FICHAMENTO - Raça e Cidadania

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Stefanny da Silva Siqueira

História do Brasil III

A autora Hebe Mattos, em seu primeiro capítulo Raça e cidadania no


crepúsculo da modernidade escravista no Brasil, tenta esclarecer como a escravidão
no século XIX não estava diretamente ligada a um sistema, a uma doutrina política
ou a um atraso em detrimento de uma modernidade. Monarquia e república
mantiveram-se escravistas enquanto houveram interesses, no que ela cita: "O longo
tempo de sobrevida da escravidão, século XIX adentro, demonstra muito claramente
o quão rápido novas instituições e princípios foram capazes de regular uma
modernidade escravista." (Pág. 17)

Mesmo que para muitos apenas a manutenção da escravidão teria


possibilitado a manutenção de um regime monárquico, como cita Boris Fausto em
uma passagem no seu livro Brasil e Argentina - Um ensaio de história comparada
1850 – 2002: “Era a existência do sistema escravista o que tornava necessária uma
ordem social que só a monarquia podia assegurar”. (Fausto, 2004)

Em 1850, quando ocorre a proibição por parte dos ingleses do tráfico


transatlântico, fica claro que essa iniciativa, isoladamente, não levaria
necessariamente a uma emancipação gradual, haja vista que com o fim do
contrabando atlântico de escravos as instituições escravistas se fortaleceram, devido
ao crescimento do tráfico interno de escravos. Isso resulta numa maior precarização
da vida dos cativos, ex-escravos incluídos. Entretanto, somados a outros
acontecimentos fazia surgir a possibilidade de reformas que culminaria na abolição
eventual, gradual e definitiva, como a aprovação da Lei de Terras que fez deteriorar
a cumplicidade da maioria da população livre, por ter a propriedade escrava cada vez
mais se concentrado nas mãos dos maiores senhores.

A rendição a pressão inglesa e a intensificação do tráfico interno também


foi motivo para a mudança de posição do partido conservador. Quando ocorre a
concentração de terras nas mãos dos maiores senhores, devido a Lei de terras, isso
gera também uma concentração de escravos nessas terras, causado pela
intensificação do tráfico interno, fazendo surgir o citado "temor salutar" de revoltas
dos africanos.

O governo, em 1851, aprova dois regulamentos no intuito de uma mudança


“modernizadora” nos costumes tradicionais, a implantação de um registro civil e a
realização de um recenseamento geral, que significava ter deslocado das paróquias
católicas para o juiz de paz, todos os registros, sejam eles de nascimento, óbito,
casamento e a problemática, o informe no recenseamento da cor da pessoa, visto
que a separação entre escravos e homens livres desapareceria do registro nos livros
e apenas a cor seria informada. Com o fim do tráfico dos cativos, as lavouras entraram
em crise por necessitar de mão-de-obra, ser registrado como "negro" era considerado
um grande risco para os homens livres que se afastassem de suas redes de relações
pessoais, de reconhecimento e proteção, visto que após o fim do contrabando de
cativos, foi potencializado o número de denúncias de reescravização ilegal.

Com o fim da cumplicidade da maioria da população livre e a maior


circulação dos cativos pelo território brasileiro, acabou por se criar expectativas de
que pudessem ser criados direitos dos costumes de uso recorrente dos escravos que
antes só eram vigentes em certas regiões, como fez a Lei do Ventre Livre, que tornava
a prática da obtenção da alforria em decorrência da morte do senhor e da formação
de pecúlio um direito. Além disso a Lei do Ventre Livre fez da clara preferência as
famílias escravizadas ao acesso a alforria remunerada uma regra.

E a autora cita: "Por meio dessas famílias organizaram-se listas de


matrícula, criadas a partir do Fundo de Emancipação, que relacionavam
separadamente famílias e indivíduos escravos."

A criação dessas matrículas tinha o objetivo de indenizar o senhor no


processo gradual de abolição, sendo esse senhor proprietário desse escravo. A partir
da instituição da matrícula dos escravos, a associação entre raça e cidadania mudaria
completamente, visto que agora quem precisava provar alguma coisa seria o próprio
senhor, sem a matrícula do cativo, o mesmo seria considerado um homem livre.

A Lei dos Sexagenários recusava a indenização dos senhores, mas a


proposta não agradou o gabinete, que substituiu a proposta pela Lei Saraiva
Cotegipe, nela a indenização era paga em serviços que visava coibir as fugas dos
escravos. Os negros lutavam muito por sua alforria e geralmente conseguia, mas
ainda havia muito escravo que chegou ao país de forma ilegal, muitos dos que tiveram
as suas matriculas efetuadas após a lei de 1871 tinha sua idade aumentada para
dissimular a entrada no país após a ilegalidade do tráfico. Com toda a pressão a
escravidão ia sufocando

Nesse contexto, a autora volta com um argumento que ela tinha iniciado o
capítulo, "a questão da abolição não era algo que se reportava apenas a questões
econômicas, relativas à "mão de obra"; incidia diretamente na própria definição de
cidadão brasileiro." (p. 24)

A questão era, quem era o cidadão brasileiro? Segundo a Constituição só


era um cidadão pleno quem nascerá "ingênuo", ou seja, livre. Entretanto, os
chamados "ventre-livres" que eram conhecidos como ingênuos ainda precisavam ficar
com o senhor e lhe prestar serviços até os 21 anos de idade. Os últimos senhores de
escravos ainda tentaram se prender a alguns recursos e a ilegalidade, obviamente,
como tentando manter os "ventre-livres" sob seu comando, sendo confrontados
judicialmente.

No que tange ao contexto brasileiro o período anterior a abolição da


escravatura, faz com que os produtores retirem toda a base de apoio a um regime
que, sofrendo as pressões externas e internas, tenderia a aboliar a escravidão. E é
sob uma chuva de críticas, quando os cafeicultores escravistas têm seus interesses
abalados, que redirecionam seus apoios para o federalismo como tentativa de manter
uma ordem escravocrata.
"Modernidade e escravidão resistiam a separar-se no contexto brasileiro." (p. 25)

Há o surgimento da questão racial no pensamento social brasileiro, e isso


não se tratava de um artifício conservador para lidar, do ponto de vista intelectual,
com a gradual abolição, como disse Hebe Mattos, até porque a maioria dos
intelectuais eram realmente reformistas. Perdia-se gradativamente as explicações
das hierarquias sociais pela biologia e se tem a relação entre raça e cultura.

A maioria da população brasileira se considerava parda desde finais do


século XVIII, logo a abordagem da questão da identidade nacional não poderia ser
feita sem pesar em raça. É a mestiçagem que tem o foco a partir de agora e é visto
como algo positivo, a raça brasileira seria formada com um projeto imigrantista, havia
uma meta de branqueamento da população. Seria o pardo a personificação da nação
brasileira nesse momento. E é ele que traz a luz do debate acerca da identidade
nacional uma abordagem não racista, sob a égide das suas próprias histórias, mas
racializada.

"Nesses discursos, a grande reforma da questão servil relacionava-se de


forma transformadora com as questões raciais e a identidade nacional." (p. 26)

Há a intensificação das fugas coletivas dos cativos, que ganhava caráter


símbolo de resistência. Quando ocorre a abolição definitiva, a monarquia já havia
perdido seus apoios para o federalismo. As primeiras décadas da republica tem como
grupo social mais expressivo a elite, que um pouco antes da abolição fazia se pensar
que mudaria, visto que houve uma aceleração no desgastar da legitimidade da
instituição escravista.

A presença de intelectuais negros foi marcante na vida intelectual do Brasil


oitocentista, e especialmente relevante no movimento abolicionista. Eles
foram, de certa forma, o fruto mais democrático da modernidade escravista
brasileira — com seu término, contraditoriamente, perderia a antiga
visibilidade. (p. 33)

Referências

Fausto, Boris – A herança do passado e a construção nacional. In: DEVOTO,


Fernando J; Fausto, Boris. Brasil e Argentina: Um ensaio de história comparada
(1850-2002). São Paulo: Editora 34, 2004. p. 142-143

MATTOS, Hebe Maria – Raça e cidadania no crepúsculo da modernidade escravista


no Brasil. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo. O Brasil Imperial, volume III:
1870 –1889. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. p. 17-37

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