Jean-Luc Nancy - A Arte para Reencontrar o Sentido

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14/01/2020 FLANAGENS: Jean-Luc Nancy: "A arte para reencontrar o sentido"

FLANAGENS
quinta-feira, 28 de abril de 2016

Jean-Luc Nancy: "A arte para reencontrar o sentido"

O filósofo Jean-Luc Nancy explica a necessidade da arte para ir além da significação.


O grande filósofo Jean-Luc Nancy, nascido em 1940, é um dos espíritos mais abertos de nossa
época. Marcado por sua amizade com Jacques Derrida, durante muito tempo professor na
universidade de Strasbourg, ele publicou muitos livros e artigos, em particular sobre a arte. Seu
pensamento vai em direção do “sentido da existência”, que para ele é um horizonte inacessível
(“O mundo não repousa sobre nada e está aí seu sentido mais vivo”), e também em direção da
“existência do sentido”, em particular por meio da arte. “O fato de que esta faça sentido, isto é,
que a arte circule entre as pessoas, ou entre o objeto e a pessoa. Não há sentido para um só.”
Ele fala de uma “finalidade do sentido”, retomando a expressão de Kant sobre o julgamento
estético.
Para ele, o pensamento é, então, levar-se às extremidades da significação. A significação sempre
para algo, uma vez que o pensamento abre as possibilidades do sentido.
Seu trabalho também passa pelo corpo, dentre outros o seu, uma vez que vive, desde 1991, com
um coração transplantado. Jean-Luc Nancy com frequência colabora com artistas, como a
coreógrafa Mathilde Monnier ou Tomas Hirschhorn. Ele acaba de escrever para o catálogo da
exposição Anselm Kiefer, na BNF, e Olafur Eliasson pediu-lhe para ajudar em sua exposição em
Versalhes neste verão. No último dia 07 (07/04/16), ele esteve no Kaaitheater, em Bruxelas, para
falar do “pensamento da arte”. Nós o encontramos nessa ocasião.

De onde vem sua ligação com a arte?  


Sempre fui fascinado pelas imagens, mas foi no começo dos anos 70 que tive o “clique”, quando
um pintor que não conhecia, François Martin, me pediu para escrever sobre seu trabalho e para
dar nome a uma série de desenhos a lápis. Escolhi a palavra “stencil”. E isso verdadeiramente
despertou algo em mim.

Há uma ligação entre filosofia (pensamento) e arte?  


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No século XX não encontramos nenhum filósofo que não tenha se interessado pela arte: Sartre,
Foucault, Lyotard, Derrida. Barthes começou fazendo teatro. Isso é devido a uma dupla
conjunção; a arte entrou no século XX num questionamento sobre ela própria. Não há uma só
obra que não se interrogue ao mesmo tempo sobre o que é a arte. A arte se vira, então, para a
filosofia para reencontrar o sentido daquilo que não conhecemos. Em sentido inverso, a filosofia
sempre se interessou pela arte. Nietzsche nela via uma função de proteção “contra o abismo da
verdade”. “A arte nos é dada para nos impedir de morrer pela verdade.” A arte apareceu como
uma sequência possível da morte de Deus e a perda de segurança do logos. Leibniz dizia ainda
que “Nada é sem razão”, mas rapidamente vimos que o mundo perdeu sua razão. Hegel
reivindicava uma superação da linguagem. E como, ao mesmo tempo, a arte perdia seu papel de
representação da Verdade, aí havia um encontro inevitável.

O diretor Romeo Castellucci considera que os filósofos e os artistas estão na borda de nosso
barco humano e tentam esclarecer as trevas que nos circundam, mas o que descobrem são,
ainda, trevas.  
Eles descobrem que além da bruma há ainda a bruma, mas, ao menos, eles nos evitam a neblina
total. A arte, entretanto, não pode ser uma muleta do vazio de sentidos. Atingimos um pico de
non-sense quando Ai Weiwei diz “todo ato de resistência é um ato estético”, invertendo a frase
que dizia que todo ato estético é um ato de resistência.

O que é a arte então?  


A arte se coloca ao lado da linguagem, ou é atravessada pela linguagem (literatura, poesia), para
expor o sentido, fora da significação. A linguagem nos leva à borda extrema onde não podemos
mais nomear. A arte está ali e pode nos levar para além. Ela mostra que há uma dimensão fora da
linguagem. Eu discutia com o artista Barcelo, que é apaixonado pela gruta Chauvet e suas
pinturas de animais. Todas as explicações funcionais dessas pinturas das cavernas são pouco
convincentes. Nelas o homem sem dúvidas mostrou, com esses animais, seres viventes que,
entretanto, estando fora da linguagem, eram inquietantes para ele. Eles eram um chamado para
o desconhecido, o não conhecível.

É chocante que na França a FN (Frente Nacional) tomou para si a arte atual.  


A FN se refere à verdade dada, à França, ao catolicismo tradicional. Ela se aproxima de uma arte
figurativa que exprime essas verdades e rejeita, pois acha inquietante, tudo o que provém da
incerteza, uma vez que a arte designa o que vale para além da significação. Ora, para mim, o
critério da arte é não se reduzir à significação, àquilo que aparece de pronto e é, além disso,
nomeado com o título de obra. A tal critério, ajusta-se a necessidade de uma forma autônoma,
como Kapoor criando sua grande estrutura uterina vermelha no Grand Palais.

As noções de belo e de arte evoluem.  


Graças aos artistas. Proust já dizia que é o escritor que forma seu público. Os artistas fazem
evoluir. Poussin dizia que Caravaggio tinha vindo ao mundo para destruir a pintura.

O corpo está também na borda da significação.  


Sim, aliás, o corpo está presente em todas as artes. O esporte e o erotismo são maneiras de abrir
a outros sentidos. A diferença é que o erotismo remete à intimidade enquanto na arte o desejo e
o gozo são dirigidos aos outros.

A arte é hoje uma nova religião?  


Há muito tempo que sacralizamos “a arte pela arte”. Não temos mais verdades, mais logos, mais
fundamentos racionais, desconfiamos da racionalidade tecnocientífica que encena a comédia dos
fins infinitos (desejar um telefone, depois um celular, depois um smartphone etc.). De todo
modo, será preciso encontrar uma finalidade ou aprender a viver sem finalidade. Há finalidades
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que resistem obstinadamente: viver, fazer filhos e fazer arte. Teria sido possível deixar a arte
decair, mas porque ela permanece tão preciosa para nós? Não é por causa do mercado da arte,
“repugnante”, pois tal mercado existe desde sempre, lembremo-nos as fortunas que François Iº
gastou para trazer Leonardo da Vinci a Amboise. Não, a arte sempre foi associada a um valor de
exposição do sentido, além de seu valor de mercado ou de uso.

Entrevista publicada no jornal belga "La libre", em 16/03/2016. Disponível em: http://www.lalibre.be/culture/arts/jean-luc-nancy-l-art-pour-retrouver-

du-sens-56e86fde35708ea2d3964b1f#08c51 (tradução: Vinícius Nicastro Honesko) 

Imagem: Tiziano. Anjo da anunciação. 1560. Galleria degli Uffizi, Firenze. 

Khôra às 10:19 AM

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