Obesidade Infantil A Partir de Uma Percepção Familiar

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DOI: 10.19095/rec.v6i2.

328

ORIGINAL
OBESIDADE INFANTIL A PARTIR DE UMA
PERCEPÇÃO FAMILIAR
CHILDHOOD OBESITY FROM A FAMILY
PERCEPTION

Jacolina Leite dos Santos1


Thaís da Conceição Pereira2
Joyce Viviane Cavalcanti Cruz3
RESUMO
O processo de globalização ocasionou grandes mudanças nos hábitos de vida da população, trazendo alterações do perfil nutricional e
aumentando o número de casos de obesidade, em especial a infantil. Os pais são os principais responsáveis pela alimentação da
criança e por isso devem saber fazer boas escolhas e reconhecer alterações do estado nutricional de seus filhos. O presente estudo
visou compreender a percepção e o conhecimento dos pais/responsáveis acerca da obesidade infantil. Tratou-se de um estudo
exploratório, transversal, de abordagem qualitativa, realizado em 10 domicílios familiares, por meio de uma entrevista com os
responsáveis da criança. Foram utilizados dois questionários: um semi-estruturado, um socioeconômico e uma escala de silhuetas. Foi
verificado pouco conhecimento e/ou dificuldade por parte dos entrevistados em definir o conceito de obesidade, causas e riscos que
essa condição nutricional pode trazer a saúde. Para uma estratégia de prevenção é necessário o reconhecimento do estado nutricional
dos filhos por parte dos pais dentro dos critérios clínicos, para que assim, possam contribuir com a prevenção e/ou identificação precoce
ou até mesmo um tratamento apropriado, evitando futuras complicações à saúde da criança.

Palavras chaves: Obesidade pediátrica. Imagem corporal. Comportamento alimentar.

ABSTRACT
The process of globalization has occasioned several changes in the habits of life of the population, bringing alterations of the nutrional
profile and increasing the number of cases of obesity, specially the child one, being it considered one of the major problems of public
health of the current days, affecting children of all ages, social classes, races and ethnicity. Parents are the most responsible for the
nourishment of the child and because of that they should know how to make good decisions and recognize alterations of the nutritional
status of their children. This study aimed at understanding the perception and the knowledge of the parentes/responsible about the
child obesity. It was an exploratory, transversal study whose approach was qualitative, held in 10 family houses through an interview
with the responsible people of the children. Two questionnaires were used: a semistructured , a socioeconomical end a silhouettes
scale. It was verified low knowledge and/or difficulty of the intwerviewees to define the concept of obesity, causes and risks that such
nutritional condition can bring to the health. For a strategy of prevention it is necessary the recongnition of the nutriotinal status of the
children by the parentes within the clinical criteria, so that, they can contribute with the prevention and/or early indentification or even
a proper treatment, avoiding future complications to the health of the child.

Key words: Pediatric obesity. Body image. Feeding behavior.

1 Graduanda em nutrição, Faculdade de Juazeiro do Norte – FJN. Autora para correspondência: [email protected]
2 Graduanda em nutrição, Faculdade de Juazeiro do Norte – FJN
3 Graduanda em nutrição, Especialista em Nutrição clínica e fitoterápicos
Rev. e-ciência, 6(2):77-82, 2018

INTRODUÇÃO público, proporcionando melhor qualidade e maior expectativa


A obesidade acomete pessoas de todas as faixas de vida para essa população.
etárias e classes sociais, tornando-se cada vez mais crescente O presente estudo teve como objetivo compreender a
e evidente a cada década após o processo de transição percepção e o conhecimento dos pais/responsáveis acerca da
nutricional, fato que foi caracterizado pela rápida modificação obesidade infantil, analisando assim, se estes conseguem
do perfil nutricional da população, ocorrendo redução na identificar seus filhos com obesidade, as comorbidades
prevalência dos déficits nutricionais e maior ocorrência de decorrentes deste estado nutricional e crenças relacionadas ao
sobrepeso e obesidade. Esse processo sofreu influência do peso.
desenvolvimento e globalização associado a hábitos de vida
inadequados, no qual, as pessoas não praticam atividade física METODOLOGIA
e buscam uma alimentação mais prática e rápida com o intuito Tratou-se de um estudo exploratório, transversal, de
de facilitar a sua rotina diária1. abordagem qualitativa, realizado no município de Juazeiro do
Vários fatores etiológicos podem implicar na gênese e Norte, em domicílios selecionados.
manutenção da obesidade, como, biológico, social, cultural, De acordo com a Secretaria de Saúde do município,
ambiental e antropológico2. Outros fatores que também Juazeiro do Norte conta com 46 Unidades Básica de Saúde
possuem influência na obesidade infantil incluem a prática de (UBS), 67 Estratégias de Saúde da Família (ESF’s), sendo as
assistir televisão durante várias horas por dia, jogos UBS João Cabral I e III (ESF 9 e 39) as que apresentaram maior
eletrônicos, abandono precoce do aleitamento materno, número de casos de obesidade, contabilizando um total de 60
utilização incorreta de alimentos formulados e substituição de crianças classificadas com obesidade e sobrepeso, sendo 20 e
alimentos processados no domicílio pelos industrializados. A 40 crianças, respectivamente. Em virtude do objetivo do
obesidade infantil é considerada um problema nutricional de estudo tratar apenas de crianças com obesidade, optou-se por
ascensão no mundo, sendo que o Brasil está entre os 4 países trabalhar somente com as 20 crianças que apresentavam esta
que mais apresentam rápida elevação dos índices de condição nutricional.
obesidade em crianças3. Dos 20 domicílios previamente selecionados que
Diversas complicações estão relacionadas à apresentaram pelo menos uma criança classificada com
obesidade, como diabetes mellitus, doenças cardiovasculares, obesidade, em apenas 10 foi possível entrevistar os
complicações ortopédicas e problemas psicossociais4. pais/responsáveis, o restante não se encontrava nos
Evidências científicas revelam que doenças típicas do adulto, endereços repassados.
em muitos casos, começam a se desenvolver na infância, A população de estudo desta pesquisa foram os pais ou
devido aos erros nos hábitos de vida, que contribuem de forma responsáveis legais das crianças, tendo como critério de
somatória para problemas futuros. Então, hábitos de vida inclusão para aplicação do questionário: pais ou responsáveis
saudáveis, como a prática de atividade física regular e uma legais de crianças com idade entre 7 e 10 anos, classificadas
alimentação adequada desde a infância, são importantes com obesidade (IMC/Idade: escore-z >+2)7 atendidas nas UBS
estratégias para a prevenção de doenças crônico- João Cabral I e III. Como critérios de exclusão: crianças
degenerativas na vida adulta5. classificadas em desnutrição, eutrófico e sobrepeso;
Os índices de sobrepeso e obesidade infantil Inviabilidade de contato para realização da entrevista; Crianças
apresentam-se elevados, sendo que este excesso de peso, menores que 7 anos e maiores que 10 anos; Crianças
muitas vezes, não é identificado ou reconhecido pelos seus portadoras de doenças ou deformidades que pudessem
familiares, inclusive os pais. Os mesmos consideram seus dificultar o diagnóstico nutricional ou interferir na percepção
filhos com peso adequado para estatura ou idade, ou até dos pais.
mesmo enxergam a criança com sobrepeso, mas não levam em O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa
consideração as complicações decorrentes do seu estado (CEP) da Faculdade de Juazeiro do Norte (FJN), sob o número
nutricional. do parecer 2.058.305, estando de acordo com a resolução n°
Os pais têm papel fundamental na prevenção ou 510/2016 e n° 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde8, 9.
tratamento da obesidade infantil, pois se os mesmos não Após a autorização da Secretaria de Saúde, por meio de
reconhecem seus filhos nesta condição, consequentemente um oficio, e aprovação pelo CEP, foi realizado um pré-teste para
não se preocupam em buscar ajuda especializada, nem verificar a compreensão das perguntas, logo após, foi possível
adotam ou investem em um novo padrão de comportamento perceber que não houve necessidade de alterações no
alimentar, modificando seu estilo de vida6. Equívoco na instrumento. Posteriormente, foi aplicado o questionário aos
percepção do estado nutricional da criança, por parte dos pais, pais/responsáveis das crianças que atenderam aos critérios
acomete em futuros problemas associados a este estado de acima.
saúde inicial. A coleta de dados foi realizada por meio de visita aos
Sendo assim, é fundamental que os pais sejam capazes domicílios, com aplicação de um questionário socioeconômico
de identificar o excesso de peso e compreender as possíveis para traçar o perfil dessa população e um semiestruturado,
complicações decorrentes deste problema, tornando-se ainda composto por perguntas norteadoras abertas e fechadas, as
essencial, que eles entendam a importância de se fazer um quais avaliaram o entendimento dos entrevistados sobre o
acompanhamento nutricional da criança para prevenir ou conceito de obesidade infantil, consumo alimentar e influência
tratar a obesidade já instalada, diminuindo a probabilidade da no âmbito familiar, condições de saúde da criança e fatores
mesma vir a desenvolver alguma patologia secundária a este determinantes para a obesidade.
problema, evitando futuros gastos para a família e o setor

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Após a aplicação dos questionários, foi apresentada sobrepeso como obesidade, é um problema mais abrangente
uma escala de silhuetas para crianças com o objetivo de o que o baixo peso, sendo que 3,38% da população estudada
responsável selecionar a figura que mais assemelhava-se com encontravam-se em desnutrição, 31% com sobrepeso e 21%
a imagem corporal da criança. Esta escala é um instrumento com obesidade12.
para avaliação e percepção da imagem corporal desenvolvida Em outro estudo, com o objetivo de avaliar os hábitos
por Kakeshita10, a qual é composta por 11 figuras de cada alimentares de famílias de baixa renda, identificou que o
sexo, com IMC médio correspondente a cada figura variando principal critério para escolha do alimento, nessa população, é
de 12 a 29 kg/m². As figuras foram construídas a partir de o preço, alegando que as famílias eram conscientes que é
fotografias das crianças, e depois desenhadas e passadas para necessário adquirir alimentos que façam bem a saúde, porém
computação gráfica, formando assim as 11 figuras. o orçamento familiar não permitia tais escolhas, restando
Os entrevistados não alfabetizados ou portadores de assim, os alimentos mais baratos e na maioria das vezes
alguma deficiência motora que estiveram impossibilitados de também os mais calóricos13.
responderem aos questionários foram auxiliados pela A criança desde muito cedo aprende a fazer suas
pesquisadora, a qual coletou todas as respostas emitidas pelos escolhas com base no que observa nas atitudes dos seus
entrevistados e transcreveu para o questionário, respeitando a familiares, especialmente dos pais, sendo assim, é provável
integridade das falas dos sujeitos. que a criança venha a querer ingerir o mesmo alimento
Os dados foram redigidos através do programa consumido por eles. Desta forma, as escolhas inadequadas por
Microsoft Word 2007, respeitando rigorosamente a integridade parte dos que vivem no mesmo ambiente familiar que a criança
das falas dos sujeitos, como também tabulados e analisados irá influenciá-la a optar pelas mesmas escolhas, resultando em
através do Software Microsoft Office Excel 2007. uma má alimentação e excesso de peso14.
Para análise dos dados, utilizou-se a técnica de O perfil das crianças de acordo com sexo e faixa etária,
saturação de falas11, formando um padrão de respostas do mostrou uma maior prevalência de obesidade em crianças do
tema abordado, no qual foram geradas 7 categorias (Conceito sexo feminino com idade média de 9,5 anos (n=6), seguido por
de obesidade; Conhecimento acerca dos riscos ocasionados crianças do sexo masculino com idade média de 9,7 anos
pela obesidade; Alimentos mais consumidos no âmbito (n=4). Tais achados divergem de um estudo realizado em
familiar; Condição de saúde da criança; Nível de saúde; Marialva-PE, no qual foi verificada maior prevalência de
Influência da família na obesidade; Fatores determinantes da obesidade no sexo masculino em todas as faixas etárias15.
obesidade) e em seguida corroborados os dados juntamente Quando questionados a respeito da percepção do
aos de outros autores. Cada entrevistado foi nomeado por um estado nutricional das crianças, todos os pais/responsáveis
Código de Identificação (CI) e de acordo com a ordem dos descreveram que seus filhos estavam acima do peso ideal. Já
entrevistados foram classificados como CI1, CI2, e assim na percepção da imagem corporal através da escala de
sucessivamente. silhuetas, os resultados apresentaram uma variação em
relação ao real estado nutricional das crianças. Os
RESULTADOS E DISCUSSÃO pais/responsáveis de crianças do sexo masculino
Os 10 entrevistados apresentaram uma média de 38 classificaram mais inadequadamente o estado nutricional da
anos de idade, havendo uma predominância do sexo feminino, criança quando comparado aos pais/responsáveis de crianças
isto é, tratou-se principalmente de mães das crianças do sexo feminino (Tabela 1), correspondendo a um erro de
diagnosticadas com obesidade. O maior percentual de percepção da imagem corporal de 75% (masculino) e 33,3%
entrevistados do sexo feminino ocorreu devido ao horário em (feminino), tendendo a subestimar o peso da criança.
que as entrevistas foram realizadas (das 8h00min às
12h00min e das 14h00min às 17h00min), no qual a maioria Tabela 1: Percepção familiar da imagem corporal da criança
das mulheres apresentaram-se como “dona do lar” e a maior de acordo com a escala de silhuetas
parte dos homens (pais ou responsáveis pelas crianças), SEXO DAS PERCEPÇÃO FAMILIAR
encontrava-se em seus trabalhos, sendo estes os provedores CRIANÇAS CORRETO INCORRETO
de seus lares. N=10 N % N %
Das características socioeconômicas dos Feminino 4 66,60% 2 33,30%
entrevistados, houve uma maior prevalência de pessoas Masculino 1 25% 3 75%
pardas, com baixa escolaridade, renda mensal inferior a um
salário mínimo e usuários do Programa Bolsa Família. Apesar Isto também foi apontado em outro estudo, mostrando
de estarem classificados numa zona de vulnerabilidade social, que o sexo é um dos fatores que pode afetar a percepção
70% dos entrevistados relatou possuir casa própria. materna acerca do estado nutricional da criança. Neste mesmo
Embora a população entrevistada possuísse uma renda trabalho, foi encontrada uma variação tanto na resposta visual
mensal relativamente baixa, foi possível observar um elevado como na resposta verbal, sendo que na escala visual 87,5%
consumo de alimentos de alto teor calórico e baixa qualidade das mães de meninos e 66,7% das mães de meninas
nutricional, apresentando uma situação de insegurança classificaram de forma errada o estado nutricional dos seus
alimentar e nutricional. filhos, já na escala verbal 44,7% das mães de crianças do sexo
Um estudo realizado em 2011 demonstrou que 62% masculino e 22,2% de mães de crianças do sexo feminino
dos beneficiários do Programa Bolsa Família estão em situação classificaram erroneamente o peso da criança16.
de insegurança alimentar e, quanto à insegurança nutricional Essa relação entre erro na percepção materna e sexo
no território estudado, mostrou que o excesso de peso, tanto da criança também foi identificada em outra pesquisa,

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mostrando que 59,1% meninos e 44,3% meninas tiveram seu atendimento nas UBS’s para serem ajudados e/ou
peso subestimado pelas mães17, confirmando uma tendência orientados19.
de mães de meninos classificarem inadequadamente o estado Ainda sobre obesidade, foi questionado se eles sabiam
nutricional de seus filhos, subestimando o peso da criança. quais os possíveis fatores que poderiam desencadear esta
Esse erro na percepção pode estar associado à maior patologia (Categoria 7). Todos incluíram a alimentação como
atenção que as mães dão ao peso das filhas desde crianças fator preditor no desenvolvimento da obesidade, sendo citado
pelo valor que a sociedade impõe a imagem corporal da ainda por alguns a falta de exercício físico. Apesar de
mulher, enquanto nos homens um corpo mais “robusto” é mencionarem a alimentação, alguns não sabiam ao certo que
sinônimo de masculinidade4. tipo e/ou características dos alimentos estavam envolvidas no
Nesta pesquisa não foi encontrada relação entre erro aparecimento de tal patologia.
na percepção e classe econômica, assim como apontado por Outras pesquisas também discutiram a relação entre
um estudo realizado em 2013, no qual a percepção materna alimentação e sedentarismo, afirmando que de um modo geral,
tanto visual como verbal não se mostrou associada à a tendência ao sedentarismo entre a população está cada vez
classificação econômica16. Talvez isso tenha ocorrido pelo fato mais comum, decorrente dos avanços tecnológicos e das
de a população do estudo pertencer a uma mesma área condições da vida moderna, causando acomodação nestes
territorial e a homogeneidade em termos de renda. indivíduos, sendo assim, um fator facilitador para o
Das 9 questões aplicadas, alguns não souberam desenvolvimento da obesidade 22,23.
responder quanto ao conceito de obesidade, comentar o Quando questionados se a alimentação da criança era
estado nutricional e condição de saúde da criança, assim como semelhante a da família (Categoria 3), afirmaram que sim, e no
o nível de saúde de crianças obesas. Dos que responderam as que se refere aos alimentos consumidos no âmbito familiar, as
questões, as respostas eram curtas e sem muitas explicações, respostas, independentemente do grau de parentesco, foram
demonstrando conhecimento limitado a respeito da temática semelhantes, como: “Salgados, chocolate, refrigerante, leite
abordada. com nescau, pão, biscoito recheado, biscoito cream cracker,
Em relação ao conceito de obesidade (Categoria 1), frituras, macarrão instantâneo, suco artificial, embutidos”.
eles definiram como: Os alimentos consumidos no âmbito familiar, descritos
“Pessoa gorda demais, que come muito” (CI-3). pelos entrevistados, apresentam alto teor calórico,
“É quando uma pessoa está acima do peso, principalmente porque tratam-se de frituras em geral e
bem mais acima que o normal” (CI-4). refrigerantes, biscoito recheado e pão. Estes alimentos
“É uma doença, porque a pessoa sofre com a possuem elevadas quantidades de carboidratos e gorduras
gordura” (CI-5). saturadas, sendo que o consumo excessivo pode resultar no
“Excesso de gordura” (CI-6). ganho de peso e desenvolvimento de doenças associadas ou
Esses conceitos de obesidade definidos pelos não à obesidade.
entrevistados também foram descritos por outras pesquisas, O comportamento alimentar familiar serve como
onde as mães definiram obesidade como comer muito e estar modelagem para a formação dos hábitos alimentares da
acima do peso e excesso de gordura, podendo observar um criança. Sendo assim, o exemplo promovido pelos pais no meio
conhecimento limitado do assunto pelos familiares18,19. familiar pode causar efeitos positivos ou negativos na
Quando questionados se a obesidade poderia trazer alimentação da criança. Quando os pais possuem hábitos
riscos à saúde e quais seriam esses riscos (Categoria 2), a alimentares errôneos, estes fornecem maus exemplos para
maioria demonstrou insegurança ao responder, citando como suas crianças24.
malefícios a saúde: É durante a infância que as crianças têm os pais ou
“Falta de ar e dores nas pernas” (CI-1). cuidadores como modelos, podendo representar mudanças
“Diabetes, colesterol alto e depressão por causa significativas para o seu desenvolvimento, e que os erros
do bullyng na escola” (CI-4). alimentares cometidos pelos pais podem influenciar na
“Diabetes, pressão alta, colesterol alto, formação dos hábitos alimentares e qualidade de vida dos
problemas no coração” (CI-10). filhos não somente na infância como também na idade
Alguns pais/responsáveis relataram sentimentos de adulta25.
angústia e preocupação em relação aos seus filhos, devido à Foi indagado aos entrevistados se a família possuía
constante alteração de humor relacionada ao sofrimento alguma influência na obesidade infantil (Categoria 6). A partir
enfrentado no ambiente escolar, pois são vítimas de bullyng. das falas dos sujeitos, foram encontradas respostas como
Estes resultados corroboram com os encontrados por causas da obesidade sendo considerada:
outros estudos, no qual as mães relataram sentimentos de genética/hereditariedade, os pais como responsáveis pela
medo, preocupação e tristeza em relação ao estado nutricional compra do alimento, falta de incentivo de bons hábitos
das crianças, referindo serem comuns apelidos pejorativos alimentares e permissividade/fazer a vontade da criança.
como “baleia”, “gordinho (a)” e “obeso (a)” na escola, Em relação aos fatores genéticos, permissividade e
causando instabilidade emocional nas mesmas, e ainda, que alimentação como responsabilidade dos pais, estes mesmos
elas tendiam a excluírem-se socialmente, e com isso os pais resultados foram observados por outros pesquisadores, no
sofriam juntamente com o filho 20,21. qual a influência familiar aparece ligada ao componente
Apesar do conhecimento dos pais/responsáveis, genético nas falas dos sujeitos, bem como a questão de oferta
apesar de ser um tanto limitado a respeito dos riscos/danos de alimentos e a permissividade da mãe em relação às
que a obesidade pode causar, mesmo assim, não buscam vontades dos filhos20,18.

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A ausência física por parte dos pais, causa um Em um estudo de revisão bibliográfica30, também foram
sentimento de culpa e dessa forma pode desencadear uma encontradas crenças relacionadas ao peso, como “o peso
relação de permissividade como fator compensatório, e assim normaliza com crescimento”, “crianças mais robustas são mais
o pai tenta aproximação com o filho envolvendo a alimentação. bem alimentadas e possuidoras de mais saúde” e até mesmo
Essa situação pode influenciar negativamente na formação da crença relacionada à religião, como a “obesidade é uma
criança, pois filhos de pais mais permissivos tendem a ter determinação divina”, e assim os pais recusam-se a fazer o
hábitos alimentares mais inadequados21,26. tratamento.
Quando se falou na condição de saúde atual da criança O presente estudo apresentou algumas limitações
(Categoria 4), os pais responderam com clareza e alguns como uma amostra reduzida e limitada a uma determinada
mostraram não dar importância a certos sinais apresentados área territorial, impedindo um resultado mais substancial,
pela criança, não fazendo uma correlação com a obesidade: como também não foi avaliado a relação entre obesidade e
“Difícil de adoecer, mas tá com difícil qualidade de vida, bem como as patologias apresentadas pelas
concentração na escola e sente dores nas crianças e se as mesmas buscaram/fizeram algum
pernas e falta de ar” (CI-1). acompanhamento especializado para tratamento da
“Fica cansada quando faz alguma coisa, sua obesidade.
muito e agora tá com umas bolinhas na pele, Apesar dessas limitações, o estudo trouxe importantes
vou levar ao médico para ver o que é isso” (CI- achados e confirmou o que já vinha sendo mostrado em
2). pesquisas realizadas por outros autores: uma percepção
“Sente muita falta de ar quando brinca” (CI-6). familiar errônea relacionada a imagem corporal e patologia
“É uma criança saudável, não sente nada” (CI- apresentada pela criança. Recomenda-se a continuidade deste
7). tipo de pesquisa utilizando esta temática envolvendo o
“É saudável, mas gripa com facilidade” (CI-9). ambiente familiar e, posteriormente, o desenvolvimento de
Os pais, em sua maioria, consideraram a criança de um intervenções, juntamente com a população abordada (pais ou
modo geral saudável, porém em suas falas relataram alguns responsáveis), para que seja possível ajudá-los e/ou despertá-
sintomas apresentados por seus filhos. O principal sintoma los a reconhecerem corretamente o estado nutricional de seus
citado foi a dificuldade em respirar quando faziam algum tipo filhos, bem como informá-los sobre riscos e malefícios,
de atividade física, podendo observar o sedentarismo ajudando na prevenção, e, consequentemente, redução dos
associado à obesidade entre as crianças. casos de obesidade infantil.
Não foram descritas patologias como hipertensão
arterial, diabetes, depressão. Porém, nos resultados CONSIDERAÇÕES FINAIS
encontrados em um estudo transversal 27, as mães relataram A família exerce papel de extrema importância e
a presença dessas patologias nos seus filhos, bem como o uso responsabilidade na vida da criança, podendo ter efeitos
de medicamentos para controle da doença. Referiram ainda positivos ou negativos na formação dos hábitos alimentares da
que em seu estudo encontraram uma relação significativa mesma, principalmente, porque é nesta fase que ocorre a
entre obesidade e baixa qualidade de vida relacionada à construção destes hábitos. Deste modo, a família deve não
saúde, relatando que crianças obesas apresentavam escores somente ofertar, como também consumir alimentos que
inferiores quando comparadas às crianças classificadas em proporcionem uma alimentação equilibrada e saudável,
eutrófia. incentivando de forma positiva nas escolhas alimentares da
Doenças que outrora eram consideradas e criança.
diagnosticadas apenas na população adulta, atualmente têm A razão do não ou pouco conhecimento dos
sido observadas e diagnosticadas com frequência em pais/responsáveis em identificar a criança com obesidade
crianças28. colabora para o elevado índice de crianças com esta condição
Quando questionados sobre o nível de saúde (Categoria nutricional. Essa falha no reconhecimento pode ser um grande
5), se eles achavam que as crianças que apresentavam maior obstáculo na busca por um tratamento adequado e também na
peso eram mais saudáveis e o porquê, alguns responderam adesão de novos hábitos alimentares em prol da saúde de seus
que a sua criança não era saudável devido apresentar filhos.
obesidade e sentia rotineiramente “alteração de humor”, “falta No que se refere ao tratamento, deve envolver toda a
de ar”, “cansaço rápido ao brincar”, já outras responderam que família e não somente a criança e seu distúrbio nutricional,
não achava que o excesso de peso influenciasse na saúde da destacando-se a importância de uma abordagem adequada do
criança, mas não souberam explicar o porquê. tema por parte dos profissionais de saúde com as famílias,
A partir das falas dos entrevistados, não foram enfatizando a importância do nutricionista na UBS, sendo
encontradas crenças culturais relacionadas ao peso da responsável por promover educação nutricional e reeducação
criança, divergindo de outros estudos, nos quais houve uma alimentar. É necessário, ainda, nas medidas de caráter
relação entre excesso de peso e melhor nível de saúde e baixo preventivo incluir o ambiente escolar além da família e da
peso com situação de má nutrição da criança, em que as equipe multidisciplinar, a fim de promover melhor qualidade de
mães/familiares acreditavam que o excesso de peso deixava a vida às crianças, reduzindo os índices de obesidade infantil.
criança mais forte, ajudando a se recuperar mais rápido das
doenças e que as crianças mais magras eram mal alimentadas
pelos pais, e que assim, estariam mais susceptíveis a
doenças18,29.

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