo cada
um duzentas ou trezentas pipas. Num destes as pipas estavam
alinhadas em cinco filas separadas, e num outro, cujo chäo
assentava em sólidos suportes de alvenaria, as pipas estavam
colocadas uma sobre a outra. Aqui estavam algumas das produçöes
do norte, agradáveis e leves, as quais, ao contrário dos vinhos
produzidos no lado sul da ilha, ocasionalmente desenvolvem a
«mycoderma vina» ou as chamadas flores da vinha, täo ansiosamente
procuradas pelos produtores de xerez. Continua-se por uma série
de armazéns, unidos por numerosos pátios e plataformas - com
várias «Clapham Junctions» - onde estäo armazenados vinhos que
variam entre 1865 e 1875. Aqui provámos um Câmara de Lobos, 1868,
que recebeu apenas dois galöes de álcool, e foi amadurecido num
armazém quente a uma temepratura de 95 graus; também um Säo
Martinho de 1870, um excelente vinho, meio seco, juntamente com
um Ponta Delgada de 1872, combinando um sabor seco com uma
notável suavidade. Numa ocasiäo seguinte, tivemos a satifaçäo de
provar um Porto da Cruz, produzido em 1829 e engarrafado em 1842,
de extraordinária leveza e delicadeza de sabor, juntamente com
um raro e vinoso Säo Martinho Verdelho, exalando um perfume
maravilhoso e com mais de meio século. Este era um dos Madeira
mais perfeitos que provámos, ultrapassando de longe em sabor,
embora näo tenha conseguido competir como curiosidade, um vinho
do ano de 1760, para o qual é um elogio suficiente dizer que,
embora apenas um fantasma daquilo que foi, näo se tinha, de modo
algum, tornado ácido, como teria acontecido com muitas outras
produçöes robustas pelo menos meio século antes.
A firma Leacock and Company estabeleceu-se há mais de cento
e vinte e cinco anos. O negócio tem passado de pais para filhos,
através de sucessivas geraçöes e há boas expectativas para que
continue assim. Esta firma e a Cossart, Gordon and Co. säo as
únicas duas casas comerciais que continuam na Madeira, que foram
membros da antigamente importante feitoria Britânica, a qual
tinha quase um monopólio do comércio de vinho da ilha, fixando
anualmente o preço do mosto adquirido aos produtores, bem como
também os preços a que os vinhos deviam ser exportados. Ao lançar
um imposto sobre cada pipa de vinho exportada por eles próprios,
criaram os fundos necessários para fazer um cemitério onde os
súbditos britânicos podiam ser decentemente enterrados, pois
nessa altura, os corpos dos que näo eram de fé católica Romana
eram insolentemente atirados ao mar. Antes de haver este
cemitério, um membro da feitoria que näo gostava nada da ideia
do seu cadáver servir de comida aos peixes, implorou aos seus
sócios que o enterrassem, quando morresse, debaixo da sua
secretária na casa da contabilidade. Secretamente, fizeram isso
e o caixäo que tinha sido preparado para o seu cadáver foi
enchido de pedras e entregue às autoridades para ser lançado ao
mar. Num capítulo anterior descrevemos a nossa visita a um
vinhedo do Sr. Leacock, o sistema inteligente em que o
encontrámos cultivado e a sua produçäo colhida; e nas suas adegas
tivemos a oportunidade de provar o vinho produzido por ele.
Achámos o de 1873 leve, seco e de bom sabor, enquanto o de 1872,
encontrando-se ligeiramente mais maduro, era suave e delicadamen
te aromático. Um Sercial de 1848, tinha uma cor profunda e um
sabor seco e picante; e um vinho de 1834-35 tinha adquirido uma
suavidade e delicadeza singulares, e mostrou ser muito menos
alcoólico do que esperávamos.
A casa de Henry Dru Drury, antigamente Rutherford, Drury
and Co., estabeleceu-se inicialmente na Madeira logo depois do
início do presente século. Os seus armazéns, situados no
quarteiräo oeste do Funchal, e onde se entra através de um
estreito pátio, comprendem alguns prédios grandes, com näo muito
menos de 200 pés de comprimento, cada um com dois andares, e
ligados ao primeiro andar por uma galeria de madeira com vinhas
em latada, deixadas crescer à sua vontade. Num lado armazena-se
o mosto enquanto completa a sua fermentaçäo, e no outro estäo os
vinhos maduros e os velhos e valiosos vinhos da firma, sendo os
últimos armazenados em pipas com aspecto antigo no andar
superior. A taboaria fica na aprte detrás dos armazéns,
confinando com um peuqeno terreno com vinhas das quais a firma
produz algumas pipas de vinho. Estes pequeno vinhedo está ligado,
num dos lados, a um velho convento onde se instalaram na altura
da nossa visita, sete veneráveis irmäs, tendo a mais nova cerca
de setenta anos. Uma vez que a legislatura portuguesa decretou
a supressäo de estabelecimentos conventuais, näo se fazem mais
adiçöes à venerável irmandade. Nos armazéns do Sr. Henry Dru
Drury provámos um poderoso vinho Câmara de Lobos de 1874, que
nunca tinha estado na estufa e um do ano de 1870, que tinha
amadurecido pela exposiçäo ao sol; também um delicado Boal de
1876, de sabor refrescante, um esplêndido Campanário com bom
aroma, de cor pálida, suave e ligeiramente doce mas de
extraordinário sabor. Na nossa opiniäo, as melhores produçöes do
Campanário ultrapassam as produçöes mais poderosas e de modo
geral mais estimadas de Câmara de Lobos, devido à sua grande
delicadeza de sabor e ao aroma mais perfumado. Os vinhos velhos
incluiam um Sercial de 1820, com um poderoso aroma e um sabor
seco mas muito pouco picante; um Boal mais ou menos com a mesma
idade, excessivamente picante e forte - uma essência de vinho,
por assim dizer; e um deliciosos Malvasia de cor profunda, do
mesmo período. Provámos mais alguns vinhos, em cujas pipas estava
marcado «Roda» para indicar que eles tinham viajado até à ïndias
Orientais ou Ocidentais e regressado a casa. Näo eram particular
mente de cor profunda, mas eram extraordináriamente fortes, e com
aquele sabor indefinível que o Madeira adquire depois de ser
submetido ao calor e movimentos combinados de uma viagem aos
trópicos no poräo de um navio.
A Messrs. Henriques and Lawton tem as suas reservas de
Madeira num prédio antigo, incompleto e de aspecto meio
semelhante a palácio, eregido por uma senhora Portuguesa de
elevada posiçäo social, e abandonado pelo seu esbanjador filho,
que, antes de o vender, tirou-lhe tudo o que era possível, tais
como os trabalhos em madeira esculpidos e outros objectos
decorativos, deixando apenas a carcaça nua do prédio. No entanto,
ele forma agora uma série muito compacta de armazéns, nos qauis
se guarda uma grande quantidade de vinho, incluindo muitas
variedades selecçäo. A firma estabeleceu-se inicialmente na
Madeira no ano de 1757 sob a denominaçäo de Murdoch, Shortridge
and Co.. Há mais de meio século - nomeadamente em 1826 - os dez
membros da firma tiveram a má sorte de se envolver num processo
legal com uns Portugueses amigos de discussöes. O processo
arrastou-se pelos vários tribunais e finalmente conduziu a uma
quebra dos direitos de tratado, e os Governos Britânico e
Português, incapazes de chegar a um acordo, submeteram todo o
processo ao Senado de Hamburgo, depois de um Comité Seleccionado
da Casa dos Comuns ter investigado e se mostrado muito
decididamente a favor de Messrs. Murdoch and Co. Em 1862, trinta
e seis anos depois do processo ter começado, os juízes decidiram-
se por 20,260 libras para a firma Inglesa, pelos prejuizos; mas
os seus custos e perdas relacionados com o processo, chegavam
nesta altura a quase 50.000 libras, de modo que, embora
eventualmente lhes tenha sido feito algum tipo de justiça, foi
a custos muito elevados.
Na Messrs. Henriques and Lawton passámos através de uma
«porte cochère» em ruinas, com altos pilares de pedra de cada
lado, entrando num espaçoso pátio empedrado, onde a mansäo
desmantelada erguia a sua fachada maciça, com as suas numerosas
e grandes janelas ornamentais, no nosso lado esquerdo, e uma fila
de armazéns mais baixos, parcialmente cobertos de vinhas, surgia
em frente. Através da casa, chega-se a um segundo pátio
pavimentado, coberto com vinhas cheias de folhas, colocadas em
corredores, por baixo de cuja sombra numerosos tanoeiros
trabalham. As estufas da firma que incluem uma estufa aquecida
por temperatura artificial e uma estufa do sol, sendo o seu calor
causado, como sugere o nome, exclusivamente pelo sol, contêm as
duas juntas 350 pipas e ficam situadas noutra parte da cidade com
uma panorâmica total sobre o mar.
Provámos nos armazéns da Messrs. Henriques and Lawton
numerosos bons vinhos, passando pelo normal percurso de Câmara
de Lobos, uma série de colheitas da mais alta qualidade.
Mostraram-nos depois uns Santo Antónios secos e aromáticos, com
seis, sete e nove anos respectivamente; um vinho picante, de cor
clara, formado pela mistura de um Säo Roque com um Sercial de
cinco anos; um Sercial com doze anos, um excelente vinho na
perfeiçäo total; um rico e oleoso Boal de 1872 - demasiado doce,
no entanto, a näo ser para ser bebido como vinho de sobremesa;
e um venerável Malvasia, produzido há quarenta anos, de um brilho
rubi, com um rico sabor a licor e possuindo um admirável aroma.
Cinco por cento é a quantidade maior de álcool que o Senhor
Henriques adiciona aos vinhos produzidos no lado sul da ilha,
enquanto vinhos do norte recebem uma quantidade ligeiramente
maior. Este álcool é invariavelmente adicionado aos graus. Como
em todos os outros armazéns do Funchal, as pipas aqui ficam com
um vacuo equivalente a dez ou doze galöes, o que é pouco menos
do que os exportadores do Jerez permitem numa pipa de xerez. A
perda anual por evaporaçäo é em média cerca de 5 por cento, o
que, claro, tende a aumentar o grau alcoólico do vinho; mesmo
assim, o Madeira é exportado a uma média de 32 graus de álcool
comprovado.
A Messrs. Welsh tem os seus armazéns numa das principais
ruas do Funchal, conhecida como a Oxford-Street da capital
Madeirense - uma rua longa e estreita, ladeada por vistosas casas
brancas, com tapassóis verdes e varandas, com muitas das
características das que encontramos no sul de Espanha. Passamos
por um largo portäo, subimos uma entrada comprida, entrando num
jardim encantadoramente fresco, alegre com as suas flores e a
folhagem verde brilhante, e com caminhos com sombra cobertos de
corredores de vinha. æ direita ficam os armazéns, o corresponden
te a uma «bodega» do Jerez, compridos grandiosos e bem ventila
dos, com quatro filas de pipas, estendendo-se de um lado a outro,
quase todas elas cheias com a melhor qualidade de vinhos. Antes
de época do oídio, a firma fez um grande negócio com um Madeira
barato e leve, a um preço täo baixo que andava à volta das 12 e
15 libras por pipa; e em 1849 conseguiu colocar-se à cabeça da
lista de exportaçöes da Madeira. Hoje em dia, no entanto, ocupa-
se menos com negócio de vinhos mais baratos e dedica-se quase
exclusivamente a exportar as produçöes mais caras, enviando estas
últimas, na sua maioria engarrafadas, para os Estados Unidos e
outros mercados. A Messrs. prefere amadurecer os seus vinhos nas
estufas do sol do que nas aquecidas artificialmente.
Outra casa de exportaçäo Inglesa, a Messrs. R. Donaldson
and Co., exporta só vinhos de alta qualidade, amadurecidos de
preferência à temperatura natural do que à temperatura
artificial, ou, o melhor de tudo, amadurecidos pelo tempo. Nos
armazéns arejados e espaçosos da firma, encontrámos Câmara de
Lobos de 1872 e 1866, o último um vinho de forte sabor, embora
delicado, lindamente suave e aromático; um Porto da Cruz de 1876
e 1872, o primeiro sem qualquer adiçäo de álcool, tanto com sabor
como com aroma a uva, e o último, que tinha amadurecido
simplesmente pela idade, seco, fraco e delicado e possuindo uma
agradavel frescura. Uma mistura composta por Säo Martinho e Santo
António do ano de 1872 era especialmente suave, com um cheiro
muito aromático; enquanto um Säo Martinho de 1869-70 demonstrou
ser igualmente delicado em fragância. No geral, os vinhos desta
firma eram muitissímo interessantes.
A maior das casas exportadoras nativas do Funchal é a da
Meyrelles, Sobrinho e Cia., da qual o Senhor Salles, cujo vinhedo
em Santo António já descrevemos, é um sócio dirigente. Os
numerosos armazéns da firma entäo espalhados por diferentes
partes da cidade. O estabelecimento central fica perto da
catedral, enquanto uma outra série de armazéns fica perto do
palácio, virada para o mar, e outros ainda estäo situados mais
no centro do Funchal. A firma também possui uma estufa do sol,
cosntruída em ferro e vidro, na qual é garantida uma temperatura
de 130 graus. Muito piturescos säo os antigos armazéns centrais,
com as suas filas de veneráveis pipas cheias de vinhos muito
velhos, e os corredores improvisados à volta das paredes mesmo
por baixo das traves enegrecidas, onde é guardado vinho de idade
fabulosa em garrafas cobertas de poeira e enroladas em grinaldas
de teias de aranha. É impossível enumerar todos os extraordiná
rios vinhos que nos foram mostrados nestes armazéns; é suficiente
dizer que eles compreendem Câmara de Lobos de diferentes anos,
sempre com muita qualidade, por vezes mesmo um pouco rico, embora
geralmente ligeiramente picante, e näo pouco frequentemente
excessivamente forte. Também nos lembramos de um velho Boal, bom
e delicado, um arcaico Verdelho com algumas das características
de um licor, um Bastardo, combinando uma certa doçura com uma
frescura de paladar peculiar, um Tinta novo e adstringente, um
aromático Malvasia de fabuloso valor, e um Moscatel aromático e
delicioso, com outras produçöes que em sabor e aroma passavam por
todas as chaves da escala mundial.
Um outro exportador Português que possui uma reserva
considerável de Madeira de alta categoria, é o Senhor Henrique
J. M. Camacho, que amadurece os seus vinhos principalmente numa
estufa do sol situada na parte superior de um dos seus armazéns,
e na qual ele obtém uma temperatura de 150 graus. As suas
exportaçöes säo principalmente para Inglaterra, Portugal, Brasil
e os Estados Unidos, e os seus armazéns com aspecto venerável
estäo situados no quarteiräo oeste do Funchal. Entre as
curiosidades que fomos convidados a provar estavam alguns velhos
Säo Martinhos muito bons, com uma curiosa colecçäo de alta
categoria de Boal de Câmara de Lobos, Campanário e Santo António.
Também um Ponta do Pargo de quinze ou vinte anos, forte e, no
entanto, de sabor refinado, um raro Bastardo e um Malvasia - com
uma ligeira mistura de boal para lhe dar qualidade e harmonia -
no qual «o falso, efémero e perjurado Clarence» podia estar
pronto a afogar-se. A firma da Viúva Abudarham e Filhos tem os
seus armazéns na antiga estaçäo de correios do Funchal, perto do
estabelecimento principal da Cossart, Gordon and Co.. Uma pomposa
entrada aos arcos conduz aos armazéns que formam alguns andares,
suportados por uma combinaçäo de arcos maciços e traves pesadas.
Os Campanários destas firma säo de alta qualidade. Um de 1871,
que foi amadurecido por seis meses de exposiçäo ao sol, tinha um
sabor extraordináriamente agradável e possuia um peculiar e
delicado aroma. O seu Câmara de Lobos também se distinguia pelo
seu aroma, e ficámos impressionados com um vinho velho muito
suave, resultante de uma ligeira mistura de Malvasia com um bom
Verdelho. A firma faz um negócio considerável em vinhos
engarrafados, principalmente com a França e a Alemanha.
Um grande armazenista de bom vinho no Funchal que näo é um
exportador mas um «partidista», a quem os exportadores recorrem
para renovarem as suas reservas quando estas estäo em baixo, é
um senhor italiano, Signor Augusto C. Bianchi. Os seus armazéns
ficam, em parte, por cima da praça da Constituiçäo. Aqui
conhecemos um rico Säo Martinho de 1873 e 1874, de um vinhedo
pertencente ao Signor Bianchi, amadurecido exclusivamente pelo
calor do sol - suave e com um aroma muito bom; um Boal de uvas
seleccionadas do mesmo vinhedo, muito delicado mas com um sabor
ligeiramente amargo; um Boal do Campanário com quinze anos, rico
e de natureza quase oleosa; juntamente com um Verdelho
palhetinho, de cor pálida como o seu nome indica, e com um sabor
suave e amargo. Nos armazéns contíguos à casa do Signor Bianchi,
que com o seu pátio coberto, paredes de cal, curiosas entradas
em arco e pequenas janelas espreitando aqui e ali, tinha quase
um aspecto Oriental, vimos um Câmara de Lobos excessivamente
velho e muito picante, juntamente com um par de amostras de vinho
velhíssimo, um extremamente delicado e o outro excepcionalmente
forte.
O Senhor Cunha que exporta principalmente para Inglaterra,
Alemanha e Rússia tem uma série de Verdelhos particularmente
bons, variando entre 1857 e 1873; alguns Serciais secos e
delicados, com mais de um quarto de século; um Boal rico e
picante, já no seu trigésimo ano; um vinho mais novo da mesma
qualidade, com um sabor suave e delicioso, e admirávelmente
adaptado a um vinho de sobremesa; e um Malvasia com qualquer
coisa como vinte e cinco anos de idade, delicioso e refinado e
maravilhosamente perfeito. A Leal Irmäos e Cia., cujos armazéns
principais estäo situados no quarteiräo no extremo este do
Funchal, tem uma reserva considerável tanto de produçöes velhas
como novas, sendo muitas das primeiras de alta categoria. Entre
os mais notáveis encontrava-se um velho Verdelho de cor profunda
e muito aromático, da vindima de Säo Martinho, e um saboroso
Moscatel do vinhedo situado num antigo desabamento de terra,
conhecido como Fajä do Mar, com alguns vinhos excelentes dos
vinhedos mais altos de Câmara de Lobos, e outros do lado norte
da ilha, que exibiam uma considerável robustez, e foram
melhorados sem qualquer adiçäo de álcool. O Senhor Leitäo, antigo
director da filial do Banco de Portugal no Funchal, proprietário
de vinhedos e possuidor de grandes quantidades de vinho, tinha
as suas reservas de Madeira dispersas pela cidade em vários
armazéns, a maioria dos quais prédios antiquados com alguns
andares, com traves em decadência e soalhos comidos pelas larvas,
que pareciam ceder sob o seu peso constituido por filas em cima
de filas de pipas de vinho, variando tanto em idade como em
qualidade. A reserva do Senhor Leitäo era equivalente a pouco
menos de 2.000 pipas, cujo valor estava entre 30.000 e 40.000
libras.
A colheita da Madeira era 1877, o ano em que visitei a
ilha, estava estimada em cerca de 7.000 pipas, sendo, no entanto,
metade dela, devido ao tempo desfavorável, vinho de primeira
classe. Esta produçäo é cerca de menos um quarto da produçäo
média anual dos últimos anos, com a excepçäo de 1876. A queda
deveu-se parcialmente à filoxera, mas mais especialmente à
excessiva humidade da primavera e veräo anteriores, que fez com
que muitos frutos apodrecessem. Por pequena que fosse a produçäo,
seria ainda suficiente para duplicar as exportaçöes anuais,
embora estas tenham estado a aumentar continuamente desde que os
vinhedos, que sofrerem täo severamente o oídio, começaram a dar
fruto outra vez. Há noventa anos, a data mais antiga de que
temos registos, a Madeira costumava exportar mais de 10.000 pipas
de vinho anualmente. No início do presente século, esta
quantidade aumentou para 17.000 pipas, e subiu durante o ano de
1813 até as 22.000. Uma variedade de circunstâncias conduziram
a este resultado, das quais uma foi o estado geral de turbulência
na Europa e o encerramento de certos portos de vinho, e outra o
grande consumo de vinho nas ïndias Orientais e Ocidentais, para
onde era enviado na altura da guerra em carregamentos periódicos.
Nos bons velhos tempos, frotas de barcos de guerra, bem como
combóios de comerciantes, costumavam aportar constantemente na
Madeira e levar grandes fornecimentos de vinho, cujas encomendas
os comerciantes encontravam frequentemente dificuldade em
fornecer durante o curto período de tempo que os barcos
permaneciam no porto. Nestas ocasiöes acontecia frequentemente
que enquanto os comerciantes estavam a entreter os funcionários
de governo nas escadas e a dança continuava até às primeiras
horas da manhä, os empregados das adegas estavam täo ocupados
como abelhas lá em baixo a preparar para exportaçäo o vinho
pedido.
Diz-se que a substituiçäo do Madeira por xerez feita por
George IV levou o antigo vinho a cair fora de moda e causou o seu
muito reduzido consumo; mas é pouco provável que tenha sido este
o caso, pois só depois do «Primeiro Senhor na Europa» ter entrado
na adega real em Windsor, é que a grande queda na importaçäo do
Madeira ocorreu. Em 1842 as exportaçöes do vinho para Inglaterra
eram menos de 1.000 pipas; e subsequentemente foi dado um severo
golpe pelo oídio a um comércio já em decadência, quando se parou
totalmente a produçäo e as reservas gradualmente se esgotaram,
enquanto que os preços subiam, conforme elas diminuiam, de 25
para 75 libras por pipa para as qualidades mais baixas. Estes
aumento do preço do Madeira, naturalmente operou desfavoravelmen
te em relaçäo ao consumo, mas especialmente porque os exportado
res de xerez e marsala conseguiram manter o mercado Inglês
abastecido com estes vinhos por último nomeados a quase um quarto
da média pedida por Madeira vulgar. O consumidor de Madeira,
assim obrigado a recorrer ao xerez ou marsala, em muitos casos
nunca regressou à sua velha paixäo. Também o mercado da ïndia
Oriental foi afectado primeiro pela dissoluçäo da Companhia das
ïndias Orientais que importava muito vinho para as suas colónias,
e ulteriormente pela construçäo do Canal do Suez, que abriu uma
rota mais favorável para o oriente de modo que os barcos já näo
passavam pela Madeira, na sua viagem para lá, onde carregavam
meia dúzia ou uma dezena de pipas de vinho, de acordo com o
costume antigo; duas coisas sobre as quais a parte do público
Britânico que bebe vinho raramente está alertada: o Madeira caiu
considerávelmente em preço e as reservas de vinhos maduros na
ilha näo têm precedentes, de modo que tudo está favorável para
um aumento de consumo. Certamente que o vinho tem uma qualidade
especial. Ele vangloria-se por ter um alto sabor refinado,
combinado, quando devidamente amadurecido, com uma extraordinária
suavidade, às quais ele ainda acrescenta excepcionais poderes de
conservaçäo. Como acompanhamento da sopa ou de muitos dos «plats»
mais suaves, as suas variedades mais secas säo especialmente
adequadas; enquanto que os Franceses há muito tempo que nos
ensinaram que as qualidades mais ricas säo essenciais à
sobremesa.
As reservas presentes de Madeira na ilha estäo estimadas
em 30.000 pipas; de modo que qualquer deficiência na produçäo
causada pela filoxera, oídio ou influência atmosférica é pouco
provável que se faça sentir num futuro longíquo. Além disso, a
filoxera espalha-se lentamente na Madeira, tendo confinado as
suas destruiçöes durante os cinco anos anteriores à nossa visita,
a uma área relativamente pequena; enquanto que uma única divisäo
administrativa em França no mesmo espaço de tempo viu os seus
vinhedos destruidos numa extensäo equivalente a toda a área
cultivada da ilha. Os apreciadores de Madeira podem estar certos
de que nunca foi produzido melhor vinho que no momento presente,
possuindo os exportadores todas as variedades de uma vindima ou
misturas de produçöes - seco, doce, suave ou picante - cujos
preços oscilam entre 26 libras até 300 libras por pipa; podendo-
se obter um vinho médio excelente a um preço que varia entre 50
e 80 libras. O Madeira pode pois ser vendido a retalho a 30s. à
dúzia e todas as qualidades muito especiais entre 60s. e 70s.
22.Dennis Embleton.1880

Publicado:

A visit to Madeira in the winter 1880-1881, Londres, 1882, pp.76,


78-81.
Entre os anos 1846 e 1852 as vinhas da Madeira foram
destruídas pela devastaçäo do Oidium Tuckeri. Por consequência,
as pessoas dedicavam-se com energia ao cultivo da cana-de-açúcar
que antes deste período, em parte devido ao alto valor do seu
vinho e em parte aos fornecimentos abundantes e a baixo preço dos
açúcares do Brasil e outros países Américanos, tinha sido muito
negligenciada. A indústria do açúcar prosperou novamente e,
entretanto, as vinhas recuperaram ou foram substituídas por novas
parras e durante algum tempo produziu-se tanto bom vinho como bom
açúcar. No entanto, lançou-se uma taxa sobre o açúcar importado
por Portugal e Açores vindo da Madeira, o que prejudicou o
comércio. Infelizmente, durante os últimos anos a Phylloxera
Vastatrix apareceu e tornou-se grande inimiga das vinhas em
muitas partes, procurando-se um remédio.

VINHO

É provável que as primeiras vinhas trazidas para a Madeira


näo fossem apenas aquelas enviadas conforme o pedido do Infante
D. Henrique de Portugal cerca de 1421, de Creta e outras partes
mas igualmente provenientes de muitas espécies vulgares de
Portugal, juntamente com os vários cereais e sementes durante e
depois da colonizaçäo da ilha.
A vinha chamada Malvasia ou Malmsey, diz-se que foi trazida
pelos Acciaioli, Italianos florentinos, cujos descendentes ainda
vivem em Santana na Madeira. Esta família, antigamente poderosa,
possuía, nos séculos catorze e quinze, uma considerável parte da
Grécia incluindo a Morea; e o seu poder aí foi destruído pelos
turcos em 1456, sob Mahomet o segundo. No lado este da Morea,
existe uma pequena ilha chamada Minoa e nela uma cidade chamada
Napoli di Malvasia. Acredita-se que essa ilha, que durante tempo
foi famosa pelos seus ricos vinhos e por essa variedade chamada
Malvasia, constituiu parte dos domínios dos Acciaioli. Todavia,
é possível, é mesmo certo que esse vinho era produzido na Madeira
antes do fim do século quinze e que a ilha, após essa data, nunca
deixou de o introduzir.
De tempos a tempos, as vinhas de Chios, Candia, Chipre e
outros lugares no levante célebres pelo vinho, eram importadas.
As vinhas na Madeira propagam-se geralmente por mergulhia.
Os vinhos principais da Madeira säo o Verdelho, Sercial,
Bual, Tinta, Bastardo e Malvasia.
O Verdelho é o vinho mais vulgar da ilha e varia
consideravelmente em qualidade e preço. Quando é de boa
qualidade, é um excelente vinho de mesa e é geralmente conhecido
em Inglaterra como o "Madeira".
O Sercial é raro, é feito de uvas das vinhas Riesling,
introduzidas na Madeira a partir do Reno. É um vinho branco seco,
combinando o sabor dos vinhos Reno e da Madeira, com um agradável
aroma e requer idade para atingir a perfeiçäo. Saboreei-o por
amabilidade do Sr. Leland Cossart, na sua adega.
O Bual é um rico vinho de sabor delicado e aroma peculiar.
O tinta é feito de uma uva negra que cresce principalmente
no lado norte da ilha. Tem uma cor profunda, quase semelhante ao
vinho do Porto, que empalidece com a idade. É muito adstringente
e é dado como remédio aos visitantes que na Madeira sofrem de
diarreia, näo sendo, no entanto, muito consumido, a näo ser pelos
naturais.
O Bastardo é um vinho doce, com um sabor de certo modo
adstringente e um aroma agradável.
O Malvasia tem uma cor de Madeira escuro e é um vinho rico,
doce e delicioso que, com a idade, se transforma quase num licor.
A colheita da uva ("vindima") na Madeira é provavelmente
realizada de um modo muito semelhante à da "vindemia" dos Romanos
no tempo de Virgílio.
Quando as uvas estäo maduras, os homens cortam os cachos
e deitam-nos em cestos, sendo levados para o lagar. Aqui säo
pisados ao som da música, por homens descalços mas de pés limpos,
até todos os bagos serem esmagados. Depois, o sumo é conduzido
para os barris. A massa de cascas, sementes e pedúnculos é,
depois, junta num montäo, rodeado por cordas e sujeita a uma
grande pressäo de blocos de madeira colcoados sobre o montäo.
Após isto, uma pesada trave de madeira ("vara") é feita girar
para baixo, comprimindo os blocos. Desta maneira, todo o restante
sumo é espremido, correndo para dentro de barris. A massa que
resta é entäo espalhada pelo chäo do "lagar", misturada com água
e novamente esmagada. É entäo espremida e os trabalhadores bebem
o sumo diluido resultante ou pode este ser apregoado pelas ruas,
transportado em odres aos ombros dos homens que lhe chamam água-
pé.
Uma certa quantidade de aguardente ou álcool é deitada
deitada dentro dos barris. A altura em que isto é feito varia de
acordo com a opiniäo do produtor de vinho. Nos barris de sumo ou
"mosto" deita-se uma quantidade de carväo de madeira em pó fino
que leva consigo a matéria corante e outras impurezas conforme
a fermentaçäo vai diminuindo. Depois de algum tempo algumas
pessoas transferem o vinho para outro barril e até para um
terceiro para se verem livres do depósito. Depois de permanecerem
alguns meses no "armazém", os barris säo colocados na "estufa"
por um tempo variável, isto é, entre dois e quatro meses. A
"estufa" é um recinto aquecido por uma fornalha ou pelo sol. Nele
o vinho é amadurecido mais rapidamente do que se tivesse
permanecido no "armazém".
O vinho da Madeira era conhecido na Inglaterra no tempo de
Shakespeare e, provavelmente, muito mais cedo. Na sua obra "Henry
the Fourth, Part I", que apareceu em 1598, Acto I. cena 2, Poins
pergunta a falstaff: "O que diz Sir John Sack-and-Sugar? Jack,
como concordaram, o diabo e tu, sobre a tua alma, que tu lhe
vendeste na última Sexta-Feira Santa por um copo de Madeira e uma
perna fria de frango?" também , na cena 4, drower exclama: "sem
demora, sem demora, Senhor! Deite-me uma caneca de Bastardo!" E
"Porquê entäo, o teu Bastardo castanho é a tua única bebida"! As
Canárias säo também mencionadas na parte II da mesma peça.
Para dar uma ideia da exportaçäo anual de vinho Madeira,
transcrevo a frase seguinte de "Notas para a História da
Madeira", de onde foi tirada uma boa parte da informaçäo
precedente sobre o açúcar e vinho: "A quantidade de vinho
exportado, diminuindo em 1830 para 5.994 pipas, aumentou
progressivamente de modo que em 1840 foram enviadas para fora
9.782 pipas a um preço entre 30 e 44 libras cada. Rm 1849 a
exportaçäo aumentou para 14.445 pipas. Em 1850 a quantidade era
de 13.875; e em 1851 12.356, enquanto que em 1852 só 5.676 foram
exportadas devido á devastaçäo provocada pelo Oidium Tuckeri. Näo
posso afirmar qual foi a quantidade dos últimos anos, a näo ser
durante a primeira metade de 1880 em que a exportaçäo, de acordo
com mr. Rendell's hand-book of Madeira, foi de 2.200 pipas. A
Phylloxera sucedeu o Oídio na destruiçäo ou deterioraçäo das
vinhas.
Uvas de mesa säo também cultivadas e vendidas a navios que
passam pela ilha. Há uma exportaçäo considerável de cebolas para
a Europa e, especialmente para a Dinamarca. Enormes quantidades
de fruta, vegetais e aves de capoeira säo fornecidas aos barcos
que por cá passam quase todos os dias ao se dirigirem ou vindos
de Inglaterra na viagem entre o Cabo e a costa oeste de Africa.
23.Gaston Lemay.1881

Publicado:

A bord de la Junon, Paris, 1881, pp.53-54.


Mas, falemos um pouco de vinho. De um modo geral, pensa-se
que a Madeira já näo produz vinho, que as vinhas säo arrancadas
e que näo existe outro vinho Madeira excepto o que se produz
habilmente em Cette e noutros locais. Metade verdadeiro, metade
falso, como na maior parte do que se diz. A Madeira viu as suas
vinhas serem destruídas pelo oídio entre 1852 e 1854; elas foram,
em parte, replantadas por volta de 1864 e, desde essa altura, a
phylloxera, propagando-se mais e mais em cada ano, reduz as
colheitas. Recomeçou-se a arrancar as vinhas e, como em todo o
lado, também aí se procura um remédio para esse flagelo com o
qual o mundo inteiro sofre desde há uns dez anos.
Perante tais circunstâncias, será que existe ainda vinho
na Madeira? E será que os turistas, bem como nós, podem importar
com segurança uma amostra verdadeiramente autêntica deste vinho,
do qual brevemente se negará a existência? - Digo-lhes desde já
que nós bebemos desse vinho excelente e os pobres comerciantes
de vinho queixam-se que existe demasiado vinho na Madeira, desde
o do ano passado que vale 25 soldos à garrafa, até ao do ano de
1842 que vale 25 francos, calcula-se em quarenta ou cinquenta mil
litros o stock nos armazéns. Quem faz falta säo compradores e uma
ligeira baixa de preço näo seria suficiente para os trazer de
volta. Na realidade, o Madeira é apenas bebível depois de quatro
anos; só é bom depois de oito ou dez anos e apenas alcança o seu
perfume na maioridade.
Näo se consegue uma garrafa de Madeira com dez anos por
menos de oito francos; o seu valor aumenta em quase um franco por
ano. Como conseguiria ele lutar com as sábias combinaçöes dos
nossos químicos modernos? A diferença é demasiado grande. Resta,
pois, inclinar-se perante o poder industrial da nossa época,
cultivar a cevada, a cana e o trigo, deixar as velhas pipas do
Funchal envelhecer com dignidade nas suas caves e desenvolver a
química orgânica e alimentar que nos reserva muitos outros
aperfeiçoamentos.
24.E.M.Taylor.1882

Publicado:

Madeira.its scenery and how to see(...), Londres, 1882, pp.69-76.


Vinhas e Vinhedos. Conhece-se muito menos acerca da
história primitiva da cultura da vinha na Madeira do que da do
açúcar, para além do facto de que o Infante D. Henrique a
introduziu a partir de Cândia. Näo se atribui uma data precisa,
mas foi algum tempo depois da introduçäo da cana-de-açúcar em
1425. No entanto, até 1485 näo encontramos qualquer mençäo ao
vinho Madeira e depois disso é frequentemente referido por
constituir parte da remuneraçäo dos padres das freguesias: uma
ou duas pipas anualmente. de acordo com o tamanho da freguesia,
juntamente com um ou dois "moios". Um "moio" contém 23 1/2
alqueires.
Estes padres recebiam apenas entre 20.000 rs. e 30.000 rs.
em dinheiro.
Além disto, pouca referência é feita à vinha nos velhos
documentos e a mesma indiferença é visivel no tratamento que o
Infante D. Henrique dá à mesma. Toda a sua atençäo parece ter
sido dada às plantaçöes de cana-de-açúcar e aos moinhos de água.
No início, vinhas inferiores foram introduzidas, principalmente
no Porto Santo e no lado norte da Madeira e uma pobre qualidade
de vinho foi produzido antes das mergulhias vindas de Cândia,
Chio e Chipre. Essas vinhas inferiores foram suficientemente
cultivadas para produzir vinho em qualquer quantidade, emquanto
a cana começou a produzir com pouco atraso, logo depois de ser
plantada.

(...)
Para grande alegria e alívio do Regente, isto näo foi
necessário e os documentos relacionados com a transferência
proposta näo viram luz até muito depois.
No período de 1860, havia, de acordo com Paulo Perestrello,
dez casas comerciais Inglesas, dez de outras nacionalidades
estrangeiras e dez Portuguezas. Algumas destas exportaram mais
tarde os seus vinhos para o Brasil e receberam em troca escravos
ou ouro.
Em 1658 foi nomeado o primeiro Cônsul Inglês, John Carter.
Embora em 1603 tenha sido nomeado um cônsul para a Flandres no
Funchal chamado Pedro George, o segundo consulado foi o francês
em 1626, de Raimond Biard; em 1662, Jacinto Biard, e em 1678,
François Biard. Três cônsules Ingleses, Richard Millis, John Arls
e William Bolton, sucederam-se no ano de 1691. Os últimos
cônsules Ingleses säo os seguintes: Mr Nash por volta do ano de
1760, Mr. Pop, Mr. Chambers, Mr. Cheap, Mr. Murray, Mr. Pringle,
Mr. Veith, Mr. Stoddart, Mr. Erskine e Mr. Hayward, nomeado em
Dezembro de 1867.
Foi a 18 de Novembro de 1724 que a Madeira sofreu uma forte
cheia que destruiu a cidade de Machico e causou prejuízos em
muitas partes do Funchal; e em Março de 1748 um terrível tremor
de terra causou muitos prejuizos em grandes prédios especialmente
igrejas. A Madeira sentiu o enorme tremor de terra de Lisboa de
1755, mas ligeiramente.
Apesar dos muitos problemas, os antigos escritores dizem
que o comércio de vinho da Madeira aumentou rapidamente, pois
José Soares da Silva recorda que neste período a Madeira exportou
20,000 pipas anualmente, além de aguardente.
Em 1761 a escravatura foi proibida em Portugal mas só em
1773 foi abolida na Madeira.
Durante a regência de D. Maria I e no reinado do seu filho,
D. Joäo VI, foi prestada muita atençäo ao cultivo apropriado das
vinhas. As leis e regulamentos impostos eram rigorosos quanto a
manter os vinhedos sem qualquer outro tipo de cultura próximo das
vinhas pois podia estragá-las.
Tinham atingido entäo maior pujança ao passo que as
plantaçöes de cana-de-açúcar eram obrigadas a dar lugar à vinha,
e as pessoas tinham cada vez mais cuidado com os seus vinhedos.
Terá interesse saber-se que desde 1784 até 1794 cerca de
196.140 galöes de vinho Madeira foram exportados anualmente para
Inglaterra, aumentando gradualmente a exportaçäo até 1821, data
em que se atingiu o máximo - 400.476 galöes - devido às guerras
continentais que impediam a Inglaterra de se fornecer de outros
paises.
Depois da paz, a quantidade exportada para Inglaterra
diminuiu e em 1812 apenas atingiu 65.509 galöes de Madeira, mas,
durante esses anos, o continente e especialmente a Rússia, as
ïndias Orientais e Ocidentais e os Estados Unidos da América
importavam grandes quantidades.
O "Oidium Tuckeri", em 1852, constituiu um obstáculo fatal
para a produçäo de vinho a qual, lutando contra este grande
problema, reviveu pouco a pouco e, por volta de 1860, tinha
atingido quase uma completa recuperaçäo face a este insidioso
inimigo.
Muitos vinhedos produziam com muita abundância devido ao
cuidado prestado e á atençäo dada ao seu uso apropriado de
enxofre quando alguns anos atrás a Phylloxera Vastatrix, em 1873,
começou a devastar alguns vinhedos, especialmente na regiäo de
Câmara de Lobos. Foram feitos grandes esforços para encontrar um
meio de destruir este insecto daninho; mas o senhor Leacock, no
seu belo vinhedo em Säo Joäo, foi, até ao momento, o único
experimentador que obteve êxito, recuperando vinhas que pareciam
quase perdidas.
O seguinte quadro mostra o grande sucesso que os produtores
e comerciantes de vinho tiveram no final do século passado e
início deste:

De 1792 até 1827 quase 20.000 pipas foram embarcadas anualmente.

Em 1813...............................22.000
Em 1814...............................14.000
Em 1815...............................15.000
Em 1816...............................12.000
Em 1818...............................18.000
Em 1825...............................14.000
A partir dessa altura, diminuiu para uma média de 7.000,
até 1852 e nos anos seguintes quando o Oidio apareceu, como já
referimos.
As exportaçöes de vinho da ilha para todas as partes do
mundo no ano de 1880 foram quase 4.000 pipas, sendo os maiores
importadores a Rússia, a Alemanha, o Reino Unido, a França e o
Brasil.
Dentro e á volta do Funchal näo há actualmente vinhedos
muito extensos. No entanto, as vinhas crescem em corredores,
sobre quase todas as paredes e em todos os espaços livres,
rodeando terrenos com outras culturas.
Os principais locais com vinha, no lado sul da ilha, säo
em Säo Jorge, Santo António, Säo Martinho e Säo Roque, perto do
Funchal. Mais para oeste, Câmara de Lobos (aqui os vinhedos foram
completamente devastados), Campanário, Estreito da Calheta, Paul
do Mar e alguns outros locais. Para lá do Campanário, à beira
mar, fica a Fajä dos Padres, um extenso pedaço de terra sob os
penhascos, causado por um desabamento de terras. Foi em tempos
propriedade dos Jesuítas, mas agora pertence à família Netto e
é notável por produzir o melhor vinho Malvasia.
No lado norte da Madeira, grande quantidades de vinhos säo
cultivadas no Porto Moniz, Seixal, Säo Vicente e Ponta Delgada,
Arco de Säo Jorge e também da costa entre esses locais e, em
menos quantidade, no Porto da Cruz e Faial.
As variedades principais de uvas para fazer vinho säo as
seguintes: Malvasia, Bual, Sercial (cultivada, na sua maioria no
Paúl do Mar), Tinta, a uva Borgonhesa negra e o Verdelho. Esta
última é a uva principal para a produçäo de vinho. Presentemente,
três quartos das vinhas säo da espécie Verdelho.
Como em França e noutros países produtores de vinho que
presentemente sofrem a praga da Phylloxera, também na Madeira se
verificou que as vinhas Americanas resistem melhor às devastaçöes
deste insecto. Algumas espécies de vinhas Americanas säo
completamente imunes à Phylloxera. Muitas destas vinhas estäo
sendo agora plantadas a partir de mergulhias saudáveis nas quais
se enxertam a Tinta, o Verdelho e outras uvas boas para a
produçäo de vinho.
A vinha Isabel, introduzida depois do aparecimento
repentino do Oídio em 1852, na esperança de ser á prova deste,
é presentemente a vinha Americana mais comum e, embora näo seja
imune à Phylloxera como outras, oferece mergulhias saudáveis que
resistem imenso ás devastaçöes dos insectos, por isso, está a ser
plantada em muitos vinhedos para substituir as hastes que foram
destruídas.
O Sr. Joäo Salles Caldeira, no seu grande e belo vinhedo
em Santo António, tem feito replantaçöes com estas hastes
Americanas e foram plantados vários milhares de rebentos nas
duas últimas estaçöes com bons resultados. As vinhas na Madeira
säo, na sua maioria, colocadas em "Latadas", a alguns pés do
chäo, e as uvas säo pisadas por homens em "lagares" antiquados.
A vindima prolonga-se durante Agosto, Setembro e início de
Outubro.
O vinho novo das localidades fora dos limites do Funchal,
onde os caminhos säo maus para os bois, é geralmente transportado
em odres de pele de cabra ou "borrachos" e os homens que os
transportam carregam este enorme peso às costas, amarrado com uma
tira de pano à testa, chegando por vezes em grandes grupos de
trinta ou quarenta homens e mais.
25. J. Jonhson.1885

Publicado:

Madeira its climate and scenery(...), Londres, 1885, pp.81-91.


1. A VINHA E A SUA PRODUÇÄO

O vinho é produzido em grande abundância na Madeira e, na


minha opiniäo, é o melhor do mundo, do qual levam para fora
grandes abastecimentos para diversos paises, especialmente para
Inglaterra.
Viagem de Lopes, 1588, in Purchas Pilgrimages

A vinha foi introduzida vinda de Creta logo depois da


colonizaçäo da Madeira, mas näo parece que tenha sido submetida
a um cultivo intenso até o início do século dezasseis. Julga-se
que algumas das melhores qualidades foram introduzidas pelos
Jesuítas num periodo muito mais tardio. Os vinhos das suas
propriedades distinguiram-se de todos os outros e muito depois
da propriedade ter passado para outras mäos a produçäo era
preferida no mercado.
A conjectura hipotética de que a vinha malvasia fora
introduzida a partir da Grécia pelo primeiro imigrante da família
Acciaioli que veio em 1515, é desaprovada absolutamente por Luís
Cadamosto que visitou a ilha em 1445, quando Zarco ainda era
vivo. Escrevendo acerca dos vinhos, ele diz, no seu refinado
italiano, que eles eram "assai buonissim", e mais tarde afirma
que o Infante D. Henrique tinha feito vir de Candia a vinha
Malvasia, a qual prosperou bem: "fece mettore piante avero rasoli
de malvasie, eho mando il torre in Candia, quali riuscirom motto
bebe". O viajante veneziano viu as uvas da ilha com viva
admiraçäo, pois acrescenta: "le graspi sono grandissimi; la più
bella cosa del mondo vedere". Uma vez conhecida a origem da
vinha, näo é difícil avançar um pouco mais e conhecer a origem
do nome, sem recorrer à suposiçäo insustentável que a Malvasia
ou "Malmsey" é uma corrupçäo de Monemvasia, o nome duma cidade
na Grécia. H. B. M. Cônsul de Creta (Thomas B. Sandwith, esq.,
C. B.) ajudou o autor com uma carta com a seguinte informaçäo:
"Há uma localidade com o nome "Malavesi", situada a sudoeste da
cidade de Candia, perto do centro da ilha. É conhecida por
produzir o melhor vinho de Creta, o qual tem algumas semelhanças
com o Madeira, mas é mais seco e tem menos consistência. O
Malvasia näo é agora exportado, mas quando velho é um vinho
excelente. O Vice-Cônsul Inglês em Candia tem um vinhedo em
Malavesi e ele próprio produz o vinho". O Malvasia de Creta
adquiriu uma alta reputaçäo no início do século dezasseis ou
mesmo no século anterior. Hakluyt, Vol.II p. 230, ao escrever em
1569, menciona a exportaçäo do vinho como sendo entäo o comércio
mais vulgar da ilha. O vinho da Madeira iria, assim, para o
mercado com uma recomendaçäo adicional em seu favor se ele
tivesse o nome dum vinho que tinha já ganho boa reputaçäo. Além
disso, um nome que merecia inteiramente essa designaçäo pois era
feito da mesma uva. Depois encontramos Frutuoso que escreveu em
1590, adoptando a história original de que o vinho Malvasia fora
obtido em Candia (ch. XXI), uma afirmaçäo confirmada pelo facto
de que a uva possui até aos dias de hoje na Madeira o nome de
"Malvasia candida". A série de provas em favor da origem cretense
tanto do vinho como do nome é täo forte que mais que uma
conjectura injustificada é necessário para a quebrar.

História Primitiva do Comércio do Vinho - Embora os


madeirenses possam estar muito desejosos de reivindicar para a
sua ilha a proveniência da pipa de Malvasia na qual a vida do
"falso, veloz perjuro Clarence" se extinguiu, a data inicial
desse acontecimento (Fev.18.1478) torna improvável que a Madeira
fornecesse o vinho que foi estragado pelo infeliz duque nessa
data. Diz-se, mas näo surge em qualquer fonte segura inicial, que
os primeiros vinhos exportados da Madeira foram enviados para a
adega de Francisco I de França que reinou de 1515 a 1547. Foi por
volta de meados desse século que estes vinhos começaram a ser
regularmente exportados. Há alguns anos, o último visconde de
Fonte Arcada mostrou ao escritor duas folhas rasgadas de um velho
livro de contas manuscrito que tinha sido guardado na Alfândega.
Estas foram encontradas numa loja onde o resto do livro
tinha sido usado como papel de embrulho. As anotaçöes estavam
datadas de 1566 e provaram que era entäo exportado vinho, sendo
o preço cotado oficialmente em 3.200 rs. por pipa. Os outros
artigos mencionados eram mel, tâmaras, azeitonas, frutos, sumagre
e açúcar, sendo parte deste último artigo constituído por açúcar
extraído de formaE esta é a primeira informaçäo contemporânea
sobre a exportaçäo de vinho que possuímos. O extracto da
narrativa da viagem de Lopes apresentado no início deste capítulo
mostra que no ano de 1588 transportou-se grande quantidade de
vinhos para diversos países. O velho Frutuoso, ao escrever por
volta da mesma altura, nomeadamente em 1590 enaltece a Malvasia
como sendo o melhor vinho do mundo e diz que ele foi levado para
a ïndia e para outras partes. Nos tempos iniciais parece ter sido
principalmente efectuado através da troca. Christopher
Jeaffreson, que por cá passou em 1676 a caminho das ÿndias
Ocidentais, diz que foi informado que nalguns anos produziam-se
25.000 mil pipas e menciona uma série de artigos importados que
eram trocados por vinho e doces. O seu próprio navio levou uma
grande quantidade de vinho para St. Kitts. O navio da desastrosa
expediçäo de Paterson a Darien aportou à Madeira em 1698 e
"aqueles senhores que tinham boas roupas na sua bagagem ficavam
satisfeitos por trocar casacos bordados e coletes com rendas por
mantimentos e vinho". Uma vez mais, Atkins, que aqui esteve por
volta de 1720, relata que comprou uma pipa de vinho por dois
fatos meios usados e outra pipa por três Cabeleiras de segunda
mäo.
Seria fastidioso prosseguir muito mais com esta crónica do
comércio do vinho. Por isso, nós nos apressamos a dizer que, por
volta de meados do século passado, tendo-se expandido em
Inglaterra o gosto pelos vinhos da ilha, as exportaçöes para esse
país aumentaram consideravelmente. Por volta dessa altura, os
comerciantes Britânicos na Madeira estabeleceram uma "Feitoria"
com o objectivo de assegurar fins comuns por uma acçäo unificada
e regulamentos obrigatórios. Esta feitoria nomeou um doutor e um
capeläo que eram pagos por um fundo comum. Ela existiu até 1812
quando foi formalmente dissolvida e apenas duas firmas da antiga
feitoria sobrevivem hoje em dia, sendo as de Messrs Cossart
(presentemente os maiores exportadores de vinho) e de Messrs
Leacock.
Um acontecimento notável nos anais do comércio que pode ser
aqui mencionado é o de que em Outubro de 1799 uma frota de
noventa e seis navios Britânicos, protegida por três barcos de
guerra, ancorou na baía no seu percurso para as ïndias
Ocidentais, Eles levaram 3.011 pipas de vinho, exportadas por
comerciantes Britânicos, tanto para fornecimento das nossas
colónias como por ordem de mercadores da nossa terra por causa
da viagem.

Cultivo da Vinha - A história da vinha nestes últimos anos


é uma história melancólica. Na primavera de 1852, uma doença
atacou subitamente as plantas, destruiu as uvas e arruinou as
expectativas dos cultivadores que pagavam pesados impsotos. Com
o regresso de cada primavera ela reapareceu, até que as vinhas
ficaram quase completamente destruídas. A doença era causada por
um fungo minúsculo, o muito conhecido "Oidium Tuckeri" que cobre
o fruto em crescimento como um fino pó e impede-o de amadurecer.
Tem sido descoberto que o enxofre exerce uma oposiçäo poderosa
ao desenvolvimento deste fungo, o solo foi novamente plantado e
em poucos anos os vinhedos floreceram uma vez mais nas encostas
da Madeira. O enxofre é aplicado com a ajuda de um pequeno
instrumento semelhante a um fole que pulveriza o fruto com o fino
pó. Isto é feito duas ou três vezes conforme seja necessário.
Através desta operaçäo, o fungo que sempre se exibira foi
reprimido e o vinho foi produzido em quantidades que aumentaram
graudalmente. A aplicaçäo do enxofre faz com que as plantas
produzam mais fruto, mas as suas vidas säo encurtadas.
Infelizmente, outra e ainda mais insidiosa doença, detectada pela
primeira vez em 1873, atacou as vinhas e os vinhedos foram
novamente devastados por elas, ao ponto de näo haver um que
esteja isento. Nenhum dos esforços tiveram permanentemente bons
resultados e as vinhas estäo novamente a morrer. Foram amplamente
plantadas vinhas Americanas na esperança que elas venham a
resistir aos ataques do terrível insecto, a phylloxera, que se
fixa nas raízes, näo nas folhas e no fruto como o Oídio. Uma
"Comissäo Anti-Phylloxera" distribuiu sementes das vinhas
Americanas gratuitamente e o governo criou um viveiro fornecido
com hastes Americanas destinadas à venda. O governo também
encorajou a aplicaçäo do sulfato de carbono como remédio contra
o insecto. A vinha Americana mais vulgar, a Isabella, é
facilmente reconhecível pelas suas grandes folhas com superfícies
inferiores brancas. O fruto negro tem um sabor peculiar mas
agradável. Todavia produz um vinho inferior pelo que os vinhedos
precisam ser enxertados com as espécies antigas.
A vinha propaga-se por mergulhia, plantando-se os bacelos
a uma profundidade de três a seis pés. Geralmente näo há produçäo
durante os primeiros três anos. Durante a segunda ou terceira
primavera, ela é colocada ao longo duma latada horizontal feita
de cana ("Arundo Donaw") e esta latada é suportada por estacas
a três ou quatro pés do chäo. Isto permite que os trabalhadores
rastegem por baixo dela e façam qualquer trabalho que possa ser
necessário. A poda, nas regiöes mais baixas, tem lugar em
Fevereiro, pouco antes dos botöes aparecerem. Pouco é cortado,
sendo permitido que a planta alcance um grande comprimento. As
flores geralmente aparecem no início de Maio. Conforme as uvas
väo amadurecendo, säo tiradas folhas de tempos a tempos para
permitir que os raios de sol cheguem ao fruto e para fazer com
que a planta envie toda a sua força para ele. As folhas säo muito
apreciadas pelo gado e pelas cabras. A vindima começa no fim de
Agosto ou início de Setembro de acordo com a estaçäo e termina
na zona mais alta da regiäo da vinha, em Outubro. No Norte, a
vindima tem lugar duas ou três semanas mais tarde. As ratazanas,
lagartixas e vespas destroem uma parte considerável da produçäo.
Uma vantagem no que respeita ao cultivo da vinha é que a
planta requer pouco ou nenhuma água no Veräo, quando ela é
escassa e outras plantas também a exigem. É comum cultivar couves
e outros vegetais sob as vinhas. No norte, näo säo colocadas em
latadas; säo deixadas no chäo até que o fruto apareça. Säo entäo
amarradas a estacas, de modo a manter as uvas acima da terra.
A produçäo média da terra cultivada a vinha na ilha foi
calculada, nas melhores alturas, em mais de uma pipa por acre.
O melhor solo para a vinha é uma mistura de tufo calcário
vermelho e amarelo, conhecido localmente como "saibro" e "pedra
molle". Um basalto em decomposiçäo chamado "cascalha" é
consdierado um bom solo, mas um duro solo argiloso (massapés) é
impróprio. A uma altitude superior a 1.500 pés, a uva nunca está
devidamente amadurecida e, embora as vinhas dêem fruto em alguns
locais com uma altitude de 2.000 pés, o vinho é de qualidade
muito pobre. Antigamente pensava-se que um vinhedo necessitava
ser replantado cerca de vinte em vinte anos. No entanto, depende
muito do solo e do sistema de cultivo; de modo que enquanto as
vinhas num mau solo e com um arrendatário descuidado näo durariam
mais de oito ou dez anos, continuariam em boa condiçäo de
produçäo sob circunstâncias mais favoráveis durante cinquenta ou
sessenta anos.

Vindima e Produçäo do Vinho - A vindima é uma época de


grande excitaçäo em toda a ilha. Os homens e mulheres que apanham
as uvas formam uma alegre multidäo que rasteja por baixo das
latadas e, entre muita conversa e brincadeira colhem os cachos
que säo em seguida colocados em pequenos cestos. Quando cheios,
o conteúdo destes cestos é cuidadosamente deitado num grande e
forte cesto de salgueiro, o "cesto de vindima", redondo, com uma
boca que abre como a duma trompeta, neste, as uvas säo levadas
para o lagar. Ele suporta cerca de cem pesos de uvas, as quais
devem produzir um barril de sumo. Quando chegam ao recinto onde
a operaçäo de esmagar tem lugar, os cestos säo esvaziados para
dentro de uma rude tina de madeira chamada "lagar". Alguns homens
saltam entäo para dentro dela e, no antigo modo Biblico, começam
a pisar as uvas com os pés descalços, movimentando-se dentro da
tina em todas as direcçöes e, ocasionalmente, agarrando-se à
trave pendurada sobre ela para se ajudarem. Inevitavelmente,
muita cantoria e gritaria acompanham a operaçäo. Enquanto isso
prossegue, o sumo produzido (mosto) corre para dentro de um
barril colocado para o receber, assim que cessa de correr
livremente da prensa, as cascas esmagadas säo colocadas num monte
sempre dentro da tina e espremidas com as mäos. Depois, a massa
é reunida no centro, rodeado com uma corda e submetida à pressäo
da trave, a qual a produz sobre o monte de cascas com a ajuda de
um fuso e outros instrumentos. Por fim, depois do último pingo
de sumo ter sido extraído, a corda é retirada, a massa compacta
é quebrada, deita-se água sobre esses restos agora reduzidos a
refugo e, uma vez mais, säo espremidas. O líquido resultante,
mera lavagem das cascas, é chamado "água pé". Näo é misturado com
o produto anterior, mas é dado aos trabalhadores por quem é muito
apreciado embora cause frequentemente resultados desagradáveis.
Os comerciantes raramente possuem grandes vinhedos. É sua prática
corrente comprar a produçäo de alguns vinhedos antes de ter lugar
a vindima, sendo o preço fixado por barril de mosto. O preço
varia de ano para ano de acordo com as circunstâncias, variando
normalmente entre 350 rs. e 450 rs. por barril. Os cultivadores
executam o trabalho de colher e esmagar as uvas. O mosto é
imediatamente enviado para o armazém do comerciante para aí ter
o tratamento necessário sob a sua supervisäo. Um dos empregados
do comerciante está presente no lagar para ver se a funçäo de
pisar as uvas é devidamente executada. Ele verifica a densidade
do sumo quando ele sai da prensa e o mosto é novamente testado
ao chegar ao armazém de modo a impedir que os carregadores o
falsifiquem durante o caminho. O mosto é transportado em odres
de pele de cabra chamados "borrachos", do lagar para a adega. Na
altura da vindima podem ver-se nas ruas grandes grupos de homens,
por vezes até quarenta ou cinquenta, que se curvam sob o peso dos
odres cheios, colocados sobre os ombros e väo caminhando em
direcçäo à cidade, enquanto um ou mais do grupo entretem os
outros cantando alegremente no seu próprio estilo horroroso.
Quando o mosto chega ao armazém, é imediatamente deitado em pipas
onde será sujeito à fermentaçäo, um processo que decorre durante
quatro ou cinco semanas.
Quando o vinho deixa de fermentar, é separado da borra e
deitado noutras pipas onde é clareado com ovos, sangue de boi ou,
mais frequentemente, com gesso, tendo sido previamente
adicionados a cada pipa um ou dois galöes de aguardente para
impedir que a fermentaçäo ácida tenha lugar. As espécies de vinho
de má qualidade, depois de serem clareadas, säo submetidas, em
fornos (estufas) a uma temperatura de 100 a 140 graus Fahr.
durante três a seis meses, ou entäo säo expostas ao calor do sol
sob o vidro na parte de cima de uma casa, isto faz com que o
vinho amadureça mais rapidamente e pensa-se que desenvolve as
suas boas qualidades.

Vinhos Principais - Os vinhos que se seguem säo os vinhos


principais da ilha; säo também produzidos mas raramente se
encontram fora da ilha, o que na realidade acontece com alguns
dos que vamos mencionar.

Malvasia - Um vinho levemente colorido, feito da "Malvasia


Candida", uma grande uva oval, de uma rica côr dourada quando
madura que cresce em compridos cachos bastante finos, os quais
permanecem nas parreiras um mês depois da outras uvas terem sido
colhidas, de modo que as suas uvas contêm uma quantidade
extraordinária de açúcar. Os melhores vinhos deste tipo säo
produzidos na Fazenda dos Padres que antigamente pertencia aos
Jesuítas e no Paul do Mar, ambos a oeste do Funchal. A safra é,
no entanto, incerta pois a flor seca facilmente e a produçäo é
frequentemente reduzida ou mesmo nula. Por este motivo, bem como
por causa das suas características muito ricas, o malvasia é
considerado o mais valioso dos vinhos da Madeira.

Bual - Um vinho suave e delicado, feito de uma linda uva


redonda amarela-clara, com cerca do mesmo tamanho que um pequeno
berlinde. Tem que ser colhida assim que amadurece, caso contrário
murcha e produz pouco sumo. O vinho possui uma qualidade
peculiarmente delicada e rica, apresenta um aroma muito forte e
é um vinho esplêndido tanto novo como velho.

Sercial - Um vinho seco ligeiramente colorido, com forte


aroma e sabor, produzido da vinha "Riessling" trazida da regiäo
do Reno. As redondas uvas brancas que säo cultivadas principal
mente no Paul do Mar, crescem em densos cachos, este vinho näo
pode ser usado antes de ter oito anos. É entäo considerado pelos
conhecedores como o melhor e mais saudável de todos os vinhos da
Madeira. O vinho novo é extremamente desagradável ao gosto; e a
própria uva é incomestível, tanto que até as lagartixas näo lhe
tocam.

Tinta ou Borgonha da Madeira - Um vinho escuro de sabor


delicado, feito da pequena e preta uva de Borgonha. Deve a sua
côr vermelha às cascas que permanecem no vinho durante o processo
da fermentaçäo, o que lhe dá a propriedade adstringente do Porto.
O Tinta é geralmente utilizado durante o primeiro ou segundo ano.
Depois desse período, perde gradualmente algum do seu refinado
aroma e sabor delicado. Mas, mesmo quando envelhecido na garrafa
e entäo com uma côr vermelha fulva, é um vinho excelente. O Tinta
näo deve ser confundido com o Tinto, sendo este último o nome
dado a qualquer vinho vermelho de qualidade vulgar.
Verdelho - É um bom vinho branco, abundantemente produzido
da uva amarela esverdeada com esse nome. A uva Muscatel produz
um vinho doce de sabor forte do qual apenas uma pequena
quantidade é feita por se julgar que é inferior ao Muscatel de
Portugal. Da uva Bastardo, preta e redonda, faz-se um vinho com
o mesmo nome.

Madeira - o vinho principal da ilha, resulta de uma


variedade de uvas escuras ou levemente coloridas, misturadas no
lagar, embora a maior parte do fruto consista na escura uva Tinta
e na pálida uva Verdelho. Quando novo, possui geralmente uma
suave côr vermelha clara mas esta tonalidade desaparece
gradualmente quando o vinho se torna maduro, adquirindo uma
brilhante côr amarela âmbar. Supöe-se que este vinho melhora com
uma viagem às ïndias Orientais ou Ocidentais e é consequentemente
classificado no mercado de Londres como "Madeira das ïndias
Orientais ou Ocidentais"; aquele que näo é enviado numa viagem
é chamado "London Particular".

Uma doce bebida alcoólica chamada surdo, que näo chega a


ser vinho, feita de uvas completamnente maduras tanto claras como
escuras através de um processo no qual a fermentaçäo é evitada,
mantendo-se a doçura completa do mosto, é utilizada para dar
consistência e suavidade a vinhos de qualdide inferior.
Exportaram-se pequenas quantidades deste vinho sob a designaçäo
de Vinho das Freiras.
Os melhores vinhos produzidos na costa sul da Madeira säo,
provavelmente, superiores aos de outro país, quer se tenha em
consideraçäo a consistência, o aroma, a suavidade ou o sabor. Säo
vinhos que melhoram com a idade e que se mantêm bons durante uma
grande quantidade de tempo. Na ilha existem alguns vinhos
engarrafados muito antigos que säo guardados e ocasionalmente
saboreados. Os vinhos da Madeira, com excepçäo do Tinta, devem
ser guardados em adegas com uma temperatura moderada e uniforme
e num clima frio devem ser colocados durante um curto período de
tempo a uma distância moderada do fogo antes de serem decantados.
Sendo o recipiente para onde säo decantados aquecido de maneira
semelhante. Para mostrar as diferenças nas qualidades dos vinhos
Madeira, pode-se referir que os preços dos comerciantes variam
entre 25 L. e 300 L. por pipa.

Produçäo Anual e Exportaçäo - Tudo o que se diz acerca da


quantidade de vinho produzido em cada ano na ilha säo meras
suposiçöes pois näo há relatórios oficiais de qualquer tipo e näo
seria fácil determinar as verdaderias quantidades mesmo que
aproximadamente. Crê-se que em tempos a produçäo atingiu 30.000
pipas mas druante muitos anos foi muito inferior, mesmo antes dos
ataques da doença. A produçäo de vinho em 1882 julga-se que foi
de cerca de 1.500 pipas; a de 1883 näo ultrapassou as 2.000
pipas.
A maior exportaçäo registada (16.981 ocorreu em 1800). Em
1825 a exportaçäo foi de 14.432 pipas. Em 1852, o ano em que o
Oídio apareceu pela primeira vez, decaíu para 5.625 pipas e a
diminuiçäo continuou até 1865 quando näo foram exportadas mais
de 536 pipas. Desde entäo as coisas melhoraram pois a exportaçäo
média anual durante os seis anos que culminaram em 1883 foi de
3.720 pipas.
A bebida alcoólica exportada é quase sempre um vinho feito
de misturas e muito raramente um vinho de uma vindima, sendo o
principal objectivo do comerciante manter continuamente, tanto
quanto possível, a mesma natureza e tipo nas diferentes
qualidades.
Para pôr uma pipa de vinho a bordo de um barco custa cerca
de 5L. incluindo o barril, imposto de exportaçäo (25s.), trabalho
e aluguer do barco.
26.J.A.Dix.1896

Publicado:

Um inverno na Madeira, Califórnia, 1896, pp.151-155, 161-164.


A sua exportaçäo consiste simplesmente em vinhos e artigos
de luxo. Quando os paízes que os consomem estäo em circunstâncias
prósperas, compram do quanto podem exportar, mas quando n'esses
paizes se começa a fazer economia, o consumo diminue, armazena-se
o excesso, e a inactividade, como a d'agora nunca até entäo
vista, paira na ilha, trazendo em varias difficuldades os seus
habitantes, que em taes exportaçöes depositam toda a confiança.
Muitos recorrem aos seus objectos de luxo, e que podem dispensar,
vendendo-os por preço muitíssimo modico.
Quasi todos os dias nos veem offerecer artigos de joalharia
- colares, arrecadas, broches, cadeias d'ouro, etc. Se näo fosse
o grande numero d'invalidos a visitar a ilha, onde ficam mais de
150.000 dollars (150:000$000 de réis) o soffrimento seria ainda
muito maior. Este tributo estrangeiro é devido em grande parte
ao consumo de productos da ilha ou ao emprego do seu trabalho.
Exige-se o serviço de grande numero de pessoas na cidade,
e do interior grande numero d'artigos de subsistência,
necessários aos visitantes .
A primeira vez que os vinhos da Madeira se tornaram
conhecidos no hemispherio occidental foi na cidade de
Charleston, na Carolina do Sul.
Daquela cidade recebia a Ilha uma grande porçäo d'arroz,
consdieravel porçäo de subsistência dos seus habitantes. Näo
podia haver melhor commercio para ella, que muito aproveitava
havendo encontrando bom preço para os seus vinhos, recebendo em
troca, barato, um artigo d'alimentaçäo. - Mas n'uma hora má,
Portugal, debaixo da influência do systema proteccionista - um
systema que muitas vezes damnifica a industria que procura para
ir beneficiar uma outra improficua, - impoz tributos vexatorios
no arros que näo fosse dos seus proprios dominios. O fim era
proteger o arroz do Brazil. Conseguiram o seu intento,
monopolisando o mercado da Madeira. O negócio com Charleston
parou, porque o tributo significava uma prohibiçäo. Mas o Brazil
näo precisa dos vinhos da Madeira, e o povo da ilha come mau
arroz por um preço alto, pagando-o inda assim com dinheiro que
näo vem de productos domesticos.

Vêr-se-á pelo extracto d'um relatório que abaixo apresenta


mos, feita por uma commissäo apontada pela rainha para suggerir
medidas de soccorro à Madeira pelos desastres de 1842 vêr-se-á
dizemos que se attribue o declinar do commercio a ter-se
applicado à Madeira os regulamentos aduaneiros do continente. A
commissäo consistia do governador civil e d'alguns dos mais
judiciosos e esclarecidos funchalenses entre os quaes Daniel
d'Ornellas Vasconcelos par do reino e cavalheiro instruido e de
muito talento.
"Este minucioso e cuidadoso exame mais e mais convenceu a
commissäo d'inquérito de que a fonte das desgraças que teem
pesado e pesam sobre esta ilha é a applicaçäo das tarifas do
continente na ilha.
E como deixará de ser assim se os exorbitantes direitos
aduaneiros nos obstam a que troquemos com outros paizes, pelo
necessario á vida, o nosso vinho, que é artigo de luxo?
Näo é racional suppôr que o estrangeiro enviará ao nosso
porto os seus navios a buscar os nossos vinhos com dinheiro á
vista, quando os pode ir buscar em troca de productos seus á
Hispanha, Italia, França, Rheno e ilhas do Mediterraneo.
Näo é racional esperar que nós, madeirenses, assim
violentamente forçados a trazer as nossas mercadorias de Lisboa,
que nos näo compra com dinheiro uma unica canada do nosso vinho,
näo é racional esperar, dizemos, que possamos continuar a ter
dinheiro para o supporte de täo ruinoso commercio".
Se tivessemos registro competente que mostrasse a
exportaçäo do ultimo anno comparada com a dos annos precedentes,
seria facil mostrar quanto tem decaido o commercio madeirense.
Mas tal registro é cousa que näo existe.
O numero de navios entrados n'este porto em 1842 foi de
366, sendo 72 portuguezes, 188 inglezes, 20 americanos, 15
francezes, 5 dinamarquezes, 33 da Sardenha, e 7 hispanhoes, 6
gregos e 11 de varios paizes.
De 1807 a 1815 dizem que o numero de navios entrados
annualmente no porto era de 400 a 500.
Um meio melhor de julgar da prosperidade commercial da ilha
acha-se na exportaçäo dos vinhos, unico producto consumido no
estrangeiro. Eis o que consta da alfandega do Funchal durante uma
serie d'annos:

1828............9623 pipas
1829............8104 "
1830............5499 "
1831............5533 "
1832............7163 "
1833............8683 "
1834............9228 "
1835............7730 "
1836............7913 "
1837............8123 "
1838............9828 "
1839............9043 "
1840............7975 "
1841............7157 "
1842............6270 "

Vê-se que a exportaçäo de 1842 foi a menor durante os 15


annos da lista supra, e quasi metade d'aquella quantidade foi
enviada em especulaçäo, para angariar compradores e näo para
vender, ou porque fosse encomendada. Em tempos idos, em annos de
maior properidade, a exportaçäo annual chegava a 15000 pipas.
Se a ilha conseguirá ou näo medidas que tendam a melhorar
o seu commercio, é controverso, especialmente no que diz respeito
á diminuiçäo dos rendimentos do paiz, pois que Portugal acha-se
no ponto de finanças nas mesmas embaraçosas condiçöes que a
Madeira. Tem uma divida de $100,000,000 e que de modo algum pode
pagar. Os seus rendimentos nem däo para o pagamento do juro
annual, pagando actualmente só parte d'elle, estando, consequen
temente, a dívida a augmentar continuamente.
No entanto promete pagar, parecendo-se com muitos dos
estados occidentaes do meu paiz, que näo pagam as suas dividas,
mas negam theoricamente a doutrina desleal chamada repudiaçäo.
27. A.Samler Brown.1890

Publicado:

Madeira and the Canary islands, Londres,1890, pp.d5-d8.


A Vinha na Madeira - Antes do fim do século quinze a vinha
foi introduzida na Madeira, passando depois às Canárias. As
plantas originais foram obtidas pelo Infante D. Henrique de
Portugal dos já famosos vinhedos da Malvasia ou Malavesi em
Creta.
Até 1850, esta uva continuou a crescer e a dar fruto
livremente, mas foi entäo atacada e quase exterminada pelas
devastaçöes de um fungo conhecido como o "Oidium Tuckery", doença
que apareceu pela primeira vez em Kent em 1845 e se espalhou a
partir daí para o Continente, o Mediterrâneo, etc. Desde entäo
foram introduzidas espécies de vinhas mais resistentes, mas os
melhores vinhos continuam a ser feitos da uva velha que brota das
parreiras Americanas.
A história da vinha na Madeira é mesmo mais importante que
a do açúcar. O solo e o clima da ilha säo favoráveis ao
crescimento da uva que, embora se esperem grandes lucros do envio
de produtos hortícolas para Londres, o vinho ainda constitui a
maior parte das exportaçöes.
Já em 1485, ele formava uma parte do salário dos padres das
freguesias, mas a primeira referência a exportaçöes é de 1566,
quando uma pipa foi oficialmente avaliada em 38.000. Em 1646,
parece terem sido exportadas cerca de 2.000 pipas. Em 1800, o ano
recorde, 16.981 pipas. A exportaçäo anual atinge agora uma média
de cerca de 6.000 pipas e a reserva para amadurecimento cerca de
30.000 pipas.
Em 1873 apareceu a phylloxera que causou imensos prejuizos
até 1883, quando os cultivadores começaram a dominá-la.
É dificil de calcular a produçäo anual da ilha. Jeaffreson,
em 1676, calculou-a em 25.000 pipas e diz-se que atingiu 30.000,
embora provávelmente o valor mais alto durante este século foi
de cerca de 22.000 pipas. Presentemente é calculada em cerca de
10.000 e espera-se que aumente. O Porto Santo, que nunca sofreu
a phylloxera, produz entre 800 e 1000 pipas.
As flutuaçöes no preço, tendo o "London Particular" como
referência, foram as seguintes: Em 1778, 27 L. por pipa; em 1798,
40 L.; em 1816, 77 L.; em 1826, 46 L. em cujo preço permaneceu
até 1852. Uma grande subida seguiu-se à destruiçäo da colheita
e o ano em que se atingiu o preço mais alto, a saber 75 L., foi
em 1865 que foi também o ano de exportaçäo mais baixa, ele desceu
gradualmente até 1885, quando atingiu 38 L. a cujo preço continua
a ser avaliado.
O negócio de vinha na Madeira é provavelmente, o melhor
exemplo que pode ser dado da abertura aos estrangeiros nesta
parte do mundo e dar alguma satisfaçäo a um Inglês saber que a
indústria principal da próspera pequena ilha da Madeira é devida,
em grande medida ou mesmo principalmente ao empenho dos seus
compatriotas. O que foi anteriormente feito pode ser feito outra
vez.
Embora possa demorar muitos anos até que se estabeleça um
negócio, é bom para os doentes pensar que existem ainda
oportunidades mesmo nesta minúscula ilha e que há muitos lugares
com climas semelhantes onde um homem doente pode viver uma vida
sadia e ser útil para a comunidade, desenvolvendo as potenciali
dades do pais que ele adopta.
De entre os muitos exportadores de vinhos da Madeira, vamos
apresentar um exemplo, de modo a demonstrar que a expatriaçäo,
quer devido a doença quer a outro motivo, näo é sempre um
infortúnio.
Em 1475, um jovem cavalheiro chamado Francis Newton partiu
de Inglaterra para a Madeira e iniciou-se no comércio do vinho.
Nessa altura, a exportaçäo total da ilha era de cerca de 3.000
pipas, sendo o preço de uma pipa de bom vinho cerca de 20 L. O
Senhor Newton, que morreu em 1805, viveu para ver uma exportaçäo
total de cerca de 17.000 pipas, com um valor gradualmente
crescente. O preço de uma pipa de "London Particular" na altura
da sua morte era cerca de 45 L. e o preço mais alto registado,
a saber 77 L., foi alcançado onze anos mais tarde.
É um facto bem conhecido que o Senhor Newton e os sócios
que mais tarde se lhe juntaram foram muito úteis neste amplo
desenvolvimento. O vinho era produzido em quantidades enormes um
século antes da chegada do senhor Newton, mas foi preciso a
energia e o conhecimento de um elemento estrangeiro e anos de
trabalho duro para obrigar os ilhéus a transformar o sumo das
suas uvas naquela famosa bebida dourada que, durante algum tempo,
afastou todos os outros vinhos do mercado.
A maravilhosa qualidade do vinho produzido sob estas novas
condiçöes logo atraiu a atençäo dos oficiais Ingleses na sua
viagem para ou de regresso das ïndias Orientais ou Ocidentais,
os quais presentemente levaram a moda de beber Madeira para
Inglaterra e depois para toda a comunidade de lingua Inglesa. O
resultado foi um longo período de prosperidade para a Madeira.
Aqui temos portanto, um exemplo de Inglês que veio para um
pais estrangeiro sob o que devem ter sido circunstâncias
desvantajosas. No entanto, este homem conseguiu fundar um negócio
que continua a ser bem conhecido e próspero ao fim de 165 anos.
Embora comerciantes em países semelhantes à Madeira possam
näo se tornar ricos no sentido londrino ou parisiense da palavra,
näo ha dúvidas que a posiçäo de uma firma como a mencionada é tal
que pode ser envejada; na realidade, pela grande quantidade de
trabalho empregue, directa ou indirectamente, é, localmente, de
importância considerável. Raramente um estrangeiro vem à ilha sem
visitar os seus "Armazéns" de Vinho que säo certamente uma das
mais interessantes visitas no Funchal, estando constantemente a
trabalhar mais de cem homens nos vários armazéns.
Em qualquer caso, um negócio que consegue manter sócios na
ilha e em Londres e que consegue ocupar proveitosamente um grande
espaço numa cidade täo povoada como é a capital da Madeira, tem
necessariamente que ser relativamente bem sucedido e o autor näo
vê qualquer motivo pelo qual o negócio dos Messrs. Cossart,
Gordon e Co. deva diferir materialmente, excepto talvez em
dimensäo, dos de muitas outras firmas que comercializam na
Madeira ou nas Canárias, a maior parte das quais, sem dúvida,
obtém um lucro justo e correcto em proporçäo ao seu movimento.
A empresa dos Messrs. Cossart e Co., embora uma das mais
importantes, näo é de modo algum o único caso que pode ser
mencionado até mesmo só no período de vinho. Historicamente a
carreira da firma é talvez admirável, mas parece ao autor que o
futuro de muitas das geraçöes actuais ocupadas em iniciar a
exportaçäo de fruta fresca ou em estabelecer relaçöes comerciais
gerais entre a Madeira ou as Canárias e a Europa, pode conduzir
a resultados igualmente interessantes. os nomes de alguns dos
cavalheiros assim ocupados, possivelmente alguns dos nossos
proprios nomes, no que diz respeito a isto, poderäo ser citados
daqui a um século do mesmo modo que o nome do Sr. Newton foi aqui
citado e a memoria deles poderá também ser honrada pelas mesmas
razöes ou por razöes muito semelhantes.
28. A.J. Drexel Biddle.1900

Publicado:

The land of the wine being an account of the Madeira is-

lands(...), Londres, vol. II, 1900, pp.103-130.


CAPïTULO XXIII

A VINHA E O VINHO

Introduçäo da Vinha - Pouco depois da colonizaçäo da


Madeira, a vinha foi importada de Creta, mas apenas no século
dezasseis a uva foi cultivada em grande quantidade.
As maiores exportaçöes de vinho da Madeira foram feitas
entre os anos de 1788 e 1828. O seguinte quadro servirá para
ilustrar o progresso e a história do vinho na Madeira.

QUANTIDADE DE VINHO MADEIRA CONSUMIDO NO MUNDO, POR ANO, DESDE


1774. TOTAL DE EMBARQUE DO FUNCHAL

ANO
PIPAS DE
EMBARQUE
ANO
PIPAS DE
EMBARQUE

1774
7073
1847
5577

1775 a 1787
-
1848
5829

1788
10819
1849
7370

1789
11762
1851(1)
7301
1790
13713
1852
6690

1790 a 1797
-
1853
4201

1798
12429
1854
2227

1799
14666
1855
1776

1800
16981
1856
1891

1801
16732
1857
1798

1802
14933
1858
1281

1803
12967
1859
1328

1804
11041
1860
1013

1805
13223
1861
1289

1806
14015
1862
981

1807
16701
1863
723

1808
13994
1864
810

1809
15363
1865
536

1810
11273
1866
823

1811
8575
1867
849

1812 a 1819
-
1868
871

1820
18554
1869
987

1821
9916
1870
1110

1822
18558
1871
1011

1823
8083
1872
1654

1824
10980
1873
2154

1825
14431
1874
2060

1826
9898
1875
2322

1827
8424
1876
2568
1828
9623
1877
2476

1829
8104
1878
2125

1830
5499
1879
2923

1831
5533
1880
3691

1832
7163
1881
8417

1833
8683
1882
4260

1834
8875
1883
3854

1835
7730
1884
4399

1836
7913
1885
4905

1837
8123
1886
5227

1838
9832
1887
4247

1839
9044
1888
5872

1840
7976
1889
5195

1841
7157
1890
5592

1842
6270
1891
6316

1843
7886
1892
5077

1844
7054
1893
5168

1845
7179
1894
5289

1846
8190
1895
5997

1896
5917

1).Para o período de 1850 a 1868 os dados correspondendem ao ano financeiro de


Julho a Junho

A maior e mais antiga casa de exportaçäo de vinho na


Madeira é a dos Messrs. Cossart, Gordon & Co., fundada no ano de
1745 pelo Sr. Francis Newton.
História de Vinho de Boa Qualidade como demonstrado no
Trabalho sobre a Vida de Francis Newton - Este jovem cavalheiro
iniciou o seu próprio negócio sob circunstâncias bastante
difíceis e adversas pois näo conhecia a língua, as leis ou
costumes e sofreu a inimizade da comunidade durante muito tempo
porque era Protestante e, por isso, aos olhos dos Madeirenses
Católicos, um herético. Mas, com energia indomável e perseveran
ça, o Sr. Newton lutou contra todos os obstáculos até os
ultrapassar. A sua primeira missäo foi melhorar o produto que,
na altura da sua chegada, se revelava abundante mas de qualidade
inferior, consistindo apenas no sumo de uva fermentado, com pouco
ou nenhum tratamento. O vinho melhorou com o seu trabalho, pois
construíu armazéns, introduziu instrumentos adequados para a
manufactura de uma qualidade superior de vinho, e empregou vários
homens experimentados na produçäo de vinho, que vieram das
províncias produtoras de uva de França e do Reno Alemäo para
instruir os naturais da ilha acerca de como tratar apropriadamen
te o produto da vinha. Por essa altura, ao Sr. Newton juntaram-se
vários sócios: Gordon, Murdoch, Johnston e Spence.
Quando o Vinho de tornou Famoso pela primeira vez - A
melhoria do vinho começou a atrair a atençäo geral e näo ocorreu
muito antes do preço do melhor produto merecer um aumento de
vinte libras para quarenta libras por pipa. Londres tornou-se um
forte consumidor, o mesmo sucedendo a outras cidades continenta
is.
Quando a Procura excedeu a Oferta - O seguinte extracto de
uma carta enviado por Newton, Gordon, Murdoch & Co. ao Sócio Sr.
Newton que estava em Londres a tratar dos seus negócios durante
o inverno de 1801, pode ser de interesse por servir para mostrar
a extraordinária procura que havia dos vinhos da Madeira no
início do século dezanove.
Extracto de uma carta de Newton, Gordon, Murdoch & Co.,
Madeira, para Francis Newton, London, 20, Janeiro, 1810.
"Há menos de cem pipas de "vinho velho" nas mäos dos
naturais da ilha, para venda. As exportaçöes do ano de 1800
excederam todas as exportaçöes anteriores, sendo superiores a
dezassete mil pipas e se a procura do nosso vinho aumentar tanto
quanto aumentou durante alguns anos, a ilha näo conseguirá
fornecer a quantidade pedida".
A ïndia também se tornou um forte consumidor das vindimas
da Madeira. No ano de 1800, Newton, Gordon, Murdoch & Co. recebeu
as seguintes encomendas só de Bombaim, feitas pelas seguintes
firmas:

Dez. 6,1799.............500 pipas, Law, Bruce & Co.


Mar. 19, 1800............300 pipas, David, Scott & Co.
Agos. 2, 1800............259 pipas, Forbes, Smith & Co.
1050 pipas.

Uma outra grande encomenda que consta dos livros diz o


seguinte:

Da carta de William Simon enviada da Casa da ïndia


Oriental, a 28 de Julho de 1809.
"Trezentas e trinta pipas do melhor vinho Madeira para o
Mercado Indiano. Cento e vinte pipas do melhor vinho Madeira para
o Mercado de Londres. No interesse da Companhia das Indias
Orientais e para ser embarcado a bordo dos seus barcos na estaçäo
1809/10"

Cento e cinquenta anos depois, Cossart, Gordon & Co. (O


actual nome da firma cujo original era Newton, Gordon, Murdoch
& Co.) continuam a ser, como já foi referido, os maiores
comerciantes de vinho.

Os Comerciantes de Vinho Importantes da Madeira - Mas


outras casas importantes que exercem um considerável negócio na
produçäo e exportaçäo de vinho säo as seguintes, apresentadas por
ordem alfabética:

Comerciantes de Vinho

Araujo & Henriques. Giorgi & Co., António.


Blandy Bros. & Co. Miles, Henry P.
Correa, J.A. (Golden Gate). Payne & Son, John.
Cunha, A. P. Rodrigues & Co., Francisco.
Cunha & Co. Welsh Bros.

Vinhos e Armazéns de Cossart, Gordon & Co. - A firma Cossart,


Gordon & Co. possui vinhedos aqui e ali por toda a ilha. O seu
escritório central fica situado à saída da cidade e inclui seus
grupos distintos de prédios - Estufa, Serrado, Martins e outros
armazéns.
Os Armazéns Estufa, onde os vinhos säo submetidos ao calor
- os armazéns estufa incluem um bloco de prédios com dois andares
de altura, divididos em quatro compartimentos. No primeiro
destes, os vinhos mais vulgares säo submetidos a uma temperatura
de 140 graus F. - produzida por fornalhas aquecidas com carväo
de antracite - durante cerca de doze semanas; no segundo
departamento, vinhos de uma qualidade intermédia säo aquecidos
até 130 graus F. por um período de dezoito semanas; o terceiro
é para vinhos superiores que säo mantidos aquecidos entre os 110
e 120 graus F. durante cerca de meio ano. O "Calor", ou quarto
departamento é aquecido pelo calor proveniente dos compartimentos
em redor, tem uma temperatura que varia entre os 90 e 100 graus
F. Aqui säo guardados os vinhos de alta qualidade. A justificaçäo
para aquecer assim o vinho é que os germes da fermentaçäo que
permanecem no vinho säo assim destruídos e além disso produz-se
uma maturaçäo de modo que após este processo podem ser exportados
sem a necessidade de adiçäo de qualquer tipo de álcool. os vinhos
de Estufa datam, na Madeira, do começo deste século e uma grande
quantidade d evinho sofre o tratamento acima descrito antes da
sua exportaçäo. Durante a preparaçäo e manufactura destes tipos
de vinho, o autor recebeu muitas informaçöes da firma Cossart,
Gordon & Co. no Funchal e igualmente recorreu ao famoso livro do
Sr. Henry Vizetelly, "Madeira e os seus Vinhos".

Descriçäo da Uva para Produçäo de Vinho - As seguintes


descriçöes das principaes espécies de uva da ilha da Madeira,
segundo o trabalho acima descrito, säo as seguintes:

Verdelho - É uma uva oval e pequena de certo modo


semelhante ao fruto do cafeeiro e de uma cor rica dourada. A uva
verdelho é também, às vezes caracterizada por uma côr de um verde
escuro. Actualmente a verdelho é a principal uva para a
manufactura do vinho na ilha, atingindo pelo menos 2/3 do vinho
utilizado nas misturas.

Tinta - É uma pequena uva negra, tipo borgonha, de belo


sabor. A folha da tinta tem sete lóbulos aumentando progressiva
mente em tamanho e as cavidades säo muito profundas e
arredondadas, sendo os lóbulos subdivididos em dois outros ambos
distintos. As uvas Tinta crescem em pequenas vinhas e,
geralmente, apresentam-se juntas à Verdelho ou outras uvas
brancas. Nos vinhedos maiores onde há uma quantidade suficiente
desta uva que vale a pela colhê-la separadamente, tal é feito,
produzindo-se um vinho vermelho chamado Tinta. As cascas das uvas
permanecem no vinho durante o processo de fermentaçäo e däo ao
vinho a sua profunda côr vermelha e adstringência. este vinho
vermelho é muito estimado entre os naturais da ilha e usado como
um vinho vulgar, sendo bebido no seu primeiro ou segundo ano.
Depois desse tempo, começa a perder a côr e a qualidade e com o
decorrer do tempo torna-se um Madeira amarelo-torrado.

Malvasia ou "Malmsey" - "A Malvasia Candida é uma uva


tamanho médio, de uma rica côr dourada quando madura e cresce em
compridos e finos cachos suspensos. A folha tem quatro nervuras
muito fundas e arrendondadas com outras duas menos distintas;
cada denticulado tem uma pequena extremidade amarela; a parte
detrás da folha é täo macia como a parte de cima e é de um
profundo tom verde amarelado. A sua designaçäo, "Candida", é uma
corrupçäo de "Candia", uma vez que a vinha Malvasia foi importada
no século quinze pelo Infante D. Henrique".
O Madeira Malvasia é um rico vinho branco de aroma peculiar
produzido pelas cascas da uva que permanecem no vinho durante a
fermentaçäo. É considerado um dos mais valiosos vinhos da Madeira
e, mesmo quando novo, merece um preço elevado. As melhores uvas
crescem em solo rochoso e devem permanecer nas vinhas até que se
tornem quase em passas. Na ilha, a produçäo de Malvasia é
bastante pequena.

Bual - "Uma uva amarela-clara de tamanho médio, a folha com


quatro das nervuras muito fundas e finas, as duas mais baixas
indistintas, o denticulado fino e irregular, a folha peluda de
ambos os lados". O vinho feito da uva Bual é de qualidade
delicada e doce. A Bual näo é uma uva vulgar e o vinho dela
obtido alcança normalmente um preço bastante alto.

Sercial - "Uma redonda uva branca, a mesma que a


"Reiskling" do Reno; a folha tem quatro nervuras redondas; os
nervos säo muito fortes e pelas suas projecçöes däo uma parência
enrugada á folha; éd e côr verde-amarelada e macia de ambos os
lados". Esta vinha näo prospera em todos os lugares e solos. É
principalmente cultivada à beira-mar no Paul do Mar e na Ponta
do Pargo, dois lugares da costa oeste da ilha. O vinho é muito
desagradável ao paladar novo e necessita de oito anos para se
tornar maduro. Quando velho, é considerado um dos mais refinados
vinhos da Madeira.

O Malvasia, o Sercial e o Bual podem ser considerados como


especialidades dos vinhos Madeira pois a sua produçäo é pequena
e säo procurados só por conhecedores.
De entre outras uvas que produzem vinho podem ser
mencionadas a Negra Molle, uma grande uva negra sumarenta, a
Maroto, a Terrantez, a Caräo de Moça, Malvasia Roxa, Malvasiäo,
a Listräo, a Bastardo e algumas outras. No entanto, todas estas
säo geralmente esmagadas juntamente com a verdelho para a
produçäo do vinho Madeira.
Verdelho, o Rei das uvas produtoras de Vinho - Na Madeira,
todas estas diferentes qualidades de uvas, com excepçäo das
especialidades mencionadas anteriormente, tais como a Bual,
Tinta, Malvasia e Sercial, estäo gradualmente a dar lugar ao
Verdelho que é, sem dúvida, o rei das uvas para produçäo de
vinho.

O livro de Cossart, Gordon & Co. - Cossart, Gordon & Co.


publicam um livro que descreve a sua companhia e, ao descrevê-la,
citam um capítulo da obra de Henry Vizetelly.
Produçäo de Vinho descrita por Henry Vizetelly - Embora o
escritor conheça as instalaçöes da Cossart, Gordon & Co., está
consciente da sua total incompetência para preparar um relato que
fosse igual ao do Sr. Vizetelly. Por isso, cita novamente o
seguinte excerto de um capítulo do Sr. Vizetelly como publicado
por Cossart, Gordon & Co.

Os Armazéns do Serrado - O terreno onde ficam situados os


armazéns do Serrado possui entre quatro e cinco acres, com
armazéns com um só piso, ocupando três dos seus lados, ficando
a tanoaria no quarto, aqui observamos a feitura de barris,
precisamente da mesma maneira que os do Jerez com a excepçäo,
talvez, do enxó que os homens manejam täo destramente ser um
pouco mais pesado e grosseiro que o usado pelos seus irmäos do
jerez.

Tanoeiros - Os tanoeiros do Funchal trabalham à peça e cada


pipa, que é certamente um objecto bem feito, custa qualquer coisa
como duas libras. A volta da tanoaria encontram-se pilhas de
tábuas de carvalho Americano, já arranjadas ou em bruto enquanto
no centro do terreno havia barracöes onde os barris eram
medidos, marcados, escaldados e fervidos, existindo ainda um par
de grandes tanques.
O espaço vago entre os barracöes e os armazéns está ocupado
com filas de barris de diferentes tamanhos, acabados de chegar
da tanoaria e que säo submetidos a um amadurecimento com água.
Quando se conclui este tratamento, transferem-se os barris para
o armazém de Avinhar onde se enchem de vinho vulgar que permanece
dentro deles durante dois ou três meses. Neste armazéns há sempre
em uso, para este fim entre duzentas a trezentas pipas de vinho,
o qual, depois de utilizado frequentemente, näo serve mais e é
destilado em aguardente. Na parte detrás da tanoaria há um curso
de água seco, um barranco bastante íngreme com cerca de quarenta
pés de altura que se cruza com a cidade do Funchal e qause toda
ela é cercada com uma avenida de umbrosos plátanos.
A Estaçäo das Inundaçöes - Durante o Inverno, a água
escorre das montanhas, trazendo com ela enormes pedras que
atingem bem uma tonelada, arrastando tudo o que encontram na sua
passagem.

A Cheia de 1803 - No ano de 1803 uma torrente desenfreada


transbordou as margens íngremes do barranco, levando com ela um
armazém da Cossart, Gordon & Co. construído à beira do curso de
água, juntamente com várias centenas de pipas de vinho, as quais
se perderam na totalidade. A mesma cheia arrastou o Consulado
britânico (a certa distância mais abaixo do local) e uma igreja,
para näo falar em outros prejuízos.

Sombra para os trabalhadores - Todo o solo näo ocupado


nestes armazéns do Serrado está cultivado com vinhas colocadas
em corredores, intercaladas aqui e ali com uma mangueira, uma
figueira ou uma anoneira. Além disso, a vinha em latada cobre
todos os caminhos em frente aos vários armazéns permitindo que
os homens lá empregados estejam sempre à sombra. O primeiro
armazém que nós visitamos era um prédio comprido e estreito
comcerca de trezentos pés de comprimento, com aberturas de grades
quadradas ao longo da aprte da frente para permitir que o ar
entrasse livremente. Este armazém podia guardar seiscentas pipas
em filas triplas de duas camadas. É utilizado para receber "vinho
mosto", isto é, vinho acabado de fazer.

Gerânios Escarlates - Gerâneos escarlates com cerca da


altura de um homem säo colocados por cima de toda a parte da
frente e sob a ampla zona coberta com os corredores de vinha que
se estendem do telhado do armazém até ao do barracäo em frente.
Encontram-se, no local, barris vazios, à espera de serem enchidos
com vinho.

Quando a produçäo de um vinhedo é comprada - É uma pratica


comum dos exportadores de vinho da Madeira comprarem a produçäo
de um vinhedo antes das uvas serem esmagadas. Neste caso eles ou
mandam alguém para esse fim ou nomeiam um agente que resida na
localidade, para assegurar que as uvas näo säo colhidas antes de
estarem maduras, para que o trabalho no lagar seja devidamente
executado e com o fim de organizar o transporte do mosto para os
seus armazéns de vinho no Funchal. Lá, o mosto continua a
fermentar com a boca do barril apenas coberta com uma folha,
geralmente até meados de Novembro. Tanto antes como depois da
fermentaçäo, adiciona-se uma pequena quantidade de aguardente,
variando a quantidade de acordo com a qualidade do mosto, mas
raramente excedendo três por cento.

Trasfegando e Dividindo o Vinho - Quando o vinho clareou


completamente, é trasfegado e dividido de acordo com a sua
qualidade e depois enviado para a "estufa" ou câmara de
aquecimento. (Uma especialidade no que respeita aos vinhos da
Madeira da qual o autor falou previamente).

Apurando e Enviando para os Armazéns "Pateo". - Em frente


ao armazém onde se recebe o mosto, fica um outro para a
aguardente. E de lá dirigimo-nos, por baixo dos corredores
cobertos de vinha, para outro armazéns que contêm vinhos com um
ano, acabados de chegar da "estufa", os quais, depois de terem
recebido mais uma pequena quantidade de aguardente (que avria
entre um e três galöes por pipa), saö trasfegados e apurados para
serem enviados para os armazéns "Pateo" da firma. Lá eles
permanecem em grandes pipas que contêm quatrocentos galöes cada,
até amadurecerem e ficarem prontos para exportaçäo. Deve referir-
se que o mosto é fermentado e o vinho aquecido, trasfegado e
transportado de um armazém para outro naquilo que se designa por
"canteiro" ou pipas pequenas, cada uma contendo cento e trinta
galöes, medida de vinho velho.

Onde o Sol é usado em vez da Estufa - As estufas aquecidas


artificialmente säo usadas só pelas grandes casas de exportaçäo
que, no entanto, aquecem vinho para outros exprotadores a um
preço estabelecido. Outros realizam o objectivo desejado
colocando os vinhos numa espécie de casas envidraçadas, onde eles
permanecem expostos à temperatura total do sol. Durante o dia,
uma temperatura de 120 a 130 graus F. é garantida, a qual, no
entanto, se torna consideravelmente mais baixa durante a noite,
circunstância que é vista, por muitos, como prejudicial para o
desenvolvimento do vinho. Nas zonas rurais onde näo existe
qualquer tipo de estufa, os proprietários de vinho colocam as
grandes pipas fora, ao ar livre, numa posiçäo adequada que
garanta a acçäo completa dos raios de sol.

Vinho enviado numa Viagem Marítima para Amadurecer - A


prática que prevalece há muitos anos de enviar o Madeira para uma
viagem às ïndias Orientais ou Ocidentais e outra vez para a
pátria é apenas uma variaçäo deste método para amadurecer o
vinho, submetendo-o a uma alta temperatura, sendo necessariamente
muito elevado o calor que encontra nestas latitudes, quando
fechado nos poröes do navio.

Precauçöes contra Derrame sob o Calor - Nas estufas que


estou agora a descrever - que, quando cheias, säo capazes de
aquecer mil e seiscentas pipas de vinho de uma só vez - as pipas
säo colocadas umas sobre as outras em pilhas de quatro, com
barris mais pequenos em cima delas, sendo deixada uma estreita
passagem entre as diferentes pilhas para permitir a passagem de
um homem que verifica se os barris estäo ou näo a vazar, pois
quando submetidos a grande calor, têm tendência para isso. Um
furo com cerca de um sexto de uma polegada de diâmetro foi
previamente feito na boca de cada pipa para permitir que o vapor
quente saía, caso contrário a pipa rebentaria. Como os barris
geralmente vazam, e podemos verificá-lo pelas numerosos manchas
brancas escuras em várias aprtes do chäo, torna-se necessário que
os diferentes compartimentos da estufa sejam inspeccionados uma
vez durante o dia e uma vez durante a noite, de modo que qualquer
azar deste tipo possa ser imediatamente rectificado.

O Perigoso Procedimento de destapar o Vinho em Compartimen


tos Herméticos - Cada compartimento possui portas duplas e depois
de estar cheio de vinho as portas interiores säo cobertas com uma
camada de cal para fechar qualquer fenda que exista. Quando é
necessário entrar na estufa, só as portas exteriores säo abertas
e é empurrado um pequeno sifäo nas portas interiores para
permitir a entrada do homem encarregado, que passa por entre as
várias filas de barris, destapando-os um a seguir ao outro para
ter a certeza que näo há qualquer derrame. Quando sai da estufa,
depois de lá ter ficado uma hora, ele embrulha-se imediatamente
em cobertores, bebe um copo cheio de vinho e depois fecha-se num
pequeno quarto, no qual näo entra nenhum ar frio. Os Messers.
Cossart, Gordon & Co. geralmente colocam os seus vinhos na estufa
durante os meses de Janeiro e Fevereiro, o que permite que sejam
transferidos para outros armazéns antes que comece a vindima
seguinte.

Perda de Vinho pela Evaporaçäo - Durante o tempo que estäo


na estufa, os vinhos diminuem dez ou quinze por cento, pela
evaporaçäo das suas partes aquosas.

A Casa da Contabilidade - Resta ainda mencionar os armazéns


"Pateo" estes ficam situados ao fundo da casa da contabilidade
da firma, onde säo cuidadosamente guardados todos os livros e
papéis relacionados com as transaçöes desde a fundaçäo da firma.

Os Armazéns "Pateo", onde certas Especialidades säo


guardadas - Passando sob uma arcada e através de um pátio
estreito com flores plantadas, entre as quais há gerâneos
colocados ao nível das janelas do primeiro andar, nós entramos
num pequeno armazém que foram uma espécie de ante-sala dos
armazéns que se seguem. O primeiro deste contém vinho em enormes
pipas com a capacidade de quatro pipas vulgares, em condiçäo
perfeita para exportaçäo, e necessitando apenas ser transvasado.
Aqui provámos algumas especialidades, incluindo algum branco
Seco, feito exclusivamente da uva verdelho, o qual tendo
fermentado perfeitamente, possuía todas as qualidades de um
excelente madeira seco; saboreámos também um Sercial da Ponta de
Pargo, da vindima de 1865, excessivamente seco, de sabor puro e
ligeiramente pálido.

Onde se Armazenam os Vinhos Seleccionados - No armazém


acima havia vinhos de diferentes qualidades e idades, incluindo
algum "Palhetinho", ou vinho amarelo-claro, de sabor delicado e
com um aroma refinado; igualmente existiam vinhos ainda mais
pálidos sob a designaçäo Yankee de "Agua da Chuva da Madeira"
(Rainwater Madeira), devido à sua enorme suavidade e delicadeza.
Aqui encontra-se também armazenado um vinho da vindima de 1863 -
um Vinho do Sol, como era chamado, por ter sido amadurecido pela
exposiçäo ao sol e nunca ter passado pela estufa e, finalmente,
um pálido e delicado Malvasia, da vindima do ano anterior, com
um aroma muito desenvolvido, que prometia tornar-se num vinho de
qualidade extra.

Os Vinhos mais Velhos - No armazém de Vinhos Velhíssimos -


o rés-do-chäo do prédio no Lado sul do pátio - havia algumas
pipas grandes contendo vinhos de reserva com muitos anos e
numerosas "soleras", incluindo uma Câmara de Lobos cuja origem
data de 1844 - um forte vinho com uma intensa côr, de delicado
sabor, reabastecendo-se de tempos a tempos com vinho da variedade
de uva bastardo. Um "solera" Säo Martinho, datado de 1842
constituia um vinho de alta qualidade, com aroma refinado,
enquanto a "solera" Bual, do ano de 1832, se mostrou de sabor
muito delicado. Havia também várias "soleras" Malvasia,
encontradas respectivamente nos anos de 1835 e 1850, a primeira
das quais tinha todas as qualidades de um licor de escolha;
igualmente deparámos com um vinho da vindima verdelho, do ano de
1851, que nunca tinha sido exposto a calor artificial - um
perfeito vinho maduro da melhor qualidade.

Conferindo sabor e Côr a Vinhos de menor Qualidade - No fim


deste armazém "solera", há um outro armazém, que contém "Surdo",
ou vinho doce, e Vinho Concertado, ou mosto fervido, tornado
menos espesso pela adiçäo de vinho comum e que, como o "Jerez
vino dulce e vino de color" säo usados para dar sabor e côr a
vinhos inferiores.

Vinho Suave, Saboroso e de preço Moderado - Passando sob


a arcada que conduz ao pequeno jardim, plantado com bananeiras,
roseiras e gerâneos e que tem vinhas colocadas em corredores, por
cima dos caminhos, chegámos a outro armazém que contém vinhos das
últimas vindimas do norte da ilha que säo suaves e agradáveis
para beber e exportados, ao que parece, por um preço bastante
moderado.
INDICE

INTRODUÇÄO

1.DOCUMENTOS

1.1.Fontes Diplomáticas

1545/Março/26
Regimento sobre a imposiçäo do Vinho para a Cidade de Lisboa
(treslado do Funchal para a Calheta em 1628 e, depois, para o
Funchal em 1633).

1722/Outubro/20, Lisboa.
- Ordem do Conselho da Fazenda.

1755/Janeiro/20, Lisboa.
Mandado sobre a medida das pipas de vinho.

1774/Outubro/1, Funchal.
Provimento de Condutor de Vinhos para Taberna.

1781/Outubro/27, Lisboa.
Instruçöes sobre a promoçäo da agricultura.

1782/Julho/31, Funchal.
Conta sobre o contrabando.

1783/Maio/16, Funchal.
Informaçäo dada ao Governador pelo Corregedor acerca do Porto
Santo.

1783/Junho/1, Funchal.
Instruçöes para o Director e Inspector de Agricultura no
Porto Santo.

1784/Agosto/12, Funchal.
Regimento das vindimas.

1784/Setembro/4, Funchal.
Regimento das vindimas.

1785/Setembro/13, Funchal.
Regimento sobre o movimento interno do vinho.

1785/Agosto/16, Funchal.
Regimento regulador das vindimas e circulaçäo do vinho.
1786/Agosto/16, Funchal.
Bando sobre as vindimas e lotaçöes dos vinhos.

1787/Fevereiro/14, Funchal.
Provisäo àcerca dos vinhos do Porto Santo.

1789/Janeiro/26, Funchal.
Carta de marcador de pipas.

1796/Fevereiro/12, Funchal.
Resposta do Senado da Camara àcerca da marcaçäo das pipas.

1798/Janeiro/31, Funchal.
Pedido ao cabido da Sé para se fazerem preces devido à falta
de chuva.

1801/Setembro/29, Funchal.
Representaçäo dos homens de negócio sobre a entrada do vinho
de fora.

1803/Fevereiro/8, Funchal.
Representaçäo dos comerciantes sobre as estufas.

1813/Junho/30, Funchal.
Representaçäo da Camara à Junta de Real Fazenda.

1813/Agosto/13, Funchal.
Carta do Governador à Camara da cidade.

1813/Agosto/15, Funchal.
Resposta da Camara ao ofício do Governador.

1814/Julho/28, Funchal.
Sobre a aguardente do Brasil.

1814/Julho/29, Funchal.
Requerimento do Consul inglês.

1814/Julho/30, Funchal.
Resposta da Camara ao requerimento do Consul inglês.

1814/Julho,30, Funchal.
Representaçäo ao Rei sobre a proibiçäo de venda das
aguardentes nas tavernas da cidade.

1814/Março/21, Funchal.
Edital sobre a proibiçäo bebidas estrangeiras.

1814/Julho/20
Resposta da Camara sobre questäo da entrada de bebidas.

1814/Agosto/13, Funchal.
Representaçäo da Camara sobre a proibiçäo de entrada de
bebidas estrangeiras.

1815/Dezembro/20, Funchal.
Representaçäo à Corte no Rio de Janeiro.

1816/Agosto/29, Funchal.
Representaçäo da Camara sobre as bebidas estrangeiras.

1816/Novembro/7, Funchal.
Representaçäo da Camara sobre as bebidas estrangeiras.

1817/Maio/22, Funchal.
Resposta do Procurador do Concelho àcerca das bebidas
espirituozas.

1817/Junho/11 (19), Funchal.


Requerimento dos comerciantes ao Governador acerca das
bebidas estrangeiras com despacho governo e resposta da
Camara.

1817/Dezembro/4, Funchal.
Oficio do Secretário da Junta do Melhoramento d'Agricultura
sobre memória do inspector da agricultura.

1818/Agosto/13, Funchal.
Requerimento dos negociantes e proprietários sobre a tirage
dos Vinhos no Calhau.

1819/Maio/29, Funchal.
Representaçäo sobre as bebidas espirituozas.

1819/Julho/14, Funchal.
Representaçäo sobre as bebidas espirituozas.

1819/Agosto/2, Funchal.
Representaçäo da Camara à Junta do Melhoramento sobre as
estufas.

1820/Dezembro/6, Funchal.
Representaçäo ao Governador.

1821/Janeiro/21, Funchal.
Offício do Governador, Sebastiäo Xavier Botelho, para o Conde
dos Arcos, em que especialmente se refere ao commercio dos
vinhos da Madeira, nos excessivos tributos, que pagavam os
seus habitantes, ao aproveitamento da água das levadas, etc.
Funchal, 16 de Janeiro de 1821.

1821/Agosto/23, Funchal.
Representaçäo às Cortes.

1821/Agosto/23, Funchal.
Representaçäo respectiva à proibiçäo das aguardentes.

1822/Abril/19, Funchal.
Representaçäo às Cortes sobre as aguardentes.

1822/Abril/30, Funchal.
Representaçäo às Cortes sobre as aguardentes.

1823/Março/20, Funchal.
Representaçäo de Junta da Fazenda a respeito do juiz
d'Alfandega.

1823/Dezembro/31, Funchal.
Representaçäo dos negociantes e proprietários sobre a entrada
de aguardente de França.

1824/Janeiro/3, Funchal.
Representaçäo da Camara a S. M. sobre as aguardentes.

1824/Março/5, Funchal.
Informaçäo da Camara ao requerimento da Companhia Nova sobre
entrada de aguardente.

1827/Junho/27, Funchal.
Ofício do Governador, José Lucio Travassos Valdez, remettendo
ao Ministro da Marinha e Ultramar, Antonio Manuel de Noronha,
um relatório sobre a situaçäo agrícola, commercial e
economica da Madeira.

1833/Dezembro/13, Funchal.
Registo representaçäo de Camara a Junta de Real Fazenda
àcerca de proibiçäo de cachaça.

1834/Agosto/12, Funchal.
Representaçäo à Comissäo Municipal pelos cidadäos àcerca da
estufa.

1835/Novembro/10, Funchal.
Representaçäo da Camara Municipal à Rainha sobre aguardente
de canas e bebidas espirituozas.

1835/Novembro/16 (24), Funchal.


Ofício que a Camara Municipal desta cidade enviou ao Consul
Geral da Naçäo Portugueza em Londres, remettendo-lhe a
representaçäo a elle dirigida pelos proprietários,
lavradores, etc.

1839/Janeiro/7, Funchal.
Officio do administrador geral enviando à Camara um accordäo
do conselho de districto acerca das vindimas.

1849/Novembro/21, Funchal.
Acta da Instauraçäo da Sociedade Agrícola.

1843/Novembro/22, Funchal.
Resposta da representaçäo que a Camara dirigiu aos deputados
da Naçäo.

1882/Dezembro/20, Funchal.
Actas das reuniöes da Comissäo anti-filoxérica.

1888/Abril/25, Funchal.
Actas da Comissäo de Auxílio à Lavoura.

1.2.OS JORNAIS

1.O Vinho

O Patriota Funchalense, nº 91.

O Patriota Funchalense, nº 105.

O Defensor da Liberdade, nº 1.

O Defensor da Liberdade, nº.15

O Defensor, nº.53

O Imparcial, nº.86

Correio da Madeira, nº 70.

Correio da Madeira, nº 113-114.

O Clamor Público, nº 22.

O Defensor, nº.53.

Semanário Oficial, nº 8.

A Ordem, nº 176.

A Ordem, nº 178.
A Imprensa, nº 10.

2. A Aguardente

O Patriota Funchalense, nº 12.

O Patriota Funchalense, nº 13.

O Patriota Funchalense, nº 48.

O Funchalense Liberal, nº.1 e 6

O Defensor da Liberdade, nº.35

A Flor do Oceano, nº 13.

A Flor do Oceano, nº 69.

A Flor do oceano, nº 71.

Correio da Madeira, nº 113.

3.AS Estufas

A Flor do Oceano, nº 2.

Correio da Madeira, nº 116.

O Defensor da Liberdade, nº 72.

4. Aspectos económicos

O Baratíssimo, nº 1.

O Patriota Funchalense, nº 35.

O Patriota Funchalense, nº 83-84, 91.

O Defensor, nº 115.

O Defensor, nº 114.

O Imparcial(1842)

O Baratissimo, nº.1

O Imparcial, nº 80.

A Ordem, nº 55.
O Defensor, nº 178.

A Flor do Oceano, nº 86.

2.TEXTOS

2.1.AUTORES NACIONAIS

O vinho antes das moléstias. Paulo Perestrelo da Câmara

A "Mangra" ou Doença da Vinha. Joäo de Andrade Corvo.

Vinha e a crise de Eduardo Grande

Carta sobre Nova Moléstia da Vinha na Madeira. Dr. Joäo da Camara


Leme.
Os Métodos de tratamento do vinho. Dr. Joäo da Camara Leme

Os Três Systemas de Tratamento dos Vinhos da Madeira. Conde De


Cannavial.

O Vinho. o orgulho de todos os madeirenses. Eduardo Nunes

2.2.AUTORES ESTRANGEIROS

G. Landi. 1574.

Pompeo Arditi. 1567.

J. Ovington. 1689.

Hans Sloane. 1707.

G. Forster, 1777.

J. Barrow. 1793 (ed. 1806).

George Stauton. 1797.

Anónimo. 1801.

T. E. Bowdich. 1825.

Alfred Lyall(?). 1827.


James Holman. 1834.

John Driver.1834

F. W. Taylor. 1840.

R. White. 1851.
Edward Vernon Harcourt. 1851.

E. S. Wortley. 1854.

W. Hadfield. 1854.

F. R. G. S. 1863.

J. L. Thudichum e A. Dupré, 1872.

S. G. W. Benjamin. 1878.

Henry Vizetelly.1880

Dennis Embleton. 1882.

Gaston Lemay. 1881.

E. M. Taylor. 1882.

J. Johnston. 1885.

J. A. Dix. 1896.

A. Samler Brown.1890

A. J. Drexel Biddle. 1900.

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