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CRIPTOMOEDAS

Novas pirâmides
prometem lucro de até
50% com investimentos
em bitcoin
Com a ajuda de um grupo anônimo de hackers,
autoridades investigam ao menos sete empresas
de investimentos clandestinos e que atraem,
pelo menos, 4 milhões de pessoas

Reportagem: Renato Jakitas / Infografia: Bruno


Ponceano
16 de julho de 2019 | 21h00

Depois da engorda de bois que não nasceram


nas Fazendas Reunidas Boi Gordo e dos
telefones da Telexfree que não davam linha, uma
nova onda de investimentos suspeitos de prática
de pirâmide financeira cresce pelo Brasil. Os
supostos esquemas, agora, envolvem as moedas
virtuais, ou criptomoedas, como o bitcoin. As
empresas prometem ganhos de até 50% ao mês
sobre o capital aportado pelos investidores.

Essas empresas estão sob a mira do Ministério


Público Federal, da Polícia Federal e da
Procuradoria da Fazenda Nacional. Nos últimos
meses, as autoridades fecham o cerco sobre
esses grupos que, segundo a polícia,
apresentam-se disfarçados de empresas de
investimentos. Supervisionado por essas
autoridades, um grupo anônimo de hackers
formado por integrantes do mercado de
criptomoedas identificou mais de 50 empresas
do gênero em atividade pelo Brasil no momento.

Com base em decisões recentes da Comissão de


Valores Mobiliários (CVM), cruzando com
investigações em curso pela Polícia Federal e
denúncias do Ministério Público, a reportagem
chegou a sete dessas empresas.

Todas são tocadas por empresários já


conhecidos pela polícia, com histórico de
envolvimento em outras piramides financeiras
(veja no gráfico abaixo).

Líderes de empresas
suspeitas passaram por
outras pirâmides

FX Trading Goodream Indeal

King Investimentos e Bentley Nasdacoin

Unick Forex Zero 10

Philip Wook Han e Carla Moreira Han, responsáveis


pela FX Trading, tiveram passagem por 3 empresas
(iFreex, Mr. Link e WCM777)

19

BBOOM

FX TRADING BITCONNECT

D9 CLUB

DOME ASSISTÊNCIA
GOODREAM
GAME LOOT NETWORK
IFREEX
IPRO NETWORK

INDEAL MINERWORLD

KING INVEST. MISTER COLIBRI


E BENTLEY

MR. LINK

NASDACOIN NEONN CORPORATION


PAYMONY

UNICK FOREX PHONER


SWISSGOLDEN

ZERO 10 TELEXFREE

UNIVERTEAM
WCM777
WMOB

As autoridades estimam que esses negócios


movimentam algumas dezenas de bilhões de
reais e que tenham arregimentado, pelo menos,
4 milhões de pessoas. Apenas uma dessas
empresas, a FX Trading, contava, segundo a
própria empresa, com quase 2 milhões de
investidores no final de junho.

De acordo com as autoridades, o alto


crescimento desses negócios está no fato de que
eles realmente pagam aquilo que prometem no
início aos participantes. O dinheiro para os
saques seria proveniente dos novos aportes,
realizados pelo crescimento da base de clientes,
e não resultado dos investimentos que eles
dizem realizar.

Para se ter uma ideia, enquanto uma aplicação


de renda fixa como um CDB emitido por uma
banco de grande porte rende entre 5% e 6% ao
ano, as empresas que operam nesse modelo
divulgam lucros de 20%, 30% e até 50% ao mês
sobre o capital investido.

E, para pagar esse “lucro”, as autoridades dizem


que as empresas precisam aumentar sua base de
participantes pelo menos de forma proporcional.
“Uma empresa que diz pagar 15% de juros ao
mês, precisa aumentar sua base de vítimas em
pelos menos 15% ao mês”, explica Guilherme
Helder, delegado da Polícia Federal do Espírito
Santo, que investiga algumas dessas empresas.

Como justificativa para esses rendimentos


turbinados, as empresas divulgam vídeos e
fazem encontros presenciais com possíveis
interessados. Nelas, recorrem ao histórico de
oscilação do bitcoin, moeda virtual que, no final
de 2017, alcançou uma valorização de quase
1.000% em um ano, chegando a US$ 20 mil -
para desabar na sequência e nunca mais
recuperar esse patamar.

Os empresários do ramo afirmam aos


investidores serem capazes de multiplicar essa
oscilação com a técnica da arbitragem
internacional das moedas (comprar barato em
um país para vender mais caro em outro).

Especialistas, contudo, duvidam da técnica.


Segundo eles, apesar de lucrativa, essa
arbitragem não é garantia de sucesso há pelo
menos dois anos e, mesmo no passado, sempre
dependeu de fatores externos ao interesse do
operador para ser bem-sucedida.

“Hoje existe uma diferença do preço do Brasil


para o exterior, mas é bem menor”, diz Raphael
Soffieti, especialista em criptomoedas do Zero
Bank. “Até o começo de 2017 existia uma
diferença no preço do bitcoin do Brasil para os
Estados Unidos de até 15%. Quando começaram
a entrar grandes players no mercado, incluindo
bancos, essa diferença caiu praticamente para
zero. Hoje podemos falar tranquilamente que
essa diferença chegou a 1% e, muitas vezes, ela
nem existe.”

HACKERS E AUTORIDADES

Das sete empresas identificadas pela


reportagem, uma se tornou alvo de uma
operação da Polícia Federal, no dia 21 de maio,
outra foi denunciada pelo Ministério Público no
começo de junho, e outras duas deixaram de
operar, concluindo o golpe, na opinião dos
investigadores. Em pelo menos um desses casos,
da empresa King Investimentos, o fim da
operação acabou em caso de polícia. Furiosos, os
investidores invadiram a sede do
empreendimento na cidade de Rondonópolis,
em Mato Grosso, depredaram as instalações e
agrediram funcionários.

Procuradora da Fazenda Ana Paula Bez Batti. Felipe


Rau/Estadão

“A volatilidade das criptomoedas por si só já


demonstra que o sistema de rentabilidade fixa
nesses modelos de empresas é uma bola de neve
em que uma hora novos investidores estarão na
verdade remunerando a rentabilidade dos
anteriores, o que caracteriza o modelo piramidal,
conhecido pelo mercado como esquema de
ponzi”, diz a Procuradora da Fazenda Ana Paula
Bez Batti.

Segundo ela, a falta de regulamentação do


mercado de criptomoedas, onde não há sequer a
obrigatoriedade de identificação no momento da
abertura de um cadastro nas corretoras
especializadas, leva muitas empresas que ela
reputa de má-fé a ocultar o registro de seus
domínios na internet. “E sumirem com o dinheiro
de seus clientes, dificultando para as
autoridades identificar os atores dessas
fraudes”, conta.

Uma das empresas suspeitas de pirâmide com


criptomoedas é a FX Trading, de Philip Wook
Han, um brasileiro filho de sul-coreanos, nascido
em Foz do Iguaçu (PR). Ele já é investigado pela
Polícia Federal por outro esquema de pirâmide,
o iFreex, no Espírito Santo e, recentemente, foi
alvo de um ato declaratório da CVM, órgão que
regula o mercado de capitais no Brasil.

A CVM proibiu a atuação da FX no mercado de


valores mobiliários e determinou a suspensão
imediata de veiculação de qualquer oferta, sob
pena de multa de R$ 1 mil por desrespeito da
decisão. A empresa segue em operação.
Recentemente, Philip Han colocou quase 7 mil
pessoas dentro do Credicard Hall, casa de shows
tradicional da zona sul de São Paulo, em um
evento de motivação para a FX, decorado por
sua coleção de carros importados, que inclui
Ferraris vermelhas e McLarens amarelas.

O principal chamariz da FX é a promessa de um


retorno de 30% ao mês, com a arbitragem de
criptomoedas. Os pacotes de investimento
começam em US$ 100 por mês, com lucro de
US$ 40. Quem aportar US$ 50 mil terá, segundo
a empresa, retorno de US$ 20 mil, com
pagamentos aos aplicadores todas as segundas e
sextas-feiras. A empresa se diz sul-coreana e, em
posts simples nas redes sociais e mensagens de
WhatsApp, afirma que está presente em mais de
200 países, com 7 milhões de clientes ativos.

A polícia, contudo, afirma que a FX Trading é


operada do Brasil por Philip Han, que hospeda os
sites no exterior para dificultar a ação das
autoridades.

Reprodução

Reprodução

Em vídeo, Han mostra seus rendimentos. Em


dois dias, o empresário diz que faturou US$ 633
mil. Esses vídeos são normais entre os
investigados. Fazem parte do clima para
arregimentar novos investidores e motivar os
atuais.

Em outro vídeo, gravado durante encontro com


investidores, Han assume que a empresa opera
no esquema de pirâmide. Ele diz que prepara
uma forma para devolver o dinheiro dos últimos
clientes que ingressarem.

Reprodução

De acordo com um empresário do ramo, também


investigado por esquema de pirâmide e que
conversou sob a condição de anonimato, os
investimentos clandestinos terminam de duas
formas: abruptamente ou bem devagar. “A
segunda opção é sempre a perseguida pelos
estelionatários, que tentam evitar a todo o custo
a versão abrupta, que sempre causa furor no
mercado”, diz.

BOI GORDO

Um exemplo de fim tumultuado dentro desse


mercado é o da Fazendas Reunidas Boi Gordo. A
empresa prometia retornos de até 42% em um
ano e meio em troca de investimentos coletivos
em bezerros e no processo de “engorda do gado”,
mas caiu subitamente em 2004, deixando
dívidas de R$ 4,2 bilhões e um rastro de 32 mil
pessoas sem seus investimentos.

“Não queremos ninguém batendo em nossa


porta”, diz Philip Han a um investidor. Envolvidos
com o esquema duvidam disso. “Normalmente,
quando chega nessa proporção (da FX), é bem
difícil não causar barulho. E depende muito
também da inteligência do cara. As vezes, ele se
considera tão bom que vai até o fim e deixa a
coisa explodir”, afirma um líder de equipe de
vendas do setor.

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Dono de esquema falido de pirâmides conta detalhes do modus


operandi

Segundo especialistas, o momento de encerrar


um golpe do tipo é quando o negócio começa a
arrecadar menos do que está pagando. Quando
as retiradas são maiores do que as entradas, o
dono começa a alterar os bônus pagos aos
participantes. Começa com pequenas travas de
saques, aumenta as taxas e, quando a coisa
aperta, diminui os bônus.

“Aí, se o dono tiver sorte, as pessoas vão saindo,


até que quem fica é tão pouca gente que o
barulho da reclamação não é tão grande… No
final, o negócio, que era um esquema, foi
mudando até se tornar um negócio normal.
Ninguém que entrou pelo esquema quer mais
continuar nele”, destaca o ex-dono de uma
pirâmide.

SAÍDA PREPARADA

Nivaldo Gonzaga dos Santos. Divulgação

Para as autoridades, quem está neste momento


de desembarque do esquema é Nivaldo Gonzaga
dos Santos, da Zero10. Nivaldo possui dois CPFs
(125.182.688-12 e 263.052.278-45) e responde
a processo por estelionato e furto em Mato
Grosso do Sul.

Numa tentativa de despistar as autoridades, ele


está finalizando as atividades da Zero 10. No
lugar, recentemente lançou a empresa Tree
Parts, que opera no mesmo endereço, com os
mesmos telefones e com esquema parecido.

Santos começou a carreira em outros esquemas,


como Bboom, Telexfree, Mistercolibri, Paymony,
todas empresas alvo de processos por pirâmide
financeira. A Zero10 é alvo de processo na CVM,
que já proibiu a sua atividade. Ela garante
retorno de 15% ao mês sobre os investimentos.

O modelo de negócios da Zero 10 é similar ao da


empresa Indeal, de Novo Hamburgo, no Rio
Grande do Sul. A empresa teve a estratégia de
expansão acelerada de investidores
interrompida por uma operação da Polícia
Federal no dia 21 de maio.

A Indeal já estava proibida de atuar pela CVM


depois de uma campanha de publicidade local
em que prometia 15% de retorno aos clientes
por mês. No dia 21 de maio, contudo, uma
operação conjunta entre as polícias Civil e
Federal e a Receita Federal fechou a empresa e
prendeu os proprietários, Regis Lippert
Fernandes, ngelo Ventura Silva, Marcos Antônio
Fagundes, Tássia Fernanda da Paz e Francisco
Daniel Lima de Freitas.

Segundo a polícia, eles vão responder por gestão


fraudulenta, por não investirem em
criptomoedas como prometido, e por
apropriação indébita financeira. Eles são
acusados de desviar cerca de R$ 700 milhões
dos investidores.

Os sócios já tinham liderado outro esquema


acusado de pirâmide financeira com
criptomoeda, a Minerworld, de Cícero Saad e
Hércules Gobbi, alvo da operação “Lucro Fácil”,
da Polícia Federal, em abril de 2018.

OUTRO LADO

A reportagem tentou por quase 60 dias contato


com os citados. Leidimar Bernado Lopes, da
Unick, James Batista, da Nasdacoin, e Nivaldo
Gonzaga dos Santos, da Zero 10 e Tree Parts,
não responderam aos pedidos de entrevista
feitos por intermédio de funcionários ou pessoas
próximas. Mateus Ceccatto, da King, não foi
localizado. A defesa dos sócios da Indeal não
respondeu aos pedidos de entrevista.

Por meio de sua então assessoria de imprensa,


Phillip Han, da FX Trading, disse que os
advogados da empresa entrariam em contato.
Em uma ocasião, um homem que se apresentou
como representante legal da FX, falou com o
Estado, para agendar um encontro. Questionado
sobre o nome e seu registro na Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB), a pessoa desligou o
telefone e não voltou a procurar a reportagem.

Os donos da Goodream foram contatados por


meio da ex-diretora de marketing da empresa,
Regina Vitória. Ela negou a participação no
esquema e disse que estava em outra empresa.
Por isso, não tinha mais contato com os donos da
Goodream. Oziel Rodrigues e Alan Souza não
responderam às mensagens em seus celulares.

ATIVA

FX Trading

CVM proibiu a atuação da empresa no mercado


de intermediação de valores mobiliários.
Também determinou a suspensão imediata de
veiculação de qualquer oferta, sob pena de multa
de R$ 1 mil por desrespeito da decisão

Promessas: Retorno de 30% ao mês,


com a arbitragem de criptomoedas

Empresas anteriores: iFreex,


WCM777 e Mr. Link

Philip Wook Carla Wook


Han Han

INATIVA

Goodream

Investigada pela Polícia Federal, a empresa


era desconhecida da CVM. A Goodream atuou
sem CNPJ. Operava com registro de um
outro negócio de Oziel Rodrigues, de venda
de suplementos, chamada Academios DC
Fitness Eirelli

Empresas anteriores: D9Club, Minerworld,


Mister Colibri, 19, Neonn corporation,
Telexfree, Unick Forex e Univerteam

Oziel Alan
Rodrigues Souza

INATIVA

Indeal

Proibida de atuar pela CVM, foi fechada pela


Polícia Federal no dia 21 de maio. A empresa é
acusada de montar uma pirâmide financeira
que desviou cerca de R$ 700 milhões dos
investidores, usando como argumento o
investimento em moedas virtuais

Promessas: Retornos de 15% ao mês

Empresas anteriores: BBoom, D9 Club,


Minerworld e Mister Colibri

Ângelo Francisco Marcos Regis Tássia


Ventura Daniel Lima Antônio Lippert Fernanda

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