A Pratica Pedagógica Do Educador Cristão
A Pratica Pedagógica Do Educador Cristão
A Pratica Pedagógica Do Educador Cristão
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RESUMO
Qual a aplicabilidade da parábola do semeador à educação cristã e seus dilemas nos
dias de hoje? Neste artigo, tecemos algumas considerações relativas à prática do educador
cristão, mais especificamente aquele voltado para o ensino superior. Após o esclarecimento
de certos conceitos essenciais para a compreensão dos princípios norteadores da educação
cristã, estaremos comparando os princípios identificados na parábola do semeador narrada
por Jesus, de acordo com os relatos bíblicos, com outros trechos da Bíblia que os corrobo-
ram. Além de oferecermos princípios norteadores da prática pedagógica, convidamos o lei-
tor, a modo de conclusão, a desenvolver o hábito de reflexão sobre a sua prática, a partir da
leitura e aplicação de textos bíblicos tão ricos quanto este à educação.
PALAVRAS-CHAVE:
Educação cristã, parábola do semeador, seminário, princípios norteadores, perspecti-
va cristã.
INTRODUÇÃO
O presente artigo baseia-se em reflexões tecidas durante as aulas de fi-
losofia e didática com mestrandos em Teologia do Centro Presbiteriano de
Pós-Graduação Andrew Jumper (CPPGAJ). Como motivador inicial, propu-
semos a leitura da narrativa da parábola do semeador, que se encontra regis-
trada nos Evangelhos (Mt 13.1-9, Mc 4.1-9 ou Lc 8.4-8). Não pretendemos
* Doutora em Filosofia da Educação pela Universidade de São Paulo, editora responsável pela
Revista Fides Reformata et Semper Reformanda Est e docente da Graduação e Pós-Graduação da
Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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GABRIELE GREGGERSEN, A PRÁTICA PEDAGÓGICA DO EDUCADOR CRISTÃO
I. CONCEITOS PRINCIPAIS
Consideramos necessário, antes de mais nada, esclarecer o que vem a
ser uma “parábola”. De acordo com um dicionário bíblico, a parábola é um
tipo de figura de linguagem que envolve:
[...] “pôr coisas lado a lado” e se assemelha à palavra “alegoria”, que por sua deri-
vação significa “dizer as coisas de maneira diferente”. O objeto de ensino por pará-
bolas e alegorias é o mesmo. Visa iluminar o ouvinte, apresentando-lhe ilustrações
interessantes, de onde possa concluir por si mesmo a verdade moral ou religiosa. O
valor de tal método é duplo. Primeiramente torna muito mais fácil a assimilação da
verdade[...]; e, em segundo lugar, a verdade assim aprendida fixa-se com mais faci-
lidade na mente e na memória, pois, ao tirar suas próprias deduções pelas ilustra-
ções, o aprendiz em realidade está ensinando a si mesmo (Douglas, 1962, p. 1.200).
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mente pela palavra “parábola”, visto que essas palavras parecem ser sinônimas
nessa passagem. Por outro lado, em Jo 16.25 o mesmo vocábulo paroimia é tradu-
zido como “figuras”; neste caso o termo parece que é empregado no sentido da Sep-
tuaginta, onde traduz a palavra hebraica mãshãl, que significa uma afirmação difí-
cil de ser compreendida, que exige explicação esclarecedora. Essa tradução com
“figuras” é acertada, pois é verdade que em João não existem parábolas, enquanto
que Jesus usa muitas descrições “figuradas” ou alegóricas sobre si mesmo [...]
(Douglas, 1962, p. 1.203).
[...] o machal abrange todas estas categorias e muita coisa mais, sem nenhuma dis-
tinção. O machal hebraico e o mathla aramaico designavam mesmo no judaísmo
pós-bíblico, sem que se possa fazer um quadro esquemático, toda sorte de lingua-
gem figurada: parábola, comparação, alegoria, fábula, provérbio, revelação apoca-
líptica, dito enigmático, pseudônimo, símbolo, figura de ficção, exemplo (tipo),
motivo, argumentação, apologia, objeção, piada. Em correspondência tem a palavra
grega parabolé no Novo Testamento o sentido tanto de parábola, como de compa-
ração [...] (Jeremias, 1986, p. 13).
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tes” (idem). Ora, todos esses sentidos nos fazem refletir sobre os rumos que
vem tomando a prática de ensino dos educadores cristãos no nível de ensino
superior, enfoque deste presente artigo.
E se considerarmos ainda o fato de que a palavra “seminário” nos reme-
te à idéia de semear, temos aí já estabelecida a articulação entre a parábola
do semeador e o papel do educador, dando-nos a idéia de um processo ativo,
gerador e multiplicador de vida, que demanda, muito além de uma técnica e
instrumentos adequados, o máximo de cuidado, empenho e cultivo. Todo
semeador, para fazer um bom trabalho, deverá ser zeloso desde o preparo do
terreno até a escolha de onde lançar a sua semente.
Sem pretendermos nos estender a respeito desse outro conceito essen-
cial, é interessante notar, nesse sentido, que a palavra cultura, por coincidên-
cia ou não, significa precisamente algo gerado a partir do cultivo de um saber
formador da pessoa humana, ou seja, da educação. E, se estamos falando de
educação cristã, certamente teremos motivos ainda maiores para fomentar a
cultura rumo à ampliação de conhecimentos e à formação do caráter ou da
pessoa humana dotada daquelas virtudes, que distinguem o ser humano (cf.
Cl 3.12 et seq.).
Todo esse cuidado do bom agricultor ou jardineiro comprometido em
semear e fomentar a vida pode, assim, ser comparado ainda àquele de uma
mãe amorosa que se dedica aos seus filhos. A analogia entre o papel do pro-
fessor e o da mãe é certamente a mais conhecida. Desde a maiêutica de
Sócrates, muitos pensadores têm se valido dela para dar conta desse concei-
to tão vasto e multifacetado que é a educação. Para o grande educador Pes-
talozzi, não bastava ser meramente um “professor”, era necessário ser um
educador, ou seja, alguém que se dedica amorosamente à formação e cresci-
mento de outrem com cuidados de mãe. O educador, para além do professor,
acumulava ainda o papel de “irmão” ou “da família”. Somente nesse ambien-
te de cooperação e intimidade familiar tal educador terá o privilégio de
colher os melhores frutos:
Assim, como, sob os olhos da mãe, o irmão mais velho e mais capaz mostra agil-
mente o que sabe a um irmão mais novo e sente-se orgulhoso e contente de fazer o
papel da mãe, assim também se alegravam as minhas crianças em ensinar aos outros
o que sabiam. Acordava nelas seu sentido de honra, elas mesmas aprendiam dupla-
mente quando falavam de novo o que as outras deveriam repetir. Assim, rapidamen-
te obtive auxiliares e colaboradores entre as próprias crianças [...] Eu mesmo apren-
dia com eles (Incontri, 1996, p. 157).
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Eis que o semeador saiu a semear. E, ao semear, uma parte caiu à beira do caminho,
e, vindo as aves, a comeram. Outra parte caiu em solo rochoso, onde a terra era
pouca, e logo nasceu, visto não ser profunda a terra. Saindo, porém o sol, a quei-
mou; e, porque não tinha raiz, secou-se. Outra caiu entre os espinhos e os espinhos
cresceram e a sufocaram. Outra, enfim, caiu em boa terra e deu fruto; a cem, a ses-
senta e a trinta por um. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça (Mt 13.1-9).
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ele certamente tinha em mira: o campo. Portanto, a ação que está em maior
destaque aqui é contínua ou gradativa e planejada, ou seja, intencional e
com rumo certo, ainda que não necessariamente sistematizado.
Fazendo uma analogia com o caso do professor, poderíamos até criar
paráfrases a esse texto, do tipo: “Eis que o professor saiu, à sua revelia, a des-
pejar conteúdos aleatórios sobre a cabeça dos seus alunos”. Essa certamente
seria uma interpretação enganosa e até contrária à moral contida na parábo-
la. Por mais que o semeador tenha de fato espalhado a semente de forma um
tanto assistemática, ele certamente estava de olhos bem abertos, tão cons-
ciente de onde jogava a sua semente que até calculava com que frutos have-
ria de contar (“ a cem, a sessenta e a trinta por um”, Mt 13.8 e 23). Ele sabia
muito bem da variedade de tipos de terreno que iria encontrar pelo caminho
e sabia como aproveitar esta heterogeneidade para obter melhores resultados.
Além da falta de rumo e de motivação, um dos grandes problemas que
os educadores de hoje têm enfrentado, particularmente no ensino superior, é
a massificação e a incapacidade de valorizar as diferenças e de aproveitá-las
para a obtenção de resultados cada vez melhores. Esses problemas se devem,
sobretudo, a uma “surdez” por parte dos educadores e dos responsáveis pela
educação, que perderam a capacidade de simplesmente “ouvir” a realidade
que está à sua volta. Nesse sentido, a parábola do semeador nos propõe uma
moral riquíssima, muito bem explicitada por outro eminente pensador e edu-
cador cristão, João Calvino:
Cristo explica a parábola aos seus discípulos de forma simples e sem uma moral
explícita; mas, de acordo com Marcos, ele os está reprovando indiretamente por
estar sendo tão tardos na sua capacidade apreensiva, pois todos os que pretendem
ser professores de todos não deveriam passar por cima dos outros. A verdade evan-
gélica veiculada aqui é que a doutrina do Evangelho, se espalhada como uma
semente, nem sempre será frutífera, pois ela nem sempre cai em um terreno fértil e
bem cultivado.1
1
Calvin, Commentary on a Harmony of the Evangelists. Grand Rapids: 1979, 113-114., v. 1. Tra-
duzido pelo autor).
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Para que possamos extrair os maiores benefícios dessa advertência, devemos ter em
mente que ele não está se referindo àqueles tolos, que abertamente rejeitavam a
palavra de Deus, simplesmente descrevendo as pessoas que dão provas de alguma
docilidade.2
Essa livre disposição para buscar e dar ouvidos à verdade, tão necessá-
ria para professores e alunos, particularmente aos que convivem em um meio
acadêmico, é uma virtude essencial, inclusive para o pesquisador. Antes de
qualquer trabalho acadêmico, é importante que ele conheça bem o campo em
que está ingressando e que se esforce ao máximo para estar livre de qualquer
viés ou interesse pessoal ou ideológico. Por outro lado, nenhum pesquisador
deve tratar o seu tema de modo acrítico ou aleatório, como se pudesse assu-
mir uma posição de neutralidade. É importante que ele explicite seus pressu-
postos da forma mais honesta possível, observando ambos os lados da críti-
ca: o de não deixar passar nada que seja passível de refutação; e, ao mesmo
tempo, o de não deixar nada de fora, isto é, dar espaço à liberdade de pen-
samento e Ter abertura para a totalidade do real.4
Essa atitude de docilitas, ou seja, de mansidão, cuidado e zelo incenti-
va o semeador a cumprir o seu papel e o compromisso de semear. Com isso
ele prova ser um bom profissional, ou seja, uma pessoa que segue a sua voca-
2
Idem, p. 114.
3
Raúl C. G. Fernandes, Reflexões sobre o estudo da Idade Média. [on line] Disponível: http://www.
hottopos.com.br/videtur6/raul.htm [capturado em 28 nov. 2001]
4
Cf. Pieper, Dois modos de ser crítico, In: Lauand, Oriente e Ocidente: filosofia e arte. Trad.
Gabriele Greggersen, 1994, p. 40-43.
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ção arcando com todos os seus riscos. Trata-se de alguém consciente e dis-
posto a aceitar o fato de que cada tipo de terreno que vier pela frente tem a
sua característica própria, mas que nenhum deles deve ser desprezado. O
profissional que não desenvolve essa consciência da realidade terá dificulda-
de de aceitar os terrenos que não lhe sejam convenientes, entrando em um
ciclo vicioso de rebeldia, irresponsabilidade, descaso e desesperança. Ele tam-
bém terá dificuldades extremas de se adaptar a mudanças.
Ao contrário do que pode pensar esse tipo de profissional, a varieda-
de de solos, ou, no caso do educador, de alunos que vêm pela frente não é
um obstáculo em si, mas algo que se reverte em benefício se ele souber
adaptar-se a essa realidade diversificada. Não se podem, em nome de uma
pseudodemocracia ou tolerância colocar todos os alunos no mesmo nível
e desprezar as suas diferenças. Uns necessariamente darão mais frutos do
que outros. E isso não se pode atribuir, de forma reducionista, ao chama-
do “currículo oculto” ou “profecias auto-realizadoras”, expressões já tão
desgastadas da terminologia pedagógica. As diferenças e desigualdades
que encontramos em sala de aula não podem ser atribuídas meramente aos
pressupostos e predisposições implícitos na postura do professor em re-
lação ao aluno, ou às desigualdades socioeconômicas e culturais entre os
alunos. Também não se podem reduzi-las a diferenças de inteligência,
mesmo se considerarmos as concepções mais recentes e ampliadas do que
seja isso. Se atentarmos para a realidade das coisas, notaremos que as
diferenças estão implícitas no ser humano e na sua história e só podem ser
consideradas algum obstáculo se partirmos de uma concepção mecaniza-
da ou massificada do homem, ou se negarmos a própria concepção de na-
tureza humana.
Mas, se partirmos de uma sólida antropologia filosófica – um conceito
de natureza humana –, diversificada e única, encararemos as diferenças
como naturais e trataremos o aluno como um ser dotado de dignidade e liber-
dade de ouvir e responder à semente lançada, ou não. Nesse sentido, é inte-
ressante resgatar outro termo que já se tornou comum nos meios pedagógi-
cos, o chamado feed-back.
Uma vez lançada a semente, é chegada a hora de aguardar a respos-
ta que o solo dará. Nem sempre o feed-back será o desejado, como Jesus
mesmo costumava formular ao final de suas parábolas “quem tem ouvidos
para ouvir, ouça”.5 Ou seja, nem todos têm “ouvidos para ouvir”. Não é para
menos que a importância de desenvolver a capacidade de ouvir é reiterada
tantas vezes no Antigo Testamento, não menos do que no Novo Testamento,
5
Somente no evangelho de Mateus registramos três casos Mt 11.15; 13.9 e 13.43.
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Veja, por exemplo, Mt 23.27, quando Jesus responde da maneira mais clara possível contra a
religiosidade hipócrita que imperava entre os fariseus da época.
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Lança o teu pão sobre as águas, porque depois de muitos dias o acharás. Reparte
com sete e ainda com oito, porque não sabes que mal sobrevirá à terra. Estando as
nuvens cheias, derramam aguaceiro sobre a terra; caindo a árvore para o sul ou para
o norte, no lugar em que cair, aí ficará. Quem somente observa o vento nunca
semeará, e o que olha para as nuvens nunca segará. Assim como tu não sabes qual
o caminho do vento, nem como se formam os ossos no ventre da mulher grávida,
assim também não sabes as obras de Deus, que faz todas as coisas. Semeia pela
manhã a tua semente e à tarde não repouses a mão, porque não sabes qual prospe-
rará; se esta, se aquela ou se ambas igualmente serão boas. Doce é a luz, e agradá-
vel aos olhos, ver o sol. Ainda que o homem viva muitos anos, regozije-se em todos
eles; contudo, deve lembrar-se de que há dias de trevas, porque serão muitos. Tudo
quanto sucede é vaidade (Ec 11.1-8).
Essa disposição de quem sai a semear, até mesmo no mar, e que está
disposto a “dividir” o seu conhecimento enquanto é tempo, sabendo muito
bem do risco envolvido nesse seu empreendimento e de como obter os
melhores resultados, é a melhor atitude que um educador pode adotar. Pois,
em última instância, no campo educacional, por mais bem preparados que
possamos estar, nunca saberemos exatamente onde estamos pisando.
O referido trecho do Antigo Testamento nos faz lembrar, ainda, da limi-
tação da sabedoria humana e, portanto, do seu saber, consciência essa que
falta a muitos docentes universitários que se fiam no seu saber. Nesse senti-
do, é importante notar, ainda, que, apesar do sofrimento que a consciência da
ignorância e dos mistérios que a realidade nos reserva, parece haver um prin-
cípio maior por trás desse aparente caos.
Se atentamos para a realidade com atitude de docilitas, aprenderemos a
colher muito mais frutos bons do que fracassos. Para além das dificuldades
e riscos, a realidade nos reserva surpresas que nos motivam e retroalimen-
tam. Todos concordam que a grande vantagem do educador é a gratificação
que sente ao vislumbrar o fruto que poderá ser gerado. Como já dizia outro
grande educador cristão, São Tomás de Aquino, para formar o ser humano
completo não basta desenvolver as virtudes cardeais da ética clássica, quais
sejam, a justiça, a fortaleza, a temperança e a sabedoria. É preciso comple-
mentá-las com a dimensão transcendente, com as chamadas virtudes teolo-
gais, cunhadas por e resgatadas por C. S. Lewis (1997, p. 152), quais sejam,
a fé, a esperança, sendo o amor a maior de todas.
Essas mesmas virtudes fornecem sólidas diretrizes para orientar o edu-
cador em um mundo dominado pelo ceticismo, pela descrença, pela insegu-
rança e pela ignorância. Por paradoxal que possa parecer, somente quando nos
damos conta dos nossos próprios vícios e limitações é que passamos a resga-
tar a fé na vida e nos motivamos a buscar a superação. Enquanto achamos que
vencer os obstáculos é uma questão de tempo, fechamos os ouvidos para a
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Segundo a graça de Deus que me foi dada, lancei o fundamento como prudente
construtor; e outro edifica sobre ele. Porém cada um veja como edifica. Porque
ninguém pode lançar outro fundamento, além do que foi posto, o qual é Jesus
Cristo. Contudo, se o que alguém edifica sobre o fundamento é ouro, prata, pedras
preciosas, madeira, feno, palha, manifesta se tornará a obra de cada um; pois o
Dia a demonstrará, porque está sendo revelada pelo fogo; e qual seja a obra de
cada um o próprio fogo o provará. Se permanecer a obra de alguém que sobre o
fundamento edificou, esse receberá galardão; se a obra de alguém se queimar,
sofrerá ele dano; mas esse mesmo será salvo, todavia, como que através do fogo
(1 Co 3.10-15).
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serva Wilson. De acordo com ele, uma educação cristã ou funda-se na ver-
dade, por mais dura que ela seja, ou é absurda. E, se partirmos de uma rea-
lidade decaída, ela também será uma educação, por princípio, reconstrutora
da realidade, transformando a limitação humana em meio para cumprir os
planos de Deus:
Uma educação cristã, disposta a cumprir com o seu propósito almejado, não deve
encarar a queda de Adão como algum obstáculo incidental que esteja obstruindo o
caminho do verdadeiro aprendizado. O que precisamos reconhecer é que uma edu-
cação, por mais divina que seja, é sempre realizada por seres humanos pecamino-
sos, e que o maior objetivo dessa educação é o de “consertar o que foi destruído”.
Isso não quer dizer que esse reparo acontecerá exclusivamente com base nos nos-
sos esforços educacionais. Só Deus pode reconstruir ruínas.7
7
Douglas Wilson, Recovering the Tost Tools of Learning, Wheaton: Crossway Books, 1991, p. 74.
(Traduzido pelo autor).
8
A luta pela sobrevivência da espécie humana é precisamente o que norteia a obra de Lewis, The
Abolition of Men, que serviu de ponto de partida para o autor supracitado (cf. Lewis, 1955).
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Cf. Lc 4.21; Hb 13.8; Is 45.21; 1 Co 15.17, entre outros.
10
John Calvin, Commentary on a Harmony of the Evangelists, Grand Rapids: 1979, 113- 144, v.
1. (Traduzido pelo autor).
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6.33). Ele também esclarece àquele jovem rico que o que vale mais do que
todas as riquezas e está acima de toda a lei é o princípio do amor a Deus e
ao próximo como a si mesmo.11
Daí a importância de os cristãos resistirem a tantos apelos à que estão
expostos no cotidiano, procurando aliená-los e desviar sua atenção do que
é o propósito mais importante de suas vidas. Essa tentação é particularmen-
te forte nos meios intelectuais. Como podemos ver nesses exemplos, Deus,
que conhece o homem mais do que ninguém, procura nos advertir por meio
da Bíblia para nos proteger dos incontáveis “substitutos” (Ersatz) para o
que realmente interessa nesta vida. Por isso é que consideramos a capaci-
dade de manter as prioridades certas um dos maiores desafios na vida do
educador de hoje, pois o que prioriza é o que o educador usa como critério
para a tomada das suas decisões mais importantes. Entre as conseqüências
da falta de prioridades certas, podemos citar a dificuldade de selecionar
conteúdos, a indecisão e insegurança diante de grandes dilemas da educa-
ção, a incapacidade de planejamento e, principalmente, o medo. Grande
parte da crise da educação de hoje pode ser atribuída a essa carência de cri-
térios claros para a distinção entre o urgente e o que pode esperar, além de
grandes educadores cristãos, que sirvam de exemplos vivos para eles (cf. 1
Ts 5.21).
11
Cf. Mt 2:37-39. Veja ainda Mt 23.26.
12
Cf. ainda 1 Pe 3.15 e Jo 8.43.
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tância, é libertador. Diz-se que a liberdade é algo que todo ser humano busca,
mas que ninguém consegue definir muito bem. A Bíblia narra a história de
um Deus que foi tão amoroso que optou por conceder o livre-arbítrio à sua
criatura, assumindo todos os riscos implicados nisso. Daí que o maior mis-
tério para o homem seja esse amor que Deus demonstra pelo homem, dando-
lhe a consciência e o livre-arbítrio. Quanto ao conceito bíblico de liberdade,
podemos nos remeter às cartas de Paulo e Timóteo ao seu colaborador File-
mon (Fm 1.8ss.), e de Paulo à igreja de Corinto (1 Co 6.12) e aos Romanos
(Rm 8.21).
Porque, pela graça que me foi dada, digo a cada um dentre vós que não pense de si
mesmo além do que convém; antes, pense com moderação, segundo a medida da fé
que Deus repartiu a cada um (Rm 12.3).
Por outro lado, não basta tecer planos. É preciso, para além disso, ter a
coragem de arriscar colocá-los em prática: “Porque Deus não nos tem dado
espírito de covardia, mas de poder, de amor e de moderação”. (2 Tm 1.7).
Aplicando isso à sua realidade específica, vivida em uma universidade
confessional nos Estados Unidos, o Calvin College, Byker comenta como
aprendeu a conviver com a tensão normalmente gerada por práticas pedagó-
gicas, “inovadoras” como a das parábolas, em um ambiente acadêmico:
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na vida e na morte, ao meu fiel Salvador Jesus Cristo”. Essa questão aparentemente
moderna, e sua resposta cristã histórica, mostra que nós temos e necessitamos de um
só ponto de referência exclusivo. E graças a esse firme ponto de referência é que
estamos livres para vivenciar as parábolas de Jesus, como personagens vivos.13
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Inúmeras outras passagens bíblicas poderiam ser citadas para funda-
mentar os princípios presentes na parábola do semeador, norteadores da edu-
cação cristã. Pautados por uma parábola tão simples como essa, vemos a coe-
rência e riqueza da Bíblia como referencial do educador. Resta-nos, agora,
convidar o leitor para aventurar-se em outros ensaios como este. Com isso,
estaremos dando mostras de um sincero interesse pela melhoria da educação
em geral, e particularmente nos seminários, que certamente também se arti-
culam intimamente com a concepção de educação usualmente adotada pelas
igrejas, na família e pelo próprio governo.
Assim, certamente estaremos fazendo alguma diferença nesse campo
tão árido e carente de boas sementes, que é o da educação cristã nos dias de
hoje. Afinal, é praticamente impossível ignorar o maior norte que temos na
Bíblia e que nos é dado pelo nosso próprio mestre:
Amarás pois o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo
o teu entendimento e de toda a tua força [...] Amarás o teu próximo como a ti
mesmo. Não há outro mandamento maior do que estes (Mt 12.30-31).
Eis aí, ao final dessa nossa análise do texto bíblico, uma bela síntese da
postura que devemos adotar, para sermos cada vez melhores semeadores da
educação cristã nos mais diversos e difíceis terrenos para os quais Deus tem
nos enviado.
REFERÊNCIAS
13
Gaylen J. Byker, The Embarrassment of Riches, in: Ronald A. Wells, Keeping Faith: Embra-
cing the Tensions in Christian Higher Education, Grand Rapids: Eerdmans, 1996, p. 13. Traduzido
pelo autor.
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ABSTRACT
Which is the possible applicability of the Parabel of the Sower to Christian
Education and its today´s dilemas? In this article, we intend to trace some key ideas,
concerning the pedagogical practice of Christian educators, more specifically of
those envolved in academic environments. After the clarification of certain essential
concepts for the understanding of routing principles of the Christian educational area,
we will be comparing those principles, identified in the Parable of the Sower that was
told by Jesus, as per the biblical report, with other examples from the Bible, which
corroborate them. Further more, besides presenting some routing principles for the
pedagogical practice, as a conclusion, we are inviting the reader to develop his own
reflections about his pedagogical practice, based on the reading and application of
biblical texts as rich as this for aplications to the educational area.
KEYWORDS
Christian education, parable of the sower, seminary, routing principles, christian view.
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