Introdução Ao Futebol Feminino.
Introdução Ao Futebol Feminino.
Introdução Ao Futebol Feminino.
TELA CHEIA
O futebol é um esporte composto por diversas matrizes que dão formas a esta prá-
tica e aos seus entrelaçamentos sociais, políticos e financeiros. Na matriz do futebol de
mulheres é reconhecido a heterogeneidade de suas participações, seja como amadoras,
profissionais, árbitras, técnicas, torcedoras, seja em capitais brasileiras ou em cidades do
interior. Não há um único perfil de futebol de mulheres. Mas todas as diferenças existentes
nesse futebol passam ainda por aspectos semelhantes de retardamento da prática em
nosso país enraizado de fatores histórico-culturais. As diversas estratégias para que possa
viver este esporte, organizando, competindo, acompanhando ou jogando, mantêm as
mulheres em constante ruptura social no Brasil, ao deixarem de seguir padrões esperados
para uma mulher pela sociedade
A pesquisadora Cláudia Kessler (2015), em sua obra intitulada “Mais que barbies e
ogras: uma etnografia do futebol de mulheres no Brasil e nos EUA”, ) organizou os perío-
dos históricos do futebol de mulheres em nosso país, apresenta um formato distribuído
em três marcadores históricos: o início do século XX até a promulgação do Decreto-Lei
nº 3.199/41, com o pioneirismo de jogadoras se distanciando dos alertas criados sobre
possíveis danos à saúde das jogadoras, baseados em argumentos médicos relativos à ma-
ternidade e ao “sexo frágil”; a década de 1980 marcada pela surgimento de várias equipes
e competições; os anos 1990 até 2015, nos quais se percebe várias iniciativas voltadas
para tentativas de oferecer renda para as jogadoras se manterem financeiramente através
da modalidade como a criação de campeonatos regionais, nacionais e internacionais1,
a migração de jogadoras para fora do país, o aumento de escolinhas, à procura por ma-
rketing e mídia, e o ProFut2. Acrescento um novo marcador histórico através da etapa de
1
A CBF começou a organizar os torneios de mulheres apenas em 1994. A FIFA realizou a primeira Copa do
Mundo de Futebol Feminino em 1991.
2
ProFut é um programa de adesão do Governo Federal para o refinanciamento de dívidas. O Programa de
Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol exige dos clubes investimento no futebol
de mulheres.
proposição de novas ações das instituições do futebol mundial3, que segue a partir do
período de 2015 até os dias de hoje.
3
FIFA, CONMEBOL, Confederações Nacionais de Futebol, Comitês Olímpicos, entre outras.
4
Um dos exemplos conhecidos foi a preliminar que aconteceu antes do jogo entre o futebol de homens do
Flamengo contra o São Paulo, na data inaugural da iluminação do Estádio Municipal Pacaembu, em 1940.
Figura 1. Mulheres jogando futebol na década de 30 no Brasil. Fonte: Acervo digital do Museu do Futebol.
Figura 2. Notícia sobre a proibição do futebol feminino. Fonte: Acervo Araguari Atlético Clube | Visibilidade
para o Futebol Feminino.
mulheres, como Guarani, Ponte Preta, Vasco da Gama e entre outros. O clube Radar se
destacou nesses campeonatos iniciais, sendo campeão seis vezes consecutivas da Taça
do Brasil e Campeonato Carioca (1983-1988).
Ao mesmo tempo que os campeonatos contribuíam com a participação das mulheres
no futebol brasileiro, as iniciativas da FIFA deram visibilidade para a modalidade ao redor
do mundo. Em 1988 a federação organizou o Campeonato Internacional de Futebol Femi-
nino na China com a participação de 12 times, incluindo a seleção Brasileira. Composta
majoritariamente por jogadoras do Radar e com grandes nomes da história do futebol
feminino, como Sissi, Pretinha e Michael Jackson, a seleção conquistou o terceiro lugar
nessa estreia internacional (Figura 3). A seleção norueguesa derrotou a sueca na final
com um público de mais de 35 mil pessoas.
Figura 3. Seleção Brasileira no Campeonato Internacional de Futebol Feminino organizado pela FIFA em
1988.
Fonte: Acervo digital do Museu do Futebol.
19
18 18 18
17 17 17
Número de campeonatos 16
15
11
6
5
3 3
2 2 2 2 2
1
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Figura
Figura4. 4.
Quantidade de campeonatos
Quantidade de futebol
de campeonatos de praticado por mulheres
futebol praticado porao mulheres
longo dos anos. Fonte: dos
ao longo Elabo-
rado pela autora com base em dados disponíveis na internet.
anos. Fonte: Elaborado pela autora com base em dados disponíveis na internet.
Atualmente, o número de campeonatos é ainda maior dado que quase todas as fe-
derações organizam competições estaduais de futebol para mulheres adultas. Apesar
Atualmente, o número de campeonatos é ainda maior dado que quase todas as
do avanço quantitativo, as federações ainda enfrentam desafios em relação ao número
federações
de equipes organizam competições
participantes, duraçãoestaduais de futebolpatrocinadores
do campeonato, para mulheres adultas.
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duração para a participação
do campeonato, nas competições
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e entre outros. aos
Por
custos com deslocamento e estrutura para os jogos. Além disso, dependendo do sistema
exemplo, apenas seis federações possuem campeonatos com mais de oito equipes. Os
de disputa do campeonato, os times que não se classificam para as etapas finais partici-
timesdetambém
pam poucos enfrentam dificuldades
jogos gerando para a de
um problema participação nas competições devido aos
sustentabilidade.
custos com deslocamento e estrutura para os jogos. Além disso, dependendo do sistema
de disputa do campeonato, os times que não se classificam para as etapas finais participam
de poucos jogos gerando um problema de sustentabilidade.
Figura 5. Quantidade de equipes participantes dos campeonatos estaduais de futebol feminino no Brasil.
Fonte: Elaborado pela autora com base em dados disponíveis na internet referente aos anos de 2015/2016.
Figura 6. Estrutura dos clubes para o futebol praticado por mulheres. Fonte: Site oficial da Folha de São
Paulo.
Outro desafio enfrentado pelas mulheres no futebol diz respeito a ocupação dos cargos
de liderança nas equipes competitivas. O estudo realizado por Passero (2018) mostrou
que de 2013 a 2017 não houve aumento na participação das mulheres nos cargos de
comissão técnica no Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino, sendo que elas repre-
sentam aproximadamente 14% desses profissionais. Esse cenário chama a atenção de
A Copa do Mundo feminina de futebol deste ano quebrou alguns paradigmas ainda
existentes na modalidade. Tivemos recordes de audiência com mais de 30 milhões de
espectadores aqui no Brasil, bastante conteúdo na internet (podcasts, análises táticas
em blogs, tempo real dos jogos e etc), além de ter sido a primeira Copa a ter transmissão
em televisão aberta. Informação como nunca antes havia acontecido, que gerou espaços
de discussão e questionamentos acerca da organização atual do futebol feminino. Mas
por que começar falando sobre isso? São apenas pequenos dados que mostram uma
crescente na evolução do futebol feminino no mundo, com jogos cada vez mais compe-
titivos, aguçando o interesse do público, trazendo referências para meninas que sonham
em jogar futebol e novas expectativas.
Comissão Técnica
cional e Santos, seguidos por América MG, Atlético MG, Ceará, Chapecoense, Cruzeiro e
Grêmio que atualmente disputam a segunda divisão.
Pensando numa ordem de evolução até mesmo o ‘’mais próximo do ideal’’ apresenta
uma dificuldade de logística para as jogadoras e comissões técnicas, pois há a necessi-
dade de mais recursos humanos para melhor desenvolvimento do trabalho. Citaremos
alguns exemplos na sequência.
Quando pensamos na parte mais administrativa no âmbito feminino nos deparamos
que poucas são as equipes que contam com supervisores e coordenadores (geralmente
é um o outro), mas podemos citar o caso da Ferroviária de Araraquara com essa estrutura,
por exemplo. E por que pensamos que este é o caso ideal? Pois há diferentes campe-
onatos, muitas viagens e atletas que permanecem na mesma cidade, por não terem
sido relacionadas. Basicamente ambos poderiam dividir tarefas: acompanhar sempre as
meninas nos seus trajetos para a próxima partida, enquanto o outro já pensa no próximo
campeonato e oferece suporte de dentro do clube.
Perfil de treinadoras
Mulheres no comando de equipes no futebol brasileiro ainda são algo pouco habitual.
Levantando dados do Campeonato Brasileiro da série A1 percebe-se apenas a presença
de três delas: Emily Lima (Santos), Tatiele Silveira (Ferroviária) e Keila (Sport) no
total de 16 equipes. Até mesmo na série A2, que é composta por 36 equipes, o número
ainda é pequeno, totalizando apenas sete delas. Agora 6 se computarmos a demissão
de Ana Lúcia do Palmeiras.
Analisando a ‘’elite do futebol brasileiro’’, Emily Lima e Tatiele Silveira possuem li-
cenças da CBF: licença pró e licença A, respectivamente. E as similaridades não param por
aí: ambas também foram atletas, uma cara bem comum entre mulheres treinadoras no
futebol brasileiro, e acumulam passagens pela Seleção Brasileira de base (Tatiele atuou
como auxiliar técnica da sub 17 em 2016 e Emily Lima comandou a mesma categoria três
anos antes para disputar o Sul-Americano).
Tatiele Silveira advém da escola gaúcha de futebol, conhecida por seus grandes treina-
dores nas equipes masculinas (Renato Gaucho, Mano Menezes e Tite são por exemplos).
Em clubes foi comandante dos dois grandes times de Porto Alegre (Grêmio – 2009/2013
e Internacional – 2017/2018), além do Canoas do Rio Grande do Sul. Também acumula
em seu currículo passagem pelos Estados Unidos em Soccer Academys nos anos de 2014
e 2015.
Do outro lado, Emily tem sua carreira fora das quatro linhas iniciada em 2010 quando
foi supervisora e auxiliar técnica da Portuguesa. Passou pelo Juventus (2011) e São Cate-
ano (2012) como treinadora e após sua passagem na Seleção sub17, assumiu o São José
em 2014, até quem 2016 chegou na Seleção Brasileira principal, sendo a primeira mulher
a ocupar esse cargo, onde ao todo, foram 13 jogos, sendo sete vitórias, cinco derrotas e
um empate, totalizando em 56% de aproveitamento.
Mas as similaridades, para além das ideias de jogo que trataremos mais à frente,
terminam aí. No dia a dia da Ferroviária, Tatiele Silveira é mais ‘’professoral’’ e menos
intensa. Explica o treino em um quadro tático antes de toda sessão, de maneira didática,
instigando que suas atletas possam resolver os diversos problemas que o jogo trás con-
sigo. Em contrapartida, Emily é mais intensa, mais direta tanto no desdobramento das
sessões quanto na cobrança de suas atletas para obter objetivo daquilo que foi proposto.
Não leva quadro tático para o treino, mas também investe em soluções de problemas
através do jogo em sua metodologia.
São duas mulheres que respiram futebol cada uma a sua maneira, mas com muita
dedicação e organização. Utilizam-se de metodologias mais situacionais, com peque-
nos jogos que simulam recortes do jogo, com a ordem de progressão de complexidade.
Modelos Táticos
A verdade é que o Brasil sempre foi um manancial de talentos, mas nunca houve algo
organizado e sustentável. Por isso vemos outros países e novas forças a se destacarem
no futebol feminino porque executam esses “algos” organizados e sustentáveis. É o que
diz o Professor português Gustavo Pires: “são os resultados que dão origem aos projetos”
(NETO, 2019).
Contextualizando ainda o quão precário e iniciante é o futebol feminino nas terras
tupiniquins, segundo dados do relatório da FIFA, por aqui há um total de 15 mil mulheres
jogando futebol de maneira organizada (disputando campeonatos amadores ou profis-
sionais) e quando olhamos para a base, a situação brasileira fica ainda mais sofrível, com
apenas 475 jogadoras abaixo de 18 anos registradas nos clubes.
Antes de falarmos dos nossos modelos baseados em clubes brasileiros é interessante
ressaltar a diversidade de modelos de jogo presentes na Copa do Mundo desse ano, mar-
cada por equipes bem organizadas nos seus planos técnico-táticos, com características
semelhantes entre algumas equipes:
SANTOS
A equipe comanda por Emily Lima utiliza do ataque posicional como característica,
ou seja, a equipe se organiza para manter a posse de bola no campo ofensivo, distribuin-
do seus jogadores de forma a criar rupturas nas linhas defensivas adversárias e assim
progredir ao gol, sem abdicar da bola em seu domínio, e sem pressa para finalizar. Com
isso, tende a controlar os adversários em campo através da manutenção de mais posse
de bola, com volume ofensivo grande e algumas goleadas. A treinadora utiliza de dois
sistemas táticos que são muito similares, para atacar e defender. Organiza-se no 1433 e
defender na configuração do 14141:
Santos no 1433 em momento ofensivo, com um triangulo no meio e uma jogadora na base.
Distribuição espacial das jogadoras desde a base da jogada, com princípios estruturais de amplitude e
profundidade bem visíveis.
Santos saindo pelos corredores com apoios de lateral, meias e atacante de beirada.
Quando constrói por dentro, busca muitos apoios das meias-campistas, assim como
da referência frontal (centroavante) realizando movimentos de pivô (parede) tanto para
proteger a bola e temporizar a chegada do time à frente quanto para abrir espaços favo-
ráveis para infiltração tanto de jogadoras de meio como de beirada. Como ilustraremos
a seguir:
Glaúcia, centroavante da equipe, sai da profundidade para receber a bola e abre possibilidades de infiltra-
ção das atacantes de beiradas, que estão em amplitude esticando a última linha defensiva. Além da possi-
bilidade de gerar tabelas por dentro a fim de manter a posse de bola até o momento oportuno de avançar.
Outra possibilidade trabalhada pelas meninas do Santos sem que a estrutura seja alterada é a de infiltra-
ção no terço final por parte das meias. Mesma situação como na foto anterior, porém com outra dinâmica
tática de atuação.
A imagem de Maurine (lateral direita) alongando a linha para fazer pressão em quem
porta a bola mostra um padrão desta equipe: marcação setorizada, que permite perse-
guições (por vezes até mais longas) do lado da bola mesmo que o adversário saia um
pouco da zona respectiva. Existe a referência do espaço, assim como há encaixes na
tentativa de manter seu alvo pressionado, encurtando o espaço-tempo para suas ações
de ataque. Outra foto que ilustra essa dinâmica:
Lateral direita desgarra da linha pra encaixar, juntamente com a beirada do lado da bola.
Jogadoras em azul balançando para fechar espaços e linhas de passe da portadora da bola, enquanto
algumas encaixam no setor.
Movimentos que ilustramos acima casam com a intensidade exercida pelas Sereias
da Vila em seus jogos, na tentativa de recuperar a posse de bola o mais rápido possível,
além de evitar a progressão do adversário pelo campo, empurrando seus adversários
para os corredores laterais onde buscam gerar superioridade numérica.
Como a teoria ensina, os momentos do jogo precisam andar juntos: é necessário
saber defender quando se está atacando e também atacar quando se está defendendo.
Com isso, a cartilha ao perder a posse de bola caracteriza uma transição defensiva
com agressividade de quem perto e/ou está mais próximo do adversário com a bola no
pé, priorizando a recomposição da última linha de defesa. Quando a recuperação não
acontece de imediato, busca-se recompor as linhas e recomeçar.
Ao recuperar a posse, em transição ofensiva, não busca verticalizar demasiadamen-
te, principalmente nos setores mais próximos à própria baliza. O que vai de encontro à
ideia de manutenção da posse de bola em organização ofensiva. Obviamente que quanto
mais próximo ao gol mais verticalidade se dá a fim de tentar aproveitar a desorganização
ofensiva do adversário, já que se tem menos campo para chegar à meta oposta.
FERROVIÁRIA
Na cidade das laranjas, Araraquara, há similaridade de ideias: Tatiele também prioriza
a posse de posse, buscando constantes apoios dentro de campo, mas com sistemas tá-
ticos mais diversos, pois a treinadora não esconde que pensa de acordo com o próximo
adversário, a fim de direcionar seu melhor plantel. Em média distribui suas atletas no
1433 para atacar, formando duas linhas de quatro, no 1442 clássico para os momentos
sem a bola. Apontaremos aqui algumas diferenças de aplicabilidade de princípios em
relação ao Santos. A começar pela saída na zona de iniciação:
A saída da Ferroviária se caracteriza de maneira mais sustentada, com as zagueiras participativas, laterais
espetadas, mas sem a entrada da volante pra formar uma saída de três. Ora com uma ou até mesmo duas
na base.
Com a bola do lado oposto, as laterais tendem a fechar por dentro, diminuindo a
amplitude tanto na zona inicial quanto na de construção:
O mesmo acontece com as atacantes de beiradas, que costumam vir buscar a bola no
setor defensivo e também não guardam amplitude mais próximo do terço final. Observe:
O trio de ataque postado mais próximos do corredor central sem utilizar a amplitude nos dois lados do
campo.
Portadora da bola com pelo menos três opções de passe para dar continuidade ao ataque.
Duas linhas de quatro bem definidas, com prioridade pela referência no espaço em detrimento da bola.
Rafaela Mineira, destacada em amarela, acompanha a volante santista, fechando sua linha de passe para
quem está com a bola.
Em linhas mais altas, sua marcação, assim como a do Santos, se caracteriza numa
espécie de mista, pois há tanto encaixes mais individualizados como também há vigi-
lâncias do espaço:
Em azul temos a beirada oposta balança fechado por dentro e volante vigia o corredor central.
REFERÊNCIAS
Referências
MERCADO DE EQUIPAMENTOS E
TRABALHO SOFTWARES
REFERÊNCIAS
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