Qual o Papel Da Literatura Infanto-Juvenil PDF
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1. Introdução
É impossível falar de literatura infantil e juvenil hoje sem mencionar o que ela já foi.
Na cultura oral de vários povos, temos diversos trabalhos voltados para a construção de
valores morais. O mais antigo exemplo talvez seja a fábula. A fábula que nos interessa,
segundo o E-dicionário de termos literários Carlos Ceia, é definida como “Pequena
composição de forma poética ou prosaica em quase narra um facto alegórico, cuja verdade
moral se esconde sob o véu da ficção e na qual de fazem intervir as pessoas, os animais
irracionais personificados(...)”. Na fábula, estão presentes animais dotados de atributos
humanos, personificando o homem.
No início, as fábulas não tinham um público específico. Sua estrutura foi sendo
aprimorada ao longo dos séculos, os mais conhecidos nomes relacionados a fábula sendo
Esopo, Fedro e La Fontaine. Eram estórias que tinham intenção moralizadora, introduzida
dentro da fábula e às vezes por algumas linhas ao fim da estória. No caso de A galinha dos
ovos de ouro de La Fontaine, a moral é introduzida no começo e retomada ao fim, com o texto
em forma de poesia. O narrador é em primeira pessoa e onisciente, como alguém que está a
contar uma história. Dessa maneira temos a voz de quem conta e que quer passar uma moral.
Como vimos, a fábula não se destinava especificamente às crianças. Entretanto, Platão
já considerava as fábulas importantes para as crianças ao exaltar Esopo, e La Fontaine já
chamava a atenção para a maneira que a fábula opera utilizando-se do público infantil como
exemplo:
“Diga a uma criança que Crasso, indo contra os partas, enveredou pela terra
deles sem saber como de lá sairia; e que isso o fez perecer, a ele e a seu
exército, por mais esforço que fizesse para se retirar. Diga à mesma criança
que a Raposa e o Bode desceram ao fundo de um poço para aí matar a sede;
que a Raposa saiu depois de usar à guisa de escada os ombros e os chifres de
seu companheiro; ao contrário, o Bode ficou no fundo do poço por não ter
sido tão previdente;(...)”
2.2 A poesia
Como já dito, Olavo Bilac teve grande preocupação com a formação das crianças
através da literatura. Na sua poesia, podemos encontrar temas como a preocupação com a
pátria/casa, o bom comportamento e o mau comportamento, entre outros, em poemas cuja voz
predominante é a adulta, que se mostra portadora do saber e centrada em valores que devem
ser passados para a criança. Apesar de seu trabalho e cuidado com a forma em seus poemas, a
maneira pela qual o poema lida com a criança é distante, sem atrativos.
Na poesia de Vinícios de Moraes voltada ao público infantil encontramos um trabalho
diferente. Nela também temos o trabalho com a forma e com o ritmo. Porém, os poemas são
lúdicos, têm um olhar primitivo, voltado para o estético e não totalmente para o conteúdo.
Podemos ver isso em seus poemas presentes em A arca de Noé.
Voltando para o tema da imagem, podemos dizer que a poesia é imagem, pois é tanto
verbal como visual. A imagem, nesse caso, é referente à forma verbal (metáfora, símiles,
comparação, jogo de palavras, etc.) e o seu objetivo é promover relações analógicas e
singulares.
Dessa maneira, em um poema como O tempo de Olavo Bilac, temos a construção de
um sentido para o Tempo, cuja imagem é construída no poema com as características de um
Deus. Já no poema O relógio de Vinícios de Moraes, temos o relógio, cansado, abatido pelo
correr das horas. A imagem que temos dele é do cansaço, da monotonia, um trabalhador que
apenas marca a passagem do tempo.
Fazendo uma análise paralela desses dois poemas, podemos perceber a forma diferente
pela qual os dois autores trabalham com a temática do tempo. Na questão da forma, Bilac
construiu versos longos que reforçam o absoluto do tempo e sua força avassaladora. Já
Vinícios trabalha com a velocidade do tempo que é marcado pelo correr dos segundos, e o
fato do Relógio ter voz joga a criança para o mundo da fantasia, onde o inanimado se torna
animado. Isso mostra um contato muito maior com a criança do que o poema de Bilac, pois ao
contrário de O Tempo, a linguagem aponta para ela mesma, com a presença do tic-tac, uma
onomatopeia para o som do relógio. Essas manifestações, em conjunto, aproximam o sujeito
do poema do sujeito leitor: é a voz infantil que fala no poema, ao contrário do que ocorre no
poema de Bilac.
3. Conclusão: A literatura
Depois da análise de vários livros e poesias ao longo do curso, sendo que neste
trabalho estão descritos apenas alguns deles, há um ponto que necessariamente precisa ser
discutido: O que é e o que pode ser considerado literatura? E o que é a literatura infantil?
Não se pode dizer que existe de fato uma literatura infanto-juvenil. Essa catalogação
da literatura acontece devido à ideia de que a criança deve ser guiada e é dependente da
autoridade, pois ainda não tem maturidade para separar o certo do errado ou mesmo para
pensar por si própria. Dessa concepção temos os livros de cunho moral, e da concepção de
que a criança é incapaz de entender e julgar por ela mesma, temos essa literatura simplificada,
fácil, muitas vezes de poucas páginas.
A arte literária no meio infantil, dessa maneira, é complexa e não traduzida para o
meio infantil. A resposta para isso é facilitá-la, tornando o livro um veículo para os valores
sociais. O livro é desenvolvido com finalidade educativa e instrutiva. Vista como uma “arte
menor”, ela acaba sendo direcionada de maneira que o adulto tenha voz e autoridade sobre a
criança.
Como a criança é vista dessa maneira, incapaz e sem voz, a escolha dos livros que lerá
acaba não sendo feita por ela. Essa escolha é limitada pela escola ou pela família, que
apresenta o que acredita que a criança necessita. Bruno Bettelheim (2002), em sua Psicanálise
dos contos de fada, afirma que o adulto, muitas vezes, “(...) pode escolher certos contos na
base de suas necessidades”(p. 164). Ainda segundo Bettelheim, quando a criança tem
liberdade para escolher o que poderá ser lido para ela antes de dormir, a experiência terá
muito mais a acrescentar, tanto para ela quanto para o adulto.
A literatura opera na construção do conhecimento do homem. Mas ela não faz isso de
forma direta e não é totalmente voltada para a construção de conhecimento. A literatura é,
antes de tudo, uma forma de arte. O livro é uma obra de arte, sobretudo quando põe o estético
e o lúdico em primeiro lugar, sem focar no conteúdo. Quando o livro tem como objetivo
passar adiante valores morais ou mesmo conhecimento de áreas escolares, seu valor artístico
como livro se perde, e ele torna apenas um instrumento.
Pode-se perceber isso em diversos livros infantis encontrados em escolas hoje em dia,
tendo alguns deles como tema “Vamos explorar o corpo humano” ou “Vamos conhecer mais
sobre a natureza”. O Governo do Estado, por exemplo, distribuiu, nas escolas municipais e
estaduais, cartilhas de campanha à Fome Zero intitulada Emília e a Turma do Sítio na cartilha
da nutrição no Fome Zero. Nessa cartilha, os personagens de o sítio do pica-pau amarelo,
sobretudo Emília, protagonizam uma história que se volta para informar sobre os nutrientes
dos alimentos, quais seus benefícios para o corpo humano e onde eles são encontrados. Foi
uma iniciativa tomada sobre o conjunto de séries de televisão, que por sua vez, adaptam o
universo e os personagens presentes nos livros de Monteiro Lobato. A leitura acaba por ser
informativa e educativa, mesmo tomando personagens ficcionais.
O público leitor infantil, assim, é visto como um público que precisa ser educado e
entretido ao mesmo tempo. No Brasil, temos o agravante de a média de livros lida é muito
baixa comparada a outros países, ou seja, a leitura não é devidamente estimulada. Nas escolas,
isso se reflete quando o bom-leitor é tido como o que tem mais livros abaixo de seu nome na
lista de empréstimos. A qualidade literária do que ele lê não é avaliada, pois não há
preocupação se o que ele lê é de fato literatura ou não.
Entretanto, ao analisar o papel da literatura infanto-juvenil hoje, não podemos
considerar os livros paradidáticos como literatura de fato, pois como já foi dito, eles são
centrados em um objetivo, e na maioria das vezes não têm compromisso com o estético. A
obra de arte é de fato carregada de valor ideológico e sempre espelha os valores da época – tal
como as fábulas e os contos, antes falados para depois serem escritos –, mas de maneira que
não deturpa sua qualidade como arte e seu trabalho com o lúdico.
O mesmo ocorre com a poesia: quando se tem esse compromisso com o lúdico, com o
estético, não se pode dizer que a poesia é voltada para o público infantil. A obra de arte é feita
por ela e nela mesma, sem objetivos específicos.
Dessa maneira, podemos dizer que, se a literatura tem o compromisso de espelhar a
sociedade e de formação do homem, o papel da literatura infanto-juvenil hoje é e sempre foi o
mesmo: o de auxiliar o público a compreender o mundo ao seu redor através do jogo literário,
criado de maneira que o autor se aproxime do leitor, isso podendo ser feito pelo texto e pela
imagem (imagem que significa com o texto), pela imagem verbal (como na poesia) e também
apenas pelo texto, como é o caso dos contos de fadas, que ainda encantam as crianças e
mesmo os adultos em todas as suas versões e adaptações.
Referências bibliográficas
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