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HELENA PETROVNA BLAVATSKY
A DOUTRINA SECRETA
Síntese de Ciência, Filosofia e Religião
Tradução de
RAYMUNDO MENDES SOBRAL
VOLUME II
SIMBOLISMO ARCAICO UNIVERSAL
Editora Pensamento
3
Tradução do original inglês:
The Secret Doctrine= The Synthesis of Science, Religion and Philosophy.
Edição Adyar.
Theosophical Publishing House, 1938.
4
SUMÁRIO
Parte II
A EVOLUÇÃO DO SIMBOLISMO
5
Poderes Ativos - Os Sete e os Dez Construtores - Houve uma Revelação Universal
Primordial? - O Cisne como Símbolo do Espírito- Simbologia Antiga.
7
Parte III
APÊNDICE
SOBRE A CIÊNCIA OCULTA E MODERNA
Bibliografia 385
11
SEÇÃO I
SIMBOLISMO E IDEOGRAFIA
"Não é sempre o simbolismo, para quem o sabe decifrar, uma revelação mais
ou menos clara, mais ou menos confusa, do que seja Deus?... Através de todas as
coisas... brilha debilmente algo da Ideia Divina. Mais ainda: o próprio emblema
ante o qual se reuniram e se congraçaram os homens, a cruz, não possui senão
uma significação extrínseca e acidental."
CARLYLE (Sartor Resartus)
A MAIOR PARTE da vida de quem escreve estas linhas foi ocupada com o estudo da
significação oculta das lendas religiosas e profanas de vários países, grandes ou pequenos, e
especialmente das tradições do Oriente. Alista-se a autora entre os que se acham
convencidos de que nenhuma narrativa mitológica, nenhum acontecimento tradicional das
lendas de um povo, em qualquer época, representou simples ficção, mas possui, cada qual,
um fundo histórico verdadeiro. Diverge, assim, daqueles mitologogos - por maior que seja a
sua reputação - que não veem, em cada mito senão uma prova da tendência supersticiosa
dos antigos, e julgam que todas as mitologias tiveram origem e se basearam em mitos
solares. O poeta e egiptólogo Geraldo Massey, em uma conferência sobre "Luniolatria
Antiga e Moderna", situou, em traços admiráveis, esses pensadores superficiais no seu
devido lugar. Os termos incisivos de sua crítica merecem ser aqui reproduzidos, por serem
um eco fiel de nossos próprios sentimentos, manifestados abertamente desde 1875,
quando escrevemos Ísis sem Véu:
"Há trinta anos vem o Professor Max Müller ensinando, em seus livros e conferências, no
Times, na Saturday Review e em várias revistas, na tribuna da Royal Institution, no púlpito
da Abadia de Westminster e na cátedra de Oxford, que a mitologia é uma enfermidade da
linguagem, e que o simbolismo antigo era o resultado de uma espécie de aberração mental
primitiva.
"Sabemos - diz Renouf, repetindo Max Müller, em suas conferências de Hibbert -
sabemos que a mitologia é enfermidade que se desenvolve em um estágio particular da
cultura humana." Esta é a explicação trivial dos não evolucionistas; e explicações que tais
são ainda aceitas pelo público inglês, que pensa pelos cérebros de outros. O Professor Max
Müller, Cox, Gubematis e outros tratadistas de mitos solares, descreveram-nos o primitivo
inventor de mitos como uma espécie de metafísico indogermanizado a projetar sua própria
sombra, e a falar ingenuamente de fumo ou, pelo menos, de nuvens, fazendo do céu sobre
sua cabeça a abóbada do país do sonho, na qual se desenham as imagens confusas dos
pesadelos de seus habitantes. Imaginam o homem primitivo à sua própria semelhança,
supondo-o capaz de se deixar lamentavelmente mistificar, ou, como disse Fontenelle,
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"sujeito a ver coisas que não existem"! Eles apresentam o homem primitivo ou arcaico sob
um aspecto falso, retratando-o desde o início como o joguete estúpido de ume imaginação
fértil e desorientada, a crer em toda sorte de falsidades, que eram imediata e
constantemente desmentidas por sua própria experiência diária; como um néscio
fantástico no meio daquelas feias realidades, em cujo atrito as suas experiências se
deformavam, à maneira das rochas submarinas que se desgastam pela ação dos icebergs.
Resta-me dizer, e algum dia se há de reconhecer esta verdade, que aqueles mestres, como
tais considerados, não chegaram mais perto das origens da mitologia e da linguagem que
de Pégaso o poeta Willie de Burns. Eis minha resposta: Só a imaginação do metafísico
teórico é que faz da mitologia uma doença da linguagem ou de qualquer outra coisa que
não seja o seu próprio cérebro. Esses traficantes de mitos solares perderam
completamente de vista a origem e o significado da mitologia! A Mitologia era um modo
primitivo de objetivar o pensamento antigo. Baseava-se em fatos naturais, e ainda hoje se
verifica nos fenômenos. Nada tem de insano nem de irracional, se considerada à luz da
evolução e quando de todo compreendido o seu modo de expressar por meio de signos. O
insensato está em querer tomá-la por história humana ou como Revelação Divina (1). A
Mitologia é o repositório da mais antiga ciência do homem, e o que principalmente nos
interessa é o seguinte: quando vier de novo a ser corretamente interpretada, deverá dar o
golpe de morte em todas aquelas falsas teologias, a que involuntariamente deu origem (2).
Na fraseologia moderna se diz algumas vezes que determinada afirmação é mítica em
razão de sua falsidade; mas a mitologia antiga não era um cistema ou processo de
falsificação nesse sentido. Suas fábulas eram um meio de apresentar fatos; não eram
fraudes nem ficções. Por exemplo, quando os Egípcios representavam a Lua como um gato,
não eram tão ignorantes para supor que a Lua fosse um gato; nem a sua fantasia divagava
ao ponto de ver semelhança entre a Lua e um gato; nem tampouco era o mito gato simples
desenvolvimento de metáfora verbal; nem havia por parte deles a intenção de propor
enigmas... Haviam simplesmente observado que o gato enxergava no escuro, e que os seus
olhos aumentavam e se tornavam mais brilhantes durante a noite. A Lua, à noite, era o
vidente dos céus, e o gato o seu equivalente na terra; e assim foi o gato adotado como um
signo natural e representativo, uma pintura viva do globo lunar... E daí resultou que o Sol,
que olhava o mundo embaixo durante a noite, podia igualmente ser chamado gato, como
sucedeu, porque também via nas trevas. Em egípcio gato é mau, nome que significa
vidente, de mau, ver. Um tratadista de mitologia afirma que os egípcios "imaginavam um
enorme gato atrás do Sol, que era a pupila do olho do mesmo gato". Mas isto é uma
invenção inteiramente moderna, que faz pane do fundo de comércio de Max Müller. A Lua,
como gato, era o olho do Sol, porque refletia a luz solar, e porque o olho reflete a imagem
em sua retina. Sob a forma da deusa Pasht, o gato vela pelo Sol, segurando e esmagando
com suas patas a cabeça da serpente das trevas, considerada o seu eterno inimigo!"
Eis aí uma exposição bastante correta do mito lunar, sob o seu aspecto astronômico.
Contudo, a Selenografia é a menos esotérica das divisões da simbologia lunar. Para dominar
a Selenognose - se nos permitem o neologismo - há mister conhecer a fundo algo mais que
o seu significado astronômico. A Lua está intimamente relacionada com a Terra, como se
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mostrou nas Estâncias; e mais diretamente ainda com todos os mistérios do nosso Globo do
que mesmo Vênus-Lúcifer, irmão oculto e alter ego da Terra (3).
As infatigáveis investigações dos mitólogos ocidentais, notadamente dos alemães,
durante o último século e no atual (4), fizeram ver a todas as pessoas livres de
preconceitos, inclusive obviamente os ocultistas, que sem o auxílio da simbologia (com suas
sete divisões, de todo desconhecidas dos modernos) nenhuma das antigas escrituras
sagradas pode ser entendida no seu exato sentido. Importa que o simbolismo seja
estudado em cada um de seus aspectos, porque cada povo tinha o seu método peculiar de
expressão. Numa palavra, nenhum papiro egípcio, ola (5) indiana, tijolo assírio ou
manuscrito hebreu deve ser lido e aceito literalmente.
Hoje em dia todo erudito sabe disso. As sábias conferências de Geraldo Massey, por si
sós, bastam para convencer um cristão de espírito independente de que o aceitar a letra
morta da Bíblia vale por incidir em um erro mais grosseiro e supersticioso que os já
produzidos pelo cérebro de um selvagem das ilhas dos mares do Sul. Mas há um ponto em
que parece que continuam cegos os orientalistas, sejam eles arianistas ou epiptólogos,
mesmo aqueles que amam e buscam sinceramente a verdade: é que cada símbolo
constante de um papiro ou ola é um diamante de facetas múltiplas, cada uma das quais não
somente comporta várias interpretações, mas também se relaciona com diversas ciências.
Disso temos um exemplo na interpretação que há pouco citamos - a da Lua simbolizada
pelo gato, exemplo de uma imagem sídero-terrestre; pois a Lua encerra muitos outros
significados além desse, em outras nações.
Conforme o demonstrou o sábio mação e teósofo Kenneth Mackenzie, em sua Royal
Masonic Cyclopcedia, há uma grande diferença entre emblema e símbolo. O primeiro
"compreende uma série de pensamentos maior que a do símbolo, o qual se deve antes
considerar como destinado a esclarecer uma só ideia especial". Daí resulta que os símbolos
- lunares ou solares, por exemplo - de vários países, compreendendo cada qual uma ideia
ou série de ideias especiais, formam coletivamente um emblema esotérico. Este último é
"uma pintura ou signo concreto visível, que representa princípios ou uma série de
princípios, compreensíveis para aqueles que receberam certas instruções (Iniciados)". Para
dizer ainda com maior clareza, um emblema se compõe geralmente de uma série de
pinturas gráficas, consideradas e explicadas alegoricamente e que desenvolvem uma ideia
em vistas panorâmicas, apresentadas umas depois das outras. Assim, os Purânas são
emblemas escritos. Igualmente o são os dois Testamentos, o Antigo ou Mosaico e o Novo
ou Cristão, ou a Bíblia, e todas as demais Escrituras exotéricas.
Diz ainda a mesma autoridade:
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de doutrina aos que souberem reconhecê-las."
"O autor está plenamente convencido de que existiu uma linguagem antiga, que parece
haver desaparecido para os tempos modernos, até o presente, mas de que restam ainda
numerosos vestígios... O autor descobriu que aquela razão 'geométrica [a razão integral
numérica do diâmetro para a circunferência do círculo ] era a origem bem antiga e
provavelmente divina... das medidas lineares... Parece mais ou menos provado que o
mesmo sistema de geometria, de números, de razão e de medidas era conhecido e usado
no continente da América do Norte, antes ainda de que o conhecesse a posteridade
semita...
A singularidade dessa linguagem era que podia estar contida dentro da outra, por um
processo oculto, não sendo percebida senão com a ajuda de certas instruções; as letras e os
signos silábicos possuíam, ao mesmo tempo, os poderes ou as significações dos números,
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das figuras geométricas, das pinturas ou ideografias, e dos símbolos, cujo objetivo era
determinado e especificado por meio de parábolas, sob a forma de narrações completas ou
parciais, mas que também podia ser exposto separada ou independentemente, e de vários
modos, por meio de pinturas, obras de pedra e construções de terra.
Para esclarecer o que pode haver de ambíguo no termo linguagem, direi: primeiro, que
esta palavra significa a expressão falada das ideias; e segundo, que pode significar a
expressão das ideias por qualquer outro meio. Aquela antiga linguagem era de tal modo
infiltrada no texto hebraico que, empregando-se os caracteres escritos, cuja pronúncia
forma a linguagem definida em primeiro lugar, se podia intencionalmente comunicar uma
série de ideias muito diferentes das que se expressam com a leitura dos signos fonéticos. A
segunda linguagem exprimia veladamente séries de ideias, cópias mentais de coisas
sensíveis, que podiam ser desenhadas, e de coisas que, não sendo sensíveis, podiam
classificar-se como reais; do mesmo modo, por exemplo, que o número 9 pode ser tomado
como uma realidade, embora não tenha existência sensível, e que uma revolução da lua,
considerada como algo à parte dessa mesma lua que fez a revolução, pode ser havida como
a origem e a causa de uma ideia real, apesar de não possuir tal revolução nenhuma
substância. Esta linguagem de ideias pode consistir em símbolos que se achem
concretizados em termos e signos arbitrários, que tenham um campo muito limitado de
conceitos sem importância, ou pode ser uma leitura da Natureza, em alguma de suas
manifestações, de um valor quase incomensurável para a civilização humana. A imagem de
uma coisa natural pode dar nascimento a ideias de assuntos coordenados, que se irradiem
em sentidos diferentes e até opostos, como os raios de uma roda, dando lugar a realidades
naturais que pertençam a um gênero de ideias muito distinto da tendência aparente
apresentada na primeira leitura. Uma ideia pode dar origem a outra ideia conexa; mas,
assim acontecendo, todas as ideias resultantes, por mais incongruentes que pareçam,
guardam o liame com a imagem original e devem estar harmonicamente relacionadas entre
si. Desse modo, de uma ideia suficientemente fundamental, que se tenha formado, pode-se
chegar à concepção do próprio Cosmos e até à de todos os pormenores de sua construção.
Semelhante aplicação da linguagem comum caiu em desuso; mas o autor destas linhas
pergunta se em alguma época remota não foi essa língua, ou outra semelhante,
universalmente adotada, passando a ser o apanágio de uma classe ou casta selecionada, à
medida que se revestia de formas cada vez mais veladas. Quero com isso dizer que a
linguagem popular ou nativa serviu, ela mesma, originariamente, como veículo deste modo
especial de comunicação das ideias. Existem a esse respeito sérias provas, e parece
realmente que houve na história da raça humana, em consequência de fatores que nos
escapam, pelo menos até o presente, o desaparecimento ou a perda de uma língua
primitiva perfeita, assim como de um sistema perfeito de ciência. Devemos dizer que eram
perfeitos por causa de sua origem e importância divinas?" (7)
"Origem divina" não quer significar aqui uma revelação de um Deus antropomórfico, no
alto de uma montanha, no meio de relâmpagos e trovões; mas, segundo entendemos, uma
linguagem e um sistema de ciência transmitidos à primeira humanidade por homens de
uma raça mais adiantada, tão elevada que aparecia como divina aos olhos daquela
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humanidade infantil; em uma palavra, por uma "humanidade" proveniente de outras
esferas. Esta ideia nada encerra de sobrenatural, e o aceitá-la ou recusá-la depende do grau
de vaidade e presunção da pessoa a quem seja exposta. Porque, se os professores da
Ciência estivessem dispostos a confessar que, embora eles nada saibam - ou antes, nada
queiram saber - sobre o destino do homem desencarnado, esse futuro pode, contudo,
encerrar um mundo de surpresas e revelações inesperadas, quando os seus Egos se
acharem libertos do corpo material, então o cepticismo materialista não teria o mesmo
êxito que hoje tem. Quem, dentre eles, sabe ou pode dizer o que sucederá quando o Ciclo
de Vida deste Globo chegar ao seu fim, e a nossa mãe Terra entrar em seu derradeiro sono?
Quem ousará afirmar que os Egos divinos de nossa humanidade - pelo menos os eleitos de
entre as multidões que passam a outras esferas e não virão a ser, por sua vez, os
instrutores "divinos" de outra humanidade, por eles gerada, em um novo Globo, chamado à
vida e à atividade pelos "princípios" desencarnados de nossa Terra?
Tudo isso pode constar da experiência do Passado, e estes estranhos anais permanecem
ocultos na "Linguagem do Mistério" das idades pré-históricas, a linguagem a que hoje se dá
o nome de SIMBOLISMO.
(1) No que se refere a "Revelação Divina", estamos de acordo. Não assim, porém, quanto a
história humana. Porque há "história" na maioria dos "mitos" e alegorias da Índia, e por trás
deles se acham ocultos acontecimentos indubitavelmente verdadeiros.
(2) Quando as "falsas teologias" desaparecerem, encontrar-se-ão incontestáveis realidades
pré-históricas, sobretudo na mitologia dos ários e dos antigos hindus, e até mesmo na dos
helenos pré-homéricos.
(3) Veja-se a Seção IX: "A Lua, Deus Lunus, Phoebe".
(4) O século XIX.
(5) Do tamil olai, folha de palmeira.
(6) Deste modo, um japonês que não saiba uma só palavra de chinês, encontrando-se com
um chinês que nunca tenha ouvido a língua do primeiro, pode comunicar-se com ele por
escrito, e assim os dois se entenderão perfeitamente, visto ser simbólica a maneira pela
qual ambos escrevem.
(7) De um manuscrito.
18
SEÇÃO II
"Sempre que ouço falar da religião do Egito, sinto-me tentado a perguntar a que religião
egipcia se referem. E à religião da quarta dinastia, ou à do período dos Ptolomeus? A
religião do povo, ou à dos sábios? Aquela que se ensinava nas escolas de Heliópolis, ou
àquela outra que estava nas mentes e concepções da classe sacerdotal de Tebas? Porque
entre a primeira tumba de Menfis, que leva a inscrição de um rei da terceira dinastia, e as
últimas pedras gravadas em Esneh, sob Felipe-César, o Árabe, há um intervalo de cinco mil
anos pelo menos. Deixando de lado a invasão dos Pastores, a dominação etíope e a dos
Assírios, a conquista persa, a colonização dos gregos e as mil revoluções de. sua vida
política, o Egito passou, durante aqueles cinco mil anos, por muitas vicissitudes morais e
intelectuais. O capítulo XVII do Livro dos Mortos, que parece conter a descrição do sistema
do mundo, tal como o entendiam em Heliópolis na época das primeiras dinastias, só veio ao
nosso conhecimento por intermédio de algumas raras cópias da undécima e duodécima
dinastias. Cada um dos versículos que o compõem era já interpretado de três ou quatro
maneiras diferentes; tão diferentes que, segundo esta ou aquela escola, o Demiurgo se
convertia ora no fogo solar, Ra-shu, ora na água primordial. Quinze séculos mais tarde, o
número das interpretações havia aumentado consideravelmente. O tempo, em seu
transcurso, havia modificado as ideias sobre o Universo e as forças que o regem. Durante os
curtos dezoito séculos de existência do Cristianismo, a maioria de seus dogmas foram
elaborados, desenvolvidos e transformados; quantas vezes, pois, não teriam os sacerdotes
egípcios alterado os seus dogmas no decorrer daqueles cinquenta séculos, que separam
Teodósio dos Reis Construtores das Pirâmides?” (1)
Temos para nós que o ilustre egiptólogo aqui foi demasiado longe. É possível que os
dogmas exotéricos tenham sido muitas vezes alterado, mas nunca os esotéricos. Não levou
em conta a imutabilidade sagrada das verdades primitivas, reveladas somente durante os
mistérios da Iniciação. Os sacerdotes egípcios haviam esquecido muita coisa, mas nada
alteraram. A perda de grande parte dos ensinamentos primitivos foi motivada pela morte
súbita de grandes Hierofantes, que faleceram sem que tivessem tempo de revelar tudo aos
seus sucessores, e sobretudo por falta de herdeiros dignos do conhecimento. Todavia, em
seus rituais e dogmas conservaram os principais ensinamentos da Doutrina Secreta.
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É assim que nós deparamos, no capítulo do Livro dos Mortos a que se refere Maspero:
1º Osíris dizendo que é Tum (a força criadora da Natureza, que dá forma a todos os seres,
espíritos e homens; gerado por si mesmo e por si mesmo existente), saído de Num, o rio
celeste, chamado Pai-Mãe dos Deuses, a divindade primordial, que é o Caos ou o Abismo,
impregnado pelo Espírito invisível; 2º Osíris encontrando Shu, a força solar, na Escada da
Cidade dos Oito (os dois quadrados do Bem e do Mal, e aniquilando os princípios maus de
Num (o Caos), os Filhos da Rebelião; 3º Osíris como o Fogo e a Água, isto é, Num, o Pai
Primordial, criando os Deuses de seus próprios membros - quatorze Deuses (duas vezes
sete), sete de Luz e sete de Trevas (os sete Espírito da Presença dos Cristãos, e os sete
Espíritos Maus); 4º Osíris como a Lei da Existência e do Ser, o Bennu ou Fênix, a Ave da
Ressurreição na Eternidade, onde a Noite sucede ao Dia e o Dia à Noite - alusão aos ciclos
periódicos de ressurreição cósmica e de reencarnação humana (pois que outra significação
poderia ter?) "O Viajante que atravessa milhões de anos é o nome de um; e o Grande Verde
(Água Primordial ou Caos) é o nome do outro": um produzindo milhões de anos em
sucessão, e o outro absorvendo-os para fazê-los reaparecer; 5º Ele, o Viajante, fala dos Sete
Seres de Luz que seguem o seu senhor, Osíris, que confere a justiça, em Amenti.
Está hoje demonstrado que tudo isso foi a fonte e a origem dos dogmas cristãos. O que
os judeus receberam do Egito, por intermédio de Moisés e de outros Iniciados, ficou
bastante confuso e desfigurado em épocas posteriores; mas o que a Igreja tomou a ambos
é interpretado de maneira ainda pior.
O seu sistema, no entanto, provou-se atualmente que é idêntico, nesta parte especial
da simbologia - principalmente a chave dos mistérios da astronomia relacionados com os da
geração e da concepção - àquelas ideias das antigas religiões, cuja teologia desenvolveu o
elemento fálico. O sistema judeu de medidas sagradas, aplicado aos símbolos religiosos, é o
mesmo da Grécia, da Caldéia e do Egito, no que se refere às combinações geométricas e
numéricas, porquanto foi adotado pelos israelitas durante os séculos de escravidão e
cativeiro naquelas duas últimas nações (2). Que sistema era esse? O autor de The Source of
Measures acredita que "os Livros Mosaicos tinham por objetivo, usando uma linguagem
artificial, estabelecer um sistema geométrico e numérico de ciência exata, que devia servir
como origem das medidas". Piazzi Smyth é da mesma opinião. Alguns eruditos julgam que
esse sistema e essas medidas são idênticos aos empregados na construção da Grande
Pirâmide, o que só em parte é verdade. "A base de tais medidas era a razão de Parker" - diz
Ralston Skinner em The Source of Measures.
O autor de tão extraordinário livro conta que fez essa descoberta com o uso da razão
integral do diâmetro para a circunferência, revelada por John A. Parker, de New York. A
razão é de 6.561 para o diâmetro, e de 20.612 para a circunferência. Diz ainda que esta
razão geométrica foi a origem antiquíssima, e provavelmente divina, do que veio a ser, por
manipulações exotéricas e aplicações práticas, as medidas lineares britânicas, "cuja unidade
fundamental, isto é, a polegada, era também a base de um dos côvados reais egípcios e do
pé romano".
"Descobriu ainda que existiu uma forma modificada da razão, a saber, 113 a 355, e que,
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ao mesmo tempo em que esta última indicava, por sua origem, o valor exato de (pi), ou
6.561 para 20.612, servia também como base para cálculos astronômicos. O autor
descobriu que um sistema de ciência exata, geométrica, numérica e astronômica, baseado
sobre essas relações, e cuja aplicação prática se observa na Grande Pirâmide egípcia, era
em parte o conteúdo daquela linguagem que se acha oculta na letra do texto hebreu da
Bíblia. A polegada e a medida de dois pés de 24 polegadas, posta assim em uso por meio
dos elementos do círculo e das razões mencionadas, viu-se que formavam a base ou
fundamento daquele sistema central de ciência egípcio e hebreu, enquanto que, por outra
parte, pareceu que o sistema era, em si mesmo, considerado como de origem divina ou
proveniente de revelação divina."
Vejamos, porém, o que dizem os adversários das medidas que o Professor Piazzi Smyth
dá à pirâmide.
O Sr. Petrie parece negá-las e destruir por completo os cálculos de Piazzi Smyth em suas
relações com a Bíblia. Outro tanto vem fazendo o Sr. Proctor, o campeão das
"coincidências", desde muitos anos, em todas as questões de ciência e arte antiga. Falando
do "grande número de relações independentes da Pirâmide, que vieram à luz quando os
piramidalistas se esforçavam por associar a Pirâmide com o sistema solar", eis o que ele diz:
"Estas coincidências (as que 'existiriam ainda quando não existisse a Pirâmide') são bem
mais curiosas do que qualquer das existentes entre a Pirâmide e os números astronômicos.
As primeiras são tão exatas e notáveis quanto reais; as segundas, que são apenas
imaginárias (?), só tiveram curso por aquele processo que os meninos de escola chamam
de "cola"; e novas medidas, recentemente tomadas, farão com que todo o trabalho seja
refeito." (3)
"Sem embargo, devem ter sido mais do que simples coincidências, se os construtores da
pirâmide possuíam conhecimentos astronômicos, como se depreende da orientação
perfeita da mesma pirâmide e de suas outras características claramente astronômicas."
22
conhecimento divino, de onde partiu ao empreender o seu ciclo de encarnações terrestres.
Moisés, Iniciado na Mistagogia egípcia, baseou os mistérios religiosos da nova nação,
que fundou, sobre a mesma fórmula abstrata derivada daquele ciclo sideral, que simbolizou
sob a forma e as medidas do Tabernáculo, por ele construído no deserto, conforme se
supõe. Com esses dados prepararam os Grão-sacerdotes judeus, posteriormente, a alegoria
do Templo de Salomão - construção esta que nunca teve existência real, como também o
próprio rei Salomão, que não é senão um mito solar, idêntico ao de Hiram Abif dos mações,
consoante bem o demonstrou Ragon. Se, portanto, as medidas desse templo alegórico,
símbolo do ciclo da Iniciação, coincidem com as da Grande Pirâmide, é porque derivaram
destas últimas, por intermédio do Tabernáculo de Moisés.
Que o nosso autor tenha efetivamente descoberto uma ou mesmo duas das chaves,
ficou plenamente demonstrado na mencionada obra. (5) Basta a sua leitura para nos
convencer de que o sentido oculto das alegorias e parábolas de ambos os Testamentos se
acha agora esclarecido. Não é menos verdade, porém, que o autor deve semelhante
descoberta mais ao seu próprio gênio que a Parker e a Piazzi Smyth. Porque, conforme já
expusemos, não pode haver tanta certeza de que as medidas da Grande Pirâmide, tomadas
e adotadas pelos piramidalistas bíblicos, sejam estremes de qualquer dúvida. A prova disso,
vamos encontrá-la na obra The Pyramids and Temples of Gizeg, de F. Petrie, e também em
outros livros mais recentes e cujos autores, contrariando aqueles cálculos, os qualificam de
"tendenciosos". Podemos ver que quase todas as medidas de Piazzi divergem das que
foram posteriormente tomadas, com mais cuidado, pelo Sr. Petrie, o qual concluiu a
Introdução de sua obra com estas palavras:
Com relação aos cálculos, em geral, feitos por J. A. Parker, e principalmente no tocante
à sua terceira Proposição, tivemos oportunidade de consultar alguns matemáticos
eminentes, e eis o resumo do que nos disseram:
"O círculo é a base ou princípio natural de toda superfície, sendo artificial e arbitrário.
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na ciência matemática, fazer do quadrado essa base",
Admitindo, por amor do argumento, que se possa dar ao triângulo um raio no sentido
que atribuímos ao raio de um círculo - pois o que Parker chama raio de um triângulo é o
raio de um círculo inscrito no triângulo, e não o raio mesmo do triângulo - e admitindo por
um momento as outras proposições matemáticas e imaginárias que ele faz entrar em suas
premissas, por que haveríamos de concluir que, se o triângulo equilátero e o círculo se
opõem em todos os elementos de sua construção, o diâmetro de um círculo qualquer há de
estar na razão inversa do dobro do diâmetro de um triângulo equivalente? Qual a relação
necessária entre as premissas e a conclusão? Raciocínio desta espécie é desconhecido em
geometria, e não seria aceito por verdadeiros matemáticos.
Que o sistema arcaico esotérico haja ou não dado origem à polegada inglesa, é questão
de menos importância para o metafísico propriamente dito. E a interpretação esotérica da
Bíblia do Sr. Ralston Skinner não deixa de ser correta só porque as medidas da Pirâmide
possam ou não concordar com as do Templo de Salomão, as da Arca de Noé, etc., ou
porque os matemáticos se neguem a reconhecer a quadratura do círculo de Parker. Pois a
interpretação do Sr. Skinner se apoia, antes de tudo, nos métodos cabalísticos e no valor
que os rabinos davam às letras do alfabeto hebreu. Mas é da maior importância apurar se
as medidas usadas na evolução da religião simbólica dos ários, na construção de seus
templos, nas alegorias dos Purânas e principalmente na sua cronologia, nos seus símbolos
astronômicos, na duração dos ciclos e em outras computações eram ou não idênticas às
medidas empregadas nos cálculos e signos da Bíblia. O fato provaria, realmente, que os
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judeus - a menos que houvessem copiado as suas medidas e o seu côvado sagrado dos
egípcios (cujos Sacerdotes tinham iniciado Moisés) - devem ter adquirido tais noções na
Índia. Em todo caso, transmitiram-nas aos primeiros cristãos.
São, portanto, os ocultistas e os cabalistas os verdadeiros herdeiros do Conhecimento
ou Sabedoria Secreta que se encontra na Bíblia, porquanto hoje só eles compreendem o
seu real significado, ao passo que os judeus e cristãos profanos se atêm ao sentido exterior
e à letra morta.
Está agora demonstrado pelo autor de The Source of Measures que foi a esse sistema
de medidas que se deveu a invenção dos nomes de Elohim e Jeová atribuídos a Deus, e sua
adaptação ao falícismo: e que Jeová é uma cópia, não muito lisonjeira, de Osíris. Mas tanto
esse autor como Piazzi Emyth parecem estar sob a impressão de que: (a) a prioridade do
sistema pertence aos israelitas, sendo o hebraico a língua divina; (b) esta língua universal
tem por origem a revelação direta.
A última hipótese só é correta no sentido indicado no parágrafo final da Seção
precedente; com a ressalva de que não estamos ainda de acordo quanto à natureza e o
caráter do divino "Revelador". A procedência da primeira hipótese sobre a questão da
prioridade dependerá, sem dúvida, para os profanos: (a) das provas internas e externas da
revelação, e (b) das ideias preconcebidas de cada um. O que, aliás, não pode impedir que o
cabalista deísta ou o ocultista panteísta tenha a sua convicção, cada qual à sua maneira,
sem que nenhum dos dois convença o outro. Os dados que a história subministra são por
demais escassos e pouco satisfatórios, para que um deles consiga provar ao céptico com
quem está a razão.
Por outro lado, as provas que a tradição proporciona são rejeitadas sistematicamente,
de modo que não é possível esperar solução para o problema na época atual. E a ciência
materialista continuará fazendo tábua rasa tanto dos ocultistas como dos cabalistas. Mas,
uma vez dirimida a importante questão da prioridade, a ciência, em seus ramos da filosofia
e da religião comparada, tendo afinal que se manifestar, ver-se-á obrigada a admitir a
asserção comum.
Um a um vão sendo aceitos os postulados, à medida que os homens de ciência, um
após outro, se veem na contingência de reconhecer os fatos antecipados pela Doutrina
Secreta, ainda que só raramente o façam. Por exemplo, ao tempo em que a opinião de
Piazzi Smyth pesava como autoridade na questão da Pirâmide de Gizeh, sustentava ele a
teoria de que o sarcófago do pórfiro da Câmara do Rei, que era "a unidade de medida de
duas das mais ilustradas nações da Terra, a Inglaterra e a América", não passava de um
"depósito de trigo". Tal coisa foi por nós peremptoriamente contestada em Ísis sem Véu,
que acabávamos de publicar. A imprensa de Nova York (principalmente os jornais Sun e
World) então se mobilizou contra nós, à simples ideia de que tivéssemos a pretensão de dar
quinau a um astro da ciência. Havíamos dito que Heródoto, quando se referiu àquela
Pirâmide,
"... podia ter acrescentado que, exteriormente, ela simbolizava o princípio criador da
Natureza, e também projetava luz sobre os princípios da geometria, das matemáticas, da
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astrologia e da astronomia. Interiormente, era um templo majestoso, em cujos sombrios
recintos se celebravam os Mistérios, e cujos muros haviam tantas vezes testemunhado as
cerimônias da iniciação de membros da família real. O sarcófago de pórfiro, que o Professor
Piazzi Smyth, Astrônomo Real de Escócia, rebaixa ao nível de um celeiro de trigo, era a
fonte batismal, de onde o neófito saía nascido de novo, convertendo-se em um Adepto." (6)
"A chamada Câmara do Rei - sobre a qual escreveu um piramidista entusiasta: 'As
paredes polidas, os materiais selecionados, as imponentes proporções e a situação
dominante falam com eloquência de futuras glórias' - se não era a 'câmara das perfeições'
do túmulo de Cheops, era, provavelmente, o recinto onde tinha admissão o neófito depois
de atravessar a estreita passagem do alto e a grande galeria com a extremidade pouco
elevada, que gradualmente o preparavam para a fase final dos Mistérios." (7)
"E quando ela [a mãe de Moisés] não pôde escondê-lo por mais tempo, tomou uma
cesta de junco e a untou de argila e betume, pôs o menino dentro dela e a deixou a flutuar
entre os caniços à beira do rio." (14)
"Supõe-se que o fato ocorreu cerca de 1600 anos antes de Cristo, um pouco antes da
época assinalada por Moisés; e como sabemos que a fama de Sargão chegou ao Egito, é
muito provável que essa história tenha alguma relação com os acontecimentos mencio-
nados no livro II do Êxodo, porque toda ação, uma vez executada, tende a repetir-se."
Mas agora, que o Professor Sayce teve a coragem de fazer recuar de 2.000 anos as
épocas atribuídas aos reis caldeus, vê-se que Sargão deve ter precedido Moisés em 2.000
anos pelo menos. A confissão é bem significativa, faltando, porém, um ou dois zeros às
quantidades.
Ora, qual é a dedução lógica? Certamente a que nos autoriza a dizer que a versão de
Esdras, a respeito de Moisés, fora por ele ouvida quando esteve na Babilônia, havendo
Esdras aplicado ao legislador judeu a alegoria concernente a Sargão. Numa palavra: que o
Êxodo nunca foi escrito por Moisés, e sim recopilado por Esdras de antigos materiais.
Sendo assim, por que outros símbolos e mitos muito mais grosseiros em seu elemento
fálico não podiam ter sido acrescentados por Esdras, versado que era no último culto fálico
da Caldeia? Diz-se que a primitiva crença dos israelitas era muito diferente da que veio a
ser, vários séculos depois, adotada pelos talmudistas e, anteriormente a estes, por David e
Ezequiel.
Tudo isso, a despeito do elemento exotérico, tal como hoje se vê dos dois Testamentos,
é mais que suficiente para classificar a Bíblia entre as obras esotéricas, e associar o seu
sistema secreto ao simbolismo indiano, caldeu e egípcio. Todos os símbolos e números
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bíblicos, sugeridos por observações astronômicas - pois a Astronomia e a Teologia são
estreitamente relacionadas -, se encontram nos sistemas indianos, tanto exotéricos como
esotéricos. Esses números e seus símbolos, os signos do Zodíaco, os planetas, seus aspectos
e seus nodos - (tendo este último termo passado para a botânica moderna) -, são
conhecidos em Astronomia como sextis, quartis, etc., e foram usados pejos povos arcaicos
durante séculos e séculos; em certo sentido, sua significação é a mesma dos algarismos
hebreus. As primeiras formas da Geometria elementar foram, sem dúvida, sugeridas pela
observação dos corpos celestes e de seus agrupamentos. É por isso que os símbolos mais
antigos do esoterismo oriental são o círculo, o ponto, o triângulo, o quadrado, o pentágono,
o hexágono e outras figuras planas de vários lados e ângulos - o que mostra serem o
conhecimento e o uso da simbologia geométrica tão antigos quanto o mundo.
Partindo desta base, fácil é compreender como a Natureza, mesmo sem o auxílio de
instrutores divinos, pôde ensinar à humanidade primitiva os primeiros princípios de uma
linguagem de símbolos, numérica e geométrica (15). Daí o vermos o emprego de números
e figuras para exprimir e registrar o pensamento em todas as Escrituras simbólicas arcaicas.
Os símbolos são sempre os mesmos, salvo certas variações resultantes das primeiras
figuras. Assim, a evolução e a correlação dos mistérios da Natureza e do Cosmos, do seu
crescimento e desenvolvimento - espiritual e físico, abstrato e concreto -, foram a princípio
registrados por modificações da forma geométrica. Cada Cosmogonia começou por um
círculo, um ponto, um triângulo e um quadrado, até o número 9, tudo sintetizado depois
pela primeira linha e o círculo, a Década mística de Pitágoras, a soma total que continha e
exprimia os mistérios de todo o Cosmos; mistérios registrados no sistema indiano com uma
exatidão cem vezes maior que em outro qualquer sistema, para todo aquele que pode
entender a linguagem mística. Os números 3 e 4, com a sua soma de 7, assim como os
números 5, 6, 9 e 10, são as pedras angulares das Cosmogonias Ocultas. A Década, com
suas mil combinações, se encontra em todas as partes do Globo. Pode ser identificada nas
grutas e nos templos cavados na rocha do Indostão e da Ásia Central; nas pirâmides e nos
monólitos do Egito e da América; nas catacumbas de Ozimandyas; nos baluartes das
fortalezas coroadas de neve do Cáucaso; nas ruínas de Palenque; na ilha da Páscoa; em
toda a parte onde o homem da antiguidade pôs os pés. O 3 e o 4, o triângulo e o quadrado,
ou os signos universais masculino e feminino, que indicam o primeiro aspecto da evolução
da divindade, estão representados perpetuamente nos Céus pelo Cruzeiro do Sul, como o
estão na Cruz Ansata egípcia, conforme muito bem o expôs o autor de The Source of
Measures:
"O desdobramento do Cubo dá a Cruz com a forma egípcia, o Tau, ou a cruz cristã...
Unindo um círculo à primeira, temos a Cruz Ansata... Os números 3 e 4 contados sobre a
cruz mostram uma forma do candelabro [hebreu] de ouro [no Sanctum Sanctorum], e os 3
+ 4 = 7 e 6 + 1 = 7 dão os dias no círculo da semana, como as sete luzes do sol. Da mesma
forma que a semana de sete luzes deu origem ao mês e ao ano, assim também indica o
tempo do nascimento... A forma da cruz é, assim, determinada pelo uso simultâneo da
fórmula 113 : 355, e o símbolo se completa pelo homem pregado na cruz (16). Esta espécie
29
de medida estava associada à ideia da origem da vida humana, e daí a forma fálica."
"Depois de lançada uma vista geral sobre a natureza da forma dos números... é
sobremodo interessante investigar onde e quando eles surgiram e foram usados pela
primeira vez. Teriam resultado de alguma revelação nos chamados tempos históricos,
tempos relativamente modernos se considerarmos a idade da raça humana? Parece,
efetivamente, que o emprego dos números pelo homem remonta a uma época muito mais
distanciada dos antigos egípcios do que estes o estão de nós.
As ilhas da Páscoa, no "meio do Pacífico", aparentam ser os picos que restam das
montanhas de um continente submerso, por existirem ali inúmeras estátuas ciclópicas,
vestígios de um povo numeroso e inteligente, que devia, necessariamente, ter ocupado
uma área muito extensa. Sobre o ombro das imagens, vê-se a "cruz ansâta", e esta mesma
cruz modificada segundo os contornos do corpo humano. No número de janeiro de 1870 do
London Builder há uma descrição minuciosa, acompanhada de gravuras, que mostram a
região coberta por uma floresta de estátuas, e uma reprodução das imagens...
Num dos primeiros números (o 36.°), do Naturalist, que se publica em Salem,
Massachusetts, encontra-se a descrição de algumas figuras muito antigas e curiosas,
esculpidas sobre a rocha nas cristas das montanhas da América do Sul, e seguramente
muito anteriores às raças hoje existentes. O que há de estranho nessas esculturas é que
elas apresentam os contornos de um homem estendido sobre uma cruz (17) em uma série
de desenhos nos quais a forma de um homem acaba por se converter na de uma cruz, mas
feitos de tal modo que a cruz pode ser tomada pelo homem e o homem pela cruz...
Sabe-se que entre os Aztecas foi conservada a tradição de uma narrativa completa do
dilúvio... O Barão de Humboldt diz que devemos procurar o país de Aztalan, que é o país de
origem dos Aztecas, na altura do paralelo 42 de latitude Norte, pelo menos, de onde,
viajando, chegaram por fim ao vale do México. Neste vale, as pequenas elevações de terra
do extremo Norte se convertem em elegantes pirâmides de pedra e em outras estruturas,
cujos restos estão sendo agora descobertos. A relação que existe entre as relíquias astecas
e as egípcias é bastante conhecida... Atwater, depois de ter examinado centenas delas, está
convencido de que esses povos conheciam Astronomia. Uma das mais perfeitas
construções em forma de pirâmide, deixadas pelos Aztecas, é assim descrita por Humboldt:
'A forma desta pirâmide (de Papantla), que tem sete andares, é mais fina e alongada
que a de qualquer outro monumento do mesmo gênero até hoje descoberto; mas sua
altura nada tem de extraordinária, pois é de apenas 57 pés, e sua base mede 25 pés de
cada lado. Há nela, porém, uma particularidade digna de nota: foi toda construída com
enormes pedras talhadas, e sua forma é muito pura. Três escadas, cujos degraus são
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ornados com hieróglifos esculpidos e pequenos nichos dispostos com bastante simetria,
conduzem ao alto. O número dos nichos parece ter relação com os 318 signos simples e
compostos dos dias do seu calendário civil.'
318 é o valor Gnóstico de Cristo, assim como o número famoso dos disciplinados e
circunciados servidores de Abraão. Se considerarmos que 318 é um valor abstrato e
universal, que exprime o valor da circunferência cujo diâmetro é a unidade, a razão de seu
uso na composição de um calendário civil torna-se evidente." (18)
31
Adãos. Falam "de um Adão branco e de outro negro, de um Adão vermelho e de outro
amarelo" (20). Os hindus, se enumerassem os renascimentos de Vamâdeva, a que alude o
Linga Purâna, não poderiam dizer mais. Pois, ao relatar os sucessivos nascimentos de Shiva,
diz aquela escritura que em um Kalpa era branco, em outro negro, e no seguinte vermelho,
transformando-se o Kumâra, depois, em "quatro jovens de tez amarela". Essa estranha
coincidência, como diria Proctor, depõe em favor da intuição científica; pois Shiva-Kumâra
não é senão a representação alegórica das raças humanas durante a gênese do homem. E
conduz também a outro fenômeno de intuição - nas fileiras dos teólogos, desta vez. O autor
incógnito de Primeval Man, em um desesperado esforço para proteger a Revelação Divina
contra as inexoráveis e eloquentes descobertas da Geologia e da Antropologia, observa que
"seria uma desgraça que os defensores da Bíblia se vissem reduzidos à alternativa de
abandonar a inspiração da Sagrada Escritura ou negar as conclusões dos geólogos", e busca
encontrar uma fórmula de meio termo. Chega até a dedicar todo um volume à
demonstração de que "Adão não foi o primeiro homem (21) criado sobre a terra". As
relíquias do homem pré-adamita, já exumadas, "em vez de quebrantar nossa fé na Sagrada
Escritura, acrescentam mais provas em favor de sua veracidade" (22). Como? Da maneira
mais simples do mundo; pois o autor declara que, de ora em diante, "nós" (o clero)
"podemos deixar os homens de ciência prosseguir em seus estudos, sem procurar detê-los
com o temor da heresia". Não há dúvida que já é um consolo para os senhores T. H. Huxley,
Tyndall e Sir Charles Lyell!
"A narração da Bíblia não principia pela criação, como geralmente se supõe, mas pela
formação de Adão e Eva, milhões de anos depois de haver sido criado o nosso planeta. Sua
história anterior, no que concerne à Escritura, ainda não foi escrita... É possível que tivesse
havido, não uma, mas vinte raças diferentes sobre a terra antes da época de Adão, como
talvez haja vinte raças diferentes em outros mundos." (23)
Que ou quais eram então essas raças, já que o autor insiste em sustentar que Adão foi o
primeiro homem de nossa raça? Eram a raça e as raças Satânicas! "Satã nunca (esteve) no
céu, (sendo) os anjos e os homens uma espécie". A raça pré-adamita de Anjos "foi a que
pecou". Lemos que Satã foi "o primeiro Príncipe deste mundo". Tendo sido morto em
consequência de sua rebelião, permaneceu na Terra como Espírito desencamada, e tentou
Adão e Eva.
"As primeiras idades da raça satânica, e principalmente durante a vida do mesmo Satã
[!!!], podem ter sido um período de civilização patriarcal e de relativa tranquilidade (época
dos Tubal-Cains e dos Jubais, quando as ciências e as artes tentaram implantar suas raízes
naquele solo maldito)... Que assunto para um poema épico! ... Devem ter ocorrido
incidentes inevitáveis. Vemos diante de nós... o alegre amante primitivo fazendo a corte à
sua enrubescida bem-amada, ao cair o rocio da noite, sob a fronde dos carvalhos, que
então cresciam, Já onde agora já não medra o carvalho... ; e o velho patriarca de antanho...
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com a inocente prole primitiva saltitando alegremente ao seu lado... Mil quadros
semelhantes se desdobram aos nossos olhos!"
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SEÇÃO III
O ÉTER - (esse Proteu hipotético, uma das ficções representativas da ciência moderna, e
que, não obstante, foi admitido desde há muito tempo) - é um dos "princípios" inferiores
do que chamamos Substância Primordial (Akâsha em sânscrito), um dos sonhos da
antiguidade, que ora se converteu no sonho da ciência de nossos dias. É a maior e a mais
ousada das especulações que sobrevivem dos antigos filósofos. Para os ocultistas, porém, o
Éter e a Substância Primordial são ambos realidades. Mais claramente, o Éter é a luz Astral,
e a Substância Primordial é o Akâsha, o Upâdhi do Pensamento Divino.
Em linguagem moderna, poderia este último ser chamado Ideação Cósmica, Espírito; e
o primeiro, Substância Cósmica, Matéria. Os dois (o Alfa e o Omega do Ser) são as duas
facetas da Existência Absoluta. Os antigos jamais se dirigiram a esta última, nem lhe deram
nome algum, exceto alegoricamente. Na mais antiga das raças arianas, a raça hindu, o culto
das classes intelectuais não consistiu nunca, como entre os gregos, em uma fervorosa
adoração das maravilhas da forma e da arte, adoração que depois chegou ao
antropomorfismo. Mas, enquanto o filósofo grego adorava a forma, e só o sábio hindu
"percebia a verdadeira relação entre a beleza terrena e a verdade eterna", as pessoas
incultas de todas as nações jamais compreenderam nem uma nem outra coisa.
Não as compreendem mesmo em nossos dias. A evolução da ideia de Deus segue a par
e passo com a própria evolução intelectual do homem. Tanto isto é verdade que o mais
nobre dos ideais, que pode ser alcançado pelo espírito religioso de uma época, há de
parecer sempre uma caricatura grosseira à mente filosófica de uma época posterior. Os
35
próprios filósofos tinham que ser iniciados em certos mistérios perceptivos, antes de que
pudessem apreender o verdadeiro pensamento dos antigos sobre este assunto, o mais
metafísico de todos. De outro modo - isto é, sem essa iniciação - a capacidade intelectual
de cada pensador clamará: "até aqui chegarás, mas não irás além", traçado assim um limite
claro e inelutável, como o que a Lei do Carma impõe ao progresso de cada raça ou nação,
no seu respectivo ciclo. Sem a iniciação, os ideais do pensamento religioso contemporâneo
terão sempre as asas cortadas, incapazes de levantar voo; pois tanto os pensadores
idealistas como os realistas, e até os livres pensadores, não são mais que a expressão e o
produto natural de sua época e do seu ambiente. O ideal de cada um deles não é senão o
resultado inevitável do seu temperamento e a manifestação daquela fase de progresso
intelectual que uma nação alcançou, em sua coletividade. E é por isso, conforme já houve
oportunidade de observarmos, que os mais altos arroubos da metafísica ocidental moderna
têm permanecido muito longe da verdade. A maioria das especulações agnósticas correntes
sobre a "Causa Primeira" quase não passam de materialismo velado - só a etiqueta é que
varia. Até um pensador tão eminente como o Sr. Herbert Spencer fala por vezes do
"Incognoscível" em termos que demonstram a influência perniciosa do materialismo, que
tem secado e esterilizado, qual o mortal siroco, todas as fontes de especulação ontológica.
Por exemplo, quando ele diz que a "Causa Primeira" (o "Incognoscível") é "uma força
que se manifesta por meio do fenômeno" e "uma energia infinita e eterna", está claro que
não aprendeu senão o aspecto físico do Mistério do Ser, ou seja, tão somente o das
Energias da Substância Cósmica. O aspecto coeterno da Realidade Una, a Ideação Cósmica,
absolutamente não é objeto de cogitação; e, quanto ao seu Número, parece não existir na
mente do grande pensador. Sem dúvida alguma, esse modo unilateral de tratar o problema
deve-se, em larga escala, ao hábito deplorável seguido no Ocidente de subordinar a
Consciência à Matéria, ou de considerar aquela como um "subproduto" do movimento
molecular.
Desde os primeiros tempos da Quarta Raça (quando só ao Espírito se rendia culto, e o
Mistério se achava manifesto), até os últimos dias de esplendor da arte grega, na aurora do
Cristianismo, só os Helenos se haviam atrevido a erguer publicamente um altar ao "Deus
Desconhecido". Fosse qual fosse o profundo pensamento que inspirou São Paulo quando
declarou aos atenienses que esse "Desconhecido", a quem assim adoravam, era o
verdadeiro Deus por ele anunciado, uma coisa é certa: tal Divindade não era Jeová, nem
tampouco o "criador do mundo e de tudo o que nele existe". Porque não se tratava do
Deus de Israel, mas do "Desconhecido" dos panteístas, antigos e modernos, que "não mora
em templos construídos pala mão do homem". (1)
O Pensamento Divino não pode ser definido, nem sua significação explicada, exceto
pelas inumeráveis manifestações da Substância Cósmica, na qual aquele Pensamento é
sentido espiritualmente pelos que têm capacidade para tanto. Dizer isto, depois de
enunciado que a Divindade Desconhecida é abstrata, impessoal e assexa, devendo estar na
raiz de toda Cosmogonia e de sua subsequente evolução, equivale a não dizer
absolutamente nada. É como se tentássemos resolver uma equação transcendente sem
dispormos, para determinar o valor real de seus termos, senão de certo número de
quantidades desconhecidas.
36
Nas primitivas cartas simbólicas da antiguidade, o Pensamento Divino aparece
representado por uma obscuridade sem limites, em cujo fundo, conforme já mostramos,
surge o primeiro ponto central em branco - simbolizando deste modo o Espírito-Matéria
coevo e coeterno, que faz o seu aparecimento no mundo fenomenal, antes de sua primeira
diferenciação. Quando "o Uno se converte em Dois", pode-se então nomeá-lo como
Espírito-Matéria. Ao "Espírito" podem ser atribuídas todas as manifestações da consciência,
direta ou reflexa, e da "intenção inconsciente" (adotando uma expressão moderna, em uso
na chamada filosofia ocidental), como se evidencia no Princípio Vital e na submissão da
Natureza à ordem majestosa da Lei imutável. A "Matéria" deve ser considerada como o
objetivo em sua mais pura abstração, a base existente por si mesma, cujas manvantáricas
diferenciações setenárias constituem a realidade objetiva, subjacente aos fenômenos de
cada fase da existência consciente. Durante o período do Pralaya Universal, a Ideação
Cósmica é inexistente, e os diversos estados diferenciados da Substância Cósmica Se
resolvem novamente no estado primitivo de obvidade abstrata potencial. (2)
O impulso manvantário principia com o redespertar da Ideação Cósmica, a Mente
Universal, simultânea e paralelamente com o primeiro emergir da Substância Cósmica -
sendo esta última o veículo manvantárico da primeira - de seu estado pralaico não
diferenciado. A Sabedoria Absoluta então se reflete em sua Ideação, a qual, por um
processo transcendente, superior e incompreensível à consciência humana, se transforma
em Energia Cósmica: Fohat. Vibrando no seio da Substância inerte, Fohat a impulsiona à
atividade e guia suas primeiras diferenciações em todos os Sete planos da Consciência
Cósmica. Deste modo, há Sete Prótilos (como são chamados atualmente, ao passo que para
a antiguidade ária eram os Sete Prakritis ou Naturezas), servindo cada um de base
relativamente homogênea, que se vai diferenciando, no curso da crescente
heterogeneidade, durante a evolução do Universo, na maravilhosa complexidade dos
fenômenos que se apresentam nos planos de percepção. O termo "relativamente" é
empregado de propósito, porque, a própria existência resultando de semelhante processo
de segregações primárias da Substância Cósmica não diferenciada, dentro de suas bases
setenárias de evolução, somos levados a considerar o Prótilo de cada plano como sendo só
uma fase intermediária por que passa a Substância na sua trajetória desde o abstrato até a
objetividade completa.
Diz-se que a Ideação Cósmica é não existente durante os períodos pralaicos, pela
simples razão de que não há nada nem ninguém para lhe perceber os efeitos. Não pode
haver manifestação de consciência, de semiconsciência ou mesmo de "intenção
inconsciente", senão por meio do veículo da Matéria; vale dizer que, no plano em que
vivemos, onde a consciência humana, em seu estado normal, não pode elevar-se acima da
chamada metafísica transcedente, só por meio de uma agregação ou construção molecular
é que o Espírito surge como corrente de subjetividade individual ou subconsciente. E como
a Matéria, separada da percepção, é mera abstração, os dois aspectos do Absoluto,
Substância Cósmica e Ideação Cósmica, são interdependentes. Para dizer com toda a
exatidão, evitando confusões e interpretações errôneas, a palavra "Matéria" deveria ser
aplicada ao agregado de objetos cuja percepção é possível, e a palavra "Substância" aos
Números. Porque, se os fenômenos do nosso plano são criações do Ego que percebe -
37
modificações de sua própria subjetividade -, todos os "estados de matéria que representam
o agregado dos objetos percebidos" não podem ter, para os filhos do nosso plano, senão
uma existência relativa e puramente fenomenal. Como diriam os idealistas modernos, a
cooperação do Sujeito com o Objeto tem como resultado o objeto de sensação ou
fenômeno.
Mas daí não se segue necessariamente que o mesmo se verifique em todos os outros
planos; que a cooperação dos dois, nos estados de sua diferenciação setenária, tenha como
resultado um agregado setenário de fenômenos, igualmente não existentes per se, ainda
que sejam realidades concretas para as Entidades de cuja experiência participem; do
mesmo modo que os rochedos e os rios que nos cercam são reais aos olhos do físico, mas
não passam de ilusões dos sentidos para o metafísico. Seria um erro dizer ou sequer
imaginar semelhante coisa. Do ponto de vista da metafísica mais elevada, todo o Universo,
inclusive os Deuses, é uma Ilusão (Mâya) . Mas a ilusão daquele que em si mesmo é uma
ilusão difere em cada plano de consciência; e nós não temos mais direito de dogmatizar
sobre a possível natureza das faculdades perceptivas de um Ego do sexto plano, por
exemplo, que de identificar nossas percepções com as de uma formiga, ou tomá-las como
paradigma do modo de consciência desta última. A Ideação Cósmica, concentrada em um
princípio, ou Upâdhi (base), tem como resultado a consciência do Ego individual. Sua
manifestação varia com o grau do Upâdhi. Por exemplo: com o princípio conhecido por
Manas, surge como consciência mental; e com a construção mais sutilmente diferenciada
de Budhi, sexto estado da matéria, e tendo por base a experiência de Manas, como uma
corrente de Intuição Espiritual.
O Objeto puro, separado da consciência, nos é desconhecido enquanto vivemos no
plano do nosso Mundo de três dimensões; pois só conhecemos os estados mentais que ele
suscita no Ego que o percebe. E, enquanto durar o contraste entre o Sujeito e o Objeto, isto
é, enquanto apenas dispusermos dos nossos cinco sentidos, e não soubermos como libertar
o nosso Ego, que é todo percepção, da escravidão dos mesmos sentidos, será impossível ao
Eu pessoal romper a barreira que o separa do conhecimento das "coisas em si" ou da
substância.
Aquele Ego, progredindo em um arco de subjetividade ascendente, deve esgotar as
experiências de todos os planos. Antes, porém, que a Unidade seja absorvida no Todo,
neste ou em outro plano, e antes que tanto o Sujeito como o Objeto desapareçam na
negação absoluta do Estado Nirvânico - negação, repetimos, só em relação ao nosso plano -
não se pode escalar o pináculo da Onisciência, o Conhecimento das Coisas em si mesmas, e
chegar próximo à solução do enigma ainda mais transcendente, diante do qual até os mais
elevados Dhyân-Chohans se prosternam silenciosos e ignorantes - o Inefável Mistério a que
os vedantinos dão o nome de Parabrahman.
Mas, assim sendo, dar um nome ao Princípio Incognoscível é simplesmente degradá-lo.
E até mesmo falar da Ideação Cósmica - salvo em seu aspecto fenomenal - equivale a
querer armazenar o Caos primordial, ou aplicar um rótulo à Eternidade.
Que é, pois, a "Substância Primordial", essa coisa misteriosa a que sempre se referiu a
Alquimia, e que serviu de tema às especulações filosóficas de todos os tempos? Que pode
ser, finalmente, inclusive em sua pré-diferenciação fenomenal? Ela mesma o Todo da
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Natureza manifestada, e nada para os nossos sentidos. É mencionada sob nomes
diferentes em todas as cosmogonias, todas as filosofias se referem a ela, e até os nossos
dias continua sendo o Proteu sempre fugidio e sempre presente na Natureza. Nós a
tocamos, sem a sentir; nós a olhamos, e não a vemos; nós a respiramos, e não a
percebemos; nós a ouvimos e a inalamos, sem ter a menor noção de sua existência; porque
ela está em cada molécula daquilo que em nossa ilusão e ignorância chamamos de Matéria,
em qualquer de seus estados, ou no que concebemos como uma sensação, um
pensamento, uma emoção. Numa palavra, é o Upâdhi, ou o veículo de todos os fenômenos
possíveis, sejam físicos, psíquicos ou mentais. Nas primeiras frases do Gênesis, como na
Cosmogonia caldéia; nos Purânas da Índia e no Livro dos Mortos do Egito; por toda a parte,
ela abre o ciclo da manifestação. É chamada o "Caos" e a Face das Águas Incubadas pelo
Espírito procedente do Desconhecido, seja qual for o nome que se dê a esse Espírito. (Veja-
se a Seção IV).
Os autores das Sagradas Escrituras da Índia penetram mais a fundo a origem e evolução
das coisas do que Thales ou Job, quando dizem:
"Da inteligência [chamada Mahat nos Purânas] em associação com a Ignorância (Ishvara
como divindade pessoal), acompanhada de seu poder projetivo, no qual predomina a
qualidade da torpeza [tamas, insensibilidade], procede o Éter - do éter, o ar; do ar, o calor;
do calor, a água; e da água, a terra, com tudo o que nela existe." (3)
"Disto, deste mesmo Eu, foi produzido o Éter" - diz o Veda (4).
É, pois, evidente que não é este Éter (originado do quarto grau de uma emanação da
"Inteligência associada com a Ignorância") o princípio elevado, a Entidade deífica a que
rendiam culto os gregos e os latinos, sob os nomes de "Pater Omnipotens Æther" e
"Magnus Æther", em seus agregados coletivos. A gradação setenária e as inumeráveis
subdivisões e classes estabelecidas pelos antigos entre os poderes coletivos do Éter - desde
o limite exterior de seus efeitos, que é tão familiar à nossa Ciência, até a "Substância
Imponderável", que já se admitiu como "Éter do espaço" e que agora está prestes a ser
posta de lado - sempre constituíram um inquietante enigma para todos os ramos do
conhecimento.
Os mitólogos e os simbologistas de nossa época, confundidos por essa incompreensível
glorificação, de um lado, e degradação, de outro, da mesma Entidade deificada, e nos
mesmos sistemas religiosos, incorrem frequentemente em equívocos os mais ridículos. A
Igreja, que se mantém firme como a rocha em cada um de seus primeiros erros de
interpretação, fez do Éter a morada de suas legiões satânicas. Toda hierarquia dos Anjos
"Caídos" ali está: os Cosmocratas ou "Portadores do Mundo", segundo Bossuet; Mundi
Tenentes ou "Sustentadores do Mundo", como os denomina Tertuliano; Mundi Domini,
"Dominações do Mundo", ou melhor, os Dominadores; os Curbati ou "Encurvados", etc.;
transformados desse modo as estrelas e os orbes celestes em Demônios!
Foi assim que a Igreja interpretou este versículo: "Pois não lutamos contra a carne e o
sangue, mas contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas
deste mundo" (5). Em seguida menciona São Paulo as malícias espirituais ("wickedness"
39
nos textos ingleses) disseminadas pelo ar - spiritualis nequitae coelestibus; dando os textos
latinos vários nomes a essas "malícias", que são os inocentes "Elementais", Neste ponto a
Igreja tem razão, equivocando-se, porém, no qualificar tais entidades como demônios. A
Luz Astral ou Éter inferior está apinhada de entidades conscientes, semiconscientes e
inconscientes; só que a Igreja tem menos poder sobre elas que sobre os micróbios invisíveis
ou os mosquitos.
A distinção entre os sete estados do Éter que é um dos sete Princípios Cósmicos, ao
passo que o Æther dos antigos é o Fogo Universal - pode ver-se nos mandamentos de
Zoroastro e de Pselo, respectivamente. Diz o primeiro: "Não o consultes senão quando ele
esteja sem forma ou figura" (absque forma et figura), o que significa: sem chamas ou brasas
ardentes. "Quando revestido de uma forma, não lhe dês atenção" - ensina Pselo - "mas,
quando não tenha forma, obedece-lhe, porque então é o fogo sagrado, e tudo o que te
revele é verdade" (6). Isso mostra que o Éter, que é em si um aspecto do Akâsha, tem, por
sua vez, diversos aspectos ou "princípios".
Todos os povos antigos deificavam o Éter pelo seu aspecto e força impoderáveis. A
Júpiter Virgílio chama Pater Omnipotens Æther e "Grande Éter" (7). Os hindus também
incluem o Akâsha, a síntese do Éter, entre as suas divindades. E o autor do sistema
homeomeriano de filosofia, Anaxágoras de Clasomene, acreditava firmemente que os
protótipos espirituais de todas as coisas, assim como os seus elementos, se encontravam
no Æther sem limites, onde eram gerados, de onde evolucionavam e para onde
retornavam: um ensinamento oculto.
Claro é, portanto, que do Æther, em seu aspecto mais elevado, e uma vez
antropomorfizado, é que surgiu a ideia primeira de uma divindade pessoal criadora. Entre
os filósofos hindus, os Elementos são tâmasa, isto é, "não iluminados pelo intelecto, que
eles obscurecem".
Cumpre agora solucionar a questão do significado místico do Caos Primordial e do
Princípio Raiz, e mostrar como estavam associados, nas antigas filosofias, ao Akâsha
(traduzido erroneamente por Éter) e também a Mâyâ, a Ilusão, de que Íshvara é o aspecto
masculino. Mais adiante falaremos do Princípio Inteligente, ou melhor, das propriedades
imateriais e invisíveis dos elementos materiais e visíveis, que "brotaram do Caos
Primordial".
Pois, "que é o Caos Primordial, senão o Æther?" - indagamos em Ísis sem Véu. Não o
Éter moderno; não o que hoje se admite como tal, mas como era conhecido dos filósofos
antigos, muito antes do tempo de Moisés: o Æther com todas as suas propriedades
misteriosas e ocultas, contendo em si os germes da criação universal. O Æther Superior ou
Akâsha é a Virgem Celestial, Mãe de todas as formas e de todos os seres existente, e de
cujo seio, "incubado" pelo Espírito Divino, surgiram a Matéria e a Vida, a Força e a Ação.
Æther é ao mesmo tempo o Additi e o Akâsha dos hindus. A eletricidade, o magnetismo, o
calor, a luz e a ação química são, ainda hoje, tão pouco compreendidos, que novos fatos
vêm cada dia ampliar o horizonte de nossos conhecimentos. Quem sabe onde termina o
poder desse Proteu gigante, o Æther, ou qual a sua misteriosa origem? Quem, dizemos nós,
pode negar o espírito que nele atua e dele faz evolucionar todas as formas visíveis?
Seria fácil tarefa demonstrar que as lendas cosmogônicas de todos os povos estão
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baseadas no conhecimento, que os antigos possuíam, daquelas ciências que se aliaram em
nossos dias para apoiar a doutrina da evolução. E uma investigação mais profunda faria ver
que os antigos conheciam muito melhor a evolução do que nós, tanto em seu aspecto físico
como no espiritual.
"Para os filósofos antigos, a evolução era um teorema universal, uma doutrina que
abrangia tudo, e um princípio estabelecido; ao passo que os nossos modernos
evolucionistas não nos podem oferecer senão meras teorias especulativas, com
teoremas parciais, quando não inteiramente negativos. É inútil que os representantes
de nossa ciência moderna encerrem o debate e pretendem que a questão se acha
resolvida, só porque a obscura fraseologia da narração mosaica... contradiz as
explicações definidas da 'ciência exata'." (8)
De onde provém este Senhor existente por Si Mesmo? É chamado ISTO, e a ele se alude
como sendo "Trevas Imperceptíveis, sem qualidades definidas; indiscernível, incognoscível;
e como imerso em profundo sono". Havendo morado naquele Ovo durante todo um Ano
Divino, esse "a quem o mundo chama Brahma" quebra o mesmo Ovo em dois, e da parte
superior forma o céu, da inferior a terra, e do centro o firmamento e o "lugar perpétuo das
águas" (9).
Mas, imediatamente depois destes versículos, há algo mais importante para nós, visto
corroborar plenamente os nossos ensinamentos esotéricos. Os versículos 14 a 36
apresentam a evolução na mesma ordem descrita pela Filosofia Esotérica. Isso não pode ser
facilmente contestado. Até Medhâtihi, o filho de Virasvâmin e autor do Comentário Manu
Bhâsya, que data, segundo os orientalistas ocidentais, do ano 1000 de nossa era, nos ajuda
com suas observações ao esclarecimento da verdade. Não quis ser mais explícito, porque
sabia que devia guardar reserva perante os profanos, ou então estava realmente
embaraçado. Mas o que disse mostra claramente o princípio setenário do homem e da
Natureza.
Comecemos pelo capítulo I das Ordenanças ou "Leis", depois que o Senhor existente
por Si Mesmo, o Logos Não-Manifestado das "Trevas Desconhecidas", se manifestam no
Ovo de Ouro.
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Desse Ovo,
"11. Daquele que é a Causa Indistinta (não diferenciada), eterna, que é e não é, saiu
o princípio masculino, que no mundo é chamado Brahmâ".
(a) A Mente é Manas. Medhâtithi, o comentador, observa com razão que é justamente o
contrário do que se diz aqui, ficando assim provada a existência de interpolações e
alterações no texto; pois é Manas que brota de Ahamkâra ou Consciência Própria
(Universal), da mesma forma que Manas, no microcosmo, provém de Mahat ou Mahâ-
Buddhi (Buddhi no homem). Manas é dual. Conforme Colebrooke mostra em sua tradução,
"a Mente, servindo tanto para o intelecto como para a ação, é um órgão de afinidade, que
se acha em estreita união como o resto" (11). "Com o resto": quer dizer que Manas, nosso
Quinto Princípio (quinto, porque o corpo era considerado o primeiro, contrariamente à
verdadeira ordem filosófica), está em afinidade tanto com Âtmâ-Buddhi como com os
quatro Princípios inferiores. Daí o nosso ensinamento, a saber: que Manas segue Âtmâ-
Buddhi ao Devachan; e que o Manas inferior, isto é, o resíduo ou a escória de Manas
permanece com o Kâma-Rûpa no Limbo ou Kama-Loka, que é a morada dos "cascões".
(b) Eis a tradução de Medhâtithi: "a consciência una do Eu" ou o Ego. E não "o dono",
como traduzem os orientalistas.
"16. Havendo dado ainda às partes sutis daqueles seis [o grande Eu e os cinco
órgãos dos sentidos] um brilho desmesurado, para entrar nos elementos do Eu (âtmâ-
matrâsu), criou ele todos os seres."
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"Depois de ter feito impregnar as partes sutis daqueles seis com um brilho
incomensurável, pelos Elementos do Eu, criou ele todos os seres."
Esta última deve ser a interpretação correta, pois que Ele, o Eu, e o que chamamos
Âtmâ, e portanto o Sétimo Princípio, a síntese dos seis. Tal é também a opinião do editor do
Mânava Dharma Shâstra, que, com sua intuição, parece haver penetrado mais a fundo no
espírito da filosofia que o tradutor Dr. Burnell, uma vez que não hesita entre o texto de
Kulluka Bhatta e o comentário de Medhâtithi. Rejeitando os tanmêtras, ou elementos sutis,
e o âtmamãtra de Kulluka Bhatta, diz ele, aplicando os princípios do Eu Cósmico:
"Os seis parecem antes ser o Manas, mais os cinco princípios - éter, ar, fogo, água e
terra. Havendo unido cinco destas seis partes com o elemento espiritual [o sétimo], ele
criou (assim) todas as coisas que existem... Atmamâtra é, pois, o átomo espiritual, por
oposição aos seus próprios átomos elementais, não reflexivos".
17. "Como os elementos sutis das formas corporais do Uno dependem daqueles seis, os
sábios chamam à sua forma Sharira."
E acrescenta que a palavra "elementos" aqui significa porções ou partes (ou princípios),
interpretação que é confirmada pelo versículo 19:
19. "Este (Universo) não eterno surge, pois, do Eterno, por meio dos elementos sutis
das formas daqueles seis gloriosíssimos princípios (Purusha )."
Enquanto isso, ocorrem os mais acesos debates na química moderna sobre a questão
dos termos. Negam-nos o direito de chamar "elementos químicos" àquelas substâncias, por
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não serem "os princípios primordiais das essências por si mesmas existentes, de que foi
formado o Universo", segundo Platão. Tais ideias associadas à palavra "elemento" eram
boas para a antiga filosofia grega, mas a ciência moderna não as aceita; porque, como disse
o Professor Crookes, são "termos infelizes", e a ciência experimental "nada quer com
essência de espécie alguma, a não ser aquelas que se podem ver, respirar ou provar.
Quanto a outras, deixa-as aos metafísicos... " Devemos ainda mostrar-nos agradecidos por
esta pequena concessão!
A "Substância Primordial" é designada por alguns como o Caos. Platão e os Pitagóricos
chamam-na a Alma do Mundo, impregnada pelo Espírito daquele que fecunda as Águas
Primitivas ou Caos. Refletindo-se nela - dizem os cabalistas - o Princípio incubador "criou" a
fantasmagoria de um Universo visível manifestado. O Caos antes, e o Éter depois desse
"reflexo", é sempre a Divindade que penetra o Espaço e todas as coisas. É o Espírito
invisível e imponderável das coisas, e o fluido invisível, ainda que bem tangível, que brota
dos dedos vigorosos do magnetizador; porque é a Eletricidade Vital, a própria Vida. Dava-
lhe o Marquês de Mirville, com certa ironia, o nome de "Todo-Poderoso nebuloso", e os
teurgistas e ocultistas o chamam ainda hoje "o Fogo Vivo"; e não há um hindu, que pratique
certa classe de meditação ao amanhecer, que lhe não conheça os efeitos. É·o "Espírito de
Luz" e é Magnes. Como bem o disse um adversário nosso, Magus e Magnes são dois ramos
que saem do mesmo tronco e que produzem os mesmos frutos. E naquela denominação de
"Fogo Vivo" podemos descobrir também o significado da enigmática sentença do Zend
Avesta: de que há "um Fogo que dá o conhecimento do futuro, a ciência e a facilidade da
elocução", isto é, que desenvolve uma extraordinária eloquência na sibila, no sensitivo e
até mesmo em alguns oradores. Sobre este assunto escrevemos em Ísis sem Véu:
"O Caos dos antigos, o Fogo Sagrado de Zoroastro, ou o Atash-Behram dos parses; o
Fogo de Hermes; o Fogo de Elmes dos antigos germanos; o Raio de Cibele; o Archote
Flamejante de Apolo; a Chama do altar de Pan; o Fogo perene dos templos de Acrópole e
de Vesta; a Chama de Fogo do capacete de Plutão; as Centelhas brilhantes das toucas das
Dióscuras, da cabeça da Górgona, do elmo de Palas e do caduceu de Mercúrio; O Ptah-Ra
dos egípcios; o Zeus Cataibates grego (o que desce) de Pausânias; as Línguas de Fogo do
Pentecostes; a Sarça ardente de Moisés; a Coluna de Fogo do Êxodo e a Lâmpada
incandescente de Abraão; o Fogo Eterno do 'abismo sem fundo'; os vapores do oráculo de
Delfos; a Luz Sideral dos Rosacruzes; o Akâsha dos Adeptos hindus; a Luz Astral de Lévi; a
Aura nervosa e o Fluido dos Magnetizadores; o Od de Reichenbach; o Psychod e a Força
Ectênica de Thury; a 'Força Psíquica' de Sergeant Cox e o magnetismo atmosférico de
alguns físicos; o galvanismo; e, finalmente, a eletricidade: todos estes não passam de
nomes diferentes para as múltiplas manifestações ou efeitos da mesma Causa misteriosa
que anima e penetra todas as coisas, o Arqueu dos gregos."
"Ensinava-se, portanto, nos templos internos, que este Universo visível de Espírito e
Matéria não é senão a Imagem concreta da Abstração Ideal; que foi plasmado segundo o
modelo da primeira Ideia Divina. Assim, o nosso Universo existia em estado latente desde
toda a Eternidade. A Alma que anima este Universo é o Sol Central puramente espiritual ou
a Divindade suprema. Não foi o Uno quem plasmou a sua ideia, dando-lhe a forma
47
concreta, mas o seu Primogênito; e como ela foi construída sobre a figura geométrica do
dodecaedro (29), o Primogênito 'houve por bem empregar 12.000 anos em sua criação'.
Esse número está indicado na cronologia tirrena (30), segundo a qual o homem foi criado
no sexto milênio. Concorda isso com a teoria egípcia dos 6.000 "anos" (31) e com o
cômputo hebreu. Mas é isso a forma exotérica. O cômputo secreto explica "que os 12.000 e
os 6.000 anos" são Anos de Brahma, equivalendo um Dia de Brahma a 4.320.000.000 de
anos. Sanchuniaton (32) declara em sua Cosmogonia que, quando o Vento (Espírito) se
enamorou de seus próprios princípios (o Caos), uma união íntima se estabeleceu entre eles,
união que foi chamada Pothos (pόθος) e da qual a semente de tudo proveio. O Caos não
tinha consciência de sua própria produção, pois era insensível; mas de seu enlace com o
Vento nasceu Môt, ou o Ilus (limo) (33). E deste procederam os Esporos da criação e a
existência objetiva do Universo (34) .
... Zeus-Zen (Æther ), com suas esposas Chthonia (a Terra Caótica) e Metis (a Água);
Osíris - que também representa o Æther -, a primeira emanação da Divindade Suprema,
Amun, origem primitiva da Luz, com Ísis-Larona, a Deusa Terra e também a Água; Mithras
(35), o Deus nascido da rocha, símbolo do Fogo do Mundo masculino, ou a Luz Primordial
personificada; e Mithra, sua mãe e esposa ao mesmo tempo - o elemento puro do Fogo, o
princípio ativo ou masculino, considerado como luz e calor, conjunção com a Terra e a
Água, ou a matéria, o elemento feminino ou passivo da geração Cósmica -; Mithras, que é
filho de Bordj, a Montanha do Mundo dos persas (36), da qual ele brotou como um raio de
luz brilhante; Brahma, o Deus do Fogo, e sua prolífica esposa, e o Agni hindu, a divindade
refulgente, de cujo corpo efluem mil correntes de glória e sete línguas de fogo, e em cuja
honra os brâmanes ainda hoje mantêm um fogo perpétuo; Shiva, personificado por Meru, a
Montanha do Mundo dos hindus, o terrível Deus do Fogo, que, segundo a lenda, desceu do
céu, tal como o Jeová judeu, em "uma coluna de fogo"; e uma dúzia de outras divindades
arcaicas, de ambos os sexos: todos proclamam claramente seu significado oculto. E que
outra coisa poderiam significar esses mitos duais, senão o princípio psicoquímico da criação
primordial; a Primeira Evolução em sua tríplice manifestação de Espírito, Força e Matéria; a
correlação divina em seu ponto de partida, simbolizada pela alegoria do casamento do Fogo
com a Água, produtos do Espírito eletrizador (a união do princípio ativo masculino com o
elemento passivo feminino), que se tornam os pais do filho telúrico, a Matéria Cósmica, a
Matéria-Prima, cuja Alma é o Æther e cuja sombra é a Luz Astral?" (37).
Mas os fragmentos dos sistemas cosmogônicos, que chegaram até nós, são agora
desprezados como fábulas absurdas. Não obstante, a Ciência Oculta, que sobreviveu até
mesmo à Grande Inundação que submergiu os gigantes antediluvianos, e com eles suas
própria lembrança (salvo os registros conservados na Doutrina Secreta, na Bíblia e em
outras Escrituras ), detém ainda a Chave de todos os problemas do mundo.
Apliquemos, pois, essa Chave aos raros fragmentos de Cosmogonias há tanto tempo
esquecidas, e, por maio de suas parcelas esparsas, procuremos restaurar o que em tempos
foi a Cosmogonia Universal da Doutrina Secreta.
A Chave serve para todas. Ninguém pode estudar seriamente as filosofias antigas sem
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perceber a surpreendente semelhança de conceitos que há em todas elas; e que tal
semelhança, muito frequente em sua forma exotérica, e invariável em seu sentido oculto, é
o resultado, não de mera coincidência, mas de uma intenção predeterminada. Não deixará
também de perceber que, durante a juventude da humanidade, houve uma só linguagem,
um conhecimento e uma religião universais, quando não havia igrejas, nem credos, nem
seitas, mas quando cada homem era seu próprio sacerdote.
E, se ficar demonstrado que já naqueles tempos, ocultos à nossa vista pelo exuberante
crescimento da tradição, o pensamento religioso do homem se desenvolvia em simpatia
uniforme por toda a parte do Globo, então se tornará evidente que - não importa em que
latitude tenha nascido, fosse no frígido Norte ou no ardente Meio-Dia - no Oriente ou no
Ocidente - esse pensamento foi inspirado pelas mesmas revelações, e o homem foi criado à
sombra protetora da mesma Árvore do Conhecimento.
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se entende só "a existência até o fim do Kalpa" (Livro II, cap. VIII).
(16). A Teogonia de Orfeu é puramente oriental e indiana em seu espírito. As
transformações sucessivas por que passou distanciam-na muito, hoje, do espírito da antiga
Cosmogonia, como se pode ver comparando-a com a própria Teogonia de Hesíodo. O
verdadeiro espírito indo-ariano transparece, no entanto, por toda a parte, assim no sistema
de Hesíodo como no de Orfeu. (Veja-se o notável trabalho de James Darmesteter,
"Cosmogonies Aryennes", em seus Essais Orientaux.) Assim, o conceito original grego do
Caos é o da Religião-Sabedoria Secreta. Em Hesíodo, pois, o Caos é infinito, sem limites,
sem começo e sem fim no tempo; uma abstração e uma presença visível a um tó tempo; o
Espaço cheio de trevas, que é a matéria primordial em seu estado pré-cósmico. Porque, no
seu sentido etimológico, Caos é Espaço, segundo Aristóteles, e o Espaço é a Divindade
sempre Invisível e Incognoscível de nossa Filosofia.
(17). Gênese, I, 2.
(18). Ibid., I, 6.
(19). Ibid., I, 7.
(20). Ibid., I, 3.
(21). O Espírito manifestado: o Espírito Divino, Absoluto, é uno com a Substância Divina
absoluta; Parabrahman e Mûlaprakriti são unos em essência. Portanto, a Ideação Cósmica e
a Substância Cósmica, em seu caráter primordial, são também unas
(22). Sepher Yetzireh, cap. I Mishna IX.
(23). Ibid. Abraham deriva de "Arbo".
(24). Sepher Yetzireh, Mishna IX, 10.
(25). Evemerismo (e seus derivados) - sistema geral de interpretação defendido por
Evêmero, que nega a existência de seres divinos e considera os deuses da antiguidade
comos seres humanos divinizados pejo homem. Max Muller, em Science of Language.
(26). Ver Notas Adicionais no tomo IV desta obra.
(27). Veja-se o Vol. IV, Parte II, Seção IV: As Muitas Significações da "Guerra no Céu".
(28). Contributions to the Theory of Natural Selection.
(29). Platão, Timeu
(30). "Suidas", sub voc. "Tyrrhenia". Veja-se Ancient Fragments, de Cory, p. 309, 2ª edição.
(31). O leitor compreenderá que por "anos" se quer significar "idades", e não simples
períodos de treze meses lunares.
(32). Veja-se a tradução grega de Filon de Biblos.
(33). Cory; op. cit., p. 3.
(34). Ísis sem Véu, I, 342.
(35). Mithras era considerado entre os Persas como o Theos ek Petras: o Deus da rocha.
(36). Chama-se Bordj a uma montanha de fogo; contém, portanto, fogo, rocha, terra e água
(um vulcão); isto é, elementos masculinos ou ativos, e elementos femininos ou passivos. O
mito é sugestivo.
(37). Op. cit., 1. 156.
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SEÇÃO IV
"No princípio os Alhim criaram os Céus e a Terra; os seis [Sephiroth]... Eles criaram Seis,
e nestes estão baseadas todas as coisas. E estes [Seis] dependem das sete formas do crânio,
inclusive a Dignidade de todas as Dignidades." (2)
"Estes caldeus eram de opinião que o Cosmos, entre as coisas que existem [?], é um
simples Ponto, sendo ele próprio Deus [Theos], ou encerrando Deus em si e contendo a
52
Alma de todas as coisas." (5)
Chaos, Theos e Kosmos são apenas os três símbolos de sua síntese: o Espaço. Ninguém
espere poder jamais resolver o mistério desta Tetraktys atendo-se à letra morta, até mesmo
das velhas filosofias, tais como são hoje conhecidas. Porque, nestas inclusive, Chaos, Theos,
Kosmos e Espaço estão identificados por toda a Eternidade como o Espaço Uno
Desconhecido - e a última palavra não virá talvez antes de nossa Sétima Ronda. Contudo, as
alegorias e os símbolos metafísicos a respeito do cubo primitivo e perfeito são dignos de
atenção, mesmo nos Purânas exotéricos.
Ali também, Brahmâ é Theos, que se desenvolve do Caos ou Grande "Mar", as Águas,
sobre as quais o Espírito ou o Espaço, que se personifica por ayanas (períodos) - o Espírito
movendo-se sobre a face do Cosmos futuro e ilimitado - plana silenciosamente na primeira
hora do redespertar. É ainda Vishnu, que repousa sobre Ananta-Shesha, a grande Serpente
da Eternidade, que a teologia ocidental, ignorante da Cabala, única chave que abre os
segredos da Bíblia, transformou no Diabo. É o primeiro Triângulo ou Tríade pitagórica, o
"Deus dos três Aspectos", antes de se converter, por meio da quadratura perfeita do Círculo
Infinito, no Brahmâ de "quatro faces". "Daquele que é, e contudo não é, do Não-Ser, a
Causa Eterna, nasceu o Ser, Purusha" - diz Manu, o Legislador.
"Na mitologia egípcia, Kneph, o Deus Eterno não revelado, é representado por uma
serpente, emblema da Eternidade, enroscada em torno de um vaso com água, a cabeça
suspensa sobre a água, que ela fecunda com o seu sopro. Neste caso a serpente é o
Agathodairnon, o Bom Espírito; em seu aspecto oposto, é o Kakodaimon, o Espírito Mau.
Dizem os Eddas escandinavos que, durante a noite, quando o ar está impregnado de
umidade, cai o rocio de mel, alimento dos deuses e das abelhas criadoras Iggdrasil. É um
símbolo do princípio passivo da criação do Universo, saído das Águas. Esse rocio de mel é a
Luz Astral em uma de suas combinações, com propriedades criadoras e destruidoras. Na
lenda caldéia de Berose, Oannes ou Dagon, o homem-peixe, instruindo o povo, lhe mostra
o mundo em sua infância, recém-saído da Água, com todos os seres oriundos desta
Matéria-Prima. Moisés ensina que somente a Terra e a Água podem produzir uma Alma
Vivente; e nas Escrituras lemos que a erva não pôde crescer antes que o Eterno fizesse
chover sobre a Terra. No Papal Vuh mexicano, o homem é criado do barro ou argila (terra
glaise), retirada do fundo das águas. Brahma, sentado em seu lótus, cria o grande Muni, o
primeiro homem, mas somente depois de haver chamado à existência os espíritos, que
assim tiveram prioridade sobre os mortais; e o criou da Água, do Ar e da Terra. Sustentam
os alquimistas que a Terra primordial ou pré-adamita, quando reduzida à sua primeira
substância, era, em seu segundo período de transformação, semelhante a Água clara,
sendo que no primeiro era, propriamente, o Alkahest (6). Esta substância primordial
contém em si a essência de todos os elementos constitutivos do homem; não só os de sua
estrutura física como o próprio "sopro de vida" em estado latente e pronto para ser
despertado. Este "sopro de vida" provém da "incubação" do "Espírito de Deus" sobre a face
das Águas - o Caos, que deste modo se identifica com a substância primária. Era desta
última que Paracelso pretendia fazer o seu Homúnculo; e daí também a razão por que
53
Tales, o grande filósofo da Natureza, dizia que a Água era o princípio de todas as coisas na
Natureza (7)... Job afirma que as coisas mortas se formam debaixo das águas, e dos
habitantes que nela existem (8). No texto original, em lugar de "coisas mortas", está
escrito: "Rephraim mortos", os Gigantes ou homens primitivos poderosos, dos quais a
Evolução talvez venha a mostrar, algum dia, que a nossa raça atual descende." (9)
"No período primordial da criação" - diz a Mythologie des Indous, de Polier - "o Universo
rudimentar, submergido na água, repousava no seio de Vishnu. Brahmâ, o Arquiteto do
Mundo, saindo desse Caos e dessas Trevas, flutuava (movia-se) sobre as águas, mantendo-
se em cima de uma folha de lótus, sem poder distinguir nada mais além de água e trevas".
Analisando tão angustioso estado de coisas, Brahmâ, consternado, disse consigo mesmo:
"Quem sou eu? De onde venho?" Ouviu então uma voz (10): "Dirige os teus pensamentos
a Bhagavat". Brahmâ, deixando a posição em que estava, senta-se sobre a folha de lótus em
atitude contemplativa, e reflexiona sobre o Eterno, que, satisfeito com essa prova de
piedade, lhe abre o entendimento, dissipando a obscuridade primitiva. "Em seguida
Brahmâ sai do Ovo Universal (o Caos Infinito) sob a forma de Luz, pois sua inteligência
agora está desperta, e começa a trabalhar. Ele se move sobre as Águas Eternas, trazendo
em si o Espírito de Deus; e, em sua capacidade de Agitador das Águas, é Vishnu ou
Nârâyana".
É evidente que tudo isso é esotérico; mas, não obstante, em sua ideia principal guarda
certa identidade com a cosmogonia egípcia, cuja exposição se inicia com Athtor (11) ou a
Mãe-Noite - representando a Obscuridade Ilimitada - como o Elemento Primitivo que cobria
o Abismo Infinito, animada pela Água e pelo Espírito Universal do Eterno, e o único
habitante do Caos. De modo semelhante principia a história da criação nas Escrituras
judaicas, com o Espírito de Deus e sua Emanação criadora: outra Divindade (12).
Ensina o Zohar que são os elementos primordiais - a trindade de Fogo, Ar e Água -, os
Quatro Pontos Cardiais e todas as Forças da Natureza, que formam coletivamente a Voz da
Vontade, Memrab, ou o Verbo, Logos do TODO absoluto e Silencioso. "O Ponto Indivisível,
Ilimitado e Desconhecido" se estende sobre o Espaço e forma assim um Véu, o Mulaprakriti
de Parabrahman, que oculta esse Ponto Absoluto.
Mas cosmogonias de todas as nações, os Arquitetos, sintetizados pelo Demiurgo (na
Bíblia, os Elohim ou Alhirn), são os que, do Caos, formam o Cosmos; e são o Theos coletivo
andrógino, Espírito e Matéria. "Por meio de uma série (yom) de fundamentos (hasoth), os
Alhirn fizeram surgir o céu e a terra" (13). No Gênesis, primeiramente são os Alhim, depois
Jahva-Alhim, e, por último, Jeová, após a separação dos sexos no capítulo IV. É de notar que
em parte alguma das cosmogonias de nossa Quinta Raça, a não ser na mais recente, a da
Bíblia, se vê o inefável e impronunciável NOME (14) símbolo da Divindade Desconhecida,
que só se usava nos MISTÉRIOS - relacionado diretamente com a "Criação" do Universo.
São os Agitadores, os Corredores, os Theoi (de qe&ein, correr) que procedem à obra da
formação; os Mensageiros da Lei Manvantárica, que no Cristianismo de hoje passaram a
simples "Mensageiros" (Malachim). A mesma coisa ocorre também no Hinduismo ou
Brahmanismo primitivo: no Rig Veda, não é Brahmâ quem cria, mas os "Prajâpatis", os
"Senhores do Ser", que são também os Rishis; estando o termo Rishi, segundo o Professor
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Mahadeo Kunte, associado à palavra correr (conduzir), que a eles se aplica em seu caráter
terrestre, quando, como Patriarcas, conduzem suas legiões para os Sete Rios.
Demais, a mesma palavra "Deus", no singular que abrange todos os deuses, ou Yheoi,
veio até as nações de civilização "superior" através de uma estranha fonte, tão completa e
eminentemente fálica como o Lingam, de que a Índia se fala com tão rude franqueza. A
ideia de que a palavra Deus (God) seja derivada do anglo-saxão Good (Bom) está fora de
cogitação, porque em nenhuma outra língua, desde o Khoda persa até o Deus latino, se
encontrou exemplo de que um nome de Deus derivasse do atributo de Bondade (Good-
ness). Aos latinos, veio do ariano Dyaus (Dia); aos eslavos, do grego Baccho (Bagh-Bog); e aos
de raça saxônia, diretamente do hebreu Yod ou Jod. Este último é, a letra numeral 10,
macho e fêmea, e Yod é o gancho fálico. Daí o Godh saxônio, o Gott alemão e o God inglês.
Pode-se dizer que esse termo simbólico representa o Criador da Humanidade física no
plano terrestre; mas seguramente nada tem a ver com a Formação ou "Criação" do Espírito,
dos Deuses ou do Cosmos.
Chaos-Theos-Kosmos, a Divindade Trina, é tudo em tudo. Daí o dizer-se que é masculino
e feminino, bom e mau, positivo e negativo, toda a série de qualidades opostas. Quando se
acha em estado latente, em Pralaya, não se pode conhecê-lo; é então a Divindade
lncognoscível. Só pode ser conhecido em suas funções ativas: como Matéria-Força e
Espírito vivente, correlações e manifestação, ou expressão, no plano visível, da Unidade
última sempre desconhecida.
Por sua vez, essa Tríplice Unidade é a produtora dos Quatro Elementos Primitivos (15),
que são conhecidos, em nossa Natureza terrestre visível, como os sete Elementos (cinco até
o presente), cada um divisível em quarenta e nove - sete vezes sete - subelementos, dos
quais a química conhece uns setenta. Todos os Elementos Cósmicos, tais como o Fogo, a
Água, o Ar e a Terra, participam das qualidades e defeitos de seus Primários, e são, por sua
natureza, o Bem e o Mal, a Força ou Espírito e a Matéria. etc.; e cada um deles, portanto, é
ao mesmo tempo Vida e Morte, Saúde e Enfermidade, Ação e Reação. Estão
constantemente formando Matéria, sob o impulso incessante do Elemento Uno, o
lncognoscível, representado no mundo dos fenômenos pelo Æther. São "os Deuses imortais
que dão nascimento à vida e a todas as coisas".
Nos Escritos Filosóficos de Salomão Ben Yehudah Ibn Gebirol, lê-se a respeito da
formação do Universo:
"Está escrito que R. Yehudah começou assim: 'Elohirn disse: Faça-se um firmamento no
meio das águas.' Vinde ver! Quando o Santo ... criou o Mundo, criou 7 céus em Cima. Criou
7 terras em Baixo, 7 mares, 7 dias, 7 rios, 7 semanas, 7 anos, 7 épocas, e 7.000 anos
durante os quais existiu o Mundo. O Santo está no sétimo de tudo." (16)
Isso não só apresenta uma estranha semelhança com a cosmogonia dos Purânas (17),
mas corrobora todos os nossos ensinamentos no tocante ao número sete, tais como foram
resumidamente expostos no Esoteric Buddbism.
Os hindus têm uma interminável série de alegorias para expressar a mesma ideia. No
Caos Primordial, antes de se converter nos Sapta Samandra (18) ou Sete Oceanos -
55
emblema dos Sete Gunas ou Qualidades condicionadas compostas de Trigunas (Sattva,
Rajas e Tamas ) -, estão latentes Amrita, ou a Imortalidade, e Visha, ou o Veneno, a Morte,
o Mal. Vê-se isso também no alegórico malaxar do Oceano pelos Deuses. Amrita se acha
fora de todos os Gunas, porque é incondicionado per se; mas, uma vez caindo na criação
fenomenal, se misturou com o Mal, o Caos, guardando latente o Theos, até que o Cosmos
esteja evolucionado. Eis por que vemos a Vishnu, personificação da Lei Eterna, chamando
periodicamente o Cosmos à atividade, ou, segundo a fraseologia alegórica, produzindo, por
meio do malaxar do Oceano Primitivo ou Caos sem limites, o Amrita da Eternidade,
reservado unicamente aos Deuses e Devas; tendo que utilizar nessa tarefa os Nagas e os
Asuras, ou os demônios do hinduismo exotérico. Toda a alegoria é altamente filosófica; e
nós a encontramos reproduzida em todos os sistemas antigos de Filosofia. Vemo-la, por
exemplo, em Platão, que, tendo esposado por completo as ideias trazidas da Índia por
Pitágoras, as compilou e publicou em forma bem mais inteligível que a do misterioso
sistema numérico original do filósofo de Samos. Assim, para Platão o Cosmos é o "Filho",
que tem como Pai e Mãe, respectivamente, o Pensamento Divino e a Matéria (19).
"Os egípcios", diz Dunlap, "faziam distinção entre um Hórus velho e outro jovem; o
primeiro era o irmão de Osíris, e o segundo o filho de Osíris e Ísis" (20). O primeiro é a Ideia
do Mundo permanecendo na Mente do Demiurgo, "nascida nas Trevas antes da Criação do
Mundo". O segundo é esta Ideia surgindo do Logos, revestindo-se de matéria e assumindo
uma existência real (21).
Os Oráculos Caldeus falam do "Deus do Mundo, eterno, sem limites, jovem e velho, de
forma sinuosa" (22). Esta "forma sinuosa" é uma metáfora para exprimir o movimento
vibratório da Luz Astral, que os antigos sacerdotes conheciam perfeitamente, se bem que a
denominação "Luz Astral" seja de autoria dos martinistas.
A Ciência moderna assinala com desprezo as superstições da Cosmolatria. Seria melhor,
porém, que a Ciência, antes de rir, seguisse o conselho de um sábio francês: "reformar por
completo seu próprio sistema de educação cosmo-pneumatológico" - Satis eloquentise,
sapientiæ parum! A Cosmolatria, do mesmo modo que o Panteismo em sua última
expressão, pode ser definida com as mesmas palavras com que o Purâna descreve Vishnu:
"Ele não é senão a causa ideal das potências que devem ser produzidas na obra da
criação; e dele procedem as potências que hão de ser criadas depois que se tornarem a
causa real. Afora aquela causa ideal, não há nenhuma outra a que se possa relacionar o
mundo... Pelo poder daquela causa, todas as coisas criadas chegam a manifestar-se por sua
própria natureza." (23)
57
SEÇÃO V
61
seria: "Dentro e fora de sua própria essência, Deus criou os dois céus, como uma Matriz (o
Ovo do Mundo)". Os Cristãos, porém, elegeram como símbolo de seu Espírito Santo a
pomba, o pássaro, não o ovo.
"Quem quer que chegue a conhecer o Hud, ( ) a Mercabah e o Lahgash (linguagem
secreta ou encantamento), aprenderá o segredo dos segredos". A significação de Lahgash é
quase idêntica à de Vâch, o poder oculto dos Mantras.
Ao chegar o período de atividade, Sephira, o Poder ativo, chamado o Ponto Primordial e
a Coroa, Kether surge de dentro da Essência Eterna de Ain-Soph. Só por seu intermédio
podia a "Sabedoria Ilimitada" dar uma forma concreta ao Pensamento Abstrato. Dois lados
do Triângulo Superior, o lado direito e a base, que simbolizam a Essência Inefável e seu
corpo manifestado, o Universo, são compostos de linhas não interrompidas; o terceiro lado,
o esquerdo, é uma linha pontilhada. É por meio desta última que emerge o Sephira.
Estendendo-se em todas as direções, rodeia finalmente todo o Triângulo. Nesta emanação
se forma a tríplice Tríade. Do Rocio invisível que cai da Uni-Tríade, a "Cabeça" - assim
deixando somente 7 Sephiroth -, Sephira cria as Águas Primordiais, ou, por outras palavras, o
Caos toma forma. É o primeiro passo para a solidificação do Espírito que depois de
modificações diversas, produz a Terra. "Há necessidade de Água e Terra para fazer uma
Alma Vivente", diz Moisés. Faz-se mister a imagem de uma ave aquática para associá-la
com a Água, o elemento feminino da procriação, com o ovo e a ave que o fecunda.
Quando Sephira surge como um poder ativo de dentro da Divindade Latente, é
feminino; quando assume o papel de Criador, é masculino; e daí o seu caráter andrógino. É
"o Pai e a Mãe Aditi" da Cosmogonia hindu e da Doutrina Secreta. Se se houvessem
conservado os mais antigos pergaminhos hebreus, os que hoje rendem culto a Jeová veriam
que os símbolos do "Deus Criador" eram múltiplos e grosseiros. A rã na lua, emblema do
seu caráter gerador, era o mais frequente. Todas as aves e animais, que a Bíblia classifica de
"impuros", foram símbolos da Divindade naqueles tempos vetustos. Porque fossem
demasiado sagrados, punha-se-lhes a máscara de impuros a fim de protegê-los da
destruição. Não é a serpente de bronze mais poética que o cisne ou o ganso, se temos que
tomar à letra os símbolos.
Conforme as palavras do Zohar:
"O Ponto Indivisível, que não tem limites e que não pode ser compreendido por causa
de sua pureza e do seu resplendor, dilatou-se exteriormente, produzindo um fulgor que lhe
servia de Véu; mas também [este último] não podia ser contemplado por causa de sua Luz
incomensurável. E [o Véu] igualmente se dilatou exteriormente, e esta expansão formou a
sua vestimenta. Assim, por meio de uma constante palpitação [movimento], o mundo veio
finalmente a ter existência." (15)
A Substância Espiritual lançada pela Luz Infinita é o Primeiro Sephira ou Shekinah.
Exotericamente, Sephira contém em si todos os outros nove Sephiroth; esotericamente , só
contém dois, Chokmah ou Sabedoria, "potência masculina ativa, cujo nome divino é Jah
(ty’)", e potência feminina passiva, representada pelo nome divino de Jeová (twty).
Estas duas potências formam som Sephira a terceira, a Trindade judaica ou a Coroa, Kether.
Os dois Sephíroth, chamados Abba, Pai, e Amona, Mãe, são a Dualidade ou o Logos
62
bissexual, de que saíram os outros sete Sephiroth. De igual modo, a primeira Tríade judaica,
Sephira, Chokmah e Binah, é a Trimurti hindu." Posto que veladas no Zohar, e mais ainda no
Panteão hindu, todas as particularidades relacionadas com um se encontram no outro. Os
Prajâpatis são os Sephiroth. Sendo dez em Brahma, ficam reduzidos a sete quando a
Trimurti, ou Tríade cabalística, se separa do resto. Os sete Construtores ou "Criadores" se
convertem nos sete Prajâpatis, ou sete Rishis, na mesma ordem em que os Sephiroth se
convertem nos Criadores, depois nos Patriarcas, etc. Em ambos os Sistemas Secretos, a
Essência Una Universal é incompreensível e inativa em seu Estado Absoluto, e não pode ser
associada à Construção do Universo senão de modo indireto. Em ambos, o Princípio
primordial masculino feminino ou andrógino, e suas dez e suas sete Emanações - Brahma-
Virâj e Aditi-Vâch, de um lado, e Elohim-Jehovah ou Adão-Adami (Adão Kadmon) e Sephira-
Eva, de outro lado, com os seus Prajâpatis e Sephiroth - representam em sua totalidade, em
primeiro lugar, o Homem Arquétipo, o Protólogo; e só em seu aspecto secundário é que se
convertem em poderes cósmicos e em corpos astronômicos ou siderais. Se Aditi é a mãe
dos Deuses, Deva-Mâtri, Eva é a mãe de tudo o que vive; ambas são o Shakti ou Poder
Gerador, em seu aspecto feminino, do Homem Celeste, e ambas são criadoras complexas.
Diz um Gupta Vidyâ Sütra:
"A Unidade Infinita, sem forma e sem símile, depois que foi criada a Forma do Homem
Celeste. dela se utilizou. A Luz Desconhecida (17) [Trevas] usou a Forma Celeste (t)ly(
sK), Adão Oilah) como um Carro (tkpKm Mercabah ), para descer; e desejou ser
chamada pelo nome dessa Forma, que é o nome sagrado de Jeová".
E ainda:
"No princípio, havia a Vontade do Rei, anterior a qualquer outra existência... Ela [a
Vontade] esboçou as formas de todas as coisas que haviam estado ocultas, mas que agora
apareciam. E, como um segredo escondido, saiu da cabeça de Ain-Soph uma centelha
nebulosa de matéria, sem contornos nem forma... A Vida é atraída de baixo, e a fonte se
renova em cima; o mar está sempre cheio, e estende suas águas por toda a parte."
A Divindade é, assim, comparada a um mar sem praias, à Água, que é "a fonte da Vida"
(18). "O sétimo palácio, a fonte da vida, é o primeiro na ordem, a contar de cima" (19) Daí o
primeiro cabalístico que vemos enunciado pela boca do cabalista Salomão, quando diz nos
Provérbios: "A Sabedoria edificou a sua casa, já lavrou as suas sete colunas" (20).
De onde teria provindo toda essa identidade de pensamento, se não houvesse uma
63
Revelação Primordial e Universal? Os pontos até aqui assinalados representam muito pouca
coisa em comparação com o que se verá na continuação desta obra; não passam de
algumas palhas retiradas de uma grande meda.
Se nos reportamos à mais obscura de todas as cosmogonias, a chinesa, lá encontramos
também a mesma ideia. Tsi-Tsai, o Existente por Si Mesmo, são as Trevas Desconhecidas, a
Raiz do Wuliang-sheu; a Idade Ilimitada. Amitâbha e Tien, o Céu, vêm depois. O "Grande
Extremo" de Confúcio sugere a mesma ideia, apesar de suas "inconsistências". Estas últimas
são motivo de grande divertimento para os missionários, que zombam de todas as religiões
"pagãs", ao mesmo tempo que menosprezam e detestam as crenças de seus irmãos
cristãos que pertencem a outros ritos, muito embora todos aceitem, ao pé da letra, o
mesmo Gênese.
Se consideramos a cosmogonia caldeia, nela vemos Anu, a Divindade Oculta, o Uno,
cujo nome, além do mais, indica sua origem sânscrita; pois Anu quer dizer Átomo em
sânscrito, e Anîyâmsamaniyasâm (o menor dos menores) é um nome de Parabrahman na
filosofia vedantina, em que se descreve Parabrahman como menor que o mais diminuto
dos átomos, e maior que a maior das esferas ou universos: Anagrânîyas e Mahatoruvat. Nos
primeiros versículos do Gênese acadiano, tal como foi descoberto nos textos cuneiformes
sobre os ladrilhos babilônicos, ou Lacteres Coctiles, e segundo foi traduzido por George
Smith, vemos a Anu, a Divindade Passiva ou Ain-Soph; Bel o Criador, o Espírito de Deus ou
Sephira, movendo-se na Face das Águas, e, portanto, a própria Água; e a Hea, a Alma
Universal ou a Sabedoria dos Três reunidos.
Eis como estão expressos os oito primeiros versículos:
Era a fase caótica ou antegenésica; o duplo Cisne, e o Cisne Negro, que se torna branco
quando é criada a Luz (22).
"Há no Indostão um emblema a que se rende culto, desde tempos imemoriais, como o
tipo da criação ou origem da vida... Shiva, ou o Mahâdeva, não somente é reprodutor das
formas humanas, mas também o princípio frutificador, o poder gerador que penetra o
Universo. O emblema maternal é igualmente um distintivo religioso. Foi esse respeito à
produção da vida, que introduziu no culto de Osíris emblemas sexuais. Será de estranhar
que considerassem com reverência o grande mistério do nascimento humano? Seriam eles,
impuros porque assim pensavam, ou os é que o somos por pensar de maneira diferente?
Mas nenhum homem inteligente e puro poderia julgá-los daquele modo... Temos
caminhado muito, e por sendas - bastante impuras, desde o tempo em que aqueles antigos
anacoretas falaram pela primeira vez de Deus e da alma nas profundidades solenes de seus
primitivos santuários. Não devemos sorrir do seu modo de buscar a causa infinita e
incompreensível através e rodos os mistérios da Natureza, pois, assim fazendo, estaremos
projetando a sombra e nossa própria grosseria sobre a sua simplicidade patriarcal." (24)
(1). Do mesmo modo que Mûlaprakriti só é conhecido por Íshvara, o Logos, como o chama
o Sr. T. Subba Row.
(2). Franck, Die Kabbala, p. 126.
65
(3). Filon, Quœest, et Solut.
(4). Franck, Op. cit., p. 153. Ver também a Seção XII, "A Teogonia e os Deuses Criadores".
(5). Os "Sete Anjos da Face" dos Cristãos.
(6). Philosophumena, VI, 42.
(7). The Kabbalah Unveiled, 47.
(8). Qabbalab, 235.
(9). P. 79.
(10). Arnóbio, VI, XII.
(11). Usamos este termo porque é o geralmente aceito e consagrado, sendo portanto de
mais fácil compreensão para o leitor.
(12). Veja-se Dunlaq, Sód: the Mysteries of Adoni, p. 23.
(13). Veja-se Bulaq Museum, de Maspero.
(14) Entre os antigos judeus, conforme provou Le Clerc, a palavra Oulom significava tão só
um período de tempo cujo princípio e fim não eram conhecidos. A palavra "Eternidade",
propriamente dita, não existia na língua hebraica com o significado, por exemplo, que os
vedantinos atribuem a Parabrahman.
(15). Zohar, parte I, fol. 20 a.
(16) No Panteão hindu, o Logos de dois sexos é Brahma, o Criador, cujos sete Filhos,
"nascidos da Mente", são os Rishis primitivos, os Construtores.
(17) Rabbi Simeon diz: "Oh, companheiros, companheiros, o homem, como emanação, era
ao mesmo tempo homem e mulher, tanto pelo lado do "Pai" como pelo lado da "Mãe". E
este é o sentido das palavras: 'E Elohim disse: faça-se a luz, e a luz foi feita'... e este é o
homem dual." (Auszuge aus dem Sohar, pp. 13-15). Assim, no Gênesis a Luz representava o
Raio Andrógino ou o "Homem Celeste".
(18). Zoar, III, 290.
(19). Op. cit., II, 261.
(20). IX, 1.
(21) Chaldean Account of Gênesis, 62-63.
(22). Os Sete Cisnes, que se acredita desceram do Céu no Lago Mânsarovara, representam,
na imaginação popular, os Sete Rishis da Ursa Maior, que tomam aquela forma para visitar
os sítios em que foram escritos os Vedas.
(23). Veja-se Petrônio, Satyricon, CXXXVI.
(24). Progress of Religions Ideas, I, 17 e seguintes.
66
SEÇÃO VI
O OVO DO MUNDO
DE ONDE provém este símbolo Universal?
O Ovo figurou como signo sagrado nas Cosmogonias de todos os povos da terra, e foi
venerado tanto por causa de sua forma como pelo mistério que encerra. Desde as primeiras
concepções mentais do homem, foi considerado o símbolo que melhor representava a
origem e o segredo do Ser. O desenvolvimento imperceptível do germe dentro da casca, o
trabalho interno que, sem a intervenção de nenhuma força externa aparente, de um nada
produz algo ativo, sem para tanto necessitar de outra coisa além de calor; algo que, depois
de evolucionar gradualmente em uma criatura viva e concreta, rompe a casca e aparece aos
sentidos externos de todos como um ser gerado por si mesmo e por si mesmo criado; tudo
isso tinha que ser, desde o começo, um milagre permanente.
O Ensinamento Secreto explica a razão daquela veneração pelo simbolismo das raças
pré-históricas. No princípio, a "Causa Primeira" não tinha nome. Mais tarde, a fantasia dos
pensadores a representou como uma ave, sempre invisível e misteriosa, que deixou cair um
Ovo no Caos, Ovo que se converteu no Universo. Eis que Brahma foi chamado Kâlahamsa, o
"Cisne no (Espaço e) no Tempo". Tornando-se o Cisne da Eternidade, Brahma pôs, no início
de cada Mahâmanvantara, um Ovo de Ouro, que simboliza o grande Círculo, ou O, que por
sua vez é o símbolo do Universo e de seus corpos esféricos.
A segunda razão pela qual foi o Ovo escolhido como a representação simbólica do
Universo e de nossa Terra está na sua forma: É um Círculo e uma Esfera; e a forma ovoide
do nosso Globo já devia ser conhecida desde quando surgiu o simbolismo, para que o signo
do Ovo fosse, como foi, tão universalmente adotado. A primeira manifestação do Cosmos
sob a forma de um Ovo era a crença mais difundida da antiguidade. Conforme nos mostra
Bryant (1), era um símbolo usado entre os gregos, os sírios, os persas e os egípcios. No
Ritual egípcio, menciona-se que Seb, o Deus do Tempo e da Terra, pôs um Ovo, "concebido
à hora do Grande Uno da Força Dual" (2).
Ra, tal como Brahma, é representado em gestação no Ovo do Universo. O Defunto
"resplandece no Ovo do País dos Mistérios" (3), porque é "o Ovo a que se dá a Vida entre
os Deuses" (4). "É o Ovo da Grande Galinha choca, o Ovo de Seb, que dele sai sob o
aspecto de um falcão" (5).
Entre os gregos, o Ovo Órfico é descrito por Aristófanes, e fazia parte dos Mistérios
Dionisíacos e de outros, durante os quais era consagrado o Ovo do Mundo e explica a sua
significação. Porfírio também no-lo mostra corno uma representação do mundo:
"Ermhneuei& de\ to\ w(o&n to\n Ko&smon". Faber e Bryant tentaram demonstrar que o Ovo
simboliza a Arca de Noé, o que seria uma crença extravagante, a menos que esta Arca fosse
também aceita como puramente simbólica e alegórica. Só como sinônimo da Lua, o Argha
que leva a semente universal da vida, podia o Ovo representar a Arca; mas certamente não
67
tinha relação alguma com a Arca da Bíblia. Seja como for, era geral a crença de que o
Universo existia, no princípio, sob a forma de um Ovo. E, como diz Wilson,
"Todos os Purânas referem uma versão semelhante, quanto à primeira agregação dos
Elementos em forma de um Ovo, com o epíteto usual de Haima ou Hiranya 'de ouro', vê no
Manu, I, 9" (6).
Hiranya, porém, quer dizer "resplandecente", "brilhante", e não "de ouro", conforme
provou o insigne letrado hindu Swami Dayanand Sarasvati, em suas polêmicas, inéditas,
com o Professor Max Muller. Está escrito no Vishnu Purâna:
Na Grécia, como ,na Índia, o primeiro Ser masculino visível, que reunia em si mesmo a
natureza dos dois sexos, habitou o Ovo e dele saiu. O "Primogênito do Mundo", segundo
alguns gregos, foi Dioniso, o Deus que surgiu do Ovo do Mundo e de que provêm os
Mortais e os Imortais. O Deus Ra, no Livro dos Mortos, aparece resplandecente em seu Ovo
(o Sol), e empreende a sua marcha logo que o Deus Shu (a Energia Solar) o desperta e lhe
dá impulso (8). "Ele está no Ovo Solar, o Ovo a que se dá a Vida entre os Deuses" (9). O
Deus Solar exclama: "Eu sou a Alma Criadora do Abismo Celeste. Ninguém vê o meu Ninho,
ninguém pode romper o meu Ovo; eu sou o Senhor!" (10)
Considerando essa forma circular, o "I" saindo do O ou Ovo, ou o macho da fêmea no
andrógino, é estranho que um erudito venha dizer, sob o fundamento de não existir
nenhum vestígio nos manuscritos hindus de maior vetustez, que os antigos arianos
desconheciam a notação decimal. O 10, sendo o número sagrado do Universo, era secreto e
esotérico, tanto em relação à unidade quanto ao zero, o Círculo.
Diz o Professor Max MulIer que "as duas palavras cipher e zero, que são a mesma coisa,
bastam para provar que os nossos algarismos vieram dos árabes" (11). Cipher é o cifron
árabe, e significa "vazio", tradução do sânscrito sunyan, "nada" - acrescenta o citado
Professor (12). Os árabes tomaram seus números do Indostão, e nunca pretenderam havê-
los inventado. Quanto aos pitagóricos, só nos cabe reportar-nos aos antigos manuscritos do
tratado de Boécio, De Arithmetica, composto no século VI, para vermos entre os números
pitagóricos o "1" e o "O" como primeiro e último algarismos (13). E Porfírio, citando o
pitagórico Moderatus (14), diz que a numeração de Pitágoras consistia em "símbolos
hieroglíficos, por meio dos quais ele explicava as ideias concernentes à natureza das coisas"
ou a origem do Universo.
Ora, se, por um lado, os manuscritos mais antigos da Índia não mostram traço algum de
notação decimal, e Max MulIer afirma categoricamente que até agora só encontrou nove
letras, iniciais dos números sânscritos; por outro lado, dispomos nós de anais, tão antigos
como aqueles, que podem fornecer as provas reclamadas. Queremos referir-nos às
68
esculturas e imagens sagradas que se encontram nos templos mais antigos do longínquo
Oriente. Da Índia foi que Pitágoras adquiriu o seu conhecimento; e vemos que o Professor
Max Muller endossa esta afirmação, pelo menos até o ponto de admitir que os
neopitagóricos foram os primeiros a ensinar a arte do "cálculo" entre os gregos e os
romanos, que, em Alexandria ou na Síria, eles tomaram conhecimento dos algarismos
indianos, e os adaptaram ao Ábaco pitagórico. Nessa cautelosa admissão está implícito que
Pitágoras só conhecia nove algarismos. Poderíamos, assim, responder que, ainda quando
nos faltassem provas exotéricas de que Pitágoras - que viveu nos últimos anos da idade
arcaica (15) - estava a par da notação decimal, temos suficientes testemunhos de que a
série completa dos algarismos, tal como no-la deu Boécio, já era conhecida de Pitágoras
antes da fundação de Alexandria (16). Vemos essas provas em Aristóteles, quando diz que
"alguns filósofos entendem que as ideias e os números têm a mesma natureza, e que são
dez ao todo" (17). Cremos que isso basta para demonstrar que a notação decimal já era
conhecida desses filósofos, pelo menos quatro séculos antes de Cristo, pois Aristóteles não
parece tratar o assunto como uma inovação dos neopitagóricos.
Mas nós ainda sabemos mais: sabemos que a humanidade dos primeiros tempos
arcaicos deve ter usado o sistema decimal, pois que toda a parte astronômica e geométrica
da língua sacerdotal secreta estava baseada no número 10, ou a combinação dos princípios
masculino e feminino; e que a chamada pirâmide de "Cheops" foi construída de acordo com
medidas pertencentes a essa notação decimal, ou melhor, baseada nos dígitos e suas
combinações com o zero. A esse respeito já nos estendemos bastante em Ísis sem Véu,
sendo inútil a repetição.
O simbolismo das Divindades lunares e solares se acha de tal modo entrelaçado que é
quase impossível separar os signos de umas e outras, como o Ovo, o Lótus e os Animais
"Sagrados". A Íbis, por exemplo, era objeto de grande veneração no Egito. Estava
consagrada a Isis, representada muitas vezes com a cabeça desse pássaro; e também o
estava a Mercúrio ou Thoth, que se diz haver tomado sua forma quando escapou de Tífon.
Havia duas espécies de Íbis no Egito - conta Heródoto (18) -: uma inteiramente negra, e a
outra preta e branca. Dizia-se que a primeira combatia e exterminava as serpentes aladas
que vinham da Arábia na primavera e infestavam o país. A outra estava consagrada à Lua,
porque este astro é branco e brilhante em seu lado externo, e negro e escuro do lado que
nunca mostra à Terra. Demais, a íbis mata as serpentes da terra e destrói quantidades
imensas de ovos de crocodilo, salvando assim o Egito do perigo de ter o Nilo
completamente infestado por esses horríveis sáurios. Pretende-se que o pássaro executa
sua tarefa sob a claridade da Lua, sendo assim ajudado por Ísis, cujo símbolo sideral é a Lua.
Mas a verdade esotérica, que se esconde por trás desses mitos populares, é que Hermes,
conforme a explicação de Abenephius (19), velava sobre os egípcios sob a forma daquele
pássaro, e lhes ensinava as artes e ciências ocultas. Quer isso dizer que a Íbis religiosa tinha,
e tem, propriedades mágicas, como muitas outras aves, sobretudo o albatroz e o cisne
branco simbólico, o Cisne da Eternidade ou do Tempo, o Kâlahansa.
Se assim não fosse, por que aquele temor supersticioso dos antigos, que não eram mais
tolos do que nós, de matar certas aves?
No Egito, quem matasse um íbis, ou um falcão dourado, símbolo do Sol e de Osíris,
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arriscava-se à morte e dificilmente podia escapar. A veneração de alguns povos para com as
aves era tal que Zoroastro, em seus preceitos, proíbe a destruição delas, que considera um
crime hediondo.
Hoje, toda espécie de adivinhação nos causa riso. No entanto, houve gerações e
gerações que acreditavam na adivinhação por meio das aves, e até na Zoomancia,
introduzida, ao que diz Suidas, por Orfeu, que ensinou a ler, sob certas condições, na gema
e na clara de um ovo, o que a ave por nascer iria presenciar em sua curta existência. Essa
arte oculta, que há 3.000 anos exigia o mais profundo saber e os mais complexos cálculos
matemáticos, caiu agora no abismo da degradação; e hoje em dia são as velhas cozinheiras
e as profissionais da buena-dicha que leem o futuro, para as empregadas que procuram
marido, na clara de um ovo dentro de um copo.
Mas os próprios cristãos têm, ainda hoje, as suas aves sagradas; por exemplo, a Pomba,
símbolo do Espírito Santo. Nem tampouco esqueceram os animais sagrados; e a zoolatria
evangélica, com o seu Touro, a sua Águia, o seu Leão, o seu Anjo (que não é senão o
Querubim ou Serafim, a Serpente de Fogo alada), é tão pagã como a dos egípcios ou a dos
caldeus. Esses quatro animais, em verdade, são os símbolos dos quatro elementos e dos
quatro princípios inferiores do homem. Correspondem também, física ou materialmente, às
quatro constelações que formam, por assim dizer, o séquito ou cortejo do Deus Solar, e
que, durante o solstício de inverno, ocupam os quatro pontos cardiais do círculo zodiacal.
Podem-se ver os quatro "animais" em muitas edições do Novo Testamento dos católicos
romanos, nas quais há os "retratos" dos Evangelistas. São os animais do Mercabah de
Ezequiel. Como bem o diz Ragon:
"O Bronze era um metal que simbolizava o mundo inferior... o da matriz em que se
devia produzir a vida... A palavra em hebreu para a serpente era Nachash, mas esta significa
também bronze."
Está dito no Livro dos Números que os judeus se queixavam do deserto, onde não havia
água (20); pelo que "mandou o Senhor serpentes de fogo" para que os mordessem, e, em
seguida, querendo agradar a Moisés, lhe deu como remédio a Serpente de Bronze sobre
um mastro, a fim de que a contemplassem; e então "todo aquele que olhasse a serpente de
bronze... viveria" (?). Depois, "o Senhor", reunindo o povo junto ao poço de Beer, lhe deu
água, e o povo de Israel, agradecido, entoou esta canção: "Sobe, ó poço!" (21)
Quando o leitor cristão, depois de estudar o simbolismo, começar a entender o
significado interno destes três símbolos, a Água, o Bronze e a Serpente, e de alguns mais,
no sentido que lhes dá a Santa Bíblia, não lhe aprazerá relacionar o nome sagrado de seu
Calvador com o incidente da Serpente de Bronze. Os Serafins (sypr#) ou Serpentes de
Fogo aladas estão sem dúvida inseparavelmente associados à ideia da "Serpente da
Eternidade, Deus", como o explica o Apocalipse de Kenealy; mas a palavra Querube significa
também Serpente em certo sentido, embora fosse diferente o seu sentido corrente, pois os
Querubins (22) e os Grifos Alados dos persas (Gru&pe∫), os guardiães da Montanha de Ouro,
são uma e a mesma coisa; e a composição do nome dos primeiros explica o seu caráter,
formado que é de Kr (rk’), círculo, e aub ou ob (ky)), serpente, significando, portanto,
uma "serpente num círculo". Mostra isso o caráter fálico da Serpente de Bronze, e justifica
71
que Ezequiel a tivesse destruído. (23) Verbum satis sapienti!
No Livro dos Mortos, como já dissemos, alude-se frequentemente ao Ovo. (24) Ra, o
Poderoso, permanece em seu Ovo durante a luta entre os "Filhos da Rebelião" e Shu, a
Energia Solas e o Dragão das Trevas. O Defunto resplandece em seu Ovo quando no País do
Mistério. .É o Ovo de Seb. O Ovo era o símbolo da Vida na Imortalidade e na Eternidade, e
também o signo da matriz geradora; ao passo que o Tau, que lhe estava associado, era só o
símbolo da vida e do nascimento na geração. O Ovo do Mundo estava colocado em Khum, a
Água do Espaço ou o Princípio feminino abstrato; convertendo-se Khum, com a "queda" da
humanidade na geração e no falicismo, em Ammon, o Deus Criador. Quando Ptah, o "Deus
Flamígero", leva na mãe o Ovo do Mundo, então o simbolismo vem a ser inteiramente
terrestre e concreto em sua significação. Com o Falcão, signo de Osíris-Sol, o símbolo é
dual, referindo-se a ambas as Vidas: a mortal e a imortal. A gravura de um papiro no Œdipus
Egyptiacus (25) de Kircher mostra um ovo flutuando sobre a múmia. É o símbolo da
esperança e a promessa de um Segundo Nascimento para o Morto Osirificado; sua Alma,
após a devida purificação no Amenti, cumprirá seu período de gestação nesse Ovo da
Imortalidade, para dele renascer em uma nova vida sobre a terra. Esse Ovo é, segundo a
Doutrina Esotérica, o Devachan, a mansão da Felicidade. O Escaravelho alado é outro
símbolo de idêntica significação. O Globo Alado não é senão uma forma do Ovo, com o
mesmo significado do Escaravelho, o Khopiru - da raiz khopru, vir a ser, renascer -, que se
relaciona com o renascimento do homem e com sua regeneração espiritual.
Na Teogonia de Mochus, vemos primeiramente o Æther, depois o Ar, os dois princípios
segundo os quais Ulom, a Divindade Inteligível (Noht∫), o Universo visível da Matéria,
nasceu do Ovo do Mundo. (26)
Nos Hinos Órficos, Eros-Phanes surge do Ovo Divino, que se impregnam dos Ventos
Æthéreos, sendo o Vento o "Espírito de Deus", ou melhor, o "Espírito das Trevas
Desconhecidas" - a Ideia Divina de Platão -, que se diz mover-se no Éter. (27)
No Katha Upanishad hindu, Purusha, o Espírito Divino, já está presente ante a Matéria
Original, e "dessa união surge a Grande Alma do Mundo", Mâhâ-Atmâ, Brahma, o Espírito
de Vida (28), etc.; estes últimos nomes são todos idênticos à Anima Mundi ou "Alma
Universal", a Luz Astral dos cabalistas e dos oculistas, ou o "Ovo das Trevas". Há ainda
muitas alegorias encantadoras sobre o mesmo assunto, esparsas nos Livros Sagrados dos
brâmanes. Em uma delas, o criador feminino é primeiro um germe. depois uma gota de
orvalho celeste, uma pérola e finalmente um ovo. Em tais casos, demasiado numerosos
para que possam ser especificados separadamente, o Ovo dá nascimento aos quatro
elementos dentro do quinto, o Æther, e está coberto por sete envoltórios, que mais tarde
se convertem em sete mundos superiores e sete inferiores. A casca partindo-se em duas,
forma o Céu, e o conteúdo a Terra, sendo a clara as Águas Terrestres. Então Vishnu sai do
Ovo, com um lótus na mão. Vinatâ, filha de Daksha e esposa de Kashyapa, "o nascido de si
mesmo, que surgiu do Tempo", um dos sete "Criadores" do nosso Mundo, produz um Ovo,
e deste nasce Garuda, o Veículo de Vishnu. A última alegoria refere-se à nossa Terra, pois
Garuda é o Grande Ciclo.
O Ovo era consagrado a Ísis, e por isto os sacerdotes do Egito jamais comiam ovos.
Ísis é quase sempre representada com um Lótus numa das mãos, e na outra um Círculo
72
e uma Cruz (cruz ansata).
Deodoro de Sicília diz que Osíris nasceu de um Ovo, da mesma forma que Brahma. Do
Ovo de Leda nasceram Apolo e Latona, e também Castor e Pólux, os Gêmeos
resplandecentes. E, embora os budistas não atribuam a mesma origem ao seu fundador,
também eles, tal como os amigos egípcios e os modernos brâmanes, não comem ovos, para
não destruir o germe de vida que neles se acha latente, evitando assim cometer um
pecado. Os chineses acreditam que o seu Primeiro homem nasceu de um Ovo, que Tien
deixou cair do Céu nas águas da Terra (29). Este ovo-símbolo é ainda considerado por
alguns como representando a ideia da origem da vida, o que é uma verdade científica, se
bem que o ovum humano seja invisível à simples vista. Daí a razão por que, desde os
tempos mais remotos, era o símbolo reverenciado pelos gregos, fenícios, romanos,
japoneses e siameses, assim como pelas tribos da América do Norte e do Sul, e até pelos
selvagens das ilhas mais longínquas.
Entre- os egípcios, o Deus oculto era Amon, ou Mon, o "Oculto", o Espírito Supremo.
Todos os seus Deuses eram duais - a Realidade científica para o santuário; seu duplo, a
Entidade fabulosa e mítica, para as massas. Por exemplo, como já assinalamos na Seção
"Chaos, Theos, Kosmos", Hórus o Maior era a Ideia do Mundo ainda na mente do Demiurgo,
"nascido nas trevas antes da Criação do Mundo"; o Segundo Hórus representava a mesma
Ideia saindo do Logos, revestindo-se de matéria e assumindo existência real (30). Hórus, "o
Maior", ou Haroiri, é um aspecto antigo do Deus Solar, contemporâneo de Ra e de Shu.
Confunde-se frequentemente Haroiri com Hor (Horsusi), Filho de Osíris e de Ísis, Os egípcios
representam muitas vezes o Sol nascente sob a figura de Hor, o Maior, saindo de um lótus
inteiramente desabrochado, o Universo; vendo-se sempre o disco solar sobre a cabeça de
falcão daquele Deus. Haroiri é Khnum. O mesmo sucede com Khnum e Amon; ambos são
representados com cabeça de carneiro, e amiúde se confundem, conquanto sejam
diferentes os seus atributos. Khnum é o "modelador de homens", formando os homens e as
coisas do Ovo do Mundo em uma roda de oleiro; Amon Ra, o Gerador, é o Aspecto
secundário da Divindade Oculta. Khnum era adorado em Elefantina e Philæ (31) e Amon em
Tebas. Mas é Emepht, o Princípio Uno Supremo Planetário que faz brotar o Ovo de sua
boca, sendo, portanto, Brahma. A Sombra da Divindade Cósmica e Universal, daquele que
incuba o Ovo e o impregna com o seu Espírito Vivificador, até que o germe nele contido
esteja maduro, era o Deus do Mistério, cujo nome não se podia pronunciar. Entretanto,
Ptah é "aquele que abre" a Vida e a Morte (32), o que emerge do Ovo do Mundo para
começar sua dupla tarefa (33).
Segundo os gregos, a forma espectral dos Chemis (Chemi, e Egito antigo), que flutua
sobre as Ondas Etéreas da Esfera Empírea, foi chamada à existência por Hórus-Apolo, o Sol-
Deus; que a fez surgir do Ovo do Mundo.
O Brahmânda Purâna contém todo o mistério sobre o Ovo Áureo de Brahma; e é por isso
talvez que esse Purâna não é acessível aos orientalistas, segundo os quais "já não se pode
obtê-los em seu corpo coletivo", mas "está representado por uma variedade de Khandas e
Mâhâtmyas que se pretende derivarem dele". Do Brahmânda Purâna se diz que "descreve em
12.200 versos a magnificência do Ovo de Brahma, e contém uma relação dos Kalpas
futuros, revelada por Brahma" (34). Assim é, e mais ainda talvez.
73
Na Cosmogonia escandinava, que o Professor Max Muller considera "muito anterior aos
Vedas", no poema de Woluspa, o Canto da Profetisa, voltamos a encontrar o Ovo do
Mundo no Germe-Fantasma do Universo, que é representado como jacente ao
Ginnungagap, a Taça da Ilusão, Mâyâ, o Abismo Ilimitado e Vazio. Nesta Matriz do Mundo,
antes região de trevas e desolação, Nefelheim, o lugar da Névoa (a Nebulosa, como hoje se
diz), na Luz Astral, caiu um Raio de Luz Fria, que fez transbordar a taça, e aí se congelou. O
Invisível fez soprar um Vento ardente, que fundiu as Águas congeladas e dissipou a Névoa.
As Águas (o Caos), chamadas as Correntes de Eliwagar, destilando em gota vivificantes,
caíram e criaram a Terra e o Gigante Ymir, que só tinha "a aparência de homem" (o Homem
Celeste), e a Vaca Audumla ("a Mãe", a Luz Astral ou Alma Cósmica), de cujas tetas fluíram
quatro torrentes de leite - os quatro pontos cardiais, os quatro mananciais dos quatro rios
do Éden, etc.; "quatro" que estão simbolizados pelo Cubo em todos os seus múltiplos
significados místicos.
Os cristãos (especialmente os das Igrejas latina e grega) perfilharam integralmente o
símbolo, e veem nele uma evocação da vida eterna, da salvação e da ressurreição. Há uma
confirmação disso no costume tradicional de se presentearem "Ovos da Páscoa". Desde o
Anguinum, o "Ovo" do Drúida Pagão, cujo nome por si só fazia Roma tremer de medo, até o
Ovo da Páscoa vermelho do camponês eslavo, transcorreu todo um ciclo. E, no entanto,
seja na Europa civilizada, seja entre os selvagens mais atrasados da América Central,
encontramos sempre o mesmo pensamento arcaico primitivo, se nos damos ao trabalho de
pesquisá-lo e se, em consequência do orgulho de nossa pretensa superioridade intelectual
e física, não desfiguramos a ideia original do símbolo.
75
SEÇÃO VII
"Ao fim de mil Períodos de Quatro Idades, quer perfazem um dia de Brâma, a Terra está
quase exausta. O eterno (avyaya) Vishnu assume então o caráter de Rudra, o Destruidor
(Shíva), e volta a reunir todas as criaturas em si mesmo. Entra nos Sete Raios do Sol, e
absorve todas as Águas do Globo; faz evaporar a umidade, secando assim toda a Terra. Os
oceanos e os rios, as torrentes e os arroios, todos se evaporam. Alimentados deste modo
com abundante umidade, os Sete Raios Solares se convertem, por dilatação, em Sete Sóis, e
finalmente incendeiam o Mundo, Hari, o destruidor de todas as coisas, que é a Chama do
Tempo, Kâlâgni, acaba por consumir a Terra. Então Rudra, convertendo-se em junârdana,
exala nuvens e chuva." (4)
Há várias espécies de Pralaya; mas nos antigos livros hindus três períodos principais são
mencionados especialmente. O primeiro indicado por Wilson, chama-se Naimittika (5),
"Ocasional" ou "Incidental", e é causado pelos intervalos entre os Dias de Brahmâ; é a
destruição das criaturas e de tudo o que tem vida e forma, mas não da substância, que
permanece em statu quo até a nova Aurora que sucede àquela Noite. O segundo chama-se
Prâkritika, e ocorre no fim da Idade ou Vida de Brahmâ, quando tudo o que existe se resolve
no Elemento Primário, para ser de novo modelado no final dessa Noite mais longa. O
terceiro, Âtyantika, não diz respeito aos Mundos nem ao Universo, mas tão somente a certa
77
classe de individualidades. É, pois, o Pralaya individual ou Nirvana; uma vez alcançado, já
não há existência ulterior possível, deixa de haver renascimento, a não ser após o Mahâ
Pralaya, Esta última Noite que tem a duração de 311.040.000.000.000 anos. com a
possibilidade de ser quase dobrada pelo venturoso Jivanmukta que atinge o Nirvana no
começo de um Manvantara - é bastante longa para ser considerada como eterna, embora
não sem fim. O Bhagavad Purâna (6) alude a uma quarta espécie de Pralaya, o Nitya, ou
Dissolução Costante, e o explica como a transformação incessante que se opera
imperceptivelmente em todas as coisas deste Universo, desde o globo até o átomo. É o
crescimento e a decadência, a vida e a morte.
Quando chega ao Mahâ Pralaya, os habitantes de Svar-loka, a Espera-Superior,
perturbados pela conflagração, buscam refúgio "com os Pitris, seus Progenitores, os Manus,
os Sete Rishis, as diferentes ordens de Espíritos Celestes e os Deuses, em Mahar-Ioka".
Quando este último é alcançado, todos os seres que acabamos de enumerar emigram, por
sua vez, de Maharloka para Janaloka, "em suas formas sutis, destinadas a tomar novos
corpos em estados semelhantes aos anteriores, ao renovar-se o Mundo no princípio do
Kalpa seguinte" (7).
"Aquele que é a origem de todas as coisas, o Senhor por quem tudo existe, Aquele que é
inconcebível, sem princípio, que é o princípio do Universo, entra em repouso e dorme em
Shesha [a Serpente do Infinito] no meio do Abismo. O Criador [Adikrit] Hari dorme sobre o
Oceano [do Espaço] sob a forma de Brahmâ - glorificado por Sanaka (9) e os Santos
[Siddhas] de jana-Loka, e contemplado pelos santos habitantes de Brahmâ-Loka, desejosos
da libertação final -, imerso em um sono místico, personificação celeste de suas próprias
ilusões... Esta é a Dissolução [(?) Pratisanchara] chamada Incidental, porque Bati é a sua
Causa Incidental [Ideal] (10). Quando o Espírito Universal desperta, o Mundo retorna à vida;
quando fecha os olhos, todas as coisas caem num sono místico. Assim como mil Grandes
Idades perfazem um Dia de Brahmâ [no original é Padmayoni, o mesmo que Abjayoni, nascido
do Lótus", e não Brahmâ], assim também a sua Noite se compõe de igual período...
Despertando ao fim de sua Noite, o Não Nascido... cria de novo o Universo." (11)
78
Tal é o Pralaya "Incidental". Que é a Dissolução Elemental (Prâkritiéa)? Parâshara a
descreve aMaitreya como segue;
"Quando pela dessecação e pelo fogo todos os Mundos e Patâlas [Infernos] são
destruídos (12)... tem começo o progresso da Dissolução Elemental. Então, primeiramente
as Águas absorvem a propriedade da Terra (que é o rudimento do Olfato), e a Terra,
privada desta propriedade, principia a ser destruída... e acaba por se confundir com a
Água... Quando o Universo é assim invadido pelas ondas do Elemento Aquoso, o Elemento
do Fogo consome o seu sabor rudimentar, e as próprias Águas são destruídas... e então se
identificam com o Fogo; e o Universo se enche, portanto, com a Chama [etérea], que...
pouco a pouco se estende sobre todo o Mundo. Quando o Espaço não é mais que [uma]
Chama, o Elemento do Vento se apodera da propriedade rudimentar ou forma que a Causa
da Luz, e, tendo esta desaparecido (pralina), tudo passa a ser da natureza do Ar. Estando
destruído o rudimento da forma, e privado o Fogo [? Vibhâvasu] de seu rudimento, o Ar
extingue o Fogo e se estende... sobre o Espaço, que é privado de Luz, quando o Fogo se
submerge no Ar. Então o Ar, acompanhado do Som, que é a fonte do Éter, se estende por
toda a parte nas dez regiões... até que o Éter se apodera do Contato [? Sparsha, Coesão-
Tato ?], sua propriedade rudimentar, cuja perda traz a destruição do Ar, e o Éter [ ? Kha]
permanece, sem modificação; privado de Forma, Gosto, Tato [Sparsha] e, Olfato, existe [in]
corpóreo [mûrtimat] e vasto, e penetra todo o Espaço. O Éter [Akâsha], cuja propriedade
característica e rudimentar é o Som [o "Verbo"], é só o que existe, ocupando todo o vazio
do Espaço (ou antes, formando todo o conteúdo do Espaço. Então a Origem [o Número ?]
dos Elementos (Bhûtâdi) devora o Som [os Demiurgos coletivos e as legiões de Dhyan
Chohans], e todos os elementos [existentes] (13) são, por sua vez, submergidos no
Elemento original. Este Elemento Primário é a Consciência combinada com a Propriedade
das Trevas [Tâmasa, ou melhor: Trevas Espirituais] e é ele próprio absorvido [desintegrado]
por Mahat [a Inteligência Universal], cuja propriedade característica é a harmonia [Buddhi],
e a Terra e Mahat são os limites interiores e exteriores do Universo. De modo que, assim
como (no Princípio) foram contadas as sete Formas da Natureza [Prakriti], desde Mahat à
Terra, assim ... estas sete voltam a entrar sucessivamente uma na outra (14).
O Ovo de Brahmâ [Sarva-mandala], se dissolve nas Águas que o rodeiam, com suas sete
zonas [dvipas], seus sete oceanos, suas sete regiões e suas montanhas. A camada de Água é
tragada pelo Fogo; o [cinto] de Fogo é absorvido pelo do Ar; o Ar mistura-se com o Éter
IAkâsha]; o Elemento Primário [Bhûtâdi, a origem, ou melhor, a causa do Elemento Primário]
devora o Éter, e é [ele mesmo] destruído pelo Intelecto [Mahat, a Grande Mente, a Mente
Universal], o qual, juntamente com todos esses, é arrebatado pela Natureza [Prakriti] e
desaparece. Este Prakriti é essencialmente o mesmo, quer se componha de partes distintas,
quer seja compacto: mas o que é separado finalmente se perde ou é absorvido no
compacto. O espírito [Pums] também, que é uno, puro, eterno, imperecível, que em tudo
penetra, é uma parte daquele Espírito Supremo que está em todas as coisas. Esse Espírito
[Servesha], que não é o mesmo Espírito [encarnado], e no qual não há atributos de nome,
nem de espécie, nem de nada conforme o estilo [nâman e jâti ou rúpa; portanto mais corpo
79
que espécie]... [permanece] como a [única] Existência [Sattâ], A Natureza [Prakriti] e o
Espírito Purusha se resolvem [finalmente], uma e outro, no Espírito Supremo." (15)
É o Pralaya final (16), a Morte do Cosmos, após a qual seu Espírito repousa no Nirvâna,
ou no seio de Aquele para quem não há nem Dia nem Noite. Todos os outros Pralayas são
periódicos e sucedem com regularidade aos Manvantaras, como a noite sucede ao dia para
todas as criaturas humanas, animais e plantas. O Ciclo de Criação das Vidas do Cosmos se
esgota; porque a energia do "Verbo" Manifestado tem seu crescimento, seu apogeu e seu
declínio, como todas as coisas temporais, por mais longa que seja a sua duração. A Força
Criadora é eterna como númeno; como manifestação fenomenal, em seus diversos
aspectos, tem um princípio e deve, portanto, ter um fim. Durante esse intervalo, passa por
Períodos de Atividade e Período de Repouso, que são os Dias e as Noite de Brahma. Mas
Brahman, o Númeno, jamais repousa; pois ele nunca muda, mas sempre é, embora não se
possa dizer que esteja em alguma parte.
Os cabalistas judeus sentiram a necessidade dessa imutabilidade de uma Divindade
eterna, infinita, e por isso aplicaram o mesmo pensamento ao Deus antropomórfico. A ideia
é poética e bastante apropriada em sua aplicação. No Zohar lemos o seguinte:
"B'raisheeth barah elohim ath hashama' yem v'ath haa retz", ou seja: No princípio (os)
Deus (Deuses) criou (criaram) os céus e a terra', (o que significa:) os seis (Sephiroth de
Construção (17), acima dos quais está B'raisheeth, pertencem todos ao Abaixo. Ele criou
seis (e) sobre estes estão (existem) todas as Coisas. E estes dependem das sete formas do
Crânio, inclusive a Dignidade de todas as Dignidades. E a segunda "Terra" não entra nos
cálculos, e é por isso que está dito: 'E dela (dessa ferra), que sofreu a maldição, saiu...' 'Ela
(a Terra) estava sem forma e vazia; e as trevas remavam sobre a face do Abismo, e o
Espírito de Elohim... soprava ( me'racha'pheth, isto é, planava, cobria, agitava-se... ) sobre
80
as águas'. Treze dependem de treze (formas) da mais elevada dignidade. Seis mil anos
pendem (referem-se) nas (às) seis primeiras palavras. O Sétimo (milhar, o milênio) sobre ela
(a Terra maldita) é o que é forte por si mesmo. E foi completamente devastada durante
doze horas (um... dia ... ). Na décima terceira, ela (a Divindade) restabelecerá... e tudo será
renovado como antes, e todos aqueles seis continuarão." (18)
cuja essência pertence ao Sétimo, são os Upâdhi, a Base ou Pedra Fundamental sobre a qual
está edificado o Universo objetivo; os Númenos de todas as coisas. São, pois, ao mesmo
tempo, as Forças da Natureza, os Sete Anjos da Presença; o Sexto e o Sétimo Princípios do
Homem; as Esferas espiritual-psico-físicas da Cadeia Setenária; as Raças-Raízes, etc., etc.
Todos "dependem das Sete Formas do Crânio", inclusive o mais Elevado.
A "Segunda Terra" não entra nos cálculos", porque não é Terra alguma, senão o Caos ou
Abismo do Espaço em que repousava o Universo-Paradigma ou Modelo, na Ideação da
Super-Alma, incubando-o. O termo "Maldição" induz em erro, porque significa
simplesmente Determinação ou Destino, ou aquela fatalidade que levou a Terra ao estado
objetivo. Isto se confirma por se achar a "Terra", submetida à "Maldição", descrita como
"sem forma e vazia", e em cujas profundezas abissais o "Sopro" dos Elohim, ou Logos
coletivos, produziu ou, por assim dizer, fotografou a primeira Ideação Divina das coisas que
deviam ser. Este processo se repete depois de cada Pralaya, antes de iniciar-se um novo
Manvantara, ou Período de Existência senciente individual.
"Treze dependem de treze Formas": refere-se aos treze Períodos personificados nos
treze Manus, com Svâyambhuva, o décimo quarto (o número de 13, em vez de 14, é mais um
véu); esses quatorze Manus que reinam durante o período de um Mahâ Yuga, um Dia de
Brahmâ. Os treze-quatorze do Universo objetivo dependem das treze-quatorze Formas-
Paradigmas Ideais.
O significado dos "seis mil Anos" que "pendem das seis primeiras Palavras", há que
buscá-lo também na Sabedoria hindu. Trata-se dos seis (sete) "Reis de Edom " primitivos,
que simbolizam os Mundos ou Esferas de nossa Cadeia, durante a Primeira Ronda, assim
como os homens primordiais desta Ronda. São a Primeira Raça-Raiz pré-adamita setenária,
ou os que existiram antes da Terceira Raça separada. Como eram sombras ou espectros
sem o entendimento, pois ainda não haviam comido o fruto da Arvore do Conhecimento, e
não podiam ver o Parzuphin, ou "a Face não podia ver a Face"; quer dizer, os homens
primitivos eram "inconscientes". "E por isso os (sete) Reis primordiais morreram", isto é,
foram destruídos (19). Mas quem são esses Reis? São os "Sete Rishis, certas divindades
81
(secundárias), Indra (Shakra), Manu e os Reis sem Filhos, (os quais) são criados e perecem
durante um período", como nos diz o Vishnu Purâna (20). Pois o sétimo" milhar", que não é
o milênio da Cristandade exotérica, mas o da Antropogênese, representa, segundo o Vishnu
Purâna, canto o "Sétimo Período da Criação", o do homem físico, como o Sétimo Princípio,
macrocósmico e microcósmico, e também o Pralaya que sucede ao Sétimo Período. a Noite
de Brahmâ, que tem a mesma duração do Dia.
"Foi completamente devastada durante doze horas". É na Décima-terceira (duas vezes
seis mais a síntese) que tudo será restabelecido, e “os seis continuarão".
Assim observa o autor da Qabbalah com muita razão:
"Muito antes de sua época [a de lbn Gebirol]... muitos séculos antes da Era Cristã, havia
na Ásia Central uma Religião-Sabedoria, da qual depois subsistiram fragmentos entre os
sábios do Egito arcaico, entre os antigos chineses, hindus, etc ... [E] a Qabbalah tem sua
origem, seguramente, em fontes arianas da Ásia Central, Pérsia, Índia e Mesopotâmia;
porque de Ur e de Haran vieram Abraão e muitos outros, para a Palestina" (21)
Essa era também a firme convicção de C. W. King, autor de The Gnosties and Their
Remains
(1). Há uma informação bem curiosa nas traduções esotéricas budistas. A biografia
alegórica exotérica de Gautama Buddha nos mostra haver o grande Sábio morrido de uma
indigestão de "porco e arroz"; desfecho prosaico, em verdade, e mui pouco solene! Explica-
se a lenda como uma referência alegórica ao seu nascimento ocorrido no Kalpa do Javali ou
Varâha, quando Vishnu tomou a forma deste animal para tirar a Terra das "Águas do
Espaço". Ora, como os brâmanes descendem diretamente de Brahmâ, e estão, por assim
dizer, com ele identificados; e como são, ao mesmo tempo inimigos mortais de Buddha e
do Budismo, temos aí o verdadeiro sentido dessa curiosa combinação alegórica. O
Bramanismo do Kalpa do javali, ou Varâha, destruiu a religião de Buddha na Índia,
expulsando-a do país. Assim se explica por que Buddha, identificado que é com a sua
filosofia, passa por ter morrido depois de comer carne de porco selvagem. A ideia de que
aquele que instituiu o vegetarianismo e o mais rigoroso respeito à vida animal (ao ponto de
se recusar a comer ovos por serem veículos de vida latente), é em si mesma contraditória e
sumamente absurda, e tem confundido mais de um orientalista. Mas a explicação que
agora mencionamos levanta o véu da alegoria, e tudo esclarece. Contudo, o Varâha não é
simplesmente o Javali; mas, de início, segundo parece, deve ter significado algum animal
lacustre antediluviano, "que se comprazia em brincar dentro d'água" (Vishnu Purâna),
(2). Segundo o Coronel Wilford, a conclusão da "Grande Guerra" se deu no ano 1370 antes
de Cristo (Asiatic Researches , IX, pp. 88-9); segundo Bentley, em 575 a. C. (!!). Ainda
podemos esperar ver, antes do fim deste século, a epopéia do Mâhâbhârata ser
proclamada idêntica às guerras do grande Napoleão.
(3). Veja-se Royal Asiat. Soc., IX, 364.
(4). Veja-se o volume V, pp. 190-3.
(5). No Vedanta e no Nyâyâ, Nimitta - de que provém Naimittika - é apresentado como a
Causa Eficiente, quando em oposição a Upâdâna, a Causa física ou material. No Sânkhya,
Pradhâna é uma causa inferior a Brahma ou melhor: Brahma, sendo em si mesmo uma
causa, é superior a Pradhâna. "Incidental" é, portanto, uma tradução errônea, devendo ser
substituído, conforme pensam alguns eruditos, por Causa "Ideal". Causa "Real" ainda seria
melhor.
(6). XII, IV, p. 35. (The Bhâgavata Purâna de Purnendu Narâyan Sinha, Skanda XII, cap. IV,
menciona os quatro Pralayas assim: Nitya, Nimittika, Prakritika, Atyantika).
(7). Vâju Purâna.
(8). Wilson, Vishnu Purâna, V, p. 194 .
(9). O Chefe dos Kumâras, ou, Deus-Virgem, um Dhyân Chohan que se recusa a criar. Um
protótipo de São Miguel, que também se negou a fazê-lo.
(10). Vejam-se as últimas linhas da Seção "Chaos, Theos, Kosmos",
(11). VoI V, pp. 195-6.
(12). Esta perspectiva não seria do agrado da teologia cristã, que prefere um Inferno
permanente e eterno para os seus partidários.
(13). Pelo termo "Elementos" deve entender-se não só os elementos visíveis e físicos, mas
84
também aquilo que São Paulo chama Elementos - as Potências Espirituais Inteligentes -,
Anjos e Demônios em suas formas manvantáricas.
(14). Quando esta descrição for corretamente entendida pelos orientalistas em seu
significado esotérico, então se verá que aquela correlação cósmica dos Elementos do
Mundo pode explicar a das forças físicas melhor do que as correlações atualmente
conhecidas. Em todo caso, observarão os teosofistas que Prakriti tem sete formas ou
princípios, "contados desde Mahat até a Terra". As "Águas" aqui significam a "Mãe" mística;
a Matriz da Natureza Abstrata, onde é concebido o Universo Manifestado. As "sete zonas"
se referem às Sete Divisões deste Universo, ou ao Número das Forças que lhe dão
existência. Tudo é alegórico.
(15). Vishnu Purâna, vol. V, pp. 198-200. Os erros de Wilson foram corrigidos, e os termos
originais postos entre parênteses.
(16). Como o que aqui se descreve é o Manâ ou Grande Pralaya, chamado Final, tudo é
reabsorvido no Elemento Uno original; "os próprios Deuses, Brahma e tudo o mais"
desaparecem durante esta longa "Noite" - é o que se diz.
(17). Os "Construtores" das Estâncias.
(18). Do Siphra Dtzenioutha, cap. I, S. 16 e segs.; citação da Qabbalah, de Myer, 232-33.
(19). Compare-se com o Siphra Dtzenioutha
(20). Vol. I, p. 50
(21). PP 219-221.
(22). Veja-se: Les Fils de Dieu et l'Inde des Brahmanes, de Jacolliot, p. 230.
(23). Se não é profecia, que será então?
(24). Wilson, Vishnu Purâna, IV, pp. 224-9.
(25). O Matsya Purâna menciona Katâpa.
(26). Vishnu Purâna, ibid.
(27). Max Muller traduz o nome por Morya, da dinastia Morya, à qual pertencia
Chandragupta (veja-se: History of Ancient Sanskrit Litterature). No Matsya Purâna, cap.
CCLXXII, é mencionada uma dinastia de dez Moryas ou Maureyas. No mesmo capítulo se diz
que os Moryas um dia reinarão na Índia, depois de restaurar a raça Kshattriya, dentro de
vários milênios. Mas esse reino será puramente espiritual, e não "deste mundo". Será o
reino do próximo Avatar. O Coronel Tod acredita que o nome Morya, ou Maurya, é uma
corruptela de Mori, uma tribo Rajput; e o comentador do Mahâvanso pensa que alguns
príncipes receberam o nome Maurya de sua cidade chamada Mori, ou, segundo o Professor
Max Muller, de Morya-Nâgara, o que é mais correto, de acordo com o Mahâvanso original. A
enciclopédia sânscrita Vâchaspattya - esclarece o nosso irmão Devan Bâdhâdur R. Ragoonath
Rao, de Madras - situa Katâpa (Kalâpa) no lado norte dos Himalaias, e, portamo, no Tibet. E
também o que se vê no Bhâgavata Purâna, Skanda XII.
(28). lbid., vol. III, p. 325. O Vayu Purâna declara que Moru restabelecerá os Kshattriyas no
próximo décimo nono Yuga. (Vela-se Five Years of Theosophy, p. 482, artigo "The Puranas
on the Dynasty of the Moryas and on Koothoomi").
85
SEÇÃO VIII
Conforme dissemos em Ísis sem Véu, a ideia do Lótus pode também ser encontrada no
capítulo eloísta do Gênese. É dentro desse pensamento que devemos buscar â origem e a
explicação do seguinte versículo da Cosmogonia Judaica: "E Deus disse: Que a terra
produza... árvore frutífera que dê fruto segundo a sua espécie, cuja semente está nela
mesmo" (3). Em todas as religiões primitivas, o Deus Criador é o "Filho do Pai", isto é, o
seu Pensamento tornado visível; e antes da Era cristã, desde a Trimurti dos hindus até as
três cabeças cabalísticas das Escrituras, segundo as explicam os judeus, o conceito da
Trindade Divina estava perfeitamente definido e substanciado em todas as nações, em suas
respectivas alegorias.
Tal é a significação cósmica e ideal deste grande símbolo entre os povos orientais. Mas,
quando aplicado ao culto prático e exotérico, que também tinha sua simbologia esotérica, o
Lótus se converteu, com o passar do tempo, em veículo e receptáculo de uma ideia mais
terrestre. Não há nenhuma religião dogmática que tenha escapado à influência do
elemento sexual; e até em nossos dias ele inquina a beleza moral da ideia-mater da
simbologia. O trecho que se segue foi extraído do mesmo manuscrito cabalístico a que já
nos temos referido várias vezes:
"Idêntica significação tinha o Lótus que crescia nas águas do Nilo. Seu modo de
87
crescimento fazia-o particularmente adequado para servir de símbolo das atividades
geradoras. A flor do Lótus, que é portadora da semente destinada à reprodução, como
resultado de sua maturidade, está relacionada, por sua aderência, semelhante à da
placenta, com a mãe- terra ou matriz de Isis, mediante o seu comprido talo parecido com
um cordão, o cordão umbilical, através da água da matriz, que é o rio Nilo. Nada mais claro
do que este símbolo; e, para torná-lo ainda mais perfeito, algumas vezes o apresentam com
uma criança sentada na flor, ou dela surgindo (4). É assim que Osíris e Isis, os filhos de
Cronos, ou do Tempo sem fim, no desenvolvimento de suas forças naturais, vieram a ser,
naquela cena, os pais do homem, sob o nome de Hórus (5).
Não será demais insistirmos sobre o uso da função geradora como base de uma
linguagem simbólica e de uma arte científica da palavra. A ideia nos conduz imediatamente
a refletir sobre o tema da causa criadora. Observa-se que a Natureza, em sua obra,
construiu um maravilhoso mecanismo vivo, governado por uma alma vivente que a ela se
uniu; e conhecer o seu processo de desenvolvimento, saber de onde vem, qual o seu
presente e para onde vai, é coisa que ultrapassa toda a capacidade da inteligência humana
(6).
O recém-nascido é um milagre constante, um testemunho de que na oficina da atriz
intervém um poder inteligente e criador, para unir uma alma vivente a um organismo físico.
A assombrosa maravilha deste fato confere um caráter especial de santidade a tudo o que
se relaciona com os órgãos de reprodução, como lugar e sede da evidente intervenção
construtóra da divindade." (7)
Eis aí uma interpretação correta das ideias fundamentais antigas, dos conceitos
puramente panteístas, impessoais e reverentes, do filósofos arcaicos das idades pré-
históricas. Já o mesmo não sucede quando são elas aplicadas à humanidade pecadora:
converte-se em ideias grosseiras, associadas à personalidade.
Nenhum filósofo panteísta deixaria, portanto, de considerar perigosas as observações
feitas após o que vimos de transcrever (e que representam o antropomorfismo da
simbologia judaica), para a santidade da verdadeira religião, sendo próprias tão somente de
nossa época materialista, que é o produto e o resultado direto daquele caráter
antropomórfico. Porque esta é a tônica de todo o espírito e essência do Antigo
Testamento, como se vê do manuscrito quando trata do simbolismo e dos artifícios de
linguagem da Bíblia:
"Por isso, o lugar em que se acha a matriz deve ser encarado como o Sítio Mais Sagrado,
o Sanctum Sanctorum, e o verdadeiro Templo do Deus Vivo (8). Para o homem, a posse da
mulher foi sempre considerada como uma parte essencial dele mesmo, dando-se a fusão
de dois seres em um só; e daí o caráter sagrado da mulher, que ele guardava com tanto
zelo. Até a parte da casa ou do lar, reservada à esposa, era chamada penetralia, o recinto
secreto ou sagrado; e foi isso que deu origem à metáfora do Sanctum Sanctorum e às
construções sagradas, inspiradas na ideia de santidade dos órgãos da geração. Essa parte da
casa, levada a sua descrição ao extremo (9) pela metáfora, figura nos livros sagrados como
situada "entre as coxas da casa", e algumas vezes a ideia se manifesta, quanto ao aspecto
88
arquitetônico, na grande portada interior das igrejas, sustentada de ambos os lados por
pilares" (10).
"Se a estes órgãos, como símbolos de agentes criadores cósmicos, se pode associar a
ideia da origem das medidas, assim como a dos períodos de tempo, então, efetivamente,
nos Templos construídos como Moradas da Divindade, aquela parte designada como
Sanctum Sanctorum, ou o Recinto Mais Sagrado, deveria tomar o seu nome da reconhecida
santidade dos órgãos geradores, considerados como símbolos tanto das medidas como da
causa criadora. Entre os antigos sábios não havia nem nome, nem ideia, nem símbolo, para
a Causa Primeira." (11)
Certamente que não havia. É preferível nunca pensar na Causa Primeira, deixando-a
para sempre inominada, como faziam os antigos panteístas, a degradar a santidade desse
Ideal dos Ideais, rebaixando os seus símbolos a tais formas antropomórficas. Ainda aqui se
observa o abismo que existe entre o pensamento religioso ário e o semítico, os dois polos
opostos, a Sinceridade e o Subterfúgio. Para os brâmanes, que nunca associaram as funções
naturais procriadoras com um elemento de "pecado original", é um dever religioso ter um
filho. O brâmane, nos tempos antigos, depois de haver cumprido sua missão de criador
humano, retirava-se para os bosques e passava o resto de seus dias entregue à meditação
religiosa. Havia cumprido seu dever para com a Natureza, como homem mortal e
colaborador dela; e daí por diante consagrava todos os seus pensamentos à parte espiritual'
e imortal de seu próprio ser, considerando a parte terrena como simples ilusão, um sonho
efêmero, que na verdade é.
Para os semitas, a coisa era diferente. Inventaram uma tentação da carne no jardim do
Eden e apresentaram o seu Deus - esotericamente o Tentador e o Regente da Natureza -
lançando a maldição eterna sobre um ato que fazia parte do plano lógico da mesma
Natureza (12). Isso tanto exotericamente como na vestimenta e na letra morta do Gênesis
e do resto. Ao mesmo tempo, esotericamente, consideravam o suposto pecado ou queda
como um ato tão sagrado que escolheram o órgão, responsável pelo pecado original, como
o símbolo mais apropriado e mais digno para representar aquele Deus, o Deus que eles nos
mostram anatematizando o exercício de tais funções como uma desobediência e um
pecado eterno!
Quem poderá jamais sondar os abismos paradoxais da imaginação semita? E tais
89
elementos paradoxais, excluída sua significação íntima e secreta, foram agora transferidos
inteiramente para a teologia e o dogma cristão!
Cabe à posteridade apurar se os primeiros Padres da Igreja tinham conhecimento do
sentido esotérico do Testamento hebreu, ou se apenas alguns deles o conheciam, enquanto
os demais ignoravam o segredo. Em todo caso, uma coisa é certa. Como o Esoterismo do
Novo Testamento se harmoniza perfeitamente com o dos Livros hebreus mosaicos, e como,
ao mesmo passo, certo número de símbolos puramente egípcios e de dogmas pagãos em
geral - a Trindade, por exemplo - foram reproduzidos e incorporados nos Sinóticos e no
Evangelho de São João, é evidente que a identidade desses símbolos era conhecida dos
autores do Novo Testamento, quem quer que tenham sido. Deviam também conhecer a
prioridade do Esoterismo egípcio, visto que adotaram alguns símbolos que são tipos de
conceitos e crenças puramente egípcias, em seu significado externo e interno, e que não se
encontram no Cânon judaico. Um destes símbolos é o nenúfar (ou açucena), que aparece
nas mãos do Arcanjo nas primeiras cenas de sua aparição à Virgem Maria; e tais imagens
simbólicas foram conservadas até os nossos dias na iconografia das Igrejas grega e romana.
Assim, a Água, o Fogo e a Cruz, assim como a Pomba, o Cordeiro e outros animais sagrados,
com todas as suas combinações, possuem esotericamente um significado idêntico, e devem
ter sido adotados à guisa de aperfeiçoamento do judaísmo puro e simples.
O Lótus e a Água figuram entre os mais antigos símbolos, e sua origem é
essencialmente ariana, embora passassem depois a propriedade comum ao subdividir-se a
Quinta Raça. Vejamos um exemplo. As letras, como também os números, eram todos
místicos, quer em combinação, quer separadamente. A mais sagrada de todas é a letra “M".
É a um só tempo masculina e feminina, e foi criada para simbolizar a Água em sua origem, o
Grande Oceano. Tem caráter místico em todos os idiomas, orientais e ocidentais, é um
signo que representa as ondas da água, assim: . No esoterismo ariano, como no
semita, esta letra foi sempre o símbolo das águas. Por exemplo, em sânscrito Makara, o
décimo signo do Zodíaco, quer dizer um crocodilo, ou melhor, um monstro aquático:
sempre a associação com a água. A letra "Ma" equivale e corresponde ao número 5, que se
compõe de um Binário, símbolo dos dois sexos separados, e do Ternário, símbolo da
Terceira Vida, a progênie do Binário. Isto é ainda frequentemente simbolizado por um
Pentágono, que é um signo sagrado, um Monograma divino. Maitreya é o nome secreto do
Quinto Buddha e do Kalki-Avatâra dos brâmanes, o último Messias que virá no fim do
Grande Ciclo. "M" é também a letra inicial da palavra grega Metis ou Sabedoria Divina; de
Mimra, o Verbo ou Logos; e de Mithras, Mithr, o Mistério da Mônada. Todos esses
elementos provieram do Grande Abismo e nele nasceram, e são os filhos de Mâyâ, a "Mãe",
Mut no Egito, Minerva, a Sabedoria Divina, na Grécia; de Maria ou Miriam ou Myrrha, etc.,
a Mãe do Logos Cristão; e de Mâyâ, a Mãe de Buddha. Mâdhava e Mâdhavi são os títulos
dos Deuses e Deusas mais importantes do Panteão hindu. Por último, Mandala é, em
sânscrito, um "Círculo" ou um Orbe, e designa também as dez divisões do Rig Veda. Na
Índia, os nomes mais sagrados principiam geralmente com esta letra, desde Mahat, a
primeira Inteligência manifestada, e Mandara, a grande montanha de que se utilizaram os
Deuses para malaxar o Oceano, até Mandâkirni, o Gangâ celeste ou Ganges, Manu, etc.,
etc.
90
Dir-se-á que é uma coincidência? Será então uma coincidência bem estranha, em
verdade, quando vemos que o próprio Moisés, encontrado nas Águas do Nilo, traz em seu
nome a consoante simbólica. É a filha do Faraó "lhe deu o nome de Moisés, dizendo:
Porque o retirei das águas" (13). Além disso, em hebraico o nome sagrado de Deus,
aplicado à letra "M", é Meborach, o "Santo" ou o "Bendito", e o nome da Água do Dilúvio é
Mbul. Para terminar esta série de exemplos, podemos ainda lembrar as "Três Marias" na
Crucificação, e a sua relação com Mare, o Mar ou a Água. Esta é a razão por que, no
Judaísmo e no Cristianismo, o Messias está sempre associado com a Água, o Batismo; e
também com os Peixes, o signo do Zodíaco, chamado Miham em sânscrito, e até com
Matsya (Peixe) - Avatâra, e o Lótus, símbolo da matriz, ou o nenúfar, que tem igual
significado.
Entre as relíquias do Egito antigo, quanto maior é a antiguidade dos símbolos e
emblemas votivos dos objetos desenterrados, mais a flor do Lótus e a Água aparecem
relacionados com os Deuses Solares. O Deus Khnum, o Poder Único, ou a Água, sendo,
como ensinava Tales, o princípio de todas as coisas, senta-se em um trono colocado no
centro de um Lótus. O Deus Bes acha-se sobre um Lótus, pronto para devorar seus filhos.
Thot, o Deus do Mistério e da Sabedoria, o Escriba sagrado do Amenti, usando o disco solar
como capacete e tendo uma cabeça de touro - o touro sagrado de Mendes é uma das
formas de Thot - e um corpo humano, está sentado em um Lótus completamente aberto.
Finalmente, a Deusa Hiquit, sob a forma de uma rã, aparece repousando sobre um Lótus, o
que mostra sua relação com a Água. E é pela figura nada poética deste símbolo da rã,
incontestavelmente o signo da mais antiga das Divindades egípcias, que os egiptólogos em
vão têm tentado descobrir o mistério e as funções da Deusa. Sua adoção na Igreja, pelos
primeiros cristãos, demonstra que estes o conheciam melhor do que os nossos modernos
orientalistas. A "Deusa-Rã ou Sapo" era uma das principais Divindades cósmicas
relacionadas com a Criação, por causa da natureza anfíbia desse animal, e principalmente
de sua aparente ressurreição depois de longos períodos de vida solitária, entocado em
velhos muros, rochedos, etc. Não só havia ela participado da organização do Mundo,
juntamente com Khnum, como estava também associada ao dogma da ressurreição (14).
Devia haver alguma significação bem profunda e sagrada neste símbolo, para que o
adotassem os primeiros cristãos egípcios em suas Igrejas, apesar do risco de serem
acusados da prática de uma forma repugnante de zoolatria. Uma rã ou um sapo encerrado
numa flor de Lótus, ou mesmo sem este último emblema, foi a forma escolhida para as
lâmpadas das Igrejas, em que estavam gravadas as palavras '''Egw& ei)mi h9 a)na)stasi∫” - Eu
sou a ressurreição (15). Estas Deusas-Rãs se encontram também em todas as múmias.
92
SEÇÃO IX
tem com a Terra relações mais estreitas que outro qualquer globo sideral. O Sol é a Fonte
de Vida de todo o Sistema Planetário; a Lua dá Vida ao nosso Globo; e as primeiras raças o
sabiam e compreendiam, desde a sua infância. Ela é a Rainha, e é também o Rei. Era o Rei
Soma antes de se transformar em Febo e na casta Diana. É, acima de tudo, a Divindade dos
cristãos, que lhes veio por intermédio dos judeus mosaicos e cabalistas, embora tal coisa
fosse ignorada pelo mundo civilizado, durante muito tempo, precisamente desde que
morreu o último Padre da Igreja que era Iniciado, levando consigo para o túmulo os
segredos dos Templos pagãos. Para alguns Padres, como Orígenes e Clemente de
Alexandria, a Lua era o símbolo vivente de Jeová; era o Dispensador da Vida e da Morte, o
que dispõe da Existência (em nosso Mundo). Pois, se Ártemis era Luna no Céu, e, entre os
gregos, era Diana na Terra, presidindo ao nascimento e à vida da criança, entre os egípcios
era Hekat (Hécate) no Inferno, a Deusa da Morte, que mandava sobre a magia e os
encantamentos. Mais ainda: como personificações da Lua, cujos fenômenos são triádicos,
Diana-Hecate-Luna e o Três em Um; porque ela é Diva triformis, tergemina, triceps, três
cabeças num só pescoço (2), como Brahmâ-Vishnu-Shiva. Portanto, é o protótipo de nossa
Trindade, a qual não foi sempre inteiramente masculina. O número 7, tão frequente na
Bíblia e tão sagrado durante o sétimo dia ou Sábado, veio da antiguidade aos judeus, e tem
sua origem no quádruplo 7 contido nos 28 dias do mês lunar, do qual cada parte setenária é
representada por um quarto da Lua.
Não será demais apresentarmos aqui uma vista panorâmica sobre a origem e evolução
do mito e do culto lunar, na antiguidade histórica do nosso lado do globo. A origem
primeira não pode ser averiguada pela Ciência exata, que rejeita a tradição; por sua vez, a
93
história arcaica do mito é um livro fechado para a Teologia, que, sob a hábil direção dos
Papas, lançou a interdição sobre todo fragmento de literatura que não leva o imprimatur da
Igreja de Roma.
Que seja mais antiga a filosofia religiosa egípcia ou a indoariana (a Doutrina Secreta
afirma que é a última), pouco importa ao caso, uma vez que os "cultos" Lunar e Solar são os
mais antigos do mundo. Ambos sobreviveram e perduram ainda em nossos dias; para uns,
abertamente; para outros - como, por exemplo, na simbologia cristã - secretamente.
O gato, símbolo lunar, estava consagrado a Ísís, que, em certo sentido, era a Lua, assim
como Osíris era o Sol, conforme se vê frequentemente na parte superior do Sistro, que a
Deusa tem na mão. Esse animal era objeto de grande veneração na cidade de Burbaste, que
conservava rigoroso luto por ocasião da morte dos gatos sagrados; pois que Ísis, como Lua,
era particularmente adorada naquela cidade dos mistérios. Do simbolismo astronômico
relacionado com o gato já dissemos na Seção I, e ninguém o descreveu melhor que Gerald
Massey em suas Lectures e em The Natural Genesis. Diz-se que os olhos do gato parecem
seguir as fases lunares em seu crescimento e diminuição; e que suas órbitas brilham como
duas estrelas na escuridão da noite. Daí provém a alegoria mitológica que mostra Diana
ocultando-se na Lua, sob a forma de um gato, quando, em companhia de outras Deusas,
procurava escapar à perseguição de Tífon, segundo referem as Metamorfoses de Ovídio. No
Egito, a Lua era, ao mesmo tempo, o "Olho de Osíris", o Sol.
O mesmo sucedia com o Cinocéfalo. O macaco com cabeça de cão era o signo que
simbolizava ora o Sol, ora a Lua, se bem que o Cinocéfalo fosse mais um símbolo hermético
que religioso. É, com efeito, o hieróglifo do planeta Mercúrio, e do Mercúrio dos filósofos
alquimistas, os quais diziam que
"Mercúrio deve estar sempre perto de Ísis, como seu ministro; porque, sem Mercúrio,
nem Ísis nem Osíris podem realizar seja o que for na Grande Obra."
"Uma das primeiras ocupações do homem, das que são realmente necessárias, deveria
ser a observação dos períodos de tempo (3), marcados na abóbada celeste que se ergue
sobre o plano do horizonte ou sobre a superfície das águas tranquilas. Tais períodos seriam
determinados pelo dia e pela noite, pelas fases da Lua, por suas revoluções estelares e
sinódicas, e pela duração do ano solar com a volta das estações, aplicando-se aos mesmos
períodos a medida natural do dia e da noite, ou seja, do dia dividido em luz e sombra.
Descobrir-se-ia também que havia, no mesmo período do ano solar, um dia solar mais
comprido e outro mais curto que todos os demais, assim como dois dias solares em que o
dia e a noite tinham igual duração; podendo as épocas do ano correspondentes a esses dias
ser assinalada com a maior precisão nos grupos de estrelas dos céus, ou nas constelações,
sob reserva de seu movimento retrógrado, que com o tempo necessitaria de correção por
intercalação, como sucedeu na história do Dilúvio, em que se fez uma correção de 150 dias
em um período de 600 anos, durante o qual a confusão dos signos indicadores do tempo
havia aumentado... Isso teria naturalmente que ocorrer com todas as raças e em todas as
épocas; e queremos crer que semelhante conhecimento tenha sido inerente à espécie
humana, antes do chamado período histórico como durante o mesmo." (4)
Sobre esta base, procura o autor alguma função física natural, que a espécie humana
possuísse em comum e que se relacionasse com as manifestações periódicas, de tal modo
que "a relação entre as duas classes de fenômenos... se chegue a determinar no uso
popular" Esta função ela a encontra em:
"(a) O fenômeno fisiológico feminino, que ocorre em cada mês de 28 dias, o mês lunar,
ou 4 semanas de 7 dias, de maneira que se produzam 13 repetições do período em 364
dias, que constituem o ano solar de 52 semanas de 7 dias; (b) a gestação do feto, que é
assinalada por um período de 126 dias, ou 18 semanas de 7 dias; (c) o chamado "período de
viabilidade", que é de 210 dias, ou 30 semanas de 7 dias; (d) o período do parto, que se
completa em 280 dias, ou 40 semanas de 7 dias, ou 10 meses lunares de 28 dias, ou ainda 9
95
meses do calendário de 31 dias, contando-se sobre o arco real dos céus a medida do tempo
da passagem da escuridão da matriz à luz e glória da existência consciente, este mistério e
milagre sempiterno e inescrutável... Assim, os períodos de tempo observados, que marcam
os trabalhos da obra do nascimento, viriam a ser uma base natural para os cálculos
astronômicos... Podemos quase assegurar... que este era o modo de calcular empregado
em todas as nações, seja espontaneamente, seja por via indireta e em virtude de
ensinamento. Era o método seguido entre os hebreus, pois até hoje eles calculam o
calendário na base dos 354 e 355 dias do ano lunar; e dispomos de elementos que nos
autorizam a dizer que era também o método dos antigos egípcios, conforme provamos em
seguida.
A ideia fundamental que estava na raiz da filosofia religiosa dos hebreus era que Deus
continha todas as coisas em si mesmo (5), e que o homem era feito à sua imagem; o
homem compreendendo a mulher... O lugar do homem e da mulher entre os hebreus
correspondia, entre os egípcios, ao do touro e da vaca, consagrados a Osíris e a Ísis (6), que
eram representados respectivamente por um homem com cabeça de touro e uma mulher
com cabeça de vaca, símbolos que eram objeto de culto. Sabia-se que Osíris personificava o
Sol e o rio Nilo, o ano tropical de 365 dias, número que é o valor da palavra Neilos, e o
touro, sendo também o princípio do fogo e da força produtora da vida; ao passo que Ísis era
a Lua, o leito do rio Nilo, ou a Mãe-Terra, para cujas energias parturientes a água era
indispensável; o ano lunar de 354-364 dias; a reguladora dos períodos de gestação; e a
vaca, indicada pela lua crescente...
Mas a circunstância de os egípcios reservarem à vaca o papel que a mulher
desempenhava entre os hebreus não implicava uma diferença substancial de significado,
mas antes uma identidade de ensinamento, com a substituição tão somente de um símbolo
que exprimia a mesma coisa, pois que se acreditava ser o período de gestação da vaca igual
ao da mulher, isto é, de 280 dias ou 10 meses lunares de 4 semanas. E na duração desse
período é que residia o valor essencial daquele símbolo animal, cujo signo era o da lua
crescente... (7). Pode-se ver que estes períodos naturais de gestação foram objeto de
simbolismo no mundo inteiro. Eram utilizados pelos hindus, e também pelos americanos
primitivos, conforme se observa claramente nas pranchas de Richardson e de Gest, na Cruz
de Palenque e alhures, e serviram inequivocamente de base para a formação dos
calendários dos maias do Iucatã, dos hindus, dos assírios e babilônios antigos, assim como
dos antigos egípcios e hebreus. Os símbolos naturais consistiam sempre no falo ou no falo
com o "yoni" (8). A representação dos emblemas fálicos, por si só, indicaria unicamente os
órgãos genitais do corpo humano, mas, levando-se em conta as suas funções e o
desenvolvimento das sementes que produzem, poder-se-ia determinar um método para a
medição dos períodos lunares e, por via destes, dos períodos solares." (9)
"Se a estes órgãos [falo e 'yoni'], considerados como símbolos de agentes criadores
cósmicos, pode ser associada a ideia de... períodos de tempo, então, e efetivamente, na
construção dos Templos como Casas do Senhor ou de Jehová, aquela parte designada como
o Sanctum Sanctorum, ou o Recinto Mais Sagrado, devia ter tirado seu nome da
reconhecida santidade dos órgãos geradores, encarados como símbolos tanto de medidas
quanto da causa criadora.
Entre os Sábios antigos não havia nem nome nem ideia nem símbolo para a Causa
Primeira (10). Para os hebreus, o conceito indireto desta Causa se apoiava em um termo de
compreensão negativa, isto é, Ain-Soph ou O Sem Limites. Mas o símbolo de sua primeira
manifestação compreensível era a concepção de um círculo com o diâmetro, para
representar uma ideia ao mesmo tempo geométrica, fálica e astronômica... porque a
unidade nasce do O ou círculo, sem o qual não poderia existir; e do 1, ou unidade
primordial, saem os nove dígitos e, geometricamente, todas as formas planas. Assim, na
Cabala, o círculo com o diâmetro é a figura dos 10 Sephiroth, ou emanações, que compõem
o Adão Kadmon, ou Homem Arquétipo, origem criadora de todas as coisas... A ideia de
relacionar a figura do círculo e seu diâmetro, ou seja, o número 10, com a significação dos
órgãos reprodutores e com o Recinto Mais Sagrado... foi aplicada à construção da Câmara
do Rei ou Sanctum Sanctorum da Grande Pirâmide, à do Tabernáculo de Moisés e à do
Sanctum Sanctorum do Templo de Salomão... É a figura de uma dupla matriz, pois em
hebreu a letra He (t) representa o número 5 e simboliza ao mesmo tempo a matriz; e duas
vezes 5 fazem 10, isto é, o número fálico." (11)
Essa "dupla matriz" indica também a dualidade da ideia transportada do plano superior
ou espiritual ao plano inferior ou terrestre; e limitada a este último pelos judeus. Mas, não
obstante, deram eles ao número sete o lugar mais importante em sua religião exotérica,
culto de formas externas e de rituais sem sentido; e disso é exemplo o seu Sábado, o sétimo
dia consagrado a sua Divindade, a Lua, símbolo do Jeová gerador. Para outros povos, o sete
97
representava a evolução teogônica, os Ciclos, os Planos Cósmicos, as Sete Forças e Poderes
Ocultos do Cosmos, considerado como um Todo Sem Limites e cujo Triângulo superior era
inacessível à mente finita do homem.
Quando, portanto, outros povos, em sua limitação forçosa do Cosmos no Espaço e no
Tempo, só se ocupavam do plano setenário manifestado, os judeus reconcentraram este
número unicamente na Lua, baseando nela todos os seus cálculos sagrados. Daí a razão por
que vemos o inteligente autor do citado manuscrito observar, a respeito da metrologia dos
judeus que,
"Se multiplicarmos 20.612 por 4/3, o produto dará uma base para a determinação da
revolução média da Lua; e se este produto for novamente multiplicado por 4/3, o resultado
dará uma base para fixarmos o período exato do ano solar médio... esta fórmula... sendo de
muitíssima utilidade para encontrarmos os períodos astronômicos do tempo." (12)
Esse número duplo - macho e fêmea - é também simbolizado por alguns ídolos bastante
conhecidos; por exemplo:
"Jeová", sob o melhor de seus aspectos, é Binah, a "Mãe mediadora Superior, o Grande
Mar ou Espírito Santo"; e, portanto, mais um sinônimo de Maria, a Mãe de Jesus, que de
seu Pai. Esta "Mãe, que é a palavra latina Mare", aqui também significa Vênus, a Stella
Maris ou Estrela do Mar.
"É de todo natural que, qual profecia inconsciente, Ammon-Ra seja o esposo de sua
mãe, pois a Magna Mater dos cristãos é precisamente a esposa daquele filho que ela
concebe... Nós [os cristãos] podemos agora compreender por que Neith projeta luz sobre o
Sol, embora permanecendo como Lua; pois a Virgem, que é a Rainha dos Céus, como o era
Neith, veste o Cristo-Sol, como o fazia Neith, e é por ele vestida: 'Tu vestis solem et te sol
98
vestit' [como cantam os católicos romanos durante os seus ofícios].
Nós [os cristãos] compreendemos também por que a famosa inscrição de Saís declarava
que "ninguém jamais levantou o meu véu [peplum]", porquanto esta frase, traduzida
literalmente, é o resumo do que se canta na Igreja no Dia da Imaculada Conceição." (14)
Certamente que não pode haver maior sinceridade do que essa! Justifica inteiramente o
que disse Gerald Massek em sua conferência sobre o "Culto da Lua, Antigo e Moderno":
"O homem na Lua [Osíris - Sur, Jehová - Satã, Cristo - Judas e outros Gêmeos Lunares] é
frequentemente acusado de mau comportamento... Nos fenômenos lunares, a Lua era una,
como Lua de duplo sexo, e de caráter tríplice, como mãe, filho e varão adulto. Deste modo,
o filho da Lua era o esposo de sua própria mãe! Não se podia evitá-lo, se é que devia haver
reprodução. Era ele obrigado a ser o seu próprio pai! Estes parentescos foram reprovados
pela sociologia posterior, e a ideia do homem primitivo da Lua foi abandonada. Contudo,
em sua última e mais inexplicável fase, ela se converteu na doutrina fundamental da mais
grosseira superstição que o mundo já conheceu, pois estes fenômenos lunares e seus
parentescos incestuosos são a base mesma da Trindade na Unidade dos cristãos. Por
ignorância do simbolismo, a simples representação dos primeiros tempos se transformou
no mais profundo mistério do moderno culto lunar. A Igreja Romana, sem demonstrar o
menor constrangimento, apresenta a figura da Virgem Maria adornada com o Sol, tendo
aos pés a Lua crescente e nos braços o menino lunar, como filho e esposo da mãe Lua! A
mãe, o filho e o varão adulto são fundamentais.
Deste modo se pode provar que a nossa Cristologia não é senão mitologia mumificada e
tradição legendária, que de um modo equívoco nos foram impostos no Antigo e no Novo
Testamento, como uma revelação divina ditada pela própria voz de Deus." (15)
"Na introdução escrita por R. 'Hiz'qeeyah, que é bem antiga e faz parte de nossa edição
Brody do Zohar (I, 5b e segs.), consta a narrativa de uma viagem empreendida por R.
El'azar, filho de R. Shom-on b. Yo'hai, e R. Abbah... Encontraram um homem que conduzia
uma carga pesada... Falaram com ele... e as explicações dadas pelo homem da carga sobre
o Thorah foram tão maravilhosas que lhe perguntam o seu nome; e ele respondeu: 'Não me
pergunteis quem eu sou, mas prossigamos na explicação do Thorah [a Lei]’. Perguntaram
então: 'Quem te obrigou a caminhar desse modo, levando uma carga tão pesada?' Ao que
respondeu: 'A letra' (Yod, que é igual a 10 e que é a letra simbólica de Kether, bem como a
essência e o germe do Nome Sagrado twty, ou YHVH) fez a guerra, etc... Disseram-lhe: 'Se
consentes em dizer o nome de teu pai, nós beijaremos a poeira de teus pés'. Ele replicou: '
... Meu pai morava no Grande Mar, e era ali um peixe [tal como Vishnu Dagon ou Oannes]
que [antes de mais nadai destruiu o Grande Mar... e era grande e poderoso e o 'Ancião dos
Dias', até que tragou todos os demais peixes do (Grande) Mar...’ R. EI'azar escutou estas
99
palavras e lhe disse: 'Tu és o Filho da Chama Sagrada. és o Filho de Rab'Ham-num-ah Sabah
(o velho) [peixe em aramaico ou caldeu é nun]. tu és o Filho da Luz do Thorah [Dharmah],
etc." (16)
Explica então o autor que o Sephira feminino, Binah, é chamado o Grande Mar pelos
cabalistas; portanto, Binah, cujos nomes divinos são Jeová, Yan e Elohirn, outro não é senão
o Tiamat caldeu, o Poder Feminino, o Thalath de Berose, que preside ao Caos, e que mais
tarde veio a ser, a Serpente e o Diabo na teologia cristã, Ela-ele (Yan-hovah ) é o He celeste
e Eva. Estes Yah-hovah ou Jehovah é, pois, idêntico ao nosso Caos - Pai, Mãe, Filho - no
plano material e no Mundo puramente físico; Deus e Demônio ao mesmo tempo; o Sol e a
Lua; o Bem e o Mal.
O magnetismo lunar gera a vida, conserva-a e a destrói, tanto psíquica como
fisicamente. E, se do ponto de vista astronômico, a Lua é um dos sete planetas do Mundo
Antigo, na Teogonia é um de seus Regentes, tanto entre os cristãos de hoje como entre os
pagãos; para os primeiros com o nome de um de seus Arcanjos, e para os últimos como um
de seus Deuses.
É, por isso, fácil de compreender a significação daquele "conto de fadas" que
Chwolsohn traduziu da versão árabe de um velho manuscrito caldeu, em que Qûtamy é
instruído pelo ídolo da Lua. Seldenus nos diz o segredo, e o mesmo faz Maimonides em seu
Guia dos Perplexos (17). Os adoradores dos Teraphim, ou Oráculos judeus, "esculpiam
imagens, e pretendiam que, sendo inteiramente impregnada pela luz das estrelas principais
(planetas), por seu intermédio as Virtudes angélicas (ou os Regentes dos planetas e
estrelas) conversavam com eles, ensinando-lhes a arte e muitas coisas úteis". E Seldenus
explica que os Teraphim foram construídos e compostos de acordo com a posição de certos
planetas, que os gregos chamavam stoixeia, e com as figuras que se achavam no
firmamento, chamadas a&lechth&rioi ou Deuses Tutelares. Os que assinalavam os stoixeia.
eram denominados stoixeiwmatiKoi&, ou adivinhadores por meio do stoixeia. (18).
Foram, porém, frases semelhantes do Nabathean Agriculture que assustaram os
homens de ciência e os levaram a proclamar que se tratava de uma obra "apócrifa ou de
um conto de carochinha, indigno da atenção de um acadêmico". Ao mesmo tempo, como
vimos, católicos romanos e protestantes zelosos fizeram-na em pedaços, metaforicamente;
os primeiros, porque "ali se descrevia o culto dos demônios", e os últimos, porque o livro
era "ímpio". Ainda uma vez, todos laboram em erro. Não é um conto de carochinha; e
quanto aos piedosos sacerdotes, pode-se mostrar-lhes o mesmo culto em suas escrituras
sagradas, por mais que o tenha deturpado a tradução. O culto Solar e o Lunar, assim como
também o culto das Estrelas e dos Elementos, figuram e podem ser vistos na Teologia
Cristã. Os papistas lhes fazem a defesa; e se os protestantes os negam de plano, isto corre
por sua conta e risco. Podemos citar dois exemplos.
Amiano Marcelino ensina que as antigas adivinhações se realizavam sempre com a
ajuda dos Espíritos dos Elementos (Spiritus Elementorum e, em grego, pneu&mata twn
stoixei&wn (19).
Mas agora se descobriu que os Planetas, os Elementos e o Zodíaco não somente
figuravam em Heliópolis como as doze pedras chamadas "Mistérios dos Elementos"
100
(Elementorum Arcana), senão também no Templo de Salomão; e, como assinalado por
vários escritores, em algumas igrejas italianas, e até em Notre Dame de Paris, onde ainda
podem ser vistos.
Nenhum símbolo, sem excetuar o do Sol, foi, em suas diversas significações, mais
complexo que o símbolo lunar. O sexo era, naturalmente, duplo. Para uns era varão, como,
por exemplo, o "Rei Soma" indiano e o Sin caldeu; para outros povos era feminino, como as
formosas Deusas Diana-Luna, Ilitiia, Luciana. Entre os tauros, sacrificavam-se vítimas
humanas a Ártemis, um dos aspectos da Deusa lunar; os cretenses a chamavam Dictynna, e
os medos e os persas, Anaítis, como se pode ver de uma inscrição de Calce: Arte&midi
Ana&eiti. Mas agora nos referimos principalmente à mais casta e pura das Deusas virgens,
Luna-Artemis, a quem Panfos foi o primeiro a dar o sobrenome de Kalli&sth, e de quem
Hipólito escreveu: Kalli&sta polu& parθe&nwn(20). Esta Artemis Lochia, a Deusa que
presidia à concepção e ao parto, é, em suas funções e como tríplice Hécate, a Divindade
órfica, predecessora do Deus dos rabinos e dos cabalistas pré-cristãos, e o seu tipo lunar. A
Deusa Tri&morfo∫ era a personificação simbólica dos sucessivos e diferentes aspectos
apresentados pela Lua em cada uma de suas três fases; e esta interpretação já era a dos
estóicos (21), enquanto que os órficos explicavam o epíteto Tri&morfo∫ pelos três reinos
da Natureza sobre os quais ela reinava. Ciumenta, ávida de sangue, vingativa e exigente,
Hécate-Luna é o digno duplicado do "Deus ciumento" dos profetas judeus.
Todo o enigma do culto Solar e Lunar, tal como é hoje apresentado nas Igrejas, gira em
torno daquele antigo mistério universal dos fenômenos lunares. As forças correlativas da
"Rainha da Noite", que estão ainda latentes para a ciência moderna, mas que se acham em
plena atividade para o saber dos Adeptos orientais, explicam bem as mil e uma imagens sob
as quais era a Lua representada pelos antigos. Mostra isso também quanto estavam os
antigos mais profundamente versados nos Mistérios selenitas que os nossos astrônomos
modernos.
Todo o Panteão dos Deuses e Deusas lunares, Nephtys ou Neith, Prosérpina, Melita,
Cibele, Ísis, Astartéia, Vênus e Hécate, de um lado, e Apolo, Dioniso, Adônis, Baco, Osíris,
Átis, Tarnuz, etc., de outro, todos provam, com seus nomes e títulos - de "Filhos" e
"Esposos" de suas "Mães" - a sua identidade com a Trindade cristã. Em todos os sistemas
religiosos os Deuses fundiam em uma só as suas funções de Filho, Pai e Esposo; e as Deusas
eram identificadas como Esposas, Mães e Irmãs. Os primeiros sintetizavam os atributos
humanos no "Sol, o Dispensador da Vida"; as últimas fundiam todos os seus títulos na
grande síntese conhecida como Maia, Maya, Maria, etc., nomes genéricos. Maia chegou a
significar "mãe" entre os gregos, por derivação forçada da raiz ma (nutriz), e deu o seu
nome ao mês de Maio, que era consagrado a todas aquelas Deusas, antes de o ser a Maria
(22). Sua origem primitiva, no entanto, era Mâyâ, Durgâ, que os orientalistas traduziram
por "inacessível", mas que na verdade significa o "impossível de alcançar", no sentido de
ilusão e não-realidade, fonte e causa dos encantamentos, personificação da ilusão.
Nos ritos religiosos, a Lua servia a um duplo objetivo. Era personificada como uma
Deusa feminina para fins exotéricos, ou como um Deus varão nas alegorias e nos símbolos;
e na Filosofia Esotérica era o nosso satélite considerado como uma Potência sem sexo, que
devia ser bem estudada, pelo temor que inspirava. Para os Iniciados ários, caldeus, gregos e
101
romanos, Soma, Sin, Ártemis, Soteira (o Apolo hermafrodita, que tem a lira por atributo, e a
Diana de barba, com o arco e a flecha), Deus Lunus, e especialmente Osíris-Lunus e Thot-
Lunus (23), eram potestades ocultas da Lua. Mas, varão ou fêmea, Thot ou Minerva, Soma
ou Astoreth, a Lua é o Mistério dos Mistérios ocultos, e mais símbolo do mal que do bem.
Suas sete fases, na divisão original esotérica, compõem-se de três fenômenos astronômicos
e quatro fases puramente psíquicas. Nem sempre a Lua foi venerada, como o provam os
Mistérios, em que a morte do Deus-Lunar - isto é, as três fases minguantes e de final
desaparecimento - era alegorizada pela Lua como símbolo do Gênio do Mal, que, por um
instante, triunfa sobre o Deus produtor da Luz e da Vida, o Sol; sendo necessária toda a
habilidade e sabedoria dos antigos Hierofantes em Magia para converter esse triunfo em
derrota.
No culto mais antigo de todos, o dos Hermafroditas da Terceira Raça de nossa Ronda, a
Lua macho se fez sagrada, quando, depois da chamada Queda, houve a separação dos
sexos. Deus-Lunus passou então a ser Andrógino, alternadamente macho e fêmea, e
acabou sendo invocado nas práticas de feitiçaria, como Potência Dual, pela Quarta Raça-Raiz,
a dos Atlantes. Com o advento da Quinta Raça-Raiz, que é a nossa, o culto Lunar-Solar
dividiu as nações em dois campos antagônicos bem definidos, e deu causa aos sucessos
descritos, evos mais tarde, na epopeia do Mahâbhârata, a guerra entre os Sûryavanshas e
os Indovanshas, que os europeus consideram como fabulosa, mas que é histórica para os
indianos e os ocultistas. O culto dos princípios macho e fêmea teve origem no aspecto dual
da Lua, e acabou dividindo-se em dois cultos distintos, o do Sol e o da Lua.
Entre as raças semíticas, o Sol foi, durante muito tempo, feminino, e: a Lua masculina,
sendo esta última noção procedente das tradições atlantes. Chamavam à Lua "o Senhor do
Sol", Bel-Shemesh, anteriormente ao culto de Shemesh. A ignorância das razões iniciais de
semelhante distinção e dos princípios ocultos conduziu os povos ao culto antropomórfico
dos ídolos. Durante esse período, de que não fazem menção os livros mosaicos, ou seja,
desde o exílio do Éden até o Dilúvio alegórico, os judeus, como os demais semitas,
adoraram a Dayanisi (24), w#y)kyN,,, o "Soberano dos Homens", o "Juiz", ou o Sol.
Muito embora o Cânon judaico e o Cristianismo houvessem convertido o Sol no "Senhor
Deus" e no Jeová da Bíblia, está a mesma Bíblia cheia de alusões indiscretas à Divindade
andrógina, que outra não era senão Jeová, o Sol, e Astoreth, a Lua, em seu aspecto
feminino, e livre inteiramente do elemento metafórico que atualmente lhe emprestam.
Deus é um "fogo que consome", aparece no fogo e está rodeado pelo fogo. Não foi apenas
em suas visões que Ezequiel viu os judeus "adorando o Sol" (25). O Baal dos israelitas - o
Shemesh dos moabitas e o Moloch dos amonitas - era o mesmo "jeová-Sol", e é ainda hoje
o "Rei das Legiões do Céu", o Sol, assim como Astoreth era a "Rainha do Céu" ou a Lua. O
"Sol de Justiça" só agora é que passou a ser uma expressão metafórica.
As religiões de todas as nações antigas estavam, de início, baseadas nas manifestações
ocultas de uma Força ou Princípio puramente abstrato, a que hoje se dá o nome de "Deus".
A própria instituição de tais cultos mostra, nos seus pormenores e ritos, que os filósofos
que estabeleceram semelhantes sistemas da Natureza, subjetiva e objetiva, eram
detentores de um profundo saber, e conheciam muitos fatos de cunho científico. Pois os
ritos do culto lunar, à parte o seu lado estritamente oculto, eram, como acabamos de ver,
102
baseados no conhecimento da Fisiologia - ciência para nós inteiramente moderna -, da
Psicologia, das Matemáticas Sagradas, da Geometria e da Metrologia, em sua correta
aplicação aos símbolos e figuras, que não passam de signos para registrar os fatos naturais
e científicos observados. Como dissemos, o magnetismo lunar gera a vida, conserva-a e a
destrói, e Soma encarna o tríplice poder da Trimurti, embora tal não seja até agora
reconhecido pelos profanos.
A alegoria que apresenta Soma, a Lua, como produzida pelo malaxar do Oceano da Vida
(Espaço) pelos Deuses em outro Manvantara, isto é, no dia pré-genético de nosso Sistema
Planetário, e o mito em que figuram "os Rishis ordenhando a Terra, cujo bezerro era Soma,
a Lua", têm uma profunda significação cosmográfica; pois nem é nossa Terra que é
ordenhada, nem é nossa conhecida Lua que é o bezerro (26). Se os nossos homens de
ciência soubessem acerca dos mistérios da Natureza tanto quanto sabiam os antigos ários,
certamente que jamais lhes passaria pela imaginação que a Lua foi projetada da Terra. Mais
uma vez repetimos que, para compreender a linguagem simbólica dos antigos, cumpre ter
presentes e levar em conta as mais antigas permutações da Teogonia: o filho que se
converte em seu próprio Pai, e a Mãe que é gerada pelo Filho. De outro modo, a mitologia
aparecerá sempre aos orientalistas simplesmente como "uma enfermidade que surge em
certo estado peculiar da cultura humana!", segundo a grave advertência de Renouf.
Os antigos ensinavam, digamos assim, a autogeração dos Deuses; a Essência Divina
Una, não manifestada, gerando perpetuamente um Segundo-Eu manifestado, Segundo-Eu
que, andrógino por natureza, dá nascimento, de maneira imaculada, a todas as coisas
macrocósmicas e microcósmicas deste Universo. Foi o que explanamos algumas páginas
atrás, a propósito do Círculo e do Diâmetro, ou o Dez [10] Sagrado.
Mas os nossos orientalistas, em que pese ao seu grande desejo de descobrir um
Elemento homogêneo na Natureza, não o verão. Limitados em sua investigação por tal
ignorância, os arianistas e os egiptólogos se extraviam constantemente em suas
especulações. Por exemplo: De Rougé não pode compreender, no texto que traduz, o
significado do que Ammon-Ra diz ao rei Amenófis, que se supõe ser Memnon: "Tu és meu
filho, eu te gerei". E, encontrando a mesma coisa em muitos textos e sob formas diferentes,
esse mesmo orientalista cristão se vê, finalmente, obrigado a dizer:
"Para que essa ideia pudesse ter passado pela mente de um hierógrafo, era preciso que
houvesse em sua religião uma doutrina mais ou menos definida indicando como fato
possível uma encarnação divina e imaculada, sob uma forma humana."
Exatamente. Mas por que buscar a explicação em uma profecia impossível, quando o
segredo se esclarece pela religião mais recente que copia a antiga?
Semelhante doutrina era universal, e não foi na mente de nenhum hierógrafo que ela se
desenvolveu; pois os Avatares indianos são a prova do contrário. De Rougé, depois de
"compreender mais claramente" (27) o que significavam o "Pai Divino" e o "Filho" entre os
egípcios, não pode, entretanto, explicar e perceber quais eram as funções atribuídas ao
Princípio feminino naquela geração primordial. Não o vê na Deusa Neith, de Saís. Cita,
porém, as palavras do Chefe e Cambises, ao dar entrada a este Rei no templo saíta: "Faço
103
conhecer a V. M. a dignidade de Saís, que é a morada de Neith, a grande produtora
(feminina), a Mãe do Sol, que é o Primogênito e que não foi engendrado, mas somente dado
à luz" - e, portanto, fruto de Mãe Imaculada.
Como é mais grandioso, filosófico e poético - para aquele que é capaz de compreender
e julgar - o verdadeiro conceito dos antigos pagãos sobre a Virgem Imaculada, quando se
compara com o conceito papal de hoje! No primeiro, a Mãe Natureza, sempre jovem, o
antítipo de seus protótipos o Sol e a Lua, gera e dá à luz o seu Filho "nascido da mente", o
Universo. O Sol e a Lua, como divindades masculino-femininas, frutificam a Terra
microcósmica, e esta última concebe e dá à luz, por sua vez. Para os cristãos, no entanto, o
"Primeiro Nascido" (primogenitus) é gerado de verdade, isto é, engendrado (genitus, non
factus), e positivamente concebido e dado à luz: "Virgo pariet" - explica a Igreja Latina.
Deste modo, a Igreja rebaixa ao nível terreno o ideal nobre e espiritual da Virgem Maria, e a
faz descer à categoria inferior das Deusas antropomórficas das multidões.
Certamente que Neith - Ísis, Diana, etc., seja qual for o nome que se dê - era "uma
Deusa demiúrgica, a um tempo visível e invisível, que tinha o seu lugar no Céu e que assistia
a geração das espécies" - numa palavra, a Lua. Seus aspectos e poderes ocultos são
inumeráveis; e sob um desses aspectos a Lua era, para os egípcios, Hathor, outra forma de
Ísis (28), e ambas as Deusas são representadas amamentando Hórus. Ver-se-á, no Salão
Egípcio do Museu Britânico, Bathor adorada pelo Faraó Thutmés, que está de pé entre ela e
o Senhor do Céu. Trata-se de um monólito que foi trazido de Karnac. Há a seguinte legenda
inscrita sobre o trono da Deusa: "A Divina Mãe e Senhora, ou Rainha do Céu"; e mais estas
outras: "Estrela da Manhã" e "Luz do Mar" (Stella Matutina e Lux Maris). Todas as Deusas
Lunares tinham um aspecto dual: divino e infernal. Todas eram as Virgens-Mães de um
Filho nascido de modo imaculado, o Sol. Raoul Rochette mostra que a Deusa Lunar dos
atenienses, Palas ou Cibele, Minerva ou também Diana, invocada em suas festas como
Monogenh\∫ θeou, "a Mãe Única de Deus", aparecia sentada sobre um leão e rodeada por
doze personagens, tendo ao colo o seu pequenino filho. Nesses doze os ocultistas
reconhecem os Doze Grandes Deuses, e o piedoso orientalista cristão os Apóstolos, ou
melhor, a profecia pagã dos gregos sobre os Apóstolos.
Estão uns e outro com a razão, pois a Deusa Imaculada da Igreja Latina é uma cópia fiel
da Deusa pagã mais antiga; o número dos apóstolos é o das doze Tribos, e estas
personificam os doze grandes Deuses e os doze signos do Zodíaco. Quase todas as minúcias
do dogma cristão foram tema das dos pagãos. Semele, esposa de Júpiter e mãe de Baco, o
Sol, é também, segundo Nonnus, "conduzida" ao Céu depois de sua morte (ascensão), e ali
se acha presidindo, entre Marte e Vênus, sob o nome de "Rainha do Mundo" ou do
Universo, panbasi&leia; e "ao seu nome", assim como aos de Hathor, Hécate e outras
Deusas infernais, "todos os demônios tremem" (29).
"Seme&lhn tre&mousi dai&mone∫” Esta inscrição grega de um pequeno templo, reproduzida
sobre uma pedra que Berger encontrou, e copiada por Montfaucon, nos revala, segundo
conta De MirvilIe, o surpreendente faro de que a Magna Mater do mundo antigo foi um
impudente "plágio" da Imaculada Virgem Maria da Igreja Católica, perpetrado, pelo
Demônio. Que seja assim ou vice-versa, não tem a menor importância. O que interessa
observar é a perfeita identidade entre a cópia arcaica e o original moderno.
104
Se nos permitisse o espaço de que dispomos, poderíamos mostrar a inconcebível frieza
e indiferença com que se comportam alguns partidários da Igreja Católica Romana quando
postos frente a frente com as revelações do passado. Ante a observação de Maury de que
"a Virgem se apoderou de todos os Santuários de Ceres e de Vênus" e de que "os ritos
pagãos, proclamados e celebrados em honra daquelas Deusas, foram em grande parte
transferidos para a Mãe de Cristo" (30), o advogado de Roma responde que foi assim
mesmo e que tudo isso é justo e perfeitamente natural.
É claro, uma vez que Píndaro assim canta a assunção: "Ela esta sentada à direita de seu
Pai (Júpiter)... e é mais poderosa que todos os demais (Anjos ou) Deuses" (32) - hino que é
igualmente aplicável à Virgem. Também São Bernardo citado por Cornélio a Lapide, se
dirige à Virgem Maria nestes termos: "O Cristo-Sol vive em Ti, e tu vives nele" (33).
O mesmo santo homem, que nada tem de sofista, admite ainda que a Virgem é a Lua.
Sendo ela a Luciana da Igreja, aplicam-lhe ao parto este verso de Virgílio: "Casta fave
Lucina, tuus jam regnat Apollo" (Sê graciosa, ó casta Lucina, o teu querido Apolo agora é
rei) (34). E acrescenta aquele inocente santo: "Como a Lua, a Virgem é a Rainha do Céu"
(35).
Isso decide a questão. Segundo os escritores do gênero de De Mirville, quanto mais
semelhança há entre as concepções pagãs e os dogmas cristãos, mais a religião de Cristo se
afirma como divina, e mais se comprova que é a única verdadeiramente inspirada,
sobretudo em sua forma católica romana. Os incrédulos homens de ciência e acadêmicos,
que julgam ver na Igreja Latina precisamente o contrário de uma inspiração divina, e que se
obstinam em não aceitar os maliciosos plágios antecipados de Satanás, são severamente
chamados a capítulo. Mas então "eles não creem em nada, e até rechaçam o Nabathean
Agriculture, como uma novela e uma coleção de absurdos e superstições" - queixa-se o
memorialista. "Em sua pervertida opinião, o 'ídolo da Lua' de Qû-tâmy e a estátua da
Madona são uma e a mesma coisa!" Faz vinte e cinco anos que um nobre Marquês
escreveu seis grandes volumes, ou, como ele os chama, "Memórias à Academia Francesa",
com o único objetivo de provar que o Catolicismo Romano é uma crença inspirada e
revelada. À guisa de documentação, apresenta inúmeros fatos, tendentes a mostrar que
todo o Mundo Antigo, acolitado pelo Demônio, desde o Dilúvio, esteve plagiando
sistematicamente os ritos, cerimoniais e dogmas da futura Santa Igreja, que só iria surgir
muitos séculos depois. Que teria dito esse fiel discípulo de Roma se chegasse a ouvir o seu
105
correligionário Renouf, o eminente egiptólogo do Museu Britânico, declarar, em uma de
suas eruditas conferências, que "nem os hebreus nem os gregos haviam importado do Egito
uma só de suas ideias"? 36
Mas talvez Renouf quisesse dizer que foram os egípcios, os gregos e os arianos que
tomaram suas ideias da Igreja Latina? Se assim é, por que, em nome da lógica, rejeitam os
papistas os novos elementos que os ocultistas podem proporcionar-lhes sobre o culto da
Lua, elementos que tendem todos a provar que o culto da Igreja Católica Romana é tão
antigo quanto o Mundo - no que se refere ao Sabeísmo e à Astrolatria?
A razão da Astrolatria dos primitivos cristãos e dos católicos romanos que lhes
sucederam, ou do culto simbólico do Sol e da Lua, culto idêntico ao dos gnósticos, ainda
que menos filosófico e puro que o "culto do Sol" dos masdeístas, é a consequência natural
do nascimento e origem do Cristianismo. A adoção, pela Igreja Latina, de símbolos como a
Água, o Fogo, o Sol, a Lua e as Estrelas, e muitos outros, é simplesmente a continuação do
antigo culto das nações pelos primeiros cristãos.
Por exemplo, Odin obteve sua sabedoria, poder e conhecimentos sentando-se aos pés
de Mimir, o Jotun três vezes sábio, que passou a vida junto à fonte da Sabedoria Primordial,
cujas Águas cristalinas lhe aumentavam o saber diariamente. "Mimir abeberou-se, na fonte,
do conhecimento superior, porque o Mundo havia nascido da Água; sendo esta a razão por
que a Sabedoria Primordial se encontrava naquele misterioso elemento." O olho que Odin
tinha de sacrificar para adquirir esse conhecimento pode ser o "Sol que ilumina e penetra
todas as coisas; sendo o outro olho a Lua, cujo reflexo olha do fundo das águas e finalmente
se some no Oceano quando ela desaparece" (37). Mas é algo mais que isto. Loki, o Deus do
Fogo, contam que se ocultou nas Águas, e também na Lua, a distribuidora de luz, cuja
imagem ele viu ali. Esta crença de que o Fogo encontra refúgio na Água não se limitava aos
antigos escandinavos. Era partilhada por todos os povos, e foi, por último, adorada pelos
primeiros cristãos, que simbolizaram o Espírito Santo sob a forma do Fogo, "línguas
fendidas semelhantes ao Fogo" - o sopro do Sol-Pai. Este Fogo desce também na Água ou
no Mar - Mare, Maria. A Pomba era, em algumas nações, o símbolo da Alma; estava
consagrada a Vênus, a Deusa nascida da espuma do mar, e tornou-se mais tarde o símbolo
da Anima Mundi cristã, o Espírito Santo.
Um dos capítulos de mais caráter oculto, no Livro dos Mortos, é o intitulado "A
transformação no Deus que dá Luz na Senda das Trevas", onde a "Mulher-Luz da Sombra"
serve a Thot no retiro da Lua. Thot-Hermes ali se esconde, porque é o representante da
Sabedoria Secreta. Ele é o Logos manifestado na face luminosa da Lua; e a Divindade Oculta
ou "Sabedoria Obscura" quando se retira para o hemisfério oposto. À Lua, como alusão ao
seu poder, dá-se frequentemente o nome de: "A Luz que brilha nas Trevas", ou "A Mulher-
Luz". Tornou-se, por isso, o símbolo aceito de todas as Deusas Virgens-Mães. Do mesmo
modo que os Espíritos "do mal" lutaram contra a Lua nos tempos antigos, supõe-se que
ainda o façam hoje, sem conseguirem, no entanto, levar vantagem sobre a atual Rainha do
Céu, Maria, a Lua. Eis aí por que a Lua era tão intimamente associada, em todas as
teogonias pagãs, ao Dragão, seu eterno inimigo. A Virgem, ou a Madona, aparece sobre o
Satã mítico assim representado, que jaz vencido e impotente aos seus pés. E isso porque a
cabeça e a cauda do Dragão, que na astronomia oriental simbolizam, ainda hoje, os nodos
106
ascendentes e descendentes da Lua, tinham por símbolos duas serpentes na Grécia antiga.
No dia do seu nascimento Hermes as extermina, e o mesmo faz o Menino nos braços de sua
Virgem-Mãe. Como judiciosamente observa o Sr. Gerald Massey,
"Todos estes símbolos representavam, desde o principio, seus próprios fatos, e não
outros que significassem coisas inteiramente diversas. A iconografia [e os dogmas também]
havia sobrevivido em Roma desde época muito anterior ao Cristianismo. Não houve nem
falsificação nem interpolação de tipos; nada que não fosse uma continuidade de imagens
com a significação deturpada."
(1). De Epipsychidion,
(2). A Deuse Tri&morfo∫ no santuário de AIcamenes.
(3). A Mitologia antiga inclui tanto a Astronomia arcaica como a Astrologia. Os planetas
eram os ponteiros que marcavam, no quadrante do nosso Sistema Solar, as épocas de
certos acontecimentos históricos. Deste modo, Mercúrio era o mensageiro que devia indicar
o tempo durante os fenômenos cotidianos, solares e lunares, estando, por outra parte,
relacionado com o Deus e a Deusa da Luz.
(4). Páginas 7-8.
(5). Noção vedantina desfigurada e rebaixada do conceito de Parabrahman, que contém em
si mesmo todo o Universo, porque ele próprio é o Universo ilimitado e nada existe fora
dele.
(6). Precisamente como sucede ainda em nossos dias, na Índia, com o touro de Shiva e a
vaca que representa várias Shakis ou Deusas.
(7). Daí o culto votado à Lua pelos hebreus.
(8). "Macho ou fêmea os criou."
(9). Páginas 14-18.
(10). Porque era por demais sagrada. Os Vedas a mencionam como AQUILO. É a "Causa
Eterna", e portanto não pode ser considerada "Causa Primeira", termo que implica ao
mesmo tempo ausência de Causa.
(11). MS., pp. 18-20.
(12). Ibd; pp. 21-22.
(13). lbid., pp. 23-24.
(14). Pneumatologie: Des Esprits, t. III, p. 117, "Archéologie de la Vierge Mêre".
(15). P. 23.
(16). Qabbalah, de Myer, 335-6.
(17). Moreh Nebbuchim, III, XXX.
(18). Veja-se De Diis Syriis, Teraph, II, Synt, p. 31.
(19). I. I. 21.
(20). Veja-se Pausanias, VIII, 35-38.
(21). Cornutus, De Natura Deorum, XXXIV, I.
(22). É ao pagão Plutarco que os católicos romanos devem a ideia de consagrar o mês de
107
maio à Virgem, pois ele mostra que "maio é consagrado a Maia (Maia.) ou Vesta" (Aulus
Gellius, sub voc. Maia), personificação de nossa mãe Terra, aquela que nos alimenta.
(23). Thot-Lunus é o Budha-Soma da Índia, ou Mercúrio e a Lua.
(24). Dayaneesh.
(25). Ezequiel, VIII, 16.
(26). Na alegoria, a Terra busca salvar a vida pela fuga, sendo perseguida por Prithu. Toma a
forma de uma vaca e, trêmula de pavor, corre para se ocultar nas regiões de Brahma. Não
se trata, pois, de nossa Terra. Além disso, em todos os Purânas o bezerro muda de nome.
Num deles é Manu Svâyambhuva, em outro Indra, num terceiro o próprio-Himavat
(Himalaia); e era Meru quem ordenhava. Esta é uma alegoria mais profunda do que se
poderia supor.
(27). Sua clara compreensão é que os egípcios profetizaram Jeová (!) e seu Redentor
encarnado (a boa serpente), etc., e vai ao ponto de identificar Tifon com o dragão perverso
do Éden, E isso passa como ciência séria e sensata!
(28). Harthor é a Ísis infernal, a Deusa por excelência do Ocidente ou do Mundo Inferior.
(29). É De Mirville quem o refere, confessando com orgulho a semelhança, que ele devia
conhecer Veja-se "Archéológie de la Vierge Mère" em seu Des Esprits, pp. 111-113.
(30). Magie, p. 153.
(31). De Mirville, Ibid., pp. 116 e 119.
(32). Hinos a Minerva, p. 19.
(33). Sermão sobre a Santa Virgem, de Píndaro.
(34). Virg., Ec., IV, 10.
(35). Apocalipse, cap. XII.
(36). Citado numa conferência de G. Massey.
(37). Wagner e McDowell, Asgard and the Gods, p. 86.
108
SEÇÃO X
Os ofitas afirmavam que havia várias classes de Gênios, desde Deus até o homem; que
a relativa superioridade de cada um dependia do grau de luz que lhe era concedido; e
diziam mais que devíamos sempre render graças à Serpente pelo assinalado serviço que
prestara à humanidade. Porque foi ela que ensinou a Adão que, se comesse do fruto da
Árvore do Conhecimento do bem e do mal, sublimaria o seu Ser pelo conhecimento e a
sabedoria assim adquiridos.
É fácil ver donde provém a ideia primitiva do caráter duplo (semelhante ao de Jano) da
Serpente - o bem e o mal. Este símbolo é um dos mais antigos, porque o réptil antecedeu à
ave, e esta ao mamífero. Daí se originou a crença, ou antes a superstição, das tribos
selvagens, segundo a qual as almas de seus antepassados vivem sob a forma daquele réptil;
e também a generalizada associação entre a Serpente e a Árvore.
São em grande número as lendas sobre os vários significados que a Serpente
representa; mas, sendo alegóricas em sua maioria, passaram hoje a ser classificadas na
categoria de fábulas baseadas na ignorância e na superstição. Quando, por exemplo,
Filostrato contava que os naturais da Índia e da Arábia se alimentavam com o fígado e o
coração da Serpente, a fim de aprenderem a linguagem de todos os animais, porque se
dizia que a Serpente gozava de semelhante faculdade, certamente nunca pensou que as
suas palavras fossem tomadas ao pé da letra (1). Como se verá mais de uma vez no curso
desta obra, a Serpente e o Dragão eram nomes que se davam aos Sábios, os Adeptos
Iniciados da antiguidade. Seus conhecimentos e sua sabedoria eram absorvidos e
assimilados pelos discípulos; daí a razão da alegoria. Idêntico é o significado da fábula
escandinava, em que Sigurd fez assar o coração de Fafnir, o Dragão, a que havia matado,
convertendo-se por isso no mais sábio dos homens. Sigurd aprendera as rimas e os
encantamentos mágicos; havia recebido a "Palavra" de um Iniciado de nome Fafnir, ou de
um feiticeiro, após o que este último foi morto, como sucede a tantos outros depois de
terem "passado a palavra". Epifânio revela um segredo dos gnósticos ao tentar expor as
"heresias" destes. Segundo ele diz, os gnósticos ofitas tinham uma razão para honrar a
Serpente: foi esta que ensinou os Mistérios aos homens primitivos (2). Certamente; mas,
proclamando este dogma, eles não tinham em mente Adão e Eva no Jardim, senão, e tão
somente, o que acabamos de expor. Os Nâgas dos Adeptos hindus e tibetanos eram Nâgas
109
humanos (Serpentes), e não répteis. Demais, a Serpente foi sempre o símbolo da renovação
sucessiva ou periódica, da Imortalidade e do Tempo.
As numerosas e em extremo interessantes declarações, interpretações e exposições de
fatos, a respeito do culto da Serpente, que se veem em Natural Genesis, de Gerald Massey,
são muito engenhosas e cientificamente corretas; mas estão muito longe de abranger todos
os significados que o mesmo culto encerra. Só divulgam os mistérios astronômicos e
fisiológicos, com a adição de alguns fenômenos cósmicos. No plano inferior da matéria, a
Serpente era, sem dúvida, "o grande emblema do Mistério dos Mistérios", e mui
provavelmente foi "adotada como símbolo da puberdade feminina por causa de sua
mudança de pele ou camisa, e de sua auto-renovação". Assim era, porém, só no que se
refere aos mistérios da vida terrestre animal; pois, como símbolo do "revestir-se de novo e
renascer nos mistérios (universais)", sua "fase final" (ou diremos antes suas fases incipiente
e culminante), não era deste plano (3). Tais fases foram geradas no reino puro da Luz Ideal,
e, após haver dado a volta completa do ciclo de adaptações e simbolismos, os Mistérios
retornaram ao ponto de onde haviam partido, a essência da causalidade imaterial.
Pertenciam eles à Gnose superior. E, seguramente, não teria este símbolo alcançado o
nome e a fama que alcançou, se a razão disto fosse tão somente a sua interferência nas
funções fisiológicas, e especialmente nas femininas!
Como símbolo, a Serpente possuía tantos aspectos e significados ocultos quanto a
própria Árvore, a "Árvore da Vida", à qual estava associada quase indissoluvelmente e no
mesmo emblema. Quer sejam consideradas como símbolos metafísicos ou físicos, a Árvore
e a Serpente, juntas ou separadas, nunca foram degradadas na antiguidade como hoje o
são, nesta nossa época, em que se destroem os ídolos, não pelo amor da verdade, senão
para maior glória da matéria grosseira.
As revelações e interpretações do livro Rivers of Life, do General Forlong, teriam
assombrado os adoradores da Árvore e da Serpente nos dias da sabedoria arcaica dos
caldeus e dos egípcios; e até os primitivos shivaístas teriam recuado de horror ante as
teorias e suposições do autor dessa obra. "A ideia de Payne Knight e de Inman, de que a
Cruz ou Tau não passa de cópia dos órgãos masculinos em forma triádica, é radicalmente
falsa" - escreve G. Massey, que dá a prova desta afirmativa. Mas com igual procedência se
poderia aplicar o mesmo conceito a quase todas as interpretações modernas dos símbolos
antigos. The Natural Genesis, obra monumental de investigação e de pensamento, a mais
completa que já se publicou sobre este assunto, abrangendo um campo mais vasto e dando
mais explicações que todos os simbologistas anteriores, não vai, contudo, além do aspecto
"psico-teísta" do pensamento antigo.
Payne Knight e Inman não estavam, porém, de todo equivocados, salvo em não terem
percebido que o sentido de cruz e de falo, que atribuíram à Árvore da Vida, não se ajustava
a este símbolo senão nas últimas e inferiores fases do desenvolvimento evolucionário da
ideia de Dispensador de Vida. Era a última e a mais grosseira transformação física da
Natureza, no animal, no inseto, na ave e até mesmo na planta; pois o magnetismo criador
dual, sob a forma de atração dos opostos, ou polarização sexual, atua na constituição de
réptil e do pássaro da mesma forma que na do homem.
Além disso, os simbologistas e orientalistas hodiernos, do primeiro ao último,
110
ignorando os verdadeiros Mistérios revelados pelo Ocultismo, só podem ver,
necessariamente, aquela derradeira fase. Se lhes dissessem que semelhante modo de
procriação, que é comum, na terra, à universalidade dos seres, não é senão um estágio
passageiro, um meio físico de proporcionar as condições necessárias para produzir os
fenômenos da vida, e que se modificará ainda na presente Raça, desaparecendo na próxima
Raça-Raiz, rir-se-iam de uma ideia tão supersticiosa e tão pouco científica. Eis, porém, que
os ocultistas mais sábios o afirmam - porque o sabem.
O Universo dos seres vivos, de todos os que procriam suas espécies, é o testemunho
vivo da existência de vários modos de procriação na evolução das espécies e raças animais
e humanas; e o naturalista devia sentir intuitivamente esta verdade, sendo embora incapaz
de demonstrá-la até agora. Como poderia fazê-lo, em verdade, com o modo de pensar hoje
dominante? Os pontos de referência da história arcaica do Passado são pouco numerosos e
raros; e aqueles que se deparam aos homens de ciência são erroneamente tomados como
postes indicadores de nossa pequena Era. Até a chamada "história universal" (?) não abarca
senão um campo muito diminuto no espaço quase ilimitado das regiões inexploradas de
nossa Quinta e atual Raça-Raiz. Por isso, cada novo poste indicador, cada novo símbolo que
do remoto passado Se descobre, é somado ao velho acervo de informações para ser
interpretado na mesma linha de conceitos preexistentes, não se levando absolutamente em
conta o ciclo especial de pensamento a que possa pertencer esse símbolo particular. Como
poderá a Verdade surgir à luz do dia, se o método nunca varia?
No princípio, quando a união dos dois constituía um símbolo do Ser Imortal, a Árvore e
a Serpente eram, portanto, imagens verdadeiramente divinas. A Árvore estava invertida, e
suas raízes nasciam no Céu, brotando da Raiz do Ser Integral. Seu tronco cresceu e
desenvolveu-se; atravessando os planos do Pleroma, projetou transversalmente seus ramos
exuberantes, primeiro no plano da matéria quase não diferenciada, e depois no sentido de
baixo, até chegarem ao plano terrestre. Esta a razão por que se diz, no Bhagavad Gitá, que
a Árvore da Vida e da Existência, Ashvattha, sem cuja destruição não é possível a
imortalidade, cresce com suas raízes para cima e seus ramos para baixo (4). As raízes
representam o Supremo Ser ou a Causa Primeira, o Logos; mas é preciso ir além destas
raízes para realizar a união com Krishna, que, no dizer de Arjuna, é "maior que Brahma e
que a Causa Primeira...; o indestrutível, o que é, o que não é, e o que está além deles" (5).
Seus ramos principais são o Hiranüagarbha (Brahma ou Brahman, em suas manifestações
mais elevadas, Shrídhará Swâmin e Madhu-sûdhana ), os mais altos Dhyân Chohans ou
Devas. Os Vedas são as suas folhas. Só aquele que for além das raízes não mais voltará, isto
é, não se reencarnará durante esta Idade de Brahma.
Foi só quando os seus ramos puros tocaram o lodo terrestre do Jardim do Éden de
nossa Raça Adamita que a Árvore se maculou com o contato, perdendo sua prístina pureza;
e que a Serpente da Eternidade, o Logos Nascido do Céu, finalmente se degradou. Nos
tempos remotos, na era das Dinastias Divinas sobre a Terra, este réptil hoje temido era
considerado como o primeiro raio de luz surgido do abismo do Mistério Divino. Várias as
formas que lhe deram, numerosos os símbolos que lhe atribuíram, no perpassar dos evos; e
do Tempo Infinito (Kâla) caiu no espaço e no tempo da especulação humana. As formas
eram cósmicas e astronômicas, deístas e panteístas, abstratas e concretas. Converteram-se
111
ora no Dragão Polar, ora no Cruzeiro do Sul, o Alfa Draconis da Pirâmide e o Dragão indo-
budista, que sempre ameaça o Sol em seus eclipses, sem jamais o devorar. Até então a
Árvore permaneceu sempre verde, pois era regada pelas Águas da Vida; o Grande Dragão
continuou sempre divino, enquanto se manteve dentro dos limites siderais. Mas a Árvore
cresceu, e seus ramos inferiores tocaram por fim as Regiões Infernais - nossa Terra. Então a
Grande Serpente Nidhogg - aquela que devora os cadáveres dos pecadores na "Região da
Desdita" (a vida humana), ao serem mergulhados no Hwergelmir, o caldeirão ardente (de
paixões humanas) - começou a roer a Árvore do Mundo. Os vermes da materialidade
cobriram as raízes, antes sadias e cheias de vitalidade, e agora vão subindo cada vez mais
pelo tronco; enquanto que a Cobra Midgard, enroscada no fundo dos Mares, circunda a
Terra e, com o seu hálito venenoso, a torna incapaz de se defender.
Os Dragões e as Serpentes da antiguidade possuem todos sete cabeças, uma para cada
Raça, e "cada cabeça carrega sete cabelos", segundo reza a alegoria. Sempre assim, desde
Ananta, a Serpente da Eternidade, que conduz a Vishnu durante todo o Manvantara; desde
o primeiro Shesha, o original, cujas sete cabeças se transformam em "mil cabeças" na
fantasia purânica; até a Serpente acadiana de sete cabeças. Isto simboliza os Sete Princípios
em toda a Natureza e no homem; e a cabeça mais alta, ou a do meio, é a sétima.
Filon não se refere ao Sábado judeu, quando, em sua Criação do Mundo, diz que o
mundo foi completado "de acordo com a natureza perfeita do número 6"; porque:
"Quando aquela Razão [Nous], que é Sagrada consoante o número 7, entrou na alma
[ou melhor, no corpo vivo], o número 6 ficou deste modo aprisionado, assim como todas as
coisas mortais que o mesmo número forma."
E ainda:
"O número 7 é o dia festivo de toda a terra, o dia do nascimento do mundo. Eu não
sei se haverá alguém que possa celebrar como é devido o número 7." (6)
"O grupo de sete estrelas que é visível na Ursa Maior [a Saptarshis] e o Dragão de sete
cabeças proporcionaram, evidentemente, uma base para a divisão simbólica do tempo por
sete, acima mencionada. A Deusa das sete estrelas era a mãe do tempo, da mesma forma
que Kep, e daí as palavras Keptí e Sebti para designar o tempo e o número 7. Ela é, por isso,
chamada a estrela do Sete. Sevekh (Kronus), filho da Deusa, é denominado o Sete ou o
Sétimo. Também o é Sefekh Abu, que constrói sua casa no alto, assim como a Sabedoria
(Sophia) construiu a sua com sete pilares... Os tipos primitivos de Kronos eram sete, e assim
o princípio do tempo no céu está baseado sobre o número e o nome de sete, por causa da
indicação das estrelas. As sete estrelas, durante a sua revolução anual, mantinham, por
assim dizer, o índex da mão direita estendida, e descreviam um círculo no céu superior e no
céu inferior (7). O número 7 sugeriu, naturalmente, a ideia de uma medida por sete, que
conduziu ao que se poderia chamar numeração setenal, e a que se traçasse o mapa do
112
círculo dividindo-o em sete seções, correspondente às sete grandes constelações. E foi
assim que se formou no céu o Heptanomis celeste do Egito.
Quando o Heptanomis se rompeu, dividindo-se em quatro partes, fez-se a sua
multiplicação por quatro, e os vinte e oito signos tomaram o lugar das sete constelações
primitivas; o zodíaco lunar de vinte e oito signos foi o resultado que se obteve, dando-se
vinte e oito dias à Lua ou ao mês lunar (8). Na disposição chinesa, os quatro setes são
atribuídos a quatro Gênios, que presidem aos quatro pontos cardiais (9); ou melhor: as sete
constelações do Norte constituem o Guerreiro Negro; as sete do Oriente (outono chinês)
formam o Tigre Branco; as sete do Sul são o Pássaro Vermelho; e as sete do Ocidente
(chamadas primaveris) são o Dragão Azul. Cada um destes quatro espíritos preside ao seu
Heptanomis durante uma semana lunar. O gerador do primeiro Heptanomis (Tífon, o de
sete estrelas) assume então um caráter lunar... Nesta fase vemos que a deusa Sefekh, cujo
nome significa o número 7, é o Verbo feminino, ou Logos, no lugar da mãe do tempo, que
era o primeiro Verbo como deusa das Sete Estrelas." (10)
O autor mostra que era a Deusa da Ursa Maior e Mãe do Tempo que representava no
Egito, desde as eras mais remotas, o "Verbo Vivo, e que Sevekh-Kronus, cujo símbolo era o
Crocodilo-Dragão, a forma pré-planetária de Saturno, foi chamado seu filho e esposoá era o
seu Verbo-Logos (11).
Tudo isso é muito claro, mas não foi somente o conhecimento da astronomia que levou
os antigos a adotarem a numeração setenal. A causa primeira tem um sentido muito mais
profundo, que será explicado oportunamente.
As citações acima não significam digressões. Fizemo-las para mostrar: (a) a razão por
que um Iniciado completo era chamado Dragão, Serpente Nâga; e (b) que a nossa divisão
setenária era usada pelos sacerdotes das primeiras dinastias do Egito por motivo idêntico
ao nosso e com o mesmo fundamento. Há necessidade, porém, de um esclarecimento
complementar. Conforme já dissemos, os Quatro Gênios dos quatro pontos cardiais, de
Gerald Massey, e o Guerreiro Negro, o Tigre Branco, o Pássaro Vermelho e o Dragão Azul,
dos chineses, chamam-se nos Livros Sagrados os "Quatro Dragões Ocultos da Sabedoria" e
os "Nâgas Celestes". Ora, vemos que o Dragão-Logos, de sete cabeças ou setenário, foi
fracionado, por assim dizer no decorrer dos séculos, em quatro partes "hepranômicas" ou
vinte e oito porções. Cada semana, no mês lunar, tem um caráter oculto diferente; cada dia
dos vinte e oito tem suas características especiais; porquanto cada uma das doze
constelações, quer seja considerada separadamente ou em combinação com outros signos,
exerce uma influência oculta, para o bem ou para o mal.
Corresponde isso à soma de conhecimentos que o homem pode adquirir na terra;
contudo, são mui poucos os que chegam a adquiri-los, e ainda mais raros os sábios que
atingem a raiz do conhecimento simbolizado pelo grande Dragão-Raiz, o Logos Espiritual
daqueles signos visíveis. Mas os que o alcançam recebem o nome de Dragões, e são os
"Arhats das Quatro Verdades ou das Vinte-e-oito Faculdades" ou atributos, e sempre foram
chamados assim.
Os neoplatônicos de Alexandria afirmam que para se tornar um caldeu ou mago
verdadeiro, devia o homem dominar a ciência ou o conhecimento dos períodos dos Sete
113
Regentes do Mundo, com quem está a Sabedoria integral. E a Jâmblico se atribui outra
versão, que não implica alteração de significado:
"Os assírios não só conservam os anais de vinte e sete miríades de anos, como o
assegura Hiparco, mas ainda os de todos os apocatástases e de todos os períodos dos Sete
Governadores do Mundo." (12)
"Na primeira dessas placas, vê-se Anúbis... com um rolo na mão; a seus pés estão dois
bustos de mulher; na parte de baixo há duas serpentes entrelaçadas sobre... um cadáver
enfaixado como uma múmia. Na segunda placa... Anúbis está segurando uma cruz, o "Signo
da Vida". Aos seus pés jaz o cadáver, envolto pelos múltiplos anéis de enorme serpente, o
Agathodæmon, guardião dos defuntos... Na terceira... o mesmo Anúbis carrega sob o braço
114
um objeto oblongo... preso de tal modo que dá aos contornos da figura a forma de uma
cruz latina completa... Aos pés do deus há um rombóide, o "Ovo do Mundo" dos egípcios,
para o qual se arrasta uma serpente enroscada em círculo... Sob os... bustos... vê-se a letra
w, repetida sete vezes numa linha, fazendo lembrar os "Nomes"... Bem notável também é a
linha de caracteres, aparentemente palmirianos, que se veem sobre as pernas do primeiro
Anúbis. Quando à figura da serpente supondo-se que esses talismãs se originem, não do
culto de Ísis, mas do culto posterior dos ofitas, bem pode representar aquela "Serpente
perfeita e verdadeira" que "leva para fora do Egito, isto é, do corpo, todos os que têm
confiança nela, e os conduz, através do Mar Vermelho da Morte, à Terra de Promissão,
protegendo-os durante a viagem contra as Serpentes do deserto, isto é, contra os Regentes
das Estrelas." (14)
A "Serpente perfeita e verdadeira" é o Deus de sete letras que é, na crença atual, Jeová
e Jesus uno com ele. No Pistis Sophia, obra anterior ao Apocalipse de São João, e
evidentemente da mesma escola, o candidato à Iniciação é encaminhado a esse Deus de
Sete Vogais. "A (Serpente) dos Sete Trovões pronuncia as Sete Sílabas", mas "tu, sela as
coisas que os Sete Trovões falaram, e não as escrevas", diz o Apocalipse (15). "Buscais
estes mistérios?" - pergunta Jesus no Pistis Sophia. "Não há nenhum mistério melhor do que
elas (as sete vogais), porque conduzirão vossas almas à Luz das Luzes", ou seja, à verdadeira
Sabedoria. "Nada há mais excelente que os mistérios que buscais, exceto as Sete Vogais e
seus quarenta e nove Poderes, bem como os seus respectivos números".
Na índia era este o mistério dos sete fogos e seus quarenta e nove fogos ou aspectos ou
"de números".
Entre os "budistas" esotéricos da Índia, no Egito, na Caldéia, etc., e entre os Iniciados de
todos os países, as Sete Vogais estão representadas pelos signos da Suástica sobre as
coroas das sete cabeças da Serpente da Eternidade. São as Sete Zonas da ascensão post
mortem dos escritos herméticos, em cada uma das quais o "Mortal" deixa uma de suas
Almas ou Princípios, até que, chegando ao plano que domina todas as Zonas, ele aí
permanece como grande Serpente Sem Forma da Sabedoria Absoluta, ou a própria
Divindade.
A Serpente de sete cabeças tem mais de um significado nos ensinamentos arcaicos. É o
Dragão de sete cabeças, cada uma das quais é uma estrela da Ursa Menor; mas é também,
acima de tudo, a Serpente das Trevas, inconcebível e incompreensível, cujas Sete cabeças
são os Sete Logos, os reflexos da Luz Una manifestada anteriormente a todas as coisas, o
Logos Universal.
116
SEÇÃO XI
"A Natureza tem perfeições, para mostrar que é a imagem de Deus; e defeitos, para
indicar que é somente a sua imagem."
Quando mais nos aprofundamos na obscuridade dos tempos pré-históricos, tanto mais
exsurge filosófica a figura prototípica do último Satã. O primeiro "Adversário", em forma
individual humana, que se vê na antiga literatura purânica, é um de seus maiores Rishis e
logues - Narâda, chamado o "Promotor de contendas".
Ele é um Brahmaputra, um filho de Brahma masculino. A seu respeito falaremos mais
adiante. Para saber o que realmente é o grande "Impostor", basta investigar o assunto, com
os olhos abertos e a mente livre de preconceitos, em todas as Cosmogonias e Escrituras da
antiguidade.
É o Demiurgo antropomorfizado, o Criador do Céu e da Terra, quando separado da
Legião de seus Companheiros Criadores, que ele representa e sintetiza, digamos assim.
Agora é o Deus das Teologias. "O desejo é pai do pensamento". Acontece que um símbolo
filosófico cedeu à pervertida imaginação humana; e logo tornou a forma de um Deus
diabólico, enganador, astucioso e ciumento.
Como em outras partes desta obra nos ocupamos dos Dragões e dos demais Anjos
Caídos, bastam aqui algumas palavras acerca do tão malsinado Satã. Deve o estudante ter
presente que em todo o mundo, exceto nos países cristãos, o Diabo ainda hoje não é mais
que o aspecto oposto, na Natureza dual, do chamado Criador. Nada mais natural. Não se
pode entender que Deus seja a síntese de todo o Universo, que seja Onipresente,
Onisciente e Infinito, e que, ao mesmo tempo, nada tenha a ver com o Mal. Sendo a quota
do Mal muito maior que a do Bem no mundo, segue-se, logicamente, que Deus ou deve
abranger o Mal e ser-lhe a causa direta, ou tem que renunciar a toda pretensão de ser
Absoluto. Os antigos tão bem o compreendiam, que os seus filósofos, hoje secundados
pelos cabalistas, definiam o Mal como o "reverso" de Deus ou do Bem. Demon est Deus in
versus é um dos mais velhos adágios. Em verdade, o Mal não é senão uma força cega e
competidora na Natureza; é a reação, a oposição e o contraste: mal para uns, bem para
outros. Não existe malum in se; o que há é a sombra da Luz, sombra sem a qual a Luz não
poderia existir, inclusive para a nossa percepção. Se o Mal desaparecesse, com ele
desapareceria o Bem da face da Terra. O antigo Dragão era Espírito puro antes de se
converter em Matéria; era passivo antes de ser ativo. Na Magia sírio-caldéia. Ofis e
Ofiomorfo se juntam, no Zodíaco, no signo Andrógino Virgo-Scorpio. Antes de sua queda na
terra, a Serpente era Ophis-Christos, e após a queda passou ser Ophiomorphos-Christos.
Em toda parte as especulações dos cabalistas conceituam o Mal como uma Força que é
contrária, mas ao mesmo tempo necessária e essencial ao Bem, dando-lhe existência e
118
vitalidade, que de outro modo não poderia ter. Não haveria Vida possível (no sentido
mayávico) sem a Morte; regeneração e reconstrução sem a destruição. As plantas
pareceriam sob uma luz solar eterna, e o mesmo aconteceria ao homem, convertido em
autômato, privado de seu livre arbítrio e de sua aspiração para a luz, o que já não teria
razão de ser nem mérito algum se, para ele, existisse unicamente a luz. O Bem só é infinito
e eterno naquilo que para nós se acha eternamente oculto; e por isso é que o imaginamos
eterno. Nos planos manifestados, um equilibra o outro. Mui poucos são os deístas crentes
em um Deus pessoal que não fazem de Satã a sombra de Deus, ou que, confundindo um
com o outro, não julguem ter o direito de invocar o seu ídolo para lhe pedir ajuda e
proteção visando à impunidade de suas más e cruéis ações. "Não nos deixes cair em
tentação" - é a oração que milhões de almas cristãs dirigem todos os dias ao "Pai nosso que
estais no Céu", e não ao Diabo. E o fazem repetindo as mesmas palavras que atribuem ao
seu Salvador, sem atentar um instante sequer em que São Tiago, "o irmão do Senhor",
condenou formalmente semelhante maneira de se expressarem:
"Que ninguém diga ao sentir tentação: Sou tentado por Deus; porque Deus não pode
ser tentado pelo mal, e a ninguém tenta." (3)
Como dizer que é o Diabo que nos tenta, quando a Igreja nos ensina, invocando a
autoridade de Cristo, que é Deus quem o faz? Abri um livro piedoso, não importa qual seja,
em que se defina a palavra "tentação" em seu sentido teológico, e vereis logo duas
definições:
"Acalma a tua ira: os Râkshasas não são culpados; a morte de teu pai foi obra do
Destino [Carma]. A cólera é a paixão dos insensatos, e não fica bem ao Sábio. Quem é que
mata? - pode- se perguntar. Cada homem recolhe as consequências de seus próprios atos.
A cólera, filho meu, é a destruição de tudo o que o homem consegue." e o impede de
alcançar... a emancipação. Os... sábios evitam a cólera; não te deixes, filho meu, dominar
120
por ela. Não permitas que esses inofensivos espíritos das trevas sejam molestados; que o
teu sacrifício cesse. A misericórdia é o poder dos justos." (6)
Todo "sacrifício" desse gênero, ou oração a Deus para obter-lhe a assistência, não é
outra coisa senão um ato de Magia Negra. O que Parâshara pedia era a destruição dos
Espíritos das Trevas, por vingança pessoal. Chamam-no pagão, e como tal é condenado
pelos cristãos ao Inferno por toda a Eternidade. Mas, serão porventura melhores as orações
que os reis e os generais fazem ames de uma batalha, rogando o aniquilamento do inimigo?
Orações que tais constituem sempre atos de Magia Negra da pior espécie, dissimulando-se
o demônio "Mr. Hyde" sob a capa de santidade do "Dr. jekyll".
Na natureza humana, o mal não indica senão a polaridade da Matéria e do Espírito, a
"luta pela vida" entre os dois princípios manifestados no Espaço e no Tempo, princípios que
são idênticos per se, por terem suas raízes no Absoluto. No Cosmos, deve o equilíbrio ser
mantido. As operações dos dois contrários produzem a harmonia, como as forças
centrípeta e centrífuga, que, sendo interdependentes, são necessárias uma à outra, "a fim
de que ambas possam subsistir". Se umas se detivesse, a ação da outra imediatamente se
converteria em destruidora de si mesma.
Como a personificação chamada Satã foi amplamente analisada, sob o tríplice aspecto
com que se apresenta no Antigo Testamento, na Teologia e no modo de pensar dos antigos
gentios, os que desejarem saber mais sobre este assunto deverão dirigir-se a Ísis sem Véu
(7) e à segunda parte do volume IV desta obra. Não foi sem boas razões que aqui tocamos
neste ponto para dar algumas explicações novas.
Antes de podermos chegar à evolução do Homem Físico e Divino, Importa que
tenhamos, preliminarmente, uma ideia bem nítida da Evolução Cíclica; que nos ponhamos
ao corrente das filosofias e das crenças das quatro Raças que precederam a nossa; e que
saibamos em que consistiam as ideias daqueles Titãs e Gigantes (Gigantes, em verdade,
tanto mental como fisicamente). Toda a antiguidade estava impregnada com aquela
filosofia que ensina a involução do Espírito na Matéria, a descida progressiva e cíclica ou a
evolução ativa e consciente. Os gnósticos de Alexandria divulgaram bastante os segredos da
Iniciação, e os seus anais se referem frequentemente à "queda dos Eões", em seu duplo
sentido de Seres Angélicos e de Períodos; sendo uns a evolução natural dos outros. Por
outra parte, as tradições orientais em ambos os lados da "Água Negra", o Oceano que
separa os dois Orientes, estão igualmente repletos de alegorias sobre a queda do Pleroms
ou a dos Deuses e Devas. Em todas elas a Queda figura como alegoria do desejo de
aprender e de adquirir conhecimento - do desejo de saber. Esta é a consequência natural da
evolução mental: o Espiritual se transmuda em Material ou Físico. A mesma lei de descida
na materialidade e de reascensão à espiritualidade se afirmou durante a Era cristã, e a
reação não lhe pôs fim senão agora, em nossa Sub-raça especial.
O que foi outrora uma alegoria, de tríplice interpretação, em Pymandro, há dez mil
anos talvez, destinada a registrar um fato astronômico, antropológico e mesmo químico, ou
seja, a alegoria dos Sete Reitores atravessando os Sete Círculos de Fogo, ficou reduzido a
uma interpretação material e antropomórfica: a Rebelião e a Queda dos Anjos. A multívoca
narração, tão filosófica em sua forma poética, do "Casamento do Céu com a Terra", do
121
amor da Natureza para com a Forma Divina, e do Homem Celeste enamorado de sua
própria beleza refletida na Natureza, isto é, da atração do Espírito pela Matéria, converteu-
se hoje, pela mão dos teólogos, na história dos Sete Reitores desobedientes a Jeová, e cuja
vaidade fez despertar neles o orgulho satânico, logo seguido de sua Queda, porque Jeová
não admitia outro culto senão o que lhe fosse dedicado. Numa palavra, os formosos Anjos
Planetários, os gloriosos Eões cíclicos, foram, em sua forma mais ortodoxa, sintetizados em
Samael, o Chefe dos Demônios no Talmud, "essa grande Serpente de Doze Asas, que
arrasta consigo, na Queda, o Sistema Solar ou os Titãs". Mas Schemal (alter ego e tipo
sabeu de Samael) significa, esotérica e filosoficamente, o "Ano" em seu mau aspecto
astrológico, com seus doze meses ou "Asas" de males inevitáveis, na Natureza. Na Teogonia
Esotérica, tanto Schemal como Samael representavam uma divindade particular (8). Para
os cabalistas, são o "Espírito da Terra", o Deus Pessoal que a governa; e, portanto, de fato,
idênticos a Jeová. Os próprios talmudistas admitem que Samuel é um nome divino de um
dos sete Elohim. Os cabalistas, aliás, mostram a ambos, Schemal e Samael, como uma
forma simbólica de Saturno-Cronos; as "Doze Asas" significando os doze meses, e o símbolo
em seu conjunto indicando um ciclo de raça. Jeová e Saturno são também idênticos em
seus símbolos.
Isso conduz, por sua vez, a uma dedução bastante curiosa de um dogma católico
romano. Muitos escritores de nomeada, pertencentes à Igreja Latina, admitem que há uma
diferença, que cumpre ter em conta, entre os Titãs de Urano, os Gigantes antediluvianos
(que eram também Titãs) e aqueles Gigantes pós-diluvianos que os católicos romanos
persistem em supor descendentes do Cam mítico. Mais claramente: há que estabelecer
uma diferença entre as Forças opostas cósmicas primordiais, guiadas pela Lei Cíclica, os
Gigantes atlantes humanos e os Grandes Adeptos pós-diluvianos, sejam os da Mão Direita,
sejam os da Mão Esquerda. Ao mesmo tempo, mostram aqueles autores que Miguel, "o
generalíssimo da Legião Celeste de combatentes, guarda de corpo de Jeová", é também, ao
que parece (segundo De Mirville), um Titã, mas com o adjetivo "Divino" antes do nome.
Assim, aqueles "Uranidas", que em toda parte são chamados "Titãs Divinos" - e que, tendo-
se rebelado contra Cronos, ou Saturno, são portanto igualmente representados como
inimigos de Samael, que é também um dos Elohim e sinônimo de Jeová em sua coletividade
- são idênticos a Miguel e sua Legião. Em suma, todos os papéis estão trocados,
confundem-se todos os combatentes, e o estudante já não pode distingui-los claramente,
uns dos outros. A explicação esotérica pode, contudo, levar um pouco de ordem a essa
confusão, em que Jeová se converte em Saturno, e Miguel com o seu exército em Satã com
os Anjos Rebeldes, por obra dos esforços indiscriminados de fiéis excessivamente zelosos,
que veem o Diabo em cada um dos Deuses pagãos. O verdadeiro significado é muito mais
filosófico, e a legenda da primeira "Queda" dos Anjos adquire um matiz científico quando
interpretada corretamente.
Cronos representa a Duração ilimitada e, portanto, imutável, sem princípio e sem fim
que transcende a divisão do Tempo e do Espaço. Os Anjos, Devas ou Gênios, que nasceram
para atuar dentro do espaço e do tempo, isto é, para abrir caminho através dos Sete
Circulas dos planos superespirituais e até às regiões supraterrâneas, fenomenais e
circunscritas, diz-se alegoricamente que se rebelaram contra Cronos e lutaram contra o
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Leão, que era então o Deus vivente e supremo. Quando a alegoria mostra Cronos, por sua
vez, mutilando a Urano, seu pai, o sentido é muito simples. O Templo Absoluto se
converteu em finito e condicionado; uma parte é subtraída do todo, indicando assim que
Saturno, pai dos Deuses, foi transformado de Duração Eterna em Período limitado. Cronos,
com sua foice, corta até mesmo os ciclos mais longos, que para nós são como se não
tivessem fim, mas que, não obstante, são limitados na Eternidade; e com a mesma foice
destrói os rebeldes mais aguerridos. Sim; não há um só que escape à foice do Templo!
Podeis orar a Deus ou aos Deuses, podeis zombar daquele ou destes, a foice não se deterá
a milionésima parte de um segundo em seu curso ascendente e descendente.
Os Titãs da Teogonia de Hesíodo foram copiados, na Grécia, dos Suras e Asuras da Índia.
Esses Titãs de Hesíodo, os Uranidas, figuravam a princípio como sendo em número de seis;
mas recentemente se descobriu, em um velho fragmento de manuscrito que se ocupava da
mitologia grega, que eram sete, chamando-se o sétimo Phoreg. Ficou assim plenamente
evidenciada sua identidade como os Sete Reitores.
A origem da Guerra nos Céus e da Queda, segundo acreditamos, deve certamente
buscar-se na Índia, e remontar talvez a período muito anterior às narrativas que sobre o
assunto fazem os Purânas. Pois a Târakâmaya foi de uma época muito posterior; e em quase
todas as Cosmogonias há referência a três Guerras distintas.
A primeira Guerra ocorreu na noite dos tempos, entre os Deuses e os (A) suras, e durou
um Ano Divino (9). As Divindades foram então vencidas pelos Daityas, comandados por
Hrâda. Mas em seguida, graças a um ardil de Vishnu, a quem pediram socorro os Deuses
vencidos, estes últimos levaram finalmente os Asuras à derrota. No Vishnu Purâna não se
vê intervalo entre as duas guerras. Segundo a Doutrina Secreta, houve, porém, uma guerra
antes da formação do Sistema Solar; outra, na Terra, quando dá "criação" do homem; e
uma terceira Guerra no fim da Quarta Raça, entre os seus Adeptos e os da Quinta Raça, isto
é, entre os Iniciados da "Ilha Sagrada" e os Feiticeiros da Atlântida. Falaremos da primeira
luta, tal como a descreve Parâshara, e cuidaremos de separar as duas versões, que se tem
procurado intencionalmente confundir.
Conta-se ali que, cumprindo os Daityas e os Asuras como os deveres de suas
respectivas Ordens (Varnas), seguindo a via prescrita pela Sagrada Escritura e impondo-se
até mesmo penitências religiosas (singular procedimento de Demônios, se eram idênticos
aos nossos Diabos, como se pretende), não podiam os Deuses destruí-los. As orações dos
Deuses a Vishnu são curiosas, deixando ressaltar as ideias que implicitamente decorrem de
uma Divindade antropomórfica. Tendo-se refugiado, após a derrota, "nas costas que ficam
ao Norte do Oceano de Leite (Oceano Atlântico)" (10), os Deuses vencidos dirigiram muitas
súplicas ao "primeiro dos Seres, o divino Vishnu", e entre outras a seguinte:
"Glória a Ti, que és uno com os Santos, que tens a natureza perfeita e que atravessas
sem obstáculo todos os elementos permeáveis. Glória a Ti, que és uno com a Raça-Serpente
de duas línguas, impetuosa, cruel, insaciável de prazeres e possuidora de riquezas... Glória a
Ti, ó Senhor! que não tens nem cor, nem extensão, nem corpo (ghana), nem qualidade
alguma universal, e cuja essência (rupa), a mais pura entre as puras, não pode ser
apreciada senão pelos santos Paramarshis [os maiores Sábios ou Rishis]. Diante de Ti nos
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inclinamos na natureza de Brahma, incriado, incorruptível (avyaya); diante de Ti, que estás
em nossos corpos e em todos os demais corpos, e em todas as criaturas vivas, e fora de
quem nada existe. Glorificamos esse Vâsudeva, Senhor (de tudo), que não tem mancha,
que é a semente de todas as coisas, imune à dissolução, não nascido, eterno; que, em
essência, é Paramapadâtmavat [transcendente da condição do Espírito], e, em substância
(rûpa), todo este (Universo)." (11)
Damos esta transcrição como um exemplo do vasto campo que os Purânas oferecem às
críticas hostil e errôneas de todos os fanáticos europeus, que formam opinião sobre outras
religiões que não a sua, com base unicamente nas aparências exteriores. Todo homem
inteligente, habituado a submeter o que lê a detida análise, verá desde logo a
impropriedade daquela invocação ao "Incognoscível", ao Absoluto sem forma e sem
atributos, tal como os vedantinos definem a Brahman, invocação em termos de "uno com a
Raça-Serpente, de duas línguas, cruel e insaciável", associando o abstrato com o concreto, e
conferindo qualificativos ao que está livre de qualquer limitação e condicionamento. Até
mesmo o Professor Wilson, que, tendo vivido durante tantos anos na Índia rodeado de
brâmanes e de pandits, devia conhecer bem estas coisas, esse próprio erudito não perdeu
ocasião para criticar as Escrituras hindus neste particular. Eis como ele se expressa:
"Os Purânas ensinam sempre doutrinas incompatíveis! Segundo esta passagem (12), o
Ser Supremo não é somente a causa inerte da criação, mas exerce também as funções de
uma providência ativa. O Comentador cita um texto do Veda em apoio desta opinião: 'A
Alma Universal, penetrando nos homens, governa o seu comportamento'. As
incongruências são, aliás, tão frequentes nos Vedas como nos Purânas.”
A verdade é que são menos frequentes que na Bíblia mosaica. Mas os preconceitos
avultam nos corações dos nossos orientalistas, principalmente dos doutos "reverendos". A
Alma Universal não é a Causa inerte da Criação, ou (Para) Brahman, mas simplesmente o
que nós chamamos o Sexto Princípio do Cosmos Intelectual, no plano manifestado do ser. É
Mahat ou Mahâbuddhi, a Grande Alma, o Veículo do Espírito, o primeiro reflexo primordial
da CAUSA sem forma, e aquilo que está ainda além do Espírito. Eis aí, no que respeita à
intempestiva censura feita aos Purânas pelo Professor Wilson. Enquanto ao apelo,
aparentemente descabido, que os Deuses vencidos dirigem a Vishnu, a explicação seria
encontrada no texto do Vishnu Purânas, se os nossos orientalistas quisessem dar-se à pena
de procurá-la. A filosofia ensina que há um Vishnu como Brahma e um Vishnu em seus dois
aspectos. Mas só há um Brahman, "essencialmente Prakriti e Espírito".
Essa ignorância está expressa, de um modo verdadeiro e admirável, nos louvores com
que os Yogins se dirigem a Brahma, "o suporte da Terra":
"Aquele que não praticam a devoção fazem uma ideia errônea da natureza do mundo.
Os ignorantes, que não compreendem que este Universo tem a Natureza da Sabedoria, e o
julgam somente como um objeto de percepção, estão perdidos no Oceano da ignorância
espiritual. Mas aqueles que conhecem a verdadeira Sabedoria, e cujas mentes são puras,
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contemplam todo este mundo como uno com o Conhecimento Divino, uno contigo, oh
Deus! Sê favorável, oh Espírito Universal!" (13)
Vishnu não é, portanto, "a causa inerte da criação", que exerce "as funções de uma
Providência Ativa"; mas a Alma Universal, o que Eliphas Lévi chama, em seu aspecto
material, a Luz Astral. E esta Alma, em seu aspecto dual de Espírito e Matéria, é o
verdadeiro Deus antropomórfico dos deístas; pois este Deus é uma personificação daquele
Agente Criador Universal, puro e impuro ao mesmo tempo, por força de sua condição
manifestada e de sua diferenciação neste mundo Mâyâvico: Deus e Diabo, em verdade. O
Professor Wilson não soube, porém, ver como Vishnu, sob esse aspecto, se parece com o
Senhor Deus de Israel, "especialmente em seu papel de enganador, tentador e astucioso".
Tudo isso está indicado do modo mais claro possível no Vishnu Purâna, onde se diz que:
"No final de suas orações (stotra), os Deuses viram a Divindade Suprema Hari (Vishnu)
armada de couraça, escudo e maça, cavalgando sobre Garuda." (14)
"O grande Enganador, empregando a ilusão, seduziu depois outros Daityas mediante
várias espécies de heresia. Dentro de pouco tempo, estes Asuras (Daityas) foram
ilaqueados pelo Enganador e abandonaram todo o sistema baseado nos mandamentos do
tríplice Veda. Alguns difamaram os Vedas; outros, as cerimônias do sacrifício; e ainda
outros, aos brâmanes. Esta (exclamaram) é uma doutrina que não resiste à menor
discussão; a matança (dos animais nos sacrifícios) não pode conduzir a méritos religiosos.
(Dizer que) as oblações de manteiga, consumida pelo fogo, produzem recompensas futuras,
não passa de conversa de criança... Se é verdade que um animal morto no sacrifício é
exaltado nos céus, por que então o devoto não mata seu próprio pai?... Frases infantis,
Grandes Asuras, não caem do céu; só as sentenças construídas sobre o raciocínio devo eu
aceitar e devem aceitar as pessoas [inteligentes] como vós! Desta maneira, e de várias
outras, foram os Daityas conturbados pelo grande Enganador [a Razão]... Logo que os
Daityas ingressaram na senda do erro, as Divindades concentraram todas as suas forças e se
aproximaram para o combate. Travou-se então a batalha entre os Deuses e os Asuras; e
estes últimos, que se haviam desviado do caminho reto, foram derrotados pelos primeiros.
Haviam sido, no passado, protegidos pela armadura da justiça, que traziam; mas, quando a
destruíram, também eles pereceram." (19)
Seja qual for a opinião que se faça a respeito dos hindus, nem mesmo seus inimigos
podem tê-lo em conta de néscios. Povo cujos santos e sábios legaram ao mundo as maiores
e mais sublimes filosofias, devem saber como discernir a diferença entre o justo e o injusto.
Até o selvagem pode distinguir o branco do preto, o bem do mal, a sinceridade e a
veracidade do engano e da falsidade. Os que relataram aquele episódio na biografia do seu
Deus não podiam deixar de perceber que, no caso, esse Deus é que era o Arqui-Enganador;
tocando aos Daityas, que "nunca haviam transgredido os preceitos dos Vedas", o lado
honroso na história, e sendo eles os verdadeiros "Deuses". Devia, portanto, haver e há
realmente, um significado secreto por trás desta alegoria. Em nenhuma classe da
sociedade, em nenhuma nação, a astúcia e o embuste são considerados virtudes divinas -
126
salvo talvez nos meios clericais dos teólogos e jesuítas modernos.
O Vishnu Purâna (20), como todas as demais obras do gênero, caiu mais tarde em
mãos dos brâmanes dos templos, e os antigos manuscritos foram, sem dúvida, adulterados
pelos sectários. Em tempos idos, porém, eram os Purânas obras esotéricas, e o são ainda
para os Iniciados que os podem ler com a chave que possuem.
Quanto a saber se os brâmanes Iniciados darão a conhecer algum dia o significado de
todas as alegorias, é questão que não diz respeito à autora deste livro. O objetivo que se
propõe é demonstrar que nenhum filósofo, honrando os Poderes Criadores, poderia aceitar
- e jamais aceitou - a face exterior da alegoria como seu verdadeiro espírito, com a possível
exceção de alguns filósofos pertencentes às raças cristãs "superiores e civilizadas" do nosso
tempo. Pois, conforme vimos, Jeová em nada é superior a Vishnu no plano moral. É por isso
que os ocultistas, e até alguns cabalistas, considerem ou não aquelas Forças Criadoras
como Entidades vivas e conscientes - e não vemos por que não possam ser aceitas como
tais -, jamais haverão de confundir a Causa com o Efeito, nem tornar o Espírito da Terra por
Parabrahman ou Ain-Soph. De qualquer modo, eles conhecem bem a verdadeira natureza
do que os gregos chamavam Pai Æther, Júpiter-Titã, etc. Sabem que a Alma da Luz Astral é
divina, e que o seu corpo - as ondas de luz nos planos inferiores - é infernal. Esta Luz foi
simbolizada no Zohar pela "Cabeça Mágica", a Dupla Face sobre a Dupla Pirâmide;
erguendo-se a Pirâmide negra sobre um campo de alvura imaculada, com uma cabeça e
uma Face brancas dentro do seu Triângulo negro; a Pirâmide Branca, invertida - reflexo da
primeira nas Águas escuras -, mostrando a imagem negra da Face branca.
Tal é a Luz Astral, ou Demon est Deus inversus.
128
SEÇÃO XII
"Se bem que na Ásia Central ou nas margens do Índus, no país das Pirâmides, nas
penínsulas grega e itálica, e até mesmo no Norte, onde os. celtas, teutões e eslavos viveram
errantes, as concepções religiosas do povo assumissem formas distintas, sua origem
comum é, não obstante, ainda reconhecível. Chamamos a atenção para esta relação entre
as histórias dos Deuses e o pensamento profundo que elas encerram, e para sua
importância, a fim de que o leitor possa ver que não se trata de um mundo mágico, criado
pela fantasia e a divagação, que diante dele se descerra, mas que... a Vida e a Natureza
formavam a base da existência e a ação dessas Divindades." (1)
"No princípio havia um grande Abismo (o Caos); nem o Dia nem a Noite existiam; o
Abismo era Ginnungagap, o oceano hiante, sem princípio nem fim. O Pai de Tudo, o
Incriado, o Invisível, morava nas profundezas do Abismo (o Espaço): ele manifestou a sua
vontade, e tudo o que ele quis veio à existência." 11
"Não é o Ego, não é o Não-Eu, nem tampouco a consciência... e não é Átma sequer...
mas, não sendo em si mesmo um objeto de consciência, é, todavia, capaz de dar lugar e
apoio a todas as coisas e a toda espécie de existência que possa ser objeto de
conhecimento... [É] a essência una, da qual vem à existência um centro de energia... [que ele
chama Logos]." (14)
Este Logos é o Shabda Brahman dos hindus, a que o autor não quer dar nem sequer o
nome de Ishvara (o "Senhor" Deus), pelo receio de que o termo possa criar confusão na
mente do público. É o Avalokiteshvara dos budistas, o Verbum dos cristãos em seu sentido
esotérico verdadeiro, e não em sua alteração teológica.
"É o primeiro Inâta, ou o Ego no Cosmos, e todos os demais Egos... são apenas o seu
reflexo e manifestação... Existe em estado latente no seio de Parabrahman durante o
Pralaya... [Durante o Manvantara] possui uma consciência e uma individualidade próprias...
[É um centro de energia, mas]... semelhantes centros de energia são quase inumeráveis no
seio de Parabrahman. Não se deve supor que [mesmo] este Logos seja o Criador, ou que
não seja] mais que um centro único de energia... O número deles é quase infinito... [Este] é
o primeiro Ego que aparece no Cosmos, e é o fim de toda a evolução. [É o Ego abstrato]...
Esta é a primeira manifestação [ou aspecto] da Parabrahman... Quando começa a ter
existência como ser consciente... Parabrahman lhe aparece, do ponto de vista objetivo,
como Mûlaprakriti. Tende isso em mente... porque aí está a origem de toda dificuldade em
relação a Purusha e Prakriti, com que tropeçam os vários escritores que se têm ocupado da
filosofia vedantina... Mûlaprakriti é material para ele [o Logos], da mesma forma que um
objeto é material para nós. Este Mûlaprakriti não é Parabrahman, como os caracteres que
ornam uma coluna não são a própria coluna; Parabrahman é uma realidade incondicionada
e absoluta, e Mûlaprakriti é uma espécie de véu lançado sobre ela. Parabrahman não pode
ser visto tal como é em si mesmo. É visto pelo Logos com um véu que o encobre, e este véu
é a poderosa extensão da Matéria Cósmica... Parabrahman, após haver aparecido como o
Ego, por um lado, e como Mûlaprakriti, por outro, atua como energia única por intermédio
do Logos." (15)
E o orador, por meio de uma belíssima comparação, explica o que ele entende por essa
atividade de Algo que é Nada, e é TUDO ao mesmo tempo. Assemelha o Logos ao Sol, que
irradia a luz e o calor, mas cuja energia - a luz e o calor - existe sob uma forma
desconhecida no Espaço, e nele se difunde somente como luz e calor visíveis, não passando
132
o Sol de seu agente. Esta é a primeira hipóstase triádica. Forma-se o Quaternário com a luz
vivificante, vertida pelo Logos.
Os cabalistas hebreus apresentam a ideia de um modo que, esotericamente, é idêntico
ao vedantino. Ensinam que Ain-Soph, sendo embora a Causa sem Causa de tudo, não pode
ser compreendido nem localizado nem nomeado. E daí o seu nome Ain-Soph, que é um
termo de negação: "o Inescrutável, o lncognoscível e o lnominável". Fazem dele, portanto,
um Círculo Ilimitado, uma Esfera, da qual a inteligência humana, em seu maior alcance, não
pode perceber senão a curvatura. Eis o que escreve alguém que já decifrou grande parte
das dificuldades do sistema cabalístico, ao tratar de um dos significados do seu esoterismo
geométrico e numérico:
Este Círculo Máximo, que o Esoterismo Oriental reduz ao Pomo no Círculo Ilimitado, é
Avalokiteshvara, o Logos ou Verbum a que se refere T. Subba Row. Mas esse Círculo ou
Deus manifestado é tão desconhecido para nós, salvo por meio de seu Universo
manifestado, quanto o é o UNO, embora seja mais fácil, ou antes, menos difícil concebê-lo
em nossos mais elevados pensamentos. Esse Logos, que jaz adormecido no seio de
Parabrahman durante o Pralaya, assim como o nosso Ego está "latente em nós durante o
Sushupti", ou sono; que não pode conhecer a Parabrahman senão como Mûlaprakriri (que
é um véu cósmico formado pela "potente expansão da Matéria Cósmica); é, por
conseguinte, só um órgão da Criação Cósmica, através do qual se irradiam a Energia e a
Sabedoria de Parabrahman, desconhecido para o Logos como é para nós. E sendo o Logos
tão desconhecido para nós quanto Parabrahman o é para ele, tanto o Esoterismo Oriental
como a Cabala, a fim de porem o Logos ao alcance de nossas concepções, resolveram a
síntese abstrata em imagens concretas, isto é, nos reflexos ou aspectos múltiplos do Logos,
ou Avalokiteshvara, Brahma, Ormazd, Osíris, Adão Kadmon, ou outro nome que se queira
dar-lhe; aspectos ou emanações manvantáricas que são os Dhyân Chohans, os Elohim, os
Devas, os Amshaspends, etc. Os metafísicos explicam a raiz e o germe destes últimos,
segundo T. Subba Row, como a primeira manifestação de Parabrahman, "a Trindade mais
elevada que somos capazes de compreender", a saber: Mûlaprakriti (o Véu), o Logos e a
Energia Consciente deste último (ou o seu Poder e Luz, chamados no Bhagavad Gítâ
Daiviprakriti); ou "a Matéria, a Força e o Ego, a raiz única do Eu, de que todas as demais
133
espécies de "eu" são apenas manifestações ou reflexos". Portanto somente à luz desta
Consciência de percepção mental e física é que o Ocultismo prático pode tornar o Logos
visível por meio de figuras geométricas, que, estudadas com atenção, não só proporcionam
uma explicação científica da existência real, objetiva (17), dos "Sete Filhos da Divina
Sophia", que é esta Luz de Logos, mas também mostram, com o auxílio de outras chaves
ainda não descobertas, que, em relação à Humanidade, os "Sete Filhos" e suas inumeráveis
emanações, centros de energia personificados, são uma necessidade absoluta. Suprimam-
se, e o Mistério do Ser e da Humanidade jamais será decifrado, nem sequer entrevisto.
Por meio desta Luz foram criadas todas as coisas. Esta Raiz do Eu mental é também a
Raiz do Eu físico, porque esta Luz é a expressão em nosso mundo manifestado, de
Mûlaprakriti, o Aditi dos Vedas. Em seu terceiro aspecto ela vem a ser Vâch (18), a Filha e a
Mãe do Logos, do mesmo modo que Ísis é a Filha e a Mãe de Osíris, que é Hórus, e Moot, a
Filha, Esposa e Mãe de Amon, no mito lunar egípcio. Na Cabala, Sephira é igual a Shekinah,
e é - outra síntese - a Esposa, Filha e Mãe do Homem Celeste, Adão Kadmon, com o qual
também se identifica, como sucede com Vâch em relação a Brahma, sendo chamado o
Logos feminino. Nos Rig Veda, Vâch é a "Linguagem Mística", por meio da qual o
Conhecimento Oculto e a Sabedoria são transmitidos ao homem; dizendo-se, por isso, que
Vâch penetrou nos Rishis". Ela é "gerada pelos Deuses"; é a Divina Vâch, a "Rainha dos
Deuses", estando associada aos Prajâpatis em sua obra de criação, como Sephira o está aos
Sephiroth. É ainda chamada a "Mãe dos Vedas", "pois foi graças ao seu poder (como
Linguagem Mística) que Brahma os revelou, e foi também pelo poder que Brahma criou o
Universo", isto é, por meio da Linguagem e das palavras, sintetizadas pelo "Verbo" e pelos
números (19).
Mas, quando se alude a Vâch como filha de Daksha, "o Deus que vive em todos os
Kalpas", enuncia-se o seu caráter Mayávico; ela desaparece durante o Pralaya, absorvida no
Raio Único, que a tudo consome.
Há, no entanto, dois aspectos distintos no Esoterismo universal, oriental e ocidental, em
todas essas personificações do Poder feminino na Natureza: a Natureza numênica e a
fenomenal. Um é o seu aspecto puramente metafísico, conforme o descreve o ilustre
orador em suas "Notas sobre o Bhagavad Gitâ"; o outro é terrestre e físico, e ao mesmo
tempo divino, do ponto de vista da concepção prática humana e do Ocultismo. São todos
símbolos e personificações do Caos, o "Grande Abismo" ou as Águas Primordiais do Espaço,
o Véu impenetrável entre o INCOGNOSCÍVEL e o Logos da Criação. "Pondo-se em relação
com Vâch por meio de sua mente, Brahma (o Logos) criou as Águas Primordiais". O Katha
Upanishad se expressa ainda mais claramente:
"Prajâpati era este Universo. Vâch estava em segundo plano. Ele se uniu a ela produziu
estas criaturas e voltou a fundir-se em Prajâpati."
Isso relaciona Vâch e Sephira com a Deusa Kwan-Yin, a "Mãe Misericordiosa", a Voz
Divina da Alma, até mesmo no Budismo exotérico; com o aspecto feminino de Kwan-Shai-
Yin, o Logos, o Verbo da Criação, e ao mesmo tempo com a Voz que é audível ao Iniciado,
segundo o Budismo Esotérico; Bath KoI, a Filia Voeis, a Filha da Voz Divina dos hebreus, que
134
responde do Propiciatório no Véu do Templo, é um resultado.
Neste ponto, cabe-nos assinalar, incidentemente, uma das muitas calúnias que os "bons
e piedosos" missionários têm lançado, na Índia, contra a religião do país. A alegoria do
Shatapatha Brâbmana, de que Brahma, como Pai dos homens, consumou a obra da criação
mediante uma ligação incestuosa com a própria filha Vâch, também chamada Sandhya, o
Crepúsculo, e Shatarûpâ, a de cem formas, é constantemente atirada em rosto aos
brâmanes, como condenação de sua "detestável e falsa religião". À parte a circunstância,
esquecida propositadamente, de que o Patriarca Lot incorreu em crime igual, sob a forma
humana, ao passo que Brahma, ou melhor, Prajâpati, cometeu o incesto sob a forma de um
gamo com sua filha, que tinha a de uma corça (rohit), a leitura esotérica do terceiro
capítulo do Gênesis mostra a mesma coisa. Além disso, há certamente um significado
cósmico, e não fisiológico, associado à alegoria hindu, pois Vâch é uma permutação de Aditi
e de Mûlaprakriri, ou o Caos, e Brahma uma permutação de Nârâyana, o Espírito de Deus que
penetra na Natureza e a fecunda; e portanto nada tem de fálico o conceito.
Como já dissemos Aditi-Vâch é o Logos feminino, ou o Verbo, a Palavra; e na Cabala
Sephira também o é. Os Logos femininos são todos correlações, em seu aspecto numênico,
de Luz, Som e Éter, o que denota como os amigos estavam bem informados, tanto em
Ciência Física, tal qual é hoje conhecida dos modernos, quanto no tocante à origem desta
Ciência nas esferas Espiritual e Astral.
"Os nossos escritores da antiguidade diziam que Vâch se divide em quatro espécies,
chamadas Parâ, Pashyanti, Madhyamâ, Valkhari. Esta informação se encontra no próprio
Rig Veda e em vários Upanishads. Vaikhari Vâch é a nossa linguagem articulada."
Assim, Vâch, Shekinah ou a "Música das Esferas" de Pitágoras, são uma e a mesma
coisa, se considerarmos os exemplos que se encontram nas três filosofias religiosas que
(aparentemente) mais se diferenciam entre si: a índia, a grega e a caldeu-hebraica. Tais
personificações e alegorias podem ser estudadas sob quatro aspectos principais e três
secundários, ou sete ao todo, como no Esoterismo. A forma Parâ é a Luz e o Som, sempre
subjetivos e latentes, que existem eternamente no seio do INCOGNOSCÍVEL; quando
considerada como a ideação do Logos, ou sua Luz latente, chama-se Pashyanti; e quando
vem a ser essa Luz expressa é Madhyama.
A Cabala nos dá esta definição:
135
"Há três espécies de Luz, e mais aquela [a quarta] que interpenetra as outras: 1º a Luz
clara e penetrante, a Luz objetiva; 2º a Luz reflexa; 3º a Luz abstrata."
Os Dez Sephiroth - os Três e os Sete - são chamados, na Cabala, as Dez Palavras DBRIM
(Debarim), os números e as Emanações da Luz Celeste, que é ao mesmo tempo Adão
Kadmon e Sephira, Prajâpati-Vâch ou Brahma. Na Cabala, a Luz, o Som e o Número são três
fatores da Criação. Não é possível conhecer a Parabrahman senão por meio do ponto
luminoso, o Logos, que não conhece a Parabrahman, mas somente Mulaprakriti. De igual
modo, Adão Kadmon só conhece a Shekinah, embora seja este o Veículo de Ain-Soph. E
Adão Kadmon é, nesta qualidade, o Número total Dez, os Sephiroth; sendo ele próprio uma
Trindade, ou os três atributos da Divindade Incognoscível em Um (22). "Quando o Homem
Celeste (o Logos) assumiu, no princípio, a forma da Coroa (Kether}, e se identificou com
Sephira, fez emanar (da Coroa) Sete esplêndidas Luzes" (23), formando assim o total de
Dez; do mesmo modo, Brahmâ-Prajâpati, quando se separou de Vâch, sendo contudo
idêntico a ela, fez brotar da Coroa os sete Rishis e os sete Manus ou Prajâpatis. No
exoterismo, encontraremos sempre 10 e 7, quer se trate de Sephira ou de Prajâpati; na
versão esotérica, sempre 3 e 7, que perfazem 10. Somente quando se dividem em 3 e 7, na
esfera manifestada, formam , o andrógino, e O, ou a figura X manifestada e diferenciada.
Isso ajudará o estudante a compreender por que a Divindade, o Logos, era, para
Pitágoras, o Centro da Unidade e a Fonte da Harmonia. Dizemos que esta Divindade era o
Logos, e não a Mônada que habita na Solidão e no Silêncio, porque Pitágoras ensinava que
a Unidade, sendo indivisível, não é um número. Esta é também a razão por que se exigia do
candidato à admissão na escola pitagórica a condição de já haver estudado como
preparação preliminar, Aritmética, Astronomia, Geometria e Música, consideradas as quatro
divisões da Matemática (24). Explica-se igualmente por que afirmavam os pitagóricos que a
doutrina dos Números, a mais importante do Esoterismo, fora revelada ao homem pelas
Divindades Celestes; que o Mundo fora tirado por Caos por meio do Som e da Harmonia, e
construídos de acordo com os princípios da escala musical; que os sete planetas, que regem
o destino dos mortais, têm um movimento harmonioso e, como diz Censorino,
"Intervalos que cor respondem aos diastemas musicais, produzindo vários sons tão
perfeitamente acordes, que deles resulta a mais suave melodia, para nós inaudível
exclusivamente devido à magnitude do som, que o nosso ouvido é incapaz de perceber."
Se isso não resolve o mistério por completo, pode levantar, pelo menos, uma ponta do
véu daquelas maravilhosas alegorias, que ocultam Vâch, a mais misteriosa de todas as
Deusas bramânicas, chamada "a Vaca melodiosa que produz alimento e Água" - a Terra,
com todos os seus poderes místicos; e também aquela "que nos proporciona alimento e
subsistência" - a Terra física. Ísis é igualmente a Natureza mística e a Terra; e os seus chifres
de vaca a identificam com Vâch, que, depois de reconhecida como Parâ em seu aspecto
mais elevado, se converte, no extremo inferior e material da criação, em Vaikhari. É,
portanto a Natureza mística, embora física, com todas as suas formas e propriedades
mágicas.
Como Deusa da Linguagem e do Som, e como permutação de Aditi, Vâch ainda é o
Caos, em certo sentido. Em todo caso, é a "Mãe dos Deuses"; e de Brahma, Ishvara (ou o
Logos) e Vâch, bem como de Adão Kadmon e Sephira, há de partir a verdadeira Teogonia
manifestada. Mais além, tudo são Trevas e especulações abstratas. Com os Dhyan Chohans
ou Deuses, os Videntes, os Profetas e os Adeptos em geral se acham em terreno firme. Seja
como Aditi ou seja como a Sophia Divina dos gnósticos gregos, ela é a Mãe dos Sete Filhos,
dos Anjos da Face do Abismo.
Eis o que diz o Livro de Dzyan, isto é, o Verdadeiro Conhecimento, obtido pela
meditação:
A Grande Mãe tem no seu seio o ∆, a [, o , a segunda e a (26), e está prestes a dá-
los à luz, os valentes Filhos de ∆] (ou 4.320.000, o Ciclo), cujos dois Antecessores são o O
(Círculo) e o • (Ponto).
No começo de cada Ciclo de 4.320.000, os Sete ou, como pretendem algumas nações,
os Oito Grandes Deuses desceram para estabelecer a nova ordem de coisas e dar impulso
ao novo ciclo. O Oitavo Deus era o Círculo unificador, ou Logos, separado e posto à parte de
sua Legião no dogma exotérico, exatamente como as três hipôstases dos antigos gregos são
hoje consideradas pelas Igrejas como três pessoas distintas.
Conforme consta de um Comentário:
Os Poderosos, cada vez que penetram em nosso véu Mayávico [a atmosferas, executam
as suas grandes obras, e deixam atrás de si monumentos imperecíveis, que são marcos de
sua visita. (27)
Assim, ficamos sabendo, foi com a direita supervisão deles que se edificaram as grandes
pirâmides, "quando Dhruva (então a Estrela Polar) estava em sua culminação inferior, e as
Krittikâs (as Plêiades) pairavam sobre ela (isto é, achavam-se no mesmo meridiano, mas em
cima), vigiando o trabalho dos Gigantes". Segue-se, portanto, que, tendo sido construídas
as primeiras pirâmides no princípio de um Ano Sideral, sob Dhruva (Alpha Polaris), deve isso
ter acontecido há mais de 31.000 anos (31.105). Bunsen estava com a razão quando
admitia para o Egito uma antiguidade superior a 21.000 anos; mas semelhante concessão
137
ainda não corresponde de todo à verdade e os fatos concernentes a esta questão.
Como diz Gerald Massey:
Mor Isaac (29) nos mostra que os antigos sírios definiam o seu Mundo de "Regentes" e
"Deuses Ativos" do mesmo modo que os caldeus. O mundo inferior era o Sublunar (o
nosso), supervisionado pelos Anjos da primeira ordem ou da ordem inferior; o mundo que
vinha imediatamente depois era Mercúrio, regido pelos Arcanjos; o seguinte era Vênus,
cujos Deuses eram os Principados; o quarto era o Sol, domínio e morada dos Deuses mais
elevados e poderosos do nosso sistema, os Deuses solares de todas as nações; o quinto era
Marte, governado pelas Virtudes; o sexto, Bel ou Júpiter, regido pelas Dominações; e o
sétimo. o mundo de Saturno, pelos Tronos.
Esses são os Mundos da Forma. Além deles estão os Quatro Mundos superiores; mas o
número dos superiores é igualmente sete, sendo que os Três mais elevados "não se podem
mencionar nem pronunciar".
O oitavo Mundo, composto de 1.122 estrelas, era o domínio dos Querubins; o nono,
pertencente às estrelas móveis ou errantes, incontáveis em razão de sua distância, tinham
os Serafins; quando ao décimo, diz Kircher, citando Mor Isaac, que era constituído por
"estrelas invisíveis que se poderiam tomar por nuvens, tão aglutinadas se acham na região
que chamamos de Via Straminis, a Via Láctea"; e ele se apressa em explicar "que estas são
as estrelas de Lúcifer, submersas juntamente com este em seu terrível naufrágio".
O que vem depois e além dos Dez Mundos (nosso Quaternário), ou o Mundo Arûpa, não
podiam descrever os sírios. "Tudo o que sabiam é que ali começava o vasto e
incompreensível Oceano do Infinito, a mansão da Verdadeira Divindade, sem limite nem
fim."
Champollion demonstra que a mesma crença existia entre os egípcios. Hermes, depois
de falar do Pai-Mãe-e-Filho, cujo Espírito - coletivamente o Fiat Divino - formou o Universo,
diz: "Sete Agentes (Médios) foram também formados para conter os Mundos Materiais (ou
manifestados) dentro de seus círculos respectivos, e a ação de tais Agentes recebeu o nome
de Destino". Enumera a seguir sete, dez e doze ordens, cuja explicação aqui exigiria
demasiado tempo.
Como o Rig Vidhâna, e também o Brahmânda Purâna e todas as obras do mesmo
138
gênero, quer descrevam a eficácia mágica dos Mantras do Rig Veda, ou os Kalpas futuros,
representam, conforme declaração do Dr. Webster e de outros, compilações modernas
"pertencentes, como é provável, só à época dos Purânas"; é inútil referir ao leitor as suas
explicações místicas; sendo preferível citar apenas os livros arcaicos, que os orientalistas
desconhecem por completo. Estas obras esclarecem o que tanto intriga os estudantes, a
saber: que os Saptarshis, "os Filhos nascidos da Mente" de Brahma, são mencionados no
Shatapatha Brâhmana por uma série de nomes, e no Mahâbhârata por outros; e que o
Vâyu Purâna enumera nove Rishis em vez de sete, acrescentando à lista os nomes de Bhrigu
e Daksha. Mas o mesmo sucede em todas as Escrituras exotéricas. A Doutrina Secreta
apresenta uma longa genealogia de Rishis, separando-os, porém, em várias classes. Assim
como os Deuses egípcios estavam divididos em sete e até em doze classes, também o estão
os Rishis hindus em suas hierarquias. Os três primeiros Grupos são: o Divino, o Cósmico e o
Sublunar. Em seguida vêm os Deuses Solares de nosso Sistema, os Planetários, os
Submundanos e os puramente Humanos - os Heróis e os Mânushi.
Mas por enquanto só nos ocupamos dos Deuses Pré-Cósmicos Divinos, os Prajâpatis ou
os Sete Construtores. Este Grupo consta infalivelmente de todas as Cosmogonias. Em razão
da perda dos documentos arcaicos egípcios, pois, segundo Maspero, "os materiais e os
dados históricos de que dispomos, para o estudo da história da evolução religiosa no Egito,
não são completos, nem inteligíveis muitas vezes", temos que recorrer aos antigos hinos e
inscrições tumulares para corroborar em parte, e indiretamente, as afirmações da Doutrina
Secreta. Uma dessas inscrições mostra que Osíris - como Brahmâ-Prajâpati, Adão Kadmon,
Ormazd e muitos outros Logos - era o chefe e a síntese do Grupo de "Criadores" ou
Construtores. Antes que Osíris se tornasse o Deus "Uno" e supremo do Egito, era adorado
em Abydos como o Chefe ou Guia da Legião Celestial dos Construtores pertencentes à mais
elevada das três ordens. O hino gravado sobre a estrela votiva de um túmulo de Abydos
(terceiro registro) faz invocação a Osíris nos seguintes termos:
"Eu te saúdo, Osíris, filho primogênito de Seb; tu, o maior dos seis Deuses nascidos da
Deusa Nu [a Água Primordial]; tu, o grande favorito de teu pai Ra; Pai dos Pais, Rei da
Duração, Senhor da Eternidade... que, tão logo aqueles saíram do Seio de tua Mãe, reuniste
todas as Coroas e cingiste o Uræus [serpente ou naja] (30) em tua cabeça; Deus
multiforme, cujo nome é desconhecido, e que tem muitos nomes nas cidades e nas
províncias."
Saindo da Água Primordial coroado com o Uræus, que é o emblema serpentino do Fogo
Celeste, e sendo o sétimo dos Deuses Primários emanados do Pai-Mãe, Nu e Nut, o Céu,
quem pode ser Osíris, senão o primeiro Prajâpati, o primeiro Sephira, o primeiro
Amshaspend, Ormazd! É fora de dúvida que este último Deus solar e cósmico ocupava, no
início da evolução religiosa, a mesma posição que o Arcanjo, "cujo nome era secreto". O
Arcanjo era Miguel, o representante na Terra do Deus Oculto dos judeus; numa palavra, a
sua "Face", que precedia os judeus sob a forma de uma "Coluna de Fogo", como se
afirmava. Diz Burnouf: "Os sete Amshaspends, que são certamente os nossos Arcanjos,
significam também as personificações das Virtudes Divinas" (31). E esses Arcanjos,
139
portanto, são também, seguramente, os Saptarshis dos hindus, embora seja quase
impossível classificar cada um deles segundo o seu protótipo e equivalente pagão, por isso
que, como no caso de Osíris, todos possuem "muitos nomes nas cidades e nas províncias".
Mencionaremos, contudo, alguns dos mais importantes, na devida ordem.
Uma coisa fica, assim, demonstrada de maneira insofismável. Quanto mais estudamos
as hierarquias desses Deuses, e apuramos a sua identidade, mais provas obtemos de que
não existe, entre os Deuses pessoais, passados ou presentes, conhecidos desde os
primeiros dias, da história, um só que não pertença ao primeiro período da manifestação
cósmica. Em todas as religiões encontramos a Divindade Oculta, formando a base
fundamental; depois, o Raio que, dela emanado, cai na Matéria Cósmica Primordial, a
primeira manifestação; em seguida, o produto andrógino, a força dual abstrata, Macho e
Fêmea, personificada, a segunda fase; finalmente, esta Força Dual se separa, na terceira
fase, em Sete Forças, denominadas os Poderes Criadores em todas as antigas religiões, e as
Virtudes de Deus no Cristianismo. Esta qualificações metafísicas abstratas, tais como
explicadas, não impediram a Igreja romana e a Igreja grega de renderem culto a essa
"Virtudes", personificando-as sob os diferentes nomes dos Sete Arcanjos. O Livro de
Druschim (32), no Talmud, faz, entre esses grupos, uma distinção que é a verdadeira
explicação cabalista. Ali se diz:
Deve-se aplicar a mesma divisão à evolução primária, secundária e terciária dos Deuses,
em cada teogonia, se se quiser traduzir esotericamente a significação deles. Cumpre não
confundir as personificações puramente metafísicas dos atributos abstratos da Divindade
com o seu reflexo: os Deuses Siderais. Este reflexo, contudo, é na realidade a expressão
objetiva da abstração; Entidades viventes e os modelos formados segundo aquele Protótipo
Divino. Além disso, os três Sephiroth metafísicos, ou a "perífrase de Jeová", não são Jeová;
este último, com os títulos adicionais de Adonai, Elohim, Sabbaoth e os numerosos nomes
que lhe emprestam, e que é a perífrase de Shaddai (yK#), o Onipotente. O nome é, sem
dúvida, um circunlóquio, uma exagerada figura de retórica dos judeus, conforme foi sempre
assinalado pelos ocultistas.
Para os cabalistas judeus, e para os alquimistas cristãos e rosacruzes, Jeová era um
bimbo conveniente, unificado pela superposição de seus diversos painéis ou faces, e que se
adotou como sucedâneo; o nome de um Sephira individual, tão bom quanto outro
qualquer, para aqueles que estavam na posse do segredo. O Tetragrammaton, o Inefável, a
"Soma Total" sideral, não foi inventado com outro propósito que o de iludir o profano,
simbolizando a vida e a geração (33). O nome secreto e verdadeiro, que não pode ser
pronunciado, a "Palavra que não é Palavra", há que procurá-lo entre os Sete nomes das
140
Sete primeiras Emanações, ou "Filhos do Fogo", nas Escrituras secretas de todas as grandes
nações inclusive no Zohar a doutrina cabalística da menor de todas elas, a nação judaica.
Essa Palavra, composta de sete letras em todas as línguas, acha-se oculta nas ruínas
arquitetônicas de todas as grandes construções sagradas do mundo desde as ruínas
ciclópicas da ilha da Páscoa (resto de um continente submergido nos mares, não há 20.000
anos, mas há cerca de 4.000.000 de anos) (34) até as primeiras pirâmides egípcias.
Mais adiante trataremos mais a fundo desta questão, e daremos exemplos praticos para
provar as afirmações contidas no texto.
Por enquanto basta demonstrar, com algumas indicações, a veracidade do que
afirmamos no início desta obra, ou seja, de que nenhuma Cosmogonia, em todo o mundo,
excetuada unicamente a dos cristãos atribuiu jamais à Causa Única Suprema, ao Princípio
Universal Divino, a criação Imediata de nossa Terra, do homem ou de algo relacionado com
um e outra. Tal asserto se aplica tanto à Cabala hebraica ou caldeia como ao Gênesis se é
que este foi algum dia inteiramente compreendido e, o que é ainda mais importante,
corretamente traduzido. (35) Em toda parte ou há um Logos - "uma Luz que brilha nas
Trevas", em verdade - ou o Arquiteto dos Mundos está, esotericamente, no plural. A Igreja
latina, paradoxal como sempre, com reservar exclusivamente a Jeová o epíteto de Criador,
adota toda uma ladainha de nomes para as Forças ativas deste Criador) nomes que traem o
segredo. Realmente: se tais Forças não têm nenhuma relação com a chamada "Criação",
por que dar-lhes os nomes de Elohim (Alhim), palavra plural, Obreiros e Energia Divinas,
('Ene&rgeiai), Pedras Celestiais Incandescentes (lapides igniti coelorum), e,
principalmente, os de Sustentadores do Mundo (Kosmokra&tore∫), Governadores ou
Regentes do Mundo (Rectores Mundi), Rodas do Mundo (Rotae, Auphanim), Chamas e
Poderes, Filhos de Deus (B 'neAlhim), Conselheiros Vigilantes, etc.?" (36)
Tem-se afirmado muitas vezes, e como sempre injustamente, que a China, país quase
tão antigo quanto a Índia, não tinha Cosmogonia. Dizem que tal coisa era desconhecida de
Confúcio, e que os budistas levaram para ali a sua Cosmogonia, sem introduzir nela um
Deus pessoal. (37) O Yi-King, "a essência mesma do pensamento antigo e a obra comum
dos mais venerados sábios", não chega a expor uma Cosmogonia definida. Contudo, havia
uma e bem clara. Apenas, como Confúcio não admitia uma vida futura, (38) e os budistas
chineses rejeitam a ideia de Um Criador, limitando-se a aceitar uma Causa única com seus
inumeráveis efeitos, têm sido um e outros mal compreendidos pelos que acreditam num
Deus pessoal. O "Grande Extremo", como princípio "das mudanças" (transmigrações), é a
mais curta (e talvez a mais sugestiva) de todas as Cosmogonias, para aqueles que como os
sectários de Confúcio, amam a virtude por si mesma e procuram fazer o bem
desinteressadamente, sem pensar no resultado ou em recompensa. O "Grande Extremo"
de Confúcio produz "Duas Figuras". Estas duas produzem, por seu turno, as "Quatro
Imagens", as quais dão nascimento aos "Oito Símbolos". Alega-se que, se os discípulos de
Confúcio aí veem "o céu, a terra e o homem em miniatura", nós podemos ver tudo o que
quisermos. Sem dúvida, mas o mesmo se dá com muitos símbolos, especialmente com os
as religiões mais recentes. Os que possuem algumas noções de numeração oculta veem
naquelas "Figuras" o símbolo, ainda que tosco, de uma Evolução progressiva e harmoniosa
do Cosmos e de seus Seres, tanto Celestes como Terrestres. E quem quer que haja
141
estudado a evolução numérica na cosmogonia primordial de Pitágoras (contemporâneo de
Confúcio) há de ver sempre a mesma ideia em sua Tríade, em seu Tetraktys e em sua
Década, que surgem da Mônada Única e solitária. O biógrafo cristão de Confúcio leva a
ridículo o filósofo chinês por "falar de adivinhação", antes e depois desta passagem; e o
apresenta como tendo dito:
"Os oito símbolos determinam a boa e a má fortuna e conduzem às grandes ações, Não
há imagens que se possam imitar e que sejam maiores que o céu e a terra. Não há
mudanças maiores que as quatro estações [ele queria falar de Norte, Sul, Leste e Oeste,
etc.] Não há imagens suspensas mais brilhantes que o sol e a lua, Para preparar as coisas
com vistas ao seu uso, nenhuma existe maior que o sábio. Para determinar a boa e a má
fortuna, não existe nada maior que as palhas divinatórias e a tartaruga." (39)
É esta ação que "faz girar cada uma das esferas sobre si mesma, e todas ao redor do
Sol". Em seguida, são os "Brahmândika", os Pitris Solares e Lunares, os Dhyân-Chohans,
"que se encarregam de suas respectivas esferas (terras e planetas), até o fim do Kalpa". Os
Criadores são os Rishis, considerados em sua maioria como os autores do Mantras ou Hinos
do Rig Veda. Eles são ora sete, ora dez, até que se convertem em Prajâpati, o Senhor dos
Seres; e depois passam a ser os sete e os quatorze Manus, como representantes dos sete e
dos quatorze Ciclos de Existência, ou Dias de Brahma, correspondendo assim aos sete
Æons, até que, no fim do primeiro período da Evolução, se transformam nos sete Rishis
estelares, os Saptarshis; enquanto os seus Duplos humanos aparecem em nossa terra como
Heróis, Reis e Sábios.
Deste modo, tendo a Doutrina Esotérica do Oriente feito vibrar a nota fundamental,
que, sob sua forma alegórica, como se pode ver, é tão científica quanto filosófica e poética,
todas as nações seguiram o mesmo caminho. Antes de nos abeirarmos das verdades
esotéricas, devemos pesquisar a ideia fundamental que jaz no fundo das religiões
exotéricas, se desejamos evitar que sejam rejeitadas as primeiras. Demais, todos os
símbolos, em todas as religiões nacionais, podem ser interpretados esotericamente; e a
prova de sua correta interpretação está na extraordinária concordância que se observa em
todos eles, quando traduzidos em seus números e formas geométricas correspondentes,
por mais que os signos e os símbolos possam variar exteriormente entre si. Porque, em sua
origem, todos esses símbolos eram idênticos. Vejam-se, por exemplo, as frases que dão
início às diversas Cosmogonias: em todos os casos, encontra-se ali um Círculo, um Ovo ou
uma Cabeça. As Trevas estão sempre associadas a esse primeiro símbolo e o envolvem,
143
como se vê nos sistemas hindu, egípcio, caldeu, hebreu e escandinavo. Daí os corvos
negros, as pombas negras, as águas negras e até as chamas negras; a sétima língua de Agni,
o Deus-Fogo, chamado Kâli o "Negro" porque era uma chama negra vacilante. Duas pombas
"negras" fugiram do Egito e foram empoleirar-se nos carvalhos de Dodona, dando seus
nomes aos Deuses gregos. Noé solta um corvo "negro" após o Dilúvio, que é um símbolo do
Pralaya cósmico, depois do qual principia a verdadeira criação e evolução de nossa terra e
da humanidade. Os corvos "negros" de Odin esvoaçavam ao redor da Deusa Saga, e
"murmuravam no seu ouvido o passado e o futuro".
Qual é, pois, a significação oculta de todos esses pássaros negros? É que todos eles
estão relacionados com a primitiva Sabedoria, que dimana da Fonte pré-cósmica de Tudo,
simbolizada pela Cabeça, o Círculo ou o Ovo; todos têm significado idêntico e se referem ao
Homem Primordial Arquétipo, Adão Kadmon, a origem criadora de todas as coisas, que se
compõe da Legião dos Poderes Cósmicos, os Dhyân-Chohans Criadores, além dos quais
tudo são Trevas.
Interroguemos a sabedoria da Cabala, por muito que esteja velada e falseada hoje em
dia, para que nos explique, em sua linguagem numérica, uma significação, mesmo
aproximada, da palavra "corvo". Eis aqui o seu valor numérico, tal como vem exposto em
The Source of Measures:
"A palavra Corvo é empregada somente uma vez, e tomada no sentido de Eth-h' orebv
bKch-t) = 678, ou 113 X 6, enquanto que a Pomba é mencionada cinco vezes. Seu valor
é 71, e 71 X 5 = 355. Seis diâmetros, ou o Corvo, cruzando-se, dividiriam a circunferência de
um círculo de 355 em 12 partes ou compartimentos; e 355 subdividido para cada unidade
por 6 igualaria 213-0, ou a Cabeça ["princípio"] do primeiro versículo do Gênesis. Este,
dividido ou subdividido do mesmo modo por 2, ou o 355 por 12, daria 213-2, ou a palavra
B'râsh, #)Kyb, ou a primeira palavra do Gênesis, com o seu prefixo pre-positivo,
significando, astronomicamente, a mesma forma geral concreta que aqui se determinou."
(42)
Ora, como a explicação secreta do primeiro versículo do Gênesis é: "Em Râsh (B'râsh) ou
Cabeças desenvolveram-se os Deuses, os Céus e a Terra", torna-se fácil compreender o
significado esotérico do Corvo, a partir do instante em que houvermos determinado a
significação idêntica da Inundação, ou Dilúvio de Noé. Quaisquer que possam ser os outros
muitos significados dessa alegoria emblemática, o sentido principal é o de um novo Ciclo e
uma nova Ronda, a nossa Quarta Ronda (43). O Corvo ou o Eth-h'orebv admite o mesmo
valor numérico que a Cabeça, e não voltou para a Arca, ao passo que a Pomba regressou,
trazendo o ramo de oliveira. Quando Noé, o novo homem da nova Raça (cujo protótipo é o
Vaivasvata Manu), se preparava para deixar a Arca (a Matriz ou Argha da Natureza
terrestre), é o símbolo do homem puramente espiritual, sem sexo e andrógino, das três
primeiras Raças, que desapareceram da Terra para sempre. Numericamente, na Cabala,
Jeová, Adão e Noé são um só. Quando muito, representam, portanto, a Divindade que
desce no monte Ararat e, depois, no Sinai, para encarnar-se no homem, sua imagem, pelo
processo natural, a matriz da mãe, cujos símbolos no Gênesis são a Arca, o Monte (Sinai),
144
etc. A alegoria judaica é mais astronômica e fisiológica que antropomórfica.
Tal é o abismo que separa o sistema ário do semítico, embora assente ambos sobre a
mesma base. Diz um expositor da Cabala:
"A ideia fundamental na filosofia dos hebreus era a de que Deus encerrava em si
mesmo todas as coisas, sendo o homem a sua imagem; o homem incluindo a mulher (como
andrógino; e que) a geometria (e os números e medidas aplicáveis à astronomia) estão
contidos nos termos homem e mulher. Aparente incongruência de semelhante método
desaparecia mostrando-se a relação do homem e da mulher com um sistema especial de
números, de medidas e de geometria, pelos períodos de gestação, que proporcionavam o
laço de união entre os termos usados e os fatos apresentados, e aperfeiçoavam o método
adotado." (44)
(1). P. 3.
(2). Ibid., p. 2.
(3). Ibid., p. 21.
(4). Veja-se The Monthly Magazine, de abril de 1797.
(5). Com relação à abstinência das coisas vivas.
(6). "Htoi me_n prw&tiota Xa&o∫ ge&ner" (l, 166); sendo ge&ner o considerado na antiguidade
como significando "foi gerado", e não simplesmente "foi". (Veja-se a Introdução de Taylor
ao Parmenides de Platão, p, 260.)
145
(7). É a confusão entre o "finito" e o "Infinito" que foi objeto dos sarcasmos de Kapila, em
suas discussões com os logues brâmanes, que pretendem ver o "Ser Supremo" em suas
visões místicas.
(8). Ibid.
(9). Veja-se o artigo de Thomas Taylor em seu Monthly Magazine, citado no Platonist de
fevereiro de 1887, edição de T. M. Johnson, M. S. T., Osceola, Missouri.
(10). Vit. Pythag., p. 47.
(11). Asgard and the Gods, p. 22 .
(12). Vâch, a "vaca melodiosa, que produz o alimento e a Água", que nos proporciona "o
alimento e a subsistência", como se diz no Rig Veda.
(13). Compare-se com a "Criação das Primeiras Raças", no vol. III desta obra, comentário à
Estância IV da Antropogênese (Parte I).
(14). The Theosophist, fevereiro de 1887, pp. 302·3.
(15). Ibid., pp. 303-4.
(16). The Masonic Review, junho de 1886.
(17). Objetiva - no mundo de Mâyâ, naturalmente; mas tão real quanto nós o somos.
(18). No curso da manifestação cósmica, esta Daiviprakriti, em lugar de ser a Mãe do Logos,
deveria, estritamente falando, ser chamada sua Filha. (The Theosophist, fevereiro de 1887,
"Notas sobre o Bhagavad Gîta", p. 305.)
(19). Os sábios que, como Stanley Jevons entre os modernos, inventaram um método para
fazer o incompreensível assumir forma tangível, só o puderam conseguir recorrendo o
número e figuras geométricas.
(20). Pranava, Om, é um termo místico que os logues pronunciam durante a meditação; de
todas as palavras chamadas Vyâkritis, segundo os comentadores exotéricos, - isto é, Aum,
Bhuh, Bhuvah, Svah (Om, Terra, Firmamento, Céu), - Pranava é talvez a mais sagrada.
Pronuncia-se retendo a respiração. Veja-se Manu II, 76-81, e o comentário de Mitakshara
sobre o Yâjnavalkya-Smriti. I. 23. A explicação esotérica, porém, vai muito mais longe.
(21). The Theosophist, fevereiro de 1887, p. 307.
(22). Esta Trindade é representada alegoricamente como os "Três Passos de Vishnu",
significando (pois o exoterismo considera Vishnu como o Infinito) que de Parabrahman
emanaram Mûlaprakriti, Purusha (o Logos) e Prakriti: as quatro formas de Vâch (incluindo a
própria Vâch como síntese). E na Cabala Ain-Soph, Shekinah, Adão Kadmon e Sephira, as
quatro ou as três emanações, são distintas, e contudo Unas.
(23). Livro dos Números caldeu. Na Cabala corrente, o nome Jeová substitui o de Adão
Kadmon.
(24). Conta Justino o Mártir que, devido à sua ignorância destas quatro ciências, teve
recusada a sua admissão como candidato à Escola dos Pitagóricos.
(25). Diógenes Laércio, em Vit. Pythag.
(26). 3,1415 ou p. a síntese, ou a Legião unificada no Logos, e o Ponto, chamado no
Catolicismo Romano o "Anjo da Face", em em hebraico Miguel l)kys, "que é (igual a, ou
o mesmo que) Deus", a representação manifestada.
(27). Eles surgem no início dos Ciclos, como também de cada Ano Sideral de 25.868 anos.
Foi por isso que os Kabiera ou Kabarim receberam este nome em caldeu, pois significa as
146
Medidas do Céu, de Kob, "medida de", e Urim, "Céus".
(28). The Natural Genesis, II, p. 316.
(29). (Edipus Ægyptiacus, II, 423, de Kircher.
(30). Esta palavra egípcia Naja muito nos faz lembrar a Nâga indiana, o Deus de sete e outra
de dez; 3º os Sephiroth metafísicos, ou perífrases de Jeová: os três de caráter cíclico ou
cósmico.
(31). Comment, on the Yashna, p. 274.
(32). Primeiro Tratado, p. 59.
(33). Diz o tradutor da Qabbalah de Avicebron, referindo-se à "Soma Total"; "A letra de
Kether é (Yod) , a de Binah (Heh), compondo juntas o nome feminino YaH; a terceira letra, a
de 'Hokhrnah, é (Vau); todas juntas, formam YHV, de xwxy, YHVH, o Tetragrammaton, e
são, em verdade, os símbolos completos de sua eficácia. A última letra x (Heh) deste Nome
Inefável se aplica sempre aos Seis Inferiores e ao último, ou seja, aos Sete Sephiroth
restantes". (Qabbalah, de Myer, p. 263). Assim, o Tetragrammaton não é sagrado senão em
sua síntese abstrata. Como Quaternário, contendo os Sete Sephiroth inferiores, é fálico.
(34). Esta afirmação será, naturalmente, tachada de falsa e absurda, e muita gente a
receberá com um sorriso de mofa. Mas, se acreditarmos que a submersão final da Atlântida
tenha ocorrido há 850.000 anos, conforme diz o livro Buddhismo Esotérico - o primeiro dos
abaixamentos graduais tendo-se iniciado no período Eoceno - devemos aceitar também a
informação no que concerne à chamada Lemúria, o continente da Terceira Raça-Raiz, que
começou por ser quase destruído pelo fogo, e foi mais tarde submerso. Conforme ensina o
Comentário: "Havendo sido a primeira Terra purificada pelos Quarenta e Nove Fogos, seus
habitantes, nascidos do Fogo e da Água, não podiam morrer... A segunda Terra, com sua
Raça, desapareceu da mesma forma como o vapor se desvanece no ar... A terceira Terra viu,
após a Separação, consumir-se tudo o que nela existia, e mergulhou no Abismo inferior (o
Oceano). Tudo isto se passou há duas vezes oitenta e dois Anos Cíclicos". Ora, um Ano
Cíclico corresponde ao que chamamos, um Ano Sideral, e tem por base a precessão dos
Equinócios. A duração do Ano Sideral é de 25.868 anos; e, portanto, o período mencionado
no Comentário alcança o total de 4.242.352 anos. No volume III daremos outras minúcias.
Esta doutrina foi, entretanto, incorporada à dos "Reis de Edon".
(35). Observa-se idêntica reserva no Talmud e em todo sistema nacional de religião, seja
monoteísta ou exotericamente politeísta. Do admirável poema religioso do cabalista Sabbi
Salomão Ben Yehudah Ibn Gebirol, no "Kether Malchuth", extraímos algumas definições
contidas nas orações de Kippur: "Tu és Um, o princípio de todos os números e a base de
todos os edifícios. Tu és Um, e no segredo de tua Unidade se perdem os mais sábios dos
homens, porque não a conhecem. Tu és Um, e Tua Unidade jamais diminuiu e jamais
aumenta, nem pode ser alterada. Tu és Um mas não como um elemento de numeração,
porque a Tua Unidade não admite multiplicação, permuta ou forma. Tu és Existente: mas a
compreensão e a. visão dos mortais não pode alcançar a tua existência, nem determinar,
em relação a Ti, o Onde, o Como e o Porquê. Tu és Existente, mas só em Ti mesmo, não
havendo nenhum outro que possa existir contigo. Tu és Existente, antes de todo o tempo e
sem lugar. Tu és Existente, e tão profunda e secreta é a Tua Existência que ninguém pode
penetrar e descobrir o teu segredo. Tu Vives, mas não dentro de qualquer limite de tempo
147
que se possa fixar e conhecer; Tu Vives, mas não em função de um espírito ou alma, porque
Tu és Tu mesmo, a Alma de todas as Almas". Grande é a distância entre esta Divindade
cabalística e o Jeová bíblico, o Deus impiedoso e vingativo de Abraão, Isaac e Jacob, o Deus
que tentou o primeiro e lutou com o último. Nenhum vedantino deixaria de repudiar
semelhante Parabrahman!
(36). Veja-se De Mirville, Des Esprits, VoI. II, p. 294.
(37). Edkin, Chinese Buddhism, capit. XX, p. 294. E procederam com muita sabedoria.
(38). Se a não admitia, era com fundamento no que ele chamava "as mudanças" ou, em
outros termos, os renascimentos do homem e suas constantes transformações. Negava
imortalidade á personalidade do homem, como nós o negamos, não ao Homem.
(39). Podem rir os protestantes; mas os católicos romanos não têm o direito de fazê-lo, sem
que se tornem culpados de blasfêmia e sacrilégio. Porque há mais de 200 anos que foi
canonizado Confúcio como Santo na China pelos católicos romanos, que por esse meio
conseguiram muitas conversões entre os confucionistas ignorantes.
(40). Não são poucos os animais que a Bíblia considera como sagrados; como, por exemplo,
o Bode, o Azaz-el ou Deus da Vitória. Corno diz Aben-Ezra: "Se és capaz de compreender o
mistério de Azazel, aprenderás o mistério de Seu nome (o de Deus). porque ele possui
equivalentes e semelhantes nas Escrituras. Vou dizer-te, por meio de alusões, uma parte do
mistério; quando tiveres trinta e três anos de idade, tu me compreenderás". Assim sucede
com o mistério da Tartaruga. Divertindo-se com a poesia das metáforas bíblicas, que
associam o nome de Jeová com "pedras incandescentes", "animais sagrados", etc., e
citando a Bíblia de Vence (XIX, p. 318), escreve um piedoso escritor francês: "Certamente,
todos eles são Elohim, como seu Deus"; pois esses Anjos "assumem, por meio de uma santa
usurpação, o próprio nome divino de Jeová, toda vez que o representam." (De Mirville, Des
Esprits, vol. II, p. 294). Ninguém jamais duvidou que o Nome deve ter sido assumido quando,
sob a aparência do Infinito, do Uno Incognoscível, os Malachim ou Mensageiros desciam
para comer e beber com os homens. Mas, se os Elohim, e até Seres Inferiores, que
assumem o nome de Deus, eram e são ainda adorados, por que chamar Demônios a esses
mesmos Elohim, quando aparecem sob os nomes de outros Deuses?
(41). Mateus, XXIV, 28.
(42). Chave para o Mistério Hebreu-Egípcio em The Source of Measures, Ap. 4, p. 249
(edição impressa em 1875). Ver Notas Adicionais no tomo 4 desta obra.
(43). Brwant tem razão quando escreve: "O bardismo druídico diz, a propósito de Noé, que,
ao sair da arca (nascimento de um novo ciclo), depois. de aí permanecer um ano e um dia,
ou seja, 364 + 1 = 365 dias, foi ele felicitado, em virtude de haver nascido das águas do
Dilúvio, por Netuno, que lhe desejou um Feliz Ano Novo". O "Ano" ou ciclo, esotericamente,
era a nova raça de homens, nascidos de mulher, após a Separação dos Sexos, o que
constitui o significado secundário da alegoria, pois a significação primária era o início da
Quarta Ronda, ou a nova Criação.
(44). De um manuscrito inédito, pp. 11 e 12. Veja-se também The Source of Measures.
148
SEÇÃO XIII
AS SETE CRIAÇÕES
Não havia dia nem noite, nem céu nem terra, nem escuridão nem luz,
nem o que quer que fosse, com exceção do Uno, incompreensível para
a inteligência, ou Aquilo, que é Brahma e Puma (Espírito) e Pradhâna
(Matéria [grosseira]) (1).
Vishnu Purâna (I, II)
"Assim eu vos expliquei, excelente Muni, seis criações... a criação dos seres Arvâksrota
foi a sétima, e foi a do homem." (2)
Em seguida põe-se ele a falar de duas criações adicionais sobremodo misteriosas, que
são diversamente interpretadas pelos comentaristas.
Orígenes, comentando os livros escritos por Celso, seu adversário gnóstico (livros que
foram todos destruídos pelos precavidos Padres da Igreja), responde evidentemente às
objeções de seu antagonista e ao mesmo tempo revela o seu sistema. Este era claramente
setenário. Mas a teogonia de Celso, a gênese das estrelas e dos planetas, do som e da cor,
não mereceu, à guisa de resposta, senão sátiras e nada mais. Celso, atente-se, "desejoso de
fazer gala de sua erudição", alude a uma escala da criação compreendendo sete portas e,
no alto, a oitava, sempre fechada. Os mistérios do Mithras persa são explicados, e "também
se acrescentam razões musicais". A estas razões ele ainda se esforça "por adicionar uma
segunda explicação, também baseada em considerações musicais" (3) - isto é, sobre as
sete notas da escala, os Sete Espíritos das Estrelas, etc.
Valentim insiste quanto ao poder dos grandes Sete, que foram incumbidos de produzir
este Universo, depois que Ar(r)-hetos ou o Inefável, cujo nome se compõe de sete letras,
houvesse representado a primeira Hebdômada. Este nome (Ar(r)hetos) indica a natureza
setenária do Uno, o Logos. "A deusa Rhea" - diz Prodo - "é uma Mônada, uma Díada e uma
Héptada", reunindo em si mesma todos os Titânidas, "que são sete" (4).
Em quase todos os Purânas se encontram as Sete Criações. São todas precedidas por
aquilo que Wilson traduz como o "Princípio Contínuo", o Espírito Absoluto independente de
toda relação com os objetos dos sentidos.
São elas: 1º Mahat-tattva, a Alma Universal, a Inteligência Infinita ou Mente Divina; 2º
Tanmâtras, Bhûta ou Bhûtasarga, a Criação Elemental, a primeira diferenciação da
Substância Contínua Universal; 3º Indriya ou Aindriyaka, a Evolução Orgânica. "Estas três
foram as Criações Prâkrita, os desenvolvimentos da natureza contínua, precedidos pelo
Princípio Contínuo." 4º Mukhya, “a Criação Fundamental (das coisas perceptíveis) foi a dos
corpos inanimados" (5); 5º Tairyagyonya ou Tiryaksrotas foi a dos animais; 6º Urdhvasrotas,
ou a das divindades (?) (6); 7º Arvâksrotas foi a do homem (7).
Tal é a ordem apresentada nos textos exotéricos.
149
Segundo a doutrina esotérica, há sete "Criações" Primárias e sete Secundárias; as
primeiras são as das Forças que evolucionam por si mesmas, procedentes da FORÇA Una
sem causa; as últimas nos mostram o Universo manifestado emanando dos Elementos
divinos já diferenciados.
Tanto esotérica como exotericamente, todas as Criações acima enumeradas
representam os sete períodos da Evolução, seja depois de uma Idade, seja depois de um
Dia de Brahma. Este é por excelência o ensinamento da Filosofia Oculta, que, no entanto,
jamais emprega o termo "Criação", nem mesmo o de "Evolução", quando se refere à
"Criação" Primária; mas denomina todas essas Forças como os "aspectos da Força Sem
Causa".
Na Bíblia, os sete períodos são reduzidos aos seis dias da Criação, com o sétimo Dia de
Repouso; e os ocidentais se atêm à letra. Na filosofia indiana, quando o Criador ativo
produziu o Mundo dos Deuses, os Germes de todos os Elementos não diferenciados e os
Rudimentos dos Sentidos futuros - em uma palavra, o Mundo dos Númenos -, o Universo
permanece inalterado durante um Dia de Brahma, ou um período de ... 4.320.000.000 de
anos. Este é o sétimo Período, o Período passivo ou o "Sabbath" da Filosofia Oriental, que
sucede aos seis períodos de evolução ativa. Na Satapatha Brâhmana, Brahma (neutro), a
Causa Absoluta de todas as Causas, irradia os Deuses. E, tendo-os irradiado por meio de sua
natureza inerente, a obra se interrompe. Eis o que se diz no Primeiro Livro de Manu:
"No fim de cada noite (Pralaya), Brahmâ, que estava adormecido, desperta, e pela só
energia do movimento faz emanar de si mesmo o Espírito [ou a Mente], que em sua
essência, é e contudo não é." (8)
No Sepher Yetzirah, o "Livro da Criação" cabalístico, é evidente que o autor se faz eco
das palavras de Manu. Ali se faz constar que a Substância Divina existiu, só, ilimitada e
absoluta, desde a eternidade, e que fez emanar de si mesma o Espírito.
"Uno é o Espírito do Deus vivo, bendito seja o seu Nome, que vive eternamente! Voz,
Espírito e Verbo: eis o Espírito Santo." (9)
Esta é a Trindade cabalística abstrata, com tão pouco respeito antropomorfizada pelos
Padres. Dessa tríplice Unidade emanou o Cosmos por inteiro. Do Uno emanou, primeiro, o
número Dois, ou o Ar, o elemento criador; em seguida, o número Três, a Água, procedeu do
Ar; o Éter ou Fogo completa o Quatro místico, o Arba-il, Na doutrina oriental, o Fogo é o
primeiro Elemento - o Éter sintetiza todos, pois a todos contém.
O Vishnu Purâna dá os sete períodos completos, e mostra a Evolução progressiva da
"Alma-Espírito" e das sete Formas da Matéria, ou Princípios. É impossível enumerá-los
nesta obra. Recomendamos ao leitor que consulte com atenção um dos Purânas.
"R. Yehudah assim principiou - está escrito: 'Elohim disse: Que haja um firmamento no
meio das águas'. Vinde ver! Na época em que o Santo... criou o mundo, Ele [eles] criou 7
céus Em Cima. Criou 7 terras Em Baixo, 7 mares, 7 dias, 7 rios, 7 semanas, 7 anos, 7 épocas
150
e 7.000 anos durante Os quais o mundo existiu... o sétimo de todos (os milenários)... Assim,
há 7 terras Em Baixo; elas são todas habitadas, exceto aquelas que estão em Cima, e
aquelas que estão em Baixo. E entre cada terra se estende um céu (firmamento) que separa
uma da outra... E há nelas [as terras] criaturas que parecem diferentes umas das outras...
Mas, se objetais dizendo que todos os filhos deste mundo descendem de Adão, assim não
é... E as terras inferiores, de onde vêm? Pertencem à cadeia da terra, e aos Céus que estão
Em Cima.” (10)
Irineu também atesta (muito a seu pesar) que os gnósticos ensinavam o mesmo
sistema, velando mui cuidadosamente o verdadeiro significado esotérico. Esse "véu",
entretanto, é idêntico ao do Vishnu Purâna e de outras escrituras. Eis o que Irineu escreve a
respeito dos marcionistas:
"Sustentavam que os quatro elementos, fogo, água terra e ar, foram os primeiros a ser
criados, à imagem da Tétrada primária superior; e que, se adicionarmos as suas operações,
a saber, o calor, o frio, a umidade e a secura, teremos urna representação exata da
Ogdóada." (11)
Acontece que essa "representação" e a própria Ogdóada são véus, exatamente como
nas sete criações do Vishnu Purâna, às quais se acrescentam mais duas, sendo que a oitava,
chamada Anugraha, "possui ao mesmo tempo os atributos de bondade e obscuridade", o
que é mais uma ideia sankhiana que purânica. Pois lrineu diz também que:
"Eles [os gnósticos] tinham uma oitava criação semelhante, que era, a um tempo,
boa e má, divina e humana. Afirmavam que o homem foi formado no oitavo dia. Diziam
às vezes que o homem foi feito no sexto dia, e outras vezes que o fora no oitavo; a não
ser que quisessem significar que a parte terrestre foi formada no sexto dia, e a parte
carnal [?] no oitavo, estabelecendo uma distinção entre essas duas partes." (12)
A "distinção" existia, não, porém, no sentido a que se refere Irineu. Os gnósticos
tinham uma Hebdômada superior e uma inferior, no Céu; e uma terceira Hebdômada,
terrestre, no plano da matéria. Iaô, o Deus misterioso, Regente da Lua, conforme o
apresenta Orígenes em seu Quadro, era o chefe daqueles "Sete Céus" superiores (13), e,
portanto, idêntico ao chefe dos sete Pitris Lunares, nome que eles davam aos Dhyân-
Chohans lunares. "Afirmavam" - escreve o mesmo Irineu - "que esses sete céus são
inteligentes, e a eles aludiam como se fossem anjos"; e acrescenta que, por esse motivo,
chamavam Hebdomas a Iaô, enquanto que à mãe deste davam o nome de Ogdoas, porque,
segundo explica, "ela conservava o número da Ogdóada primogénita e primária do
Pleroma" (14).
Esta "Ogdóada Primogênita" era, na Teogonia, o Segundo Logos, o Manifestado, porque
havia nascido do Primeiro Logos Sétuplo; de modo que é a oitava neste plano manifestado;
e em Astrolatria era o Sol, Mârttânda, o oitavo filho de Aditi, que ela repudiou, conservando
os Sete Filhos, os planetas. Porque os antigos jamais consideraram o Sol como um planeta,
e sim como estrela central e fixa. Esta é, assim, a segunda Hebdômada nascida do Uno de
151
Sete Raios, Agni, o Sol e muitos outros; mas não os sete planetas, que são Irmãos de Surya,
e não seus Filhos. Entre os gnósticos, esses Deuses Astrais eram os filhos de Ildabaoth (15)
(de ilda, criança, e baoth, ovo), o Filho de Sophia Achamoth, a filha de Sophia ou Sabedoria,
cuja região é o Pleroma. Ildabaoth faz nascer de si mesmo esses Seis Espíritos Estrelares:
Jove (Iaô) (Jehová), Sabaoth, Adonai, (Adoneus), Elói (Eloæus), Osraios (Oreus), Astaphaios
(Astaphæus) (16), e são eles que constituem a Hebdômada segunda ou inferior. Quanto à
terceira, compõe-se dos sete homens primordiais, as sombras dos Deuses Lunares,
projetadas pela primeira Hebdômada.
Vê-se, portanto, que os gnósticos não se distanciavam muito da Doutrina Esotérica, mas
apenas a velavam. Em relação às censuras que lhes faz Irineu, o qual evidentemente
ignorava as verdadeiras doutrinas dos "Herejes" a respeito da criação do homem no sexto
dia, e de sua criação no oitavo dia, é assunto que concerne aos mistérios do homem
interno. Este ponto só se tornará inteligível para o leitor depois de haver lido os volumes III
e IV e compreendido bem a Antropogênese da Doutrina Esotérica.
Ildabaoth é uma cópia de Manu, do Manu que exclama com orgulho:
Ó tu, o melhor dos homens duas vezes nascidos! Fica sabendo que eu (Manu) sou o
criador de todo este mundo, eu, a quem aquele Virâj masculino... espontaneamente fez
nascer." (17)
Primeiro ele cria os dez senhores do Ser, os Prajâpatis, que, conforme nos diz o
versículo 36, "produzem sete outros Manus". Ildabaoth também se vangloria do mesmo
modo: "Eu sou Pai e Deus, e não há ninguém superior a mim". Por esse motivo, sua Mãe o
repreende e lhe diz com frieza: "Não mintas, Ildabaorh, porque o Pai de tudo, o Primeiro
Homem (Anthropos) é superior a ti, e por isso é Anthropos, o filho de Anthropos" (18). É
uma boa prova da existência de três Logos - além dos Sete nascidos do Primeiro -, um dos
quais é o Logos Solar. Quem, portanto, era esse Anthropos, tão superior a Ildabaoth? Só os
anais gnósticos podem resolver esse enigma. Em Pistis Sophia o nome Ieou, composto de
quatro vogais, é geralmente seguido pelo epíteto "o Homem Primordial, ou o Primeiro
Homem". Mostra isso também que a Gnose não era senão um eco de nossa Doutrina
Arcaica. Os nomes que correspondem a Parabrahman, a Brahma e a Manu, o primeiro
Homem pensador, são compostos de sons de uma, três ou sete vogais. Marcos, cuja
filosofia era certamente mais pitagórica que outra coisa, fala de uma revelação que lhe fora
feita acerca dos sete Céus, que emitiam, cada um, o som de uma vogal, ao pronunciar os
sete nomes das sete hierarquias Angélicas.
Depois que o Espírito impregnou até o mais ínfimo dos átomos dos Sete Princípios do
Cosmos, começa então a Segunda Criação, que sucede ao período de repouso já
mencionado acima.
"Os Criadores (Elohim) esboçam durante a segunda 'Hora' a forma do Homem", diz o
rabino Simeão no Nuchthemeron dos Hebreus. "Há doze horas no dia", reza a Mishna "e
durante elas se processa a criação". As "doze horas no dia" são também uma cópia
enfraquecida da Sabedoria primitiva, um eco tênue mas fiel. São com os 12.000 Anos
Divinos dos Deuses, um véu cíclico. Cada Dia de Brahma corresponde a 14 Manus, que os
152
cabalistas hebreus, seguindo, aliás, o exemplo dos caldeus, alteraram intencionalmente
para 12 "Horas" (19). O Nuchthemeron de Apolônio da Tiana é a mesma coisa. "O
Dodecaedro está oculto no Cubo perfeito", dizem os cabalistas. O sentido místico desta
frase é que as doze grandes transformações do Espírito na Matéria - os 12.000 Anos Divinos
- ocorrem durante as quatro grandes Idades, ou o primeiro Mahâyuga. Principiam com o
metafísico e o supra-humano, e acabam pela natureza física e a puramente humana do
Cosmos e do Homem. Se a Ciência Ocidental é incapaz de fazê-lo, em compensação a
Filosofia Oriental pode dar o número dos anos humanos que se sucedem na linha das
evoluções espirituais e físicas do visível e do invisível.
A Criação Primária é chamada a Criação da Luz (Espírito); e a Criação Secundária, a das
Trevas (Matéria) (20). Ambas podem ser vistas no Gênesis (21). A primeira é a emanação
dos Deuses (Elohim) nascidos por si mesmos; a segunda é a da natureza física.
Eis por que está escrito no Zohar:
Entretanto, o que é Luz em nosso plano são trevas nas esferas superiores.
"O homem e a mulher... do lado do PAI" (Espírito) se referem à Criação Primária; e do
lado da Mãe, à Criação Secundária. O Homem Dual é Adão Kadmon, o protótipo abstrato
masculino e feminino, e o Elohim diferenciado. O Homem procede do Dhyân-Chohan, e é
um "Anjo Caído", um Deus exilado, como se mostrará.
Na Índia, as Criações eram descritas do seguinte modo (22):
"O mais digno dos ascetas, por meio do seu poder (o poder daquela causa): toda causa
produzida surge por sua própria natureza."
E por outra parte:
"Pois que os poderes de todos os seres não são compreendidos senão por meio do
conhecimento de Aquilo (Brahma) que está além do raciocínio, da criação e de todas as
coisas semelhantes, tais poderes dizem respeito a Brahma."
AQUILO precede, portanto, a manifestação. "O primeiro foi Mahat", diz o Linga Purâna,
porque o Uno (Aquilo) não é primeiro nem último, mas o todo. Esotericamente, contudo, a
manifestação e a obra do "Uno Supremo" (ou antes, um efeito natural de uma Causa
Eterna); ou, como diz o Comentador, é possível que tenha havido a intenção de dizer que
Brahma foi então criado (?), porque era identificado com Mahar, a inteligência ativa, ou a
vontade em ação do Supremo. A Filosofia Esotérica o interpreta como "a Lei que atua".
É a compreensão exata dessa doutrina nos Brâhmanas e nos Purânas que constitui o
153
pomo de discórdia que separa as três seitas dos vedantinos: a Advaita, a Dvaita e a
Visishthâfvaita. A primeira argumenta logicamente que Parabrahman, não tendo, como
TODO absoluto, relação com o Mundo manifestado, pois o Infinito não tem relação com o
Finito, não pode querer nem criar; que, em consequência, Brahmâ, Mahat, Ishvara, ou seja
qual for o nome atribuído ao Poder Criador, aos Deuses Criadores e a todos os outros, não
passam simplesmente de um aspecto ilusório de Parabrahman na mente de quem os
concebe. As outras seitas, pelo contrário, identificam a Causa Impessoal com o Criador ou
Ishvara.
Mahat ou Mahâ-Buddhi é, no entanto, para os Vaishnavas, a Mente Divina em operação
ativa, ou, segundo a expressão de Anaxágoras, "uma Mente que ordena e organiza, e que
foi a causa de todas as coisas" - Nou~∫ o( diakosmwn te kai\ pa&ntwn a)i&tio∫.
Wilson reconheceu, ao primeiro relance, a sugestiva relação existente entre Mahat e a
Mât fenícia, ou Mut, que era fêmea para os egípcios, a Deusa Mut, a Mãe, "que, como
Mahat", diz ele, "foi o primeiro resultado da mescla (?) do Espírito com a Matéria, e o
primeiro rudimento da Criação". “Ex connexione autem ejus Spiritas prodidit Môt... Hinc...
seminium omnis creaturœ et Omnium rerum creatio", diz Brucker (23), dando ao caso uma
cor ainda mais materialista e antropomórfica.
Não obstante, na própria superfície dos antigos textos sânscritos que tratam da Criação
primordial, descobre-se, através de cada sentença exotérica, o sentido esotérico da
doutrina.
"A Alma Suprema, a Substância do Mundo ·que a tudo penetra (Sarvaga), tendo entrado
[ou tendo sido atraída] na Matéria [Prakriti] e no Espírito [Purusha], agitou os princípios
mutáveis e os imutáveis, porque era chegada a época da Criação [Manvantara]."
O Nous dos gregos, que é a Mente (espiritual ou divina), Mens ou Mahat, atua sobre a
Matéria do mesmo modo; ele "a penetra" e "a agita".
Spiritus intus alit, totamque infusa per artus, Mens agitat molem, et magno se corpore
miscet.
O tradutor do Vishnu Purâna o confirma, observando que "esses sábios. "vivem tanto
tempo quanto Brahmâ, e somente são criados por ele no Primeiro Kalpa, conquanto o seu
nascimento seja muitas vezes situado, erroneamente, no Kalpa Vârâha (Secundário) ou
Pâdma". Os Kumâras são, assim, esotericamente, "a criação de Rudra ou Nilalohita (uma
das formas de Shiva) por Brahmâ... e de certos outros filhos nascidos da mente de Brahmâ".
No ensinamento esotérico, porém, são os Progenitores do verdadeiro Eu espiritual no
homem físico, os Prajâpatis superiores, enquanto que os Pitris ou Prajâpatis inferiores não
são mais que os Pais do modelo, ou tipo de sua forma física, feito à "imagem deles". Quatro
(e às vezes cinco) são livremente mencionados nos textos esotéricos, sendo secretos três
dos Kumâras.
"Os quatro Kumâras (são) os Filhos nascidos da mente de Brahmâ. Há quem indique
sete" (44). Todos estes sete Vaidhâtras, nome patronímico dos Kumâras, os "Filhos do
Fazedor", são mencionados e descritos no Sânkhyâ Kârika de Ishvara Krishna e no
Comentário de Gaudapâchârya (Paraguru de Shankarâchârya) que lhe é anexo. Ali se
discute a natureza dos Kumâras, embora evitando mencionar por seus nomes todos os sete
Kumâras, chamando-os apenas "os sete filhos de Brahma" - o que efetivamente são, pois
foram criados por Brahma em Rudra. A lista de nomes que se faz constar é a seguinte:
Sanaka, Sanandana, Sanâtana, Kapila, Ribhu e Panchashikha (45). Mas todos estes são
também "máscaras".
Os quatro exotéricos são: Samatkumâra, Sananda, Sanaka e Sanâtana; e os três
esotéricos: Sana, Kapila e Sanatsujâta. Chamamos especialmente a atenção para esta classe
158
de Dhyân-Chohans, por ser aqui que se encontra o mistério da geração e da
hereditariedade, de que demos um resumo no comentário à Estância VII, ao tratar das
quatro Ordens de Seres Angélicos. Os volumes III e IV explicarão sua posição na Hierarquia
Divina. Vejamos, porém, o que dizem sobre eles os textos esotéricos.
Dizem muito pouco; e para quem não consegue ler nas entrelinhas, nada. "É necessário
recorrer a outros Purânas para que se tenha a explicação do termo", observa Wilson, que
nem por um instante suspeita encontrar-se em presença dos "Anjos das Trevas", o "grande
inimigo" mítico de sua Igreja. Limita-se, portanto, a "esclarecer" que "aquelas (Divindades),
negando-se a procriar (e rebelando-se deste modo contra Brahma), permaneceram, como
está implícito no nome da primeira delas (Sanatkumâra), sempre adolescentes, Kumâras,
isto é, puras e inocentes, o que levou a dar-se o nome de Kaumâra à sua Criação". Os
Purânas, contudo, podem trazer-nos mais um pouco de luz. "Permanecendo sempre tal
como nasceu, ele é por isso chamado adolescente, sendo seu nome conhecido como
Sanatkumâra" (46). Nos Shaiva Purânas os Kumâras são descritos sempre como Yogins. O
Kurma Purâna, depois de enumerá-los, diz: "Aqueles cinco, ó Brâmanes, que lograram
imunidade completa contra as paixões, eram Yogins". São cinco, porque dois dos Kumâras
sucumbem.
Tão pouco fiéis são algumas traduções dos orientalistas, que na tradução francesa do
Harivamsha se lê: "Os sete Prajâpatis, Rudra, Skanda (seu filho) e Sanatkumâra puseram-se
a criar seres". O original, porém, segundo mostra Wilson, reza: "Estes sete... criaram
progênie; e assim o fez Rudra; mas Skanda e Sanatkumâra, refreando o seu poder,
abstiveram-se (de criar)". "As quatro ordens de seres" são por vezes consideradas, como
referindo-se a Ambhâmsi, palavra que Wilson traduz por "Águas, literalmente", e acredita
que é um "termo místico". Sem dúvida que o é; vê-se, porém, que ele não pôde
compreender o verdadeiro sentido esotérico. As "Águas" e a "Água" são o símbolo do
Akâsha, "o Oceano Primordial do Espaço", sobre o qual Nârâyana, o Espírito nascido de si
mesmo, se move, apoiando-se no que é a sua progênie (47). "A Água é o corpo de Nâra, foi
assim que ouvimos explicar o nome da Água. Porque Brahma repousa sobre a Água, e é
chamado Nârâyana" 48. "O puro, Purusha, criou as Águas puras". A Água é, ao mesmo
tempo, o Terceiro Princípio do Cosmos material e o terceiro do reino do Espiritual: o
Espírito do Fogo, da Chama, do Akâsha, do Éter, da Água, do Ar, da Terra, são os princípios
cósmicos, siderais, psíquicos, espirituais e místicos, eminentemente ocultos, em cada plano
do ser. "Deuses, Demônios, Pitris e Homens" são as quatro ordens de seres a que se aplica
o termo Ambhâmsi, por serem todos o produto das Águas (misticamente), do Oceano
Akâshico e do Terceiro Princípio da Natureza. Nos Vedas é um sinônimo de Deuses. Os Pitris
e os Homens na Terra são as transformações ou renascimentos de Deuses e Demônios
(Spiritus) de um plano superior. A Água, em outro sentido, é o princípio feminino. Vênus
Afrodite é a personificação do mar e a Mãe do Deus do Amor, a Geradora de todos os
Deuses, do mesmo modo que a Virgem Maria dos cristãos é Mare, o Mar, a Mãe do Deus
ocidental do Amor, da Compaixão e da Caridade. Se o estudante da Filosofia Esotérica
refletir maduramente sobre este assunto, verá sem dúvida quão sugestivo é o termo
Ambhâmsi em suas múltiplas relações com a Virgem do Céu, com a Virgem Celestial dos
alquimistas e até com as "Águas da Graça" dos batistas modernos.
159
Entre todas as sete grandes divisões dos Dhyân-Chohans, não há nenhuma que se
relacione mais com a humanidade do que a dos Kumâras Mal-avisados são os teólogos
cristãos no rebaixarem-nos à categoria de Anjos Caídos, chamando-os hoje Satã e
Demônios; pois, entre esses moradores celestes que "se recusam a criar", ocupa um lugar
dos mais preeminentes o Arcanjo Miguel, o maior Santo e patrono das Igrejas orientais e
ocidentais, quer sob o seu nome de São Miguel, quer sob o de seu sósia terrestre, o São
Jorge que vence o Dragão (49).
Os Kumâras, os Filhos nascidos da Mente de Brahmâ-Rudra, ou Shiva, em linguagem
mística o terrível e implacável destruidor das paixões humanas e dos sentidos físicos, que
sempre entravam o desenvolvimento das percepções espirituais superiores e o crescimento
do homem interno e eterno, são a progênie de Shiva, o Mâhâyogi, o grande patrono de
todos os jogues e místicos da Índia.
Shiva-Rudra é o Destruidor, como Vishnu é o Conservador; ambos sãos os
Regeneradores, tanto da natureza espiritual como da natureza física. Para viver como
planta, deve morrer a semente. Para o homem viver como entidade consciente na
Eternidade, suas paixões e sentidos devem perecer antes do seu corpo. A sentença "viver é
morrer, e morrer é viver" tem sido muito mal compreendida no ocidente. Shiva, o
Destruidor, é o Criador e Salvador do Homem Espiritual, é o bom jardineiro da Natureza.
Procede à monda das plantas humanas e cósmicas, e mata as paixões do homem físico para
fazer com que vivam as percepções do homem espiritual.
Os Kumâras são, pois, os "ascetas virgens", que se negam a criar o ser material Homem.
É fácil imaginar como se relacionam diretamente com o Arcanjo cristão Miguel, o
"adversário virgem" do Dragão Apophis, do qual são vítimas todas as almas que se acham
muito debilmente unidas ao seu Espírito imortal; o Anjo que, como o indicam os gnósticos,
se recusou a criar, tal qual o fizeram os Kumâras. Porventura esse Anjo, protetor dos
judeus, não preside a Saturno (Shiva ou Rudra) e ao Sabbath, o dia de Saturno? Não o
descrevem como sendo da mesma essência que o seu Pai (Saturno), e não o chamam Filho
do Tempo, Cronos ou Kâla, uma das formas de Brahmâ (Vishnu e Shiva)? E o Velho Templo
dos Gregos, com sua foice e sua ampulheta, não é por acaso idêntico ao Ancião dos Dias
dos cabalistas, aquele "Ancião" que se identifica com o Ancião dos Dias hindu, Brahmâ, em
sua forma trina, que também tem o nome de Sanat, o Velho? Todos os Kumâras trazem o
prefixo de Sanat ou Sana (50). E Shanaishchara é Saturno, o planeta Shani, o Rei Saturno,
cujo Secretário no Egito era Thot-Hermes, o primeiro. São eles, portanto, identificados com
o Deus (Shiva) e com o planeta, os quais, por sua vez, são os protótipos de Saturno, que
outro não é senão Bell, Baal, Shiva e Jehovah Sabbaoth, o Anjo da Face, de quem Miguel é
l)kys, "aquele (que) é como Deus". Ele, Miguel, é o protetor e Anjo da Guarda dos judeus,
como nos diz Daniel (51); e, antes que os Kumâras fossem degradados, por aqueles que até
lhes ignoravam o nome, à categoria de Demônios e Anjos Caídos, os ofitas gregos, os
predecessores e precursores, com tendências ocultas, da Igreja Católica Romana, depois da
cisão e separação da Igreja grega primitiva, já haviam identificado Miguel com o seu
Ophiomorphos, o espírito rebelde e adversário. Isso não significa outra coisa senão o
aspecto inverso, simbolicamente, de Ophis, a Sabedoria Divina ou Christos. No Talmud,
Miguel é o "Príncipe da Água" e o Chefe dos Sete Espíritos, pela mesma razão que um de
160
seus numerosos protótipos, Sanatsujâta, o chefe dos Kumâras, é chamado Ambhâmsi, as
"Águas", segundo o comentário do Vishnu Purâna. Por que? Porque as Águas representam
outro nome do Grande Abismo, as Águas Primordiais do Espaço, ou o Caos, e também
significa a Mãe, Ambâ, que quer dizer Aditi e Akâsha, a Virgem-Mãe Celestial do Universo
visível. Aliás, as "Águas do Dilúvio" são ainda chamadas o "Grande Dragão" ou Ophis,
Ophiomorphos.
No volume III trataremos dos Rudras em seu caráter setenário de "Espíritos do Fogo",
no "Simbolismo" relacionado com as Estâncias. Ali também examinaremos a Cruz (3 + 4)
sob suas formas primitivas e ulteriores, e empregaremos, como meio de comparação, os
números pitagóricos juntamente com a metrologia hebraica. A imensa importância do
número sete será, desse modo, posta em evidência, como número fundamental da
Natureza. Considerá-lo-emos do ponto de vista dos Vedas e das Escrituras caldeias; tal
como existiu no Egito milhares de anos antes de Jesus Cristo, e segundo se acha
interpretado nos anais gnósticos; mostraremos que sua importância como número
fundamental foi reconhecida pela ciência física; e nos esforçaremos em provar que a
importância atribuída ao número sete durante toda a antiguidade não se devia à
imaginação fantasiosa de sacerdotes incultos, mas a um profundo conhecimento da Lei
Natural.
(1). Ou literalmente: "Um Espírito Prâdhânika Brahman: O que era". O "Espírito Prâdhânika
Brahmâ" é Mulaprakriti e Parabrahman.
(2). Wilson, Wishnu Purâna, I, 73-75.
(3). Orígenes, Contra Celsum, VI, Cap. XXII
(4). Timœus.
(5). "E a quarta criação é aqui a primária, pois as coisas imóveis são, antes de tudo,
conhecidas como primárias" - segundo a tradução de um comentário por Fitzedward Hall
ao editar a versão de Wilson.
(6). Como é possível que as "divindades" tenham sido criadas depois dos animais? A
significação esotérica da expressão "animais" é: os germes de toda vida animal, inclusive o
homem. O homem é chamado um animal sacrificial, isto é, o único da criação animal que
oferece sacrifícios aos Deuses. Muitas vezes também, quando se fala nos textos sagrados
de "animais sagrados", quer-se fazer alusão aos doze signos do Zodíaco, como já tivemos
oportunidade de mencionar.
(7). Wilson, Vishnu Purûna, pp. 74-75.
(8). Veja-se The Ordinances of Manu, I, v. 74, p. 10.
(9). Op. cit., I, IX.
(10). Qabbalah, de Myer, pp. 415-16.
(11). Contra Hœer, I, XVII, 1. The Writings of Irinœus, 1, p. 73.
(12). Ibid., I, XXX.
(13). Superiores tão só aos Espíritos ou "Céus" da Terra.
(14). Ibid., I, V, 2.
(15). Veja-se Ísis sem Véu, II, p. 183.
161
(16). Veja-se também: Gnostics and their Remains, de King, p. 97. Outras seitas
consideravam Jeová como o próprio Ildabaoth. King o identifica com Saturno.
(17). Ordinances of Manu, I, 33.
(18). Irenœus, op, cit., I, XXX, 6.
(19). Em outra passagem, contudo, a identidade se revela. Veja-se mais acima a citação de
lbn Gabirol a respeito dos 7 céus, 7 terras, etc.
(20). Não confundir com as "TREVAS" pré-cósmicas, o TODO Divino.
(21). Cap. I, 2; e também no começo do Cap. II.
(22). As transcrições que se seguem, com referência às sete Criações, foram todas extraídas
do Vishnu Purâna, Wilson, voI. I, Cap. I-V, salvo outras indicações.
(23). I, 240.
(24). Brucker, ibid.
(25). Comparem-se, no Gênesis, XIX, 34-8, e IV.
(26). Vishnu é, ao mesmo tempo, Bhûtesha, "Senhor dos Elementos" e de todas as coisas, e
Vishvarûpa, "Substância Universal" ou Alma.
(27). I-am-ness.
(28). Vishnu Purâna, Wilson, vol. I, p. 33.
(29). Compare-se, quanto a seus "tipos posteriores", com o Tratado escrito no século XVI
por Tritêmio, mestre de Agripa, "concernente às Sete Inteligências Secundárias ou
Espirituais que, depois de Deus, animam o Universo"; Tratado que, além dos ciclos secretos
e de várias profecias, explica certos fatos e certas crenças a respeito dos Gênios, ou Elohim,
que presidem e dirigem os períodos setenários do Curso do Mundo.
(30). Desde o primeiro momento, viram-se os orientalistas sobremodo embaraçados para
estabelecer uma ordem nas "Criações Purânicas". Wilson confunde frequentemente
Brahman com Brahmâ, o que mereceu reparo de seus sucessores. Os Textos originais
sânscritos são preferidos por Fitzedward Hall, na tradução do Vishnu Purâna, aos textos de
que se utilizou Wilson. "Se o Professor Wilson houvesse usufruído das vantagens que hoje
se acham ao alcance do estudante da filosofia hindu, sem dúvida que se teria expressado
de maneira diferente" - diz o editor de sua obra. Isso faz lembrar a resposta dada por um
dos admiradores de Thomas Taylor aos eruditos que criticaram suas traduções de Platão:
"Taylor pode não ter sabido grego tanto quanto os seus críticos, mas conhecia Platão
melhor do que eles". Os nossos orientalistas atuais desfiguram o sentido místico dos textos
sânscritos muito mais do que o fez Wilson, embora este último certamente fosse
responsável por erros bem grosseiros.
(31). Op. cit., p. 74.
(32). P. 75.
(33). Vâyu Purâna. (Veja-se Wilson. Vishnu Purâna, vol. I, p. 77.)
(34). Collected Works, vol. III, p. 381.
(35). Charâshara compõe-se de chara, móvel, e achara, imóvel.
(36). Vol. I, p. 74.
(37). O Professor Wilson traduz como se os animais fossem mais elevados na escala da
"criação" que as divindades ou os anjos, embora a verdade no tocante aos Devas seja
revelada mais adiante. Esta "Criação" - diz o texto - é ao mesmo tempo Primária (Prâkrita) e
162
Secundária (Vaikrita). É Secundária no que respeita à origem dos Deuses nascidos de
Brahma, o criador pessoal antropomórfico de nosso Universo material; e Primária em relação
a Rudra, que é o produto imediato do Primeiro Princípio. O termo Rudra não é apenas um
título de Shiva, mas compreende também os agentes da criação, os anjos e os homens,
como mais adiante veremos.
(38). Nem planta nem animal, mas uma existência que participa dos dois.
(39). Five Years of Theosophy, p. 276, art. "Mônada Mineral".
(40). "Estas noções", observa o Professor Wilson, "sobre o nascimento de Rudra e dos
santos, parecem ter sido importadas dos Shaivas, e ineptamente enxertadas no sistema
Vaishnava", Antes de aventurar semelhante hipótese, teria sido conveniente consultar o
significado esotérico.
(41). Veja-se Sânkhya Kârikâ, vol. 46, p. 146.
(42). Parâshara, o Rishi védico, que recebeu o Vishnu Purâna de Pulastya, e o ensinou a
Maitreya, é situado pelos orientalistas em diversas épocas. Observa judiciosamente o Hindu
Classical Dictionary que: "As especulações a respeito da Era em que ele viveu divergem
muito, de 675 anos antes de Cristo a 1391 anos antes de Cristo, e não podem merecer
confiança". Perfeitamente; mas essas datas não são menos dignas de fé que qualquer das
outras indicadas pelos sancritistas, tão famosos pela sua imaginação fantasiosa e arbitrária.
(43). Podem, sem dúvida, assinalar uma "criação" "especial" ou extra, pois são eles que,
encarnando-se nos invólucros não-conscientes das duas primeiras Raças-Raízes e em uma
grande parte da Terceira Raça-Raiz, criam, por assim dizer, uma nova raça: a dos homens
pensadores, divinos, conscientes de si mesmos.
(44). Hindu Classical Dictionary:
(45). A lista atual é: Sanaka, Sanandana, Sabâtana, Âsuri, Kapila, Borhu e Panchashika. Veja-
se o Comentário de Gaudapâda no vol. I.
(46). Linga Purâna, Seção Anterior, LXX, 174.
(47). Veja-se Manu, I, 10.
(48). Vejam-se os Linga, Vâyu e Mârkandeya Purânas. Wilson, vol. I, pp. 56-57.
(49). Veja-se o Vol. III, Parte I, Estância IX, Comentários.
(50). Sanat, um epíteto de Brahmâ.
(51). Veja-se Cap. XII, 1.
163
SEÇÃO XIV
OS QUATRO ELEMENTOS
Metafísica e esotericamente não existe senão Um Elemento na Natureza; e em sua raiz
está a Divindade. Os chamados sete Elementos, dos quais cinco já se manifestaram e
afirmaram sua existência, não passam de vestimenta, de véu da Divindade, de cuja essência
o homem provém diretamente, quer seja considerado do ponto de vista físico, psíquico,
mental ou espiritual. Em tempos não muito remotos, só se aludia geralmente a quatro
Elementos, enquanto que em filosofia só se admitem cinco. O corpo do Éter não se acha
ainda inteiramente manifestado, e seu número é ainda o "Pai Æther Onipotente", a síntese
dos outros. Mas, que são esses Elementos, cujos corpos compostos contêm, segundo a
descoberta da Física e da Química, inúmeros subelementos, que já se não podem limitar
aos sessenta ou setenta que se haviam calculado? (1). Acompanhemos sua evolução, pelo
menos desde os seus primórdios históricos.
Os quatro Elementos foram plenamente caracterizados por Platão ao dizer que eram
"aquilo que compõe e decompõe os corpos compostos". A Cosmolatria, portanto, mesmo
em seu pior aspecto, nunca foi o fetichismo que adora a forma passiva externa de qualquer
objeto e o seu conteúdo material: mas sempre contemplava o Número neles existente.
Fogo, Ar, Água e Terra eram somente o revestimento visível, os símbolos das Almas ou
Espíritos invisíveis que a tudo animavam; os Deuses Cósmicos, aos quais o homem
ignorante prestava culto e o sábio um simples mas respeitoso reconhecimento. As
subdivisões fenomenais dos Elementos numênicos eram, por seu turno, animadas pelos
chamados Elementais, os "Espíritos da Natureza" de grau inferior.
Na Teogonia de Môchus, vemos primeiro o Éter, e depois o Ar - os dois princípios dos
quais nasce Ulom, o Deus Inteligível (nohto\∫), o Universo visível da Matéria (2).
Nos hinos órficos, o Eros-Phanes se desenvolve do Ovo Espiritual, que os Ventos
Etéreos impregnam, sendo o Vento o "Espírito de Deus" que se admite mover-se no Æther,
"incumbando o Caos", a Ideia Divina. No Katha Upanishad hindu, Purusha, o Espírito Divino,
já se encontra ante a Matéria Original, e da união dos dois surge a Grande Alma do Mundo,
"Mâhâ-Atmâ, Brahman, o Espírito de Vida" (3); denominações estas que são também
idênticas à da Alma Universal ou Anima Mundi, constituindo a Luz Astral dos Teurgistas e
dos Cabalistas sua última e inferior divisão.
Os Elementos (stoixeia) de Platão e Aristóteles eram, pois, os princípios incorpóreos
associados às quatro grandes divisões do nosso Mundo Cósmico; e tem razão Creuzer
quando define essas crenças primitivas como "uma espécie de magismo, um paganismo
psíquico e uma deificação de poderes; uma espiritualização que punha os crentes em
estreita comunicação com esses poderes" (4). Tão estreita, realmente, que as Hierarquias
desses Poderes ou Forças foram classificadas em uma escala graduada de sete, desde o
ponderável ao imponderável. São setenários, não como um meio artificial de facilitar a sua
compreensão, mas por sua verdadeira gradação cósmica, desde a composição química ou
física até a composição espiritual. Deuses para as massas ignorantes; Deuses
independentes e supremos; Demônios para os fanáticos, que, por intelectuais que sejam,
164
são incapazes de compreender o espírito da sentença filosófica in pluribus unum. Para os
filósofos herméticos, são Forças relativamente "cegas" ou "inteligentes", conforme se trate
de um ou outro de seus princípios. Transcorridos milhares de anos, vemo-las reduzidas, em
nosso culto século, à condição de simples elementos químicos.
Mas, seja como for, deveriam os bons cristão, e especialmente os protestantes
bíblicos, tributar maior veneração aos Quatro Elementos, se é que desejam conservar
alguma por Moisés. Porque a Bíblia dá testemunho, em cada página do Pentateuco, da
consideração que a eles votava o Legislador Hebreu, e do significado místico que lhes
atribuía. A tenda que continha o Sanctum Sanctorum era um Símbolo Cósmico, consagrado,
em uma de suas significações, aos Elementos, aos quatro pontos cardiais e ao Éter.
Segundo a descrição de Josefo, era de cor branca, a cor do Éter. E isso também explica por
que, nos templos egípcios e hebreus, conforme nos diz Clemente de Alexandria (5), uma
cortina gigantesca, sustentada por cinco pilares, separava o Sanctum Sanctorum (hoje
representado pelo altar nas igrejas cristãs), onde só aos sacerdotes era permitido penetrar,
da parte a que tinham acesso os profanos. Com suas quatro cores, a cortina simbolizava os
quatro Elementos principais, e com os cinco pilares significava o conhecimento do que é
divino, ao alcance do homem por meio dos cinco sentidos com a ajuda dos quatro
Elementos.
Em Ancient Fragments de Cory, um dos "Oráculos caldeus" exprime ideias acerca dos
Elementos e do Éter, numa linguagem que se assemelha de modo estranho à do livro The
Unseen Universe, escrito por dois eminentes sábios de nossa época. Afirma ele que todas as
coisas provém do Éter, e ao Éter voltarão; que as imagens de todas as coisas ali se acham
impressas de maneira indelével; e que o Éter é o depósito dos germes ou dos restos de
todas as formas visíveis, e até de todas as ideias. Parece que temos aqui uma
surpreendente confirmação daquela nossa afirmativa de que, sejam quais forem as
descobertas que se possam fazer em nossos dias, acabaremos verificando que elas já foram
feitas há milhares de anos pelos nossos "simplórios antepassados" (6).
De onde vieram os Quatro Elementos e os Malachim dos hebreus? Foram eles
fundidos em Jeová graças a um passe de mágica teológico dos rabinos e dos Padres da
Igreja; mas a sua origem é precisamente a mesma que a dos Deuses Cósmicos de todas as
nações. Os símbolos que os representam, tenham nascidos nas margens do Oxus, nas areias
ardentes do Alto Egito, nas misteriosas e selvagens florestas glaciais que cobrem as faldas e
os cumes nevados das montanhas sagradas da Tessália, ou ainda nos pampas da América,
esses símbolos, repetimos, quando remontamos à sua origem, são sempre os mesmos.
Fosse egípcio ou pelásgico, ariano ou semítico, o Gênius Loci, o Deus local, abrangia em sua
unidade toda a Natureza; não se restringia aos Quatro Elementos e tampouco a qualquer
uma de suas criações, como as árvores, os rios, as montanhas ou as estrelas. O Gênius Loci,
fruto de uma ideia que surgiu mais tarde nas últimas sub-raças da Quinta Raça-Raiz, quando
o significado primitivo e grandioso se perdera quase por completo, representava sempre,
sob os diversos títulos que acumulou, todos os seus colegas. Era o Deus do Fogo,
simbolizado pelo raio, como Júpiter ou Agni; o Deus da Água, simbolizado pelo touro fluvial,
por um rio ou fonte sagrada, como Varuna, Netuno, etc., o Deus do Ar, que se manifesta no
furacão e na tempestade, como Vayu e Indra; e o Deus ou Espírito da Terra, que aparece
165
nos terremotos, como Plutão, Yama; e tantos outros.
Tais eram os Deuses Cósmicos, que se fundiam todos em um só, como se observa em
todas as mitologias ou cosmogonias. Assim, os gregos tinham o seu Júpiter de Dodona, que
incluía em si mesmo os Quatro Elementos e os quatro pontos cardiais, sendo, por esse
motivo, reconhecido na Roma antiga sob o título panteístico de Júpiter Mundos; agora, na
Roma moderna, ele se converteu em Deus Mundus, o único Deus do Mundo, que a teologia
recente, por decisão arbitrária de seus ministros especiais, faz absorver todos os demais
Deuses.
Como Deuses do Fogo, do Ar e da Água, eram Deuses Celestes; como Deuses da Região
Inferior, eram Divindades Infernais, mas este último adjetivo aplicava-se exclusivamente à
Terra. Estes eram os "Espíritos da Terra", com os nomes respectivos de Yama, Plutão, Osíris,
o "Senhor do Reino Inferior", etc., e o seu caráter telúrico o demonstra suficientemente. Os
antigos não tinham conhecimento de nenhum lugar que, depois da morte, fosse pior que o
Kama Loka, o Limbo da Terra (7).
Se se objetar que o Júpiter de Dodona era identificado com Dis, ou o Plutão romano
com o Dionisio Ctônio, o Subterrâneo, e com Aidoneus, o Rei do Mundo Subterrâneo, onde,
segundo Creuzer (8), eram proferidos os oráculos, então os ocultistas terão a satisfação de
provar que tanto Aidoneus como Dioniso são as bases de Adonai, ou Iurbo-Adonai, como é
chamado Jeová no Codex Nazarœus. "Não adorarás o Sol, que se chama Adonai e que
também tem os nomes de Kadush e EIEI" (9), e ainda o de "Senhor Baco". O Baal-Adonis
dos Sods, ou Mistérios dos judeus pré-babilônicos, transformou-se em Adonai pela
Massorah, e depois em Jeová com vogais. Têm razão, pois os católicos romanos. Todos
esses Júpiteres pertencem à mesma família; mas nela é preciso incluir Jeová para torná-la
completa. O Júpiter Aerius ou Pan, o Júpiter-Amon e o Júpiter-Bel-Moloch são todos
correlações de Iurbo-Adonai, porque possuem todos a mesma natureza cósmica. É essa
Natureza e esse Poder que criam o símbolo específico terrestre, cuja estrutura física e
material demonstra que a Energia se manifesta por seu intermédio como extrínseca.
Porque a religião primitiva era algo mais e melhor que uma simples preocupação
quanto aos fenômenos físicos, como observou Schelling; e princípios mais elevados que os
conhecidos por nós, saduceus modernos, "estavam ocultos sob o transparente véu de
divindades puramente naturais, como o raio, o vento e a chuva". Os antigos conheciam e
podiam distinguir os Elementos corpóreos dos espirituais, nas Forças da Natureza.
O Júpiter quádruplo, da mesma forma que o Brahma de quatro faces, o Deus aéreo, o
fulgurante, o terrestre e o marinho, o dono e senhor dos Quatro Elementos, pode
considerar-se como representante dos grandes Deuses Cósmicos de todas as nações.
Embora delegando o poder sobre o fogo a Hefesto-Vulcano, sobre o mar a Posseidon-
Netuno, e sobre a Terra a Plutão-Aidoneus, o Júpiter Aéreo a todos englobava, porque o
Æther tinha, desde o começo, predomínio sobre todos os Elementos, dos quais era a
síntese.
A tradição fala de uma gruta, vasto subterrâneo nos desertos da Ásia Central, em que
a luz penetra por quatro aberturas ou fendas, que parecem naturais e cruzam os quatro
pontos cardiais. Desde o meio-dia até uma hora antes do pôr do sol, a luz passa por elas,
em quatro cores diferentes, que, segundo se diz, são o vermelho, o azul, o laranja-dourado
166
e o branco, por efeito de condições, naturais ou artificiais, da vegetação e do solo. A luz
converge no centro, ao redor de uma coluna de mármore branco, que suporta um globo
representante a Terra. Chamam-se a "Gruta de Zaratustra".
A Quarta Raça, a dos Atlantes, incluía entre as suas artes e ciências a manifestação
fenomenal dos Quatro Elementos, que assumia assim um caráter científico, sendo com
razão atribuída à intervenção inteligente dos Deuses Cósmicos. A Magia dos antigos
sacerdotes consistia, naqueles tempos, em invocar os Deuses na própria linguagem destes.
A linguagem dos homens da Terra não pode alcançar os Senhores. A cada um destes é
preciso falar na linguagem de seu respectivo Elemento.
Assim diz o Livro das Leis, em uma sentença que, como se verá, encerra um sentido
profundo; e acrescenta a seguinte explicação quanto à natureza da linguagem dos
elementos:
Ela se compõe de SONS, não de palavras, de sons, números e formas. Aquele que
souber combinar os três atrairá a resposta do Poder dirigente [o Deus-Regente do Elemento
específico a que se recorre].
Essa "linguagem" é, portanto, a dos encantamentos ou dos mantras, como se chama
na Índia, sendo o som o agente mágico mais poderoso e eficaz, e a primeira das chaves que
abrem as portas de comunicação entre os Mortais e os Imortais. Quem crê nas palavras e
nos ensinamentos de São Paulo não tem o direito de escolher aí unicamente as sentenças
que lhe apraz aceitar, excluindo as demais; e São Paulo ensina, incontestavelmente, a
existência de Deuses Cósmicos e a presença deles entre nós. O Paganismo pregava uma
evolução dupla e simultânea, uma "criação" spiritualem ac mundanum , no dizer da Igreja
Romana, muitos séculos antes do advento desta mesma Igreja. A fraseologia exotérica
introduziu poucas modificações no que concerne às Hierarquias Divinas, desde os dias mais
gloriosos do Paganismo, ou da "Idolatria". Só mudaram os nomes, unidos a pretensões que
hoje se converteram em falsos pretextos. Pois, quando Platão põe na boca do Princípio
Superior (o Pai Æther ou Júpiter) as palavras: "Os Deuses dos Deuses, dos quais eu sou o
criador, assim como sou o pai de todas as suas obras", dava ao espírito da frase um sentido
tão completo quanto São Paulo ao dizer: "Porque, ainda que haja também alguns que se
chamem Deuses, quer no Céu, quer na Terra, como há muitos Deuses e muitos Senhores...”
(10) Ambos conheciam o sentido e o significado do que manifestavam em termos tão
comedidos.
Os protestantes não nos podem invectivar por havermos assim interpretado o
versículo dos Coríntios, porque, se a tradução inglesa da Bíblia é ambígua, o mesmo não
sucede nos textos originais, e a Igreja Católica Romana aceita as palavras do Apóstolo em
seu verdadeiro sentido. Veja-se, como prova, o que diz São Dionísio Areopagita, que foi
"diretamente inspirado pelo Apóstolo" é "escreveu sob o seu ditado", segundo afirma o
Marquês de Mirville, cujas obras estão aprovadas por Roma e que, comentando aquele
versículo especial, declara: "E ainda que haja (efetivamente) os chamados Deuses, porque
parece que realmente há vários Deuses, ainda assim, e apesar de tudo, o Deus Princípio ou
Deus Superior não deixa de ser essencialmente uno e indivisível" (11). Assim falaram
também os amigos Iniciados, sabendo que o culto dos Deuses menores jamais poderia
prejudicar o "Deus Princípio" (12).
167
Sir W. Grove, F. R. S., referindo-se à correlação das forças, escreve:
O eminente cientista, no prefácio da sexta edição de sua obra, entende que só estes
fenômenos devem interessar à Ciência exata, que não tem por que se ocupar das causas.
"Causa e efeito são, por conseguinte, em sua relação abstrata com essas forças,
simples palavras convencionais. Desconhecemos totalmente o poder gerador último de
cada uma delas, e é provável que seja sempre assim. Não podemos senão verificar a norma
de suas ações. Cabe-nos, humildemente, atribuir sua origem a uma influência onipresente,
e contentar-nos com estudar-lhes os efeitos e observar, através de experiências, suas
relações mútuas." (14)
Uma vez aceita essa atitude, e admitido virtualmente o sistema tal como descrito nas
palavras que acabamos de transcrever, e principalmente a espiritualidade do "poder
gerador último", seria mais do que ilógico deixar de reconhecer esta qualidade (que é
inerente aos elementos materiais ou melhor, aos seus compostos) como presente no fogo,
no ar, na água ou na terra. Tão bem conheciam os Antigos esses poderes que, ocultando
sua verdadeira natureza sob alegorias diversas, em benefício ou detrimento das massas
ignorantes, jamais se afastavam do objetivo múltiplo que tinham em mente quando os
confundiam intencionalmente. Resolveram lançar um espesso véu sobre o núcleo da
verdade oculto pelo símbolo; mas procuraram sempre conservar este símbolo como um
sinal para as futuras gerações com suficiente transparência para permitir aos seus sábios
discernirem a verdade por trás da aparência fabulosa do mito ou da alegoria. Esses sábios
da antiguidade são acusados de superstição e credulidade; e isto pelas mesmas nações que,
embora instruídas em todas as artes e ciências modernas cultas e sábias em sua geração,
aceitam ainda em nossos dias, como seu único Deus, vivo e infinito, o antropomórfico
"Jeová" dos judeus!
Mas vejamos em que consistiam algumas dessas supostas "superstições"
Hesíodo, por exemplo, acreditava que "os ventos eram filhos do Gigante Tifeu", e que
Éolo os prendia e desencadeava à vontade; e gregos politeístas pensavam como Hesíodo. E
por que não se os judeus monoteístas alimentavam as mesmas crenças, com outros nomes
para suas dramatis personœ, e se os cristãos ainda hoje o fazem? O Éolo, o Bóreas, etc., de
Hesíodo, eram chamados Kedem, Tzephum, Derum e Ruach Hayum, pelo "povo eleito" de
Israel. Qual é, portanto, a diferença fundamental? Enquanto era ensinado aos helenos que
168
Éolo atava e desatava os ventos, também os judeus criam piamente que o seu Senhor Deus,
"soprando fumo pelas narinas, e fogo pela boca... montava sobre um querubim e voava, e
era visto sobre as asas do vento" (15). As expressões usadas pelos dois povos são ou
figuras de retórica ou superstições. Acreditamos que não sejam nem uma coisa nem outra,
mas que brotaram de um sentimento profundo de unidade com a Natureza, e de uma
percepção do que há de misterioso e inteligente por trás de todo fenômeno natural,
percepção que os modernos já não possuem.
Nada havia também de "superstição" por parte dos gregos pagãos no escutarem o
oráculo de Delfos, quando este, ao aproximar-se a esquadra de Xerxes, lhes aconselhou que
"sacrificassem aos ventos" - se ato idêntico deve ser considerado como culto divino em se
tratando dos israelitas, que com tanta frequência sacrificavam ao vento, e mais ainda ao
fogo. Não dizem eles que o seu Deus "é um fogo abrasador" (16), e que geralmente
aparece sob o aspecto de fogo e "rodeado de fogo"? E não procurou Elias aos "Senhor" na
"fúria do vento e no tremor de terra"? E os cristãos, posteriormente, não repetem a mesma
coisa? Não sacrificam, ainda hoje, ao mesmo "Deus do Vento e da Água"? Sim; porque
atualmente existem orações especiais para a chuva, o tempo seco, os ventos propícios e o
apaziguamento das tempestades no mar, nos devocionários das três igrejas cristãs; e as
centenas de seitas da religião protestante oferecem tais orações ao seu Deus sempre que
surge ameaça de calamidade. O não serem elas atendidas por Jeová mais do que o eram
provavelmente por Júpiter Pluvius em nada altera o fato de que essas orações se dirigem ao
Poder ou aos Poderes que se supõe governarem os Elementos, nem o fato de que esses
Poderes são idênticos no paganismo e no cristianismo. Ou devemos crer que semelhantes
orações são uma idolatria grosseira e uma "superstição" absurda somente quando as dirige
um pagão ao seu "ídolo", superstição que se transforma repentinamente em ato de
"louvável piedade" e de "religião" quando muda o nome do destinatário celeste? Mas a
árvore se conhece por seu fruto; e, não sendo melhor o fruto da árvore cristã que o da
árvore do paganismo, por que haveria o primeiro de inspirar maior respeito que o último?
Assim, quando o cavaleiro Drach, um judeu convertido, e o Marquês de Mirvílle, um
fanático da Igreja Católica Romana, pertencente à aristocracia francesa, nos dizem que em
hebreu "relâmpago" é sinônimo de "ira", e que é sempre manejado pelo Espírito "maligno";
que Júpiter Fulgur ou Fulgurante é também chamado Elício pelos cristãos, e declarado "a
alma do relâmpago", o seu Demônio (17); é-nos lícito estender a mesma explicação e as
mesmas definições ao "Senhor Deus de Israel", em idênticas circunstâncias; ou devemos
renunciar ao direito de atacar os Deuses e as crenças dos outros povos.
Como as afirmações ora citadas partem de dois ardorosos e ilustres católicos romanos,
são, pelo menos, "perigosas", em face da Bíblia e de seus profetas. Com efeito, se Júpiter, o
"demônio-chefe dos gregos pagãos", lançava seus raios e relâmpagos mortíferos sobre os
que lhe provocavam a cólera, assim também fazia o Senhor Deus de Abraão e Jacob; pois
nós lemos que:
"Trovejou nos céus o Senhor; e o Altíssimo fez soar a sua voz. E disparou flechas
[raios], e os dispersou [aos exércitos de Saul]; e, relampagueando, os derrotou." (18)
169
Increpam aos atenientes o terem feito sacrifício a Bóreas; e este "Demônio" é acusado
de haver submergido e destruído 400 navios da frota persa nos rochedos do Monte Pelion,
e desencadeado uma fúria tal que todos os magos da Pérsia dificilmente puderam contê-lo,
oferecendo contra-sacrifícios a Tetis (19). Felizmente, não há exemplo nenhum, autêntico,
nos anais das guerras cristãs, de catástrofe semelhante que sucedesse a uma esquadra
cristã em virtude de "orações" de outra nação cristã inimiga. Não porque houvesse falta de
zelo, pois cada qual reza tão fervorosamente a Jeová, rogando-lhe a destruição da outra,
quanto o faziam os atenienses a Bóreas. Uns e outros recorriam, con amare, a um simples e
edificante ato de magia negra.
E como não se pode atribuir tal ausência da intervenção divina à falta de orações,
dirigidas a um Deus comum, Todo-Poderoso, para a destruição mútua, onde, pois, traçar a
linha divisória entre pagão e cristão? E quem pode duvidar de que a protestante Inglaterra
se regozijaria em massa, e renderia graças ao Senhor, se durante alguma guerra futura 400
navios da frota inimiga viessem a naufragar por mercê de santas orações daquele gênero?
Qual é, pois, perguntamos mais uma vez, a diferença entre um Júpiter, um Bóreas e um
Jeová? Nenhuma, a não ser esta: o crime de um parente próximo, o de nosso pai, por
exemplo, sempre encontra justificativa, e às vezes é até louvado, ao passo que o crime
cometido pelo parente de vosso vizinho costuma ser punido com satisfação, inclusive com a
força. E no entanto o crime é o mesmo.
A esse 'respeito, os "benefícios do Cristianismo" não parecem haver conseguido um
progresso apreciável sobre a moral dos pagãos convertidos.
Não se veja no que acabamos de escrever nem um panegírico dos Deuses pagãos nem
um ataque ao Deus cristão; nem tampouco fé ou crença em qualquer deles. A autora é de
todo imparcial, e rejeita o testemunho em favor de uns ou de outro, porque não faz
orações a nenhum Deus "pessoal" e antropomórfico daquela espécie, não crê em nenhum
deles, nem os teme. Traça simplesmente o paralelo como uma curiosa mostra do cego e
ilógico fanatismo do teólogo civilizado. Porque, até agora, não se observa grande diferença
entre as duas crenças; e não há nenhuma em seus respectivos efeitos sobre a moralidade,
ou sobre a natureza espiritual. A "luz de Cristo" resplandece hoje sobre os mesmos
repugnantes aspectos do homem animal, como o fazia na antiguidade a "luz de Lúcifer". Diz
o missionário Lavoisier no Journal des Colonies:
Como respostas, podemos citar uma passagem de Lucas: "E ele (Jesus), levantando-se,
repreendeu o vento e a fúria da água, que logo cessaram, e fez-se bonança" (20). E eis aqui
outra passagem de um Livro de Orações: "Oh! Virgem do Mar, bendita Mãe e Rainha das
Águas, acalma as tuas ondas!" Esta oração dos marujos napolitanos e provençais é cópia
textual da que os marinheiros fenícios dirigiam à sua Deusa-Virgem Astartéia.
A conclusão lógica e inevitável, que decorre do paralelo que apresentamos e do que
170
revela o missionário, é que, se não são "ineficazes" as ordens dos brâmanes aos seus
Deuses-Elementos, o poder dos brâmanes fica deste modo situado no mesmo nível do de
Jesus. Demais, o·poder de Astartéia em nada cedia ao da "Virgem do Mar" dos marinheiros
cristãos. Não basta dizer que um cão está danado, e enforcá-lo depois; é preciso comprovar
que o está realmente. Pode ser que Bóreas e Astartéia sejam "Diabos" na imaginação
teológica; mas, como acabamos de observar, é pelo fruto que se deve julgar a árvore. E, a
partir do momento em que se demonstra não serem os cristãos menos imorais e perversos
que os pagãos, que benefício houve para a Humanidade em trocar de Deuses e de ídolos?
Aquilo que Deus e os Santos cristãos têm justificadamente o direito de fazer, passa a
ser um crime em se tratando de simples mortais, se estes também o conseguem. A
feitiçaria e os encantamentos são hoje havidos como fábulas; no entanto, desde as
Institutas de justiniano até as leis da Inglaterra e da América contra a feitiçaria - leis que
caíram em desuso, mas que até o presente não foram revogadas - tais práticas, ainda
quando não houvesse senão meras suspeitas de sua existência, eram punidas como crimes.
Por que punir uma quimera? Lemos, não obstante, que o Imperador Constantino condenou
à morte o filósofo Sapatro porque este "desencadeara os ventos", impedindo assim que
navios carregados de trigo chegassem a tempo para acabar com a fome. Pausânias é objeto
de mofa quando afirma ter visto com seus próprio olhos "homens que, por meio de simples
orações e encantamentos", detiveram uma violenta tempestade de granizo. Mas isso não
impede os modernos escritores cristãos de recomendarem a oração nos momentos de
tempestade e de perigo, acreditando em sua eficácia. Hoppo e Stadlein, dois mágicos e
feiticeiros, foram sentenciados à morte, faz apenas um século, por "haverem posto
sortilégio em frutas" e transportado, por artes mágicas, a colheita de um campo para outro,
a darmos crédito ao célebre escritor Springer, que o afirma: "Qui fruges excantassent
segetem pellicentes incantando".
Para terminar, lembramos ao leitor que se pode, sem a menor sombra de superstição,
acreditar na natureza dual de todos os objetos existentes sobre a Terra, na Natureza
espiritual e material, visível e invisível; e que a própria Ciência o comprova virtualmente,
contradizendo suas afirmações. Pois que, se, como diz Sir William Grove, a eletricidade que
manejamos não é senão o resultado da atuação, sobre a matéria ordinária, de algo invisível
- o "poder gerador último" de toda Força, a "influência única onipresente" -, nada mais
natural que compartir a crença dos antigos, a saber: que todo Elemento é dual em sua
natureza. "O Fogo Etéreo é a Emanação do próprio Kabir; o Fogo Aéreo é tão somente a
união (correlação) do primeiro com o Fogo Terrestre, e sua direção e aplicação sobre o
plano terrestre sabem a um Kabir de menor importância", talvez a um Elemental, como o
chamaria um ocultista; e o mesmo se pode dizer de todo Elemento Cósmico.
Ninguém negará que o ser humano está de posse de várias forças, magnéticas,
simpáticas, antipáticas, nervosas, dinâmicas, ocultas, mecânicas, mentais; numa palavra, de
todas as espécies de forças; e que as forças físicas são todas biológicas em sua essência,
pois que elas se entremesclam e se fundem frequentemente com as forças que
denominamos intelectuais e morais, sendo as primeiras, por assim dizer, os veículos, os
upâdhis, das segundas.
Ninguém, entre os que não recusam a existência de uma alma no homem, hesitará em
171
dizer que a presença e a combinação dessas forças constituem a essência mesma do nosso
ser; que são, efetivamente, o Ego no homem. Esses poderes ou potências têm seus
fenômenos fisiológicos, físicos, mecânicos, bem como nervosos, extáticos, clariauditivos e
clarividentes, considerados e reconhecidos hoje como perfeitamente naturais, inclusive
pela Ciência. Por que haveria de ser o homem a única exceção da Natureza, e por que não
podem os Elementos ter os seus Veículos, os seus Vâhanas, naquilo que nós chamamos de
forças físicas? E, sobretudo, por que acoimar de "superstição" tais crenças, assim como as
religiões do passado?
172
SEÇÃO XV
SOBRE KWAN·SHI-YIN E KWAN-YIN
Tal como Avalokiteshvara, por varias transformações tem passado Kwan-Shi-Yin; é um
erro, porém, dizer que se trata de uma invenção moderna dos budistas do Norte, pois que
era conhecido sob outro nome desde os mais remotos tempos. Ensina a Doutrina Secreta
que: "Aquele que é o primeiro a parecer na Renovação, será o último a chegar antes da
Reabsorção [Pralaya]". Assim, os Logos de todas as nações, desde o Vishva-karman Védico
dos Mistérios até o Salvador das atuais nações civilizadas, são o "Verbo" que existia no
"Princípio", ou o novo despertar dos Poderes vivificadores da Natureza, com o ABSOLUTO
Único. Nascido do Fogo e da Água, antes que estes se convertessem em Elementos
distintos, foi ele o "Artífice", o formador ou modelador de todas as coisas. "Sem ele, nada
do que foi feito seria feito. Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens"; e, finalmente,
pode-se chamá-lo o que ele sempre foi: o Alfa e o Omega da Natureza Manifestada. "O
grande Dragão de Sabedoria nasceu do Fogo e da Água, e no Fogo e na Água tudo será
reabsorvido como ele"”. (1)
Diz-se que este Bodhisattva "assume a forma que lhe apraz", desde o princípio de um
Manvantara até o seu término. Embora o seu aniversário particular ou dia comemorativo
seja celebrado, segundo o Kin-kwang-ming-King ou "Sutra Luminoso da Luz Dourada", no
décimo-nono dia do segundo mês, e o de Maitreya Buddha no primeiro dia do primeiro
mês, os dois são, não obstante, um só Ele aparecerá na Sétima Raça como Maitreya
Buddha, o último dos Avatares e dos Buddhas. Esta crença e esta expectativa são universais
em todo o Oriente. Mas não será durante o Kali Yuga, esta nossa época atual de
Obscuridade, terrivelmente materialista, a Idade Negra, que poderá vir um novo Salvador
da Humanidade. O Kali Yuga não é a "Idade de Ouro" (!) senão nos escritos místicos de
alguns pseudo-ocultistas franceses (2).
O ritual do culto exotérico desta Divindade foi, por isso, baseado na magia. Os Mantras
são todos extraídos de livros especiais, mantidos em segredo pelos sacerdotes; e se diz que
cada um deles produz um efeito mágico: aquele que os recita ou lê dá origem, só em cantá-
los, a causas secretas que se traduzem em efeitos imediatos. Kwan-Shi-Yin é Avaloki
teshvara, e ambos são formas do Sétimo Princípio Universal; enquanto que, em seu caráter
metafísico mais elevado, esta Divindade é a agregação sintética de todos os Espíritos
Planetários, os Dhyân-Chohans. Ele é o "Manifestado por Si Mesmo"; numa palavra, o
"Filho do Pai". Coroado por sete dragões, vê-se no alto de sua estátua a inscrição: Pu-tsi-
k'ium-ling, "o Salvador universal de todos os seres vivos".
É claro que o nome constante do volume arcaico das Estâncias é inteiramente diverso;
mas o nome Kwan-Yin é um equivalente perfeito. Em um templo de P'u-to, a ilha sagrada
dos budistas da China, está representado Kwan-Shi-Yin flutuando sobre uma ave aquática
negra (Kâlahamsa), e vertendo sobre as cabeças dos mortais o elixir da vida, que, ao fluir, se
transforma em um dos principais Dhyân-Buddhas, o Regente de uma estrela chamada "a
Estrela da Salvação". Em sua terceira transformação, Kwan-Yin é o Espírito vivificador ou
Gênio da Água. Crê-se na China que o Dalai-Lama é uma encarnação de Kwan-Shi-Yin, que
173
em sua terceira aparição terrestre foi um Bodhisattva; sendo o Teshu-Lama uma
encarnação de Amitâvha Buddha ou Gautama.
Seja registrado, de passagem, que só a imaginação doentia de um escritor pode
vislumbrar por toda parte um culto fálico, como o fazem McClatchey e Hargrave Jennings.
O primeiro descobre "os antigos deuses fálicos, representados em dois símbolos evidentes,
o Kheen ou Yang, que é o membrum virile, e o Kw-an ou Yin, o pudendum muliebre" (3). Tal
interpretação se nos afigura tanto mais estranha quanto Kwan-Shi-Yin (Avalokitesvara) e
Kwan-Yin, além de serem atualmente as Divindades protetoras dos ascetas budistas, os
Iogues do Tibet, são os Deuses da castidade, e em seu significado esotérico não chegam
sequer a ser o que se supõe na versão do Buddhism do Sr. Rhys David: "O nome
Avalokiteshvara... significa o 'Senhor que observa do alto'” (4). Nem tampouco Kwan-Shi-
Yin é o "Espírito dos Buddhas presentes na Igreja", mas, interpretado literalmente, quer
dizer "o Senhor que é visto", e, em certo sentido, "o Eu Divino percebido pelo Eu" (o Eu
humano), isto é, Atman ou o Sétimo Princípio, imerso no Universal, percebido por Buddhi,
ou objeto de percepção de Buddhi, o Sexto Princípio ou Alma Divina do homem. Em sentido
ainda mais elevado, Avalokiteshvara = Kwan-Shi-Yin, referido como o Sétimo Princípio
Universal, é o Logos percebido por Buddhi ou Alma Universal como o agregado sintético
dos Dhyânis Buddhas; não é o "Espírito de Buddha presente na Igreja", mas o Espírito
Universal Onipresente, manifestado no templo do Cosmos ou da Natureza.
Essa etimologia orientalista de Kwan e de Yin é comparável à de Yogini, que, no dizer
de Hargrave Jennings, é uma palavra sânscrita, pronunciando-se "Jogi ou Zogee (!) nos
dialetos... equivalente a Sena e de todo idêntica a Duti ou Dutica", ou seja, uma prostituta
sagrada do templo, e objeto de culto como Yoni ou Sakti (5). "Os livros de moral (na Índia)
recomendam que uma mulher fiel evite a sociedade das Yogini ou mulheres adoradas como
Sakti" (6). Nada mais nos poderia surpreender depois disso. Deixemos apenas escapar um
sorriso ao ver outro descomunal absurdo, a respeito de "Budh", interpretado como um
nome que "significa não somente o sol como fonte da geração, mas também o órgão
masculino" (7). Diz Max Muller, ao tratar das "Falsas Analogias", que "o sinólogo mais
célebre de seu tempo, Abel Rémusat... , sustentava que as três sílabas I, Hi, Wei (no
capítulo XIV do Tao-te-king) se referiam a Je-ho-vá" (8); e também o Padre Amyot "estava
convencido de que as três pessoas da Trindade podiam ser reconhecidas na mesma obra". E
se assim se manifestou Able Rémusat, por que não haveria de dizer outrotanto Hargrave
Jennings? Todo sábio versado na matéria há de reconhecer quanto é absurdo ver em Budh
(o "iluminado" e o "desperto") um "símbolo fálico".
Kwan-Shi-Yin é, pois, misticamente, o "Filho idêntico ao Pai" ou o Logos, o Verbo. Na
Estância III, é chamado o "Dragão de Sabedoria", porque os Logos de todos os antigos
sistemas religiosos estão associados às serpentes e simbolizados por elas.
No antigo Egito, o Deus Nahbkun, "aquele que une os duplos", era representado como
uma serpente sobre pernas humanas, e com braços ou sem eles. Era a Luz Astral, reunindo,
por meio de sua potência dual, fisiológica e espiritual, a Mônada Humano-Divina à sua
Mônada puramente Divina, o Protótipo no "Céu" ou a Natureza. Era o emblema da
ressurreição na Natureza; de Cristo para os ofitas; e de Jeová sob a forma da serpente de
bronze, que curava aqueles que a olhavam.
174
A serpente foi também um emblema de Cristo entre os Templários, conforme o indica
o grau templário na Maçonaria.
O símbolo de Knuph (e também de Khum), ou da Alma do Mundo - diz Champollion -
"é representado, entre outras formas, sob a de uma enorme serpente sobre pernas
humanas; sendo que este réptil, emblema do Bom Gênio e do verdadeiro Agathodæmon, é
algumas vezes barbudo" (9). Este animal sagrado é, pois, idêntico as serpentes dos ofitas, e
aparece em um grande número de pedras gravadas, chamadas joias gnósticas ou
basilidianas. Vemo-lo com várias cabeças, de homem ou de animal, mas tais pedras sempre
trazem inscrito o nome XNOTBI (Chnoubis). O símbolo é idêntico a outro que, segundo
Jâmblico e Champollion, era chamado o "Primeiro dos Deuses Celestes", o Deus Hermes, ou
Mercúrio entre os gregos, Deus a quem Hermes Trismegisto atribui a invenção da Magia e a
primeira iniciação do homem nesta ciência. E Mercúrio é Budh, a Sabedoria, a Iluminação
ou o "Novo Despertar" na Ciência Divina.
Concluindo: Kwan-Shi-Yin e Kwan-Yin são os dois aspectos, masculino e feminino, do
mesmo princípio, no Cosmos, na Natureza e no Homem, da Sabedoria e Inteligência
Divinas. São o Christos-Sophia dos místicos gnósticos, o Logos e sua Shakti. No afã de que a
expressão de alguns mistérios jamais viesse a ser inteiramente compreendida pelos
profanos, os antigos, sabendo que nada podia ser conservado na memória humana sem a
ajuda de um símbolo externo, optaram pelas imagens, que com frequência nos parecem
ridículas, dos Kwans-Yins, a fim de evocarem na mente do homem sua origem e sua
natureza interna. Não obstante, as Virgens ou Madonas de saia-balão e os Cristos de luvas
de pelica branca devem parecer, a quem julga com imparcialidade, muito mais absurdos
que os Kwans-Shi-Yins e Kwans-Yins vestidos como dragões. O subjetivo dificilmente pode
ser expresso pelo objetivo. Por isso, como a forma simbólica procura caracterizar aquilo
que está acima do raciocínio científico, e o que tantas vezes transcende em muito os nossos
intelectos, necessário se faz rir além do intelecto, de uma ou de outra maneira, porque do
contrário se apagará da memória humana.
(1). Fa-hwa-king.
(2). Veja·se La Mission des Juifs.
(3). China Revealed, segundo citação no Phallicism de Hargrave Jennings, p. 273.
(4). P. 202.
(5). Op. cit., p. 60.
(6). Ibid.
(7). Round Towers of Ireland, de O'Brien, p. 61, citado por Hargrave Jennings em seu
Phallicism, p. 246.
(8). Introduction to the Science of Religion, p. 332.
(9). Pantheon, texto 3.
175
Parte III
APÊNDICE
SEÇÃO I
RAZÕES PARA ESTE APÊNDICE
Muitas das doutrinas contidas nas sete Estâncias que acabamos de mencionar e nos
respectivos Comentários foram estudadas por alguns teósofos ocidentais e submetidas ao
seu exame crítico, julgando eles que certos ensinamentos ocultistas se apresentavam
deficientes, se considerados do ponto de vista geral da cultura científica moderna. Sua
aceitação parece que tropeça com dificuldades insuperáveis, exigindo um novo exame em
face da crítica científica. Alguns amigos quase chegaram a lamentar a necessidade de pôr
em dúvida, tão frequentemente, as afirmações da ciência moderna. Pareceu-lhes - e aqui
me limito a repetir seus argumentos - que "ir de encontro aos ensinamentos dos mais
eminentes representantes da ciência seria, aos olhos do mundo ocidental, correr ao
encontro de uma derrota prematura".
Convém, pois, definir, de uma vez por todas, a atitude que a autora, neste ponto em
desacordo com os seus amigos, pretende defender. Enquanto a Ciência permanecer o que
é, a saber, "o senso comum organizado", segundo a definição do Professor Huxley;
enquanto suas deduções estiverem baseadas em premissas exatas, e suas generalizações
assentarem sobre uma base puramente indutiva, todos os teósofos e ocultistas acolherão,
com o respeito e a admiração devida, sua contribuição no domínio da lei cosmológica. Não
pode haver conflito possível entre os ensinamentos da Ciência Oculta e os da chamada
Ciência exata, sempre que as conclusões desta última estejam alicerçadas em fatos
irrecusáveis. Só quando os seus mais ardentes defensores, ultrapassando os limites dos
fenômenos observados, no objetivo de penetrar os arcanos do Ser, pretendem arrebatar ao
Espírito a formação do Cosmos e de suas Forças vivas, tudo atribuindo à Matéria cega, é
que os ocultistas reclamam o direito de discutir e analisar suas teorias. A Ciência não pode,
176
em razão da própria natureza das coisas, desvendar o mistério do Universo que nos rodeia.
Pode, é verdade, colecionar, classificar e generalizar os fenômenos; mas o ocultista,
fundando seu raciocínio em princípios metafísicos admitidos, declara que o explorador
audaz, que deseje sondar os mais recônditos segredos da Natureza, deve transpor os
estreitos limites dos sentido e transferir sua consciência à região dos Números e à esfera
das Causas-Primeiras. Para consegui-lo, cumpre-lhe desenvolver faculdades que, salvo
alguns casos raros e excepcionais, se acham completamente adormecidas na constituição
dos ramos de nossa atual Quinta Raça-Raiz, na Europa e na América. De outro modo não
lhe será possível reunir os fatos que são necessários para fundamentar suas especulações.
Não é isso evidente, segundo os princípios da Lógica Indutiva e da Metafísica?
Por outra parte, faça o que fizer a autora, não poderá jamais satisfazer ao mesmo
tempo a Verdade e a Ciência. Oferecer ao leitor uma versão sistemática e ininterrupta das
Estâncias Arcaicas é coisa impossível. Mister se faz omitir 43 versículos ou "slokas" que se
encontram entre a 7.", já publicada, e a 51.", pela qual se inicia a matéria dos volumes III e
IV, embora nestes as Estâncias sejam numeradas a partir de 1, seguindo-se a série, para
facilitar a leitura e as referências. Só o aparecimento do homem sobre a Terra ocupa um
número igual de Estâncias, que descrevem minuciosamente sua evolução primordial desde
os Dhyân-Chohans humanos, o estado do Globo naquele tempo, etc., etc. Um grande
número de nomes referentes a substâncias químicas e outros compostos, que agora·já não
se combinam entre si, sendo assim desconhecidas dos últimos descendentes de nossa
Quinta Raça, ocupam um espaço considerável. Como sejam de todo intraduzíveis, e
ficariam deste modo inexplicáveis, resolvemos omiti-los, juntamente com os trechos que
não podemos tornar públicos. A despeito disso, o pouco que oferecemos será bastante
para irritar aqueles partidários e defensores da ciência materialista dogmática que o lerem.
Diante da crítica suscitada, propomo-nos, antes de passar às Estâncias seguintes,
defender as que já foram publicadas. Que não se acham em perfeita consonância ou
harmonia com a Ciência moderna, todos o sabemos. Mas, ainda quando se ajustassem às
ideias da cultura moderna, tanto quanto uma conferência de Sir William Thomson, ainda
assim não seriam menos rejeitadas. Pois elas ensinam a crença em Poderes e Entidades
Espirituais conscientes, em Forças terrestres semi-inteligentes e em Forças altamente
intelectuais de outros planos (1), assim como em seres que vivem ao redor de nós, em
esferas que nem o telescópio nem o microscópio seriam capazes de revelar. Daí a
necessidade de examinarmos as crenças da ciência materialista, de compararmos suas
opiniões acerca dos Elementos com as dos antigos, e de analisarmos as Forças físicas em
seu conceito moderno, antes de podermos apontar os erros em que a mesma ciência
labora.
Diremos algumas palavras sobre a constituição do Sol e dos planetas, e sobre as
características ocultas dos chamados Devas e Gênios, que a Ciência atualmente denomina
"Forças" e "modos de movimento", e veremos se a crença esotérica é ou não defensável.
Sejam quais forem os esforços despendidos para afirmar o contrário, um espírito livre de
preconceitos há de perceber que no "agente material ou imaterial" de Newton (2), no
agente que produz a gravidade, e em seu Deus pessoal ativo, há precisamente tanto dos
Devas e Gênios metafísicos quanto no AngeIus Rector de Kepler, que dirige cada um
177
dos planetas, na species immateriata, pela qual os corpos celestes eram levados em seu
curso, segundo aquele astrônomo.
Nos volumes III e IV teremos que nos defrontar abertamente com assuntos
perigosos. Teremos que enfrentar corajosamente a Ciência, e declarar, à face do saber
materialista, do Idealismo, do Hilo-Idealismo, do Positivismo e da Psicologia moderna,
que o verdadeiro ocultista crê nos "Senhores de Luz" e crê em um Sol que, longe de
ser apenas uma "lâmpada do dia" a mover-se de acordo com a lei física, e longe de ser
tão-só um daqueles Sóis que, segundo Richter, "são os heliantos de uma luz superior",
é, como milhões de outros Sóis, a morada ou o veículo de um Deus, e de uma legião de
Deuses.
Nesse debate, a parte pior tocará, por certo, aos ocultistas. Serão considerados
ignorantes prima facie quœstionis, e o alvo de mais de um dos habituais epítetos que o
público, em seu julgamento superficial, desconhecendo as grandes verdades
fundamentais da Natureza, prodigaliza aos que são acusados de acreditar em
superstições medievais. Seja. Submetendo-se de antemão a todas as críticas a fim de
poder continuar a sua obra, os ocultistas não vindicam senão o privilégio de
demonstrar que existe tão pouco acordo entre os físicos, no tocante às suas
especulações, como o há entre estas e os ensinamentos do ocultismo.
O Sol é Matéria, e o Sol é Espírito. Nossos antepassados "pagãos", como seus
sucessores modernos, os parses, eram e são bastante sábios em sua geração para ver
nele o símbolo da Divindade, e ao mesmo tempo sentir internamente, oculto sob o
símbolo físico, o Deus radiante da Luz Espiritual e Terrestre. Tal crença só pode ser
tachada de superstição pelo materialismo extremado, que nega a Divindade, o Espírito
e a Alma, e não admite que possa haver inteligência fora da mente humana. Mas, se o
exagero da superstição, que tem origem no "Eclesiasticismo", segundo a expressão de
Laurence Oliphant, "faz do homem um tolo", um cepticismo demasiado o converte em
louco. Nós preferimos ser acusados de insensatez por acreditarmos demais, a incorrer
na pecha de loucura por tudo negarmos, como sucede com o Materialismo e o Hilo-
Idealismo. Os ocultistas acham-se, portanto, devidamente preparados para receber o
que lhes reserva o materialismo, e arrostar os percalços da crítica hostil, que a autora
desta obra vai sofrer, não por havê-la escrito, mas por acreditar no que aqui expõe.
Devemos, assim, antecipar e apresentar as descobertas, as hipóteses e as
objeções inevitáveis, em que se apoiarão os críticos científicos. Devemos também
mostrar até que ponto as Doutrinas Ocultistas se afastam da ciência hodierna, e se as
teorias antigas ou as modernas são lógica e filosoficamente corretas. A unidade e as
relações mútuas de todas as partes do Cosmos já eram conhecidas dos antigos antes
de se tornarem evidentes aos olhos dos astrônomos e filósofos modernos. E ainda que
as partes externas e visíveis do Universo, bem como suas mútuas relações, não
possam ser explicadas pela Ciência física em outros termos que os usados pelos
partidários da teoria mecânica do Universo, não se conclua daí que o materialista, que
nega a existência da Alma do Cosmos (matéria da Filosofia Metafísica), tenha direito a
invadir esse domínio metafísico. Que a ciência física se esforce por usurpá-lo, e
efetivamente o faça, é apenas uma prova a mais de que a "força prevalece sobre o direito";
178
mas não justifica a intrusão.
Outra boa razão para este Apêndice é a seguinte. Já que só determinada parte dos
Ensinamentos Secretos pode ser dada a público na época atual, as doutrinas jamais seriam
compreendidas, inclusive pelos próprios teósofos, se fossem apresentadas sem explicações
ou comentários. Importa, assim, que sejam postas em confronto com as teorias da ciência
moderna. Os axiomas arcaicos devem ser colocados em paralelo com as hipóteses
modernas, e a comparação do respectivo mérito deixada à inteligência e argúcia do leitor.
No que concerne à questão dos "Sete Governadores" (como Hermes chama os "Sete
Construtores", os Espíritos que dirigem as operações da Natureza e cujos átomos animados
são, em seu próprio mundo, as sombras de seus Primários nos Reinos Astrais), esta obra
terá contra si, naturalmente, todos os materialistas, assim como os homens de ciência.
Todavia, essa oposição será apenas, e quando muito, temporária. Tudo aquilo que foge ao
estalão habitual sempre foi objeto de zombaria, e as ideias não populares sempre foram
rejeitadas de início, para depois acabarem sendo aceitas. O materialismo e o cepticismo são
males que hão de subsistir no mundo enquanto o homem não deixar a sua grosseira forma
atual para revestir a que tinha durante a Primeira e a Segunda Raças desta Ronda. A menos
que o cepticismo e a nossa ignorância natural de hoje sejam equilibrados pela intuição e
por uma espiritualidade natural, todo ser angustiado por sentimentos dessa ordem não
enxergará em si mesmo senão um aglomerado de carne, ossos e músculos, com um
compartimento vazio no interior, que serve para armazenar os seus sentimentos e
sensações. Sir Humphrey Davy foi um grande sábio, tão profundamente versado em física
como qualquer teórico de nossos dias; e no entanto abominava o materialismo. Disse ele:
"Eu ouvia com tristeza, nas salas de dissecação. a teoria do fisiólogo sobre a secreção
gradual da matéria, e como chega a ser dotada de irritabilidade, que se converte em
sensibilidade, desenvolvendo os órgãos necessários por meio de forças que lhe são
inerentes, e finalmente dando origem à exiência intelectual."
Contudo, não são os fisiólogos os mais passíveis de censura por falarem daquilo que
eles só podem ver com os seus sentidos físicos e julgar segundo a evidência destes.
Consideramos muito mais ilógicos os astrônomos e físicos, em suas opiniões materialistas,
do que os próprios fisiólogos, conforme será demonstrado. A
...Luz Etérea
Primeira das coisas,
Quintessência pura,
179
Para os ocultistas, é ao mesmo tempo Espírito e Matéria. Por trás do "modo de
movimento", considerado agora como "uma propriedade da matéria" e nada mais,
percebem eles o Númeno radioso. É o "Espírito de Luz", o primogênito do Elemento eterno
e puro, cuja energia ou emanação está concentrada no Sol, o Grande Distribuidor de Vida
do Mundo Físico, assim como o oculto Sol Espiritual é o Distribuidor de Luz e de Vida dos
reinos Espiritual e Psíquico. Bacuo "foi um dos primeiros a dar a nota de materialismo, não
só por seu método indutivo - renovação de Aristóteles mal compreendido - como pelo
sentido geral de suas obras. Ele inverte a ordem da Evolução mental quando diz:
"A primeira criação de Deus foi a luz dos sentidos; a última foi a luz da razão; e sua
obra do Sabbath ficou sendo, desde então e para sempre. a iluminação do Espírito." (4)
"Cumpre não esquecer que os diversos ramos da Ciência não passam de divisões
arbitrárias da Ciência em geral. Nesses diversos ramos, o mesmo objeto físico pode ser
considerado sob diferentes aspectos. Pode o físico estudar suas relações moleculares, e o
químico determinar sua constituição atômica. Mas, quando ambos se ocupam do mesmo
elemento ou agente, não é admissível que este possua uma série de propriedades em física
e outra série de propriedades opostas em química. Se o físico e o químico pressupõem,
ambos, a existência de átomos primordiais absolutamente invariáveis em volume e peso,
não pode o átomo ser um cubo ou um esferoide achatado para as necessidades da física, e
uma esfera para as necessidades da química Um grupo de átomos constantes não pode ser
um agregado de massas contínuas absolutamente inertes e impenetráveis em um cadinho
ou em uma retorta, e um sistema de meros centros de forças como parte de um ímã ou de
uma pilha de Clamond. O éter universal não pode ser plástico e móvel para agradar ao
químico, e rígido-elástico para satisfazer o físico; não pode ser contínuo sob o comando de
Sir William Thomson, e descontínuo em virtude das ideias de Cauchw e de Fresnel." (1)
Podemos citar igualmente o eminente físico G. A. Hirn, que diz a mesma coisa no
volume 43 das Mémoires de l'Acadêmie Royale de Belgique, que traduzimos do francês, a
saber:
"Quando vemos a segurança com que hoje se expõem doutrinas que atribuem a
coletividade, a universalidade dos fenômenos exclusivamente aos movimentos do átomo,
temos o direito de esperar que a mesma unanimidade se verifique no tocante às qualidades
atribuídas a este ser único, base e fundamento de tudo o que existe. Ora, desde o primeiro
exame dos sistemas especiais que são propostos, experimentamos a mais estranha
decepção, vendo que o átomo do químico, o átomo do físico, o do metafísico e o do
181
matemático... absolutamente nada têm de comum, exceto o nome! O resultado inevitável
é a subdivisão atual de nossas ciências, cada uma das quais constrói em sua estreita concha
um átomo que satisfaz as necessidades dos fenômenos que estuda, sem se preocupar, nem
de leve, com as necessidades dos fenômenos que se passam na concha vizinha. O
metafísico repudia, como ilusórios, os princípios da atração e da repulsão; o matemático,
que analisa as leis da elasticidade e as da propagação da luz, aceita-os implicitamente, sem
nomeá-los sequer... O químico não pode explicar o agrupamento dos átomos em
moléculas, frequentemente complicadas, sem atribuir àqueles qualidades específicas
distintivas; para o físico e o metafísico, partidários das doutrinas modernas, o átomo é, pelo
contrário, sempre e em toda parte, o mesmo. Que digo? Nem sequer existe acordo em uma
mesma ciência quanto às propriedades do átomo. Cada qual fabrica o átomo que convém à
sua fantasia, para explicar o fenômeno que lhe interessa particularmente." (2)
"Quando, em 1687, Sir Isaac... mostrou que a massa e o átomo são postos em ação...
por uma força que lhes é inerente... deixou efetivamente de lado o Espírito, a Alma ou a
Divindade, como coisas que sobram."
Se o pobre Sir Isaac houvesse previsto o uso que seus sucessores e discípulos iam dar à
sua "gravidade", aquele homem piedoso e crente teria certamente preferido comer
tranquilamente a maçã, sem jamais dizer palavra sobre as ideias mecânicas sugeridas pela
sua queda.
Manifestam os homens de ciência um grande desprezo pela metafísica em geral, e
pela metafísica ontológica em particular. Mas, sempre que os ocultistas se mostram
bastante corajosos para altear a voz, observamos que a ciência física materialista está
saturada de Metafísica (7), e que os seus mais fundamentais princípios, embora
inseparavelmente ligados ao transcendentalismo, são torturados e muitas vezes ignorados
no labirinto das teorias e hipóteses contraditórias, no afã de mostrar que a Ciência moderna
nada tem em comum com semelhantes "sonhos". Disso temos uma excelente confirmação
no ver-se obrigada a Ciência a aceitar, como aceita, o "hipotético Éter" e a tentar explicá-lo
sem sair do terreno materialista das leis átomo-mecânicas. Essa tentativa tem diretamente
conduzido às mais fatais contradições e às mais radicais inconsequências entre a suposta
natureza do Éter e seu comportamento físico. Outra prova nós a deparamos nas múltiplas
afirmações antinômicas concernentes ao Átomo, o mais metafísico dos objetos da criação.
Que sabe a Física moderna sobre o Éter, cuja primeira concepção pertence,
incontestavelmente, aos filósofos antigos, sendo que os gregos foram buscá-la junto aos
arianos, encontrando-se a origem do Éter moderno no Akâsha desfigurado? Pretende-se
que esta desfiguração é uma modificação e um aperfeiçoamento da ideia de Lucrécio.
Examinemos, pois, o conceito moderno, extraído de várias obras científicas que encerram
as opiniões dos próprios físicos.
Demonstra Stallo que a existência do Éter é aceita pela Astronomia Física, pela Física
comum e pela Química.
184
A autora desta obra - que não tem a veleidade de possuir grande cultura científica,
mas apenas uma ideia geral das teorias modernas, e um conhecimento melhor das ciências
ocultas - recolhe suas armas, contra os detratores da Doutrina Esotérica, no próprio arsenal
da Ciência Moderna. As contradições manifestas, as hipóteses que se destroem
reciprocamente, formuladas por cientistas que gozam de renome universal, suas disputas,
suas acusações e denúncias mútuas, demonstram claramente que as teorias ocultas, sejam
ou não aceitas, têm o direito de ser ouvidas e estudadas, tanto quanto qualquer das
hipóteses tidas como científicas e acadêmicas. Pouco importa, consequentemente, que os
discípulos da Sociedade Real admitiam o Éter como um fluido contínuo ou descontínuo: isto
é indiferente para o nosso objetivo atual. Prova tão-somente que uma coisa é certa: a
Ciência oficial nada sabe, até o presente, sobre a constituição do Éter. Que a Ciência o
chame matéria, se lhe apraz; mas nem como Akâsha, nem como o Æther sagrado dos
gregos, pode ser encontrado em nenhum dos estados da matéria conhecidos pela Física
moderna. É Matéria de outro plano, inteiramente diferente, da percepção e do Ser, e não
pode ser analisado por nenhum aparelho científico, nem apreciado ou sequer concebido
pela "imaginação científica", a menos que os possuidores desta imaginação estudem as
ciências ocultas. O que se segue comprova esta afirmativa.
Está claramente demonstrado por Stallo, no que concerne aos principais problemas da
Física moderna, como igualmente o foi por De Quatrefages e outros em relação aos da
Antropologia, da Biologia, etc., que, esforçando-se por defender suas hipóteses e sistemas
individuais, a maior parte dos eminentes e sábios materialistas proclamam, com muita
frequência, os mais clamorosos erros. Vejamos este caso por exemplo. A maioria deles
rejeita a actio in distans - um dos princípios fundamentais na questão do Æther ou Akâsha
no Ocultismo -; e no entanto, segundo observa judiciosamente Stallo, não existe ação física
"que, examinada atentamente, não se resolva em actio in distans"; e ele o prova.
Ora, segundo o Professor Lodge, os argumentos metafísicos .são "apelos inconscientes
à experiência"; acrescentando ele que, se tal experiência não é concebível, então não existe.
Eis suas palavras textuais:
185
"Se... os elementos da teoria dos átomos-vórtices são fatos resultantes de experiências
correntes ou mesmo possíveis? Porque, se não o são, essa teoria evidentemente incide na
mesma crítica que passa por invalidar a suposição da actio in distans." (13)
A seguir demonstra o hábil crítico, de maneira bem clara, o que o Éter não é nem
poderá ser jamais, a despeito de todas as afirmações da ciência em sentido contrário. E,
desse modo, abre ele de par em par, embora talvez inconscientemente, as portas que
conduzem aos ensinamentos ocultos. Pois diz:
(1). Concepts of Modem Physics, Introdução à segunda edição, pp. XI, XII.
(2). "Recherches expérimentales sur la relation qui existe entre la résistance de I'air et sa
température", p. 68; traduzido da citação de Stallo, Introdução, p. 12.
(3). Da crítica de Concepts of Modern Physics em Nature. Veja-se a obra de Stallo, p. XVI da
Introdução. (Nota da Edição de Adyar de 1938: A crítica aludida consta do Nation, de New
York, e não do Nature.)
(4). O Sr. Robert Ward, discutindo as questões do Calor e da Luz no Journal of Science de
novembro de 1881, mostra até onde vai a ignorância da Ciência sobre um dos fatos mais
comuns da Natureza: o calor do Sol. Diz ele: "A questão da temperatura do sol tem sido
objeto de investigação por muitos cientistas: Newton, um dos primeiros investigadores
deste problema, procurou resolvê-lo, e, depois dele, todos os cientistas que se ocuparam
de calorimetria lhe seguiram o exemplo. Cada qual acreditou haver encontrado a solução,
tendo exposto com toda a confiança os respectivos resultados. Eis aqui, seguindo a ordem
cronológica da divulgação de tais resultados, as temperaturas (em graus centígrados) que
cada um deles apresentou: Newton, 1.699.300°; Pouillet, 11.461°; Tollner, 102.200°; Secchi,
5.344.840°; Ericsson, 2.726.700°; Fizeau, 7.500°; Waterston, 9.000.000°; Spoeren, 27.000°;
Deville, 9.500°; Soret, 5.801.846°; Vicaire, 1.500°; Rosetti, 20.000°. Os cálculos variam entre
1.400° e 9.000.000°; ou seja, com uma diferença que chega a elevar-se a 8.998.600°!!
Provavelmente não existe, na ciência, contradição mais pasmosa que a revelada por esses
algarismos". No entanto, se algum ocultista ousasse formular uma estimativa, todos
aqueles senhores, sem dúvida alguma, teriam protestado energicamente, em nome da
Ciência "exata", pela não admissão desse resultado particular.
(5). Veja-se: Correlation of the Physical Forces, Prefácio p. XIII.
(6). Soirées, voI. II (p. 317 e nota da p. 355).
(7). A obra de Stallo que citamos mais acima, Concepts of Modem Physics, livro que suscitou
187
críticas e protestos os mais veementes, é recomendada a todos quantos venham a duvidar
desta afirmativa. "O antagonismo declarado da ciência para com a especulação metafísica"
- escreve ele - "induziu a maioria dos cientistas a supor que os métodos e os resultados das
investigações empíricas sejam de todo independentes do domínio das leis do pensamento.
Ou eles ignoram e passam em silêncio as mais comezinhas regras da lógica, inclusive as leis
de não-contradição, ou as repudiam abertamente; e... mostram-se profundamente
agastados toda vez que alguém aplica a lei de consequências a suas hipóteses e teorias...
cujo exame à luz dessas leis consideram uma impertinente intrusão de 'princípios e
métodos a priori' no domínio da ciência empírica. As pessoas com essa formação mental
não sentem o menor embaraço em sustentar que os átomos são absolutamente inertes, e
afirmar ao mesmo tempo que são perfeitamente elásticos; ou em pretender que o universo
físico, em última análise, se resolve em matéria 'morta' e em movimento, negando, porém,
que toda energia física seja, na realidade, cinética; ou em proclamar que todas as
diferenças fenomenais no mundo objetivo são, finalmente, devidas aos vários movimentos
de unidades materiais absolutamente simples; não admitindo, apesar disso, a proposição
de que tais unidades sejam iguais" (P. XIX). A cegueira de certos físicos eminentes, no que
tanger a algumas das consequências mais óbvias de suas próprias teorias, é de causar
pasmo. "Quando o Professor Tait, secundando o Professor Stewart, enuncia que a matéria é
meramente passiva (The Unseen Universe, seção 104), e a seguir declara, concordando com
Sir William Thomson, que a matéria tem um poder, que lhe é inerente, para resistir às
influências externas (Treat. on Nat. Phil., vol, I, seção 216), não será impertinente
perguntar-lhe como é possível conciliar essas afirmações. Quando o Professor Du Bois
Reymond... insiste sobre a necessidade de deduzir todos os processos da Natureza aos
movimentos de um substancial e indiferente substratum desprovido inteiramente de
qualidade (Ueber die Grenzen des Naturerkennens, p. 5), havendo declarado pouco antes,
na mesma conferência, que "a resolução de todas as transformações, que se produzem no
mundo material, em movimentos de átomos, ocasionados por suas forças centrais
constantes, seria o complemento da ciência natural", nós nos vemos imersos em
perplexidade, da qual temos o direito de nos libertar" (Pref. XLII-III).
(8). Stallo, loc. cit., p. IX.
(9). Silliman's Journal, vol. VIII, pp. 364 e s.
(10). Veja-se Treatise on Electricity de Clerk Maxwell, e compare-se com Mémoire sur la
Dispersion de la Lumière de Cauchy.
(11). Stallo, loc. cit., p. X.
(12). Nature, vol. XXVII. p. 304.
(13). Op. cit., p. XXIV.
(14). Algo diferente! - exclama Stallo. "A verdadeira significação deste 'algo' é que o meio de
que se trata não é material em nenhum sentido inteligível, por isso que não tem nenhuma
das propriedades da matéria." Todas as propriedades da matéria são o resultado de
diferenças e transformações, e o "hipotético Éter" que se descreve não só é desprovido de
diferenças, mas incapaz de diferenças e transformações - no sentido físico, ousamos
acrescentar. Isto prova que, se o Éter é matéria, não o será senão como algo visível,
tangível e existente só para sentidos espirituais; que é, com efeito, um Ser - mas não do
188
nosso plano J. Pater Æther ou Akâsha.
(15). Verœ causœ, para a Ciência Física, são causas "mayávicas" ou ilusórias para o
ocultista, e vice-versa.
(16). Muito "diferenciado", pelo contrário, desde o dia em que saiu de sua condição laya.
(17). Op. cit., pp. XXIV a XXVI.
(18). Sept Leçons de Physique Générale, pp. 38 e s., edição Moigno.
189
SEÇÃO III
É A GRAVITAÇÃO UMA LEI?
A teoria corpuscular foi posta de lado, sem 'mais cerimônia; mas a gravitação - o
princípio em virtude do qual todos os corpos se atraem entre si, na razão direta das massas
e na inversa do quadrado das distâncias que os separam - subsiste ainda hoje e reina,
soberana, nas supostas ondas etéreas do Espaço. Como hipótese, esteve ameaçada de
morte porque não lograva abranger todos os fatos que se apresentavam; como lei física, é a
Rainha dos antigos "Imponderáveis", que foram antes todo-poderosos. "É quase uma
blasfêmia... é um insulto à respeitosa memória de Newton o pô-la em dúvida!" - exclama
um crítico americano de Ísis sem Véu. Muito bem; mas, que é, afinal de contas, esse Deus
invisível e intangível, em que devemos crer com uma fé cega?
Os Astrônomos, que veem na gravitação uma solução fácil e cômoda para tantas coisas,
e uma força universal que lhes permite calcular movimentos planetários, preocupam-se
muito pouco com a Causa da Atração. Dizem que a Gravidade é uma lei, uma causa em si
mesma. Nós qualificamos de efeitos as forças que atuam sob esse nome, e até de efeitos
bem secundários. Algum dia se verá que a hipótese científica, apesar de tudo, não é
satisfatória; e terá então a mesma sorte da teoria corpuscular da luz, passando a figurar nos
catálogos científicos como especulações abandonadas e obsoletas.
Acaso não manifestou o próprio Newton sérias dúvidas quanto à natureza da Força e à
corporeidade dos "Agentes", como eram então chamados? O mesmo sucedeu a Cuvier,
este outro farol científico que, brilha nas trevas das investigações. Em sua Révolution du
Globe, ele chama a atenção dos leitores sobre a natureza duvidosa das supostas Forças,
dizendo que: "afinal de contas, não há certeza de que esses agentes não sejam Poderes
Espirituais (des Agents Spirituels)". Ao começar os seus Principia, Sir Isaac Newton teve o
maior cuidado em esclarecer à sua escola que não empregava a palavra "atração" em um
sentido físico, relativamente à ação que os corpos exercem uns sobre os outros. Disse que,
no seu entender, era um conceito puramente matemático, que não implicava consideração
alguma de causas físicas, reais e primárias. Em certo trecho de seus Principia (1), diz
claramente que, consideradas do ponto de vista físico, as atrações são antes impulsos. Na
Seção XI (Introdução), expressa a opinião de que "existe algum espírito sutil, cuja força e
ação determinam todos os movimentos da matéria" (2); e em sua Third Letter a Bentley
assim se manifesta:
"Não é concebível que a matéria bruta inanimada possa, sem a intervenção de algo
diferente que não é material, atuar sobre outra matéria e influenciá-la sem contato mútuo,
como seria o caso da gravitação se, no sentido de Epicuro, fosse essencial e inerente à
matéria... Que a gravitação seja inata, inerente e essencial à matéria, de modo que um
corpo possa atuar sobre outro a distância, através do vácuo, sem a mediação de algo
distinto que determine a recíproca influência de ambos, é para mim uma ideia de tal modo
absurda que não creio haja nenhum pensador, versado em matérias filosóficas, que nela
190
possa incidir alguma vez. A gravitação deve origina, se de algum agente que intervém de
modo constante, segundo certas leis; mas, que esse agente seja material ou imaterial, é
questão que deixo ao discernimento de meus leitores."
192
Para consegui-lo de maneira eficaz, há que relembrar a hipótese quando surgiu pela
primeira vez. Antes de mais nada, terá sido Newton o primeiro que a descobriu? O número
de 26 de janeiro de 1867 do Athenœum nos ministra curiosas informações a esse respeito.
Ali se lê:
"Pode-se provar de modo positivo que Newton deveu a Bœhme tudo quanto sabia a
respeito da Gravitação e suas leis. Para Bœhme, a Gravitação ou Atração era a primeira
propriedade da Natureza... Seu sistema [o de Bœhme] nos ensina a parte interna das
coisas, enquanto que a ciência moderna se contenta em considerar o lado externo."
E mais adiante:
"A ciência da eletricidade, que ainda não existia quando ele [Bœhme] escreveu, foi ali
antecipada [em seus escritos]; e Bœhme não só descreve todos os fenômenos hoje
conhecidos dessa força, mas também nos dá a sua origem, isto é, a gênese e o nascimento
da própria eletricidade."
Assim é que Newton, cuja mente profunda lia facilmente nas entrelinhas, e assimilava o
pensamento espiritual do grande Vidente em sua versão mística, deve a sua descoberta a
Jacob Bœhme, aquele que foi criado pelos Gênios, os Nirmanakayas, que velavam por ele e
o guiavam, e de quem o autor do artigo diz com tanta justeza:
"Cada novo descobrimento cientifico vem provar a sua profunda e intuitiva penetração
nos mais secretos processos da Natureza."
"Já não é possível hoje sustentar, com Newton, que os corpos celestes se movem no
meio do váculo imenso dos espaços... Entre as consequências da teoria do vácuo
estabelecida por Newton, só a palavra 'atração' permanece de pé... Veremos chegar o dia
em que a palavra atração desaparecerá do vocabulário científico." (10)
193
Escreve o Professor Winchell:
"Essas passagens [da carta a Bentley] mostram quais eram suas ideias em relação à
natureza do meio de comunicação interplanetária. Apesar de declarar que os "céus são
desprovidos de matéria sensível", admitia a possível exceção de "alguns vapores, gases e
eflúvios mui sutis, evolados das atmosferas da terra, dos planetas e dos cometas, e de
algum meio extraordinariamente etéreo e rarefeito, como o que já tivemos ocasião de
descrever em outra parte." (11)
Prova isso, tão-somente, que até homens eminentes como Newton nem sempre
tiveram a coragem de suas opiniões. O Doutor T. S. Hunt
"chamou a atenção sobre algumas passagens, durante muito tempo esquecidas, das
obras de Newton, indicativas de que a crença em semelhante meio universal intercósmico
se enraizou gradualmente em seu pensamento." (12)
Mas nunca se havia prestado atenção àquelas passagens até o dia 28 de novembro de
1881, quando o Dr. Hunt fez publicar sua "Química Celeste, desde a época de Newton".
Conforme disse Le Couturier:
"Até então, a ideia universalmente difundida, inclusive entre os homens de ciência, era
que Newton, quando defendia a teoria corpuscular , sustentava a existência do vácuo."
Se tais passagens foram "durante muito tempo esquecidas", é porque, sem dúvida
alguma, estavam em contradição e conflito com as teorias preconcebidas então reinantes,
até que a presença de um "meio etéreo" se fez imperativamente necessária para explicar a
teoria ondulatória. Eis aí todo o segredo.
De qualquer modo, foi a partir da teoria do vácuo universal que Newton ensinou,
embora talvez não acreditasse nela, que data o imenso desdém que a física moderna
demonstra pela física antiga. Os sábios da antiguidade haviam sustentado que "a Natureza
tem horror ao vácuo"; e os maiores matemáticos do mundo - ou mais exatamente, das
raças ocidentais - tinham descoberto e posto em evidência esse antiquado "erro". E agora a
ciência moderna, ainda que a seu malgrado, faz justiça ao conhecimento arcaico e se vê,
ademais, na obrigação de defender, tão serodiamente, o caráter e o poder de observação
de Newton, após haver-se esquecido, durante século e meio, de prestar atenção a
passagens tão sumamente importantes - muito provavelmente porque era mais prudente
que passassem despercebidas. Antes tarde do que nunca!
Hoje o Pai Æther é recebido de novo com os braços abertos, e o associam à gravitação,
com a qual permanecerá unido na boa ou má sorte, até o dia em que um dos dois ou
ambos forem substituídos por outra coisa. Há trezentos anos, reinava o plenum por toda a
parte; depois, foi convertido em um lúgubre vazio; e mais tarde os oceanos siderais, que a
Ciência havia dissecado, voltaram novamente a encher-se de ondas etéreas. Recebe ut
procedas deve ser a divisa da "ciência exata"; "exata", sobretudo, em se reconhecer inexata
194
cada ano bissexto.
Não questionemos, porém, com os grandes homens. Foi preciso que retornassem aos
primitivos "Deuses de Pitágoras" e ao "velho Kanâda" para dar com o osso e a medula das
correlações e descobertas "mais recentes"; e isto bem pode acenar com uma boa
esperança aos ocultistas, no tocante aos seus deuses menores. Porque acreditamos na
profecia de Le Couturier acerca da gravitação. Sabemos que se aproxima o dia em que os
próprios homens de ciência, como já o fez Sir William Grove, F. R. S., exigirão uma reforma
completa dos processos atuais da Ciência. Até esse dia nada há que fazer. Porque, se a
gravitação fosse amanhã destronada, no dia seguinte os homens de ciência descobririam
outro modo novo de movimento mecânico (13). Rude e alcantilado é o caminho da
verdadeira Ciência, e os seus dias estão cheios de contrariedades para o espírito. Contudo,
em face de suas "mil" hipóteses contraditórias, propostas para explicar os fenômenos
físicos, não houve nenhuma hipótese melhor que a do "movimento" - por mais paradoxal
que seja a interpretação que lhe dá o materialismo. Como se pode ver nas primeiras
páginas deste volume, nada têm os ocultistas que dizer contra o Movimento (14), o Grande
Sopro do "incognoscível" de Herbert Spencer. Mas, crendo que tudo quanto existe na Terra
é o reflexo de algo que existe no Espaço, creem em "Sopros" menores, vivos, inteligentes e
independentes de tudo, salvo da Lei, e que atuam em todas as direções durante os
períodos manvantáricos. A Ciência não lhes admitirá a existência; mas, seja o que for que se
ponha no lugar da atração, aliás gravitação, o resultado será o mesmo. A Ciência estará tão
longe da solução das dificuldades como agora, a menos que entre em relações com o
Ocultismo e até com a Alquimia - suposição que será considerada como impertinência, mas
que não deixará de ser um fato. Já o disse Faye:
"Aos geólogos falta algo para fazerem a geologia da Lua: serem astrônomos. Também
aos astrônomos, em verdade, falta algo para se dedicarem eficazmente a esse estudo:
serem geólogos." (15)
"O espaço trans-solar não revelou, até agora, nenhum fenômeno análogo ao nosso
sistema solar. Uma peculiaridade do nosso sistema é que a matéria se tenha condensado,
196
dentro dele, em anéis nebulosos, cujos núcleos, condensando-se, formaram as terras e as
luas. Insisto: até agora nada de semelhante foi jamais observado além. do nosso sistema
planetário." (17)
É verdade que depois de 1860 apareceu a Teoria Nebular, e que, mais bem
conhecida, fez supor que haviam sido observados fenômenos idênticos além do
Sistema Solar. Apesar disso, está com inteira razão aquele grande homem, e não se
podem encontrar terras ou luas, salvo na aparência, fora do nosso Sistema, ou que
sejam formadas com a mesma espécie de Matéria que neste existe. Tal é a Doutrina
Oculta.]
O próprio Newton o provou; pois há em nosso Sistema Solar muitos fenômenos que
ele se confessava incapaz de explicar por meio da lei de gravitação, tais, por exemplo,
"a uniformidade de direção dos movimentos planetários, a forma quase circular das
órbitas, e sua singular conformidade a um plano" (18). Ora, existisse uma só exceção e
não se poderia falar da gravitação como lei universal. Dizem-nos que "Newton, em seu
Scholium geral, declara que esses ajustamentos são obra de um Ser inteligente e todo-
poderoso". Que seja inteligente esse Ser, admite-se; mas, quanto a "todo-poderoso",
há toda uma série de razões para pô-lo em dúvida. Pobre "Deus" seria aquele que se
ocupasse de pequenas minúcias e deixasse as mais importantes a forças secundárias! A
pobreza dessa argumentação e dessa lógica só é ultrapassada por Laplace, que,
procurando mui justamente substituir pelo Movimento o "Ser todo-poderoso de
Newton, e ignorando a verdadeira natureza desse Movimento Eterno, não viu nele
mais que uma lei física cega". "Não poderiam aqueles ajustes ser um efeito das leis do
movimento?" - pergunta, esquecendo, como todos os nossos homens de ciência
modernos, que essa lei e esse movimento formam um círculo vicioso, enquanto a
natureza de ambos permanecer inexplicada. Sua famosa resposta a Napoleão: "Dieu est
devenu une hypothêse inutile", só poderia dá-la corretamente quem aderisse à filosofia
vedantina. Não passa de puro sofisma, se excluímos a intervenção de Seres ativos,
inteligentes e poderosos (nunca "todo-poderosos"), que são chamados "Deuses".
Mas desejaríamos perguntar aos críticos dos astrônomos da Idade Média: Por que
acusar Kepler de ser tão anticientífico, quando ele oferece exatamente a mesma
solução de Newton, mostrando-se até mais sincero, mais consequente e lógico do que
este? Onde está a diferença entre o "Ser todo-poderoso" de Newton e os Reitores de
Kepler, suas Forças Siderais e Cósmicas, ou Anjos? Kepler também é criticado por sua
"curiosa hipótese em que intervém um movimento vertiginoso dentro do Sistema
Solar", por suas teorias em geral, e por comungar nas ideias de Empédocles sobre a
atração e repulsão, e em particular sobre o "magnetismo solar". No entanto, vários
homens de ciência modernos - R. Hunt, se devemos excluir Metcalfe, o Dr. B. W.
Richardson, etc. -, como se verá, são decididamente favoráveis às mesmas ideias. Em
todo caso, a Kepler se desculpa pela metade, sob a escusa de que:
"Até a época de Kepler não se havia ainda reconhecido claramente interação nenhuma
entre massas de matéria, que diferisse genericamente do magnetismo." (19)
197
E acaso está hoje claramente reconhecido? Pretenderá o Professor Winchell
atribuir à Ciência algum conhecimento sério sobre a natureza da eletricidade ou do
magnetismo - exceto que essas duas forças parecem ser os efeitos de algo produzido
por uma causa não determinada?
As ideias de Kepler, escoimadas de suas tendências teológicas, são puramente
Ocultas. Observou ele que:
I. O sol é um grande ímã (20). É o que também creem alguns eminentes homens
de ciência modernos, assim como os ocultistas.
II. A substância solar é imaterial (21). No sentido de Matéria existente em estados
desconhecidos da Ciência, é óbvio.
III. Atribuiu a um ou mais Espíritos a perpétua vigilância sobre o movimento dos
planetas e sobre a restauração constante da energia do Sol. Toda a antiguidade
compartia dessa crença. Os ocultistas não usam a palavra Espírito, referindo-se a
Forças Criadoras dotadas de inteligência; mas podemos também chamá-las Espíritos.
Seremos acusados de contradição. [Dirão que, negando Deus, admitimos Almas e
Espíritos atuantes, e que citamos escritores católicos romanos fanáticos em apoio de
nossos argumentos. Eis a resposta: Negamos o Deus antropomórfico dos monoteístas,
mas nunca o Princípio Divino na Natureza. Combatemos os protestantes e os católicos
romanos no tocante a certo número de crenças dogmáticas teológicas de origem
humana e sectária. Estamos de acordo com eles quando creem em Poderes e Espíritos
ativos inteligentes, apesar de não rendermos culto aos "Anjos" como o fazem os
católicos da Igreja latina.]
Tal doutrina é condenada muito mais por causa do "Espírito", que nela tem lugar,
do que por outra razão qualquer. Herschel (pai) também acreditava nela, e outro
tanto sucede com vários homens de ciência modernos. O que não impediu o Professor
Winchell de dizer que "nunca houve nos tempos antigos e modernos uma hipótese
mais ilusória e menos consentânea às exigências dos princípios físicos" (22).
Já se disse a mesma cousa, tempos atrás, do Éter universal, e hoje ele não somente
é aceito, de bom ou mau grado, mas ainda considerado como a única explicação
possível para certos mistérios.
As ideias de Grove, quando as expôs pela primeira vez em Londres, no ano de
1840, foram declaradas anticientíficas; não obstante, sua teoria da Correlação das
Forças é hoje universalmente admitida. Haveria mister, certamente, de alguém mais
versado em ciência que a autora, para combater com mais probabilidade de vitória as
ideias que hoje predominam com respeito à gravitação e a outras "soluções" similares
dos mistérios cósmicos. Lembramos, contudo, algumas objeções apresentadas por
sábios de renome, por astrônomos e físicos eminentes, que refugaram a teoria da
rotação, bem como a da gravitação. Lê-se, por exemplo, na Enciclopédia Francesa que
"a Ciência admite, segundo a opinião unânime dos seus representantes, que é
impossível explicar a origem física do movimento rotatório do sistema solar".
Se perguntamos: "Qual é a causa da rotação?" - respondem-nos: "É a força
centrífuga". "E esta força, que é que a produz?" "A força da rotação" - dizem-nos com
198
toda a seriedade (23).
Conveniente será examinar até que ponto essas duas teorias se acham
relacionadas entre si, direta ou indiretamente.
200
SEÇÃO IV
AS TEORIAS CIENTÍFICAS DA ROTAÇÃO
CONSIDERANDO que "a causa final é julgada uma quimera, e que a Grande Causa
Primeira é relegada à esfera do Desconhecido", o número das hipóteses que têm sido
formuladas é extraordinário, uma verdadeira nuvem, conforme deplora com justa razão um
venerando senhor. O estudante profano fica perplexo, e não sabe em qual das teorias da
ciência exata deve acreditar. Damos em seguida uma série de hipóteses suficiente para
satisfazer todos os gostos e capacidades intelectuais. Todas elas foram recolhidas de obras
científicas.
(a) Devemos o nascimento dos planetas: 1º a uma explosão do Sol, um parto de sua
massa central (4); ou: 2º a uma espécie de ruptura dos anéis nebulosos.
(b) "Os cometas são estranhos ao sistema planetário" (5). "É incontestável que os
cometas são gerados em nosso sistema solar" (6).
(c) "As estrelas fixas carecem de movimento", diz uma autoridade. "Todas as estrelas
estão realmente em movimento", responde outra voz autorizada. “É fora de dúvida que
todas as estrelas se movem" (7).
(d) "Desde há uns 350.000.000 de anos jamais cessou por um instante sequer o lento e
majestoso movimento do Sol em redor do seu eixo" (8).
(e) "Crê Mædler que... o nosso sol tem Alcíone, nas Plêiades, como centro de sua órbita,
e que são necessários 180.000.000 de anos para chegar ao fim uma só de suas revoluções"
(9).
(f) "O sol começou a existir há 15.000.000 de anos, e só emitirá calor por mais
10.000.000 de anos" (10).
Não faz muito tempo, este mesmo cientista eminente, que assim se manifesta, dizia ao
201
mundo que o tempo que foi necessário para o resfriamento de Terra, desde o início da
formação de sua crosta até o seu estado atual, não podia exceder de 80.000.000 de anos
(11). Se a idade da Terra a partir da crosta sólida é de 40.000.000 de anos, ou metade
daquela duração, e a idade do Sol não vai além de 15.000.000, devemos então concluir que
em certa época a Terra foi independente do Sol?
Como as idades do Sol, dos planetas e da Terra, segundo as diferentes hipóteses
científicas dos astrônomos e dos físicos, são mencionadas em outro lugar, julgamos haver
dito o bastante para mostrar o desacordo que reina entre os corifeus da ciência moderna.
Quer aceitemos os quinze milhões de anos de Sir William Thomson, ou os mil milhões do Sr.
Huxley, para a evolução rotatória do nosso Sistema Solar, o resultado será sempre o
seguinte: admitir aquela suposição da Ciência, isto é, a rotação gerada por si mesma, para
os corpos celestes, compostos de Matéria inerte e, não obstante, animados por seu próprio
movimento interno, durante milhões de anos, equivale:
(a) a uma negação evidente da lei física fundamental que declara "que um corpo tende
perpetuamente para a inércia, ou seja, para continuar no mesmo estado de movimento ou
de repouso, a menos que intervenha uma força externa ativa e superior, que o impulsione a
outro estado";
(b) a admitir um impulso original, que culminaria em um movimento inalterável, dentro
de um Éter resistente, que Newton declarou incompatível com esse movimento;
(c) a reconhecer a gravidade universal, que, segundo nos ensinam, sempre tende para
um centro em queda retilínea - causa única da revolução de todo o Sistema Solar, que
executa eternamente uma dupla rotação, girando cada corpo ao redor do seu eixo e
percorrendo a sua órbita. Ou, conforme outra versão que por vezes deparamos:
(d) a aceitar que o Sol seja um ímã, ou que aquela revolução se deva a uma força
magnética que atua exatamente como a gravitação, em linha reta, e varia na razão inversa
do quadrado das distâncias (12);
(e) a dizer que tudo obedece a leis invariáveis e imutáveis, que, todavia, vemos
modificarem-se muitas vezes, como sucede, por exemplo, quando alguns planetas ou
outros corpos se dão ·a certos caprichos bem conhecidos, ou quando os cometas se
aproximam ou se afastam do Sol;
(f) a sustentar que existe uma Força Motrix sempre proporcional à massa sobre que.
atua, mas independente da natureza específica desta massa; o que significa dizer, como o
faz Le Couturier, que:
Massa que, ademais, obtém o seu peso do corpo sobre o qual pesa.
De modo que nem as concepções de Laplace sobre um fluido solar atmosférico que se
estenderia além das órbitas dos planetas, nem a eletricidade de Le Couturier, nem o calor
de Foucault (14), nem isto, nem aquilo, pode jamais servir de ajuda a qualquer das
202
numerosas hipóteses a respeito da origem e permanência da rotação, para escapar à roda
desse círculo vicioso; como tampouco pode fazê-lo a própria teoria da gravitação. Este
mistério é o leito de Procusto da ciência física. Se a Matéria é passiva, como nos ensinam
agora, o mais simples movimento não pode ser uma propriedade essencial da Matéria, pois
esta é considerada apenas uma massa inerte. Como, pois, um movimento tão complicado,
composto e múltiplo, harmonioso e equilibrado, que persiste durante eternidades, por
milhões e milhões de anos, pode simplesmente ser atribuído à sua própria força inerente,
se esta não é uma Inteligência? Uma vontade física é coisa inteiramente nova: um
conceito que certamente jamais teria ocorrido aos antigos! [Faz mais de um século que
se aboliu toda distinção entre corpo e força. "A Força" - dizem os físicos - "é tão só a
propriedade de um corpo em movimento"; "a vida, propriedade de nossos órgãos
animais, não é senão o resultado de sua disposição molecular" - respondem os
fisiólogos, Segundo ensina Littré:
Diz um astrônomo:
"Nós falamos da gravidade dos corpos celestes: mas, como se reconhece que o peso
decresce proporcionalmente à distância do centro, torna-se evidente que, a certa distância,
o peso deve forçosamente reduzir-se a zero. Se ali houvesse alguma atração, haveria
equilíbrio... E como a escola moderna não admite acima nem abaixo no espaço universal, é
de indagar-se o que provaria a queda da Terra, se não existisse gravitação, nem atração."
(16)
Quero crer que o Conde De Maistre estava com a razão ao resolver a questão
segundo suas próprias ideias teológicas. Ele corta o nó górdio, dizendo: "Os astros
giram porque há quem os faz girar... e o sistema físico moderno do universo é uma
impossibilidade física" (17). Não disse Herschel a mesma coisa, quando observou que é
necessária uma Vontade para imprimir um movimento circular, e outra Vontade para
desviá-lo? (18) Isso mostra e explica como um planeta que se atrasa é bastante hábil
para calcular o seu tempo com precisão tal que lhe permite chegar no minuto fixo
exato. Pois, se é certo que a Ciência consegue por vezes, à força de muito engenho,
explicar alguns desses atrasos, movimentos retrógrados, ângulos fora das órbitas, etc.,
como aparências que resultam da desigualdade entre a sua e a nossa marcha no
percurso de nossas respectivas órbitas, não é menos certo que há outros "desvios bem
reais e consideráveis", segundo Herschel, "que não podem ser explicados senão pela
ação mútua e irregular daqueles planetas e pela influência perturbadora do sol".
203
Entendemos, porém, que, além dessas pequenas e acidentais perturbações,
existem outras perturbações contínuas, ditas "seculares" (por causa da extrema
lentidão com que se acentua a irregularidade e influi nas relações do movimento
elíptico), e que essas perturbações podem ser corrigidas. Desde Newton - para que
este mundo necessitava de reparações frequentes - até Reynaud, todos dizem a mesma
coisa. Em seu Ciel et Terre, diz este último:
"As órbitas descritas pelos planetas estão longe de ser imutáveis, e estão, pelo
contrário, sujeitas a perpétuas alterações em suas posições e formas." (19)
Admitiu ele que a gravitação e as leis da translação se mostram tão negligentes quanto
prestes em corrigir seus erros. A censura, tal como está formulada, é a de que:
A isso, De Mirville - que, como nós, acredita que "obreiros" inteligentes dirigem
invisivelmente o Sistema Solar - observa com muito espírito:
"Eis aí, certamente, uma viagem que leva consigo pouca precisão mecânica; quanto ao
mais, poder-se-ia compará-la à de um vapor, atirado de um lado para outro, sacudido pelas
ondas, retardado ou acelerado, podendo cada um estes embaraços adiar indefinidamente a
chegada, se não fosse a inteligência de um piloto e dos maquinistas para recuperar o tempo
perdido e reparar as avarias." (20)
A lei da gravidade parece converter-se, por outro lado, em uma lei caduca no céu
estrelado. Pelo menos, esses Primitivos siderais de longa cabeleira, que chamamos
cometas, parece que respeitam muito pouco a majestade dessa lei, desafiando-a
impudentemente. Contudo, e embora apresentem em quase todos os aspectos
"fenômenos ainda não perfeitamente esclarecidos", creem os partidários da ciência
moderna que os cometas e os meteoros obedecem às mesmas leis e são constituídos pela
mesma Matéria "que os sóis, as estrelas e as nebulosas" e, até, "que a Terra e os seus
habitantes" (21).
É o que poderíamos dizer: admitir as coisas em confiança, mais ainda, com fé cega. Mas
não se pode discutir a ciência exata, e os que rejeitassem as hipóteses imaginadas por seus
discípulos (a gravitação, por exemplo) seriam tidos como ignorantes e insensatos. Não
obstante, o autor que acabamos de citar nos conta uma curiosa lenda, recolhida dos anais
científicos.
"O comera de 1811 possuía uma cauda que media 120 milhões de milhas de
204
comprimento e 25 milhões de milhas de diâmetro em sua parte mais larga, enquanto o
diâmetro do núcleo era aproximadamente de 127.000 milhas, ou seja, mais de dez vezes o
da Terra."
"Para que corpos de tamanha magnitude passem perto da Terra sem influir no
movimento desta ou alterar de um segundo sequer a duração do ano, seria necessário que
a substância deles fosse rarefeita a um grau inconcebível."
A Ciência é como a mulher de César, não deve ser objeto de suspeita; é evidente. Mas é
permitido criticá-la respeitosamente; e, em todo caso, pode-se recordar-lhe que a "maçã" é
uma fruta perigosa. Pela segunda vez na história da humanidade, pode tornar-se a causa da
Queda - e, já agora, da queda da Ciência "exata". Um cometa, cuja cauda desafia a lei da
gravidade nas barbas do próprio Sol, dificilmente pode ser considerado submisso a essa lei.
Em uma série de obras científicas sobre Astronomia e a teoria nebular, escritas entre
1865 e 1866, a autora deste livro, modesta aprendiz em ciências, anotou, no espaço de
algumas horas, não menos de trinta e nove hipóteses contraditórias, oferecidas para
explicar o movimento rotatório original, gerado por si mesmo, dos corpos celestes. A autora
'não é astrônoma, nem matemática, nem cientista; sentiu-se, porém, na obrigação de
estudar tais divergências, a fim de defender o Ocultismo em geral, e coisa ainda mais
importante, de expender argumentos em prol dos ensinamentos ocultos concernentes à
Astronomia e à Cosmologia. Os ocultistas viram-se sob a ameaça de terríveis penas por se
permitirem pôr em dúvida as verdades científicas, mas agora readquirem a coragem. A
Ciência está menos segura em sua posição "inexpugnável" do que se poderia imaginar, e
muitas de suas fortalezas foram construídas sobre areia bastante movediça.
Esse modesto estudo, e pouco científico, que então fizemos, foi portanto útil e
certamente muito esclarecedor. Aprendemos, com efeito, uma porção de coisas,
entregando-os sobretudo ao exame atento daqueles dados astronômicos que mais
provavelmente deviam entrar em conflito com as nossas crenças heterodoxas e
205
"supersticiosas".
Descobrimos, por exemplo, no que concerne à gravitação, aos movimentos em redor do
eixo e na órbita, que, uma vez dominado o movimento síncrono nas fases primitivas, isso
foi suficiente para originar um movimento rotatório até o fim do Manvantara. Também
chegamos a conhecer, em todas as já mencionadas combinações de possibilidades que
dizem respeito à incipiente rotação (complicadíssimas em todos os casos), algumas das
causas a que pode ser atribuída, bem como outras que deviam originá-la, assim não
acontecendo por uma razão qualquer.
Entre outras coisas, ficamos sabendo que a rotação original pode ser provocada com a
mesma facilidade numa massa em estado de fusão ígnea como em outra que esteja
caracterizada por uma opacidade glacial (23). Que a gravitação é uma lei a que nada pode
sobrelevar, mas que, não obstante, se deixa vencer, no tempo devido ou fora de tempo,
pelos corpos celestes ou terrestres mais ordinários - como, por exemplo, as caudas de
cometas impertinentes. Que devemos o Universo à Santa Trindade Criadora: Matéria
Inerte, Força Inconsciente Acaso Cego. Da verdadeira essência e natureza de qualquer um
destes três fatores, nada sabe a Ciência; mas isto é um pormenor insignificante.
Aprendemos, assim, que, quando uma massa de matéria cósmica ou nebular - cuja
natureza é absolutamente desconhecida, e que se pode encontrar em estado de fusão
(Laplace), ou obscura e fria (Thomson), pois "esta mesma intervenção de calor é pura
hipótese" (Faye) - se decide a dar prova de sua energia mecânica sob a forma de rotação,
essa massa procede do seguinte modo: ou desata em uma conflagração espontânea, ou
permanece inerte, obscura e fria, sendo ambos esses estados capazes de fazê-la rodar
através do Espaço, sem causa razoável, durante milhões de anos. Seus movimentos podem
ser retrógrados ou diretos, pois se apresentam umas cem razões diferentes para ambos os
movimentos, fundadas em outras tantas hipóteses. Como quer que seja, ela se confunde
com o labirinto de estrelas cuja origem pertence ao mesmo gênero espontâneo e
milagroso; porquanto:
"A teoria nebular não se propõe descobrir a ORIGEM das coisas, mas apenas uma fase
da história da matéria." (24)
Esses milhões de sóis, planetas e satélites, compostos de matéria inerte, giram, pois, no
firmamento, em imponente e majestosa simetria, movidos e guiados tão somente, apesar
de sua inércia, "por seu próprio movimento interno".
É de estranhar, depois de tudo isso, que místicos ilustres, católicos romanos piedosos e
até astrônomos cultos, como Chaubard e Godefroy (25), tenham preferido a Cabala e os
antigos sistemas à triste e contraditória interpretação moderna do Universo? O Zohar, pelo
menos, distingue entre "as Hajaschar (as Forças de Luz), as Rachoser (as Luzes Reflexas) e a
simples exterioridade fenomenal de seus tipos espirituais" (26).
Podemos agora abandonar a questão da "gravidade", e examinar outras hipóteses.
Claro está que a Ciência física nada sabe a respeito das "Forças". Todavia, para rematar
os nossos argumentos, recorremos ainda a outro homem de ciência, o Professor
Jaumes, membro da Academia de Medicina de Montpellier. Eis o que diz este sábio
206
com referência às Forças:
"Causa é aquilo que atua essencialmente na genealogia dos fenômenos, assim em todas
as produções como em todas as modificações. Disse eu que a atividade (ou força) é
invisível... Supô-la corpórea e imanente às propriedades das matéria seria uma hipótese
gratuita... Remontar a Deus todas as causas... equivaleria a sustentar uma hipótese
contrária a muitas verdades. Mas falar de uma pluralidade de forças procedentes da
Divindade e dotadas de poderes próprios, que lhes são inerentes, não é contrário à razão...
e estou disposto a admitir a existência de fenômenos produzidos por agentes
intermediários chamados Forças ou Agentes Secundários. A distinção das Forças é o
princípio da divisão das ciências; tantas Forças reais e separadas, outras tantas ciências-
fundamentais... Não; as Forças não são suposições nem abstrações, senão realidades ativas,
cujos atributos podem ser determinados com o auxílio da observação direta e da indução."
(27)
(11). Thomson e Tait, Natural Philosophy. Bischof discorda de Thomson quanto a estas
cifras, e calcula que seriam necessários 350.000.000 de anos à Terra para se resfriar de uma
temperatura de 20.000° a 200° centígrados. Esta é também a opinião de Helmholtz.
(12). Lei de Coulomb.
(13). Musée des Sciences, 15 de agosto, 1857.
(14). Panorama des Mondes. p. 55.
(15). Revue des Deux Mondes, 15 de julho, 1860.
(16). Cosmographie.
(17). Soirées de Saint-Petersbourg, notas da palestra XI, pp. 362-3.
(18). Discours, p. 165.
207
(19). Página 28.
(20). Der Esprits, tomo IV, pp. 155-6, "Deuxieme Mémoire", UI.
(21). Modern Science and Modern Thought, de Laing.
(22). Ibid., p. 17.
(23). Heaven and Earth.
(24). Winchell, World-Life, p. 196.
(25). L'Univers expliqué par la Révélation e Cosmogonie de la Révélation. Veja-se, porém, a
Deuxième Mémoire de De Mirville. O autor, inimigo fidagal do Ocultismo, escreveu, não
obstante, grandes verdades.
(26). Veja-se Kabbala Denudada, II, p. 67.
(27). "Sur la Distinction des Forces, publicado nas Mémoires de l'Académie des Sciences de
Montpellier, vol. II, fac. I, 1854.
208
SEÇÃO V
AS MÁSCARAS DA CIÊNCIA
Física ou Metafísica?
SE NA TERRA existe algo parecido com o progresso, dia virá em que a Ciência terá
que renunciar, nolens volens, a ideias tão monstruosas como as de suas leis físicas que
se governam a si mesmas, vazias de Alma e de Espírito; e haverá então de voltar-se
para as Doutrinas Ocultas. Já o tem feito, sejam quais forem as alterações dos títulos e
as edições corrigidas no catecismo científico. Faz agora mais de meio século, verificou-
se, comparando o pensamento moderno com o antigo, que a nossa filosofia, apesar
de sua aparente divergência com a de nossos antepassados, se compõe tão só de
somas e restos tomados da filosofia antiga e transmitidos gota a gota através do filtro
dos antecedentes.
Esse fato era bem conhecido de Faraday e de outros cientistas eminentes. Os
Átomos, o Éter, a própria Evolução, todas estas noções vieram até a Ciência moderna
procedentes de conceitos antigos; todas são baseadas em ideias de povos arcaicos.
"Conceitos" que para o profano revestem a forma de alegorias, mas que eram claras
verdades ensinadas aos Eleitos durante as Iniciações; verdades que, parcialmente
divulgadas pelos escritores gregos, chegaram até os nossos dias.
Não quer isso dizer que o Ocultismo houvesse algum dia esposado, sobre a
Matéria, os Átomos e o Éter, as mesmas opiniões que se encontram no exoterismo
dos escritores clássicos gregos. Aliás, Faraday (se devemos crer no que diz o Sr. John
Tyndall ) pertencia à escola aristotélica, e era mais agnóstico que materialista. Em seu
Faraday, as a Discooerer (1), Tyndall nos diz que o grande físico adotava "as velhas
reflexões de Aristóteles", que "se encontram de forma concisa em algumas de suas
obras". Mas Faraday, Boscovitch e todos os mais que veem nos átomos e nas
moléculas "centros de força", e no elemento correspondente à Força. uma Entidade
autônoma, talvez estejam bem mais perto da verdade do que aqueles que, atacando-os,
atacam ao mesmo tempo a "antiga teoria corpuscular de Pitágoras" - teoria que, seja dito
de passagem, nunca passou à posteridade tal como realmente a ensinou o grande filósofo -
sob a alegação de que ela se baseia na "ilusão de que os elementos fundamentais da
matéria podem ser tomados como entidades distintas e reais".
O principal e o mais fatal dos erros cometidos pela Ciência, ao ver dos ocultistas,
consiste na ideia de que se possa admitir na Natureza algo que seja matéria morta ou
inorgânica. Pergunta o Ocultismo: Há algo morto ou inorgânico que seja capaz de
transformar-se ou alterar-se? E acaso existe sob o sol alguma coisa que permaneça
imutável ou constante?
[Para que alguma coisa esteja morta, é preciso que tenha estado viva em um momento
qualquer. Quando, em que período da Cosmogonia? Diz o Ocultismo que nunca a Matéria
se acha mais ativa do que quando parece morta. Um bloco de madeira ou de pedra está
209
imóvel e é impenetrável em todos os sentidos. Não obstante, e de facto, suas partículas
estão animadas de um movimento vibratório incessante, eterno, tão rápido que, para o
olho físico, o objeto parece em absoluto desprovido de movimento; e a distância daquelas
partículas entre si, no seu movimento vibratório, é tão grande (visa de outro plano de
existência e percepção) como a que separa flocos de neve ou gotas de chuva. Mas, para a
ciência física, isto será um absurdo.]
Em parte alguma se acha mais bem evidenciado esse falso raciocínio que na obra
científica de um sábio alemão, o Professor Philip Spíller. Em seu Tratado de Cosmologia
busca o autor demonstrar que:
Tal asserto, contudo, não impede Spiller de enunciar uma doutrina e um princípio
ocultos. Afirma ele a substancialidade independente da Força, e a define como uma
"matéria incorpórea" ou substância (unkörperlicher Stoff). Ora, em metafísica Substância
não é Matéria; pode-se admitir, no interesse da discussão, que a expressão foi mal
escolhida; mas tal se deve à pobreza dos idiomas europeus e, sobretudo, à escassez dos
termos científicos. Spiller identifica, então, essa "matéria" com o Æther. Expressa em
linguagem oculta, poder-se-ia dizer mais corretamente que aquela "Substância-Forçá" é o
Éter positivo fenomenal sempre ativo, Prakriti; ao passo que o Æther onipresente, que a
tudo impregna, é o Númeno do primeiro, a base de tudo, ou Akâsha.
StaIlo, porém, situa-se abaixo de Spiller e de todos os materialistas. É acusado de
"desconhecer por completo a correlação fundamental entre Força e Matéria", a respeito
das quais a Ciência nada sabe de positivo. Porque, na opinião de todos os demais físicos,
este "semiconceito hipostático" é não somente imponderável mas desprovido de forças
coesivas, químicas, térmicas, elétricas e magnéticas, de todas as quais o "Æther", segundo o
Ocultismo, é a Fonte e a Causa.
Eis porque Spiller, a despeito de todos os seus erros, revela mais intuição que outro
qualquer homem de ciência moderno, com exceção, talvez, do Dr. Richardson, o teórico da
"Força do Nervo" ou Éter Nervoso, e da "Força Solar e Força Terrestre" (3). Porque o
Æther, em Esoterismo, é a quintessência mesma de toda energia possível; e é certamente a
esse Agente Universal (composto de numerosos agentes) que se devem todas as
manifestações da energia nos mundos físicos, psíquico e espiritual.
Que são, na realidade, a luz e a eletricidade? Como pode a Ciência saber que uma é um
"modo de movimento" e a outra um fluido? Por que não se explica a razão de estabelecer-
se uma diferença entre elas, já que ambas são consideradas correlações de forças? A
eletricidade, dizem-nos, é um fluido imaterial e não molecular, embora Helmholtz seja de
opinião diferente; e a prova está em que a podemos engarrafar, acumular e conservar
como reserva. Logo, deve simplesmente ser matéria, e não um "fluido" especial. Não é
tampouco um "modo de movimento", pois que dificilmente se poderia armazenar
210
movimento em um garrafa de Leyden. Quanto à luz, seria um "modo de movimento" ainda
mais extraordinário, visto que, "por maravilhoso que pareça, a luz pode (também)
armazenar-se realmente para utilização oportuna", conforme o demonstrou Grove há cerca de
meio século.
"Tornai uma gravura que tenha sido conservada na escuridão durante alguns dias;
deixai-a exposta à plena luz solar, isto é, submetei-a à influência do sol por uns quinze
minutos; aplicai-a depois sobre papel sensível, em uma câmara escura. Ao cabo de vinte e
quatro horas, ter-se-á a sua impressão sobre o papel, os brancos aparecendo em preto...
Não parece que existam limites para a reprodução de gravuras." (4)
Que é que aparece fixado, colocado, por assim dizer, no papel? Certamente, o que fixa a
coisa é uma Força; mas esta coisa, cujo resíduo permanece sobre o papel, que é?
Os nossos homens de ciência sair-se-ão do embaraço por meio de alguns eruditos
termos técnicos; mas, que é que é interceptado daquele modo para deixar aprisionada uma
pequena parcela de si mesmo sobre cristal, papel ou madeira? É um "movimento" ou é
uma "força"? Ou nos dirão que o que permanece não é senão o efeito da Força ou do
Movimento? A Força ou Energia é uma qualidade, mas toda qualidade deve pertencer a
alguma coisa ou a alguém. Em Física, define-se a Força como "aquilo que modifica ou tende
a modificar toda relação física entre os corpos, seja mecânica, térmica, química, elétrica,
magnética, etc." Não é essa Força ou esse Movimento o que fica no papel, quando cessa de
atuar a Força ou o Movimento; e, no entanto, algo, que escapa à percepção dos nossos
sentidos físicos, foi ali deixado para se tornar, por sua vez, uma causa e produzir efeitos.
Que é? Não é Matéria, tal como a define a Ciência, isto é, Matéria em um de seus estados
conhecidos. Diria um alquimista que é uma secreção espiritual, e rir-se-iam dele. Mas
quando o físico dizia que a eletricidade armazenada é um fluido, ou que a luz fixada sobre o
papel é ainda a luz solar, isto era ciência. [Verdade é que autoridades mais recentes
repudiaram tais explicações como "teorias desacreditadas", e passam agora a divinizar o
Movimento como seu único ídolo. Mas não é menos verdade que tanto eles como o seu
ídolo compartirão um dia sorte igual à de seus antecessores!]
O ocultista experiente, que haja comprovado toda a série de Nidânas, de causas e
efeitos, que finalmente projetam o seu derradeiro efeito sobre este nosso plano de
manifestação; aquele que tenha investigado a Matéria até o seu Númeno, dirá que a
explicação do físico equivale a chamar à ira, ou seus efeitos (as exclamações por ela
provocadas), uma secreção ou fluido, e ao homem, que é a causa da ira, seu condutor
material. Mas, tal como profeticamente observou Grove, aproxima-se rapidamente o dia em
que se confessará que as Forças por nós conhecidas não passam de manifestações
fenomenais de Realidade a respeito das quais nada sabemos, enquanto que os antigos as
discerniam e veneravam.
Fez ele outra observação ainda mais significativa, que devia constituir-se em divisa da
Ciência, ao contrário do que sucede. Sir William Grave disse que:
211
"A Ciência não deveria alimentar desejos nem prevenções. A Verdade deveria ser o seu
único objetivo."
O que se vê, em nossos dias, é que os homens de ciência são mais obstinados e fanáticos
que o próprio clero. Porque, se realmente não adoram a "Força-Matéria", que é o seu Deus
Ignoto, oficiam em seu altar. E quão desconhecida ela é, pode-se inferir das numerosas
confissões dos físicos e biólogos mais eminentes, com Faraday em primeiro plano. Não só
disse ele que jamais se atreveria a declarar se a Força é uma propriedade ou uma função da
Matéria, mas ainda que não sabia, em verdade, o que se devia entender pela palavra
Matéria.
Tempo houve, acrescentou, em que acreditava saber algo sobre a Matéria. Mas, quanto
mais se adiantava na vida, quanto mais estudava com afinco, tanto mais se convencia de
sua completa ignorância quanto à natureza da Matéria (5).
[Essa confissão de incapacidade foi feita, cremos nós, durante um congresso científico
reunido em Swansea. Faraday partilhava da opinião de Tyndall, que declara:
“À parte a sua força, que sabemos a respeito do átomo? Imaginais um núcleo a que se
pode chamar a, e o rodeais de forças a que se pode dar o nome de m; para a minha mente,
o a ou núcleo se desvanece, e a substância consiste nos poderes m. E, efetivamente, que
ideia podemos formar do núcleo independente de seus poderes? Que pensamento subsiste
para fixar a noção de um a independente das forças admitidas?"]
Os ocultistas são amiúde mal compreendidos porque, na falta de melhores termos, dão
à Essência da Força, considerada sob certos aspectos, o epíteto descritivo de Substância.
Ora, os nomes das variedades da Substância, nos diferentes planos de percepção e
existência, constituem legião. O Ocultismo oriental possui uma denominação especial para
cada classe; mas a Ciência tem um só nome para todas - Substância, como ocorre na
Inglaterra, que, segundo um francês espirituoso, foi favorecida com trinta e seis religiões,
mas dispõe só de um molho para o pescado. Demais, nem os físicos ortodoxos, nem os seus
críticos, parecem estar muito seguros de suas premissas, e confundem tão facilmente os
efeitos como as causas. É inexato dizer, como o faz Stallo, por exemplo, que "não se pode
compreender melhor a Matéria, nem conceber-lhe a presença positiva no espaço, senão
como uma concreção de forças", ou que "a Força nada é sem a massa, e a massa nada é
sem a Força", porquanto uma é o Númeno, e a outra o fenômeno. Também, quando
Schelling disse que:
"Não passa de mera ilusão da mente admitir que algo, não sabemos o que, subsista
depois de havermos despojado um objeto de todos os seus atributos" (6),
jamais lhe passou pela ideia aplicar essa observação ao domínio da metafísica.
transcendental. É verdade que a Força pura não é nada no mundo físico, sendo Tudo no
reino do Espírito. Stallo diz que:
212
"Se reduzirmos a zero uma massa sobre a qual atua uma força dada, por pequena que
seja, ou, usando termos matemáticos, se a reduzirmos a infinitamente pequena, a
consequência será que a velocidade do movimento resultante passa a ser infinitamente
grande, e que o "objeto"... não estará, em qualquer momento dado, nem aqui nem ali, mas
em toda a parte; que não haverá presença real. É, portanto, impossível construir matéria
por meio de uma síntese de forças." (7)
Pode estar certo no mundo fenomenal, tanto mais quanto o reflexo da Realidade Una
do mundo supra-sensível apareça como real à estreiteza dos conceitos materialistas. É
absolutamente inexato quando se aplica o argumento a coisas pertencentes àquelas
esferas que os cabalistas chamam de supramundanas. A suposta Inércia é uma Força,
segundo Newton (8); e para o estudante das ciências esotéricas é a maior das forças
ocultas. Só neste plano de ilusão pode conceber-se um corpo divorciado de suas relações
com outros corpos, as que, segundo a física e a mecânica, dão lugar aos seus atributos. Tal
separação realmente nunca pode existir, sendo a própria morte incapaz de isolar o corpo
de suas relações com as Forças Universais, cuja síntese é a Força Única, a Vida; as relações
simplesmente continuam em outro plano. Mas, se Stallo tem razão, que pretende dizer o
Dr. James Croll quando, ao falar da "Transformação da Gravidade", expõe as mesmas ideias
sustentadas por Faraday, Waterston e outros? Porque ele diz com muita clareza que a
Gravidade
"é uma força que do Espaço exterior penetra nos corpos, e que não aumenta quando os
corpos se aproximam uns dos outros, como geralmente se supõe; o que sucede é que os
corpos passam a um meio onde a força reina com maior intensidade." (9)
Ninguém negará que uma Força, seja a gravidade, a eletricidade ou qualquer outra, que
exista fora dos corpos e no Espaço livre - quer se trate do Éter ou do vácuo -, deve ser
alguma coisa, e não mera abstração, quando a concebemos independente da massa. De
outro modo, dificilmente poderia existir com "intensidade" maior em um lugar e menor em
outro. É o que também diz G. A. Hirn em sua Théorie Mécanique de l'Univers, tentando
demonstrar:
As opiniões que acabamos de citar, expendidas por dois homens de ciência dos mais
eminentes em seus respectivos países, revelam que de nenhum modo é anticientífico falar
da substancialidade das chamadas Forças. Sujeita a receber no futuro um nome específico
qualquer, esta Força é uma Substância de alguma classe; e não pode ser outra coisa. E
quem sabe se a Ciência não será algum dia a primeira a novamente adotar o nome
ridicularizado de "flogisto". Seja qual for o nome que venha a prevalecer, sustentar que a
213
Força não reside nos Átomos, mas no "espaço que os separa", pode ser muito científico;
contudo, não é verdade. Para a mente do ocultista, seria o mesmo que dizer que a água não
está nas gotas que compõem o oceano, mas no espaço existente entre elas.
A objeção de que há duas escolas distintas de físicos, uma das quais
"encara essa força como uma entidade substancial independente, que não é uma
propriedade da matéria, nem está essencialmente associada à matéria" (10),
dificilmente ajudará o profano a ver com mais clareza. Pelo contrário, a objeção teria antes
o efeito de tornar a questão mais confusa do que nunca; porque então a Força não seria
nem isto nem aquilo. Considerando-a como "uma entidade substancial independente", a
teoria se aproxima do Ocultismo, mas a ideia estranha e contraditória de que a Força não
está "associada à matéria senão pelo poder que tem de atuar sobre ela" (11) conduz a
ciência física a hipótese antinômicas das mais absurdas. Quer se trate de "Força" ou de
"Movimento" (o Ocultismo, não vendo nenhuma diferença entre os dois termos, jamais
procura separá-los), não pode isso operar em um sentido para os partidários da teoria
átomo-mecânica, e em outro para os da escola rival. Também não é possível que, num
caso, os Átomos sejam absolutamente uniformes em tamanho e peso, e, no outro, tenham
peso diferente (lei de Avogadro). Porque, consoante as palavras do mesmo ilustre crítico:
"Ao passo que a igualdade absoluta das unidades primordiais da massa constitui assim
uma parte essencial das bases mesmas da teoria mecânica, toda a química moderna está
fundada em um princípio completamente oposto; princípio do qual se disse recentemente
'que ocupa em química o mesmo lugar que a lei de gravitação na astronomia' (12). Esse
princípio é conhecido sob o nome de lei de Avogadro ou de Ampère." (13)
Mostra isso que tanto a Química como a Física modernas laboram totalmente em erro
nos seus princípios fundamentais respectivos. Porque, se se declara absurda a suposição da
existência de átomos de gravidades específicas diferentes, com base na teoria atômica da
física, e se, não obstante, a química, fundando-se nessa mesma suposição, obtém uma
"comprovação experimental infalível" na formação e transformação dos compostos
químicos, é então evidente que a teoria átomo-mecânica não pode subsistir. A explicação
desta última, de que "as diferenças de peso não são mais que diferenças de densidade, e as
diferenças de densidade se devem às diferenças de distância entre as partículas
compreendidas em um espaço dado", carece realmente de validade, porquanto, antes de
poder o físico sustentá-la com o argumento de que, "não havendo no átomo multiplicidade
de partículas nem espaço vazio, são, por conseguinte, impossíveis as diferenças de
densidade ou de peso no caso dos átomos", é preciso que ele saiba, em primeiro lugar, o
que na realidade é um átomo, e é isto precisamente o que ele não pode saber. Teria que
submetê-lo à observação de um de seus sentidos físicos, pelo menos; não pode fazê-lo, pela
simples razão de que ninguém jamais viu, cheirou, ouviu, tocou ou degustou um átomo. O
átomo pertence totalmente ao domínio da Metafísica. É uma abstração convertida em
214
realidade (ao menos para a ciência física); e, estritamente falando, nada tem a ver com a
Física, pois nunca se pode submetê-lo à prova da retorta ou da balança. A concepção
mecânica passa a ser, portanto, um conglomerado confuso de teorias e dilemas os mais
opostos, para a mente dos numerosos homens de ciência que estão em desacordo tanto
neste ponto como em outros; e os ocultistas orientais, que acompanham essa luta
científica, contemplam com o maior pasmo a sua evolução.
Cheguemos a uma conclusão no tocante à questão da gravidade. Como pode a Ciência
crer que sabe algo de positivo sobre ela? Como pode sustentar sua posição e suas hipóteses
contra as dos ocultistas, que não veem na gravidade senão simpatia e antipatia, ou atração
e repulsão, causadas pela polaridade física em nosso plano terrestre, e por fatores
espirituais que escapam à sua influência? Como podem os homens de ciência discordar dos
ocultistas, antes de se porem eles mesmos de acordo entre si? Ouve-se falar, é verdade, da
Conservação da Energia, e, simultaneamente, da dureza e da falta de elasticidade dos
Átomos; da teoria cinética dos gases, idêntica à chamada "energia potencial"; e, ao mesmo
tempo, das unidades elementares de massa, absolutamente rígidas e sem elasticidade. O
ocultista abre um livro científico e lê o que se segue:
"O atomismo físico quer derivar das formas do movimento atômico todas as
propriedades qualitativas da matéria. Os próprios átomos ficam como elementos
completamente desprovidos de qualidade." (14)
E logo adiante:
"Os gases são compostos de átomos que se comportam como esferas sólidas,
perfeitamente elásticas." (16)
Finalmente, e para tudo coroar, vemos Sir William Thomson declarando que:
"A teoria moderna da conservação da energia não nos permite admitir a falta de
elasticidade, ou algo que não seja a perfeita elasticidade das moléculas últimas, tanto da
matéria ultra mundana como da matéria mundana." (17)
215
que se interpõe entre o aspecto terrestre da Matéria e o aspecto que, para nós, em nosso
plano de ilusão, é a Substância subjetiva, isto é, transcendentalmente objetiva, e foram
assim levados a proclamar a existência desta última. Tenha-se presente que, para o
ocultista, a Matéria é aquela totalidade de existência, no Cosmos, que entra em algum dos
planos de percepção possível.
Sabemos perfeitamente que as teorias ortodoxas a respeito do som, do calor e da luz
contrariam as doutrinas ocultistas. Mas não basta que os homens de ciência, ou seus
defensores, digam que não negam a potência dinâmica da luz e do calor, e apresentem
como prova a circunstância de que o radiômetro de Crookes não lhes modificou as
opiniões. Se querem aprofundar a natureza última dessas forças, têm que admitir
primeiramente a sua natureza substancial, por supra-sensível que seja essa natureza.
Tampouco negam os ocultistas a exatidão da teoria vibratória (18). Mas limitam as suas
funções à nossa Terra, declarando-a inoperante em outros planos além do nosso; pois os
Mestres em ciências ocultas percebem as Causas que produzem vibrações etéreas. Se tudo
isso não passasse de ficções dos alquimistas, ou de sonhos dos místicos, então homens
como Paracelso, Filaleto, Van Helmont e tantos outros deveriam ser considerados abaixo de
visionários; seriam impostores e mistificadores deliberados.
Os ocultistas são censurados por darem o nome de Substância à Causa da luz, do calor,
do som, da coesão, do magnetismo, etc. (19). Clerk Maxwell declarou que a pressão da luz
forte do sol sobre uma milha quadrada é, aproximadamente, de 3 1/4 libras. Diz-se que é "a
energia das miríades de ondas etéreas"; e, quando aqueles a chamam uma substância que
pesa sobre a referida área, proclama-se que tal explicação é anticientífica.
Nada justifica semelhante acusação. Conforme já esclarecemos mais de uma vez, os
ocultistas não se furtam de modo algum a admitir que as explicações da ciência oferecem a
solução dos agentes objetivos imediatos em atividade. A Ciência não se engana senão
quando acredita que, por haver descoberto nas ondas vibratórias a causa imediata de tais
fenômenos, revelou, por isso mesmo, tudo o que se encontra além do umbral dos sentidos.
Ela não faz mais que acompanhar a sucessão dos fenômenos em um plano de efeitos, que
são projeções ilusórias de uma região em que o Ocultismo penetrou há muito tempo. E o
Ocultismo afirma que aqueles estremecimentos etéricos não são postos em ação, como
pretende a Ciência, pelas vibrações das moléculas dos corpos conhecidos, da Matéria de
nossa consciência terrestre, mas que devemos buscar as Causas últimas da luz, do calor,
etc., na Matéria existente em estados supra-sensíveis, estados que são, não obstante, tão
plenamente objetivos para a visão espiritual do homem como o é um cavalo ou uma árvore
para o mortal ordinário. A luz e o calor são fantasmas ou sombras da Matéria em
movimento. Esses estados podem ser percebidos pelo Vidente ou pelo Adepto durante as
horas de êxtase, sob o Raio Sushumnâ (o primeiro dos Sete Raios Místicos do Sol) (20).
Devemos, portanto, reportar-nos ao ensinamento oculto que sustenta a realidade de
uma essência supra-substancial e supra-sensível daquele Akâsha (não do Éter. que é
somente um de seus aspectos), cuja natureza não se pode deduzir de suas manifestações
mais distantes, da série meramente fenomenal de seus efeitos, neste plano terrestre. A
Ciência, pelo contrário, nos declara que o calor jamais pode ser considerado como Matéria
em qualquer estado concebível. Para recordar aos dogmatizadores ocidentais que a
216
questão de modo algum se pode dar como solucionada, citaremos um crítico sumamente
imparcial e cuja autoridade ninguém porá em dúvida:
Não podemos dizer se o enunciado corresponde ou não à verdade; e muitos anos, talvez
muitas gerações, hão de se passar antes que sejamos capazes de o dizer (22) Também se
afirma que os dois grandes obstáculos à teoria do fluido (?) do calor são
incontestavelmente:
1º A produção do calor pelo atrito, pela excitação do movimento molecular.
2º A transformação do calor em movimento mecânico.
A resposta é: há fluidos de várias espécies. Diz-se que a eletricidade é um fluido, e ao
mesmo se dizia do calor ainda recentemente; mas isto porque se supunha que o calor fosse
alguma substância imponderável. Tal ocorria durante o reinado supremo e autocrático da
Matéria. Quando se destronou a Matéria e se proclamou o Movimento como o único
soberano do Universo, o calor passou a ser um "modo de movimento". Não desesperemos:
é possível que ele se transforme em outra coisa no dia de amanhã. Como o Universo, a
Ciência está sempre evolucionando, e nunca pode dizer: "Eu sou o que sou". Por outra
parte, a Ciência Oculta tem suas tradições imutáveis, que datam dos tempos pré-históricos.
Pode errar nos pormenores; mas nunca incorrerá em equívoco no tocante a questões da Lei
Universal, simplesmente porque esta Ciência, com justa razão qualificada como divina pela
Filosofia, nasceu em planos superiores e foi trazida à Terra por Seres mais sábios do que
será o homem, inclusive na Sétima Raça de sua Sétima Ronda. E esta Ciência afirma que as
Forças não são o que o ensinamento moderno pretende que sejam, isto é, afirma que o
magnetismo não é um "modo de movimento"; e, pelo menos quanto a este caso particular,
a ciência exata moderna sofrerá algum dia, com certeza, uma decepção.
A primeira vista, nada pode parecer mais ridículo, mais afrontosamente absurdo, que
dizer, por exemplo: O logue hindu iniciado sabe realmente dez vezes mais que o físico
europeu mais ilustre, sobre a natureza e a constituição última da luz, tanto solar como
lunar. E por que é, então, que ele acredita que o Raio Sushumnâ é o que proporciona à Lua
a luz que ela reflete? Por que é "o Raio querido do logue iniciado"? Por que consideram
esses logues a Lua como a divindade da Mente? É porque, respondemos nós, a luz, ou
melhor, todas as suas propriedades ocultas, todas as suas combinações e correlações com
outras forças mentais, psíquicas e espirituais, eram conhecidas perfeitamente dos antigos
Adeptos.
Por conseguinte, ainda que a Ciência oculta possa não estar tão bem informada quanto
a Química de hoje sobre o comportamento dos elementos compostos em vários casos de
correlação física, é contudo incomensuravelmente superior, em seu conhecimento dos
estados ocultos últimos da matéria e da verdadeira natureza desta, a todos os químicos e
217
físicos juntos de nossa época.
Ora, se dissermos a verdade com toda a franqueza e sinceridade, isto é, que os antigos
Iniciados tinham um conhecimento da física, como ciência da Natureza, muito mais amplo
que o de nossas Academias de Ciências, todas juntas, o asserto será tachado de
impertinentes e absurdo; porque se julga que as ciências físicas alcançaram em nossa época
o summum da perfeição. Daí a pergunta em que transparece o desdém: Podem os
ocultistas conciliar satisfatoriamente os dois pontos seguintes: (a) a produção do calor pelo
atrito, pela excitação do movimento molecular: e (b) a transformação do calor em força
mecânica - já que se atêm à velha e desacreditada teoria de que o calor é uma substância
ou um fluido?
Para responder, cumpre inicialmente observar que as ciências ocultas não consideram a
eletricidade, nem qualquer das forças que se supõe originadas por ela, como Matéria em
nenhum dos estados conhecidos pela ciência física. Ou mais claramente: nenhuma dessas
chamadas Forças é um sólido, um gás ou um fluido. Não fosse o receio de parecer
pedantismo, o ocultista chegaria mesmo a opor-se a que se chamasse de fluido a
eletricidade, por ser esta um efeito e não uma causa. Diria, porém, que o seu Númeno é
uma Causa Consciente. O mesmo se dá com a "Força" e com o "Átomo". Vejamos o que um
ilustre acadêmico, o químico Butlerof, pensa acerca dessas duas abstrações. Eis como se
expressa o eminente homem de ciência:
Informam-nos que a Ciência Moderna não é materialista; e nossa própria convicção nos
diz que não pode sê-lo, quando o seu saber é real. Há boas razões para isso, apresentadas,
inclusive, por alguns químicos e físicos. As ciências naturais não podem marchar de mãos
dadas com o materialismo. Para estar à altura de sua missão, devem os homens de ciência
repelir até mesmo a possibilidade de que as doutrinas materialistas tenham algo em
comum com a teoria atômica; e vemos que Lange, Butlerof, Du Bois Reymond - este último
talvez inconscientemente - e muitos outros o têm comprovado. Há ainda, para demonstrá-
lo, a circunstância de que Kanâda, na Índia, Leucipo e Demócrito, na Grécia, e, após estes,
Epicuro, ou seja, os primeiros atomistas conhecidos na Europa, ao mesmo tempo em que
propagavam sua doutrina das proporções definidas, criam em Deuses ou Entidades supra-
sensíveis. Suas ideias sobre a Matéria diferiam, portanto, das que hoje têm curso.
Seja-nos permitido tornar mais clara a nossa exposição por meio de um breve exame
sinóptico das teorias filosóficas antigas e modernas acerca dos átomos, e provar assim que
a Teoria Atômica elimina o Materialismo.
Do ponto de vista do Materialismo, que situa na Matéria a origem de todas as coisas, o
Universo em sua plenitude é, composto de átomos e de vácuo. Deixando mesmo de lado o
axioma ensinado pelos antigos, e já agora absolutamente demonstrado pelo telescópio e
pelo microscópio, de que a Natureza tem horror ao vácuo, que vem a ser o átomo? Escreve
o Professor Butlerof:
"Nesse caso, como se move o Universo, e como se relacionam entre si as suas forças?
Um mundo construído de átomos absolutamente não-elásticos é semelhante a uma
máquina sem vapor: está condenado à eterna inércia," (28)
220
matéria, o movimento e a inércia se convertem em subordinados daqueles Poderes. A
Ciência do Ocultismo é toda baseada na doutrina da natureza ilusória da matéria e na
divisibilidade infinita do átomo. Ela abre horizontes sem limites à Substância animada pelo
Sopro Divino de sua Alma em todos os estados sutis possíveis, estados ainda não sonhados
sequer pelos químicos e físicos mais espiritualmente predispostos.
As ideias que precedem foram enunciadas por um acadêmico que é o mais eminente
químico da Rússia, autoridade reconhecida em toda a Europa - o Professor Butlerof. É certo
que ele defendia os fenômenos dos espiritistas, as chamadas materializações, em que
acreditava, como também os Professores Zöllner e Hare, e ainda hoje os Srs. A. Russell
Wallace, W. Crookes e muitos outros, membros da Sociedade Real, aberta ou
secretamente. Mas o seu argumento quanto à natureza da Essência que opera por trás dos
fenômenos físicos da luz, do calor, da eletricidade, etc., não deixa, por isso, de ser menos
científico, nem se reveste de menos autoridade, e quadra admiravelmente ao caso de que
nos ocupamos. A Ciência não tem o direito de negar aos ocultistas a sua pretensão de um
conhecimento mais profundo das chamadas Forças, as quais, dizem eles, são unicamente os
efeitos das causas postas em ação por Poderes substanciais, ainda que supra-sensíveis, e
situadas muito além de toda espécie de Matéria até agora conhecida pelos homens de
ciência. O mais que a Ciência pode fazer é assumir e manter uma atitude de Agnosticismo.
Poderá então dizer: o vosso caso não está mais provado que o nosso; mas confessamos que
em verdade nada sabemos sobre a Força e a Matéria, ou sobre aquilo que há no fundo da
chamada correlação de Forças. Consequentemente, só o tempo pode decidir quem tem ou
não tem razão. Aguardemos com paciência; no entretempo, façamos prova de mútua
cortesia, em vez de nos ridicularizarmos uns aos outros.
Mas para tanto é de mister um amor ilimitado à verdade, e a renúncia àquele falso
prestígio de infalibilidade, adquirido pelos homens de ciência junto à massa dos profanos
ignorantes e superficiais. A fusão das duas Ciências, a arcaica e a moderna, requer antes de
tudo o abandono dos atuais rumos materialistas. Exige uma espécie de misticismo religioso,
e até mesmo o estudo da antiga Magia, estudo que os nossos acadêmicos jamais se
disporão a empreender. Essa necessidade explica-se facilmente. Assim como o verdadeiro
significado das Substâncias e dos Elementos mencionados nas antigas obras de Alquimia se
acha oculto sob a forma de metáforas, as mais ridículas, do mesmo modo as naturezas
física, psíquica e espiritual dos Elementos (o fogo, por exemplo) estão ocultas nos Vedas, e
sobretudo nos Purânas, sob alegorias que só os Iniciados são capazes de entender. Se não
tivessem nenhum significado, então todas aquelas extensas lendas a alegorias acerca do
caráter sagrado dos três tipos de Fogo e dos Quarenta e Nove Fogos originais -
personificados pelos Filhos das Filhas de Daksha e por seus Esposos os Rishis, os quais, com
o primeiro Filho de Brahma e os seus três descendentes, constituem os Quarenta e Nove
Fogos - não seriam mais que um palavreado néscio. Mas não é assim. Cada Fogo tem uma
função e um significado diferente no mundo físico e no mundo espiritual; e possui,
ademais, em sua natureza essencial, uma relação que corresponde a uma das faculdades
psíquicas do homem, sem falar de suas virtualidades químicas e físicas bem determinadas,
quando entra em contato com a Matéria diferenciada terrestre. A Ciência não tem
nenhuma teoria para oferecer a respeito do Fogo per se; o Ocultismo e a antiga ciência
221
religiosa o têm. Pode-se averiguá-lo até mesmo na fraseologia escassa e intencionalmente
velada dos Purânas, onde, como no Vâyu Purâna, se veem explicadas muitas das qualidades
dos Fogos personificados. Assim, Pâvaka é o Fogo Elétrico ou Vaidyuta: Pavamâna, o Fogo
produzido pelo atrito ou Nirmathya; e Shuchi, o Fogo Solar ou Saura (29); e os três são
filhos de Abhimânin, o Agni (Fogo), o filho mais velho de Brahma e Svâhâ. Além disso,
Pâvaka aparece como parente de Kavyavâhana, o Fogo dos Pitris; Shuchi, de Havyavâhana,
o Fogo dos Deuses; e Pavamâna, de Saharaksha, o Fogo dos Asuras.
Tudo isso mostra que os autores dos Purânas estavam perfeitamente familiarizados com
as Forças da Ciência e suas correlações, e também com as diferentes qualidades destas
últimas em sua relação com os fenômenos psíquicos e físicos, agora desconhecidos da
Ciência física, que não lhes dá crédito.
Naturalmente, quando o orientalista, e especialmente um daqueles de tendências
materialistas, não vê ali mais do que denominações do Fogo, usadas nas invocações e nos
rituais, dirá que se trata de "superstições e mistificações Tântrika"; e porá maior empenho
em evitar um erro de ortografia que em dar atenção ao significado oculto daquelas
personificações, ou em buscar-lhes a explicação nas correlações físicas das Forças, uma vez
estas conhecidas. Tem-se, realmente, em tão pequena conta o saber dos antigos arianos,
que até passagens sobremodo esclarecedoras, como a do Vishnu Purâna que
transcrevemos adiante, passam inteiramente despercebidas. Que podem significar, porém,
estas palavras?
225
SEÇÃO VI
ATAQUE DE UM HOMEM DE CIÊNCIA À TEORIA CIENTÍFICA DA FORÇA
É oportuno citarmos agora, em favor de nossos pontos de vista, as judiciosas palavras
de vários homens de ciência ingleses. Se alguns as condenam "por uma questão de
princípio", outros, a maioria, lhes dão tácita aprovação. Um deles quase vai ao ponto de
pregar doutrinas ocultas, valendo as suas ideias, em certos casos, e com frequência, por um
reconhecimento público do nosso "Fohat com os seus sete Filhos", o Gandharva oculto dos
Vedas, conforme poderão observar todos os ocultistas e até mesmo alguns leitores profanos.
Se esses leitores se dispuserem a abrir o volume V da Popular Science Review (1), ali
encontrarão um artigo sobre "A Força Solar e a Força Terrestre", escrito pelo Dr. B. W.
Richardson, F. R. S.; que diz o seguinte:
E ele formula uma lei, que considera absoluta, expressando-a nos seguintes termos:
"Em virtude da atração do calórico pela matéria ponderável, ele une e mantém juntas
todas as coisas; em virtude de sua própria energia repulsiva, separa e dispersa todas as
coisas."
Vê-se, desde logo, que é quase a explicação oculta da coesão. Prossegue o Dr.
Richardson:
"Não insistirei por mais tempo sobre esta unidade da energia solar e da força terrestre,
que semelhante teoria implica. Mas posso acrescentar que dela, ou da hipótese do simples
movimento como força e da propriedade sem substância, podemos deduzir as seguintes
conclusões, como a maior aproximação possível da verdade neste assunto, o mais profundo
e complexo de todos:
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a árvore, a árvore menos que o homem. Tudo no planeta está do mesmo modo
impregnado pelo éter! Um mundo se acha construído em fluido etéreo e se move no meio
de um oceano de éter.
(b) O éter, seja qual for a sua natureza, provém do Sol e dos Sóis (12); os sóis o geram, o
armazenam e o difundem (13).
(c) Sem o éter não poderia haver movimento; sem ele não poderiam as partículas de
matéria ponderável deslizar umas sobre as outras; sem ele deixaria de haver impulso para
fazer entrar em ação as partículas.
(d) O éter determina a constituição dos corpos. Se não existisse o éter, não poderia
haver mudança de constituição na substância; a água, por exemplo, só existiria como uma
substância compacta e insolúvel, em um grau para nós inconcebível. Nunca poderia ser
nem mesmo gelo, nem fluido, nem vapor, se não fosse o éter.
(e) O éter põe o Sol em relação como o planeta, o planeta com o planeta, o homem com
o planeta e o homem com o homem. Sem o éter não poderia haver comunicação alguma
no Universo; nem luz, nem calor, nem fenômeno algum de movimento."
Assim, vemos que o éter e os átomos elásticos são, na pretensa concepção mecânica do
Universo, o espírito e a alma do Cosmos; e que a teoria (seja qual for a maneira de expô-la e
a máscara com que se oculte) sempre deixa aos homens de ciência uma área de
especulações, fora dos rumos traçados pelo Materialismo moderno (14), muito mais ampla
do que a utilizada pela maioria. Quer se trate de Átomos, do Éter ou de ambos, não pode a
especulação moderna transpor o círculo do pensamento antigo; e este último estava
impregnado do Ocultismo arcaico. Teoria corpuscular ou teoria ondulatória, é tudo a
mesma coisa. São especulações derivadas dos aspectos dos fenômenos, não do
conhecimento da natureza essencial da causa e das causas. Quando a ciência moderna
explicou ao seu auditório as últimas experiências de Bunsen e Kirchoff; quando mostrou as
sete cores primárias de um raio que se decompõe, em determinada ordem, sobre uma tela;
e quando descreveu os comprimentos respectivos das ondas luminosas; que provou ela?
Justificou sua reputação da exatidão no cálculo matemático, medindo até a amplitude de
uma onda luminosa "que varia desde aproximadamente setecentos e sessenta
milionésimos de milímetro, no extremo vermelho do espectro, até cerca de trezentos e
noventa e três milionésimos de milímetro, no extremo violeta". Enquanto a precisão do
cálculo é assim alcançada no tocante ao efeito sobre as ondas luminosas, a Ciência vê-se,
contudo, obrigada a admitir que a Força - a suposta causa - produz, segundo se crê,
"ondulações inconcebivelmente diminutas" em algum meio - "geralmente identificado com
o meio etéreo" (15) -; meio este que ainda não passa de um "agente hipotético".
O pessimismo de Augusto Comte, quanto à possibilidade de se conhecer algum dia a
composição química do Sol, não foi, como se tem afirmado, desmentido trinta anos mais
tarde por Kirchoff. O espectroscópio nos permitiu verificar que os elementos familiares ao
químico moderno devem, segundo todas as probabilidades, estar presentes nos
"envoltórios" externos do Sol, e não no Sol em si mesmo; e os físicos, tomando estes
"envoltórios", o véu solar cósmico, pelo próprio Sol, têm declarado que a sua luminosidade
se deve à combustão e às chamas, e, confundindo o princípio vital desse brilho com uma
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coisa puramente material, chamaram-no "cronosfera" (16). Até agora, não temos senão
hipóteses e teorias, mas leis - de modo algum.
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SEÇÃO VII
VIDA, FORÇA OU GRAVIDADE
Os fluidos imponderáveis já tiveram o seu tempo; fala-se menos das Forças mecânicas;
a Ciência mudou de face neste último quarto de século; mas a gravitação sobrevive, graças
a novas combinações, depois de haver sido quase destruída pelas amigas. Pode ela
responder perfeitamente às hipóteses científicas, mas a questão está em saber se
corresponde igualmente à verdade, e se representa um fato da Natureza. A atração, por si
só, não é suficiente para explicar nem sequer o movimento planetário; como se pode supor
que explique o movimento de rotação nos infinitos do Espaço? A atração, ela só, jamais
preencherá todos os vazios, a menos que se admita um impulso especial para cada corpo
sideral e se demonstre que a rotação dos planetas e de seus satélites seja devida a alguma
causa combinada com a atração. Ainda assim - diz um astrônomo (1) - caberia à Ciência
explicar essa causa.
Há muitos séculos que o Ocultismo a nomeou, como também o fizeram os filósofos
antigos; mas agora todas essas crenças são consideradas como superstições ultrapassadas.
O Deus extracósmico eliminou toda possibilidade de crença em Forças inteligentes
intracósmicas. Mas quem, ou que, é o "impulsor" original daquele movimento? Diz
Francceur (2):
E ainda:
"A atração entre os corpos não é senão repulsão; é o Sol que os arrasta sem cessar;
porque de outro modo o seu movimento teria fim."
Se algum dia for aceita essa teoria, de que a Força Solar é a causa primeira de toda vida
sobre a Terra, e de todo movimento no céu, e também aquela outra teoria, ainda que como
hipótese provisória, formulada muito mais ousadamente por Herschel, a respeito da
existência de certos organismos no Sol, então as nossas doutrinas estarão justificadas, e
ficará demonstrado que a alegoria esotérica se antecipou provavelmente em milhões de
anos à Ciência Moderna, pois tais são os Ensinamentos Arcaicos. Mârtanda, o Sol, vigia e
ameaça seus sete irmãos, os planetas, sem abandonar a posição central em que sua Mãe,
Aditi, o confinou. Diz o Comentário (3):
Ele os persegue, girando lentamente sobre si mesmo... seguindo de longe a direção em
que se movem seus irmãos, no caminho que rodeia as suas casas - isto é, a órbita.
São os fluidos ou emanações do Sol que dão origem a todo movimento e chamam à vida
todas as coisas no Sistema Solar. É atração e repulsão, não como o entende a Física
moderna ou conforme a lei de gravidade, mas em harmonia com as leis do movimento
manvantárico, traçadas desde o primitivo Sandhyâ, a Aurora da reconstrução e reforma
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superior do Sistema. Essas leis são imutáveis; mas o movimento de todos os corpos -
movimento que varia e se altera em Kalpa menor - é regulado pelos Poderes Motores, as
Inteligência que têm sede na Alma Cósmica. Estaremos porventura incorrendo em grave
erro por acreditar em tudo isso? Pois eis aqui um eminente sábio de nossos dias que,
falando da eletricidade vital, emprega uma linguagem que se assemelha muito mais à do
Ocultismo que à do materialismo moderno. Encaminhamos o leitor céptico a um artigo
sobre "A Origem do Calor no Sol", de Robert Hunt, F. R. S. (4), que, referindo-se à envoltura
luminosa do Sol e à sua "aparência peculiar de coágulos", diz:
"Arago propôs que essa envoltura fosse chamada Fotosfera, nome hoje adotado
geralmente. Seu antecessor Herschel havia comparado a superfície dessa fotosfera à do
nácar... Ela se parece com o Oceano em um dia calmo de verão, quando a superfície líquida
se acha ligeiramente encrespada por uma suave brisa... Nasmyth descobriu uma condição
mais notável que outra qualquer até então suspeita... objetos com a forma curiosa de um
disco... como 'folhas de salgueiro'... de tamanhos diferentes... dispostos sem uma ordem
determinada... cruzando- se uns aos outros em todas as direções... com um movimento
irregular entre si... Veem-se aproximar-se e afastar-se uns dos outros, e assumir por vezes
novas posições angulares; tanto assim que a sua aparência foi comparada a um espesso
cardume de peixes, que a sua forma realmente lembra... O tamanho desses objetos dá uma
perfeita ideia da gigantesca escala em que são conduzidas as operações físicas (?) no sol.
Não devem eles medir menos de mil milhas de comprimento por duzentas a trezentas de
largura. A suposição mais plausível a respeito desses objetos em forma de folha ou disco é
a de que a fotosfera (5) constitui um imenso oceano de matéria gasosa [que espécie de
'matéria'?]... em um estado de incandescência [aparente] intensa, e que são as perspectivas
de projeções dos lençóis de chamas."
As "chamas" solares, vistas por meio dos telescópios, são reflexos - diz o Ocultismo.
Mas o leitor já se inteirou do que a esse respeito têm a dizer os ocultistas.
"O que quer que sejam (aqueles lençóis de chamas), é evidente que são as fontes
imediatas do calor e da luz solar. Temos aqui uma envoltura de matéria fotogênica (6) que
oscila com poderosa energia, e que, comunicando seu movimento ao meio etéreo do
espaço interestelar, produz o calor e a luz em remotos mundos. Dissemos que aquelas
formas foram comparadas a certos organismos, e Herschel diz: 'Muito embora seja por
demais ousado falar de semelhantes organismos corno participantes da vida [por que não?]
(7), não sabemos se essa ação vital é suscetível de desenvolver o calor, a luz e a
eletricidade...' Encerrará este belo pensamento uma verdade? Será porventura a pulsação
da matéria vital no sol central do nosso sistema a fonte de toda esta vida que enche a
Terra, e que sem dúvida se estende aos outros planetas, para os quais o sol é o poderoso
ministro?"
"Se considerarmos a Vida - a Força Vital - como um poder muito mais elevado que a luz,
o calor e a eletricidade, e capaz de exercer uma ação diretora sobre eles [isto é
absolutamente oculto]... estaremos certamente dispostos a aceitar com agrado essa
especulação que supõe seja a fotosfera a sede originária do poder vital, e a ver com poética
satisfação essa hipótese que atribui as energias solares à Vida." (8)
"A ideia que a teoria procura incutir é a de que, entre as moléculas da matéria, sólida
ou fluida, de que se compõem os organismos nervosos e, a bem dizer, todas as partes
orgânicas de um corpo, existe um meio sutil refinado, vaporoso ou gasoso, que mantém as
moléculas em uma condição propícia ao movimento de umas sobre as outras, e à
organização e reorganização da forma; meio que serve para transmitir todo movimento;
graças ao qual um órgão ou uma parte do corpo são postos em comunhão com todas as
demais partes; pelo qual e através do qual o mundo vivo exterior se comunica com o
homem vivente; meio que, por sua presença, permite pôr em evidência os fenômenos da
vida, e que, se universalmente ausente, deixa o corpo efetivamente morto."
E todo o Sistema Solar entra em Pralaya - poderia ter acrescentado o autor. Mas
continuemos a leitura:
"Emprego a palavra éter em seu sentido geral, significando matéria muito leve,
vaporosa ou gasosa; emprego-a, enfim, do mesmo modo que o faz o astrônomo quando
fala do Éter do Espaço, querendo significar um meio sutil, porém material. Ao referir-me ao
éter nervoso, não tenho em mente que o éter só exista na estrutura nervosa; creio, em
verdade, que é urna parte especial da organização nervosa; mas, como os nervos
atravessam todos os tecidos que são capazes de movimento e sensibilidade, da mesma
forma o éter nervoso se acha em todos eles; e, sendo o éter nervoso, a meu ver, um
produto direto do sangue, podemos considerá-lo como fazendo parte da atmosfera do
sangue." As provas de que existe um meio elástico, que impregna a matéria nervosa, e que
é suscetível de ser influenciada por uma simples pressão, mostram-se de todo em todo
convincentes... Existe indubitavelmente na estrutura nervosa um verdadeiro fluido nervoso,
como ensinaram os nossos predecessores (9). A exata composição química (?) (10) desse
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fluido não é ainda bem conhecida; os seus caracteres físicos foram pouco estudados.
Ignoramos se ele se move em correntes; se circula, se se forma nos centros, passando
destes para os nervos, ou se se forma em todas as partes em que o sangue penetra nos
nervos. Ignoramos, portanto, a verdadeira função desse fluido. Ocorre-me, todavia, que o
verdadeiro fluido de matéria nervosa não basta, por si só, para atuar à guisa de meio sutil
que põe o universo exterior em relação com o mundo interno do homem e do animal.
Penso (e esta é a alteração que sugiro na antiga teoria) que deve haver outra forma de
matéria presente na vida; uma matéria que existe em estado de vapor ou gás, invadindo
todo o sistema nervoso, envolvendo como uma atmosfera (11) cada molécula de tecido
nervoso, e servindo de meio para todo movimento comunicado aos centros nervosos ou
por estes transmitidos... Quando se adquire a clara compreensão de que durante a vida
existe no corpo animal uma forma de matéria sutilmente difundida, um vapor que o
impregna todo - e que até se acumula em algumas partes - matéria constantemente
renovada pela química vital, e que se expele com a mesma facilidade que o ar inspirado,
depois de haver cumprido sua finalidade, então um novo raio de luz penetra na
inteligência." (12)
"O Microcosmo inteiro se contém potencialmente no Liquor Vitre, fluido nervoso... que
encerra a natureza, a qualidade, o caráter e a essência dos seres (13).
O Arqueu é uma essência que se acha distribuída por igual em todas as partes do corpo
humano... O Spiritus Vitre tem sua origem no Spiritus Mundi. Sendo uma emanação deste
último, contém os elementos de todas as influências cósmicas, e é, portanto, a causa que
pode explicar a ação das estrelas [as forças cósmicas] sobre o corpo invisível do homem"
[seu Linga Sharira vital] (14).
"Pode-se argumentar que esta nova corrente de ideias não é, afinal. outra coisa senão a
teoria da existência do éter... que se supõe disseminado no espaço... Pode-se dizer que este
éter universal impregna todo o organismo do corpo animal, vindo do exterior e fazendo
parte de toda organização. Tal opinião, se estivesse certa [!!], equivaleria à descoberta
física do Panteísmo. Não pode ser verdadeira, porque destruiria a individualidade de cada
um dos sentidos." (15)
Não vemos dessa maneira, e sabemos que assim não é. O Panteísmo pode ser
"redescoberto fisicamente". Foi conhecido, visto e sentido por toda a antiguidade. O
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Panteísmo se manifesta na vasta extensão dos céus estrelados, na agitação dos mares e
oceanos, no pulsar de vida da mais insignificante erva. A Filosofia repugna um Deus finito e
imperfeito no Universo, a divindade antropomórfica do monoteísta, tal como a representam
seus adoradores. Ela repudia, em virtude do seu nome de Philo-theo-sophia, a ideia grotesca
de que a Divindade Infinita, Absoluta, tenha, ou melhor, possa ter alguma relação, direta ou
indireta, com a evolução finita e ilusória da Matéria; e, por conseguinte, não pode imaginar
um universo fora daquela Divindade, ou a ausência, na mesma Divindade, da mais mínima
partícula de Substância animada ou inanimada. [Não quer isso dizer que cada mato, cada
árvore ou cada pedra seja Deus ou um Deus; senão que cada fragmento da matéria
manifestada do Cosmos pertence a Deus, e é a substância de Deus, por mais baixo que
tenha caído em sua rotação cíclica através das Eternidades do Sempre Vir-a-Ser; e também
que cada uma das partículas, individualmente, e o Cosmos, coletivamente, representam um
aspecto e uma evocação daquela Alma Universal Una, que a Filosofia se recusa a chamar
Deus, para não limitar assim a Raiz e Essência Eterna sempre presente.]
A quem está familiarizado com a real natureza desse "Éter Nervoso" sob seu nome
sânscrito ou melhor, esotérico e cabalístico, não é possível compreender por que o Éter do
Espaço ou "Éter Nervoso" haveria de "destruir a individualidade de cada um dos sentidos".
O Dr. Richardson reconhece que:
Não é assim. A opinião de que o Panteísmo "não pode ser verdade porque destruiria a
individualidade de cada um dos sentidos" demonstra que todas as conclusões do ilustre
doutor se baseiam nas teorias físicas modernas, por maior que fosse o seu desejo de
reformá-las. Verá, porém, que é impossível fazê-lo, a não ser admitindo a existência de
sentidos espirituais, que preencham o vazio dos sentidos físicos gradualmente atrofiados.
"Vemos e ouvimos", de acordo (na opinião, é claro, do Dr. Richardson)·com a explicação
dos fenômenos da vista e do ouvido, oferecida por aquela mesma Ciência Materialista que
pretende não ser possível vermos nem ouvirmos de outra maneira. Os ocultistas e os
místicos sabem mais. Os arianos védicos estavam tão familiarizados com os mistérios do
som e da cor no plano físico quanto o estão os nossos fisiólogos; mas haviam também
decifrado os segredos de ambos em planos inacessíveis ao materialista. Tinham
conhecimento de uma série dupla de sentidos: espirituais e materiais. Em um homem
privado de um ou de vários sentidos, os que permanecem em uso se desenvolvem mais;
por exemplo, o cego pode recuperar a visão por meio dos sentidos do tato, do ouvido, etc.;
e o surdo poderá ouvir por meio da vista, percebendo inteligivelmente as palavras
pronunciadas pelos lábios e a boca do interlocutor. Mas estes são casos que pertencem
ainda ao mundo da Matéria. A Fisiologia nega a priori os sentidos espirituais, aqueles que
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operam num plano superior da consciência, porque ignora a Ciência Sagrada. Limita a ação
do Éter a vibrações, e, separando-o do ar - embora não passe o ar de Éter diferenciado e
composto -, fá-lo assumir funções que se adaptem às teorias especiais do fisiólogo. Existe,
porém, mais verdadeira ciência nos ensinamentos dos Upanishads, quando bem
compreendidos, do que se dispõem a admitir os orientalistas, que não os compreendem
nem pouco nem muito. As correlações tanto mentais como físicas dos sete sentidos - sete
no plano físico e sete no plano mental - estão claramente explicadas e definidas nos Vedas,
e particularmente no Upanishad chamado Anugitâ:
Estas sete notas da escala são os princípios do som. As qualidades de cada Elemento,
assim como de cada sentido, são em número de sete; e é de todo arbitrário emitir juízos e
dogmatizar sobre elas por sua manifestação no plano material ou objetivo, que em si é
também sétuplo. Porque só pela emancipação do Eu destas sete causas da ilusão é que
podemos adquirir o conhecimento (a Sabedoria Secreta) das qualidades dos objetos que
impressionam os sentidos em seu plano dual de manifestação, o visível e o invisível. Assim,
está escrito:
"Ouve-se... expor este admirável mistério... Escuta ainda a classificação completa das
causas. O nariz, e a língua, e os olhos, e a pele, e o ouvido como o quinto [órgão dos
sentidos], e a mente, e entendimento (18), estes sete [sentidos] devem considerar-se
como as causas (do conhecimento) das qualidades. O olfato e o gosto, e a cor, e o som, e o
tato como o quinto, e o objeto da operação mental, e o objeto do entendimento [a
percepção espiritual ou o sentido mais elevado], estes sete são as causas da ação. O que
cheira, que come, que vê, que fala, que ouve em quinto lugar, que pensa e que
compreende, estes sete são as causas dos agentes. Estes [os agentes], possuindo
qualidades (sattva, rajas, ramas), gozam de suas próprias qualidades, agradáveis e
desagradáveis." (19)
"Só alguns me conhecem verdadeiramente. A terra, a água, o fogo, o ar, o espaço, [ou.
o Akâsha, o Æther], a mente, o entendimento e o egoísmo [ou a percepção de todos os
anteriores no plano ilusório]... tudo isso representa uma forma inferior da minha natureza.
Sabe (que existe) outra (forma da minha) natureza superior a esta, que está animada, ó tu
que tens poderosos braços! e pela qual é sustentado este Universo... Tudo isso se acha
entrelaçado em mim, como numerosas pérolas reunidas por um fio (20). Sou o gosto na
água, ó filho de Kunti! Sou a luz do sol e da lua. Sou... o som ("isto é, a essência oculta que é
a base de todas essas e das outras qualidades das diversas coisas mencionadas" - Tradutor)
no espaço... o perfume recente na terra, o resplendor no fogo... , etc." (21)
"A teoria que proponho é que o éter é um produto animal... Em diferentes classes de
animais pode ele variar quanto às suas qualidades físicas, de modo que se adapte às
necessidades especiais do animal; mas desempenha essencialmente o mesmo papel em
todos os animais, e é produzido da mesma maneira em todos eles."
É aí que está o cerne do erro de onde partem todas as deduções falsas subsequentes.
Esse "Éter Nervoso" é o princípio inferior da Essência Primordial, que constitui a Vida. É a
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Vitalidade Animal difundida em toda a Natureza, e que opera de acordo com as condições
que encontra para sua atividade. Não é "um produto animal", mas o animal, a flor e a
planta viventes são os seus produtos. Os tecidos animais apenas o obsorvem, segundo o
seu estado mais ou menos são ou mórbido - como o fazem os materiais e as estruturas
físicas (em sua condição primordial, nota bene) - e, desde o instante do nascimento da
Entidade, são por ele vitalizados, regulados e alimentados. Os vegetais o recebem em maior
quantidade no Raio-Solar Sushumnâ, que ilumina e alimenta a Lua; e é por intermédio dos
raios desta última que verte sua luz sobre o homem e o animal, e os impregnam, mais
enquanto dormem e descansam do que quando se acham em plena atividade. Eis porque o
Dr. Richardson novamente se 'equivoca ao dizer:
"O éter nervoso, segundo a ideia que dele faço, não é ativo em si mesmo, nem um
excitante do movimento animal no sentido de forças; mas é essencial para proporcionar as
condições que tornam possível o movimento." [E precisamente o contrário]... "É o
condutor de todas as vibrações do 'calor, da luz, do som, da ação elétrica, do atrito
mecânico (25). Mantém todo o sistema nervoso em uma tensão perfeita, durante os
estados de vida" [certo]. "É consumido pelo exercício" [ou antes, é gerado]... e quando a
necessidade é maior que a quantidade suprida, tal deficiência se manifesta pela depressão
ou esgotamento nervoso (26). Acumula-se nos centros nervosos durante o sono, levando-
os, se me posso assim exprimir, ao seu diapasão normal, e preparando desse modo os
músculos para uma vida ativa e renovada".
"O corpo, completamente renovado por ele, oferece capacidade para o movimento, a
plenitude da forma, a vida. Dele privado, o corpo fica inerte, toma o aspecto contrato da
morte e mostra haver perdido algo físico que encerrava quando vivia."
"O éter nervoso pode estar envenenado; quero dizer que ele pode conter em
dissolução, em virtude de uma simples difusão gasosa, outros gases ou vapores vindos de
fora; pode impregnar-se de produtos ou substâncias absorvidas ou ingeridas, ou de gases
de decomposição, gerados no próprio corpo durante uma enfermidade." (27)
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E o eminente doutor podia ter acrescentado, conforme o mesmo princípio oculto: que o
"Éter Nervoso" de uma pessoa pode ser envenenado pelo "Éter Nervoso" de outra, ou por
suas "emanações áuricas". Vejamos, porém, o que a respeito desse "Éter Nervoso" disse
Paracelso:
"O Arqueu possui natureza magnética, e atrai ou repele outras forças simpáticas ou
antipáticas pertencentes ao mesmo plano. Quanto menos poder de resistência tiver uma
pessoa para com as influências astrais, tanto mais lhes ficará sujeita. A força vital não está
encerrada dentro do homem, mas se irradia [para dentro e] ao redor dele, como uma
esfera luminosa '[aura], e pode-se fazê-la atuar a distância... Pode envenenar a essência da
vida [o sangue] e produzir enfermidades, ou pode purificá-la, quando se tornou impura, e
restabelecer a saúde." (28)
"Por causa de alterações locais na matéria nervosa que ele envolve... Sob a influência de
uma excitação aguda, pode vibrar tempestuosamente, por assim dizer, e impelir cada
músculo dependente do cérebro e da medula a um movimento sem freio, a convulsões
inconscientes."
É o que se chama excitação nervosa; mas ninguém, exceto o ocultista, conhece a razão
dessas perturbações nervosas, nem lhes explica a causa original. O princípio vital pode
matar quando é excessivo, como quando é deficiente. Mas este "princípio" no plano
manifestado, isto é, em nosso plano, não é senão o efeito e o resultado da ação inteligente
da "Legião", ou Princípio Coletivo, a Vida e a Luz em manifestação. Acha-se ele subordinado
à Vida Una Absoluta, sempre invisível e eterna, da qual emana, em uma escala descendente
e reascendente de graus hierárquicos, uma verdadeira escala setenária, com o Som ou o
Logos no extremo superior, e os Vidyâdharas (29) ou Pitris inferiores na base.
Os ocultistas, é óbvio, sabem muito bem que o "sofisma" vitalista, tão ridicularizado por
Vogt e Huxley, ainda encontra acolhida em meios científicos dos mais esclarecidos; e se
congratulam com este fato, sentindo que não estão sós. Eis o que escreve o Professor De
Quatrefages:
“Ê verdade que não sabemos o que é a vida; e não é menos verdade que ignoramos o
que é a força que imprime movimento às estrelas... Os seres vivos são pesados e,
consequentemente, sujeitos à lei de gravidade; são a sede de fenômenos físico.químicos,
numerosos e variados, indispensáveis à sua existência, e que devem ser atribuídos à ação da
eterodinâmica [eletricidade, calor, etc.]. Mas tais fenômenos se manifestam aqui sob a
influência de outra força... A vida não está em antagonismo com as forças inanimadas, mas
lhes governa e dirige a ação por meio de suas leis." (30)
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(1). Philosophie Naturelle, art. 142.
(2). Astronomie, p. 342.
(3). Comentário à Estância IV, 5, VoI. I, p. 162.
(4). Popular Science Review, volume IV, p. 148.
(5). E também a massa central, como se verá; ou melhor, o centro da reflexão.
(6). Esta "matéria" é exatamente semelhante ao reflexo produzido sobre um espelho pela
chama de uma candeia "fotogênica".
(7). Veja-se em Five Years of Theosophy, p. 258 (1885), uma resposta a esta especulação de
Herschel.
(8). Popular Science Review, p. 156.
(9). Entre outros, Paracelso, que o chamava "Liquor Vitæ" e "Archæus''.
(10). Composição alquímica, dir-se-ia melhor.
(11). "Esta força vital... se ao redor do homem como uma esfera luminosa", diz Paracelso no
Paragranum.
(12). Popular Science Review, vol. X, pp. 380-383.
(13). De Generatione Hominis.
(14). De Viribus Membrorum. Veja-se Life of Paracelsus, de Franz Hartmann, M. D., M. S. T.
(15). Popular Science Review, p. 384.
(16). The Sacred Books of the East, vol, VIII, cap. XIII, tradução de K. T. Telang, p. 292.
(17). Ibid., capo XXXV, pp. 384-5.
(18). A divisão dos sentidos em cinco vem da mais remota antiguidade. Mas, aceitando esse
número, nenhum filósofo moderno se perguntou como podiam existir tais sentido, isto é,
ser percebidos e utilizados conscientemente, senão pela existência de um sexto sentido, a
percepção mental, para registrá-los e recordá-los; e de ainda o sétimo - este para os
metafísicos e os ocultistas - a fim de conservar-lhes o fruto espiritual e a recordação, como
em um Livro de Vida pertencente ao Carma. Os antigos dividiam os sentidos em cinco
simplesmente porque seus mestres, os Iniciados, se detinham no do ouvido, por ser o
sentido que se desenvolveu no plano físico, ou melhor, que se reduziu e se limitou a este
plano somente no princípio da Quinta Raça. A Quarta Raça já havia começado a perder a
condição espiritual, tão consideravelmente desenvolvida na Terceira Raça.
(19). Ibid., cap. X, pp. 277-8
(20). Mundakopanishad, p. 298.
(21). Bhagavad Gitâ, capítulo VII, pp. 73-4.
(22). Ahamkâra, suponho, aquele "Egotismo" que conduz a todos os erros.
(23). Os Elementos sãos os cinco Tanmâtras de terra, água, fogo, ar e éter, os produtores
dos elementos mais grosseiros,
(24). Anugitâ, cap. XX; ibid., p. 313.
(25). Condutor, no sentido de Upâdhi, uma base material ou física; mas, como segundo
princípio da Alma Universal e da Força Vital da Natureza, obedece à direção inteligente de
seu quinto princípio.
(26). Sua excessiva abundância no sistema nervoso conduz com a mesma frequência à
enfermidade e à morte. Se fosse o sistema animal que o produzisse, tal coisa certamente
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não poderia suceder. Esta última circunstância demonstra, portanto, sua independência do
sistema e sua relação com a Força Solar, conforme o explicam Metcalfe e Hunt.
(27). Popular Science Review, VoI. X, p. 387.
(28). Paragranum; Life of Paracelsus, pelo Dr. F. Hartmann.
(29). Em uma obra recente sobre o Simbolismo no Budismo e no Cristianismo ou melhor, no
Budismo e no Catolicismo romano, pois muitos dos últimos rituais e dogmas do Budismo do
Norte, em sua forma popular exotérica, são idênticos aos da Igreja Latina - encontram-se
fatos curiosos. O autor desse livro, com mais pretensões que erudição, englobou em sua
obra, sem discernimento algum, doutrinas budistas antigas e modernas, e confundiu
lamentavelmente Lamaísmo com Budismo. Na página 404, sob o título Buddhism in
Christendom, or Jesus the Essene, nosso pseudo-orientalista ocupa-se em criticar os "Sete
Princípios" dos "budistas esotéricos", e procura ridicularizá-los. Na página 405, que é a
última, fala com entusiasmo dos Vidyâdharas, as "sete grandes legiões de homens mortos
convertidos em sábios". Ora, esses Vidyâdharas, que alguns, orientalistas chamam de
"semideuses", são realmente, do ponto de vista exotérico, uma classe de Siddhas, "plenos
de devoção", e, esotericamente, são idênticos às sete classes de Pitris, uma das quais
confere ao homem consciência própria, na Terceira Raça, encarnando-se nas conchas ou
cascas humanas. O "Hino ao Sol", que se vê no fim desse estranho volume de miscelânea,
imputando ao Budismo a crença em um Deus pessoal (!!), é um golpe infeliz assestado às
provas tão laboriosamente reunidas pelo desastrado autor.
Os teósofos sabem perfeitamente que o Sr. Rhys Davids emitiu igual opinião a respeito
das ideias teosóficas. Disse que as teorias expostas pelo autor do Esoteric Budhism "não
eram Budismo nem eram esotéricas". Tal observação é o resultado: (a) do lamentável erro
de se escrever "Buddhismo" em vez de "Budhism" ou "Budhaism", associado assim o
sistema à religião de Gautama, em vez de o associar à Sabedoria Secreta ensinada por
Krishna, Shankarâchârya e muitos outros, inclusive por Buddha; e (b) da impossibilidade de
que o Sr. Rhys Davids saiba alguma coisa sobre as verdadeiras Doutrinas Esotéricas. Apesar
disso, sendo ele atualmente o orientalista mais versado em literatura pale e budista, tem o
direito de ser ouvido com respeito. Mas, quando alguém, sem saber de Budismo exotérico,
do ponto de vista científico e materialista, mais do que sabe de Filosofia Esotérica, vem
difamar aqueles a quem distingue com o seu rancor, e quer aparecer aos teósofos com ares
de profunda erudição, não nos cabe fazer outra coisa senão sorrir, ou desatar numa risada
sonora e franca.
(30). The Human Species, pp. 10-11.
243
SEÇÃO VIII
A TEORIA SOLAR
Breve análise dos elementos compostos e simples da ciência em oposição às
Doutrinas Ocultas. Até que ponto é científica esta teoria, tal como aceita
geralmente.
Em sua réplica ao ataque dirigido pelo Dr. Gull contra a teoria do Vitalismo, que está
inseparavelmente ligada aos Elementos dos antigos na Filosofia Oculta, o grande fisiólogo
Professor Beale lança mão de algumas expressões tão belas quanto significativas:
"Existe um mistério na vida, mistério que jamais foi sondado e que se amplia à medida
que se estudam e se observam mais a fundo os fenômenos biológicos. Nos centros vivos -
muito mais centrais que os centros observados com os mais poderosos instrumentos de
ampliação -, nos centros da matéria viva até onde a vista não pode penetrar, mas para onde
pode a inteligência dirigir-se, ocorrem transformações sobre cuja natureza os físicos e os
químicos mais adiantados -se mostram incapazes de nos dar uma noção; e não há mesmo
razão alguma que nós leve a pensar que a natureza dessas mutações possa algum dia ser
determinada por meio da investigação física, tanto mais quanto elas certamente dependem
de uma ordem ou natureza total. mente diferentes daquelas a que se pode associar
qualquer outro fenômeno conhecido."
O Sol é o coração do Mundo Solar [Sistema], e o seu cérebro está oculto por trás do Sol
[visível]. Dali, a sensação é irradiada para cada centro nervoso do grande corpo, e as ondas
da essência da vida fluem para dentro de cada artéria e de cada veia... Os planetas são os
seus membros e as suas pulsações.
Já se disse alhures (1) que a Filosofia Oculta nega seja o Sol um globo em combustão,
definindo-o simplesmente como um mundo, uma esfera resplandecente, atrás da qual se
acha oculto o Sol verdadeiro, de que o Sol visível é apenas o reflexo, a concha. As folhas de
salgueiro de Nasmyth, que Sir Jihn Herschell tomou por "habitantes solares", são os
depósitos .da energia vital do Sol; "a eletricidade vital que alimenta todo o Sistema; o Sol in
abscondito é, assim, o reservatório de nosso pequeno Cosmos, gerando ele mesmo o seu
fluido vital e recebendo sempre tanto como dá", e o Sol visível é uma simples janela aberta
no verdadeiro palácio solar, cujo labor interno ele revela sem alteração.
Desse modo, durante o período ou vida solar manvantárica há uma circulação regular
do fluido vital de um extremo ao outro do nosso Sistema, de que o Sol é o coração, como a
244
circulação do sangue no corpo humano; contraindo-se o Sol com um ritmo semelhante ao
do coração humano depois que o sangue regressa. Só que, em vez de realizar o circuito em
um segundo aproximadamente, requer o sangue solar dez anos para circular em um ano
inteiro para atravessar suas aurículas e seus ventrículos antes de ir depurar os pulmões e de
voltar às grandes artérias e veias do Sistema.
Isso não contestará a Ciência, pois que a Astronomia conhece o ciclo fixo de onze anos,
ao cabo do qual aumenta o número das manchas solares (2); sendo o aumento motivado
pela contração do Coração Solar. O Universo, neste caso o nosso Mundo, respira, como o
faz na Terra o homem e toda criatura viva, a planta e até mesmo o mineral, e como respira
o nosso próprio Globo em cada vinte e quatro horas. A região obscura não é devida à
"absorção exercida pelos vapores que emergem do seio do sol e se interpõem entre o
observador e a fotosfera", como pretende o Padre Secchi (3); nem as manchas são
formadas "pela própria matéria (matéria gasosa ardente) que a erupção projeta sobre o
disco solar". O fenômeno semelha à pulsação sadia e regular do coração ao passar o líquido
vital pelos orifícios de seus músculos. Se se pudesse dar luminosidade ao coração humano e
tornar visível este órgão vivo e palpitante, de modo que permitisse sua projeção sobre uma
tela, a exemplo do que fazem os professores de Astronomia para mostrar a Lua, todo o
mundo veria então repetir-se o fenômeno das manchas solares a cada segundo, verificando
serem devidas à contração e ao ímpeto do sangue.
Lemos em uma obra de geologia que o sonho da ciência consiste em que:
"Todos os corpos simples' catalogados hão de ser um dia reconhecidos como apenas
modificações de um só elemento material." (4)
É o que tem ensinado a Filosofia Oculta desde que existe a linguagem humana,
acrescentando, porém, de acordo com aquele princípio imutável na analogia, "o que está
em cima é como o que está embaixo", este outro de seus axiomas: não existe, em verdade,
nem Espírito nem Matéria, mas tão somente inumeráveis aspectos do eternamente oculto
"É" ou Sat. O Elemento homogêneo primordial é simples e único, exclusivamente no plano
terrestre de consciência e sensação, por isso que a Matéria, afinal de contas, não é senão a
série de nossos próprios estados de consciência, e o Espírito uma ideia de intuição psíquica.
Mesmo no plano imediatamente superior, esse elemento simples, que a ciência corrente de
nossa Terra define como o último constituinte indecomponível de qualquer espécie de
Matéria, no mundo de uma percepção espiritual mais elevada seria considerado,
certamente, como uma coisa sobremodo complexa. Ver-se-ia que a nossa água mais pura,
em vez de seus dois elementos simples admitidos, o oxigênio e o hidrogênio, apresenta
muitos outros constituintes, nem sequer sonhados pela nossa química terrestre moderna.
No reino do Espírito as coisas se passam como no da Matéria; a sombra do que é
conhecido no plano da objetividade existe no da subjetividade pura. O ponto da substância
perfeitamente homogênea, o sarcódio da Monera de Hæckel, é considerado agora com a
arquebiose da existência terrestre (o protoplasma do Sr. Huxley) (5); e o Bathybius Hæckelii
tem que remontar à sua arquebiose pré-terrestre. Esta só começa a ser percebida pelos
astrônomos em seu terceiro estágio de evolução e durante a chamada "criação
245
secundária". Mas os estudantes de Filosofia Esotérica compreendem bem o significado
secreto da Estância:
"Não havia dia nem noite, não havia céu nem terra, não havia trevas nem luz. Nada
existia que fosse perceptível pelos sentidos ou pelas faculdades da mente. Havia, porém,
um Brahma, essencialmente Prakriti [Natureza] e Espírito. Porque, ó Brâmane! os dois
aspectos de Vishnu, distintos do seu aspecto supremo essencial, são Prakriti e Espírito.
Quando esses dois aspectos outros já não subsistem, porque se dissolveram, então aquele
aspecto, de onde procede de novo a forma, e tudo o mais, ou seja, a criação, é denominada
tempo, ó ,duas vezes nascido!" (11)
O que se dissolve é esse aspecto dual ilusório de AQUILO cuja essência é eternamente
Una, o que chamamos Matéria Eterna, ou Substância, sem forma, sem sexo, inconcebível,
até mesmo para o nosso sexto sentido ou mente (12); e em que, portanto, nos negamos a
ver o que os monoteístas chamam um Deus pessoal, antropomórfico.
Como serão consideradas pela ciência exata estas duas proposições: "a Matéria é
eterna" e "o átomo é periódico e não-eterno"? O físico materialista as criticará, rindo-se
com soberano desprezo. Mas o cientista liberal e progressista, o verdadeiro e devotado
investigador da ciência, como o eminente químico Sr. Crookes, confirmará a possibilidade
das duas asserções. Com efeito. Ainda não se havia apagado o eco de sua conferência sobre
a "Gênese dos Elementos" - proferida perante a Seção de Química da Associação Britânica
na reunião de Birmingham em 1887, e que tanto surpreendeu os evolucionistas que a
ouviram ou leram - e outra foi por ele pronunciada em 1888. Uma vez mais o presidente da
Sociedade de Química apresentou ao mundo da ciência e ao público os resultados de
algumas descobertas novas no domínio dos átomos, e estas descobertas justificavam em
toda a linha os ensinamentos ocultos. São elas ainda mais surpreendentes que as
afirmações de sua primeira conferência, e bem merecem a atenção de todo ocultista,
teósofo ou metafísico. Eis o que ele diz a respeito dos "Elementos e Meta-Elementos",
justificando assim as aspirações e as previsões de Stallo, com o valor de um espírito
científico que ama a Ciência no interesse da verdade, sem cuidar das consequências quanto
à sua própria glória e reputação. Transcrevemos suas palavras:
"Foi tão plenamente confirmada que não podemos aceitar facilmente uma
interpretação dos fenômenos que não esteja de acordo com ela. Mas, se supusermos os
corpos simples reforçados por um grande número de corpos que pouco diferem uns dos
outros em suas propriedades, e formando, se assim me posso exprimir, agregações de
nebulosas ali onde a princípio não víamos ou não julgávamos ver senão estrelas separadas,
a combinação periódica já não se pode compreender claramente por mais tempo. Isto é:
por mais tempo, se continuamos mantendo o nosso habitual conceito de corpo simples.
Modifiquemos, pois, este conceito. Em lugar de "corpo simples", leia-se "grupo simples" -
substituindo estes grupos simples aos antigos corpos na teoria periódica - e a dificuldade
desaparece. Ao definir um corpo simples, não tomemos um limite exterior, mas um limite
interno. Digamos, por exemplo, que a menor quantidade ponderável de ítrio é um conjunto
de átomos últimos, quase infinitamente mais parecidos entre si que os átomos de qualquer
outro elemento aproximado. Não se segue, necessariamente, que os átomos devem ser
todos absolutamente semelhantes entre si. O peso atômico que atribuímos ao ítrio
representa, portanto, apenas um valor médio, ao redor do qual os pesos reais dos átomos
individuais do "corpo simples" figuram dentro de certos limites. Mas, se a minha suposição
é admissível, veríamos, no caso em que pudéssemos separar os átomos uns dos outros, que
eles variam dentro de estreitos limites aquém e além do termo médio. O processo mesmo
do fracionamento implica a existência de tais diferenças em certos corpos."
Assim, mais uma vez os fatos e a verdade se impuseram à ciência "exata", obrigando-a a
ampliar suas opiniões e a transferir-lhes os limites, que, ocultando a multiplicidade,
reduziam 'esta a um só corpo - como os Elohim Setenário e suas legiões, transformados em
um Jeová por materialistas religiosos. Substituam-se os termos químicos "molécula",
"átomo", "partícula", etc., pelas palavras "Legiões", "Mônadas", "Devas", etc., e poder-se-ia
crer que se faz a descrição da gênese dos Deuses, da evolução primordial das Forças
manvantáricas inteligentes. Mas o sábio conferencista acrescenta a suas observações
descritivas algo mais significativo ainda; se consciente ou inconscientemente, quem o sabe?
Pois ele diz:
250
"Até recentemente ainda, esses corpos figuravam na lista dos corpos simples. Tinham
propriedades químicas e físicas definidas; tinham pesos atômicos reconhecidos. Se
tomarmos uma solução pura diluída de um desses corpos, o ítrio por exemplo, e lhe
adicionarmos um excesso de amoníaco concentrado, obteremos um precipitado que parece
perfeitamente homogêneo. Mas, se, em vez disso, adicionarmos amoníaco muito diluído, só
em quantidade suficiente para precipitar metade da base presente, não obteremos
nenhum precipitado imediato. Se agitarmos tudo cuidadosamente, de modo que se
obtenha uma mistura uniforme da solução e do amoníaco, e deixarmos o recipiente em
repouso durante uma hora, evitando completamente a poeira, ainda teremos o líquido
claro e transparente, sem vestígio algum de opacidade. No entanto, depois de três ou
quatro horas se produzirá uma opalescência, e na manhã seguinte terá aparecido um
precipitado. Agora perguntamos: que pode significar este fenômeno? A quantidade do
reativo adicionado não dava para precipitar mais que metade do ítrio presente; assim,
durante algumas horas deve ter se verificado um processo parecido ao da seleção.
Evidentemente a precipitação não se operou ao acaso; o que houve foi a decomposição
daquelas moléculas da base que entravam em contato com uma molécula correspondente
de amoníaco, pois tivemos o cuidado de misturar bem os líquidos, a fim de evitar que uma
molécula do sal original pudesse ficar exposta à decomposição mais do que outra. Se, além
disso, levarmos em conta o tempo transcorrido antes de aparecer um precipitado, não
poderemos fugir à conclusão de que a ação produzida durante as primeiras horas tinha
caráter seletivo. O problema não consiste em descobrir por que se produz um precipitado,
mas em saber o que é que determina ou impele certos átomos a se depositarem e outros a
permanecerem em solução. Entre a multidão de átomos presentes, qual é o poder que faz
cada átomo escolher o seu caminho? Poderíamos representar-nos alguma força diretora
passando em revista os átomos, um por um, e escolhendo este para a precipitação e aquele
para a solução, até que todos tivessem o seu destino."
Os grifos são nossos. Ao homem de ciência é lícito perguntar: Qual é o poder que dirige
cada átomo, e qual o significado de seu caráter seletivo? Os deístas resolveriam a questão
respondendo: "Deus"; mas com isso nada teriam resolvido filosoficamente. O Ocultismo
responde em seu próprio terreno panteísta, e ensina ao estudante que são Deuses,
Mônadas e Átomos. O sábio conferencista vê ali o que interessa principalmente: os sinais
indicativos de um caminho que pode conduzir ao descobrimento e à plena e completa.
demonstração da existência de um elemento homogêneo na Natureza. Observa ele:
"Para que semelhante seleção possa operar-se, é evidente que deve haver algumas
ligeiras diferenças entre as quais seja possível escolher, sendo quase certo que tais
diferenças hão de ser básicas e tão pequenas que se tornem imperceptíveis dentro dos
meios de experimentação até agora conhecidos, mas suscetíveis de ser estimuladas até um
ponto em que possam ser apreciadas pelos meios ordinários."
251
O Ocultismo, que conhece a existência e a presença, na
Natureza, do Elemento Eterno Único, em cuja primeira
diferenciação se implantam periodicamente as raízes da
Árvore da Vida, não necessita de provas científicas. Diz ele:
A Sabedoria Antiga resolveu o problema há séculos. Sim,
leitor sério ou sarcástico: a Ciência se aproxima, lenta mas
seguramente, de nossos domínios do Oculto. Vê-se ela
obrigada por suas próprias descobertas a adotar, nolens
volens, nossa fraseologia e nossos símbolos. A Química foi
agora compelida, pela força mesma das circunstâncias, a
aceitar até a nossa explicação da evolução dos Deuses e dos
Átomos, tão significativa e admiravelmente representada
no Caduceu de Mercúrio, o Deus da Sabedoria, e na
linguagem alegórica dos Sábios Arcaicos. Eis o que diz um
Comentário da Doutrina Esotérica:
"Na conferência de Birmingham, a que já fiz referência, pedi ao meu auditório que
figurasse a ação de duas forças sobre o protilo original: duas forças, uma das quais seria o
tempo, acompanhada de uma baixa de temperatura, e a outra uma oscilação semelhante à
de um poderoso pêndulo, com ciclos periódicos de fluxo e refluxo, de repouso e atividade,
achando-se intimamente relacionado com a matéria imponderável, essência ou fonte de
energia que chamamos eletricidade. Pois bem: um símil como este alcança o seu objetivo
se chega a fixar a mente sobre o fato particular que se propõe demonstrar; mas não se
deve esperar que se ajuste necessariamente a todos os fatos. Além do abaixamento da
temperatura com o fluxo e o refluxo periódicos da eletricidade, necessários para conferir
252
aos elementos recém-nascidos a sua atomicidade particular, é evidente que um terceiro
fator deve ser levado em conta. A Natureza não opera sobre uma superfície plana; requer
espaço para suas atividades cosmogênicas. E se introduzirmos o espaço como terceiro
fator, tudo aparece claro. Em vez de um pêndulo, que, sendo até certo ponto um bom meio
de comparação, é na realidade impossível, busquemos um exemplo mais satisfatório para
representar o que, a meu ver, se deve ter passado. Suponhamos um diagrama em
ziguezague que não esteja traçado sobre um plano, mas projetado no espaço de três
dimensões. Que melhor figura poderíamos escolher, capaz de preencher todas as condições
requeridas? Muitos fatos podem ser perfeitamente explicados, supondo-se que a projeção,
no espaço, da curva em ziguezague do Professor Emerson Reynolds seja uma espiral. Esta
figura é, no entanto, inadmissível, tanto mais que a curva deve passar duas vezes em cada
ciclo por um ponto neutro, quanto à eletricidade e à energia química. Cumpre-nos,
portanto, adotar outra figura. A curva em forma de oito ⑧, ou lemniscata, resumirá um
ziguezague assim como um espiral, e satisfaz todas as condições do problema."
Uma lemniscata para a evolução descendente, desde o Espírito até a Matéria; outra
forma de espiral, talvez, para o caminho evolutivo ascendente, desde a Matéria ao Espírito;
e a necessária reabsorção gradual e final no estado laya, aquilo que a Ciência chama, em
sua terminologia, "o ponto neutro referente à eletricidade", ou o ponto zero. Tais são os
fatos e as afirmações ocultas. Tudo isso vira a ser algum dia confirmado pela Ciência; assim
esperamos e confiamos. Ouçamos, porém, algo mais acerca daquele tipo genético
primordial do Caduceu simbólico.
Por uma estranha e curiosa coincidência, até mesmo a nossa doutrina setenária parece
estar se impondo à Ciência. Se bem compreendemos, a Química fala de quatorze grupos de
átomos primitivos - o lítio, o berilo, o boro, o carbono, o nitrogênio, oxigênio, o flúor, o
sódio, o magnésio, o alumínio, o silício, o fósforo, o enxofre e o cloro; e o Sr. Crookes,
referindo-se às "atomicidades dominantes", delas enumera sete grupos, pois diz:
"À medida que o poderoso foco de energia criadora dá a volta, vemo-lo disseminar,
durante sucessivos ciclos, em uma região do espaço, sementes de lítio, potássio, rubídio e
césio; em outra região, de cloro, bromo e iodo; em uma terceira, de sódio, cobre, prata e
ouro; em uma quarta, de enxofre, selênio e telúrio; em uma quinta, de berilo, cálcio,
estrôncio e bário; em uma sexta, de magnésio, zinco, cádmio e mercúrio; e em uma sétima
região, de fósforo, arsênico, antimônio e bismuto [o que perfaz sete grupos por um
lado. E depois de mostrar]... em outras regiões os demais elementos, a saber: o
alumínio, o gálio, o índio e o tálio; o silício, o germânio e o estanho; o carbono, o titânio
e o zircônio... [acrescenta] é encontrada uma posição natural perto do eixo neutro para
os três grupos de corpos simples relegados pelo Professor Mondeleeff a uma espécie
de Hospital de Incuráveis - sua oitava família."
257
SEÇÃO IX
A FORÇA FUTURA
Suas possibilidades e impossibilidades
"O Sr. Keely assim explica o funcionamento de sua máquina: Ao serem projetadas as
máquinas até hoje construída, nunca se encontrou o meio de produzir um centro neutro. Se
se houvesse conseguido, teriam chegado ao fim as dificuldades daqueles que procuram o
movimento contínuo, e este problema passaria a ser coisa resolvida. Só haveria
necessidade do impulso inicial de algumas libras sobre tal mecanismo para fazê-lo
funcionar durante séculos. No projeto de minha máquina vibratória não cogitei de obter o
movimento contínuo; mas se forma um circuito que tem realmente um centro neutro, o
qual pode ser vivificado pelo meu éter vibratório e, uma vez sob a ação desta substância,
passa a ser uma máquina virtualmente independente da massa (ou globo) (3), e isto devido
à velocidade assombrosa do circuito vibratório. Entretanto, apesar de toda a sua perfeição,
necessita a máquina de ser alimentada com éter vibratório para constituir um motor
independente... Todas as construções requerem fundações com uma resistência
proporcional ao peso da massa que devem suportar, mas as fundações. do Universo
assentam em um ponto do vácuo infinitamente menor que uma molécula; em uma palavra,
e para expressar com exatidão esta verdade, em um ponto interetérico, que só uma mente
259
infinita é capaz de compreender. Sondar as profundezas de um centro etérico é
exatamente o mesmo que buscar os confins do vasto espaço do éter dos céus, com a
diferença de que um é o campo positivo. e o outro é o campo negativo."
Esta é precisamente, como é fácil ver, a Doutrina Oriental. O ponto interetérico do Sr.
Keely é o ponto "laya" dos ocultistas; todavia, não é necessária "uma mente infinita para
compreendê-lo", bastando apenas uma intuição e uma habilidade especial para descobrir o
lugar em que se oculta neste Mundo de Matéria. Não se pode, é certo, produzir um centro
"laya", mas sim um vazio interetérico, conforme se tem comprovado com a produção de
sons de campainha no espaço. O Sr. Keely fala, no entanto, como um ocultista inconsciente,
quando expõe a sua teoria da suspensão planetária:
O Sr. Keely esclarece a sua ideia de um "centro neutro" com o seguinte exemplo:
"Tem uma alma bastante grande, um espírito bastante esclarecido e um ânimo bastante
elevado para sobrepor-se a todas as dificuldades, e aparecer perante o mundo como o
maior dos descobridores e inventores."
"O Sr. Keely granjearia fama imortal ainda que se limitasse a guiar os homens de ciência
desde as regiões desoladas em que tateiam até o campo aberto da força elemental, onde a
coesão e a gravidade são surpreendidas em seus recantos e convocadas para o uso; onde a
unidade de origem faz brotar a energia infinita sob variadas formas. Se ele demonstrasse,
em detrimento do materialismo, que o Universo está animado por um princípio misterioso,
ao qual a matéria, ainda a mais perfeitamente organizada, se acha submetida de um modo
absoluto, seria um benfeitor espiritual de nossa raça, maior do que qualquer outro
porventura conhecido no mundo moderno. Se ele chegasse a conseguir que, no tratamento
das enfermidades, as forças mais sutis da Natureza substituíssem os agentes materiais e
grosseiros, que têm levado ao túmulo mais seres humanos que a guerra, a peste e a fome
combinadas, tornar-se-ia credor da gratidão de toda a humanidade. . Fará tudo isso, e mais
ainda, se ele e os que há anos lhe vêm acompanhando os progressos não levarem
demasiado longe as suas esperanças."
A mesma Senhora, em seu folheto Keely's Secrets (8), cita o seguinte parágrafo de um
artigo que a autora desta obra escreveu em The Theosophist, há alguns anos:
O autor do caderno nº 5, What is Matter and What is Force, da série editada pela
Sociedade de Publicações Teosófícas, ali declara que: "Os cientistas acabam de descobrir
um quarto estado da matéria; os ocultistas, porém, desde há muito que já foram além do
sexto, e, portanto, não é por dedução que sabem da existência do sétimo e último, mas em
262
virtude de conhecimento direto". Este conhecimento inclui o chamado "segredo complexo"
de Keely. Muitas pessoas já sabem que tal segredo consiste no "aumento da energia", no
isolamento do éter e na adaptação da força dinasféríca à mecânica.
263
"Quem examinar a minha máquina, se quiser ter uma noção, mesmo aproximada, do
seu modus-operandi, deverá descartar-se de toda ideia de máquinas que funcionam em
virtude do princípio de pressão e aspiração, pela expansão do vapor ou outro gás análogo
que se choque contra uma resistência, tal como o pistão de uma máquina a vapor. Minha
máquina não admite pistão nem excêntricos, e não existe a mínima pressão exercida sobre
o mecanismo, qualquer que seja o seu tamanho ou capacidade. Meu sistema, em todas as
suas partes e minúcias, assim no desenvolvimento da potência como em suas diversas
aplicações, está baseado na vibração simpática. De nenhum outro modo seria possível
despertar e desenvolver a força, e igualmente impossível seria que a minha máquina
funcionasse de acordo com algum outro princípio... Ai está o verdadeiro sistema, e eis
porque todas as minhas operações devem encaminhar-se nesse sentido; vale dizer que a
minha força será gerada, a minha máquina posta em funcionamento e o meu canhão em
atividade, por meio de um fio condutor. Só depois de vários anos de incessante labor, e de
experiências quase inumeráveis, que me obrigaram à construção de muitos aparelhos
especiais; só depois de investigar e estudar minuciosamente as propriedades fenomenais
da substância "etérea", produzida per se, é que eu pude chegar a prescindir de mecanismo
complicados, e a obter, como presumo haver obtido, domínio sobre a força sutil e estranha
que estou manejando," (10)
Os pontos grifados por nós são os que se relacionam diretamente com o lado oculto da
aplicação da Força vibratória, que o Sr. Keely chama "vibração simpática". O "fato
condutor" é já um passo retrógrado, do plano puramente Etérico ao plano Terrestre. O
inventor conseguiu realizar maravilhas (a palavra "milagre" não é bastante expressiva)
quando operava só por meio da Força interetérica, o quinto e o sexto princípios do Akâsha.
Tendo começado com um gerador de seis pés de comprimento, passou depois a usar um
"do tamanho dos antigos relógios de prata", fato que por si só representa um milagre de
gênio mecânico, mas não de gênio espiritual. Conforme disse muito bem sua grande
defensora, a Sra. Bloomfield-Moore:
"Os dois gêneros de força que empregou em suas experiências, e os fenômenos que daí
resultaram, são, cada um, a antítese do outro."
Uma das forças era por ele mesmo gerado, e operava por seu intermédio. Outra pessoa
que repetisse o que ele fazia não produziria o mesmo resultado. O que funcionava era, em
verdade, o Éter de Keely; o Éter de Smith ou de Brown não surtiria nenhum efeito. Porque a
dificuldade de Keely, até agora, consistiu em construir uma máquina capaz de desenvolver
e de regular a força sem a intervenção da "vontade" ou influência pessoal do operador, seja
consciente ou inconscientemente. Este foi o ponto em que se malogrou o seu intento; a
utilização da máquina por outrem; ninguém senão ele podia fazê-la funcionar. Do ponto de
vista oculto foi, porém, um resultado muito mais importante que o "sucesso" por ele
esperado com o seu "fio condutor"; sucede, no entanto, que jamais se permitirá que
resultados obtidos com a Força Etérica ou Astral procedente do quinto e do sexto princípios
tenham aplicação a fins mercantis. A seguinte declaração de uma personalidade que
264
conhece intimamente o Sr. Keely prova que o organismo deste se acha diretamente
relacionado com a produção de seus maravilhosos resultados:
"Em certa ocasião os acionistas da Keely Motor Company puseram em suas oficinas um
homem com o expresso objetivo de descobrir o segredo. Após seis meses de cuidadosa
observação, disse ele um dia ao Sr. J. W. Keely: 'Sei agora como se procede'. Haviam os dois
acabado de montar uma máquina, e Keely então manejava a chave que servia para fazer
passar ou interromper a força. 'Pois experimente', respondeu ele. O homem deu volta à
chave, e nada aconteceu. 'Mostre-me de novo como se faz', disse o homem a Keely. Este
assentiu, e a máquina funcionou imediatamente. O outro repetiu a tentativa, mas sem
êxito. Então Keely lhe pôs a mão sobre o ombro, e o convidou a experimentar mais uma
vez. Ele o fez, e o efeito foi a produção instantânea da corrente."
Dizem-nos que o Sr. Keely define a eletricidade como "uma forma particular de vibração
atômica". Está certo, mas é a eletricidade no plano terrestre e por meio de correlações
terrestres. Keely calcula as vibrações:
Isto prova a nossa afirmativa. Não há vibrações que possam ser contadas, nem sequer
estimadas aproximadamente, além do "reino do quarto Filho de Fohat", para nos servirmos
de uma expressão oculta, ou seja, além daquele movimento que corresponde à formação
da matéria radiante do Sr. Crookes, que há alguns anos se chamou, com certa simplicidade,
o "quarto estado da matéria" neste nosso plano.
Se se perguntar por que não foi permitido a Keely ir além de determinado limite, será
fácil a resposta: porque a sua descoberta, aliás inconsciente, é a terrível Força sideral
conhecida pelos Atlantes, que a chamaram Mash-mak, e à qual os Rishis arianos dão, em
seu Astra Vidyâ, um nome que não desejamos divulgar. É o Vril da Raça Futura de Bulwer
Lytton e das futuras Raças de nossa humanidade. O nome Vril pode ser uma ficção; mas a
Força em si é um fato que na Índia não se põe em dúvida, como não se duvida da existência
dos Rishis, em face das referências contidas em todos os livros secretos.
Essa Força vibratória é aquela que, dirigida de um Agniratha (11), montado em um
barco voador ou em um balão, segundo as instruções que se encontram no Astra Vidyâ,
poderia reduzir a cinzas um exército de 100.000 homens com os seus elefantes, com a
mesma facilidade com que o faria a um rato morto. No Vishnu-Purâna, no Râmâyana e em
outras escrituras se menciona alegoricamente a mesma Força, na fábula que se refere ao
265
sábio Kapila, cujo "olhar converteu em um monte de cinzas os 60.000 filhos do Rei Sagara",
e se encontra explicada nos Livros Esotéricos, que aludem a ela com o nome de Kapilâksha, o
Olho de Kapila.
E haveria de permitir-se que as nossas gerações acrescentassem esta Força Satânica à
coleção de brinquedos anarquistas conhecidos pelos nomes de relógio mecânico de
melanita, laranjas explosivas, "cestas de flores" e outros apelativos semelhantes? Deveria
essa Força tornar-se propriedade comum de todos os homens, indistintamente, essa Força
que, uma vez em mãos de algum Atila moderno, algum anarquista sedento de sangue,
reduziria a Europa em poucos dias a seu estado caótico primitivo, sem deixar um só homem
vivo para contá-lo?
O que o Sr. Keely realizou já é extremamente grande e maravilhoso; tem ele, com a
demonstração de seu sistema, uma tarefa suficiente para "abater o orgulho daqueles
materialistas cientificas, revelando mistérios que se encontram além do mundo da
matéria", sem precisar, nolens volens, de os revelar a todo o mundo. Os psíquicos e os
espiritistas, dos quais um grande número se conta nos exércitos europeus, seriam os
primeiros, com certeza, a experimentar pessoalmente os frutos da revelação de tais
mistérios. Milhares deles não tardariam em estar no meio do Éter azul, fazendo-lhes
companhia talvez os habitantes de regiões inteiras, se tal força viesse a ser totalmente
descoberta, e assim que se tornasse publicamente conhecida. A revelação integral é
demasiado prematura, e ter-se-ia antecipado milhares de anos ou mesmo algumas
centenas de milênios. Somente se fará oportuna quando houver refluído a grande e
tempestuosa onda de fome, miséria e trabalho mal retribuído, como deverá suceder
quando forem satisfeitos os justos reclamos das multidões; quando o proletariado não
existir senão como um nome, e se houver extinguido o pungente clamor dos que
necessitam de pão, clamor que até hoje ressoa, sem ser ouvido, pelos quatro cantos do
mundo. Esse advento pode ser apressado pela difusão da educação e por novas facilidades
para o trabalho e a emigração, com perspectivas mais amplas que as existentes atualmente,
e em um novo continente que pode surgir. Só então a força e o motor de Keely, tais como
ele e seus amigos os idealizaram originariamente, terão generalizada aplicação, porque
então a sua utilidade beneficiará mais o pobre que o rico.
Enquanto isso, a força que descobriu funcionará por meio de fios condutores; o que,
uma vez conseguido, será suficiente para fazer dele o maior inventor da época presente.
O que diz o Sr. Keely sobre o Som e a Cor é igualmente exato do ponto de vista oculto.
Atentai no que ele diz, como se fosse um Filho dos "Deuses Reveladores" e como em toda a
Sua vida houvesse contemplado as profundezas do Pai-Mãe Æther.
Comparando a tenuidade da atmosfera com a das ondas etéreas obtidas por seu
invento, para romper as moléculas do ar por meio da vibração, eis como se expressa Keely:
"É como a relação entre a platina e o gás hidrogênio. A separação molecular do ar nos
conduz só à primeira subdivisão; a intermolecular, à segunda; a atômica, à terceira; a
interatômica, à quarta; a etérica, à quinta; e a interetérica à sexta subdivisão ou associação
positiva com o éter luminoso (12). Em meu primeiro argumento sustentei que esta é a
envoltura vibratória de todos os átomos. Em minha definição de átomo não me limito à
266
sexta subdivisão, onde aquele éter luminoso se desenvolve em sua forma imperfeita, como
o provam minhas investigações (13). Creio que os físicos de hoje verão nesta ideia um
capricho da imaginação. É possível que com o tempo se faça luz sobre esta teoria, pondo a
sua simplicidade em evidência para as pesquisas cientificas. Por enquanto só posso
compará-la a um planeta na escuridão do espaço, onde não tenha ainda chegado a luz do
sol da ciência... Eu afirmo que o som, da mesma forma que o odor, é uma substância real,
de tenuidade maravilhosa e desconhecida, que emana de um corpo, no qual se produziu
por percussão, e que projeta verdadeiros corpúsculos de matéria, partículas interatômicas,
dotadas de uma velocidade de 1.120 pés por segundo (14); no vácuo, de 20.000 pés (15). A
substância assim disseminada faz parte da massa agitada; e esta, se fosse continuamente
mantida em estado de agitação, acabaria, no fim de certo ciclo de tempo, por ser
completamente absorvida pela atmosfera; ou, para falar com mais exatidão, atravessaria a
atmosfera até alcançar um ponto alto de tenuidade correspondente à classe de subdivisão
que lhe permite desprender-se do corpo de onde se originou... Os sons provenientes de
diapasões vibratórios, dispostos de modo que produzam acordes etéricos, ao mesmo
tempo que difundem seus tons (compostos), penetram em todas as substâncias que se
acham dentro do raio de ação do seu bombardeio atômico. O soar de uma campainha no
vácuo põe em liberdade esses átomos, com a mesma velocidade e o mesmo volume que no
ar livre; se a agitação da campainha se mantivesse ininterrupta durante alguns milhões de
anos, a matéria de que é formada se desintegraria por completo em seus elementos
primitivos; e se o recinto estivesse hermeticamente fechado, e fosse bastante resistente, o
espaço vazio ao redor da campainha ficaria submetido a uma pressão de milhares e
milhares de libras por polegada quadrada, em virtude da substância sutil desprendida. Em
meu entender, a definição exata do som é a perturbação do equilíbrio atômico, que libera
verdadeiros corpúsculos atômicos; e a substância que deste modo se desprende deve
certamente pertencer a determinada classe de fluxo etérico. Em tais condições, não será
razoável supor que, se esse fluxo continuasse subtraindo elementos do corpo de que se
trata, este acabaria por desaparecer completamente com o passar do tempo? Todos os
corpos, assim animais como vegetais e minerais, são originariamente constituídos por esse
éter tão sutil, e só retornam à mesma condição quando levados a um estado de equilíbrio
diferencial... No que se refere ao odor, só podemos formar uma ideia aproximada de sua
extrema e maravilhosa tenuidade considerando que se pode impregnar uma grande
extensão da atmosfera, por espaço de muitos anos, com apenas um grão de almíscar, o
qual, sendo pesado no fim desse enorme intervalo, não acusará nenhuma diminuição
apreciável. O grande paradoxo referente ao fluxo de partículas odoríferas está em que
podemos aprisioná-las em um recipiente de cristal (!). Temos aqui uma substância muito
mais sutil que o vidro onde foi confinada; e no entanto ela não pode escapar. É como se
fosse um crivo com orifícios suficientemente grandes para deixarem passar bolas de bilhar,
retendo, porém, a areia fina, cujos grãos não poderiam atravessá-los; em suma, um
recipiente molecular que encerra uma substância atômica. Eis um enigma que confundiria
todo aquele que se detivesse em meditá-lo. Mas, por infinitamente tênue que seja o odor,
é ainda muito grosseiro quando comparado com a substância correspondente à subdivisão
a que pertence um fluido magnético (corrente de simpatia, se assim quiserem chamá-lo).
267
Esta subdivisão é imediata à do som, mas lhe é superior. A ação do fluxo de um ímã é, de
certo modo, idêntica à da parte receptora e distributiva do cérebro humano, que sempre
retransmite em escala decrescente a quantidade que recebe. É um bom exemplo do
domínio da mente sobre a matéria: a parte física vai diminuindo gradualmente, até que a
dissolução se opera. O ímã perde pouco a pouco a sua força, na mesma proporção, e
finalmente fica inerte. Se a relação entre a mente e a matéria pudesse estacionar,
permanecendo ambas no mesmo nível, viveríamos eternamente em nosso estado físico,
porque não ficaria este sujeito à deterioração. Mas a decadência física, chegando a
completar-se, conduz ao começo de um desenvolvimento muito mais elevado, a saber, a
liberação do éter puro de sua associação com o molecular grosseiro, o que, a meu ver, é
muito desejável." (16)
É de notar que, salvo diferenças de pequena monta, nenhum Adepto nem alquimista
teria explicado melhor essas teorias, à luz da ciência moderna, a despeito de todos os
protestos desta última contra tais novidades. É Ocultismo puro e simples, senão quanto às
minúcias, pelo menos no que diz respeito aos princípios fundamentais; e, além disso, é
também Filosofia Natural moderna.
Que é esta nova Força, ou o que quer que a Ciência lhe chame, esta Força cujos efeitos
são inegáveis, como o admitiram vários naturalistas e físicos que têm visitado o laboratório
do Sr. Keely e presenciado suas notáveis experiências? Será também um "modo de
movimento" no vácuo, onde não há matéria que o produza, mas tão somente o som - outro
"modo de movimento", sem dúvida, uma sensação causada por vibrações, à semelhança da
cor? Convencidos, como estamos, de que tais vibrações são a causa imediata dessas
sensações, rejeitamos em absoluto a teoria científica unilateral de que fora das vibrações
etéricas ou atmosféricas não exista nenhum fator que se possa considerar exterior a nós
(17).
Há uma série transcendental de causas postas em movimento, por assim dizer, na
realização desses fenômenos; causas que, não estando em relação com os estreitos limites
da nossa faculdade de conhecer, só podem ser compreendidas e estudadas, em sua origem
e natureza, pelas faculdades espirituais do Adepto. São, como disse Asclépio ao Rei, "corpos
incorpóreo", quais os que aparecem "no espelho", e "formas abstratas", que vemos,
ouvimos e sentimos em nossos sonhos e visões. Que têm a ver com elas os "modos de
movimento", a luz e o éter? Sem embargo, nós as vemos, ouvimos, tocamos, e sentimos o
seu odor; ergo, são tão reais para nós, em nossos sonhos, quanto outra coisa qualquer
neste plano de Mâyâ.
(1). A palavra sobrenatural quer dizer acima ou fora da Natureza. A Natureza e o Espaço são a
mesma coisa. Ora, para o metafísico, o Espaço existe fora de todo ato de sensação, sendo
uma representação puramente subjetiva, apesar da oposição do Materialismo, que
desejaria associá-lo necessariamente a uma sensação qualquer. Para os nossos sentidos, o
Espaço é realmente subjetivo quando considerado independentemente de seu conteúdo.
Como, pois, é possível que um fenômeno, ou seja que outra coisa for, se produza fora ou
268
além daquilo que não tem limites? Ainda quanto a extensão do espaço se converta em
mero conceito, e seja considerada como uma ideia relacionada com certas ações, como
pensam os materialistas e os físicos, nem assim cabe a estes o direito de definir e afirmar o
que pode ou não pode ser produzido por forças geradas dentro ainda de espaços limitados,
visto que não fazem eles nenhuma ideia, sequer aproximada, do que são essas Forças.
(2). Não é correto, quando se fala de Idealismo, apresentá-lo como baseado na "antiga
proposição ontológica segundo a qual as coisas existem independentemente umas das
outras, e não como simples termos de relação" (Stallo). Em todo caso, é incorreto dizer isso
do Idealismo da Filosofia Oriental e de seu conhecimento, porque é justamente o contrário.
(3). Independente em certo sentido, mas não sem conexão com ela.
(4). "Por Fohat, mais provavelmente", responderia um ocultista.
(5). A razão de tais faculdades psíquicas será exposta mais adiante.
(6). As linhas acima foram escritas em 1886, quando as esperanças de êxito do motor Keely
estavam em seu apogeu. O que a autora então escreveu corresponde, textualmente, à
verdade; e agora cabe apenas acrescentar algumas observações quanto ao insucesso das
esperanças de Keely, insucesso que hoje o próprio inventor reconhece. Contudo, embora se
use aqui a palavra insucesso, deve o leitor entendê-la em um seno tido relativo, por isso
que, conforme explica a Sra. Bloomfield-Moore: "O que o Sr. Keely admite é que, não tendo
conseguido a aplicação da força vibratória à mecânica, em suas duas primeiras tentativas de
investigação experimental, se via obrigado a confessar um insucesso comercial, ou a fazer
uma terceira tentativa, em que, partindo do princípio ou da base, buscaria o êxito por outro
caminho." E este "caminho" se encontra no plano físico.
(7). Dizem que estas observações não se aplicam à última descoberta do Sr. Keely. Só o
tempo poderá decidir quanto ao limite exato de suas experiências.
(8). Theosophical Siftings, voI. I, número 9, p. 13.
(9). Ibid., pp. 16-17.
(10). Ibid., p. 18.
(11). De Agni = fogo e ratha = carro.
(12). É também a divisão adotada pelos ocultistas, sob outro nome.
(13). Certo, pois existe mais a sétima, além da qual recomeça a mesma numeração, da
primeira à última, em outro plano mais elevado.
(14). 340 metros.
(15) 6666,66 m.
(16). Do folheto The New Philosophy, da Sra. Bloombield-Moore.
(17). Em tal caso, os substancialistas americanos, conquanto as suas ideias sejam
demasiado antropomórficas e materiais para que possam aceitá-las os ocultistas, não se
distanciam da verdade quando argumentam, pela palavra da Sra. M. S. Organ, M. D., que:
"Deve haver nos objetos propriedades essenciais positivas que guardem uma relação
constitucional com os nervos da sensação animal, pois de outro modo não haveria
percepção. Não se poderia produzir impressão de espécie alguma no cérebro, nos nervos
ou na mente, não poderia haver estímulo para a ação, se não existisse uma comunicação
efetiva e direta de uma força substancial" ("Substancial" na aparência, é óbvio; no sentido
que se dá à palavra neste Universo de Ilusão ou de Mâyâ - mas não na realidade). "Essa
269
força pode ser a Entidade material mais refinada e sublime (?). Deve, porém, existir; pois
nenhum sentido, elemento ou faculdade do ser humano pode experimentar uma
percepção, ou ser estimulado à ação, sem que alguma força substancial se ponha em
contato com ela. Esta é a lei fundamental que rege todo o mundo orgânico e mental. Na
acepção verdadeiramente filosófica, não existe ação independente: toda força ou
substância está em correlação com outra força ou substância. Podemos certamente afirmar
que nenhuma substância possui qualquer propriedade odorífera ou gustativa que lhe seja
inerente; senão que o sabor e o odor são apenas fenômenos sensoriais causados por
vibrações e, portanto, meras ilusões de percepções animais."
270
SEÇÃO X
SOBRE OS ELEMENTOS E OS ÁTOMOS
Quando o ocultista fala dos Elementos e dos Seres humanos que viveram naquelas
idades geológicas cuja duração tem sido impossível determinar - segundo a opinião de um
dos maiores geólogos ingleses (1) -, assim como da natureza da Matéria, sabe o que está
dizendo. Quando menciona Homem e Elementos, não quer significar o homem em sua
atual forma antropológica e fisiológica, nem os Átomos elementais desses conceitos
hipotéticos que hoje povoam as mentes cientificas, entidades abstratas da Matéria em seu
estado mais sutil; não quer também significar os Elementos compostos da antiguidade. Em
Ocultismo, a palavra Elemento é sempre sinônimo de Rudimento. Quando dizemos
"Homem Elementar", significamos: ou o esboço primitivo, incipiente, do homem em seu
estado incompleto e por desenvolver, e, portanto, esta forma que se acha latente no
homem físico de hoje durante a sua existência, e que só se manifesta eventualmente e sob
certas condições; ou aquela forma que sobrevive ao corpo material por algum tempo, e
mais conhecida pelo nome de Elementar (2). E "Elemento", quando se emprega a palavra
em sentido metafísico, significa o Homem Divino incipiente, distinto do homem mortal; em
seu sentido físico, quer dizer Matéria caótica no estado primeiro, não diferenciado, ou
estado "laya", o estado eterno e normal da Substância, que só se diferencia
periodicamente; durante essa diferenciação, a Substância está realmente numa condição
anormal - em outras palavras, não é senão uma ilusão transitória dos sentidos.
Quanto aos chamados Átomos Elementais, os ocultistas dão a este nome um significado
análogo ao que os hindus atribuem a Brahma quando o chamam Anu, o Átomo. Cada
Átomo Elemental, em cuja busca mais de um químico tem seguido o caminho indicado
pelos alquimistas, é de acordo com a firme crença dos ocultistas, senão pelo seu próprio
conhecimento, uma Alma; não uma Alma necessariamente desencarnada, mas um Jiva,
como dizem os hindus, um centro de Vitalidade Potencial, com uma inteligência latente; e,
no caso de Almas complexas, uma Existência inteligente e ativa, desde a ordem mais
elevada até a mais inferior; uma forma composta de mais ou menos diferenciações. É
preciso ser metafísico - e um metafísico oriental - para compreender o nosso significado.
Todos esses Átomos-almas são diferenciações do Uno, e estão para ele como a Alma Divina,
Buddhi, está para seu Espírito Animador, Atmâ, que lhe é inseparável.
Os físicos modernos, ao adotarem a Teoria Atômica dos antigos, esqueceram um ponto,
que é o mais importante da doutrina; e por isso não foram além da casca, sendo incapazes
de retirar a amêndoa. Admitindo os átomos físicos, omitiram o fato significativo de que,
desde Anaxágoras a Epicuro, ao romano Lucrécio, e até mesmo a Galileu, todos estes
filósofos criam em átomos animados, não em partículas invisíveis da chamada matéria
"bruta". Segundo eles, o movimento rotatório foi gerado por átomos maiores (leia-se: mais
puros e divinos), que impeliam outros átomos para baixo, ao mesmo tempo em que os mais
leves eram impulsionados de baixo para cima. A significação esotérica disso é a constante
curva cíclica de Elementos diferenciados, para cima e para baixo, através de fases inter-
cíclicas de existência, até que cada um alcance o seu ponto de partida ou de origem. A ideia
271
era tanto metafísica como física, e sua interpretação oculta abrangia os Deuses ou Almas,
em forma de átomos, como as causas de todos os efeitos produzidos na Terra pelas
secreções dos corpos divinos (3).
Nenhum filósofo antigo, nem mesmo os cabalistas judeus, dissociou jamais o Espírito da
Matéria, e a Matéria do Espírito. Todas as coisas tinham sua origem no Uno, e, procedentes
do Uno, a ele deviam voltar finalmente.
Átomos e Almas eram sinônimos na linguagem dos Iniciados. A doutrina das "Alvas
vertiginosas", Gilgoolem, em que tanto acreditaram os sábios judeus (5), não tinha outra
significação esotérica. Os sábios Iniciados judeus nunca pretenderam significar com o nome
de Terra Prometida exclusivamente a Palestina; mas assim designavam o próprio Nirvana
dos brâmanes e dos sábios budistas - o seio do UNO eterno, simbolizado pelo seio de
Abraão e, como sucedâneo na Terra, pela Palestina.
Certamente que nenhum judeu culto jamais tomou ao pé da letra a alegoria de que os
corpos dos judeus contêm um princípio de Alma que não pode obter o repouso se
inumados em terra estrangeira e enquanto as partículas imortais não alcancem de novo o
solo sagrado da "Terra Premetida" (6), mediante um processo denominado "o torvelinho da
Alma". Para o ocultista, o significado é óbvio. Supunha-se que o processo consistia em uma
espécie de metempsicose, que fazia a centelha psíquica passar através do pássaro, da fera,
do peixe e do minúsculo inseto (7). A alegoria refere-se aos Átomos do corpo, cada um dos
quais tem de passar através de todas as formas antes de alcançar o estado final, que outro
não é senão o ponto de partida ou o seu estado "laya" primitivo. Mas o sentido original do
Gilgoolem, ou "Revolução das Almas", era a ideia de Almas ou Egos reencarnantes. "Todas
as almas vão ao Gilgoolah", seguem um processo cíclico ou de revolução; quer dizer, todas
passam pela via cíclica do renascimento. Alguns cabalistas julgam que esta doutrina se
refere tão só a uma espécie de purgatório para as almas dos maus. Mas não é assim.
A passagem da Alma-Átomo "pelas sete Câmaras Planetárias" tinha o mesmo
significado físico e metafísico. Físico, quando se dizia que a Alma se dissolvia no Éter. O
próprio Epicuro, que serve de modelo aos ateus e materialistas, acreditava na antiga
Sabedoria, de que tinha algum conhecimento, chegando a ensinar que a Alma - em tudo
distinta do Espírito imortal, achando-se este nela encerrado de modo latente, como o está
em toda partícula atômica - era composta de uma essência sutil e delicada, extraída dos
átomos mais puros, mais redondos e mais finos (8).
Vê-se, portanto, que os antigos Iniciados, seguidos mais ou menos de perto por toda a
antiguidade profana, usavam a palavra Átomo para significar uma Alma, um Gênio ou um
Anjo, o primogênito da Causa, sempre oculta, de todas as causas - e nesta acepção os seus
ensinamentos se fazem compreensíveis. Afirmavam eles, como afirmam seus sucessores, a
existência de Deuses e Gênios, Anjos ou Demônios, não fora nem independentes da
Plenitude Universal, mas integrados nela. Admitiam e ensinavam grande parte do que hoje
272
ensina a ciência moderna, a saber: a existência de uma Matéria ou Substância Cósmica
primordial do Mundo, eternamente homogênea, exceto durante suas fases periódicas;
então, universalmente difundida no espaço infinito, ela se diferencia e forma
gradualmente, de si mesma, corpos siderais. Ensinavam a revolução dos Céus, a rotação da
Terra, o sistema heliocêntrico e os vórtices atômicos - sendo os Átomos, na realidade,
Almas e Inteligências. Esses "atomistas" eram filósofos panteístas altamente espirituais.
Jamais lhes teria passado pela mente, nem mesmo em sonhos, esta progênie oposta,
monstruosa, que é o pesadelo de nossa raça moderna e civilizada: por uma parte, Átomos
materiais inanimados que se dirigem a si próprios, e, pela outra, um Deus extracósmico.
Talvez seja útil explicar o que era a Mônada, e qual a sua origem, segundo os ensinamentos
dos antigos Iniciados.
A ciência exata moderna, assim que começou a sair de sua infância, percebeu o grande
axioma, ate então esotérico para ela, de que coisa alguma, seja no domínio espiritual,
psíquico ou físico do Ser, pode nascer do Nada. Não há causa, no Universo manifestado,
que não tenha seus efeitos adequados, no Espaço ou no Tempo; nem pode haver efeito
sem uma causa anterior, devendo-se esta, por sua vez, à outra ainda mais elevada, e tendo
que permanecer a Causa final e absoluta como Causa sem Causa, eternamente
incompreensível para o homem. Mas nem isto é ainda uma solução; e, se queremos de
algum modo deter-nos em seu exame, há de sê-lo do ponto de vista filosófico e metafísico
o mais elevado; não sendo assim, é melhor não tocar no problema. É uma abstração, a cujo
contato a razão humana vacila e ameaça soçobrar, por mais habituada que esteja às
sutilezas metafísicas. Pode-se demonstrá-lo a qualquer europeu que se disponha a esforçar-
se para resolver o problema da existência, pelos artigos de fé dos verdadeiros vedantinos,
por exemplo. Que leia e estude os sublimes ensinamentos de Shankarâchârya a respeito da
Alma e do Espírito, e terá a confirmação do que dizemos (9).
Enquanto aos cristãos se ensina que a Alma humana é um sopro de Deus, e que foi por
Ele criada para uma existência sempiterna, tendo um começo mas não um fim - e portanto
não se podendo dizer que é eterna -, o Ensinamento Oculto declara: Nada foi criado, tudo é
apenas transformação. Nada se pode manifestar neste Universo, desde um globo até um
vago e fugaz pensamento, sem que já existisse no Universo; tudo no plano subjetivo é um
eterno é, assim como tudo no plano objetivo é um eterno vir-a-ser, porque todas as coisas
são transitórias.
A Mônada - que, na definição de Good, é "uma coisa verdadeiramente indivisível",
embora não desse ele à palavra o sentido que hoje lhe atribuímos - designa aqui o Atmâ em
conjunção com Buddhi e o Manas Superior. Essa trindade é una e eterna; e, ao terminar a
vida condicionada e ilusória, os dois últimos são absorvidos no primeiro. Somente a partir
da fase preliminar do Universo manifestado é que se pode seguir a Mônada no curso de sua
peregrinação e de suas mudanças de veículos transitórios. Durante o Pralaya, período
intermediário que separa dois Manvantaras, ela perde o seu nome, como igualmente o
perde quando o Eu Único e real do homem se submerge em Brahman no caso de um
elevado Samâdhi (o estado Turiya) ou no Nirvana final. Segundo as palavras de Shankara:
"Sejam quais forem as entidades que se achem neste mundo, móveis ou imóveis,
são elas as primeiras a dissolver-se [no Pralaya]; seguindo-se a estas os
desenvolvimentos que se produzem dos elementos [os de que é formado todo o
universo visível]; e depois desses desenvolvimentos [entidades evolucionadas] todos os
elementos. Tal é a graduação ascendente entre as entidades. Deuses, Homens,
Gandharvas, Pishâchas, Asuras, Râkshasas, todos foram criados pela Natureza [Svabhâva
ou Prakriti, a Natureza plástica], não pelas ações nem por uma causa [não por uma
causa física]. Estes Brâhmanas [os Rishis Prajâpatis?], os criadores do mundo, nascem
aqui [na Terra] várias vezes; e tudo o que deles se produz dissolve-se em seu devido
tempo nesses mesmos cinco grandes elementos [os cinco, ou melhor, sete Dhyâni-
Buddhas, também chamados "Elementos" da Humanidade], assim como as ondas se
dissolvem no oceano. Esses grandes elementos se acham em todos os sentidos (acima)
dos elementos que constituem o mundo [os elementos grosseiros). E aquele que se
liberta desses cinco elementos [os Tanmâtras] (12) alcança a meta mais elevada. O
Senhor Prajâpati [Brahma] criou tudo isso só com a mente [por meio de Dhyâna, ou
meditação abstrata e poderes místicos, como os Dhyâni-Buddhas]." (13)
"Cada Buddha encontra, em sua última Iniciação, todos os grandes Adeptos que
alcançaram o estado Búddhico nas idades precedentes...; os Adeptos de cada classe têm o
seu próprio laço de comunhão espiritual, que os une a todos entre si... O único meio
possível e eficaz de entrar em semelhante irmandade... consiste em ficar sob a influência da
Luz Espiritual que se irradia do próprio Logos do candidato. Posso ainda acrescentar... que
semelhante comunhão só é possível entre pessoas cujas almas derivam sua vida e sua força
do mesmo Raio divino; e que, assim como do "Sol Central Espiritual" emanam sete Raios
distintos, assim também todos os Adeptos e Dhyân Chohans são divisíveis em sete classes,
cada uma das quais é dirigida, governada e protegida por uma das sete formas ou
manifestações da Sabedoria Divina." (22)
Os Sete Filhos da Luz - chamados pelos nomes de seus planetas, e com estes
identificados muitas vezes pela massa ignorante, a saber: Saturno, Júpiter, Mercúrio,
Marte, Vênus e, presumivelmente, o Sol e a Lua, para os críticos modernos, que não vão
além da superfície quando estudam as religiões antigas (23) - os Sete Filhos da Luz,
dizemos, é que, segundo os Ensinamentos Ocultos, são os nossos Pais celestiais ou,
sinteticamente, o nosso "Pai". Daí por que, como já se fez observar, é o Politeísmo real-
mente mais filosófico e mais correto que o Monoteísmo antropomórfico.
277
Saturno, Júpiter, Mercúrio e Vênus, os quatro planetas exotéricos, e três outros que não
devem ser nomeados, eram os corpos celestes que se achavam em comunicação direta,
astral e psíquica, moral e fisicamente, com a nossa Terra; seus Guias e Vigilantes. Os orbes
visíveis proporcionavam à nossa humildade as características externas e internas; e seus
Regentes ou Reitores as nossas Mônadas e as nossas faculdades espirituais. A fim de evitar
novas interpretações errôneas, diremos que entre os três Globos secretos, ou Anjos
Estelares, não se incluem Urano e Netuno; não só porque os sábios antigos não os
conheciam sob esses nomes, como porque, da mesma forma que todos os outros planetas,
por numerosos que sejam, representam eles os Deuses e Guardiães de outras Cadeias de
Globos setenários, dentro do nosso sistema.
Além disso, os dois grandes planetas descobertos por último não dependem
inteiramente do Sol, como sucede com os demais planetas. De outro modo, como podemos
explicar o fato de que Urano não receba senão 1/390 da luz recebida pela nossa Terra, e
Netuno apenas 1/900; e o de apresentarem seus satélites a particularidade de uma rotação
inversa à que ocorre em todos os demais planetas do Sistema Solar? Em todo caso, o que
dissemos se aplica a Urano, se bem que o fato tenha sido objeto de recentes discussões.
Tudo isso será, naturalmente, considerado como simples fantasia por todos os que
confundem a ordem universal do Ser com seus próprios sistemas de classificação. Aqui,
porém, nos limitamos a expor meros fatos oferecidos pelos Ensinamentos Ocultos, para
que sejam aceitos ou rejeitados, conforme o caso. Existem pormenores em que não é
possível entrar, em razão de seu alto grau de abstração metafísica. Basta, pois, dizer que
são apenas sete os planetas intimamente relacionados com o nosso globo, da mesma forma
que o Sol o é com todos os corpos a ele sujeitos no seu Sistema. Pobre e mesquinho, em
verdade, é o número dos corpos que a Astronomia conhece como planetas de primeira e de
segunda ordem (24). É razoável, portanto, admitir-se que há um grande número de
planetas, pequenos e grandes, que ainda não foram descobertos, mas cuja existência devia
certamente ser conhecida pelos antigos astrônomos, todos eles Adeptos Iniciados. Mas, por
serem sagradas as relações entre estes e os Deuses, devia isso permanecer em segredo,
como também os nomes de vários outros planetas e estrelas.
Por outra parte, a própria Teologia Católica Romana fala de "setenta planetas que
presidem aos destinos das nações deste globo"; e, salvo a aplicação errônea, há mais
verdade nesta tradição que na moderna Astronomia exata. Os setenta planetas estão
relacionados com os setenta anciãos do povo de Israel (25), e a alusão se entende com os
Regentes desses planetas e não com os globos propriamente; a palavra setenta é uma
ficção e um véu, postos sobre o 7 X 7 das subdivisões. Cada povo, cada nação, como já
dissemos, tem o seu Vigilante direto, Guardião e Pai no Céu - um Espírito Planetário.
Dispostos estamos a deixar aos descendentes de Israel, adoradores de Sabaoth ou Saturno,
o seu próprio Deus nacional, Jeová; pois as Mônadas do povo escolhido por ele são
efetivamente suas, e a Bíblia nunca fez segredo disso. Sucede que a Bíblia protestante
inglesa está, como de costume, em desacordo com a dos Setenta e a Vulgata. Assim,
enquanto se lê na primeira:
278
"Quando o Altíssimo [não Jeová] dividiu sua herança entre as nações... dispôs os limites
dos povos em conformidade com o número dos filhos de Israel" (26),
no texto da versão dos Setenta consta: "segundo o número de Anjos", Anjos Planetários,
versão esta que concorda mais com a verdade e com os fatos. Demais, todos os textos são
unânimes em que "a parte do Senhor [a de Jeová] é o seu povo; Jacob é o lote de sua
herança"?", e isto decide a questão. O "Senhor" Jeová tomou Israel como a sua parte. Que
têm a ver, portanto, outras nações com aquela Divindade nacional particular? Deixemos,
pois, que O "Anjo Gabriel" vele sobre o Iran, e "Miguel-Jehová" sobre os hebreus. Esses não
são os Deuses de outras nações, e difícil é compreender por que os cristãos escolheram um
Deus contra cujos mandamentos Jesus foi o primeiro a insurgir-se.
A origem planetária da Mônada, ou Alma, bem como de suas faculdades, foi ensinada
pelos Gnósticos. No curso de sua descida para a Terra e de seu regresso da mesma, cada
Alma, nascida da "Luz Infinita" (28), tinha que passar pelas sete regiões planetárias em
ambas as vias. Os Dhyâni e os Devas puros das mais antigas religiões converteram-se, no
decorrer do tempo, entre os masdeístas, no Sete Devas, os ministros de Ahriman, "cada
qual encadeado ao seu planeta" (29); entre os brâmanes, nos Asuras e em alguns dos
Rishis, bons, maus e indiferentes. Entre os Gnósticos egípcios, Thoth ou Hermes era o chefe
dos Sete, cujos nomes foram mencionados por Orígenes como: Adonai, gênio do Sol; Tao,
da Lua; Elói, de Júpiter; Sabaoth, de Marte; Orai, de Vênus; Astaphai, de Mercúrio; e
Ildabaoth (Jeová), de Saturno. Finalmente, o Pistis-Sophia, que a maior autoridade moderna
sobre crenças gnósticas exotéricas, C. W. King, considera "monumento precioso do
Gnosticismo", faz-se eco das crenças arcaicas, embora deformando-as para adaptá-las a fins
sectários. Os Regentes Astrais das Esferas (planetas) criaram as Mônadas, ou Almas, de sua
própria substância, com "as lágrimas de seus olhos e o suor de suas aflições", dotando-as
com uma centelha de sua substância, que é a Luz Divina. Nos volumes III e IV explicaremos
porque estes "Senhores do Zodíaco e das Esferas" foram transformados pela teologia
sectária nos Anjos Rebeldes dos cristãos, que os foram buscar nos Sete Devas dos Magos,
sem compreender o significado da alegoria (30).
Como de costume, aquilo que é, e era, desde a origem, divino, puro e espiritual em sua
unidade primitiva, converteu-se - por causa de sua diferenciação através do deformante
prisma dos conceitos do homem - em humano e impuro, refletindo a natureza pecadora
própria do homem. Deste modo, o planeta Saturno foi, com o tempo, aviltado pelos
adoradores de outros Deuses. As nações que nasceram sob a influência de Saturno - a
nação judia, por exemplo, para a qual ele se converteu em Jeová, depois de haver sido este
considerado como filho de Saturno, ou Ilda-Baoth, pelos ofitas, e no Livro de Jasher -
estavam em constante luta com as nascidas sob a influência de Júpiter, de Mercúrio ou de
qualquer outro planeta que não fosse Saturno-Jeová; apesar do que dizem as genealogias e
as profecias, Jesus, o Iniciado (ou Jehoshua) - o tipo de que foi copiado o Jesus "histórico" -
não era de puro sangue judeu, e por isso não reconhecia a Jeová, nem adorava a nenhum
outro Deus planetário além do seu próprio "Pai", a quem conhecia e com quem se
comunicava, como o fazem todos os grandes Iniciados, "Espírito com Espírito e Alma com
Alma". Isso dificilmente pode ser contestado, a menos que a crítica explique
279
satisfatoriamente todas as estranhas frases que o autor do Quarto Evangelho atribui a
Jesus, em suas discussões com os fariseus:
"Bem sei que sois a descendência de Abraão... (31) Eu falo do que vi junto de meu Pai,
e vós fazeis o que também vistes junto de vosso Pai... Vós fazeis as obras de vosso Pai... Vós
tendes como Pai o Demônio... ele foi homicida desde o principio, e não permaneceu na
verdade, porque não há verdade nele. Quando diz uma mentira, fala do que lhe é próprio,
porque é um mentiroso e o pai da mentira." (32)
Esse "Pai" dos fariseus era Jeová, que era idêntico a Caim, a Saturno, a Vulcano, etc.; o
planeta sob cuja influência haviam nascido e o Deus que adoravam. É evidente que
naquelas palavras e admoestações deve haver um significado oculto, apesar de mal
traduzidas, pois que foram pronunciadas por quem ameaçou com o fogo do inferno a todo
aquele que simplesmente chamasse Raca, néscio, ao seu irmão (33).
É também evidente que os planetas não são meras esferas que brilham sem objetivo
no Espaço, mas são os domínios de vários Seres, desconhecidos até agora dos não-
iniciados, e que, no entanto, não deixam de manter uma relação misteriosa, ininterrupta e
de grande influência com os homens e os globos. Cada corpo celeste é o templo de um
Deus, e estes Deuses são, por sua vez, os templos de DEUS, o Desconhecido "Não-Espírito".
Nada há profano no Universo. Toda a Natureza é um lugar consagrado, pois, como disse
Young,
Pode-se, assim, demonstrar que todas as religiões exotéricas são cópias deformadas
dos Ensinamentos Esotéricos. O clero é responsável pela reação contemporânea em favor
do Materialismo. Adorando as conchas vazias dos ideais pagãos - personificados para fins
alegóricos -, e obrigando as massas a render-lhes culto, as últimas religiões exotéricas
converteram os países ocidentais em um Pandemônio, em que as classes superiores
adoraram o bezerro de ouro, e as massas inferiores e ignorantes foram induzidas a adorar
um ídolo com pés de barro.
(1). Respondendo a um amigo, escreve o eminente geólogo: "Tudo o que posso dizer, em
resposta à vossa carta, é que atualmente é impossível, e talvez o seja sempre, traduzir em
anos, ou ainda em milhares de anos, nem sequer aproximadamente, o tempo geológico".
(William Pengelly, F. R. S. )
(2). Platão, ao falar dos Elementos turbulentos, irracionais, "compostos de fogo, ar, água e
terra”, quer dizer Demônios elementais (veja-se o Timœus).
(3). Platão emprega no Timœus a palavra "secreções" dos Elementos turbulentos.
(4). Valentino, Esoteric, Treatise on the Doctrine of Gilgul.
(5). Veja-se Royal Masonic Cyclopœdia, de Mackenzie, pp. 250-1.
(6). Veja-se Ísis sem Véu, I, p. 152.
280
(7). Veja-se Mackenzie, ibid., sub voc.
(8). Ísis sem Véu, I, p. 317.
(9). Viveka Chûdâmani, que na tradução de Mohini M. Chatterji quer dizer: "A Joia na crista
da Sabedoria". Veja-se The Theosophist, outubro de 1885 a agosto de 1886.
(10). Em tibetano, rdo.rje.hdsin = vajra-dhara (sânscrito), portador do raio.
(11). Em tibetano, rdi. rje. sems. dpah = vajra-sattva (sânscrito). Aqui vajra significa
diamante, a sattva natureza, essência ou princípio, etc.
(12). Os Tanmâtras, representam, literalmente, o tipo ou rudimento de um elemento
desprovido de qualidades; mas, esotericamente, são o Númeno primitivo do que, no
curso do progresso da evolução, se converte num Elemento Cósmico, na acepção que
se dava a este termo na antiguidade, e não na da Física. São os Logos, as sete
emanações ou raios do Logos.
(13). Cap. XXXVI, trad. de Telang, Sacred Books of the East, pp. 387-8.
(14). Veja-se The Theosophist, agosto de 1886, p. 729.
(15). O erro, hoje universal, de se atribuir aos antigos o conhecimento de apenas sete
planetas, simplesmente porque não mencionavam outros, tem sua origem na mesma
ignorância geral de suas doutrinas ocultas. A questão não é se conheciam ou não a
existência dos planetas ultimamente descobertos; mas se a veneração que tinham pelos
quatro Grandes Deuses exotéricos e pelos três secretos, os Anjos Estelares, não se baseava
em alguma razão especial. A autora ousa afirmar que semelhante razão existia, e é a
seguinte: Ainda hoje conhecemos (e esta questão não pode atualmente ser dirimida em um
ou outro sentido), eles teriam associado só os sete ao seu culto religioso porque estes sete
se acham direta e especialmente relacionados com a nossa Terra, ou, usando a fraseologia
esotérica, com o nosso anel setenário de Esferas.
(16). São João, X, 30.
(17). lbid., XX, 17.
(18). lbid., XIV, 28.
(19). São Mateus, V, 16.
(20). lbid., XIII, 43.
(21). I Cor., III, 16.
(22). The Theosophist, agosto de 1886, p. 706.
(23). Estes são planetas tão somente aceitos para fins de Astrologia judiciária. A divisão
astro-teológica difere da que mencionamos acima. O Sol, que é uma estrela central e não
um planeta, tem, como os seus sete planetas, uma relação mais oculta e misteriosa com o
nosso globo que a geralmente conhecida. O Sol era, portanto, considerado o Grande Pai de
todos os sete "Pais", o que explica as variações observadas entre os Sete e os Oito Grandes
Deuses da Caldéia e os de outros países. A Terra e seu satélite, a Lua, e até mesmo as
estrelas por outra razão, não eram mais que substitutos adotados para fins esotéricos. Não
obstante, ainda excluindo do cálculo o Sol e a Lua, parece que os antigos conheciam sete
planetas. Quantos deles nós conhecemos até o momento, se não levarmos em conta a
Terra e a Lua? Sete, e não mais; Sete planetas primordiais ou principais; os outros são antes
planetóides que planetas.
(24). Quando se pensa que, com o seu poderoso telescópio, o eminente astrônomo Sir
281
William Herschell, perscrutando apenas a parte do céu situada no plano equatorial, cujo
centro aproximado está ocupado pela nossa Terra, viu desfilarem 16.000 estrelas em um
quarto de hora; e que, aplicando este cálculo à totalidade da "Via Láctea", encontrou nela
nada menos que dezoito milhões de Sóis; não é de admirar que Laplace, conversando com
Napoleão I, dissesse que Deus é uma hipótese, sobre a qual é de todo em todo inútil
especular a ciência física exata. Só a Metafísica Oculta e a Filosofia transcendente são
capazes de levantar uma pequenina ponta do véu impenetrável que se antepõe ao
conhecimento deste assunto.
(25). Números, XI, 16.
(26). Deuteronômio, XXXII, 8.
(27). Ibid., 9.
(28). C. W. King, em The Gnostics and their Remains (p. 334), a identifica "com aquele
summum bonum das aspirações orientais, o Nirvana budista, repouso perfeito, a Indolentia
epicúrea"; ponto de vista que parece algo petulante em sua expressão, embora não seja de
todo falso.
(29). Veja-se a cópia, feita por Orígenes, da Carta ou Diagrama dos Ofitas.
(30). Veja-se também a Seção XIV.
(31). Abraão e Saturno são idênticos em astrossimbologia, e Abraão é o antepassado dos
judeus partidários de Jeová.
(32). São João, VIII, 37, 38, 41 e 44.
(33). São Mateus, V, 22.
282
SEÇÃO XI
O PENSAMENTO ANTIGO COM VESTUÁRIO MODERNO
A Ciência Moderna não é mais que o Pensamento Antigo deformado. Vimos, não
obstante, como pensam e em que se ocupam os homens de ciência dotados de intuição; e
agora daremos ao leitor algumas novas evidências de que mais de um acadêmico se
aproxima inconscientemente das tão ridicularizadas Ciências Secretas.
No que respeita à Cosmogonia e à matéria primordial, é inegável que as especulações
modernas reproduzem o pensamento da antiguidade, "aperfeiçoado" pelas teorias
contraditórias de origem recente. Todo o fundamento pertence à Astronomia e à Física
arcaicas, gregas e indianas, às quais se dava outrora o nome de Filosofia. Em todas as
especulações arianas e gregas encontramos o conceito de uma Matéria não organizada,
homogênea, ou Caos, que a tudo penetra, e que os cientistas rebatizaram com o nome de
"condição nebular da matéria universal". O que Anaxágoras chamou Caos em seu
Homoiomeria é hoje chamado "fluido primitivo" por Sir William Thomson. Os atomistas
hindus e gregos - Kanâda, Leucipo, Demócrito, Epicuro, Lucrécio, e outros - agora se
refletem, como em um espelho cristalino, nos que defendem a Teoria Atômica de nossa
época, a começar pelas Mônadas de Leibnitz e a terminar com os Átomos Vertiginosos de
Sir William Thomson (1). É verdade que a antiga teoria corpuscular foi rejeitada, sendo
substituída pela teoria ondulatória (2). Mas o que é importante é saber se a última está
realmente consolidada, sem correr o risco de ser destronada como sua predecessora. A
questão da Luz em seu aspecto metafísico foi largamente examinada em Ísis sem Véu:
É o Éter, como acaba de ser explicado nas teorias de Metcalfe, repetidas pelo Dr.
Richardson, ressalvado que o primeiro admite certas particularidades da moderna teoria
ondulatória. Não pretendemos opor-nos a esta teoria; apenas afirmamos que ela necessita
283
de ser completada e refundida. Longe estão, porém, os ocultistas de ser os únicos hereges
neste particular; pois o Sr. Robert Hunt, F. R. S., diz que:
"A teoria ondulatória não explica os resultados destas experiências (6). Sir David
Brewster, em seu Treatise on Optics, depois de mostrar 'que as cores da vida vegetal
provêm... de uma atração específica que as partículas destes corpos exercem sobre os raios
solares de cores diferentes', e que 'é por meio da luz do sol que se elaboram os sucos
coloridos das plantas, que se transformam as cores dos corpos, etc.', observa não ser fácil
aceitar 'que tais efeitos possam ser produzidos pela simples vibração de um meio etérico'.
Diz ele que se vê forçado, 'por esta classe de fatos, a raciocinar como se a luz fosse
material' [?]. O Professor Josiah P. Cooke, da Universidade de Harvard, declara que 'não
pode concordar com os que consideram a teoria ondulatória da luz como um princípio
científico estabelecido' (7). A doutrina de Herschell de que a intensidade da luz, quanto ao
efeito de cada ondulação, 'é inversamente proporcional ao quadrado da distância do corpo
luminoso', se é correta, prejudica em muito a teoria ondulatória, se é que não a destrói
mesmo. Que ele está com a razão é fato que ficou comprovado repetidas vezes por meio de
experiências com fotômetro; mas a teoria ondulatória, se bem que comece a ser objeto de
sérias dúvidas, permanece ainda de pé." (8)
Aqui devemos repetir o que dissemos na Seção VIII, a saber, que só há uma ciência
capaz de prosseguir nas investigações modernas pelo caminho único que há de conduzir à
descoberta da verdade, até agora oculta, e essa é a mais jovem de todas, a Química, tal
como atualmente se apresenta reformulada. Outra não há, sem mesmo excluir a
Astronomia, que possa orientar com tanta segurança a intuição científica, como pode fazê-
lo a Química. Temos duas prova-s disso no mundo da Ciência: dois grandes químicos dos
mais eminentes em seus respectivos países, Crookes e o Professor Butlerof; um acredita
sinceramente nos fenômenos anormais, e o outro era um espiritista tão entusiasta quanto
famoso por seus conhecimentos de ciências naturais.
É claro que a mente cientificamente educada do químico, ao mesmo tempo que
reflexiona sobre a divisibilidade final da Matéria e sobre a pesquisa, até agora infrutífera,
284
do elemento de peso atômico negativo, deve sentir-se irresistivelmente atraída para
aqueles mundos sempre encobertos, para aquele misterioso Além, cujos insondáveis
abismos parecem fechar-se à aproximação de mão demasiado materialista que lhes
procura descerrar o véu. "É o desconhecido e o sempre incognoscível" - adverte o monista
agnóstico. "Não é verdade" - responde o químico perseverante -. "Estamos na pista, e não
queremos desanimar; e voluntariamente franquearemos o limiar da misteriosa região em
que a ignorância põe a etiqueta de desconhecida."
[Em sua alocução presidencial de Birmingham, disse o Sr. Crookes:
Dois ou três parágrafos, já no final de sua conferência sobre a Gênese dos Elementos,
mostram que o eminente cientista trilha a estrada que leva a importantes descobertas.
Durante algum tempo esteve estudando a questão do "protilo original", e chegou à
conclusão de que "aquele que obtiver a Chave poderá descobrir alguns dos mais profundos
mistérios da Criação". Protilo, como esclarece o grande químico,
"... é uma palavra análoga à protoplasma, para exprimir a ideia da matéria primitiva
antes da evolução dos elementos químicos. O termo que me permito adotar para esse fim é
composto de τρò (anterior a) e ύλη (a substância de que estão feitas as coisas). A palavra
não é uma novidade, pois que há 600 anos Roger Bacon escreveu em sua Arte Chymice que
"os elementos são feitos de ύλη e cada elemento se transforma em outro elemento".
O conhecimento de Roger Bacon não veio por inspiração a esse maravilhoso mago dos
tempos passados (10), senão que o adquiriu no estudo de antigas obras de Maria e
Alquimia, possuindo a chave da verdadeira significação de sua linguagem. Vejamos, porém,
o que diz o Sr. Crookes acerca do Protilo, este vizinho próximo do inconsciente Mûlaprakriti
dos ocultistas:
"Vamos partir do momento em que surgiu o primeiro elemento. Antes disso, a matéria,
qual a conhecemos, não existia. É igualmente impossível conceber a matéria sem energia, e
a energia sem matéria; de certo ponto de vista, ambos são termos conversíveis. Antes do
nascimento dos átomos, todas essas formas de energia, que se manifestam quando a
matéria atua sobre a matéria, não podiam ter existido (11); estavam encerradas no prótilo
como meras potencialidades latentes. Coincidindo com a criação dos átomos, todos estes
atributos e propriedades, que permitem distinguir um elemento químico de outro, surgem
à existência já completamente dotados de energia." (12)
"Alguns podem faltar em Certas estrelas e corpos celestes em curso de formação ou,
ainda que presentes ali, tais elementos, em virtude de sua condição atual, podem não se
revelar ainda às provas científicas usuais." (14)
O Sr. Crookes refere-se ao hélio (15), corpo de peso atômico inferior ainda ao do
hidrogênio; corpo simples puramente hipotético em nossa Terra, mas que existe em
abundância na cromosfera do Sol. A Ciência Oculta acrescenta que nenhum dos corpos
considerados como simples pela Química merece realmente esse nome.
Mais adiante o Sr. Crookes fala em termos aprovativos sobre
"o forte argumento do Dr. Carnelly em abono da natureza composta dos chama. dos
corpos simples, por sua analogia com as radículas compostas."
"... Voltemos agora à parte superior do esquema. Com o hidrogênio de peso atômico =
1, não há lugar para outros corpos simples, a não ser talvez para o hipotético hélio. Mas se
conseguíssemos passar "através do espelho" e cruzar a linha zero em busca de novos
princípios, que encontraríamos do outro lado do zero? O Dr. Carnelly pede um corpo
simples de peso atômico negativo; aqui há amplo espaço e margem suficiente para uma
série espectral de não-substancialidades que tais, Helmholtz diz que a eletricidade é
provavelmente tão atômica quanto a matéria; será a eletricidade um dos corpos simples
negativos? E o éter luminoso outro? A matéria, qual a conhecemos hoje, não existe aqui; as
formas de energia, que são aparentes nos movimentos da matéria, não passam ainda de
possibilidades latentes. Uma substância de peso negativo não é inconcebível (17). Mas
podemos formar um conceito claro de um corpo que se combine com outros corpos em
proporções que se expressem por quantidades negativas? (18)
Uma gênese dos corpos simples, tal como a que delineamos, não se confinaria ao nosso
pequeno sistema solar, mas seguiria provavelmente a mesma série de sucessos em todos
os centros de energia visíveis atualmente sob a forma de estrelas.
Antes de surgirem os átomos para gravitar uns em torno dos outros, não podia exercer-
se pressão alguma; mas, nos confins da esfera de névoa ígnea, em que tudo é protilo, - e
em cujo núcleo as forças colossais que indicam o nascimento de um elemento químico
exercem toda a sua ação - o violento calor iria acompanhado por uma gravitação suficiente
para impedir que os elementos recém-formados se lançassem no espaço. À medida que
287
aumenta o calor, aumentam a expansão e o movimento molecular; as moléculas tendem a
separar-se, e suas afinidades químicas amortecem; mas a enorme pressão causada pela
gravitação da massa, na parte externa daquilo que, por amor da brevidade, chamarei a
crosta nascente, contrabalançaria a ação do calor.
Além da crosta nascente haveria um espaço em que não se poderia dar nenhuma ação
química, porque ali a temperatura ultrapassaria o que se denomina ponto de dissociação
dos compostos. Nesse espaço, o leão e o cordeiro repousariam lado a lado; o fósforo e o
oxigênio misturar-se-iam sem unir-se; o hidrogênio e o cloro não mostrariam tendência a
laços mais estreitos; e até o flúor, este gás enérgico que os químicos só conseguiram isolar
há um ou dois meses, flutuaria livre e sem se combinar.
Fora desse espaço de matéria atômica em liberdade, existiria outra capa em que os
elementos químicos formados teriam esfriado até atingir o ponto de combinação; e a série
de fenômenos, tão claramente descritos pelo Sr. Mattieu Williams em The Fuel of the Sun,
dar-se-ia então, culminando na terra sólida e no começo do tempo geológico." (P. 19).
"Vimos como é difícil definir um corpo simples: observamos também que muito físicos e
químicos se insurgem contra a acepção usual da palavra elemento; ponderamos a
improbabilidade de sua existência eterna (19) ou de sua formação pelo acaso. Como
derradeira alternativa, pensamos que a sua origem fosse devida a um processo evolutivo
semelhante ao dos corpos celestes, segundo Laplace, e ao das plantas e animais do nosso
globo, segundo Lamarck, Dauvin e Wallace (20). Na série dos corpos simples, tais como os
conhecemos, encontramos uma analogia flagrante com a do mundo orgânico (21) Na falta
de uma prova direta da decomposição de qualquer corpo simples, procuramos e
descobrimos uma prova indireta... Consideramos depois o aspecto da gênese dos
elementos; e finalmente passamos em revista um esquema de sua origem sugerido pelo
método do Professor Reynolds para ilustrar a classificação periódica... (22) Resumindo
todas as considerações precedentes, não podemos, em verdade, aventurar-nos a afirmar,
de modo categórico, que os nossos chamados corpos simples se tenham desenvolvido de
uma matéria primordial única; mas podemos sustentar que a balança das provas se inclina
francamente em favor desta tese. É a minha opinião."
292
SEÇÃO XII
EVIDÊNCIA CIENTÍFICA E ESOTÉRICA DA
TEORIA NEBULAR MODERNA, E OBJEÇÕES À MESMA
Em se tratando de um lógico tão eminente como Stuart Mill, tal raciocínio seria muito
valioso se se pudesse verificar que "as coisas terrestres que se assemelham" às celestes, na
distância em que se acham as nebulosas, são semelhantes realmente a esses objetos, e não
apenas na aparência.
Outra erronia que, do ponto de vista oculto, se incorporou à teoria moderna, tal
293
como hoje se apresenta, é a hipótese de que todos os planetas se tenham desprendido do
Sol, sendo osso de Seus ossos e carne de sua carne; pois o Sol e os planetas são apenas
irmãos uterinos, que têm a mesma origem nebular, mas em virtude de um processo
diferente do admitido pela Astronomia moderna.
As inúmeras objeções aduzidas por alguns adversários da moderna Teoria Nebular
contra a homogeneidade da Matéria original difusa, baseada na uniformidade da
composição das Estrelas fixas, não abalam de modo algum a questão dessa
homogeneidade, senão apenas a teoria em si mesma. Nossa nebulosa solar pode não ser
completamente homogênea, ou melhor, é possível que não se revele como tal aos
astrônomos, e seja, contudo, de facto, homogênea. As Estrelas diferem em seus materiais
constituintes, e até apresentam elementos de todo desconhecidos na Terra; não obstante,
isso em nada altera o ponto de que a Matéria Primordial - a Matéria tal como apareceu
justamente em sua primeira diferenciação após o estado "laya" (3) - seja ainda hoje
homogênea, a incomensuráveis distâncias, nas profundezas do infinito, e também em sítios
não muito afastados dos confins do nosso Sistema Solar.
Finalmente, não há um só dos fatos trazidos à colação pelos adversários da Teoria
Nebular (sendo embora falsa, como é, e portanto fatal, bastante ilogicamente, à hipótese
da homogeneidade da Matéria) que possa resistir à crítica, Uma falsa premissa conduzirá
naturalmente a uma falsa conclusão, se bem que uma dedução inadmissível não deva
necessariamente invalidar a proposição principal do silogismo. Um erro leva a outro erro.
Assim, podemos deixar de lado todos os aspectos e inferências secundárias das provas do
espectro e das linhas, como simplesmente provisórias por enquanto, a abandonar à ciência
toda questão de pormenor. O dever do ocultista se entende com a Alma e o Espírito do
Espaço Cósmico, e não apenas com a aparência e o modo de ser ilusórios deste Espaço. O
da ciência física consiste em estudar e analisar a sua casca - a Última Tule do Universo e do
Homem, na opinião dos materialistas.
Com estes últimos nada tem que ver o Ocultismo. Só com as teorias de homens do
saber de um Kepler, de um Kant, de um Oersted e de um Sir William Herschel, que
acreditavam em um Mundo Espiritual, pode a Cosmogonia Oculta entender-se e chegar a
um acordo satisfatório. Mas as ideias dos citados físicos são bem diferentes das últimas
especulações modernas. Kant e Herschel especulavam sobre a origem e o destino final do
Universo, assim como sobre o seu aspecto presente, de um ponto de vista muito mais
filosófico e psíquico; ao passo que a Astronomia e a Cosmologia modernas repudiam tudo o
que se refira à investigação dos mistérios do Ser. O resultado é o que se poderia esperar:
completo malogro e contradições inextricáveis nas mil e uma variedades das chamadas
teorias científicas, inclusive a de que ora nos ocupamos.
A hipótese nebular, que implica a teoria da existência de uma Matéria Primordial,
difundida em estado nebuloso, não é de data recente na Astronomia, como todos sabem.
Anaximenes, da escola jônica, havia já ensinado que os corpos siderais se formavam pela
condensação progressiva de uma Matéria Primordial pré-genética, cujo peso era quase
negativo e que se encontrava difundida pelo Espaço em um estado extremamente sutil.
Tycho Brahe, que considerava a Via Láctea uma substância etérea, acreditou que a
estrela nova, surgida na constelação de Cassiopéia em 1572, fora formada com aquela
294
Matéria (4). Kepler julgava que a estrela de 1606 também se tinha formado com a
substância etérea que enche o Universo (5). Atribuía a esse mesmo éter o aparecimento de
um anel luminoso ao redor da Lua, durante o eclipse total do Sol observado na cidade de
Nápoles em 1605 (6). Mais tarde ainda, em 1714, a existência de uma Matéria luminosa por
si mesma foi admitida por Halley, no Philosophical Transactions. Finalmente, o periódico
com este nome publicava em 1811 a famosa hipótese do eminente astrônomo Sir William
Herschel sobre a transformação das nebulosas em Estrelas (7), sendo depois aceita a
Teoria Nebular pelas Reais Academias.
Em Five Years of Theosophy (p. 245) pode-se ler um artigo sob o título: "Negam os
Adeptos a Teoria Nebular?" A resposta que ali se dá é a seguinte:
Não; eles não negam suas proposições gerais, nem as verdades aproximadas das
verdades científicas. Somente negam que as presentes teorias estejam completas, e
também que sejam totalmente erradas muitas daquelas antigas teorias que hoje são tidas
como "superadas", e que, durante o último século, se seguiram umas às outras com tanta
rapidez.
Alegou-se então que era "uma resposta evasiva". Argumentou-se que semelhante
falta de respeito para com a Ciência oficial, para ter justificativa, deve acompanhar-se da
substituição da teoria ortodoxa por outra mais completa e com base mais sólida. A isso
cabe apenas responder: É inútil formular teorias isoladas em relação a matérias que fazem
parte de um sistema consecutivo integral; pois que, ao serem separadas do corpo principal
de ensinamentos, perperiam necessariamente sua coerência vital, e seria de nenhum
proveito o seu estudo independente. Para que seja possível apreciar e aceitar as ideias
ocultas sobre a Teoria Nebular, far-se-á mister o estudo de todo o sistema cosmogônico
esotérico. E ainda não soou a hora em que se possa conclamar os astrônomos a admitirem
Fohat e os Divinos Construtores. As suposições inegavelmente corretas de Sir William
Herschel, que nada tinham de sobrenatural em si mesmas, quanto a chamar o Sol, talvez
metaforicamente, de "um Globo de Fogo", e as suas primeiras especulações sobre a
natureza do que hoje se denomina a Teoria da Folha de Salgueiro de Nasmyth, só tiveram
como resultado que o mais eminente de todos os astrônomos fosse ridicularizado por
colegas seus muito menos ilustres, que não viam e ainda não veem em suas ideias senão
"teorias geradas por uma imaginação fantasiosa".
Antes que se pudesse revelar aos astrônomos todo o Sistema Esotérico, e que
pudessem apreciá-lo, teriam eles que regressar, não só às "antiquadas ideias" de Herschel,
mas também aos sonhos dos mais antigos astrônomos hindus, e abandonar assim suas
próprias teorias, as quais, com terem surgido oitenta anos depois que as primeiras, e vários
milênios mais tarde que as outras, não são por isso menos "fantasiosas". Teriam
principalmente que se desfazer de suas ideias sobre a solidez e a incandescência do Sol;
pois, se é verdade que o Sol "resplandece", nem por isso "arde". Por outro lado, dizem os
ocultistas, quanto às "folhas de salgueiro", que estes "objetos" - assim os chama Sir William
Herschel - são as fontes imediatas do calor e da luz solar. E, embora os Ensinamentos
Esotéricos não os vejam sob o mesmo prisma - isto é, como "organismos" que participam
da natureza da vida, pois os "Seres" solares não ficam certamente dentro do foco
telescópico -, afirmam, não obstante, que todo o Universo está cheio de tais "organismos"
295
conscientes e ativos, conforme a proximidade ou a distância de seus planos em relação ao
nosso plano de consciência; e acrescentam, finalmente, que o grande astrônomo estava
com a razão, quando, especulando sobre os supostos "organismos", dizia que "não
sabemos se a ação vital é incapaz de, ao mesmo tempo, desenvolver o calor, a luz e a
eletricidade". Pois os ocultistas, expondo-se ao risco de serem ridicularizados pelo mundo
dos físicos, sustentam que todas as "Forças" dos cientistas têm sua origem no Princípio
Vital, a Vida Una coletiva do nosso Sistema Solar - sendo esta "Vida" uma parte, ou mais
propriamente, um dos aspectos da Vida Una Universal.
Podemos, portanto, como o fizemos no artigo a que já nos referimos - e onde, com
apoio na opinião dos Adeptos, dissemos que "é suficiente fazer um resumo do que os
físicos ignoram a respeito do Sol" -, podemos definir a nossa posição em face da Teoria
Nebular moderna, e de seus evidentes erros, limitando-nos a assinalar fatos que estão em
diametral oposição a ela em sua forma atual. E, para principiar, perguntamos: Que é o que
ensina essa Teoria?
Resumindo as hipóteses mencionadas, vemos que a teoria de' Laplace, que aliás está
hoje irreconhecível , não foi muito feliz. Em primeiro lugar, pressupõe a existência da
Matéria Cósmica em um estado de nebulosidade difusa, "tão sutil que sua presença mal
poderia ser "suspeitada", e exclui qualquer tentativa para penetrar o Arcano do Ser, salvo
no que se refere à imediata evolução do nosso pequeno Sistema Solar.
Em consequência, a aceitação ou a rejeição de sua teoria, relativamente aos
problemas cosmológicos, que se procura solucionar, não tem outro resultado senão o de
fazer recuar um pouco mais longe o mistério. Quanto às eternas perguntas: "De onde vem a
Matéria? De onde provém o impulso evolutivo que lhe determina as agregações e
dissociações cíclicas? De onde a maravilhosa ordem e simetria com que se agrupam os
Átomos primordiais?" - não oferece Laplace nenhuma resposta. Tudo o que nos apresenta
se reduz a um esboço dos princípios gerais prováveis em que se supõe basear-se o processo
atual. Mas qual é a explicação, sobre que hoje tanto se fala, desse processo? Que nos expôs
ele, de tão maravilhosamente novo e original, que pudesse servir, pelo menos em suas
linhas gerais, de base para a Teoria Nebular moderna? Eis aqui as informações que
pudemos colher em diversas obras de astronomia.
Laplace pensava que, devido à condensação dos átomos da nebulosa primitiva, e de
acordo com a lei de gravitação, a massa então gasosa, ou talvez parcialmente líquida,
adquirisse um movimento de rotação. À medida que aumentava a velocidade desse
movimento, a massa ia tomando a forma de um disco delgado; depois, a força centrífuga,
dominando a de coesão, fez desprender grandes anéis das bordas vertiginosas e
incandescentes, e estes anéis se contraíram necessariamente, por força da gravitação,
convertendo-se em corpos esféricos (segundo se admite), os quais, também
necessariamente, conservaram a mesma órbita ocupada antes pela zona externa de que
foram separados (8). A velocidade da parte exterior de cada planeta nascente - diz Laplace
-, excedendo à da parte interior, deu lugar a um movimento de rotação em torno do eixo.
Os corpos mais densos eram projetados por último; e finalmente, durante a fase preliminar
de sua formação, os globos recém-destacados projetaram, por sua vez, um ou mais
satélites. Descrevendo a história da ruptura dos anéis e de sua transformação em planetas,
296
escreve Laplace:
Apesar de haver poucas pessoas que neguem "a magnífica audácia desta hipótese", é
impossível deixar de reconhecer as dificuldades insuperáveis que a cercam. Por que razão,
por exemplo, vemos que os satélites de Netuno e de Urano são dotados de um movimento
retrógrado? Por que Vênus, a despeito de sua maior proximidade do Sol, é menos denso
que a Terra. Por que também Urano, estando mais distante, é mais denso que Saturno?
Como se explica que haja tanta variedade na inclinação dos eixos e das órbitas da suposta
progênie do Globo central? Por que essas diferenças tão flagrantes no tamanho dos
planetas? Por que os satélites de Júpiter são 228 vezes mais densos que este planeta? E,
finalmente, por que ainda permanecem inexplicáveis os fenômenos dos meteoros e dos
cometas? Ouçamos as palavras de um Mestre:
Eles [os Adeptos] entendem que a teoria centrífuga de origem ocidental é incapaz de
abranger todos os problemas. Que, por si só, não pode explicar o porquê do achatamento
de cada esferoide, nem resolver as evidentes dificuldades que apresenta a densidade relativa
de certos planetas. Efetivamente, como pode algum cálculo de força centrífuga explicar-nos,
por exemplo, a razão por que Mercúrio, cuja velocidade de rotação, segundo se diz, é
"aproximadamente igual a um terço da da Terra, e cuja densidade é somente cerca de um
quarto maior que a da Terra", tem uma compressão polar mais de dez vezes superior à
desta última? Por que também Júpiter, cuja rotação equatorial se diz que é "vinte e sete
vezes maior que a da Terra, enquanto a sua densidade é apenas uma quinta parte da do
nosso Globo", há de ter a sua compressão polar dezessete vezes maior? Ou ainda, por que
Saturno, com uma velocidade equatorial, para fazer face à força centrífuga, cinquenta e
cinco vezes superior à de Mercúrio, tem uma depressão polar só três vezes maior que a
deste último planeta? Para coroar todas essas contradições, querem fazer-nos acreditar nas
Forças Centrais, conforme ensina a ciência moderna, ainda quando nos declaram que a
matéria equatorial do Sol, com uma velocidade centrífuga quatro vezes maior que a da
297
superfície equatorial da Terra, e só com a quarta parte da gravitação da matéria equatorial,
não manifestou a menor tendência para aglomerar-se no equador solar, nem mostrou
nenhum achatamento nos polos do eixo solar. Em termos mais claros: o Sol, apenas como
uma quarta parte da densidade terrestre para opor aos efeitos da força centrífuga, não tem
nenhuma depressão polar! Vemos que esta objeção tem sido levantada por mais de um
astrônomo, mas nunca deu lugar a uma só explicação satisfatória, que seja do
conhecimento dos Adeptos.
Eis por que dizem eles [os Adeptos] que os grandes homens de ciência do Ocidente,
não sabendo... nada ou quase nada sobre a matéria cometária, nem das forças centrífuga e
centrípeta, nem sobre a natureza das nebulosas, nem da constituição física do Sol, das
Estrelas ou mesmo da Lua, cometem uma imprudência ao falar com tanta segurança, como
o fazem, da "massa central do Sol" a lançar no espaço planetas, cometas e não sei mais o
que... Nós dizemos que o que ele [o Sol] desprende de si é só o Princípio de Vida, a Alma
daqueles corpos, princípio que distribui e recolhe em nosso pequeno Sistema Solar, como o
"Dispensador Universal de Vida...” no Infinito e na Eternidade; que o Sistema Solar é o
Microcosmo do Macrocosmo Uno, da mesma maneira que o homem é o Microcosmo em
relação ao seu pequeno Cosmos Solar (9).
"A questão da variedade das nebulosas, e até mesmo de sua forma, é ainda um
mistério em Astronomia. As observações até agora feitas são demasiado recentes e incertas
para que nos autorizem uma afirmação." (12)
Desde que foi descoberto, o espectroscópio, com o seu poder mágico, não nos
revelou senão uma transformação daquela espécie em uma Estrela. E essa transformação
indicou justamente o contrário do que seria preciso para servir de prova em favor da Teoria
Nebular; pois revelou uma Estrela que se transmutava em uma nebulosa planetária.
Segundo relatou The Observatory (13), a Estrela temporária descoberta por J. F. J. Schmidt
na constelação do Cisne, em novembro de 1876, acusava um espectro interrompido por
linhas muito brilhantes. Gradualmente desapareceram o espectro contínuo e a maior parte
das linhas, deixando finalmente só uma linha brilhante, que parecia coincidir com a linha
verde da nebulosa.
Embora não seja essa metamorfose inconciliável com a hipótese da origem nebular
das Estrelas, este caso isolado não se apoia em observação alguma, e muito menos em
observação direta. Tal ocorrência podia ser devida a várias outras causas. Se os astrônomos
se inclinam a crer que os nossos planetas tendem a precipitar-se no Sol, por que não
poderia aquela Estrela ter-se inflamado em consequência de uma colisão com Planetas
assim precipitados, ou com algum cometa, como supõe muitos? Fosse como fosse, o único
exemplo conhecido de transformação de uma estrela, desde 1811, não é favorável à Teoria
Nebular. Demais, no tocante a essa teoria, como em relação a muitas outras, não se acham
de acordo os astrônomos.
Em nosso próprio século, e antes que Laplace houvesse sequer pensado nisso,
Buffon, muito impressionado com a identidade de movimento dos planetas, foi o primeiro a
formular a hipótese de que eles e os seus satélites haviam tido origem no seio do Sol. E,
com esse ponto de vista, imaginou um Cometa especial que teria arrancado do Sol, por
meio de um poderoso sopro oblíquo, a quantidade de matéria necessária para a formação
daqueles. Laplace situou nos devidos termos a questão desse Cometa, em sua Exposition du
Systeme du Monde. (14) Mas a ideia foi aproveitada e até aperfeiçoada com um conceito
da evolução alternada, desde a massa central do Sol, de planetas aparentemente sem peso
ou influência sobre o movimento dos planetas visíveis - e, evidentemente, sem mais
existência que a da imagem de Moisés na Lua.
300
Entretanto, a teoria moderna não é mais do que uma variante dos sistemas
elaborados por Kant e Laplace. O pensamento de ambos era que, na origem das coisas,
toda essa Matéria que agora entra na composição dos corpos planetários se achava
disseminada em todo o espaço compreendido no Sistema Solar - e mesmo além dele. Era
uma nebulosa de densidade extremamente fraca, e cuja condensação gradual deu lugar,
por um mecanismo que até hoje nunca foi explicado, ao nascimento dos diversos corpos do
nosso Sistema. Esta é a Teoria Nebular original, repetição incompleta, mas fiel, dos
ensinamentos da Doutrina Secreta: um curto capítulo do grande volume da Cosmogonia
Esotérica universal. E ambos os sistemas, o de Kant e o de Laplace, diferem
consideravelmente da teoria moderna, que abunda em sub-teorias contraditórias e em
hipóteses fantasiosas.
Dizem os Mestres:
O Sr. Crookes disse quase a mesma coisa no citado trecho de sua conferência sobre
Os Elementos e, os Meta-elementos. C. Wolf, membro do instituto e astrônomo do
Observatório de Paris, observa:
"Esta questão da resolubilidade das nebulosas tem sido com frequência apresentada
de maneira demasiado afirmativa e de todo contrária às ideias expostas pelo Sr. Huggins, o
ilustre experimentador que estudou o espectro de tais constelações. Toda nebulosa cujo
espectro só contém linhas brilhantes diz-se que é gasosa e, portanto, irresolúvel; toda
nebulosa que tem um espectro contínuo afinal se resolve em estrelas - observa com um
instrumento de suficiente poder. Esta suposição contraria ao mesmo tempo os resultados
obtidos e a teoria espectroscópica. A nebulosa Lira, a nebulosa Haltere e a região central da
nebulosa de Orion aparecem como resolúveis, e dão um espectro de linhas brilhantes; a
nebulosa de Canes Venatici não é resolúvel, e acusa um espectro contínuo. Porque, se
efetivamente o espectroscópio nos revela o estado físico da matéria constitutiva das
estrelas, não nos dá noção alguma dos seus modos de agregação. Uma nebulosa formada
de globos gasosos (ou mesmo de núcleos, ligeiramente luminosos, rodeados de uma
atmosfera poderosa) daria um espectro de linhas, e, não obstante, seria resolúvel; tal
parece ser o estado da região de Huggins na nebulosa de Orion. Uma nebulosa formada de
partículas sólidas ou fluidas em estado incandescente, uma verdadeira nuvem, dará um
espectro contínuo, e não será resolúvel."
302
Tal é a sinopse das objeções e dificuldades que se opõem à aceitação da Teoria
Nebular, objeções formuladas pelo sábio francês, que concluiu sua interessante
argumentação declarando que:
Se esta é a última palavra da Ciência sobre o assunto, a quem nos devemos dirigir
para saber o que é que ensina a Teoria Nebular? Que é, na realidade, essa teoria? O que é,
ninguém parece estar seguro de saber. O que não é sabemo-lo através da lição do erudito
autor de World-Life. Ele nos ensina que:
"I. Não é uma teoria da evolução do Universo. É antes uma explicação da origem dos
fenômenos do sistema solar; e, acessoriamente, a coordenação, em um conceito comum,
dos fenômenos que ocorrem no firmamento estelar e nebular, onde a vista humana não
pode penetrar.
II. Não considera os Cometas abrangidos nessa evolução especial que produziu o
Sistema Solar. [Mas a Doutrina Secreta os inclui, pois ela reconhece também "os Cometas
como formas de existência cósmica, relacionados com fases mais primitivas da evolução
nebular", e a eles realmente atribui sobretudo a formação de todos os mundos.]
III. Não nega que houvesse um período anterior à névoa de fogo luminoso [a fase
secundária da evolução na Doutrina Secreta] [e]... não pretende haver chegado a um
princípio absoluto. [E até faz a concessão de que essa]... névoa de fogo pode ter existido
anteriormente em um estado invisível, frio e não luminoso.
IV. [Finalmente] não pretende descobrir a ORIGEM das coisas, mas tão somente um
estágio da história material... [deixando] o filósofo e o teólogo tão livres como sempre o
foram para especular sobre a origem dos modos do ser." (12)
Mas não é tudo. Até o maior filósofo da Inglaterra, Herbert Spencer, também investe
contra esta fantástica teoria, dizendo: (a) "Que não resolve o problema da existência"; (b)
Que a hipótese nebular "não projeta luz alguma sobre a origem da matéria difusa"; e (c)
Que "a hipótese nebular (tal como atualmente se apresenta) implica uma Causa Primeira"
(22).
Receamos que esta última parte vá além do que os físicos modernos pediram. De
modo que a pobre "hipótese" dificilmente pode esperar apoio ou confirmação, até mesmo
por parte dos metafísicos.
Diante de tudo isso, creem os ocultistas que lhes assiste o direito de apresentar a
sua filosofia, por mais incompreendida e relegada que se encontre no momento. E eles
sustentam que a incapacidade dos homens de ciência para descobrir a verdade se deve
inteiramente ao seu materialismo e ao desprezo que votam às ciências transcendentes.
303
Apesar de tudo, e ainda que as mentes científicas de nossa época se achem mais do
que nunca distanciadas da verdadeira e correta doutrina da Evolução, resta ainda um
pouco de esperança no futuro; e agora mesmo vemos um indício promissor nos termos
em que outro sábio se manifesta sobre a questão.
Em um artigo na Popular Science Review sobre "Investigações recentes acerca da
Intimidade da Vida", eis o que diz o Sr. H. J. Slack, F. C. S., Sec. R. M. S.:
"É evidente que todas as ciências, desde a física e a química até a fisiologia,
convergem para uma doutrina de evolução e de desenvolvimento, na qual estarão
compreendidos os fatos do darwinismo; mas, quanto ao aspecto final que essa doutrina
virá assumir, não se pode ainda formar uma ideia, e talvez não o consiga a mente humana
enquanto as investigações metafísicas e físicas não estiverem muito mais adiantadas." (23)
Eis em verdade uma boa profecia. Assim, pode chegar o dia em que a "Seleção
Natural", conforme a ensinaram Darwin e Herbert Spencer, represente, em sua última
modificação, só uma parte de nossa doutrina oriental da Evolução, que será a de Manu
e Kapila, explicada esotericamente.
305
SEÇÃO XIII
AS FORÇAS: MODOS DE MOVIMENTO OU INTELIGÊNCIAS?
Esta é a última palavra da Ciência Física, até o ano corrente de 1888. As leis
mecânicas nunca serão capazes de provar a homogeneidade da Matéria Primordial, a não
ser por via de inferência e como desesperada necessidade, quando não haja outro recurso,
como no caso do Éter. A Ciência moderna não está segura de si mesma senão em seu
próprio terreno e domínio, dentro dos limites físicos do nosso Sistema Solar, além do qual
tudo, inclusive a menor partícula de Matéria, é diferente da Matéria que ela conhece, e
onde a Matéria existe em estados de que não pode formar ideias. Esta Matéria,
verdadeiramente homogênea, está muito além da percepção humana, se limita apenas aos
nossos cinco sentidos. Nós lhe sentimos os efeitos por intermédio das INTELIGÊNCIAS que
são os resultados de sua diferenciação primordial, Inteligências a que damos o nome de
Dhyân Chohans e que são chamadas os "Sete Governadores" nas obras herméticas; aqueles
que Pimandro, o "Pensamento Divino", menciona como os "Poderes Construtores", e
Asclépio como os "Deuses Celestes".
Esta Matéria, a Substância primordial verdadeira, o Númeno de toda a "matéria" que
conhecemos, alguns de nossos astrônomos tiveram que admiti-Ia, porque já não esperam
seja possível explicar a rotação, a gravidade e a origem das leis mecânicas físicas sem que a
Ciência aceite aquelas INTELIGÊNCIAS. Em sua obra, já citada, sobre Astronomia, Wolf (1)
adota inteiramente a teoria de Kant, teoria que, senão em seu aspecto geral, pelo menos
em alguns de seus traços, lembra muitíssimo certos ensinamentos esotéricos. Ali vemos o
sistema do mundo, que "renasce de suas cinzas" por meio de uma nebulosa - a emanação
dos corpos mortos e dissolvidos no Espaço, em virtude da incandescência do Centro Solar -,
reanimar-se pela matéria combustível dos Planetas.
Nessa teoria, que surgiu e tomou forma no cérebro de um jovem de apenas vinte e
cinco anos de idade, e que nunca saíra de sua terra natal, Königsberg, pequena cidade do
norte da Prússia, não podemos deixar de reconhecer a presença de um poder inspirador
externo - ou uma prova da reencarnação, como pensam o ocultistas. Preenche ela uma
lacuna, que nem o próprio Newton com todo o seu gênio pôde suprir.
É certamente à nossa Matéria Primordial, Akâsha, que Kant se referia, quando
pressupôs uma Substância primordial difundida por todo o Universo, a fim de evadir a
dificuldade de Newton e sua falta de êxito em explicar só pelas forças naturais o impulso
primitivo transmitido aos Planetas.
Porque, conforme observa ele no Capítulo VIII de sua obra, se se admite que a
perfeita harmonia das Estrelas e dos Planetas e a coincidência dos planos de suas órbitas
provam a existência de uma Causa natural, que seria portanto a Causa Primordial, "essa
causa não pode realmente ser a matéria que ocupa hoje os espaços celestes". Deve ser a
que enchia o Espaço - a que era o Espaço - originariamente, e cujo movimento como
Matéria diferenciada foi a origem dos movimentos atuais dos corpos siderais; e que,
"transformando-se por condensação nesses mesmos corpos, abandonou assim o espaço
306
que hoje se encontra vazio".
Em outras palavras, os Planetas, os Cometas e o próprio Sol se compõem dessa
mesma Matéria, a qual, tendo-se originariamente condensado nesses corpos, conservou a
qualidade de movimento que lhe era inerente, qualidade que, estando agora concentrada
nos núcleos de tais corpos, dirige todo o movimento. Uma ligeira alteração de palavras e
alguns acréscimos bastariam para que isto se convertesse em nossa Doutrina Secreta.
Esta última ensina que a Matéria-prima original, divina e inteligente, direta emanação
da Mente Universal, Daiviprakriti - a Luz Divina (2) que emana do Logos - formou os núcleos
de todos os orbes "que se movem" no Cosmos. É o poder de movimento e o princípio de
vida informador, sempre presente; a Alma Vital dos Sóis, Luas e Planetas, inclusive de nossa
Terra; latente o primeiro, ativo o segundo - o Soberano e Guia invisível do corpo grosseiro
unido e associado à sua Alma, que é, em suma, a emanação espiritual dos respectivos
Espíritos Planetários.
Outra ideia completamente Oculta é aquela teoria de Kant segundo a qual a Matéria
de que são formados os habitantes e os animais dos outros Planetas é de natureza mais
leve e mais sutil, e de conformação mais perfeita, à medida que aumenta a distância do Sol.
Este se acha demasiado provido de Eletricidade Vital, do princípio físico produtor da vida.
Assim, os homens de Marte são mais etéreos que nós; ao passo que os de Vênus são mais
densos, e muito mais inteligentes, embora menos espirituais.
A última doutrina não é de todo a nossa; não obstante, essas teorias de Kant são tão
metafísicas e transcendentais como qualquer Doutrina Oculta; e mais de um homem de
ciência, se tivesse a coragem de dizer o que sente, as aceitaria, como o fez Wolf. Da Mente
e da Alma dos Sóis e Estrelas, de Kant, ao Mahat (a mente) e ao Prakriti dos Purânas, não há
mais que um passo: Reconhecendo-o, a Ciência, afinal, não estaria senão admitindo uma
causa natural, elevasse ou não suas crenças a tais alturas metafísicas.· Mas em nosso caso
Mahat, a Mente, é um "Deus", e a Fisiologia só admite a "mente" como função temporária
do cérebro material, e nada mais.
O Satanás do Materialismo de tudo igualmente escarnece, e nega tanto o visível
como o invisível. Não vendo na luz, no calor, na eletricidade, e até no fenômeno da vida,
senão propriedades inerentes à Matéria, ri-se quando chamamos a vida de Princípio Vital,
desprezando a ideia de que seja independente e distinta do organismo.
Mas, neste ponto como em tudo, também divergem as opiniões científicas, e há
homens de ciência que esposam conceitos semelhantes aos nossos. Veja-se, por exemplo, o
que diz o Dr. Richardson, F. R. S. (já tão citado em outra parte), quanto a esse "Princípio
Vital", por ele chamado "Éter Nervoso":
307
primário, na produção dos fenômenos resultantes da ação da energia sobre a matéria
visível." (5)
308
materialista não menos apaixonado, que disse a mesma coisa, como ainda Herschel e
muitos outros (7).
Dos Deuses aos homens, dos mundos aos átomos, da estrela ao vagalume, do Sol ao
calor vital do mais humilde ser orgânico, o reino da Forma e da Existência é uma imensa
cadeia, cujos elos se acham todos interligados. A lei de Analogia é a chave mestra para o
problema do mundo, e os diversos elos da cadeia devem ser estudados coordenadamente
em suas mútuas relações ocultas.
Por isso, quando a Doutrina Secreta pressupõe que o espaço condicionado ou
limitado (o espaço de posição) só tem existência real neste mundo de ilusão ou, em outras
palavras, em nossas faculdades de percepção, quer significar que todos os mundos, os
superiores como os inferiores, interpenetram o nosso próprio mundo objetivo; que milhões
de coisas e de seres se acham, quanto à localização, ao nosso redor e dentro de nós, assim
como nós estamos ao redor deles, com eles e neles. E isso não é uma simples figura de
retórica metafísica, mas sim a expressão de um fato real da Natureza, por mais
incompreensível que seja para os nossos sentidos.
Cumpre entender, porém, a linguagem do Ocultismo, antes de criticar suas
afirmações. Por exemplo, a Doutrina se nega - como também o faz a Ciência em certo
sentido - a empregar os termos "em cima" e "embaixo", "superior" e "inferior", com relação
às esferas invisíveis, uma vez que neste particular tais expressões carecem de sentido. Da
mesma forma, as palavras "Oriente" e "Ocidente" são meramente convencionais, e
necessárias tão só para ajudar as nossas percepções humanas; pois, embora tenha a Terra
os seus dois pontos fixos nos polos Norte e Sul, o Este e o Oeste variam segundo a posição
que ocupamos na superfície da Terra e em virtude de sua rotação de Ocidente para
Oriente.
Assim, quando se mencionam "outros mundos" - melhores ou piores, mais espirituais
ou ainda mais materiais, invisíveis em qualquer dos casos - o ocultista não situa essas
esferas nem fora nem dentro de nossa Terra, como o fazem os teólogos e os poetas;
porque elas não se localizam em nenhuma parte do espaço conhecido ou concebido pelo
profano. Fundem-se, por assim dizer, com o nosso mundo; interpenetram-no e são por ele
interpenetrados.
Há milhões e milhões de mundos que nos são visíveis; muito maior é o número dos
que se acham fora do alcance dos telescópios, e grande parte destes últimos não
pertencem ao nosso plano objetivo de existência. Ainda que tão invisíveis como se
estivessem situados a milhões de milhas do nosso Sistema Solar, coexistem conosco, junto
de nós, dentro de nosso próprio mundo, e são tão objetivos e materiais, para seus
respectivos habitantes, quanto o é o nosso mundo para nós. Mas a relação entre esses
mundos e o nosso não é como a de uma série de caixas ovais encerradas umas nas outras, à
maneira de certos brinquedos chineses; cada mundo está sujeito a suas próprias leis e
condições especiais, sem ter relação direta com a nossa esfera.
Os habitantes desses mundos, já o dissemos, podem, sem o sabermos ou sentirmos,
estar passando através de nós ou ao nosso lado, como num espaço vazio; suas moradas e
suas regiões interpenetram as nossas, sem perturbar com isso a nossa visão, porque ainda
não possuímos as faculdades necessárias à sua percepção. No entanto, graças à sua visão
309
espiritual, os Adeptos, e até alguns videntes e sensitivos, podem distinguir, em maior ou
menor grau, a presença entre nós e a proximidade de Seres que pertencem a outras esferas
de vida. Os que vivem nos mundos espiritualmente superiores só se comunicam com os
mortais terrestres que, por seus esforços individuais, se elevam até o plano mais elevado
que aqueles ocupam.
Os filhos de Bhûmi [a Terra] consideram os filhos dos Devalokas [as Esferas Angélicas]
como seus Deuses: e os Filhos dos reinos inferiores olham os homens de Bhûmi como seus
Devas [Deuses]; os homens não têm consciência disso por causa de sua cegueira... Eles [os
homens] tremem diante daqueles, ao mesmo tempo que os utilizam [para fins mágicos]... A
primeira Raça de Homens era a dos "Filhos Nascidos da Mente" dos primeiros. Eles [os Pitris
e os Devas) são os nossos progenitores (8).
As chamadas "pessoas cultas" ridicularizam a ideia de Sílfides, Salamandras, Ondinas
e Gnomos; os homens de ciência consideram como um insulto a simples menção de
semelhantes superstições; e, pondo de lado a lógica e o senso comum, com esse desprezo
que tão amiúde é o apanágio da "autoridade reconhecida", deixam que aqueles a quem
lhes cumpre instruir fiquem sob a impressão absurda de que em todo o Cosmos, ou pelo
menos em nossa própria atmosfera, não existem outros seres inteligentes e conscientes
além de nós mesmos (9). Qualquer outra humanidade (composta de seres humanos
diferentes) não será chamada humana se os seus componentes não tiverem duas pernas,
dois braços e uma cabeça com feições de homem, se bem que a etimologia da palavra não
pareça ter muita relação com o aspecto geral da criatura. Assim, enquanto a Ciência rejeita
e menospreza até a simples possibilidade da existência de tais seres invisíveis (invisíveis
para nós), a Sociedade, apesar de no íntimo acreditar neles, troça abertamente da ideia. E
acolhe com risos obras tais como O Conde de Gabalis, sem atentar que a sátira franca é a
mais segura das máscaras.
No entanto, esses mundos invisíveis existem. Tão densamente povoados quanto o
nosso, acham-se disseminados no espaço aparente em número incontável; alguns são
muito mais materiais que o nosso próprio mundo; outros vão se tornando cada vez mais
etéreos, até que perdem a forma e ficam como "sopros". O não serem vistos pelos nossos
sentidos físicos não é razão para que se descreia de sua existência. Os físicos não podem
ver os seus átomos, o seu éter, os seus "modos de movimento" ou forças; e contudo os
aceitam, e os incluem entre os seus ensinamentos.
Se vemos que a matéria, mesmo no mundo natural que conhecemos, nos
proporciona uma analogia parcial para a difícil concepção de semelhantes mundos
invisíveis, parece fácil admitir a possibilidade de sua existência. A cauda de um cometa,
que, atraindo a nossa atenção com o seu resplendor, não perturba nem impede a nossa
visão, uma vez que através dela vemos os objetos situados do outro lado, já nos oferece um
começo de prova quanto àquela existência. A cauda de um cometa passa rapidamente
através do nosso horizonte, e não a sentimos, nem nos damos conta de sua passagem,
senão por causa da luminosidade que ela projeta, luminosidade que muitas vezes só é
percebida por um pequeno número de pessoas a quem o fenômeno interessa, continuando
as demais a ignorar-lhe a presença acima ou através de uma região do nosso Globo. Essa
cauda pode ou não ser parte integrante do cometa; a sua tenuidade, porém, nos basta
310
como exemplo.
Sim, porque não é uma questão de superstição, mas simplesmente de Ciência
transcendente, e mais ainda de lógica, admitir a existência de mundos constituídos por
Matéria muito mais tênue que a da cauda de um cometa. Negando tal possibilidade, a
Ciência não caiu, durante o século passado, em mãos da filosofia nem da verdadeira
religião, mas tão somente nas da teologia. Para melhor contestar a pluralidade até mesmo
dos mundos materiais, crenças que muitos homens da Igreja entendem ser incompatível
com os ensinamentos e as doutrinas da Bíblia (10), Maxwell chegou a caluniar a memória
de Newton, tentando convencer os seus leitores de que os princípios consubstanciados na
filosofia newtoniana são os que existem "no fundo de todos os sistemas ateus" (11).
"O Dr. Whewell negava a pluralidade dos mundos, apelando para as provas
científicas" - escreve o Professor Winchell (12). E se a habilidade dos mundos físicos, dos
planetas e das longínquas estrelas que brilham por miríades acima de nossas cabeças, é tão
discutida, que probabilidades pode haver de aceitar-se a existência de mundos invisíveis no
espaço, aparentemente transparente, que nos rodeia!?
Se, porém, pudermos conceber um mundo formado de matéria ainda mais tênue, em
relação aos nossos sentidos, que a da cauda de um cometa, e, consequentemente, imaginar
habitantes que sejam tão etéreos, em comparação com o seu globo, quanto o somos em
relação à nossa Terra de crosta dura e rochosa, nada haverá de estranho que não os
vejamos e nem sequer tenhamos consciência de que existam e estejam ali presentes. Em
que será essa ideia contrária à Ciência? Não se poderá supor que os homens e os animais,
as plantas e as rochas, seriam ali dotados de sentidos completamente diferentes dos que
possuímos? Não poderiam os seus organismos nascer, desenvolver-se e existir sob o
império de leis outras que não as que regem o nosso pequeno mundo? Será absolutamente
necessário que todo ser corpóreo seja revestido de um "envoltório cutâneo" idêntico aos
que foram proporcionados a Adão e Eva, segundo a lenda do Gênesis? A corporeidade,
assim nos diz mais de um homem de ciência, "pode existir sob as mais diversas condições".
[O Professor Winchell, discutindo a pluralidade dos mundos, tece as seguintes
considerações:
311
recursos do Cosmos, inclusive os da matéria terrestre. Há animais que vivem ali onde o
homem pereceria: no solo, nos rios, no mar... " [E neste caso por que não pode suceder o
mesmo com seres humanos de organização diferente?]... "A existência corpórea racional
não está condicionada ao sangue quente ou a uma temperatura qualquer, se esta não
modifica a classe de matéria de que se compõe o organismo. Podem existir inteligências em
corpos de tal natureza que não requeiram o processo de ingestão, assimilação e
reprodução. Tais corpos não teriam necessidade de alimento diário nem de calor. Poderiam
estar sumidos nos abismos insondáveis do Oceano, viver em um alcantilado rochedo
expostos às tormentas do inverno ártico, ou ainda submergidos durante cem anos nas
entranhas de um vulcão, sem contudo perderem a consciência e a faculdade de pensar. Isso
é concebível. Por que não poderiam existir naturezas psíquicas encerradas no interior do
sílex e da platina indestrutíveis? Estas substâncias não estão mais distanciadas da natureza
da inteligência do que o estão o carbono, o hidrogênio, o oxigênio e o cálcio. Mas, sem
deixar ir tão longe (?) o pensamento, não poderiam inteligências elevadas estar
incorporadas em formas tão indiferentes às condições externas, como a sálvia das planícies
ocidentais, o líquen do Lavrador, os rotíferos, que resistem à seca durante anos, ou as
bactérias, que permanecem vivas em água fervente?.. Estas sugestões têm simplesmente o
objetivo de lembrar ao leitor quão pouco estamos à altura de determinar as condições
necessárias para a vida inteligente e organizada, com base nos padrões de existência
corpórea sobre a Terra. A inteligência é, por sua própria natureza, tão universal e uniforme
como as leis do Universo. Os corpos representam apenas a adequação local da inteligência
a modificações particulares da matéria universal ou da Força." (13)]
Não sabemos, graças às descobertas dessa mesma Ciência que tudo nega, que nos
achamos rodeados por miríades de vidas invisíveis? Se os micróbios, as bactérias e os tutti
quanti do infinitamente pequeno são invisíveis aos nossos olhos em razão de suas ínfimas
dimensões, não poderiam acaso existir, no polo oposto, seres igualmente invisíveis em
razão da contextura de sua matéria, ou, numa palavra, de sua tenuidade? O raio de sol que
penetra em nosso aposento revela, em seu percurso, uma infinidade de seres minúsculos,
cuja vida fugaz se passa e chega ao fim na mais completa indiferença de que sejam ou não
percebidos pelos nossos sentidos mais grosseiros. E o mesmo sucede com os micróbios, as
bactérias e outros organismos semelhantes, também invisíveis, que povoam elementos
diversos.
Os homens viveram sem a noção da existência daqueles seres durante os longos
séculos de triste obscurantismo, depois que o facho do saber dos sistemas altamente
filosóficos dos pagãos deixou de projetar sua luz resplandecente sobre as épocas de
intolerância e fanatismo do Cristianismo primitivo. E agora parece que os homens como
que desejam ainda passar por alto.
E, contudo, essas vidas nos rodeavam então, como hoje nos rodeiam. E trabalharam,
obedientes a suas próprias leis; e só quando nos foram pouco a pouco reveladas pela
Ciência é que começamos a travar conhecimento com elas e com os efeitos que produzem.
Quanto tempo foi necessário ao mundo para se tornar o que hoje é? Se se pode
312
admitir que atualmente ainda chega ao nosso Globo poeira cósmica "que antes nunca havia
pertencido à Terra" (14), não será muito mais plausível acreditar, com os ocultistas, que,
durante os milhões e milhões de anos transcorridos depois que aquela poeira se aglomerou
para formar o nosso Globo em torno de seu núcleo central de Substância Primitiva
inteligente, muitas humanidades - que diferiam da atual como desta vão diferir as que se
desenvolverão daqui a milhões de anos - têm povoado a Terra e desaparecido em seguida,
como há de desaparecer a nossa? Nega-se que tenham existido essas humanidades
primitivas tão remotas, porque, segundo creem os geólogos, elas não nos deixaram
nenhuma relíquia tangível. Desapareceram todos os traços de sua passagem, e portanto
nunca existiram. No entanto, tais relíquias - é verdade que raríssimas - podem ser
encontradas, e algum dia virão à luz do sol nas investigações geológicas. Mas, ainda quando
assim não aconteça, razão não haverá para se afirmar que não podiam ter existido homens
nos períodos geológicos que os ocultistas atribuem àquelas raças. Porque o organismo
desses homens não precisava nem de sangue quente, nem de ar, nem de alimento; o autor
de World-Life tem razão, e não é nenhuma extravagância acreditar, como acreditamos,
que, se podem existir, consoante hipóteses científicas, "naturezas psíquicas encerradas no
seixo e na platina indestrutíveis", terão existido, do mesmo modo, naturezas psíquicas
encerradas em formas de Matéria Primitiva igualmente indestrutível: os verdadeiros
progenitores de nossa Quinta Raça.
Por isso, quando nos volumes III e IV falamos de homens que há 18.000.000 de anos
habitaram este Globo, não tivemos em mentes nem os homens de nossas raças atuais, nem
as leis atmosféricas, condições térmicas, etc., do nosso tempo. A Terra e a Humanidade,
como o Sol, a Lua e os planetas, têm todos as suas fases de crescimento, transformações,
desenvolvimento e evolução gradual, durante a sua existência; nascem, tornam-se crianças,
adolescentes, chegam à idade madura, depois envelhecem e finalmente morrem. Por que
não estaria a Humanidade também sujeita a essa lei universal? Dizia Uriel a Enoch:
"Eis que te mostrei todas as coisas, Ó Enoch!... Vês o Sol, a Lua e os que conduzem as
estrelas do céu e produzem todas as suas operações, estações e revoluções. No tempo dos
pecadores os anos serão encurtados, tudo o que se fizer na Terra será subvertido... a Lua
mudará suas leis... " (15)
313
(1). Hypothèses Cosmogoniques.
(2). "Luz" a que nós chamamos Fohat.
(3). Isto é um erro, por implicar um agente material, distinto das influências que o movem,
ou seja, a matéria cega e, possivelmente, "Deus" também, quando essa Vida UNA é, "em si
mesma", Deus e os Deuses.
(4). O mesmo erro.
(5). Popular Science Review, vol. X.
(6). "É o Jiva um mito, como diz a Ciência, ou não o é?" perguntam alguns teósofos, que
vacilam entre a ciência materialista e a idealista. A dificuldade que sentimos para bem
compreender os problemas esotéricos que dizem com o "estado último" da Matéria reedita
aquele velho quebra-cabeça do objetivo e do subjetivo. Que é Matéria? É a Matéria de
nossa presente consciência objetiva outra coisa além de nossas sensações? É verdade que
as sensações que experimentamos vêm de fora; mas podemos realmente - exceto no
tocante aos fenômenos - falar da "matéria grosseira" deste plano como de uma coisa à
parte e independente de nós? A todos esses argumentos, responde o Ocultismo: A
Matéria, na realidade, não é independente de nossas percepções, nem existe fora
delas. O homem é uma ilusão: de acordo. Mas a efetiva existência de outras entidades
ainda mais ilusórias, embora não menos reais do que nós, nem por isso deixa de
afirmar-se, antes se robustece com aquela doutrina do idealismo vedantino ou mesmo
a do idealismo de Kant.
(7). Veja-se Musée des Scienses, de agosto de 1856.
(8). Livro II do Comentário do Livro de Dzyan.
(9). A questão da pluralidade de mundos habitados por criaturas dotadas de o que
disse o grande astrônomo francês Camille Flammarion em seu livro La Pluralité des
Mondes Habités.
(10). Não obstante, pode-se demonstrar, com o testemunho da própria Bíblia e o de tão
bons teólogos cristãos como o Cardeal Wiseman, que esta pluralidade vem ensinada
assim no Antigo como no Novo Testamento.
(11). Veja-se Plurality of Worlds, vol. lI.
(12). Consulte-se a esse respeito La Pluralité des Mondes Habités, de C. Flanimarion,
onde consta a lista dos numerosos homens de ciência que escreveram para demonstrar
os bons fundamentos da teoria.
(13). World-Life, pp. 497-500 e segs.
(14). World-Life.
(15). O Livro de Enoch, tradução do Arcebispo Laurence, capítulo LXXIX.
314
SEÇÃO XIV
DEUSES, MÔNADAS E ÁTOMOS
Agora diremos que faz ainda mais. Não somente concilia os diversos sistemas
aparentemente contraditórios, mas também examina as descobertas da Ciência exata
moderna, mostrando que algumas delas são necessariamente corretas, porque
confirmadas pelos Anais Antigos. Tudo isso, não há dúvida, será considerado o cúmulo da
impertinência e da falta de respeito, verdadeiro crime de lesa-ciência; mas o fato é que
assim é.
A Ciência atual, não há por que negar, é ultramaterialista; mas, em certo sentido, tem
sua justificativa. A Natureza procede sempre esotericamente in actu, e está, como dizem os
cabalistas, in abscondito; por isso, só por sua aparência pode o profano julgá-la, e essa
aparência é sempre enganosa no plano físico. Por outro lado, os naturalistas se recusam a
estabelecer relação entre a física e a metafísica, entre o Corpo e a Alma-Espírito que o
anima. Preferem ignorar estes dois últimos. É uma questão de gosto, para alguns; mas há
uma minoria que se esforça, com justa razão, por ampliar o domínio da Ciência Física,
penetrando no terreno proibido da Metafísica, que tanto desagrada aos materialistas. São
sábios, em sua geração, esses homens de ciência; todavia, as suas maravilhosas
descobertas nada significarão, e não passarão sempre de corpos sem cabeça, se não
levantarem eles o véu da Matéria e não exercitarem a vista para ver mais além. E agora, que
estudaram a contextura física da Natureza, em sua longitude, largura e espessura, é tempo
de relegarem o esqueleto ao segundo plano, e de buscarem nas profundezas do
desconhecido a entidade vivente e real, a substância - o Númeno da Matéria efêmera.
Só por esse caminho conseguirão eles descobrir que algumas verdades, batizadas
hoje com o nome de "superstições ultrapassadas", podem ser identificadas como fatos e
como relíquias do antigo conhecimento e sabedoria.
Uma de tais crenças "degradantes" - degradante na opinião do céptico que tudo nega
- seria a ideia de que o Cosmos, além de seus habitantes planetários objetivos, suas
humanidades de outros mundos habitados, esteja povoado de Existências invisíveis e
inteligentes. Os chamados Arcanjos, Anjos e Espíritos do Ocidente, códias de seus
protótipos os Dhyân Chohans, os Devas e os Pitris do Oriente, não são Seres reais, mas
apenas ficções. Neste ponto a ciência materialista é implacável. Para sustentar sua posição,
ela subverte os seus próprios axiomas - as leis de continuidade e de uniformidade na
Natureza, e toda a série lógica e sucessiva de analogias na evolução do Ser. Pedem que a
massa profana creia, e fazem-na crer, que o testemunho acumulado da História -
315
testemunho que inclui até os "Ateus" da antiguidade, homens como Epicuro e Demócrito,
entre os que acreditavam nos Deuses - é falso, e que filósofos como Sócrates e Platão, que
afirmavam a existência dos Deuses, não passavam de uns fanáticos iludidos ou loucos.
Ainda quando as nossas opiniões só estivessem baseadas em fundamentos históricos,
na autoridade daquelas legiões de grandes Sábios, como os neoplatônicos e os místicos de
todos os tempos, desde Pitágoras até os eminentes professores e cientistas deste século,
que, embora não admitindo os "Deuses", creem nos "Espíritos", deveríamos considerar tais
autoridades tão pobres de inteligência e tão ingênuos como qualquer aldeão católico
romano que crê em seus santos humanos ou no Arcanjo São Miguel, e faz orações a eles?
Será que não há nenhuma diferença entre a crença do aldeão e a dos herdeiros ocidentais
dos Rosacruzes e alquimistas da Idade Média? Será que os Van Helmonts, os Khunraths, os
Paracelsos e os Agripas, desde Rogério Bacon até Saint-Germain, foram todos cegos
fanáticos, histéricos e impostores? Ou é este punhado de cépticos modernos - os "mestres
do pensamento" - que se acha atacado pela cegueira da negação? Opinamos pelo segundo
termo da alternativa. Seria realmente um milagre, um fato de todo em todo anormal no
domínio das probabilidades e da lógica, que uns poucos negativistas representassem os
únicos guardiães da verdade, e os milhões de pessoas que acreditam em Deuses, Anjos e
Espíritos - por falar somente na Europa e na América -, a saber: cristãos gregos e latinos,
teósofos, espíritas, místicos, etc., não fossem outra coisa senão gente fanática e iludida,
médiuns alucinados, quase sempre vítimas de charlatães e impostores!
Por mais que variem as formas externas e os dogmas, as crenças em Legiões de
Inteligências invisíveis de graus diversos têm todas o mesmo fundamento. Há em todas elas
um misto de verdade e de erro. O total exato - a profundidade, a amplitude e a extensão -
dos mistérios da Natureza só se encontra na Ciência Esotérica Oriental. Tão vastos e
profundos são, que apenas um número mui restrito dentre os mais altos Iniciados - aqueles
cuja existência mesma só é conhecida de uns poucos Adeptos - são capazes de apreender
tais conhecimentos. Tudo, porém, ali está; e os fatos e processos do laboratório da
Natureza podem, um por um, abrir caminho na Ciência exata, quando uma assistência
misteriosa é proporcionada a uns poucos indivíduos em seus esforços para desvendar os
arcanos. É no fim dos grandes Ciclos, relacionados com o desenvolvimento das raças, que
geralmente se produzem esses acontecimentos. Estamos chegando precisamente ao termo
do ciclo de 5.000 anos do presente Kali Yuga Ariano; e até o ano de 1897 dar-se-á um
grande rasgão no Véu da Natureza, e a Ciência materialista receberá um golpe mortal.
Sem a intenção de lançar o menor descrédito sobre as crenças que o tempo
consagrou, vemo-nos obrigados a traçar uma linha divisória entre a fé cega, alimentada
pelas teologias, e os conhecimentos devidos às investigações de longas gerações de
Adeptos; numa palavra, entre a fé e a filosofia. É inegável que em todos os tempos houve
homens sábios e bons, que, tendo sido educados em crenças sectárias, morreram com as
suas convicções cristalizadas. Para os protestantes, o jardim do Éden é o primeiro ponto de
partida no drama da Humanidade, e a solene tragédia que teve por teatro o cume do
Calvário é o prelúdio do esperado Milênio. Para os católicos romanos, Satã está na base do
Cosmos, Cristo no centro e o Anticristo no ápice. Para uns e outros, a Hierarquia dos Seres
principia e termina nos limites estreitos de suas respectivas teologias: um Deus pessoal que
316
se criou a si mesmo, e um empíreo no qual ressoam as aleluias de Anjos criados; o resto,
falsos Deuses, Satã e demônios.
A Teofilosofia se move em um campo muito mais amplo. Desde o início dos séculos -
no tempo e no espaço, em nossa Ronda e em nosso Globo - os mistérios da Natureza (pelo
menos os que às nossas Raças é permitido conhecer) foram classificados e inscritos pelos
discípulos daqueles "Homens Celestes" (agora invisíveis) em figuras geométricas e
símbolos. As chaves que podiam decifrá-los foram transmitidas de uma a outra geração de
"Sábios". Alguns símbolos passaram assim do Oriente para o Ocidente, trazidos por
Pitágoras, que não foi o inventor do famoso "Triângulo" que tem o seu nome. Esta figura
geométrica, o quadrado e o círculo representam descrições da ordem em que se processou
a evolução do Universo, espiritual, psíquica e fisicamente, descrições que são muito mais
eloquentes e científicas que volumes inteiros de Cosmogonia descritiva e de "Gêneses"
reveladas. Os dez Pontos inscritos no "Triângulo Pitagórico" valem por todas as teogonias e
angeologias já concebidas pelos cérebros teológicos. Aquele que souber interpretar os
dezessete pontos (inclusive os sete Pontos Matemáticos ocultos) - tais como ali estão e na
ordem indicada - encontrará neles a série ininterrupta das genealogias, desde o primeiro
Homem Celeste até o homem terrestre. E, assim como eles dão a ordem dos Seres, revelam
também a ordem em que se desenvolveram o Cosmos, a nossa Terra e os Elementos
Primordiais de que se originou esta última. Engendrada nos "Abismos" invisíveis e na Matriz
da mesma Mãe, como seus companheiros, quem dominar os mistérios da nossa Terra terá
dominado os de todos os demais Globos.
Seja o que for a ignorância, o orgulho e o fanatismo possam arguir em contrário, não
é difícil demonstrar que a Cosmogonia Esotérica está inseparavelmente ligada tanto...
filosofia como à Ciência moderna. Os Deuses e as Mônadas dos antigos - de Pitágoras a
Leibnitz - e os Átomos das escolas materialistas de hoje (que os foram buscar nas teorias
dos antigos atomistas gregos) são apenas unidades compostas ou formam uma unidade
graduada, como a estrutura humana, que principia com o corpo e termina com o Espírito.
Nas Ciências Ocultas podem-se estudar separadamente; mas nunca será possível
aprofundar esse estudo, a não ser considerando-os em suas mútuas correlações, durante o
seu ciclo de vida, e como uma Unidade Universal durante os Pralayas.
La Pluche revela sinceridade, mas dá uma pobre ideia de sua capacidade filosófica ao
expor suas opiniões pessoais sobre a Mônada ou o Ponto Matemático. Diz ele:
"Basta um ponto para ater fogo a todas as escolas do mundo. Mas que necessidade
tem o homem de conhecer esse ponto, se a criação de um ser assim tão pequeno está fora
de seu alcance? A fortiori, vai a filosofia de encontro a toda probabilidade quando tenta
passar desse ponto, que absorve e desconcerta todas as suas especulações, à geração do
mundo."
"O Espaço, a Força e a Matéria têm o mesmo valor que os signos algébricos para
o matemático: são símbolos meramente convencionais; [ou] a Força, como Força, e a
Matéria, como Matéria, são tão absolutamente incognoscíveis quanto o é o suposto
espaço vazio em que também supostamente atuam." (7)
Alega-se que "a inteligência humana não pode conceber unidade indivisível, porque
seria a aniquilação da ideia com o seu sujeito". É um erro, conforme provaram os
pitagóricos e, antes deles, certo número de Videntes, embora se faça necessária uma
educação especial para esta compreensão, sendo difícil que a mente profana possa alcançá-
la. Mas existe o que chamaremos "Meta-matemática" e "Meta-geometria". A própria
ciência matemática, pura e simples, procede do universal para o particular, desde o ponto
matemático indivisível às figuras sólidas. A doutrina teve origem na Índia, e foi ensinada na
Europa por Pitágoras, que, lançando um véu sobre o Círculo e o Ponto - os quais nenhum
ser humano vivo pode definir senão como abstrações incompreensíveis -, situou na base do
Triângulo a origem da Matéria cósmica diferenciada. Tornou-se assim o Triângulo a
primeira das figuras geométricas. O autor de New Aspects of Life opõe-se, quando se refere
aos Mistérios cabalísticos, à objetivação, se assim podemos dizer, do conceito pitagórico e a
esse uso do triângulo equilátero, classificando tudo isso como "um erro" (11). Seu
argumento de que um corpo sólido equilátero,
"cuja base e cada um de cujos lados formam triângulos iguais, deve ter quatro faces ou
320
superfícies co-iguais, ao passo que um plano triangular possuirá necessariamente cinco"
(11-A).
demonstra, pelo contrário, a grandeza do conceito, em toda sua aplicação esotérica à ideia
da pré-gênese e da gênese do Cosmos. Concedemos que um Triângulo ideal, definido por
linhas matemáticas imaginárias,
"não pode ter lados de espécie alguma, sendo apenas um fantasma da mente; os lados
que lhe fossem atribuídos seriam os do objeto que semelhante imagem representa"
(12).
Mas, nesse caso, a maior parte das hipóteses científicas não são mais que "fantasmas
da mente"; não podem ser demonstradas, a não ser por via de inferência, e foram adotadas
simplesmente para atender a necessidades científicas. Demais, o Triângulo ideal - "como
ideia abstrata de um corpo triangular, e, portanto, como tipo de uma ideia abstrata" _
realizou e expressou à perfeição o duplo simbolismo que se tinha em mira. Como emblema
aplicável à ideia objetiva, o triângulo simples converteu-se em um sólido. Quando
reproduzido em pedra, dando frente para os quatro pontos cardeais, assumiu a forma de
pirâmide, símbolo do Universo fenomenal que se funde com o Universo numênico do
pensamento, no vértice dos quatro triângulos; e, "como figura imaginária construída com
três linhas matemáticas", simbolizou as esferas subjetivas, "encerrando as linhas um espaço
matemático, o que é igual a nada dentro de nada". E assim é, porque, para os sentidos e a
consciência não educada do profano e do homem de ciência, tudo o que está além da linha
da Matéria diferenciada - isto é, fora e além do reino da Substância mais Espiritual - deve
para sempre permanecer igual a nada. É o Ain Soph, Não-Coisa.
Todavia, esses "fantasmas da mente" não são, em verdade, abstrações maiores que
as ideias abstratas em geral quanto à evolução e o desenvolvimento físico, como a
Gravidade, a Força, a Matéria, etc., em que se baseiam as ciências exatas. Os nossos
químicos e físicos mais eminentes se esforçam com tenacidade em tentativas, aliás
promissoras, para remontar até a origem oculta do Protilo ou da linha básica do Triângulo
Pitagórico. Este último é, como dissemos, o mais grandioso conceito que se possa imaginar,
pois simboliza a um tempo o Universo ideal e o Universo visível (13). Efetivamente, se
isso não é verdade senão no domínio da Ciência exata, em um mundo tão falaz quanto
ilusório. No domínio da Ciência Esotérica, a Unidade dividida ad infinitum, em vez de perder
sua unidade, aproxima-se, a cada divisão, dos planos da REALIDADE única e eterna. O olho
321
do Vidente pode segui-la e contemplá-la em toda a sua glória pré-genética. Esta mesma
ideia da realidade do Universo subjetivo e da não-realidade do Universo objetivo se
encontra no fundo dos ensinamentos de Pitágoras e de Platão que eram reservados aos
Eleitos; assim, Porfiro, referindo-se à Mônada e à Díada, menciona que só a primeira era
considerada como substancial e real, "o Ser mais simples, a causa de toda unidade e a
medida de todas as coisas".
A Díada, porém, embora sendo a origem do Mal, ou da Matéria - por conseguinte
irreal em Filosofia - é também Substância durante o Manvantara, e recebe muitas vezes, em
Ocultismo, o nome de Terceira Mônada, a linha de união entre dois Pontos, ou Números,
que procedem de AQUILO "que existia antes de todos os Números", como se expressou o
Rabi Barahiel. Dessa Díada saíram todas as Centelhas dos três Mundo ou Planos superiores
e os quatro inferiores - que estão em constante interação e correspondência. É este um
ensinamento que a Cabala tem em comum com o Ocultismo oriental, pois na Filosofia
Oculta há a "Causa UNA" e a "Causa Primeira", de modo que a última se converte
paradoxalmente na Segunda, tal como o esclarece o autor de Qabbalah from the
Philosophical Writings of Ibn Gebirol, quando diz:
"Ao tratar-se da Causa Primária, duas coisas devem ser consideradas: a Causa
Primária per ser e sua relação e conexão com o Universo visível e invisível." (15)
Mostra ele assim que os hebreus primitivos, assim como os árabes posteriores,
seguiram os passos da Filosofia oriental, representada pela dos caldeus, a dos persas, a dos
hindus, etc. A Causa Primária daqueles era, no princípio, designada
"Pelo yr# Shaddai triádico, o [triunfo] Todo poderoso; depois pelo Tegragrammaton
hrhy, YHVH, símbolo do Passado, do Presente e do Futuro" (16),
322
Assim também nos Purânas esotéricos, porque Shekinah, neste caso, não é mais que
Shakti - o duplo feminino de qualquer Deus. O mesmo se dava quanto aos primeiros
cristãos, cujo Espírito Santo era feminino, como o era Sophia entre os gnósticos. Contudo,
na Cabala caldeia transcendente, ou Livro dos Números, Shekinah não tem sexo, e
representa a mais pura abstração, um estado como o do Nirvana, nem subjetivo nem
objetivo nem nada, exceto a absoluta PRESENÇA.
Desse modo, só nos sistemas antropomorfizados - como em grande parte passou a
ser a Cabala de hoje - é que Shekinah-Shakti tem aspecto feminino. Como tal, converte-se
na Díada de Pitágoras, as duas linhas retas que não podem formar nenhuma figura
geométrica e são o símbolo da Matéria. Dessa Díada, quando unida à linha-base do
Triângulo sobre o plano inferior (o Triângulo superior da Árvore Sephirotal), surgem os
Elohim, ou a Divindade na Natureza Cósmica, a designação inferior para o verdadeiro
cabalista, traduzida na Bíblia por "Deus" (18). Deste (os Elohim) procedem as Centelhas.
As Centelhas são as "Almas", e estas Almas aparecem sob a tríplice forma de
Mônadas (Unidades), Átomos e Deuses, segundo a nossa Doutrina. Como diz o Catecismo
Esotérico:
Cada Átomo se converte em uma unidade visível complexa [molécula], e, uma vez
atraída à esfera da atividade terrestre, a essência Monádica, passando através dos reinos
mineral, vegetal e animal, se converte em homem.
E mais:
As Mônadas [Jivas] são as Almas dos Átomos; aquelas e estes são a estrutura com
que se revestem os Chohans [Dhyânis, Deuses] quando uma forma se faz necessária.
"E desnecessário descer às minúcias da evolução do sistema solar. Podeis formar uma
ideia do modo como vem à existência cada um dos elementos procedentes destes três
princípios em que se diferencia Mûlaprakriti" [o Triângulo Pitagórico] "estudando a
conferência pronunciada pelo Professor Crookes, há pouco tempo, sobre os chamados
corpos simples da ciência moderna. Essa conferência vos dará uma noção de como esses
324
chamados corpos simples surgem de Vishvânara", o mais objetivo dos três princípios, que
parece ocupar o lugar do prótilo mencionado naquela conferência. Salvo em certos
pormenores, a mesma conferência parece apresentar as grandes linhas da teoria de
evolução física no plano de Vishvânara, e representa, que eu saiba, a maior aproximação da
verdadeira teoria oculta, que já alcançaram os investigadores modernos sobre tal assunto."
(21)
"Que são esses Corpos Simples, de onde vêm, qual a sua significação?... Esses
elementos nos enchem de perplexidade em nossas investigações, confundem as nossas
teorias e nos obsidiam em nossos próprios sonhos. Estendem-se à nossa frente como um
mar desconhecido, zombando, mistificando e sussurrando estranhas revelações e
possibilidades." (24)
"Se me aventuro a declarar que os corpos geralmente aceitos como simples não são
simples nem primários, que não surgiram por acaso, não foram criados de maneira
325
mecânica e irregular, senão que se desenvolveram de matérias mais simples - ou mesmo,
possivelmente, de uma única espécie de matéria -; se eu o declaro, não faço mais que dar
forma a uma ideia que tem estado, por assim dizer, "no ar" da ciência desde já algum
tempo. Químicos, físicos, filósofos do mais alto mérito, afirmam de modo explicito a sua
convicção de que os setenta (ou coisa aproximada) corpos simples mencionados em nossos
compêndios não representam colunas de Hércules que não possamos algum dia transpor...
Filósofos de hoje e de ontem - homens que certamente nunca trabalharam em laboratório -
chegaram à mesma conclusão por caminho diferente. O Sr. Herbert Spencer, por exemplo,
manifesta sua crença de que "os átomos químicos são produzidos pelos átomos
verdadeiros ou físicos, mediante processos evolutivos, sob condições que a química não
pôde ainda reproduzir..." E o poeta se antecipou ao filósofo. Milton (O Paraíso Perdido,
Canto V) põe na boca do Arcanjo Rafael palavras inspiradas na ideia evolucionária e o faz
dizer a Adão que o Todo-Poderoso criou.
"Uma ideia é um Ser incorpóreo, que não subsiste por si mesmo, mas que dá forma e
figura à matéria caótica e se converte em causa da manifestação." (25)
A revolução levada a efeito por Avogadro na velha Química foi a primeira página do
volume da "Nova Química". O Sr. Crookes acaba de virar a segunda página, e
valorosamente aponta a que pode ser a última. Porque, uma vez aceito e reconhecido o
Prótilo - como o foi o Éter invisível, sendo ambos necessidades lógicas e científicas -, a
Química terá Virtualmente cessado de existir, para reaparecer, em sua reencarnação, como
"Nova Alquimia" ou "Metaquímica". O descobridor da matéria radiante terá feito justiça às
antigas obras arianas sobre o Ocultismo, inclusive aos Vedas e aos Purânas. Pois, que são a
"Mãe" manifestada, o "Pai-Pilho-Esposo" (Aditi e Daksha, uma forma de Brahmâ, como
Criadores) e o "Filho" - os três "Primogênitos" - senão simplesmente o Hidrogênio, o
Oxigênio e o que, em sua manifestação terrestre, é chamado Nitrogênio? Até mesmo as
descrições exotéricas da Tríade "Primogênita" dão todas as características desses três
gases. E dizemos que Priestley foi o "descobridor" do oxigênio, que já era conhecido na
mais remota antiguidade!
Vemos, além disso, que até nos livros exotéricos hindus todos os poetas e filósofos,
antigos e modernos, inclusive os medievais, têm sido antecipados quanto aos Vórtices
326
Elementais postos em ação pela Mente Universal: o "Plenum" de Matéria diferenciada em
partículas, de Descartes; o "fluído etéreo" de Leibnitz e o "fluido primitivo" de Kant,
dissociado em seus elementos; o torvelinho solar e os vórtices sistemáticos de Kepler; em
suma, desde Anaxágoras até Galileu, Torricelli e Swedenborg, e, depois deles, até as últimas
especulações dos místicos europeus, tudo isso se encontra nos hinos ou Mantras hindus,
dedicados aos "Deuses, Mônadas e Átomos" em seu conjunto - porque são inseparáveis.
Nos Ensinamentos Esotéricos, conciliam-se as concepções mais transcendentes do Universo
e seus mistérios, assim como as especulações mais aparentemente materialistas, pois as
Ciências Ocultas abrangem todo o campo da evolução, desde o Espírito à Matéria. Como
declarou um teósofo americano,
"As Mônadas [de Leibnitz] podem, de um certo ponto de vista, ser chamadas
forças, procedentes de outra matéria. Para a Ciência Oculta, força e matéria não são
mais que dois aspectos da mesma substância." (26)
Recorde o leitor aquelas "Mônadas" de Leibnitz, cada uma das quais é um espelho
vivo do Universo, em que se refletem todas as outras, e compare este conceito e esta
definição com certos "slokas" sânscritos, traduzidos por Sir William Jones, nos quais se diz
que a fonte criadora da Mente Divina,
"Uma forma antecedente de energia que passa por ciclos periódicos de fluxo e de
refluxo, de repouso e de atividade." (31)
Eis que um dos luminares da Ciência pede agora ao mundo que aceite isso como um
de seus postulados!
Mostramos como a "Mãe", ígnea e cálida, se tornava gradualmente fria e radiante; e
é esse mesmo homem de ciência quem reclama como segundo postulado (uma
necessidade científica ao que parece)
"A propriedade da inércia não é uma propriedade puramente geométrica, senão que
indica a existência de algo nos corpos externos que não é simplesmente extensão."
330
É o pensamento de Leibnitz, tal como o analisou Mertz, o qual acrescenta que a esse
"algo" dava ele o nome de Força, sustentando que as coisas externas são dotadas de Força,
e que, sendo portadoras de Força, devem ter uma Substância; pois não são massas inertes
e sem vida, mas centros e veículos da Forma - proposição de caráter puramente esotérico,
uma vez que a Forma era para Leibnitz um princípio ativo -; desaparecendo com esta
conclusão a separação entre a Mente e a Matéria.
"Leibnitz era um filósofo; e, como tal, adotava certos princípios fundamentais, que o
inclinavam em favor de determinadas conclusões; e a sua descoberta de que as coisas
externas eram substâncias dotadas de força desde logo foi empregada para fins de
aplicação daqueles princípios. Um deles consistia na lei de continuidade, na convicção de
que o mundo tinha todas as suas partes relacionadas umas com as outras, não existindo
fendas ou vazios que não pudessem ser transpostos. Era-lhe insuportável o contraste de
substâncias pensantes extensas. A definição das substâncias extensas já se havia tornado
insustentável: era natural que se fizesse uma investigação semelhante a respeito da
definição da mente, a substância pensante."
332
considerava impessoal e indivisível, enquanto Leibnitz dividia a sua Divindade pessoal em
numerosos Seres divinos e semidivinos. Spinoza era um panteísta subjetivo, e Leibnitz um
panteísta objetivo; mas ambos eram grandes filósofos em suas percepções intuitivas.
Ora, se as duas doutrinas se fundissem em uma só, corrigindo-se mutuamente - e,
sobretudo, sendo a Realidade Una libertada de sua personalidade -, nelas ficaria como
resultado um verdadeiro espírito de Filosofia Esotérica: a Essência Divina absoluta,
impessoal, sem atributos, que já não é "Ser", mas a raiz de todos os Seres. Traçai em
pensamento uma profunda linha divisória entre a sempre incognoscível Essência e a
Presença invisível, mas compreensível, Mûlaprakriti ou Shekinah, desde além da qual e
através da qual vibra o Som do Verbo, e de onde se desenvolvem as inumeráveis
Hierarquias de Seres, conscientes e inconscientes, de percepção "externa" e de percepção
"interna", cuja Essência é Força Espiritual, cuja Substância são os Elementos, e cujos Corpos
(quando necessários) são os Átomos - e tereis aqui a nossa Doutrina. Porque diz Leibnitz:
"Sendo a força o elemento primitivo de todo corpo material, e não tendo nenhuma
das características da matéria, pode ser concebida, mas nunca ser objeto de uma
representação da imaginação."
O que para ele constituía o elemento primordial e último em todo corpo ou objeto
não eram, pois, os átomos materiais ou as moléculas, necessariamente mais ou menos
extensos, como os de Epicuro e Gassendi; e sim, como o demonstra Mertz, Átomos
imateriais e metafísicos, "pontos matemáticos" ou almas verdadeiras, conforme explicação
de Henri Lachelier (Professor Adjunto de Filosofia), seu biógrafo francês:
"O que existe fora de nós, de modo absoluto, são Almas, cuja essência é a força." (37)
"as partículas elementais são forças vitais, que não atuam mecanicamente, senão em
virtude de um princípio interno. São unidades incorpóreas, espirituais ['substanciais',
porém, e não 'imateriais', no sentido que damos a esta palavra], inacessíveis a toda
mudança externa... [e] indestrutíveis por qualquer força do exterior. As mônadas de
Leibnitz diferem dos átomos pelas seguintes particularidades, que devemos sempre ter em
mente, pois de outro modo não estaremos em condições de ver a diferença entre os
Elementais e a matéria ordinária. Os átomos não se distinguem uns dos outros, são
qualitativamente iguais, mas cada mônada difere qualitativamente de todas as demais, e
cada qual constitui um mundo peculiar, um mundo que lhe é próprio. Não sucede o mesmo
com os átomos; são absolutamente iguais, qualitativa e quantitativamente, carecem de
individualidade própria (40). Além disso, os átomos [ou antes, as moléculas] da filosofia
materialista podem ser considerados como extensos e divisíveis, ao passo que as mônadas
são "meros pontos metafísicos" e indivisíveis. Finalmente, e eis aqui um ponto em que as
mônadas de Leibnitz muito se parecem com os Elementais da filosofia mística, essas
mônadas são seres representativos. Cada mônada reflete todas as outras. Cada mônada é
um espelho vivo do Universo, em sua própria esfera. E - atentai bem nisto, de que depende
o poder destas mônadas, assim como a tarefa que podem realizar por nós - ao refletirem o
mundo, as mônadas não são meros agentes refletores passivos, mas são espontaneamente
ativas por si mesmas; representam imagens de modo espontâneo, como a alma que produz
um sonho. Por isso, em cada mônada pode o Adepto ler tudo inclusive o futuro. Cada
Mônada - ou Elemental - é um espelho que pode falar."
E nesse ponto que claudica a filosofia de Leibnitz. Ela nada prevê, nem faz distinção
alguma entre a Mônada "Elemental" e a de um elevado Espírito Planetário, ou mesmo a
Mônada humana ou Alma. E às vezes vai tão longe ao ponto de perguntar se
"Deus fez porventura outra coisa além de Mônadas ou substâncias sem extensão.”
(41)
334
Leibnitz traça uma diferença entre Mônadas e Átomos (42), porque, como
repetidamente declara:
"os corpos, com todas as suas qualidades, não passam de fenômenos, como o arco-íris.
Corpora omnia cum omnibus qualitatibus suis non sunt aliud quam phenomena bene
fundata, ut lris." (43)
(1). O Âtmâ, ou Espírito, o Eu Espiritual, que passa como um fio através dos cinco
Corpos Sutis ou Princípios, Koshas, é chamado "Alma-Fio" na Filosofia Vedantina.
(2). "O Princípio Setenário", Five Years of Theosophy, p. 197.
(3). Pythagorean Triangle, pelo Rev. G. Oliver, p. 36.
(4). Kant, Crítica da Razão Pura, tradução de Barni, lI, 54. (Nota da Ed. Adyar: Veja-se
também a tradução de J. M. D. Meiklejohn, p. 271: "Toda substância composta, neste
mundo, consiste em partes simples; e não existe coisa alguma que não seja ou simples ou
composta de partes simples".)
(5). Plutarco, De Placitis Philosophorum,
(6). Nas igrejas grega e latina - que consideram o matrimônio como um dos sacramentos -,
o sacerdote que oficia na cerimônia nupcial representa o vértice do triângulo; a noiva, o
lado esquerdo ou feminino; e o noivo, o lado direito; sendo a linha de base simbolizada pela
fila de testemunhas e convidados. Mais atrás do sacerdote está o Sanctum Sanctorum, com
seu misterioso conteúdo e sua significação simbólica, e no qual só os sacerdotes
consagrados devem entrar. Nos primeiros tempos do Cristianismo a cerimônia matrimonial
constituía um mistério e um verdadeiro símbolo. Hoje, as próprias Igrejas perderam o
verdadeiro significado deste simbolismo.
(7). New Aspects of Life and Religion, por Henry Pratt, M. D., p. 7, Ed. 1886.
(8). Ibid., pp. 7 e 8.
(9). Ibid., p. 8.
(10). Pythagorean Triangle, pelo Rev. G. Oliver, pp. 18·19.
(11). New Aspects of Life, p. 387.
(11-A). Ibid.
(12). Ibid.
(13). No Mundo da Forma, o simbolismo que encontra expressão nas pirâmides, tendo
nelas ao mesmo tempo o triângulo e o quadrado, quatro triângulos ou superfícies Co-
lguais, quatro pontos na base e o quinto ponto no vértice.
(14). New Aspects of Life, pp. 385 e 386.
(15). Op. cit., de Isaac Myer, p. 174.
(16). Ibid., p. 175.
(17). Ibid., p. 175.
(18). "A designação inferior, ou a Divindade na Natureza, o termo mais geral Elohim,
337
foi traduzida por 'Deus'" (p. 175). Obras recentes, como a Qabbalah de Isaac Myer e
de S. L. MacGregor Mathers, justificam plenamente nossa atitude em relação à
Divindade jeovista. Não é a abstração transcendental, filosófica e altamente
metafísica do pensamento original cabalístico - Ain-Soph-Shekinah-Adão-Kadmon e
todos os demais - não é essa abstração que combatemos, mas a cristalização de tudo
isso no Jeová antropomórfico, extremamente anti filosófico e inaceitável, a divindade
finita e andrógina, para a qual se pretende a eternidade, a onipotência e a onisciência.
Não nos opomos à Realidade Ideal, e sim à sua horrível Sombra teológica.
(19). Que a palavra "Psicologia" não induza o leitor, por uma associação de ideias, a
pensar nos chamados "psicólogos" modernos, cujo Idealismo não passa de outro nome
dado ao materialismo intransigente, e cujo pretenso monismo não é mais que uma
máscara destinada a ocultar o vazio do aniquilamento final inclusive o da própria
consciência. Queremos aqui referir-nos à Psicologia espiritual.
(20). "Vishvânara não é apenas o mundo objetivo manifestado, mas também a base física
una (a linha horizontal do triângulo) de onde surge à existência todo o mundo objetivo." E o
Díada Cósmica, a Substância Andrógina. Mais além desta só há o verdadeiro Prótilo.
(21). T. Subba Row. Veja-se The Theosophist, de fevereiro de 1887, p. 308.
(22). Por W. Crookes, F. R. S., V. P. C. S., conferência na Royal Institution de Londres, em 18
de fevereiro de 1887.
(23). A verdade deste acerto só estará plenamente demonstrada no dia em que a
descoberta da matéria radiante do Sr. Crookes conduzir a um estudo mais completo sobre a
verdadeira origem da luz, revolucionando todas as teorias atuais. Contribuirá para
evidenciar aquela verdade um conhecimento maior das flâmulas da aurora borealis do
Norte.
(24). Genesis of the Elements, p. 1.
(25). De Placit. Philos.
(26). The Path, janeiro de 1887, p. 297.
(27). Gênesis of the Elements, p. 11.
(28). Correspondentes na escala cósmica a Espírito, Alma, Mente, Vida e os três veículos:
Corpo Astral, Corpo Mayávico e Corpo Físico (da Humanidade), seja qual for a divisão
adotada.
(29). Genesis of the Elements, p. 16.
(30). VoI. I, p. 429.
(31). Genesis of the Elements, p. 21.
(32). "O Senhor é um fogo devorador". "Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens".
(33). Que, decomposto alquimicamente, nos daria o Espírito de Vida e seu Elixir.
(34). Sobretudo, o postulado de que na Natureza não há substâncias ou corpos inorgânicos.
As pedras, os minerais, as rochas e até os "átomos" químicos não passam de unidades
orgânicas em letargia profunda. Seu estado de coma tem um fim, e sua inércia se converte
em atividade.
(35). Ibid., p. 144.
(36). A ortografia do nome, segundo ele próprio escrevia, é Leibnitz. Era de origem eslava,
embora nascido na Alemanha. Seu nome completo: Gottfried Wilhelm Leibnitz.
338
(37). Monadologia, introdução.
(38). "A dinâmica de Leibnitz" - diz o Professor Lachelier - "ofereceria pouca dificuldade se a
mônada fosse, para ele, um simples átomo de força cega. Mas..." Compreende-se
perfeitamente a perplexidade do materialismo moderno!
(39). The Path, I, janeiro de 1887, p. 297.
(40). Leibnitz revela-se um idealista absoluto ao sustentar que "átomos materiais são
contrários à razão" (Système Nouveau, Erdmann, p. 126, coI. 2). Para ele, a Matéria era uma
simples representação da Mônada, atômica ou humano. Pensava que as Mônadas (como
também nós pensamos) se acham em toda a parte. Assim, a Alma humana é uma Mônada,
e cada célula do corpo humano tem sua Mônada, do mesmo modo que cada célula do
animal, do vegetal e até mesmo dos corpos ditos inorgânicos. Seus Átomos são as
moléculas da Ciência moderna, e suas Mônadas os átomos simples que a ciência
materialista aceita pela fé, muito embora jamais possa entrar em contato com eles, a não
ser em imaginação. Todavia, Leibnitz cai em contradição consigo mesmo em suas opiniões
sobre as Mônadas. Fala de seus "Pontos Metafísicos" e de seus "Atamos formais" ora como
realidades que ocupam o espaço, ora como ideias puramente espirituais, ora dotando-os
novamente de objetividade, de agregação e de posições em suas correlações.
(41). Examen des Principes du P. Malebranche.
(42). Os Átomos de Leibnitz, em verdade, nada têm de comum, a não ser o nome, com os
átomos dos materialistas gregos, nem sequer com as moléculas da Ciência moderna. Ele os
chama "Átomos Formais", e os compara às "Formas Substanciais" de Aristóteles (ver
Système Nouveau, § 3º).
(43). Carta ao Padre Desbosses, Carrespandence, XVIII.
(44). Monadologia, parágrafo 60. Como Aristóteles, Leibnitz as chama Mônadas "criadas" ou
emanadas (os Elementais procedentes de Espíritos Cósmicos ou Deuses), Enteléquias,
'En∫ele/xeiai, e "autômatos incorpóreos". (Monadologia, par. 18.)
(45). Estas três "divisões sumárias" correspondem a Espírito, Mente (ou Alma) e Corpo, na
constituição humana.
(46). O irmão C H. A. Bjerregaard, em sua citada conferência, adverte aos seus ouvintes que
não se deve considerar demasiado os Sephiroth como individualidades, evitando-se ao
mesmo tempo ver neles somente abstrações. "Jamais alcançaremos a verdade" - diz ele - "e
muito menos a faculdade de nos associarmos a essas entidades celestiais, enquanto não
retornarmos à simplicidade e à intrepidez das eras primitivas, quando os homens conviviam
livremente com os deuses e os deuses desciam entre os homens para guiá-los no caminho
da verdade e da santidade" (p. 296). "Há na Bíblia várias referências aos "Anjos" que
indicam claramente tratar-se de seres como os elementais da Cabala e as mônadas de
Leibnitz, devendo ser esta a significação daquele termo, e não a que comumente se lhe
atribui. Eles são chamados "Estrelas da Manhã", "Fogos Ardentes", "Entes Poderosos"; e
São Paulo os vê, em sua visão cosmogônica, como "Principados e Potências". Nomes como
estes excluem a ideia de personalidade, e somos levados a considerá-los como existências
impessoais... como uma influência, uma substância espiritual, ou uma força consciente".
(The Path, janeiro de 1887, pp, 331,332.)
339
SEÇÃO XV
EVOLUÇÃO CÍCLICA E CARMA
342
venha a tal ponto superar, no tempo e no espaço, o campo das observações humanas,
uma circunstância que assinala o poder que tem o homem para transcender as
limitações da matéria cambiante e variável; e que afirma sua superioridade sobre as
formas insensíveis e perecedoras do ser. Há, na sucessão dos acontecimentos, e em
sua relação com as coisas coexistentes, um método de que a mente humana se
apodera e que usa como baliza, marchando para diante ou para trás ao longo de
séculos de história material, que a experiência do homem não pode jamais certificar.
Os acontecimentos germinam e se desenvolvem. Têm um passado que está
relacionado com o presente, e sentimos, com justificada confiança, que há também um
futuro que, de modo semelhante, se achará relacionado com o presente e o passado.
Essa continuidade e essa unidade da história se repetem diante de nós em todas as
fases concebíveis do progresso. Os fenômenos nos proporcionam os fundamentos para
a generalização de duas leis, que constituem verdadeiros princípios de adivinhação
científica, os quais, e só eles, permitem à mente humana penetrar nos anais selados do
pretérito e nas páginas por abrir do futuro. A primeira destas leis é a da evolução, ou,
para defini-Ia em termos adaptados à nossa explicação, a lei de sucessão correlacionada
ou de história organizada no individual, ilustrada nas fases cambiantes de cada sistema
separado que faz amadurecer resultados... Estes pensamentos evocam o passado sem
limite e surpreendem o futuro imensurável da história material; como que abrem
horizontes infinitos e conferem à inteligência humana uma existência e uma visão
isentas das limitações do tempo, do espaço e da causalidade finita, elevando-a a uma
sublime concepção da Inteligência Suprema, cuja morada é a Eternidade." (5)
343
somente os símbolos concretos da verdade eternamente viva, ainda que pareçam ideias
abstratas aos olhos dos mortais não iniciados. E isto explica as extraordinárias coincidências
numéricas com as relações geométricas, como assinalado por diversos autores.
Sim, "o nosso destino está escrito nas estrelas!" De ver, porém, que, quanto mais
estreita a união entre o reflexo mortal, que é o Homem, e seu Protótipo Celeste, tanto
menos perigosas as condições externas e as reencarnações subsequentes - às quais nem os
Buddhas nem os Cristos podem escapar. Não é superstição, e muito menos fatalismo. Este
último parece implicar ação cega de uma força ainda mais cega; o homem, porém, é um
agente livre durante a sua estada na Terra. Não pode fugir ao seu Destino dominante, mas
pode escolher entre dois caminhos que conduzem àquela direção, e chegar à meta da
desgraça - se é a que lhe está reservada - ou com as níveas vestes do mártir ou com a roupa
tisnada de um voluntário da senda do mal: por que há condições externas e- internas que
podem exercer influência sobre o uso de nossa vontade no conduzirmos as nossas ações, e
está em nosso alvedrio eleger um ou outro dos dois caminhos.
Os que creem no Carma não podem deixar de crer no Destino que cada homem, do
berço ao túmulo, tece ao redor de si mesmo, fio por fio, como a aranha a sua teia; e esse
Destino é dirigido, ou pela voz celeste do invisível Protótipo exterior a nós, ou pelo nosso
mais íntimo astral, ou homem interno, que mui frequentemente é o gênio do mal da
entidade encarnada. Ambos influenciam o homem externo, mas um deles tem que
prevalecer; e, desde o princípio desse conflito invisível, a austera e implacável Lei de
Compensação intervém, e segue o seu curso, acompanhando lance por lance as flutuações
da luta. Quando o último fio se acha tecido, e o homem se deixou enredar na malha de seus
próprios atos, vê-se ele sob o império absoluto desse Destino, que" ele mesmo elaborou.
Este então o imobiliza, qual concha inerte presa ao firme rochedo, ou o arrasta, como uma
pena, no torvelinho levantado por suas próprias ações; e isto é o CARMA.
Um materialista, tratando das criações periódicas do nosso globo, assim as expressou
em uma só frase:
O autor era Büchner, que nem de longe suspeitava estar repetindo um axioma dos
ocultistas. É também verdade, como observa Burmeister, que"
Quem são os "que obscurecem o segredo com palavras sem sabedoria", e onde
estavam os Huxleys e os Büchners quando as fundações da Terra foram lançadas pela
Grande Lei? Esta mesma homogeneidade da Matéria e esta mesma imutabilidade das leis
naturais, em que tanto insiste o Materialismo, constituem um principio fundamental da
Filosofia Oculta; mas tal unidade se baseia na inseparabilidade de Espírito e Matéria: se por
acaso os dois se divorciassem, todo o Cosmos cairia no Caos e no Não-Ser. Portanto, é
absolutamente falso, e uma demonstração a mais da grande presunção da nossa época, que
todas as grandes transformações geológicas e as terríveis convulsões do passado tenham
sido produzidas por Forças físicas ordinárias e conhecidas, como afirmam os homens de
ciência. Porque essas Forças não foram mais que os instrumentos e os meios finais para o
cumprimento de certos desígnios, atuando periodicamente e, na aparência, de modo
mecânico, em obediência a um impulso interno incorporado à sua natureza material, mas
independente dela. Há um objetivo em cada ato importante da Natureza; e todos os seus
atos são cíclicos e periódicos. Devido, porém, à confusão generalizada entre forças
espirituais e forças puramente físicas, são as primeiras negadas pela Ciência, que, por não
as haver examinado, continuará ignorando-as (8). Diz Hegel:
"A história do Mundo principia com o seu propósito geral, a realização da Ideia do
Espírito, somente de um modo implícito (an sich), isto é, como Natureza; um instinto
inconsciente e oculto, bem profundamente oculto; e todo o processo da história... tende a
converter em consciente esse impulso inconsciente. Manifestando-se desse modo em
forma de simples existência natural, a vontade natural - o que se chamou o lado subjetivo -,
os apetites físicos, o instinto, as paixões, os interesses privados, assim como a opinião e o
conceito subjetivo, aparecem espontaneamente desde o começo. Esse vasto conjunto de
volições, interesses e atividades constitui os instrumentos e os meios de que se vale o
Mundo do Espírito para realizar os seus fins, levando-o a adquirir consciência de si mesmo.
E tais fins outros não são que os de encontrar-se a si mesmo, alcançar a si mesmo e
contemplar- se a si mesmo como realidade concreta. Pode-se contudo discutir, e tem sido
mesmo discutido, que essas manifestações de vitalidade por parte de indivíduos e de
povos, mediante as quais buscam eles atingir seus próprios fins, sejam ao mesmo tempo os
meios e os instrumentos para a consecução de um objetivo mais vasto e mais elevado, de
que nada sabem - e que realizam inconscientemente... Sobre este ponto expressei a minha
opinião desde o início, e defendi a nossa hipótese... e a nossa crença de que a Razão
governa o Mundo, e tem, por conseguinte, governado a história. Com relação a esta
existência substâncial, independente e universal, tudo lhe está subordinado e dela
depende, servindo de meios para o seu desenvolvimento." (9)
345
Nenhum metafísico ou teósofo poderia objetar a estas verdades, que se acham todas
incorporadas aos Ensinamentos Esotéricos. Há uma predestinação no que se refere à vida
geológica do nosso globo, assim como na história, passada e futura, das raças e das nações.
Tem isso estreita relação com o que chamamos Carma, e os panteístas ocidentais chamam
Nêmesis e Ciclos. A lei de evolução nos está levando agora ao longo do arco ascendente de
nosso ciclo, até que os efeitos mais uma vez se fundirão com as causas, hoje neutralizadas,
identificando-se com elas, e tudo o que haja sofrido a influência dos efeitos terá
recuperado sua harmonia original. Este será o ciclo de nossa Ronda particular, um simples
instante na duração do Grande Ciclo, ou Mahâyuga.
Os belos conceitos de Hegel encontram aplicação nos ensinamentos da Ciência
Oculta, que nos mostram a Natureza obrando sempre com um propósito determinado,
cujos resultados apresentam sempre dois aspectos. Já o assinalamos em nossos primeiros
livros de Ocultismo com as seguintes palavras:
"Assim como o nosso planeta efetua anualmente uma revolução ao redor do Sol, e ao
mesmo tempo gira sobre o seu eixo em cada vinte e quatro horas, cumprindo deste modo
ciclos menores dentro de um ciclo maior, assim a obra dos períodos cíclicos menores se
realiza e recomeça no curso do Grande Saros. A revolução do mundo físico, segundo a
doutrina antiga, é acompanhada de uma revolução similar no mundo do intelecto, pois a
evolução espiritual do mundo procede por ciclos, tal como a evolução física. Assim é que
observamos na história uma alternação regular de fluxo e refluxo na maré do progresso
humano. Os grandes reinos e impérios deste mundo, depois de atingirem o ponto
culminante de seu desenvolvimento, passam a descer, de acordo com a mesma lei que os
fez subir, até que, tendo chegado ao ponto inferior, a Humanidade novamente se afirma e
sobe outra vez, para então alcançar, graças a essa lei de progressão ascendente, uma altura
algo maior que a do ponto de onde havia anteriormente descido." (10)
Mas estes ciclos - rodas que se engrenam em outras rodas, simbolizadas de modo tão
compreensível quanto engenhoso pelos vários Rishis e Manus da Índia e pelos Cabiros do
Ocidente (11) - não incluem de uma só vez e ao mesmo tempo toda a Humanidade. Daí a
dificuldade em identificá-los e distingui-los uns dos outros, em seus efeitos físicos e
espirituais, sem que haja uma compreensão nítida de suas relações com as nações e as
raças, e de sua influência sobre elas, quanto ao respectivo destino e evolução. E este
sistema não pode ser compreendido se a ação espiritual de tais períodos - de certo modo
prefixados pela lei Cármica - for separada de seu curso físico. Os cálculos dos melhores
astrólogos serão inúteis, ou pelo menos imperfeitos, a menos que se leve em conta essa
ação dual, entendida naquele exato sentido. Ora, tal entendimento só pode ser alcançado
por meio da INICIAÇÃO.
O Grande Ciclo abrange o progresso da Humanidade desde o aparecimento do
homem primordial de formas etéreas. Ele circula através dos Ciclos internos da evolução
346
progressiva do homem, desde o homem etéreo ao semi-etéreo e ao puramente físico, até à
libertação do homem de sua "veste de pele" e de matéria; e depois prossegue seu curso
descendente, e passa de novo ao ascendente, para recolher-se ao atingir o ponto
culminante da Ronda, quando a Serpente Manvantárica "engole a própria cauda", e são
decorridos sete Ciclos Menores. Estes são os Grandes Ciclos de Raça, que incluem por igual
todas as nações e tribos pertencentes àquela Raça especial; mas, dentro deles, há Ciclos
menores ou nacionais, como também Ciclos de tribos, que seguem seu próprio curso, sem
dependerem uns dos outros. O Esoterismo Oriental lhes dá o nome de Ciclos Cármicos. No
Ocidente, onde a Sabedoria Pagã foi repudiada como obra das Potências Tenebrosas, que
se supunha estarem em guerra permanente contra o Deus de uma pequena tribo, Jeová,
toda a plena e solene significação da Nêmesis grega, ou Carma, foi totalmente esquecida.
Se não fosse isso, os cristãos teriam compreendido melhor a profunda verdade de que
Nêmesis não possui atributos; e que, se a temida Deusa é absoluta e imutável como
Princípios, somos nós - as nações e os indivíduos - que a pomos em ação e lhe traçamos o
rumo. Carma-Nêmesis é quem cria as nações e os mortais; mas, uma vez criados, são estes
que a convertem em uma Fúria ou em um Anjo que recompensa. Sim;
como diz o Coro a Prometeu. E pouco sábios aqueles que acreditam poder propiciar a
Deusa por meio de sacrifícios e orações, ou fazer desviar a sua roda do caminho que tomou.
"As três Parcas e as Fúrias sempre atentas" só na Terra são os seus atributos, e nós mesmos
os criamos. Não há retorno possível dos caminhos trilhados por seus ciclos, conquanto
sejam esses caminhos obra nossa, porque somos nós, individual ou coletivamente, que os
preparamos.
Carma-Nêmesis é um sinônimo de Providência, menos o motivo, a bondade e todos os
demais atributos e qualificativos finitos, atribuídos à última de maneira tão pouco filosófica.
Um ocultista ou um filósofo não falará de bondade ou de crueldade da Providência; mas,
identificando-a com Carma-Nêmesis, não deixará de ensinar que ela protege os bons e vela
sobre eles, nesta vida como nas futuras, e que pune os que praticam más ações - sim, até o
seu sétimo renascimento - por tanto tempo, na verdade, quanto dure o efeito da
perturbação que tenham causado, ainda que do mais insignificante átomo, no Mundo
Infinito da Harmonia. Porque o único decreto do Carma - decreto eterno e imutável - é a
Harmonia completa no Mundo da Matéria, como o é no Mundo do Espírito. Não é,
portanto, o Carma que pune ou recompensa, mas somos nós mesmos que nos
recompensamos ou punimos, segundo trabalhemos com a Natureza, pela Natureza e de
acordo com a Natureza, obedecendo-lhe às leis de que depende essa Harmonia, ou
transgredindo-as.
As vias do Carma não serão impenetráveis, se os homens deixarem que a união e a
harmonia presidam aos seus atos, em vez de os nortearem pela desunião e a luta. Nossa
ignorância desses processos - que uma parte da Humanidade chama de caminhos sombrios
e inextricáveis da Providência, enquanto outra parte vê neles a ação de um cego fatalismo,
347
e uma terceira a obra de um simples acaso, sem que haja Deus ou Demônio a guiá-la -
nossa ignorância, dizíamos, certamente que desapareceria, se nos dispuséssemos a atribuí-
los a suas verdadeiras causas. Com o conhecimento real, ou pelo menos com uma
convicção firme de que os nossos próximos não procurariam causar-nos dano maior do que
o que nós pensássemos em fazer-lhes, dois terços do mal que há no mundo se
desvaneceriam. Se nenhum homem prejudicasse o seu semelhante, Carma-Nêmesis não
teria motivo para intervir nem armas com que executar o seu ofício. É a presença
constante, entre nós, dos elementos de luta e de oposição, é a divisão das raças, nações,
tribos, sociedades e indivíduos em Cains e Abéis, lobos e cordeiros, que constituem a causa
principal dos "caminhos da Providência". Com as nossas próprias mãos, traçamos
diariamente o curso sinuoso dos nossos destinos, crendo estar seguindo em linha reta no
caminho real da respeitabilidade e do dever, e nos queixamos depois de que sejam tão
sombrias e inextricáveis essas curvas sinuosas. Quedamo-nos estupefatos diante do
mistério que nós próprios fabricamos, e dos enigmas da vida que não queremos resolver, e
depois acusamos a grande Esfinge de nos devorar. Em verdade, não há um acidente em
nossa vida, não há um dia mau ou uma desgraça, cuja causa não possa ser encontrada em
nossas próprias ações, nesta ou em outra existência. Se alguém infringe as leis da harmonia
ou, conforme a expressão de um teósofo, as "leis da vida", deve estar preparado para cair
no caos que ele mesmo produziu. Porque, segundo as palavras desse escritor,
"A única conclusão a que podemos chegar é que são as próprias leis da vida que se
vingam; e, portanto, que todo anjo vingador não é senão a representação simbólica da
reação dessas leis."
é tão somente porque a Humanidade teve sempre os olhos fechados a esta grande
verdade: O homem é o seu próprio salvador e o seu próprio destruidor. Ele não precisa
acusar o Céu e os Deuses, o Destino e a Providência, de serem os autores da aparente
injustiça que impera na Humanidade. Mas deve ter presente e repetir aquele fragmento de
sabedoria grega, que recomenda ao homem abster-se de acusar Aquele que,
E são estes atualmente os caminhos por onde seguem os grandes países europeus.
Todas as nações e tribos dos Arianos ocidentais, assim como os seus irmãos orientais da
Quinta Raça, tiveram sua Idade de Ouro e sua Idade de Ferro, seu período de relativa
irresponsabilidade, ou sua Idade Satya de pureza, e agora várias delas estão em sua Idade
de Ferro ou Kali Yuga, uma idade de trevas e de horrores.
Por outro lado, é verdade que os Ciclos exotéricos de cada nação se derivaram
diretamente dos movimentos siderais, e deles são dependentes, conforme se demonstrou.
Tais movimentos se acham inseparavelmente ligados aos destinos das nações e dos
homem. Mas, no sentido puramente físico, a Europa não conhece outros Ciclos além dos
astronômicos, e nestes baseia todos os seus cálculos; nem tampouco quer ouvir falar senão
de círculos ou circuitos imaginários que cingem os céus estrelados,
No entanto, para os pagãos - de quem Coleridge disse com razão que "o tempo, o
tempo cíclico, era a sua abstração da Divindade", divindade esta que se manifestava em
correlação com o Carma, e somente por meio do Carma, sendo o próprio Carma-Nêmesis -
os Ciclos significavam algo mais que uma simples sucessão de acontecimentos, ou que um
espaço periódico de tempo mais ou menos longo. Porque eram eles geralmente assinalados
pela repetição de ocorrências de caráter mais variado e mais intelectual que os
manifestados pela volta periódica das estações e de certas constelações. Contenta-se a
349
sabedoria moderna com predições e cômputos astronômicos baseados em leis
matemáticas infalíveis. A sabedoria antiga acrescentava à casca fria da Astronomia os
elementos vivificantes de sua alma e do seu espírito - a Astrologia. E, como os movimentos
siderais regem e determinam, realmente, sobre a Terra, outros fatos além dos que se
referem à colheita de batatas e às doenças periódicas deste útil tubérculo - afirmativa que,
por não ser passível de demonstração científica, é ridicularizada, embora nem por isso
menos aceita -, tais acontecimentos têm que sujeitar-se à predeterminação por meio de
simples cômputos astronômicos. Os que creem em Astrologia compreenderão o que
queremos dizer; os cépticos rir-se-ão da crença e zombarão da ideia, fechando os olhos, à
maneira do avestruz, para não ver o seu próprio destino (15).
Isso ocorre porque o seu pequeno período, dito histórico, não lhes deixa margem
para comparação. O céu estrelado está diante deles; e, embora a sua vista espiritual ainda
não se ache ativa, e a poeira atmosférica de origem terrestre lhes tolde a visão,
circunscrevendo-a nos limites do sistema físico, não deixam eles de perceber os
movimentos dos meteoros e dos cometas, e de observar o modo por que se comportam
estes viajantes siderais. Registram o aparecimento periódico dos errantes e "flamígeros
mensageiros", e profetizam, em consequência, os terremotos, as chuvas meteóricas, a
passagem de certas estrelas ou cometas, etc. São adivinhos, por isso? Não; são astrônomos
e cientistas.
Por que, pois, não hão de merecer crédito os ocultistas e os astrólogos, tão sábios
quanto os astrônomos, quando profetizam a volta de algum acontecimento cíclico,
baseando-se nos mesmos princípios matemáticos? Por que devem ser ridicularizados
quando afirmam saber que tal volta há de ocorrer? Havendo os seus antepassados e
predecessores anotado o retorno de semelhantes acontecimentos, cada qual no seu devido
tempo, em um período que abrange centenas de milhares de anos, a conjunção das
mesmas constelações deve necessariamente produzir, senão o mesmo efeito, pelo menos
um efeito similar.
Devem ser levadas a ridículo essas profecias por causa da afirmativa referente às
centenas de milhares de anos de observações e aos milhões de anos atribuídos às Raças
humanas? Não é a ciência, por sua vez, escarnecida por aqueles que se atêm à cronologia
bíblica, em razão de seus algarismos geológicos e antropológicos, muito mais modestos?
Deste modo, o Carma promove o equilíbrio até mesmo do riso da humanidade, e expensas
mútuas das seitas, das associações científicas e dos indivíduos. Entretanto, a predição de
acontecimentos futuros que tais, com base na autoridade da repetição dos ciclos, não
pressupõe nenhum fenômeno de ordem psíquica. Nem previsão ou profecia é, como não o
é o anunciar um cometa ou uma estrela vários anos antes de seu aparecimento. É tão só o
conhecimento, que resulta de cálculos matemáticos exatos, o que permite aos Sábios do
Oriente prognosticarem, por exemplo, que a Inglaterra se acha em vésperas de sofrer tal ou
tal catástrofe; que a França se aproxima de tal ou tal ponto de seu ciclo; e que a Europa em
geral está ameaçada, ou melhor, em vésperas de um cataclismo, ao qual a vem conduzindo
o seu próprio Ciclo Cármico de Raça. Naturalmente que a nossa opinião sobre a
credibilidade dos informes varia conforme aceitemos ou repudiemos a afirmativa de que se
baseiam em um grande período de observações históricas.
350
Os Iniciados do Oriente asseguram haver conservado anais do desenvolvimento das
raças e dos sucessos de importância universal desde o início da Quarta Raça, e que
conhecem pela tradição os sucessos anteriores a essa época. Além disso, os que acreditam
em Clarividência e em Poderes Ocultos não sentirão dificuldade em admitir o caráter geral
da informação, ainda que seja apenas tradicional, sempre que se possa corroborar esta
tradição pela Clarividência e o Conhecimento Esotérico. Mas no presente caso não se
reclama crença metafísica dessa espécie, pois a prova nos é dada - de maneira equivalente,
para o ocultista, à evidência científica - nos anais preservados por meio do Zodíaco durante
tempos incalculáveis.
Está hoje demonstrado amplamente que os horóscopos e a própria Astrologia
judiciária não se baseiam inteiramente em ficções, e, consequentemente, que as Estrelas e
as Constelações exercem uma influência oculta e misteriosa sobre os indivíduos, e se
acham com eles relacionadas. E se o estão com os indivíduos, por que também não havia
de acontecer a mesma coisa com as nações, as raças e a Humanidade como um todo?
Semelhante afirmação ainda encontra fundamento nos anais do Zodíaco.
Vamos agora examinar até que ponto os Antigos conheciam o Zodíaco, e até que
ponto o esqueceram os Modernos.
(1). Catecismo Budista, Questão 122, por H. S. Olcott, Presidente da Sociedade Teosófica.
(2). Ibid., Questão 123.
(3). Aos que considerem as nossas palavras como uma impertinência ou irreverência para com
a Ciência oficial, pedimos que se reportem à obra do Dr. James Hutchinson Stirling sob o título
As Regards Protoplasm, que contém a defesa do Princípio Vital contra os molecularistas -
Huxley, Tyndall, Vogt & Cia. - e julguem se é ou não verdade que, apesar de nem sempre
estarem corretas as premissas científicas, são elas, contudo, aceitas para preencher um vazio
ou lacuna em algum tema favorito dos materialistas. Falando do protoplasma e dos órgãos
humanos, "do ponto de vista do Sr. Huxley", diz aquele autor: "Assim, é provável que,
relativamente à continuidade da força, da forma e da substância no protoplasma, tenhamos
deparado com várias lacunas. Aliás, o próprio Sr. Huxley pode ser citado como testemunha a
esse respeito. Não é raro encontrarmos em seus trabalhos a admissão de probabilidades onde
somente a certeza devia ter lugar. Afirma ele por exemplo: ‘É mais que provável que, quando
o mundo vegetal estiver totalmente explorado, verificaremos que todas as plantas são dotadas
dos mesmos poderes'. Quando se enuncia de modo definitivo uma conclusão, é sobremodo
decepcionante ver, como neste caso, que as premissas estão ainda por estabelecer (!!)... Eis
outra passagem em que vemos fenderem-se os alicerces sob nossos próprios pés. Após dizer-
nos que todas as formas de protoplasma se compõem de carbono, hidrogênio, oxigênio e
nitrogênio, 'em união muito complexa', continua: 'A esta combinação complexa, cuia natureza
nunca foi determinada com exatidão (!!), deu-se o nome de proteína'. Significa isso, em termos
inequívocos, que o Sr. Huxley identifica o protoplasma com a proteína; e devendo o que
afirma de um ser necessariamente verdadeiro quanto à outra, segue-se que ele reconhece
nunca ter sido determinada com exatidão a natureza do protoplasma, e que, para ele
inclusive, a causa está ainda sub judice. Tal admissão é também reforçada por estas palavras:
'Se usamos este termo (proteína) com a cautela naturalmente aconselhada pela nossa
351
ignorância relativa das coisas que representa... '," etc. (Páginas 33 e 34 edição de 1872, réplica
de Huxley no Yeast).
E é esse o eminente Huxley, o rei da Fisiologia e da Biologia, que vamos surpreender no
Jogo da cabra-cega com premissas e fatos! Depois disso de que então não será capaz o "peixe-
miúdo" da Ciência!
(4). "Os Ciclos da Matéria", título de um Ensaio escrito pelo Professor Winchell em 1860.
(5). World-Life, pp. 534-5 e 548.
(6). Citado em Força e Matéria, de Büchner.
(7). Ibid.
(8). Dirão os homens de ciência: "Negamos, porque no campo de nossas experiências jamais se
apresentou algo parecido". Observa, porém, o fisiólogo Charles Richet: "Seja! Mas, pelo menos, já
demonstrastes o contrário?... Não negueis, pois, a priori. A ciência atual ainda não progrediu o
suficiente para vos conferir esse direito". La Suggestion mentale et le Calcul des Probabilités.
(9). Lectures on the Philosophy of History, p. 26, tradução inglesa de Sibree.
(10). Ísis sem Véu, I, p. 119.
(11). Este simbolismo não impede que tais personagens, que hoje parecem mitos, hajam
governado a Terra em dado momento, sob a forma humana de seres realmente vivos, embora
fossem homens verdadeiramente divinos e semelhantes a deuses. A opinião do Coronel Vallancey
- e também a do Conde de Gebelin - de que "os nomes dos Cabiros parecem ser todos alegóricos,
sem outra significação que a de um almanaque com as mudanças das estações - calculadas para os
misteres da agricultura" (Collect. de Reb. Hibern., nº 13, Præf. Sect. 5), é tão absurda como a sua
afirmação de que Æon, Cronos, Saturno e Dagon não representam senão uma só pessoa, que seria
o "Patriarca Adão". Os Cabiros foram os instrutores da Humanidade em agricultura, por serem os
Regentes das estações e dos Ciclos Cósmicos. Daí a razão por que foram eles que regularam, como
Espíritos Planetários ou Anjos (Mensageiros), os mistérios da arte da agricultura.
(12). Seria mais acertado dizer: "os que temem Carma-Nêmesis",
(13). Dryden.
(14). Milton, Paraíso Perdido, Canto VIII.
(15). Não todos, visto que há homens de ciência que estão despertando para a verdade. Eis o que
lemos: "Para onde quer que voltemos as nossas vistas, deparamos com um mistério... tudo na
Natureza nos é desconhecido... Apesar disso, são em grande número os espíritos superficiais para
quem as forças naturais nada podem produzir fora dos fatos já observados há tempo, consagrados
em livros e agrupados mais ou menos engenhosamente com apoio em teorias, cuja duração
efêmera deveria ter demonstrado sua insuficiência... Não pretendo discutir a possibilidade de
seres invisíveis, de natureza diferente da nossa e capazes de atuar sobre a matéria. Grandes
filósofos o admitiram em todas as épocas, como corolário da magna lei de continuidade que rege o
Universo. Essa vida intelectual, que vemos, por assim dizer, surgir do não-ser (néant) e
gradualmente chegar ao homem, pode neste parar bruscamente, para só reaparecer no infinito,
no soberano regulador do mundo? É pouco provável. Por isso, não nego a existência dos espíritos,
como não nego a da alma, embora procure sempre explicar certos fatos sem me valer desta
hipótese." - As Forças não definidas, Investigações Históricas e Experimentais, p. 3, Paris, 1877. O
autor é A. de Rochas, homem de ciência bastante conhecido na França, e a sua obra é um dos
sinais dos tempos.
352
SEÇÃO XVI
O ZODÍACO E SUA ANTIGUIDADE
"os sacerdotes, a quem os reis de Israel haviam ordenado queimar incenso... a Baal, ao Sol,
à Lua, aos planetas e a todo o exército do céu",
- isto é, aos "doze signos ou constelações", segundo explicação em nota marginal constante
da Bíblia inglesa -, cumpriram a ordem durante séculos. Só em 624 antes de Cristo é que o
rei Josias pôs termo a essa idolatria.
O Antigo Testamento está repleto de alusões aos doze signos zodiacais, e todo o seu
esquema neles se baseia: heróis, personagens e acontecimentos. Assim, o sonho de José,
que viu "onze Estrelas" inclinando-se ante a duo-décima, que era a sua "Estrela", refere-se
ao Zodíaco. Os católicos romanos viram ali uma profecia da vinda de Cristo, que estaria
representado por aquela duo-décima Estrela, sendo os Apóstolos as outras onze; a ausência
do décimo segundo Apóstolo seria uma indicação profética da traição de Judas. Também os
doze filhos de Jacob significam uma alusão ao Zodíaco, como acertadamente observa
Villapandus (6). Sir James Malcolm, em sua History of Persia (7), mostra que o Dabistan se
faz eco de todas essas tradições concernentes ao Zodíaco. A invenção deste é por ele
atribuída aos dias florescentes da Idade de Ouro do Iran; e observa que, segundo uma das
tradições, os Gênios dos Planetas estão representados sob as mesmas formas e aspectos
que haviam tomado quando apareceram a vários dos santos profetas, o que deu lugar à
instituição dos ritos baseados no Zodíaco.
Pitágoras e, posteriormente, Filon o Judeu consideravam sagrado o número 12.
354
"Este número doze é perfeito. É o dos signos do Zodíaco, que o sol visita cada doze
meses; e foi para honrar este número que Moisés dividiu a sua nação em doze tribos,
instituiu os doze pães da proposição e colocou doze pedras preciosas no peitoral dos
Pontífices.” (8)
"Se interpretarmos os anos desse número como significando meses, que os egípcios,
segundo diz Euxodo, chamavam de anos, isto é, períodos de tempo, ainda assim teríamos
uma duração igual a dois ciclos de preces são [51.736 anos]." (9)
Diógenes Laércio faz retroceder os cálculos astronômicos dos egípcios a 48.863 anos
antes de Alexandre o Magno (10) Marciano Capela corrobora essa afirmativa, dizendo à
posteridade que os egípcios haviam secretamente estudado a astronomia por mais de
40.000 anos, antes de comunicarem seus conhecimentos ao mundo (11).
Em Natural Genesis se fazem algumas valiosas citações com o fim de justificar as
teorias do autor; mas elas confirmam muito mais o ensinamento da Doutrina Secreta. Por
exemplo, há a citação de um trecho da Vida de Sulla de Plutarco, em que este diz:
"Um dia, em que o céu estava sereno e claro, ouviu- se o som de uma trombeta, tão
estridente, agudo e triste, que encheu o mundo de espanto e assombro. Os sábios da
Toscana disseram que era o presságio de uma nova raça de homens e de uma renovação do
mundo; pois afirmavam que havia oito classes distintas de homens, diferindo todas por sua
vida e seus costumes; e que o céu assinara a cada classe um período de tempo limitado
355
pela duração do grande ano (25.868 anos]." (12)
Tais palavras fazem lembrar as nossas Sete Raças humanas, e a oitava, o "homem-
animal", descendente da última Terceira Raça, assim como as sucessivas submersões e
destruições dos continentes, que fizeram desaparecer quase por completo esta Raça. Diz
Jâmbilo:
"Os assírios não somente conservaram os anais de suas vinte e sete miríades de anos
[270.000 anos], conforme certifica Hiparo, mas também os de todas as apocatástases e
períodos dos Sete Regentes do Mundo." (13)
"Xenofonte, que não era um homem comum, falando de Ciro, conta... que no
momento de sua morte ele agradeceu aos Deuses e aos heróis por haverem-no instruído
tantas vezes sobre os signos do céu, e\n ourani/oi∫ shmei/oi∫." (17)
A não ser admitindo que a ciência do Zodíaco vem da mais remota antiguidade, como
se poderia explicar a universidade de seus signos, que se encontram nas mais antigas
Teogonias? Conta-se que Laplace foi tomado de assombro ao ter conhecimento de que os
dias de Mercúrio (Miercoles), Vênus (Viernes), Júpiter (Jueves), de Saturno (Sábado) e
outros se relacionavam com os dias da semana, na Índia, com os mesmos nomes e na
mesma ordem que no Norte da Europa.
"Tentai, se possível, com o atual sistema de civilizações autóctones, tão em voga nos
nossos dias, explicar como nações sem linhagem, tradições ou origem comuns, chegaram a
inventar uma espécie de fantasmagoria celeste, um verdadeiro imbroglio de denominações
siderais, sem ordem nem objetivo, sem nenhuma relação figurativa com as constelações
357
que representam, e, ao que parece, ainda menos com as fases de nossa vida terrestre, cuja
significação se lhes atribui." (18)
Não haveria, no fundo de tudo isso, uma intenção geral, assim como uma causa e
uma crença universais? Dupuis expressou a mesma verdade, quando afirmou:
Está certo; o acaso é impossível. Nada existe por "acaso" na Natureza, onde todas as
coisas estão matematicamente coordenadas e inter-relacionadas em suas unidades. Diz
Coleridge:
"O caso não é senão um pseudônimo de Deus [ou da Natureza] para aqueles casos
particulares em que Ele não deseja assinar abertamente com a sua própria firma manual."
Substitua-se a palavra "Deus" por Carma, e ter-se-á um axioma oriental. Por isso, as
"profecias" siderais do Zodíaco, assim chamadas pelos cristãos místicos, nunca se referem a
um acontecimento particular, por mais sagrado e solene que seja para uma parte da
humanidade, mas a leis periódicas, que se repetem sempre na Natureza e são
compreendidas somente pelos Iniciados dos próprios Deuses Siderais.
Nenhum ocultista ou astrólogo do Oriente estaria jamais de acordo com os místicos
cristãos, nem mesmo com a astronomia mística de Kepler, a despeito de sua profunda
ciência e erudição; e isso porque, se as suas premissas estão de todo corretas, as suas
deduções são apenas parciais e se apresentam torcidas pelos preconceitos cristãos. Onde
Kepler vê uma profecia diretamente relacionada com o Salvador, outros veem o símbolo de
uma lei eterna, decretada para o Manvantara atual. Por que ver em Piseis uma referência
direta a Cristo - que é um dos vários reformadores do mundo, e um Salvador para os seus
partidários, mas somente um glorioso e grande Iniciado para muitos outros -, quando essa
constelação brilha como um símbolo de todos os Salvadores Espirituais passados, presentes
e futuros, que esparzem a luz e dissipam as trevas mentais? Os simbologistas cristãos têm
procurado provar que o signo pertencia a Efraim, filho de José, o eleito de Jacob, e que,
portanto, era no momento da entrada do Sol no signo de Piseis que devia nascer o "Messias
Eleito", o ’Ixqo\∫ dos primeiros cristãos. Mas, se Jesus de Nazaré foi o Messias, teria ele
realmente nascido naquele "momento", ou foi a hora do seu nascimento assim fixada pelos
teólogos, que simplesmente cuidavam de ajustar suas ideias preconcebidas aos fatos
siderais e à crença popular? Todo mundo sabe que a hora e a data do nascimento de Jesus
são completamente desconhecidas. E os judeus - cujos antepassados deram à palavra Dag o
duplo significado de "Peixe" e de "Messias", durante o desenvolvimento forçado de sua
358
língua rabínica - são os primeiros a impugnar aquela pretensão dos cristãos. E que diremos
da circunstância de associarem os brâmanes o seu "Messias", o eterno Vishnu-Avatar, a um
Peixe e ao Dilúvio, e de fazerem os babilônios também um Peixe e um Messias do seu, Dag-
On, o Homem-Peixe e Profeta? ,
Entre os egiptólogos há sábios iconoclastas que dizem que,
"Quando os fariseus pediram um "sinal do céu", Jesus respondeu: 'Nenhum sinal será
dado... , exceto o sinal do profeta Jonas' (Mateus, XVI, 4)... O sinal de Jonas é o de Oan ou
Homem Peixe de Ninive... Seguramente, não havia outro signo além deste, o do Sol que
voltava a nascer em Piseis. A voz da Sabedoria Secreta diz que os que pedem sinais não
podem ter outro senão o da volta do Homem-Peixe, Ichtys, Oannes ou Jonas - que não
podia ser feito carne."
Parece que Kepler sustentava como fato positivo que, no momento da “encarnação",
todos os planetas estavam em conjunção no signo de Pisces, chamado pelos cabalistas
judeus a "constelação do Messias". Kepler asseverava que
Semelhante afirmação, citada por De Mirville, que a transladou do Dr. Sepp (20),
animou o primeiro a fazer a seguinte observação:
"Todas as tradições judias, enquanto anunciavam essa estrela, que muitas nações
viram [!] (21), acrescentavam que ela absorveria os setenta planetas que presidem ao
destino de várias nações do globo (22). 'Em virtude dessas profecias naturais' - diz o Dr.
Sepp - 'estava escrito nas estrelas do firmamento que o Messias nasceria no ano lunar do
mundo 4.320, naquele ano memorável em que todo o coro dos planetas celebraria o seu
jubileu'." (23)
No começo deste século (XIX), reclamava-se, com verdadeiro furor, a devolução pelos
hindus do suposto roubo que teriam cometido contra os judeus, tomando-lhes os seus
"Deuses", os seus Patriarcas e a sua cronologia. Wilford reconheceu Noé em Prithu e em
Satyavrata, Enos em Dhruva, e até Asur em Ishvara. Depois de terem residido tantos anos
na Índia, alguns orientalistas deviam, pelo menos, saber que os brâmanes não eram os
únicos que possuíam aquelas figuras ou que haviam dividido sua Grande Idade em quatro
idades menores. Não obstante, alguns escritores, em Asiatic Researches, se entregaram às
mais extravagantes especulações. S. A. Mackey, o "filósofo, astrônomo e sapateiro" de
Norwich, observa mui judiciosamente:
359
"Os teólogos cristãos julgam de seu dever escrever contra os longos períodos da
cronologia indiana, o que, por parte deles, ainda seria perdoável; mas, quando um homem
de saber crucifica os nomes e os números dos antigos, e os retorce e falseia para amoldá-
los a um sentido por completo estranho à intenção dos antigos autores, de modo que,
assim mutilados, se ajustem ao nascimento de algum mito preexistente no seu próprio
cérebro, com tanta exatidão que ele se imagina maravilhado com a descoberta, então já
não creio que seja tão perdoável." (24)
Essas palavras eram endereçadas ao Capitão (mais tarde Coronel) Wilford, mas
podem aplicar-se a mais de um de nossos modernos orientalistas. O Coronel Wilford foi o
primeiro a levar a extremos suas infelizes especulações sobre a cronologia hindu e os
Purânas, estabelecendo uma relação entre os 4.320.000.000 anos e a cronologia bíblica,
mediante o simples processo de reduzir aquelas cifras a 4.320 anos - o suposto ano lunar da
Natividade. O Dr. Sepp limitou-se a plagiar a ideia daquele bravo oficial; e, ademais, incidiu
em considerar as cifras como propriedade dos judeus e como profecia cristã, acusando
assim os Arianos de se haverem apropriado da revelação semítica, quando se deu
precisamente o contrário. Os judeus, por outra parte, não devem ser acusados de copiar
diretamente os hindus, cujos algarismos provavelmente Ezra nem conhecia. É evidente e
inegável que os haviam tomado dos caldeus, juntamente com os Deuses destes.
Converteram os 432.000 anos das Dinastias Divinas caldéias 25 em 4.320 anos lunares
desde a criação do mundo até a Era Cristã; e, quanto aos Deuses babilônicos e egípcios, eles
os transformaram, modesta e tranquilamente, em Patriarcas. Todas as nações foram mais
ou menos responsáveis por semelhante transformação e adaptação de um Panteão -
outrora comum a todas elas - de Deuses e Heróis universais em Deuses e Heróis nacionais e
de tribos. A veste nova que lhe deu o Pentateuco era propriedade exclusiva dos judeus, que
jamais procuraram impô-la a outra nação, e muito menos aos europeus.
Sem nos determos mais que o necessário no exame dessa cronologia tão pouco
científica, podemos, contudo, aduzir algumas observações, que sem dúvida hão de parecer
pertinentes. Os 4.320 anos lunares do mundo - a Bíblia adota os anos solares - não são,
como tais, imaginários, ainda que haja completo erro em sua aplicação; porque são o eco
deformado da doutrina esotérica primitiva, e da doutrina bramânica, menos antiga, a
respeito dos Yugas. Um dia de Brahma equivale a 4.320.000 de anos, como também uma
Noite de Brahma, ou seja, a duração de um Pralaya, depois do qual um novo "sol" se
levanta triunfalmente sobre um novo Manvantara, para a Cadeia Setenária que ele ilumina.
A doutrina havia penetrado na Palestina e na Europa, séculos antes da Era Cristã (26), e
nela se inspirou o pequeno Ciclo dos judeus mosaicos, embora este Ciclo só viesse a ter sua
expressão completa com os cronólogos cristãos da Bíblia, que o adotaram, juntamente com
o 25 de dezembro, dia em que se dizia haverem encarnado todos os Deuses solares. Que
há, pois, de admirar que se fizesse nascer o Messias no "ano lunar do mundo 4.320"? O "Sol
de justiça e de Salvação" erguera-se mais uma vez e dissipara as trevas "pralaycas" do Caos
e do Não-Ser sobre o plano de nosso pequeno Globo objetivo e de nossa Cadeia. Uma vez
determinado o objeto da adoração, fácil era fazer com que os supostos fatos do seu
360
nascimento, vida e morte se ajustassem às necessidades zodiacais e às antigas tradições,
ainda que estas houvessem que ser algo afeiçoadas ao caso.
Compreende-se, deste modo, o que disse Kepler, como grande astrônomo.
Reconheceu ele a grande e universal importância de todas as conjunções planetárias, "cada
uma das quais" - como muito bem declarou - "é um ano climatérico da Humanidade" (27).
A rara conjunção de Saturno, Júpiter e Marte tem seu significado e importância, por causa
das especiais repercussões que provoca na Índia e na China, como também na Europa, para
os místicos desses países. Quanto a sustentar que a Natureza não tinha em mira senão o
Cristo, quando construiu suas constelações fantásticas e sem significação (para os
profanos), isso agora não passa de uma simples suposição. Se se pretender que não foi o
acaso que levou os antigos arquitetos do Zodíaco, há milhares de anos, a marcar a figura do
Touro com a letra a, dizendo apenas, para provar que era uma alusão profética ao Verbo de
Cristo, que o aleph do Touro significa o "UNO" e o "PRIMEIRO", e que o Cristo era
também o alfa ou o "UNO", poder-se-á então demonstrar que semelhante "prova" se
invalida estranhamente por mais de uma maneira. Em primeiro lugar, o Zodíaco já existia
antes da Era Cristã; demais, todos os Deuses solares - Osíris por exemplo - haviam sido
associados misticamente à constelação do Touro, sendo cada um deles chamado o
"Primeiro" por seus adoradores. Além disso, os compiladores dos epítetos místicos
acrescentados ao nome do Salvador cristão estavam todos mais ou menos familiarizados
com a significação dos signos do Zodíaco; e é mais fácil supor que as suas afirmações
tivessem sido ajustadas para concordar com os signos místicos, que admitir houvessem
estes resplandecido durante milhões de anos como uma profecia para uma parcela da
Humanidade, sem levar em conta as inumeráveis gerações precedentes nem as que deviam
nascer depois.
Dizem-nos:
"Não foi o simples acaso que, em certas esferas, colocou sobre um tronco a cabeça
desse touro [Taurus] para afugentar o dragão com a cruz ansata; devemos saber que esta
constelação de Taurus foi chamada 'a grande cidade de Deus e a mãe das revelações', e
também 'a intérprete da voz divina', o Apis Pacis de Hermontis no Egito, que [como os
sacerdotes patrísticos quiseram afirmar ao mundo] teria proferido oráculos que se referiam
ao nascimento do Salvador." (28)
"Esta é a razão por que a Virgem Durgâ não é o simples momento de um fato
astronômico, mas realmente a mais antiga divindade do Olímpico indiano. Evidentemente é
ela a mesma cuja volta era anunciada em todos os livros sibilinos - fonte da inspiração de
Vergílio -, uma época de renovação universal... E como os nomes dos meses são ainda hoje
tirados desse Zodíaco solar indiano pela população que fala o malaiala [na Índia
meridional], por que este mesmo povo teria abandonado o seu Zodíaco para tornar o dos
gregos? Tudo demonstra, pelo contrário, que tais figuras zodiacais foram transmitidas aos
gregos pelos caldeus, que as obtiveram dos brâmanes." (30)
362
"Os astrônomos anteriores a 1491 são: primeiramente, os gregos de Alexandria -
Hiparco, que floresceu 125 anos antes de nossa era, e Ptolomeu, 260 anos depois de
Hiparco; seguem-se os árabes, que fizeram reviver a astronomia durante o século IX;
depois, os persas e os tártaros, a quem devemos as tábuas de Nassireddin em 1269, e as de
Ulug-beg em 1437. Tal é a sucessão, na Ásia, dos acontecimentos conhecidos
anteriormente à época indiana de 1491. Que é, pois, uma época? É a observação da
longitude de uma estrela num dado momento, do lugar em que foi vista no céu, observação
que serve de ponto de referência, de ponto de partida para o cálculo das posições,
passadas e futuras, da estrela, segundo o estudo dos seus movimentos. Mas uma época só
pode ter utilidade se o movimento da estrela houver sido determinado. Qualquer povo que
esteja iniciando os primeiros passos na ciência, sendo obrigado a importar uma astronomia
do estrangeiro, não encontrará dificuldade em fixar uma época, pois que a única
observação necessária pode ser feita seja em que momento for. Terá, porém, que pedir
alhures aqueles elementos que dependem de uma observação exata e que requerem
observações continuadas, sobretudo os movimentos que dependem do tempo e que só
podem ser obtidos com precisão após séculos de observação. Há que buscar, portanto, a
indicação desses movimentos em outras nações que tenham feito tais observações e conte,
no seu passado, séculos de labor. Chegamos, assim, à conclusão de que um povo novo não
recorrerá às épocas de outro povo antigo sem tomar também, para elas, os 'movimentos
médios'. Partindo deste princípio, veremos que as épocas hindus de 1491 e 3102 não
podiam ter sido derivadas das de Ptolomeu ou de Ulug-beg.
Resta a suposição de que os hindus, comparando suas observações de 1491 com as
feitas anteriormente por Ulug-beg e Ptolomeu, usassem os intervalos entre essas
observações para determinar os movimentos médios. A data de Ulug-beg é demasiado
recente para semelhante determinação, enquanto que as datas de Ptolomeu e Hiparco
apenas eram suficientes para isso. Mas, se os movimentos dos hindus houvessem sido
determinados por tais comparações, as épocas estariam relacionadas entre si. Partindo das
épocas de Ulug-beg e de Ptolomeu, chegaríamos a todas as dos hindus. Donde se vê que as
épocas estrangeiras ou não eram conhecidas dos hindus ou lhes foram inúteis (33).
A isso podemos acrescentar outra consideração importante. Quando uma nação se
vê obrigada a pedir a seus vizinhos os métodos ou os movimentos médios de suas tábuas
astronômicas, muito mais necessidade terá de lhes pedir, além disso, o conhecimento das
desigualdades dos movimentos dos corpos celestes, os movimentos dos apogeus, dos
nodos e da inclinação da elíptica; em suma, todos os elementos cuja determinação requer a
arte de observar, o emprego de certos instrumentos e uma grande habilidade. Todos esses
elementos astronômicos, que diferem mais ou menos entre os gregos de Alexandria, os
árabes, os persas e os tártaros, não apresentam semelhança alguma com os dos hindus.
Estes últimos, por conseguinte, nada importaram de seus vizinhos.
Se os indianos não obtiveram de outros a sua época, deviam ter uma época própria e
verdadeira, baseada em suas observações diretas; e seria ou a época do ano de 1491 de
nossa era ou do ano de 3102 antes de Cristo, precedendo esta última em 4592 anos a de
1491. Temos que escolher entre as duas épocas e decidir qual delas está baseada na
observação. Mas, antes de expor os argumentos que podem e devem solucionar a questão,
363
permitimo-nos tecer algumas considerações para os que estejam inclinados a crer que
foram as observações e os cálculos modernos que permitiram aos hindus determinarem as
posições passadas dos corpos celestes. Nada tem de fácil a determinação dos movimentos
celestes com precisão suficiente que possibilite retroceder no curso do tempo durante
4592 anos e descrever os fenômenos que devem ter ocorrido ao longo desse período.
Possuímos hoje excelentes instrumentos; durante dois ou três séculos, fizeram-se
observações exatas que já nos permitem calcular com notável precisão os movimentos
médios dos planetas; dispomos das observações dos caldeus, de Hiparco e de Ptolomeu, as
quais, dada a época recuada a que se referem, nos facilitam a fixação desses movimentos
com maior certeza. Apesar disso, não podemos apresentar com exatidão invariável as
observações referentes ao largo período transcorrido desde os caldeus até nós; e ainda
menos determinar com precisão os acontecimentos que se passaram há 4592 anos. Cassini
e Maier determinaram, separadamente, o movimento secular da lua, havendo uma
diferença de 3' 43" entre os seus resultados. Tal diferença daria lugar, no fim de quarenta e
seis séculos, a uma inexatidão de três graus na posição da lua. Um dos dois cálculos é, sem
dúvida, mais exato que o outro, e às observações de maior antiguidade cabe decidir entre
eles. Em se tratando, porém, de períodos muito remotos, em que faltam observações, é de
ver que permanecemos na incerteza quanto aos fenômenos. Como, pois, teria sido possível
aos hindus fazerem recuar os seus cálculos desde o ano 1941 de nossa era até o ano 3102
antes de Cristo, se fossem meros principiantes no estudo .da Astronomia?
Os orientais nunca foram o que nós somos. Por mais elevado que seja o conceito que
possamos fazer de seus conhecimentos pelo exame de sua Astronomia, jamais pudemos
imaginar que houvessem possuído os numerosos instrumentos que caracterizam os nossos
modernos observatórios, frutos do progresso simultâneo em várias artes; nem que fossem
dotados deste gênio das descobertas e invenções, que pareciam, até agora, pertencer
exclusivamente à Europa, e que, Suprimindo o tempo, produz o rápido desenvolvimento da
ciência e da inteligência humana. Se os asiáticos se têm mostrado fortes, instruídos e
sábios, é ao poder e ao tempo que devem os seus méritos e êxitos de toda espécie. O poder
fundou ou destruiu os seus impérios; ora levantou edifícios imponentes por sua massa, ora
os converteu em ruínas veneráveis; e, enquanto se sucediam estas alternativas, a paciência
ia acumulando o conhecimento, e a experiência continuada produzia a sabedoria. Foi a
antiguidade das nações do Oriente que edificou a sua reputação científica.
Se os hindus dispunham em 1491 de um conhecimento dos movimentos celestes
suficientemente exato que lhes permitisse remontar os seus cálculos a 4592 anos antes de
nossa era, só podiam tê-lo obtido por meio de observações muito antigas, Reconhecer-lhes
tal conhecimento, negando as observações de que ele resulta, é enunciar uma
impossibilidade; equivaleria a supor que, no início de sua trajetória, haviam já colhido os
frutos do tempo e da experiência. Por outra parte, se for tida como real a sua época de
3102, teremos então que os hindus acompanharam pari passu os sucessivos séculos até o
ano de 1491 de nossa era. Deste modo, o seu mestre terá sido o próprio Tempo: eles
conheceram os movimentos celestes durante aqueles períodos, porque os haviam
observado; e a antiguidade do povo hindu sobre a terra é a razão da fidelidade dos seus
anais e da exatidão dos seus cálculos.
364
Pode parecer que o problema sobre qual das duas épocas é a verdadeira, 3102 ou
1491, devia resolver-se por uma consideração, a saber: a de que os antigos em geral e os
hindus em particular, como se pode ver pela ordenação de suas tábuas, tão somente
calculavam, e por conseguinte observavam, os eclipses. Ora, não houve eclipse algum do
Sol no momento da época de 1941, e tampouco eclipse algum da Lua nos quatorze dias
antes ou depois daquele momento. Portanto, a época de 1491 não estaria baseada em
nenhuma observação.
Quando á época de 3102, os brâmanes de Tirvalur a situam no momento em que o
Sol nasceu no dia 18 de fevereiro. O Sol estava então no primeiro ponto do Zodíaco, de
acordo com a sua verdadeira longitude. As outras tábuas mostram que na meia-noite
precedente a Lua ocupava o mesmo lugar, mas de acordo com a sua longitude média.
Também dizem os brâmanes que esse primeiro ponto, origem do seu Zodíaco, estava, no
ano 3102, 54 graus atrás do equinócio. Donde se conclui que a origem - o primeiro ponto
do seu Zodíaco - se achava no sexto grau de Aquário.
Ocorreu, assim, nessa ocasião e nesse lugar, uma conjunção média, que está
efetivamente indicada em nossas melhores tábuas: as de La Caille para o Sol, e as de Maier
para a Lua. Não houve eclipse do Sol, porque a Lua estava demasiado longe do seu nodo;
mas, quatorze dias depois, tendo a Lua se aproximado do nado, deve ter havido eclipse. As
tábuas de Maier, usadas sem a correção por motivo da aceleração, acusam esse eclipse,
mas durante o dia, quando ele não podia ser observado na Índia. As tábuas de Cassini o
apresentam durante a noite, demonstrando isto que os movimentos de Maier são
demasiado rápidos para séculos longínquos, em que não se leva em conta a aceleração, e
provando também que, apesar do progresso dos nossos conhecimentos, podemos ainda
ficar em incerteza quanto ao real aspecto dos céus em tempos passados.
Cremos, por isso, que das duas épocas hindus a verdadeira é a do ano 3102, porque
foi acompanhada de um eclipse que pôde ser observado, e que deve ter servido para
determiná-la. Esta é uma primeira prova da exatidão da longitude atribuída pelos hindus ao
Sol e à Lua nesse instante; e tal prova seria talvez suficiente se aquela antiga determinação
não se revestisse da mais alta importância para a verificação dos movimentos desses
corpos, devendo, portanto, ter a sua autenticidade comprovada por todos os meios
possíveis.
Observamos: 1.° Que os hindus parece terem juntado e combinado duas épocas
dentro do ano 3102. Os brâmanes de Tirvalur contam a origem desde o primeiro momento
do Kali Yuga; mas têm uma segunda época, que situam 2 dias, 3 horas, 32' 30" mais tarde.
Esta última é a verdadeira época astronômica, ao passo que a outra parece ser uma era
civil. Mas, se aquela época do Kali Yuga não tivesse realidade, e não passasse de mero
resultado de um cálculo, por que haveria de estar dividida desse modo? A época
astronômica calculada estaria convertida na de Kali Yuga, colocando-se esta na conjunção
do Sol e da Lua, como sucede com a época das outras três tábuas. Deve ter havido algum
motivo para que eles fizessem uma distinção entre as duas, e esta razão só pode ser
atribuída às circunstâncias e ao tempo da época: não podia ser o resultado de um cálculo.
Não é tudo. Se tomarmos como ponto de partida a época solar determinada pelo
nascimento do Sol a 18 de fevereiro de 3102, e retrocedermos de 2 dias, 3 horas, 32
365
minutos e 30 segundos os acontecimentos, chegaremos às 2 horas, 27 minutos e 30
segundos da manhã de 16 de fevereiro, que é o Instante em que principiou o Kali Yuga. É
curioso que não se tenha feito começar o ciclo em uma das quatro grandes divisões do dia.
Poder-se-ia supor que a época houvesse sido determinada pelo instante da meia-noite, e
que as 2 horas 27' 30" representassem uma correção meridiana. Mas, qualquer que fosse a
razão por que se fixou este momento, claro é que, se a época resultasse de um cálculo,
teria sido igualmente fácil situá-la à meia-noite, de maneira que correspondesse a uma das
principais divisões do dia, em vez de o fazer no momento fixado pela fração de um dia.
2.° Os hindus afirmam que havia no primeiro momento do Kali Yuga uma conjunção
de todos os planetas; e suas tábuas indicam essas conjunção, ao passo que as nossas
mostram que ela realmente podia ter ocorrido. Júpiter e Mercúrio se achavam exatamente
no mesmo grau da eclíptica, enquanto Marte estava à distância de 8.°, e Saturno à de 17.°.
Donde se deduz que, por esse tempo, ou uns quinze dias após o começo do Kali Yuga, à
medida que o Sol se adiantava no Zodíaco, os hindus viram surgir quatro planetas
sucessivamente dos raios solares: primeiro Saturno, seguindo-se Marte, depois Júpiter e
Mercúrio; e estes planetas apareciam como que reunidos em um espaço bastante reduzido.
Embora Vênus não estivesse entre eles, a inclinação para o maravilhoso fez com que se
dissesse que era uma conjunção de todos os planetas. Aqui o testemunho dos brâmanes
coincide com o de nossas tábuas; e esta evidência, fruto de uma tradição, deve estar
baseada em observações reais.
3.° Tal fenômeno, podemos, acrescentar, foi visível mais ou menos quinze dias antes
e depois da época, e exatamente no momento em que devia ter-se observado o eclipse da
Lua que serviu para fixá-la. As duas observações se confirmam mutuamente, e quem fez
uma deve também ter feito a outra.
4.° Temos ainda razões para crer que os hindus determinaram ao mesmo tempo o
lugar do nodo da Lua; é o que parecem indicar os seus cálculos. Dão eles a longitude desse
ponto da órbita lunar no momento da sua época, e a ela acrescentam uma constante de
40', que corresponde ao movimento do nodo em 12 dias e 14 horas. É como se
declarassem que esta determinação havia sido feita treze dias depois de sua época, e que, a
fim de ajustá-la com esta, ternos que acrescentar os 40' em que o nodo retrogradou no
intervalo. Tem esta observação, portanto, a mesma data que a do eclipse lunar - o que nos
proporciona três observações que se confirmam mutuamente.
5.° Pela descrição do Zodíaco hindu feita por M. C. Gentil, as posições que ali ocupam
as estrelas chamadas o Olho do Touro, e a Espiga da Virgem parece que podem ser
determinadas pelo início do Kali Yuga. Ora, comparando essas posições com as atuais,
reduzidas por nossa precessão dos equinócios ao momento de que se trata, vemos que o
ponto de origem do Zodíaco hindu deve situar-se entre o quinto e o sexto grau do Aquário.
Os brâmanes tinham, portanto, razão em colocar esse ponto no sexto grau do citado signo,
tanto mais que esta pequena diferença pode ser devida ao movimento próprio das estrelas,
que é desconhecido. De modo que foi também outra observação que permitiu aos hindus
determinar com tão satisfatória exatidão o primeiro ponto do seu Zodíaco móvel.
Não parece possível duvidas da existência, na antiguidade, de observações dessa
data. Dizem os persas que quatro belíssimas estrelas foram colocadas como guardiãs nos
366
quatro cantos do mundo. Ora, acontece que, ao iniciar-se o Kali Yuga, 3000 ou 3100 anos
antes de nossa era, o Olho do Touro e o Coração do Escorpião se achavam exatamente nos
pontos equinociais, enquanto que o Coração do Leão e o Peixe Austral estavam bem
próximos dos pontos solsticiais. Também pertence ao ano 3000 antes de nossa era a
observação referente ao nascimento das Plêiades pela tarde, sete dias antes do equinócio
outonal. Esta e outras observações semelhantes se acham reunidas nos calendários de
Ptolomeu, embora sem nomear os seus autores; e, sendo mais antigas que as dos caldeus,
bem que podem ser obra dos hindus. Conhecem estes perfeitamente a constelação das
Plêiades, que chamamos vulgarmente de "Gaiola" e eles denominam Pillâlu-kodi (34), a
"Galinha e seus pintinhos". Este nome passou de um a outro povo, e veio das mais antigas
nações da Ásia. Vemos que os hindus devem ter observado a saída das Plêiades, utilizando-
a para regular os seus anos e os seus meses, pois esta constelação é também chamada
Krittikâ, Igual nome tem, efetivamente, um de seus meses, e semelhante coincidência não
pode ser atribuída senão à circunstância de que esse mês era anunciado pelo nascer ou o
pôr da aludida constelação.
Mas o que demonstra de modo ainda mais decisivo que os hindus observavam as
estrelas, tal como nós hoje o fazemos, indicando-lhe a posição por sua longitude, é o fato,
assinalado por Augustinus Riccius, de que, segundo observações atribuídas a Hermes e
feitas 1985 anos antes de Ptolomeu, a estrela brilhante da Lira e a do Coração da Hidra
estavam, ambas, sete graus adiante das respectivas posições assinadas por Ptolomeu. Esta
observação tem muito de extraordinário. As estrelas adiantam-se regularmente em relação
aos equinócios, e Ptolomeu deve ter encontrado longitudes superiores em 28 graus às que
havia 1985 anos antes do seu tempo. Por outro lado, existe uma particularidade notável: o
mesmo erro ou diferença se observa na posição das duas estrelas; o erro foi, portanto,
devido a uma causa que interferiu igualmente em ambas as estrelas. Para explicar tal
particularidade, imaginou o árabe Thebith que as estrelas possuíam um movimento
oscilatório, que as fazia avançar e retroceder alternativamente. A improcedência da
hipótese foi logo facilmente evidenciada; mas as observações atribuídas a Hermes ficaram
sem explicação. Não obstante, a explicação se encontra na Astronomia hindu. Na data a
que se referem essas observações, 1985 anos antes de Ptolomeu, o primeiro ponto do
Zodíaco hindu estava 35 graus adiante do equinócio; e portanto as longitudes computadas
para este ponto eram superiores em 35 graus às computadas para o equinócio. Mas, depois
de um período de 1985 anos, tendo as estrelas avançado 28 graus, não devia restar senão
uma diferença de 7 graus entre as longitudes de Hermes e as de Ptolomeu; e a diferença
seria a mesma para as duas estrelas, por ser devida à diferença entre o ponto de partida do
Zodíaco hindu e o de Ptolomeu, que começou a contar do equinócio. A explicação é tão
simples e natural, que não pode deixar de ser verdadeira.
Não sabemos se Hermes, tão celebrado na antiguidade, era indiano; mas vemos que
as observações a ele atribuídas estão computadas à maneira indiana, e por isso deduzimos
que foram feitas pelos hindus, a quem, portanto, não faltava capacidade para levar a efeito
todas as observações a que nos ternos referido e que encontramos anotadas em suas
tábuas.
6.° A observação do ano 3102, que parece ter fixado a época dos hindus, não era
367
difícil. Vemos que eles, depois de determinarem o movimento diário da Lua de 13° 10' 35",
o empregaram para dividir o Zodíaco em 27 constelações, relacionadas com o período da
Lua, pois este astro leva vinte e sete dias para percorrê-lo.
Com esse método, determinaram as posições das estrelas no Zodíaco; e assim
descobriram que certa estrela da Lira estava em 8ˢ 24°, e o Coração da Lira em 4ˢ 7° -
longitudes (35) que se atribuem a Hermes, mas que estão calculadas sobre o Zodíaco
hindu. Descobriram também que a Espiga da Virgem forma o começo de sua décima quinta
constelação, e o Olho do Touro o final da quarta; estando uma dessas estrelas em 6ˢ 6° 40',
e a outra em 1ˢ 23° 20' do Zodíaco hindu. Sendo assim, o eclipse da Lua, que se deu quinze
dias depois da época do Kali Yuga, ocorreu em um ponto situado entre a Espiga da Virgem e
a estrela q da mesma constelação. Essas estrelas formam quase uma constelação distinta,
principiando uma a décima quinta, e a outra a décima sexta. Não era, portanto, difícil
determinar a posição da Lua, medindo a distância que a separava de uma dessas estrelas;
desta posição, deduzir a do Sol, oposta à da Lua; e depois, conhecendo seus movimentos
médios, calcular que a Lua se achava no primeiro ponto do Zodíaco, segundo a sua
longitude média, à meia-noite de 17-18 de fevereiro do ano 3102 antes de nossa era, e que
o Sol ocupava o mesmo lugar seis horas mais tarde, segundo a sua verdadeira longitude;
acontecimento que fixa o início do ano hindu.
7.° Dizem os hindus que 20.400 anos antes da idade do Kali Yuga o primeiro ponto do
seu Zodíaco coincidia com o equinócio da primavera, e que o Sol e a Lua se achavam ali em
conjunção. Essa época evidentemente é fictícia (36); mas podemos perguntar: de que
ponto, de que época partiram os hindus para estabelecer o seu Zodíaco? Tomando os
valores hindus para a revolução do Sol e da Lua, isto é, 365 dias, 6 horas 12' 30", e 27 dias, 7
horas 43' 13", temos:
Tal é o resultado que se obtém partindo da época do Kali Yuga; e a afirmação dos
hindus, de que houve uma conjunção naquela ocasião, está baseada em suas tábuas; mas
se, usando os mesmos elementos, tomarmos como ponto de partida a era do ano 1491, ou
outra situada no ano 1282, da qual trataremos mais adiante, haverá sempre uma diferença
de um ou dois dias. É ao mesmo tempo justo e natural que na verificação dos cálculos
hindus se tomem aqueles dos seus elementos que dão o mesmo resultado por eles obtido,
e que se adote como ponto de partida aquela de suas épocas que permita chegar-se à
época fictícia já mencionada. Consequentemente, uma vez que para fazer esse cálculo
devem ter partido de sua época real, a que se baseava na observação, e não em alguma
outra derivada da primeira por meio desse mesmo cálculo, conclui-se que a sua época real
foi a do ano 3102 antes de nossa era.
8.° Os brâmanes de Tirvalur dão o movimento da Lua como de 7ˢ 2° 0' 7" no Zodíaco
móvel, e de 9ˢ 7° 45' 1" em relação ao equinócio durante um grande período de
1.600.000.984 dias ou 4386 anos e 94 dias. Cremos que este movimento foi determinado
368
pela observação, e devemos desde logo declarar que tal período tem uma extensão que o
faz pouco apropriado para o cálculo dos movimentos médios.
Em seus cálculos astronômicos, utilizam os hindus períodos de 248, 3031 e 12.372
dias; mas estes períodos, apesar de muito curtos, não oferecem os inconvenientes do
primeiro, e correspondem a um número exato de revoluções da Lua, relacionadas ao seu
apogeu. São, na realidade, movimentos médios. O grande período de 1.600.984 dias não
representa a soma de um certo número de revoluções; não há razão para que se tomem
1.600.984 dias de preferência a 1.600.985. Parece que só a observação deve ter influído
para fixar o número de dias e marcar o começo e o fim do período. Este período termina a
21 de maio de 1282 de nossa era, às 5 horas, 15 minutos e 30 segundos de Benares. A Lua
estava então em seu apogeu, e sua longitude era, segundo os hindus:
A determinação da posição da Lua pelos brâmanes, como se vê, só difere da nossa por
nove minutos, e a do apogeu por vinte e dois minutos; e é evidente que só pela observação
teriam chegado a um resultado tão conforme ao registrado em nossas melhores tábuas, e
obtido essa exatidão nas posições celestes. Se foi, portanto, a observação que fixou o termo
do período, tudo faz crer que também lhe determinou o começo. Mas então esse
movimento, determinado diretamente, e tomado da Natureza, deveria necessariamente
guardar inteira conformidade com os verdadeiros movimentos dos corpos celestes.
E, com efeito, o movimento hindu durante esse longo período de 4883 anos não difere
nem um minuto do de Cassini, e está igualmente de acordo com o de Maier. Assim, dois
povos, os indianos e os europeus, localizados nos dois extremos do mundo, e talvez
distanciados também por suas instituições, obtiveram precisamente os mesmos resultados
no tocante aos movimentos da Lua, acordo que seria inconcebível se os seus cálculos não
estivessem baseados na observação e na imitação mútua da Natureza. Devemos observar
que as tábuas hindus, em número de quatro, são todas cópias de uma só e mesma
Astronomia. Não se pode negar que as tábuas siamesas existiam em 1687, quando as
trouxe da Índia o Sr. De La Loubère. Naquele tempo não havia as tábuas de Cassini e de
Maier, de modo que os hindus estavam já de posse do movimento exato que nelas veio a
figurar, enquanto que nós ainda não o tínhamos (37). Impõe-se, portanto, admitir que a
exatidão do movimento hindu é resultado da observação. É ele exato em todo aquele
período de 4383 anos, porque foi tomado do próprio firmamento; e se, a observação
determinou o seu termo, também lhe deve ter fixado o início. É o período mais longo já
observado e de que há memória nos anais da Astronomia. Sua origem data da época do
ano 3102 antes de Cristo, e temos aí uma significativa prova da realidade dessa época."
(38)
369
Detivemos-nos em tão extensa transcrição de Bailly, por se tratar de um dos raros
homens de ciência que procuraram fazer justiça à Astronomia dos ários. Desde John Bentley
até o Sûrya-Siddhânta de Burgess, nenhum astrônomo se mostrou tão justo para com o povo
mais sábio da antiguidade. Por desfigurada e incompreendida que possa estar a Simbologia
hindu, não há um ocultista que deixe de reconhecer as verdades nela subjacentes, se
realmente sabe algo das Ciências Secretas; nem que despreze a interpretação metafísica e
mística dos hindus sobre o Zodíaco, ainda quando todas as plêiades das Sociedades Reais
de Astronomia se levantem em armas contra a demonstração matemática que eles
apresentam.
A descida e a ascensão da Mônada ou Alma não pode ser separada dos signos
zodiacais, e parece mais natural, no sentido da propriedade das coisas, crer na existência de
uma misteriosa simpatia entre a Alma metafísica e as brilhantes constelações, e na
influência destas sobre aquela, do que na absurda ideia de que os criadores do Céu e da
Terra hajam colocado nos céus os tipos de doze judeus viciosos. E se, como afirma o autor
de The Gnostics and their Remains, o objetivo de todas as escolas gnósticas e das escolas
platônicas posteriores
"era conciliar a fé antiga com a influência da teosofia budista, cuja essência mesma consistia
em não considerar os numerosos deuses da mitologia hindu senão como nomes dados às
Energias da Primeira Tríade, em seus sucessivos Avatares ou manifestações para o
homem",
onde melhor poderíamos investigar os traços dessas ideias teosóficas, inclusive a sua
origem, senão recorrendo à antiga sabedoria hindu? Repetimos: o Ocultismo arcaico
permaneceria incompreensível para todo o mundo, se cuidássemos de exprimi-lo por outro
modo que não pelos métodos mais familiares do Budismo e do Hinduísmo. Porque o
primeiro é a emanação do último; e ambos são filhos da mesma mãe: a Antiga Sabedoria
Lemuro-Atlante.
372
TÁBUA
Movimento médio Diferença do hindu
d. h. m. s. h. m. s.
Alfonso .......................................................... 9 7 2 47 - 0 42 14
Copérnico ...................................................... 9 6 2 13 - 1 42 48
Tycho ............................................................. 9 7 54 40 +0 9 39
Kepler ............................................................ 9 6 57 35 - 0 47 26
Longomontanus ............................................ 9 7 2 13 - 0 42 48
Bouillaud ....................................................... 9 6 48 8 - 0 58 53
Riccioli ........................................................... 9 7 53 57 + 0 8 56
Cassini ........................................................... 9 7 44 11 -0 0 50
Hindus ........................................................... 9 7 45 1
373
SEÇÃO XVII
RESUMO DA SITUAÇÃO
Tendo sido apresentados ao leitor os dois aspectos da questão, a ele cabe decidir se o
conjunto se mostra ou não favorável aos nossos pontos de vista. Se existe na Natureza algo
que se possa chamar um vácuo, deve este encontrar-se (segundo a lei física) nas mentes
dos incautos admiradores daqueles "luminares" da Ciência que passam o tempo destruindo
os ensinamentos uns dos outros. Se alguma vez teve aplicação a teoria de que "duas luzes
produzem obscuridade", tê-lo-á sido neste caso, em que uma metade dos "luminares"
impõe suas forças e "modos de movimento" à crença dos fiéis, e a outra metade lhes ignora
até mesmo a existência. "Éter, Matéria e Energia" - eis a sagrada trindade hipostática, os
três princípios do Deus verdadeiramente desconhecido da Ciência, que lhe dá o nome de
NATUREZA FÍSICA.
A Teologia é criticada e ridicularizada por crer na união de três pessoas em uma
Divindade superior - um só Deus quanto à substância, três pessoas quanto à individualidade.
E riem de nós por acreditarmos em doutrinas não provadas e improváveis, em Anjos e
Demônios, em Deuses e Espíritos. Com efeito, o que deu a vitória à Ciência sobre a Teologia
no grande "Conflito entre a Religião e a Ciência" foi precisamente o argumento de que nem
a identidade daquela substância nem a tríplice personalidade proclamada - depois de
concebidas, inventadas e elaboradas nas profundezas da consciência teológica - podiam ser
comprovadas por qualquer processo indutivo de raciocínio científico, e ainda menos pelo
testemunho dos nossos sentidos. A Religião tem que perecer - dizem - porque ensina
"mistérios". "O mistério é a negação do senso comum", e a Ciência o repele. Segundo o Sr.
Tyndall, a metafísica é uma "ficção", tal qual a poesia. O homem de ciência "nada aceita em
confiança", e rejeita tudo "o que não se prova", ao passo que o teólogo tudo admite "pela
fé cega". O teósofo e o ocultista, que em cada confiam, nem mesmo na Ciência exata, o
espiritista, que nega os dogmas, mas crê em espíritos e em influências invisíveis e
poderosas, são todos englobados no mesmo desprezo. Pois bem; o que nos resta a fazer é
examinar pela última vez se a Ciência exata não se comporta precisamente do mesmo
modo que a Teosofia, o Espiritismo e a Teologia.
Em um livro do Sr. S. Laing, Modem Science and Modem Thought, considerado como
obra mestra em ciência, e cujo autor, segundo artigo elogioso do Times, "expõe em termos
incisivos e admiráveis as imensas descobertas no campo da Ciência, e suas grandes vitórias
sobre as opiniões antigas, sempre que estas ousaram desafiar-lhe as conclusões", lemos o
seguinte:
374
nome da Ciência:
"O Éter, ainda não o conhecemos por nenhuma experiência que esteja ao alcance dos
nossos sentidos; mas é uma espécie de substância matemática que temos necessidade de
admitir a fim de podermos explicar os fenômenos da luz e do calor." (1)
E que é a Matéria? Tendes, a seu respeito, melhor informação que sobre aquele
"hipotético" agente, o Éter?
"Estritamente falando, é verdade que as pesquisas químcas nada nos podem dizer
diretamente sobre a composição da matéria viva, e... é igualmente verdade que nada
sabemos a respeito da composição de nenhum corpo [material], qualquer que seja." (2)
E a Energia? Com certeza podeis definir a terceira pessoa da Trindade do nosso Universo
Material? Podemos encontrar a resposta em qual. quer compêndio de Física:
Precisamente: é a natureza desta força impulsiva, desta vis viva, o que desejamos
conhecer. Que é?
"NÃO O SABEMOS" - tal é a resposta invariável. "É uma sombra vazia da minha
imaginação" - explica o Sr. Huxley em sua Physical Basis of Life.
De modo que todo o edifício da Ciência Moderna está construído sobre uma espécie
de "abstração matemática", sobre uma "Substância protéica que elude os sentidos" (Dubois
Reymond), e sobre efeitos, o fogo-fátuo opaco e ilusório de algo completamente
desconhecido e fora do alcance da Ciência. Átomos "que se movem por si mesmos!" Sóis,
Planetas e Estrelas dotados de automovimento! Mas, afinal, quem ou o que são eles, para
se moverem assim por conta própria? E por que, então, vós, os físicos, haveis de rir do
nosso "Arqueu de movimento próprio"? À Ciência repugna o mistério, que despreza, mas,
375
como disse com muita verdade o Padre Félix,
Subscrevemos as palavras do pregador francês, que foram por nós citadas em Ísis sem
Véu.
"Quem de vós, homens de ciência - pergunta ele - foi capaz de penetrar o segredo da
formação de um corpo, da geração de um só átomo? Que é que há, já não direi no centro
de um sol, mas no centro de um átomo? Quem sondou as profundezas do abismo de um
grão de areia? O grão de areia, senhores, foi estudado pela ciência durante milhares de
anos; ela o virou e revirou; ela o divide e subdivide; ela o atormenta com suas experiências,
e o cansa com suas perguntas, para lhe arrancar a última palavra acerca de sua constituição
secreta, e o interroga com insaciável curiosidade: - Será preciso dividir-te até ao infinito? E
logo, suspensa sobre esse abismo, a Ciência vacila, tropeça, sente-se ofuscada, preta de
vertigem, e em seu desespero exclama: NÃO SEI.
Se sois assim completamente ignorantes quanto à gênese e à natureza oculta de um
grão de areia, como vos será possível ter a intuição da origem de um único ser vivo? De
onde procede a vida deste ser? Onde começa? Que é o princípio da vida?" (4)
Negam os homens de ciência o fundamento desta crítica? Decerto que não; eis uma
confissão de Tyndall, que prova quão impotente é a Ciência, inclusive no mundo da
Matéria:
"A primeira combinação dos átomos, da qual depende toda ação subsequente,
desafia um poder mais penetrante que o do microscópio... Em razão mesmo de sua
complexidade excessiva, e muito antes que a observação possa ter voto na matéria, a
inteligência mais aguda, a imaginação mais sutil e disciplinada, retrocedem, confusas, ante
a contemplação do problema. Um assombro, que nenhum microscópio é capaz de impedir,
nos faz emudecer; e não só duvidamos do poder de nossos instrumentos, mas ainda nos.
perguntamos se nós próprios dispomos de elementos intelectuais que nos permitam chegar
um dia à compreensão das últimas energias estruturais da Natureza."
"No que respeita ao vácuo... considero que não existe, nunca existiu, nem jamais
existirá; pois todas as diferentes partes do Universo estão cheias, da mesma forma que
também a Terra está completa e cheia de corpos, com as suas diferenças qualitativas e
morfológicas; corpos que têm as suas espécies e os seus tamanhos; uns maiores, outros
menores, uns sólidos, outros tênues. Os maiores... são percebidos com facilidade; os
menores... são difíceis de perceber ou de todo invisíveis. Só sabemos de sua existência
pelas sensações que nos causam, e por isso muitas pessoas negam que tais entidades sejam
corpos, considerando-os como meros espaços (5); mas é impossível que haja tais espaços.
Porque se efetivamente houvesse algo fora do Universo... seria então um espaço ocupado
por seres inteligentes, semelhantes à sua divindade [a do Universo]... Quero referir-me aos
gênios, pois afirmo que moram conosco, e os heróis, que moram acima de nós, entre a
terra e a atmosfera superior, ali onde não há nuvens nem há tempestades." (6)
"Há muitas ordens de Deuses, e em todas existe uma parte inteligível. Não se deve
supor que eles não estejam ao alcance dos nossos sentidos; pelo contrário, nós os
percebemos ainda melhor do que as coisas chamadas visíveis... Há, pois, Deuses superiores
a todas as aparências; depois deles vêm os Deuses cujo princípio é espiritual; sendo
sensíveis estes Deuses, consoante a sua origem dupla, manifestam todas as coisas de um
modo sensível, cada um deles iluminando suas obras umas pelas outras (7). O Ser supremo
do céu, ou de tudo o que se compreende por este nome, é Zeus, pois é por meio do céu
que Zeus dá vida a todas as coisas. O Ser supremo do sol é a luz, pois é por meio do disco
solar que recebemos o benefício da luz. Os trinta e seis horóscopos das estrelas fixas têm
por Ser supremo ou Príncipe aquele cujo nome é Pantomorphos, o que possui todas as
formas, porque dá formas divinas a tipos diversos. Os sete planetas ou esferas errantes têm
por Espíritos supremos a Fortuna e o Destino, que mantêm a eterna estabilidade das leis da
Natureza através da transformação incessante e da perpétua agitação. O éter é o
instrumento ou meio peio qual tudo se produz." (8)
377
São conceitos puramente filosóficos e que se harmonizam com o espírito do
Esoterismo oriental, uma vez que todas as Forças, como a Luz, o Calor, a Eletricidade, etc.,
são chamadas Deuses - esotericamente.
Assim deve ser realmente, pois os Ensinamentos Esotéricos eram idênticos na Índia e
no Egito. Daí por que a personificação de Fohat, sintetizando todas as Forças que se
manifestam na Natureza, é um consectário legítimo. Demais, como adiante mostraremos,
as verdadeiras Forças Ocultas da Natureza só agora começam a ser conhecidas, ainda assim
pela ciência heterodoxa, não pela ortodoxa (9), muito embora sua existência, em um caso
pelo menos, seja corroborada e atestada por um número considerável de pessoas cultas, e
até por alguns cientistas oficiais.
Além disso, a declaração contida na Estância VI - de que Fohat põe em movimento os
Germes primordiais do Mundo, ou o agregado dos Átomos Cósmicos e da Matéria, "uns
nesta direção, outros. naquela", a direção oposta - tal declaração parece bastante ortodoxa
e científica. Há, em todo caso, para apoiar esta opinião, um fato perfeitamente reconhecido
pela Ciência, e é o seguinte: as chuvas de metemos, periódicas em novembro e agosto,
fazem parte de um sistema que se move ao redor do Sol segundo uma órbita elíptica. O
afélio deste anel se acha a 11.732 milhões de milhas além da órbita de Netuno, o seu plano
é inclinado sobre a órbita da Terra em um ângulo de 640 3', e a direção do enxame de
meteoros, que se move ao redor dessa órbita, é contrária à da revolução da Terra.
Tal fato, só reconhecido em 1833, representa como que a redescoberta moderna do
que já era sabido nos tempos antigos. Fohat faz girar com suas duas mãos, em sentidos
opostos, a "semente" e os "coágulos", ou Matéria Cósmica; mais claramente, faz girar
partículas de extrema tenuidade, e nebulosas.
Além dos limites do Sistema Solar, há outros Sóis, e especialmente o misterioso Sol
Central - a "Mansão da Divindade Invisível", como por vezes o têm chamado -, que
determinam o movimento e a direção dos corpos. Esse movimento serve ainda para
diferenciar a Matéria homogênea, ao redor dos diversos corpos e entre eles, em Elementos
e Subelementos desconhecidos em nossa Terra, sendo estes considerados pela Ciência
moderna como Elementos distintos individuais, quando não passam de aparências
temporárias, que mudam em cada pequeno ciclo dentro o Manvantara e que as obras
esotéricas denominam "Máscaras Kálpicas".
Fohat, em Ocultismo, é a chave que abre e decifra os símbolos e alegorias
multiformes da chamada mitologia de cada nação; que demonstra a maravilhosa Filosofia e
o profundo conhecimento dos mistérios da Natureza, que encerram as religiões dos
egípcios e dos caldeus , assim como a dos arianos. Fohat, visto sob o seu verdadeiro
aspecto, mostra como todas essas nações pré-históricas eram sumamente versadas em
cada uma das Ciências da Natureza, que agora correspondem aos ramos de física e química
da Filosofia Natural. Na Índia, Fohat é o aspecto científico de Vishnu e de Indra, sendo este
último mais antigo e mais importante no Rig Veda que o seu sucessor sectário; enquanto
que, no Egito, Fohat era conhecido pelo nome de Tum, nascido de Nut (10), ou Osíris em
seu caráter de Deus primordial, criador dos céus e dos seres (11). Porque se fala de Tum
como um Deus Protéico que gera outros Deuses e assume a forma que lhe apraz; o "Senhor
da Vida", que confere aos Deuses o seu vigor (12). É o dirigente dos Deuses, e o "que cria
378
os espíritos e lhes dá a forma e a vida"; é o "Vento do Norte" e o "Espírito do Ocidente"; e,
finalmente, o "Sol Poente da Vida", ou a força elétrica vital que abandona o corpo por
ocasião da morte; razão por que o Defunto pede a Tum que lhe dê o sopro de sua narina
direita (eletricidade positiva), para poder viver em sua segunda forma. Tanto o desenho
como o texto do capítulo XLII do Livro dos Mortos revelam a identidade de Tum com Fohat.
O primeiro representa um homem de pé, com o hieróglifo dos sopros nas mãos. Diz o texto:
São as mesmas palavras usadas por Fohat no Livro XI, e os mesmos títulos que lhe
deram. Nos Papiros egípcios toda a DOUTRINA SECRETA se encontra esparsa em sentenças
isoladas, inclusive no Livro dos Mortos. Vê-se ali o número sete tão amiúde e com tanta
ênfase como no LIVRO DE DZYAN. "A Grande Água (o Abismo ou Caos) diz-se que tem sete
côvados de profundidade" - a palavra "côvados" devendo aqui significar divisões, zonas e
princípios. Ali, "na Grande Mãe, nascem todos os Deuses e os Sete Seres das Sete Forças
Mágicas" que "venceram a Serpente Apap" ou a Matéria (15).
Nenhum estudante de Ocultismo, porém, deve ser induzido em erro quanto às
expressões habitualmente usadas nas traduções dos Livros Herméticos, e crer que os
antigos egípcios ou gregos fizessem alusão, a todo momento, em sua conversação, como o
fazem os monges, a um Ser Supremo, Deus, o "Pai Único e Criador de todas as coisas", etc.,
conforme se lê em cada uma das páginas daquelas traduções. Nada havia de parecido, em
verdade; e esses textos não são os textos originais egípcios. São compilações gregas, a mais
antiga das quais não remonta além do primeiro período do Neo-Platonismo. Nenhum livro
hermético escrito por egípcios - como se pode ver pelo Livro dos Mortos - falaria de um
Deus único universal como o dos sistemas monoteístas; a única Causa Absoluta de tudo era
tão inominável e impronunciável na mente do antigo filósofo do Egito quanto é para
sempre Incognoscível no conceito do Sr. Herbert Spencer. Quanto aos egípcios em geral,
como bem observa o Sr. Maspero, desde que
"alcançavam a noção da Unidade divina, o Deus Único nunca era simplesmente 'Deus'. O Sr.
Lepage-Renouf explicou mui acertadamente que o termo Noutir Nouti, 'Deus', jamais
deixou de ser um nome genérico para ser um nome pessoal."
Para eles, cada Deus era "um Deus único e vivente". O seu
379
"monoteísmo era puramente geográfico. Se o egípcio de Menfis proclamava a Unidade de
Phtah com exclusão de Ammon, o egípcio de Tebas proclama a Unidade de Ammon com
exclusão de Phtah" [tal como agora ocorre na Índia no caso dos Shaivas e dos Vaishnavas],
"Ra, o 'Deus Único' de Heliópolis, não é Osíris, o 'Deus único' de Abidos, e pode ser adorado
juntamente com este, sem que seja por ele absorvido. O Deus Único não é senão o Deus do
nomo ou da cidade, Noutir Nouti, e não exclui a existência do Deus Único do nomo ou
cidade vizinha. Em suma, sempre que falamos do Monoteísmo egípcio, devemos falar dos
Deuses Únicos do Egito, e não do Deus Único." (16)
"A lenda é a tradição viva, e três vezes sobre quatro é mais verdadeira do que o que
chamamos história.""
"A História ruirá por terra e ficará reduzida a pó no correr do século XX, devorada até
380
os seus alicerces pelos que lhe escrevem os anais."
Muito cedo, em verdade, por obra dos esforços conjugados desses historiadores,
partilhará o destino daquelas cidades em ruínas das duas Américas, que jazem
profundamente soterradas sob intransitáveis matas virgens. Os fatos históricos ficarão
ocultos à vista pelas selvas impenetráveis das hipóteses modernas, do negativismo e do
cepticismo. Mas, por felicidade, a História real se repete, uma vez que procede por ciclos; e
fatos mortos e acontecimentos deliberadamente afogados no mar do cepticismo de nossos
dias voltarão à tona e reaparecerão mais uma vez.
Nos volumes III e IV, a circunstância mesma de que uma obra com pretensões de
filosófica, e que é ao mesmo tempo uma exposição de problemas os mais abstrusos, deva
começar por descrever a evolução da humanidade a partir dos que são considerados como
seres sobrenaturais - Espíritos - irá provocar as mais violentas críticas. Mas os crentes e os
defensores da DOUTRINA SECRETA terão de suportar a acusação de serem loucos e de
coisa ainda pior, tão filosoficamente como já o fez a autora por longos anos. Toda vez
que um teosofista seja tachado de louco, deve responder citando as Cartas Persas de
Montesquieu:
"Os homens, ao abrir com tanta facilidade os seus manicômios aos supostos
loucos, não cuidam senão de dar uns aos outros a segurança de que eles próprios não
estejam loucos."
382
NOTAS ADICIONAIS
383
Seção IV, p. 38.
A maioria parte das teorias científicas examinadas nesta Seção passaram hoje a ser
obsoletas.
384
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