Artigo Cinesiofobia Revista Dor Modelo
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DOI 10.5935/1806-0013.20160068
ABSTRACT RESUMO
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Fear of movement and JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O medo de movimento e
re/injury (kinesiophobia) is factor associated to chronic pain and reincidência de lesão (cinesiofobia) é um fator associado à dor
incapacity. Since elderly population is highly affected by chro- crônica e incapacidade. Visto que a população idosa é altamen-
nic health problems followed by pain, especially musculoskeletal te atingida por problemas crônicos de saúde acompanhados por
problems, it is important to understand the impact of pain-re- dor, especialmente musculoesqueléticos, faz-se relevante a com-
lated fear on elderly females’ health. This study aimed at deter- preensão dos impactos do medo relacionado à dor sobre a saúde
mining the incidence of kinesiophobia in elderly females assisted das idosas. O objetivo deste estudo foi determinar a ocorrência
in a geriatrics and gerontology ambulatory, as well as at investi- de cinesiofobia em idosas atendidas em um ambulatório geriá-
gating possible correlations with physical performance and other trico e gerontológico, bem como investigar possíveis correlações
health and socio-demographic variables. com desempenho físico e outras variáveis de saúde e sócio-de-
METHODS: This is a crossover exploratory study with non- mográficas.
-probabilistic convenience sample of 30 elderly females, carried MÉTODOS: Estudo transversal exploratório com amostra por
out with interviews, physical tests and medical charts review. Pa- conveniência não probabilística de 30 idosas, realizado por meio
tients were evaluated for the presence of kinesiophobia, physical de entrevista, teste físico e revisão de prontuário. Foram avalia-
performance and other variables related to chronic musculoske- das quanto à presença de cinesiofobia, ao desempenho físico e a
letal pain, in addition to socio-demographic information. outras variáveis relacionadas à saúde e à dor crônica musculoes-
RESULTS: There has been kinesiophobia in 80% of the sample. quelética, além de informações sócio-demográficas.
There has been significant moderate correlation between physi- RESULTADOS: A amostra estudada revelou ocorrência de cine-
cal performance and kinesiophobia (r=541; p=0.002). No other siofobia de 80%. Houve correlação significativa moderada entre
correlations were found. desempenho físico e cinesiofobia (r=541; p=0,002). Não foram
CONCLUSION: Data have shown high incidence of kinesio- encontradas demais correlações.
phobia among evaluated elderly females, in addition to physical CONCLUSÃO: Os dados revelam alta ocorrência de cinesio-
performance impairment associated to it. fobia nas idosas avaliadas e comprometimento do desempenho
Keywords: Chronic pain, Elderly females, Incapacity, Kinesio- físico associado à mesma.
phobia, Performance. Descritores: Cinesiofobia, Desempenho, Dor crônica, Idosas,
Incapacidade.
INTRODUÇÃO
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Ocorrência de cinesiofobia e fatores associados em idosas Rev Dor. São Paulo, 2016 jul-set;17(3):188-91
com dor crônica musculoesquelética: um estudo piloto
de movimento e reincidência de lesão”, no qual se espera dois extre- número de regiões dolorosas e a região mais dolorosa, intensidade
mos de respostas à dor: a crença de que movimentos e atividades da dor, e fisioterapia.
poderiam agravar a dor e por isso são evitados; e a confrontação, O medo de movimento e reincidência de lesão foi avaliado por meio
associada a melhores desfechos5. da versão brasileira da Escala Tampa para Cinesiofobia (ETC). Tra-
O termo cinesiofobia foi, então, introduzido para denominar o ta-se de um questionário com 17 afirmativas pontuadas de 1 a 4. A
“medo irracional, excessivo e limitante aos movimentos e atividades pontuação total é calculada após a inversão dos itens 4, 8, 12 e 16, e
físicas, resultante de uma sensação de vulnerabilidade a uma possível varia entre 17 e 68 pontos. Quanto maior a pontuação total, maior
lesão física”5. Em médio prazo, medo e evitação de movimento em a cinesiofobia5. Um total de 37 pontos ou menos sugere baixos ní-
antecipação à dor podem trazer consequências físicas (perda de mo- veis de cinesiofobia, enquanto que pontuações acima de 37 sugerem
bilidade, força e condicionamento até desuso) e psicossociais (perda altos níveis de cinesiofobia6,8. Como descrito pela versão brasileira
de autoestima, depressão, isolamento)6. Adequados processos de ava- da escala, as afirmativas foram lidas e, quando necessário, explicadas
liação, mensuração e tratamento da dor devem ser dispensados aos aos participantes5. É amplamente empregada na mensuração da ci-
idosos, identificando possíveis fatores associados à deterioração de nesiofobia, com alta consistência interna e adequada confiabilidade
sua capacidade funcional e qualidade de vida (QV)7. teste-reteste5.
Sendo assim, foi realizado este estudo piloto com 30 idosas com dor O desempenho físico foi avaliado pelo teste “Timed Up and Go”
crônica musculoesquelética atendidas em um ambulatório geronto- (TUG). O idoso deve partir da posição inicial com as costas apoia-
lógico na cidade do Rio de Janeiro com os objetivos de identificar das no encosto da cadeira, levantar, caminhar 3 metros, virar, voltar
a ocorrência de cinesiofobia entre elas e avaliar possíveis correlações e sentar novamente. A cronometragem inicia com o comando de
entre desempenho físico e outras variáveis de saúde e sócio-demo- partida e finaliza quando o participante volta à posição inicial do
gráficas. teste. Um desempenho de até 12 segundos pode ser considerado
normal para idosos comunitários; acima de 20 segundos sugere défi-
MÉTODOS cit importante da mobilidade física e risco de quedas9.
Para rastreio cognitivo das participantes foi utilizado o MEEM, ins-
Trata-se de um estudo transversal, exploratório, com amostra por trumento composto de questões agrupadas em 7 categorias de fun-
conveniência, não probabilística. ções cognitivas e escore total de 0 a 30 pontos, amplamente utilizado
O estudo foi composto de idosas com idade igual ou superior a 60 como avaliação cognitiva. No Brasil foram estabelecidos pontos de
anos, que realizam acompanhamento multidisciplinar de saúde em corte compatíveis com a escolaridade: 19-20 para analfabetos e 23-
um ambulatório de gerontologia de uma universidade pública na 24 para indivíduos com um ano ou mais de estudo10. Aquelas que
cidade do Rio de Janeiro, Brasil. obtiveram pontuação abaixo do corte foram excluídas do estudo
A seleção dos pacientes ocorreu entre outubro e dezembro de 2014, para evitar problemas de compreensão das escalas.
dentro dos horários de atendimento do ambulatório geral ou em O mapa corporal para localização da dor foi empregado como meio
horários previamente marcados para a realização da avaliação. Dessa de estabelecer a quantidade de regiões acometidas por dor há mais de
forma, obteve-se um total de 36 participantes, sendo 33 mulheres e 3 meses. Dentre os locais nele assinalados, as idosas foram solicitadas
3 homens. Para não comprometer a homogeneidade da amostra, os a identificar aquele de maior intensidade dolorosa (pior local de dor)
participantes do gênero masculino foram excluídos do estudo. de acordo com a escala visual numérica (EVN) de 11 pontos. O
Os critérios de inclusão foram idosas com queixa de dor musculoes- ponto zero equivale à ausência de dor e 10 à pior dor possível. Essa
quelética; de acordo com a descrição do documento do ano mundial escala mostrou-se fidedigna para a mensuração da dor em idosas7.
contra a dor musculoesquelética da IASP, de 2009: “variedade de dis- O número de quedas nos últimos 12 meses foi obtido por meio
túrbios que causam dor em ossos, articulações, músculos e estruturas do autorrelato, considerando-as “um evento inesperado no qual o
adjacentes”; por 3 meses ou mais e com pontuação normal no mini- sujeito venha a se posicionar no solo ou nível inferior ao seu”11. As
-exame do estado mental (MEEM). Os critérios de exclusão consisti- participantes também foram questionadas a respeito de estarem em
ram em diagnóstico ou investigação de síndrome demencial ou do- tratamento fisioterapêutico para alívio da dor. Número de comorbi-
enças mentais que dificultassem a compreensão; deficiência visual e/ dades, estado conjugal e os anos de escolaridade foram obtidos na
ou auditiva grave não corrigida; incapacidades físicas que impedissem entrevista e/ou por revisão dos prontuários. A presença de depressão
a locomoção; dor crônica de outras causas e pós-operatórios recentes. foi constatada em relato de prontuário clínico, feito pelos geriatras e/
A variável dependente do estudo foi a cinesiofobia. As variáveis inde- ou psicólogos da equipe do ambulatório.
pendentes quantitativas foram: número de regiões do corpo acome-
tidas por dor, intensidade da dor, número de comorbidades (físicas), Análise estatística
anos de escolaridade, idade, número de quedas no último ano e de- Para o cálculo amostral foi utilizada a análise para estimativa de uma
sempenho físico (resultado do teste em segundos). Estado conjugal, proporção, a qual leva em consideração a prevalência do evento no
região de maior intensidade de dor, depressão e fisioterapia foram as estudo, a precisão relativa de 5% e o nível de significância de 5%.
variáveis independentes qualitativas. Dessa forma, o tamanho da amostra calculado foi de 384. A ocor-
As características sócio-demográficas foram representadas pelas vari- rência de cinesiofobia foi calculada considerando pontuações acima
áveis: idade, escolaridade, e estado conjugal. O número de comorbi- de 37 na ETC.
dades, de quedas no último ano e a depressão consistiu nas variáveis As variáveis estado conjugal e pior local de dor foram reagrupadas
do estado de saúde. Quanto ao quadro doloroso, foram obtidos o em dicotômicas: união estável ou união não estável (esta incluindo
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Rev Dor. São Paulo, 2016 jul-set;17(3):188-91 Silva NS, Abreu SS e Suassuna PD
viúvas) e tronco ou não tronco, respectivamente, para realizar análise ça de dor crônica musculoesquelética em 1 a 12 regiões do corpo no
bivariada. mapa corporal de localização da dor. Dentre elas, a coluna lombar
A normalidade de distribuição dos dados foi avaliada pelo teste de foi marcada como o local de maior intensidade de dor por 40% das
Shapiro-Wilk. Obedeceram aos padrões de normalidade as variáveis participantes. A intensidade da dor teve média de 8 pontos. Quanto
quantitativas cinesiofobia, número de comorbidades e idade, e todas à depressão, 9 idosas (30%) apresentavam diagnóstico de depressão
as variáveis qualitativas. O coeficiente de correlação de Pearson foi em prontuário. Vinte e duas (73,3%) não estavam em tratamento
empregado para verificar as variáveis quantitativas com distribuição fisioterapêutico no momento da avaliação. A frequência das variáveis
normal e o de Spearman para as que não atenderam aos critérios de qualitativas e a análise descritiva das variáveis quantitativas estão de-
normalidade. O teste t de Student para amostras independentes foi monstradas nas tabelas 1 e 2, respectivamente.
usado para avaliar as diferenças entre as médias das variáveis quanti- A pontuação na ETC variou de 29 a 62 pontos, com média de
tativas e qualitativas. Um nível de significância de 0,05 foi conside- 45,8±8,9 pontos. Vinte e quatro idosas obtiveram mais de 37 pon-
rado em todas as análises estatísticas. tos na ETC, e apenas 6 fizeram 37 ou menos pontos. Sendo assim,
Todas as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre a ocorrência de cinesiofobia no grupo foi de 80%.
e Esclarecido (TCLE). O grupo apresentou desempenho médio no teste TUG de 15,2±4,5
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hos- segundos, variando de 9,96 a 28 segundos para sua execução.
pital Universitário Pedro Ernesto/UERJ sob o protocolo de pesquisa Foi observada correlação positiva moderada e estatisticamente sig-
nº 32966914.7.0000.5259, em 20 de agosto de 2014. nificativa entre a cinesiofobia e o resultado no teste TUG (r=,541;
p=0,002). A figura 1 ilustra essa correlação. Não houve correlação
RESULTADOS significativa com as demais variáveis. Não foi encontrada diferença
significativa entre as médias das variáveis qualitativas (p>0,05).
Três idosas foram excluídas pelo MEEM, assim, a amostra foi com-
posta de 30 participantes do gênero feminino com idade média de Tabela 2. Análise descritiva das variáveis quantitativas (n=30). Rio de
79,4±7,03 anos. Quanto ao estado conjugal, houve predominância Janeiro - RJ, 2014-2015
de viúvas (60%). A escolaridade média do grupo foi de aproxima- Variáveis Mínimo Máximo Média DP
damente 8 anos. O número de comorbidades do grupo variou de 1 ETC 29,0 62,0 45,833 8,967
a 7. A ocorrência de quedas variou de nenhum a 14 episódios, com Idade 65,00 92,00 79,400 7,039
média de 1,2 episódios no último ano. As idosas apontaram presen- TUG 9,96 28,00 15,286 4,592
Escolaridade 0 16,0 8,167 5,052
Tabela 1. Frequência das variáveis qualitativas. Rio de Janeiro - RJ, Número de comorbidades 1,0 7,0 3,333 1,667
2014-2015
Quedas ,0 14,0 1,233 3,059
Variáveis Frequência Porcentagem
EVN 2,0 10,0 8,000 2,334
Estado civil nº %
Locais de dor 1,0 12,0 3,700 2,781
Casada 5 16,7
ETC = escala tampa para cinesiofobia; TUG= timed up and go; EVN = escala
Solteira 2 6,7 visual numérica.
Divorciada/separada 5 16,7
Viúva 18 60,0
Total 30 100,0
Depressão
Sim 9 30
Não 21 70
Total 30 100,0
Cinesiofobia
Total 30 100,0 Figura 1. Correlação entre cinesiofobia e o teste timed up and go. Rio
MMSS = membros superiores; MMII = membros inferiores. de Janeiro, RJ, 2014-2015
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Ocorrência de cinesiofobia e fatores associados em idosas Rev Dor. São Paulo, 2016 jul-set;17(3):188-91
com dor crônica musculoesquelética: um estudo piloto
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