Metafísica
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Aula de Metafísica
Prof. Luiz Gonzaga de Carvalho
Tales de Carvalho
Luiz: Num certo sentido, é claro que é legítimo dizer que tudo está
determinado por Deus. Porque Deus conhece todas as coisas, Ele criou todas as
coisas, Ele tem o domínio completo delas. Mas note esta palavra, completo: sempre
que se faz uma contraposição com Deus e não-Deus as medidas nunca são exatas, e
é aí que as pessoas sempre se confundem. Por quê? Deus é absoluto, e, por um lado,
Deus é absolutamente o que Ele é. Então, num certo sentido, Ele também está
predeterminado, por Ele mesmo! Mas, ao mesmo tempo, por causa do que Ele é,
Ele é absolutamente livre. Deus é difícil de entender assim, Ele é absolutamente
imutável e é absolutamente livre. E as coisas? Elas são totalmente determinadas por
Deus. Mas elas não são absolutamente determinadas, porque não são absolutas. A
palavra determinação tem um sentido quando aplicada a Deus e outro sentido
diferente quando aplicado às coisas.
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conhecido por Deus. Ele está totalmente determinado. Mas ele está absolutamente
determinado? Não existe nenhum elemento de liberdade nele? Não é verdade.
Porque, primeiro, uma das determinações é a liberdade, é o livre arbítrio.
Tales: Que é uma das determinações. Tanto que um homem não pode nem se
libertar do seu livre arbítrio.
Luiz: Veja que a cada momento, e agora mesmo, escolhemos cada palavra,
cada gesto com a mão. Cada uma dessas ações, somos nós que estamos escolhendo.
De onde vem este poder de escolher?
Tales: Quer dizer, por mais que o nosso livre arbítrio possa circunstancialmente ser
limitado externamente, ou mesmo internamente, não há como não tê-lo.
Luiz: Exatamente. Isto é destino! Você está destinado a ele. Por toda essa
vida, estamos destinados a esse livre arbítrio. Minhas ações, eu escolho livremente.
Por que eu escolho minhas ações livremente? Porque esta determinação que é a
natureza humana tem dois componentes: a alma e o corpo. E alma e corpo não são
dois componentes do mesmo nível, mas de níveis diferentes. Um é o governante e o
outro é o governado.
Tales: E o interessante é que, ao mesmo tempo, toda essa liberdade não é uma
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Luiz: Exatamente, a liberdade não é um ato e escolha. Ela faz parte do meu
destino, do destino de qualquer ser humano.
Luiz: Então esse é o primeiro ponto que devemos lembrar. Por outro lado, a
minha liberdade não pode ser absoluta. Porque eu não sou um ser absoluto. Isso
significa que ela também é limitada, num certo sentido. Ela não é limitada em
relação às minhas escolhas de agir ou não agir. Então essa é a primeira
característica. Eu posso ter um desejo muito forte de qualquer coisa, mas eu posso
escolher não fazer nada. Porém, para eu escolher não fazer nada, normalmente eu
preciso encontrar um motivo. E é aí que as pessoas se confundem. Elas pensam
“Não há liberdade... Eu sou escravo dos meus desejos!” Bem, um pouco, nós somos
mesmo.
Tales: Seria uma dessas limitações circunstanciais internas que mencionamos antes.
Por outro lado, você tem uma liberdade relativa à seleção dos bens que
compõem a sua ideia de felicidade, de Bem final máximo supremo. “Faço isso ou
não faço aquilo? Trabalho mais para ganhar mais dinheiro, ou descanso mais pra ter
mais prazer?” As duas coisas são vistas como aspectos do bem. E então a vontade
escolhe um ou o outro. E existe nisso uma certa liberdade de escolha. Por que
dizemos “uma certa liberdade de escolha”? Porque um dos bens pode se destacar dos
outros para a pessoa, e assim ela terá menos liberdade. Uma segunda questão são
que as ações habituais são mais fáceis de ser realizadas. E a dificuldade é um mal.
Ninguém pensa que a dificuldade é um bem! Quando as pessoas dizem “Eu gosto do
que é difícil”, elas querem dizer que gostam de vencer a dificuldade.
Tales: Sim, claro. Ninguém gosta de perder, né. Geralmente quando a pessoa diz
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Tales: Então, no caso da pessoa que escolhe fazer o mal. Um exemplo extremo: um
assassino, um traficante, um ladrão, ele decide fazer aquilo porque ele escolheu. Em
última análise, ele escolheu. Isso seria por uma falha na razão? Quer dizer, o
conceito dele...
Tales: Quero dizer, segundo o que você está explicando, ele teria aquilo como um
Bem.
Luiz: Sim, obviamente. Qualquer coisa que nós fazemos é movida por algo
que é percebido sob o aspecto do Bem. No entanto, como já dissemos, os bens
podem ser contrários uns aos outros. Como ficar na cama ou levantar e trabalhar. As
duas opções têm aspectos de bem. Então, no exemplo do assassino. Aí temos dois
casos. Há o caso do sujeito que pensou que precisava mesmo matar o outro, e ele
pensou razoavelmente. Ele pensou que o cara tinha uma arma, que estava invadindo
a casa dele, algo assim.
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Tales: No caso do vício moral, se inclui, por exemplo, a pessoa que tem o vício
moral de não ligar para a vida alheia para obter algo que ela quer?
Luiz: É o cara que mata por orgulho ou vaidade: “Ei, por que você está
olhando feio pra mim?”, e assim dá um tiro no sujeito. Isso é um vício moral, porque
ele está prezando mais uma coisa menor e desprezando um Bem maior.
Luiz: Seria o mesmo: “Vou usar esse dinheiro aí, porque eu sou o cara, e não
me interessa se carteira é sua e você trabalhou para ganhar o dinheiro”.
Luiz: Exatamente, é a mesma coisa. São vícios morais. Veja bem, o que é
um vício moral? É quando o sujeito acostuma a sua vontade a preferir certos bens
menores a outros maiores, ou a preferí-los de maneira injusta. Quer dizer, ele não se
pergunta “Se essa situação fosse invertida, o que eu faria?”.
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Luiz: Ainda assim, o sujeito escolhe apertar o gatilho ou não, escolhe enfiar a
mão no bolso do outro ou não. Note que isto não é um processo interno. Apertar um
gatilho é um processo corpóreo/físico, sobre o qual ele tem domínio. Enfiar a mão
no bolso do outro é a mesma coisa, é um processo físico. O sujeito não comete o
crime magicamente, pelos seus poderes mentais. Há um movimento do seu corpo.
Luiz: Exatamente.
Tales: Quer dizer, você pode estar segurando uma arma e, sem querer, por um
espasmo muscular, disparar e matar alguém. Ou também, você deixá-la cair no
chão. Neste caso seria o do acidente.
Luiz: Exatamente.
Tales: O segundo caso seria o engano. Como você falou: você pensa que está
acontecendo algo e não está.
Luiz: Então, veja bem, por um lado, a vontade está limitada pelo que
conhecemos da situação. Quer dizer, o sujeito pode fazer algo errado, que não é o
que ele realmente queria. É o caso das pessoas envenenadas. Elas não queriam
comer veneno, mas elas não sabiam que havia veneno no prato.
Tales: Ou, por exemplo, você está dirigindo um carro, respeitando todas as leis de
trânsito, e uma criança passa correndo...
Tales: Então, veja se minha observação está certa: então a vontade estaria limitada
(não sei se palavra “limitada” é correta, me corrija se eu estiver errado) por estas
três circunstâncias: o acidente, que é completamente externo, porque a vontade do
sujeito não governa o universo.
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Luiz: Exatamente.
Tales: O engano, que já seria algo interno, uma combinação de fatores externos e
internos.
Luiz: Exatamente.
Luiz: Então existe, por um lado, a coisa mais puramente externa, o acidente.
Uma circunstância racionalmente imprevisível. É um acidente mesmo.
Luiz: Exatamente, você tinha que saber aquilo. Esse é o tipo de engano, por
exemplo, quando o sujeito pensa: “Vamos tirar um racha aqui na rua, porque à essa
hora não está passando ninguém na rua”. E então passa alguém ali... Foi um engano.
Ele pensou que não tinha ninguém. Mas ele devia ter pensado “Isto é uma via
pública, as pessoas universalmente têm o direito de atravessá-la”.
Tales: Nesse caso, o cara merece ser realmente condenado por homicídio culposo.
Luiz: Sim, merece ser condenado. Porque foi uma imprudência, um vício.
Mas note que o vício tinha mais base na avaliação dele do que exatamente na
maldade.
Tales: Acha que tem mais direito ao carro do outro, aos bens do outro...
Tales: Sim. A preferência seria parcialmente uma escolha, mas o ato, não, né?
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Tales: Na hora que o sujeito pega o revolver e faz o ato, isso é uma escolha.
Tales: Ele não tem autossuficiência para fazer isso sem uma decisão.
Luiz: Isso é diferente de quando os santos falam da “carne”. Eles usam essa
palavra no sentido das diversas paixões da alma. Não é do corpo, eles não estão
falando do corpo físico, do organismo. O organismo não manda nada.
Com exceção desses pontos gerais, cada pessoa é uma pessoa. Isto é, cada
pessoa tem um jeito, tem um estilo, tem certas preferências. Algumas dessas
preferências e inclinações estão nela desde o começo da vida: por causa da
constituição do corpo e da constituição da alma.
Luiz: Exatamente.
Tales: É neste ponto que eu queria chegar. É algo que já conversamos uma vez. Por
um lado, há cientistas, sociólogos e antropólogos que dirão que todas as suas
inclinações ou são fruto do seu DNA, ou da sociedade. Ou seja, você gosta de
mulher baixinha porque é uma imposição cultural, ou você gosta de sorvete de
morango por causa da cultura. Ou é por causa da cultura, da sociedade, ou é por
causa do seu DNA, existe uma explicação genética. Nunca é uma escolha. Todas as
suas inclinações seriam determinadas pela cultura. O que é uma contradição, se
você parar para pensar, você perceberá que não é assim. Uma sociedade é formada
de indivíduos. É o indivíduo que compõe a sociedade e não o contrário. Um
indivíduo numa ilha deserta sozinho continua sendo um indivíduo.
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Tales: E isso é engraçado, porque existem, de um lado, esses cientistas em geral que
afirmam esse determinismo do sujeito que é ladrão por culpa da sociedade, ou do
cara que é santo por mérito da sociedade, seja lá o que for. Seja por causa da
sociedade ou da sua compleição genética. Quer dizer: você irá bocejar tantas vezes
na sua vida, isso já está escrito na sua cadeia de DNA. E de outro lado, há
psicólogos que afirmam um livre arbítrio louco. Darei um exemplo politicamente
correto, mas que é verdadeiro: se você é um homem que decide ser mulher, não só
você se torna mulher, como todo mundo tem que reconhecê-lo como tal.
Luiz: É, exatamente.
Tales: Todo mundo tem que reconhecer que você, porque decidiu ser mulher, de
agora em diante realmente passou a ser uma mulher.
Tales: Sim, há astrólogos também que dirão que é por causa dos astros.
Luiz: Ou, por outro lado, postular que você é completamente livre para
escolher o que quiser.
Tales: E não só isso, mas todo mundo tem que perceber e reconhecer aquilo.
Tales: O que, aliás, é uma contradição. Porque se você afirma isso para um, e se o
outro, a partir o seu próprio livre arbítrio, não quiser perceber? No fim, isso vira
uma contradição, vira um beco sem saída.
Luiz: Porque quando é conveniente, ele escolhe a teoria de que ele não tem
liberdade. Quando é conveniente, ele escolhe o contrário, que a liberdade é total.
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Luiz: É lógico. Trata-se de uma descrição real que o sujeito pode fazer dos
seus próprios atos. Se ele entende essas ideias de liberdade e destino ou
predestinação ou predeterminação, o que ele tem que fazer é listar os seus atos para
si mesmo. Ele contar a história do ato para si mesmo, como aconteceu uma coisa,
que gerou um desejo, ou gerou uma raiva, ou gerou um medo. Depois ele voltou
para casa, e pensou, e depois dormiu, e depois ele comeu. E os sentimentos foram
mudando, e não sei o quê, etc. E chegou na hora, e ele faz tal coisa. Normalmente se
ele recontar para si mesmo a história do que havia acontecido, ele percebe
claramente que ele foi se moldando numa direção ou na outra.
Tales: Para isso também serviria um exame cuidadoso de consciência dos atos.
Luiz: Exatamente. Quando um sujeito conta a história dos seus próprios atos
para si mesmo, ele percebe claramente essa, digamos, “passagem” entre momentos
em que ele é livre e aqueles em que ele não é livre. Por exemplo, ele não é livre para
sentir as coisas como boas ou más. Ele apenas as sente como boas ou más. Ele é
realmente livre, quando tem tempo, para refletir e pensar “Isso que eu senti como
bom é bom? Isso que eu senti como mal é mal?” Ele é livre para fazer isso. E ele
sabe que ele se engana, ele sabe que ele comete enganos. (...) Então o sujeito tem
que observar que em cada um de seus atos ele é livre. Na ação. Mas pode acontecer
de surgir um cenário que vai construindo uma inclinação dentro dele que torna a
ação irresistível.
Luiz: A palavra certa é “irresistível”. Ele não tem nenhuma força interna que
é capaz de resistir à força que inclina naquela direção. Isso pode acontecer. E é o
fato disso acontecer que faz as pessoas pensarem que elas não são livres. Elas falam
“Não tenho liberdade, eu não consigo controlar!”. Veja bem, isso é como uma
fogueira. Se você deixá-la crescer demais, chega um momento em que não é mais a
sua fogueira, é um incêndio.
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Luiz: Um dia você acorda, e sua esposa lhe faz uma cara que você não gostou
muito. Você pensou que ela estava com uma má vontade ou algo assim, e isso fica
em você ali, no fundo. No dia seguinte, acontece outra coisa. Então um dia ela faz
uma coisinha de nada, ou até uma coisa legal para você, mas você está chateado, e
assim você briga com ela. Se você observar bem, esse movimento foi sendo criado
de pouquinho em pouquinho. Ele não nasceu de repente num momento e que depois
não deu para controlar. Esse tipo de coisa só acontece quando existe uma agressão
física. A reação orgânica é imediata, e normalmente ela exige uma reação pronta e
imediata.
Tales: Sim. Por agressão física, podemos pensar até num cataclisma natural. Quer
dizer, o telhado da sua casa está caindo, e você tem uma reação...
Luiz: Uma reação física, e aí você age muito rápido. E podemos até dizer que
você teve menos liberdade de ação, por causa da urgência do tempo. Então, se um
sujeito fez algo errado quando estava caindo o telhado da casa dele, você deve ser
tolerante para com ele: “Não havia tempo para ele pensar... eu não sei o que eu faria
nessa mesma situação”. Não é algo que ele construiu de pouquinho em pouquinho,
não é algo para o qual ele pôde se preparar. Então, não é que ele não tinha alguma
liberdade. Claro, ele podia não fazer nada, podia fazer outra coisa, podia, em vez de
ter ido para a direita, ter ido para a esquerda. Mas realmente temos que dizer que não
houve tempo para o sujeito considerar as diversas possibilidades. Se algo deu certo
ali, atribua completamente à graça de Deus, porque não houve tempo para decidir. E
se deu errado, infelizmente foi uma fatalidade. Acontece. Mas normalmente não é
assim, normalmente as inclinações para os atos vão se construindo em ondas.
Acontece uma coisa, você anota aquilo, depois acontece outra coisa, e você anota
aquilo.
Tales: Você cria o hábito, e esse é o próprio princípio de arte marcial. O princípio
de arte marcial é você criar um hábito de uma reação que você vai...
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num certo momento, quando ele tomar uma decisão, já existe uma força inclinando-
o na direção de uma ação. E se ele se perguntar “Agora eu faço ou não faço?”, ele se
perceberá fazendo. E ele perceberá claramente que existe um salto entre a força
inclinando-o e o ato mesmo de mover o corpo. Esse salto é o que se chama livre
arbítrio. Você tem que completar aquela inclinação com uma decisão para fazer
algo. O corpo não vai sozinho. É assim: você pode estar com muita raiva de alguém,
mas, se não existe um perigo evidente e iminente, você...
Tales: “O cara me bateu primeiro”. Só poderíamos dizer que não houve exatamente
uma decisão se o sujeito for [inaudível].
Luiz: Essas quatro coisas são amáveis, e têm que ser amadas. Mas as duas
últimas, nós mesmos, e o nosso corpo, não precisam de um mandamento, porque nós
espontaneamente amamos.
Luiz: Então, quando o sujeito foi agredido, a reação é natural. Mas ela foi
livre. E também, essa reação natural e livre pode ser justa ou não. Primeiro: por que
você foi agredido? É um policial lhe algemando?
Luiz: Então, ainda que ela seja espontânea, você tem que medi-la, porque ela
pode ser justa ou injusta.
Tales: Ver se ela foi proporcional, né? Uma coisa é um bandido lhe apontar
uma arma na rua, outra coisa é seu colega de classe brigar com você, e no dia
seguinte estará tudo bem entre vocês.
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Luiz: Exatamente. Então, de modo geral, isso não anulou o princípio. O fato
de o sujeito agredido ter reagido espontaneamente. Essa reação espontânea também
é livre. É que, na verdade, parte da decisão livre foi prévia, já veio antes: “Puxa vida,
viver é bom, não ser massacrado é bom!”. Portanto, não é que não houve livre
arbítrio ali. É que parte dele é prévio à situação. Então ele não precisou pensar: “Vou
avaliar isso de novo. Fazer todo um processo”. Num certo sentido, você precisou
apenas ceder a algo que já sabia. Outro ponto sobre a vontade que as pessoas não
percebem é que muitas decisões são tomadas muito antes da situação. E parece que,
na hora, você não decidiu, ou decidiu muito pouco, ou decidiu meio passivamente.
Não é isso. Se você decidiu passivamente, é porque a decisão ativa foi tomada antes.
Tales: Agora vou lhe perguntar algo puxando mais para a astrologia. O mapa natal
da pessoa seria um indicador das inclinações com as quais a pessoa nasceu, por
decisão divina?
Tales: Por isso você encontra pessoas com mapas idênticos e que são diferentes.
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Luiz: A relação entre o sujeito querendo uma coisa e a coisa que ele quer,
pela inclinação, é estruturalmente a mesma. Entre ele e qualquer outro sujeito que
tem o mesmo Júpiter na V. Agora, o que ele quer? Bem, isto varia muito. Primeiro,
varia por circunstâncias acidentais. E segundo, pelo livre arbítrio. No primeiro caso,
depende de: que coisas existem aí que pode você pode querer?
Luiz: Isso pode variar de um lugar para o outro. Segundo: que hábitos que
você vai criando? Por exemplo, o sujeito decide: Não, isso eu não posso, porque é
imoral, é contra o mandamento de Deus. E era uma das coisas potencialmente
desejáveis para o sujeito que tem Júpiter na V. Mas ele recusa, porque aquilo é
imoral. Como ele tem aquela inclinação de Júpiter na V, aquela natureza de Júpiter
na V, ele procurará outro objeto que corresponde àquela inclinação. E ele pode
encontrar um que esteja dentro dos mandamentos. Ou até um que seja aconselhável
pelos mandamentos. Então, ele realiza o mesmo esquema, mas o que ele fez foi
totalmente diferente. Então devemos lembrar isso: o mapa natal é um mapa de,
digamos, esqueletos de ações humanas, não de ações humanas ou inclinações
humanas reais, mas do esqueleto delas. Da estrutura da relação entre sujeito e objeto.
Agora, é claro que, como há certas coisas que sempre estão presentes, e sobre
as quais é difícil surgir uma razão moral, certas coisas são fáceis de prever. Por
exemplo, o sujeito tem Júpiter na IV. Ora, todo mundo mora em algum lugar.
Luiz: Quando alguém tem Júpiter na IV, dizemos que a pessoa gosta de ficar
em casa, gosta da sua casa, acha que a sua casa é o lugar da liberdade, o melhor
lugar que existe... Mas se você observar bem, essa é uma previsão que não está
levando em conta apenas o fator “Júpiter na IV”. Ela está levando em conta o fator
todo mundo mora em algum lugar. Algo que não é determinado pelo mapa, algo é
determinado pela existência. Em segundo lugar, raramente surgirá um motivo moral
para o sujeito não gostar de ficar na sua casa.
Luiz: Se existir, qual é o motivo? Ainda que o sujeito more, digamos, num
covil de ladrões. Digamos que ele é filho de um ladrão e mora num covil de ladrões.
Ainda assim, sendo a casa dele, não é imoral ele morar ali, não é imoral ele gostar da
casa dele. Então essa é uma previsão fácil. Dá a impressão de que o sujeito utilizou
só a astrologia, que ele observou só o Júpiter na IV. Mas está subentendido que essa
é uma questão fácil. E esse aspecto “questão fácil” não foi dado pelo mapa
astrológico. Ele foi dado pela condição humana.
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Tales: Então me deixe resumir tudo isso, para eu ver se entendi bem: com relação à
determinação divina: podemos dizer que existe a determinação e ela se aplica ao
livre arbítrio. Isto é, o livre arbítrio é uma determinação divina.
Luiz: Pode ser um modo, uma preferência muito sutil, uma relação entre o
sujeito e o objeto da preferência. Se você espremer, espremer, espremer, você não
chegará a uma ideia do tipo: “Quem tem este traço sempre faz aquilo... sempre!”
Isso é óbvio. Nós já podíamos concluir que não funciona assim quando percebemos
que a ação é livre. Quer dizer, na hora de mover o corpo, é você quem decide.
Sempre é o sujeito que decide. Então quando você espreme o significado do mapa,
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você vê que, em última análise, não existe nenhum tipo de contradição, porque só a
partir do mapa não é possível inferir uma ação que todo mundo com uma certa
posição astrológica fará.
Luiz: Enquanto que os atos, não. Cada um deles você foi escolhendo. Então a
liberdade primária é escolher uma ação ou não. A liberdade primeira do sujeito é
quanto aos meios imediatos de alcançar um bem, e o meio imediato de alcançar um
bem é a ação, é o que você faz. Incluindo na “ação”, evidentemente, a fala.
Tales: Entendi. Sem querer puxar para a crítica político-ideológica, vemos que é um
completo absurdo que a pessoa diga que um assassino é fruto da sociedade, do meio
etc, ele virou um assassino por causa da sociedade. E ao mesmo tempo diga que o
sujeito tem liberdade para ser um homem ou uma mulher.
Tales: Quer dizer, ele não tem liberdade sobre suas ações, mas ele tem liberdade
para alterar a sua realidade existencial.
Luiz: O máximo que o sujeito pode dizer é que ele prefere ser mulher a ser
homem, ou prefere ser homem a ser mulher. E esse, na verdade, é um campo em que
ele não tem liberdade total. Pode ser que ele prefira isso e não consiga mudar a
preferência. Porque a preferência não é assim: você é o sujeito que gosta sorvete de
chocolate, e então você estala o dedo, e agora não gosta de sorvete de chocolate, e
gosta de sorvete de baunilha. Realmente a preferência não é assim. O sujeito pode
chegar numa situação em que ele tem uma preferência e de uma hora para outra, tem
outra preferência. Não se trata de algo simples.
Luiz: Então, esse, na verdade, é o campo em que ele tem menos liberdade,
comparado ao da ação. A liberdade aí não é imediata e total, ela é imediata e parcial.
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Luiz: Isso é só para lembrar que esse aspecto da preferência, é onde o sujeito
não é totalmente livre. E dizer que ele é livre, que ele é totalmente livre, para isso, é,
na verdade, um engano. Ele é parcialmente livre. É aquela velha história: o doente
não gosta de tomar o remédio, porque a doença altera o paladar, e deixa o remédio
com um gosto pior. E também há o fator do hábito.
Tales: O hábito. Normalmente, a pessoa não toma remédio, então, de repente, ela
fica doente e passa a tomar uma substância que a altera. Só hipocondríaco gosta de
tomar remédio quanto está doente, porque ele gosta de tomar remédio sempre. Já
possui o hábito, né?
Tales: Agora ele tem um motivo. Sairá exclamando: Está vendo? Eu sempre disse
que era doente!
Luiz: Enquanto que na ação: atirar numa pessoa, não atirar numa pessoa;
pegar o dinheiro da pessoa, não pegar o dinheiro de pessoa, o sujeito é sempre livre.
A ação é sempre livre. Ele sempre pode dizer não, desde que ele tenha um motivo
suficiente para isso. Não vai acontecer de ele dizer não sem ter um motivo. É assim:
um sujeito, por exemplo, tem uma religião, e ele quer cometer um pecado. Ele
começa a imaginar o pecado e colocar esta imagem entre ele a idéia de que aquilo é
pecado. Até essa imagem ficar tão consolidada que ele não resiste. Tem de fazer
assim.
Luiz: Porque ele tem um motivo interno: não é para fazer esse Pecado!.
Luiz: Claro, todo mundo pode sofrer uma tentação súbita que se interpõe
entre ele e a sua consciência moral com muita força.
Luiz: Pode acontecer. E então o sujeito não consegue ver um motivo. Esse é
o ponto em que a liberdade pode ser diminuída. Ela pode aumentar ou diminuir, mas
não pode ser eliminada. Ela pode aumentar ou diminuir, mas não pode desaparecer.
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Luiz: Na astrologia, você conseguiria dizer qual é a ação que alguém com
uma determinada posição astrológica sempre faz? Não há como achar isso.
Realmente você não conseguirá achar. Porque o mapa não é um mapa nem das
inclinações diretas do sujeito. Mas de um esquema de várias inclinações possíveis.
Luiz: Então, isto não é aquela coisa pagã, de Vênus da X: “Os deuses
mandaram e eu fiz!” – o cupido soltou uma flecha e o sujeito não resistiu...
Luiz: O mapa não traduz tão diretamente o sujeito. Uma coisa é o mapa do
céu, que pode significar vários sujeitos possíveis. Tanto pode que, na verdade, ele de
fato significa. Vários sujeitos podem nascer no mesmo tempo, no mesmo lugar.
Tales: De fato, vários sujeitos nascem no mesmo tempo e lugar, acontece muito!
Luiz: [inaudível] Até santo que tem uma analogia com o bandido astuto. E o
santo ingênuo tem uma analogia com o capanga burro. Existe uma analogia neste
exemplo. Percebe-se que quando o sujeito se torna santo ele não é como uma xerox.
Muita gente pensa isso, pensando que todas as diferenças estão na escala vertical.
Mas nem todas estão, há outras na horizontal também. Existe santo ativo e santo
passivo. Do mesmo jeito que existe sujeito diligente e sujeito preguiçoso. Essas
diferenças continuam existindo. Então o sujeito pode ter exatamente a mesma
posição astrológica e estar numa escala diferente, na vertical, mas estar na mesma
direção que o outro. Um comportamento tem analogia com o outro.
Temos sempre que lembrar que a relação entre o mapa e a pessoa é uma
relação analógica. E que um símbolo nunca é símbolo só de uma coisa. Explicando:
Este mapa é o mapa da pessoa? Sim. Mas veja bem, isso é o mesmo que, por
exemplo, o leão é símbolo do verbo divino e do diabo. Está nas Escrituras, o “leão
de Judá” e o “leão que está pronto para nos devorar”. Estes são extremos opostos da
escala vertical. Mas eles têm uma analogia com o leão. Então, digamos que mapa
seja o leão, que em nossa analogia, o mapa astrológico equivale ao leão. Ele é
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símbolo tanto disso aqui em cima, quanto disso aqui em baixo. O mesmo vale para o
mapa: ele é símbolo do sujeito, tanto no grau de sociopata quanto no grau de santo.
Ele pode significar um sujeito em qualquer um desses graus. Continua sendo o
mesmo mapa. Ele mesmo não indica exatamente para onde a pessoa vai. Porém, é
claro que você não lê um mapa completamente isolado da pessoa ou da circunstância
humana. Você é um ser humano e quem lê o mapa é também um ser humano, que
sabe um pouco da vida humana. Então ele já agrega essas informações à leitura de
um mapa.
Tales: É lógico. Se vier o Fernandinho Beira-Mar lhe pedir uma leitura do mapa,
você não fará a mesma leitura que faria para o sujeito que tem um mapa igual e
está num mosteiro.
Luiz: Exatamente. Porque você já tem alguma informação extra. Você já sabe
que as pessoas estão vivendo em escalas diferentes. Pode dar a impressão de que
você usou só a informação puramente astrológica. Mas não, você usou também a sua
percepção da pessoa. Você combinou as coisas.
Luiz: Se você tem uma certa posição astrológica e está pensando tal coisa, e
isso, claro, foi você quem me contou, então aquela outra posição valerá neste outro
plano aqui. E assim se calcula. E a sua analogia fica mais precisa. Mas essa precisão
não foi dada pelo mapa. Ela foi dada pela conjunção entre o mapa e a própria pessoa
que está falando com você.
Tales: Você vê isso até na vida dos santos, né? O antes e o depois.
Tales: São a mesma pessoa. Em alguns, isso é bem evidente. Naqueles que têm
biografia detalhada.
Luiz: Naqueles que têm uma biografia detalhada, é muito evidente. Que foi
uma linha de subida, não uma linha de alteração. Se alguém perguntasse: Mas e São
Paulo? Ele perseguiu os cristãos e depois mudou. Mas o espírito de combatividade
dele continuou exatamente o mesmo! E São Francisco, de espírito alegre, generoso,
continuou exatamente o mesmo!
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de outra pessoa.
Tales: É muito importante que as pessoas entendam isso. Porque as pessoas têm às
vezes uma visão preconceituosa, no sentido literal da palavra preconceito, a
respeito dessa questão. O sujeito leu a biografia de três ou quatro santos mais
populares, e acha que se ela não for daquele jeito...
Tales: Não será porque você não é ele. Já começa por aí. E, na maioria das vezes,
não é nem parecido com ele.
Luiz: Existe sempre nas pessoas uma tendência à simplificação das coisas. E
quando elas começam a pensar em coisas como santidade, ou quando estudam
astrologia, elas tendem a imaginar que todas as diferenças entre as pessoas estão
uma linha vertical. Não, o mundo tem três dimensões, ele não tem uma só. A
dimensão vertical é somente a mais importante. Se o sujeito vai para cima ou vai
para baixo, isso é a coisa mais importante.
Tales: É o fundamental.
Luiz: Porém, indo para cima ou para baixo, no curso da sua vida, você
também estará indo um pouquinho para a direita, para a esquerda, para frente, e para
trás. A vida é uma linha sinuosa, em que, no fim, você tem o resultado de ter ido
para cima ou para baixo. Você não foi numa reta. Cada um seguiu um caminho
ondulante, e esse desenho é dele. Então a vida não é só unidimensional.
Tales: Isso é bem notável nesses santos que, em primeiro lugar, possuem biografias
detalhadas e, em segundo lugar, que tiveram essa ruptura na vida, né? Porque nem
todo santo tem isso. Há alguns que você não chega a ver a sua versão não-santo.
Por exemplo, uma pessoa como Sto. Antão: Na biografia de Sto. Antão, ele nasceu
numa família cristã e, desde muito jovem, já queria aquilo. Neste caso, você não
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Luiz: Para os santos que tiveram um progresso claro na sua biografia, e cuja
biografia inteira você conhece, você vê claramente que mudou o grau do sujeito.
Mas a pessoa continuou a mesma.
Luiz: Para ser mais claro do que isso, nós teríamos de entrar na parte técnica,
e explicar o que é vontade? O que é inteligência? Etc.
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