Análise Do Acórdão Do Conselho Constitucional
Análise Do Acórdão Do Conselho Constitucional
Análise Do Acórdão Do Conselho Constitucional
DÍVIDA DA EMATUM
Contexto do Acórdão
A situação ilegal e inconstitucional da contracção das dívidas que financiaram PROÍNDICUS, EMATUM e
MAM foi, foi declarada logo depois do despoletar do caso em 2016, tanto pela Assembleia da República
assim como pela Procuradoria Geral da República. Não obstante estas declarações, complementadas pelos
ilícitos apurados no auditoria da Kroll, as dívidas ilegais foram inscritas e validadas nos instrumentos de
planificação pública (CGE 2013 e 2014), violando os artigos 179/2 alínea p) e 3 da Constituição da República
de Moçambique1, bem como as respectivas Propostas de Lei do Orçamento do Estado de 2013 e 2014, nos
termos da alínea f) do art.º 24/4 do SISTAFE2
Foram estas violações que levaram as organizações da sociedade civil congregadas no FMO (incluindo o
Grupo Moçambicano) a submeterem uma petição ao Conselho Constitucional em 2017 para a declaração
de ilegalidade e inconstitucionalida, com força obrigatória geral, a dívida da EMATUM, que, por sinal, foi
tornada soberana pelo Governo, a partir de Abril de 2016, passando o Estado a assumir a responsabilidade
do seu pagamento e reestruturação.
Dois anos após a submissão da petição (2019), o Conselho Constitucional declarou nulos todos os actos
inerentes a contratação deste empréstimo, fundamentado pela actuação do Governo à margem da
Constituição e da Lei, elementos estes que constam da petição submetida pelo FMO ao CC em 2017.
Uma possível implicação do Acórdão do CC é de reforçar a acção do judiciário moçambicano que, até início
de 2019, tinha feito a detecção de parte dos arguidos para o caso destas dívidas. A consistência dos
elementos apurados por diferentes órgãos (Assembleia da República, PGR, Relatório da Kroll, e o
julgamento dos principais envolvidos nos EUA) vem se juntar a esta declaração do Conselho Constitucional
e torna mais sério e necessário o seguimento do processo de responsabilização em curso no País , mesmo
que tal interfira nos interesses da elite política. Aliás, o processo de responsabilização, iniciado em 2016,
já vinha se arrastando por mais de 3 anos, sendo que, mesmo com comprovados ilícitos do caso das dívidas
ocultas, a PGR não mostrava acções concretas de responsabilização, tanto que, submeteu em 2018 o
processo ao Tribunal Administrativo por alegada necessidade de apuramento de factos susceptíveis de
consubstanciar infracções financeiras. Com este acórdão, o ritmo de responsabilização e a busca de
1
A autorização dos empréstimos desta natureza, avales ou garantias bem como os altos montantes envolvidos
deve ser da competência exclusiva da Assembleia da República
2
Os empréstimos não constavam das respectivas leis, assim como o montante contraído estava acima dos limites
previsto nestas leis, pelo que, é ilegal a sua inscrição na CGE
soluções plausíveis será mais célere e provável do que antes, facto este que pode contribuir para a
recuperação da confiança do Estado a nível interno e externo.
Desde 2015, o Governo vem assumindo o pagamento a reestruturação da dívida pública, incluindo aquela
ilegal, na tónica de que cabia as outras instituições do Estado (AR, PGR, TA e CC), e não ao executivo, o
papel de declarar ilegal, inconstitucional e a responsabilização dos infractores. Assim, por muito tempo, o
Governo, através do Ministério de Economia e Finanças, vem sendo o representante do Estado na
negociação com os credores, no pressuposto de que as empresas que contraíram as dívidas pertencem ao
Estado e as dívidas tiveram aval deste, pelo que cabia ao executivo defender os interesses do Estado como
um todo.
Se, por um lado, a falta de pagamento acarreta consequências associadas à deterioração do perfil do risco
do país, por outro lado, a continuação das negociações do Governo com os credores e o respectivo
cumprimento imediato das obrigações financeiras com os credores implica custos em termos de serviço da
dívida que desviam recursos de sectores sociais e produtivos.
Nesse contexto, mesmo com o acórdão declarando nulidade, o afastamento do Estado das dívidas ocultas
pode não ser tão atractivo quanto parece ser, sendo que esta medida dependerá da comparação das
perdas em investimento associadas a péssima classificação de rating e o custo de oportunidade que o
serviço da dívida impõe aos demais sectores.
c) Implicações para os credores
Regra geral, para os credores, a declaração de inconstitucionalidade não muda a sua exigência de
pagamento das dívidas. Aliás, pelo contrário, reforça o argumento de que os mesmos foram enganados
pelo Estado moçambicano por não ter consultado as suas instituições relevantes para o efeito da
contratação da dívida e que os mesmos – credores – não tinham informação sobre os esquemas de
corrupção que caracterizaram o processo. Os credores podem ainda, recorrer ao tribunal internacional
para processar o Estado moçambicano diante deste caso, o que pode implicar, em casos extremos, o
congelamento de activos do Estado pelos credores.
De facto, o CC vem reforçar a vicissitude associada as dívidas ocultas, o que fortalece a acção dos actores
nacionais responsáveis por tomar medidas de responsabilização (PGR, TA), entretanto, enfraquece a
imagem do país perante aos credores internacionais pela mancha confirmada e o risco maior de não
reaverem os seus investimentos feitos na compra dos títulos da EMATUM. Isso pode acarretar dificultação
do acesso ao mercado internacional de capitais para o país.
Até então, a acção de o Governo representar o Estado no contexto destas dívidas resultou, até certo ponto,
na melhoria da classificação de rating do país, bem como, da manifestação expressa do FMI em retomar o
apoio ao Estado moçambicano. Resta saber se os benefícios associados a essas novas situações compensam
o pagamento do serviço da dívida associada aos empréstimos ilegais.
Em 2016, o Grupo Moçambicano da Dívida juntamente com outras organizações da Sociedade Civil, lançou
uma Campanha Nacional sobre a Dívida que visava essencialmente afastar o Estado das dívidas ocultas,
pois, no despoletar das dívidas ocultas ainda havia vincava o discurso político a favor da ligação dessas
dívidas com os interesses do Estado. Como resultado desta campanha, paulatinamente foram se
notabilizando algumas acções tendentes ao esclarecimento e seguimento deste caso, desde a aceitação da
auditoria forense, o inquérito parlamentar, a instauração de processo crime pela PGR, e recentemente, a
detenção e constituição de arguidos a nível interno de parte dos envolvidos no processo das dívidas ocultas.
Para a Sociedade Civil, o Acórdão do Conselho Constitucional é um ganho e um reforço por se tratar de
mais uma evidência que confirma os ilícitos associados as dívidas ocultas, principalmente sendo emitida
pela instituição máxima de garante da legalidade (o CC). Tal assegura, de certa medida, melhores
resultados futuros no quadro do seguimento da responsabilização dos infractores ligados a este cado. De
facto, o acórdão vem dar bases fortes de suporte técnica, jurídica e moral para dar continuidade a
campanha, tanto a nível nacional como internacional, até que a responsabilização seja feita, e que a mesma
não implique o sacrifício dos moçambicanos em termos de comparticipação directa no pagamento das
dívidas ocultas.
Contudo, é preciso acautelar os custos e benefícios associados ao afastamento do Estado em relação ao
pagamento ou renegociação das dívidas ocultas como seguimento do acórdão do CC. Enquanto, por um
lado, o acórdão reforça a acção judicial de responsabilização dos infractores das dívidas ocultas, o que é
benéfico para o país em termos da conquista da confiança sobre o bom funcionamento das instituições de
justiça, por outro lado, o afastamento do Estado das dívidas como consequência do acórdão não resulta
em claros benefícios para os interesses do Estado. A decisão das OSC’s continuarem a advocar pelo
afastamento do Estado das dívidas encerra o desafio de antes analisar-se rigorosamente até que ponto a
tal pode representar um custo em termos de o país continuar com o bloqueio para aceder ao mercado
financeiro internacional devido ao perfil de alto risco não compatível com a atracção do investimento que
geraria efeito multiplicador para economia como um todo. Contudo, o não afastamento implica também
custos directos associados ao serviço da dívida que o Estado deve arcar em nome de boa imagem e
desbloqueio das relações com os credores.