Um Olhar Sociologico Sobre A Criança e o Brincar
Um Olhar Sociologico Sobre A Criança e o Brincar
Um Olhar Sociologico Sobre A Criança e o Brincar
REITOR
Ângela Maria Paiva Cruz
VICE-REITORA
Maria de Fátima Freire Melo Ximenes
DIRETOR DA EDUFRN
Herculano Ricardo Campos
EDITOR DA EDUFRN
Helton Rubiano de Macedo
ORGANIZADOR DA COLEÇÃO
Márcio Moraes Valença
O livro traz imagens dos Artistas Dalvan da Silva e Ivan Cruz com adaptações de Luana M.
Pamplona; na introdução, a imagem foi retirada da obra do Pequeno Príncipe com
adaptação de Luana N. Pamplona.
ISBN 978-85-7273-816-3
CDD 301
RN/UF/BCZM 2011/46 CDU 316:688-053.2
Dedico este texto a Geraldo,
meu eterno amor e companheiro,
e às minhas filhas adoradas,
Vitória e Carol.
_agradecimentos
Minha chegada ao Departamento de Ciências Sociais da UFRN, e
posteriormente ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais,
pautou-se em laços de amizade e afetividade estreitados e ampliados
durante a caminhada do mestrado.
Foram muitas as pessoas que conheci e convivi durante esse
período, e depois da defesa da dissertação em fevereiro de 2010, foram
muitos os esforços para conseguir materializar o desejo de transformar esse
texto em um livro. Mas valeu a pena, pois aqui está o fruto da minha
pesquisa.
A Universidade Federal do Rio Grande do Norte teve um papel
decisivo na minha formação, bem como os professores com os quais convivi
durante o mestrado, dentre eles: Lore Fortes, minha orientadora; José
Willington Germano, Maria da Conceição Xavier de Almeida, Edgard de
Assis Carvalho, Moisés Alberto Calle Aguirre, meu sincero agradecimento,
respeito, carinho e admiração.
O programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da UFRN
proporcionou-me condições para desenvolver a pesquisa do mestrado.
Agradeço ao Coordenador Professor Doutor Orivaldo Pimentel Junior; ao
Diretor do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Professor Doutor
Márcio Valença e à Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
pelo empenho e dedicação na publicação deste livro.
Agradeço às crianças da Escola Municipal Professor Ulisses de
Góes, que permitiram que eu entrasse em seu mundo e realizasse a pesquisa
relatada neste livro, à direção, ao corpo docente e administrativo, que
colaboraram e me acolheram, permitindo minha permanência na escola.
Mas como uma andorinha sozinha não faz verão, comigo não foi
diferente; fiz amigos ao longo desse percurso. Amigos que, além de
apostarem no conhecimento científico, valorizam os laços, os afetos e que
em muitos momentos fizeram a diferença, a eles agradeço de coração,
dentre eles: Lenina Lopes Soares da Silva, minha leitora incansável, sempre
disposta a ler e discutir meus escritos, num ato de amor e doação para o
qual não encontro palavras suficientes para descrever e agradecer, autora
da apresentação deste livro, redigido com delicadeza e seriedade. À minha
alma gêmea Rejane Guedes Pedrosa, que, nos momentos mais sombrios e
difíceis, me estendeu a mão e me apoiou de forma incondicional, E em
parceria com Lore Fortes, orientadora da dissertação, construíram o
prefácio poético que abre esse livro. À Professora Doutora Dalcy da Silva
Cruz, que leu meus escritos desde a pré-qualificação, sugerindo, opinando e
ampliando o meu olhar para a pesquisa e que escreveu as orelhas desse
livro de forma magnífica e carinhosa. À professora Altamira Medeiros, pelo
cuidado e carinho despendidos na correção ortográfica; e Luana Pamplona,
responsável pela lapidação das imagens que apresentam este livro.
Os laços afetivos não estão presentes apenas na minha vida
acadêmica eles estruturam minha vida desde a infância, por isso agradeço à
minha família querida, Hilda, minha mãe, Miguel, meu pai (in memorium),
que me ensinaram desde cedo o valor da família, do amor, do apoio
incondicional. E que mesmo à distância acompanharam meu percurso e
vibraram com as minhas conquistas desde o processo seletivo até a
finalização do mestrado.
A todos o meu sincero muito obrigada!!
Natal, junho/2011
_nota em staccato
Na contemporaneidade a tecno-ciência e o processo tecnológico do
desenvolvimento comunicacional, fez o mundo se ligar em rede. No
entanto, o indivíduo nunca se sentiu tão isolado e tão solitário como hoje.
Sua preocupação não é mais com o outro, com a diversão, com as
brincadeiras. Sua atenção está voltada para os acontecimentos que
ocorrem no planeta em velocidade de relâmpago. Os contatos humanos e as
diversões ficam restritas aos instrumentos tecnológicos. A educação de um
modo geral e a escola fundamental, em particular também vai seguindo o
ritmo acelerado dos tempos atuais.
O livro de Mércia – UM OLHAR SOCIOLOGICO SOBRE O BRINCAR
– é sem dúvida, uma demonstração do educador consciente do seu papel de
formador de sujeitos históricos. Ele trás à tona um tema quase tabu hoje,
que é o valor das brincadeiras e das tradições que estão sendo colocadas à
margem das atividades recreativas. No entanto, Mércia fazendo um passeio
pela história, busca compreender o tratamento dado à criança e ao brincar
desde tempos imemoriais à contemporaneidade. Embora não tenha
encontrado uma resposta mais consistente para suas indagações sobre o
valor das brincadeiras que poderiam ser uma via à afetividade e um olhar
sensível para o mundo, sua crença em uma educação melhor e mais
humana, continua de pé. Para a pesquisadora o brincar é uma “atividade-
necessidade humana” que deve ser concebida desde a família, passando
pela escola, se expandindo por toda a existência humana.
Com uma pesquisa realizada na Escola Municipal Prof. Ulisses de
Góes localizada em Nova Descoberta, Mércia produziu um livro
amplamente ilustrado com pinturas sobre o brincar que trouxe leveza,
visibilidade, multiplicidade e consistência ao tema, adjetivos tão caros ao
escritor Ítalo Calvino, que certamente só vem contribuir e enriquecer as
discussões já em curso do valor do brincar reforçando a crença de muitos
pensadores preocupados com a atividade lúdica. Infelizmente, naquela
escola a professora-pesquisadora encontrou pouco entusiasmo sobre o
brincar e seu valor como via de aprendizagem. Teve, muitas vezes, a
impressão de que a brincadeira é secundária em relação aos aspectos
cognitivos. Embora exista em alguns professores a compreensão de sua
necessidade, o brincar não se constitui ainda em um “norteador da prática
desse grupo”. A escola não oferece condições adequadas para que o brincar
assuma seu papel de formador do sujeito. Tanto que o discurso dos
professores não se coaduna com a prática, embora para os alunos o brincar
desperte um grande interesse mesmo em um ambiente e materiais
precários como os existentes na escola. A resposta dos alunos quanto ao seu
valor, foi de 100% a favor das brincadeiras. No entanto, elas só são
praticadas nas aulas de Educação Física e no Recreio. Dessa perspectiva, é
uma atividade que não se constitui em um recurso que faça parte da
aprendizagem.
Se o ato de brincar é tão importante para a formação do sujeito, o
presente livro vem trazer uma contribuição incalculável a professores, pais e
àqueles que acreditam no valor das brincadeiras, pois elas não se
restringem somente à escola, mas para isso é preciso que os educadores
também assim o entendam.
Esta é uma preocupação que remonta ao século XIX com Marx que
já se indagava: quem educada o educador. Hoje o filósofo e também
educador Rubem Alves fala da educação “dos educadores” e sugere que a
literatura e a poesia são instrumentos mágicos para formar bons
educadores. Nesse cenário imagina que educadores seriam fascinantes se
fossem: poeta, feiticeiro, artista e educador projetador da beleza. Eles
poderiam ser ainda o jardineiro, o mestre zen, o semeador do futuro e
companheiro de brinquedos. Na verdade o que ele imagina é um sonho,
uma utopia, mas por que não sonhar. A criança sonha sempre e para ela o
“objetivo da vida é ser criança”.
Lore Fortes
Doutora em Sociologia/UnB
139 listas
_introdução
018
Um olhar sociológico sobre a criança e o brincar
019
A infância nos remete a recordações de tempos em que o convívio
familiar e o início da fase escolar deixam marcas, lembram histórias,
pessoas e lugares envoltos em fantasias, sentimentos saudosos e
qualquer custo. Dessa forma, há crianças que já não querem mais fazer de
conta, que não têm tempo para entrar em outro tempo, o tempo do brincar,
do elaborar, do buscar sentido para suas descobertas, do conhecer-se,
Um olhar sociológico sobre a criança e o brincar
021
corrobora afirmando:
[...] o brincar é um dos pilares da constituição de
culturas da infância, compreendidas como
023
dentre os quais: Benjamin (1984), Huizinga (2004), Korzacsk (1989),
Morshida (1993), Fernandèz (2001), Winnicott (1975), Maturana (2004),
entre outros.
025
apenas uma estratégia na investigação, “mas um método em si mesmo,
para compreensão da realidade”. (MINAYO, 1999, p. 134-135).
Definimos observação participante como um
027
PROFESSOR ULISSES DE GÓES
NOTA
1
Ressalto a diferença que aparece na grafia da palavra “Góes”, na fachada da escola aparece “Goís”, na
placa de ampliação e registros da escola aparece “Góes”.
_capítulo 01
031
CONTEMPORANEIDADE
Numa viagem no tempo, remontarei a história da humanidade e a
evolução do hominídeo. Segundo Cambi (1999), de 5 milhões a 1 milhão
033
uma civilização que deixou aprendizados significativos. Estou me referindo
à Grécia, denominada o berço da civilização, com representantes
importantes, como Sócrates, Aristóteles e Platão. A educação dessa época
035
separação entre a igreja católica e o Estado, e a burguesia se consolida. Na
modernidade, a família e a escola são redefinidas e reorganizadas,
ocupando espaços cada vez mais centrais na formação dos indivíduos. A
037
1778), iluminista quem primeiro a colocou a temática infância no centro da
educação. É a partir de Rousseau que se começa a desconstruir a ideia da
criança ser um adulto em miniatura. Para esse pensador, a criança vive um
039
dedicou-se às crianças deficientes e posteriormente às crianças “normais”.
O método desenvolvido por Montessori propunha despertar na criança,
através de estímulo, a promoção da autoeducação e utilizava um
1939) desenvolveu seu pensamento numa base experimental, uma vez que
suas experiências educativas foram concretas, oriundas do contato com
meninos abandonados que precisavam ser socializados dentro destes
Um olhar sociológico sobre a criança e o brincar
041
escola e o meio social, de forma a concluir que não
existe uma educação ideal, só uma educação de
classes. Daí sua opção pela classe trabalhadora e a
necessidade de tentar uma experiência renovadora de
043
dos adultos, mas não eram consideradas suas características próprias,
assemelhando-as a adultos em miniatura. Com a instauração de uma nova
ordem política, social e econômica, movida por diversos fatores, como o
045
influenciaram a educação no país e continuam a ser lidos e estudados, pois
trazem contribuições e ideias significativas. No Brasil os avanços
começaram a partir das teorias da Escola Nova, pois praticamente até o
Outro brasileiro que precisa ser lembrado e que tem sua obra
reconhecida em muitos países é Paulo Freire (1924-1998). Considerado o
maior educador deste século, contribuiu muito para a alfabetização de
046
047
pelos infantes. Em seguida, discutirei as interfaces da cultura e da infância,
bem como as mudanças decorrentes da modernidade.
049
ingresso de levas de imigrantes no país que, além da
miscigenação étnica e a aquisição de hábitos e
costumes diferentes, muitas brincadeiras,
principalmente as cantigas de rodas, as adivinhas, as
051
ressignificada e renovada. No entanto, o universo adulto pouco valoriza ou
considera os elementos que constituem a infância, interpretando de forma
dúbia as falas infantis impregnadas de inocência, mas que são ouvidas e
Numa época em que tudo precisa ser feito rápido, o tempo para
imaginar, para fantasiar, para ser criança escorre entre os dedos e perde-se
dentro de uma sociedade consumista e veloz, que não permite o ócio, que
coloca a brincadeira em segundo plano, que privilegia o cognitivo voltado
para os conteúdos, em detrimento das ações corporais, e desconsidera as
atitudes ligadas ao sensível.
A modernidade trouxe muitos benefícios e facilidades, isto é fato,
mas também expôs a fragilidade dessa nova geração. Atualmente
problemas como: estresse, distúrbios nervosos, LER (lesão por esforço
repetido), obesidade, dentre outros, geralmente surgidos na fase adulta
atingem também as crianças, deixando marcas indeléveis na sua
estruturação e desenvolvimento. Para este quadro, tenho algumas teorias e
respostas que podem auxiliar na compreensão da infância na
contemporaneidade.
Suspender o tempo e brincar é hoje um ato de
extremo desafio que as crianças tem de enfrentar
frente à avassaladora rede de aparelhos virtuais que
invadem sua vida, anestesiando seus movimentos
corporais e seu pensamento. (MEIRA, 2003, p. 75).
053
cadeia, como fica a brincadeira? Como reage esse corpo privado de
experiências motoras, recolhido e confinado na cadeira, no sofá? Talvez isso
sinalize respostas para o surgimento de novos problemas que são
Talvez ainda não exista espaço para esse corpo na escola a não ser
como mero espectador. Infelizmente ainda impera a ideia de que o silêncio e a
imobilidade são condições indispensáveis para se apreender algum
conteúdo. Entendo que em determinados momentos é preciso parar, silenciar,
mas me refiro a isso como prática diária, já cristalizada nas escolas.
E assim brincar, simbolizar e jogar são vivenciados na maioria das
vezes apenas no momento do recreio. Não obstante a generalização que
aqui descrevo, reconheço que existem algumas escolas que diferem desse
todo, ou seja, reconhecem e valorizam esse corpo, permitem e incentivam a
brincadeira. No entanto, isso não resolve a questão, pois há uma exigência
por parte da sociedade para que a brincadeira e o lúdico sejam colocados
em segundo plano. Construiu-se uma cultura de que a escola é lugar de
coisa séria, e neste espaço dito sério, não deve haver espaço para brincar,
fantasiar, jogar e sorrir. E segundo Meira,
a referência ao que falta, ou a um passado que
confronte o sujeito com a dimensão da falta se apaga,
hoje. O ''moderno'' é não ter a história como
referência, prescindir do outro, ser autônomo,
artificializado em meio a um emaranhado sem fim de
objetos sem nenhuma utilidade a não ser a de
sustentar a ilusão de uma completude impossível.
(MEIRA, 2003, p. 76. Grifo do autor).
Esta constatação faz com que novos questionamentos emerjam,
054
pois acredito que toda aprendizagem é corporal e cognitiva, e por isso como
separar, como hierarquizar, como atribuir maior importância a uma ou a
outra? Não seria mais prudente e inteligente encontrar um equilíbrio para
Um olhar sociológico sobre a criança e o brincar
055
diferentes autores em diferentes contextos, como uma tentativa de tornar
relevante a temática em estudo.
A cultura, como já enfatizei, se manifesta na infância através de
Outro autor que pode ser citado é Janusz Korczak. Pediatra, autor
infantil e pedagogo judeu-polonês tratou de temas relacionados à infância
com muita propriedade e atenção. No livro Quando eu voltar a ser criança
(1989), descreve as sensações, emoções e conflitos vividos por ele, numa
volta à infância.
Cheguei a perguntar um dia:
- Mãe, fita vermelha fica melhor num cachorrinho ou
num gato?
E ela disse:
- Você rasgou a calça outra vez.
Ao papai perguntei:
- Todo velhinho precisa de um banquinho embaixo
dos pés, quando fica sentado?
Papai disse:
- Todo aluno deve tirar boas notas, e não deve ficar de
castigo.
Então deixei de perguntar. Passei a deduzir as coisas
sozinho. (KORCZAK, 1989, p. 14).
057
os líderes governantes da cidade e da igreja da época, sugerindo que eles
não trabalhavam de forma adequada.
Figura 6: Meninas pulando corda. Orlando Teruz, 1971, óleo sobre tela
(92 x 73) In: MIGUEZ, Fátima. Brasil-menino.
Ilustrações Pedro Rafael. São Paulo: DCL, 2005, p. 39
estão presentes desde muito cedo nas suas vidas, como na canção de ninar
“Boi da Cara Preta”, que diz assim: “Boi, boi, boi, boi da cara preta, pega
esse menino que tem medo de careta...” Talvez seja difícil encontrar uma
Um olhar sociológico sobre a criança e o brincar
mãe ou um pai que nunca cantou essa música para o seu filho dormir. O
saci-pererê, a mula-sem-cabeça, o boitatá, a cuca, o papa-figo, o boto cor
de rosa, o curupira, dentre tantos outros personagens presentes nas lendas,
fazem parte da infância. Apresentados por histórias, contadas e recontadas
inúmeras vezes, mas que são ouvidas com a mesma atenção e empolgação,
como se fosse a primeira vez. E nesse universo mágico e encantado, as
crianças crescem, descobrem as verdades sobre algumas lendas, mas
mesmo assim continuam acreditando, adorando e/ou temendo seus
personagens, mantendo-se nutridas pela imaginação que permite viagens
inesquecíveis e maravilhosas.
065
apresentados se referem a isso. Seria possível mesmo listar todas as
brincadeiras? Penso que não, porque as crianças inventam e ressignificam
as brincadeiras diariamente e, portanto, conseguir listá-las se torna uma
Figura 14: Crianças na Praça. Dalvan da Silva Filho, 2002, acrílica sobre
chapa de fibra de eucalipto (40 x 60 cm). Coleção Lucien Finkelstein.
In: MIGUEZ, Fátima. Brasil-menino.
Ilustrações Pedro Rafael. São Paulo: DCL, 2005, p. 43.
067
ao céu. (PRIORE, 2008, p. 254. Grifo do autor).
OS ESPAÇOS-TEMPOS DO BRINCAR
NO PROCESSO EDUCATIVO FORMAL:
CONCEITO E IMPORTÂNCIA
070
Um olhar sociológico sobre a criança e o brincar
"Brincar com crianças não é perder tempo, é ganhá-lo; se é triste ver meninos
sem escola, mais triste ainda é vê-los sentados enfileirados em salas sem ar, com
exercícios estéreis, sem valor para a formação do homem."
(Carlos Drummond de Andrade)
2 OS ESPAÇOS-TEMPOS DO BRINCAR NO PROCESSO EDUCATIVO
071
FORMAL: CONCEITO E IMPORTÂNCIA
No ato de brincar se apresentam processos subjetivos, nos quais
situações impossíveis são viabilizadas pelo imaginário. Brincando, a
073
espaço social da criança se reduz a pequenos agrupamentos, como a casa
da família e a escola, lugares de referência com importância significativa,
pois são nesses espaços que são construídas as lembranças da infância. As
075
pelas crianças, e cresce assustadoramente a cada ano. Para elas, são
criados novos e diferentes artigos – jogos, calçados, games, roupas,
mochilas, material escolar etc – nos quais os mais diversos apelos são
Tabela1: População por Salários Mínimos, Bairro Nova Descoberta Natal/RN, 2000
Fonte: IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Censo Demográfico 2000.
077
mercado nunca funcionou e a escola permaneceu neste local. Nessa época,
o então prefeito Djalma Maranhão e o secretário de educação Moacir de
Góes, preocupados com o índice de analfabetismo, e interessados em
079
concretizar; para isso é necessário reunir pessoas que desejem e lutem por
ele. A educação tem realmente a capacidade de modificar não apenas a vida
das pessoas, mas o destino de um lugar, reescrever um novo final, plantar
081
dificulta novas formações para algumas atividades, principalmente as
corporais. Esse novo modelo de carteira dificulta que as mesmas sejam
empilhadas, para que dessa forma possa se ter algum espaço livre.
transformava uma simples tampa plástica em algo que ganhava vida e sentido.
Em todas as situações que observei o desenvolvimento desta atividade fiquei
encantada, não apenas com a criatividade das crianças, mas com a da
Um olhar sociológico sobre a criança e o brincar
diversas vezes ao parque, mas o que observei é que da mesma forma que a
quadra, esse espaço é pouco utilizado pelas crianças; então, quando surge a
oportunidade eles querem usar e aí não respeitam a vez nem a vontade do
Um olhar sociológico sobre a criança e o brincar
089
interdição do parque, acredito que por conta das chuvas, intensas nesse
ano, aconteceu a deterioração da casinha de madeira, ameaçando desabar
e isso poderia causar acidentes. No entanto, algumas crianças ignoravam a
Fìsica – quadra, pátio, sala e parque – penso que um espaço que também
poderia ser utilizado seria o refeitório. Brincar na cozinha pode ser uma
atividade prazerosa e interessante. O refeitório pode atender perfeitamente
Um olhar sociológico sobre a criança e o brincar
091
respeito pelo aluno, mas exige ser bem tratado. E como diz Paulo Freire:
“Não se pode falar de educação sem amor,” porque educar é um ato de
amor, é uma troca.
093
procurando, e, para minha surpresa e satisfação, num determinado
momento a professora convidou os alunos para brincar de céu e mar, não
sendo preciso chamar duas vezes, pois mais do que depressa já estavam
095
pensar dinâmico, dialético. O tempo que levamos
dizendo que para haver alegria na escola é preciso
mudar radicalmente o mundo é o tempo que
perdemos para começar a inventar e a viver a alegria.
C EDUCAÇÃO FÍSICA
PSICOPEDAGOGIA
D PEDAGOGA
E LICENCIATURA ESTUDOS SOCIAIS E HISTÓRIA
F PEDAGOGA
G PEDAGOGA
H GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
J LETRAS
M PEDAGOGA
N PEDAGOGA
O PÓS-GRADUAÇÃO
P NORMAL SUPERIOR
101
pela ausência de carinho. Tais fatos estão presentes em suas obras e
principalmente no livro autobiográfico Infância (1977), no qual ele descreve
de forma áspera e seca – uma das suas marcas – a sua infância, a escola, a
PERGUNTA:
PROFESSORES
02. Na sua prática pedagógica existe espaço para o brincar? Por quê?
social da criança.
Sim, porque toda criança precisa viver a sua infância, é uma
G
necessidade do organismo.
Nem sempre, porque existe na escola disciplinas que
H oportunizam estes momentos, porém no decorrer das aulas
quando eles se mostram cansados de alguma atividade,
brincamos um momento com o objetivo de relaxar.
Sim, porque é através da brincadeira que a criança desenvolve
potencialidades, ela compara, analisa, nomeia, mede, associa,
calcula, classifica, compõe, conceitua, cria, deduz etc. Sua
racionalidade se desenvolve, ela faz amigos, aprende a
I compartilhar e a respeitar o direito dos outros e as normas
estabelecidas pelo grupo, e a envolver-se nas atividades apenas
pelo prazer de participar, sem virar recompensas, nem temer
castigos. Brincando, a criança estará buscando sentido para sua
vida, sua saúde física, emocional e intelectual.
J Sim, através do brincar a criança aprende melhor se divertindo,
socializa e proporciona o prazer à criança.
Sim. Pois trabalho com crianças com total potencial e
K necessidades de explorar e descobrir o mundo que vive, suas
fantasias e sonhos. E o brincar potencializa isso acontecer.
Nas minhas aulas busco sempre fazer do brincar a arte de
L entender e compreender as atividades.
M Sim. Pois na medida em que se brinca, também há aprendizado.
Sim, porque a brincadeira faz parte de sua vida infantil,
N principalmente no brincar-aprender-construir.
De acordo com as possibilidades que diante a realidade existe.
O Porque o brincar é a hora do prazer, descontração, alegria, estes
momentos não podem faltar em sala de aula.
Na minha prática, e considerando vários fatores, eu procuro
P desenvolver atividades lúdicas em minhas aulas.
103
satisfatoriamente”; “semanalmente temos o momento dos jogos educativos,
com material disponibilizado pela escola ou trazido de casa; toda criança
precisa viver sua infância, é uma necessidade do organismo”; “existem
PERGUNTA:
PROFESSORES 03. Você acredita que exista alguma relação entre o brincar
Um olhar sociológico sobre a criança e o brincar
105
sobre a relação entre o brincar e o fracasso escolar; apareceram algumas
divergências, que merecem ser discutidas. Retratarei esse cenário, em
primeiro lugar, por meio de percentagem. Em números relativos, 19% dos
PERGUNTA:
04. Você percebe o brincar como um dos aspectos norteadores na busca
PROFESSORES
por uma aprendizagem significativa, bem como faz uso dele (o brincar)
na sua prática diária? Como? Descreva:
109
buscamos trabalhar a interdisciplinaridade com os professores da sala de
aula”, esta é a resposta da professora de Educação Física, que vislumbra no
brincar a possibilidade de trabalhar de forma integrada com os professores
da sala. O que se observa mais uma vez é a dicotomia, ou seja, na sala, são
111
prática, existem disciplinas para isso, porém acredito que quando algum
conteúdo se torna complicado para o entendimento das crianças, voltar
com ele em forma de brincadeira é uma ideia muito boa, porém não é minha
113
chegada dos americanos à França, Snyders foi preso e deportado. Este
acontecimento marcou sua vida, pois tudo ia bem e de repente veio a
humilhação, a infelicidade, a miséria, a fome. Esta situação fez com que
trabalhar com o brincar. O que seria necessário para se criar esse clima?
Mais espaço na sala de aula? Mais tempo na rotina diária? Outro olhar sobre
o brincar e tudo o que ele envolve? Não tenho uma resposta fechada, mas
Um olhar sociológico sobre a criança e o brincar
115
porém, em alguns momentos, esquecem-se que esta autonomia não pode
ser confundida com arbitrariedade. Um espaço escolar público ou privado,
grande ou pequeno, recebe alunos que precisam se encantar e desejar
Posso afirmar que foi mais do que uma entrevista, pois dialoguei
com os atores principais da pesquisa, e percebi como eles estavam se
sentindo importantes. Alguns tímidos, outros mais falantes, mas todos
demonstravam prazer em responder às perguntas.
Realizei as entrevistas em duas manhãs e posteriormente fiz a
transcrição das respostas. Como resultado apresento duas tabelas, uma que
contempla aspectos sociais da vida das crianças e outra que informa as
respostas dos alunos para as perguntas a respeito do brincar na escola.
Tabela 3: Aspectos sociais das crianças entrevistadas da Escola Municipal
117
Professor Ulisses de Góes, Natal/RN, 2009
Com quem as crianças residem? Percentagem (%)
Pais 20%
119
Escola Municipal Professor Ulisses de Góes, Natal/RN, 2009.
Você gosta de brincar na escola? %
Sim 100%
Não 0%
Elaboração própria com base nas entrevistas realizadas com 41 crianças no mês de Agosto/2009.
Para todas as crianças segui o mesmo ritual, cumprimentei,
120
121
através de quadros alegres que divertem crianças e adultos. Pinta as
brincadeiras da sua infância vivida no subúrbio carioca, na rua como muitas
crianças. Para o artista, “a criança que não brinca não é feliz, ao adulto que
125
hora do recreio, isto não bate com o que presenciei, uma vez que elas são as
responsáveis pelas brincadeiras e que não contam com a presença ou o
apoio dos professores para auxiliá-las em alguma questão ou problema.
que esse portão seja abolido, mas que o parque seja preservado, não
sofrendo danificações por parte dos alunos e/ou estranhos.
Gostaria também de sugerir um rodízio das turmas para a
Um olhar sociológico sobre a criança e o brincar
127
surpreendido com respostas prontas às questões que ainda serão feitas e
nesse encontro ou desencontro, ele precisa novamente reencontrar seu
caminho, sua pesquisa, não com um olhar distante, mas como parte dela,
2
O questionário foi aplicado aos professores da Escola Municipal Professor Ulisses de Góes, entre os meses
de julho e agosto de 2008 e 2009.
3
Realizada no dia 08 de agosto de 1990, por Lourdes Stamato De Camillis, mestra em Filosofia da Educação
pela Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP, artista plástica e técnica da Gerência de Atualização
Um olhar sociológico sobre a criança e o brincar
Profissional; traduzida por Elvira Cristina de Azevedo Souza Lima e publicada pela Série Ideias n. 11. São
Paulo: FDE, 1991, Páginas: 159-164.
_conclusão
Um olhar sociológico sobre a criança e o brincar 130
CONCLUSÃO
131
Por diversas vezes, quando me referi ao tema deste livro, fui
indagada sobre a importância e/ou relevância do assunto, ou então não
recebi a devida atenção ou empatia para expor meus argumentos e
sucesso para seus filhos. “De modo geral, o que se observa na nossa
sociedade, com relação à criança, é a impossibilidade de vivência do
presente, em nome da preparação para um futuro que não lhe pertence.”
(MARCELLINO, 1990, p. 57). O lúdico e o brinquedo são importantes,
relevantes, necessários e precisam estar presentes durante a infância, como
quesitos inquestionáveis na construção e formação dos homens.
O brincar no contexto escolar é visto às vezes como tempo perdido,
como coisa não séria, mas, ao contrário trata-se de algo muito sério, que
estrutura o desenvolvimento e crescimento das crianças, que estabelece e
fortalece relações, vínculos, mas ainda sem a atenção adequada da escola e
da sociedade.
Penso que pobreza de linguagem e imaginação estão diretamente
ligadas à pobreza de experiência de vida humana, e, nela, a restrição do
lúdico. A criança que brinca em liberdade, podendo decidir sobre o uso de
seus recursos cognitivos para resolver os problemas que surgem no
brinquedo, sem dúvida alguma chegará ao pensamento lógico de que
necessita para aprender a ler, escrever e contar.
Acredito que as escolas necessitam valorizar e assegurar tempo e
espaço para o brincar no contexto escolar, percebendo sua importância e
relevância. No brincar, a criança estabelece e vive relações, cria regras, se
estrutura, reconhece o outro, enfim, começa a se colocar no mundo. A
diminuição do brincar no universo infantil cerceia o direito de acesso a esse
componente que é uma atividade/necessidade humana, contribuindo para
a sua formação.
Com a pesquisa, pude concluir que, na perspectiva das crianças, a
escola permite que elas brinquem, mas que seria interessante ter mais
tempo para brincar na escola. Observei também alguns equívocos por parte
dos professores sobre o brincar, bem como um discurso que não se reflete na
prática.
Percebo assim a necessidade de espaços e tempos para o brincar
na escola, bem como uma mudança de postura da comunidade escolar
diante desta atividade/necessidade humana, reconhecendo seu valor e
importância no desenvolvimento das crianças.
Talvez como desdobramento futuro, partindo deste estudo,
133
pensaria na qualificação dos professores, ou melhor, na reciclagem deles.
Observei que muitos se formaram há muitos anos e desde então se
afastaram dos estudos. Este aspecto reflete-se na sua prática, que
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RIO G. DO NORTE, Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo -
141
Quadro 1 - Questionário aplicado aos professores da Escola Municipal
Professor Ulisses de Góes 94
Quadro 2 - Informações sobre a formação dos professores que
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - População por Salários Mínimos, Nova Descoberta Natal,RN 74
Tabela 2 - Distribuição dos professores, por idade, tempo e tipo de
formação da Escola Municipal Professor Ulisses de Góes. 95
Tabela 3 - Aspectos sociais das crianças entrevistadas da Escola
Municipal Professor Ulisses de Góes, Natal/RN, 2009 115
Tabela 4 - Respostas das crianças entrevistadas a respeito do brincar da
Escola Municipal Professor Ulisses de Góes, Natal/RN, 2009 117