SODRÉ, Muniz - A Ficção Do Tempo

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SODRÉ, Muniz. A ficção do tempo: análise da narrativa de science fiction.

Petrópolis,
RJ: Vozes, 1973.

“Quando se tenta abordar teoricamente esse tipo de narrativa, tão prolífico no interior da
industrial cultural, surge uma dificuldade de certo modo análoga ao problema semântico
de elucidação do significado das palavras. Isto é, sabemos empiricamente que tal
narrativa é de FC – assim como identificamos, na prática, o significado de uma palavra
qualquer – mas não dispomos de um conceito operatório, capaz de dar conta a priori das
características estruturais do gênero” p.7.

“Não se pode, portanto, confiar na obra de um escritor para conhecer um determinado


real histórico, porque ela não significa esse real (assim como o faz a linguagem-objeto),
mas o lugar ideológico ocupado pelo escritor em face desse real, graças e um código de
formas institucionais de expressão (o sistema literário). Na literatura, como de resto na
língua, só há formas. Mas o ‘real’ do discurso literário é a própria literatura, estando o
sentido da narrativa na lógica da sua estrutura. Autonomia da obra literária quer dizer a
fixação, pelo sistema da literatura, de suas próprias regras” p.9.

“a literatura não é representativa do real histórico (assim como pode sê-lo a linguagem
comum), embora uma parte dela – a prosa ficcional, sobretudo – sugira evocativamente
um certo real. Mas a mensagem literária terá sempre uma referencialidade imaginária, já
que é produzida pela própria literatura. Esta engendra a si mesma” p.13.

“Mas foi o léxico da Revolução Industrial que começou a impregnar mitologicamente a


imaginação do homem comum – por volta dos meados do século XIX, quando
começaram a ser realizadas as grandes feiras industriais, e as máquinas e os objetos da
nova era reforçavam a fé utópica no progresso sem limites. Esse léxico só encontraria
guarida verdadeira na indústria cultural – que estava empenhada numa situação
comunicativa com o público – e não na área da criação literária, que operava, ao
contrário, o desgaste das linguagens referenciais e comunicativas” p.33-34.

“Do ponto de vista literário, a Ficção Científica nasceu velha: discursiva e mimética, sua
forma tinha quase um século de atraso com relação ao que a vanguarda literária fazia na
época. Seus temas misturavam-se aos temas correntes da indústria cultural: foguetes e
viagens espaciais envolviam-se com mistérios policiais, dragões e aventuras de capa e
espada. Aliás, do ponto de vista de estrutura, a FC não nasceu mesmo com fotos de
criação literária ou artística. O engenheiro norte-americano Hugo Gernsback, primeiro
editor regular ‘oficial’ da FC – e que deu identidade ao gênero – tinha pretensões
revolucionárias a respeito da forma literária quando incursionou na narração, em 1911.
Mas tinha uma visão conteudística de literatura. Sua novela seriada Ralph 124C41, que
ele pretendia ser inovadora, não passava de uma listagem de invenções técnicas (do
vídeo-telefone aos alimentos sintéticos). O modelo narrativo era velhíssimo: descritivo,
cheio de lugares-comuns e juízos de valor, provavelmente concebido no rastro do
sucesso do clássico Looking Backward (2000-1887), de Edward Bellany, best-seller em
1880” p.35.

“Mas a FC parece também reinaugurar Balzac ao fazer da forma romanesca o meio por
excelência de demonstração dos mecanismos sociais e da sua lei. Para falar dos temores
de esmagamento do homem pela engrenagem industrial, o escritor de vanguarda (como
Joyce e Beckett, por exemplo) vai destacar pequenos tópicos que não chegavam a
constituir problema para o cidadão comum. Por exemplo, a posse de uma carteira de
identidade assusta romancistas como Joyce e Robbe-Grillet, mas tranquiliza o homem
comum. A identidade (perdida na urbs tecnológica, segundo o romance de vanguarda) é
buscada tenazmente pelos personagens de Kafka, sobretudo em O Castelo e O
Processo. Na FC, o temor à ordem tecnológica e aos efeitos da ciência seria explicitado
como nos romances panorâmicos de Balzac” p.35-36.

“A FC só desabrocharia realmente em 1926 com a publicação, por Gernsback, da revista


Amazing Stories – um amontoado de aventuras com ênfase nos aspectos técnico-
científicos” p.36.

“A ciência de que fala a FC não passa de uma alucinação ideológica. É uma espécie de
reencaminhamento mental no qual se julga o objeto técnico-científico a partir de seus
usos ou suas consequências, operando-se uma conversão do logos ao mythos” p.38.

“Essa vulnerabilidade história deve-se ao fato de a FC exprimir basicamente o imaginário


científico da época. E quando, tempos depois, esse imaginário é confirmado ou mesmo
ultrapassado, o interesse pela narrativa que o exprimia fenece, restando apenas os
valores estruturais do texto: a construção das situações, a dosagem da aventura, o
suspense” p.39.

“Estamos aqui bastante longe da problemática do autor como artista: o autor de FC


comporta-se mais como um jornalista falando do futuro do que como um escritor. Não se
concebe nele a crise do sujeito que Sartre aponta como fundadora do artista. O autor de
FC não escreve para marcar a sua relação existencial com o mundo, mas como um
profissional do ofício” p.41.

“A FC projetava no contato entre humanos e extraterrestres todo o temor do americano


médio ao outro, - ou seja, a tudo aquilo que de algum modo fugisse aos esquemas do
american way of life –, ao Armagedon nuclear e à dominação tecnocrática” p.44.

“Linguagem ideológica e reflexo mecânico do imaginário da época, a FC leva seus


autores a tomadas de posição quanto aos problemas levantados, deixando transparecer a
sua visão de mundo pessoa e as suas convicções de classe. Poderíamos assim opor às
narrativas de FC julgamentos de valor traduzidos em pares de oposições como
conservador/progressista, esquerda/direita, otimista/pessimista – ou outros eixos
semânticos instaurados pela ideologia no plano do significado” p.45.

“Apesar de suas origens europeias (Verne e Wells), a FC sempre foi um gênero


marcadamente americano. Do ponto de vista da estrutura, o gênero poderia florescer em
qualquer país com uma indústria editorial poderosa” p.46.

“Existem, entretanto outras razões de estrutura para explicar o desenvolvimento da FC. O


fato de um país contar com uma forte indústria do livra no implica na existência notável da
FC. Para que isso se dê, concorrem causas ligadas ao modo como o problema da
popularização da ciência e da tecnologia é experimentado pelo imaginário da formação
social em questão. Assim, é perfeitamente compreensível que a Inglaterra, país que deu
início à Revolução Industrial, tenha sido o grande precursor da FC (com H.G. Wells)” p.46.
“Nos Estados Unidos, cuja tradição romanesca é a do autor que conta histórias objetivas
e lineares, a FC foi a mais prolífica e bem realizada. O escritor americano costuma
integrar sindicatos ou associações de defesa dos interesses de classe. Isto favoreceu o
desenvolvimento da FC como uma espécie de escritura ‘coletiva’, porque através das
associações cristalizavam-se certas diretrizes e tendências” p.47.

“Mas nova linha ainda é insuficiente para colocar a FC, como um todo, na esfera da
vanguarda artística. As doutrinas em voga e a conjuntura editorial continuam penetrando
e determinando a rede temático-formal da FC” p.50.

“A FC exprime, miticamente, a angústia gerada por um tempo experimentado como morte.


Esta se apresenta tanto sob a forma da ordem extrema (a organização rígida da máquina)
quanto da desordem máxima (a desorganização, a decomposição). A organização
tecnocrática do modo de produção capitalista se faz mediante um planejamento
regimental, autônomo (não-democrático), que visa sempre não apenas a preservação do
Poder existente, mas também a sua extensão (o controle) a toda a qualquer atividade
possível. Para funcionar de modo absoluto, a tecnocracia não pode admitir como
pressuposto que algo escape à organização técnico-científica” p.80.

“É religioso na FC esse temor de destruição, o pressentimento da catástrofe. Este é o


lado wellsiano da FC, que exprime não apenas a culpa pelas matanças e pela devastação
da natureza, mas também a impotência e a inquietação humanas diante do seu
avassalamento pela técnica, pelos objetos, pelos problemas da sociedade de consumo,
pelas mutações ecológicas” p.96.

“Na realidade, a catástrofe e a utopia têm muito em comum: o lugar de ambas é o


imaginário, e seu tempo, o futuro. Essa preocupação da FC com os fins últimos, com o
destino do homem e do mundo, aproxima-se bastante da Escatologia cristã. A Teologia
católica não vê o discurso escatológico como uma mera previsão do futuro, mas como
uma vivência imaginária de faltas experimentadas no real histórico. A Escatologia fala a
linguagem do desejo. Do mesmo modo, a FC nada diz sobre o futuro, mas sobre o
presente em relação ao futuro: os mundos que ela descreve pertencem ao imaginário de
hoje” p.99.

“A FC parece assim promover inconscientemente, através da Escatologia, uma volta ao


espírito mágico ou religioso à ciência” p.99.

“A utopia, assim como a catástrofe, implica num desenraizamento do tempo. O desejo se


projeto num espaço acrônico para advertir ou para realizar impulsos de perfeição e de
realização absoluta. Mas surge um paradoxo: a perfeição limita e esmaga as
potencialidades humanas. Por isso, todas as utopias, da República de Platão à Vulcânica
de Júlio Verne, padecem de um frio totalitarismo. E não é à toa que a ordem técnica,
dominadora e totalitária, fornece o esquema de demonstração lógica, a verossimilhança,
da utopia moderna. O acronismo utópico está presente em todas as narrativas de FC.
Esta aparece e se desenvolve – nos países marcados poderosamente pela ratio técnica –
no momento em que a aceleração mecânica de um tempo presente subordinado ao futuro
(as ações são empreendidas para produzir um resultado no futuro) faz com que o futuro
se instale no presente como uma angústia” p.99-100.
“o temor implícito na FC aparece não apenas em face da catástrofe e da ordem
tecnocrática, mas também diante de qualquer mudança que possa vir a alterar
fundamentalmente as relações ideológicas entre os indivíduos” p.101.

“Ao jogar com o tempo da história, a FC procura, miticamente, um tempo em que se fale,
sem a repressão da verossimilhança temporal romanesca, sobre a ratio técnico-
capitalista. Nem mesmo os escritores de idéias fascistas ou sempre tendentes a favorecer
o status quo tecnocrático, como Robert Heinlein, conseguem contornar a linguagem da
angústia. É como se um mito surgisse para exprimir uma angústia,somatizada na
máquina ou no elemento motor da mudança” p.104.

“Butor afirma em seu ensaio sobre ‘a crise de crescimento da Science-Fiction’ (Répertoire


I) que a FC parece representar a forma normal de mitologia da nossa era. A menos que
fique bem estabelecida, tal afirmação corre o risco de equiparar a FC ao mítico que
contamina as narrativas, as coisas e as imagens da cultura de massa (objeto das análises
penetrantes de Roland Barthes) ou então entendê-la como uma simples mitologia, isto é,
um discurso em torno de mitos. Na realidade, a FC contém estes dois aspectos, mas não
se reduz a eles. Pretendemos aqui afirmá-la como um mito vivo e contínuo (ou seja, uma
grande ‘narrativa’ constituída e não-fragmentada em discursos), um saber que se quer
totalizante com relação ao passado e ao futuro” p.107.

“Mas a narrativa mítica não é a mesma do romance. Este sucede à cosmogonia do mito
quando o indivíduo se sente capacitado pela História a optar pela realidade temporal de
suas ações em detrimento da ordem divina (a ordem do mito). O romance, ponte entre
mito e a História, surge assim no momento (Europa Ocidental, século XII) em que o clero
e a aristocracia feudal podem se reconhecer ideologicamente como classes. A ideologia
constitui uma outra noção de pessoa – agora o indivíduo integra uma formação social
ciosa de suas categorias e não mais uma ordem divina e indiferenciada. No romance, o
personagem significa a pessoa e a individualidade burguesas, isto é, o indivíduo
interpelado ideologicamente no seio de uma formação social emergente na História e
desejosa de organizar o seu tempo e seus valores. O eu (a subjetividade) romanesco
surge como um ideologema, uma unidade constitutiva mínima da ideologia, presente na
informação romanesca do imaginário” p.108.

“A partir de Flaubert (século XIX), o romancista faz integralmente da imaginação (a esfera


do mito) a sua ótica, o seu instrumento de visão, separando assim o real do imaginário. O
elemento mítico permanece como uma referência inconsciente, a ordem do sobrenatural
impossível de instalar no histórico dito pela letra. No romance, o mito é como que uma
segunda cena, o duplo da História – funcionando como repertório inexaurível de ‘motivos’
humanos (a morte, os valores humanos, sociais, etc.). O mito, na literatura, funciona não
como uma matéria vivenciada, mas como uma estrutura latente, fixada pelo código
literário” p.109.

“O mito se revela na obra, no instante em que esta produz de modo autônomo a sua
própria significação ideológica” p.109.

“Romance não se confunde, portanto, com narrativa mítica, embora a cultura de massa
opere com narrativas – o folhetim, a novela policial, etc. – que funcionam como episódios
ou variações de um determinado mito. Essas narrativas seriam ‘mitos degradados’ (na
expressão de Lévi-Strauss), utilizados como evasão ou entretenimento pela sociedade
industrial” p.109.

“Embora gerada pela cultura de massa, a FC não é uma mera forma degradada de mitos,
mas um mito novo em emergência no seio da formação social industrializada” p.109.

“A FC não deseja subverter a linguagem constituída nem perturbar a clareza da ligação


entre significante e significado, mas, pelo contrário, aproveitar ao máximo a sua ordem e a
sua lógica aparente. Em outras palavras, ela não desconfia – como a arte literária – do
estatuto ideológico da linguagem. Esta é uma das razões por que a prosa – e não a
poesia, que está sempre buscando o reverso ou o improvável da linguagem – é a forma
literária necessária da FC. Uma outra razão é que a poesia não mantém a margem de
representatividade do real histórico, exigida pela coerência ‘realística’ da FC” p.112.

“Além disso, Barthes vê a poesia moderna como um sistema ‘semiologicamente


regressivo’, porque busca estar sempre ‘aqúem’ da fala, tentando reconstituir a formação
do signo. Opõe-se, assim, ao mito, que está ‘além’ da fala, já que é na verdade uma fala
majorada, ampliada, justificada ao extremo” p.112.

“Embora a FC rejeite as formas canônicas da poesia, o seu processo mítico atual abre
caminho para uma certa exploração poética do imaginário, estabelecendo um contato
direto entre razão e imaginação” p.113.

“Na FC, ao contrário, lidamos com as propostas da imaginação numa consciência já


constituída, voltada apenas para novos significados” p.113.

“A FC adentra-se cada vez mais na provocação do imaginário coletivo contemporâneo,


mas como se fosse uma espécie de sonho controlado, de inconsciente ancorado no
princípio de realidade – um jogo mental de puros significados, Trata-se de uma escritura
que se apóia numa tradição de irrealidade mágica (onde se misturam desde os efeitos de
Dante e Lewis Carroll – passando pelo horror fótico de Horace Walpole – até os recursos
surrealistas_ e dos discursos de fantasia” p.113-114.

“A Nova FC aponta sempre para novas experiências humanas, no sentido de formas


diversas de existência. Procura induzir a uma posição mais plástica diante da existência a
à admissão de formas alternativas de vida. As sátiras, o onirismo ou os pesadelos com
que operam muitos dos novos autores de FC devem ser encarados sob este ângulo”
p.114.

“Neles, onirismo, sátira ou pesadelo combinam-se ou alternam-se, sempre suprimindo a


demarcação temporal e colocando a imaginação no centro de força da FC. E a Nova FC
deixa transparecer, com mais clareza ainda, o encaminhamento mítico desse processo
produtor de narrativas. A arte literária inova rompendo as fronteiras de linguagem
estabelecida, do dito. A FC (narrativa mítica) procura transgredir os limites do imaginado”
p.115.

“O mito da FC forneceria, nos termos de Lévi-Strauss, uma mediação para a angústia e


para as contradições sócio-culturais trazidas pelo desenvolvimento da urbs tecnológica.
Com efeito, tudo que se passa nas narrativas de FC, assim como na narrativa mítica,
interessa diretamente à condição humana, ao mundo como um todo” p.117.
“na FC, o personagem deixa de ser um eu, para tornar-se um nós. E toda a Humanidade
é referida, miticamente, neste sujeito pluralizado” p.117.

“A FC fala de origens (em geral, a causa suposta de dificuldades futuras, de como a Terra
chegou a este ou aquele estado), mas a obsessão com os começos é posta em segundo
plano por uma indagação ansiosa em torno do futuro, acionada principalmente pelo temor
à catástrofe termonuclear, à dominação tecnocrática (com efeitos variados: a alienação do
indivíduo pela propaganda maciça, a supressão das liberdades individuais, o
esmagamento da subjetividade, etc.) ou às mudanças nas relações institucionais
arraigadas no espírito humanístico-burguês (que é uma ideologia essencialista e
empirista) os alvos da ameaça tecnológica” p.118.

“A FC, que é uma forma simples mítica, produz uma questão e uma resposta (ideológicas,
já que partem das convulsões do humanismo) supostamente capazes de obrigar o futuro
a revelar-se. Ela cria assim um futuro, um tempo além do histórico, de modo bastante
semelhante aos procedimentos divinatórios do oráculo grego” p.119.

“A FC é produzida e consumida como um mito de destino” p.119.

“A FC aparece como um meio de exploração lógica dos paradoxos advindos do


desenvolvimento tecnológico-capitalista, tendo sempre como pano de fundo a advertência
de morte para a Humanidade. Mito escatológico da sociedade industrial (contendo ritos
iniciatórios, como o de iniciação ao léxico técnico-científico), ele repete, como no mito
vivido pelas sociedades arcaicas, com grande número de variantes, um mesmo tema: o
destino do homem” p.119.

“Haverá sempre, na ótica desse discurso mítico-ideológico que é a FC, os lugares do


dominante e do dominado, do forte e do fraco, do banal e do extraordinário, do herói
legendário e do comum mortal. Afinal de contas, a imaginação, a fantasia, a féerie, não
poderiam hoje subtrair-se impunemente à luta de classes” p.123.

“De um lado, pode-se ver na FC um sonho do tipo junguiano: prospecção individual com
uma finalidade (visão antecipadora da atividade consciente futura), mas também com uma
face arcaica (a reminiscência do destino ancestral da espécie humana). O sonho pode ser
realmente prospectivo na medida em que é capaz de orientar para experiências novas,
por meio do relacionamento com o outro (rejeitado pela vida consciente)” p.123.

“De outro lado, vale relembrar que o indivíduo muda pouco na FC. Os mutantes ou os
deuses são fantasia que representam o sujeito constituído pela ‘verdade’ centrada de
uma formação social dividida em classes. Os poderes dos deuses são as roupagens
simbólicas de uma estrutura ideológica básica. Assim, o ‘sonho’ da FC, apoiado
excessivamente na ideologia, deve ser visto como um mito cuja função é fornecer uma
essência para o homem contemporâneo. Nesta ‘essência’, subentendem-se os produtos
alienados do trabalho humano, instaurados pelas relações capitalistas de produção, que
são esquecidas pela FC – logo, dadas como eternas. A atemporalidade do mito funciona
aqui também como a caução de estaticidade do real. A ela cola-se a ideologia, essa
estrutura que, pretendendo-se eterna, elide radicalmente o tempo, a História. Na FC, o
sonho, diria Barthes, ‘essencializa a vida em destino’” p.123-124.
“Ao mesmo tempo, entretanto, a FC reafirma a magia da linguagem – magia entendida
como a capacidade de produção, evocação e domínio da fala sobre os objetos e também
como a percepção do mana que estende às coisas, às petrificações, a realidade íntima da
vida do homem. Na FC, assim como na criação mágica do mundo, tudo é possível –
repetimos – porque o seu princípio é o Verbo” p.124.

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