TCC - Rosana - Finalizado PDF

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7

1 INTRODUÇÃO

O objetivo desta monografia é apresentar a oração do Pai Nosso no


Evangelho de Lucas, e mostrar que esse modelo de oração não é um mantra com
poderes sobrenaturais, mas a oração do Pai Nosso é uma prática que pressupõe fé.
O método utilizado na composição desta monografia é bibliográfico com análise de
conteúdo. O referencial teórico tem como base comentários do Novo Testamento
que tratam da vida e obra de Jesus Cristo.

Jesus tinha na oração um modo de comunicação de mão dupla com o Pai.


Em uma época em que Deus parecia estar muito distante, não se importando com
as dores do seu povo, Ele envia seu próprio Filho, e demonstra que, apesar do
afastamento do povo, ele continuava amando os seus e se preocupando com eles. E
quando Jesus ensina aos seus discípulos a chamar Deus de Pai na oração, da
mesma forma que um filho chamaria seu pai humano, ele encurta a distância entre a
terra e o céu.

O mestre já havia lhes falado sobre a importância da oração, conforme o


relato de Lucas 9.29. Então, a pergunta dos discípulos parecia requerer uma
fórmula. Jesus, no entanto, estabelece antes uma direção para onde as orações
devem convergir, Deus como um Pai provedor, e aponta ainda para uma ordem:
Que o nome de Deus seja santificado, que o reino de Deus venha na sua plenitude,
e que, consequentemente, a vontade de Deus seja feita plenamente em toda a terra,
da mesma forma como ela é feita nos céus. Embora essa oração possa ser feita
individualmente, ela é essencialmente, uma oração coletiva, uma oração para a
edificação do Corpo de Cristo, que é a Igreja. Todos os pronomes estão no plural.
(MORRIS, 2007).

A presente monografia tem como título “A oração do Pai-Nosso em Lucas: A


Soberania de Deus e a Dependência de Jesus”. O primeiro capítulo faz a exegese
do texto de Lucas 11.1-4, bem como faz uma análise da oração como sinal de
dependência.

O segundo capítulo trata da busca da oração que é a centralidade do Deus


Único, bem como da direção que oração deve tomar. O diferencial desta parte está
no significado que Jesus dá à oração, e de como isso influencia seus seguidores.
8

O terceiro capítulo enfatiza a soberania de Deus na oração, e mostra que uma


vida de oração implica em uma vida de dependência. Nesse sentido, a oração não é
um pedido para que a vontade humana seja feita no céu, mas para que a vontade de
Deus se realize na terra.

Todas as citações são da Almeida Corrigida Fiel, editada pela sociedade


Bíblica Trinitariana do Brasil. A seguir, será feita uma exegese da oração que Jesus
ensinou a seus discípulos, devido à importância e significado da oração do Pai
Nosso na vida cristã.
9

2 A ORAÇÃO DO PAI NOSSO EM LUCAS 11:1-4

O evangelista Lucas tem a oração como uma das ênfases do seu evangelho.
Somente Lucas descreve que Jesus estava orando, quando o Espírito Santo desceu
sobre Ele em forma corpórea após o batismo (Lucas 3.21). É ele também o único a
relatar que Jesus passou a noite toda em oração antes de escolher os seus doze
apóstolos (Lucas 6.12). É desse evangelista também que a intensidade da oração
de Jesus no Getsêmani, fez com que o seu suor caisse ao solo como se fora gotas
de sangue (Lucas 22.44).

2.1 EXEGESE DE LUCAS 11.1-41

Primeiro passo – Escolha e delimitação da perícope.

A ênfase que o evangelista Lucas dá a oração demarca a importância do


relato em que Jesus ensina seus discípulos a orar, atendendo a uma solicitação de
um dos seus seguidores, que ´percebeu o compromisso de Jesus com a oração.

Lucas 11:1-4 – A Oração do Pai Nosso.

Καὶ ἐγένετο ἐν τῷ εἶναι αὐτὸν ἐν τόπῳ τινὶ προσευχόμενον, ὡς ἐπαύσατο εἶπέν


τις τῶν μαθητῶν αὐτοῦ πρὸς αὐτόν, “Κύριε, δίδαξον ἡμᾶς προσεύχεσθαι,
καθὼς καὶ Ἰωάννης ἐδίδαξεν τοὺς μαθητὰς αὐτοῦ”. Εἶπεν δὲ αὐτοῖς “ ταν
προσεύχησθε λέγετε Πάτερ ἡμῶν ὁ ἐν τοῖς οὐρανοῖς, ἁγιασθήτω τὸ ὄνομά
σου. Ἐλθέτω ἡ βασιλεία σου· γενηθήτω τὸ θέλημά σου, ὡς ἐν οὐρανῷ13 καὶ
ἐπὶ τῆς γῆς. Τὸν ἄρτον ἡμῶν τὸν ἐπιούσιον δίδου ἡμῖν τὸ καθ᾿ ἡμέραν· καὶ
ἄφες ἡμῖν τὰς ἁμαρτίας ἡμῶν, καὶ γὰρ αὐτοὶ ἀφίεμεν παντὶ ὀφείλοντι ἡμῖν. Καὶ,
μὴ εἰσενέγκῃς ἡμᾶς εἰς πειρασμόν, ἀλλὰ ῥῦσαι ἡμᾶς ἀπὸ τοῦ πονηροῦ.”2
E aconteceu que Ele estava orando em certo lugar, e tendo terminado, um de
seus discípulos lhe pediu: ‘Senhor, ensina-nos a orar, como João ensinou a
seus discípulos. Disse-lhes Jesus: ‘Quando orardes, dizei: Pai nosso, que
estás nos céus, Santificado seja o teu nome. Venha o teu reino. Seja feita a
tua vontade, assim na terra como no céu. O pão nosso de cada dia dá-nos
hoje. Perdoa-nos os nossos pecados, assim como nós perdoamos a todo
aquele que nos deve. E não nos conduzas à tentação, mas livra-nos do
3
maligno. (Lc 11.1-4).

Segundo passo – Inserção da perícope na estrutura literária do livro.

Contexto imediatamente anterior – Jesus em Betânia com Maria e Marta (10:38-42).

Contexto imediatamente posterior – Ensinamento a respeito da eficácia da oração


(11:5-13).

1
Exegese feita de acordo com os príncipios dados na matéria “Exegese do Novo Testamento”.
2
PICKERING, Wilbur N.. The Greek New Testament: according to family 35. 2. ed. Eugene: Creative
Commons, 2015.
3
Tradução própria
10

Contexto maior – O ministério de Jesus na Judéia (9:51 – 13:21).

Terceiro passo – Identificação do gênero literário.

Discurso sobre a necessidade da perseverança na oração.

Quarto passo – Indicação dos principais elementos introdutórios.4

Autor: Lucas.

Data: Entre 59-63 d.C..

Local: Roma.

Destinatários: Teófilo, provavelmente um oficial romano de alta posição e riqueza.

Ocasião: Teófilo envia Lucas para colher informações acerca do Evangelho de


Jesus Cristo.

Propósito: Demonstrar que o lugar ocupado pelos gentios convertidos no Reino de


Deus baseia-se nos ensinos de Jesus.

Quinto passo – Demarcação do contexto histórico.

Judéia - Região ao sul da Palestina que, nos tempos de Jesus, estava sob domínio
romano e era governada por Pôncio Pilatos. (SAULNIER; ROLLAND, 1983).

Discípulos - Toda sinagoga tinha seu mestre, que por sua vez tinha discípulos, e
eram os discípulos que escolhiam os seus mestres. (PACKER, TENNEY E WHITE
JR., 1988).

Oração - Os judeus oravam várias vezes ao dia. Todos os adultos, menos as


mulheres e as crianças, tinham a obrigação da oração, que era mais uma forma de
consagrar o dia ao Senhor. (DANIEL-ROPS, 1983).

Reino de Deus - Os israelitas aguardavam a vinda do Messias, um descendente de


Davi, que libertaria Israel do jugo estrangeiro, e governaria a nação a partir de
Jerusalém. (PACKER, TENNEY E WHITE JR., 1988).

Pecado - Os israelitas viviam em função do templo, onde, através dos sacrifícios de


animais, resolvia temporariamnte o problema do pecado. (DANIEL-ROPS, 1981).

4
ELWELL; YARBROUGH, (2002).
11

Em Israel, tudo que se tornara útil na vida comum do homem, e que ajudasse
a mantê-lo em segurança e bem alimentado deveria ser considerado santo. Também
a comida. Exatamente o pão representava essa consagração sagrada.

Sexto passo – Apropriação semântica das principais palavras utilizadas na


perícope.5

Orando em certo lugar – (αὐτὸν ἐν τόπῳ τινὶ προσευχόμενον) – Jesus sempre


procurava um lugar tranquilo, normalmente um lugar aprazível, onde pudesse orar
sem ser interrompido na comunicação de dependência com o Pai.

Senhor – (Κύριε) – Título de autoridade, normalmente se referia ao César.

Pai nosso – (Πάτερ ἡμῶν) – Expressão judaica para se referir a Deus.

Céus – (οὐρανοῖς) – Os israelitas entendiam que havia três céus, primeiro, o visível, o
azul. O segundo, a habitação dos espíritos e o terceiro, a morada de Deus.

Santificado – (ἁγιασθήτω) – literalmente, separado (do pecado), não misturado, puro.

Nome – (ὄνομά) – O nome próprio de Deus não era pronunciado pelos israelitas. Se
referiam a Ele como “o Nome que é sobre todos os nomes”.

Reino – (βασιλεία) – A tradução literal é Reino, mas o sentido é o de reinado,


governo.

Vontade – (θέλημά) – Uma das palavras gregas para “vontade”, significando uma
vontade geral, não específica. Essa palavra se refere sempre à vontade de Deus
que pode, ocasionalmente, não ser feita pelos seres humanos.

Dá-nos hoje – (δίδου ἡμῖν τὸ καθ᾿ ἡμέραν) – O dia presente (hoje), no contexto judaico
é sempre o dia que o Senhor fez para que se pudesse alegrar nele.

Perdoa-nos os nossos pecados – (ἄφες ἡμῖν τὰς ἁμαρτίας ἡμῶν) O perdão de pecados
sempre esteve relacionado com a prática de sacrifícios. Na oração do Pai Nosso, o
perdão é uma dádiva concebida somente por Deus.

conduzas à tentação – (εἰσενέγκῃς ἡμᾶς εἰς πειρασμόν) O sentido é o de livrar das


tentações uma vez que Deus a ninguém tenta.

5
MOUNCE (2013).
12

Maligno – (πονηροῦ) Referência ao mal personificado em Satanás.

Sétimo passo – Consulta a comentário bíblico.

Autores como Morris (2007), entendem que Jesus ensinou essa oração mais
de uma vez, e que o registro no capítulo 6 de Mateus acontece em outro momento.
O autor ainda sustenta que a oração em Lucas tem um sentido escatológico com a
ênfase no “venha o Teu Reino”, ou Teu Governo.

A oração foi uma resposta a um pedido dos discípulos. A expressão inicial


“quando orardes, dizei”: indica que esse é um modelo a ser seguido. Jesus inicia a
oração com a palavra Pai, “correspondente ao aramaico Abba, o modo de uma
criança se dirigir ao seu pai humano.” (MORRIS, 2007, p. 183). Nesse sentido, a
ênfase na primeira parte da oração está na pessoa do Pai.

A oração pode ser dividida em três partes: A primeira parte se referindo a


Deus, que deve ser adorado como Pai. Deus é santo, e a santidade dEle não pode
ser aumentada nem mesmo com a adoração, só pode ser reconhecida. A chegada
plena do Reino de Deus implica necessariamente na aniquilação do poder de
Satanás, quando os reinos do mundo se submeterão a Jesus Cristo. A vinda do
Reino deve ser o desejo de todo crente, e que, cada vez mais, a vontade de Deus
seja feita na vida de mais e mais pessoas na face da terra.

A segunda parte se refere às carências diárias, tanto as espirituais quanto as


materiais. Enquanto o pão é uma carência material, o perdão dos pecados é uma
abastança espiritual.

A terceira parte refere-se aos perigos diários e as ansiedades da alma. Os


seguintes perigos que podem assolar a todos os seres humanos, crentes e não
crentes: A tentação pela carne e pelo maligno. A solução é pedir a Deus para livrar,
de modo que ninguém seja tentado acima daquilo que pode suportar.

A oração do Pai Nosso não deve ser para suprir os delitos e sim restaurar o
relacionamento diante de Deus. A maneira de orar determina como a pessoa se
sente: em total dependência ou como credor, trazendo a maturidade ao crente de
sua identidade e da paternidade de Deus.
13

Oitavo passo – Considerações do autor

“E aconteceu que ele estava orando em certo lugar, e tendo terminado, um de


seus discípulos lhe pediu: ‘Senhor, ensina-nos a orar, como João ensinou a seus
discípulos’” (Lc 11.1).

A vida de oração e disciplina que Jesus levava, despertava nos seus


discípulos o desejo de também estar em oração. Ora, se Jesus, sendo o Filho de
Deus, se dedicava tanto a essa prática, consequentemente os seus discípulos não
poderiam ser negligentes na atitude e compromentimento com a oração. A
dificuldade está em como orar. A oração parece ser algo fácil, mas, na verdade, não
é. Nesse aspecto, muito mais importante do que as palavras pronunciadas em uma
oração é a intenção do coração de quem ora.

“Disse-lhes Jesus: ‘Quando orardes, dizei: Pai nosso, que estás nos céus,
Santificado seja o teu nome. Venha o teu governo. Seja feita a tua vontade, assim
na terra como no céu.” (Lc 11.2).

Jesus estava ensinando aos seus seguidores não uma fórmula a ser seguida,
a oração ao contrário, é uma conversa com o Criador Onipotente e Onisciente, que
conhece todos os pensamentos, e sonda os corações humanos. E que pode atender
ou não. Por isso, o foco da primeira parte da oração está em Deus Pai. O desejo
daqueles que creêm em Deus, é que a Sua vontade seja feita na terra assim como
já é feita no céu.

“O pão nosso de cada dia dá-nos hoje.” (Lc 11.3).

Este reconhecimento de Deus, como Pai leva à total dependência dEle, tal
qual um filho vê a figura do pai como um provedor. O pão aqui é muito mais do que
apenas o alimento, engloba tudo o que Deus sabe que seu povo necessita.

A oração do Pai Nosso pressupõe que quem a coloca em prática está na


plenitude do Reino através dessa maravilhosa graça que Jesus deixou como um
legado de amor. Por isso, a oração não funciona como um fim em si mesma, pois
aponta para uma conduta e esta prática combina com valores éticos e morais,
introduzindo amor e reverência, aceitando o reinado de Deus. E a sua vontade é
aceita com alegria e prazer, e não como um fardo pesado.
14

“Perdoa-nos os nossos pecados, assim como nós perdoamos a todo aquele


que nos deve. E não nos conduzas à tentação, mas livra-nos do maligno.” (Lc 11.4).

O pecado é considerado uma dívida, primeiro para com Deus e também para
com o próximo. E o pedido de perdão é um reconhecimento de que o pecado é uma
dívida impagável. O perdão humano não é a base para o perdão divino, mas serve
para mostrar que, seres pecaminosos são capazes de perdoar, ainda que de forma
imperfeita, diferentemente o Pai celestial perdorá os pecados de todo aquele que
crer e confessar. Seu perdão é perfeito em Jesus Cristo.

Ao pedir ao Pai o livramento das tentações, o cristão reconhece sua


dependência da misericórdia, e reconhece ainda a facilidade que cede diante dos
prazeres que o mundo oferece. A própria maneira escolhida por Deus para prover
perdão para os pecados da humanidade mostra isso com clareza: que “deu seu
Filho Unigênito, para que todo aquele que nEle crer, não pereça, mas tenha a vida
eterna”. O plano traçado por Deus na eternidade, de reconciliar consigo o mundo, se
realizou na temporalidade, na missão e dependência de Jesus Cristo, e se propaga
na história como um marco na missão dada por Cristo à sua Igreja: A missão de
trazer a vontade do Pai através de Cristo Jesus, conectando a igreja.

Nono passo – Descoberta da mensagem central da perícope.

O propósito da oração é aceitar com alegria a vontade de Deus que é boa,


perfeita e agradável.

Décimo passo – Aplicação à igreja de Cristo.

A Igreja de Jesus Cristo precisa ser totalmente dependente de Deus. Nesse


sentido, as estratégias humanas devem passar pelo crivo de total dependência da
vontade de Deus.

As ansiedades humanas provêm desa falsa sensação do controle humano


sobre o futuro, ao passo que a confiança no cuidado de Deus, muito antes de levar a
ociosidade, traz essa certeza do esmero em tudo o que se faz.

Ainda que a oração não mude a vontade de Deus, tem a eficácia de a fazer
conhecida e aceitável para o povo de Deus. Isso tudo leva a um sentimento de
dependência, que será o tema a ser abordado.
15

2.2 A ORAÇÃO É UM SINAL DE DEPENDÊNCIA

Falar da oração de Jesus é uma grande pretensão, essa é a opinião de


Augustin George (1987). A oração é essencialmente secreta, misteriosa; jamais se
pode emitir juízo sobre as orações dos demais. “Se toda oração está fora de
alcance, como pretender falar da oração de Jesus?” (GEORGE, 1987, p. 42). Como
toda oração é um ato de fé, acompanhada por gestos e expressões muito pessoais,
ela não pode se prender a uma fórmula. George (1987, p. 42) considera: “muitas
vezes, nossa melhor oração é aquela em que faltam as palavras.” Por tudo isso,
pode-se inferir que Jesus não queria apresentar uma fórmula para ser repetida
exaustivamente, mas, um modelo indicando uma ordem na sequência da oração.

Na oração do Pai Nosso, Jesus apresenta o projeto de Deus para a


humanidade. O fato de Deus estar “nos céus” mostra a realidade dos seres
humanos pecadores que estão “na terra”, separados de Deus que é santo. O pedido
para que o nome de Deus seja santificado parece que o distancia ainda mais,
enfatizando a impossibilidade de relacionamento entre partes tão diferentes.

A oração estava interligada com a missão de Jesus, e se estende aos seus


seguidores através das épocas. Nesse sentido, não adianta conhecer os ricos
fundamentos da oração se a prática dela for pobre. A oração, a vida com Deus é
certamente o único caminho para superar as barreiras da maldade que estão fora,
mas muito mais dentro de cada um. Só assim pode-se declarar que “Teu é o Reino,
o Poder e a Glória para sempre, Amém!” (Mt 6.13).

A oração do Pai Nosso em tudo aponta para a centralidade do Deus Único, o


assunto do próximo capítulo.
16

3 A CENTRALIDADE DO DEUS ÚNICO

Esta é a oração mais conhecida da cristandade, o Pai Nosso. Essa foi, na


verdade, a única vez que os disípulos pediram a Jesus um ensinamento específico.
Spurgeon (1988 apud, PINK, 2015), em uma das suas pregações, ensina que todos
devem sentir que, se quiserem orar corretamente, devem ser ensinados por Deus,
pelo seu Espírito Santo.

A oração ensinada por Jesus não é um jargão religioso, mas, sim, um diálogo
com o Pai. Jesus também não esgotou nessas poucas palavras da oração do Pai
Nosso, mesmo considerando sua grande importância, todo o universo e sentido da
oração. Ele deu, sim, os fundamentos, onde deve se apoiar todo o sentido de quem
ora. O tema principal da oração do Pai Nosso é o Reino de Deus estabelecido na
terra, através de seu Nome santificado e a Sua vontade feita na terra, como é feita
no céu.

É uma oração Teocêntrica. Não menciona nem o Filho nem o Espírito Santo.
O pedido de perdão encontra espaço para falar sobre o perdão concedido de uns
aos outros, mas não diz nada sobre um Salvador prometido ou sua cruz e sepulcro
vazios.

3.1 A PATERNIDADE DA ORAÇÃO

"Pai Nosso..."
Ao ensinar aos seus discípulos uma oração que invoca Deus como Pai, Jesus
está estabelecendo uma nova maneira de relacionamento com o Deus Único, que
para muitos religiosos judeus do seu tempo, era completamente inatingível. Para
esses, que nem sequer ousavam falar o nome de Deus, a ponto da pronúncia cair
no esquecimento, chamar Deus de Pai era uma blafêmia. Palhano (2005, p. 36),
complementa: “Para os judeus-zelosos da presença de Deus e reverentes a ponto
de terem o Seu nome escrito com 4 letras consoantes (sagrado tetragrama) para
nunca ser pronunciado”.

Jesus, estava querendo não só mudar a forma do seu povo se relacionar com
Deus, mas, principalmente, procurava ensinar aquilo que, como homem,
experimentou. Mesmo sendo Filho de Deus, Ele poderia, como homem, se afastar
da sua missão.
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Os discípulos de Jesus eram judeus, portanto, acostumados desde a infância


com a prática da oração, haja visto que os judeus oravam três vezes ao dia. No
período do cativeiro babilônico, a oração coletiva caira em desuso, e os judeus
precisavam então, reaprender a orar coletivamente. Quando observaram a vida de
oração de Jesus, viram uma realidade de comunhão com Deus que lhes escapara.
Eles queriam compartilhar dessa realidade.

Esta é uma oração de Filho para Pai. Quando se pensa no conceito que se
tem de pai, é necessário pensar em uma família. Em uma família, a figura que,
quase que de forma natural, se procura nos momentos de dificuldade, é a figura da
mãe, mesmo porque, biologicamente, é ela que tem mais proximidade com os filhos.
Palhano argumenta: “Amar a mãe é algo absolutamente natural porque a relação
dela com o filho é primária e primordialmente natural. (PALHANO, 2005, p. 39).

O pai, pelo contrário, não tem os atrativos da mãe. Ele não gera, não
amamenta, não tem o cheiro que o bebê gosta, sua participação é pequena. Ele
praticamente precisa de conquistar a atenção dos filhos e, para isso, é necessário
muito carinho, atenção e amor. Palhano (2005, p. 39), continua:

Se um filho ama sua mãe, estamos diante de algo óbvio. Os meios de


conquista do pai são outros. Acredito que é dentro dessa perspectiva de
conquista que o Senhor Jesus estava falando. Quando um filho ou filha
consegue amar ao pai tanto ou mais que a mãe, podemos dizer que estamos
diante de um milagre.

Mas aquele pai provedor, amoroso, é uma presença envolvente que


transcende o natural. É disso que Jesus está falando. A Sua relação com Maria, sua
mãe, foi marcada por alguns desencontros, como no caso da Sua permanência em
Jerusalém quando estava com apenas doze anos6, Ele a repreende em Caná da
Galiléia7, e também, quando ela, juntamente com seus irmãos, tentaram levá-lo para
casa à força, dizendo que ele estava fora de si 8.

Quando Jesus ensinava seus discípulos a invocar a Deus como Pai, Ele os
convida a uma experiência única. É como se Ele dissesse: Deixe que Deus o
conquiste como um Pai Amoroso, que, embora não lhe tenha trazido à luz, quer lhe
dar vida. Calvino (Apud PINK, 2015, p.22), comenta: “Porque [Deus] não é apenas
um pai, mas de longe o melhor e mais amável de todos os pais.” Ele sempre acolhe
6
Lc 2.39-53
7
Jo 2.4
8
Mc 3.21
18

Seus filhos em Sua presença [...]”. E, a oração dirigida ao Pai sempre projeta para
as coisas eternas.

3.2 A ORAÇÃO PROJETA PARA AS COISAS ETERNAS

"…que está nos céus"


Pode parecer contraditório o fato de, logo após os discípulos serem
convidados a chamar Deus de Pai, de ter intimidade com Ele, perceberem que a
distância entre Ele e os homens parecia ser intransponível. Depois de afirmar que
Deus é Pai, Jesus o devolve para a eternidade dos céus. Seria Deus um pai
distante? Evidentemente que não, Jesus está exatamente ensinando que a oração
tem o propósito de encurtar essa distância que existe entre a terra e o céu.

A oração deve provocar, em quem ora, um desejo pelas coisas eternas.


Palhano (2005, p. 43), observa a respeito de quem a pratica:

[…] É viver na terra, com o coração no céu... Viver a matéria, tocando o


espiritual... Viver a temporalidade, com a perspectiva do eterno... Viver o
presente, com a mente no além... Viver na carne, como um ser do espírito...
Viver pelo pão, alimentando-se do Pai... Viver neste mundo, mas não
pertencendo a ele... Viver entre os homens, sendo mais próximo de Deus.

O que havia na oração de Jesus que parecia projetá-lo sempre para as coisas
eternas? Talvez essa fosse a curiosidade do discípulo que fez o pedido para que
Jesus os ensinasse a orar. Eles não queriam viver sem entender o profundo
relacionamento de Jesus com o Pai.

Pela maneira como um indivíduo ou um povo ora e adora, pode-se ter uma
ideia do relacionamento que esse indivíduo ou esse povo tem com Deus. Paulo
César Bornelli define:

Se você quiser saber o conceito que um povo tem de Deus, preste atenção
nas suas orações e nos seus cânticos. Pois é impossível ter um conceito
correto de Deus revelado nas Escrituras e orar, cantar e adorar de maneira
errada. Como sabemos, a teologia precede a ética, ou seja, o nosso
comportamento, os nossos valores e prioridades são reflexos ou expressões
do conceito que temos de Deus e da vida. Portanto, quanto mais
conhecermos pelas Escrituras o Deus que se revelou na Pessoa de Jesus
Cristo, quanto mais conhecermos o seu ser, os seus atributos, isto
determinará a nossa maneira de orar, cantar e adorar a Deus. (BORNELLI, p.
1).

Então, seria possível adorar de maneira errada por falta de conhecimento?


Jesus disse que sim. Em seu encontro com a mulher samaritana Ele afirmou: “Vós
adorais o que não conheceis” (Jo 4.22).
19

A oração devia ajudar as pessoas a serem mais tolerantes, ampliando sua


visão das coisas espirituais. Se isso não acontece, então, a oração não alcançou
pelo menos um dos seus objetivos. A oração, muito além de chegar aos ouvidos de
Deus, faz com que quem ora, escute o que Deus tem a dizer. Lafrance (1990, apud
PINK, p. 24), define: “A oração não se mostra verdadeira quando Deus escuta o que
se lhe pede. Ela é verdadeira, quando quem ora continua orando, até que seja ele
mesmo a escutar o que Deus quer. Quem ora de verdade, nada mais faz senão
escutar”.

3.3 A ORAÇÃO REVELA A ESSÊNCIA DO PAI

"...Santificado seja o teu Nome "


Em Malaquias 1.6, o profeta registra: “O filho honra o pai, e o servo o seu
senhor; se eu sou Pai, onde está a minha honra? E, se eu sou Senhor, onde está o
meu temor? Diz o Senhor dos Exércitos a vós, ó sacerdotes, que desprezais o meu
Nome” .

O relacionamento do ser humano com Deus é, antes de tudo, uma relação de


filho para Pai. O que resulta disso é uma postura de respeito a esse Pai, que é
Eterno e habita nos céus. Como admite Palhano: “Ele habita nos céus, é eterno e
longe de mim. Esse argumento por si só é suficiente para provocar em nós essa
postura que junta ao mesmo tempo aproximação e distanciamento. (PALHANO,
2005, p. 47).

Essa afirmação de Jesus tem a ver com o Nome, que é o caráter de Deus.
Ele é Santo, ou seja, Ele é separado de tudo que se possa imaginar. Nada no
mundo material ou espiritual pode servir de comparação para com Ele, é isso que
Jesus está dizendo. Não se pode comparar a santidade de Deus com a
possibilidade de santificação do ser humano ou com coisas consideradas sagradas.

As criaturas que servem na presença de Deus são os anjos, mas, nem eles
ousam olhar para a glória da Sua majestade. Palhano acrescenta:

Somos chamados a ser santos, como ele é SANTO. Ele nos chama a uma
aproximação, mas precisamos fazer uma coisa específica para se achegar
até Ele (Ex. 3:5) - Tirar as sandálias dos pés é reconhecer-se pobre, filho da
terra e necessitado do céu. (PALHANO, 2005, p. 50).

Quando Jesus ensina a santificar o Nome de Deus em oração, Ele convida a


andar como Ele andou: Ele nasceu e viveu entre nós, participou das nossas
20

tentações e aflições, mas manteve a sua mente e o seu coração na dimensão da


santidade de Deus.

3.4 A PRIORIDADE DA ORAÇÃO

" . . . venha o Teu reino . . . "


O Reino de Deus é o governo de Deus sendo realizado plenamente. Os
discípulos, assim como os demais israelitas, esperavam pela manifestação do Reino
de Deus, entendidos por eles como a redenção da nação de Israel. Jesus, em
contrapartida, apresenta o Reino de Deus sempre em contraste com o reino dos
homens.

O reino dos homens tende para o caos, e, por mais que se esforcem para
ajustá-lo, os próprios homens, com suas próprias mãos, seus próprios atos e a
dureza do seu coração obstinado, põem, logo, tudo a perder. Orar pedindo a vinda
do Reino de Deus, é dizer não ao reino dos homens, em que a verdade é suprimida
pela injustiça (Rm 1.18), a adoração é dirigida às coisas criadas em lugar do Criador
(Rm 1:24). No reino dos homens, o conhecimento de Deus e da Sua Palavra é
desprezado (Rm 1:28). Palhano respalda:

Querer a vinda e a manifestação do Reino de Deus é dizer não para toda


essa exibição perversa do reino dos homens. É chegar a ponto de sentir-se
nauseado, enojado por toda essa cultura de pecado e permissividade que nos
domina. Só quem aborrece isso pode orar com profundidade. Só quem
repudia e se inconforma com esse século pode dizer venha o teu Reino sobre
nós, Senhor! (PALHANO, 2005, p. 56).

Jesus, nos Evangelhos Sinóticos, tem como prioridade a pregação sobre o


Reino dos Céus, usado por Ele como sinônimo de Reino de Deus. Sua pregação
estava centrada em nova escala de valores, não mais centrada na razão humana,
mas no próprio Deus.

O Reino basicamente se manifestaria de duas formas: Imediatamente, aqui e


agora, e, escatologicamente, quando da vinda em glória do Senhor Jesus. Esse fato
conduz fatalmente a um dilema: Querer transformar o mundo em um paraíso regido
por Deus, ou esperar de forma displicente que as benesses do Reino de Deus só se
manifestem na eternidade. A oração resolve esse dilema submetendo o desejo
humano à vontade de Deus.
21

3.5 A ORAÇÃO DESCOBRE A DIFERENÇA ENTRE O DESEJO HUMANO E A


VONTADE DE DEUS

" . . . faça-se a Tua vontade ..."


Na Palavra de Deus está revelada a Sua vontade. Na mente dos homens
estão bem escondidas os desejos humanos. Mas, afinal, que desejos são esses que
parecem se contrapor à vontade de Deus?

Desejo de possuir terras. O sociólogo alemão Max Weber associa, em uma


das suas mais importantes obras, o espírito do capitalismo com a ética protestante 9.
Ele lembra que esse desejo também foi dado por Deus, de ter um pedaço de chão.
(WEBER, 2004). Certo é que a vontade de Deus era que o homem usasse essas
vontades tão poderosas no cuidado e cultivo da terra, onde fora colocado, e não
como instrumentos de destruição e morte. Palhano considera:

A vontade humana fracassou e ainda fracassa sistematicamente. Todos os


dias vemos pessoas se perderem por coisas pequenas, medíocres e
efémeras. Não sabemos gerir as maiores dádivas que os céus nos deram:
nossa liberdade e vontade. Por isso precisamos orar e dizer todos os dias...
faça-se, Senhor, a Tua vontade! (PALHANO, 2005, p. 67).

A vontade do homem, contaminada pelo pecado, sempre o conduziu para a


destruição, sua própria e de seus semelhantes. A vontade se transformou em
ferramenta para que o homem fosse explorado pelo homem. É nesse contexto que a
oração do Pai Nosso ganha importância, quando seres livres escolhem obedecer a
vontade de Deus.

3.6 A ORAÇÃO CONDUZ À DEPEDÊNCIA DE DEUS

" . . . O p ã o n o s s o d e c a d a d i a , d á - n o s h o j e ..."

A oração agora muda o foco da Pessoa de Deus para a pessoa do homem.


Do céu para a terra. Do provedor para o necessitado, e, inicia uma série de três
pedidos: Dá-nos o pão; perdoa os nossos pecados e livra-nos do mal. Tudo o que foi
dito em oração até aqui se relaciona com o ser de Deus, e reconhece que Ele é Pai,
Que Ele é Santo e que Ele reina. Quem sempre teve sanadas todas as suas
necessidades não pode compreender esse tipo de oração.

9
WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Tradução de José Marcos Mariani de
Macedo. São Paulo: Compania das Letras, 2004.
22

Em Provérbios 30.8 está escrito: "Não me deis pobreza nem riquezas;


alimenta-me com a comida que é a minha porção". Aquele que é verdadeiramente
dependente de Deus, O busca diariamente. Spurgeon (apud PINK, 2015, p. 31),
declara: “Dê-nos , ó Senhor, o que realmente precisamos; não aquilo que seria um
luxo, mas aquilo que é uma necessidade”.

Um dos grandes exemplos desse cuidado diário do Senhor, está no livro de


Êxodo 16.19-21: O Senhor enviava do céu o maná diariamente para o seu povo,
exceto no sábado. E o maná só poderia ser consumido no mesmo dia, exceto, na
sexta. Muitos quiseram armazenar, ao invés de confiar na providência divina.

Palhano observa que são quatro as dimensões temporais que orientam nossa
existência: O passado, o presente, o futuro e a eternidade. Jesus nos convida a viver
em apenas dois deles: O presente, com os valores do Reino, com o pensamento na
eternidade prometida por Ele. (PALHANO, 2005). E ele complementa: “[…]
lamentavelmente estamos presos ao passado e angustiados com o futuro. Esse erro
de interpretação é o que nos faz endividados, seja em moeda, seja em valores.”
(PALHANO, 2005, p. 76).

As palavras de Jesus em João 6.34 ecoam: “[…] Eu sou o Pão da vida;


aquele que vem a mim não terá fome, e quem crê em mim nunca terá sede.” E em
6.48-51: “Eu sou o Pão da vida. Vossos pais comeram o maná no deserto, e
morreram. Este é o Pão que desce do céu, para que o que dele comer não morra.”
O pão diário é necessário para a sobrevivência do corpo, mas Jesus é o Pão que dá
vida eterna.

3.7 A PROTEÇÃO DA ORAÇÃO

"... E perdoa-nos as nossas dívidas ...”


Antes de qualquer reflexão, é preciso afirmar que Jesus está falando de uma
realidade que Ele próprio nunca experimentou. Ele nasceu, viveu e morreu sem
nunca ter cometido qualquer falta. Então, Ele ensina a partir do seu conhecimento
da natureza humana. A implicação dessa confissão é que todos pecam diariamente
por comissão ou por omissão. E o pedido é um reconhecimento da graça de Deus
porque o perdão não está no homem, a sua origem é o próprio Deus. Palhano assim
define a questão:
23

Falar de perdão é falar de uma das mais magníficas manifestações do amor


de Deus: A Graça! É através dela, e somente dela, que podemos nos
aproximar do Senhor. Sua essência reside em sua própria etimologia. Ela é o
favor que não merecemos. Quando deveria vir uma condenação pelos nossos
pecados, fomos, em Cristo, alcançados através da Graça. (PALHANO, 2005,
p. 79).

E não significa que ganhar o perdão de Deus é resultado do perdão aos


outros. O perdão aos outros demonstra a necessidade sentida de ser perdoado pelo
Senhor. A atitude de perdão aos outros demonstra o arrependimento genuíno.
Nesse sentido, perdoar deve ser encarado como um estilo de vida e não como uma
formalidade.

Deus, jamais conduz o homem à tentação, mas, eventualmente, permite que


tal aconteça. Spurgeon (1998 apud Pink, 2015, p. 39), em um de seus sermões
arremata:

Senhor, não nos provoque e nos teste mais do que absolutamente


necessário, pois estamos tão aptos a cair: 'Não nos deixe cair em
tentação'; mas, se formos tentados, livrai-nos do mal. “Se algum bom fim é
para ser respondido pelo nosso ser assim testado, então seja assim, mas, ó
Senhor, livra-nos do mal e especialmente do maligno; não nos deixe cair em
suas mãos na hora da tentação.

Então, a oração “Não nos deixe cair em tentação”, é um reconhecimento da


fraqueza e pecaminosidade dos corações humanos. É uma admissão de que, se
Deus fosse retirar Sua mão graciosa, cairiam todos em tentação imediatamente. E
há outra maneira de ver isso. Não é apenas uma petição ou uma série de três
petições. É uma confissão. Essa prece poderia ser dita nesse sentido: Não vamos
comer se o Senhor não nos alimentar. Não viveremos se o Senhor não nos
perdoar. Não vamos sobreviver se o Senhor não nos proteger. Isso é uma confissão
e uma admissão.

O próximo capítulo, trata exatamente da soberania de Deus, tão bem


expressada na oração do Pai Nosso ensinada por Jesus.
24

4 A SOBERANIA DE DEUS

A soberania de Deus é o tema central de toda a Bíblia, e não é diferente com


a oração ensinada por Jesus aos seus discípulos. A essência dessa oração é que o
Reino do Soberano possa vir em todas as suas múltiplas ramificações: O Nome de
Deus seja reconhecido como Santo, os princípios e valores na terra, sejam os
mesmos do Reino de Deus. A provisão física diária, a limpeza espiritual e a
orientação com proteção sejam reais. Nesse sentido, a oração e a soberania de
Deus estão interligadas. A. W. Pink aponta:

O princípio da oração em toda a Bíblia, é uma busca pela vontade soberana


de Deus. Através da oração as escolhas feitas por seres humanos livres se
encontram com o plano soberano de Deus. Leva os crentes de Deus ao
estado de humildade e dependência, significando a negação do orgulho
próprio, enquanto reconhece a soberania e a sabedoria de Deus. (PINK,
2015, p. 32).

4.1 UM DEUS LIMITADO PELA VONTADE HUMANA?

A questão que se coloca é a seguinte: A oração pode mudar a vontade de


Deus? Os destinos dos homens podem ser mudados e moldados pela vontade do
homem? A oração ensinada por Jesus a seus discípulos condensa o conteúdo de
todas as orações encontradas nas Escrituras, desde a oração de Jó10, passando por
Davi11, a oração de Salomão12, e Ezequiel, orando no templo13.

São todas orações que exaltavam a soberania de Deus, como também a


oração de Jeremias14, e a de Daniel no exílio15. Orações que reconheciam a culpa
humana e todos eles oravam com base na palavra de Deus e buscavam a Sua
vontade.

A própria oração de Jesus no Getsêmani, quando Ele coloca diante de Deus a


sua vontade, mas, prontamente se submete à vontade soberana do Pai. Bornelli
(2011, p. 3), constata:

Em Atos 4.23-31, quando a igreja primitiva estava em oração, eles


começavam proclamando a soberania de Deus como Criador e Senhor de
tudo. No verso 28 eles declaram que tudo o que aconteceu com Jesus fazia
parte do propósito predeterminado por Deus. Podemos também ver a
importância da visão correta da soberania de Deus, nas orações de Paulo,

10
Jó 42.1-6
11
2 Sm 7.18-24; 1 Cr 17.16-27
12
1 Rs 3.5-10 e 8.22-61
13
2 Rs 19.15-19; Is 37.14-20
14
Jr 32.16-25
15
Dn 9
25

tanto pela igreja de Éfeso16; como pelas demais igrejas17. Paulo sempre orava
para que o Espírito Santo abrisse os olhos espirituais dos irmãos, dando-lhes
sabedoria para que compreendessem a vontade de Deus.

Mas, há quem pense diferente desse conceito de soberania. Paul Yonggi


Cho, pastor da Igreja Central do Evangelho Pleno, em Seul, na Coréia do Sul, opina:
“Creio firmemente que pode haver avivamento em qualquer lugar, desde que as
pessoas se entreguem à oração.” (CHO, 2017, p. 3). E ele continua:

Quando o Espírito Santo opera um avivamento em resposta à oração, é


preciso que o ímpeto do despertamento seja mantido para que ele continue.
Se a oração for negligenciada, o avivamento deixará de ter o ímpeto, e será
conduzido apenas pelo impulso. E por fim aquela visitação especial de Deus
terminará, continuando apenas como um monumento ao passado. (CHO,
2017, p. 10).

Nesse sentido, o motor que dirige as ações do Espírito Santo, e por


conseguinte, a vontade de Deus, são as orações feitas por qualquer crente, uma vez
que Cho ainda complementa: “Deus não tem predileção por nenhum dos seus filhos.
Uma coisa que foi benção para mim, também poderá ser para você.” (CHO, 2017, p.
4).

Essa discussão entre a soberania de Deus e vontade humana tem permeado


boa parte da história humana. Pink (2015, p. 9) ressalta: “Em toda a cristandade,
com exceção que quase não pode ser levada em conta, mantém-se a teoria de que
o homem determina a própria sorte e decide seu destino, através de seu livre-
arbítrio.”

O modelo de oração ensinado por Jesus enfatiza a paternidade de Deus, a


Sua Santidade, reconhece que Ele reina por direito, e pede a Ele que faça a Sua
vontade na terra assim como ela já é feita nos céu. Baseado nessas premissas, o
crente também reconhece a providência divina como fonte de sua vida terrena.

Os Pais da Igreja sempre oravam para conhecer mais a Deus e pediam graça
para realizar a Sua vontade. (WEINGARTNER, 1996). Bonhoeffer (2017) ensina que
os Salmos são orações humanas inspiradas por Deus e dirigidas a Ele.

A igreja atual precisa de reaprender a orar urgentemente. As orações, hoje,


mais parecem as orações dos gentios que não conhecem a Deus e pensam que por

16
Ef 1.15-23, 3.14-21
17
Cl 1.9-12; Fl 1.9; 1 Ts 3.11
26

muito falar serão ouvidos18. A falta de conhecimento de quem é Deus e de quem é o


homem conduz a grandes erros na oração. Não é em vão que Salomão diz: “Não te
precipites com a tua boca, nem o teu coração se apresse a pronunciar palavra
alguma diante de Deus; porque Deus está nos céus, e tu estás sobre a terra; assim
sejam poucas as tuas palavras.”19 Bonhoeffer comenta: “Se dependêssemos
unicamente de nós mesmos, com certeza acabaríamos reduzindo muitas vezes o
Pai Nosso à quarta prece, ao pedido pelo pão nosso de cada dia. Mas a vontade de
Deus é outra”. (BONHOEFFER, 2017, p. 14).

Para muitos cristãos atuais, o Nome de Jesus é uma senha que abre os
cofres do céu ou acessa o coração de Deus. O entendimento prevalescente sobre
oração precisa de uma revisão para se harmonizar com o ensino das Escrituras
sobre o tema. As crenças populares atuais reduzem Deus à função de servo,
escravo de suas próprias palavras. Myles Monroe (2017) chega ao extremo de
afirmar que “Deus não pode interferir na terra sem o ser humano. O que é oração?
Eu defino dessa forma: Oração é o homem dando a Deus licença para interferir no
planeta terrra.”20

As orações são feitas em nome de Jesus, dirigidas ao Pai na eternidade, mas


para que as necessidades humanas sejam satisfeitas. O modelo fornecido por Jesus
destaca: Seja feita a Sua vontade na terra assim como ela é feita no céu. Então, é a
vontade que Deus que se torna realidade e não a vontade humana.

4.2 A ORAÇÃO E A VONTADE DE DEUS

Uma dúvida pode surgir, se a vontade de Deus é sempre feita, então, para
que orar? Ou a vontade de Deus está limitada às orações dos crentes? A eficácia da
oração, então, não está na quantidade mas, em quanto essas orações estão de
acordo com a vontade de Deus. Bornelli (2011, p. 4) argumenta:

A Bíblia nos ajuda a compreender o mistério da oração, pois ela deixa bem
claro que o Deus que determina os fins também determina os meios pelos
quais a sua soberana vontade será realizada. Portanto, a verdadeira oração
não é um meio para fazer Deus concordar conosco, mas um meio para
desejarmos e orarmos a vontade de Deus. Deus poderia cumprir Sua vontade
sozinho, mas Ele preferiu incluir os homens no Seu plano. Assim como a

18
Mt 6.7-8
19
Ec 5.2
20
MYLES Monroe. Belo Horizonte: Youtube, 2017. P&B. Legendado. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=kE0oWX-2LfE>. Acesso em: 10 jun. 2019.
27

pregação da palavra de Deus é um meio para que os eleitos sejam salvos,


assim também a oração é um meio para que a vontade de Deus seja feita.

Pode-se dizer que a vontade de Deus é imutável, não podendo ser alterada
pelos clamores humanos. Quando não é da vontade divina fazer bem a um
determinado povo, ela não pode ser alterada nem pelos mais fervorosos e altos
clamores, até mesmo de quem desfruta de muita comunhão com ele, como está
escrito em Jr 15.1: “Disse-me, porém, o SENHOR: Ainda que Moisés e Samuel se
pusessem diante de mim, não estaria a minha alma com este povo; lança-os de
diante da minha face, e saiam.”

Bornelli orienta: “Orar em nome de Jesus é orar a vontade dele, e orar a


oração dele é orar junto com ele”. (BORNELLI, 2011, p. 4). E Bonhoeffer afirma que:
“A verdadeira oração é, portanto, a palavra do Filho de Deus, que vive conosco,
dirigida a Deus o Pai na eternidade.” (BONHOEFFER, 2017, p. 13).

O correto entendimento sobre a prática da oração pode ajudar muitos crentes,


que, muitas vezes, ficam frustrados com as orações que demoram a serem
respondidas. Pessoas que oram, pedindo com fé, crendo que suas súplicas serão
atendidas, que pediram com seriedade e repetidas vezes e a resposta ainda nãp
veio. O resultado, é que vai diminuindo a confiança na eficácia da oração, até que a
esperança cede lugar ao desespero, e então, não há mais busca pelo trono da
graça.

Por isso, a necessidade de redefinir o significado da oração. Nas palavras de


Pink:

Reconhecemos, sem hesitação, que somos totalmente incapazes da dar uma


definição completa da oração no espaço de uma breve frase ou até mesmo
no âmbito de qualquer número de palavras. A oração é tanto uma atitude
quanto um ato, um ato humano; todavia, há também o elemento divino, e é
isso o que impossibilita fazer uma análise exaustiva. Mas, ainda que
reconhaçamos isso, voltamos a insistir que a oração é, fundamentalmente,
uma atitude de dependência de Deus. (PINK, 2015, p. 35).

A solução bíblica para a aparente contradição é que, a oração não consiste


em insitir com Deus para que Ele altere seus propósitos. Orar é assumir uma atitude
de depedência para com Deus. Expor-lhe as necessidades e pedir-lhe coisas que
estejam de acordo com a sua vontade. Portanto, não há nenhuma incoerência entre
a soberania divina e a oração cristã.
28

Por mais contraditório que possa parecer, o segredo para uma oração eficaz
é saber primeiramente ouvir. Bornelli compara:

Assim como uma criança aprende a falar por ouvir seu pai falar, nós
aprendemos a orar quando ouvimos o falar de Deus. Ele nos fala através da
sua palavra. A Bíblia é o falar de Deus a nós na pessoa do seu Filho.
Portanto, ele deve ser a base principal da nossa oração. (BORNELLI, 2011,
p. 6).

Jesus, por várias vezes, adverte: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça”. Se o
pior cego é o que não quer ver, o pior surdo, é o que não se cala para ouvir.

A base dos relacionamentos humanos é a comunicação. A oração é base do


relacionamento com o Pai. Deus é um ser relacional e deixou a oração como um
canal entre Ele e a humanidade. Orar, é ter intimidade, é andar com Deus. É um
relacionamento de amor cuja fonte é o Próprio Deus, e gera nos crentes uma alegria
real.
29

CONCLUSÃO

A Bíblia afirma que ninguém sabe como orar como convém, mas, que o
Espírito Santo intercede pelos crentes “com gemido inexprimíveis” (Rm 8.26-27). A
oração fundamentada no entendimento humano, tende a dar a Deus uma direção
para a suas vidas, a aconselhá-lho como agir.

Mas Deus, o Pai das misericórdias, com Seu muito amor com que amou o
mundo, usa vários meios para quebrantar, para tratar com o coração cheio de
altivez, e um desses meios, é a oração. A oração ensinada por Jesus Cristo aos
Seus discípulos não é baseada no intelecto humano mas em um coração
quebrantado e contrito.

Não raras vezes, Ele pode permitir que seus seguidores passem por
situações adversas, para que, através da oração, aprendam a depender do Espírito
Santo. Nessas horas, de crises profundas a boca se cala, mas, o coração se abre,
os ouvidos ficam aguçados. Para-se de tentar ensinar a Deus como agir e então,
estar pronto para aprender. E, como Jó, proclamar: “Quem é este, que sem
conhecimento encobre o conselho? Por isso relatei o que não entendia; coisas que
para mim eram inescrutáveis, e que eu não entendia. Escuta-me, pois, e eu falarei;
eu te perguntarei, e tu me ensinarás” (Jo 42.3-4).

A oração é um meio escolhido por Deus pelo qual se pode obter dEle o que
lhe pedir, sob a condição de estar de acordo com a Sua vontade. Quem ora, ocupa o
lugar de filho por adoção em Cristo Jesus, e também pode se dirigir a Deus como
Pai.

Nas palavras de Bonelli: “Nesta escola da oração nunca nos diplomamos,


mas pelo contrário, cada vez mais clamamos: ensina-nos a orar.” (BORNELLI, 2011,
p. 7).
30

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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texto original. São Paulo: Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil, 2011.
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Cristã, 2009.
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CHO, Paul Yonggi. Oração, a chave do avivamento. Seul: Docero, 2017.
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2015.
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2005.
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2002.
WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Tradução de José
Marcos Mariani de Macedo. São Paulo: Compania das Letras, 2004.
31

WEINGARTNER, Lindolfo. Orações do povo de Cristo: coletânea de orações de


20 século. São Leopoldo: Sinodal, 1996.
32

REFERÊNCIAS WEBGRÁFICAS

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<http://www.monergismo.com/textos/oracao/ensina_oracao.htm>. Acesso em: 20
maio 2019.
MYLES Monroe. Belo Horizonte: Youtube, 2017. P&B. Legendado. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=kE0oWX-2LfE>. Acesso em: 10 jun. 2019.

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