O Incr Vel Mundo Da F Sica Moderna

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 200

CIP-Brasil.

Catalogação-na-Fonte
Câmara Brasileira do Livro, SP

Gamow, George, 1904-1968.


G184i O incrível mundo da física moderna/George Gamow;
2.ed. tradução de E. Jacy Monteiro. - 2. ed. - São Paulo: !BRASA,
1980.
(Biblioteca ciência moderna; v. 20)

1 . Física T. Título.

79-1268 CDD-530

lndice para catálogo sistemático :


1. Física: Ciências puras 530
O INCRÍVEL MUNDO DA .
FÍSICA MODERNA
. GEORGE GA1v10vV

JI
o
INCRIVEL MUNDO
,
DA
FISICA MODERNA

Tl·ad11çü o
ele E . ]AcY MoNTETRO

3ª EDIÇÃO

IBRASA - I!\STITUIÇÍÍ.O BRASILEIRA DE DIFCSÃO CULTl.'RAL s. A .


Título do original inglês:

MR. TOMPKINS IN PAPERBACK


Containing Mr. Tompkins in Wonderland
and Mr. Tompkins Explores the Atom

Copyright © 196.5 by
Cambridge University Press

Ilustrado pelo Autor


e JOHN HooKHAM

Capa de
ANGEL MARCO

Direitos desta .
edição reservados à

IBRASA
INSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE DIFUSÃO CULTURAL LTDA.
Rua 13 de Maio, 446
Tel/Fax: (Oxx11) 3284-8382
e-mail: [email protected]
home page: www.ibrasa.com.br

Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida, por


qualquer meio, sem prévio consentimento dos editores.
Excetuam-se as citações de pequenos trechos
em resenhas para jornais, revistas ou outro
veículo de divulgação.
Ao
Meu Amigo e Editor
RoN ALD MANSBRIDGE
Prefácio

NO INVERNO DE 1938 ESCREVI HISTÓRIA CURTA, CIENTIFICAMEN-


te fantástica (não de ficção científica) na qual procurei expli-
car ao leigo as idéias fundamentais da teoria da curvatura do
espaço e da expansão do universo. Resolvi fazê-lo exagerando
os fenômenos relativistas atualmente existentes a tal ponto que
os pudesse observar facilmente o herói da história, C. G. H.
Tompkins *), funcionário bancário interessado na ciência
moderna.
Mandei o manuscrito à Harper's Magazine e, como acontece
com todos os autores principiantes, recebi-o de volta com um
bilhete de rejeição. Assim também fizeram outras revistas, uma
meia dúzia, que procurei. Diante disso, pus o manuscrito numa
gaveta da secretária e esqueci-o. Durante o verão do mesmo
ano, compareci à Conferência Internacional de Física Teórica,
organizada pela Liga das Nações em Varsóvia. Estava tagare-
lando diante de um copo de excelente miodo polonês com meu
velho amigo Sir Charles Darwin, neto de Carlos (da Origem
das Espécies) Darwin, e a conversa voltou-se para a divl1lgação
da Ciência. Contei a Darwin a má sorte que experimentara nesse
assunto, e ele disse: "Olhe, Gamow, quando voltar aos Estados
Unidos, desenterre o manuscrito e mande-o ao dr. C. P. Snow,
editor da revista científica popular Discovery, publicada pela
Cambridge University Press".

* As iniciais do snr. Tompkins ongmam-se das três constantes fu nda-


mentais da Física : a velocidade da luz e; a constante gravitacional G;
e a constante quantum h, que é preciso multiplicar por fatore9 imensa-
mente grandes a fim de tornar-lhes o efeito facilmente ap.reciável pelo
vulgo. ·

9
Assim o fiz e uma semana depois chegou um telegrama de
Snow dizendo: "Publicarei o artigo no próximo número. Favor
mandar mais." De tal maneira, certo número de histórias a
respeito do snr. Tompkins, que vulgarizaram as teorias da rela-
tividade e do quantum, _apareceram em edições subseqüentes de
Discovery. Logo depois recebi uma carta dà "Cambridge Uni-
versity Press", sugerindo a publicação desses artigos com
algumas histórias mais para aumentar o número de páginas,
sob a forma de livro. O livro, sob o título "O snr. Tompkins
no País das Maravilhas", foi publicado em 1940 pela "Cam-
bridge University Press", e desde então reimpresso d~zesseis
vezes. A ele seguiu-se a continuação, "O snr. Tompkins explora
o átomo", publicado em 1940, até agora reeditado nove vezes.
Além disso, os dois volumes foram traduzidos em todas as
línguas européias (exceto o russo), bem como em chinês e indi.
Recentemente a "Cambridge University Press" resolveu reu-
nir os dois volumes primitivos em edição única em brochura,
pedindo-me que pusesse em dia o material antigo e adicionasse
mais algumas histórias versando os progressos da física e de
campos correlatos que se realizaram depois da publicação des-
ses volumes. De tal maneira vi-me obrigado a juntar as histó-
rias a respeito de fissão e fusão, o firme estado do universo e
os problemas excitantes relativos às partículas elemi:-ntares.
Esse material constitui o presente volume.
Devo dizer algumas palavras quanto às ilustrações. Os arti-
gos primitivos eni Discovery e o primeiro volume receberam
ilustrações do snr. John Hookham, que criou as feições do
snr. Tompkins. Ao escrever o segundo volume, o snr. Hookham
retirara-se do trabalho de ilustrador, e resolvi substituí-lo, obe-
decendo ' fielmente ao estilo dele. As novas ilustrações no pre-
sente volume são também minhas. Minha espo~a Bárbara
escreveu os versos e canções que aparecem neste volumf'.

G. GAMO\V

Universidade do Colorado
Boulder, Colorado, E. U .A.

10
lndt'cc

PREFÁCIO 9
I NTRODUÇÃO 13
1 Limite da velocidade ela cidade 15
2 Pq~leção do Professor a respeito de Relatividade qlle
causou o sonho elo snr. Tompkins 23
3 O snr. Tompkins entra no gozo ele férias 34
4 Preleção elo Professo r a respeito da Curvatura do
Espaço, Gravidade e Universo 46
5 O UniYerso pulsátil 59
6 Ópera Cósmica 70
7 Bilhares Quânticos 81
8 Janglas Quânticos 101
9 O demônio de l\Iaxv•ell 111
10 A Tribo alegre dos Eléctrons 128
11 Parte da preleção anterior dtirante a qual o
snr. Tompkins dormiu 144
12 Dentro do Núcleo 152
13 O Entalhador ele Madeira 165
14 Furos em Nada 182
15 O snr. Tompkins prova refeição japonesa 193
Introdução

DESDE A MENINICE FICAMOS ACOSTUMADOS AO MUNDO QUE NOS


cerca conforme o percebemos por meio dos cinco sentidos ; nes-
se estágio de desenvolvimento mental formam-se as noções
fundamentais de espaço, tempo e movimento. Em pouco tempo
o espírito acostuma-se de maneira tal a essas noções que mais
tarde nos inclinamos a acreditar que a nossa concepção do
mundo exterior, nelas baseada, é a única possível, qualquer idéia
de mudá-las afigurando-se-nos paradoxal. Contudo, o desenvol-
vimento de métodos físicos exatos de observação e a análise
mais profunda de relações observadas conduziram a ciência
moderna à conclusão definida ele que esse fundamento "clás-
sico" falha completamente quando empregado para a descrição
minuciosa de fenômenos ordinariamente inacessíveis à observa-
ção cotidiana, e, para a descrição correta e consistente ela nossa
nova experiência apurada, impõe-se certa mudança nos concei-
tos fundamentais de espaço, tempo e movimento.
Contudo, os desvios entre as noções comuns e as que a física
moderna introduz são inteiramente destituídos de significação
no que respeita à experiência da vida ordinária. Se, porém,
imaginarmos outros mundos, com as mesmas leis físicas que o
nosso, mas com valores numérícos diferentes para as constantes
físicas que determinam os limites ela aplicabilidade das concep-
ções antigas, os conceitos novos e corretos ele espaçõ, tempo e
movimento a que a ciência moderna chega somente depois de
investigações mui longas e complexas, tornar-se-iam matéria
de conhecimento comum. Podemos dizer que até mesmo em tal
mundo algum selvagem primitivo travaria conheciment.-, com
os princípios da relatividade e com a teoria do quantum, utili-
zando-os para as caçadas e necessidades diárias.

13
O herói .destas histórias transfere-se, nos sonhos, a diversos
mundos desse tipo, nos quais os fenômenos, inacessíveis aos
nossos sentidos ordinários, ficam tão fortemente exagerados que
seria possível observá-los facilmente como acontecimentos da
vida ordinária. Veio-lhe em auxílio, no sonho fantástico mas
cientificamente correto, velho profes~or de física (cuja filha,
Maud, posteriormente desposou) que lhe explicou em linguagem
simples os acontecimentos extraordinários por ele observados no
mundo da relatividade, cosmologia, quantum, estrutura atômica
e nuclear, partículas elementares etc.
É de esperar que as experiências extraordinárias do snr.
Tompkins permitirão ao leitor interessado conceber represen-
tação ·mais clara do mundo físico presente em que vivemos.

14
1

Liniite da Velocidade da Cidade

ERA :fERIADO BANCÁRIO, E O SNR. TOMPKINS, PEQUENO AMA-


nuense de grande banco da cidade, dormiu até tarde e almoçou
descansadamente. Procurando planejar como passar o dia, pen-
sou primeiramente em ir a algum cinema de tarde, e, abritido o
jornal da manhã, buscou as páginas de diversões. Todavia,
nenhum filme lhe pareceu interessante. Detestava toda essa
bobagem de Hollywood, de romances infinitos entre estrelas
populares.

Toda essa história de Hollywood 1


15
Se houvesse tão-só pelo menos um filme com alguma aventu-
ra real, com algo de extraordinário e talvez mesmo fantástico 1 ·
Nada, porém, encontrou. Inesperadamente, o olhar descobriu
pequena notícia no canto da página. A universidàde local anun-
ciava uma série de preleções a respeito dos problemas da física
moderna, e a daquela tarde devia abordar a Teoria da Relati-
vidade de Einstein. Bem, talvez fosse interessante! Ouvira
afirmar muitas vezes que havia somente doze pessoas no mun-
do que entendiam realmente a teoria de Einstein. Talvez
pudesse tornar-se a décima terceira! Com certeza iria à prele-
ção; talvez fosse exatamente o de que precisava.
Chegou ao grande auditório da universidade quando a pre-
leção já havia começado. O salão. estava cheio de estudantes,
na maior parte jovens, escutando atentamente o homem alto, ·
de barbas brancas, perto do quadro negro, procurando explicar
ao auditório as idéias fundamentais da Teoria da RelatiYidade.
Mas o snr. Tompkins somente chegou a compreender que a
essência da teoria de Einstein consiste em existir velocidade
máxima, a da luz, que nenhum corpo material em movimento
pode ultrapassar, conduzindo tal fato a conseqüências mui
estranhas e extraordinárias. Todavia, o professor afirmou que,
c;omo a velocidade da luz é de 300. 000 km por segundo, difi-
cilmente seria possível observar os efeitos da relatividade para
acontecimentos da vida ordinária. Contudo, a natureza desses
efeitos extraordinários era na realidade muito mais diíícil de
compreender, afigurando-se ao snr. Tompkins que tudo isso
estava em contradição com o bom senso. Procurava imaginar
a contração de barras de medida e o comportamento esquisito
dos relógios, - efeitos a esperar se se moverem com veloci-
dade próxima à da luz - quando a cabeça baixou vagarosa-
mente sobre o ombro.
Quando abriu novamente os olhos, achou-se sentado não em
um banco de auditório, mas em um dos que a prefeitura instala
para que os passageiros esperem comodamente o ônibus. Esta-
va em bela cidade antiga eni que se viam, alinhados pela rua,
edifícios universitários medievais. Teve suspeita que devia estar
sonhando ; mas, com surpresa, nada se passava de extraordi-
nário em torno; até mesmo o policial de pé na esquina oposta

16
ti~ha o aspecto comum dos policiais. Os ponteiros do grande
relógio da . torre no extremo da rua marcavam cinco horas e
as ruas estavam quase desertas. Somente um ciclista descia a
rua vagarosamente, e, ao aproximar-se, o snr. Tompkins
arregalou os olhos de admiração. A bicicleta e o jovem que a
montava estavam incrivelmente reduzidos na direção do movi-
mento, como se os visse através de lente cilíndrica. O relógio
da torre bateu cinco horas, e o ciclista, evidentemente apressado,
calcou com mais força os pedais. O snr. Tornpkins não obser-
vou ganhasse o ciclista muito em velocidade, mas, como resul-
tado do esforço realizado, ficou ainda mais reduzido e desceu
pela rua assemelhando-se exatamente a urna figura de papelão.
Depois, o snr. Tornpkins sentiu-se muito orgulhoso por ser
capaz de compreender o que acontecia ao ciclista - era sim-
plesmente a contração dos corpos em movimento, de que ouvira
falar ainda havia pouco. . .
" Evidentemente o limite da velocidade da natureza é aqui mais
baixo" concluiu; "e por isso o soldado na esquina parece tão
preguiçoso, pois não precisa estar atento aos que correm
demais." De fato, um táxi que vinha pela rua nesse momento,
fazendo o maior barulho possível, não era capaz de mover-se
mais depressa que o ciclista, arrastando-se simplesmente. O
snr. Tompkins resolveu alcançar o ciclista, que parecia bona-
chão, para perguntar-lhe tudo a respeito. Certificando-se que o
policial estava olhando para outro lado, pulou sobre a bicicleta
que alguém havia deixado junto ao meio-fio, e correu estrada
abaixo. Esperava ficar imediatamente reduzido em tamanho, e
ficou mui satisfeito porquanto ultimamente lhe tinha causado
certa ansiedade o próprio aspecto aumentado. Com grande
surpresa, contudo, nada lhe aconteceu ou à bicicleta. Por outro
lado, mudou inteiramente o aspecto em torno. As ruas ficaram
mais curtas, as vitrinas das lojas começaram a parecer fendas
estreitas, e o policial da esquina tornou-se o indivíduo mais
magro que algum dia havia visto.
"Co'os diabos!" exclamou excitadamente o snr. Tompkins,
"agora vejo a trica. É nesse ponto qtie entra em cena a palavra
relatimdade. Tudo quanto se move em relação a mim parece
mais curto, seja quem for que acione os pedais!" Era bom

17
Incrivelmente encurtado

ciclista e fazia os maiores esforços para alcançar o jovem. Des-


cobriu, porém, não ser fácil conseguir velocidade naquela bici-
cleta. Embora fizesse força nos pedais o mais que pudesse,
era quase de desprezar o aumento da velocidade. As pernas
começaram a . doer, mas não conseguiu passar pelo poste da
lâmpada da esquina mais depressa do que quando começou. Pa-
recia-lhe que todos os esforços que fazia para mover-se mais
rapidamente não davam resultádo algum. Compreendia agora
perfeitamente por que o ciclista e o táxi que havia pouco encon-
trara não podiam sair-se melhor, e lembrou-se das palavras do

18
__..._
-·~ ·· --.

Os quarteirões ficaram ainda mais curtos .

professor a respeito da impossibilidade de ultrapassar a veloci-


dade limite da luz. Observou, contudo, que os quarteirões se tor-
navam ainda mais curtos e o ciclista que ia à frente não
pàrecia tão distante. Na segunda volta alcançou-o, e quando os
dois estiveram lado a lado por alguns momentos, surpreendeu-
se por ver que o outro era um jovem inteiramente normal,
brincalhão. "Oh, talvez seja porque não nos movemos relativa-
mente um ao outro'', concluiu, e dirigiu a palavra ao jovem.
"Desculpe-me, senhor!", disse, "não acha inconveniente viver
em uma cidade de limite tão baixo de velocidade?"
"Limite de velocidade?" perguntou o outro surpreso. "Não
temos aqui limite algum de velocidade. Posso ir a qualquer
lugar tão depressa como quiser, ou pelo menos poderia se tives-
se uma motocicleta em lugar desta máquiina velha que não presta
para nada !"
"Mas você estava movendo-se mui vàgarosamente quando
passou por mim ainda há pouco", disse o snr. Tompkins;
"observei-o cuidadosamente".
"Oh, observou-me, ein ?" disse o ra.paz evidentemente ofen-
dido. "Suponho que não . observou termos 'deixado para trás

19
quatro quarteirões, desde que me dirigiu a palavra. Não acha
.suficiente essa velocidade?"
"Mas as ruas ficam tão curtas", arguiu o snr. Tompkins.
''De qualquer maneira que diferença há se nos movemos mais
rapidamente ou se a rua se torna mais curta? Tenho de percor-
rer dez quarteirões para ir ao Correio, e se piso mais forte-
mente nos pedais os quarteirões ficam mais curtos e chego lá
mais depressa. De fato, aqui estamos'', disse o jovem saltando
da bicicleta.
O .snr. Tompkins olhou para o relógiO do Correio, que indi-
cava cinco e meia. "Bem", observou triunfalmente, "você gastou
meia hora para percorrer estes dez quarteirões, de qualquer
modo quando eu o vi pela primeira vez eram exatamente cin-
co horas!"
"E você observou essa meia hora?" perguntou o compa-
nheiro. O snr. Tompkins teve de concordar que na realidade
lhe tinham parecido somente alguns minutos. Além disso,
olhando para o relógio pulseira, verificou que indicava tão-só
cinco minutos depois das cinco. "Oh," exclamou, "estará o
relógio do Correio adiantado?" "Naturalmente está, ou · o seu
está atrasado, exatamente porque você está indo muito depressa.
Que é que lhe está acontecendo, seja lá como for? Acaso caiu
da Lua?" e o jovem entrou no Correio.
Depois desta conversa, o snr. Tompkins compreendeu como
era desagradável não estar presente o velho .professor para
explicar todos estes acontecimentos estranhos. Evidentemente
o jovem era dessa região e se acostumara a essa situação mes-
mo antes de começar a andar. Assim sendo, o' snr. Tompkins
viu-se forÇado a explor~r por si mesmo esse mundo estranho.
Acertou o relógio pelo do Correio, e para ter certeza que estava
andando bem esperou dez minutos. O relógio não perdeu. Con-
tinuando a andar, viu finalmente o relógio da estação da estrada
de ferro, e resolveu verificar novainentie o próprio. Surpreenden-
temente, estava de novo uin pouquinho atrasado: "Bem, deve
ser também algum efeito da relatividade/' concluiu o snr.
Tompkins; e resolveu indagar a :respeito de alguém mais inte-
ligente do que o jovem ciclista.

20
Breve apresentou-se a oportunidade. Um cavalheiro, eviden-
temente duns quarenta anos, saiu do trem e começou a dirigir-
se para a porta dà estação. Veio-lhe ao encontro uma senhora
bastante idosa, que, mui "surpreendentemente para o snr.
Tompkins, a ele se dirigiu como "c<i.ro avô". Era demai~ para
o snr. Tompkins. Sob a desculpa de ajudar a carregar as ma-
letas, começou a conversar.
"Desculpem~me · se estou intrometendo-me em assuntos de
família,'' disse, "mas o snr. é· realmente avô desta gentil ~enho­
ra? Compreende, sou estranho aqui e nunca ... " "Oh, eston
vendo,'' disse o cavalheiro sorrindo com o bigode. "Suponho
que está tomando-me pelo judeu errante ou outro semelhante.
Mas a questão é. bastante simples. A profissão exige que viaje
muito e como passo a maior parte da vida nos trens, natural~
mente fico velho muito mais devagar do que os parentes que
moram na cidade. Fico tão satis~eito de voltar a tempo para
ver a minha cara neta ainda viva l Mas desculpe-me, por favor;
tenho de arrarijar~lhe · um táxi"; e .saiu a correr, deixando o
snr. Tompkins sozinho de novo com os seus problemas. Uns
sariduíches no restal,lrante da estaç~o reforçaram-lhe até certo
ponto a capacidade mental, chega,rido mesmo a supor ter encon-
trado a contradiÇão no famoso prindpio da relatividade.
"Sim, sem dúvida," pensou enqué:\t:ito sorvia o café, "se tudo
fosse relativo, .o viaj<1.nte tei:ia de parecer aos parentes bastante
velho, e a ele · pareceriam . muito velhos, embora uns e outros
fossem, de fato, muito moços. Mas o que estou dizendo agora
é decisivamente cont~a-senso: Uma pessoa não poderia ter
cabelo grisalho relativo.!" De sorte que resolveu fazer uma últi-
ma tentativa para descobrfr· como tudo é realmente e aproxi-
mou-se de um · home~ solitário, trazendo uniforme· da estrada
de ferro, que estava sentado no restaurante.
"Terá a bondade, senhor," começou, "poderá ter a gentileza
de dizer-me quem é responsável por ficarem os passageiros
velhos muito mais lentamente do que os que demoram em qual-
quer lugar?"
''Cabe-me essa responsabilidade,'' disse o homem mui sim-
plesmente.

21
"Oh 1" exclamou o snr. Tompkins. "Assim sendo, o snr.
resolveu o problema da Pedra Filosofal dos antigos alquimis-
tas. O snr. deve ser muito famoso no mundo da medicina.
Ocupa a cátedra de medicina aqui ?"
"Não," respondeu o homem, inteiramente desapontado, ."sou
simplesmente um guarda-freios da estrada de ferro."
"Guarda-freios 1 Quer dizer guarda-freios ... " exclamou o
snr. Tompkins, vendo fugir-lhe o chão debaixo do pés. "Quer
dizer que - aperta simplesmente os freios quando o trem
chega à estação?" .
"Isso mesmo, é o que faço : e cada vez que o trem diminui
a marcha os passageiros ganham em idade em relação a outras
pessoas. Sem dúvida," juntou modestamente, "o maquinista que
acelera o trem também toma parte."
"Mas o que tem tudo isso a ver com o ficar jovem?" per-
guntou o snr. Tompkins grandemente surpreso.
"Bem, não sei exatamente," disse o guarda-freios, "mas
assim é. Quando perguntei a um erofessor universitário que
uma vez viajou no meu trem, como era assim, ele começou uma
exposição mui longa e incompreensível a respeito e finalmente
disse que era semelhante à mudança rubra de gravitação -
acho que assim a chamava - sobre o sol. Já ouviu dizer algo
a respeito de mudanças rubras?"
"Não," disse o snr. Tompkins, um tanto hesitantemente; e
o guarda-freios afastou-se, abanando a cabeça.
De repente sentiu mão pesada sacudir-lhe o ombro e achou-se
sentado não no restaurante da ·estação, mas na cadeira do audi-
tório em que havia escutado a preleção do professor. As luzes
estavam meio apagadas e o salão vazio. O porteiro que o acor-
dou disse: "Vamos fechar, senhor; se quer dormir, melhor ir
para casa." O snr. Tompkins levantou-se e encaminhou-se
para a saída.

22
2

Preleção do Professor a Respeito de


Relatividade, Que Causou o Sonho
do Snr. Tompkins

SENHORAS E SENHORES;

Em estágio muito primitivo de desenvolvimento, o espírito


humano formou noções definidas de espaço e tempo como estru- ·
tura em que os diversos acontecimentos se r~lizam. Essas
noções, sem mudanças essenciais, foram transmitidas de gera-
ção em geração, e, desde o desenvolvimento das ciências exatas,
passaram a constituir a base da descrição matemática do Uni-
verso. O grande Newton talvez tivesse formulado claramente
peia primeira vez as noções clássicas de espaço e tempo, escre-
vendo nos Principia:

" O espaço absoluto, na sua natureza própria, sem relação a algo de


externo, fica sempre semelhante e imóvel; e o Tempo, absoluto, verda-
deiro e matemático decorre, por si e pela própria natureza, igualmente
sem relação a algo de externo. "

Tão forte era a crença na correção absoluta dessas idéias clás-


sicas a respeito de espaço e tempo que os filósofos as conside-

23
raram muita vez .como dadas a priori, e cientista algum pensou
jamais na possibilidade de pô-las em dúvida. ·
Contudo, logo no começo do século atual, tornou-se evidente
que certo número de resultados obtidos pelos métodos mais
precisos da física experimental conduziam a contradições evi-
dentes se interpretados dentro da estrutura clássica de espaço
e tempo. Tal fato inspirou a um dos maiores físicos contempo-
râneos, Albert Einstein, a idéia revolucionária que não existe
qualquer motivo, exceto a tradição, para considerar as noções
clássicas relativas ao espaço e ao tempo como absolutamente
verdadeiras, impondo-se a necessidade de mudá-las para se
ajustarem a novas experiências mais precisas. De fato, desde
que as noções clássicas de espaço e tempo foram formuladas
em base da experiência humana na vida ordinária, não nos deve
surpreender que os métodos apurados de observação atuais,
baseados em técnica experimental altamente desenvolvida, indi-
quem serem essas antigas noções demasiado grosseiras e ine-
xatas, podendo ter-se utilizado na vida ordinária e nos primeiros
estágios de desenvolvimento da física somente porque o desvio
das noções corretas era suficientemente pequeno. Nem · precisa-
mos surpreender-nos que a ampliação do campo de exploração
da ciência moderna nos conduzisse a regiões em que tais desvios
se tornassem tão grandes que impossibilitassem inteiramente o
emprego das noções clássicas.
O resultado experimental mais importante que conduziu à
crítica fundamental das noções clássicas foi a descoberta que a
velocidade da luz no vácuo representa o limite superior de toda
velocidade física possível. Tal conclusão importante e inespera-
da resultou principalmente das experiências do físico americano
Michelson, que procurou, no fim do século passado, observar
o efeito do movimento da Terra sobre a velocidade da propa-
gação da luz, e, com grande surpresa e surpresa de todo o
mundo científico, verificou não existir tal efeito, realizando-se
a velocidade da luz no vácuo sempre exatamente por igual ma-
neira, independentemente do sistema que serviu para medi-la,
ou do movimento da fonte que a emite. Não há necessidade de
explicar como é extremamente extraordinário semelhante resul-

24
tado, · contradizendo os conceitos mais fundamentais que dizem
respeito ao movimento. De fato, se certo objeto ·se move rapi-
damente pelo espaço e o observador também se move ao seu
encontro, o objeto em movimento o atingirá com velocidade
relativa maior, igual à soma das velocidades do objeto e do
observador. Por outro lado, se o observador se afasta, o objeto
atingi-lo-á por trás com menor velocidade, igual à diferença
entre as duas.
Assim também, se uma pessoa se move, digamos em um auto-
móvel, de encontro ao som que se propaga pelo ar, a velocidade
do som, medida no carro, será maior conforme a velocidade
da pessoa, ou será correspondentemente menor se o som a alcan-
ça. Denominamos tal ocorrência de teorema das velocidades e
sempre se considerou evidente.
Contudo, · as experiências .mais cuidadosas revelaram que, no
caso da luz, tal não se verifica, ficando sempre a mesma a
velocidade da luz no vácuo, igual a 300. 000 km por segundo
(o que se representa em geral por e), independentemente da
velocidade com que o observador se desloca.
· ".Não há dúvida", dir-se-á, "mas não será possível construir
velocidade acima da luz adicionando diversas pequenas veloci~
dades que se possam atingir fisicamente?"
· Por exemplo, poderíamos considerar um trem que se movesse
rapidamente, digamos com três-quartos da velocidade da luz
e um vagabundÓ correndo por cima da cobertura dos carros
igualmente c~m a velocidade cie três-quartos da luz. ·
Conforme o teorema de adição, a velocidade total deveria
s.er. vez e meia a da luz, e o vagabundo em disparada seria capaz
de ultrapassar o raio de luz da lâmpada de um sinal. Contudo,
a verdade é que, como a constância da velocidade da luz é fato
eiperimental, a velocidade resultante nesse caso deve ser menor
do que se espera - . não poderá ultrapassar o valor crítico
e; e desse modo chegamos à conclusão que, também para velo-
cidades menores, o teorema clássico da adição deve estar errado.
O tratamento matemático do problema, no qual não desejo
entrar aqui, conduz a nova fórmula muito simples para o cálculo
da velocidade resultante de dois movimentos 'Superpostos. ·

25
Se 'V1 e 'l'2 são duas velocidades a adicionar, a velocidade
resultante será dada J)or :
V1± V2
V=
1 + V1 V~
- c2

Vê-se por esta fórmula que as duas velocidades primitivas


são pequenas, quero dizer pequenas em relação à velocidade
da luz, o segundo termo no denominador da fórmula {1) pode
desprezar-se em comparação com a ~unidade, chegando-se ao
teorema clássico da adição das velocidades. Se, contudo, v1 e v2
não forem pequenas, o resultado será sempre um pouco menor
que a soma aritmética. Por exemplo, no caso do vagabundo
3 3
correndo por cima do trem, v~ = 4 e e 'l'2 = 4 e e a fór-
24
mula dá para a velocidade resultante V = Ts e, que ainda
é menor que a velocidade da luz.
Em um caso particular, quando uma das velocidades originá-
rias é e, a fórmula ( 1) fornece e para a velocidade resultante,
independentemente do que for a segunda velocidade. Assim,
sobrepondo qualquer número de velocidade, não é possível nunca
ultrapassar a velocidade da luz.
Também poderá oferecer interesse saber ter-se provado es5a
fórmula experimentalmente, e realmente achou-se que a resul-
tante de duas velocidades é sempre um pouco menor que a
soma aritmética.
Tendo reconhecido a existência de limite superior para a
velocidade podemos começar a crítica das idéias clássicas de espa-
ço e tempo, dirigindo o primeiro golpe à noção de simultanei-
dade nelas baseada.
Quando alguém diz : "A explosão nas minas perto da Cidade
do Cabo deu-se exatamente no mesmo momento em que lhe
serviam ovos estalados em presunto no apartamento de Lon-
dres", julga saber o que quer dizer. Vou mostrar, contudo, que
não sabe, e, falando rigorosamente, tal afirmação não tem sig-
nificado exato. De fato, que método se empregaria para verificar

26
se os dois acontecimentos em lugares diferentes são ou não
simultâneos? Poderia dizer-se que os relógios nos dois lugares
indicavam a mesma hora; surge, porém, a pergunta quanto à
maneira de acertar os relógios distantes de sorte a indicarem
simultaneamente a mesma hora, fazendo-nos voltar à pergunta
primitiva.
Como a independência da velocidade da luz no vácuo em
relação ao movimento da fonte luminosa ou do sistema pelo
qual se mede constitui fato experimental estabelecido da ma-
neira mais exata, o método seguinte para medir as distâncias
e acertar corretamente os relógios em diversas estações de obser-
vação deve reconhecer-se como o mais racional e, conforme o
leitor concordará depois de meditar um pouco mais, o único
racional.
Envia-se um sinal luminoso da estação A, e logo o recebem
na estação B, faz-se voltar à estação A. Metade do tempo, con-
forme se lê na estação A, entre o envio e a volta do sinal,
multiplicada pela constante da velocidade da luz, define-se com
a distância entre A e B .
Diz-se que os relógios nas estações A e B estão corretamente
certos se no momento da chegada do sinal em B o relógio
local indica exatamente a média dos dois tempos registrados
em A no momento de envio e de recebimento do sinal. Empre-
gando esse método entre diversas estações de observação
estabelecidas numa estrutura rígida, chegamos finalmente à que

Duas longas plataformas movendo-se em sentido contrário

27
se deseja para referência, . podendo então responder às pergun-
tas que entendem com a simultaneidade ou intervalo de tempo
entre dois acontecimentos em lugares diferentes.
Mas observadores em outros sistemas reconhecerão esses tesul-
tados? A fim de responder a essa pergunta, vamos supor terem
sido estabelecidas essas estruturas de referência em ,dois corpos
rígidos diferentes, digamos em dois longos foguetes espaciais
movendo-se com velocidade constante em direções opostas, e
vejamos como essas duas estruturas se verificam entre si. Su-
ponhamos estarem localizados quatro observadores nas extre-
midades frontal e posterior de cada foguete, os quais desejam
antes de tudo acertar corretamente os respectivos relógi9s. Cada
par de observadores pode utilizar no foguete respetivo a modifi-
cação do método acima mencionado enviando um sinal luminoso
do meio do foguete (conforme se medir convenientemente) e
pondo o ponto zero nos relógios quando o sinal, proveniente
do meio do foguete, chegar a cada extremidade. Desse modo,
cada par de observadores estabelece, de conformidade · com a
definição anterior, o critério de simultaneidade · no próprio sis-
tema e acertou "corretamente" os relógios, naturalmente do
próprio ponto de vista.
Em seguida resolvem conferir se as leituras da hora. nos
respetivos foguetes se verificam mutuamente. Por exemplo, os
relógios de dois observadores em foguetes diferentes indicam
a mesma hora quando passam um por outro? Pode-se verificá-
lo da seguinte maneira : instalam-se no meio geométrico de cada
foguete dois condutores carregados eletricamente, de tal ma-
neira que, quando os foguetes passam um pelo outro, salte uma
centelha entre os condutores, e sinais luminosos partem simul-
taneamente do centro de cada plataforma em direção às extre-
midades frontal e posterior. Na ocasião em que os sinais
luminosos, viajando com velocidade finita, aproximam-se dos
observadores, os foguetes mudaram de posição relativa e os
obser\radores 2A e 2B estarão mais perto da fonte de luz do
que os observadores lA e lB.
É evidente que, quando o si-nal luminoso alcança o obser-
vador 2A, o observador lB estará mais para trás, de sorte que
o sinal precisará de mais algum tempo para alcançá-lo. Assim,

28
se o relógio de lB acertou-se de tal maneira que indique hora
zero à chegada do sinal, o observador 2A insistirá em que está
atrasado em relação à hora certa.
De igual maneira, outro observador, lA, chegará à conclu-
são que o relógio de 2B, que encontrou o sinal antes dele, está
adianta<io. Como, de conformidade com a própria definição de
simultaneidade, os respetivos relógios ·estão corretamente cer-
tos, os observadores no foguete A concordarão em que existe
uma diferença em relação aos relógios dos observadores do
foguete B. É preciso, porém, não esquecer que os observadores
do foguete B, exatamente pelos mesmos motivos, hão-de cón-
siderar os próprios relógios como corretamente certos, mas
afirmarão existir uma diferença em relação aos relógios do
foguete A.
Como os dois foguetes são completamente equivalentes, pode
resolver-se a disputa entre os dois grupos de observadores
somente dizendo que os dois estão corretos do respetivo ponto
de vista, mas não tem sentido físico a questão de quem está
correto "absolutamente".
Receio ter fatigado o leitor com estas longas considerações,
mas quem as acompanhar cuidadosamente verá evidentemente
que, logo se adote o nosso método de medida de espaço-tempo,
deS?Janece-se a noção de simultaneidade absoluta, e dois acon-
tecimentos em lugares diferentes considerados como simultâ-
neos do ponto de vista de certo sistetn<J de referência ficarão
separados por intervalo d.efinido de tempo do ponto de vista
de outro sistema.
Esta proposição afigura-se a princípio extremamente estra-
nha, mas assim lhe parecerá se eu disser que, jantando em um
trem, se tomam a sopa e a sobremesa no mesmo ponto do carro
restaurante, mas em pontos largamente separados da estrada?
Contudo, esta afirmação a respeito do jantar no trem pode
formular-se dizendo que dois acontecimentos que ocorrem em
tempos diferentes no mesmo ponto de um sistema de referência
ficarão separados por intervalo de espaço definido do ponto
de vista de outro sistema.
Se compararmos esta proposição "tri~ial" à "paradóxica"
anterior, veremos que são· absolutamente simétricas, podendo

29
transformar-se uma na outra simplesmente mediante a troca
das palavras "tempo" e "espaço".
Aí está a essência do ponto de vista de Einstein: enquanto na
física clássica se considerava o tempo como inteiramente inde-
pendente do espaço e do movimento "fluindo igualmente sem
qualquer relação a algo de externo" (Newton), na nova física
espaço e tempo estão intimamente ligados e representam
exatamente duas seções transversais diferentes de um "contínuo
espaço-tempo" homogêneo, no qual se realizam todos os acon-
tecimentos observáveis. A separação desse contínuo em quatro
dimensões em espaço a três dimensões e tempo de uma dimen-
são é puramente arbitrária, dependendo do sistema a partir do
qual se fazem as observações.
Dois acontecimentos, separados no espaço pela distância l
e no tempo pelo intervalo t, conforme se observam em um
sistema, ficarão separados por outro distância l' e outro inter-
valo de tempo t' quando vistos de outro sistema, de sorte que
em certo sentido é possível falar da transformação do espaço
em tempo e vice-versa. Também não é difícil ver por que a
transformação do tempo em espaço, como no exemplo do jantar
no trem, constitui para nós noção comum, enquanto a trans-
formação do espaço em tempo, donde resulta a relatividade da
simultaneidade, afigura-se extremamente extraordinária. A ques-
tão é que se medimos distâncias, digamos em "centímetros", a
unidade correspondente para o tempo não deve ser o "segundo"
convencional mas uma "unidade racional de tempo", represen-
tada pelo intervalo de tempo necessá.rio para que um sinal lumi-
noso cubra a distância de um centímetro, isto é, O,()(X).000.000.03
do segundo.
Portanto, na esfera da nossa experiência ordinária, a trans-
formação dos intervalos de espaço em intervalos de tempo con-
duz a resultados praticamente inobserváveis, o que parece vir
em apoio do ponto de vista clássico que afirma ser o tempo
absolutamente independente e imutável.
Contudo, quando se investigam movimentos de velocidades
muito elevadas, como, por exemplo, o movimento de eléctrons
emitidos por corpos radiativos ou o movimento de eléctrons
dentro do átomo, nos quais \\S distâncias percorridas em certo

30
intervalo de tempo são da mesma ordem de grandeza que o
tempo expresso em unidades racionais, encontram-se necessaria-
·mente os dois efeitos acima discutidos, assumindo grande impor-
tância a teoria da relatividade. Mesmo na região de velocidades
comparativamente pequenas, como, por exemplo, os movimentos
dos planetas em nosso sistema, é possível observar efeitos rela-
tivistas em virtude da extrema precisão das medidas astronô-
micas ; tal observação de efeitos relativistas exige, contudo, me-
didas de alterações do movimento planetário que correspondem
a uma fração de um segundo angular por ano.
Conforme procurei explicar, a crítica às noções de espaço e
tempo conduz à conclusão da possibilidade da conversão par-
cial de intervalos de espaço em·intervalos de tempo e vice-versa;
o que importa em que o valor numérico de certa distância ou
período de tempo será diferente conforme se mede de siste-
mas diferentes de movimento.
Análise matemática relativamente simples desse problema, na
qual, contudo, não desejo entrar nestas preleções, conduz a fór-
mula definida para mudança dess,es valores. Chega-se à conclu-
são que qualquer objeto de comprimento l, movendo-se em
relação ao observador com a velocidade v, encurta-se de uma
certa porção que depende da velocidade, cujo comprimento me-
dido será: ·

l' =lJ~
·cl
(2)

Analogamente, qualquer processo que ocupe o tempo t será


observado do sistema que se move relativamente como gastando
mais tempo ( dado pela fórmula :

t'
-g· t

Tal o famoso "encurtamento do espaço" e "expans~o do tem-


po" da teoria da relatividade.
Ordinariamente, quando v é muito menor que e os efeitos
são . muito pequenos, mas para velocidades suficientemente

31
grandes, os comprimentos conforme se observam de um siste-
ma em movimento podem tornar-se arbitrariamente pequenos e
os intervalos de tempo arbitrariamente longos.
Desejo não esqueça o leitor serem ambos esses efeitos 'Siste-
mas absolutamente simétricos, e, enquanto os passageiros de
um trem que se move rapidamente ficarão admirados por verem
as pessoas no trem parado tão delgadas movendo-se tão vaga-
rosamente, estes pensarão o mesmo a respeito dos passageiros
daquele.
Outra conseqüência importante da existência da velocidade
máxima possível diz respeito à massa dos corpos em movimen-
to. Conforme os fundamentos gerais da mecânica, a massa de
um corpo determina a dificuldade de pô-lo em movimento ou
de acelerar o movimento já existente; quanto maior a m~ssa,
mais difícil será aumentar a velocidade em certa dose.
Não podendo qualquer corpo, sob quaisquer circunstâncias,
exceder a velocidade da luz, chegamos diretamente à conclusão
que a resistência a maior aceleração ou, por outras palavras, a
massa, deve aumentar ilimitadamente quando a velocidade do
corpo se aproxima da velocidade da luz. A análise matemática
conduz a uma fórmula para essa dependência, análoga às fórmu-
las (2) e (3); Se m0 e a massa para velocidades muito pe-
quenas, a massa m na velocidade v é dada por :

e a resistência a maior aceleração torna-se infinita quando v


se aproxima de e.
Esse efeito da mudança relativista da massa pode observar-se
facilmente pela experiência com relação a partículas que se mo-
vem com grande rapidez. Por exemplo, a massa dos eléctrons
emitidos pelos corpos radiativos (com a velocidade 99% da
luz) é várias vezi>il maior que no estado de repouso e a massa

32
dos eléctrons que formam os chamados raios cósmicos, qne se
movem freqüentemente a 99,98% da velocidade da luz, é mil
vezes maior.
Para velocidades dessa ordem a mecânica clássica torna-se
absolutamente inaplicável e passamos ao .domínio da relativida-
de pura.

33
3

O Snr. Tompkins Entra no Gozo de Férias

O SNR. TOMPKINS DIVERTIU-SE BASTANTE COM AS AVENTURAS


que experimentou na cidade relativista, mas lastimou não esti-
vesse presente o professor para dar qualquer explicação a res-
peito dos fatos estranhos por ele observados: o mistério da
maneira pela qual o guarda-freios fora capaz de impedir que os
passageiros envelhecessem preocupava-o especialmente. Muitas
noites foi deitar-se esperando voltar a ver essa cidade interes-
sante novamente, mas os sonhos eram raros e na maior parte
desagradáveis; na última vez era o gerente do banco que o
despedia devido à incerteza introduzida por ele nas contas do
banco. . . de sorte que resolveu ser preferível entrar no gozo de
férias, indo . passar uma semana em algum lugar à beira-mar.
De tal modo achou-se sentado num compartimento de um trem,
contemplando pela janela os telhados acinzentados dos subúrbios
que cediam gradualmente lugar às campinas verdes da zona
rural. Apanhou um jornal e procurou interessar-se pelo conflito
no Vietname. Mas tudo parecia tão monótono e o carro emba-
lava-o tão agradavelmente .. .
Quando abaixou o jornal e olhou pela janela novamente,
a paisagem mudara consideravelmente. Os postes telegráficos
estavam tão próximos uns dos outros que pareciam uma cerca,
e as árvores tinham copas extremamente estreitas, parecendo

34
ciprestes italianos. Na frente dele estava sentado o velho pro-
fessor, olhando pela janela com grande interesse. Provavelmente
entrara enquanto o snr. Tompkins estava atento ao jornal.
"Estamos na terra da relatividade," disse o snr. Tompkins,
"não acha ?" ·
"Oh!" exclamou o professor, "o snr. já sabe tanto! Onde
foi que aprendeu?"
"Já estive aqui uma vez, mas não tive então o prazer de
sua companhia."
"Assim sendo vai provavelmente servir-me de guia desta vez,"
disse ·o velho.
"Diria não," respondeu o snr. Tompkins. " Vi uma porção
de fatos extraordinários, mas as pessoas do lugar a quem falei
não eram capazes de compreender absolutamente o que me
preocupava."
" É muito natural," disse o prnfessor. Nasceram neste mundo
e consideram todos os fenômenos que se passam em torno como
evidentes por si mesmos. Mas imagino que ficariam grande-
mente surpreendidos se acaso passassem ao mundo em que o
snr. costumava viver. Havia de parecer-lhes tão notável."
"Posso fazer-lhe uma pergunta?" disse o snr. Tompkins. "Na
última vez em que aqui estive, encontrei um guarda-freios que
insistiu em afirmar que, devido às paradas e partidas os pas-
sageiros envelhecem menos rapidamente do que os moradores
na cidade. Será magia ou está de acordo com a ciência moderna ?"
"Não há motivo algum para desculpar qualquer referência
à magia como explicação," disEe o professor. "É conseqüência
direta das leis da física. Mostrou-o Einstein, baseando-se na
análise das novas noções de espaço e tempo ( <JU deveria dizer
tão antigas como o mundo nas descobertas recentemente), que
todos os processos físicos se tornam lentos quando o sistema
em que se realizam muda a velocidade. Em nosso mundo é
quase impossível observar-lhes os efeitos por serem demasiado
pequenos, mas aqui, em virtude da velocidade reduzida da luz,
são geralmente bastante evidentes. Se, por exemplo, o snr. pro-
curasse ferver um ovo aqui, e em lugar de não tocar na panela
. movesse-a de um lado para o outro, mudando constantemente
a velocidade, precisaria de seis minutos e não de cinco para

35
cozinhá-lo convenientemente; Assim também no corpo humano
todos os processos perdem velocidade, se, por exemplo, o indi-
víduo está sentado numa cadeira de balanço ou num trem que
muda de velocidade; vivemos mais devagar em tais condições.
Contudo, como todos os processos diminuem de velocidade na
mesma extensão, os físicos preferem dizer que em um sistema
que se move não-uniformem{:nt.e, o tempo flui mais devagar."
"Mas os cientistas obser~am realmente tais fenômenos no
mundo em que vivemos?"
"Com certeza, mas torna-se necessária habilidade considerá-
vel. Tecnicamente é mui difícil conseguir as acelerações neces-
sárias, mas as condições que existem em sistema que se move
não-uniformemente são análogas, ou deveria dizer idênticas, ao
resultado da ação de força muito grande de gravidade. Deve
ter observado que, quando está em um elevador que sobe rapi-
damente, lhe parece ter ficado mais pesado; ao contrário, se o
elevador começa a descer {compreende-se melhor se os cabos
rebentam) parece à pessoa estar perdendo peso. Explica-se
dizendo que o campo gravitacional criado pela aceleração se
junta à gravidade da Terra ou dela se subtrai. Bem, o poten-
cial da gravidade na superfície do Sol é muito maior do que na
da Terra, e nele todos os processos devem, portanto, ficar ligei-
ramente diminuídos. Os astrônomos assim o observam."
"Mas não podem ir ao Sol para observá-lo?"
"Não precisam ir lá. Observam a luz que · nos vem do Sol.
A vibração de diferentes átomos na atmosfera do Sol emite tal
luz. Se todos os processos se tornam lá mais vagarosos, a velo-
cidade das vibrações atômicas diminui igualmente, e mediante
a comparação da luz emitida pela fonte solar com a de fontes '
terrestres é possível notar a diferença. Sabe, a propósito, o
nome -:- disse o professor interrompendo-se - desta pequena
estação pela qual estamos passando agora?"
O trem passava agora ao longo da plataforma de pequena
estação campestre, que estava quase vazia, vendo-se tão-somente
o agente e um carregador sentado num carrinho e lendo um
jornal. De repente o agente agitou as mãos no ar e caiu de
bruços. O snr. Tompkins não ouviu o estampido do tiro devido
ao barulho do trem, mas a poça de sangue que se formou em

36
torno do corpo não deixava dúvidas. O professor puxou . ime-
diatamente o freio de emergência e o trem parou com um
solavanco. Quando saíram do carro o carregador já estava cor-
rendo em direção ao corpo e um policial rural se aproximava.
"O tiro atravessou o coração," disse o policial depois de
examinar o corpo e, pondo a mão pesada no ombro do car-
regador, continuou: "Prendo-o pelo assassinato do agente."
"Não fui eu quem o matou", exclamou o infeliz carregador.
"Lia o jornal quando ouvi o tiro. Estes senhores do trem
viram provavelmente tudo e podem testemunhar que estou
inocente".
"Certamente," disse o snr. Tompkins, "vi com os meus pró-
prios olhos que este homem lia o jornal quando atiraram no
agente. Posso jurá-lo pela Bíblia."
"Mas o snr. estava no trem em movimento, " disse o policial
assumindo tom autoritário, "e, portanto, o que diz nada prova
absolutamente. Visto da plataforma o homem poderia ter atirado
naquele mesmo instante. Não sabe que a simultaneidade depen-
de do sistema do qual se observa? Acompanhe-me obediente-
mente," disse voltando-se para o carregador.
"Desculpe, guarda," interrompeu o professor, "mas não tem
absolutamente razão, e acho que na delegacia não gostarão da
sua ignorância. É verdade, sem dúvida, que a noção de simul-
taneidade é. grandemente relativa na sua terra. É também ver-
dade que dois acontecimentos em lugares diferentes podem ser
ou não simultâneos, dependendo do movimento do observador.
Mas, mesmo na sua terra, nenhum observador pode ver a cm1-
seqüência antes da causa. Já recebeu algum dia um telegrama
antes de lhe terem enviado? ou ficou bêbedo antes de abrir a
garrafa? Conforme diz, supõe que, devido ao movimento do
trem, deveríamos ter visto o disparo muito depois do efeito, e,
quando saímos do trem, vimos imediatamente o agente cair, e
ainda não tínhamos visto o disparo. Sei que ensinam na força
policial a acreditar somente no que está escrito nas instruções,
mas procure bem e provavelmente achará alguma informação
a esse respeito."
O tom do professor impressionou o policial e, tirando do
bolso o caderno de instruções, começou a lê-lo vagarosamente.

37
Pouco depois derramou-se-lhe pelo rosto grande e vermelho um
sorriso embaraçado.
"Aqui está", disse, "seção 37, subseção 12, § e: "deve reco-
nhecer-se como alibi perfeito qualquer prova autorizada de
qaulquer sistema em movimento seja qual for, que no momento
do crime ou dentro de um intervalo de tempo ± cd (sendo e
ci limite natural da velocidade e d a distância ao lugar do crime)
tenha-se visto o suspeito em outro lugar."
"Está livre, bom homem," disse para o carregador e em
seguida, voltando-se para o professor: "Muito obrigado, senhor,
por ter-me evitado dificuldades na delegacia. Estou há pouco
servindo na força e ainda não me a,costumei a todas essas regras.
Contudo, de qualquer maneira terei de comunicar o assassina-
to," e dirigiu-se para a cabina do telefone. Um minuto depois
gritou donde estava. "Tudo em ordem agora! Apanharam o
assassino quando saiu a correr da estação. Mais uma vez
obrigado.,;
"Talvez eu seja muito estúpido", disse o snr. Tompkins,
quando o trem se pôs novamente em movimento, "mas o que
significa tudo isso a respeito de simultaneidade? Nada signifi-
cará nesta região?"
"Tem significação," foi a resposta, "mas somente até certo
ponto; de outro modo ter-me-ia sido impossível ajudar o car-
regador. Precisa saber que a existência de limite natural à
velocidade para o movimento de qualquer corpo ou para a pro-
pagação de qualquer sinal, faz com que a simultaneidade no
sentido ordinário da palavra perca a significação. Provavelmente
o compreenderá mais facilmente da seguinte maneira. Suponha
que tem um amigo morando em alguma cidade afastada, com o
qual se corresponde por escrito, utilizando o trem expresso pos-
tal como meio mais rápido de comunicação. Suponha agora
ter-se dado algum fato com o snr. no domingo e sabe que o
mesmo vai acontecer ao amigo. E videntemente não poderá
entrar em comunicação com ele antes de quarta-feira. Por outro
lado, se ele soubesse previamente do que lhe ia acontecer, a
última data para lhe comunicar teria sido a quinta-feira ante-
rior. Desse modo, durante seis dias, de quinta-feira a quarta
seguinte, o amigo não poderia exercer qualquer influência sobre

38
o que o aguarda no domingo ou ter qualquer notícia a respeito.
Do ponto de vista de causalidade, ele estava, por assim dizer,
fora de comunicação durante seis dias."
"E que diz de um telegrama?" sugeriu o snr. Tompkins.
"Bem, aceito ql,le a velocidade do trem postal era a maior
velocidade possível, o que é mais ou menos correto neste país.
Onde vivemos a velocidade da luz é a velocidade máxima, e
não se pode enviar um sinal mais rapidamente do que pelo
rádio."
"Mas ainda", disse o snr. Tompkins, "mesmo que não fosse
possível ultrapassar a velocidade do trem postal, que tem isso
a ver com a simultaneidade? Eu e o amigo continuaríamos a
ter o jantar de domingo simultaneamente, não é verdade?"
"Não, esta afirmação não teria qualquer sentido; certo obser-
vador concordaria com ela, mas haveria outros realizando obser-
vações de outros trens, que insistiriam em que o snr. jantasse
no domingo ao mesmo tempo que o amigo almoça na sexta-feira
ou faz o lanche da terça-feira. Mas ninguém poderia de modo
· algum observar simultaneamente o snr. e o amigo, fazendo
refeições afastadas mais de três dias."
"Mas como pode tudo isso acontecer?" exclamou o snr.
Tompkins incredulamente.
"De maneira muito simples, conforme deve ter observado
pelas minhas preleções. O limite superior de velocidade deve
ficar o mesmo quando observado de sistemas diferentes de mo-
vimento. Se aceitarmos esta afirmação, devemos concluir
que ... "
Mas a chegada do trem à estação em que o snr. Tompkins
tinha de saltar interrompeu a conversa.

Quando o snr. Tompkins desceu para almoçar na longa varan-


da de vidro do hotel, na manhã seguinte à chegada no hotel à
beira-mar, esperava-o grande surpresa. Na mesa no canto oposto
estava sentado o velho professor em companhia de · u'a moça
bonita, que contava alegremente uma história ao velho, enquan-
to olhava freqüentemente na direção da mesa em que estava
sentado o snr. Tompkins.

39
"Suponho .que parecia muito estúpido dormindo naquele
trem." pensQ!U o snr. Tompkins, ficando cada vez mais irado
consigo mesmo. "E provavelmente o professor ainda se lembra
da estúpida pergunta que lhe fiz a respeito de ficar mais moço.
Mais isto, pelo menos, me proporcionará oportunidade para
travar melhores relações com ele e perguntar-lhe a respeito do
que ainda não compreendo." Não desejava admitir mesmo para
si próprio que não era somente a conversa com o professor
em que estava pensando.
"Oh, isso mesmo, acho que me lembro de tê-lo visto em .mi-
nhas preleções," disse o professor quando saíram do salão de
jantar. "Esta é minha filha, Maud. Está estudando pintura."
"Muito prazer em conhecê-la, snrta. Maud," disse o snr.
Tompkins e pensou que era este o nome mais bonito que ouvira
algum dia. "Espero que estes arredores lhe dêem material mara-
vilhoso para bosquejos." ·
...Ela lhos mostrará algum dia," disse o professor, ªmas
<liga-me, aproveitou muito º\lvindo a minha preleção ?"
"Oh, com certeza, aproveitei muito e, de fato, eu mesmo
experimentei todas essas contrações relativistas de objetos mate-
riais e o comportamento louco dos relógios quando visitei uma
cidade onde a velocidade da luz era somente de dez milhas
por hora."
"Então é de lastimar," disse o professor, "não tenha ouvido
a minha preleção seguinte, a respeito da curvatura do espaço
e sua relação com as forças da gravidade newtoniana. Mas aqui
na praia teremos tempo, de sorte que poderei expliear-lhe tudo
isso. Por exemplo, sabe qual a diferença entre curvatura posi-
tiva e negativa do espaço?"
"Papai", disse Maud, fazendo uma careta, "se vai falar
· novamente de física, acho que vou trabalhar um pouco."
"Está bein, minha filha, pode ir," disse o professor, mer-
gulhando numa espreguiçadeira. "Vejo que não estudou muito
a matemática, rapaz; mas acho que poderei explicar-lhe tudo
mui simplesmente, tomando, por simplicidade, o exemplo de
uma superfície. Imagine que o snr. Shell - sabe, o dono dos
postos de gasolina - resolve verificar se os postos estão distri-
buídos uniformemente por toda a parte em algum país, digamos

40
os Estados Unidos. Para fazê-lo, dá ordens ao escritório, em
certo ponto no meio do país (acho que se considera Kansas
City o coração da América) para contar o número de postos
dentro de cem, duzentas, trezentas etc milhas da cidade. Lem-
bra-se dos tempos de colégio que a área do círculo é propor-
cional ao quadrado do raio, e espera que neste caso de distri-
buição uniforme o número de postos assim contados aumente
conforme a série 1; 4; 9; 16 etc; Quando chegou o relatório

Postos de gasolina nos Estados Unidos

ficou muito surpreendido por ver que o número real de postos


aumentava muito mais devagar, segundo, vamos dizer, a série
1; 3,8 ; 8,5; 15,0 etc. "Que trapalhada, exclamaria, meus geren-
tes na América não sabem trabalhar. Que idéia têm eles de
concentrar os postos perto de Kansas City? Mas, estará certa
esta conclusão?"
"Estará?" repetiu o snr. Tompkins, que estava preocu~ado
com outro assunto.
"Não está," disse o professor gravemente. "Esqueceu que a
superfície da Terra não é plana mas esférica. E na esfera as
áreas dentro de certo raio crescem mais lentamente com o raio
do que em um plano. Você não é capaz de vê-lo realmente?
Bem, arranje um globo e procure ver por conta própria. Se,

41
por exemplo, você estiver no pólo norte, o círculo daí descrito
com um raio igual a meio ·meridiano é o equador e a área com-
preendida é o hemisfério norte. Dobrando o raio obtém-se toda
a superfície da Terra: a área aumentará somente duas vezes
em lugar de quatro conforme aconteceria mim plano. Agora não
está claro?"
"Está," disse o snr, Tompkins, esforçando-se por prestar
atenção, "e essa curvatura é positiva ou negativa?"
"Diz-se que é positiva e, conforme pode ver pelo exemplo
do globo, corresponde a uma superfície finita que tem área
definida. O selim constitui exemplo de superfície com curvatura
negativa."
"O selim?"
"Isso mesmo, o selim, ou, na superfície da Terra, uma pas-
sagem entre duas montanhas. Suponhamos que um botânico
vive em uma cabana situada em uma passagem dessas e se inte-
1.essa pela densidade. da floresta de pinheiros em torno à
cabana. Se contar o número de pinheiros que se encontram a
cem, duzentos, trezentos metros da cabana, verificará que o
número deles aumenta mais depressa do que o quadrado da
distância, por isso que numa superfície de sela a área com-
preendida por certo raio é maior do que num plano. Diz-se que
tais superfícies possuem curvatura negativa. Quando se expe-
rimenta desenvolver uma superfície de sela sobre um plano é
preciso fazer dobras, enquanto que para fazer o mesmo com
uma superfície esférica será provavelmente necessário rasgá-la
se não for elástica."
"Percebo," disse o snr. Tompkins. "E o snr. quer dizer
que tima superfície de sela é infinita embora curva."
"Exatamente,". disse o professor. "Uma superfície de sela
estende-se ao infinito em todas as direções e nunca se fecha.
Naturalmente, no exemplo de passagem em sela, a superfície
deixa de possuir curvatura negativa logo que se deixam as
montanhas, passando para a superfície positivamente curva da
Terra. Mas sem dúvida pode imaginar-se uma superfície que
conserva a curvatura negativa por toda parte."
"Mas como se aplica ao espaço curvo de . três dimensões?"
"Exatamente de igual maneira. Suponhamos objetos distri-
buídos uniformemente pelo espaço, quero dizer de maneira tal
42
que a distância entre dois objetos vizinhos é sempre a mesma,
e suponhamos que se contam os objetos dentro de distâncias
diferentes. Se o número crescer como o quadrado da distân-
cia, o espaço é plano : se crescer mais devagar ou mais depres-
sa, o espaço possui curvatura positiva ou negativa."

Choupana em um desfiladeiro entre montanhas

"Assim, no caso de curvatura positiva o espaço tem menor


volume dentro. de certa distância, e no caso da curvatura nega-
tiva maior volume?" perguntou o snr. Tompkins surpreendido.
"Exatamente", disse o professor sorrindo. "Agora vejo que me
compreendeu exatamente. Para investigar o sinal da curvatura
do grande universo em que vivemos, é preciso fazer a conta-
gem do número de objetos distantes. As grandes nebulosas,
das quais provavelmente ouviu falar, estão espalhadas unifor-
memente pelo espaço e podemos vê-las até a distância de vários
milhares de milhões de anos-luz. Representam objetos mui con-
venientes_para essas investigações da curvatura do mundo."
"Então daí resulta que o universo é finito e fechado em si
próprio?"
"Bem," disse o professor, "ainda não se resolveu realmente
o problema. Nas memórias originais sobre cosmologia, Einstein

43
afirmou que o Universo é finito em tamanho, fechado sobre
si mesmo, e imutável no tempo. Mais tarde, um matemático
russo, A. A. Friedmann, mostrou que as equações fundamen-
tais de EinsteiR permitem ao universo a possibilidade de expan-
dir-se ou contrair-se à proporção que envelhece. Um astrônomo
americano, E. Hubble, confirmou essa conclusão matemática,
quando, utilizando o telescópio de 100 polegadas de Monte
Wilson, verificou que as galáxias se afastam umas das outras,
isto é, que o universo se expande. Há, porém, ainda o proble-
ma de saber se essa expansão continuará indefinidamente ou
atingirá um valor máximo, passando a contrair-se em futuro
remoto. Só se poderá encontrar a solução mediante observa-
ções astronômicas mais minuciosas."

Enquanto o professor falava, parecia que se estavam realizan-


do mudanças muito estranhas em torno deles: uma extremi-
dade do vestíbulo tornou-se extremamente pequena, espremen-
do todos os móveis, enquanto a outra extremidade se tornou
tão grande que, conforme pareceu ao snr. Tompkins, o universo
inteiro poderia nele se acomodar. Terrível pensamento tomou-lhe
conta do espírito: o que aconteceria se um pedaço do espaço
na praia, onde a snrta. Maud estava pintando. se separasse do
resto do universo. Não poderia tornar a vê-la nunca mais!
Quando se atirou à porta de saída, ouviu o professor gritar
atrás dele: "Cuidado ! a constante quantum também está enlou-
quecendo!" Quando chegou à praia, pareceu-lhe a princípio
muito cheia de gente. Milhares de raparigas corriam desordena-
mente em todas as direções. "Como será possível descobrir a
minha Maud no meio dessa multidão?" pensou. Depois obser-
vou que todas elas se pareciam exatamente com a filha do pro-
fessor, e compreendeu que se tratava justamente da zombaria
do princípio da incerteza. No momento seguinte havia passado
a onda da constante quantum anomalamente grande, e desco-
briu a snrta. Maud de pé na praia com o olhar assustado.
"Oh! é o senhor!" murmurou aliviada. "Pensei que uma
grande multidão vinha correndo sobre mim. Provavelmente é
o efeito deste sol terrível sobre a minha cabeça. Espere ·um
minuto enquanto vou correndo ao hotel buscar .o meu chapéu."

44
"Não, não devemos separar-nos agora!" protestou o snr.
Tompkins. "Tenho a impressão que a velocidade da luz tam-
bém está mudando; quando voltar do hotel pode encontrar-me
velho!"
"Tolice," disse a moça, mas segurou furtivamente a mão do
snr. Tompkins. Contudo, a meio carninho do hotel outra onda
de incerteza alcançou-os, e o snr. Tompkins e a moça espalha-
ram-se por toda a praia. Ao mesmo tempo grande dobra do
espaço começou a derramar-se das montanhas próximas, envol-
vendo os rochedos e as cabanas dos pescadores em formas muito
esquisitas. Os raios do sol, desviados por imenso campo gravi-
tacional, desapareceram completamente do horizonte e o snr.
Tompkins mergulhou em completa escuridão.
Decorreu um século até que uma voz, a ele tão cara, restituiu-
lhe os sentidos.
"Oh," dizia a moça; "vejo que meu pai fê-lo adormecer com
a conversa a respeito de física. Não gostaria de vir nadar
comigo, se a água está agora tão agradável?"
O snr. Tompkins pulou da espreguiçadeira como se tivesse
molas. "De sorte que afinal de contas era tudo ·sonho", pensou,
quando se encaminhavam para a praia. "Ou o sonho está come-
çando agora?"

45
4

Preleção do Professor a Respeito


da Curvatura do Espaço,
Gravidade e Universo

SENHORAS E SENHORES:

Hoje vou discutir o problema do espaço curvo e sua relação


com os fenômenos de gravitação. Não duvido de modo algu~
que qualquer dos presentes possa imaginar com facilidade uma
linha ou uma superfície curva, mas quando menciono um espaço
curvo de três dimensões, vejo que os rostos ficam compridos,
demonstrando estarem propensos a pensar que se trata de algo
mui extraordinário e quase sobrenatural. Qual o motivo para
esse "horror" comum ao espaço curvo, e essa noção é realmente
mais difícil do que a de superfície curva? Muitos dos meus
ouvintes, se pensarem um pouco a respeito, dirão provavelmen-
te que acham dificuldade em imaginar um espaço curvo porque
não se pode olhar para ele "de fora" como se olha para a
superfície curva de um globo, ou, para tomar outro exemplo,
para a superfície um tanto peculiarmente curva de ·uma sela.
Contudo, os que assim dizem estão convencidos que ignoram a
significação matemática rigorosa de curvatura, que de fato é
um tanto diferente do uso comum da palavra. Os matemáticos
chamam a superfície de curva se as propriedades das figuras geo-

46
métricas traçadas sobre ela são diferentes das que se desenham
em superfície plana, e medimos a curvatura pelo desvio das
regras clássicas de Euclides. Quando desenhamos um triângulo
numa folha plana de papel, todos sabemos, pela geometria ele-
mentar, que a soma dos ângulos internos é igual a dois retos.
Pode-se curvar a folha de papel para dar-lhe forma cilíndrica,
cônica ou mesmo mais complicada, mas a soma dos ângulos
internos do triângulo nela desenhado ficará sempre igual a
dois retos.
A geometria da superfície não se altera com essas deforma-
ções e, do ponto de vista da curvatura "intensa", as superfícies
obtidas (curvas em notação comum) são tão planas como o
plano. Mas é impossível ajustar uma folha de papel sem disten-
dê-la sobre a superfície da esfera ou da sela, e, se experimen-
tarmos "desenhar uni triângulo sobre um globo (isto é, um
triângulo esférico), os simples teoremas da geometria elementar
não se aplicam mais. De fato, o triângulo formado pelas meta-
des norte de dois meridianos e um trecho do equador terá dois
ângulos retos na base e um ângulo qualquer no vértice oposto.
Na superfície da sela ficarão surpreendidos ao verificar que,
ao contrário, a soma dos ângulos internos de um triângulo será
sempre menor que dois ângulos retos.
Assim, se quisermos determinar a curvatura de uma superfí-
cie será necessário estudar a geometria nessa superfície, ao
passo que, olhando pelo lado de fora será muitas vezes ilusório.
Olhando simplesmente provavelmente qualquer pe~soa colocará
a superfície de um cilindro na mesma classe que um anel,
enquanto o primeiro é realmente chato e o segundo é incura-
velmente curvo. Logo que a pessoa se acostuma a essa nova
noção rigorosa de curvatura, não sentirá mais qualquer difi-
culdade para compreender o que o físico quer dizer ao discutir
se o espaço em que vivemos é ou não curvo. O problema con-
siste somente em descobrir se as figuras geométricas construí-
das em espaço físico estão ou não sujeitas às leis comuns da
geometria clássica.
Contudo, como estamos falando de espaço físico real devemos
antes de tudo dar a definição física dos termos usados na geome-

47
tria e, em particular, enunciar o que entendemos pela noção de
linhas retas com as quais construiremos as nossas figuras.
Suponho que todos os ouvintes sabem que uma linha reta se
define geralmente como o caminho mais curto entre dois pontos;
pode-se obtê-la seja esticando um cordel entre os dois pontos ou
por processo equivalente e mais complicado achar experimen-
talmente uma linha entre dois pontos dados ao longo da qual
seja possível colocar o menor número de varas de medida de
comprimento dado.
A fim de mostrar que os resultados de tal maneira de deter-
minar uma linha reta dependem de condições físicas, imaginemos
ampla plataforma circular girando uniformemente em torno a
um eixo, e um experimentador procurando achar ~ distância
mais curta entre dois pontos na periferia da plataforma. Traz
consigo uma caixa com grand.e número de pauzinhos, cada um
de 5 polegadas ,e experimenta alinhá-los entre dois pontos de
maneira a utilizar o menor número possível. Se a plataforma *
í~

(' )

,,.
(.

( v-·_) )

1,\ -~ /
1 1
~1
l 1• \ /:

,..
Os cientistas faziam medidas numa plataforma rotativa

* Deve-se o nome de Circo de Hookham ao snr. John Hookham, que


trabalhou como ilustrador para a Cambridge University Press, e, antes
de aposentar-se, executou muitos desenhos que ornam . este volume.

48
não estivesse girando, havia de colocá-los ao longo de uma
linha indicada na figura por uma série de pontos. Mas devido
à rotação da plataforma, os pauzinhos sofrerão contração rela-
tivista, conforme discutimos na preleção anterior, e os que se
encontrarem mais perto da periferia da plataforma (e, portanto,
possuindo maior velocidade linear) contrair-se-ão mais do que
os que se acham colocados mais perto do centro. Dessa maneira
é evidente que, a fim de conseguir que cada pauzinho cubra a
maior distância, será preciso fixá-los o mais perto possível do
centro. Mas como as duas extremidades da linha estão presas
à periferia, é igualmente inconveniente afastá-los do meio da
linha aproximando-os demasiadamente do centro.
Desse modo chega-se ao resultado por meio de um acordo
entre duas condições, representando-se finalmente a distância
mais curta por uma curva ligeiramente convexa em relaçfio ao
centro.
Se, em lugar de empregar pauzinhos separados, o experi-
mentador lançasse mão de um cordel estendido entre os dois
pontos, o resultado seria evidentemente o mesmo, por isso que
cada parte do cordel sofreria a mesma contração rebtivista
como os pauzinhos distintos. Desejo frisar a circunstância que
essa deformação do cordel esticado que tem lugar quando a
plataforma começa a girar nada tem a ver com o efeito da
força centrífuga; de fato, essa deformação não se alterará por
mais fortemente que o cordel esteja esticado, deixando-se
mesrrio de mencionar que a força centrífuga ordinária atuará
em direção oposta.
Se, agora, o observador na plataforma verificar os resulta-
dos comparando a "linha reta", assim obtida com um raio de
luz, notará que a luz se propaga realmente ao longo da linha
que construiu. Naturalmente, para os observadores que esti-
verem perto da plataforma, o raio de luz não parecerá de modo
algum curvo; interpretarão os resultados do observador em
movimento pela superposição da rotação da plataforma à pro-
pagação retilínea da luz, dizendo que se arranharmos um disco
de gramofone em movimento, aplicando a mão segundo uma
linha · reta, o arranhão será também naturalmente curvo.

49
Contudo, no que diz respeito ao observador na plataforma
rotativa, o nome de "linha reta", para a curva por ele obtida, é
perfeitamente correto : é a distância mais curta e coincide com
o raio de luz no sistema de referência dele. Suponhamos agora
que escolha três pontos na periferia e os ligue por meio de
linhas retas, formando um triângulo. A soma dos ângulos int~­
nos neste caso será menor que dois ângulos retos, e concl11irá,
com razão, que o espaço em torno a ele é curvo.
Para tomar outro exemplo, vamos supor que dois outros
observadores na plataforma (2 e 3) resolvem calcular o valor
do número 7t . medindo a circunferência da plataforma e o
diâmetro. A rotação não afetará a unidade de medida do obser-
vador 2 por ser o movimento sempre perpendicular ao com-
primento. Por outro lado a unidade de medida do observador
3 há-de contrair-se sempre, fornecendo-lhe para comprimento
da circunferência valor maior do que para uma plataforma
imóvel. Dividindo o resultado de 3 pelo de 2 achar-se-á valor
maior do que o de 7t que se encontra nos manuais, o. que é,
mais uma vez, resultado da curvatura do espaço. ·
A rotação não afetará somente as medidas de comprimentos.
Um relógio' colocado na periferia terá velocidade ma!or e, de
conformidade com as considerações da preleção anterior, mover-
se-á mais devagar do que o que estiver no centro da pla-
taforma.
Se dois experimentadores ( 4 e 5) verificarem os respetivos
relógios no centro da plataforma, e, em seguida, o observador
5 trouxer o próprio relógio para a periferia, verificará, quando
voltar ao centro, que o relógio se atrasou em comparação ao ·
que ficou durante esse tempo no centro. Daí concluirá que em
pontos diferentes da plataforma qualquer processo físico marcha
em velocidades diferentes.
Suponhamos agora que os experimentadores se detêm para
pensar um pouco a respeito da causa dos resultados estranhos
que acabaram de obter nas medidas geométricas. Suponhamos
ta.nbém estar fechada a plataforma, formando um cêmo.lo
rotativo sem janelas, de sorte a tornar impossível verificar o
movimento em relação ao ambiente. Poderíamos explicar todos
os resultados obtidos como devendo-se às condições físicas da

50
plataforma sem qualquer referência à rotação em relação ao
"terreno sólido", em que está instalada a plataforma?
Procurando diferenças entre as condições físicas na platafor-
ma e sobre o "terreno sólido", mediante as quais as mudanças
observadas na geometria poderiam explicar-se, notarão ime-
diatamente a existência de alguma força presente, que tende a
puxar os corpos do centro da plataforma em direção à peri-
feria. Mui naturalmente, atribuirão os efeitos observados à
ação de tal força, dizendo, por exemplo, que entre dois reló-
gios um se move mais lentamente por estar situado mais longe
do centro na direção dessa nova força.
Mas será essa força, na realidade, nova, impossível de obser-
var no "terreno sólido"? Não observamos sempre que todos
os corpos são atraídos para o centro da Terra pelo que se cha-
ma força. de gravidade? Sem dúvida, em um caso temos a :itra-
ç?.o para o centro da Terra, mas isto significa simplesmente
diferença na distribuição da força. Contudo, não é difícil dar
outro exemplo em que as "novas" forças produzidas por movi-
mento não-uniforme do sistema de referência assemelham·se
exatamente à força de gravidade nesta sala de preleções.
Supünhamos um foguete, projetado para viagens intereste-
lares, flutuando livremente em qualquer parte do espaço tão
longe de várias estrelas que no interior dele a gravidade não se
manifeste. Todos os objetos no interior do foguete inclusive os
viajantes não terão peso e flutuarão livremente no ar de ma-
neira bastante parecida com a que Michel Ardent e os compa-
nheiros experimentaram na viagem à Lua na famosa história
de Jules V erne.
Agora acabaram de ligar os motores, e o foguete começa a
mover-se, aumentando gradualmente a velocidade. O que aconte-
cerá dentro <lele? É fácil ver que, enquanto se acelera o movi-
mento, todos os objetos no interior mostram tendência a mover-
se .para baixo, ou, para dizer o mesmo por outras palavras, o
soalho do foguete mover-se-á em direção a esses objetos. Se, por
exemplo, o experimentador tem na. mão uma maçã, e a solta,
esta continuará a mover-se (relativamente às estrelas circunvi-
zinhas) com velocidade constante - aquela com que o foguete
se movia no momento em que o experimentador soltou a maçã.

51
Mas o foguete se acelera; em conseqüência o soalho da cabina,
movendo-se cada vez mais depressa, alcançará finalmente a
maçã, nela esbarrando; daí em diante a maçã ficará permanen-
temente em contato com o soalho, comprimida contra ele pela
aceleração firme.
Contudo, para o experimentador do lado de dentro, tal fato
terá a aparência de "queda" da maçã com certa aceleração,
ficando, depois de chegar a9 soalho, comprimida contra ele
devido ao próprio peso. Deixando cair diversos objetos, obser-
vará que todos caem exatamente com a mesma aceleração (se
desprezar o atrito do ar) e se lembrará que é esta, exatamente,
a regra da queda livre descoberta por Galileu Galilei. De fato,
não será capaz de descobrir a mais leve diferença entre os fenô-
menos na cabina acelerada e os fenômenos ordinários da gravi-
dade. !Pode fazer uso do relógio de pêndulo, colocar livros
numa prateleira sem vê-los flutuar e pendurar num prego ~
retrato de Albert Einstein, que foi o primeiro a indicar a eq:1i-
valência da aceleração do sistema de referência e do campo
de gravidade, desenvolvendo, nessa base, a chamada teoria
geral · da relatividade.
· Mas neste caso, exatamente como se deu no pri!!leiro exemplo
da plataforma rotativa, observaremos fenômenos desconhecidos
a Galileu e Newton, nos estudos que fizeram da gravidade. Um
raio de luz que entre na cabina ficará curvo e iluminará · uma
tela pendurada na parede oposta em diferentes lugares, depen-
dendo da aceleração do foguete. Um observador externo inter-
pretará tal fato, naturalmente, como devido à superposição de
movimento retilíneo e uniforme da luz ao movimento acelerado
da cabina de observação. A geometria também falhará: a ·soma
dos ângulos internos de um triângulo formado por três raios
luminosos será maior que dois retos, e a relação entre a peri-
feria do círculo e o diâmetro será maior que o número 'lt. Aca-
bamos de considerar aqui dois exemplos dos mais simples de
sistemas acelerados, mas a equivalência formulada acima aplica-
-se a qualquer movimento dado de sistema de referência rígido
ou deformável.
Chegamos agora à questão de maior importância. Acabamos
de ver que, em um sistema acelerado de referência, podem
observar-se certos fenômenos desconhecidos ao campo ordinário

52
O soalho . . . alcançará finalmente a maçã e com ela se chocará

de gravitação. Esses fenômenos novos, a curvatura de um raio


de luz ou o atraso de um relógio, existirão igualmente em

53
campos gravitacionais produzidos por massas ponderáveis? Ou,
por outras palavras, são efeitos de aceleração e ·efeitos da gravi-
dade não só muito semelhantes mas até mesmo idênticos?
Torna-se evidente, sem dúvida, que embora seja bastante
tentador, do ponto de vista heurístico, aceitar a completa iden-
tidade desses dois efeitos, somente a experiência direta poderá
dar resposta definitiva. E, para grande satisfação do espírito
humano que exige simplicidade e consistência interna nas leis do
universo, a experiência prova a existência desses fenômenos
novos de iguaÍ maneira no campo da gravidade. Sem dúvida, os
efeitos preditos pela hipótese de equivalência de campos de
aceleração e de gravitação são muito pequenos : daí terem sido
somente descobertos depois que os cientistas começaram a pro-
curá-los especialmente.
Lançando mão do exemplo de sistemas acelerados anterior-
mente discutido, podemos avaliar facilmente a ordem de magni-
tude dos dois fenômenos de gravitação relativista mais impor-
tantes: a mudança da velocidade do relógio e a curvatura de
urr: raio luminoso.
V amos considerar primeiramente o exemplo da plataforma
rotativa. Sabe-se da mecânica elementar que a força centrífuga,
atuando sobre uma partícula de massa unidade situada à dis-
tância r do centro, é dada pela fórmula :

F = rrIÍ1',

na qual w é a velocidade angular constante de rotação da plata-


forma. O trabalho total realizado por essa força durante o
movimento da partícula desde o centro à periferia será, portanto :

na qual R é o raio da plataforma.


De conformidade com o princípio de equivalência acima for-
mulado, devemos identificar F com a força de gravidade sobre
a plataforma, e W com a diferença de potencial de gravitação
entre o centro e a periferia.,

54
Devemos lembrar agora que, conforme vimos na preleção
anterior, a diminuição da velocidade do movimento do relógio,
sujeito à velocidade v resulta do fator

Jr -(~r = I -H~r + .... (3)

se v é pequeno em relação a e podem desprezar-se os outros


termos. Conforme a definição de velocidade angular, temos: .
v = Rw e o fator de retardamento torna-se

que fornece a mudança de velocidade do relógio em função da


diferença entre os potenciais de gravitação nos respetivos
lugares.
Se colocarmos um relógio no porão e outro no alto da Torre
Eifel, ( 300 m de altura) a diferença de potencial será tão peque-
na que o relógio no porão marchará mais vagarosamente multi-
plicado pelo fator 0,999 999 999 999 97.
Por outro lado, a diferença de potencial de gravitação entre
a superfície da Terra e a do Sol é muito maior, produzi~do o
retardamento pela multiplicação do fator 0,999 999 5, que é
possível observar mediante medidas muito exatas. Sem dúvida,
ninguém vai colocar um relógio na superfície do Sol esperando
que ele marche! Os físicos dispõem de meios muito melhores.
Por meio de espectroscópio podemos observar os períodos de
vibração de diversos átomos na superfície do Sol e compará-los
com os períodos dos átomos de elementos iguais colocados na
chama de uma lâmpada de Bunsen no laboratório. A vibração
dos átomos na superfície do Sol reduz-se pela multiplicação do
fator fornecido pela fórmula ( 4) e a luz por eles emitida deve
ser um tanto mais avermelhada do que no caso de fontes ter-
restres. Essa "alteração para vermelho", .observou-se realmente
no espectro do Sol e de várias outras estrelas, para as quais foi
possível medir exatamente o espectro, e o resultado es~ de acor-
do com a nossa fórmula ·teórica.

55
Desse modo, a existência da "alteração para vermelho" pro~
vou que os processos na superfície do Sol se realizam realmente
um tanto mais vagarosamente em virtude do potencial gravita-
cional mais elevado na superfície desse astro.
Se quisermos medir a curvatura de um raio luminoso no cam-
po de gravidade, é mais conveniente lançar mão do exemplo
do foguete, que demos anteriormente. Se 'l é a largura da cabina,
o tempo t que a luz leva para atravessá-la resulta da fórmula:

l
t
e

Durante esse tempo, o foguete, movendo-se com a aceleração g,


percorrerá a distância l, dada pela fórmula da mecânica
elementar:

(6)

Desse modo, o ângulo que representa a mudança de direção do


raio luminoso é da ordem de magnitude '
<jJ _ L _ 1 gl
radiantes,
- l -;-~
(7 )

e será tanto maior quanto maior for a distância l que a luz


percorreu no campo gravitacional. Neste caso tem-se de inter-
pretar a aceleração g do foguete como aceleração da gravidade.
Se enviarmos um raio luminoso através do ·salão de preleção,
podemos tomar aproximadamente l =
1000 cm. A aceleração
da gravidade g na superfície da Terra é 981 cm/ seg 2 e com
e =
3,10 10 teremos:

,f. IOO X 9SI 16 radiantes 10-10 s egundos de arco (8)


'i' = 2 X (3•1010)2 = 5•10-

Desse modo pode ver-se que a curvatura de um raio luminoso


não é suscetível de observação sob condições tais. Contudo,
perto da superfície do Sol g é igual a 27 . 000 e o percurso
total percorrido no campo gravitacional do Sol é muito grande.

56
Cálculos exatos revelam que o valor do desvio de um raio lumi-
noso passando perto da superfície do Sol deverá ser de 1,75",
e é este exatamente o valor observado pelos astrônomos para
o deslocamento da posição aparente das estrelas vistas perto do
nimbo solar durante um eclipse total. Vê-se que neste caso,
igualmente, as observações mostraram completa identidade dos
efeitos da aceleração e dos de gravitação.
Podemos agora voltar novamente ao problema da curvatura
do espaço. _ Lembra-se que, lançando mão da definição mais
racional de linha reta, chegamos à conclusão que a geometria
obtida em sistemas de referência que se movem uniformemente
é diferente da geometria clássica, devendo-se considerar curvos
tais espaços. Como qualquer campo gravitacional equivale a cer-
ta aceleração do sistema de referência, isto também significa
ser curvo qualquer espaço no qual o campo gravitacional está
presente. Ou, indo um pouco mais avante, o campo gravitacio-
nal é exatamente manifestação física da curvatura do espaço.
De tal maneira a curvatura do espaço em cada ponto deve
determinar-se mediante a distribuição das massas, e perto de
corpos pesados a curvatura do espaço deve atingir o valor
máximo. Não posso expor um sistema matemático complexo
que descreva as propriedades do espaço curvo e sua dependên-
cia -para com a distribuição de massas. Devo mencionar somen-
te que em geral se determina essa curvatura não por meio de
um número mas por meio de dez números diferentes conheci-
dos geralmente como componentes potenciais gravitacionais g µv,
que representam a generalização do potencial gravitacional da
física clássica, o qual denominamos anteriormente de W. Em
correspondência, a curvatura em cada ponto descreve-se por
meio de dez raios diferentes de curvatura, indicados geralmente
por R µ v. Esses raios de curvatura ligam-se à distribuição de
massa por meio da equação fundamental de Einstein:

e
na qual Tµv depende de densidades, velocidades outras pro-
priedades do campo gravitacional produzido pór massas pon-
deráveis.

57
Chegando ao fim desta preleção, gostaria, contudo, de indicar
uma das conseqüências mais interessantes da equação (9). Se
considerarmos um espaço cheio uniformemente de massas, co-
mo, por exemplo, enchem o nosso . espaço estrelas e sistemas
estrelares, chegaremos à conclusão que, independentemente de
grandes curvaturas perto de estrelas isoladas, o espaço deve
possuir tendência regular a curvar-se em grandes distâncias.
Matematicamente há diversas soluções diferentes, umas cor-
respondendo ao espaço fechado finalmente sobre si mesmo, pos-
suindo, portanto, volume finito, outras representando o espaço
infinito análogo à superfície de sela, que mencionei no início
desta preleção. A segunda conseqüência importante da equação
(9) é que tais espaços curvos devem estar em constante expan-
são ou contração, o que significa fisicamente que as partículas
que enchem o espaço estão afastando-se umas das outras ou, ao
contrário, aproximando-se. Além disso, pode mostrar-se que,
para espaços fechados, com volume finito, se sucedem periodica-
mente a expansão e a contração - chamam-se tais mundos
de pulsáteis. Por outro lado, espaços infinitos em forina de
sela estão permanentemente em contração ou expansão.
Qual dessas diferentes possibilidades matemáticas correspon-
de ao espaço em que vivemos cabe não aos físicos mas aos
astrônomos responder e não pretendo discuti-lo agora. Mencio-
narei somente que até agora a prova astronômica evidenciou
definidamente a expansão do nosso espaço, embora não se possa
dizer se essa expansão algum dia passará a contração ou se o
espaço é finito ou infinito em tamanho.

58
5

O Universo Pulsátil

DEPOIS DO JANTAR NA PRIMEIRA NOITE QUE PASSOU NO HOTEL


à beira-mar com o velho professor falando de cosmologia e a
filha tagarelando a respeito de arte, o snr. Tompkins pôde facil-
mente ir para o quarto, atirou-se no leito e puxou as cobertas
sobre a cabeça. Botticelli e Bondi, Salvador Dali e Fred Hoyle,
Lemaitre e La Fontaine misturaram-se todos no cérebro can-
sado dele, e .finalmente mergulhou em sono profundo ...
Mais ou menos pelo meio da noite acordou sob estranho sen-
timento que, em lugar de repousar em confo.rtável colchão de
molas, estava deitado em material duro. Abriu os olhos e veri-
ficou estar prostrado no que a princípio pensou fosse um grande
rochedo, à beira-mar. Pouco depois descobriu que era, de fato,
um rochedo muito grande, ·com uns dez metros de diâmetro,
suspenso no espaço sem qualquer suporte visível. Um pouco de
musgo verde cobria o rochedo, e em alguns pontos despontavam
ervas das fendas da pedra. O espaço em ·roda do rochedo rece-
bia luz bruxuleante e era bastante poeirento. Na realidade, havia
mais pó no espaço do que se lembrava de ter visto algum dia,
mesmo em filmes que representavam tempestades de pó no
meio-oeste. Amarrou o lenço em volta do nariz sentindo-se,
depois, consideravelmente aliviado. · Mas havia maiores perigos
no espaço circunvizinho do que o pó. Freqüentemente, pedras

59
do tamanho da cabeça dele ou maiores rodopiavam pelo espaço
perto do rochedo, batendo por vezes nele com um som oco
estranho causado pelo choque. Observou também mais um ou
dois rochedos mais ou menos do mesmo tamanho que o dele,
flutuando através do espaço a certa distância. Durante todo esse
tempo, enquanto examinava os arredores, segurava-se com força
a algumas arestas salientes do rochedo, receando constantemente
cair e perder-se nas profundezas poeirentas embaixo. Dentro
em pouco, porém, ficou mais ousado, e procurou arrastar-se
até a beira do rochedo para ver se nada havia realmente por
baixo, sustentando-o. Quando assim se arrastava, observou com
grande surpresa que não caía, mas o próprio peso o compri-
mia contra a superfície do rochedo, embora já houvesse per-
corrido mais da qu~rta parte da circunferência dele. Olhando
por detrás de um monte de pedras soltas no ponto exatamente
por baixo do lugar em que se achou a princípio, nada descobriu
para sustentar o bloco no espaço. Contudo, com grande surpre-
sa, a luz bruxuleante revelou o porte elevado do velho profes:;or
amigo aparentemente de cabeça para baixo, tomando algumas
notas no caderno de bolso.
Agora o snr. Tompkins começou a compreender vagarosa-
mente. Lembrou-se que lhe haviam ensinado, quando freqüen-
tava a escola, que a Terra é enorme rochedo redondo movendo-
se livremente no espaço em roda do Sol. Lembrou-se também
de dois antípodas de pé em lados opostos da Terra. Isso mesmo,
o rochedo era corpo estelar muito pequeno que tudo atrafa para
a superfície, sendo ele e o velho professor os únicos habitantes
desse minúsculo planeta. Com isso ficou um pouco consolado ;
pelo menos não corria o risco de cair !
"Bom dia," disse o snr. Tompkins, para afastar a atenção
do velho dos cálculos.
O professor levantou os olhos do caderno de notas. "Aqui
não há nada," disse, "não há Sol nem mesmo uma estrela
luminosa neste universo. Felizmente os corpos aqui revelam cer~
tos processos químicos na superfície, pois se assim não fosse
não seria capaz de observar a expansão deste espaço," e voltou
novamente para o caderno de notas.
O snr. Tompkins sentiu-se muito infeliz; encontrar a única
pessoa em todo o universo e verificar que era tão insociável!

60
Inesperadamente, um pequeno meteorito lhe veio em auxílio;
com ruído esmagador a pedra caiu sobre o caderno de notas,
nas mãos do professor e lançou-o, movendo-se rapidamente
através do espaço, para longe do pequeno planeta. "Agora não
há de vê-lo nunca mais," disse o snr. Tompkins, enquanto o
caderninho cada vez ficava menor, voando pelo espaço afora.
"Ao contrário," replicou o professor. "O espaço em que
estamos agora não é infinito em extensão. Oh, sei m,uito
bem terem-lhe ensinado na escola que o espaço é infinito, e
duas retas paralelas não se encontram nunca. Tais afirma-
ções, contudo, não são verdadeiras seja para o espaço em que
vive o resto da humanidade, seja para o espaço em que ago-
ra nos encontramos. O primeiro é, sem dúvida, muito grande;
os cientistas avaliam-lhe as dimensões atuais em ........ .
10 000 000 000 000 000 000 000 de milhas, o que é, para um
espírito comum, praticamente infinito.

Se houvesse perdido meu livro lá, gastaria um tempo incrivel-


mente longo para encontrá-lo. Aqui, contudo, a situação é um
pouco diferente. Pouco antes de ter visto o caderno arrebatado
das minhas mãos, calculara que este espaço mede tão-só cerca

61
de cinco milhai de diâmetro, embora esteja expandindo-se rapi-
damente. Espero ter o livro de volta em pouco menos de meia
hora."
"Mas," aventurou o snr. Tompkins, "quer dizer que o cader-
no vai comportar-se como o bumerangue de um australiano,
vindo cair-lhe aos pés percorrendo uma trajetória curva?"
"Nada disso," respondeu o professor. "Se quiser compreen-
der o que acontece realmente, lembre-se do grego antigo que
não . sabia ser a Terra esférica. Suponhamos ter ele dado a
alguém instruções para viajar sempre em direção ao Norte.
Imagine a admiração dele quando o corredor voltou finalmente
pelo Sul. O nosso grego antigo não tinha qualquer idéia do que
era viajar em roda do mundo (em roda da Terra, quero dizer
1~~ste caso) e tinha certeza que o corredor perdera o caminho
e voltara descrevendo uma curva. Na realidade o homem andou
todo o tempo ao longo da linha mais reta que se pÓssa traçar
na superfície da Terra, mas viajou em torno do mundo e desse
modo voltou pela direção oposta. O mesmo vai acontecer com
o meu caderno, a menos ·que outra pedra nele acerte, desvian-
do-o do caminho certo. Vamos, tome este binóculo e procure
descobri-lo."
O snr. Tompkins levou o binóculo aos olhos, e através do
pó que obscurecia um pouco a paisagem, esforçou-se por ver
o caderno de notas do professor viajando pelo espaço, longe,
muito longe. Ficou um tanto surpreso pelo colorido róseo de
todos os objetos, inclusive o caderno de notas, a essa distância.
"Mas," exclamou depois de algum tempo, "o seu caderno
está voltando, está ficando maior."
"Não," disse o professor, "ainda está afastando-se. Está' ven-
do-o aumentar de tamanho, como se estivesse voltando, devido
a certo efeito de focalização do espaço esférico fechado sobre
. os raios luminosos. Vamos voltar ao nosso grego antigo. Se
fosse possível manter os raios luminosos constantemente ao lon-
go da superfície curva da Terra, digamos por meio da refração
atmosférica, ele seria capaz, fazendo uso de binóculo poderoso,
de ver o corredor durante a viagem. Se examinar o globo,
verá que os meridianos divergem primeiramente de um pólo e,
depois de cruzar o equador, começam a convergir para o pólo

62
oposto. Se os raios luminosos viajassem ao longo dos meridia-
nos, estando você localizado, digamos, num pólo, veria o cor-
redor que se afastasse tornar-se cada vez menor, até cruzar o
equador. Depois desse ponto vê-lo-ia ficar maior, parecendo
estar de volta, mas indo, realmente, para trás. Depois de alcan-
çar o pólo oposto, vê-lo-ia tão · grande como se estivesse ao seu
lado. Não seria possível, contudo, tocá-lo, exatamente como é
impossível tocar a imagem num espelho e~férico. ·Partindo des-
sa analogia cm duas dimensões, é possível imaginar o que acon-
tece aos _raios luminosos no espaço estranhamente curvo de três
dimensões. Aqui, acho que a imagem do caderno está agora
bastante perto." De fato, tirando o binóculo dos olhos, o snr.
Tompkins pôde ver o caderno a poucos metros de distância.
Parecia, contudo, muito estranho ! ·os contornos . não eram níti-
dos, mas pareciam gastos, dificilmente era possível distinguir
as fórmulas escritas pelo professor, e o volume inteiro asseme-
lhava-se a fotografia tirada fora de foco e mal revelada.
"Está vendo agora," disse o professor, " isto é somente a
imagem do caderno, deformada pela luz que viajou afravés de
metade do universo. Se quiser ter certeza, observe como se
podem ver as pedras atrás do Hvro através das páginas."
O snr. Tompkins procurou apanhar ·o caderno, mas a mão
atravessou a imagem sem encontrar qualquer resistência.
"O própris> caderno," disse o professor, " está agora muito
perto do pólo oposto do universo, e o que vemos aqui nada
mais são do que duas imagens dele. A seguoda imagem está bem
por trás de você e quando as duas imagens coincidirem o cader-
no estará exatamente no pólo oposto." O snr. Tompkins não
ouvia, estava absorvido demasiadamente nos próprios pensa-
mentos, esforçando-se por lembrar-se como as imagens dos obje-
tos se formam em ótica elementar por meio de espelhos cônca-
vos e lentes, Quando afinal desistiu, as duas imagens estavam
novamente afastando-se em direções opostas.
"Mas o que é que torna o espaço curvo, produzindo todos
esses efeitos divertidos?"
"A presença· de matéria ponderável," respondeu o professor.
"Quando Newton descobriu a lei da gravidade, pensou que

63
esta fosse alguma força ordinária, do mesmo tipo, por exem-
plo, da que se produz esticando um elástico entre dois corpos.
Contudo, fica sempre de pé o fato misterioso de terem todos
os corpos, independentemente de tamanho ou peso, a mesma
aceleração, movendo-se de igual maneira sob a ação da gravi-
dade, contanto que se elimine o atrito do ar. Foi Einstein quem
primeiro evidenciou ser a ação primordial da matéria ponderá-
vel produzir a curvatura do espaço e serem curvas as trajetó-
rias de todos os corpos que se movem no campo de gravidade
por isso que o próprio espaço é curvo. Acho, contudo, que lhe
será bastante difícil compreender, se não tiver conhecimento
bastante de matemática."
"Sem dúvida," disse o snr. Tompkins. "Mas diga-me, se a
matéria não existisse, teríamos a espécie de geometria que me
'ensinaram na escola, e as retas paralelas não se encontrariam
nunca?"
"Não se encontrariam," respondeu o professor, "mas tam-
bém não haveria qualquer criatura para verificar."
"Bem, talvez Euclides não tivesse nunca existido, e. então
seria possível construir a geometria de espaço absolutamente
vazio?"
Mas aparentemente o professor não estava disposto a aceitar
essa discussão meta.física.
Entrementes a imagem do caderno afastou-se novamente para
longe na direção primitiva, e começou a voltar pela segunda
vez. Agora estava mais estragada do que antes, e dificilmente
podia-se reconhecê-la, o que, conforme o professor, se devia
a terem os raios luminosos desta vez viajado em volta do. uni-
verso inteiro.
"Se virar a cabeça mais uma vez," disse o professor ao
snr. Tompkins, "verá o caderno voltando finalmente depois de
ter dado a volta ao mundo." Estendeu a mão, apanhou o cader-
no e meteu-o no bolso. "Está vendo," disse, "há tanta poeira
e pedra neste universo que se toma quase impossível enxergar
em volta do mundo. Essas sombras informes que vê em tomo
são provavelmente as nossas imagens e as dos objetos circunzi-
vinhos. Estão, contudo, tão deformadas pelo pó e pelas irregu-

64
laridades da curvatura do espaço que não é possível distinguí-
las umas das outras."
"Dá-se o mesmo efeito no grande universo em que costumá-
vamos viver antes?" perguntou o snr. Tompkins.
-"Com certeza," foi a resposta, "aquele universo é tão grande,
que a luz precisa de milhares de anos para dar-lhe a volta. Você
poderia ver o cabelo aparado na nuca, sem precisar de espelho, ·
mas somente milhares de anos depois de ter ido ao barbeiro.
Além disso, é muito provável que o pó interestelar obscurecesse
inteiramente a imagem. A propósito, um astrônomo inglês che-
gou mesmo a supor uma vez, talvez por zombaria, que algumas
das estrelas que vemos atualmente no céu são simples imagens
das- que existiam há muito tempo."

Cansàdo do esforço para entender todas essas explicações,


o snr. Tompkins olhou em roda e observou, com grande surpre-
sa, que o céu tinha mudado consideravelmente. Parecia que
havia menos pó em roda, e retirou o lenço que ainda estava
amarrado ao rosto. As pedras pequenas passavam muito menos
freqüentemente, e chocavam-se com a superfície do rochedo coin
energia muito menor. Finalmente, alguns grandes rochedos como
o que ocupavam, que observara desde o começo, tinham-se
afastado bastante, sendo difícil vê-los a distância.
"Bem, parece que a vida está tornando-se mais confortável,"
pensou o snr. Tompkins. "Estava sempre tão preocupado que
alguma pedra me caísse em cima. Pode explicar a mudança
que se deu em torno de nós?," disse, virando-se para o
professor.
"Muito facilmente; o nosso pequeno universo está expandin-
do-se com grande rapidez, e desde a nossa chegada aumentou
de cinco para cem milhas. Logo que aqui cheguei, observei essa
expansão devido ao enrubescimento dos objetos distantes."
"Bem, estou vendo também que tudo está tornando-se cor
de rosa, a grande distância," disse o snr. Tompkins, "mas por
que significa expansão?"
"Algum dia já observou," perguntou o professor, "que o
apito de um trem que se aproxima soa muito alto, mas depois

65
O universo expandia-se e esfriava além de qualquer limite (Adaptada
de uma caricatura em The Sydney D aily Telegraph, janeiro, 16, 1960 )

66
que o trem passa o tom é consideravelmente mais baixo? É o
que se chama Efeito Doppler: a dependência da altura do som
em relação à velocidade da fonte. Quando o espaço inteiro se
expande, qualquer objeto nele localizado se move com veloci-
dade proporcional a distância do observador. Portanto, a luz
emitida por esses objetos vai tornando-se mais vermelha, o que
corresponde em ótica a menor altura. Quanto mais longe estiver
o objeto, mais depressa se moverá e mais vermelho nos pare-
cerá. Em n'osso bom universo antigo, que também está expan-
dindo-se, esse enrubescimento ou a mudança para o vermelho,
conforme o chamamos, permite que os astrônomos avaliem a
distância das nuvens de estrelas mais afastadas. Por exemplo,
uma das nuvens mais próximas, chamada nebulosa de Andrô-
meda, acusa 0,05% de enrubescimento, o que corresponde a
uma distância que a luz pode percorrer em oitocentos mil anos.
Contudo, existem também nebulosas quase no limite do poder
atual dos telescópios, que acusam enrubescimento ·de 15%, cor-
respondente a distâncias de várias centenas de milhões de
anos-luz. É de presumir que essas nebulosas estão localizadas
quase a meio caminho do equador do grande universo, e o volu-
me total do espaço conhecido aos astrônomos terrestres repre-
senta parte considerável do volume total desse universo. A velo-
cidade atual de expansão é de cerca de 0,000 000 01 %, por
ano, de sorte que a cada segundo o raio do universo aumenta
de dez milhões de milhas. Nosso pequeno universo cresce com-
parativamente muito mais· depressa, ganhando nas dimensões
perto de 1 % por minuto."
"Não cessará nunca essa expansão?"
"Naturalmente há-de cessar," disse o professor. "Então
começará a contração. Cada universo pulsa entre raio mui pe-
queno e muito grande. Para o universo grande o período é
bastante amplo, provavelmente de vários milhares de milhões
de anos, mas o nosso pequeno universo tem um período de
somente umas duas horas. Acho que observamos agora o perío-
do de maior expansão. Já observou como está frio?"
De fato, a radiação térmica que enche o universo, distribuída
agora sobre volume muito grande, proporcionava somente muito
pouco calor ao pequeno planeta, e a temperatura estava próxima
do ponto de congelação.

67
"Seria favorável," disse o professor, "houvesse ongmaria-
mente radiação suficiente para fornecer algum calor mesmo neste
estágio de expansão. De outro modo, o ar poderia ficar tão
frio que se condensasse em líquido em torno ao nosso rochedo,
congelando-nos até matar. Contudo, a contração já começOu, e
dentro em pouco teremos novamente calor."
Olhando para o céu o snr. Tompkins observou que todos os
objetos distantes mudavam de cor de róseo para violeta, o que,
de acordo com o professor, era. devido à circunstância de terem
todos os corpos estelares começado a mover-se em nossa dire-
ção. Lembrou-se também da analogia que o professor dera da
altura elevada do som do apito quando o trem se aproxima e
estremeceu de horror.
"Se agora tudo se contrai, não é de esperar que em pouco
tempo todos os grandes rochedos que enchem o universo se
juntarão, esmagando-nos entre eles?" perguntou ansioso ao pro-
fessor.
"Exatamente," respondeu este calmamente, "mas suponho
que antes disso a temperatura vai elevar-se de maneira tal que
ficaremos dissociados em átomos distintos. Será um quadro em
miniatura do fim do grande universo - tudo ficará misturado
em esfera uniforme de gás quente, e nova vida somente come-
çará quando se der nova expansão."
"Ai de mim!" murmurou o snr. Tompkins - no grande
universo temos, conforme mencionou, milhares de anos antes
do fim, mas aqui tudo vai passando demasiadamente depressa
para mim! Já estou sentindo calor, mesmo em pijama."
"Será melhor que não o tire," disse o professor. "Não
adiantará. Deite-se no chão e observe enquanto puder."
O snr. Tompkins não respondeu; o ar quente era insupor-
. tável. O pó, que estava agora muito denso, acumulava-se em
torno dele, e sentia como se estivesse rolando em lençóis ma-
cios aquecidos.
"Teria eu feito um furo nesse universo inóspito?," foi o
primeiro pensamento que lhe acudiu. Queria perguntar ao pro-
fessor, mas não podia descobri-lo em lugar algum. Ao invés,
na luz bruxuleante matutina, recqnheceu os contornos familiares

68
dos móveis do quarto de dormir. Estava deitado na cama enro-
lado no cobertor de lã, tendo conseguido nesse momento des-
vencilhar um braço.
"A vida nova começa com a expansão," pensou, lembrando-se
das palavras do velho professor. "Graças a Deus a expansão
ainda continua!" E foi tomar um banho.

69
6

ópera e ósrnica

QUA NDO O SNR. TOMPKINS SE REFERIU, DURANTE O CAFÉ MA-


tutino, ao sonho da noite anterior, o velho professor escutou um
pouco cético.
"O colapso do universo," disse, "seria forçosamente fim
muito dramático, mas acho que a velocidade do recuo mútuo
das galáxias é tão elevada que a expansão atual não se conver-
terá nunca em colapso, continuando o universo a expandir-se
além de qualquer limite, à proporção que a distribuição das
galáxias no espaço se torna cada vez mais diluída. Quando todas
as estrelas que formam as galáxias se apagarem devido à exaus-
tão do combustível nuclear, o universo se transformará numa
coleção de agregados celestes frios e negros dispersos na infi-
nidade."
"Todavia, há astrônomos que pensam de maneira diferente.
Sugerem o que se chama de cosmologia de estado firme, segundo
a qual o universo permanece inalterado no tempo: existiu qua-
se no mesmo estado em que o· vemos hoje desde o infinito no
passado, e continuará a existir assim ao infinito no futuro. Sem
dúvida está de acordo com o velho princípio do império bri-
tânico para conservar o statu quo do mundo, mas não me acho
inclinado a acreditar seja verdadeira essa teoria do estado, firme.
A propósito, um dos criadores dessa nova teoria, professor de

70
astronomia teórica na Universidade de Cambridge, escreveu uma
ópera sobre o assunto, que estreará na próxima semana em
Covent Garden. Por que não compra as entradas para assistir
em companhia de Maud? Talvez seja bem divertida."
Poucos dias depois de voltar da praia, que, por igual a mui-
tas praias do Canal, se torna friorenta e chuvosa, o snr.
Tompkins e Maud sentaram-se confortavelmente nas poltronas
de veludo vermelho do teatro, esperando que o pano subisse.
O prelúdio começou precipitevolissimevolment.e, e o regente da
orquestra viu-se obrigado a mudar duas vezes o colarinho antes
de terminar. Quando afinal se ergueu o pano, todos os especta-
dores tiveram de proteger os olhos com as palmas das mãos,
tal o brilho da iluminação do palco. Os raios luminosos inten-

O sr. Tompkins viu um homem envergando batina preta com colarinho


de clérigo

71
sos que vinham do palco dentro ·em pouco encheram inteira-
mente a ·platéia,- e o soalho tanto quanto os camarotes trans-
formaram-se em brilhante oceano luminoso. O brilho geral foi
extinguindo-se aos poucos, e o snr. Tompkins achou-se aparen-
temente flutuando no espaço obscuro, iluminado por uma multi-
dão de tochas flamejantes que giravam rapidamente, .~emelhan­
tes às rodas com luminárias que se vêem em festas noturnas.
Logo começou-se a ouvir a música da orquestra invisível seme-
lhante à de órgão e o snr. Tompkins viu perto de si um homem
de batina e colarinho de clérigo. Conforme o libreto, era o
Abade Georges Lemaitre, belga, primeiro a propor a teoria da
expansão do universo, que se chama freqüentemente de teoria
bing-bang.
O snr. Tompkins ainda se lembra dos primeiros versos
da ária:
Majestically
p

Pº' A- tome prree-morr- dial! All - con· tain-eeng A- tome! Dees -

frr.ag-menls ex -ceed-eeng-ly small . Gal - ;: _ ies

~~OOHti~~~-~
PP .P
~~~~i}5~~-~tf
rra -dio ac-ti f A - torne! O
~ ..J-1.J.~

> ===-
A- tome_ Worrk of z' Lorrd !

72
ó Atomo primordial 1
Atomo que contém tudo l
Dissolvido em fragmentos que se vêem mal 1

Formando nebulosas,
Cada qual com energia primária 1
ó A tomo radiativo 1
ó Atomo que tudo contém 1
Ó Atomo universal
Obra do Senhor 1

A longa evolução
Conta terríveis explosões
Que acabam em cinza e farrapos fumegantes.
Ficamos com as escórias
Em confronto com sóis evanescentes
Procurando lembrar
O esplendor de nossa origem.
ó Atomo universal
Obra do Senhor!

Quando o Abade Lemaitre terminou a ana, apareceu um


sujeito alto que (novamente conforme o libreto) era o físico
russo George Gamow, que costumava passar as férias nos Esta-
dos Unidos nos últimos trinta anos.

Gaily and drunkenly

&•i Ji ; 1 J. Ji; w1 J J ;; 1 r·
Good Ab - b~, ourr un·derr - stand-ink lt is
J> µ ;
sarne . in ma -ny

ways. Un-i - verrse has been ex - pand-ink frrom the crrad-le of its

&1 J Jcj,~I F k' ~, D1r ~/' J' ; 1J. J>p J> 1J :li
days. Un·i - verrse has been ex - pand-lnk frrom the crrad-le of its days.

73
Bom Abade, ·nossa compreensão
É a mesma de inúmeras maneiras :
Tem-se expandido o Universo
Desde o berço dos primeiros dias !

Disseste que ganha movimento :


Lastimo discordar.
E divergimos na noção
De como tal se pode dar.
E divergimos na noção
De como tal se pode dar.

Era fluido neutro - nunca


Átomo primário, como diz.
É infinito como sempre
Era infinito antes.

Num pavilhão sem limites


Em colapso, o gás encontrou a própria sina,
Há muitos anos (alguns milhares de milhões)
Passado a estado mais denso.
Há muitos anos (alguns milhares de milhões)
Passado a estado mais denso.

O espaço inteiro resplendia então


Nesse, do tempo, ponto crucial.
A matéria transcendia a luz
Como o metro em relação à rima.
A materia transcendia a luz
Como o metro em relação à rima.

P·ua cada tonelada de radiação


Havia então uma onça de matéria,
Até o impulso para a inflação
Nesse .grande salto primevo.
Até o impulso para a inflação
Nesse grande salto primevo.

74
Era então a luz bem pálida ...
Passam centenas de milhões de anos
A matéria, sobre a luz prevalecendo,
Por toda parte encontra-se abundante.
A matéria, sobre a luz prevalecendo,
Por toda parte encontra-se abundante.

Começou a matéria a condensar-se


(Tal a hipótese de Jeans)
Produzindo nuvens gasosas gigantescas
Como protogaláxias conhecidas.
Produzindo nuvens gasosas gigantesca&,
Como protogaláxias conhecidas.

Estas foram depois despedaçadas


Través da noite para além voando.
Delas formaram-se estrelas dispersas
E de luz encheu-se o espaço.
Delas formaram-se estrelas dispersas
E de luz encheu-se o espaço.

As galáxias giram constantemente,


As estrelas queimarão soltando chispas,
Té que o universo se adelgace
Para ficar sem vida, frio e negro.
Té que o universo se adelgace,
Para ficar sem vida, frio e negro.

O próprio autor da ópera recitou a terceira ana de que


se lembra o snr. Tompkins, que o viu materializar-se repenti-
namente do nada entre galáxias que brilhavam cintilantes. Pu-
xava do bolso uma galáxia recém-nascida enquanto cantava:

75
Majestically
1nf

The un- i by Hea - ven's de - cree, Was

ver formed in time gone by, Was ne-ver formed in


~..i.--

time gone by, in time gone by &t is, has bee11, has

O universo, por decreto celeste,


Não se formou nunca em tempo antigo,
Mas foi, é e será o mesmo sempre,
Pois assim Gold e Bondi éstão comigo.
Pára, ó Cosmos, ó Cosmos fica o mesmo!
Proclamamos o estado de firmeza.

As nebulosas idosas se dispersam


E ardem, abandonando a cena.
Mas entrementes o universo inteiro
Foi, é e será o mesmo sempre.
Pára, ó Cosmos, ó Cosmos fica o mesmo 1
Proclamam9s o estado de firmeza !

76
E ainda novas galáxias se condensam
Do nada, como anteriormente.
(Lemaitre e Gamow não se ofendam!)
Tudo o que foi, é e será para sempre
. Proclamamos o estado de firmeza 1

been, shall ev-er be For so say Goid and 1.

Refrain

Stay, O Cosmos, O state pro-claim.


~~J.

Mas apesar dessas palavras inspiradoras, todas as galáxias


no espaço circundante iam-se desvanecendo gradativamente, e
finalmente a cortina de veludo baixou e os candelabros no
grande vestíbulo do teatro as substituíram.
"Oh, Ciril," ouviu Maud dizer, "sei que você é capaz de
adormecer em qualquer lugar em qualquer ocasião, mas não
em Covent Garden ! Você dormiu durante todo o espetáculo!"
Quando o snr. Tompkins trouxe de volta Maud· à casa pater-
na, encontrou o professor sentado na confortável poltrona tendo
nas mãos o número recentemente chegado das M onthly No tices.
"Bem, como achou o espetáculo?"
"Maravilhoso!" disse o snr. Tompkins, "fiquei especialmen-
te impressionado com a ária a respeito do · universo existindo
para sempre. Parece tão tranqüilizadora !"

77
"Tenha cuidado com essa teoria," disse o professor. "Não
conhece o provérbio: Nem tudo que luz é ouro? Estou exata-
mente agora lendo um artigo de outro professor de Cambridge,
Martin Ryle, que construiu um radiotelescópio gigantesco capaz
de localizar galáxias a distâncias várias vezes maiores do que o
alcance do telescópio ótico de 200 polegadas de Monte Palomar.
As observações por ele feitas indicam que essas galáxias muito
distantes estão situadas muito mais perto umas das outras do
que as da nossa vizinhança."
"Quer dizer," perguntou o snr. T-0mpkins, "que a n-0ssa região
do universo possui p-0pulação um tanto rara de galáxias, aumen-
tando a densidade da população quando nos afastamos cada
vez mais?"
"De modo algum," disse o professor, "deve lembrar-se que,
devido à velocidade finita da luz, quando se olha para muito
longe no espaço, também se olha muito par;;t trás no tempo.
Por exemplo, como a luz do Sol leva oito minutos para chegar
à Terra, os astrônomos observam um clarão na superfície do
Sol dep-0is de oito minutos. As fotografias de nosso vizinho mais
próximo no espaço, a galáxia em espiral na constelação de
Andrômeda - que você talvez tenha visto em livros de Astro-
nomia e está situada à distância de um milhão de anos-luz
- mostram como realmente ela aparecia há um milhão de
anos-luz. Desse modo, o que Ryle vê, ou seria melhor dizer
ouve, por meio do radiotelescópio, corresponde à situação que
existia naquela parte distante do universo há muitos milhões
de anos. Se o universo se encontrasse realmente em estado
firme, o quadro não mudaria com o temp-0, e as galáxias mui
distantes conforme se observam da Terra agora deviam ver-se
distribuídas no espaço nem muito mais densamente nem muito
mais raramente, do que as que se encontram mais próximas.
Desse m-0do, as observações de Ryle indicando parecerem as
galáxias distantes estar mais -juntas no espaço equivale à afir-
mação que as galáxias estavam p-0r toda parte mais juntas no
passado distante de milhares de milhões de anos. Isto contradiz a
teoria do estado de firmeza, e vem em apoio da opinião primi-
tiva que as galáxias se dispersam baixando a densidade da
população. Todavia devemos ser cautelosos, esperando confir-
mação ulterior dos resultados de Ryle.

78
"A propósito," continuou o professor, tirando do bolso uma
folha de papel dobrada, "veja a poesia que um dos meus cole-
gas que gosta de fazer versos escreveu há poue:o sobre esse
assunto." E leu :

Os anos que passou lutando,


Disse Ryle a Hoyle,
Foram anos perdidos, acredito.
O estado firme
Está ultrapassado
Se os olhos não me enganam.

Meu telescópio
Fez desmoronar as suas esperanças:
Desmentiram-lhe as afirmações.
Permita-me a concisão:
Dia a dia o i~niverso
Se dil1ti cada vez mais!

Disse Hoyle : "Está citando


Lemaitre, ao que parece,
E Gamow. Bem, esqueça-os !
Esse bando irritante
E a tal Bing Bang
Por que ajudá-109 ou favorecê-los?

Veja bem, amigo,


Não tem fim nem teve
Princípio.
Conforme Bondi e Gold,
Que estão comigo,
Até ficarmos calvos 1"

" Não e assim ! " exclamou Ryle,


Enquanto a bílis fervia
E forçava o cabresto;
Porquanto as galáxias estão.
Como qualquer um vê
Muito mais perto umas das outras!"

79
" Você me faz ferver de cólera 1
Explodiu Hoyle.
Dando outra forma à afirmação :
Nova matéria nasce
Cada noite ou manhã.
O quadro não muda 1

Desiste, Hoyle 1
Ainda hei-de destroçar-te 1
(Começa a brincadeira)
E dentro de muito pouco tempo,
Continuou Ryle,
Hei-de chamar-te à razão 1"

"Bem," disse o snr. Tompkins, "será muito interessante ver


qual será o resultado dessa discussão", e beijando a face de
Maud desejou a ambos boa noite.

80
7

Bilhares Quânticos

UM DIA O SNR. TOMPKINS IA PARA CASA, SENTINDO-SE MUIT'O


cansado, depois de longo dia de trabalho no banco, que estava
fazendo negócios de hipoteca. Passou por um botequim e resol-
veu entrar para tomar um chope. Um copo seguiu-se a outro e
dentro em pouco o snr. Tompkins começou a sentir-se um pouco
tonto. Nos fundos do botequim havia um bilhar cheio de ho-
mens em mangas de camisa jogando bilhar na mesa do centro.
Lembrava-se vagamente de já ter estado aí, quando um dos
colegas ofereceu-·se para ensinar-lhe a jogar bilhar. Aproximou-
se da mesa e começou a observar o jogo. Era tudo bastante
esquisito! Um jogador punha a bola sobre a mesa e chocava-a
com a ponta do taco. Observando a bola rol ar. o snr. T ompkins
notou, com grande surpresa, que a bola começava a "espalhar-
·se". Foi a única expressão que pôde encontrar para o estranho
co·m portamento da bola que, movendo-se pelo pano verde, pare-
cia ficar cada vez mais abatida, perdendo o contorno arredon-
dado. Não parecia que uma bola única estivesse rolando pela
mesa, mas um grande número, todas penetrando parcialmente
umas nas outras. O snr. Tompkins observara muitas vezes
fenômenos análogos antes, mas na ocasião não havia tomado
nem uma gota de uísque, não podendo compreender por que
assim acontecia. "Bem," pensou, "vamos ver como este mingau
de bola vai chocar-se com outra."

81
O jogador que acertou na bola era evidentemente perito e a
bola a rolar acertou em outra diretamente conforme ele pre-
tendia. Ouviu-se o ruído do choque e as duas bolas, a que
estava em repouso e a que rolava (o snr. Tompkins não podia
dizer exatamente qual) dispararam "em direções inteiramente
diferentes". Certamente, era muito estranho; não se viam mais
duas bolas parecendo somente um pouco pegajosas, mas ao
invés parecia que inúmeras bolas, todas muito vagas e pega-
josas, corriam dentro de um ângulo de 1800 em roda da direção
em que se dera o choque. Assemelhava-se antes a onda peculiar
espalhando-se do ponto de colisão.
Observou, contudo, que havia um fluxo máximo de bolas
na direção do choque originário.
"Dispersão da onda S," disse uma voz familiar atrás dele,
e o snr. Tompkins reconheceu o professor. "Vamos," excla-
mou o snr. Tompkins, "aqui também há alguma curvatura? A
mesa parece-me perfeitamente plana."

\\\
A bola branca partiu em todas as direções

82
"Exatamente," respondeu o professor, "o espaço aqm e per-
feitamente plano e o que observou é, na realidade, fenômeno
de mecânica quântica."
"Oh, a matriz!" arriscou o snr. Tompkins sarcasticamente.
"Ou antes, a incerteza de movimento,'' disse o professor. " O
dono do salão de bilhares juntou aqui vários objetos que so-
frem, se assim posso exprimir-me, de elefantismo quântico.
Realmente todos os corpos da natureza estão sujeitos às leis
quânticas, mas a chamada constante quântica que governa esses
fenômenos é extremamente pequena; de fato, o respetivo valor
numérico tem 27 zeros depois da vírgula decimal. Contudo, para
estas bolas a constante é muito maior - quase igual à uni-
dade - e é possível ver com os próprios olhos fenômenos que a
ciência somente conseguiu descobrir lançando mão de métodos
muito sensíveis e complicados de observação." Aqui o professor
ficou pensativo por um momento.
"Não pretendo criticar," continuou, "mas gostaria de saber
donde aquele homem tirou todas essas bolas. Falando rigorosa-
mente não poderiam existir em nosso mundo, porquanto, para·
todos os corpos nele existentes, a constante quântica tem o
mesmo valor pequeno."
"Talvez as tenha mandado vir de algum outro mundo," pro-
pôs o snr. Tompkins; mas o professor não estava satisfeito e
ficou suspeitoso.
"Observou", continuou, o professor "que as bolas se espa-
lham. Quer dizer que a posição delas em cima da ' mesa não é
inteiramente definida. Não é possível indicar realmente a posi-
ção de uma bola ; o melhor que se pode dizer é que a bola está
em grande parte aqui e parcialmente em algum outro lugar.
"É muito extraordinário,'' murmurou o snr. Tompkins.
"Ao contrário," insistiu o professor, "é absolutamente nor-
mal, no sentido que está sempre acontecendo a qualquer corpo
material. Somente, devido ao pequeno valor da constante quân-
tica, e à grosseria dos métodos ordinários de observação, não
há quem note essa indeterminação. Qualquer pessoa chega à
conclusão errônea que a posição e a velocidade são sempre
quantidades definidas. Na realidade, são ambas sempre indefi-

83
nidas até certo ponto. e define-se a melhor tanto mais quanto
a outra mais se espalha. A constante quântica rege exatamente
a relação entre essas duas incertezas. Veja bem, vou estabele-
cer limites definidos para a posição desta bola pondo-a dentro
de um triângulo de madeira."
L<:>go que colocou a bola dentro do triângulo, todo o interior
deste ficou cheio do brilho do marfim.
"Está vendo?" disse o professor. "Defini a posição da bola
até o ponto ·das dimensões do triângulo, isto é, algumas pole-
gadas. Daí resulta considerável incerteza quanto à velocidade,
e a bola se move rapidamente dentro dos seus limites."
"Não pode detê-la?" perguntou o snr. Tompkins.
"Não - é fisicamente impossível. Qualquer corpo em recinto
fechado possui certo movimento - nós físicos dizemos que é
o movimento do ponto-zero. Conforme se dá, por exemplo, com
o movimento dos eléctrons em qualquer átomo."
Enquanto o snr. Tompkins observava a bola atirando-se de
um lado para o outro dentro do cercado como um tigre na jaula,
deu-se um fato extraordinário. A. bola simplesmente escapuliu
pela parede do triângulo e logo em seguida pôs-se a rolar para
um canto distante da mesa. O mais estranho é que não pulou
por cima da parede de madeira, mas passou simplesmente atra-
vés dela, sem se elevar da mesa.
"Bem, está vendo," disse o snr. Tompkins, "o movimento
ze1·0 fugiu. Está conforme as regras? "
"Sem dúvida que está," disse o professor, "de fato, esta é
uma das conseqüências mais interessantes da teoria quântica.
É impossível manter seja o que for dentro de um recinto con·
tanto que o objeto tenha energia bastante para escapulir atraves-
sando uma parede. Mais cedo ou mais tarde o objeto escapole
simplesmente e vai-se embora."
"Então nunca mais irei ao Jardim Zoológico", disse o snr.
Tompkins decidamente enquanto a imaginação vívida fazia-o
ver terrível quadro de leões e tigres escapulindo através das
paredes das jaulas. Depois os pensamentos dele tomaram dire-
ção um tanto diferente: pensou num automóvel fechado segu-
ramente na garagem escapulindo, exatamente como bom fantasma
velho medieval, através das paredes.

84
"Quanto tempo ' terei de esperar," perguntou ao professor,
para que um carro, feito não desta espécie de material, mas
de aço comum, possa escapulir através da parede, digamos, de
tijolos da garagem? Gostaria muito de ver!"

Exatamente como se fosse bom fantasma da Idade Média

Depois de fazer alguns cálculos rápidos de cabeça, o professor


ficou de posse da resposta: "Serão necessários mais ou menos
1 . 000 000 000 (X)() 000 de anos."
Muito embora estivesse acostumado a números grandes nas
contas do banco, o snr. Tompkins perdeu o número de zeros

85
mencionado pelo professor ~ era, contudo, bastante grande
para não ter de preocupar-se com a fuga do próprio carro.
"Suponha que acredito em tudo o que diz. Não posso ver,
porém, como observar tais fatos - se não tivéssemos essas
bolas aqui."
"Objeção razoável," disse o professor. "Sem dúvida não que-
ro dizer que os fenômenos quânticos podem observar-se com
os corpos grandes como com aqueles que geralmente manuseia.
Mas toda a questão é que os efeitos das leis quânticas tornam-
se muito mais observáveis na aplicação a massas pequenas como
eléctrons ou átomos. Para essas partículas, os efeitos quânticos
são tão elevados que a mecânica clássica não se pode aplicar
de maneira alguma. A colisão entre dois átomos assemelha-se
exatamente à de duas bolas, conforme ainda há pouco observou,
e o movimento dos eléctrons dentro do átomo parece mui apro-
ximadamente com o movimento do ponto-zer.o da bola de bilhar
dentro do triângulo de madeira."
"E os átomos escapolem da garagem freqüentemente?", per-
guntou o snr. Tompkins.
"Com certeza, escapolem. Ouviu falar, sem dúvida, de corpos
radiativos, cujos átomos se desintegram espontaneamente, emi-
tindo partículas muito rápidas. Tal átomo, ou antes a parte
central chamada núcleo atômico, é inteiramente análogo à gara-
gem em que se guardam os carros, isto é, as outras partículas.
E escapolem vasando através das paredes desse núcleo - às
vezes não ficam do lado de dentro durante um segundo. Em
tais núcleos, os fenômenos quânticos se tornam inteiramente
usuais."
O ·s nr. Tompkins sentia-se muito fatigado depois dessa longa
conversa, e olhava em torno distraidamente. Um grande relógio
antigo, de pé num canto da sala, despertou-lhe a atenção. O
pêndulo longo movia-se vagarosamente de um lado para o outro.
"Vejo que sé interessa por esse relógio," disse o professor.
" Esse mecanismo também não é muito comum - mas atual-
mente está fora da moda. Representa exatamente a maneira
pela qual se costumava pensar a princípio a respeito dos fenô-
menos quânticos. Dispõe-se o pêndulo de maneira tal que a
amplitude só pode aumentar por intervalos finitos. Agora, con-

86
tudo, todos os relojoeiros preferem empregar os pêndulos paten-
teados que se dilatam."
"Gostaria de compreender todas ·essas complicações!" excla-
mou o snr. Tompkins.
"Mui to bem," replicou o professor, "entrei neste botequim
quando ia para a preleção a respeito da teoria quântica por
tê-lo visto aqui dentro. Agora tenho de ir para não perder a
hora da preleção. Quer vir comigo?"
"Com certeza, quero!" respondeu o snr. Tompkins.
Como de costume a sala estava inteiramente cheia de estudan-
tes e o snr. Tompkins deu-se por feliz quando arranjou maneira
de sentar num degrau.

Senhoras e Senhores - começou o professor -


Nas duas preleções anteriores procurei mostrar-lhes como
a descoberta do limite superior de qualquer velocidade física e
a análise da noção. de linha reta nos conduziu à reconstrução
completa das idéias clássicas a respeito de espaço e tempo.
Esse desenvolvimento da análise crítica dos fundamentos · da
física não parou, contudo, nesse estágio, e descobertas e con-
dusões ainda mais impressionantes nos estavam reservadas.
Quero referir-me ao ramo da física conhecido como teoria quân-
tica, o qual não trata propriamente das propriedades .de espaço
e tempo em si mesmas, contudo se interessa pelas ações mútuas
e movimentos dos objetos materiais no espaço e no tempo. Na
física clássica sempre se aceitou como evidente a possibilidade
de tornar a interação entre dois corpos físicos quaisquer tão
pequena como o exigissem as condições da experiência, e redu-
zida praticamente a zero sempre que se tornasse necessário. Por
exemplo, se, ao investigar o calor desenvolvido em certos pro-
cessos, se receasse que a introdução de um termômetro retira-
ria certo volume de calor, introduzindo desse modo perturbações
no curso normal do processo observado, o experimentador tinha
sempre certeza que, empregando termômetro menor ou dimi-
nuto par termelétrico, seria possível reduzir a perturbação a
um ponto abaixo dos limites da precisão necessária.
A convicção que qualquer processo físico é capaz, em prin-
cípio, de observar-se com qualquer grau exigido de precisão,

87
sem perturbá-lo com a observação, era tão forte que ninguém.
se incomodava de formular semelhante proposição explicita-
mente, e sempre se trataram todos os problemas desta espécie
como dificuldades puramente técnicas. Contudo, novos fatos
empíricos acumulados desde o começo do século atual conduzi-
ram firmemente os físicos à conclusão, que a situação é real-
mente muito mais complic~da, existindo na natureza certo limi-
te inferior de interação impossível de ultrapassar. Este limite
natural de precisão é desprezivelmente pequeno para qualquer
espécie de processo com que estamos familiarizados na vida
ordinária, mas torna-se de grande importância quando manu-
seamos as interações que se realizam em sistemas mecânicos
pequeníssimos como átomos e moléculas.
No ano de 1900 o físico alemão Max Planck, ao investigar
teoricamente as condições de equilíbrio entre matéria e radia-
ção, chegou à conclusão surpreendente que tal equilíbrio somente
é possível quando se supõe que a interação entre matéria e radia-
ção não se re0;liza continuarnente, conf arme sempre se supôs,
mas numa seqüência de "choq·iies" separados, transferindo-s.e
volume definido de energia da matéria à radiação ou vice-versa
em cada um desses atos elementares de interação. A fim de
conseguir o equilíbrio desejado, e alcançar concordância com
os fatos experimentais, tornou-se necessário introduzir relação
matemática simples de proporcionalidade entre o volume de
energia transferido. em cada choque e a freqüência (período
inverso) do processo que conduz à transferência da energia.
Assim, indicando o coeficiente de proporcionalidade por "h",
Planck viu-se forçado a aceitar que a porção mínima ou quan-
tum, de energia transferida resulta da expressão

E= h.v, (1)

na qual v representa a freqüência. A constante h tem o valor


numérico de 6,547 x 10-27 ergs, x segundo, e em geral se chama
constante de Planck ou constante quântica. Cabe ao pequeno
valor dessa constante a responsabilidade de não se observarem
geralmente os fenômenos quânticos na vida quotidiana.
Deve-se a Einstein o desenvolvimento ulterior das idéias de
Planck, quando aquele físico, alguns anos depois, chegou à

88
conclusão que não só a radiação se emite em porções discretas
definidaJS, mas existe sempre dessa maneira, consistindo em um
número discreto de pacotes de energia" a que chamou de quanta
~~ .

Enquanto os quanta de luz se movem devem possuir, inde-


pendentemente da própria energia hv, certo momento mecânico,
que, de conformidade com a mecânica relativista, deve ser igual
à energia dividida pela velocidade da luz e. Se nos lembrarmos
que a freqüência da luz se relaciona ao comprimento da onda À
pela relação v= c/ À, podemos escrever para o momento mecâ-
nico de um quantum de luz:

Como a ação mecânica produzida pelo choque de um obje-


to em movimento é dada pelo momento, devemos concluir que
a ação dos quanta de luz aumenta com a diminuição do compri-
mento da onda.
Deve-se à investigação do físico americano Arthur Compton
uma das melhores provas experimentais da correção da idéia
dos quanta de luz, bem como da energia e momento a eles
atribuídos, o qual, estudando as colisões entre quanta de luz e
eléctrons chegou ao resultado que os eléctrons postos em movi-
mento pela ação de um raio de luz comportam-se exatamente
.como se os atingisse uma partícula que possuísse a energia e o .
momento dados pelas fórmulas precedentes. Mostrou-se tam-
bém que os próprios quanta de luz, depois da colisão com os
eléctrons, experimentam certas mudanças (na freqüência) em
excelente concordância com a predição da teoria.
Atualmente podemos dizer que, no que concerne a interação
com a matéria, a propriedade quantum de radiação constitui
fato experimental bem estabelecido.
Deve-se o desenvolvimento ulterior das idéias quânticas ao
famoso físico dinamarquês Niels Bohr, que, em 1913, foi o pri-
meiro a expressar a idéia que o movimento interno de qualquer
sistema mecânico possui somente. grupo discreto de valores pos-
síveis de energia, somente podendo o movimento mudar o pró-

89
prio esta.do por meio de passos finitos, radiando-se em cada
transição volume definido de energia. As regras matemáticas que
definem os estados possíveis dos sistemas mecânicos são mais
complicadas do que no caso de radiação e não trataremos aqui
de formulá-las. Indicaremos somente que, assim como no caso
de quanta de luz define-se o momento por meio do comprimen-
to de onda da luz, assim também no sistema mecânico o mo-
mento de qualquer partícula em movimento relaciona-se com as
dimensões geométricas da região do espaço em que se realiza
o movimento, dando-lhe a ordem de magnitude a expressão

h
PPartrcula~ 7' (3)

sendo l aqui as dimensões lineares da reg1ao do movimento.


Devido ao valor extremamente pequeno da constante quântica
os fenômenos quânticos somente se revestem de importância
para movimentos que se realizem em regiões pequenas como o
interior de átomos ou moléculas, representando papel de grande
importância para o conhecimento da estrutura interna da
matéria.
Deram-nos uma das provas mais diretas da existência da
seqüência de estados discretos desses minúsculos sistemas me-
cânicos as experiências de James Franck e Gustav Hertz, que,
bombardeando átomos por eléctrons de energia variável, nota-
ram que somente se realizavam mudanças definidas no estado
do átomo quando a energia dos eléctrons de bombardeio atingia
certos valores discretos. Se se baixava a energia dos eléctrons
a certo limite, não se observava qualquer efeito nos átomos,
porque o volume de energia carregado pelos eléctrons não era
suficiente para elevar o átomo do primeiro estado quantum
ao segundo.
De tal maneira, ao fim desse primeiro estágio do desenvol-
vimento da teoria quântica, poder-se-ia descrever a situação, não
como modificação das noções e princípios fundamentais da físi-
ca clássica, mas como restrição mais ou menos artificial pelas
condições quânticas um tanto misteriosas, escolhendo-se na va-
riedade contínua de movimentos clássicos possíveis somente um

90
grupo dicreto dos que fossem "permitidos". Se, contudo, exa-
minarmos mais profundamente a conexão entre as leis da me-
cânica clássica e as condições quânticas que a nossa extensa
experiência exige, descobriremos que o sistema que se obtém
unificando-as fica eivado de inconsistência lógica, e as restrições
quânticas empíricas tornam absurdas as noções fundamentais
em que se baseia a mecânica clássica. De fato, o conceito fun-
damental a respeito do movimento na teoria clássica é que
qualquer partícula em movimento ocupa em dado momento
certa posição ·no espaço e possui velocidade definida, caracte-
rizando as mudanças no tempo da posição sobre a trajetória.
Essas noções fundamentais de posição, velocidade e traje-
tória, em que se baseia o complicado edifício da mecânica clás-
sica, formam-se (como quaisquer outras) por observação dos
fenômenos em torno de nós, e, por igual às noções clássicas de
espaço e tempo, podem ficar sujeitas a modificações de longo ·
alcance logo que a experiência se amplie a regiões novas, inex-
ploradas anteriormente.
_ Se perguntar a alguém por que acredita que qualquer partí-
cula em movimento ocupa em dado momento certa posição
descrevendo no curso do tempo linha definida chamada traje-
tória, é muito provável que responda: "Porque assim o vejo, ao
observar o movimento." Analisemos essa maneira de formar
a noção clássica de trajetória e vejamos se conduz realmente a
resultado definido. Para isso imaginemos um físico que dispõe
de qualquer espécie de aparelho extremamente sensível, pro-
curando acompanhar o movimento de pequeno corpo material
lançado da parede do laboratório. Resolve fazer a observação
"vendo" como o corpo se move e para isso utiliza teodolito
pequeno mas de grande precisão. Naturalmente, para ver o
corpo em movimento terá de iluminá-lo, e, sabendo que em
geral a luz exerce pressão sobre o corpo, podendo perturbar-lhe
o movimento, resolve fazer uso de lampejos luminosos somente
nos momentos em que faz as observações. Na primeira expe-
riência deseja observar somente dez pontos. sobre a trajetória
e assim escolhe fonte luminosa tão fraca que o efeito integral
da pressão da luz durante as dez iluminações sucessivas se man-
tém dentro dos limites de precisão de que precisa. Desse

91
Fonte de raio gama
Fonte de
,'.;;,Í)\ eléctrons
,: / ~
l.i-

I
I
Ct)' I

\0 I ~
°i:; I Ctl'
""-.,) t :.t::J
Ili ( .....
º':"->t f$
,rt:J I . ,_,
!:..... , t..,
C°"'< I Q.
Em direção I
1

1
1
ao vácuo 1

1
1

''
Microscópio de raios gama de Heisenberg

modo, fazendo funcionar a lâmpada dez vezes durante a queda


do corpo, obtém, com a precisão necessária, dez pontos sobre
a traj etória.
Em seguida, deseja repetir a experiência para tomar cem
pontos. Sabe que as cem iluminações sucessivas perturbarão
demasiadamente o movimento, e portanto, preparando-se para
o segundo grupo de observações, escolhe uma lâmpada dez vezes
menos intensa. Para o terceiro grupo de' observações, desejando
ter mil pontos, torna a lâmpada cem vezes mais fraca do que
originariamente.

92
Procedendo deste modo e fazendo descrever constantemente
a intensidade da iluminação, poderá obter tantos pontos da
trajetória quantos desejar, sem aumentar o erro possível além
do limite escolhido no princípio. Este procedimento, altamente
idealizado mas em princípio perfeitamente possível, representa
a maneira rigorosamente lógica de construir o movimento de
uma trajetória "olhando para o corpo em movimento," e vê-se
4ue, na estrutura da física clássica, é perfeitamente possível.
Vejamos, porém, agora o que acontece se introduzirmos as
limitações quânticas e levarmos em conta a possibilidade de
transferir a ação de qualquer radiação somente sob a forma de
luz quanta. Vimos que o observador reduzia constantemente o
volume de luz que iluminava o corpo em movimento e verifica-
remos agora ser impossível continuar a fazê-lo logo que descer
a um quantum. Refletir-se-á ou toda ou nenhuma luz quantum
por meio do corpo em movimento, e no último caso será impos-
sível realizar· a observação. Naturalmente vimos que o efeito da
· colisão com um quantum de luz decresce quando aumenta o
comprimento da onda, e nosso observador, sabendo-o igualmen-
te, com certeza procurará empregar nas observações luz de
comprimento de onda crescente para compensar o número de
observações. Mas nesse ponto deparará com outra dificuldade.
Sabe-se perfeitamente que, quando se faz uso de certos com-
primentos de onda, é impossível ver detalhes melhores do que
o comprimento de onda utilizado ; de fato, é impossível pintar
~ma miniatura persa com uma brocha de pintar paredes ! Assim,
empregando ondas cada vez mais longas, estragará a avaliação
de cada ponto distinto e em breve chegará a um ponto em que
cada avaliação será incerta por volume comparável ao tamanho
do laboratório inteiro ou mais. Ver-se-á desse modo forÇado a
t ransigir entre o grande número de pontos observados e a
incerteza de cada avaliação, não sendo nunca capaz de chegar
à trajetória como linha matemática idêntica à que obtêm os
colegas clássicos. O melhor resultado será uma faixa desbotada
e, se basear a noção de trajetória no resultado da experiência;
aquela será um tanto diferente da clássira.
O método aqui discutido é ótico, e agora estamos em condi-
ções de experimentar outra possibilidade, lançando mão de meio

93
Campainhas montadas em molas

mecamco. Para isso, o nosso experimentador pode imaginar


algum minúsculo dispositivo mecânico, digamos pequenas cam-
painhas montadas em molas, que registrariam a passagem de
corpos materiais se passassem por perto. Poderá distribuir
grande número dessas "campainhas" pelo espaço através d~)
qual espera que o corpo em movimento passe, e depois da pas -
sagem o "som das campainhas" indicará o caminho. Na física
clássica podem fazer-se as campainhas tão pequenas e sensíveis
como se desejar, e, no caso limite de um número infinito de
campainhas infinitamente pequenas, será possível chegar à noção
de trajetória com a precisão que se desejar. Contudo, as limi-
tações quânticas para sistemas mecânicos estragarão mais uma
vez a situação. Se as "campainhas" forem muito pequenas, o
volume de momento que receberão do corpo ·e m movimento
será, segundo a fórmula ( 3), demasiado grande e o movimento
ficará grandemente perturbado mesmo depois do choque em
uma única campainha. Se as campainhas forem grandes, a
incerteza de cada posição será muito grande. A trajetória final
deduzida será mais uma vez uma faixa espalhada!
Receio que todas essas considerações a respeito do experimen-
tador procurando observar a trajetória poderão causar impressão

94
um tanto demasiadamente técnica, e os ouvintes se inclinarão
a pensar que, mesmo quando for impossível ao experimentador
avaliar a trajetória pelos meios de que dispõe, algum outro
dispositivo mais complicado poderá fornecer o resultado dese-
jado. Devo lembrar, contudo, que não discutimos aqui qualquer
experiência particular realizada em algum laboratório de física,
mas uma idealização da questão mais geral de medida física. Até
onde for possível classificar qualquer ação realizada no mundo
ou como devida ao campo de radiatividade ou como puramente
mecânica, qualquer plano complicado de medida reduzir-se-á
necessariamente aos elementos descritos nestes dois métodos,
conduzindo finalmente ao mesmo resultado. Até onde o nosso
"aparelho ideal de medida" possa compreender todo o mundo
físico chegaremos finalménte à conclusão que posição exata e
trajetória de forma precisa não têm lugar em mundo sujeito
a leis quânticas.
Voltemos agora ao nosso experimentador e procuremos obter
a forma matemática para as limitações que as condições quân-
ticas impõem. Vimos anteriormente que nos dois métodos usa-
dos existe sempre conflito entre a avaliação da posição e a
perturbação da velocidade do corpo em movimento. No método
ótico, a colisão com o quantum de luz introduzirá, em virtude
da lei mecânica da conservação do momento, incerteza no mo-
mento da partícula, comparável ao momento do quantum de
luz empregado. Assim, lançando mão da fórmula (2) podemos
escrever para a incerteza do momento da partícula :

"
~PPartfcula~ Â'

e lembrando que a incerteza de posição da partícula é dada pelo


comprimento da onda (~q ;::; À), deduziremos:

(5)

No método mecânico, o momento da partícula em movimento


tornar-se-á incerto pelo volume tomado pelas "campainhas".
Lançando mão da fórmula ( 3) e lembrando que neste caso o

95
tamanho da campainha (6q :::::::: 1), fornece a incerteza da posi-
ção, chegamos novamente à mesma fórmula finita, como no
caso anterior. Assim a relação ( S) primeiramente formulada
pelo físico alemão W erner Heisenberg, representa a incerteza
fundamental - relação da teoria quântica - qua.nto melhor
se define a posição, mais indefinido se torna o momento, e
vice-v.ersa.
Lembrando que o momento é o produto da massa da par-
tícula em movimento pela velocidade, podemos escrever:
,,,
fl.v. xôq ~ - • (6)
Partícula Partícula- m Partícula

Para corpos que manuseamos usualmente, esta expressão é


ridiculamente pequena. Para uma partícula mais leve de pó, com
a massa de 0,000 000 1 gr podem medir-se tanto a posição
como a velocidade com a precisão de 0,000 ()(X) 01 o/o ! Contudo,
para um eléctron (que tem a massa de 10-29 gr), o produto
6 v 6 q deverá ser da ordem de 100. Dentro de um átomo,
deve definir-se a velocidade de um eléctron pelo menos dentro
º
de + 101 cm/ seg, senão escapulirá do átomo. Esta expressão
fornece para a incerteza de posição 10-s cm, isto é, as dimen-
sões totais do átomo. Desse modo, a "órbita" de um eléctron
no átomo estira-se de maneira tal que a "espessura" da traje-
tória torna-se igual ao "raio". Assim o eléctron aparece simul-
taneamente em toda a volta do núcleo.
Durante os últimos vinte minutos procurei apresentar um
quadro dos resultados desastrosos da nossa crítica às idéias
clássicas do movimento. Reduzem-se a pedaços as noções clás-
sicas elegante e precisamente definidas, para dar lugar ao que
chamaria de mingau informe. Naturalmente vão perguntar-me
como os · físicos poderão descrever qualquer fenômeno ante
esse oceano de incertezas. Cabe a resposta que até agora des-
truímos as noções clássicas, mas ainda não chegamos à formu-
lação exata de noções novas.
Vamos agora continuar. É evidente que, se não nos for pos-
sível em geral definir a posição de uma partícula material por
um ponto matemático e pela trajetória do seu movimento por

96
uma linha matemática porque tudo se espalhou, teremos de lan-
. çar · mão de outros meios de descrição que dêem, por ass.im
dizer, "a densidade do mingau" em diferentes pontos do espaço.
Matematicamente significa o emprego de funções contínuas
(como as que se utilizam em hidrodinâmica) e fisicamente exige
nos acostumemos ao uso de expressões como "este objeto está
aqui na ·maior parte, mas parcialmente lá e além" ou "esta
moeda está 75% dentro do meu bolso e 25% no do vizinho."
Sei que os ouvintes ficarão aterrorizados com estas afirmações,
mas, devido ao diminuto valor da constante quântica, ninguém
precisará delas na vida ordinária. Contudo, se tiverem de estu-
dar física atômica, aconselharia fortemente que se acostumassem
primeiramente a tais expressões. ·
Devo preveni-los contra a idéia errônea que a função d~sti­
nada a descrever a "densidade de presença" possui realidade
física no espaço ordinário de três dimensões. De fato, se des-
crevermos o comportamento digamos de duas partícula.s, tere-
mos de responder à pergunta a respeito da presença da pri-
meira partícula em um lugar e a presença simultânea da outra
partícula em algum outro lugar ; para fazê-lo teremos de lançar
mão de uma função de seis variáveis (coordenadas das duas
partículas) a qual não se pode "localizar" no espaço a três
· dimensões. Para funções de sistemas mais complexos será pre-
ciso empregá-las com um número ainda maior de variáveis.
Nesse sentido, a "função mecânica quântica" é análoga à "fun-
ção potencial" de um sistema de partículas na mecânica clás-
sica ou à "entropia" de um sistema na mecânica estatística.
Descreve simplesmente o movimento e permite-nos predizer o
resultado de qualquer movimento particular sob condições dadas.
A realidade física fica com as partículas cujo movimento esta- .
mos descrevendo.
A função que descreve em que extensão a partícula ou o
sistema de partículas está presente em lugares diferentes exige
alguma notação matemática e segundo o físico austríaco Erwin
Schrõdinger, que foi o primeiro a escrever a equação que define
o comportamento dessa função, anota-se pelo símbolo 4>4>:
Não poderei expor aqui a prova matemática dessa equação
fundamental, mas chamarei a atenç~o para os requisitos que

97
conduzem à derivação dela. O mais importante é bastante sin-
gular: Deve escrever-se a equação de maneira tal que a função
que descreve o movimento de partículas materiais revele todas
as características de uma onda.
Foi o físico francês Louis de Broglie o primeiro a indicar a
necessidade de atribuir propriedades ondulatórias ao movimen-
to de partículas materiais, baseando-se nos estudos teóricos a
que procedeu da estrutura do átomo. Nos anos seguintes, as
propriedades ondulatórias do movimento de partículas materiais
ficaram firmemente estabelecidàs por meio de numerosas expe-
riências, mostrando tais fenômenos como a difração de um raio
de eléctrons passando por pequena abertura e fenômenos de
inte.rferência que têm lugar mesmo para partículas comparati-
vamente grandes e complexas com as moléculas.
As propriedades ondulatórias observadas das partículas ma-
teriais eram inteiramente incompreensíveis do ponto de vista
das concepções clássicas do movimento, e o próprio de Broglie
viu-se forçado a adotar ponto de vista um ta~to incomum :
acompanham as partículas certas ondas que, por assim dizer,
lhes "dirigem" os movimentos.
Todavia, logo se destruam as noções clássicas e se passe à
descrição do movimento empregando funções contínuas, torna-se
muito mais compreensível a exigência do caráter ondulatório.
Diz exatamente que a propagação da função 44 não é análoga,
digamos, à propagação do calor através de uma parede aquecida
em um dos lados mas de preferência à propagação da deforma-
ção mecânica (som) através dessa mesma parede. Matemati-
camente exige forma definida mais do que restríta para a equa"
ção que procuramos. Esta condição fundamental, juntamente
com a exigência adicional de se fundirem as nossas equações
com as de mecânica clássica quando aplicadas a partículas de
massa para as quais o efeito quântico pode desprezar-se, reduz
praticamente o problema de achar a equação a exercício pura-
mente matemático.
Se estão interessados em saber qual a forma que a equação
apresenta finalmente, posso escrevê-la aqui. Ei-la:

98
Nesta equação a função U representa o potencial de forças que
agem sobre as partículas (de massa m) dando solução definida
ao problema do movimento para qualquer distribuição dada de
forças. A aplicação desta "equação ondulatória" de Schrodinger
tem permitido aos físicos, durante os trezes anos de existência,
desenvolver o quadro mais completo e logicamente consistente
de todos os fenômenos que se passam no mundo dos átomos.
Alguns ouvintes devem ter admirado que até agora não tenha
feito uso da palavra "matriz", que se ouve freqüentemente em
conexão com a teoria quântica. Devo confessar que pessoalmente
não são do meu agrado essas matrizes, preferindo dispensá-las.
Contudo, a fim de não deixá-los em completa ignorância a
respeito desse instrumento matemático da teoria quântica, vou
dizer a respeito uma ou duas palavras. O movimento de uma
partícula ou de um sistema mecânico complexo descreve-se sem-
pre, conforme vimos, por meio de certas funções ondulatórias
contínuas. Tais funções são muitas vezes um tanto complicadas,
podendo-se representá-las como compostas de um número de
oscilações mais simples, chamadas "funções próprias", de m :t.
neira muito semelhante à composição de um som complicado
por meio de certo número de notas harmônicas simples. É pos-
~ível descrever o movimento complexo inteiro indicando as
amplitude~ dos diversos componentes. Como o número de com-
ponentes (harmônicos) é infinito, teremos de escrever tabelas
infinitas de amplitudes sob a forma:
qll ql2 q13
q21 q22 q23
fa1 q32 q33
..... .. .............. (8)

Tal tabela, sujeita a regras comparativamente simples de opera-


ções matemáticas, chama-se "matriz" correspondente a movi-
mento dado, preferindo alguns físicos teóricos operar com ma-
trizes em lugar de utilizar as próprias funçõe s ondulatória, .
Desse mod o a "mecânica das matrizes", conforme às vezes ª"'
clenominam, constitui simplesmente modificação matemática da
"mecânica ondulatória" ordinária, não precisando nós, nestas

99
preleções dedicadas principalmente às questões principais, exa-
minar mais profundamente tais problemas.
Lastimo bastante não dispor de tempo que me permita descre-
ver os progressos ulteriores da teoria quântica em suas relações
com a teoria da relatividade. Tal desenvolvimento, devido prin-
cipalmente aos trabalhos do físico inglês Paul Adrien Maurice
Dirac, introduz certo número de questões muito interessantes
tendo conduzido igualmente a descobertas experimentais de suma
importância. Talvez possa voltar em outra ocasião a esses pro-
blemas, mas tenho de ficar neste. ponto, exprimindo a esperança
que esta série de preleções contribuiu para que adquiram no-
ções mais claras da atual concepção do mundo físico, desper-
tando interesse por estudos mais profundos.

100
8

J anglas Quânticas

NA MANHÃ SEGUINTE O SNR. TOMPKINS ESTAVA COCHILANDO'


na cama, quando · percebeu a presença de alguém no quarto.
Olhando em roda, descobriu que o velho amigo professor estava
sentado na cadeira de braços, absorvido no estudo de um
mapa aberto sobre os joelhos.
"Vai acompanhar-me?'.' perguntou o professor, erguendo a
cabeça.
"Acompanhar onde?" disse o snr. Tompkins, ainda admi-
rando como o professor havia entrado no quarto.
"Para ver os elefantes, naturalmente, e o resto dos animais
da jangla quântica. O dono do salão de bilhares que visitamos
recentemente contou-me o segredo a respeito do lugar donde
lhe vem o marfim para as bolas. Está vendo a região que mar-
quei neste i:napa com lápis vermelho? Parece que tudo dentro
dela está sujeito a leis quânticas de constante quântica muito
grande. Os naturais pensam que toda esta parte da região é
povoada por demônios, e tenho receio que nos será muito difí-
cil encontrar um guia. Mas se quiser vir comigo é melhor
apressar-se. O navio parte dentro de uma hora e ainda ternos
de apanhar Sir Richard no caminho."
"Quem é Sir Richard?" perguntou o snr. Tompkins.

101
"Nunca ouviu falar dele?" O professor estava evidentemente
surpreso. "É famoso caçador de tigres, e resolveu ir conosco,
quando lhe prometi uma caçada interessante."
Chegàram ao cais ainda a tempo para ver o carregamento de
algumas caixas compridas · que continham as espingardas de
Sir Richards, e as balas especiais feitas de chumbo, que o pro-
fessor havia obtido nas minas próximas à jangla quântica.
Enquanto o snr. Tompkins arrumava a bagagem no camarote,
as vibrações firmes do barco indicaram que haviam partido. A
viagem· por mar nada teve de interessante, e o snr. Tompkins
nem mesmo observou o tempo até chegarem diante de fascinan-
te cidade oriental, ponto povoado mais próximo das misteriosas
regiões quânticas.
"Agora," disse o professor, "vamos precisar comprar um
elefante para a viagem no interior. Como acho que nenhum dos
naturais estará disposto a ir conosco, teremos nós mesmos de
dirigi-lo, e você, meu caro Tompkins, terá de aprender como
se faz. Ficarei ocupadíssimo com as minhas observações cientí-
ficas e Sir Richard terá de manejar as armas de fogo."
O snr. Tompkins ficou um pouco desanimado quando viu, ao
chegar ao mercado dos elefantes nos arredores da cidade, os
enormes animais, urh dos quais teria de dirigir. Sir Richard,
grande conhecedor de elefantes, escolheu belo animal corpulento
e perguntou ao dono qual era o preço.
"Hrup hanweck, ·o hobot hum. Hagori ho, haraham oh
Hohohohi", disse o natural, mostrando os dentes brilhantes.
"Está pedindo muito dinheiro por ele," disse Sir Richard,
"mas diz que este elefante é da jangla quântica e por isso é
mais caro. Vamos comprá-lo?"
"Sem dúvida alguma," explicou o professor. "Ouvi dizer no
navio que às vezes vêm elefantes das terras quânticas, que os
naturais apanham. São muito melhores do que os de outras
regiões, e em nosso caso lucraremos, porque este animal sentir- .
-se-á bem na jangla."
O snr. Tompkins inspecionou o elefante de todos os lados;
era grande .e muito bonito, mas não apresentava qualquer dife-
rença em comparação com os que havia visto no Jardim Zooló-

102
gico. Voltou-se para o professor. "O snr. disse que este ele-
fante é quântico, mas a mim me parece bem comum, e não se
comporta de maneira divertida, como as bolas de bilhar feitas
das presas de alguns dos parentes dele. Por que não se espalha
em todas as dii:eções ?"
"Está revelando lentidão peculiar de compreensão," disse o
professor. "É devido à massa muito grande que tem. Disse-lhe
há algum . tempo que toda incerteza em posição e velocidade
depende ela massa; quanto maior a massa, menor a incerteza.
Foi por isso que não se observaram as leis quânticas no mundo
ordinário até . mesmo para corpos tão leves como partículas de
pó, mas tornaram-se de grande importância para os eléctrons,
que são bilhões de bilhões de vezes mais leves. Agora, na jangla
quântica, a constante quântica é um tanto grande, mas ainda
não bastante grande para produzir efeitos impressionantes no
comportamento ele animal tão pesado como o elefante. Só se
pocle notar a incerteza de posição de um elefante quântico inspe-
cionando-lhe bem de perto os contornos. Talvez tenha obser-
vado que a superfície da pele dele não é perfeitamente definida
parecendo ligeiramente felpuda. Com o correr do tempo a incer-
teza aumenta mui vagarosamente, e penso que esta é a origem
da .lenda desta região que elefantes muito velhos da jangla
quântica possuem pêlos compridos. Espero, porém, que todos
os animais menores revelem efeitos quânticos muito notáveis."
"Não é agradável," pensou o snr. Tompkins, não estarmos
fazendo esta expedição a cavalo? Se tal fosse o caso, provavel-
mente não saberia nunca Se O CaYalo estava entre aS minhas
pernas ou no vale próximo."
Depois de terem o professor e Sir Richard com as espingar-
das subido para dentro de cesta pendurada ao dorso elo animal,
o snr. Tompkins, na nova capacidade ele mahout tinha tomado
posição no pescoço do elefante, segurando o aguilhão em uma
elas mãos, partiram em dire~ão à jangla misteriosa.
As pessoas da cidade disseratú que precisariam de mna hora
para chegar lá, e · o snr. Tompkins, procurando equilibrar-se
entre as orelhas do elefante, resolveu aproveitar o tempo para
aprender mais a respeito cios fenômenos quânticos com o
professor.

103
"Poderá dizer-me, por favor,'' perguntou, voltando-se para
o professor, "por que os corpos de massa pequena se compor-
tam de maneira tão peculiar, e qual é o significado dessa cons-
tante quântica de que está falando sempre?"
"Oh, não é tão difícil assim para compreender," disse o
professor. "O comportamento engraçado de todos os objetos
que você observa no mundo quântico deve-se simplesmente a
estar olhando para eles."
"São tão acanhados assim?" disse sorrindo o snr. Tompkins.
"Acanhados não é a palavra conveniente," disse o professor
·friamente. "Toda a questão é que, quando faz qualquer obser-
vação do movimento, necessariamente o perturba. De fato, se
aprender alguma coisa a · respeito do movimento de um corpo,
isto significa que o corpo em movimento exerceu alguma ação
sobre os seus sentidos, ôu sobre o aparelho que estava usando.
Devido à igualdade da ação para a reação teremos de concluir
que o aparelho de medir, também atuou sobre o seu corpo, e,
por assim dizer, estrago.u~lhe o movimento, introduzindo incer-
teza na posição e na velocidade."
"Bem,'' disse o snr. Tompkins, "se tivesse tocado com o dedo
aquela bola no salão de bilhares, com certeza lhe teria pertur-
bado o movimento. Mas estava simplesmente olhando; fazê-lo
também a perturba?"
"Sem dúvida que sim. É impossível ver a bola · na escuridão,
mas se acender a luz, os raios luminosos refletidos da bola, que
a tomam visível, atuam sobre ela - dizemos que é pressão
da luz - e estragam o movimento."
"Mas suponha que faço uso de instrumentos muito delicados
e sensíveis, não será possível tornar-lhes a ação sobre o corpo
em movimento tão pequena que se · possa desprezar?"
"Era isso exatamente o que se pensava na física clássica,
antes da descoberta do quantum de ação. No começo do século
tomou-se evidente a impossibilidade de levar a ação sobre qual-
quer objeto abaixo de certo limite que se denomina constante
quântica, representada geralmente pelo símbolo h. No mundo
ordinário, o quanto de ação é muito pequeno ; em unidades de
costume, exprime-se por um número com vinte e sete zeros
depois da vírgula deeimal, tendo importância somente para par·

104
tículas leves como os eléctrons, que, devido à massa muito
pequena, sofrem a influência de pequenas ações. Na jangla
quântica de que nos aproximamos agora, o quantum de ação é
muito grande. É mundo grosseiro em que não há possibilidade
de qualquer ação gentil. Se alguém experimentasse nesse mundo
acariciar um gato, ou este nada sentiria ou ficaria com o pescoço
quebrado com o primeiro quantum de carícias."
"Está tudo muito bem," disse o snr. Tompkins pensativo,
"mas quando ninguém está olhando, comportam-se os corpos
convenientemente, quero dizer, da maneira que estamos acostu-
mados a pensar?"
"Quando ninguém está olhando," disse o professor, "ninguém
pode saber como os corpos se comportam, e dessa maneira a
sua pergunta não tem qualquer sentido físico."
"Bem, bem," exclamou o snr. Tompkins, indiscutivelmente,
está parecendo filosofia !"
"Pode chamar de filosofia se quiser" - o professor estava
evidentemente ofendido - "mas, na verdade, tal o princípio
fundamental da física moderna - não falar nunca de assuntos
impossíveis de conhecer. Toda a teoria física moderna baseia-se
neste princípio, embora os filósofos o esqueçam geralmente. Por
exemplo, o famoso filósofo alemão Kant perdeu muito tempo
refletindo a respeito das propriedades de corpos não como nos
parecem mas como são em si mesmos. Para o físico moderno,
somente os que se chamam de observáveis (isto é, principalmen-
te propriedades observáveis) têm qualquer significação, e toda
a física moderna baseia-se nas suas relações mútuas. Aquilo que
não se pode observar é bom somente como passatempo - não
há qualquer restrição para inventá-lo, e nenhuma possibilidade
de verificar-lhe a existência, ou dar-lhe qualquer aplicação.
Diria ... "
Nesse momento, terrível ronco encheu o ar e o elefante deu
tal sacudidela que o snr. Tompkins quase foi ao chão. N ume-
roso bando de tigres atacava o elefante, pulando ao mesmo
tempo de todos os lados. Sir Richard tomou a espingarda nas
mãos e puxou o gatilho, apontando exatamente entre os olhos
do que estava mais perfo. Logo em seguida o snr. Tompkins
ouviu-o murmurar certa expressão forte comum entre caçado-

105
res; atirou bem através da cabeça do animal sem prejudicar de
modo algum o couro.
"Atire mais," disse o professor. "Distribua os tiros em volta
sem cogitar de apontar! O tigre é só um mas está espalhado
.em roda do elefante e nossa única esperança é levantar o Ha-
miltoniano."
O professor apoderou-se de outra, espingarda e o tiroteio
misturou-se ao rugido dos tigres quânticos. Decorreu uma eter-
nidade, assim se afigurou ao snr. Tompkins, antes que tudo
acabasse. Uma das balas "acertou o alvo" e, com grande sur-
presa para ele, viu o tigre, que repentinamente se tornou um
único, arremessado para longe, descrevendo o cadáver um arco
pelo ar, para cair em algum ponto por trás dum palmeira!
distante.
"Quem é esse Hamiltoniano ?" perguntou o snr. Tompkins,
depois que tudo ficou quieto. "É algum famoso caçador que
deseja erguer-se do túmulo para nos ajudar?"
"Oh," disse o professor, "desculpe-me. Na excítação do com-
bate, comecei a fazer uso de linguagem científica que você não
pode compreender ! Hamiltoniano é uma expressão matemática
para descrever a interáção quântica entre dois corpos. Tem esse
nome devido a um matemático irlandês, · Hamilton, que foi o
primeiro a fazer uso dessa forma matemática. Desejava simples-
mente dizer que disparando maior quantidade de balas quânticas
aumentamos a probabilidade de interação entre a bala e o corpo
do tigre. Sabe que no mundo quântico não é possível apontar
com precisão tendo certeza de atingir o alvo. Como a bala se
espalha, bem com o alvo, existe sempre somente probabilidade
finita de acertar, e nunca a certeza. Em nosso caso, disparamos
pelo menos trinta tiros antes de atingir realmente o tigre; e
então a ação da bala sobre ele foi tão violenta que lhe arremes-
sou o corpo para muito longe. O mesmo acontece em nosso
mundo, mas em escala muito menor. Conforme disse. anteríor-
mente, no mundo ordinário é preciso investigar o comporta-
mento das minúsculas partículas como os eléctrons se quisermos
notar algo. Deve ter ouvido dizer que cada átomo consiste de
um núcleo comparativamente pesado e de certo número de
eléctrons que giram em torno dele. A princípio costumava-se
pen.s ar que o movimento dos eléctrons em torno ao núcleo era

106
inteiramente análogo ao movimento dos planetas em torno do
Sol, mas a análise mais profunda revelou que as noções comuns
a respeito do movimento são demasiadamente grosseiras para
·sistema tão minúsculo como o átomo. As ações que representam
papel importante dentro do átomo são da mesma ordem de gran-

Grande bando de tigre~ felpudos atacava o elefante

107
deza que os quanta elementares de ação e desse modo o quadro
inteiro fica grandemente espalhado. O movimento do eléctron
em torno ao núcleo é análogo, sob muitos aspectos, ao movi-
mento do tigre, que parecia em volta do elefante."
"E alguém atira no eléctron como ·atiramos no tigre?" per-
guntou o snr. Tompkins.
"Com certeza, o próprio núcleo emite às vezes quanta lumi.:.
nosos de luz, muito enérgicos, ou unidades-ação de luz elemen-
tares. Pode-se também atirar no eléctron do lado de fora do
átomo, iluminando-o com um raio de luz. E tudo nesse caso se
passa · exatamente como com .o tigre: muitos quanta de luz
. passam pelo lugar em que está o eléctron sem afetá-lo, até que
afjnal um deles age sobre o eléctron e joga-o para fora do
átomo. Não é possível afetar levemente o sistema quântico ; ou
não fica absolutamente afetado ou muda muito."
"Exatamente como acontece com o pobre gatinho que não
se pode mimar no mundo quântico sem o matar," concluiu o
snr. Tompkins.
"Olhem! gazefas, uma porção delas!", .exclamou Sir Richard,
levantando a espingarda. De fato, um grande bando de gazelas
saía da soqueira de bambu.
"Gazelas treinadas,'' pensou o snr. Tompkins. "Correm em
formação regular como soldados em parada. Gostaria de saber se
é também . algum efeito quântico."
O grupo de gazelas que se aproximava do elefante movia-se
rapidamente e Sir Richard estava pronto ·p ara atirar, quando
o professor impediu.
"Não desperdice os cartuchos,'' disse, "é muito pouco pro-
vá,vel acertar num animal quando se move num modelo de
dífração."
"Que quer dizer com um animal?" exclamou Sir Richard.
"Há pelo menos algumas dúzias!"
"Não! Há somente uma que, como está assustada, corre pelo
bambuzal. Ora, a expansão de todos os corpos possui proprie-
dade análoga à da luz ordináda; e, passando por uma seqüên-
cia regular de aberturas, por exemplo, entre os troncos separa-
dos dos bambus na moita, apresenta o fenômeno de difração a

108
' ·1~'/f' .

(
r

Sir Richard estava pronto para atirar quando o professor o deteve

respeito do qual deve ter ouvido falar na escola. Falamos, por-


tanto, a respeito do caráter ondulatório da matéria."
Mas nem Sir Richard nem o snr. Tompkins podiam imaginar
de modo algum o que significava essa misteriosa palavra "difra-
ção" e nesse ponto a conversa parou.
Adiantando-se pela terra quântica, os viajantes encontraram
uma porção de fenômenos interessantes, como mosquitos quân-
ticos, que quase não era possível localizar, devido à pequena

109
massa, e alguns macacos quânticos muito divertidos. Agora se
aproximavam do que parecia muito com uma aldeia ·dos habi-
tantes locais.
"Não sabia," disse o professor, da existência de população
humana nestas regiões. Julgando pelo barulho, suponho que
realizam algum festival. Escutem o barulho incessante de
campainhas."
Era muito difícil distinguir as figuras separadas dos naturais,
que evidentemente exec~tavam dança selvagem em roda da fo-
gueira. Mãos pardacentas erguiam-se constantemente com cam-
painhas de todos os tamanhos, do meio da multidão. Quando
chegaram mais perto, tudo, inclusive as choupanas ê as grandes
árvores vizinhas, começou a espalhar-se e o barulho das cam-
painhas tornou,-se insuportável para os ouvidos do snr. Tompkins.
Estendeu uma das mãos, apanhou um objeto qualquer e ati-
rou-o. O despertador foi bater no copo d'água que estava na
mesinha de cabeceira e a água fria derramada despertou-o.
Pulou depressa e começou a vestir-se. Em meia hora devia estar
no banco.

110
9

O Dernônio de ll-1 axwell

DURANTE MUITOS MESES DE AVENTURAS FORA DO COMUM, NO


curso das quais o professor procurou iniciar o snr. Tompkins
nos segredos da física, o snr. Tompkins ficou cada vez mais
encantado com Maud e finalmente, um tanto timidamente, pro-
pôs casar-se com ela. A moça aceitou prontamente a proposta,
e tornaram-se marido e mulher. Em o novo papel de sogro, o
professor achou que devia aumentar os conhecimentos do mari-
do da filha no . campo da física e dos seus progressos mais
recentes.
Num domingo de tarde o snr. e a snra. Tompkins estavam
descansando em cadeiras de braços no confortável apartamento,
ela absorvida pelo último número de V ague, e ele lendo um
artigo em Esquire.
''Oh," exclamou de repente o snr. Tompkins, "aaui está um
jogo que realmente dá certo!"
"Você acha, Cirilo, que é possível?" perguntou Maud, levan-
tando os olhos a contragosto da página da revista de modas.
"Meu pai diz sempre que é impossível qualquer sistema de jogo
perfeitamente seguro."
"Mas olha aqui, Maud," respondeu o snr. Tompkins, mos-
trando-lhe o artigo que estivera estudando durante a última meia
hora. "Nada sei a respeito de outros sistemas, mas este baseia-

111
se em matemática pura e simples, e não vejo verdadeiramente
· como pode falhar. Tudo quanto se tem de fazer é escrever três
números
1, 2, 3
num pedaço de papel 'e obedecer às regras muito simples que
aqui estão."
"Bem, vamos· experimentar," sugeriu Maud, começando a
interessar-se. "Quais são as regras?"
"Vamos acompanhar o exemplo que consta do artigo. Deve
ser a melhor maneira de aprender. Como exmplo, .lançaram
mão de um jogo de roleta no qual se coloca o dinheiro em ver-

Mas desta vez tem de ganhar !

112
melho ou preto, o que equivale a apostar cara ou coroa quando
se joga um níquel para o ar. Escrevo
1, 2, 3
e a regra diz que a aposta deve ser sempre a soma dos dois
números extremos. Assim sendo, somo 1 com 3, o que dá 4
fichas, que coloco, digamos, no vermelho. Se ganhar, cancelo os
números 1 e 3 e a aposta seguinte será o número restante 2.
Se perder, junto o que perdi à extremidade da série e aplico
a mesma regra para determinar a aposta seguinte. Suponhamos
agora qut> a bola pára no preto e o crupiê recolhe as minhas·
quatro fichas. A série será então:
1, 2, 3, 4
e a aposta seguinte será 1 mais 4, o que dá 5. Suponhamos que
perco mais uma vez. O artigo recomenda que se continue a
aplicar a mesma regra, juntando o número 5 no fim da série
e pondo seis fichas na mesa."
"Mas dessa vez você deve ganhar!" exclamou May.d ficando
muito excitada. "Não pode continuar a perder."
"Não necessariamente," disse o snr. Tompkins. "Quando
era menino costumava jogar cara e coroa com os amigos e
acredite ou não, certa ocasião deu-se o caso de dar cara dez
vezes em seguida. Mas vamos supor, conforme está no artigo,
que ganhe desta vez. Então recolho dez fichas, mas ainda estou
perdendo três fichas em comparação com a entrada primitiva.
De conformidade com a regra, devo cancelar os números l e 5
e a série agora ficará sendo:

/, 2,J, 4,j
A aposta seguinte deverá ser 2 mais 4 ou novamente 6."
"Quer dizer que perdeu novamente," disse Maud suspirando,
quando olhou por cima do ombro do marido. "Quer dizer que
terá de juntar 6 à série, apostando 8 na vez seguin_te. Não é
isso?"
"Isso mesmo, mas perco ainda dessa vez. A série é agora

/ , 2, 3, 4,j, 6, 8
113
e a aposta será de dez. Ganho. Cancelo os números 2 e 8 e a
aposta seguinte será 3 mais 6 ou 9. Mas perco ainda dessa vez."
":a. mau o exemplo," disse Maud, amuada. "Até agora, perdeu
três vezes e ganhou somente uma. Não é razóávell"
"Não se incomode, deixe estar,'' disse o snr. Tompkins com
a confiança tranqüila de mágico. "Com certeza ganharemos no
fim do ciclo. Perdi nove fichas na última rodada, de sorte que
devo juntar esse número à série fazendo-a:

e apostar 12 fichas. Dessa vez ganho, de sorte que cancelo os


números 3 e 9 e aposto a soma dos dois restantes, isto é, 10.
O segundo ganho sucessivo completa o ciclo pois todos os núme-
ros estão cancelados. E estou com um excesso de seis fichas, .
apesar de ter ganho somente 4 vezes, tendo perdido 5 !"
"Tem certeza que o excesso é de seis fichas?" perguntou
Maud duvidando.
"Absoluta. Veja que o sistema está disposto de maneira tal
que, sempre que se fecha o ciclo, se têm seis fichas em excesso.
:a. possível prová-lo por simples aritmética, e é por isso que
digo ser o sistema matemático e não pode falhar. Se não acre-
dita, arranje um pedaço de papel e verifique."
"Está bem. Aceito a sua palavra que é esta a maneira pela
qual se chega ao resultado," disse Maud pensativamente, mas
sem dúvida seis fichas não são lá grande lucro."
"Mas são sim se tiver certeza de ganhá-las ao fim de cada
ciclo. Pode repetir-se o processo sucessivamente, começando
cada vez Côm 1, 2, 3 e fazendo todo o dinheiro que quiser. Não
é formidável?"
"Maravilhoso," exclamou Maud. "Você poderá abandonar o
emprego no banco, poderemos mudar-nos para uma casa melhor,
e hoje mesmo procuro um casaco de visão que vi numa vitrina.
Custa somente ... "
"Sem dúvida vamos comprá-lo, mas será preferível irmos pri-
meiramente depressa a Monte Cario. Muita gente deve ter lido
esse artigo, e seria muito ruim que lá chegássemos somente para

114
verificar que alguém nos passou à frente, arrastando o cassino à
falência."
"V ou telefonar para a companhia de aviação para saber a
hora de partida do próximo avião," sugeriu Maud.
"Para que essa pressa toda?" indagou uma voz familiar, do
vestíbulo. O pai de Maud entrou na sala e olhou surpreso para
o casal excitado.
"Partiremos no primeiro avião para Monte Carla e vamos
.voltar muito ricos," disse o snr. Tompkins levantando-se para
cumprimentar o professor.
"Oh, estou vendo," disse este sorrindo, refestelando-se con-
fortavelmente numa velha poltrona perto da lareira. "Você tem
sistema novo para jogar?"
"Mas desta vez é real, pai," protestou Maud, com a mão
ainda no telefone.
"Com certeza," disse o snr. Tompkins, passando a revista ao
professor. "Este não pode falhar."
"Não poderá?" disse o professor com um sorriso. "Bem,
vejamos." Depois de examinar rapidamente o artigo, continuou:
"O aspecto distintivo deste sistema consiste em exigir a regra
que rege o volume das apostas elevar a aposta depois de cada
perda e, por outro lado, diminuí-la depois de cada ganho. Assim,
se o jogador ganha e perde alternadamente com regularidade
completa, o capital oscilará para cima e para baixo, sendo, con-
tudo, cada aumento ligeiramente mais elevado do que o decrés-
cimo anterior. Em tal caso, naturalmente, o jogador tornar-se-á
milionário dentro de muito pouco tempo. Mas, como sem dúvi-
da é fácil compreender, tal regularidade não ocorre geralmente.
Na verdade, a probabilidade de semelhante regularidade de sé-
ries alternadas é tão pequena como a probabilidade de igual
número de ganhos diretos. Desse modo precisamos examinar o
que acontece se o jogador experimenta uma série de vários
ganhos ou perdas. Se o jogador consegue o que se chama de
veio de sorte, a regra força-<> a baixar ou, pelo menos, a deixar
de elevar a aposta depois de cada ganho, de sorte que o ganho
geral não será muito grande. Por outro lado, como é preciso
elevar a aposta depois de cada g.anho, um veio de má sorte será
mais desastroso, podendo retirar a pessoa do jogo. Pode ver

115
agora que a curva representativa da variação do capital consi.s-
tirá de várias porções que se elevem vagarosamente, interrompi-
das por quedas muito rápidas. No princípio do jogo, é provável
que se atinja a parte da curva longa, sentimento agradávef de
ver o dinheiro aumentar vagarosamente mas com segurança.
Contudo, prosseguindo durante bastante tempo, esperando lucro
cada vez maior, chegará inesperadamente à queda rápida, que
poderá ser tão profunda que o leve a apostar e perder o último
vintém. Pode mostrar-se, de maneira geral, que com este ou
com qualquer outro sistema a probabilidade que a curva alcance
o duplo sinal é igual à de alcançar zero. Em outras palavras,
as probabilidades de ganhar finalmente são exatamente as mes-
mas como se colocasse todo o dinheiro em vermelho ou preto e
dobrasse o capital ou perdesse tudo em uma única rodada.
"Tudo que um sistema pode fazer 'é prolongar o jogo e diver-
ti-lo mais pelo dinheiro gasto. Mas se for somente isso que
deseje fazer, não é preciso torná-lo tão complicado. Como se
sabe, a roda da roleta tem 36 números, e nada impede que se
cubram todos os números menos um. Então a probabilidade será
de 35 em 36 para ganhar e o banco lhe pagará uma ficha a
mais sobre as 35 que apostou. Contudo, mais ou menos uma vez
em trinta e seis rodadas a bola poderá parar no número que
deixou de cobrir e perderá as 35 fichas. Jogue dessa maneira
durante bastante tempo e a curva do capital flutuante há-de
assemelhar-se exatamente à que resulta da obediência ao sistema
da revista.
"Naturalmente supus até agora que o banco deixa de tomar
parte. Na realidade, todas as rodas · de roleta que tenho visto
têm um zero e muitas um duplo zero, o que eleva a probabili-
dade contra o jogador. Independentemente do sistema que em-
pregar, portanto, o dinheiro do jogador passará gradualmente
para o bolso do banqueiro."
"Quer dizer," perguntou desolado o snr. Tompkins, "que não
existe sistema ideal de jogar, não havendo qualquer maneira
possível de ganhar dinheiro sem se arriscar na possibilidade
ligeiramente mais elevada de perdê-lo?"
"É exatamente o que quero dizer,'' afirmou o professor.
"Ainda mais, o que disse se aplica não só a problemas com:pa-

116
rativamente de pouca importância, como os jogos de azar, mas
a grande variedade de fenômenos físicos, que, à primeira vista,
parece nada terem a ver com as leis da probabilidade. Quanto a
isso, se pudesse inventar' um sistema que superasse as. leis da
probabilidade, haveria questões muito mais interessantes do que
ganhar dinheiro a que se poderia aplicá-lo. Seria possível cons-
truir automóveis que dispensassem a gasolina, fábricas que
funcionassem sem empregar o carvão e muitas outras realiza-
ções fantásticas."
"Li em algum lugar 'àlgo a respeito de tais máquinas hipoté-
ticas - máquinas de movimento perpétuo, acho que assim se
chamam," disse o snr. Tompkins. "Se me lembro bem, consi-
deram-se impossíveis máquinas que funcionem sem combustível.
por ser impossível produzir energia do nada. De qualquer ma-
neira, tais máquinas nada têm a ver com o jogo."
"Tem toda razão, rapaz,'' concordou o professor, satisfeito
por ver que o genro sal;>ia pelo menos um pouco de física.
"Essa espé~ie de movimento perpétuo - máquinas de movi-
mento perpétuo do primeiro tipo, conforme se chamam --,- não
pode existir porque contraria a Lei da Conservação da Energia.
Contudo, as máquinas sem combustível que tenho em idéia são
de tipo diferente e geralmente conhecem-se como máquinas de
movimento perpétuo do segundo tipo. Não se destinam a criar
energia de nada, mas a extrair energia dos reservatórios de
calor que circundam a terra, o mar ou o ar. Por .exemplo, pode
imaginar-se um navio em cujas caldeiras se produziu vapor, não
mediante a queima de carvão, mas extraindo calor da própria
água que o cerca. De fato, se fosse possível obrigar o calor a
fluir do frio para calor mais forte, ao invés da maneira contrá-
ria, seria possível construir um sistema que bombeasse a água
do mar, privando-a do cafor que contém, e jogando-se fora os
blocos de gelos produzidos. Quando um litro de água fria se
transforma em gelo, desprende calor suficiente para elevar a
temperatura de outro litro quase até o ponto de ebulição.
"Bombeando-se muitos litros de água dO mar por minuto,
seria fácil recolher calor suficiente para operar uni motor de
bom tamanho. Para todos os fins práticos, essa máquina de mo-
vimento perpétuo do segundo tipo seria tão boa como a que

117
se destinasse a criar energia do nada. Se houvesse motores
como esse para fazer o trabalho, todos poderiam viver tão des-
preocupados como quem tivesse um sistema para ganhar sempre
na roleta. Infelizmente são por igual impossíveis por violarem
as Íeis das probabilidades da mesma forma."
"Admito que procurar extrair calor da água do mar para
produzir vapor nas caldeiras de um navio é uma idéia estapa-
furdia !" disse o snr. Tompkins. "Contudo, não chego a per-
ceber qualquer correlação entre esse problema e as leis da pro-
babilidade. Com toda certeza, não .está sugerindo que rodas de
roleta e dados se utilizem como elementos de movimento nessa:s
máquinas sem combustível. Ou acha que sim?" .
"Sem dúvida que não!" disse rindo o professor. "Pelo menos
não acredito que o inventor mais desmiolado do movimento per-
pétuo tenha feito semelhante sugestão. A questão é que os pró-
.prios processos do calor são muito semelhantes em sua natureza
ao jogo de dados, e esperar que o calor flua do corpo· mais frio
para o mais quente é o mesmo que esperar flua o dinheiro do
banco do cassino para os seus bolsos."
"Quer dizer que o banco é frio e o meu bolso quente?" per- ·
guntou o snr. Tompkins, já agora completamente atrapalhado.
"De certo modo é isso mesmo," respondeu o professor. "Se
não tivesse deixado de ir à minha última preleção, saberia que
o calor nada mais é que movimento rápido e irregular de inú-
meras partículas, denominadas átomos ou moléculas, que cons-
tituem todos os corpos materiais. Quanto mais violento o movi-
mento, mais quente nos parece o corpo. Como esse movimento
molecular é muito irregular, está sujeito às leis da probabilidade,
e é fácil mostrar que o estado mais prováveJ. de um sistema
composto de grande número de partículas corresponde à distri-
buição mais ou menos · uniforme da energia total disponível
entre todas elas. Se aquecermos uma parte de um corpo mate-
rial, isto é, se as. moléculas nessa região começarem a mover-se
mais depressa, seria de esperar que, por meio de grande número
de colisões acidentais, esse excesso de energia em breve se dis-
tribuísse igualmente entre todas as partículas restantes. Contu-
do, como as colisões são puramente acidentais, há também a
possibilidade de, simplesmente por acaso, certo grupo de partí-

118
cuias recolher a maior parte da energia disponível à custa das
outras. . Esta concentração 'espontânea da energia térmica em
certa parte particular do corpo corresponderia ao fluxo de calor
em sentido contrário ao gradiente de temperatura, o que não
se exclui em princípio. Contudo, se experimentarmos calcular
a probabilidade relativa de ocorrer semelhante concentração
espontânea de calor, encontraremos valores numéricos tão peque-
nos que se pode classificar o fenômeno como praticamente
impossível."
"Agora estou vendo," disse o snr. Tompkins. "Quer dizer
que essas máquinas de movimento perpétuo da segunda espécie
poderiam trabalhar vez pór outra, mas as probabilidades que
tal acontecesse são remotas de maneira tal como tirar um sete
cem vezes em seguida num jogo de dados."
"As probabilidades contrárias são muito menores do que isso,"
disse o professor. "De fato, as probabilidades de jogar com
sucesso contra a natureza são de tal maneira reduzidas que se
torna difícil encontrar palavras para descrevê-Ias. Por exemplo,
posso calcular a probabilidade de todo o ar existente nesta sala
que se junta espontaneamente debaixo da mesa, deixando por
toda parte vácuo absoluto. O número de dados que você jogasse
seria equivalente ao número de moléculas do ar desta sala, de
sorte que preciso saber quantas são. Um centímetro cúbico
de ar na pressão atmosférica, lembro-me, contém um número
de moléculas representado por vinte algarismos, de sorte que
as moléculas de ar contidas em toda a sala devem somar um
número de uns vinte e sete algarismos. O espaço debaixo da
mesa é cerca de um por cento do volume <la sala, e a probabi-
lidade de qualquer molécula ·ficar debaixo da mesa e não em
qualquer outro · lugar é, portanto, de um para cem. Assim, para
calcular a probabilidade de todas elas ficarem debaixo da mesa
ao mesmo tempo tenho de multiplicar um centésimo por um
centésimo e assim por diante, para cada molécula existente na
sala. O resultado será uma fração decimal que começa com 54
zeros depois da vírgula.
"Passa fora! .. . " suspirou o snr. Tompkins, "com toda cer-
teza eu não apostaria nessa desproporção ! Mas tudo isso não
significa serem simplesmente impossíveis os desvios da distri-
buição por igual?"
119
"Naturalmente," concordou o professor. "Pode ter certeza
que não ficaríamos sufocados se todo o ar fosse para debaixo
da mesa, e nem por isso o líquido começaria a ferver sozinho
no copo de uísque. Se, porém, considerar áreas muito menores,
contendo número muito menor de moléculas-dados, desvios da
distribuição estatística tornar-se-ão muito mais prováveis. Nesta
sala mesmo, por exemplo, as moléculas de ar grupam-se habi-
tualmente mais densamente em certos pontos, provocando dimi-
nutas faltas de homogeneidade, chamadas flutuações estatísticas
de densidade. Quando os raios luminosos do Sol atravessam a
atmosfera terrestre, essa falta de homogeneidade em certos pon-
tos causa a dispersão dos raios azuis do espectro, dando ao céu
a cor familiar. Se não houvesse essas flutuações de densidade,
o céu se · apresentaria quase sempre inteiramente negro, e as
estrelas seriam claramente visíveis durante o dia. Assim tam-
bém a luz ligeiramente opalescente que os líquidos adquirem
quando se eleva a temperatura quase ao ponto de ebulição,
explica-se por essas mesmas flutuações de densidade, produ-
zidas pela irregularidade do movimento molecular. Ma.s, em
grande escala, tais flutuações são de tal maneira pouco prová-
veis, que poderíamos observar durante bilhões de anos sem ver
nem mesmo uma."
"Mas ainda há a possibilidade de acontecer o incomum mes-
mo agora nesta sala," insistiu o snr. Tompkins. "Não acha?"
"Naturalmente, sem dúvida há, e não seria razoável insistir
que uma terrina de sopa não pudesse derramar-se sobre a toa-
lha da mesa por ter metade das moléculas recebido acidental-
mente velocidades térmicas na mesma direção."
"Ora; isso mesmo aconteceu ontem,'' confirmou Maud, inte-
ressando-se pela conversa depois de ter terminado a leitura da
revista. "A sopa derramou-se e a criada disse que nem mesmo
tocara na mesa."
O professor riu entre os dentes. "Neste caso particular,"·
disse, "suspeito que a criada, mais do que o Demônio de
Maxwell, seja responsável."
"Demônio de Maxwell?" repetiu o snr. Tomp~ins, surpreso~
"Eu tinha por certo que os cientistas seriam os últimos a pensar
em demônios."

120
"Bem, não o aceitamos muito seriamente," disse o professor.
"Clerk Maxwell, o físico famoso, tem a res1xmsabilidade de ter
introduzido a idéia de semelhante demônio estatístico simples-
mente como figura de retórica. Utilizava essa idéia para exem-
plificar discussões a ·respeito dos fenômenos térmicos. Supõe-se
que o demônio de Maxwell se mova rapidamente, sendo capaz
de mudar a direção de qualquer molécula de qualquer modo que
quisermos. Se existisse realmente tal demônio, seria possível
fazer fluir o calor contra a temperatura, e a lei fundamental da
termodinâmica, o princípio da entropia crescente, não teria
valor algum."
"Entropia?" repetiu o snr. Tompkins. "Já ouvi antes esta
palavra. Um dos meus colegas deu uma vez uma festa, e depóis
de alguns goles, uns estudantes de química que havia convidado
começaram a cantar :

Aumentos, diminuições,
Diminuições, aumentos,
Que diabo . me importa
O que faz a entropia?

pela música de Ach du lieber Augustine. Afinal. de contas, o


que vem a ser entropia?"
"Não é difícil explicar. Entropia é simplesmente um termo
usado para descrever o grau de desordem clo movimento mole-
cular em qualquer corpo físico ou sistema de corpos. As nume-
rosas colisões irregulares entre as moléculas tendem sempre a
aumentar a entropia, por isso que a desordem absoluta é o
estado mais provável de qualquer conjunto estatístico. Contudo,
se fosse possível aproveitar o Demônio de Maxwell dentro em
pouco ele introduziria certa ordem no movimento das molé-
culas como bom cão pastor arrebanha e guia uma porção de
carneiros e a entropia começaria a diminuir. Devo também
dizer-lhe que, de acordo com o teorema-H que Ludwig Boltz-
mann introduziu na ciência ... "
Esquecendo aparentemente que dirigia a palavra a pessoa que
nada sabia praticamente de física e não a uma classe de estu-
d~tes adiantados, o professor continuou a divagar, empregando
termos monstruosos como "parâmetros generalizados" e "siste-

121
mas quase ergóticos" pensando que esclarecia as leis fundamen-
tais da termodinâmica e sua correlação cvm a forma de Gibbs da
mecânica estatística. O snr. Tompkins estava acostumado a
ouvir o sogro falar-lhe por cima da cabeça, de sorte que sorvia
filosoficamente o uísque Cúm soda e procurava parecer inteli-
gente. Mas todas essas explicações de física estatística eram
positivamente demasiadas para Maud, encolhida na cadeira e
esforçando-se para conservar os olhos abertos. Para livrar-se
da sonolência, resolveu ir ver como ia o jantar.
"A senhora deseja alguma cvisa ?" perguntou um mordomo
alto, vestido elegantemente, cumprimentando quando ela entrou
na sala .de jantar. ·
"Não, pode continuar com o que está fazendo," disse ela,
admirada porque estava ele ali. Parecia especialmente esquisito
pois não tinham tido nunca mordomo, e cvm certeza não podiam
permitir-se um. O homem era alto e delgado, de tez cor de
azeitona, nariz longo e pontudo, e olhos esverdeados que pare-
. ciam àrder com brilho intenso, estranho. Correram arrepios
pela espinha de Maud quando observou duas protuberâncias
simétricas um pouco acima da testa do mordomo, meio escon-
didas pelos cabelos pretos.
·"Ou estou sonhando," pensou ela, "ou esk é Mefistófeles,
vindo diretamente do teatro lírico."
"Foi meu marido quem o tomou?" disse em .voz alta, sim-
plesmente para ter o que dizer.
"Não exatamente," respondeu o estranho mordomo, dando
um último toque artístico à mesa de jantar. "Na verdade, vim
aqúi ·por minha livre vontade para mostrar ao seu distinto pai
que não sou o mito que ele me julga. Permita que me apresente.
Sou o Demônio de Maxwell."
"Oh!" respirou Maud aliviada. "Então provavelmente não
é maldoso, como outros demônios, e não tem a intenção de fazer
mal a qualquer pessoa."
"Naturalmente que não," disse o Demônio com um sorriso
largo, "mas gosto de pregar peças e dentro em pouco prega-
rei uma a seu pai."
"Que é que vai fazer?" perguntou Maud, mas não inteira-
mente tranqüila. ·

122
"Simplesmente mostrar-lhe que, se eu quiser, posso suspen-
der a ação da lei da entropia crescente. E para convencê-la que
é possível fazê-lo, apreciaria a honra de sua companhia. Não
há perigo algum, garanto-lhe."

É com isto que o Inferno parecei'

A estas palavras, M aud sentiu a mão do Demônio segurar-


lhe o cotovelo com força, ·e repentinamente tudo em torno dela
ficou louco. Todos os objetos familiares na sala de jantar come-
çaram a crescer com velócidade aterradora, e enxergou um

123
último vislumbre do encosto de uma cadeira cobrindo o hori-
zonte inteiro. Qµando tudo se aquietou novamente, viu-se flu-
tuando no ar apoiada pelo companheiro. Esferas que pareciam
nebulosas, mais ou menos do tamanho de bolas de tênis, zumbiam
em roda em todas as direções, mas o Demônio de Maxwell
evitava habilmente chocar-se com qualquer desses objetos de
aparência perigosa. Olhando para baixo, Maud viu uma espécie
de barco de pesca, cheio . até os bordos de peixes cintilantes,
que tremiam. Todavia não eram peixes mas um número infinito
de bolas nebulosas, muito parecidas com as que passavam por
eles pelo ar. O Demônio levou-a mais perto até que ela pareceu
cercada pcir um mar de pasta grosseira, que se movia e atuava
de maneira informe. Vinham à superfície a ferver inúmeras
bolas, enquanto outras pareciam sorvidas para baixo. Vez por
outra vinha uma à superfície com velocidade tal que parecia
cortar o espaço, ou uma das bolas que voavam pelo ar mergu-
lhava na pasta e desaparecia por baixo de milhares de outras.
Olhando mais de perto para .a pasta, Maud descobriu que as
bolas eram realmente de duas espécies. Se em grande parte
pareciam bolas de tênis, as maiores e mais alongadas pareciam
mais bolas de futebol americano. Todas eram meio transparen-
tes, parecendo ter estrutura interna complicada que Maud era
incapaz de explicar.
"Onde estamos?" arquejou Maud, "isto parece com o
inferno?"
"Não,'' disse o Demônio sorrindo, "não é fantástico como
ele. Estamos simplesmente vendo de muito perto parte mui
pequena da superfície líquida do uísque com soda que consegue
manter o seu marido acordado enquanto seu pai explica os
sistemas quase ergóticos. Todas essas bolas são moléculas. As
menores, redondas, são moléculas de água e as maiores, alonga-
das, são de álcool. Se se importa em saber qual a proporção
entre elas, poderá verificar exatamente como é forte a bebida
que seu marido preparou."
"Muito interessante,'' disse Maud, tão severamente como
pôde. "Mas o que vêm a ser aquelas figuras que parecem um
casal de baleias brincando na água? Não poderão ser baleias
atômicas ou podem ?"

124
O Demônio olhou na direção em que Maud apontava. "Não,
não podem ser baleias", disse ele. "Na verdade, são um par
de fragmentos muitos finos de cevada queimada, ingrediente que
dá ao uísque o aroma particular e a cor. Cada fragmento com-
põe-se de milhões e milhões de moléculas orgânicas complexas,
sendo comparativamente grande e pesado. Vêem-se saltando em
roda devido à ação dos choques que recebem das moléculas de
água e de álcool animadas pelo movimento térmico. Foi_o estu-
do dessas partículas de tamanho intermediário, bastante peque··
nas para que sofram a influência do movimento molecular mas
ainda bastante grandes para se observarem com um microscópio
poderoso, que deu aos cientistas a primeira prova direta da teo-
ria cinética do calor. Medindo a intensidade da dança que parece

tarantela realizada por essas part1culas minúsculas suspensas em


líquidos, o movimento brauniano, como geralmente se chama, os
físicos conseguiram obter informações diretas sobre a energia
do movimento molecular."
O Demônio guiou-a novamente pelo ar até chegarem à enor-
me parede de moléculas de água sem conta que se ajustavam
umas nas outras precisamente como se fossem tijolos.
"Como é impressionante!" exclamou Maud. "É exatamente
o fundo que estava procurando para um retrato que estou pin-
tando. Que vem a ser afinal de contas este belo edifício?"

125
"Ora, é parte de um cristal de gelo, um dos muitos do cubo
de gelo no copo do seu marido," disse o Demônio. "E agora,
se me permite, chegou a hora de dar início à minha brincadeira
prática com o velho professor senhor de si."
Assim dizendo, o Demônio de Maxwell deixou Maud enca-
rapitada na beira de um cristal de gelo, à semelhança de infeliz
alpinista, e meteu mãos à obra. Armando-se de um instrumento
parecido com a raqueta de tênis, pôs-se a dar pancadas nas
moléculas em torno. Atirando-se daqui para ali, chegava sem-
pre a tempo de bater em qualquer molécula teimosa que per-
sistia em tomar direção errada. Apesar do perigo evidente da
posição, Maud não podia deixar de admirar a velocidade mara-
vilhosa e a precisão dele, e viu-se a dar vivas de excitação
sempre que ele conseguia desviar moléculas especialmente rápi-
das e difíceis. Em comparação à exibição que presenciava, os
jogadores càmpeões de tênis que havia visto pareciam mascates
desesperados. Em poucos minutos, o resultado do trabalho do
Demônio tornou-se evidente. Agora, embora uma parte da super-
fície líquida estivesse coberta por moléculas quietas, que se
moviam mui vagarosamente, a parte que estava diretàmente em-
baixo dos pés dela agitava-se mais furiosamente do que nunca.
O número de moléculas que escapuliam da superfície no pro-
cesso de evaporação aumentava rapidamente. Escapuliam agora
em grupos de milhares, rompendo através da superfície como
bolhas gigantescas. Depois uma nuvem de vapor cobriu todo o
campo de visão de Maud, sendo-lhe possível somente obter vis-
lumbres ocasionais da raqueta a zumbir ou das abas do traje
do Demônio entre as massas de moléculas doidas. F inalmente
as moléculas do poleiro em que estava no cristal de gelo cederam
e ela caiu dentro das nuvens pesadas de vapor embaixo ...
Quando se dissiparam as nuvens, Maud achou-se sentada na
mesma poltrona que ocupava antes de ir para a sala de jantar.
"Santa entropia!" gritou o pai, arregalando os olhos perplexo
para o uísque do snr. Tompkins. "Está fervendo!"
Cobriam o líquido no copo bolhas que rebentavam violenta-
mente, fazendo subir delgada nuvem de vapor vagarosamente
para o teto. Contudo, era particularmente · esquisito que o líqui-
do fervesse somente em área bastante reduzida em torno ao

126
bloco de gelo. O resto do líquido estava ainda perfeitamente
frio.
"Imagine só!" continuou o professor com a voz entrecortada,
trêmula. "Estava falando-lhe a respeito das flutuações estatísti-
cas na lei da entropia quando estamos vendo uma realmente!
Por acaso incrível, possivelmente pela primeira vez desde que a
Terra começou, as moléculas mais rápidas gruparam-se aci-
dentalmente em uma parte da superfície do líquido e este come-
çou a ferver sozinho!

" Santa entropia 1 Está fervendo 1"

"Nos bilhões de anos ainda por vir, seremos ainda provavel-


mente as únicas pessoas que tiveram a oportunidade de observar
este fenômeno extraordinário." Contemplou a bebida, que ago-
ra esfriava vagarosamente. "Que sorte a nossa!" respirou com
ar feliz.
Maud sorriu mas nada diss·e. Não pretendia discutir com o
pai, mas desta vez tinha certeza que sabia mais do que ele.

127
10

A Tribo Alegre dos Eléctrons

ALGUNS DIAS DEPOIS, ENQUANTO ACABAVA DE JANTAR, O SNR.


Tompkins lembrou-se que à noite o professor faria uma pre-
leção a respeito da estrutura do átomo, à qual prometera com-
parecer. Estava, porém, tão saturado das intermináveis expo-
sições do sogro que resolveu esquecer a preleção ficando em
casa confortavelmente. Contudo, exatamente quando ia acomo- ·
dando-se com o livro, Maud cortou-lhe essa avenida de esca-
pamento, olhando para o relógio e observando, com gentileza
mas firmemente, que estava quase na hora de ir. Desse modo,
meia hora depois, achou-se sentado e~ um banco duro de ma-
deira no auditório da universidade juntamente com uma multi-
dão de jovens estudantes impacientes.
"Senhoras e senhores", começou o professor, olhando para
todos gravemente por cima dos óculos, "em ·minha última prele-
ção prometi dar maiores detalhes a respeito da estrutura interna
do átomo, e explicar como as características peculiares dessa
estrutura justificam as propriedades físicas e químicas que pos-

128
sui. Sabem, naturalmente, que não se consideram mais os
átomos como partes elementares indivisíveis constituintes da
matéria, tendo passado esse papel agora a partículas muito meno-
res como eléctrons, prótons etc.
"A idéia de partículas elementares constituintes da matéria,
representando o último passo possível na divisibilidade de cor-
pos materiais, vem desde o antigo filósofo grego Demócrito,
que viveu no IV século A.C . Meditando a respeito da natu-
reza oculta de tudo que existe, Demócrito chegou ao probl'ema
da estrutura da matéria, e viu-se ante a questão de saber se
pode existir em porções infinitamente pequenas. Como não era
costume naquela época resolver qualquer problema por qual-
quer outro método que não o pensamento puro, e como, em
qualquer caso, a questão naquele tempo estava fora do alcance
de qualquer ataque possível por meio de métodos experimentais,
Demócrito procurou a resposta certa nas profundezas do próprio
pensamento. Baseando-se em certas considerações filosóficas
obscuras, chegou finalmente à conclusão que seria impossível
imaginar a possibilidade de dividir a matéria 'em partes cada vez
menores sem qualquer limite, sendo necessário supor a exis-
tência das menores partículas que não se podem mais dividir.
Chamou tais partículas de atomos, palavra que, conforme devem
saber, significa em grego indivisível.
"Não pretendo diminuir a grande contribuição de Demócrito
para o progresso das ciências naturais, mas é conveniente ter
presente que, além de Demócrito e seus seguidores, havia sem
dúvida outra escola na filo sofia grega cujos sectários sustenta-
vam ser possível levar o processo de divisibilidade além de qual-
quer limite. Assim, independentemente do caráter da resposta
que a ciência exata deveria dar no futuro, a filosofia da Grécia
antiga já havia conquistado lugar honroso na história da física .
Ao tempo de Demócrito, e durante séculos posteriores, a exis-
tência de tais porções indivisíveis da matéria representava hipó-
tese meramente filosófica, e foi somente no século XIX que os
cientistas resolveram ter achado finalmente esses blocos indi-
visíveis de matéria previstos pelo antigo filósofo grego mais
de dois mil anos antes.
"De fato, no ano 1808 John Dalton, químico inglês, mostrou
que as proporções relativas ... "

129
Quase desde o começo da preleção o snr. Tompkins h~via
sentido irresistível impulso . para fechar os olhos e cochilar
enquanto durasse e somente a dureza acadêmica do banco impe-
diu que assim fizesse. Contudo, as idéias de Dalton a respeito da
lei das "proporções relativas" foi a última gota e o auditório
silencioso em breve viu-se penetrado por um ruído sibilante
que provinha do canto em que o snr. Tompkins estava sentado.

Quando o snr. Tompkins se entregou ao sono, a falta de con-


forto do banco inflexível parecia fundir-se com a sensação agra-
dável de estar flutuando no ar, e, abrindo os olhos, ficou sur-
preendido por achar-se lançando-se através do espaço com
velocidade que considerava verdadeiramente temerária. Olhando
em volta viu que não estava só nessa viagem fantástica. Perto
dele certo número de formas vagas, nebulosas, precipitava-se
em roda de objeto grande de aparência pesada. ;Esses seres
estranhos viajavam aos pares, perseguindo-se alegremente uns

.,.. ,
l
.

130
aos outros, em órbitas circulares e elíticas. Repentinamente o
snr. Tompkins achou-se muito só, quando compreendeu que
somente ele em todo o grupo não tinha um companheiro.
"Por que não trouxe Maud comigo?" disse taciturnamente.
"Poderíamos ter~nos divertido grandemente com esta multidão
despreocupada." A órbita em que se movia estava por fora
de todas as outras, e embora desejasse muito juntar-se aos
outros, o sentimento incômodo de ser de sobra impediu-o que
assim fiz esse. Contudo, quando um dos eléctrons (porque já
agora compreendia ter-se reunido milagrosamente à comunidade
eletrônica de um átomo) passava perto pela órbita alongada,
resolveu queixar-se da situação.
"Por que não arranjei qualquer um para brincar comigo?" gri-
tou para o outro.
"Porque este átomo é ímpar e você é a valência eletrô.o.on ... "
respondeu o eléctron quando virou e mergulhou de novo na
multidão que dançava.
"Eléctrons de valência vivem sós ou ach!lm companheiros
em outros átomos," esganiçou um soprano de voz aguda de
outro eléctron que passou por perto na disparada.

Se quiser arrailj ar um belo par


pule dentro de cloro e lá há-de achar.

cantarolou outro zombeteiramente.


"Vejo que você é novato aqui, meu filho, e sente-se muito
só,'' disse uma voz afável acima dele e ao levantar os olhos
o snr. Tompkins viu um monge metido numa túnica pardacenta.
"Sou o Frade Paulini,'' continuou o monge, movendo-se jun-
tamente com o snr. Tompkins pela órbita, "e minha missão na
vida é zelar pela moral e pela vida social dos eléctrons nos
átomos e em qualquer outra parte. Cabe-me conservar esses
alegres eléctrons convenientemente distribuídos entre as diversas
células quânticas das belas estruturas erguidas pelo nosso grande
arquiteto Niels Bohr. A fim de manter a ordem e preservar
as conveniências, nunca permito que percorram a mesma órbita
mais de dois eléctrons ; um "menage à trois" traz sempre muitas
dificuldades, bem sabe. Assim sendo, grupam-se sempre os

131
eléctrons em pares de spin opostos, e não se permite qualquer
intrometido se a célula já está ocupada por um par. Essa regra
é boa, e posso acrescentar que nem um único eléctron até hoje
se rebelou contra as minhas ordens."
"Talvez a regra seja boa," objetou o snr. Tompkins, "mas
não deixa de ser inconveniente para mim neste momento."
" Vejo que é," disse o monge sorrindo, "mas nada mais é
do que a sua má sorte, pois é eléctron de valência num átomo
ímpar. O átomo de sódio a que você pertence tem o direito de
manter juntos onze eléctrons _p or meio da carga elétrica do
próprio núcleo (aquela massa grande e negra que vê no

- ~-

··~

,.- r ·

·--
........... ..... ~,~::
·-....__
...) J,
132
centro). Dem, infelizmente para você onze é impar, circunstân-
cia quase incomum quando se considera que metade de todos
os números é ímpar, sendo a outra metade de números pares.
Desse modo, como chegou tarde, terá de ficar só pelo menos
durante algum tempo."
"Quer dizer que há a possibilidade de entrar mais tarde?"
perguntou o snr. Tompkins ansiosamente. "Expulsando um
dos mais antigos, por exemplo?"
"Não é exatamente isso," disse o monge, sacudindo para ele
um dedo gordo, "mas, naturalmente, é sempre possível que
alguns membros do círculo interior sejam lançados fora por
alguma perturbação externa, deixando vago um lugar. Contudo,
se fosse você, não contaria muito com isso."
"Disseram-me que eu ficaria mais bem servido se mergu-
lhasse em cloro," disse o snr. Tompkins, desanimado pelas pala-
vras de Frei Paulini. "Pode dizer-me como fazê-lo?"
"Rapaz, rapaz!" exclamou o monge tristemente, "por que
insiste dessa maneira em achar companhia? Por que não aprecia
a solidão e essa oportunidade mandada pelo Céu para contem-
plar a própria alma em paz? Por que até mesmo os eléctrons
se inclinam sempre pela vida mundana? Contudo, se insiste por
ter companhia, vou ajudá-lo a satisfazer o seu desejo. Se olhar
para onde estou apontando, verá um átomo de cloro que se
aproxima e mesmo a essa distância pode ver um lugar des0-
cupado no qual seria bem-vindo. O lugar vazio encontra-se 11()
grupo exterior de eléctrons, chamado invólucro-M, que se supõe
constituído por oito eléctrons grupados em quatro pares. Mas,
como vê, há quatro eléctrons girando em uma direção e somente
três em outra, com um lugar vazio. Os invólucros interiores,
chamados "K" e "L", estão inteiramente cheios, e o átomo
ficará satisfeito se o receber para completar o invólucro ·e xte-
rior. Quando os dois átomos se aproximarem um do outro, dê
um salto como geralmente fazem os eléctrons de valência. E
que a paz esteja contigo, meu filho!" Com estas palavras a
impressionante figura do frade eletrônico repentinamente su-
mm no ar.
Sentindo-se muito mais alegre, o snr. Tompkins reuniu as
forças para formidável pulo para dentro da órbita do átomo de

133
cloro que passava. Com grande surpresa pulou graciosamente
e encontrou-se no ambiente agradável dos membros do invó-
lucro-M do cloro.
"Temos grande prazer em vê-lo vir juntar-se a nós!" gritou
o novo companheiro do spin oposto, deslisando graciosamente
ao longo da trajetória. "Agora ninguém poderá dizer que a
nossa comunidade não está completa. Vamos divertir-nos todos
juntos!"
O snr. Tompkins concordou que era realmente divertido,
muito divertido mesmo, mas certo aborrecimento começava a
penetrar-lhe o espírito. "Como explicaria tudo isso a Maud ao
vê-la novamente?" pensou sentindo-se um pouco culpado, mas
não por muito tempo. "Com certeza não dará importância,"
decidiu. "Afinal de contas, são somente eléctrons."
"Por que não vai embora aquele átomo que abandonou?"
perguntou o companheiro com um amuo. "Ainda espera que
você volte?"
E, realmente, o átomo de sódio, vendo que o eléctron de
valência tinha ido embora, acompanhava de perto o de cloro,
como se esperasse que o snr. TompkiÍ:is se arrependesse e pulas-
se de volta para a trajetória solitária.
"Bem, que diz a isto?" perguntou o snr. Tompkins irritado,
carregando o sobrolho para o átomo que no começo o recebera
tão friamente. "Temos um cachorro na manjedoura para
você!"
"Ora, fazem sempre assim," disse um membro mais expe-
riente do invólucro ~M . Imagino que não é tanto a comunidade
eletrônica do átomo de sódio que deseja a sua volta mas o
próprio núcleo. Há quase sempre certo desacordo entre o núcleo
central e a escolta eletrônica: o núcleo deseja tantos eléctrons
em roda quantos possa manter com a própria carga elétrica,
enquanto os eléctrons preferem ser somente em número sufi-
ciente para completar o invólucro. Há somente poucas espécies
atômicas, chamadas gases raros ou nobres conforme os químicos
alemães os denominam, nos quais o desejo do núcleo dominador
e os eléctrons a ele subordinados estão em plena harmonia.
Átomos como hélio, néon e árgon, por exemplo, mostram-se

134
inteiramente satisfeitos consigo mesmos e não expelem os seus
membros nem convidam outros. São quimicamente inertes, e
conservam-se afastados de todos os outros átomos. Mas em
todos os outros átomos as comunidades ·eletrônicas estão sempre
prontas para mudar os membros. No átomo de sódio, que foi a
sua primeira residência, o núcleo tem direito, devido à carga
elétrica, a mais um eléctron do que o necessário para reinar
harmonia nos invólucros. Por outro lado, em nosso átomo o
contingente normal de eléctrons não é suficiente para haver
harmonia completa, e assim sendo experimentamos satisfação
com a sua chegada, apesar de sua presença sobrecarregar o
nosso núcleo. Mas enquanto aqui estiver, não será mais neutro,
ficando com uma carga elétrica extra. Assim sendo, o átomo
de sódio que você abandonou, fica perto, retido pela força de
atração elétrica. Ouvi certa vez o nosso grande padre, Frei
Paulini, dizer que essas comunidades atômicas, com eléctrons
em excesso ou em falta, chamam-se íons positivos ou negativos.
Também faz uso da palavra molécula para grupos de dois ou
mais átomos, que se mantêm juntos devido à força elétrica.
Esta combinação particular de átomos de sódio ·e cloro chama
de molécula de sal de mesa seja lá o que for."
"Quer dizer-me que não sabe o que seja sal de mesa?" disse
o snr. Tompkins, esquecendo com quem estava falando. "Ora
essa, é o que põe nos ovos mexidos dà primeira ref~ição . "
"O que vêm a ser ovos mexidos e que é primeira refeição?"
perguntou o eléctron intrigado. O snr. Tompkins falou confu-
samente e depois compreendeu como era fútil procurar explicar
ao compaúheiro os mais simples detalhes da vida de seres huma-
nos. "É por isso que não tiro mais resultado da conversa deles
a respeito de valência e invólucros completos'', disse para si
mesmo, decidindo aproveitar a visita a esse mundo fantástico
sem se preocupar em compreendê-lo. Todavia, não era mu.ito
fácil livrar-se do eléctron falador, que evidentemente tinha
grande desejo de passar adiante o conhecimento adquirido du-
rante longa vida eletrônica.
"Não deve pensar", continuou, "que a união de átomos em
moléculas se realiza sempre somente por meio de um único
eléctron de valência . .Há átomos, como o oxigênio, por exem-

135
plo, que precisam de dois ou mais eléctrons para completar os
invólucros, e outros precisam de três ou mesmo mais. Por outro
lado, em alguns átomos, o núcleo prende dois ou mais eléctrons
extra - valências. Quando tais átomos se encontram, há uma
porção de saltos e ligações a fazer, e como resultado formam-se
moléculas, de grande complexidade, muitas vezes consistindo de
milhares de átomos. Existem também as moléculas chamadas
homopolar, formadas por dois átomos idênticos, mas essa situa-
ção é bastante desagradável."
"Desagradável por que?" perguntou o snr. Tompkins, fican-
do novamente interessado.
"Trabalho demasiado", comentou o eléctron, "para mantê-lc:is
juntos. Há algum · tempo tive de encarregar-me dessa missão e
não dispus de um só momento para mim mesmo enquanto lá
estive, Ora, não é de modo algum como se dá aqui, quando o
eléctron de valência simplesmente se diverte e deixa de lado o
. átomo abandonado e eletricamente faminto. Não senhor! A fim
de manter os dois átomos idênticos juntos, é preciso pular de
um lado pará o outro, de um para o outro e novamente de volta.
Palavra! Tem-se a impressão de ser bola de pingue-pongue." .
O snr. Tompkins experimentou certa surpresa ao ouvir o
eléctron, que não sabia o que fossem ovos mexidos, falar tão
desembaraçadamente de bolas de pingue-pongue, mas deixou
passar.
"Nunca mais aceitarei tal incumbência !" resmungou o eléctron
preguiçoso, abatido por uma onda de recordações desagradáveis.
"Sinto-me muito bem onde me acho agora."
"Espere!" exclamou de repente. "Acho que vejo lugar ainda
melhor para ir. Ad-e-u-s !" E dando gigantesco pulo embara-
fustou pelo interior do átomo.
Olhando na direção em que o interlocutor tinha ido, o snr.
Tompkins compreendeu o que havia acontecido. Parece que um
dos eléctrons do círculo interior tinha sido expulso do átomo
por algum eléctroil estranho de alta velocidade que penetrara
inesperadamente no sistema, e agora abria-se largamente um
lugar confortável no invólucro "K". Censurando-se por ter dei-
xado escapulir essa oportunidade de passar para o círculo inte-
rior, o snr. Tompkins observava agora com grande interesse o

136
curso do eléctron com que conversava ainda havia pouco. O
eléctron feliz penetrou cada vez mais no interior do átomo, e
raios brilhantes de luz acompanharam-lhe o vôo triunfante. Essa
radiação quase insuportável somente cessou quando ele alcançou
finalmente a órbita interna.
"Que aconteceu?" perguntou o snr. Tompkins· enquanto lhe
doíam os olhos devido ao fenômeno inesperado. "Por que to<lo
esse brilho?"
"É simplesmente a emissão de raios X conjugada à transi-
ção," explicou-lhe o companheiro de órbita, sorrindo do embara-
ço dele. "Sempre que um de. nós consegue penetrar mais pro-
fundamente no interior do átomo, a energia em excesso precisa
ser emitida sob a forma de radiação. Este companheiro feliz deu
enorme salto e soltou grande quantidade de energia. Mais geral-
mente temos de contentar-nos com saltos menores, aqui nos
subúrbios atômicos, e então chamam a radiação de luz visível
- pelo menos é assim que Frei Paulini a chama."
"Mas esses raios X, seja lá o que for que os chama, são
também visíveis," protestou o snr. Tompkins. "Acho que a
sua terminologia é um tanto desorientadora."
"Bem, somos eléctrons e estamos sujeitos a qualquer espécie
de radiação. Frei Paulini, porém, nos diz que existem criaturas
gigantescas, Seres Humanos, assim os chama, que só podem
ver a luz quando está compreendida em intervalo estreito de
energia, ou intervalo de comprimento de onda, conforme diz.
Disse-nos certa vez que foi preciso um grande homem, Roentgen
acho que assim se chamava, para de.scobrir esses raios X que
agora são largamente empregados no que chamam de medicina."
"Isso mesmo. Sou bastante conhecedor desse assunto," disse
o snr. Tompkins, sentindo-se orgulhoso porque agora podia
exibir conhecimentos. "Quer que lhe diga um pouco mais a esse
respeito?"
"Não, obrigado," disse o eléctron b.ocejando. "Não me impor-
ta. Você não se sente feliz se não fala? Procure apanhar-me !"
Durante muito tempo o snr. Tompkins continuou a gozar da
sensação agradável de mergulhar através do espaço com os
outros eléctrons numa espécie de ato glorificado de trapézio

137
Depois, repentinamente, sentiu que os cabelos estavam arrepia-
dos, experiência pela qual passara uma vez durante uma tro-
voada nas montanhas. Era evidente a aproximação de forte
perturbação elétrica em direção ao átomo, interrompendo a
harmonia do movimento eletrônico, e. forçando os eléctrons a
se desviarem seriamente das trajetórias normais. Do ponto de
vista de um físico humano, ~ra somente uma onda de raios de
luz ultravioleta que passava pelo lugar em que acontecia estar
esse átomo particular, mas para os minúsculos eléctrons era
terrível tempestade elétrica.
"Segure-se bem!" gritou um dos companheiros, . "senão será
arremessado longe pelas forças de foto-efeito." Mas já era
demasiado tarde. O snr. Tompkins separou-se dos companhei-
ros, arremessado através do espaço em velocidade aterradora,
tão nitidamente como se o tivesse segurado um par de dedos
poderosos. Moveu-se cada vez mais para diante através do espa-
ço, ultrapassando toda espécie de átomos diferentes tão depressa
que quase não podia distinguir os eléctrons separados. Repen-
tinamente um grande átomo surgiu bem na frente dele e viu que
a colisão era inevitável.
"Perdoe-me, mas sou foto-efeito e não posso ... " começou
delicadamente o snr. Tompkins, mas o resto da sentença per-
deu-se em estrondo de arrebentar os ouvidos quando a cabeça
esbarrou em um dos eléctrons exteriores. Os dois se precipi-
taram com a cabeça nos calcanhares pelo espaço. Contudo, o
snr. Tompkins havia perdido grande parte da velocidade na
colisão e agora estava em condições de estudar o novo ambiente
um pouco mais de perto. Os átomos que se elevavam em roda
eram muito maiores do que tudo quanto vira antes, e pôde
contar até vinte e nove eléctrons em cada um deles. Se tivesse
maior conhecimento de física tê-los-ia reconh~cido como átomos
de cobre, mas visto assim de perto o grupo como um todo não
parecia de modo algum com o cobre. Estavam também beni
próximos uns dos outros, formando desenho regular que se esten-
dia até onde era possível ver. Mas o que mais surpreendeu o
snr. Tompkins foi não parecerem esses átomos muito exigentes
quanto a segurarem a quota própria de eléctrons, especialmente
os exteriores. De fato, as órbitas exteriores estavam quase va-

138
zias, e multidões de eléctrons sem qualquer ligação deslisavam
preguiçosamente pelo espaço, parando de tempos em tempos
mas nunca prolongadamente, nos arredores de um ou outro
átomo. Um tanto cansado depois do vôo de quebrar o pescoço
através do espaço, o snr. Tompkins procurou primeiramente
repoµsar um pouco em uma órbita firme de um dos átomos de
cobre. Contudo, dentro em pouco tempo contraiu o ·h~bito de
vagabundagem da multidão, acompanhando o resto dos eléctrons
no movimento para ponto algum em particular.
"Nem tudo está bem organizado aqui," comentou de si para si,
"e eléctrons em quantidade demasiadamente grande não prestam
atenção ao que devem fazer. Achei que Frei Paulini devia tomar
alguma providência."
"Por que deveria fazê-lo?" disse a voz familiar do monge
que materializara repentinamente de parte alguma. "Estes eléc-
trons não estão desobedecendo às minhas ordens, e, além disso,
entregam-se a trabalho muito útil. Talvez lhe interesse saber
que se todos os átomos se esforçassem para reter os eléctrons
como alguns o fazem, não existiria condutividade elétrica. Não
lhe seria possível mesmo ter uma campainha elétrica em casa,
para não falar de telefone ou lâmpada."
"Quer dizer então que esses eléctrons transportam a corrente
elétrica?" perguntou o snr. Tompkins, agarrando-se à esperan-
ça que agora a conversa passava para assunto mais ou menos
familiar para ele. "Mas não vejo que se movem em qualquer
direção particular."
"Antes de tudo, rapaz," disse o monge com severidade, "não
empregue a palavra eles, mas sim nós. Parece esquecer que tam-
bém é um eléctron e no momento em que alguém comprimir o
botão que está ligado a este fio de cobre, a tensão elétrica fará
com que você, bem como todos os outros eléctrons condutores,
corram a chamar a empregada ou fazer o que for necessário."
"Mas não quero fazer isso!" protestou o snr. Tompkins com
firmeza, com a voz um pouco irritada. "Na verdade, estou can-
sado de ser eléctron e não acho mais graça nisso. Que vida, ter
de cumprir todos esses deveres eletrônicos eternamente!"
"Não necessariamente para sempre," contraveio Frei Paulini,
que decisivamente não gostava de discutir o papel dos eléctrons

139
simples. "Há sempre a possibilidade de ficar aniquilado, dei-
xando de existir."
"F~i-c-a-r aniquilado?" repetiu o snr. Tompkins, sentiudu
arrepios de frio ao longo da espinha. "Mas sempre supus r1ue
os eléctrons eram eternos."
"Era isso o que os físicos achavam que era verdade até mui-
to pouco tempo", concordou o Frei Paulini, achando graça no
efeito que as suas palavras tinham produzido, "mas não é exa-
tamente correto.· Os eléctrons nascem e morrem, como acontece
com seres humanos. Não acontece nunca morrerem de velhice;
a morte resulta sempre de colisões."
"Ora, deu-se comigo uma colisão há pouco tempo e garanto
que foi muito má," disse o snr. Tompkins, recuperando um
pouco de confiança. "E se essa não me inutilizou, não posso
imaginar outra que o consiga."
"Não é questão da força com que se dá o choque','' corrigiu-o
Frei Paulini, "mas de quem é o outro. Na sua colisão recente,
provavelmente esbarrou em outro eléctron negativo, que lhe era
muito semelhante, não havendo o menor perigo em tal encontro.
De fato, poderiam dar marradas um no outro durante anos como
se fossem dois carneiros, sem que resultasse qualquer dano.
Existe, porém, outra raça de eléctrons, os positivos, que os
físicos descobriram há muito tempo. Esses eléctrons positivo,;
ou pósitrons parecem exatamente com você, sendo a diferença
somente que a carga elétrica é positiva em lugar de negativa.
Quando vir tal indivíduo aproximar-se, pensará que é exata-
mente outro membro inocente de sua tribo, adiantando-se para
cumprimentá-lo. Mas então descobre de repente que, em lugar
de empurrá-lo levemente para evitar a colisão, conforme faria
qualquer eléctron normal, avança diretamente. E então será
tarde demais para tomar qualquer medida.
"Que horror!" exclamou o snr. Tompkins, "e quantos pobres
eléctrons ordinários o pósitron é capaz de devorar?"
"Felizmente somente um, por isso que, destruindo o eléctron
negativo, o pósitron também se destrói. Seria possível descre-
vê-los como membros de um clube suicida, procurando sócios
em aniquilação mútua. Não fazem mal uns aos outros, mas

140
logo que encontram um eléctron negativo, este não tem grande
probabilidade de sobreviver."
"Felizmente ainda não encontrei um desses monstros," disse
o snr. Tompkins muito impressionado por essa descrição. "Espe-
ro não sejam muito numerosos. Serão?"
"Não, não são. E pelo simples motivo que estão sempre
procurando dissabores, de sorte que desaparecem logo depois
de nascerem. Se esperar um minuto, provavelmente poderei mos-
trar-lhe um."
"Sim, aqui estamos," continuou Frei Paulini depois de curto
silêncio. "Se olhar cuidadosamente para aquele núcleo pesado
lá longe, verá nascer um desses pósitrons."
O átomo para o qual o monge apontava experimentava eviden-
temente forte perturbação eletromagnética devido a alguma ra-
diação vigorosa que lhe caía em cima vindo do exterior. A per-
turbação era muito mais violenta que a que atirara o snr. Tom-
pkins para fora do átomo de cloro, e a família dos eléctrons
atômicos que cercavam o núcleo dispersava-se e era arrastada
para longe como folhas secas em furacão.
"Olhe bem atento para o núcleo," disse Frei Paulini, e o
snr. Tompkins, concentrando a atenção, viu a realização de fenô-
meno grandemente incomum nas profundezas do átomo destruí-
do. Muito perto do núcleo, do lado de dentro do invólucro
eletronico interior, duas sombras vagas tomavam forma gra-
dualmente, e depois de um segundo o snr. Tompkins viu dois
novos eléctrons cintilantes afastando-se em grande velocidade
do lugar onde haviam nascido.
"Mas estou vendo dois," disse o snr. Tompkins, fascinado
pelo espetáculo.
"Tem razão," concordou Frei Paulini. "Os eléctrons nascem
sempre aos pares, de outro modo contrariava-se a lei da con-
servação da carga elétrica. Uma dessas duas partículas, nascida
sob a ação de forte raio gama sobre o núcleo, é eléctron negativo
ordinário, enquanto o outro é pósitron - o assassino. Partiu
agora em busca da vítima."
"Bem, se o nascimento de cada pósitron destinado a destruir
um eléctron vem acompanhado do nascimento de mais um eléc-
tron simples, a situação não é tão má," comentou o snr.

141
Tompkins pensativamente. "Pelo menos não conduz à extinção
da tribo eletrônica e eu ... "
"Cuidado," interrompeu o monge, empurrando-o para um
lado enquanto o pósitron recém-nascido passava zumbindo, a
uma polegada de distância. É preciso ter sempre muito cuidado
quando essas partículas assassinas estão por perto. Contudo,
parece-me que estou gastando muito tempo a falar-lhe, e tenho
outros assuntos a atender. Tenho de procurar o meu mimalho
"neutrino" ... E o monge desapareceu sem que o snr. Tompkin·s
ficasse sabendo o que era esse neutrino e se também era preciso
ter medo dele. Assim abandonado, o snr. Tompkins sentiu-se
ainda mais solitário do que antes, e, quando um ou outro
eléctron amigo se aproximava dele na viagem pelo espaço, ali-
mentava secreta esperança desesperada que, sob qualquer exte-
rior inocente, se escondesse o coração de um assassino. Por

muito tempo, que lhe pareceu séculos, não se justificariam


temores nem esperanças, e a contragosto suportou os deveres
enfadonhos de eléctron -de condutividade.
Então repentinamente aconteceu, e em momento em que me-
nos esperava. Sentindo forte necessidade de falar com alguém,
mesmo a estúpido eléctron de condutividade, aproximou-se de

142
uma partícula que se movia vagarosamente, sendo evidentemente
recém-chegada àquele pedaço de fio de cobre. Mesmo a certa
distância, contudo, verificou ter feito má· escolha, quando uma·
força irresistível de atração arrastou-o, não lhe permitindo
qualquer retirada. Por um segundo procurou lutar e libertar-se,
mas a distância entre os dois tomava-se rapidamente cada vez
menor e parecia ao snr. Tompkins distinguir no rosto do captor
sorriso diabólico.
"Solte-me, solte-me!" gritou o snr. Tompkins com toda força,
debatendo os braços e dando pontapés. "Não quero ver-me
aniquilado; hei-de conduzir a corrente elétrica pelo resto da
eternidade!" Mas foi tudo ~m vão, ficando o espaço circunvizi-
nho repentinamente iluminado por um relâmpago de intensa
radiação.
"Bem, não existo mais," pensou o snr. Tompkins, "Mas
como é que ainda penso? Teria sido somente o corpo aniquilado
e a alma partido para céu quântico?" Depois sentiu nova força,
mais gentil desta vez, sacudindo-o firme e resolutamente, e
abrindo os olhos reconheceu o porteiro da universidade.
"Desculpe, senhor," disse ele, "mas a preleção acabou há
muito tempo e agora temos de fechar o auditório." O snr.
Tompkins sufocou um bocejo e pareceu encabulado.
"Boa noite, senhor," disse o porteiro sorrindo.

143
11

Parte da Preleção Anterior Durante


a Qual o Snr. Tompkins Donniu

DE FATO, NO ANO 1808 UM QUÍMICO INGLÊS, JOHN DALTON,


mostrou que as proporções relativas de diversos elementos quí-
micos necessários para a formação de compostos mais compli-
cados podem sempre exprimir-se pela relação de números
inteiros, interpretando essa lei empírica como devida a entrar
em todos os corpos compostos número variável de partículas,
que representam elementos químicos simples. A impossibilidade
da alquimia medieval em transformar um elemento químico em
outro forneceu a prova da indivisibilidade dessas partículas, e
sem grande hesitação batisaram-nas pelo antigo nome g_rego de
"átomos". Uma vez dado, o nome pegou, e embora saibamos
agora que esses "átomos de Dalton" não são de modo algum
indivisíveis, sendo formados, na realidade, de grande número
de partículas ainda menores, deixamos passar a inconsistência
filosófica da denominação.
Desse modo, as entidades chamadas "átomos" pela física
moderna não são de modo algum as unidades elementares e
indivisíveis que constituem a matéria, imaginadas por Demócri-
to, e o termo "átomo " seria atualmente mais correto se se
aplicasse a partículas muito menores como eléctrons e prótons,

144
que entram na constituição dos "átomos de Dalton". Contudo,
semelhante mudança de denominações causaria demasiada con-
fusão, e não há físico algum que dê grande importância . à
consistência filológica. Assim sendo, conservamos o antigo nome
de "átomos" no sentido de Dalton e referimo-nos a eléctrons,
prótons etc. como "partículas elementares".
Esta denominação indica, sem dúvida, acreditarmos atualmen-
te serem essas partículas menores realmente elementares e indi-
visíveis no sentido que Demócrito atribuía à palavra, e os
ouvintes poderão perguntar-me se a história não se repetirá· e,
com o progresso ulterior da ciência, as partículas elementares
da física moderna não se mostrem grandemente complexas.
Respondo que, embora não haja garantia absoluta que tal não se
dará, existem razões muito boas para acreditar que desta vez
estamos perfeitamente certos. De fato, existem noventa e dnas
espécies diferentes de átomos (correspondentes a noventa e dois
elementos químicos diferentes) , e cada espécie de átomo possui
propriedades características um tanto complicadas ; situaç~o que
por si mesma convida a certa simplificação por meio da qual se
possa reduzir esse quadro complicado a outro mais elementar.
Por outro lado, a física atual reconhece tão-só poucas espécies
de partículas elementares: eléctrons (partíê:ulas de luz positivas
ou negativas), núcleos (partículas pesadas carregadas ou nêu-
tras) e provavelmente os chamados neutrinos cuja natureza
ainda não foi inteiramente esclarecida.
As propriedades dessas partículas element!lres são extrema-
mente simples, e conseguiríamos muito pouca simplificação me-
diante redução ulterior; além disso, conforme compreenderão,
será sempre preciso dispor de várias noções elementares se qui-
sermos construir algo de mais complicado, e duas ou três noções
elementares não serão suficientes. Assim, em minha opinião,
há toda segurança em apostar o último níquel que as partículas
elementares da física moderna assim continuarão a ser.
Podemos agora voltar à questão que diz respeito à maneira
pela qual as partículas elementares constróem os átomos de
Dalton. Quem primeiro respondeu corretamente a esta pergun-
ta foi o célebre físico inglês Ernest Rutherford (mais t(Jrde
Lorde Rutherford de Néls-On) em 1911 quando estudava a estru-

145
tura atômica por meio do bombardeio de vanos átomos por
projécteis diminutos de movimento rápido, conhecidos como
partículas alfa, emitidas no processo de desintegração de ele-
mentos radiativos. Observando a deflexão (dispersão) desses
projécteis depois de passarem por certa porção de matéria;
Rutherford chegou à conclusão que todos os átomos devem pos-
suir núcleo central muito denso carregado positivamente (núcleo
atômico) cercado por nuvem um tanto rarefeita de carga electro-
negativa (atmosfera atômica). Sabe-se hoje que o núcleo
atômico compõe-se de certo número de prótons e nêutrons, co-
nhecidos pelo nome coletivo de "núcleons" mantidos fortemente ·
juntos por forças coesivas poderosas, consistindo a atmosfera
atômica de número variável de eléctrons negativos enxameando
em volta, sob a ação da atração eiectro-estática de carga posi-
tiva do núcleo. O número de eléctrons que formam a atmosfera
atômica determina todas as propriedades físicas e químicas de
certo átomo, variando ao longo da seqüência natural dos ele-
mentos químicos desde um (para o hidrogênio) até noventa
e dois (para o elemento mais pesado conhecido: o urânio).
Apesar da simplicidade aparente do modelo atômico de
Rutherford, a compreensão detalhada revelou-se nada simples .
De fato, de conformidade com a melhor opinião da física clás-
sica, eléctrons carregados negativamente girando em torno de
núcleo atômico têm de perder a energia do movimento devido ao
processo de radiação (emissão de luz), tendo-se calculado que,
devido a essas perdas firmes de energia, todos os eléctrons que
formam a atmosfera atômica haviam de precipitar-se sobre o
núcleo dentro de fração desprezível de segundo. Essa conclusão
aparentemente segura da teoria clássica mostra-se, contudo, em
contradição nítida com o fato empírico de serem as atmosferas
atômicas, ao contrário, .inteiramente estáveis, e, ao invés de
se precipitarem sobre o núcleo, os eléctfons continuam o movi-
mento enxameando em roda do corpo central por tempo inde-
finido. Vê-se assim que surge conflito mui profundamente
enraizado entre as idéias fundamentais da mecânica clássica e
os dados empíricos relativos ao comportamento mecânico de
uma parte diminuta componente no mundo do~ átomos. Tal fato
levou o famoso físico dinamarquês Niels Bohr a compreender que

146
a inecânica clássica, que reivindicou durante séculos posiÇão
privilegiada e ségura no sistema das ciências naturais, deveria
considerar-se, de então por diante, como teoria restrita, aplicá-
vel ao mundo macroscópico de nossa experiência quotidiana,
mas falhando fragorosamente quando aplicada aos tipos muito
mais delicados de movimentos que se realizam dentro dos vários
átomos. Como base conjetural da nova mecânica generalizada,
aplicável igualmente ao movimento de partes diminutas ~m movi-
mento do mecanismo atômico, Bohr propôs supor-se que, dentre
toda a infinita variedade de tipos de movimentos considerados
na teoria clássica, somente poucos escolhidos especialmente
podem realmente realizar-se em a natureza. Estes tipos permiti-
dos de movimento, ou trajetórias, devem escolher-se de acordo
com certas condições matemáticas, conhecidas como condições
quânticas da teoria de Bohr. Não vou entrar aqui na discus~ão
min,uciosa de tais condições, mas mencionarei somente terem
sido escolhidas de maneira tal que todas as restrições por elas
impostas deixam de ter importância prática em todos os casos
em que a massa das partículas em movimento é muito maior do
que as massas que encontramos na estrutura atômica. Desse
modo, quando se aplica a corpos macroscópicos, a nova micro-
mecânica dá exatamente os mesmos resultados da antiga teoria
clássica (princípio de correspondência) e somente no caso de
minúsculos meeanismos atômicos o desacordo entre as duas
teorias se torna de importância essencial. Sem entrar mais
profundamente nos detalhes, vou satisfazer-lhes a curiosidade
quanto à estrutura do átomo do ponto de vista da teoria de Bohr,
mostrando o diagrama das órbitas quânticas de Bohr em um
átomo. (Primeira chapa, por favor!). Vêem aqui (pág. 148)
naturalmente em escala muito aumentada, o sistema de órbitas
circulares e elíticas, que representam os únicos tipos de movi-
mento "permitido" aos eléctrons que formam a atmosfera
atômica segundo as condições quânticas de Bohr. Enquanto a
mecânica clássica permitiria que o eléctron se movesse a qual-
quer distância do núcleo, sem estabelecer restrições quanto à
excentricidade, ·(isto é, alongamento) da órbita, as órbitas sele-
cionadas da teoria de Bohr · formam grupo discreto, tendo per-
feitamente definidas todas as dimensões características. Os

147
números e letras que estão perto de cada órbita indicam o nome
de qualquer órbita na classificação geral; observa-se, por exem-
plo, que os números maiores correspondem às órbitas de maior
diâmetro.
Embora a teoria de Bohr para a estrutura atômica se reve-
lasse extremamente fecunda para a explicação de várias pro-
priedades dos átomos e das moléculas, a noção fundamental de
órbitas quânticas discretas ficou um pouco obscura, e quanto
mais profundamente procuramos ir na análise dessa restrição
singular da teoria clássica, tanto menos claro se apresentou o
quadro inteiro.

Desse modo obtemos o esquema primitivo de Bohr-Sommerfield


para as órbitas quânticas permitidas de um eléctron no átomo ·de
hidrogênio

Tornou-se finalmente evidente residir o inconveniente da teo-


ria de Bohr em restringir simplesmente, em lugar de mudar a
mecânica clássica de certa maneira fundamental, os resultados
deste sistema, por meio de condições adicionais estranhas, em
princípio, à estrutura inteira da teoria clássica. A solução cor-

148
reta do problema todo apresentou-se somente treze anos mais
tarde, sob a forma do que se chamou " mecânica ondulatória",
que modificou toda a base da mecânica clássica conforme o novo
princípio quântico. E apesar de à primeira vista o sistema da
mecânica ondulatória se afigurar ainda mais louco do que a
antiga teoria de Bohr, essa nova micromecânica representa uma
das partes mais sólidas e aceitas· da física teórica atual. Como
discuti anteriormente em uma das minhas preleções o princípio
fundamental da nova mecânica, e em particular as noções de
"indeterminação" e de "trajetórias dispersas", deixou-os entre-
gues à memória ou às notas que tomaram, e voltarei ao pro-

blema da estrutura atômica. No diagrama que estou projetando


agora (segunda chapa, por favor!) vêem a maneira pela qual
a teoria da mecânica ondulatória encara o movimento de eléc-
trons atômicos do ponto de vista de "trajetórias dispersas".
Esta figura representa o mesmo tipo de movimento como os
que foram representados classicamente no diagraf!la anterior
(independentemente da apresentação agora em separado de cada
tipo de movimento devido a razões de ordem técnica) mas eni

149
lugar das trajetórias de linhas nítidas da teoria de Bohr, vemos
modelos difusos consistentes com o princípio fundamental da
incerteza. A notação dos diversos estados do movimento é a
mesma que anteriormente, e, comparando-se os dois diagramas,
observarão, se dilatarem levemente a imaginação, que a forma
nebulosa repete bastante fielmente o aspecto geral das ó.rbitas
de Bohr.
Esses diagramas mostram bem claramente o que acontece às
boas trajetórias à moda antiga da mecânica clássica, quando
entra em jogo o quantum, e embora um leigo possa pensar
tratar-se de sonho fantástico, os cientistas que trabalham no
microcosmo dos átomos não experimentam qualquer dificuldade
em aceitar esse quadro.
Depois deste exame sucinto dos estados possíveis de movimen-
to na atmosfera eletrônica de um átomo, chegamos agora a
problema importante que diz respeito à distribuição de vários
eléctrons atômicos entre vários estados possíveis de movimento.
Ainda aqui encontramos novo princípio, muito pouco familiar
no mundo macroscópico. Formulou-o em primeiro lugar meu
jovem amigo Wolfgang Pauli, afirmando que na comunidade
de eléctrons de algum átomo dado, duas partículas quaisquer não
podem possuir simultaneamente o mesmo tipo de movimento.
Esta restrição não teria grande importância se, conforme acon-
tece em mecânica clássica, houvesse uma infinidade de movi-
mentos possíveis. Contudo, como o número de estados "permi-
tidos" de movimento fica drasticamente reduzido pelas leis
quânticas, o princípio de Pauli representa papel .de grande
importância no mundo atômico : assegura distribuição mais ou
menos uniforme dos eléctrons em roda do núcleo atômico e os
impede de se acumularem em um ponto particular.
Não se deve concluir, contudo, da formulação acima do novo
princípio que cada um dos estados quânticos difusos de movi-
mento representado no diagrama pode ser "ocupado" por um
único eléctron. De fato, inteiramente independentemente do
movimento ao longo da órbita, cada eléctron gira em torno do
próprio eixo, e o dr. Pauli não se afligirá absolutamente se dois
eléctrons se moverem ao longo da mesma órbita, contanto que
girem em direções diferentes. Ora, o estudo do "s.pin" dos eléc-

150
trons indica que a velocidade da rotação em torno do próprio
eixo é sempre a mesma, devendo a direção do eixo ser sempre
perpendicular ao plano da órbita. Tal circunstância deixa
somente duas possibilidades diferentes para o "spin", que se
podem caracterizar como no sentido dos ponteiros de um reló-
gio ou no sentido contrário.
Desse modo o princípio de Pauli conforme se aplica aos esta-
dos quânticos no átomo pode reformular-se da seguinte ma-
neira: cada estado quântico de movimento pode ser "ocupado"
somente por dois eléctrons, caso em que o "spin" dessas duas
partículas deve ser em direções opostas. Assim, à proporção que
prosseguimos ao longo da seqüência natural dos elementos para
os átomos de número cada vez maior de eléctrons, achamos
estados quânticos diferentes de movimento, gradualmente cheios
de eléctrons, enquanto o .diâmetro do átomo aumenta constan-
temente. É preciso também mencionar a propósito que, do pon-
to de vista da força da união, podem unir-se diferentes estados
quânticos de eléctrons atômicos em grupos separados (ou
invólucro) de estados que tenham aproximadamente igual liga-
ção. Ao prosseguir ao longo da seqüência natural dos elementos,
enche-se um grupo depois do outro, e, como conseqüência do
enchimentq subseqüente de invólucros eletrônicos, as proprie-
dades dos átomos também mudam periodicamente.
Tal a explicação das propriedades periódicas bem conhecidas
dos elementos, descobertos empiricamente pelo químico russo
D MI T RI ME N D E L Y E E V.

151
12

Dentro do Núcleo

A PRELEÇÃO SEGUINTE A QUE O SNR. TOMPKINS COMPARECE'J


tratou do interior dos núcleos, que constitui o ponto central par a
a revolução dos eléctrons atômicos.

Senhoras e Senhores - disse o professor:

Aprofundando-nos cada vez mais na estrutura da matéria,


procuraremos penetrar agora com o olho mental no interior do
núcleo atômico, região misteriosa que ocupa somente uma parte
de milésimos bilionésimos do volume total do próprio átomo.
Contudo, apesar das dimensões quase incrivelmente pequenas
desse novo campo de investigação, vamos encontrá-lo cheio de
atividade muito animada. De fato, o núcleo é afinal de contas
o coração do átomo, e, apesar do tamanho relativamente peque-
no, contém cerca de 99,97Cfo da massa atômica total.
Se entrarmos na região nuclear vindo da atmosfera eletrÔ·
nica escassamente povoada, seremos para logo tomados de admi-
ração pelo estado extremamente sobrecarregado da populaçi!o
local. Enquanto os eléctrons da ,atmosfera atômica se movem,
na média, em distâncias que excedem por um fator de várias
centenas de milhares o próprio diâmetro, as partículas que vivem

152
dentro do núcleo fica.-iam praticamente esfregando os cotovelos.
umas nas outras, se os tivessem. Nesse sentido, o quadro que
nos apresenta o interior do núcleo é muito semelhante ao de
um líquido comum, exceto que em lugar de moléculas encontra-
mos partículas muito menores bem como mais . elementares co-
nhecidas como prótons e nêutrons. Pode observar-se aqui que,
a despeito dos nomes diferentes, prótons e nêutrons são agora
considerados simplesmente como dois estados elétricos diferen-
tes da mesma partícula pesada conhecida como "núcleon ". O
próton é um núcleon de carga positiva, o nêutwn é núcl em~
eletricamente neutro, e não se exclui a possibilidade da exis-
tência de núcleons negativos, embora até agora ninguém os
tenha observado. No que respeita às dimensões geométricas.
os núcleons não diferem muito dos eléctrons, possuindo diâme-
tro de mais ou menos O,()(X} <XX> 000 000 1 cm. São, porém,
muito mais pesados, e um próton ou nêutron inclinaria o prato
de uma balança contra 1840 eléctrons. Conforme disse, as par-
tículas que formam o núcleo atômico estão amontoadas muito
junto, o que se deve à ação de certas forças nucleares coesi'lJas, .
semelhantes às que atuam entre as moléculas de um líquido.
E, exatamente como nos líquidos, essas forças, enquanto impe-
dem que as partículas se separem completamente, não impedem
o deslocamento relativo de umas para outras. De tal maneira,
a matéria nuclear possui certo 'grau de fluidez e, não sendo
perturbada . por qualquer força exterior, toma a forma de
gota esférica, exatamente como qualquer gota de água. No dia-
grama esquemático que vou desenhar agora, vão ver tipos dife~
rentes de núcleos construídos de prótons e nêutrons. O mais
simples é o do hidrogênio, que consiste somente de um próton,
enquanto o mais complicado de urânio consiste de 92 prótons e
142 nêutrons. Sem dúvida, devemos considerar essas represen-
tações como altamente esquemáticas da situação real, visto como,
em virtude do princípio fundamental de incerteza da teoria
quântica, a posição de cada núcleon é na realidade "dispersa"
sobre toda a região nuclear.
Conforme disse .anteriormente, as partículas que constituem
o núcleo atômico estão reunidas por forças coesivas fortes, mas,
independentemente dessas forças de atração, há outra de espécie

153
<liferente em direção oposta. De fato, os prótons, que formam
cerca de metade da população nuclear total, . carregam carga
elétrica positiva, sendo, em conseqüência, repelidos uns dos
-outros pelas forças e'letrostáticas de Coulomb. Para os núcleos
leves, nos quais a carga elétrica é relativamente pequena, essa
repulsão de Coulomb não tem conseqüências, mas no caso de
núcleos mais pesados, altamente carregados, as forças de Cou-
1omb começam a oferecer séria concorrência as forças coesivas
de atração. Quando tal acontece, o núcleo não é mais estável,
e torna-se capaz de expulsar algumas partes componentes. É
exatamente o que acontece a alguns elementos localizados na
própria extremidade do sistema periódico, conhecidos como
"'elementos radiativos". ·
Pelas considerações acima pode concluir-se que esses núcleos
pesados instáveis devem emitir prótons, porquanto os nêútrons
não trazem qualquer carga elétrica, não estando, portanto,

Hidrogênio Hidrogenio pesado

Hélio Urânio

sujeitos às forças repulsivas de Coulomb. As experiências mos-


tram-nos, contudo, que as partículas emitidas são as partículas-
alfa, (núcleos de hélio) isto é, partículas complexas construídas
de dois prótons e dois nêutrons cada uma. A explicação desse

154
fato reside no grupamento específico das partes componentes
do núcleo. Parece que a combinação de dois prótons e dois nêu-
trons, para formar uma partícula alfa, é especialmente estável,
sendo, portanto, muito mais fácil arremessar o grupo inteiro
de uma vez em ·lugar de quebrá-lo em prótons e nêutrons
separados.
Conforme sabem provavelmente, o fenômeno da desintegra-
ção radiativa foi observado pela primeira vez pelo físico francês
Henri Becquerel, e quem deu a interpretação como resultado da
desintegração espontânea dos núcleos atômicos foi o famoso
físico inglês Lord Rutherford, cujo nome mencionei anterior-
mente em outros assuntos, e a quem a ciência deve tanto por
descobertas importantes na física do núcleo atômico.
Um dos aspectos mais peculiares do processo da desintegra-
çâo alfa consiste nos períodos às vezes extremamente longos
necessários às partículas alfa para "escapulirem" do núcleo.
Para o urânio e o tório mede-se esse período por . bilhões de
anos; para o rádio é de cerca de dezesseis séculos, e embora
haja alguns elementos em que a desintegração se realiza em
fração de segundo, pode também considerar-se o período de
vida . muito longo em comparação à rapidez do movimento
intranuclear .
. Que é que força uma partícula alfa a permanecer às vezes
durante muitos bilhões de anos dentro do núcleo? E se ficou
durante tanto tempo por que sai afinal?
Para responder a esta pergunta, precisamos primeiramente
aprender um pouco mais a respeito das forças coesivas de atra-
ção em comparação com as forças eletrostáticas de repulsão que
atuam sobre a partícula forçando-a para fora do núclee.
Rutherford realizou estudo cuidadoso dessas forças, lançando
mão do método do bombardeio atômico. Nas famosas experiên-
cias no .Laboratório de Cavendish dirigiu um raio de partículas
alfa de movimento rápido, emitidas por certa substância radia-
tiva, e observou os desvios (dispersão) desses projécteis atômi-
c,os resultantes das colisões com os núcleos da substância
bombardeada. Essas experiências confirmaram que, enquanto
a grandes distâncias do núcleo as forças elétricas de carga
nuclear repelem fortemente os projécteis, essa repulsão passa a

155
forte atração se o projéctil procura chegar muito perto dos limi~
tes exteriores da região nuclear. Pode dizer-se que o núcleo é
até certo ponto análogo a uma fortaleza cercada de todos os
lados por baluarte elevado e escarpado, que impede tanto a
entrada como a saída das partículas. Mas o resultado mais
impressionante das experiências de Rutherford consistiu em
mostrar que as partículas aJfa que saem do núcleo no processv
de desintegração radiativa, bem como os projécteis que pene-'
tram no núcleo vindos de fora, possuem realmente menos ener.:.
gia do que corresponderia ao alto do baluarte, ou a " barreira
potencial", confvrme se chania geralmente. Tal fato se apresen-
tava em completa contradição com todas as idéias fundamentais
da mecânica clássica. De fato, como esperar que uma bola role
sobre uma montanha se a atiraram com muito menos energia
do que era necessário para que atingisse o alto da montanha?
A física clássica só podia arregalar os olhos, e sugerir que devia
haver algum engano nas experiências de Rutherford.
Mas, na realidade, não havia engano algum, e se alguém
havia errado não era Rutherford, mas a própria mecânica clás-
sica. Esclareceram simultaneamente a situação meu bom amigo
D R. G E o R G E G A M o w e os D R s. R o N A L D G u R N E y e
E • u. e o N D o N, que mostraram não haver dificuldade alguma
se se considerar o problema do ponto de vista da moderna
teoria quântica. De fato, sabemos que a ·física quântica atual
rejeita as trajetórias lineares bem definidas da teoria clássica,
substituindo-as por trilhas difusas espectrais. E, exatamente
como um bom fantasma de outros tempos podia passar sem
dificuldade através das paredes espessas de alvenaria de velho
castelo, essas trajetórias espectrais podem penetrar através de
barreiras potenciais que parecem completamente impenetráveis
do ponto de vista clássico.
E não pensem, por favor, que estou caçoando : a penetrabi-
lidade de barreiras potenciais por parte de partículas de energia
insuficiente apresenta-se como conseqüência matemática das
equações fundamentais da nova mecânica quântica, e representa
uma das diferenças mais importantes entre as novas e as anti-
gas idéias a respeito do movimento. Todavia, embora a nova
mecânica permita tais efeitos incomuns, assim o faz somente sob

156
fortes restrições; na maior parte dos casos as probabilidades de
atravessar a barreira são extremamente pequenas, e a partícula
aprisionada tem de atirar-se contra a parede um número quase
1ncrível de vezes antes de alcançar finalmente êxito. A teoria
quânti~a proporciona-nos re~ras exatas quanto ao cálculo d<'
probabilidade de tal evasão, e mostrou-se que os períodos obser
vados de desintegração alfa concordam inteiramente com a expec
tativa da teoria. Assim também no caso de projécteis lançados
<le fora para dentro do núcleo, os resultados dos cálculos da
mecânica quântica concordam mui de perto com as experiências.
Antes de ir mais adiante, desejo mostrar algumas fotografias
que representam o processo de desintegração de diversos núcleos
atingidos por projécteis atômicos de energia elevada. (Chapa,
por favor!)
Nesta chapa (ver pág. 158) vêem-se dois processos diferentes
<de desintegração fotografados na câmara de que lhes falei em
preleção anterior. A figura à esquerda mostra um núcleo de
nitrogênio com que se chocou uma partícula alfa em grande
velocidade, constituindo a primeira representação da transmu-
tação artificial de elementos que até agora se conseguiu. Exe-
cutou-a P A T R I C K B LA C K E T T, discípulo de Lord Ruther-
ford. Vê-se grande número de trilhas alfa radiando de poderosa
fonte de raios alfa que agora aparece na figura. Essas partí-
culas, em grande parte, estão passando pelo campo de visão
sem que experimentem uma única colisão séria, mas uma conse-
guiu agora acertar num núcleo de nitrogênio. A trilha da partí-
cula alfa pára exatamente aí, podendo ver-se outras duas trilhas
que saem do ponto de colisão. A trilha delgada e longa pertence
a um próton expulso do núcleo de nitrogênio, enquanto a outra
curta e pesada representa o recuo do próprio núcleo. Contudo,
não é mais um núcleo de nitrogênio, porquanto, tendo perdido
um próton e absorvido a partícula alfa acidental, transformou-se
em núcleo de oxigênio. Temos dessa maneira transformação
alquímica do nitrogênio em oxigênio, dando hidrogênio como
produto acessório.
A segunda fotografia corresponde à desintegração nuclear por
meio do choque de próton artificialmente acelerado. Está reali-
zando-se um raio rápido de prótons em máquina especial de

157
(a) Nitrogênio. chocado por hélio transforma-se em oxigênio pesado
e hidrogênio :
1N 14+ +
2He4 ~ s0 17 1Ht
(b) Lítio chocado pelo hidrogênio transf~rma-se em dois hélios:
aLi7 + 1H 1 ~ 22Hc4
(c) Boro chocado por hidrogênio transforma e se em trés hélios:
+
5B 1 ~ 1H 1 ~ 32H 4

158
alta tensão, conhecida em geral pelo público como esmagador
de átomos, o qual penetra na câmara por um longo_tubo, cuja
extremidade se vê na fotografia. O alvo, neste casÕ camada
delgada de boro, está colocado na abertura inferior do tubo, de
~orte que os fragmentos nucleares produzidos na colisão terá<>
çle atravessar o ar na câmara, produzindo trilhas nebulosas.
Conforme se pode ver na figura, o núcleo de boro, quando atin-
gido por um próton, divide-se em três partes e, incluindo-se o
resto das cargas elétricas, concluímos que cada um desses frag-
mentos é uma partícula · alfa, isto é, um núcleo de hélio. As
duas transformações que as fotografias mostram representam
exemplos típicos de várias centenas de outras transformações
nucleares dessa espécie, estudadas atualmente em física experi-
mental. Em todas as transformações dessa espécie, conhecidas
como "reações nucleares de substituição", a partícula acidental
(próton, nêutron ou alfa) penetra no núcleo, expulsa qualquer
outra; tomando-lhe o lugar. Temos a substituição de um pró-
ton por uma partícula alfa, de partícula alfa por próton, próton
por nêutron etc.·
~m todas essas transformações, o novo elemento que se forma
na reação representa vizinho próximo do elemento bombar-
deado, no sistema periódico~
Mas só comparativamente há pouco tempo, de fato exata-
mente antes da Segunda Guerra Mundial, dois químicos alemães,
o. H AH N e F. s T R As s MA N N, descobriram tipo inteira-
mente novo de transformação nuclear, no qual um núclea
pesad,o separa-se em duas partes iguais com a liberação de tre-
mendo volume de energia. Na chapa seguinte (chapa, por favor!}
vê-se à direita a fotografia de dois fragmentos de urânio voando
em díreção oposta saindo de delgado filamento de urânio. Este
fenômeno, conhecido como "fissão nuclear", observou-se pri-
meiramente no caso do urânio bombardeado por um raio de
nêutrons, mas logo depois se descobriu que outros elementos,
também localizados perto da extremidade do sistema periódico,
possuem propriedades semelhantes. Parece, realmente, que os
núcleos pesados já atingiram o limite de estabilidade, e a menor
provocação, produzida pela colisão com um nêutron, é suficiente
para que quebrem em dois pedaços, como gota de mercúrio
excessivamente grande. Tal instabilidade dos núcleos pesados

159
A•

(a) Fotografia de Bragg de átomos num cristal de diopsídio.


Os círculos no canto identificam · átomos individuais de cál-
cio, magnésio, silício e oxigênio. Aumento de cerca de
100 .000.000
(b) Dois fragmentos de fissão voando em direções opostas dei-
xando urânio chocado por um. nêutron
(c) Produção e desintegração de híperons nêutrons lambda e
antilambeia
esclarece porque há somente 92 elementos em a natureza; de
fato, qualquer núcleo mais pesado do que o de urânio não paderia
existir por muito tempo, quebrando-se imediatamente em frag-
mentos muito menores. O fenômeno da "fissão nuclear" tam-
bém é interessante de ponto de' vista prático, eis que proporciona
certas passibilidades de utilização da energia nuclear. A questão
é que, quebrando-se em dois, os núcleos pesados também expul-
sam certo número de nêutrons capazes de provocar a fissão de
núcleos vizinhos. Esta circunstância pode conduzir a reação
explosiva na qual toda a energia acumulada dentro do núcleo
ficará livre em fração de segundo. E, se se lembrarem que a
energia nudear contida em meio quilo de urânio equivale à de
dez toneladas de carvão, poderão compreender que a possibi-
lidade da liberação dessa energia produzirá alterações de grande
importância em nossa economia.
Contudo, todas essas reações nucleares somente podem obter-
se em escala mui pequena, e, embora nos proporcionem grande
riqueza de informações a respeito da estrutura interna do
átomo, até comparativamente pouco tempo parecia não haver
esperança de liberar-se grande volume de energia nuclear. Foi
somente em 1939 que os químicos alemães o. H AH N e P .
s T R A s s M A N N descobriram tipo inteiramente novo de trans-
formação nuclear. Nesta um núcleo pesado de urânio, atingido
por um único nêutron, quebra-se em duas partes aproximada-
mente iguais, liberando tremendo volume de energia, junta-
mente com dois ou três nêutrons que, por sua vez, se chocam
com outros núcleos de urânio e quebram cada um deles igual-
mente em dois, liberando mais energia e mais nêutrons. Este
processo ramificado de fissão conduz a explosões tremendas ou,
se controlado, fornece volumes de energia quase inexauríveis.
Temos muita sorte que o DR. TAL LER K 1 N, que trabalhou
na bomba atômica, sendo também conhecido como "o pai da
bomba de hidrogênio", aceitou vir aqui apesar das inúmeras
incumbências que tem, para fazer resumida exposição a respeito
das bombas nucleares. Deve chegar dentro de um minuto.

Quando o professor pronunciou estas palavras, a porta abriu-


se dando entrada a figura impressionante, de olhos ardentes e

161
sobrancelhas pendentes sobre eles. Apertando a mão do profes-
sor, voltou-se para os ouvintes.
"Holgyeim és Uraim," começou. "Mondta Ô roviden kell
beszélnem, mert nagyon sok a dolgom. Ma reggel tobb meg-
beszlélém volt .a Pentagon-ba és a Fehér Ház-ba. Délutan ...
Oh, desculpem!", exclamou, às vezes misturo as línguas que
falo. Permitam-me começar de novo. Senhoras e Senhores! Devo
ser breve porque estou muito ocupado. Hoje de manhã compa-
reci a várias conferências no Pentágono e na Casa Branca; à
tarde deverei estar presente na explosão experimental subter-
rânea em French Flats no Nevada, e de noite tenho de fazer
um discurso num banquete .na Base Aérea de Vandenberg, na
Califórnia.
"A questão essencial é que os núcleos atômicos estão equili-
brados por meio de forças de duas espécies : forças nucleares
de atração, que tendem a manter o núcleo em uma peça só;
e as forças elétricas repulsivas entre os prótons. Em núcleos
pesados como os de urânio ou plutônio, estas últimas prevalecem
e o núcleo está pronto para rebentar, quebrando-se em dois pro-
dutos de fissão à provocação mais leve. Um único nêutron que
se choque com o núcleo fornece tal provocação."
Voltando-se para o quadro-negro, continuou: "Estão vendo
aqui um núcleo físsil e um nêutron chocando-se com ele. Dois
fragmentos de fissão separam-se, carregando cerca de um milhão
de eléctrons volts de energia cada um e vários nêutrons recentes
de fissão são expulsos - dois, no caso do isótopo leve do urâ-
nio e três para o plutônio. Depois, craque! craque! continua
a reação conforme desenhei aqui. Se o pedaço de mat~ria físsil
é pequeno, os nêutrons de fissão, em grande parte, atravessam
a superfície antes de terem a oportunidade de chocar-se com
outro núcleo físsil e a reação em cadeia não tem início. Mas
quando o pedaço é maior do que aquilo que se chama massa
crítica, de umas três ou quatro polegadas de diâmetro, os nêu-
trons ficaril presos em grande parte, dando-se uma explosão.
É o que se chama bomba de fissão, citada freqüentemente de
maneira errônea como bomba atômica.
"Todavia, obtêm-se resultados muito melhores trabalhando
com a outra extremidade do sistema periódico de elementos, na

162
Embora os nomes pareçam semelhantes, fissão e fusão são
inteiramente diferentes

qual as forças nucleares de atração são mais fortes do que a


repulsão elétrica. Quando dois núcleos leves entram em contato,
fundem-se juntamente como duas gotas de mercúrio num pires.
Isto só pode acontecer em temperatura muito elevada, por isso
que os núcleos leves que se aproximam um do outro deixam de
entrar em contato devido à repulsão elétrica. Mas quando a
temperatura atinge dezenas de milhões de graus, a repulsão
elétrica não é capaz de impedir o contato, começando então o
processo de fusão. Os núcleos mais convenientes para o pro-
cesso de fusão são os dêuterons, isto é, núcleos de átomos
pesados de hidrogênio. Aqui à direita vê-se simples esquema da
reação termonucluear no deutério. Quando a princípio pensamos
na bomba de hidrogênio achamos que seria de enorme vantagem
para o mundo, porquanto não origina produtos de fissão radia-
tiva que se espalhem pela atmosfera terre-stre. Não fomos,
porém, capazes de produzir semelhante bomba "pura" de hidro-
gênio porque o deutério, sendo o melhor combustível nuclear,
que se pode extrair prontamente da água do mar, não chega a
queimar bem por si mesmo. Tivemos por isso de encerrar o

163
núcleo de deutério num invólucro de urânio pesado. Tais invó-
lucros produzem grande quantidade de fragmentos de fissão, o
que leva certas pessoas a chamá-los ·de bombas "sujas" de hidro-
gênio. Depara-se com dificuldade semelhante quando se projeta
a reação termonuclear do deutério, e, apesar de todos os esfor-
ços, ainda não o conseguimos. Estou certo, porém, que esse pro-
blema encontrará solução, mais cedo ou mais tarde."
"Dr. Tallerkin," perguntou um dos ouvintes, "que diz a res-
peito desses produtos de fissão das experiências com as bombas
que produzem mutações prejudiciais na população da . Terra
inteira?"
"Nem todas as mutações são prejudiciais," disse sorrindo o
dr. Tallerkin, "àlgumas estão conduzindo ao melho·ramento da
progênie. Se não houves~e mutações nos organismos vivos, você
e eu ainda seríamos amebas. Não sabe que a evolução da vida
se deve inteiramente a mutações naturais e à sobrevivência do
mais capaz?"
"Quer dizer," gritou uma mulher histericamente, que todas
as mulheres terão de produzir crianças às dúzias, e, conservando
algumas das. melhores, destruir o resto? !"
"Bem, minha senhora ... " começou a dizer o dr. Tallerkin,
mas nesse momento abriu-se a porta do auditório deixando
entrar um piloto de avião.
"Apresse, senhor!", exclamou, seu helicóptero está pousado
rJ::>. entrada e se não partirmos imediatamente não chegará a
teinpo para embarcar no avião a jato no aeroporto."
"Desculpem-me," disse ele para os ouvintes, "tenho de ir
agora. Istem velük !" E ambos saíram a correr.

164
13

O Entalhador de Madeira

A PORTA ERA GRANDE E PESADA, VENDO-SE AVISO IMPRESSIO-


nante: Afaste-se! Alta tensão, bem no meio. Contudo, esta pri-
meira impressão inóspita abrandava-se um pouco com a frase
"Seja bem-vindo", em letras grandes no capacho, e, depois de um
minuto de hesitação, o snr. Tompkins comprimiu a campainha
da porta de entrada. Introduzido por jovem assistente, o snr.

i1 1 ••:

1 . ..•
i lI
1
v,

,' J
l
i
1
11
·'
1

\' \

165
Tompkins achou-se em um salão do qual mais de metade estava
ocupada por máquina muito complicada e fantástica.
"É o nosso grande cíclotron ou desintegrador de átottws
como os jornais o chamam'', explicou o assistente, pondo amo-
rosamente a mão em um das bobinas, do eletro-ímã gigantesco
que representava a parte principal do instrumento de aparência
impressionante da física moderna.
"Produz partículas cuja energia chega a dez milhões de eléc-
trons volts," acrescentou orgulhosamente, "mas não há muitos
núcleos que resistam ao choque de um projéctil que se mova
com energia tão aterradora!"
"Bem," disse o snr. Tompkins, "esses núcleos devem ser
bastante resistentes! Imagine-se ter de construir aparelho gigan-
tesco como este tão-só para esmagar os minúsculos núcleos dos
minúsculos átomos. De que maneira funciona está máquina, afi-
nal de contas?"
"Já esteve algum dia no circo?" perguntou o sogro, surgindo
de detrás da estrutura gigantesca do cíclotron.
"Sim... natura.lmente," respondeu o snr. Tompkins, um
pouco embaraçado por essa pergunta inesperada, "quer dizer
deseja que hoje o acompanhe ao circo?"
"Não exatamente," disse sorrindo o professor, "mas poderá
contribuir para compreender como funciona este aparelho. Se
olhàr por entre os pólos deste grande ímã, observará uma caixa
. circular de cobre que desempenha o papel de pista de circo,
sobre a qual várias partículas carregadas, utilizadas em experiên-
cias de bombardeio nuclear, recebem aceleração. No centro da
caixa está situada a fonte que produz as partículas carregadas
ou íons. Quando saem possuem velocidade bem pequena, e o
forte campo do ímã encurva-lhes a trajetória em diminutos cír-
culos em roda do centro. Depois começamos a impeli-las a velo-
cidades cada vez maiores."
"Compreendo como se pode fazer correr um cavalo," disse o
snr. Tompkins, "mas como fazer o mesmo com essas minús-
culas partículas não me entra na cabeça."
"Contudo, é muito simples. Se a partícula se move em um
círculo, é preciso somente aplicar-lhe uma série de choques elé-

166
Este é o nosso grande cíclotron ou " esmagador de átomos "

167
tricos sucessivos cada vez · que passar por certo ponto da traje-
tória, exatamente como o treinador no circo fica de pé na beíra
da pista e mete o chicote no cavalo cada vez que passa por ele."
"Mas o treinador pode ver o cavalo," protestou o snr. Tomp-
kins. "Podemos ver uma partícula girando em uma caixa de
cobre para dar-lhe um choque no momento conveniente?"
"Naturalmente não podemos," concordou o professor, "mas
não é necessário. Todo o segredo do arranjo do cíclotron con-
siste em realizar sempre uma volta completa durante o mesmo
período, embora as partículas aceleradas .se movam cada vez
mais depressa. A razão é que, aumentando a velocidade da par-
tícula, o raio, e, em conseqüência, o comprimento total da traje-
tória circular também aumenta em proporção. De tal maneira
move-se ao longo de espiral que se desenrola, voltando sempre
ao mesmo lado da pista em intervalos regulares. Basta colocar
aí qualquer dispositivo elétrico que dê os choques em intervalos
regulares, o que se consegue por meio de um sistema de circuito
elétrico oscilador, muito semelhante aos que se vêem em qual-
quer radiodifusora. Cada choque elétrico que aí se produz não
é muito forte, mas o efeito acumulado acelera a partícula a velo-
cidades extremamente elevadas. Tal a grande vantagem deste
aparelho; produz efeito equivalente ao de muitos milhões de
volts, embora em parte alguma do sistema estejam realmente
presentes tensões tão elevadas."
"Verdadeiramente muito engenhoso," disse o snr. Tompkins
pensativo. "Quem o inventou?"
"Foi E R N E s T o R LA N D LA w R E N e E quem primeiro
o inventou, na Universidade da Califórnia, há muitos anos,"
respondeu o professor. "Desde então aumentou o tamanho dos
cíclotrons, espalhando-se pelos laboratórios de física com a velo-
cidade dos boatos. Parecem realmente mais convenientes do que
os dispositivos antigos que empregavam transformadores em
cascata, ou máquinas baseadas no princípio eletrostático."
"Mas não seria possívd quebrar realmente o núcleo sem u~ar
todos esses aparelhos complicados?" perguntou o snr. Tompkins,
que acreditava firmemente na simplicidade, e não confiava em
qualquer dispositivo mais complicado que um martelo.

168
"Sem dúvida é possível. Quando Rutherford realizou as pri-
meiras famosas experiências, a respeito da transformação dos
elementos, lançou mão de partículas alfa ordinária emitidas de
corpos naturalmente radiativos. Mas isto se deu há mais de
vinte anos, 'e, como vê, desde então realizou-se enorme progresso
na técnica da desintegração do átomo."
"Será posível mostrar-me um átomo em processo de desinte-
gração?" perguntou o snr. Tompkins, que preferia sempre ver
pessoalmente a ouvir longas explicações.
"Com muito prazer," respondeu o professor. "1amos come-
çar uma experiência. Estamos realizando o estudo da desinte-
gração do boro sob o choque de prótons rápidos. Quando um
próton se choca com um átomo de boro com tanta força que
permita ao projétil traspassar a barreira nuclear potencial e
penetrar no interior, divide-se em três fragmentos iguais que
se dispersam em diferentes direções. Pode observar-se esse pro-
cesso diretamente por meio da câmara de nuvem que permite
ver a trajetória de todas as partículas que tomam parte na coli"
são. Essa câmara, tendo um pedaço de boro no meio, está agora
presa na abertura da câmara do acelerador, e logo o cíclotron
comece a trabalhar, você verá o processo da desintegração
nuclear com os próprios olhos."
"Faz-me o favor de ligar a corrente," pediu o professor,
voltando-se para o assistente, "enquanto procuro regular o cam-
po magnético?"
Foi preciso algum tempo para que o cíclotron começasse a
funcionar, e, ficando só, o snr. Tompkins pôs-se a andar pelo
laboratório. Chamou-lhe a atenção um sistema complicado de
· grandes tubos ampliadores, que brilhavam com luz azulada fraca.
Ignorando ·inteiramente que as tensões elétricas utilizadas no
cíclotron, embora não suficientemente elevadas para desintegrar
o núcleo, podem facilmente jogar ao chão um touro, inclinou-se
para a frente a fim de observá-los mais de perto .
. Ouviu-se estalo agudo, como o do chicote de domador, e o
snr. Tompkins sentiu terrível choque atrevessando-lhe todo o
corpo. Logo depois ficou tudo escuro e perdeu os sentidos.

Ao abrir os olhos, viu-se prostrado no chão onde a descarga


elétrica o havia atirado. A sala ao redor parecia a mesma, mas

169
todos os objetos nela existentes haviam mudado consideravel-
mente. Em lugar do enorme ímã do cíclotrón, das conexões
óntilantes de cobre, e das dúzias de complicados dispositivos
elétricos ligados a todos os lugares possíveis, o snr. Tompkins
viu longa mesa de madeira, coberta de simples ferramentas de
carpinteiro. Nas prateleiras de estilo antigo presas às paredes,
descobriu grande número de .esculturas em madeira, de formas
estranhas e incomuns. Junto à . mesa estava trabalhando um
velho de aspecto afável, e olhando mais atentamente o snr.
Tompkins ficou impressionado pela forte semelhança do velho
não só com o velho Gepeto no Pinóquio de Walt Disney, mas
com o retrato do falecido Lord Rutherford de Nélson, pendu-
rado na parede do laboratório do professor.
"Desculpe-me se me intrometo," disse o snr.. Tompkins
levantando-se, "mas estava visitando um laboratório e passou-
se comigo algum fato estranho."
"Está interessado em núcleos," disse o velho, pondo de lado
o pedaço de madeira em que estava trabalhando. "Então chegou
exatamente onde devia. Faço aqui mesmo toda espécie de núcleo·s
e terei prazer em mostrar-lhe minha pequena oficina."
"Está dizendo-me que os faz?" perguntou o snr. Tompkins
um pouco estupefato.
"Sim, sem dúvida. Naturalmente, exige certa habilidade, espe-
cialmente quanto se trata de núcleos radiativos, que podem
decompor-se antes mesmo que haja tempo para pintá-los~"
"Pintá-los?"
"Isto mesmo, uso vermelho para as partículas de carga posi-
tiva e verde para . as negativas. Provavelmente sabe que ver-
melho e verde chamam-s'e cores complementares, cancelando-se
mutuamente quando se misturam*. Isso corresponde ao cance-
lamento mútuo de cargas elétricas positivas e negativas.
Se o núcleo se compõe de igual número de cargas positivas e
negativas movendo-se rapidamente de um lado para o outro, será

* O leitor deve ter presente que a mistura de cores pertence somente


aos raios luminosos e não à!l cores propriamente. Misturando-se tintas
vermelha e verde obtém-se somente uma cor suja. Por outro lado, se
pintarmos metade de um objeto de vermelho e a outra metade verde e o
girarmos rapidamente, o objeto parecerá branco.

170
eletricamente neutro e parecerá branco a quem o observa. Se
houver maior porção de cargas positivas ou negativas, o siste-
ma inteiro ficará colorido de vermelho ou verde. Bem simples,
não acha?"
"Agora," continuou o velho, mostrando ao snr. Tompkins
duas grandes caixas de madeira que estavam perto da mesa, "é
nelas que guardo o material com que construo os diversos núcleos.

171
A primeira caixa contém prótons, essas bolas vermelhas que está
vendo. São perfeitamente estáveis e. conservam a cor perma-
nentemente, a menos que a arranhemos com a ponta de uma
faca. Experimento muito mais dificuldades com os chamados
nêutrons, na segunda caixa. Normalmente são brancos, ou
eletricamente neutros, mas revelam forte tendência a penetrar
nos prótons vermelhos. Enquanto a caixa está bem fechada,
tudo corre bem, mas logo que se tira um, veja o que acontece."
Abrindo a caixa, o velho marceneiro tirou uma bola branca
e colocou-a em cima da mesa. Durante algum tempo nada acon-
teceu, mas quando o snr. Tompkins estava quase perdendo a
paciência, a bola ficou viva repentinamente. Apareceram na
superfície listras irregulares avermelhadas e esverdeadas, asseme-
lhando-se por algum tempo às bolinhas de vidro de que as
crianças gostam tanto. Depois a cor verde passou a concentrar-
se de um lado, e finalmente separou-se por completo, formando
uma gota verde brilhante que caiu no chão. A própria bola esta-
va agora inteiramente vermelha, sem ser possível distingui-la de
qualquer dos prótons coloridos de vermelho da primeira caixa.
"Vê o que acontece," disse o velho, apanhando a gota verde,
agora perfeitamente dura e redonda. "A cor branca do nêutron
se decompôs em vermelho e verde e a bola separou-se ·em duas
partículas distintas, um próton e um eléctron negati".º·"
."Isso mesmo," juntou, vendo o olhar de surpresa do snr.
Tompkins, "esta partícula de cor jade nada mais é que eléctron
ordinário, exatamente como qualquer outro eléctron em qualquer
átomo em qualquer outro lugar."
"Arre!" exclamou o snr. Tompkins. "Com toda certeza isto
excede qualquer mágica de lenço vermelho que algum dia vi.
Mas poderá restabelecer novamente as cores primitivas?"
"Sem dúvida," posso esfregar a tinta verde sobre a super-
fície da bola vermelha tornando-a . novamente .branca, mas pre-
cisaria de certa energia, .naturalmente. Outra maneira seria
raspar a tinta vermelha, o que também exigiria certa energia.
Depois a tinta vermelha raspada da superfície do próton for-
maria uma gota dessa cor, isto é, um eléctron positivo, do qual
já ouviu falar certamente!"

173
"Isso mesmo, quando era um eléctron ... " começou d snr .
Tompkins mas interrompeu-se rapidamente. "Quero dizer, ouvi
falar que eléctrons positivos e negativos se aniquilam mutua-
mente sempre que se encontram," disse, "também pode mos-
trar-me esse truque?"
"É muito simples," disse o velho. "Mas não vou dar-me ao
trabalho de raspar a tinta deste próton, pois tenho um par de
pósitrons que sobraram do trabalho desta manhã."
Abrindo uma gaveta, tirou minúscula bola vermelha, bri-
lhante, e, comprimindo-a fortemente entre o polegar e o índice,
colocou-a ao lado da bola verde em cima da mesa. Ouviu-se
barulho agudo, como da explosão de uma bicha, e as duas bola~
desapareceram subitamente.
"Está vendo?" disse o marceneiro, soprando os dedos leve-
mente chamuscados. "É por isso que não se podem usar eléc-
trons para construir núcleos. Experimentei-o uma vez, mas tive
de abandonar imediatamente. Agora uso somente prótons e
nêutrons."
"Mas os nêutrons ta~bém são instáveis, não acha?" pergun-
tou o snr. Tompkins, lembrando da demonstração anterior.
"Quando estão sós, com certeza. Mas quando estão acond(-
cionados bem apertados no núcleo, cercados de outras partículas,
tornam-se perfeitamente estáveis. Contudo, se houver, falando
relativamente, nêutrons em demasia, ou prótons em excesso,
poderão transformar-se, e a tinta em excesso deixa o núcleo
sob a forma de eléctrons negativos ou positivos. Essa acomoda-
ção é o que chamamos de transformação-beta."
"Emprega alguma cola, quando faz os núcleos?" perguntou
o snr. Tompkins, interessado.
"Não preciso de qualquer cola," respondeu o velho. "Estas ·
partículas, veja, agarram-se umas às outras por si mesmas, fogo
que entram em .contato. Pode experimentá-lo pessoalmente se
quiser."
Obedecendo à recomendação, o snr, Tompkins tomou um pró-
ton e um nêutron em cada mão, aproximando-os cuidadosa-
mente. Sentiu imediatamente forte puxão e olhando para ~s
partículas observou fenôm<;no extremamente estranho. As par-

174
tículas trocam de cor, tornando-se alternadamente vermelhas e
brancas. Era como se a tinta vermelha "pulasse" da bola na
mão direita para a que estava na esquerda, e vice-versa. Esse
pestanejar de cores era tão rápido que as duas bolas pareciam
estar ligadas por uma fita cor de rosa ao longo da qual o colo-
rido oscilava de um lado para o outro.
"É ·esse fenômeno que os meus colegas teóricos chamam ele
fenômeno de troca," disse o velho, rindo entre os dentes <li.a nte
da surpresa do snr. Tompkins. "As duas bolas querem ser
vermelhas, ou possuir a carga elétrica, se deseja formular des7
se modo, e como não podem tê-la simultaneamente, puxam-na
de um lado para o outro alternadamente. Nenhuma das duas
quer abandonar, de sorte que se agarram até que as separamos
à força. Agora vou mostrar-lhe como é simples fazer qualquer
núcleo que desejar. Qual será?"
"O de ouro," disse o snr. Tompkins, lembrando-se da ambi-
ção dos alquimistas medievais.
"Ouro? Vamos ver," murmurou o velho, voltando-se para
um grande mapa que estava pendurado contra a parede, "o
núcleo do ouro pesa 197 unidades, e carrega 79 cargas elétricas
positivas. Quer dizer que tenho de tomar 79 prótons e juntar-
lhes 118 nêutrons para ter a massa certa."
Contando o número necessário de partículas, colocou-as num
vaso cilíndrico, cobrindo-o com pesado pistão de madeira. De-
pois empurrou o pistão para baixo com toda a força.
"Devo proceder dessa maneira," explicou ao snr. Tompkins,
devido à forte repulsão elétrica entre os prótons carregados de
eletricidade positiva. Logo que a pressão do pistão supere essa
repulsão, os prótons e nêutrons se prenderão uns aos outros,
em virtude das forças mútuas de troca, formando o núcleo
desejado."
Empurrando o pistão para baixo até onde era possível, reti-
rou-o e virou rapidamente o cilindro com a boca para baixo.
Uma bola rosada cintilante rolou por cima da mesa, e obser-
vando-a mais de perto, o snr. Tompkins notou que a cor rósea
era devida à troca de lampejos vermelhos e brancos entre as
partículas que se moviam rapidamente.
"Com0 é belo!" exclamou. "Então é o átomo . de ouro!"

175
"Ainda não é átomo, mas somente o núcleo atômico," cor-
rigiu-o o velho entalhador. "A fim de completar o átomo será
preciso juntar o número conveniente de eléctrons, de modo
a neutralizar a carga positiva do núcleo, e formar o invólucro
eletrônico de costume em roda. Mas é fácil, e o próprio núcleo
apanhará os eléctrons logo apareçam em volta."
"Engraçado," disse o snr. Tompkins, "não ter nunca o meu
sogro mencionado ser tão simples fazer ouro."
"Seu sogro e os chamados físicos nucleares !" exclamou o
velho com uma nota de. irritação na voz. "Sabem exibir-se
muito bem mas podem fazer muito pouco. Dizem ser impos-
sível Comprimir prótons separados dentro de um núcleo com-
plexo porque não podem exercer pressão suficientemente grande
para realizá-lo. Um deles chegou mesmo a calcular ser neces-
sário sobrepor o peso total da Lua para obrigar os prótons a
ficarem presos uns aos outros. Então por que não vão buscar
a Lua, se é essa a única dificuldade?"
"Contudo, chegam a produzir certas transformações nuclea-
res," observou o snr. Tompkins submissamente.
"Não há dúvida, mas desajeitadamente e de maneira muito
limitada. A quantidade de novos elementos que arranjam é tão
pequena que dificilmente eles próprios a podem ver. Vou mos-
trar-lhe como o fazem." E, tomando um próton, atirou-o com
força considerável contra o núcleo de ouro que estava em cima
da mesa. Aproximando-se do exterior do núcleo, o pr6ton dimi-
nuiu um pouco a velocidade, hesitou um momento e depois mer- .
gulhou dentro dele. O núcleo, tendo engolido o próton, estre-
meceu por pouco tempo como se estivesse com febre e depois
pequena porção se separou com um estalo.
"Está vendo," disse o velho, apanhando o fragmento, "isto
é o que chamam de partícula alfa, e se a inspecionar bem de
perto verá que consiste de dois prótons e dois nêutrons. Geral-
mente os núcleos pesados dos elementos radiativos expulsam
tais partículas, mas é igualmente possível fazê-las sair de núcleos
estáveis comuns chocando-os com força suficiente. Devo tam-
bém chamar a sua atenção para o fragmento maior que ficou
em cima da mesa, o qual não é mais um núcleo de ouro; perdeu
uma carga positiva e agora é núcleo de platina, elemento pre-

176
cedente da tabela periódica. Em alguns casos, contudo, o próton
que entra para dentro do núcleo não provocará a divisão em
dois pedaços e, como resultado, obtém-se o núcleo do elemento
que se segue ao ouro na tabela, isto é, o do mercúrio. Combi-
nando este e outros processos semelhantes, é possível transfor-
mar realmente qualquer elemento dado em outro."
"Agora vejo por que empregam raios rápidos de prótons pro-
duzidos no cíclotron," disse o snr. Tompkins, começando a com-
preender. "Mas por que diz que esse método não é bom?"
"Porque a eficácia dele é extremamente baixa. Antes de tudo,
não podem apontar os projécteis pela maneira que faço, de sorte
que somente um tiro em vários milhares atinge realmente o
núcleo. Em segundo lugar, mesmo _no caso de acertar direta-
mente, o projéctil saltará mui provavelmente para fora do
núcleo, em lugar de penetrar-lhe no interior. Deve ter obser-
vado quando lancei o próton para dentro do núcleo de ouro ter
ele hesitado um pouco antes de entrar, e pensei por um mo-
mento que seria recambiado de volta."
"Que é que impede a entrada aos projécteis ?" perguntou o
snr. Tompkins com interesse.
"Você mesmo poderia tê-lo adivinhado," disse o velho, "se
se lembrasse que tanto o núcleo como os prótons que o bom-
bardeiam carregam cargas positivas. A força repulsiva entre essas
cargas forma uma espécie de barreira que não é fácil atravessar.
Se os prótons procurarem penetrar na fortaleza nuclear, será
somente porque empregam algo de parecido com o cavalo de
Tróia; atravessam a parede nuclear não como partículas mas
como ondas."
"Bem, agora me confundiu totalmente," disse o snr. Tomp-
kins com tristeza, "não entendo uma palavra no que está
dizendo."
"Receava que assim acontecesse," disse o entalhador com
um sorriso. "Para dizer-lhe a verdade, eu sou operário. Posso
fazer tudo isso com as mãos, mas não sou bastante forte em
toda _essa complicação teórica . Contudo, o ponto principal é
que, como todas essas partículas nucleares formam-se de mate-
rial quântico, podem sempre passar, ou antes, escapulir através
de obstáculos considerados impenetráveis."

177
"Vejo agora o que quer dizer!" exclamou o snr. Tompkins.
"Lembro-me que uma vez, pouco antes de encontrar Maud, visi-
tei um lugar estranho no qual bolas de bilhar se comportavam
exatamente pela maneira que descreve."
"Bolas de bilhar? Quer dizer realmente bolas de bilhar feitas
de marfim?" repetiu o velho vivamente.
"Isso mesmo, disseram-me que as fazem das presas de ele-
fantes quânticos," respondeu o snr. Tompkins.
"Bem, assim' é a vida," disse o velho tristemente. "Usam
materiais tão caros para divertimentos e vejo-me obrigado a
entalhar prótons e nêutrons, partículas básicas do ..universo
inteiro, de simples carvalho quântico!
"Mas,'' continuou, procurando ocultar o desapontamento,
"meus pobres brinquedos de madeira são tão bons como todas
essas criações dispendiosas e vou mostrar-lhe como podem
atravessar perfeitamente qualquer espécie de barreira." E, tre-
pando num banco, apanhou na prateleira mais alta uma figura
muito estranha que parecia o modelo de um vukãq.
"O que está vendo aqui," continuou, tirando o pó, ''o é o
modelo da barreira de forças repulsivas em roda de qualquer
núcleo atômico. Os declives exteriores correspond~m à repulsão
elétrica entre as cargas, e a . cratera às forças ~e coesãÓ que
obrigam as partículas nucleares a se .agarrarem umas às outras.
Se agora jogar uma bola declive acima, de maneira, contudo,
que não caia na cratera, naturalmente há de supor que voltará
para trás. Mas veja o que acontece realmente ... " e deu leve
empurrão à bola.
"Bem, nada vejo de incomum," disse o snr. Tompkins, quan-
do a bola, depois de subir até o meio do declive, rolou de volta
sobre a mesa.
"Espere," disse tranqüilamente o velho. "Não deve esperar
que aconteça da primeira vez," e mándou a bola declive acima.
Falhou ainda dessa vez mas na terceira tentativa a bola desa-
pareceu de repente exatamente quando estava a meio caminho
do declive.
"Bem, onde supõe que ela foi?" perguntou o velho triunfan-
temente com ar de mágico.

178
"Quer dizer que ela agora está dentro da cratera?" indagou
o snr. Tompkins.
"Isso mesmo, é exatamente onde se encontra," disse o velho,
apanhando a bola.
"V amos agora operar inversamente," sugeriu, "para ver se
a bola sai da cratera sem passar por cima dos bordos" e atirou-a
novamente no buraco.

1'.q r !I' • ' l 1 •i. 1\\ 1 h1• •

Durante algum tempo nada aconteceu, podendo o snr. Tomp-


kiris ouvir somente o leve zumbido da .bola movendo-se de um
lado para o outro dentro da cratera. Depois, como que por mila-
gre, a bola apareceu repentinamente no meio do declive exterior,
rolando tranqüilamente até a mesa.
"O que está vendo constitui boa representação do que acon-
tece na desintegração alfa radiativa," disse o velho, pondo nova-
mente o modelo na prateleira, "somente, nesse caso, em lugar
da barreira comum de carvalho quântico, temos a barreira de
força elétrica repulsiva. Mas em princípio não existe qualquer
diferença. Por vezes essas barreiras elétricas são de transpa-
rência tal que a partícula escapole em pequena ·fração de segun-
do; outras, são de tal opacidade que são necessários bilhões de
anos, como, por exemplo, no caso do núcleo d? urânio.".
"Mas por que não são radiativos todos os núcleos?" pergun-
tou o snr. Tompkins.
"Porque em muitos o soalho da cratera fica abaixo do nível
exterior, e somente nos i1úcleos mais pesados conhecidos o soa-
lho fica suficientemente elevado para que se torne po5$ível
essa fuga." ·
Difícil será · dizer quantas horas mais o snr. Tompkins passou
na oficina com o bondoso velho entalhador, sempre ansioso para

179
comunicar conhecimentos a quem quer que aparecesse. Viu mui-
tos outros objetos incomuns, e acima de tudo uma caixa cuida-
dosamente fechada trazendo a etiqueta: " Neutrinos". Manuseie
com cuidado e não deixe sair.

"Tem alguma coisa . dentro?" perguntou o snr. Tompkins,


sacudindo a caixa perto do ouvido.
"Não sei," disse o velho. " Há quem diga que sim, outros
não. Entretanto, é impossível ver seja o que for, de qualquer
maneira. É uma caixa fantasiosa que um dos meus amigos teó-
ricos me deu e não sei bem o que fazer com ela. Será melhor
deixá-la onde está por enquanto."

180
Continuando a inspeção, o snr. Tompkins descobriu velho
violino poeirento, parecendo tão antigo que talvez o tivesse feito .
o avô de Stradivárius.
"Toca violino?" perguntou, voltando-se para o entalhador.
"Somente melodias de raios gama," respondeu. "É violino
quântico, só podendo tocar aquelas melodias. Tive há tempos
violoncelo quântico, para melódias óticas, mas alguém o pediu
emprestado e nunca mais o trouxe."
"Está direito, toque-me uma melodia de raios gama," pediu
o snr. Tompkins. "Ainda não ouvi qualquer uma."
"Vou tocar Nucléet em dó sustenido, disse o velho, levando
o violino ao ombro, " mas devo preveni-lo que é bastante triste."
De fato, a música era bastante estranha, diferente de qual-
quer outra que ouvira antes. Notava-se o ruído constante de
ondas despejando-se sobre praias arenosas, interrompido de
tempos em tempos por melodia aguda que lembrava o silvo de
uma bala .. Não se pode dizer fo sse o snr. Tompkins exatamente
musical, mas a ária exerceu sobre ele efeito forte e misterioso.
Estirou-se confortavelmente em uma cadeira de braços e fechou
os olhos ...

181
14

Furos em Nada

SENHORAS E SENHORES:
Hoje vou pedir-lhes atenção toda especial, eis que os proble-
mas que passarei a discutir são por igual difíceis e fascinadores.
Falarei a respeito de novas partículas, conhecidas como pósi-
trons, que possuem propriedades mais do que singulares. É
muito instrutivo observar ter-se profetizado a existência dessas
partículas partindo de considerações puramente teóricas muitos
anos antes de terem sido descobertas, tendo sido a descoberta
empírica em grande parte auxiliada pela antecipação teórica das
suas propriedades principais.
A honra de ter feito semelhante previsão cabe ao físico
inglês P A u L n I R A e, de quem já ouviram falar, o qual che-
gou a essa conclusão partindo de considerações teóricas tão
estranhas e fantásticas que os físicos, em sua maior parte, re-
cusaram nelas acreditar por muito tempo. Pode formular-se a
idéia fundamental da teoria 'de Dirac nestas simples palavras :
"Deve haver furos no espaço vazio." Vejo que estão surpreen-
didos ; bem, assim também ficaram os físicos quando Dirac
pronunciou essas palavras significativas. Como poderá existir
furo no espaço vazio? Será possível compreender? Certamente,
se se admitir que o chamado espaço vazio não é, realmente, tão
vazio como supomos. E, de fato, a essência da teoria de Dirac

182
consiste em supor que o . que cha111amos espaço vazio, ou vácuo,
dispõe realmente de população abundante, composta de número
infinito de eléctrons negativos ordináirios distribuídos por ma~
neira regulM e uniforme. Não será preciso dizer que essa antiga
hipótese veio ao espírito de Dirac como resultado de pura fan-
tasia, mas viu-se mais ou menos forçado a admiti-la em virtude
de certo número de considerações que entendem com a teoria
dos eléctrons negativos ordinários. De fato, a teoria conduz à
conclusão inevitável que, além dos estados quânticos de movi-
mento nos átomos, há também número infinito de "estados quân-
ticos negativos" especiais, que pertencem ao vácuo puro, e, a
menos que se impeçam os eléctrons de passarem para esses
estados "mais confortáveis" de movimento, abandonarão, todos
eles, os próprios átomos e ficarão, por assim dizer, dissolvidos
no espaço vazio. Além disso, como a maneira única de impedir
que um eléctron vá onde quiser é fazer com que esse lugar
particular fique "ocupado" por algum outro eléctron (lem-
brem-se de Pauli) impõe-se ter todos esses estados quânticos no
vácuo inteiramente cheios de uma · ~nfinidade de eléctrons, dis-
tribuídos uniformemente pelo espaço inteiro.
Receio que minhas palavras soem como uma espécie de pala-
vra mágica científica, e não possam compreendê-las exatamente, .
mas o assunto é realmente muito difícil, e somente posso espe-
rar que, se continuarem a ouvir-me atentamente, serão final-
mente capazes de ter alguma idéià da natureza da teoria de
Dirac.
·Bem, seja como for, Dirac chegou à conclusão que o espaço
vazio está cheio de eléctrons, distribuídos em densidade unifor-
me mas infinitamente elevada. Como acontece que não podemos
percebê-los de modo algum, considerando o vácuo como espaço
absolutamente vazio?
. É possível compreender a resposta considerando a posição de
algum peixe de águas profundas nelas suspenso. Imaginará o
peixe que está cercado de água, mesmo que possua inteligência
suficiente para formular semelhante questão?

Estas palavras tirararr o snr. Tompkins de um cochilo em que


caíra logo no começo da preleção. Gostava de pescar e sentiu

183
um sopro de brisa fresca vinda do mar e ouviu o murmuno
gentil das vagas. Mas embora nadasse bem, não podia ficar na
superfície e começou a afundar cada vez mais em direção ao
fundo do mar. Bastante estranhamente, não sentiu falta de ar,
mas, ao ·contrário achava-se bem confortável. Talvez; pensou,
seja efeito de mutação recessiva espeóal.
Conforme os paleontologistas, a vida se originou nos oceanos,
tendo sido o primeiro peixe que saiu para a terra seca o dipneus-
ta, que se arrastou para uma praia, apoiando-se nas barbatanas.
Segundo os biologistas, .esses peixes, que se chamam Neocerato-
dus na Austrália, Protopterus na África, e Lepidosiren na
Améi-ica do Sul, passaram gradativamente a animais moradores
na terra firme, como ratos, gatos e homens. Mas alguns deles,
como as baleias e delfins, depois de aprenderem todas as difi-
culdades na terra firme, voltaram ao oceano. Voltando à água,
conservaram as qualidades adquiridas durante a luta na terra, e

oo
o
o e;
ºo

o
o

P. A. M. Dirac conversa com um delfim

continuram mamíferos, as fêmeas trazendo' a progênle dentro


do corpo .em lugar ele deixar cair caviar para os machos fecunda-
rem depois. Nã'o foi o famoso cientista húngaro chamado L E o
s z I LA R D * quem disse serem os delfins mais inteligentes que
o homem?

* Leo Szilard, The Voice of the Dolphins and Other Stories (Simon
& Schuster, New york 196Í).

184
Estes pensamentos foram interrompidos por uma conversa
que se passava em algum ponto profundo do oceano, longe da
superfície, entre um delfim e um homo sapiens típico que o snr.
Tompkins reconheceu (por uma fotografia que havia visto)
como o físico Paul Adrien Maurice Dirac, da Universidade de
Cambridge.
"Olhe aqui, Paulo/' dizia o delfim, "você afirma que não
estamos ho vácuo mas sim em meio material formado por partí-
culas de massa negativa. No que me diz respeito, a água não é
diferente . de modo algum do espaço vazio ; é inteiramente uni-
forme e posso mover-me livremente em qualquer direção. Ouvi
um meu predecessor contar uma história que a terra firme é,
contudo, inteiramente diferente. H á montanhas e desfiladeiros
que só se podem cruzar com esforÇo. Aqui na água posso mo-
ver-me em qualquer direção."
"Tem razão no caso da água do mar, meu amigo," respondeu
o físico. "A água exerce atrito sobre a superfície do corpo e
se não mover o rabo e as barbatanas não poderá mover-se de
modo algum. Assim também, como a pressão da água mÚda com
a profundidade, pode flutuar para cima ou mergulhar para baixo
expandindo ou contraindo o corpo. Mas se a água não exer-
cesse pressão você ficaria tão desamparado como um astronauta
cujo combustível se esgotasse. Meu oceano, formado de eléctrons
de massas negativas, não produz fricção alguma e, portanto, não
se pode observar. Somente é possível observar a ausência de
um dos eléctrons por meio de aparelhos físicos, visto como a
a
ausência de carga elétrica negativa equivale presença de carga
elétrica positiva, de sorte que até mesmo Coulomb poderia
observá-la.
"Comparando meu oceano de eléctrons com o oceano ordiná-
rio, devemos entretanto estabelecer importante exceção a fim de
não nos deixarmos arrastar para muito longe por essa analogia.
Toda a questão é que, como os eléctrons que formam o meu
oceano estão sujeitos ao princípio de Pauli, é impossível jun-
tar-lhe um único eléctron quando estão ocupados todos os níveis
quânticos possíveis. Esse eléctron extra terá de permanecer aci-
ma da superfície do meu oceano podendo ser facilmente iden-
tificado pelos experimentadores. Os eléctrons descobertos pri-

185
meiramente por Sir. J. J. T H o M s o N, os que circulam cm
torno dos núcleos atômicos, ou os que voam dentro dos tubos de
vácuo, são eléc;_trons em excesso. E até publicar a minha pri-
meira memória em 1930 considerava-se o resto do espaço vazio,
acreditando-se que a realidade física pertence somente aos salpi-
cos acidentais que se elevam acima da superfície da energia
zero."
"Mas," disse o delfim, "se é impossível observar o seu oceano
devido à continuidade e ausência de fricção, de que vale falar
a respeito?"
"Bem," disse o físico, "suponhamos que algumct forma exter-
na levante um dos eléctrons de massa negativa das profundezas
do oceano acima da superfície. Nesse caso o número de eléctrons
observáveis ficará aumentado de um, o que se consideraria vio-
lação da lei de conservação. Mas o furo vazio no oceano do
qual o eléctron saiu poderá agora observar-se, porquanto a
ausência de carga negativa na distribuição uniforme será perce-
bida tanto quanto a presença de igual volume de carga positiva.
Essa partícula de carga positiva também terá massa positiva e
há-de mover-se na mesma direção que a força da gravidade."
"Quer dizer que flutuará para cima em lugar de mergulhar
para baixo?" perguntou o delfim surpreendido.
"Com toda certeza. Tenho certeza de ter visto muitos objetos
afundando, puxados pela força da gravidade: objetos atirados
de bordo de navios ou mesmo os próprios navios. Mas olhe
aqui!" O físico interrompeu-se. "Está vendo estes pequenos
objetos prateados que sobem para a superfície? Causa-lhes o
movimento a força de gravidade, mas movem-se em sentido
oposto."
"Mas são simples bolhas," replicoti o delfim. "Provavelmente
escapolem de algum objeto que co_ptém ar, o qual virou ou que-
brou-se, esbarrando contra os rochedos do fundo."
"Tem toda razão, mas não poderia ver bolhas flutuando no
vácuo. Portanto, o meu oceano não está vazio."
"Teoria muito hábil," disse o delfim, mas será verdadeira?"
"Quando a propus em 1930," disse o físico, "ninguém acre-
ditou. Foi em grande parte devido ao meu próprio engano, por

186
ter sugerido originariamente que essas partículas carregadas
positivamente nada mais eram do que prótons, bem conhecidos
aos experimentadores. Sabe, naturalmente, que os prótons são
1840 vezes mais pesados do que os eléctrons, mas tenho espe-
ranças de explicar, por meio de algum truque matemático, essa
resistência maior à aceleração sob a ação de certa força, obtendo
teoricamente o número 1840. Mas não deu certo, e a massa
material das bolhas no meu oceano resultou exatamente igual à
de um eléctron ordinário. Meu colega Pauli, a quem devo atri-
buir certo sentimento de humor, apregoava por toda parte o
que chamava de "Segundo Princípio de Pauli". Calculava, veja
bem, que, se um eléctron ordinário se aproximasse de um furo
produzido pela retirada de um eléctron do meu oceâno, haveria
de enchê-lo dentro de período de duração desprezível. Assim ,
se o próton de um átomo de hidrogênio for realmente um furo,
ficará imediatamente cheio por mn eléctron ordinário que gire
em torno, e as duas partículas desaparecerãci num relâmpago
de luz - ou _de raios gama, diria. O mesmo aconteceria, natu-
ralmente, aos átomos de outros elementos. Ora, o Segundo
Princípio de Pauli exige que qualquer teoria proposta por um
físico deveria aplicar-se imediatamente à matéria que forma o
corpo dele, de sorte que eu ficaria aniquilado antes de ter a
possibilidade de comunicar a minha idéia a qualquer pessoa.
Exatamente assim !" e o físico desapareceu em brilhante lam-
pejo de radiação."
"Senhor," disse mna voz irritada no mlVido do snr. Tompkins,
"pode ter o privilégio de dormir durante a preleção, mas não
deve roncar. Não posso ouvir uma palavra do que está dizendo
o professor."
E, abrindo os olhos, o snr. Tompkins viu de novo o salão
inteiramente cheio e o professor, que continuou:
Vamos ver agora o que acontece quando um furo em' viagem
encontra um eléctron em excesso que está procurando ~m lugar
confortável no oceano de Dirac. É evidente que, como conse-
qüência desse encontro , o eléctron em excesso fatalmente pene-
trará no furo, enchendo-o, e o físico surpreendido observando
o processo o registrará como aniquilação mútua de um eléctron
positivo e um negativo . A energia liberada na queda será emi-

187
tida sob a forma de radiação de onda curta, e representará o
único resto de dois eléctrons que se entredevoraram como os
dois lobos da história conhecida para crianças.
Mas também se pode imaginar processo inverso no qual um
par que consiste de um eléctron positivo e outro negativo cria-
se do nada, em virtude de poderosa radiação externa. Do ponto
de vista da teoria de Dirac, tal processo consiste simplesmente
na expulsão de um eléctron do seio da distribuição contínua,
e deve considerar-se realmente não como criação mas como
separação de duas cargas elétricas opostas. No diagrama que
agora lhes mostro, estão representados estes dois processos de
criação e aniquilação eletrônica de maneira grosseiramente esque-
mática, vendo-se que nada há de misterioso na questão. Devo

Criação de par Aniquilação de par

juntar neste ponto que, embora falando-se rigorosamente o


processo de criação aos pares possa realizar-se no vácuo abso-
luto, tal probabilidade seria extremamente pequena; pode dizer-
se que a distribuição eletrônica de um vácuo é demasiado suave
para quebrar-se. Por outro lado, na presença de partículas
materiais pesadas, servindo de ponto de apoio ao raio gama que
penetra na distribuição eletrônica, a probabilidade da criação

188
de um par aumenta grandemente, podendo observar-se com
facilidade.
É evidente, porém, que os pósitrons criados pela maneira
que acabamos de descrever não existirão por muito tempo e
em breve ver-se-ão aniquilados em encontro com um dos eléc-
trons negativos que possuem grande superioridade numérica em
nosso canto do universo. Tal o motivo ela descoberta relativa-
mente recente dessas interessantes partículas. De fato, o pri-
meiro relatório sobre eléctrons positivos elaborou-o somente em
agosto de 1932 (publicou-se a teoria de Dirac em 1930) o físico
californiano Carl Anderson que, nos estudos da radiação cós-
mica, achou partículas parecidas sob todos os aspectos com
eléctrons ordinários, sendo a única diferença importante carrega-
rem carga positiva em lugar de carga elétrica negativa. Logo
depois, aprendemos maneira simples para produzir pares de
eléctrons em condições de laboratório, enviando poderoso raio
de radiação de alta freqüência (raios gama radiativos) através
de qualquer substância material.
A primeira das duas figuras projetadas agora na tela é a foto-
grafia tirada por Anderson de um pósitron de raio cósmico,
sendo, digamos de passagem, a primeira representação dessa
partícula feita até então. A faixa horizontal larga que atravessa
a figura é uma chapa espessa de chumbo, colocada pelo meio da
câmara, e a trilha do pósitron vê-se como um arranhão curvo
atravessando a chapa. É curva porque durante a experiência
colocou-se a câmara de nuvem em forte campo magnético com
influência sobre o movimento da partícula . .Empregaram-se a
chapa de chumbo e o campo magnético a fim de determinar o
sinal da carga elétrica carregada pela partícula, o que se pode
fazer tomando por base a seguinte argumentação. Sabemos que
o desvio da trajetória, produzido pelo campo magnético, depende
do sinal da carga da partícula em movimento. Neste caso par-
ticular, colocou-se o ímã de maneira tal que os eléctrons nega-
tivos ficariam desviados para a esquerda da direção primitiva
do movimento que os anima, enquanto os eléctrons positivos
seriam desviados para a direita. Desse modo, se a partícula da
fotografia se movia para cima poderi.a ter tido carga negativa.
Como dizer, porém, que caminho iria tomar? É nesse ponto que

189
a chapa de chumbo atua. Depois de atravessar a chapa, a par-
tícula deve ter perdido parte da energia primitiva, e, em con-
seqüência, deve ser maior o efeito de curvatura do campo mag-
nético. Na fotografia a trilha curva-se mais fortemente sob a
chapa (à prímeira vista é difícil observar, mas revela-se quando
se mede a chapa). Em conseqüência, a partícula movia-se para
baixo, e a carga era positiva.
James Chadwick tirou a outra fotografia na Universidade de
Cambridge, a qual representa o processo da criação de um
par no ar da câmara de nuvem. Forte raio gama, entrando de
baixo para cima, sem produzir qualquer trilha visível na foto-
grafia, produziu um par eletrônico no meio da câmara, e vêem-
se as duas partículas afastando-se uma da outra, desviadas em
direções opostas pelo forte campo magnético. Se observarem
esta fotografia, talvez fiquem admirados porque o pósitron (que
está à esquerda) não fica aniquilado atravessando o gás. A
teoria de Dirac também fornece a resposta a essa pergunta, e
qualquer pessoa que jogue golfe há-de compreendê-la facil-
mente. Se, jogando no gramado, o jogador bate na bola com
demasiada força, ela não cairá no buraco mesmo que a ponta-
ria fosse boa. Realmente, uma bola que se move rapidamente
pulará por cima do buraco e continuará a rolar. De igual ma-

190
neira, um eléctron dotado de movimento rápido não caira no
furo de Dirac senão quando a velocidade ficar consideravelmente
reduzida. Desse modo, é mais provável que um pósitron fique
aniquilado no fim da trajetória quando perde velocidade em
virtude de colisão ao longo da trilha. E, na verdade, observações
cuidadosas mostram que a radiação que acompanha qualquer
processo de aniquilação passa-se realmente no fim da_ trajetó-
ria do pósitron.
Este fato representa confirmação adicional para a teoria de
Dirac.
Restam-n~s agora dois pontos gerais a discutir. Antes de tudo,
tenho-me referido aos eléctrons negativos como transbordamen-
to do oceano de Dirac e aos pósitrons como furos nesse oceano.
Contudo, é possível inverter o ponto de vista, considerando
os eléctrons ordinários como os furos, atribuindo aos pósitrons
o papel de partículas atiradas. Para fazê-lo, basta supor que o
oceano de Dirac não transborda, · mas, ao contrário, existe sem-
pre falta de partículas. Em tal caso, podemos encarar a distri-
buição de Dirac como uma fatia de queijo suíço com uma porção
de furos. Devido à escassez· geral de partículas, os furos exis-
tirão permanentemente, e se uma partícula deixa a distribuição
dentro em pouco cairá novamente em um dos furos. É preciso
dizer, contudo, que as duas figuras são inteiramente equivalentes
do ponto de vista tanto físico como matemático, não havendo
realmente diferença seja qual for a que se escolher.
Pode apresentar-se a segunda questão sob a forma da per-
gunta seguinte: Se na parte do mundo em que vivemos houver
preponderância definida do número de eléctrons negativos, de-
vemos supor que em alguma outra parte do Universo a situação
é inversa? Por outras palavras, o transbordamento do oceano
-de Dirac em nossa vizinhança encontra compensação com a
falta dessas partículas em qualquer outra parte?
Tal pergunta, extremamente interessante, é mui difícil de
responder. De fato, desde que os átomos construídos por eléc-
trons positivos girando em torno a núcleos negativos teriam
exatamente as mesmas propriedades óticas como os átomos
comuns, não haverá maneira de resolver a questão por meio
de qualquer observação espectroscópica. Pelo que sabemos, é

191
muito possível que o material que forma, digamos. a Grande
Nebulosa de Andrômeda, seja desse tipo desordenado, mas o
meio único <ie prová-lo seria arranjar um pouco desse material
e verificar se se aniquila em contato com os materiais terrestres.
A explosão seria terrível, sem dúvida! Recentemente falou-se
da possibilidade de serem formados desse material desordenado
certos meteoritos que explodem na atmosfera terrestre, mas
sou de opinião que não se deve acreditar demasiadamente nessa
hipótese. É muito provável que fique para sempre sem resposta
esta questão do transbordamento do oceano de Dirac em diver-
sas partes do Universo.

192
15

O Snr. Tompkins Prova Refeição Japonesa

NUM FIM DE SEMANA MAUD FOI VISITAR UMA TIA NO YORKSHIRE,


e o snr. Tompkins convidou o professor para jantar em um
restaurante sukiyaki famoso. Sentando-se em almofadas macias
diante de uma mesa baixa, deleitavam~se com todas as iguarias
da cozinha japonesa, enquanto sorviam sakê de taças pequenas.
"Diga-me," começou o snr. Tompkins. "Ouvi outra dia o
dr. Tallerkin dizer na preleção que os prótons e os nêutrons
do núcleo mantêm-se reunidos devido a certa espécie de forças
nucleares. São idênticas às que mantêm os eléctrons no átomo?"
"De modo algum!" respondeu o professor. As forças nuclea-
res são inteiramente diferentes. Atraem os eléctrons atômicos
para o núcleo forças eletrostáticas ordinárias, estudadas pri-
meiramente em detalhe pelo físico francês, e H A R L E s
A u G u s T r N o E e ou L o M B, para os fins do século XVIII.
São comparativamente fracas e decrescem em proporção inversa
ao quadrado da distância ao centro. As forças nucleares são
inteiramente diferentes. Quando um próton e um nêutron se
aproximam um do outro sem entrarem em contato direto, não
há praticamente forças entre eles. Mas logo que entrem em
contato, surge força extremamente forte que os mantém reu-
nidos. É como acontece com dois pedaços de fita adesiva, que
não se atraem um ao outro mesmo a pequena distância, mas

193
(fUe aderem um ao outro como se fossem irmãos logo que há
contato. Os físicos classificam essas forças como de interação
forte. São independentes da carga elétrica das duas partículas,
e igualmente fo rtes eútre um par próton-nêutron, dois prótons,
ou dçis nêutrons."
"Há qualquer teoria que explique essas forças?" perguntou
o snr. Tonipkins.
"Com c_erteza. No princípio da década de 30, III D E K E I
y u K A w A sugeriu serem devidas à troca de certas partí-
culas ainda desconhecidas entre os dois núcleons; núcleon é
o nome coletivo para próton e nêutron. Quando dois núcleons
se aproxim;m um elo outro, es.sas misteriosas partículas come-
çam a saltar de um lado para o outro conduzindo à forte força
de reunião que os mantém juntos. Yukawa pôde avaliar teori-
camente as massas respectivas, que chegavam a ser 200 veze,;
maiores do que a massa de um eléctron ou dez vezes menores
qne a massa de um próton on de um nêutron. Daí chamarem-
nos de mesatrons. Mais tarde o pai de W erner Heisenberg,
professor de línguas clássicas, fez objeções a essa violação do
grego. A palavra eléctron provén1 do grego 'l}ÃeKTpov que sig-
nifica âmbar, enquanto próton se origina do grego 7rpwrov que
significa primeiro. Mas o nome da partícula de Yukawa vem do
grego µÉtTov que significa meio, na qual não existe a letra r.
Assim, em uma reunião internacional de físicos, Heisenberg
propôs mudar o nome mesatron para méson. Alguns físicos
franceses fizeram objeção, porque, independentemente da maneira
de grafar, méson soa como maison, que significa casa em fran-
cês. Mas desprezou-se essa objeção e agora o termo méson
está firmemente aceito. Mas olhem para o palco! Vão começar
a representação de um espetáculo méson."
E, de fato, seis geishas se apresentàram e começaram a repre-
sentar uma cena de bilóoquê, na qual jogavam uma bola de um
lado para o outro entre duas taças que seguravam nas mãos.
Surgiu o rosto de um homem nos fundos cantando :

Recebi o prêmio Nobel por um méson,


Feito cujo valor prefiro diminuir.
Lambda zero, Y okohama,
Eta keon, Fujiyama

194
Rêcebi o prem10 Nobel por um méson.
Propuseram no Japão chamá-lo cie Yukon.
Hesitei, porque sou muito modesto.
Lambda ·zero, Yókohama,
Eta keon, Fujiyama
Propuseram no .Japão chama-lo de Yitkon.

i PJi 1P PJ1' P P J ; 1r .' & 1' Ji 1


for a me•son 1· re-ceived the No-bel Prize, An ach -
.· . . mie. mo/f~

,., S' p IPp s, J>)I J # # Jl; 1;PJJ;Jl.}J'1


1

- ieve-fl)ent 1pre-fer to min·i • mize. l.amb-da ze-ro,Yo-ko-ha-ma, Et-a

'" ~' p l>J'w C,' JUq t'J ~· J>)' p p P } 1J & li


ke-on, fu-ji-ya-ma-for a me-son 1 re-ceived the No-bel Prize.

"Mas por que há três pares de gueixas?" perguntou o snr.


Tompkins.
"Representam três possibilidades de troca de mésons," disse
o professor. "Talvez existam três espécies de mésons: carrega-
dos positivamente, carregados negativamente e eletricamente
neutros. Provavelmente todos os três tomam parte na produção
de forças nucleares."
"Nesse caso existem agora oito partículas elementares,'' dis-
se o snr. Torripkins, contando. pelos dedos: "nêutrons, prótons,
(positivo e negativo), eléctrons positivo e negativo, as três
espécies de mésons."
"Olá! não são oito," disse o professor, "mas quase oitenta.
Primeiramente verificou-se que há duas espécies de mésons :
pesados e leves, designados pelas letras gregas 7r e µ chama-
dos pions e muons. Produzem-se os pions rias frinjas da atmos-
fera, devido ao choque de prótons de energia · muito elevada
contra os núcleos de gases que formam o ar. São, porém,
instáveis, e quebram-se, antes de alcançarem a superfície da
Terra, em muons e - na partícula mais misteriosa de todas
- os neutrinos, que não têm massa nem carga, sendo simples~
mente éa:rregadores de energia. M uons vivem um pouco mais,

195
cerca de alguns micro-segundos, de sorte que procuram chegar
à superfície da Terra e desintegram-se sob os nossos olhos em
eléctrons ordinários e dois neutrinos. Em seguida existem tam-
bém partículas designadas pela l·e tra grega 1C conhecidas por
keons."

Três gueixas praticavam jogo singular de bilboquê

''Que espécie de partículas usaram as gueixas no espetáculo?"


perguntou o snr. Tompkins.
"Provavelmente píons, as neutras, por serem as mais impor-
tantes, mas não tenho certeza. A maior parte das novas partí-
culas, que se descobrem agora quase mensalmente, tem vida
tão curta que, mesmo movendo-se com a velocidade da luz, se
desintegram a poucos centímetros da origem, de sorte que até
os instrumentos que se enviam à atmosfera ·em balões não lhes
acusam a presença.
"Contudo, possuímos agora aceleradores poderosos que elevam
os prótons à mesma alta energia que alcançam nos raios cós-
micos: muitos milhares de milhões de eléctron-volts. Uma des-
sas máquinas, chamada Lawrencetron, está montada aqui perto
nas montanhas e terei prazer em mostrá-la."
Curto passeio de automóvel levou-os a um grande edifício,
que abrigava a máquina aceleradora de partículas. Quando
entrou no prédio, o snr. Tompkins ficou impressionado com a

196
complexi<la<le desse mecanismo gigantesco. Mas, conforme o
professor lhe assegurou, não era mais complicado em princípio
do que a atiradeira de que Davi fez uso p ara matar Golias.
As partículas carregadas entravam para o centro de enorme tam-
bor, e, movendo-se ao longo de trajetórias em espiral, eram ace-
leradas pelos impulsos elétricos alternados, enquanto se con-
servavam alinhadas por meio de poderoso campo magnético.
"Acho que já vi máquina parecida com esta," disse o snr.
Tompkins, "quando visitei o Cíclotron, que costumava chamar-
se de esmagador de átomos, há muitos anos."
"Isso mesmo," disse o professor, "a máquina que viu antes
foi originariamente inventada pelo dr. Lawrence. A que vê
agora baseia-se no mesmo princípio, mas, em lugar de acelerar '
as partículas a vários milhões de volts, pode chegar a muitos
milhares de milhões. Construíram-se ultimamente duas nos
Estados Unidos. Uma está em Berkeley, na Califórnia, e cha-
ma-se Bevatron porque produz partículas com a energia de
bilhões de eléctron-volts. O nome é rigorosamente americano,
porque nos Estados Unidos um bilhão é mil milhõ'es. Na
Inglaterra bilhão significa milhão de milhão e ninguém · nesse
país conseguiu atingir essa meta. O outro acelerador de partí-
culas está em Bookhaven, Long Island, e chama-se Cosmotron,
o que é um pouco exagerado, porque raios cósmicos naturai ~
têm muitas vezes energia mais elevada cio que o Cosmotron pode
fornecer. Na Europa, em Cern (perto de Genebra) construí-
ram-se aceleradores comparáveis a esses doi s americanos. Na
Rússia, não longe de l\foscou, há outra máquina desse tipo.
familiarmente conhecida por Khruschevtron , que provavelmente
agora passará a chamar-se Brezhnevtron ."
Olhando em roda, o snr. Tompkins reparou numa porta que
trazia a tabuleta :

HIDROGfNIO LÍQPJno DE ALVAREZ


E S T A B E L E C I ~[ E N T O B A L N E Á R 1O

"Que é que há ali?" perguntou.


"O Lawrencetron," informou o professor, ,; produz inúmeras
partículas elementares diferentes, de energia cada vez mais ele-
vada, tornando-se necessário analisá-las observando as trajetú-

197
rias e calculando-lhes as massas, períodos de vida, interações e
muitas outras propriedades, como estranheza, paridade etc.
Anteriormente empregava-se a câmara de nuvem, inventada

As partículas multiplicavam-se como coelhos


por C.T .R. Wilson, que recebeu o Prêmio Nobel de 1927.
Naquela época, as partículas rápidas, carregadas, eletricamen-
te, de energia de alguns milhões de eléctron-volts, então estu-
dadas pelos físicos, enviavam-se através de uma câmara coberta
por uma placa de vidro, cheia de ar saturado de vapor de água
quase ao máximo. Quando se retirava o fundo da câmara, o
ar esfriava por expansão, e o vapor ficava super-saturado.
Desse modo, parte do vapor condensava-se em minúsculas gotas
de água. Wilson descobriu que essa condensação de vapor se
processa muito mais rapidamente em roda dos íons, isto é, par-
tículas de gás carregadas eletricamente. Mas o gás ionizava-se
ao longo de trajetórias de projécteis carregados eletricamente
que passavam através da câmara. Assim sendo, as tiras de
nevoeiro, iluminadas por uma fonte luminosa situada ao lado
da câmara, tornavam-se visíveis contra o fundo pintado de pre-
to da câmara. Devem lembrar-se de ter visto essas fotografias
na preleção anterior.

198
"Agora, no caso de partículas de raios cósmicos, com ener-
gias mil vezes maiores do que as que usamos no estudo antc-
ríor, a situação é diferente por serem as trilhas tão longas que
as câmaras de nuvem cheias de ar são demasiado pequenas para
permitir acompanharem-se as trilhas do começo ao fim, somente
podendo observar-se pequena parte do quadro inteiro.
"Jovem físico americano, no N A L D A. G L A s E R, que rece-
beu o Prêmio Nobel em 1960, deu recentemente grande passo à
frente. Conforme conta, estava uma vez sentado taciturno em
um bar, observando as bolhas que subiam pelo gargalo da gar-
rafa de cerveja que estava em cima da mesa. Bem, pensou de
repente, C. T. R. Wilson pôde estudar as gotinhas de líquido
em gás, por que não seria melhor estudar bolhas de gás em líqui-
dos? Não vou discutir detalhes técnicos," continuou o professor,
"e as dificuldades que se encontram no projeto do dispositivo;
tudo passaria completamente por cima da cabeça de todos os
ouvintes. Mas aconteceu que, a fim de funcionar conveniente-
mente, o líquido dentro cio que agora chamamos câmara de
bolhas tinha de ser hidrogênio líquido, cuja temperatura é
cerca de cinco vezes e meia cem graus Fahrenheit abaixo do
ponto de congelação da água. Na sala ao lado encontra-se gran-
de receptáculo construído por Louis Alvarez cheio de hidrogê-
nio líquido; chamam-no geralmente de Banheira de Alvarez.
"Arre ... " exclamou o snr. Tompkins, "é um pouco frio
para mim!"
"Mas não precisará entrar nela. Bastará observar as traje-
tórias das partículas através de paredes transparentes."
A banheira estava funcionando como sempre, e as máquinas.
fotográficas de lampejos em roda tiravam uma série contínua
de chapas. A banheira estava colocada dentro de grande ímã
que curvava as trajetórias para permitir a avaliação da veloci-
dade do movimento.
"Gastam-se somente alguns minutos para produzir uma foto-
grafia," disse Alvarez, "o que dá um total de algumas centenas
por dia, contanto que o aparelho não se desarranje. É preciso
inspecionar cuidadosamente cada fotografia, e analisar cada tri-
lha, medindo-lhe cuidadosamente a curvatura. Pode gastar-se de
alguns minutos até uma hora, dependendo do grau de interesse

199
da fotografia, e da rapidez com . que a analista realiza o
trabalho."
"Por que disse a analista?" interrompeu o snr. Tompkins.
"Essa ocupação é simplesmente feminina?" ,
"Não," disse Alvarez, "muitos desses auxiliares são rapazes.
Mas nessa espécie de atividade empregamos a palavra rapariga
independentemente do sexo, simplesmente como unidade de efi-
ciência e precisão. Quando se diz dactilógrafa ou secretária *
pensa-se numa mulher e não num homem. Bem, para analis::.r
aqui mesmo todas as fotografias obtidas nesse laboratório pre-
cisaríamos de centenas de moças, o que constituiria um pro-
blema. De sorte que enviamos as fotografias, em grande parte,
a outras universidades que não dispõem de recursos suficien-
tes para construir Lawrencetrons ou Banhos de Bolhas, mas
têm meios para adquirir dispositivos destinados a analisar
fotografias."
"É esta a única instituição que realiza este trabalho?" per-
guntou o snr. Tompkins.
"De modo algum! Existem máquinas semelhantes no Labo-
ratório Nacional de Brookhaven em Long Island, Nova York
e em Cern (Corporation Europeénne ele Récherche Nucléaire),
Laboratório dos arredores de Genebra na Suíça, e no Labora-
tório Shchelkunchik (Quebra-Nozes) perto ele Moscou. Todos
procuram agulha em palheiro, e vez por outra descobrem uma!"
"Mas por que se faz todo esse trabalho?" perguntou o snr.
Tompkins surpreendido.
"Para achar novas partículas elementares, o que é mais difi-
ci1 do que encontrar agulha em palheiro e para estudar a inte-
ração entre elas. Vê-se aqui, pendurado contra a parede, um
quadro das partículas, que contém maior número delas do que os
elementos no sistema de Mendeleev."
"Mas por que fazer tais esforços somente para achar novas
partículas?" perguntou o snr. Tompkins.
"Bem, é a Ciência," respondeu o professor, "o esforço do
espírito humano para compreender tudo o que nos cerca, sejam
gigantescas galáxias estelares, bactérias microscópicas, ou essas

* A observação só faz sentido em inglês. N. do T.

200
Antibários
,-----"---.,
Mésons Bár ios ·
Escala das Carga r-cârga'
massas (Mev)_2 _ 1 0 +i -/ ô +/ _,carga,_, -i..Q. S1mbolo e massa
.2,ooo ~-...----+---,.- exata em repouso
1,900 t.. t:. (1.no)
1 /\ ( l,'i Is- )
l,i OD ·

1,700 N( l,~iB)
'~1 iB ) '
1) !2 (l,~ 7 ')
1 - ·' !"·.,.,·;.;.;~
·.-..,,,
. - ~---1--1 ~+--+--t-----1- L ( 1, &~O)
J.!, OD
:=: r 1 no)
/'I ( /, S2 0)
1,.>00 ('/ ( /.S 12-)
/\ (1, 4 0S)
1.'t oo r. ( 1,3gs)
ct> li ( 1, 11~)
1,>00
YJ ( /, ~ 50)
·D <l ( 1 uV)
1. 200 < !U

r /\ (1,11>)
1,100
( ( / Ol.ô)
1,000
N f 9 , 9 > Nêutron
l':, cml) P ró ton
/~%~t{:f ·~
'.~~ ik:? CP
700 --t--+--+--t-[·~:$
;~~{{~~-t--11
Goo -+--+---+--H 01~
.,-~,~,.~
- --t-~---"""1--

:;oo -+--+---+--H
\: :~{~\·~ =
·\&H N l-+-+-----1--t-
400 -+--+----+-----1-i ~--1-----t----+-;

:zoo íl -t (l4c )
t.. •li 1;-•( 137)
100 /< ( 1•7)

ú
1 1
• 1 l
'-------.--'
1 e (o .s q ' Eléctr:on
.,, r ~ º J Neutnrn~
Antiléptons · Noonons Léptons rc" o ) Quantum
de luz
1'.lais complicado que o . quadro de Mende leev ! (Segundo G. F. Chow,
M. Gell -1Jann e A. H . Rosenfeld, em Scientif ic A merican, fevereiro
de 1964.)

201
partículas elementares. 11 interessante e excitante, e por isso . o
fazemos."
"Mas o desenvolvimento da Ciência não tem em mira fins
· práticos por meio do aperfeiçoamento do conforto e bem-estar
de todos?''
"Sem dúvida que assim é, mas esse fim é tão-só secundário.
Acha que o principal objetivo da música é ensinar aos corneteiros
a acordar os soldados de manhã cedo, chamá-los para as refei-
ções ou dar-lhes ordem para entrarem em combate? Dizem a
curiosida,de mata o gato ; digo a curiosida,de fa.z o cientista."
E com estas palavras o professor desejou boa noite ao snr.
Tompkins.

202
Este livro foi impresso a partir de
fotolitos fornecidos pelo cliente,
pela Ferrari Editora e Artes Gráficas
em Novembro de 2006

Você também pode gostar