Metodologias Ativas

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 160

ABENFARBIO

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO FARMACÊUTICO E BIOQUÍMICO

METODOLOGIAS ATIVAS:
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Organização:
Carlos Cecy
Geraldo Alécio de Oliveira
Eula Maria de Melo Barcelos Costa

Brasília - 2013
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Princípios de Atuação da ABENFARBIO


- Fundada em 1965 -

1. MISSÃO:

Desenvolver ações de atenção, promoção e orientação do ensino farmacêutico


junto às Instituições de Ensino Superior, nas diversas áreas da formação profissional
no país. Promover a inserção do farmacêutico nas políticas governamentais da
saúde; representar e defender os interesses da educação farmacêutica nos órgãos
e instituições de educação e saúde nacionais e internacionais.

2. VISÃO:

“Ser uma associação de referência para a Educação Farmacêutica no Brasil,


em sintonia com as necessidades da sociedade, servindo e contribuindo para a
melhoria contínua do processo ensino/aprendizagem/atuação profissional”.

3. VALORES

• Comprometimento com a profissão;


• Democracia;
• Ética;
• Liberdade de comunicação;
• Respeito aos docentes e às instituições de ensino superior;
• Transparência;
• União.

4. COMPROMISSOS DA ABENFARBIO

“Orientar e auxiliar os profissionais do ensino de farmácia na formação


pessoal, social e profissional dos farmacêuticos, contribuindo para o crescimento e
o sucesso da profissão por meio da formação de cidadãos éticos e comprometidos
com a saúde e o bem-estar da humanidade”.

3
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

COLABORADORES
Ana Lúcia Faria Ribeiro: Farmacêutica, professora da Escola de Ciências de
Saúde da Universidade Anhembi Morumbi, Especialista em Educação em Saúde e
Mestre em Ensino Superior em Saúde pelo Centro de Desenvolvimento do Ensino
Superior em Saúde - CEDESS da Universidade Federal de São Paulo/UNIFESP.
Contato: [email protected]

Ângela Salvi: Pedagoga com Pós - graduação nas áreas de saúde e educação,
mestranda em Gestão de Sistemas de e.learning, servidora da Fundação Nacional
de Saúde, atualmente cedida a Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco, é
professora convidada dos Cursos de Pós - Graduação do IBPEX e SENAC.

Carlos Cecy: Farmacêutico. Exerceu a carreira docente por mais de 40 anos na


UFPR e da PUC-PR. Doutor e Livre Docente pela UFPR. Especialista em Tecnologia
Farmacêutica pela UFMG. Membro da Comissão de Ensino do Conselho Federal de
Farmácia. Atualmente é presidente da ABENFARBIO. Contato: [email protected]

Eula Maria de Melo Barcelos Costa: Farmacêutica, professora e diretora


do Curso de Farmácia da Universidade Federal de Goiás. Membro da CPA/UFG.
Especialista em Análises Clínicas pela UFG/USP e Especialista em Avaliação
Institucional pela UNB. Mestre em Medicina Tropical e doutora em Ciências da
Saúde pela UFG. Atualmente é secretaria geral da ABENFARBIO e membro da
Comissão Assessora de Educação Farmacêutica do Conselho Federal de Farmácia.
Contato: [email protected]

Flávia Morais: Farmacêutica, coordenadora do Curso de Farmácia da Faculdade


Pernambucana de Saúde (FPS). Mestre e doutora em Ciências Farmacêuticas pela
Universidade Federal de Pernambuco. Membro da comissão de Ensino do CRF-PE.
Farmacêutica industrial da área de P&D do LAFEPE. Contato: [email protected]

Geraldo Alécio de Oliveira: Farmacêutico, professor e coordenador do Curso


de Farmácia da Universidade Anhembi Morumbi. Mestre e Doutor em Farmácia
pela Universidade de São Paulo. Membro da comissão Assessora de Educação
Farmacêutica do CRF-SP. Atualmente é vice-presidente da ABENFARBIO. Contato:
[email protected]

Gilcilene Maria dos Santos El Chaer: Doutora em Medicina Tropical pela


Universidade de Brasília. Farmacêutica da SES-DF. Conselheira Regional pelo
CRF-DF, membro da Comissão de Ensino do CRF-DF. Atualmente é tesoureira da
ABENFARBIO. Contato: [email protected]

4
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Maria Lúcia Cocato: Farmacêutica - Bioquímica pela Universidade de São


Paulo, Mestre e Doutora em Ciências dos Alimentos pela Universidade de São
Paulo. É professora da área de alimentos dos cursos de Graduação em Farmácia e
em Nutrição da Universidade Anhembi Morumbi.

Maria Rita de Carvalho Garbi Novaes: Pós-doutora em Ética em Pesquisa


Biomédica e Psicossocial - Universidade do Chile; Doutora em Ciências da Saúde
– Universidade de Brasilia; Mestre em Educação de Profissionais de Saúde –
Universidade de Maastrich - Holanda; Graduada em Ciências Farmacêuticas -
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul; Professora, Pesquisadora e Gerente
de Desenvolvimento Docente e Discente do Curso de Medicina da Escola Superior
de Ciências da Saúde/Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde,
Governo do Distrito Federal. Professora e Orientadora do Programa de Mestrado e
Doutorado em Ciências da Saúde da Universidade de Brasilia.

5
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

6
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

SUMÁRIO
Prefácio ............................................................................................. 02

Capítulo 1
Uso de Metodologias Ativas em Educação Superior
1.1. Introdução ................................................................................. 00
1.2. Aprendizagem Baseada em Metodologias Ativas ............................... 00
1.3. O que é Metodologia Ativa de Aprendizagem? .................................. 00
1.4. Implantação de um Programa Baseado em Metodologias Ativas .......... 00
1.5. Metodologias Ativas .................................................................... 00
1.6. Uso de Metodologias Ativas em Educação Farmacêutica ..................... 00
1.7. Bibliografia Consultada ................................................................ 00

Capítulo 2
Currículo Integrado como Base para o Uso de Metodologias Ativas
2.1. Introdução ................................................................................. 00
2.2. Currículo Integrado ..................................................................... 00
2.3. Assuntos Integradores ................................................................. 00
2.4. Projetos Interdisciplinares ............................................................ 00
2.5. Fusão de Disciplinas .................................................................... 00
2.6. Temas Interdisciplinares ou Eixos Integradores ................................ 00
2.7. Currículos Modulares .................................................................... 00
2.8. Currículo Baseado em Competências ............................................... 00
2.9. O Uso de Ferramentas Ativas de Ensino como Estratégia .................... 00
de Interdisciplinaridade ............................................................... 00
2.10. Como Montar um Currículo Integrado? ............................................ 00
2.11. Considerações ............................................................................. 00
2.12. Bibliografia Consultada ................................................................ 00

Capítulo 3
Aprendizagem Baseada em Problemas
3.1. Introdução ................................................................................. 00
3.2. Estrutura Organizacional que Permite a Implantação da APB .............. 00
3.3. Características e Elementos Essenciais da ABP ................................. 00
3.4. A Organização do Processo de Aprendizagem na ABP ........................ 00
3.5. Os Sete Passos da ABP ................................................................. 00
3.6. Princípios Orientadores na Construção de Problemas Efetivos ............. 00
3.7. Avaliação na ABP ........................................................................ 00
3.8. Considerações Finais .................................................................... 00
3.9. Bibliografia Consultada ................................................................ 00

7
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Capítulo 4
A Metodologia da Problematização e a Educação Farmacêutica
4.1. Introdução ................................................................................. 00
4.2. A Problematização e o Processo de Ensino-Aprendizagem .................. 00
4.3. Ambientes Autênticos de Aprendizagem e o Método da
Problematização ......................................................................... 00
4.4. A Problematização em Atividades Integradas de Ensino, Serviço
e Comunidade: Desafios na Formação do Farmacêutico ...................... 00
4.5. Estratégias de Ensino-Aprendizagem em Metodologias Ativas
de Problematização ..................................................................... 00
4.6. Avaliação do Estudante, do Docente e do Processo de
Ensino - Aprendizagem em Metodologias Ativas com Problematização . 00
4.7. Considerações Finais .................................................................... 00
4.8. Bibliografia consultada ................................................................... 00

Capítulo 5
Estudo de casos
5.1. Introdução ................................................................................. 00
5.2. O Estudo de Casos como Ferramenta de Aprendizagem ....................... 00
5.3. O Uso de Estudo de Casos em Educação na Área da Saúde .................. 00
5.4. O Uso de Estudo de Casos em Sala de Aula ...................................... 00
5.5. Planejamento e Avaliação ............................................................. 00
5.6. Considerações Finais .................................................................... 00
5.7. Exemplo de Estudos de Casos em Educação Farmacêutica ................... 00
5.8. Bibliografia Consultada ................................................................ 00

Capítulo 6
Aprendizagem Baseada em Projetos
6.1. Contextualizando ........................................................................ 00
6.2. Caminhos e Estratégias ................................................................ 00
6.3. Projetos Baseados no Arco de Maguerez .......................................... 00
6.4. Projetos como Metodologia de Ensino e Aprendizagem ...................... 00
6.5. Projetos no Contexto do Ensino Superior ......................................... 00
6.6. Considerações Finais .................................................................... 00
6.7. Bibliografia Consultada ................................................................ 00

Capítulo 7
Avaliação da Aprendizagem Baseada em Problemas
7.1. Introdução ................................................................................. 00
7.2. Avaliação da Aprendizagem nos Diferentes Ambientes do ABP ............ 00

8
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

7.3. O que é avaliar? .......................................................................... 00


7.4. Modelo de Avaliação Orientado por Metodologias Ativas
de Aprendizagem ........................................................................ 00
7.5. Avaliação nos Grupos Tutoriais ...................................................... 00
7.6. Avaliação Cognitiva (teste cognitivo) ............................................. 00
7.7. Avaliação dos Pares ..................................................................... 00
7.8. Autoavaliação............................................................................. 00
7.9. Avaliação do Coordenador de Tutor ................................................ 00
7.10. Avaliação do Tutor ...................................................................... 00
7.11. Avaliação dos Módulos ................................................................. 00
7.12. Avaliação dos Laboratórios ........................................................... 00
7.13. Ambientes da Vivência da Prática Profissional .................................. 00
7.14. Teste Progressivo ou Teste do Progresso .......................................... 00
7.15. Avaliação dos Preceptores, Tutor Supervisor e Ambientes de Práticas ... 00
7.16. Autoavaliação Institucional .......................................................... 00
7.17. Considerações Finais .................................................................... 00
7.18. Bibliografia Consultada ................................................................. 00

Considerações Finais ........................................................................... 00

9
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

10
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

PREFÁCIO
Em educação farmacêutica, ainda predominam modelos de ensino que se-
guem padrões tradicionais fruto de reprodução ao longo dos tempos, daque-
les que vivenciamos com nossos mestres. A sociedade mudou. Informações se
tornam obsoletas rapidamente, novas gerações de estudantes assumem novos
perfis, a cada ano surgem novas tecnologias e as relações humanas e sociais se
modificam no dia a dia. O mundo se tornou mais dinâmico e transformador, mas
os modelos de ensino ainda persistem tradicionais!
As relações sociais mudaram e o ensino, como forma de relação social, deve
seguir o mesmo caminho. Para acompanhar o movimento mundial de transfor-
mação da educação, é necessário revolucionar as salas de aula das universidades
brasileiras. A ABENFARBIO, atenta a essa realidade, iniciou um processo de sen-
sibilização nacional para este movimento, considerando que os professores do
ensino superior geralmente não passaram por processos de capacitação docente
e desconhecem técnicas de ensino mais modernas ou mais apropriadas, para
resultados significativos de aprendizagem. Na maioria das vezes, ainda adotam
práticas desconectadas com o mundo moderno, que não mais fazem parte do rol
das boas práticas de ensino e formação superior.
Esta inquietação não é exclusiva da educação farmacêutica. Em geral, os
cursos da área da saúde no Brasil enfrentam as mesmas angústias e passam pelos
mesmos debates. É premente a necessidade de inovar mas muitos de nós ainda
não sabem como.
O quadro atual da profissão farmacêutica, em parte, é resultado de décadas
de ensino e, portanto, nós educadores farmacêuticos somos também responsáveis
pelos acertos e erros ao longo dos anos. Se desejamos promover mudanças na
profissão para aumentar o seu prestígio diante da sociedade, não podemos nos
esquivar da responsabilidade de transformar. Faz-se necessário unir e viabilizar es-
tratégias para fortalecer a graduação e aprimorar a formação dos profissionais que
já estão no mercado, o que também deve ser uma verdade para a pós-graduação,
pois, esta é, na maioria das vezes, a grande fonte de novos professores.
Neste contexto, nos últimos anos, a ABENFARBIO apoiou e promoveu uma
série de eventos regionais, nacionais e até internacionais, participou de vários
encontros, levantou importantes discussões sobre a melhoria da qualidade da
educação farmacêutica, desenvolveu um programa de capacitação docente e por
fim, publicou diversos documentos na área, incluindo dois livros sobre educação
farmacêutica.

11
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

A 2ª edição do livro “Metodologias Ativas: Vivências e Experiências em


Educação Farmacêutica”, revisada e melhorada, traz orientações sobre o uso des-
sas metodologias, vantagens, estratégias para implantação, sugestão de modelo
interdisciplinar, descrição das principais metodologias ou ferramentas ativas de
ensino e, finalmente, uma orientação sobre a avaliação da aprendizagem em um
dos modelos apresentados.
Com isso, a ABENFARBIO cumpre o seu compromisso de orientar e auxiliar
os profissionais do ensino de Farmácia na melhoria da qualidade da educação
farmacêutica.

Boa leitura aos colegas!


Eula Maria de Melo Barcelos Costa

12
Capítulo 1
Metodologias Ativas em Educação Superior
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

1 - Uso de Metodologias Ativas em Educação Superior


Autor: Geraldo Alécio de Oliveira

1.1 Introdução

Considerando os enormes avanços alcançados pela ciência, uma das áreas


que ainda se mantém bastante tradicional é a educação. Após vários séculos per-
dura a tradição de que profissionais renomados, competentes, com sucesso em
suas atividades específicas são os melhores para o ensino superior. Contudo, essa
visão de quem sabe, automaticamente sabe ensinar tem sofrido várias críticas nas
últimas décadas. A profissão docente, assim como as demais profissões, exige
capacitação própria e específica, pois, a atividade de educador vai muito além
das funções de produzir e socializar o conhecimento. Para o exercício adequado
da atividade de professor universitário exige-se muito mais do que um diploma,
ou mesmo mestrado ou doutorado.
Embora a educação superior viva um ambiente de mudanças e melhorias
constantes, muitos docentes ainda questionam por que discutir e implementar
mudanças nos modelos de ensino se sentem-se bem sucedidos e ensinam bem
suas disciplinas? Para responder este tipo de pergunta basta averiguar a evolu-
ção e as transformações que vêm acontecendo no ensino fundamental e médio
brasileiro e o movimento que aconteceu nas universidades norte-americanas e
européias. No Brasil, muitas escolas privadas de ensino fundamental e médio já
adotaram o modelo de metodologias ativas e, em breve, estes estudantes estarão
no ensino universitário.
Enquanto no século passado observou-se um forte enfoque no conhecimen-
to de ciências básicas como biologia, física, matemática, português e química,
atualmente observa-se uma maior valorização de conhecimentos gerais, mas sem
detrimento das ciências clássicas (figura 1). O novo estudante necessita estar
adaptado à sociedade pós-moderna, que exige maior conhecimento de temas
gerais como globalização, tecnologia de informação, sustentabilidade, meio am-
biente, catástrofes, economia, política, corrupção, ética, sociedade, integração,
trabalho em equipe, comunicação e tolerância, alem de, muitas vezes, ser ne-
cessário o domínio de mais de um idioma. É um estudante que possui inúmeras
horas de experiência em videogames, em redes sociais, já enviou e trocou mi-
lhares de e-mails, e acumula cerca de 7.000-10.000 mil horas on line trocando e
vivendo novas experiências, buscando novas informações, num mundo dinâmico.
Este estudante dificilmente se adaptaria a um modelo tradicional de ensino ba-
seado somente em aulas expositivas.

15
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Ciências Básicas Conhecimentos Gerais

Conhecimentos Gerais Ciências Básicas

Século XX Século XXI


Figura 1: Comparação do Perfil do Estudante do Século XX com do Século XXI

Muitas vezes alguns professores mencionam que “os estudantes atuais não
sabem nada, são despreparados para freqüentar uma universidade ou são ima-
turos”. Contudo, após uma avaliação crítica, pode-se afirmar que apenas são
“diferentes”, com uma diferença cultural média de duas décadas em relação aos
seus mestres. Vivem numa sociedade imediatista, dinâmica e apoiada em tecno-
logia, cujas informações estão disponíveis em vários meios de comunicação no
momento que desejarem. São criados com novos valores, com novas atitudes,
em busca de novos sonhos e expectativas. Estão num mundo em constantes
transformações, inseguro, competitivo, que exige uma grande capacidade de in-
teração pessoal e virtual. Aqui surge uma primeira reflexão: os estudantes devem
adaptar-se à cultura de seus mestres ou os mestres devem procurar adequar-se
ao mundo de seus aprendizes?
Enquanto ciência humana, a educação se caracteriza pela subjetividade,
pelo pensamento crítico e suas reflexões, pela discussão e compreensão dos
fatos, em busca da interpretação da realidade. Por outro lado, as ciências
biológicas procuram justificar fatos em busca da verdade e da objetividade.
O ensino universitário na área da saúde caracteriza-se pela sua rigidez e lin-
guagem especializada, pelo corte dos saberes em disciplinas reconhecidas,
pela obrigação de referir as suas idéias às de outros autores. Utiliza-se de
forma abundante de citação, ligando a autoridade intelectual à posição hie-
rárquica, produzindo um conhecimento predominantemente escrito, deixan-
do de lado os valores, as crenças, a cultura e especialmente as experiências e
as habilidades pessoais de cada indivíduo. No meio deste conflito ideológico
encontra-se o professor, formado em ciências outras que não as ciências hu-
manas, mas disposto a trabalhar com estas, buscando a objetividade numa
profissão naturalmente subjetiva.

16
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

1.2 Aprendizagem Baseada em Metodologias Ativas

Metodologias ativas são processos interativos de conhecimento, análise,


estudos, pesquisas e decisões individuais ou coletivas, com a finalidade de en-
contrar soluções para um problema, um caso, ou construir e executar um pro-
jeto. O professor atua como facilitador ou orientador para que o estudante faça
pesquisas, reflita e decida por ele mesmo, o que fazer para atingir um objetivo.
É um processo que estimula a autoaprendizagem e facilita a educação continua-
da porque desperta a curiosidade do aprendiz e, ao mesmo tempo, oferece meios
para que possa desenvolver capacidade de análise de situações e apresentar
soluções em consonância com o perfil psicossocial da comunidade na qual está
inserido. As ferramentas ativas de ensino podem ser usadas em qualquer discipli-
na e com estudantes de todas as idades, do ensino básico ao superior. Em algu-
mas áreas do conhecimento como nas áreas de saúde, engenharia e arquitetura,
economia e administração esses conceitos já são mundialmente mais difundidos
e implementados.
De acordo com as diretrizes curriculares nacionais para os cursos de gra-
duação na área da saúde, estes deverão ter como perfil o formando egresso/
profissional com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, para
atuar em todos os níveis de atenção à saúde, com base no rigor científico e
intelectual. Capacitado ao exercício profissional, pautado em princípios éti-
cos e na compreensão da realidade social, cultural e econômica do seu meio,
dirigindo sua atuação para a transformação da realidade em benefício da
sociedade. Mas construir uma formação crítica, ética, humanista, pró-ativa
e reflexiva por meio de aulas expositivas é um processo complexo, muitas
vezes pré-determinado ao fracasso. É necessário um modelo de aprendizagem
que permita a formação com conteúdos tecnicistas, mas com forte desen-
volvimento da formação de competências, habilidades, atitudes e valores.
Neste contexto, as metodologias ativas se apresentam como um modelo mais
adequado para a formação superior.
Os recentes avanços no ensino superior trazem novas tendências na forma-
ção do egresso. Além da formação tecno-profissional, propõem uma sólida for-
mação pessoal e social. Comparado com o modelo tradicional que apresenta um
forte enfoque tecnicista, o modelo baseado em metodologias ativas mostra uma
preocupação com a formação integral do estudante, procurando formar o cida-
dão. Para atender esta nova exigência social, as instituições de ensino superior
estão gerando algumas tendências curriculares mais modernas como:

Ampliar os conhecimentos das ciências sociais e humanas que se tornam


fundamentais na formação profissional e pessoal;

17
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Buscar a formação de competências, habilidades, atitudes e valores;


Desenvolver a capacidade de aprendizagem independente e contínua
(aprender a aprender);
Formar profissionais com habilidade de comunicação, trabalho em equi-
pe, respeito às opiniões, ética, responsabilidade social e ambiental;
Utilizar metodologias de aprendizagem colaborativas, construtivistas,
contextualizadas, reflexivas, humanistas, investigativas, motivadoras e
desafiadoras;
Fortalecer as ações de interdisciplinaridade dentro do currículo;
Não sobrecarregar o currículo.

A interdisciplinaridade deve ser uma atividade permanente na aprendizagem


baseada em metodologias ativas. Nela desaparece a clássica dicotomia do ensino
universitário, área básica e área profissionalizante. O tradicionalismo é gradati-
vamente substituído por programas mais integrados buscando uma formatação
onde todas as disciplinas devem abordar conhecimentos profissionalizantes. Em
outras palavras, desaparece o modelo de ciências básicas e profissionalizantes
e surge um novo modelo integrado onde as competências, habilidades, valores
e atitudes são construídos desde o primeiro semestre do curso, numa forma de
aprendizagem contextualizada, voltada para resolver problemas reais encontra-
dos no ambiente profissional. Surge uma proposta educacional mais dinâmica e
integrada (figura 2), que, muitas vezes, se confronta com estruturas comuns em
diversas instituições de ensino superior, onde a compartimentalização do ensino
se mantem por meio dos institutos que, com frequência, atuam de maneira iso-
lada, constituindo ilhas de saberes onde a comunicação com as demais áreas de
formação do egresso é dificultada.

Mudanças no Modelo de Ensino-aprendizagem

Ciências Ciências
Ciências Básicas
Ciências Aplicadas
Ciências Básicas
Aplicadas Ciências
Básicas
Profissionalizantes Aplicadas Profissionalizantes
Profissionalizantes Atividades Comunitárias
Integração das Ciências Básicas e Profissionalizantes

Figura 2: Mudanças no Modelo de Ensino-aprendizagem. O uso de metodologias ativas propõe a


aprendizagem de conteúdos profissionalizantes desde o primeiro semestre do curso.

18
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Quando se trabalha com metodologias ativas, desaparece o modelo onde o


professor é o centro das atenções. Surge um modelo baseado na aprendizagem
onde o estudante é o principal agente do processo. A aprendizagem abrange
um processo de crescimento e desenvolvimento da pessoa em sua totalidade,
abarcando minimamente quatro grandes áreas: a do conhecimento, a afetivo-
-emocional, a de habilidades e a de atitudes e valores. Este modelo de aprendiza-
gem envolve o estudante, valorizando suas idéias, sentimentos, valores, cultura,
experiências e meio social. A preocupação de formar o estudante como cidadão
(formação profissional, pessoal e social) exige uma mudança significativa na
educação superior da área da saúde que, historicamente, possui um forte en-
foque tecnicista. A aprendizagem de ciências humanas e sociais exige abertura
para o debate, para a reflexão, para novas teorias e idéias.
Outra característica importante num currículo baseado em metodologias
ativas é o planejamento acadêmico. Diferente de um currículo tradicional, o
planejamento num currículo baseado em metodologias ativas é o ponto chave
para o sucesso da proposta. Começa com a elaboração da matriz curricular, com
a seleção do corpo docente, com a disponibilização de tempo docente para o
planejamento, a discussão de ações integradoras e a realização de reuniões
interdisciplinares. É fundamental a ampliação dos projetos de capacitação do-
cente, além de uma mudança profunda no modelo de avaliação da aprendizagem.
Podemos classificar como pontos críticos para o sucesso de um projeto baseado
em metodologias ativas, o planejamento acadêmico e a capacitação docente.
Nesse sentido, o coordenador do curso assume um papel fundamental nas ações
de planejamento e na proposta de um currículo inovador.
Um ponto orientador para as atividades pedagógicas baseadas em métodos
ativos é atender aos domínios da aprendizagem definidos pela Taxonomia de
Bloom. Eles direcionam as atividades que deverão ser planejadas e desenvolvidas
ao longo do curso para contemplar a formação pessoal, profissional e social do
egresso. São divididos em:

• Cognitivo: conhecimento, compreensão, aplicação, análise, síntese, ava-


liação.
• Psicomotor: reflexos, habilidades perceptivas, habilidades físicas, movi-
mentos de habilidade, comunicação não discursiva.
• Socioafetivo: receptividade, resposta, valorização, organização, caracte-
rização por valores.

Bloom propôs uma hierarquização dos níveis de aprendizagem do mais sim-


ples aos mais complexos. Desta forma é possível planejar o processo de ensino

19
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

de acordo com os níveis alcançados pelo estudante. Por exemplo, no nível cogni-
tivo, um estudante inicialmente deve conhecer e compreender uma informação,
para posteriormente aplicar aquele conhecimento. Numa etapa seguinte estaria
apto para analisar a situação, trabalhar com o procedimento e, finalmente, ava-
liar todos os processos envolvidos. Quando o estudante atinge o último domínio
que é a avaliação, significa que está apto para resolver problemas, interpretar,
comparar, escolher, criticar, validar, decidir e refletir. Assim, ao final de uma
disciplina ou módulo, ou ao final do curso, o estudante deve alcançar os níveis
cognitivos máximos para aquelas competências propostas. Este é o grande de-
safio de um planejamento acadêmico, garantir ao estudante alcançar os níveis
mais elevados de aprendizagem considerando os domínios cognitivo, psicomotor
e socioafetivo.
Seguindo este raciocínio, um estudante somente conseguirá analisar um
caso com profundidade se conhecer e compreender o assunto e se souber aplicar
o conhecimento. Se não passar por estes estágios cognitivos anteriores, poderá
até fazer uma análise, mas com grandes chances de não alcançar profundidade
na tarefa. Do mesmo modo, somente conseguirá tomar uma decisão mais asser-
tiva quem conhece, compreende, sabe aplicar o conhecimento, analisa, inter-
preta, compara, elabora propostas de solução e toma a decisão. Se não houver
este escalonamento de raciocínio, uma pessoa poderá tomar uma decisão, mas
existirá uma chance significativa de não ser a decisão mais adequada. Na figura
3 está demonstrada a hierarquização dos níveis de raciocínio de acordo com a
Taxonomia de Bloom.

Complexo dos
Processos Cognitivos

Avaliar
Sintetizar
Analisar
Aplicar
Compreender
Conhecer
Figura 3: Níveis de complexidade do domínio cognitivo de acordo com a Taxonomia de Bloom.

Na metodologia tradicional, por meio de aulas expositivas, muitas vezes,


a aprendizagem permanece somente nos primeiros níveis, ou seja, conhecer,
compreender e aplicar o conhecimento. Para alcançar níveis mais elevados é

20
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

necessário transformar a sala de aula em ambientes que permitam ao estudante


investigar, discutir, debater, criticar, explicar, integrar, construir, criar, gerenciar,
monitorar, medir, comparar, controlar, aprovar e refletir.
Estes domínios também constituem o ponto de partida para o plane-
jamento da avaliação da aprendizagem. É outro fator chave do processo,
pois existe uma forte tendência no modelo tradicional de ensino de somente
avaliar o cognitivo ou valorar mais este domínio. As avaliações da aprendi-
zagem em currículos mais inovadores prevêem a avaliação dos três domínios
que, não precisam acontecer, necessariamente, de maneira equivalente. Na
prática, pode ocorrer a valorização mais de um ou outro domínio dependendo
das características da disciplina ou do módulo em estudo. Por exemplo, uma
disciplina pode ter uma avaliação com peso 70% cognitivo (saber), outra
50% psicomotor (habilidades ou saber fazer) e, ainda, outra 50% socioafeti-
vo (atitudes e valores ou saber ser).
O grande diferencial do uso de metodologias ativas de aprendizagem é
quebrar a postura clássica, dominante no estudante universitário tradicional.
Apesar do esforço do professor, a metodologia tradicional acaba conduzindo
o estudante a um processo de intensa passividade e conforto frente à apren-
dizagem, sendo poucos os que conseguem sair deste estágio. Algumas carac-
terísticas tradicionais dos estudantes podem ser modificadas e dificuldades
minimizadas durante o processo de aprendizagem com o uso de metodologias
adequadas, a saber:

• Falta de interesse, de motivação ou de comprometimento com a própria


aprendizagem;
• Passividade, individualidade, interesse somente na nota e em passar de
ano e/ou obter diploma;
• Imediatismo, falta de disciplina e hábitos de estudo insuficientes;
• Dificuldades na interpretação, redação e leitura;
• Baixa criticidade;
• Alta heterogeneidade em cada classe e diversidade de maturidade pessoal;
• Estudante-trabalhador: falta de tempo para estudar com pouco contato
extraclasse.

1.3 O que é Metodologia Ativa de Aprendizagem?

É uma estratégia de ensino centrada no estudante, que deixa o papel


de receptor passivo e assume o de agente e principal responsável pela sua
aprendizagem. Metodologias ativas se propõem a substituir a memorização e

21
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

a simples transferência de informações e de habilidades, pela construção do


conhecimento a partir da vivência de situações reais ou simuladas da prática
profissional, estimulando as capacidades de análise crítica e reflexiva e o apren-
der a aprender. O desenvolvimento das potencialidades dos estudantes pressupõe
a adoção de metodologias capazes de aperfeiçoar a resolução de problemas, o
preparo do profissional cidadão e sua participação na construção de uma socie-
dade mais justa e equânime através da intervenção sobre a realidade observada
e vivenciada na universidade e na sociedade.
No modelo ativo, o estudante passa a ter autonomia e responsabilidade pela
própria aprendizagem, por meio de identificação e análise de situações reais de
atuação profissional, da capacidade de elaborar questões e procurar informações
para ampliá-las e respondê-las. Com esta nova postura pessoal, os estudantes
devem adquirir a capacidade de formular, analisar e solucionar questões relevan-
tes da vida profissional.
Em média, estima-se que os estudantes retêm cerca de 10% do que lêem,
20% do que ouvem, 30% do que vêem, mas podem reter cerca de 90% do conhe-
cimento quando se simula uma situação real de ação durante a aprendizagem, seja
por meio de problemas, projetos, estudo de casos ou outro método ativo. Este
aumento significativo da aprendizagem está associado ao fato do estudante usar
o cérebro total durante as atividades, quando são explorados os quatro quadrantes
de dominância cerebral: o analítico, o experimental, o controlador e o afetivo.
Quando avalia-se a taxa de retenção dos estudantes, pode-se construir uma
pirâmide de aprendizagem (figura 4). Nela podemos comparar o percentual de
retenção do conhecimento de acordo com a técnica de ensino utilizada. Nova-
mente, pode-se concluir que estratégias de ensino que favorecem o estudo em
grupo, a discussão, a aplicação do conhecimento, a análise crítica e a interação
entre os estudantes apresentam melhores resultados de aprendizagem.
FORMAS DE TRANSMISSÃO DO
ÍNDICES DE RETENÇÃO CONHECIMENTO
DO CONHECIMENTO
5% Assistir uma palestra

10% Leitura

20% Utilizando recursos áudio-visuais

30% Demonstração/Uso imediato

50% Discuções em grupo


FOCOS DAS
ATIVIDADES 75% Praticando o conhecimento

85% Ensinando os outros

Figura 4: Taxa de retenção do conhecimento.


Fonte: Institute of Applied Behavioural Sciences, 2008.

22
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Conforme a figura acima, sempre que possível, durante o planejamento aca-


dêmico, deve-se privilegiar ferramentas de ensino que permitam a discussão
em classe, o aprender fazendo e a troca de ensinamentos entre os estudantes.
Algumas técnicas como PBL, problematização, estudo de casos, aprendizagem
por projetos e simulação naturalmente permitem que aconteça a aprendizagem
colaborativa. Enquanto uma aula expositiva tradicional não ultrapassa 15% de
retenção, as atividades de aprendizagem em grupo, desde que devidamente pla-
nejadas, ultrapassam 50% de retenção. Por isso, um bom método de ensino
sempre deve criar espaço para que aconteçam atividades em grupo.
Porém, planejar estratégias de ensino que contemplem maiores taxas de
aprendizagem exige capacitação docente, integração e definir critérios de ava-
liação compatíveis, ou seja, deverão ser construídos modelos de avaliação que
considerem os domínios cognitivos, psicomotor e socioafetivo da Taxonomia de
Bloom. Nesta perspectiva, o professor deve explorar as atividades de leitura,
audiovisual e demonstrações, em ambientes extraclasse onde estão menores ta-
xas de retenção, e aproveitar o ambiente nobre da sala de aula para promover
atividades de análise, interpretação, comparação, elaboração de hipóteses de
solução para problemas, discussão, tomada de decisão e reflexão, que são ativi-
dades de aprendizagem com raciocínio elevado.
Neste modelo educacional inovador, o professor assume outras funções
como facilitador, tutor, orientador, motivador e coating. Aqui o professor tem
a responsabilidade de orientar os estudantes para que concluam as atividades
propostas dentro do prazo e as defendam conforme requisitos científicos e me-
todológicos. O sucesso da aprendizagem dependerá das habilidades pedagógicas
do professor e da interação professor-estudante. Daí a necessidade do professor
passar por um amplo programa de capacitação docente que melhore suas habili-
dades pedagógicas.
Deste modo, os professores devem ser mais flexíveis, criativos e críticos.
É preciso saber como se aprende para “aprender como ensinar”. Muitas vezes,
o professor pode esforçar-se para montar uma aula expositiva fantástica, mas
como não atende o modelo de aprendizagem mais eficaz do cérebro, ela pode se
tornar desmotivante, cansativa, monótona, caindo numa frustação generalizada,
onde o estudante se esforçará somente para obter sua aprovação. É necessário
aproximar-se do estudante, conhecer sua história, seus desejos, sonhos, suas
experiências anteriores, criar um ambiente de motivação e desafio. Parte-se do
princípio que “aprende melhor e por mais tempo aquilo que emociona”.
Para trabalhar com metodologias ativas, o professor deverá apresentar com-
petências como: ter habilidades para facilitar a aprendizagem; promover o pen-
samento crítico dos estudantes; promover a aprendizagem individual e em gru-
po; promover o funcionamento eficiente e eficaz do grupo; servir como modelo

23
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

para os estudantes; fomentar a autoavaliação; ter conhecimento dos recursos de


aprendizagem dos estudantes; aceitar a aprendizagem centrada no estudante,
assumindo que este é o principal responsável por ela; finalmente, entender os
objetivos do curso e do método utilizado. Para que a proposta funcione con-
forme planejada, as instituições acadêmicas devem admitir que a maioria dos
professores não teve oportunidade de se aperfeiçoar para a função de educador
que deve desempenhar.
Como resultado de toda esta mudança no modelo educacional, o estudante
sente-se empoderado, capaz de construir o próprio caminho, mais seguro de
seu potencial, com maior auto-estima e autonomia, mais autossuficiente e com
maior motivação para o estudo. Sente-se capaz de intervir e construir o próprio
futuro com maior responsabilidade e comprometimento. Para alcançar esta meta,
o processo de aprendizagem deve trabalhar constantemente com o desafio e a
motivação para o estudo. No Quadro 1 estão apresentadas as algumas diferenças
observadas entre o método tradicional e o baseado em metodologias ativas.

Metodologia Tradicional Metodologia Ativa


Estudantes são receptores passivos da Estudantes são os principais agentes da construção do co-
informação. nhecimento, são ativos e responsáveis pela aprendizagem
Recebem a informação e devem reprodu- Estudantes buscam a informação isoladamente ou em
zi-la durante a avaliação. grupos e demonstram a aprendizagem durante a avaliação.
A aprendizagem é individualizada e com- Aprendizagem ocorre num ambiente de apoio, estudo em
petitiva grupo, trabalho em equipe e colaboração.
Estimula o aprendiz a estu- A avaliação é contínua e o estudante deverá estudar du-
dar para a prova que geralmen- rante todo o período.
te acontece no final do processo
Egresso mostra maior insegurança e Egresso sente-se “empoderado”, capaz de construir
medo profissional o próprio caminho, mais seguro de seu potencial, com
maior auto-estima e autonomia.
Geralmente a avaliação possui forte cará- Aborda os 3 domínios da aprendizagem: cognitivo, psico-
ter cognitivo motor e socioafetivo
A avaliação geralmente é isolada aplicada A avaliação prevê momentos de integração e interdisci-
por cada disciplina plinaridade
Programas prevêem pouco tempo para Programas prevêem mais tempo para avaliar com múlti-
avaliação plas avaliações sobre conhecimentos, habilidade, atitudes
e valores.
Geralmente não há feedback ou é espo- Feedback é permanente e com foco na melhoria da apren-
rádico dizagem.
Tende a formar ilhotas de conhecimento Promove o uso do cérebro total construindo uma grande
isoladas por disciplinas ilha de conhecimento integrada.
Quadro1: Comparação de características observadas nas metodologias tradicional e ativa.

24
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Apesar de diversas técnicas pedagógicas preencherem o formato de um mé-


todo ativo de ensino, algumas características são importantes para identificar
um bom método de ensino-aprendizagem:

Ser construtivista (aprendizagem significativa)


Ser colaborativa (em grupo)
Interdisciplinar (integrado)
Contextualizada (realidade)
Reflexiva (ética e valores)
Crítica
Investigativa (aprender a aprender)
Humanista (social)
Motivadora (emoção)
Desafiadora

1. Construtivista: a pedagogia construtivista de Paulo Freire e a aprendiza-


gem significativa de Ausubel são características marcantes de um bom método
ativo de ensino aprendizagem.
2. Colaborativa: apesar da aprendizagem independente ou o estudo isolado
serem essenciais, o estudo em grupo também apresenta grandes vantagens para
a formação pessoal, social e profissional do estudante. Nas atividades em grupo
desenvolve-se a habilidade de comunicação, de argumentação, de aceitação das
opiniões externas, de compreensão, de construção de consenso, de liderança, de
planejamento, de análise de múltiplas alternativas, da habilidade de trabalhar
em equipe e buscar resultado em conjunto, de saber ouvir, dentre outras que são
formações também valorizadas no mercado profissional e nas relações interpes-
soais.
3. Interdisciplinar: a interdisciplinaridade é uma característica marcante da
metodologia ativa, pois para resolver um problema, um caso prático, elaborar e
executar um projeto são necessários conhecimentos de várias áreas de atuação
profissional ou disciplinas. Um problema real não envolve somente uma área de
conhecimento, geralmente é multi e interdisciplinar.
4. Contextualizada: outra característica evidente na metodologia ativa é a
aprendizagem baseada em situações reais podendo ser por meio de estudo de
casos, problemas, simulação, dramatização, mas sempre abordando casos reais
que serão confrontados durante o exercício profissional.
5. Reflexiva: enquanto as metodologias tradicionais enfocam a informa-
ção, nas metodologias ativas a reflexão está presente em todas as situações de
aprendizagem. Atitudes, valores e ética deverão compreender eixos verticais de

25
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

integração em todas as disciplinas ou módulos do curso. Refletir sobre a prática


profissional é um dos momentos mais nobres da aprendizagem pois é onde o
estudante poderá formar a sua “personalidade profissional”. Em geral, todas as
disciplinas ou módulos reservam momentos de reflexão e ação em detrimento de
alguns conteúdos considerados de menor relevância para as boas práticas profis-
sionais.
6. Crítica: a não aceitação passiva da informação é um processo fundamen-
tal para a formação profissional. Se tomarmos como base que a aprendizagem
é a arte de argumentar, questionar, contradizer (conflitar), fundamentar, com-
preender, reconstruir, pesquisar, elaborar, saber pensar e avaliar, logo, deve ser
um jogo aberto e produtivo capaz de permitir que o estudante possa construir-se
como “sujeito autônomo”.
7. Investigativa: a busca da informação de maneira pró-ativa, a pesquisa
científica, a investigação das atividades profissionais é o centro da metodologia
ativa. Desenvolver o hábito de estudar durante a vivência universitária é funda-
mental quando se tem como objetivo formar profissionais autônomos e seguros
para o exercício profissional.
8. Humanista: a formação humanista é aquela que permite ao profissional
da saúde perceber o paciente em sua totalidade, capaz de associar os aspectos
emocionais, culturais, religiosos, financeiros, sociais, dentre outros, que possam
interferir no processo saúde-doença. A formação humanista amplia a visão do
mundo colocando o ser humano como o centro do processo valorizando suas
diversidades culturais, biopsicossociais e políticas, explicitadas pelo conjunto
complexo de valores, idéias, comportamentos, vivências e direitos. Aqui, o es-
tudo de casos é uma ferramenta pedagógica de ampla relevância. O grande
desafio do ensino superior em saúde é fugir de seu caráter fortemente tecnicista
e passar a contemplar também a formação humanista. Para isso, é necessário
fortalecer as áreas de ciências sociais por meio de eixos de integração que per-
mitam ao estudante compreender o paciente como um todo, focalizando temas
como: aproximação ao paciente, empatia, qualidade de vida, promoção de saúde,
hábitos, religião, família, classe social, meio ambiente e responsabilidade social.
Apesar da resistência de muitas instituições, este é um movimento proposto pelo
Ministério da Educação (MEC), de caráter mundial e que está em expansão nas
universidades brasileiras.
9. Motivadora: apesar da automotivação para a aprendizagem ser um fator
intrínseco do estudante, ela também pode ser desenvolvida durante o processo
de aprendizagem. Ensinar com emoção, explorando o afetivo do estudante é
importantíssimo para inundar o cérebro com neurotransmissores do tipo adrena-
lina, noradrenalina, epinefrina, serotonina, dopamina que estimulam o uso do

26
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

cérebro total. Desenvolver a motivação do estudante para a aprendizagem é a


pedra filosofal da educação.
10. Desafiadora: a metodologia deverá desafiar o estudante permanente-
mente a buscar novas informações e a construir novos conhecimentos. Na prá-
tica, os estudantes trabalham colaborativamente na resolução de desafios que
foram definidos pelas equipes de professores. Pedagogicamente, desafiar os es-
tudantes significa exigir conhecimentos maiores do que aqueles que já possuem.
Se um problema ou projeto exige um nível de conhecimento grau 5 para sua
solução ou execução, devemos delegar esta atividade a um estudante que pos-
sui grau 4 dos conhecimentos necessários. Este processo de dar atividades que
exigem mais competências dos estudantes do que aquelas que eles já possuem,
os impelem a se desenvolverem para conquistar o objetivo estabelecido. Desta
forma sentir-se-ão mais confiantes, satisfeitos e motivados.
Um bom método ativo de aprendizagem não necessita contemplar todos os
princípios acima mencionados. Muitas vezes, bons métodos podem contemplar
parcialmente as características mencionadas, quase todas ou todas. Há de se
considerar que existem outras variáveis presentes, como o docente, a sala de
aula, a infraestrutura, a fase do curso, as competências intelectuais dos estu-
dantes, a idade e o sexo, os fatores emocionais, os fatores sociais, a motivação,
a concentração, os hábitos de estudar, dentre outras. O importante é atender
a construção dos saberes necessários para o bom exercício profissional como, o
saber aprender, o saber fazer, o saber ser, o saber conviver, o saber transformar-
-se, o saber agir e o saber reproduzir.
Como conseqüência da implantação de um currículo baseado em metodolo-
gias ativas, a aprendizagem passa a ser uma situação estimulante e experiência
gratificante capaz de gerar um estado de autoconfiança, alegria, espontaneidade
e entusiasmo. Neste ambiente de mudanças, “aprender não é uma tarefa difícil
e cansativa”, pois, está envolvida de motivação e afetividade. Por fim, poten-
cializar o autoconceito positivo no aprendiz favorece o êxito, a tranqüilidade
emocional, o clima de aceitação, a responsabilidade e o comprometimento com
o novo método proposto.

1.4 A Implantação de um Programa Baseado em Metodologias Ativas

A mudança de um modelo tradicional para metodologias ativas pode gerar


resistência, estresse, desconforto e insegurança para muitos docentes. Mas de
todos os desafios, o maior a ser superado é a resistência, pois significa sair de
um modelo pré-definido, conhecido, padronizado e sob domínio, para um modelo
desconhecido e ainda em implantação em muitas universidades brasileiras. Por

27
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

isso, todo processo de implantação deve ter como principal pilar para o sucesso
um programa de capacitação e suporte ao docente.
Para reduzir o estresse, por exemplo, a instituição pode adotar um modelo
de transição começando pelo primeiro semestre ou ano do curso e, posteriormen-
te, estender para as demais séries. Para um curso que está iniciando, implantar
um programa baseado em metodologias ativas pode ser bem menos estressante,
pois os professores ainda não vivenciaram o modelo tradicional. Na prática, a
dificuldade está na percepção dos professores, não na aceitação e maturidade
dos estudantes. Apesar de alguns argumentarem que os estudantes não estão
preparados para trabalhar com as metodologias ativas, esta não é a realidade, a
dificuldade quase sempre está nos docentes.
Uma estratégia para reduzir o possível estresse é introduzir um primeiro
módulo, para os cursos modulares, ou uma disciplina, para as matrizes baseadas
em disciplinas, que abordará a aprendizagem baseada em metodologias ativas.
No módulo ou na disciplina, ou mesmo primeira semana ou quinzena de aulas,
serão abordados temas como a metodologia ativa de aprendizagem, o papel dos
estudantes, o papel do professor, as ferramentas de aprendizagem, os estilos de
aprendizagem, técnicas para potencializar a capacidade de aprender e pensar,
como aprender com mapas mentais, as atividades práticas, as atividades inter-
disciplinares, o estudo independente e em grupo, a biblioteca, as avaliações da
aprendizagem, a auto-avaliação e as vantagens para os estudantes.
Outro ponto essencial é a montagem da matriz curricular. Independente
se modular ou baseada em disciplinas, o primeiro passo é construir uma matriz
curricular que favoreça a interdisciplinaridade. Este processo deve ser iniciado,
no mínimo, um ano antes do início das aulas no novo formato. Durante a mon-
tagem da nova matriz deverão ser contempladas as definições das competências
que serão formadas em cada fase (série, período ou módulo), os assuntos inter-
disciplinares que serão desenvolvidos, os projetos interdisciplinares, a fusão de
disciplinas, as atividades integradoras, os seminários integrativos, as atividades
comunitárias e em campo, a organização dos estágios curriculares e os sistemas
de avaliação.
Essencial também é o planejamento da infraestrutura e biblioteca. Classifi-
ca-se como infraestrutura as salas de aula que devem ser revistas para contem-
plar as atividades de estudo em grupo, os laboratórios de atividades práticas, os
laboratórios de tecnologia da informação e softwares, os laboratórios de simu-
lação, dentre outros. A biblioteca deve ser ampliada, pois, a utilização de livros
também será ampliada, no mínimo, em duas vezes quando comparada ao modelo
tradicional. Ainda no item biblioteca, outro ponto importante é a assinatura de
parcerias com bibliotecas virtuais para consulta a periódicos, além da ampliação
de assinatura de revistas científicas.

28
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Surge como ponto crítico de sucesso a capacitação docente. Uma vez defini-
do que o curso começará a trabalhar com metodologias ativas, deverá ser formu-
lado um projeto de capacitação docente. Este projeto deverá contemplar etapas
de sensibilização, capacitação, oficinas de metodologias e avaliação da apren-
dizagem, simulação de situações de aprendizagem. Somente deverão iniciar o
trabalho com metodologias ativas aqueles docentes devidamente preparados e
comprometidos com o projeto. O uso de metodologias ativas por docentes não
capacitados poderá comprometer todo o projeto, causando estresse e resistên-
cias entre os estudantes e nos demais membros da equipe de professores.
Uma vez decorridas as etapas anteriores, outra fase significativa para a im-
plantação do projeto educacional é o planejamento docente também chamado
de plano de ensino, ou plano de aprendizado, ou plano de aprendizagem. Este
planejamento deverá ser integrado com toda a equipe de professores. Aqui, não
cabe planejamento isolado de professores. Caso isto aconteça, será um forte
indicador de que o projeto não está bem estruturado e necessita ser revisto.
Deverão estar definidos os objetivos da aprendizagem, as competências, as ha-
bilidades, as atitudes e valores que cada disciplina ou módulo pretende formar,
as atividades integradoras, as metodologias utilizadas e as ferramentas de ava-
liação. Este planejamento minucioso deverá ser acompanhado de perto pelo
coordenador, apresentado e discutido com todos os docentes do curso.
O dimensionamento do quadro docente é outra etapa que também interfere
no processo de implantação. O aumento do número de docentes envolvidos,
como também, o aumento da dedicação centrada majoritariamente no processo
de avaliação formativa e da orientação aos estudantes, além do trabalho conjun-
to e integrado, atitude que não é tão evidente no modelo tradicional, é essencial
para o êxito do projeto educacional.
Com relação aos recursos humanos, estes sofrem interferência direta de-
pendendo do grau de implantação das metodologias ativas, se parcial, híbrido
ou integral. Neste item, existem duas correntes que se convergem com muitos
pontos em comum. Uma corrente que propõe um modelo integral de metodolo-
gias ativas como a Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA), a Universidade
Estadual de Londrina (UEL) e a Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS) em
Brasília e outras instituições que propõem um modelo parcial ou híbrido como a
Universidade Anhembi Morumbi em São Paulo e a Faculdade Suprema em Juiz de
Fora. Teoricamente, uma instituição que iniciar com um modelo parcial poderia
evoluir para um modelo mais avançado híbrido e, finalmente, alcançar o nível
máximo com um modelo integral. Contudo, um dos principais pontos limitantes
para a implementação do modelo integral é o investimento, tanto em infraestru-
tura quanto na ampliação do quadro docente, o que poderia inviabilizar a sus-
tentabilidade econômica de muitas instituições tanto públicas quanto privadas.

29
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

O nível de planejamento e estruturação das atividades de ensino dependerá


se módulo ou disciplina, do período e do curso. Quanto mais avançado está o
curso maior deverá ser o nível de planejamento e estruturação. Assim, a esco-
lha entre adotar um modelo parcial, híbrido ou integral dependerá dos recursos
existentes na instituição e na comunidade, como biblioteca, internet, tecnologia
de informação (softwares), especialistas, laboratórios e locais para atividades de
extensão e estágios. Na prática, quanto menor a disponibilidade de recursos na
instituição, mais estruturadas deverão ser as atividades. Como não é objetivo des-
te manual discutir a gestão e a viabilidade econômica das instituições que adotam
metodologias ativas, este assunto poderá ser apresentado em outra ocasião.
Uma situação necessária, mas que causa grande desconforto e resistência
dos professores é a redução dos conteúdos a serem ensinados nas disciplinas.
Esta etapa é importante, pois as metodologias ativas exigem maior tempo para
a construção das competências, além de ser necessário ampliar os processos de
avaliação e feedback. Alguns estudiosos da área definem que cada professor deve-
rá reduzir entre 20-30% dos conteúdos de sua disciplina ou módulo para atender
a implantação de métodos ativos. Outros sugerem uma redução mais planejada,
de modo que a equipe de professores, de maneira conjunta, apresente todos os
conteúdos ministrados no curso, classifica-os em (+), (++) e (+++) de acordo com
sua relevância para a formação das competências daquela profissão e, a partir daí,
retira-se aqueles considerados de menor impacto para a formação do egresso. Este
segundo modelo parece menos drástico e mais coerente e racional, mas, ambos
deverão chegar a resultados semelhantes. Este exercício é muito importante, pois,
ao final do processo, geralmente a conclusão da equipe é que o currículo estava
inchado, com muitos conteúdos desnecessários e outros apresentados de manei-
ra isolada sem objetivo educacional definido. Alguns professores especialistas
relutarão na remoção de conteúdos considerados por eles essenciais, mas este
impasse pode ser minimizado com amplo debate e a participação de profissionais
que estão no mercado, nas diversas áreas de atuação, e que podem orientar as
competências necessárias para o bom exercício da profissão.
A decisão de implementar metodologias ativas em toda a instituição, ou
seja, um processo institucional e integral, numa determinada data, seria um
enorme desafio que poderia estar carregado de muitas incertezas. Significaria
uma mudança acentuada no modo de ensinar de todos os envolvidos, re-estru-
turar todos os programas, modificar as rotinas administrativas e as estruturas
curriculares de estudantes já matriculados, alterar a forma de trabalhar dos pro-
fessores, modificar as instalações (salas de aula, laboratórios e biblioteca). Mas
não é inviável.
Por outro lado, a implantação de um modelo parcial ou híbrido pode apre-
sentar algumas vantagens, como:

30
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

• Aqueles estudantes que já iniciaram o curso na instituição continuam


com o currículo antigo, enquanto os novos iniciam no modelo ativo;
• Em média, o processo dura cinco anos, sendo que a fase de transição se
prolonga por mais tempo;
• Permite que as pessoas e os sistemas de adaptem gradualmente às novas
situações;
• Amplia o tempo para incorporar as novas rotinas administrativas (profes-
sores, laboratórios, biblioteca...);
• Não é necessário se preocupar em mudar a cultura de aprendizagem dos
estudantes antigos;
• Há maior planejamento da capacitação docente.

Apesar de não existir um modelo de implantação padronizado, dependen-


do da disponibilidade de recursos da instituição, parece mais adequado iniciar
a implementação de metodologias ativas num processo semelhante a “projeto
piloto”, ou seja, iniciar o projeto em uma unidade acadêmica ou curso. Esta
experiência adquirida pode ser replicada quando se decidir passar a uma escala
maior. Em caso de ajustes e melhorias, o “prejuízo” se limitaria a uma peque-
na parcela da instituição ou do programa. No quadro 2, está apresentado um
possível cronograma de implantação de metodologias ativas num currículo em
andamento. Neste modelo, a evolução do processo aconteceria de maneira lenta
e gradativa, permitindo um tempo de cinco anos entre o início e a conclusão
de todo o projeto educacional, o que seria suficiente para a reestruturação dos
laboratórios, a ampliação da biblioteca e o desenvolvimento de programas de
capacitação docente.

Ano 1 Ano 2 Ano 3 Ano 4 Ano 5

Currículo Metodologias
Tradicional Ativas
Quadro 2: Sugestão de cronograma para implantação de
metodologias ativas num currículo em andamento.

31
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Entre os vários desafios encontrados num projeto de implantação de me-


todologias ativas está a proposta de mudança que se constitui no grande fator
de resistência entre os colaboradores. Daí a necessidade de um planejamento
eficaz para que o projeto não perca forças durante a sua implementação. As ins-
tituições que pensam em inovar e utilizar metodologias ativas deverão procurar
estratégias compatíveis com as suas condições, vez que, isso dependerá funda-
mentalmente das suas características intrínsecas, sendo necessário investigar,
refletir, adaptar e avaliar. Reservar um tempo para o amadurecimento do projeto
pode ser fundamental para o sucesso. Além disso, vale a pena lembrar, que ao
longo do processo é possível retroceder e tomar novos rumos se os obstáculos
forem muito fortes.
No quadro 3 está apresentada a matriz de mudança descrita por Moesby
(2004) num processo de implantação de metodologias ativas. Ela pode ser de
grande ajuda para direcionamento de ações e reflete as dificuldades encontradas
durante as várias etapas do processo.

Perspectiva Consenso Habilidades Incentivos Recursos Plano de Ação Mudança


Consenso Habilidades Incentivos Recursos Plano de Ação Confusão
Perspectiva Habilidades Incentivos Recursos Plano de Ação Sabotagem
Perspectiva Consenso Incentivos Recursos Plano de Ação Ansiedade
Perspectiva Consenso Habilidades Recursos Plano de Ação Resistência
Perspectiva Consenso Habilidades Incentivos Plano de Ação Frustração
Perspectiva Consenso Habilidades Incentivos Recursos Rotina

Quadro 3: Matriz de mudança segundo Moesby (2004).

Após a implantação das metodologias ativas, é necessário avaliar para co-


nhecer os resultados a curto, médio e longo prazo. Para isso, podem ser utiliza-
dos alguns indicadores como:

• Número de estudantes matriculados no novo programa, em comparação


com os matriculados no programa antigo;
• Índice de aprovados no novo programa, em comparação com índice de
aprovação antigo;
• Nota média no novo programa, em comparação com a do antigo;
• Avaliação do estudante no novo programa, em comparação com o antigo;
• Índice de evasão no novo modelo, em comparação com o antigo;
• Índice de satisfação dos estudantes no novo programa, em comparação
com o antigo;

32
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

• Índice de satisfação dos professores no novo programa, em comparação


com o antigo;
• Taxa de aceitação e colocação dos estudantes em estágios no novo pro-
grama, em comparação com o antigo;
• Índice de aceitação e satisfação das empresas cedentes de estágios com
estudantes do novo modelo em comparação com os antigos;
• Taxa de empregabilidade dos egressos formados no novo modelo, em
comparação com o antigo;
• Outros.

1.5 Metodologias Ativas

A formação generalista trouxe um novo desafio para a educação farmacêuti-


ca, uma que vez que a quase totalidade dos docentes farmacêuticos foi formada
em uma das especialidades, análises clínicas, alimentos ou medicamentos, com
uma forte visão tecnicista. Além disso, no passado, alguns estudantes podiam
concluir sua formação e adquirindo somente o grau de bacharel em Farmácia
com duração média de três a três anos e meio. Este panorama histórico interfere
diretamente no processo do ensino farmacêutico atual, pois dispomos de profis-
sionais especialistas atuando no ensino para uma formação generalista. Neste
contexto, a adoção de metodologias ativas é fundamental para criar um processo
de integração das diversas áreas e facilitar o processo de aprendizagem.
No início, as metodologias ativas eram baseadas na forma de desenvolver o
processo de aprender utilizando experiências reais ou simuladas, com capacidade
para solucionar com sucesso tarefas essenciais da prática profissional, como pro-
blemas e casos práticos por meio de um processo de ação-reflexão-ação. Naquele
primeiro momento, as metodologias ativas se concentravam na Metodologia de
Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP), na problematização e no estudo de
casos. Contudo, nas últimas duas décadas, pedagogos e profissionais do ensino
discutiram novas proposições, melhorias, adaptações e transformações de meto-
dologias de ensino-aprendizagem consolidadas que se adequaram ao modelo de
metodologias ativas. Atualmente, estão disponíveis várias outras ferramentas ou
técnicas de aprendizagem que preenchem os requisitos de uma situação ativa de
aprendizagem, além das já citadas, como:

• Aprendizagem Baseada em Projetos


• Aprendizagem Baseada em Grupos
• Simulação

33
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

• Discussão em classe
• Seminários
• Mapas mentais e conceituais

Dentre todas, pode-se afirmar que a ABP, a problematização, o estudo de


casos e a aprendizagem baseada em projetos são aquelas que apresentam maior
padronização e, com isso, convergem para um modelo pedagógico mais adequa-
do. Quando empregadas de maneira apropriada, estas metodologias são as que
preenchem o maior número de fundamentos para serem classificadas como uma
boa metodologia ativa de ensino-aprendizagem.

1.6 Uso de Metodologias Ativas em Educação Farmacêutica

Quais as metodologias de aprendizagem mais adequadas para aplicação na


educação farmacêutica? Pode-se considerar que não existe a melhor metodo-
logia, pois são vários os fatores que interferem no processo de aprendizagem.
A seguir, serão apresentadas algumas sugestões para aqueles que pretendem
iniciar ou já trabalham com algum modelo de método inovador em educação
superior na área da saúde.
No início, é interessante trabalhar com uma metodologia ativa compatível
com o domínio pedagógico dos docentes e o grau de capacitação oferecido. Esta
deverá ser adotada em todo o módulo, período ou ano do curso. Como vantagem
encontra-se o fato de que todos os professores daquela série estarão trabalhando
com a mesma metodologia, passarão pelo mesmo processo de capacitação, terão
o mesmo acompanhamento e poderão trocar seus sucessos e dificuldades com
os colegas. Como exemplo, pode-se sugerir a adoção da ABP no primeiro ano do
curso de Farmácia. É importante lembrar, por exemplo, que num modelo integral
o ABP seria a única metodologia de ensino, mas num modelo parcial ou híbrido
as metodologias ativas poderão acontecer simultaneamente com métodos tra-
dicionais. A adoção de múltiplas metodologias num mesmo período dificulta o
planejamento, a capacitação docente e o acompanhamento pedagógico podendo
também causar estresse entre os estudantes, além de reduzir a troca de expe-
riências comuns entre os docentes. Num segundo momento, com o avanço do
processo, esta proposta poderá ser revista de acordo com a percepção da equipe.
Embora não haja consenso, parece que algumas metodologias podem ser
melhor adaptadas de acordo com a fase do curso. Por exemplo, nos primeiros
semestres do curso, no primeiro e segundo ano, trabalhar com ABP, simulação,
discussão em classe, dramatização, mapas conceituais e mentais pode ser mais
adequado. Já nas etapas intermediária e final, entre o terceiro e o quinto ano,

34
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

parece que metodologias como simulação, problematização, estudo de casos e


aprendizagem baseada em projetos trazem maiores resultados para a formação
do egresso. Contudo, estas são experiências pessoais e, de acordo com a litera-
tura, qualquer metodologia ativa pode ser usada em qualquer fase do curso sem
maiores prejuízos da aprendizagem. O sucesso dependerá da habilidade pedagó-
gica do professor em usar adequadamente a metodologia proposta.
Outros exemplos a serem citados se referem ao ensino de química, físico-
-química, química farmacêutica ou síntese de fármacos. Aqui o uso de tecnolo-
gia de informação é uma ferramenta importantíssima. O uso de softwares com
imagens de moléculas em três dimensões, apresentando as conformações quími-
cas, reproduzindo reações químicas, mostrando a ligação dos fármacos em seus
receptores e simulando todas as etapas da síntese de um princípio ativo traz
muitos benefícios para aprendizagem. O grande desafio do docente é transformar
estas ferramentas em situações ativas de aprendizagem. Para isso, o planeja-
mento é fundamental.
De forma semelhante, a dramatização pode ser fortemente adotada como
ferramenta ativa para a aprendizagem da aproximação e abordagem ao paciente,
para a área de atenção farmacêutica, cuidados ao paciente, serviços farmacêuti-
cos, deontologia e legislação. Para esta ser considerada uma metodologia ativa,
o professor deverá criar espaços para que os aprendizes estudem e busquem as
informações, quer seja de maneira individual ou em grupo de maneira colabo-
rativa. A seguir, o docente dramatiza uma situação profissional, mais próxima
possível ao ambiente real de atuação para que estes estudantes possam construir
a competência proposta baseado conhecimentos que alcançaram.
De forma semelhante, a simulação pode ser uma excelente ferramenta
de aprendizagem ativa a exemplo da simulação de uma linha de produção da
indústria farmacêutica. Os estudantes podem ser divididos em grupos de pre-
paro, produção e garantia da qualidade. Estes grupos são rodiziados a cada
atividade prática. Num determinado momento, eles recebem um protocolo
de produção ou um Procedimento Operacional Padrão (POP) com falhas no
processo. Após o grupo de garantia da qualidade detectar o problema, todos
devem discutir e levantar questionamentos, investigar e procurar informa-
ções para responder as questões propostas, rever as operações unitárias en-
volvidas, os equipamentos, as matérias primas e os procedimentos técnicos,
até alcançar um consenso, reconstruir e revalidar o protocolo de produção.
O professor assume um papel de tutor, facilitador e orientador, mas serão
os estudantes quem deverão detectar os erros, propor soluções e consertar
a linha de produção. Metodologia semelhante pode ser usada no ensino de
análises clínicas, tecnologia de cosméticos, tecnologia de alimentos, farmá-
cia hospitalar e outras.

35
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Ainda como exemplo, do ponto de vista pedagógico, o uso dos mapas men-
tais e conceituais pode trazer grande benefício para a formação do egresso, pois,
é uma importante ferramenta de síntese e integração dos conhecimentos. É útil
para o estudante fazer anotações, criar soluções e resolver problemas, planejar
o estudo e/ou a redação de grandes relatórios, se preparar para avaliações e
identificar a integração dos tópicos. Podem ser usados em todas as etapas da
aprendizagem, mas para a formação generalista em Farmácia assumem grande
importância, pois, possibilitam ao estudante integrar os conhecimentos das di-
ferentes áreas: alimentos, medicamentos e análises clinicas. Podem ser cons-
truídos mapas de 1) Boas práticas profissionais integrando as boas práticas em
indústrias, laboratórios e farmácia; 2) Gestão da qualidade com a integração de
todas as áreas das ciências farmacêuticas; 3) Operações unitárias e tecnologia
nas diversas áreas de atuação; 4) Integração da ética e responsabilidade social
em todas as áreas de atuação; 5) Atenção farmacêutica.
Após conhecer algumas experiências com metodologias ativas em educação
farmacêutica e visitar instituições nacionais e internacionais que trabalham com
estas propostas, acredita-se que nem todos os métodos servem para ensinar tudo
a todos. Existem algumas particularidades em cada um deles que fazem com que
tenham melhores resultados na fase inicial ou final do curso, em disciplinas ou
módulos de ciências biológicas, exatas ou humanas, na área de saúde ou en-
genharia, no ensino de tecnologia ou no ensino de serviços. No quadro 4 está
disponível uma proposta de uso de metodologia ativa para o ensino farmacêutico
distribuída de acordo com o ano do curso. Observa-se, por exemplo, que a ABP
está amplamente citada, mas sem detrimento das demais. A escolha de um ou
outro método é multifatorial. Cada instituição deve construir o seu caminho
baseado na sua história, maturidade, inserção social e cultura educacional. A
adoção de modelos pré-determinados pode vir acompanhada de grandes chances
de insucesso.

36
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Período do curso Metodologias ou Ferramentas Ativas Sugeridas


Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP)
Simulação
Ano 1 Discussão em Classe
Mapas Conceituais e Mentais
Tecnologia de Informação
Aprendizagem baseada em Problemas (ABP)
Simulação
Ano 2 Discussão em Classe
Mapas Conceituais e Mentais
Tecnologia de Informação
Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP)
Simulação
Discussão em Classe
Mapas Conceituais e Mentais
Ano 3
Tecnologia de Informação
Estudo de Casos
Problematização
Projetos
Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP)
Simulação
Mapas Conceituais e Mentais
Ano 4
Estudo de Casos
Problematização
Projetos
Estudo de Casos
Mapas Conceituais e Mentais
Ano 5 Problematização
Projetos
Seminários
Quadro 4: Sugestão de uso de metodologias ativas em educação farmacêutica.

Conforme ilustrado, em períodos mais avançados do curso, nota-se que são


propostas aquelas metodologias que trabalham com situações reais de aprendi-
zagem como a problematização, o estudo de casos e os projetos. Observe que
a técnica de seminários somente foi sugerida no último ano do curso. Esta fer-

37
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

ramenta de ensino, geralmente, é mal utilizada na graduação, pois costuma ser


chamada de seminário qualquer apresentação feita por estudantes em sala de
aula. Não é raro alguns professores dividirem temas de sua disciplina ou módulo
e transferir as aulas expositivas para os estudantes chamando-as de seminá-
rios, o que é completamente contra indicado. O seminário (cuja etimologia está
associada a sêmen, sementeira, idéias novas, vida nova), quando utilizado de
maneira adequada, caracteriza-se por investigação e pesquisa, apresentação dos
resultados, debate e discussão dos resultados alcançados, sugestões de novas
idéias. Bem elaborado, auxilia o estudante no desenvolvimento de múltiplas
habilidades, como trabalho em equipe, coleta de informações, investigação e
produção de conhecimento, organização e síntese de idéias, comunicação, argu-
mentação e elaboração de relatórios de pesquisa.
A sugestão apresentada no quadro 4, refere-se a um modelo parcial ou hí-
brido de uso de metodologias ativas. Quando a proposta é a implantação de
um modelo integral de uso metodologias ativas num curso da área da saúde, as
metodologias melhores padronizadas são a aprendizagem baseada em problemas
(ABP) associada às metodologias de estudo de casos e problematização. A deci-
são de qual método implantar dependerá muito da disponibilidade de recursos
de cada instituição.
Quando se trabalha com o modelo parcial ou híbrido, as grandes preocu-
pações são o comprometimento dos professores e a tendência constante destes
para retornarem à metodologia tradicional. É comum os professores regredirem
involuntariamente a uma posição anterior. O estímulo permanente e o empenho
do coordenador do curso apoiado por um supervisor pedagógico, sempre que
possível, é essencial para garantir o sucesso da nova proposta. Em contrapartida,
esta situação não é observada na implantação de um modelo integral, com o uso
de ABP, por exemplo, pois o sistema educacional contribui como um todo para a
uniformização das metodologias adotadas.
Nos capítulos seguintes serão abordadas as metodologias ativas mais comu-
mente utilizadas e que apresentam maior padronização. Assim, serão discutidas
as metodologias de aprendizagem baseada em problemas (ABP), problematiza-
ção, estudo de casos e aprendizagem por projetos.

38
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

1.7 Bibliografia Consultada

ARAÚJO, U.L.; SASTRE, G. – Aprendizagem Baseada em Problemas no Ensino Superior. São Paulo,
Summus Editorial, 2009.
BREARLEY, M. – Inteligência Emocional na Sala de Aula. São Paulo, Editora Madras, 2004.
CASTANHO, S. - Temas e Textos em Metodologia do Ensino Superior. 4ª EDIÇÃO. São Paulo, Editora
Papirus, 2011.
CIMADON, A. – Ensino e Aprendizagem na Universidade: Um Roteiro de Estudo. 3ª edição, Joaçaba,
Editora Unoesc, 2008.
CYRINO, E.G.; TORALLES-PEREIRA, M.L. – Trabalhando com estratégias de ensino-aprendizado por
descoberta na área da saúde: a problematização e a aprendizagem baseada em problemas.
Cad. Saúde Pública, v.20(3), 2004, p.780-788.
DEMO, P. – Universidade, Aprendizagem e Avaliação: Horizontes Reconstrutivos. Porto Alegre,
Editora Mediação, 2004.
FERRAZ, A.P.C.M.; BELHOT, R.V. - Taxonomia de Bloom: Revisão Teórica e Apresentação das Ade-
quações do Instrumento para Definição de Objetivos Instrucionais. Gest. Prod., São Carlos,
2010, v. 17, p. 421-431.
FREIRE, P. – Pedagogia da Autonomia. Saberes Necessários à Prática Educativa. 39ª edição. São
Paulo, Editora Paz e Terra, 1996.
GIL, A.C. – Didática do Ensino Superior. São Paulo, Editora Atlas, 2008.
LEMOV, D. – Aula Nota 10. 4ª edição. São Paulo, Editora: Da Boa Prosa, 2010.
LOWMAN, J. – Dominando as Técnicas de Ensino. São Paulo, Editora Atlas, 2004.
MASETTO, M.T. – Competências Pedagógica do Professor Universitário. São Paulo, Summus Edito-
rial, 2003.
MITRE, S.M.; BATISTA, R.S.; MENDONÇA, J.M.G.; PINTO, N.M.M.; MEIRELLES, C.A.B.; PORTO, C.P.;
MOREIRA, T.; HOFFMANN, L.M.A. - Metodologias Ativas de Ensino-aprendizagem na Formação
Profissional em Saúde: Debates Atuais. Ciência & Saúde Coletiva, 2008, v.13, p.2133-2144.
MOESBY, E. – Reflections on Making a Change Toward POPBL. World Translactions on Engeneering
and Technology Education, v.3, n.2, 2004, p.269-278.
MOREIRA, M.A.; MASINI, E.F.S – Aprendizagem Significativa. A Teoria de David Ausubel. 2ª edição.
São Paulo, Editora Centauro, 2006.
MOURA, D.G.; BARBOSA, E.F. – Trabalhando com Projetos: Planejamento e Gestão de Projetos Edu-
cacionais. 4ª edição. Petrópolis, Editora Vozes, 2009.
RANGEL, M. – Métodos de Ensino para a Aprendizagem e a Dinamização das Aulas. 3ª edição,
Campinas, Papirus Editora, 2007.
RIBEIRO, L.R.C. – Aprendizagem Baseada em Problemas (PBL). Uma Experiência no Ensino Supe-
rior. São Carlos, Editora EdUFSCar, 2008.

39
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

ROEGIERS, X.; DE KETELE, J.M. – Uma Pedagogia da Integração: Competências e Aquisições no


Ensino. 2ª edição. Porto Alegre, Editora Artmed, 2004.
SANTI, M.C. – Metodologia de Ensino na Saúde: Um Enfoque na Avaliação. São Paulo, Editor:
Manole, 2002.
TSUJI, H.; SILVA, R.H.A. – Aprender e Ensinar na Escola Vestida de Branco. São Paulo, Phorte
Editora, 2010.
ZABALZA, M.A. – O Ensino Universitário: Seu Cenário e seus Protagonistas. Porto Alegre, Editora
Artmed, 2004.

40
Capítulo 2
Currículo Integrado como Base para o
Uso de Metodologias Ativas
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

2 - Currículo Integrado como Base para


o Uso de Metodologias Ativas
Autor: Geraldo Alécio de Oliveira

2.1 Introdução:

Os currículos tradicionais geralmente são concebidos sob uma visão disci-


plinar cujos conhecimentos estão alocados de maneira independente sem comu-
nicação entre si. A circulação de conceitos e esquemas cognitivos que ocorre
é insuficiente para permitir ao estudante pensar ou agir interdisciplinarmente
como requer a profissão. As diversas atividades e contribuições das disciplinas
e do trabalho dos professores apenas se acumulam, por justaposição, não se
somam por integração e por convergência.
As disciplinas que compõem um currículo tradicional são campos de saberes
específicos, delimitados e estanques, que devem ser esgotados por professores e
estudantes em prazos convencionalmente estabelecidos, de um semestre ou um
ano. Geralmente, estes setores de conhecimentos se classificam em disciplinas
científicas e disciplinas técnicas ou aplicadas, sendo mais frequente as primeiras
antecederem as segundas e as atividades práticas se realizarem em laboratórios
ou espaços educativos onde se reproduzem, simultaneamente, os problemas da
realidade.
É possível identificar a desarticulação da vida universitária com o ambiente
profissional, a vida real. Tudo se passa como se tratasse de dois universos
autônomos, desenvolvendo-se paralelamente, intercomunicando-se apenas de
maneira formal, mecânica, burocrática, como se não houvesse ligação entre a
universidade e o ambiente de atuação profissional.
Do mesmo modo, é muito frequente o professor lecionar uma, duas ou três
disciplinas em determinado curso de forma mais ou menos independente, desen-
volvendo-se um tanto isoladamente, sem fazer relações explícitas com outras
disciplinas do mesmo currículo, ou com necessidades básicas do exercício de
determinada profissão. Na maioria das instituições de ensino superior, as ações
do corpo docente são marcadamente individualizadas.
A implantação da prática da interdisciplinaridade, em qualquer nível de
integração curricular, depende fundamentalmente da presença efetiva de um
projeto educacional centrado numa intencionalidade definida com base nos ob-
jetivos a serem alcançados pelos aprendizes. De maneira simplista, podemos

43
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

definir que integração é o conjunto de ações planejadas para alcançar a inter-


disciplinaridade; interdisciplinaridade é o resultado.
Currículo é um conjunto de conhecimentos, de saberes, competências, ha-
bilidades, experiências, vivências e valores que os estudantes precisam adquirir
e desenvolver, de maneira integrada, mediante práticas e atividades de ensino
e situações de aprendizagem. Esta abordagem é muito mais abrangente, porque
engloba a organização da aprendizagem nas áreas cognitiva e em outros aspec-
tos fundamentais do ser humano e do profissional, como saberes, competências,
habilidades, valores, atitudes e ética.
Num currículo interdisciplinar, os cronogramas curriculares devem abrir-
-se para atividades práticas integrando-se com as teorias estudadas e a dis-
cussão de valores éticos, sociais, culturais, políticos, econômicos por ocasião
do estudo de problemas técnicos, integrando-se à análise teórico-técnica de
determinada situação. Para tanto, o currículo deverá contemplar, além da
formação de competências, habilidades e atitudes, a valorização do conheci-
mento e sua atualização, a pesquisa, a crítica, a cooperação e demais aspec-
tos do exercício da profissão, a participação na sociedade e o compromisso
com a evolução.
Uma característica importante do currículo integrado é que ele deverá
estar mais voltado para o “aprender a aprender” do que para a pretensão de
transmitir a totalidade dos conhecimentos atuais. Deverá envolver o estu-
dante como pessoa, com suas ideias, sentimentos, cultura, valores, sociedade
e profissão. Isto porque poucos estudantes são capazes de integrar esponta-
neamente suas aquisições, ou seja, resolver situações-problemas complexas,
mesmo que conheçam teoricamente todos os elementos necessários à sua
resolução.
Alguns professores alegam maior dificuldade de planejar um currículo in-
tegrado em educação farmacêutica devido à abrangência das áreas de atuação
da profissão: análises clínicas, alimentos e medicamentos. Realmente integrar
tecnologia com P&D, serviços, análises laboratoriais, promoção de saúde, gestão
e assistência é um grande desafio, mas, com certeza, a criatividade e a busca
por mudanças e melhorias conduzirão a modelos inovadores e próprios que trarão
grandes resultados aos estudantes.
A organização curricular por áreas de conhecimento ou por conjunto de
competências transforma a sala de aula em espaços privilegiados de refle-
xão, de situações de aprendizagem vivas e enriquecedoras. O conhecimen-
to, até então, fragmentado com caráter mais enciclopédico, privilegian-
do a memória e a padronização, é construído numa perspectiva do novo,

44
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

colocando o estudante diante de desafios cognitivos, problematizações,


construção de projetos, representações do imaginário coletivo, do desfazer
e desconstruir conhecimento para reconstruí-lo através de questões parti-
lhadas em sala de aula.

2.2 Currículo Integrado

Integração é a operação pela qual são tornados interdependentes diferentes


elementos inicialmente dissociados, com vistas a fazê-los funcionar de maneira
articulada considerando determinado objetivo. É o processo pelo qual um estu-
dante enxerta um novo saber aos saberes anteriores.
Num currículo tradicional baseado em disciplinas, que trabalham de maneira
individualizada ou estanque e em aulas expositivas, é mais complexo montar um
projeto interdisciplinar uma vez que os processos e as técnicas de ensino dificul-
tam a integração. Mas, apesar de ser mais difícil, não é limitante, pois a equipe
docente pode lançar mão de ferramentas como os temas e os projetos interdisci-
plinares. Num aprimoramento do currículo, a introdução de metodologias ativas
naturalmente cria um ambiente de integração. Pode-se afirmar que metodologias
como ABP, problematização, estudo de casos e aprendizagem baseada em proje-
tos (projetos) são naturalmente integradoras.
Uma das formas de se conseguir envolver os docentes em atividades inte-
gradoras é organizar o currículo de forma que se trabalhe constantemente com
situações da realidade profissional, por meio de grandes temas, estudo de casos
ou em ações que interfiram diretamente em ambientes reais de atuação profis-
sional por meio da resolução de problemas. Na prática, um currículo baseado
em metodologias ativas facilita sobremaneira a interdisciplinaridade. Contudo, a
intencionalidade e o planejamento devem fazer parte de todo o processo. A di-
cotomia entre ciências básicas e profissionalizantes desaparece e todas as disci-
plinas passam a ser aplicadas à realidade profissional. Este já é o primeiro grande
desafio, pois muitas Instituições de Ensino Superior (IES) estão organizadas em
institutos que raramente promovem discussões multi e interdisciplinares. Esta
cultura também se perpetua entre pós-graduandos que reproduzem este modelo
quando alcançam o mercado de ensino superior. É comum a reclamação de coor-
denadores que não conseguem trazer os professores das disciplinas básicas para
as reuniões pedagógicas de seus cursos. Daí, decorrem muitas consequências
cujo grande prejudicado é o estudante.
Os níveis de integração podem variar de baixo a elevado. Currículos com
baixos níveis de integração podem ser classificados como aqueles que traba-

45
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

lham com assuntos integradores e projetos interdisciplinares, enquanto com


elevado nível de integração pode-se citar aqueles baseados em competências
ou modulares num modelo integral de uso de metodologias ativas. Para fa-
cilitar o entendimento e o planejamento na montagem de um currículo, as
estratégias de integração foram divididas em dois grupos. As horizontais que
acontecem dentro do mesmo semestre ou ano, e as verticais que acontecem
ao longo de todo o curso.
Existem algumas estratégias que favorecem a construção de modelos inter-
disciplinares. Apesar de existirem diferentes variáveis associadas à instituição,
ao projeto, aos docentes e aos aprendizes que podem interferir na amplitude e
eficácia da proposta, nesta publicação, os processos de integração foram dividi-
dos em seis níveis para facilitar a compreensão:

Nível 1: Assuntos integradores


Nível 2: Projetos interdisciplinares
Nível 3: Fusão de disciplinas
Nível 4: Temas interdisciplinares ou eixos integradores
Nível 5: Currículos modulares
Nível 6: Currículos baseado em competências

2.3 Assuntos Integradores

A implantação de assuntos integradores, um primeiro nível de integra-


ção, geralmente acontece dentro de um mesmo semestre ou ano. Cada assun-
to deve estar inserido no plano de aprendizado das disciplinas envolvidas e
deve acontecer num período estabelecido, quinzena ou mês. Ao término do
processo, os professores deverão promover uma discussão em classe finali-
zando aquela competência e complementando aqueles pontos que porventura
ainda necessitem maior compreensão, seguida de uma avaliação formativa
para verificar o grau de aprendizagem e implementação de feedback. Os as-
suntos integradores devem ser amplos e naturalmente multi e interdiscipli-
nares, como diabetes, hipertensão, obesidade, boas práticas profissionais,
garantia da qualidade, descarte de medicamentos e sustentabilidade, assis-
tência farmacêutica, dentre outros.
Por exemplo, suponha que num semestre do curso de Farmácia aconteçam as
disciplinas de Farmacologia, Microbiologia, Química Analítica, Relação Química-
-farmacológica e, Estilo de Vida, Saúde e Meio Ambiente. Pode-se propor um
tema integrador sobre “uso racional de antimicrobianos”. A disciplina de Far-

46
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

macologia abordará a absorção, a terapia, os efeitos colaterais e o acompanha-


mento farmacoterapêutico; a Microbiologia apresentará o microrganismo, suas
estruturas, os alvos para os antimicrobianos, os mecanismos de resistência e a
avaliação da sensibilidade; a Relação Química-farmacológica tratará da interação
química em nível molecular; a Química Analítica, das técnicas de identificação
e dosagem dos antimicrobianos; e a disciplina Estilo de Vida, Saúde e Meio Am-
biente discutirá o descarte dos antimicrobianos, a responsabilidade ambiental e
os riscos da automedicação.

2.4 Projetos Interdisciplinares

Estes são considerados um segundo nível de integração e podem ser im-


plantados em qualquer etapa do curso, mas parecem apresentar melhores resul-
tados quando acontecem na fase intermediária ou final e quando implantados
horizontalmente, ou seja, em disciplinas de um mesmo semestre ou ano devido
à maior facilidade de integração entre os professores. Projetos interdisciplinares
funcionam na lógica de “um por todos e todos por um”, com cada estudante
interessado em que os colegas apresentem novo conhecimento.
Os projetos devem envolver conteúdos de várias disciplinas e áreas, por
isso são muito mais motivadores para os estudantes porque abarcam a realidade
profissional, que são situações mais complexas e mais desafiadoras, e exigem
integração de teoria e prática. São repletos de imprevistos e exigem interrelação
de disciplinas e especialidades, desenvolvimento de habilidades profissionais,
bem como atitudes de ética, política e cidadania.
Exemplos de projetos interdisciplinares em educação farmacêutica podem
ser estruturados a partir de áreas como pesquisa e desenvolvimento, gestão,
tecnologia, garantia da qualidade, promoção de saúde, qualidade de vida e bem-
-estar, e explorar temas como: atenção farmacêutica ao paciente idoso; racio-
nalização do tempo de espera para consultas e exames em Unidades Básicas de
Saúde (UBS); educação e promoção de saúde; prevenção de verminose infantil;
orientação sobre uso adequado de anticoncepcionais; redução de custos com
medicamentos em hospitais; redução de erros pré-analíticos em laboratórios clí-
nicos; desenvolvimento de novos alimentos; desenvolvimento de novas formas
farmacêuticas; pesquisa e desenvolvimentos de novos cosméticos, outros. Na
figura 5 são apresentadas algumas sugestões de implementação de projetos in-
terdisciplinares:

47
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Modelo 1 Disciplina Projeto


Disciplina e projeto isolados. Não há integração

Disciplina Projeto

Modelo 2 Disciplina Projeto

Disciplina Projeto
Sobrecarga: Fator crítico é o tempo. Disciplinas diferentes com
projetos diferentes no mesmo semestre. Acontece uma sobrecarga para
o estudante, mas sem ganhos pedagógicos significativos.

Disciplina

Modelo 3 Disciplina Projeto

Disciplina
O projeto é separado das disciplinas, mas está vinculado a elas.

Disciplina

Modelo 4 Disciplina Projeto

Disciplina

As disciplinas se relacionam em função do projeto.

Disciplina

Disciplina
Modelo 5 Disciplina
Integradora

Disciplina

As disciplinas se relacionam em função de uma disciplina integradora que será


responsável pela organização e desenvolvimento do projeto.

Disciplina

Modelo 6 Projeto Disciplina

Disciplina

Tema Integrador

O projeto e as disciplinas estão incluídos em um tema comum.


Os três elementos compartilham os mesmos objetivos e metas.

48
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Os modelos de 1 a 6 representam propostas interdisciplinares com níveis


crescentes de complexidade. Enquanto os modelos 1 e 2 praticamente não
apresentam integração, o modelo 3 demonstra que o projeto é guiado pelas
disciplinas, mas com baixa participação dos professores e envolvimento das
disciplinas. Este modelo ainda é predominante em currículos fortemente dis-
ciplinares e tradicionais. No modelo 4, parte do projeto já está inserida nas
disciplinas, o que representa maior integração. Já no modelo 5, observa-se
uma disciplina integradora que irá sediar o projeto, responsabilizando-se
pela organização e acompanhamento, mas atuando de maneira integrada
com as outras disciplinas. Este modelo apresenta resultados interessantes em
equipes menos experientes. No modelo 6, maior nível de integração discutido
com uso de projetos interdisciplinares, identifica-se os projetos e as discipli-
nas compartilhando objetivos e metas dentro de um grande tema integrador.
Conforme observado, os projetos interdisciplinares podem ser inseridos em
diferentes níveis de integração de acordo com o planejamento pedagógico.
A integração também poderá ser realizada de forma vertical, por exem-
plo, utilizando um programa de prevenção de verminose infantil que será ca-
paz de integrar conteúdos e estudantes do primeiro ao último ano do curso.
Esta integração poderá assumir dimensão multiprofissional na área da saúde
com a presença de estudantes de farmácia, educação física, enfermagem,
fisioterapia, nutrição, medicina, odontologia, psicologia e outras. Poderia se
matricular aleatoriamente estudantes de cursos diversificados em projetos
como: prevenção e combate à obesidade, diagnóstico e prevenção de diabe-
tes, melhoria de qualidade de vida do idoso, combate à desnutrição infantil
etc. O avanço para projetos interdisciplinares e multiprofissionais deve ser o
objetivo para aqueles que procuram o aprimoramento permanente.
Muitas vezes, a integração interdisciplinar vertical se presta também
para o desenvolvimento de assuntos complexos ou de baixa afinidade com
outros temas. Nesse sentido, no quadro 5 sugere-se uma forma de integrar
assuntos relacionados às plantas medicinais e à Fitoterapia. No final do pro-
cesso, pode ser realizada uma apresentação oral de cada projeto seguida de
discussão em classe e proceder uma avaliação por portfólio individual ou em
grupo. Cada equipe pode adotar uma planta para estudo, mas durante o pla-
nejamento das disciplinas são inseridos momentos de integração e discussão
em classe.

49
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Disciplina Assuntos
Princípios Farmacêuticos Uso de plantas medicinais em farmácia e a importância
da biodiversidade brasileira
Farmacobotânica Identificação, classificação e análise das plantas
medicinais
Estatística Estudo estatístico associado a plantas medicinais
Química Analítica Identificação e determinação do teor de ativos em drogas
vegetais de interesse farmacêutico
Farmacognosia Extração e caracterização de princípios ativos de drogas
vegetais
Farmacologia Ação dos princípios ativos de plantas medicinais e
interações com outros fármacos
Farmacotécnica Formas farmacêuticas com drogas vegetais
Química Farmacêutica Estrutura, relação estrutura-atividade e purificação de
princípios ativos de origem vegetal
Fitoterapia Atuação de fitoterápicos nos diferentes sistemas do
organismo
Toxicologia Toxicologia das drogas vegetais de interesse farmacêutico
Controle de Qualidade de Medicamentos Controle de qualidade da planta e insumos de origem
vegetal
Atenção Farmacêutica Atenção farmacêutica associada ao uso de drogas de
origem vegetal
Quadro 5- Proposta de integração vertical de assuntos associados à Farmacobotânica e à
Fitoterapia

2.5 Fusão de Disciplinas

O trabalho com atividades integradoras permite o desenvolvimento de uma


cultura interdisciplinar que avança de acordo com o amadurecimento de cada
equipe. Esta evolução culmina com a integração de conteúdos afins, de maneira
espontânea, com uma busca permanente da interdisciplinaridade criando novos
conceitos de ensino unificado. A fusão de disciplinas é um processo natural em
equipes que já trabalham com interdisciplinaridade, podendo ocorrer tanto no
eixo horizontal quanto vertical dentro de uma matriz curricular.
Em educação farmacêutica, a fusão de disciplinas com conteúdos afins pode
ser evidenciada em instituições cuja visão interdisciplinar encontra-se mais
avançada. São comuns as fusões de disciplinas como: Anatomia, Citologia e His-
tologia em Morfologia Humana; Bioquímica, Fisiologia e Patologia em Processos
Funcionais e Patológicos; Microbiologia, Imunologia e Parasitologia básicas em
Agressão e Defesa; Química Analítica Qualitativa, Química Analítica Quantitativa

50
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

e Análise Instrumental em Química Analítica; Química Orgânica I e II em Quí-


mica Orgânica; Microbiologia, Imunologia e Parasitologia Clínicas em Diagnós-
tico Laboratorial das Doenças Infecciosas e Parasitárias, Química Farmacêutica,
Síntese de Fármacos e, Pesquisa e Desenvolvimento em Química Farmacêutica,
dentre outras. Conforme já mencionado, a criação de disciplinas como Toxicolo-
gia I e II, Farmacologia I e II, Tecnologia Farmacêutica I e II, pode ser benéfica
para facilitar o planejamento do ensino, mas é prejudicial para a aprendizagem.
Sempre que possível, a equipe deve evitar o planejamento compartimentalizado
e buscar construir o máximo possível de interdisciplinaridade.
Mesmo diante de proposta interdisciplinar e da criação de uma nova disci-
plina por fusão, existem professores que continuam trabalhando os conteúdos
de maneira especializada, individualizada. Nestes casos, o suporte e o acompa-
nhamento da equipe pedagógica nas dificuldades de ensino é fundamental para
o bom andamento do projeto. O grande desafio dessa etapa é a resistência dos
professores que, muitas vezes, mesmo em disciplinas integradoras, tendem a
trabalhar de maneira isolada. Para a proposta alcançar seu objetivo é necessário
que o corpo docente tenha horas exclusivas para planejamento e integração de
conteúdos. Fusão de disciplinas com professores puramente horistas apresenta
grande chance de insucesso.

2.6 Temas Interdisciplinares ou Eixos Integradores

A implantação de eixos integradores que trabalham de forma horizontal e


vertical dentro da matriz curricular é uma ferramenta poderosa de interdiscipli-
naridade. Estes grandes eixos integradores são temas amplos capazes de abarcar
várias disciplinas e áreas de atuação profissional. Temas como ética, promoção
de saúde, responsabilidade ambiental e sustentabilidade, e atenção farmacêutica
podem ser discutidos e refletidos em todas as disciplinas do curso de Farmácia.
Na figura 6, encontra-se um modelo de aprendizagem em espiral, onde temas
como atenção farmacêutica, ética e promoção de saúde perpassam todas as
disciplinas e anos do curso de maneira transdisciplinar. Nesse modelo, as com-
petências, habilidades e atitudes necessárias à formação do farmacêutico são
visitadas e revisitadas em várias etapas do curso. Em média, uma competência
deve ser visitada entre 3 e 5 vezes durante a formação, sendo reconstruída em
um nível mais avançado a cada nova visita.

51
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Competências
Atitudes
Habilidades
Ano 5 Boas
Práticas
Profissionais

Ano 4
Práticas e
Habilidades

Ano 3
Saberes
Profissionais

Ano 2

Princípios e
Fundamentos
Farmacêuticos
Ano 1

Atenção
Farmacêutica
Promoção
de Saúde
Ética
Figura 6: Aprendizagem em espiral proposta para e educação farmacêutica.

Uma armadilha no planejamento de temas integradores é o uso de temas


que representam especialidades ou que induzam a uma compartimentalização da
aprendizagem. Por exemplo, um eixo de farmácia comunitária poderia conduzir
a uma integração de competências, habilidades e atitudes associadas à farmácia
propriamente dita e ao medicamento, mas inibir as possibilidades de interdisci-
plinaridade com as demais áreas da formação como análises clínicas e alimentos.

52
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Já, ética profissional, outro exemplo, seria um assunto transdisciplinar possível


de ser discutido em todas as disciplinas ou módulos do curso.
Apesar de alguns professores apresentarem resistência quanto à introdução
de temas em seus planos de aprendizagem, é mais uma questão de experiência e
segurança que necessariamente falta de compromisso com a proposta.

2.7 Currículos Modulares

Os módulos podem ser entendidos como um conjunto de conhecimentos


profissionais que, estruturados pedagogicamente, respondem a uma etapa do
processo de formação. São baseados em três princípios: flexibilidade, interdisci-
plinaridade e contextualização. A estruturação modular deve garantir a relação
entre os conhecimentos teóricos e práticos necessários ao desempenho compe-
tente da profissão. O contorno adquirido por um módulo (composto ou não por
um conjunto de disciplinas afins) depende também do tipo de sistematização
das ações didático-pedagógicas articuladas para propiciar o enfrentamento de
situações-problema e o desenvolvimento de projetos coerentemente planejados.
Cada módulo deverá representar uma fase significativa do processo de aprendi-
zagem e/ou constituir numa unidade básica para a avaliação.
Nos sistemas modulares de aprendizagem, ao invés das disciplinas serem
levadas concomitantemente ao longo do semestre ou curso, os módulos aconte-
cem de maneira sequencial, com período médio de duração de 30-45 dias, pas-
sando a outro quando o módulo anterior esgotar. A interdisciplinaridade ocorre
verticalmente. Desta forma, os conteúdos de um módulo partiriam de estruturas
de pensamento já incorporadas pelo estudante, baseado na aprendizagem sig-
nificativa. Devido à natureza interdisciplinar da maioria dos módulos não seria
adequado atribuir a responsabilidade pelos mesmos a este ou aquele departa-
mento. Em alguns casos, sua responsabilidade compete, com mais propriedade,
a uma equipe docente.
Como os módulos são agrupados com temas afins, permite ao aprendiz inter-
-relacionar os conteúdos e construir uma linha de raciocínio sequencial e lógica.
Espera-se que os estudantes possam adquirir uma visão integrada e ampla dos
processos e que sejam estimulados a raciocinar sobre as diferentes situações do
cotidiano da profissão farmacêutica.
A adoção de um currículo modularizado requer quebras de paradigmas
na gestão escolar e, principalmente, na postura do professor, que passará
de uma atitude meramente repassadora de conteúdos específicos para uma
postura de integrador e líder de equipes que, em conjunto, construirão o
conhecimento. Esta proposta de ensino sugere que a instituição tenha cla-
reza tanto do perfil esperado de seu egresso, quanto da organização de seus
docentes para a construção de propostas educativas que incorporem aspectos

53
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

fundamentais das disciplinas por meio da visão de focos mais abrangentes do


conhecimento.
Representa um dos níveis mais avançados de integração quando é adotado
por cursos que trabalham com metodologias ativas no modelo integral. Com o
avanço da cultura interdisciplinar da equipe, os módulos podem se fundir for-
mando módulos ainda maiores com duração semestral. A tendência é alcançar
um momento em que desaparecem todos os módulos e a aprendizagem passa
a ser orientada somente pelas competências. Este modelo encontra-se mais es-
truturado em cursos de enfermagem e medicina. Na Faculdade de Medicina de
Marília - FAMEMA, por exemplo, esse processo está consolidado. Em educação
farmacêutica, de maneira inovadora, cabem alguns exemplos de modelo híbrido
de metodologias ativas como a Universidade Anhembi Morumbi e a Universidade
Metodista em São Paulo, e num modelo integral em PBL a Universidade Federal
do Sergipe-Campus de Lagarto e da Faculdade Pernambucana de Saúde em Recife.
Independente se o currículo foi concebido no formato de competências ou
modular, o que irá definir seu nível de integração é a organização e o planeja-
mento das atividades de aprendizagem, as metodologias de ensino, a capaci-
tação docente para trabalhar de maneira integrada, o regime de trabalho dos
professores e o grau de comprometimento da alta gestão com o projeto peda-
gógico da instituição. Estes elementos, juntos, contribuirão para uma mudança
da cultura educacional que refletirá no grau de interdisciplinaridade da apren-
dizagem. Para exemplificar, um currículo modular quando organizado em torno
da Aprendizagem Baseada em Problemas, geralmente, apresenta maior nível de
integração que outro currículo modular num modelo parcial ou híbrido de uso de
metodologias ativas.

2.8 Currículo Baseado em Competências

Para orientar a discussão, serão apresentados os conceitos básicos de com-


petências e habilidades:

• Competências são modalidades estruturais da inteligência, ou melhor,


ações e operações que utilizamos para estabelecer relações com e entre
objetos, situações, fenômenos e pessoas que desejamos conhecer. Em
resumo, capacidade para analisar e resolver problemas.
• As habilidades decorrem das competências adquiridas e referem-se ao
plano imediato do “saber fazer”. Por meio das ações e operações, as
habilidades aperfeiçoam-se e articulam-se, possibilitando nova reorgani-
zação das competências. Em outras palavras, capacidade para fazer algo
com perfeição e conhecimento do que se executa.

54
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

As competências, enquanto ações e operações mentais, articulam conheci-


mentos e habilidades elaboradas cognitivamente e socioafetivamente, os valores
e as atitudes de ordem do “saber ser” e “saber conviver”. O profissional é o ser
que entende e percebe as consequências que as ações acarretam nas relações
sociais, interpessoais e ambientais. Logo, a reflexão, a crítica e o humanismo
estão fortemente presentes neste modelo de currículo.
A construção de um currículo por competência pode assumir diversas for-
mas, a depender da própria abordagem conceitual acerca do que é competência.
Cada instituição ou curso deverá construir o seu caminho com base na sua cul-
tura educacional, reflexão acerca da proposição, construção de sua visão crítica
e, principalmente, mudança na proposta educacional.
O primeiro passo para a organização de um currículo baseado em com-
petências consiste em avaliar qual o perfil do profissional necessário para
atender às demandas de uma dada atividade profissional, configurando-se
os diversos tipos de competências relacionadas com tal perfil. No caso de
sua construção em termos específicos da formação em Farmácia no Brasil, é
importante tomar como ponto de partida as Diretriz-es Curriculares Nacionais
para o curso de graduação em Farmácia nas quais se assenta o perfil pro-
fissional desejado. Também se deve tomar como base a doutrina da reforma
sanitária e o Sistema Único de Saúde (SUS).
O planejamento e a construção de currículos por competência na área de
saúde deverá ser um processo discutido no macro ambiente devido às grandes
mudanças que irá introduzir no modelo de ensino e na administração da insti-
tuição. Para melhor compreender este impacto, abaixo estão destacados alguns
pressupostos do currículo por competências:

a) Objetivos educacionais estabelecidos com base nas competências - a ela-


boração dos objetivos educacionais fundamenta-se nas competências re-
queridas nas situações concretas de trabalho;
b) Competências relacionadas com o processo de trabalho – além das dimen-
sões técnicas, também enfoca as dimensões sócio-políticas, culturais,
econômicas, histórico-geográficas etc.;
c) Utilização de definição ampla de competências – devem ser amplas, en-
volvendo várias áreas de aprendizagem e incluindo em sua concepção
valores, conhecimentos e habilidades;
d) Desenho curricular modular – a formação baseada em competências está
estreitamente relacionada com o sistema de módulos, que possibilita a
organização do currículo em unidades relacionadas com um conhecimen-
to ou habilidade precisa;
e) Ensino centrado na relação dialógica professor-estudante – o trabalho

55
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

educativo se realiza por meio dos grupos de discussão, em que estudan-


tes e professores funcionam como interlocutores ativos, numa relação
social igualitária;
f) Criação de espaços multirreferenciais de aprendizagem – reconhecendo a
complexidade e a heterogeneidade das situações educativas, adota-se
como perspectiva epistemológica uma leitura múltipla de tais objetos,
mediante a conjugação de várias correntes teóricas;
g) Formação orientada para problemas mais relevantes da prática - definem-
-se os conteúdos essenciais em bases epidemiológicas, adequando-se o
ensino à realidade local de saúde;
h) Processo de avaliação amplo e abrangente - deve-se utilizar os diver-
sos tipos de avaliação (diagnóstica, formativa e somativa), levando-se
em conta aspectos cognitivos, afetivos e psicomotores. A avaliação não
deve ter apenas como objeto os estudantes, mas também professores e
práticas educativas;
i) Pesquisa integrada ao ensino - estimula-se que a pesquisa se faça com
base nas questões levantadas pela prática educacional;
j) Conhecimento estruturado de acordo com pensamento interdisciplinar –
dessa maneira, possibilita-se sua organização de modo a oferecer uma
visão mais ampla e integrada dos fenômenos estudados;
k) Reconhecimento dos saberes dos estudantes - dá-se validade aos diversos
conhecimentos por eles adquiridos, independente de suas fontes: siste-
ma educacional formal, sistema de formação profissional ou na experiên-
cia profissional;
l) Tarefas relacionadas com solução de problemas - propõem-se tarefas rela-
cionadas com problemas envolvidos na prática profissional, de modo que
os estudantes sejam estimulados a propor e executar ações resolutivas.

Na aprendizagem por competência, destaca-se a teoria da aprendizagem sig-


nificativa, uma vez que este modelo de aprendizagem faz conexão entre educação
e trabalho, na perspectiva das condições concretas de laboralidade, ou seja, uti-
liza conteúdos potencialmente significativos para o estudante. Do mesmo modo,
a aprendizagem significativa de Saúde Pública faz uso de experiências prévias do
aprendiz e permite que este as relacione com os conhecimentos novos.
A participação de toda a equipe docente no planejamento e na definição de
todas as competências que serão desenvolvidas no curso é essencial para alcan-
çar os resultados. Esta já representa uma etapa de integração e amadurecimento
do grupo que passará a usar aquelas orientações para definição de objetivos,
conteúdos, metodologias, atividades práticas, avaliação da aprendizagem etc.

56
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Sempre quando o professor sentir-se inseguro sobre incluir ou excluir um as-


sunto, ou planejar uma atividade prática, as competências poderão servir como
orientação. Entretanto, uma preocupação durante o planejamento é colocar o
conhecimento puramente em função da competência, o que pode resultar numa
lógica reducionista, em que o mesmo é interpretado como um meio de treina-
mento e execução de tarefas.
O sucesso da organização de um currículo orientado por competências de-
pende da infraestrutura. Por exemplo, nos cursos de medicina e enfermagem, a
estruturação de uma instituição de ensino acoplada a um hospital é fundamental
num currículo planejado em formação por competências. Os estudantes estão
permanentemente aprendendo nos ambientes reais de atuação profissional, desde
o primeiro semestre do curso. As salas de aulas fazem parte do ambiente clínico
e, muitas vezes, não é possível separar o que é sala de aula e o que é hospital.
A integração teoria-prática é magistral porque os estudantes estão plenamente
integrados à profissão. A aprendizagem acontece no dia a dia das atividades do
hospital e nas Unidades Básicas de Saúde. Este modelo de ensino é quase impos-
sível na estrutura clássica da universidade brasileira, organizada em departamen-
tos, num modelo napoleônico de ensino e distante do ambiente profissional.

2.9 O Uso de Ferramentas Ativas de Ensino como


Estratégia de Interdisciplinaridade

Como as situações reais de exercício profissional são naturalmente interdisci-


plinares, pode-se inferir que egressos formados em currículos com maior grau de
interdisciplinaridade apresentam maior probabilidade de êxito profissional, visto
que são capazes de analisar o todo para uma tomada de decisão. Esta prerrogati-
va é verdadeira uma vez que a formação de conhecimentos integrados durante a
graduação favorece o uso do cérebro total nas atividades profissionais. Seguindo
o mesmo pensamento, pessoas que usam o cérebro total numa tomada de decisão
são capazes de analisar, comparar, discutir e elaborar propostas para a solução de
problemas com maior profundidade e assertividade. No mercado de trabalho, estas
pessoas atendem melhor o conceito cognitivo de profissionais de alto desempe-
nho e, portanto, existe uma relação direta entre aprendizagem interdisciplinar,
currículo integrado e formação de profissionais de alto desempenho.
Desta maneira, planejar um currículo integrado com atividades de aprendi-
zagem multi, pluri, inter e transdisciplinares deixa de ser apenas um jargão na
educação superior carregado somente de intencionalidades e discursos e passa
a ser uma necessidade na formação de profissionais melhores preparados para
o mercado. Com esta visão, implantar um currículo orientado por metodologias
ativas de ensino-aprendizagem atende plenamente uma proposta interdiscipli-
nar, pois metodologias como ABP, problematização, estudo de casos, apren-

57
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

dizagem por projetos e simulação são naturalmente interdisciplinares. Como


exemplo, um estudo de casos, por ser uma situação profissional real, envolve
integrar conhecimentos de diversas áreas ou módulos para que a tomada de
decisão seja mais adequada e assertiva. Do mesmo modo, durante a montagem
de um cenário em simulação são necessárias abordagens de conhecimentos de
diversas áreas para que a situação seja a mais realística possível. Estes cená-
rios, muitas vezes, podem transpor os limites de uma profissão permitindo criar
uma situação multiprofissional como a simulação de um ambiente hospitalar
que integra estudantes de saúde como enfermagem, farmácia, medicina, nutri-
ção e outros.
Outra metodologia que atende fortemente a interdisciplinaridade é a pro-
blematização. Quando o estudante vai à comunidade, observa um problema real,
faz um levantamento de dados quantitativo e qualitativo para análise, volta
para a sala de aula para elaborar pontos chaves de estudos, teoriza os temas
levantados, discute com seus pares, propõe soluções para o problema, toma uma
decisão sobre a melhor proposta para aplicar na comunidade e reflete sobre suas
ações, todo este conjunto de atividades tem forte caráter interdisciplinar. Por
isso, a introdução de metodologias ativas num currículo de graduação natural-
mente permite uma formação interdisciplinar.
Planejar um currículo interdisciplinar não é somente integrar as áreas de ali-
mentos, análises clínicas e medicamentos ou as várias unidades de aprendizagem
(disciplinas ou módulos). Também é necessário integrar as áreas de ciências hu-
manas e sociais aos conteúdos tecnicistas de Farmácia e, ainda, integrar “o saber,
o saber fazer e o saber ser” durante as atividades de aprendizagem. Em outras
palavras, interdisciplinaridade é integrar a teoria à prática, a formação humanista
à tecnicista, os conteúdos das áreas básicas aos profissionalizantes, os domínios
cognitivos e psicomotores aos socioafetivos, ou seja, integrar o conhecimento à
formação de práticas e habilidades e à formação pessoal e social do estudante.
Por isso, as metodologias ativas são altamente interdisciplinares vez que permi-
tem o estudante analisar o todo durante a resolução do problema. Se o estudante
desenvolve a habilidade de analisar e avaliar o todo para uma tomada de decisão,
certamente estará mais preparado para o exercício profissional. Portanto, discutir
interdisciplinaridade é mandatário num planejamento acadêmico.

2.10 Como Montar um Currículo Integrado?

Poderíamos tentar definir o currículo integrado como um plano pedagógico


e sua correspondente organização institucional que articula dinamicamente tra-
balho e ensino, prática e teoria, ensino e comunidade. As relações entre trabalho
e ensino, e entre os problemas e suas hipóteses de solução, devem ter sempre,
como pano de fundo, as características socioculturais do meio em que este pro-

58
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

cesso se desenvolve. É uma formação profissional que integra ensino e trabalho.


O currículo integrado é uma opção educativa que permite:

• uma efetiva integração entre ensino e prática profissional;


• a real integração entre prática e teoria;
• um avanço na construção de teorias a partir do anterior;
• a busca de soluções específicas e originais para diferentes situações;
• a integração ensino-trabalho-comunidade, implicando numa imediata
contribuição para esta última;
• a integração professor–aluno na investigação e busca de esclarecimentos
e propostas;
• a adaptação a cada realidade local e aos padrões culturais próprios de
uma determinada estrutura social.

Não existem receitas padronizadas para montar um currículo integrado. É


fruto do estudo, da criatividade, da reflexão, do comprometimento e da perse-
verança dos envolvidos. Durante a montagem deve-se procurar vencer a cultura
tradicional de ensino e evitar a tendência de reproduzir experiências anteriores.
A busca da eficácia da interdisciplinaridade deverá ser um processo permanente,
que pode ser aprimorado a cada passo, suscetível de ser constantemente avalia-
do e melhorado de acordo com as novas experiências.
Para quem quer começar no processo, abaixo estão representados, de ma-
neira resumida, os principais passos que podem orientar no planejamento de um
currículo integrado:

Passo 1: Definição das atribuições e áreas de atuação da profissão

Passo 2: Definição das competências necessárias para a formação profissional

Passo 3: Definição e hierarquização de conteúdos e conhecimentos

Passo 4: Definição e padronização das metodologias de aprendizagem

Passo 5: Definição das práticas, cenários e ambientes reais de aprendizagem

59
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

O planejamento acadêmico deverá ser realizado em equipe, discutindo as


competências, habilidades e atitudes que serão construídas, os objetivos, as
estratégias de integração, definindo situações de aprendizagem individual ou em
grupo e, principalmente, o fazer do professor que assume a função de orientador,
tutor, facilitador e motivador. Na figura 7, está demonstrado um modelo de plano
de aprendizagem utilizado num programa integrado.

Objetivos
Unidade I Conteúdos, assuntos ou temas
Metodologia
Objetivos
Competências,
habilidades e Unidade 2 Conteúdos, assuntos ou temas
atitudes
Metodologia
Objetivos
Unidade 3 Conteúdos, assuntos ou temas
Metodologia
Figura 7 - Proposta de modelo de organização do plano de aprendizagem.

2.11 Considerações

Outro ponto que merece destaque é a criação de momentos interdisciplina-


res e multiprofissionais da área da saúde. Podem ser organizados encontros, de-
bates, discussão em classe, estudo de casos, resolução de problemas de maneira
integrada, onde estudantes de farmácia, enfermagem, medicina, nutrição, agora
como equipe multiprofissional, propõem protocolos integrados para atendimen-
to, tratamento e acompanhamento do paciente. Estas atividades integradas ge-
ram excelentes resultados quando acontecem nos últimos semestres do curso
e devem ser contempladas no planejamento e na matriz curricular dos cursos
envolvidos.
Estas ações integradoras podem ser beneficiadas por meio da criação de
escolas de ensino agrupadas por afinidades dos cursos, como Escola de Saú-
de, Escola de Comunicação, Escola de Administração e Marketing. A criação de
Escola da Saúde gera um ambiente de integração entre as diversas profissões,
facilitando a implementação de ações multiprofissionais unificadas, por meio do
planejamento integrado e criação de matrizes curriculares que contemplem ativi-
dades integradoras comuns, o que certamente, representaria grandes benefícios
para a educação superior.
Para alcançar este grau de integração é necessária uma revisão geral dos
conteúdos ministrados. Um erro clássico no planejamento e definição dos con-

60
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

teúdos que irão compor uma disciplina é o uso não crítico de livros acadêmicos.
Geralmente, durante a montagem do plano de aprendizado, o professor abor-
da a seqüência de capítulos presentes nos livros acadêmicos mais conceitua-
dos naquela área, mas sem refletir que os conteúdos, muitas vezes, não foram
planejados com o enfoque na aprendizagem. Após uma avaliação crítica percebe-
se que os livros, via de regra, foram escritos por especialistas, que organizaram
os capítulos de acordo com a melhor seqüência de conteúdos, na sua percepção,
mas sem objetivar a formação de competências das profissões relacionadas. Por
isso, muitas vezes, após análise detalhada de alguns cursos, encontram-se planos
de aprendizagem sobrecarregados de conteúdos, mas muitos sem integração com
as competências que são necessárias para a respectiva formação profissional.
É importante que nas reuniões de planejamento ou replanejamento de um
novo mapa curricular, participem dos debates representantes da comunidade,
de empresas do ramo farmacêutico, do corpo discente, do corpo administrativo
da instituição, ex-alunos e profissionais que atuam no mercado, toda a equipe
de professores, coordenador e diretores. Esta abertura política é essencial para
permitir uma ampla discussão acerca do perfil profissiográfico definindo compe-
tências, habilidades, valores e atitudes do profissional em formação. Geralmente,
os currículos planejados essencialmente pelo corpo docente apresentam forte
tendência de corporativismo, negligenciando as reais necessidades da sociedade,
com intensa visão academicista e tecnicista.
As atividades de integração podem acontecer em qualquer momento do cur-
so, porém, devem acontecer, em especial, ao término de algumas aprendizagens
que formam um todo significativo, ou seja, quando se quer fixar uma competên-
cia. Por isso, além das situações de integração já citadas, também podem existir
outros momentos de interdisciplinaridade como um trabalho de produção sobre
um determinado tema, uma visita de campo ou visita técnica monitorada, um
estágio, uma pesquisa, o trabalho de conclusão de curso. Durante uma atividade
integradora um dos objetivos finais é sempre alcançar a metacognição.
A metacognição é uma reflexão que o estudante é conduzido a realizar na
tomada de consciência do trabalho de apropriação das aquisições; ele é levado
a refletir sobre a maneira como chega à sua resposta e sobre a qualidade de tal
resposta. Este trabalho pode ser diferente para cada aprendiz: cada um tem seu
sistema pessoal de condução da aprendizagem, isto é, suas próprias maneiras de
aprender que estão ligadas ao seu estilo cognitivo. Levar em conta a metacogni-
ção é permitir que o estudante reflita sobre suas condutas e sobre suas maneiras
de aprender.
Para integrar, ensino, pesquisa e extensão, graduação e pós-graduação, uma
estratégia que apresenta resultados bastante satisfatórios é o uso de metodolo-
gias como problematização e aprendizagem por projetos. O emprego destas me-

61
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

todologias de maneira padronizada permite ao estudante pesquisar a resolução


de um problema ou construir um projeto de ampla profundidade, desenvolver e
propor novos produtos, cujos resultados podem transformar-se num tema para
pós-graduação.
Pesquisar é uma ação que conduz naturalmente à interdisciplinaridade, por
isso educação e pesquisa são indissociáveis. A pesquisa exige a capacidade de
observar, questionar, duvidar, supor, refletir, analisar, propor mudanças. Exige
aprender a buscar o que não se sabe e se necessita saber, a levantar hipóteses, a
testá-las, reafirmando assim o conhecimento, criando novas alternativas e para-
digmas. O objetivo final deve ser a incorporação da pesquisa, pelo profissional,
como prática para a aquisição do conhecimento e modificação da realidade.
Por fim, o quadro 6 apresenta um esquema de um curso de Farmácia com
várias estratégias de integração que podem ser implantadas parcial ou inte-
gralmente. Demonstra a intencionalidade de um currículo inovador que busca
a interdisciplinaridade. Apesar de não explicitado, nesse modelo podem estar
presentes proposições de fusões de disciplinas e eixos integradores. O grande
diferencial dessa proposta é a inserção de atividades e programas multiprofis-
sionais onde podem participar estudantes dos vários cursos da área da saúde.
Conforme já mencionado, essa proposta é mais viável para aquelas instituições
que trabalham com cursos de graduação agrupados por escolas.

Ano Disciplina Disciplina Disciplina Disciplina Disciplina


1 Disciplina 1 Disciplina 2 Disciplina 3 Disciplina 4 Disciplina Integradora I
Assuntos ou Projetos Interdisciplinares
Disciplina 5 Disciplina 6 Disciplina 7 Disciplina 8 Disciplina Integradora II
2
Assuntos Integrados Multiprofissionais I
Disciplina 9 Disciplina 10 Disciplina 11 Disciplina 12 Práticas e Habilidades
3
Assuntos Integrados Multiprofissionais I
4 Disciplina 13 Disciplina 14 Disciplina 15 Seminários Integrativos Práticas e Habilidades
5 Disciplina 16 Disciplina 17 Disciplina 18 Programa Multiprofissional Práticas e Habilidades

Quadro 6: Proposta de modelo de integração para o curso de Farmácia.

62
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

2.12 Bibliografia Consultada

ARAÚJO, D. – Noção de Competência e Organização Curricular. Revista Baiana de Saúde Pública,


v.31, p.32-43, 2007.
BATISTA, N.A.; BATISTA, S.H.; ABDALLA, I.G. – Ensino em Saúde: Visitando Conceitos e Práticas.
São Paulo, Arte & Ciência Editora, 2005.
DAVINI, M.C. – Currículo Integrado. Disponível em: www.opas.org.br/rh/publicacoes/textos_
apoio/pub04U2T8.pdf. Consulta em 11/02/2010.
BRAID, L.M.C.; MACHADO, M.F.A.S.; ARANHA, A.C. – Estudo da arte das pesquisas sobre currículo
em cursos de formação de profissionais da área da saúde. Interface-Comunic., Saúde, Educ,
v.16, p.679-692, 2012.
CHETTIPARAMB, A. – Interdisciplinarity: a literature review. The Interdisciplinary Teaching and
Learning Group, University of Southampton, United Kingdom, 2007.
CHOI, B.C.K.; PAK, A.W.P. - Multidisciplinarity, interdisciplinarity and transdisciplinarity in health
research, services, education and policy: Definitions, objectives, and evidence of effective-
ness. Clin. Invest. Med. V.29, P.351–364, 2006.
COSTA, T.A. – A noção de competência enquanto princípio de organização curricular. Revista Bra-
sileira de Educação, v.29, p.52-62, 2005.
FAZENDA, I. C.A. – Didática e Interdisciplinaridade. Campinas, 12ª edição, Papirus Editora, 2007.
FAZENDA, I. C.A. – Interdisciplinaridade:Um Projeto em Parceria. São Paulo, Edições Loyola, 2007.
FRENK, J. et al. - Health professionals for a new century: transforming education to strengthen
health systems in an interdependent world. The Lancet, v.29, p.01-36, 2010.
GALINDO, M.B.; GOLDENBERG, P. – Interdisciplinaridade na graduação em Enfermagem: um proces-
so em construção. Rev. Bras. Enferm., v.16, p.18-23, 2008.
GARCIA, M.A.A. et al. Interdisciplinaridade e integralidade no ensino em saúde. Rev. Cienc. Med.,
v.15, p.473-485, 2006.
GOLDMAN, E.; SCHROTH, E.S. – Deconstructing integration: A framework for the rational application
of integration as a guiding curricular strategy. Academic Medicine, v.87, p.729-734, 2012.
HARDEN, R.M.; DAVIS, M.H.; CROSBY, F.R. – The New Dundee medical curriculum: a whole that is
greater than the sum of the parts. Medical Education, v.31, p.264-271, 1997.
JOHANSEN, L.N.; HOJLAND, P. - Thinking across disciplines - interdisciplinarity in research and
education. Danish Business Research Academy, Copenhagen, Denmark, 2008.
KLEIN, J.T. – Interdisciplinarity: History, theory and practice. Wayne State University Press, De-
troit, Michigan, 1990.
LALUNA, M.C.M.C.; FERRAZ, C.A. – Currículo Integrado: Analisando o Desempenho do Planejamento
Participativo. Rev Gaúcha Enferm, Porto Alegre, v.27(2), p.230-239, 2006.
LOWMAN, J. – Dominando as Técnicas de Ensino. São Paulo, Editora Atlas, 2004.

63
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

MASETTO, M.T. – Competências Pedagógica do Professor Universitário. São Paulo, Summus Edito-
rial, 2003.
MORAES, M.C.B.; MATTEI, R.A.; SANTOS, S.M. – Impactos na Gestão e na Docência com a Implan-
tação de Currículo Modularizado e por Competências em uma Instituição de Ensino Superior.
Recife - PB, V Colóquio Internacional Paulo Freire, 2005.
MOREIRA, M.A.; MASINI, E.F.S. – Aprendizagem Significativa. São Paulo, Centauro Editora, 2001.
PERRENOUD, P.; THURLER, M.G. – As competências para ensinar no século XXI: A formação dos
professores e o desafio da avaliação. Porto Alegre: Artmed Editora, 2002.
SANTOS, A. – Complexidade e transdisciplinaridade em educação: cinco princípios para resgatar o
elo perdido. Rev. Bras. Educ., v.13, p.71-83, 2008.
SOUZA. P.A.; ZEFERINO, A.M.B.; DA ROS, M.A. – Currículo integrado: entre o discurso e a prática.
Rev. Bras. Educ. Med., v.35, p.20-25, 2011.
TSUJI, H.; SILVA, R.H.A. – Aprender e Ensinar na Escola Vestida de Branco. São Paulo, Phorte
Editora, 2010.
ZABALA, M.A. – O Ensino Universitário: Seu Cenário e seus Protagonistas. Porto Alegre, Editora
Artmed, 2004.

64
Capítulo 3
Aprendizagem Baseada em Problemas
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

3 - Aprendizagem Baseada em Problemas


Autora: Gilcilene Maria dos Santos El Chaer

3.1 Introdução

A Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) constitui uma estratégia pe-


dagógica/didática centrada no estudante que, a partir da resolução de proble-
mas, tem a oportunidade de vivenciar situações cotidianas e, consequentemente,
se preparar para o enfrentamento de situações problemas que permearão sua
vida profissional. Surgiu em meados de 1960, na Universidade McMaster no Ca-
nadá, e também em iniciativas pioneiras de instituições como a Universidade de
Maastricht na Holanda, e de Newcastle na Austrália. Passou a ser adotada por al-
gumas escolas de Medicina do Brasil, como a Universidade Estadual de Londrina,
a Faculdade de Medicina de Marília e a Faculdade de Medicina da Escola Superior
em Ciências da Saúde de Brasília, por recomendação das Sociedades das Escolas
Médicas para países da África, Ásia e América Latina. Inicialmente concebida
para a formação médica, atualmente é uma abordagem adotada para a educação
de profissionais dos mais diversos campos, sendo utilizada também para o ensi-
no em educação permanente e de pós-graduação. Atualmente, na graduação em
Farmácia, o PBL foi adotado pela Faculdade Pernambucana de Saúde em Recife e
Universidade Federal do Sergipe, no campus Lagarto.
O currículo tradicional, estruturado emdisciplinas que a maioria das es-
colas adota, privilegia o domínio cognitivo em detrimento de habilidades e
atitudes necessárias para a formação profissional. Apresenta como inconve-
nientes falta de integração, principalmente, entre as disciplinas de base e
as específicas e excessiva autonomiadocente.Com o avanço da compreensão
de como um adulto aprende, fica evidente que para um aprendizado efetivo
deve-se envolve-loativamente em todo o processo de ensino aprendizagem
privilegiando sua experiência prévia na aquisição de novos conhecimentos.
Nessa perspectiva, a ABPsurgiu na tentativa de integrar os conhecimentos
e desenvolver competências profissionais indispensáveis para o desenvolvi-
mentodo trabalho.
O elemento central do processo de aprendizagem é o estudante. Ele é
exposto a situações motivadoras nos grupos tutoriais, em que, por meio dos
problemas, é levado a definir objetivos de aprendizado cognitivo sobre os
temas do currículo. Estágios e atividades laboratoriais completam sua for-
mação de forma semelhante ao que ocorre nasescolas que adotam o método
tradicional.

67
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Alguns autores também abordam a ABP como ‘’aprendizagem pela descober-


ta’’ (Learning by Discovery), uma proposta educacional que consiste no confronto
de estudantes com problemas e na busca de sua solução através da discussão em
grupos (figura 8).

Problema

Estudo
Idéias
Individual

ABP
Objetivos de
Conhecimento
Aprendizagem

Figura 8 - Processo de aprendizagem da ABP.

A ABP é uma proposta que direciona toda a organização curricular de um


curso, havendo necessidade do envolvimento do corpo docente, administrativo
e acadêmico da instituição para desenvolvê-la. Sua utilização demanda altera-
ções estruturais e trabalho integrado dos diversos departamentos e módulos que
compõem o currículo do curso.
As instituições que adotam a ABP, como metodologia de ensino e apren-
dizagem, têm sua organização curricular estruturada em módulos temáticos ao
invés de disciplinas. A organização em módulos permite uma maior integração
dos conteúdos e o exercício permanente dainterdisciplinaridade, tão discutida e
difícil de ser alcançada em currículos tradicionais.
No planejamento de um currículo baseado em problemas, deve ser previsto
um módulo introdutório que apresentará o novo modelo, discutirá as funções de
cada participante (estudante, tutor, líder, secretário e coordenador), os objeti-
vos de aprendizagem, o estudo individual, as atividades em grupo e os modelos
de avaliação. Este é um ponto fundamental para reduzir possíveis estresses e
orientar os estudos durante a evolução do programa.

68
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Nesta concepção de ensino, o estudante é o centro do processo. Ele é o


responsável pelo seu aprendizado, tendo o tutor como orientador.O estudante
aprende a ser autônomo em busca do referencial teórico para o seu aprendizado.
Desta forma, não haverá uma apostila com conteúdos como muitas vezes é ob-
servado no método tradicional. Cada aprendiz deverá procurar múltiplas literatu-
ras e fontes de estudo de maneira independente. É também o próprio estudante
quem deverá decidir a profundidade de sua investigação e quem deverá avaliar a
acuidade de suas conclusões. Apesar desta autonomia, o estudante possuiliber-
dade de aprendizagem monitorada, pois estará sendo avaliado permanentemente
de maneira formativa com feedback e, ao final, numa avaliaçãosomativa.
Na tentativa de promover mudanças no currículo tradicional, algumas ins-
tituições introduzem a resolução de problemas de maneira adaptada, integrada
com as aulas expositivas e conferências. Apesar de uma iniciativa louvável e que
pode ser aprimorada, este modelo de aprendizagem não deve ser chamado de
ABP, uma vez que a resolução do problema num modelo clássico de ensino é so-
mente uma ferramenta ativa de “ensinagem” e não uma metodologia pedagógica
padronizada.
Para enfrentar todos esses desafios, a natureza da capacitação docente deve
ser tal que consiga modificar suas concepções sobre o processo de ensino-apren-
dizagem, uma vez que docentes acostumados num ambiente diretivo, mesmo em
ambientes educacionais centrados no estudante, tendem a adotar o modelo tra-
dicional. Em alguns casos, aqueles professores que apresentam maior resistência
para a mudança, chegam a argumentar que os estudantes não estão preparados
para trabalhar com ABP, mas, na prática, esta é uma argumentação sem funda-
mento. Na grande maioria das vezes, quem realmente não está aberto para a
inovação é o professor.

3.2 Estrutura Organizacional que Permite a Implantação da ABP

A instituição que deseja implantar um currículo baseado em ABP deve in-


vestir em infraestrutura e na capacitação docente. Reformular as salas de aula e
laboratórios de práticas e ampliar a biblioteca são requisitos básicos para garantir
o sucesso do método.Como a metodologia é realizada em pequenos grupos de, no
máximo, doze estudantes, o número de estudante em sala de aula deve ser redu-
zido. A presença de uma lousa em cada sala é indispensável para realização das
seções de tutoria. Na ABP, o estudo individual se dá essencialmente na biblioteca,
quando os estudantes buscam atingir os objetivos cognitivos que programaram
alcançar a partir dos problemas. Após a implantação da ABP, o uso da biblioteca
aumenta consideravelmente, por isso, é necessário um amplo investimento em
livros, assinatura de revistas científicas e parcerias com bibliotecas virtuais.

69
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Como mencionado anteriormente, o grupo tutorial é composto de 8 a 12


estudantes e um tutor. Para que a dinâmica do grupo seja preservada e efetiva,
a disposição dos estudantes deverá ser em círculo para facilitar a discussão do
problema e a troca de informações. As informações normalmente são organiza-
das pelo secretário na lousa.
As instituições que trabalham com ABP têm nesta metodologia um de seus
eixos principais, mas também trabalham com outras metodologias como a pro-
blematização, estudo de casos e aprendizagem por projetos. Não são necessárias
grandes mudanças nos laboratórios, pois as práticas são semelhantes as que
ocorrem no ensino tradicional. Os estudantes têm práticas de histologia, quími-
ca, farmacologia, análises clínicas, entre outras, que acontecem em laboratórios
específicos de cada área. A diferença acontece na maneira de se trabalhar os
conteúdos, sempre de modo integral e interdisciplinar.
Ao iniciar um módulo temático, o estudante recebe todas as orientações e
cronograma das seções de tutoria, práticas e das avaliações somativas (cogni-
tivas). O quadro 7 apresenta um modelo de semana padrão adotado na Escola
Superior de Ciências da Saúde (ESCS) no Distrito Federal.

SEMANA PADRÃO
2ª Feira 3ª Feira 4ª feira 5ª Feira 6ª Feira
Protegido Protegido Protegido IESC Protegido
Manhã
para estudo para estudo para estudo para estudo
Palestra e Grupos Habilidades Protegido Grupos
Tarde
Habilidades e Atitudes Tutoriais e Atitudes para estudo Tutoriais

Quadro 7 - Semana padrão dos estudantes da primeira série do curso

Observa-se que a tutoria acontece em dois momentos na semana. No pri-


meiro momento abre-se um problema, mas a resolução dele e a abertura de
outro acontece em um segundo momento.O planejamento do módulo permite a
introdução de palestras (uma por semana) que, normalmente é relacionada ao
tema em estudo e é ministrada por um especialista no assunto. Além disso, na
ESCS, os estudantes trabalham dois outros eixos que são as habilidades e ati-
tudes (semiologia e comunicação) e a Interação ensino-serviço-comunidade. As
aulas práticas de cada módulo acontecem nos horários protegidos para estudo.
Deve-se tomar o cuidado de não ocupar todos os horários protegidos, pois, a
resolução de um problema exige muitas horas de estudo.
No Brasil, a resolução de problemas em educação farmacêutica tem sido
aplicada de forma integral, parcial ou modificada, estas últimas como ferramen-
ta, sendo mais facilmente adaptável para aqueles assuntos associados à área

70
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

biológica, cuja experiência já está bem estabelecida. No ensino de Farmácia,


aqueles cursos que adotaram um modelo parcial ou híbrido de metodologias ati-
vas, em algumas áreas, como de ciências exatas, incluindo matemática, física e
química, ou a área na tecnológica, como tecnologia de alimentos, cosméticos e
medicamentos, os professores apresentam grande dificuldade para implantação
da técnica de resolução de problemas como ferramenta de ensino aprendizagem.
Contudo, existem experiências exitosas que podem ser tomadas como modelo,
mostrando que tal prática pode ser implantada mesmo em áreas fortemente tec-
nológicas.

3.3 Características e Elementos Essenciais da ABP

A ABP é uma proposta de estruturação curricular que objetiva a integração


de conteúdos tendo em vista a prática. Os estudantes são orientados para a com-
preensão ou resolução de um problema em pequenos grupos sob a supervisão de
um tutor (figura 9). O problema, discutido em grupo, deve incentivar o levan-
tamento de hipóteses para explicá-lo. A partir daí, os objetivos serão traçados,
pesquisas e estudos serão propostos e nova discussão em grupo será feita para
síntese e aplicação do novo conhecimento.

Tutor

Estudantes

Figura 9 - Disposição dos estudantes e tutor na ABP.

O trabalho também pode ocorrer de forma individual, mas é incentivado o


trabalho em grupo como produto das atividades individuais. O grupo de tutoria

71
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

constitui um fórum de discussão, apresentando-se como um laboratório que


possibilita uma aprendizagem sobre a interação humana, constituindo-se numa
oportunidade para aprender a ouvir, a receber e a assimilar críticas.
A ABP possui seis componentes centrais: o problema, os grupos tutoriais, o
tutor, o estudo individual, a avaliação do estudante e as unidades educacionais,
através dos quais se estrutura o currículo.
A aprendizagem na ABP inicia-se quando os estudantes se defrontam com
um problema (1), definido como “uma descrição neutra de fenômenos ou even-
tos da realidade, que devem ser explicados pelos estudantes, em termos de seus
processos, princípios ou mecanismos subjacentes”. O problema - componente
fundamental da ABP – conduz o processo de aprendizagem, que é organizado por
meio de um ciclo estruturado de atividades. O ciclo se inicia pela apresentação
do problema aos estudantes, sem que eles tenham tido, anteriormente, acesso
às informações necessárias para abordá-lo. Ou seja, o problema é o ponto de
partida e o fio condutor do processo de aprendizagem.
É no grupo tutorial (2) que o problema é analisado, os objetivos de
aprendizagem são estabelecidos e, após um trabalho individual de busca de
novas informações, os estudantes obtêm uma explicação ou uma solução
para o problema, utilizando-se, para tanto, dos novos conhecimentos adqui-
ridos. O grupo tutorial é considerado de importância crucial para a ABP, não
somente por suas funções no ciclo básico de atividades da abordagem, mas
pelas vantagens advindas do trabalho em pequenos grupos. A utilização de
pequenos grupos facilita a criação de condições favoráveis para o processo
de aprendizagem, em especial a cooperação e o aprendizado mútuo, a elabo-
ração e a construção de conhecimentos.
O grupo tutorial atua com o apoio de um tutor (3), cujas funções são de
estimular o processo de aprendizagem dos estudantes e de ajudar o grupo a con-
duzir o ciclo de atividades da ABP, utilizando-se de diversos meios, dentre eles
a apresentação de perguntas e não de respostas, como é papel do professor nos
currículos tradicionais.
Após a identificação de objetivos de aprendizagem, realizada durante
encontro do grupo tutorial para análise do problema, os estudantes devem
conduzir uma fase de estudo individual (4), um outro componente central
da ABP. Assume-se que é de responsabilidade do estudante a identificação de
material bibliográfico relevante, a decisão sobre o que deve ser estudado e
a sistematização dos novos conhecimentos para a apresentação subsequente
ao grupo.
Outro elemento considerado importante na ABP é a avaliação (5) do estu-
dante, que deve ter um caráter progressivo. Aliado a isso, essa modalidade de
avaliação do desempenho do estudante, feita ao término de cada unidade que

72
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

integra a matriz curricular, é tida também como um aspecto importante para


evitar as distorções verificadas usualmente nos currículos tradicionais, onde os
estudantes,geralmente, concentram seus estudos na fase final do curso.
Por fim, uma característica organizacional central da ABP é a estruturação
da matriz curricular (6) em unidades ou blocos, cada um deles tendo um
único tema específico como base, enfocado através de uma série de problemas
interrelacionados. Essa dimensão interdisciplinar é considerada essencial para
possibilitar que os conhecimentos concernentes a um tema ou problema, que
deverão ser utilizados de uma maneira integrada na prática profissional subse-
quente, sejam abordados durante o processo educacional, em conexão uns com
os outros, favorecendo a construção de estruturas cognitivas apropriadas para
facilitar sua recuperação posterior.
A ABP é uma proposta fundamentada em princípios sobre os quais se baseia
o processo de aprendizagem e tem implicações sobre todas as dimensões da
organização da matriz curricular. Como metodologia, a ABP somente pode ser
usada de forma integral. Por outro lado, a resolução de problemas como ferra-
menta de aprendizagem pode ser utilizada de forma alternada em disciplinas de
currículos tradicionais.
A organização de um processo de aprendizagem ativa é baseada na cons-
trução de novos conhecimentos a partir dos conhecimentos de que o estudante
já dispõe (conhecimento prévio). Além disso, considera-se fundamental que o
ensino seja interativo, centrado no estudante e autodirecionado.
Ao estudante cabe um papel expressivo na definição do que ele precisa
aprender, na seleção dos meios que vai usar para isso e na identificação do grau
de aprendizado necessário.

3.4 A Organização do Processo de Aprendizagem na ABP

É essencial manter o caráter interdisciplinar da aprendizagem, fazendo com


que os conhecimentos relacionados a um determinado problema ou tópicos,
pertencentes aos campos de disciplinas diversas, sejam aprendidos simultanea-
mente, de forma integrada, à medida que o estudante depara-se e trabalha sobre
o problema que dá início ao processo de aprendizagem. Isso permitirá a constru-
ção de uma estrutura cognitiva em que os conhecimentos serão organizados de
maneira a favorecer sua recuperação e utilização posterior, quando no enfrenta-
mento de problemas da prática profissional.
Consequentemente, os currículos que utilizam ABP devem ser estruturados,
não em disciplinas como os currículos tradicionais, mas em unidades ou módulos
temáticos, nos quais vários problemas interrelacionados, estudados sequencial-
mente, guiam o aprendizado de diversos aspectos concernentes a um tema.

73
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Os estudantes trabalham sobre o problema utilizando uma sequência


estruturada de procedimentos, sendo uma das mais difundidas, a sistemática
concebida inicialmente na Universidade de Maastricht/Holanda, intitulada os
“Sete Passos da ABP”.

3.5 Os Sete Passos da ABP

Passo 1 Esclarecer termos e expressões no texto do problema


Passo 2 Definir o problema: levantar questões referentes ao problema
Passo 3 Analisar o problema: responder as questões por meio de conhe-
cimentos prévios
Passo 4 Sistematizar análise e hipóteses de explicação, ou solução, do
problema - Resumo
Passo 5 Formular objetivos de aprendizagem
Passo 6 Identificar fontes de informação e adquirir novos conhecimentos
individualmente
Passo 7 Sintetizar conhecimentos e revisar hipóteses iniciais para o pro-
blema

OS SETE PASSOS - PBL


1ª SESSÃO TUTORIAL

ESTUDO INDIVIDUAL 6 Rediscussão no grupo tutorial dos avanços


do conhecimento obtidos pelo grupo
2ª SESSÃO TUTORIAL 6
Estudo individual respeitando
os objetivos alcançados
Estabelecer objetivos de aprendizagem que levem o aluno ao
5 aprofundamento e complementação destas explicações

4 Resumir estas exolicações

Oferecer explicações para estas questões com base no conhecimento


3 prévio que o grupo tem sobre o assunto (BRAINSTORM)
Identificar as questões (problemas: dimensão biológica,
2 psicológica, social?) propostas pelo enunciado

1 Ler atentamente o problema e esclarecer os termos desconhecidos

Figura 10 - Os sete passos para resolução de um problema na ABP.

O ciclo de aprendizagem começa com aapresentação do problema (figura


10) no primeiro encontro do grupo tutorial, onde ocorre a análise do problema

74
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

(Passo 1),e o esclarecimento de termos presentes no texto que porventura não


sejam inteiramente compreendidos pelos estudantes. O conhecimento destes
termos por algum dos membros do grupo pode ajudar nesse momento. Nesta
etapa, pode-se utilizar dicionários de termos médicos para ajudar a esclarecer os
termos desconhecidos.
No Passo 2, ainda durante o encontro de análise do problema, o grupo
deve buscar uma definição ou formulação do mesmo, estabelecendo quais são
os processos ou fenômenos a serem explicados para a efetividade deste passo e
também são levantadas questões orientadoras de estudo sobre o problema.
O Passo 3 destina-se à análise do problema, procurando ativar os co-
nhecimentos prévios que os membros do grupo já possuem sobre o tema. Os
participantes, neste passo, debatem livremente suas possíveis explicações
(ou propostas de soluções), procurando utilizar-se de estudos ou experiên-
cias anteriormente vivenciadas.
No Passo 4,os estudantes procuram sistematizar os diversos aspectos de-
batidos no passo anterior visando sintetizar as possíveis explicações para o
problema ou as propostas de ações a serem desencadeadas.
No Passo 5 se encerra a discussão sobre os aspectos da análise do problema. O
grupo faz uma identificação dos objetivos de aprendizagem, questionando-se sobre
o que precisaria aprender de forma mais aprofundada no problema para tornar-se
capaz de explicá-Io (ou solucioná-Io) de forma satisfatória. As análises conduzi-
das nos passos anteriores fornecem elementos para a visualização de lacunas nos
conhecimentos dos estudantes a serem preenchidas nas etapas subsequentes. São
estas lacunas que auxiliam a formulação dos objetivos de aprendizagem.
No Passo 6 os estudantes buscam identificar e utilizar os recursos de apren-
dizagem que Ihes permitam adquirir os conhecimentos necessários para alcançar
os objetivos estabelecidos. Em muitas instituições, organiza-se o ciclo de ativi-
dades através de dois encontros do grupo tutorial durante a semana, possibili-
tando-se, dessa maneira, alguns dias para a condução desta etapa.
Usualmente, associam-se à fase de estudo individual outras atividades curri-
culares como apresentação oral, discussão em classe, aulas, sessões de laborató-
rio de habilidades ou práticas direcionadas para a suplementação de informações
para a resolução do problema em estudo, quando necessário, e/ou para o desen-
volvimento de habilidades específicas.
O Passo 7 destina-se a resolução do problema. Neste momento, os mem-
bros do grupo apresentam, de forma sistematizada, os resultados de seu estudo
individual, procurando justificar sua análise e as proposições feitas a partir dos
elementos adquiridos no estudo do material bibliográfico, o qual deve ser indi-
cado. Neste passo, o grupo sistematiza uma proposição final de uma explicação
(ou proposta de ação) para o problema, encerrando o ciclo de atividades.

75
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

3.6 Princípios Orientadores na Construção de Problemas Efetivos

A natureza do aprendizado dos estudantes na ABP é dependente da quali-


dade dos problemas apresentados a eles. Para garantir um estudo efetivo e que
oriente as habilidades e as competências necessárias para o desempenho de
diferentes papéis pelos estudantes, os problemas devem ser cuidadosamente
planejados e baseados em fatos que ocorrem no diaadia.
Alguns princípios podem ajudar na organização e desenvolvimento de pro-
blemas. Quando bem escrito, o problema motiva e desafia o estudante, resga-
ta conhecimentos prévios, instiga dúvidas científicas, integra conhecimentos e
conduz o estudo. Além disso, puxa a corrente de significados conceituais e a
espiral da aprendizagem para cima, ampliando horizontes, abrindo portas inter-
disciplinares e despertando desejos por outros aprendizados relacionados. Quan-
do mal escrito, o problema resulta em desmotivação, leitura pobre e resultados
insatisfatórios. Para reduzir este risco, muitas instituições montam “comissões
próprias de elaboração de problemas” que, de maneira planejada e cuidadosa,
propõem novos problemas, melhoram problemas anteriores ou avaliam problemas
construídos por colegas da equipe.
Na prática, os problemas devem ser permanentemente melhorados até atin-
gir um bom nível de qualidade. Além disso, é essencial construir um amplo banco
de problemas para que estes possam ser alternados durante os módulos. Repetir
problemas pode gerar conformismo, uma vez que estudantes de diferentes fa-
ses do curso trocam periodicamente informações. Deve haver tantos problemas
quantos sejam os temas essenciais que os alunos devem estudar para cumprir o
currículo, sem os quais não poderão ser considerados aptos para exercer a pro-
fissão.
Na ABP, como a interdisciplinaridade acontece de maneira vertical, a or-
denação dos módulos e, dentro destes, a sequencia lógica dos problemas são
essenciais para conceber uma proposta pedagógica baseada no construtivismo e
na aprendizagem significativa. Os objetivos de cada problema devem ser sequen-
ciados de maneira que permitam a construção de um currículo integral sem fa-
lhas de aprendizagem. Por isso, o planejamento em equipe é condição primordial
para o sucesso da ABP. Redigir bons problemas não é uma tarefa simples. Requer
alguma disciplina e a atenção a alguns princípios e posturas para resultar em um
texto limpo e eficiente para cumprir sua tarefa principal de propiciar aquisição
do conhecimento pelo estudante, com motivação. Muitas vezes, os professores
tendem a confundir um problema com a descrição de um caso. A discussão de um
caso destina-se a desenvolver no estudante habilidades específicas, enquanto a
discussão de um problema destina-se a suscitar no estudante o desejo de apren-
der determinados assuntos através do estudo de conteúdos específicos.

76
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Algumas dicas podem auxiliar na elaboração de bons problemas como: 1)


Manter os pés firmes na realidade; 2) Manter os olhos fixos na literatura cientí-
fica; 3) Partir dos objetivos educacionais que se queira alcançar; 4) Manter-se
dentro dos limites compatíveis para discussão e para o estudo; 5) Valorizar po-
sitivamente as questões em afinidade com o currículo. Geralmente um problema
tem um título, um enunciado e, eventualmente, uma questão final. Esta questão
final pode facilitar o trabalho de discussão de um problema retirado de um texto
científico, por exemplo. Em outros casos, pode ordenar as atividades de estudo.
Os problemas devem ter graus de complexidade diferentes para cada momen-
to do ensino. Isto é, nos primeiros anos trabalha-se com problemas mais simples
que se tornam mais complexos nos anos seguintes. Ainda, devem explorar si-
tuações facilmente encontradas na prática profissional, abranger conhecimentos
de várias matérias, afetar uma grande quantidade de pessoas e apresentar um
emaranhado de questões e subquestões. Na medida do possível, deve espelhar
situações reais, ou seja, indefinidas, com informações insuficientes e perguntas
não respondidas.
O uso da Taxonomia de Bloom é fundamental para garantir objetivos signi-
ficativos que ofereçam a base para o desenvolvimento de instrumentos de ava-
liação e utilização de estratégias diferenciadas para facilitar, avaliar e estimular
o desempenho dos alunos em diferentes níveis de aquisição de conhecimento
(figura 11). A Taxonomia de Bloom visa estimular os educadores a auxiliarem
seus discentes, de forma estruturada e consciente, a adquirirem competências
específicas a partir da percepção da necessidade de dominar habilidades mais
simples (fatos) para, posteriormente, dominar as mais complexas (conceitos).

Complexo dos
Processos Cognitivos

Avaliar
Sintetizar
Analisar
Aplicar
Compreender
Conhecer
Figura 11 - Níveis de complexidade dos objetivos baseados na Taxonomia de Bloom.

77
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Na ABP, os problemas também podem ser apresentados na forma de um


texto, um vídeo, uma dramatização, uma entrevista com pessoas da comunidade
afetadas ou interessadas na resolução de um problema. Apesar de representar
uma inovação, estas alternativas devem ser muito bem padronizadas para não
interferir negativamente nos objetivos da aprendizagem.
Paralelamente aos problemas, devem ser organizadas situações para trei-
namento de habilidades psicomotoras e aulas práticas, assim como estágios de
várias complexidades, principalmente nos últimos anos. A esfera cognitiva do
currículo baseado em APB deve garantir que o aprendiz estude situações sufi-
cientes para secapacitar a procurar o conhecimento por si mesmo, quando se
deparar com uma situação problema na vida profissional.
O conteúdo do problema deve se adaptar bem ao conhecimento prévio do
estudante, assim, ele vai se sentir estimulado a aprofundar seu aprendizado.
Baseado em seus conhecimentos anteriores, o estudante ativamente constrói
modelos explicativos que facilitam o processamento de novas informações. Po-
de-se conseguir atingir o conhecimento prévio dos estudantes conhecendo os
materiais curriculares já utilizados.
Os objetivos educacionais devem incorporar uma perspectiva profissional,
humanista e comunitária para o desenvolvimento integral do estudante. A preo-
cupação com a formação técnica, ética, humanista, reflexiva, pessoale cidadã
deve estar presente em todos os eixos de aprendizagem. Ainda, é importante que
os objetivos curriculares sejam trabalhados para que os estudantes possam resol-
ver o problema em diferentes níveis cognitivos obedecendo a uma organização
hierárquica.
Para atingir a proposta de estudo e aprendizagem, o problema deve conter
“gatilhos” que são termos ou palavras-chave presentes nos assuntos que deverão
ser estudados, que irão orientar e conduzir o estudo e a investigação. Devem
estimular as discussões e encorajar os estudantes a procurar explicações para
os itens apresentados. Também, deve-se ter cuidado com os ‘’distratores’’, ou
seja, palavras ou termos que desviam o objetivo do foco principal pretendido no
problema. Um problema com muitos “distratores” impossibilita aos estudantes
o alcance dos objetivos de aprendizagem pretendidos. Um exemplo típico de
“distrator” é citar nome de doenças dentro do problema. Automaticamente, irá
estimular a curiosidade do estudante para investigar sobre a doença, fugindo do
objetivo principal da aprendizagem.
A seguir serão apresentados alguns exemplos de casos-problemas estrutu-
rados para a aplicação na educação farmacêutica que instigam a aprendizagem
de forma interdisciplinar e possibilitam a discussão em um contexto que seja
relevante para a continuidade da aprendizagem.

78
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Problema 1: Ela é normal?

Carol, 16 anos, cuja menarca foi aos 14 anos, apresentava ciclos menstruais
irregulares. Procurou uma Unidade Básica de Saúde para saber se isto era normal,
pois o ciclo menstrual das suas colegas era diferente. Ao realizar a anamnese e
exame físico, o ginecologista verificou que a adolescente estava obesa e apre-
sentava pelos no rosto. O médico solicitou a dosagem dos hormônios sexuais e
prescreveu anticoncepcional oral de baixa dosagem.

Conteúdo educacional

• Anatomia e fisiologia feminina


• Ciclo menstrual
• Ovulação
• Aspectos psicológicos femininos relacionados ao ciclo menstrual – Ten-
são pré-menstrual.
• Anticoncepcionais orais de baixa dosagem

Objetivos educacionais:

1. Explicar anatomicamente o sistema genital feminino.


2. Conhecer os principais mecanismos fisiológicos envolvidos na reprodu-
ção feminina.

Este problema é propício para a integração de outros conhecimentos e apre-


senta gatilhos (que estão destacados em negrito) para orientar os estudos e
desencadear as discussões. Estaria apresentado dentro de uma sequencia de pro-
blemas do módulo que poderia ser funções biológicas, por exemplo.

Problema 2:

O paracetamol é um analgésico eficaz que pode ser vendido em drogarias


sem prescrição médica, fazendo parte dos medicamentos isentos de prescrição
(MIPs), geralmente utilizado com muita frequência. Depois de tomar uma dose,
o efeito analgésico usualmente se inicia em uma hora e dura de 4 a 5 horas. O
paracetamol é facilmente metabolizado (meia vida de 1-3 horas) e raramente tem
efeitos colaterais. Porém, este fármaco tornou-se um meio muito utilizado para
a realização de suicídio na Grã-Bretanha. Depois da ingestão de mais de 20 com-
primidos (10g), é observada à ocorrência de náuseas e vômitos usualmente nas

79
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

primeiras horas. Após dois dias é observada lesão hepática aguda que pode ser
acompanhada de icterícia. Dependendo da dosagem e sensibilidade individual, o
dano hepático torna-se irreversível, levando ao coma hepático, seguido de morte.
A hepatotoxicidade pode ser controlada pelo uso do antídoto n-acetilcisteína.

Comentários:

Este problema foi elaborado para o estudo da farmacocinética, mas o texto


abordou com ênfase os efeitos colaterais do paracetamol e, provavelmente os
estudantes darão mais importância aos efeitos adversos do que à dinâmica da
absorção, distribuição e metabolização do fármaco. O problema seria mais efetivo
se retirasse a abordagem da superdosageme intoxicação hepática, que nesta etapa
seria um ‘’distrator’’. A construção dos problemas não deve ser baseada exclusiva-
mente na experiência, mas também no conhecimento baseado em evidências.
Para outros exemplos sugerimos aos interessados ler o artigo intitulado “es-
crever bons problemas”, citado nas referências deste capítulo.

3.7 Avaliação na ABP

A avaliação em um currículo baseado em problemas é um processo amplo


capaz de garantir a execução do projeto pedagógico do curso e a qualidade do en-
sino. Tem como finalidade a avaliação da progressão do estudante e a eficácia dos
trabalhos pedagógicos/didáticos.Em geral, são adotados dois tipos de avaliação:

A avaliação formativaque visa acompanhar o processo de aprendizagem do


estudante, que pode estar estruturada da seguinte forma:

• Auto-avaliação
• Avaliação interpares
• Avaliação pelo tutor
• Teste progressivo

Essa avaliação deve ocorrer ao final das seções de tutoria e o retorno aos
estudantes deve ser imediato. Os estudantes têm a oportunidade de se auto-
-avaliar, avaliar seus pares e avaliar o tutor.
A avaliação formativa, sócio afetiva, deve contemplar:

1. Pontualidade e assiduidade;
2. Comprometimento e participação;
3. Comunicação;

80
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

4. Aprendizagem colaborativa;
5. Postura, ética e valores;

A avaliação somativa que visa identificar a aprendizagem efetivamente


ocorrida ao final de cada módulo é estruturada da seguinte forma:

• Avaliação cognitiva/observacional
• Avaliação prática em múltipla escolha
• Avaliação baseada no desempenho clínico (OSCE)
• Resolução problema paciente (PMP)
• Questões ensaio modificadas(MEQ)
• Exercícios em três etapas (TJE)

EAC – Exercício de Avaliação Cognitiva

Esta avaliação ocorre ao fim de cada módulo temático. Refere-se ao conteú-


do do módulo e tem por finalidade principal avaliar a qualidade do módulo e as
habilidades cognitivas obtidas pelos estudantes. Um módulo temático deve levar
os estudantes a atingirem determinados objetivos de conhecimento. O núcleo
central do módulo temático são os problemas desenvolvidos para a abordagem
dos temas. Um bom problema deve ensejar uma boa discussão no grupo tutorial
de modo que ao fim desta discussão os alunos elejam objetivos de aprendizado
adequados ao conhecimento do tema em estudo.

3.8 Considerações Finais

Nem sempre o novo e inovador é aceito de forma passiva, sem resistên-


cia. Essa premissa se torna ainda mais forte quando se trata de educação e
mudança de paradigmas bem sedimentados. Montar um currículo todo ba-
seado em metodologias ativas de ensino é um desafio que exige disposição,
conhecimento e capacitação de todos os envolvidos no processo, desde o
corpo docente aos estudantes. Deve-se ter a consciência que a mudança é
necessária, pois o serviço e a população carecem da formação de um novo
profissional de saúde sensível aos seus reais problemas. Essa mudança pode
ser gradativa. Em cursos de medicina é prerrogativa do Ministério da Educa-
ção a mudança do processo de ensino tradicional para as metodologias ativas
e, em um futuro bem próximo, esta mudança será exigida para os demais
cursos da área de saúde, inclusive os cursos de Farmácia. No Brasil, muitas
estão dando os primeiros passos para adoção desta e de outras metodologias
ativas de aprendizagem.

81
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

3.9 Bibliografia Consultada

ALMEIDA, A.L.A. Manual do tutor do módulo introdução ao estudo da medicina. Escola Superior de
Ciências da Saúde do Distrito Federal. Brasília, 2006.
BARROWS, H.S. Problem-based Learning in medicine and beyond: a brief overview. In: WILKERSON,
L GIJSELAERS, W. H. (Ed.). Bringing Problem-based Learning to higher education. San Fran-
cisco: Jossey-Bass Publishers, 1996. p.3-12.
BARROWS, H.S., TAMBLYN, R.M. Problem-Based Learning. An approach to Medical Education. Vol.
1, New York, NY: Springer; 1980.
BLIGH, J. Problem-based learning in medicine: an introduction. Postgrad Med J, n.71, p.323-6,
1995.
BLOOM, P. et al. Taxionomia de objetivos educacionais e domínio cognitivo. Porto Alegre: Globo,
1973.
CYRINO, E.G.; TORALLES-PEREIRA, M.L. – Trabalhando com estratégias de ensino-aprendizado por
descoberta na área da saúde: a problematização e a aprendizagem baseada em problemas.
Cad. Saúde Pública, v.20(3), 2004, p.780-788.
DIANA, H.J.M.; DOLMANS, H.S.B.; INEKE, H.A.P.; CEES, P. Sete princípios para construção de pro-
blemas efetivos para um curriculo tipo aprendizado baseado em problemas (PBL). Medical
Teacher 19 (3): 185-189, 1997.
KOMATSU, R.S.; ZANOLLI, M.; LIMA, V.V. Aprendizagem baseada em problemas. In: Marcondes E,
Gonçalves E, organizadores. Educação Médica. São Paulo: Sarvier; 1998. p. 223-237.
LIMA, G.Z.; LINHARES, R.E.C. – Escrever bons problemas. Revista Brasileira de Educação Médica,
2008, v.32 (2), p.197 – 201.
SAVERY, J.; DUFFY, T. The Problem based learning: an instructional model and its constructiv-
ist framework. In: WILSON, B., Designing constructivist learning environments. Englewood
Cliffs: Educational Technology Publications, p. 135-148, 1995.
SCHMIDT, R. Attention. Cognition and Second Language Instruction, 3-32, 2001.
SCHMIDT, R. Consciousness and foreign language learning: A tutorial on the role of attention and
awareness in learning. In R. Schmidt (Ed.). Attention and awareness in foreign language
learning. Manõa: Second Language and Curriculum Center, University of Hawai’i at Manõa,
1995, p. 1-63.
SCHMIDT, R. The role of consciousness in second language learning. Applied Linguistics, 11, 129-
158, 1990.
SCHMIDT, R.A. Aprendizagem e Performance Motora: dos princípios à prática. Tradução Flávia da
Cunha Bastos; Olívia Cristina Ferreira Ribeiro. São Paulo: Movimento. Cap. 19, p. 227-259:
Feedback para Aprendizagem de Habilidade, 1993.
RIBEIRO, L.R.C. – Aprendizagem Baseada em Problemas (PBL). Uma Experiência no Ensino Supe-
rior. São Carlos, EditoraEdUFSCar, 2008.
WESTBERG, J.; JASON, H. Collaborative Clinical Education. Springer. New York, 1993.

82
Capítulo 4
A Metodologia da Problematização
e a Educação Farmacêutica
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

4 - A Metodologia da Problematização
e a Educação Farmacêutica
Autora: Maria Rita Carvalho Garbi Novaes

1.1 Introdução

A UNESCO foi uma das primeiras instituições a destacar a importância de


gerar currículos integrados com objetivos educacionais dinâmicos e construídos
sobre uma base ética. Como resultado, as novas tendências educacionais reco-
nhecem no estudante o centro do processo de ensino-aprendizagem e, de acordo
com isso, os programas educativos devem contribuir com seu crescimento e
desenvolvimento pessoal e profissional.
O estudante de farmácia e o profissional farmacêutico devem vivenciar os
problemas sócio-sanitários que a comunidade enfrenta, associando uma visão
geral e integral do indivíduo à sua prática profissional. A preocupação social
deverá estar presente em todos os seus atos, tendo como objetivo principal de-
senvolver ações voltadas para a promoção, proteção e recuperação da saúde do
indivíduo, da família e da comunidade.
O enfoque profissional centrado no paciente, os avanços tecnológicos, o
desenvolvimento da biotecnologia e da engenharia genética e, como consequên-
cia, o aumento do mercantilismo e do arsenal farmacológico determinaram um
replanejamento na formação do farmacêutico com relação a seu exercício pro-
fissional. Suas ocupações tradicionais no fornecimento de medicamentos, como
administrador e fornecedor de insumos, foram substituídas por um papel ativo
em relação à farmacoterapia e o segmento clínico de pacientes, integrando equi-
pes multidisciplinares e multiprofissionais de saúde.
Quanto aos aspectos curriculares, faculdades de farmácia tem buscado for-
mar egressos que respondam a um conceito de aprendizagem ao longo da vida e
que representem as necessidades de currículos dinâmicos, integrados e que va-
lorizem a aquisição de habilidades e atitudes profissionais apoiada em destrezas,
competências e valores.
Na área farmacêutica, o modelo de ensino-aprendizagem mediante a solu-
ção de problemas reais e vivenciados na prática profissional foi introduzido em
universidades europeias, norte-americanas e em algumas universidades latino-
-americanas. Neste sentido, metodologias ativas de ensino-aprendizagem, como
a problematização, são aplicadas há mais de vinte anos. Este método propôs a
integração de docência, investigação e serviço, como mecanismo para abordar
os problemas concretos e favorecer a articulação de conteúdos, metodologias e
formas de raciocínio procedentes de distintos âmbitos da ciência favorecendo a
interdisciplinaridade.

85
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Para que ocorra aprendizagem na fase adulta, é necessário que haja signifi-
cado para a vida da pessoa e, principalmente, que tenha utilidade, isto é, aquilo
que aprende hoje e poderá aplicar com brevidade. Portanto, a pedagogia voltada
para adultos deve emergir na realidade, ativando experiências prévias que des-
pertam a curiosidade e a vontade de aprender.
As teorias atuais sobre aprendizagem, motivação e cognição enfatizam a
importância de uma aprendizagem ativa. Muitos pesquisadores indicaram que a
competência não é conseguida primariamente por uma transmissão passiva de
conhecimentos centrada no professor, mas por meio de uma educação que pri-
vilegia a busca constante de informações e que estimule os aspectos cognitivos
por meio de atividades práticas.
A aquisição de conhecimentos básicos e clínicos, fundamentais para a for-
mação do farmacêutico na área assistencial, neste modelo de ensino, é favore-
cida com a interação do estudante e os diversos cenários de ensino, de modo
que permita ao estudante conhecer a realidade dos serviços de saúde e as ne-
cessidades da população em ambientes autênticos de aprendizagem com níveis
técnicos, de assistência e complexidades diferentes.
Considerando os processos de mudança no ensino em saúde e a demanda por
novas formas de trabalhar com o conhecimento no ensino superior, discutem-se dois
caminhos metodológicos inovadores no ensino na área de saúde: a aprendizagem
baseada em problemas (ABP) e a problematização. Enquanto recursos pedagógicos,
ambos os métodos contribuem ativamente no processo de ensino-aprendizagem.
A problematização, objeto deste capítulo visa à construção do conhecimen-
to no contexto de uma formação crítica e a ABP, discutida em capítulo anterior,
objetiva analisar os aspectos cognitivos do processo de construção de conceitos
e apropriação dos mecanismos básicos da ciência.
Ambos os métodos, a problematização e a ABP, levam à ruptura com a
forma tradicional de ensinar e aprender, estimulando a gestão participativa
dos protagonistas da experiência e reorganização da relação teoria/prática.
A crítica às possibilidades e limites de cada proposta, valendo-se da análise
de seus fundamentos teórico-metodológicos, permite concluir que experiências
pedagógicas apoiadas na ABP e/ou na problematização, podem representar um
movimento inovador no contexto da educação na área da saúde favorecendo rup-
turas e processos mais amplos de mudança, cujos recursos e estratégias didáticas
serão discutidas neste capítulo.

1.2 A Problematização e o Processo de Ensino-Aprendizagem

A problematização se fundamenta nos estudos de Paulo Freire e enfatiza que


os problemas a serem estudados devem pertencer a um contexto ou a um cenário

86
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

real. Os problemas obtidos pela observação da realidade manifestam-se para es-


tudantes e professores com todas as suas contradições, daí o caráter fortemente
político do trabalho pedagógico na problematização, marcado por uma postura
crítica, reflexiva e de educação permanente.
A educação e a investigação contextualizada e baseada em evidências es-
timulam um processo de educação em que o conteúdo deve estar sempre se
renovando e ampliando ao longo do currículo e inserido criticamente em uma
dinâmica em constante transformação, que apresentam desafios cognitivos per-
manentes para estudantes e professores.
A metodologia da problematização baseia-se do ponto de vista pedagógico,
em teorias construtivistas. Politicamente, esta metodologia está comprometida
com uma visão crítica da relação entre a educação, o serviço e a sociedade. Valo-
riza a transformação social à conscientização de estudantes e professores quanto
aos direitos e deveres do paciente-cidadão, mediante uma educação libertadora
e emancipatória, que preze o empoderamento do conhecimento em diferentes
situações e áreas de abrangência.
O método da problematização, desenvolvido por Charlez Maguerez, é conhe-
cido como método do arco e é realizado em cinco etapas, descritas na figura 11:

(1) observação da realidade (problema)


(2) pontos-chave
(3) teorização
(4) hipóteses de solução
(5) devolutiva e aplicação à realidade.

Teorização

Pontos-Chave Hipóteses de Solução

Observação da Aplicação à
Realidade (Problema) Realidade (Prática)

REALIDADE

Figura 11- Método do arco de Charlez Maguerez, aplicado na problematização da realidade.

87
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

O processo de ensino-aprendizagem inicia-se com a exposição dos estudan-


tes a um problema através da observação da realidade. Nesta etapa a inserção
do estudante em cenários e ambientes autênticos de aprendizagem possibilitam
a observação da realidade - “problema”, trabalhando de forma integrada com o
serviço e a comunidade.
Quando os problemas de estudo são definidos, sejam eles únicos ou variados,
deve-se realizar questionamentos sobre o tema, que possibilitem ao estudante
identificar os pontos a serem estudados. Segue-se a identificação das variáveis
ou pontos-chave do problema, aqueles que se modificados poderiam resultar na
solução do(s) problema(s).
Os grupos podem ser redivididos para trabalhar um determinado problema e
devem respeitar todos os aspectos biológicos, psicológicos e sociais a partir do
contexto de vida em que o individuo está inserido. Na seqüência, os estudantes
buscarão uma teorização sobre cada problema específico por intermédio de en-
trevistas com especialistas e pesquisas em livros e periódicos entre outras fon-
tes, buscando a contribuição da ciência para o esclarecimento do estudo. Pos-
teriormente, ocorrerá a aplicação de hipóteses previamente identificadas para a
solução do problema, ocorrendo uma interação entre o estudante e o objeto de
estudo, com intuito de um diálogo transformador para ambos.
Desta forma, a Metodologia da Problematização consiste em “problematizar”
a realidade em virtude da peculiaridade processual que possui, ou seja, seus pon-
tos de partida e de chegada efetivam-se por meio da aplicação à realidade na qual
se observou o problema, ao retornar posteriormente a esta mesma realidade, mas
com novas informações e conhecimentos, de forma a propiciar a transformação.

4.3 Ambientes Autênticos de Aprendizagem e o Método da Problematização

Na identificação e seleção de cenários de ensino-aprendizagem pode-se op-


tar por unidades hospitalares de níveis diferenciados de referência e complexida-
de, farmácias magistrais e oficinais, unidades básicas de saúde e/ou atividades
de atenção básica como a estratégia de saúde da família, preferencialmente
mediante a execução de atividades em que o estudante possa interagir com o
serviço, o paciente e prestar serviços à comunidade.
No trabalho com a comunidade, o estudante tem a oportunidade de se sentir
como autor do seu processo educacional, compreendendo através de atividades
práticas a verdadeira dimensão de seu papel e responsabilidade quando se tornar
um profissional. Desta forma, a metodologia da problematização contempla to-
das as esferas do processo acadêmico como o ensino, a pesquisa e a extensão.
Esta metodologia possibilita construir argumentos e ações objetivas, ques-
tionar tudo o que se lê, estimular o exercício da autonomia de forma a evitar que

88
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

o aprendiz se prenda somente ao mundo empírico. Busca a transcendentalização


do conhecimento e a interpretação crítica e construtiva da realidade, para a
concretização da identidade do sujeito como cidadão crítico.
Contudo, esta é somente uma das metodologias ativas de ensino-aprendi-
zagem centrada no estudante como sujeito ativo na busca do conhecimento e,
associada a outros métodos e ferramentas pedagógicas, como estágios super-
visionados, farmácia escola, práticas nos serviços de saúde pública, hospitais,
vigilância sanitária, farmácias comunitárias, indústrias de medicamentos, cos-
méticos entre outros serviços que possibilite a interação destes com o ensino,
possibilitará ao egresso trabalhar as várias áreas da profissão com competência.

1.4 A Problematização em Atividades Integradas de Ensino, Serviço


e Comunidade: Desafios na Formação do Farmacêutico

Entende-se por integração entre o ensino e o serviço o trabalho coletivo,


pactuado e integrado de estudantes e professores dos cursos de formação na
área da saúde com trabalhadores que compõem as equipes dos serviços de saúde,
incluindo-se os gestores, visando à qualidade de atenção à saúde individual e
coletiva, à qualidade da formação profissional e ao desenvolvimento/satisfação
dos trabalhadores dos serviço.
Na educação de profissionais de saúde, a interação entre o ensino, o serviço
e a comunidade (IESC) deve ter um componente educacional que busque cumprir
este objetivo. Fundamenta-se em um novo paradigma que introduz importante
mudança na atuação do profissional dos eixos de ensino tradicionais como o
hospital, laboratório, farmácia e indústria para uma rede hierarquizada e regio-
nalizada de serviços com atuação na atenção básica de saúde, na família e na
comunidade.
A IESC pretende ser uma estratégia para superar a dicotomia entre teoria
e prática, criando as condições para a ação-reflexão-ação. Os estudantes são
inseridos em atividades visando contribuir para a melhoria da atenção à saúde
das famílias, indivíduos e grupos, em cada área de atuação, participando priori-
tariamente de ações de atenção primária à saúde, de acordo com os princípios do
Sistema Único de Saúde- SUS, o sistema de saúde do local e consensuadas com
os profissionais de saúde e a comunidade.
Os cenários de ensino e os campos de atuação podem ser os ambientes comu-
nitários e das famílias a serem visitadas, as Unidades de Saúde (US) que contem-
plam o Programa Família Saudável (PFS), o Programa de Agentes Comunitários de
Saúde (PACS), centros e postos de saúde, além dos equipamentos sociais existentes
nas localidades, as farmácias comunitárias, drogarias e laboratórios de análises.
Neste contexto, os estudantes iniciam o contato com a realidade social.

89
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

O estudante deve ser introduzido, desde os anos iniciais de seu curso, no


trabalho multidisciplinar vivenciando as complexas relações entre usuário/pro-
fissional de saúde, pois estes são fatores determinantes da redução do número de
pacientes que abandonam o tratamento. A abordagem ao paciente é importante
para compreender a significação do estar doente e da doença em suas vidas e os
motivos pelos quais abandonam ou não seguem adequadamente seu tratamento,
aumentam a confiança do usuário, auxiliando-o a enfrentar as dificuldades asso-
ciadas à doença.
Nesses espaços de práticas, vários projetos encontraram nas metodologias
baseadas na concepção pedagógica crítico-reflexiva, especialmente a problema-
tização, um instrumental adequado para articular a ação dos diferentes atores
sobre os problemas da realidade.
Os estudantes desenvolvem habilidades de iniciação científica nas múltiplas
áreas e interagem com os outros módulos de ensino. Sendo a IESC uma unida-
de de ensino predominantemente prática, ao interagir com as outras unidades
educacionais, contribuiu para a superação da dicotomia teoria/prática do ensino
tradicional. Deve ainda fortalecer o sistema de saúde e valorizar as atividades
junto à comunidade, proporcionando uma formação geral do estudante de far-
mácia com visão ética, humanística e compromisso social, capacitando-o como
agente de transformação social.
Na problematização, os docentes devem conduzir os estudantes em peque-
nos grupos a atividades como: (i) atenção à saúde, realizadas nas unidades de
saúde e na comunidade; (ii) proporcionar a integração dos estudantes com a
equipe de saúde, as famílias visitadas e a comunidade; e (iii) estabelecer par-
cerias com os diferentes equipamentos sociais existentes na comunidade que
respondem pelas ações de promoção, proteção e recuperação da saúde da popu-
lação, estimulando o desenvolvimento de habilidades interpessoais, o respeito
ao trabalho da equipe multiprofissional de saúde nos cuidados do paciente e da
família.
A passagem dos estudantes pelos serviços deve ser constantemente proble-
matizada, pois apresenta uma terminalidade com o estabelecimento de vínculo
entre usuários e serviços. É preciso colocar no centro do diálogo o usuário, que
deveria ser o beneficiário dos processos que se organizam nos mesmos espaços.
Sem um diálogo permanente não será possível gerar novas formas de interferir
no processo de trabalho, na organização da assistência, nem no processo educa-
tivo da formação de um novo trabalhador.
O currículo deve ser flexível, permitindo adequação dos objetivos educacio-
nais e conteúdos curriculares direcionados aos problemas comunitários, possi-
bilitando uma parceria com as equipes de saúde envolvidas nas localidades e os
equipamentos sociais como igrejas, creches, instituições de longa permanência

90
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

para idosos, entre outros que ajudam a comunidade a resolver os seus problemas
sociais.
A construção de ações e estratégias de controle de doenças e promoção da
saúde, de formação de recursos humanos, de controle social, de educação e de
comunicação em saúde, de integralidade da atenção, de intersetorialidade e de
eqüidade passa a fazer parte das agendas e perspectivas de busca conjunta de
soluções para os problemas evidenciados contando com docentes, estudantes e
profissionais da saúde.

1.5 Estratégias de Ensino-Aprendizagem em Metodologias


Ativas de Problematização

Em cursos que utilizam metodologias ativas e Aprendizagem Baseada em


Problemas como os Cursos de Medicina e de Enfermagem da Escola Superior
em Ciências da Saúde/FEPECS, as estratégias educacionais utilizadas na IESC
contemplam a realização de atividades comunitárias, prevalecendo as visitas
domiciliares e o respectivo acompanhamento dessas famílias, considerando os
seguintes aspectos:

(1) Observação e problematização da realidade:


famílias, equipe PFS, comunidade e os equipamentos sociais existen-
tes na região. Esta pesquisa realizada diretamente na família permite
a problematização do estudante quanto aos aspectos relacionados à
abordagem da família através de técnicas de visitas e aplicação de
questionários de entrevista domiciliar, levantamento de hipóteses e
a revisão da literatura científica. A pesquisa possibilita ainda o diag-
nóstico sócio-demográfico-epidemiológico de uma área do respectivo
cenário de ensino-aprendizagem. Esta investigação deve ser acompa-
nhada de ampla discussão e reflexão, com participação multidiscipli-
nar da qual os farmacêuticos não podem permanecer alheios.

(2) Diagnóstico de saúde da família:


São obtidas informações sobre a família (descrição, composição, pa-
péis dos membros, procedência, história, residência, saneamento,
condições econômicas, transporte, rede de apoio entre a comunidade
e a família, acesso aos serviços de saúde, movimentos migratórios,
organização comunitária); descrição do ambiente (físico, socioeconô-
mico, distribuição dos problemas de saúde); avaliação dos serviços e
de suas condições (tipos de equipamentos sociais existentes – saúde,
educação, centros sociais, creches, igrejas – condições de acesso e

91
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

suficiência da oferta em relação à demanda); registros e cadastros


do PSF realizados pela equipe local; entrevistas com lideranças co-
munitárias, visitas aos equipamentos sociais existentes nas áreas;
pesquisas relacionadas com vigilância sanitária, epidemiológica e
ambiental, entre outros.

(3) Aplicação dos princípios da Clínica Ampliada e do Projeto Tera-


pêutico Singular para o acompanhamento das famílias:
Dentro dos princípios da Clínica Ampliada propostos pelo Ministério
da Saúde (MS), a instituição de saúde proporciona o encontro entre o
usuário e o trabalhador de saúde. Este encontro é permeado de inten-
ções, interpretações, anseios e expectativas que visam compreender
todo o processo de vida e adoecimento do indivíduo, de forma que
este perceba que o adoecimento não está dissociado da complexi-
dade de sua existência. A partir da compreensão deste processo, o
indivíduo é levado a adotar posturas ativas no seu processo de saúde,
observando que mesmo a doença sendo um limite, não é impeditiva
de viver outros aspectos da vida.

O Projeto Terapêutico Singular (PTS) constitui-se uma importante estratégia


de intervenção, pois contempla uma abordagem integral aos indivíduos de de-
terminada família, com o planejamento de ações interdisciplinares e sistemati-
zadas, através da Clínica Ampliada. O PTS é construído a partir dos debates entre
a família e a equipe multiprofissional de saúde que analisa de forma holística as
situações de doença, de vulnerabilidade e os aspectos biopsicossociais, propon-
do terapêuticas, intervenções e reavaliações.
O PTS constitui-se das etapas: visita familiar, formulação de hipóteses para
intervenção, definição de metas, discussão dos objetivos entre a equipe e, pos-
teriormente, com a família e a reavaliação conjunta das intervenções planejadas.
Nas visitas é importante aplicar um roteiro semiestruturado para a obtenção de
informações sobre o histórico e o relacionamento familiar, papéis familiares,
morbidades, saúde, condições de moradia e higiene, convívio social, além da
aplicação dos instrumentos: genograma ecomapa, escala de risco e sistematiza-
ção dos problemas através do diagnóstico multiaxial.
O projeto terapêutico singular é um dos instrumentos de trabalho da Clínica
Ampliada, que pode ser complementado também com o genograma, o ecomapa
e a escala de risco.
O genograma é o instrumento dinâmico que contém informações da família
e contribui na formação de vínculo entre estudante, profissional e a família. Pode
definir-se como um instrumento de avaliação familiar um sistema de colheita

92
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

e registro de dados que integra a história biomédica e a história psicossocial


do paciente e da sua família. É um instrumento que tem sido apontado por
profissionais que atuam em Saúde da Família como de abordagem eficaz para a
compreensão da dinâmica familiar, nos aspectos biológico, psicológico e social.
A construção de um genograma tem por base um conjunto de componentes e
regras com uma simbologia própria.
Na construção do genograma são incluídas informações sobre as pessoas que
constituem a família, suas relações, idades, ocupações e doenças prevalentes
dos membros da família. Apresenta-se como uma atividade importante para a
apreensão do contexto nuclear nos quais os processos saúde/doença ocorrem.
Possibilita ao estudante desenvolver habilidades de transdisciplinaridade e res-
peito ao trabalho dos demais profissionais de saúde, além do desenvolvimento
de habilidade éticas, de escuta empática e acolhimento dos entrevistados nas
situações de relato dos conflitos familiares. As informações reunidas no geno-
grama incluem aspectos genéticos, médicos, sociais e comportamentais de uma
família. Ele fornece informações demográficas de posição funcional, recursos e
acontecimentos críticos na dinâmica familiar.
O ecomapa é outra representação gráfica da organização familiar, de suas
relações e de seus recursos. Associado frequentemente ao genograma, fornece
uma visão ampliada da família, desenhando a estrutura de sustentação e retra-
tando a sua ligação com o mundo. É um instrumento que identifica o vínculo
entre a família e o meio social em que se insere.
O outro instrumento utilizado no PTS, a Escala de risco de Coelho, é uma
avaliação baseada em aspectos de vulnerabilidade social e de saúde observados
na família. Sua construção pressupõe a classificação dos membros da família de
acordo com as sentinelas de risco, sendo estes indicadores determinantes na
priorização de ações nas famílias. Após essa classificação, obtém-se uma esti-
mativa do perfil da família considerando aspectos epidemiológicos, sanitários e
de relevância em saúde.
Os dados para a construção da escala de risco são obtidos a partir das visitas
domiciliares pela Equipe da Estratégia de Saúde da Família e das informações
compiladas na Ficha A do (Sistema de Informação da Atenção Básica). Essa ficha
é composta por informações socioeconômicas e dados relacionados à saúde da
família, com intuito de descrever o perfil familiar para a construção de um pro-
jeto estratégico específico.
Todas as informações obtidas, por meio dos instrumentos mencionados,
são integradas e organizadas para uma avaliação individual e familiar, por
meio do diagnóstico multiaxial. Nesse diagnóstico os problemas familiares
são sistematizados através dos eixos biológicos, psicológicos, afetivos e so-
ciais. A partir da lista de problemas elencados, é elaborado o PTS priori-

93
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

zando-se, com a família, os aspectos mais graves e emergentes, as ações e


períodos das reavaliações.
Em caso de discussão do relato do PTS ou dados da família em atividades
acadêmicas, a situação deve ser discutida com a família e somente após a con-
cordância de todos os membros da família, quanto à sua realização e possível
divulgação científica dos dados coletados, os genitores devem assinar o Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), seguindo as normas para pesquisa
em seres humanos estabelecidas pela Resolução CNS/MS 196/96. Os estudantes,
o professor e os profissionais envolvidos devem preservar o sigilo e a confiden-
cialidade das informações coletadas, de modo a resguardar a identificação dos
indivíduos.

1.6 Avaliação do Estudante, do Docente e do Processo de


Ensino-Aprendizagem em Metodologias Ativas com Problematização

No processo de avaliação deve ser definido o que será avaliado, os re-


sultados esperados, as competências, os desempenhos, as habilidades e as
atitudes de estudantes e docentes, de acordo com as Diretrizes Curriculares
Nacionais, internacionais e o perfil do egresso do farmacêutico esperado pela
instituição de ensino. Após, deve ser discutido quais os sistemas de ava-
liação viáveis: critério e ou norma-referenciado e a validade das avaliações
somativas e formativas.
Desta forma, estilos de aprendizagem e motivações intrínsecas serão esti-
mulados fundamentando uma aprendizagem centrada no estudante com ênfase
nos processos formativos de aprendizagem. Além da avaliação cognitiva, a au-
toavaliação (aspectos metacognitivos) e a avaliação interpares permitem o dis-
cernimento de fortalezas e fragilidades que necessitam ser aprimorados durante
a aprendizagem.
A partir deste, é necessário definir os instrumentos, o momento e a periodi-
cidade em que o docente, o estudante e a unidade educacional serão avaliados,
propondo métodos de avaliação, com análise quantitativa ou qualitativa, aplica-
dos em diferentes situações.
Como exemplo podemos citar a utilidade da avaliação formativa no acom-
panhamento de desempenhos e atitudes profissionais dos estudantes e docentes
como assiduidade, pontualidade, respeito, ética, participação ativa, colaboração,
ente outros, de forma a qualificar a dinâmica e o trabalho em grupo. A avaliação
formativa poderá ser complementada com a somativa quando compreender tare-
fas específicas.
Os métodos de avaliação devem ter confiabilidade, validade e permitir o
feedback. Devem ser propostos instrumentos de avaliação para o programa, o

94
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

docente e o estudante e escutada a comunidade acadêmica na elaboração destes


instrumentos através da construção coletiva, permitindo a divulgação, a reflexão
e a reavaliação periódica do currículo, visando a gestão educacional e a qualida-
de do ensino.

(1) Processo de avaliação da aprendizagem dos estudantes


através de metodologias ativas
Métodos distintos de avaliação podem ser utilizados para o es-
tudante em processos educacionais com metodologias ati-
vas. Na escolha de métodos de avaliação formativos e so-
mativos devem estar previstas atividades individuais para a
discussão das questões de aprendizagem, que deveriam ser con-
templadas através das questões discursivas nos tutoriais (ava-
liação somativa e formativa) e habilidades e atitudes desen-
volvidas através de atividades práticas (avaliação formativa).

Na avaliação formativa a autoavaliação, avaliação interpares e avaliação do


estudante pelo tutor devem ser estimuladas a sua realização na forma oral e ao
final de cada atividade ou sessão de tutoria e mediante a apresentação do porti-
fólio, no caso de atividades práticas, sobre o qual o docente também deverá dar
o feedback.
Na avaliação somativa, os estudantes serão avaliados pelos docentes com
base nos formatos e instrumentos padronizados pela escola. Nos Cursos de Medi-
cina e Enfermagem na Escola Superior de Ciências da Saúde em Brasília (ESCS),
que empregam somente metodologias ativas em seus currículos são utilizados
dos formatos A e B, descritos abaixo:

- Formato A: Avaliação do desempenho nas sessões de tutoria. No final


do Módulo, o tutor realizará, utilizando-se deste formato, uma síntese
do desempenho dos estudantes nas sessões de tutoria, principalmente
quanto à habilidade de explorar problemas e às atitudes em relação ao
trabalho em grupo e nas relações interpessoais.
- Formato B: Exercício de avaliação cognitiva - é uma avaliação escrita,
sob a forma de problemas, versando sobre o conteúdo do módulo. Esse
exercício constará de problemas, com duas a quatro questões de resposta
curta ou ensaio sintético, por problema.

Além dos formatos utilizados para a avaliação do estudante, na ESCS o


estudante avalia o docente e a atividade educacional através de outros dois
formatos:

95
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Os docentes serão avaliados pelos estudantes, utilizando-se dos formatos C


e D, descritos abaixo:

- Formato C: Avaliação do desempenho do tutor / instrutor. O estudante


realizará uma síntese das observações sobre o desempenho do tutor/
instrutor ao longo do módulo.
- Formato D: Avaliação do Módulo. Os estudantes realizarão a avaliação ao
final do módulo considerando os seguintes aspectos: objetivos, estraté-
gias educacionais, palestras, práticas, recursos educacionais e organiza-
ção geral.

O método ativo prevê o processo de ensino-aprendizagem centrado no estu-


dante. Apesar de serem previstas as referencias básicas nos módulos temáticos,
também é estimulada a obtenção de outras referencias, propiciando inclusive a
discussão de impasses relativos a divergências que a literatura pode apresentar
relativo a algum tema.
O professor deve estimular os estudantes a desenvolver estratégias de racio-
cínio lógico, destacando distintos modos de análise que podem levar a solução
de problemas, mesmo que sejam com a utilização daqueles conceitos discutidos
no módulo. Há evidências que a compreensão de mecanismos básicos da ciência
pode ajudar em diagnósticos e gerar hipóteses e comparações importantes ao
treinamento do farmacêutico.
No caso de estudantes do primeiro ano do curso, a atividade visa motivá-los
estudar determinado conteúdo, para que possam observar a possível existência
de desfechos técnicos-profissionais importantes e uma análise que envolva dis-
tintas resoluções para o problema.
Distintos autores afirmam que estudantes tem um tempo de aprendizagem e
insights diferentes na resolução de um problema de aprendizagem, o que requer
o estabelecimento de tempo e estratégias de ação e monitoramento do progres-
so deste estudante de forma individual, desde que ele esteja engajado e flexível
a aceitar novos recursos para resolver os problemas de aprendizagem detectados.

(2) Dificuldades do estudante em correlacionar um conteúdo teórico


com a realidade ou uma experiência significativa

Esta situação pode resultar na deficiência de aprendizagem de temas con-


siderados difíceis. Os processos de motivação devem estimular o interesse dos
estudantes na realização de tarefas, atividades, incluindo inovação na resolução
das atividades, através de modelos que suscitam interesse no desenvolvimento
do conteúdo destas atividades e se aproximem da realidade vivenciada.

96
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

A desvalorização dos conhecimentos prévio do estudante por parte de pro-


fessores pode dificultar o emprego de analogias e compreensão das metas de
estudo e aprendizagem a serem alcançadas. Cabe ao professor um papel muito
importante junto ao seu grupo tutorial:

(a) encorajar os estudantes a organizar as ideias antes de explicá-las para


promover uma argumentação consistente sobre o que estudou ou teorias
de aprendizagem com os demais colegas do grupo, respeitando e escu-
tando aos demais;
(b) prover oportunidades a todos os estudantes, observando as diferenças
comportamentais, cognitivas, estilos e tempos de aprendizagem;
(c) estimular os estudantes a desenvolver processos de metacognição e per-
ceber o que realmente adquiriram de conhecimento, como e as relações
deste conhecimento com outras áreas, sistemas ou situações clínicas.

(3) Dificuldade do estudante em relacionar-se com o grupo

Este método da problematização favorece que o estudante conviva com os


demais colegas em atividades desenvolvidas em pequenos grupos, o que favore-
ce a formação de uma rede de apoio cognitivo e afetivo, especialmente aqueles
que apresentam dificuldades de relacionamento interpares.
O trabalho em pequenos grupos pode encorajar uma participação maior dos
estudantes, os quais podem falar mais abertamente. O professor pode estimular
o grupo com perguntas sobre o conteúdo, sem intimidá-los como: ‘Qual é a dife-
rença entre...’’, qual é o significado desta afirmação...’’, ‘’como podemos relacio-
nar a teoria explicada por você com o objetivo deste problema...’’, ‘’Por que este
fenômeno é observado...’’, entre outros, ao invéz de apresentar aulas expositivas
sobre o conteúdo ou explicar demoradamente um tema, inibindo os comentários
do grupo.
Com estes recursos pedagógicos, o professor pode obter uma participação
mais efetiva dos estudantes e estimular a motivação intrínsica, respeitando-se
as diferenças de comportamento e de tempo de aprendizagem dos estudantes.

(4) Falta de motivação ou insegurança dos estudantes com relação ao


conhecimento apreendido

Percepções de competência, expectativa de sucesso, autodeterminação, ex-


pectativa do esforço, persistência, entre outros comportamentos que os estu-
dantes acreditam serem menos hábeis por julgarem que não tem capacidade para
alcançá-los devem ser estimulados com feedback permanente.

97
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

As perspectivas do estudante são adaptativas em termos da percepção de


suas capacidades, dificultando o desenvolvimento de autocrítica sobre os aspec-
tos que necessita aprender e aprimorar em seus estudos, realizando uma apren-
dizagem consciente e com autonomia sobre o saber.
O professor tem uma função muito importante e deve estar atento aos as-
pectos emocionais dos estudantes e do ambiente de aprendizagem. É muito
importante na formação docente a compreensão do valor dos sentimentos, das
emoções, do desejo e da insegurança do estudante a ser superada pela segurança.
O docente pode acompanhar as impressões não verbais do estudante através
do portfólio, uma importante ferramenta pedagógica que registra as atividades
realizadas e avaliação crítica do desempenho do estudante, docente e da ativi-
dade realizada no dia. Permite descrever as expectativas dos estudantes quanto
às fortalezas e fragilidades que poderiam ser melhoradas no cenário e no plane-
jamento realizado.
No portfólio, o estudante deve descrever a sua compreensão sobre a inte-
gração entre os serviços de saúde, as universidades e outras unidades ou centros
de ensino e investigação. Deste modo, propiciam a sua atuação e percepção
mediante a realização das etapas metodológicas do processo de problematização
que beneficiem os doentes, os usuários, os profissionais e as instituições.
Ainda, este instrumento de avaliação visa estimular que os planos de estudo
dos alunos incluam conteúdos que abordem de forma integrada a assistência
e a atenção farmacêutica. Estas devem acontecer associadas às demais ações
multiprofissionais de saúde e integrais ao sujeito e à sua família, atendendo aos
princípios da Clínica Ampliada através da execução de um Projeto Terapêutico
Singular para a família assistida em atenção básica de saúde.

(5) A Avaliação formativa e o fornecimento de feedback ao estudante

Outro ponto importante no processo educacional com metodologias ativas


é o momento do feedback em que o estudante tem a oportunidade de comparar
o conhecimento obtido com os resultados esperados, pois imediatamente após
a realização de uma tarefa o aluno espera um feedback para melhorar o seu de-
sempenho. Desta forma, é fundamental que os professores do módulo deem este
retorno aos estudantes.
O docente deve estimular os tutores a questionar os seus estudantes e ve-
rificar se as lacunas de conhecimentos estão sendo exploradas, se existem con-
ceitos ou temas sem uma discussão ou fechamento adequado e dar um feedback
durante e ao término de cada atividade. Mediante a realização de avaliações
formativas pode-se enfocar de forma objetiva quais conteúdos, habilidade ou
atitudes necessitam ser melhoradas.

98
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Cabe também ao docente dar o retorno aos estudantes sobre o seu desem-
penho e aprendizagem, focando no desenvolvimento de competências, conhe-
cimentos e habilidades de acordo com o perfil do egresso requerido para estes
estudantes. Este autoconhecimento (metacognição) poderá levar a um maior
engajamento dos estudantes a superar as suas dificuldades de aprendizagem. A
idade e o amadurecimento também influenciam o processo motivacional, além
da habilidade, esforço, inteligência, interesse e adaptação, e certamente in-
fluenciam o desempenho do estudante e afetam a aprendizagem de um conceito.

(6) Avaliação e desenvolvimento do docente em metodologias ativas

O docente tem elevado conhecimento processual, habilidades, conhecimen-


to declarativo e flexibilidade textual, porém nem sempre possui experiência e
conhecimentos pedagógicos, sendo necessário um programa permanente de ca-
pacitação docente.
Cabe ao professor a responsabilidade pela execução das atividades e
questionar os estudantes sobre conceitos, hipótese e conteúdos que bus-
quem a integração entre as ciências básicas e profissionalizantes. Neste mé-
todo é mais importante estar disposto a escutar o estudante e debater o
conhecimento trazido pelo grupo, do que ser especialista. Desta forma, jun-
tos poderão desenvolver expertises na arte de educar e aprender para ambos
serem bons profissionais.
Os recursos didáticos são imprescindíveis para uma melhor compreensão e
a aceitação de novas teorias, especialmente na evidência de dados anômalos.
Podem ser facilitados através de práticas de laboratório ou demonstrações in
vivo, computadores e discussões, estimulando competências práticas e a intera-
ção entre a motivação e a capacidade de aquisição de habilidades psicomotoras.
Ensinar é uma habilidade extremamente complexa, que exige decisão constante,
categorização, estruturação e todos os tipos de operações cognitivas. Tal pro-
cesso pode incluir o uso de autoexame, fitas de vídeo, oficinas e cursos e ainda
o uso de consultores.
Os professores como educadores devem desenvolver estratégias para esti-
mular a aprendizagem ao explicar as relações entre o tema estudado, através de
exemplos, situações clínicas e valorização de experiências pessoais do estudan-
te, estimulando o conhecimento formal e informal através da transferência de
aprendizagens e competências.
A capacitação deve ser significativa e construída em função das neces-
sidades dos docentes e deve estimulá-los a refletir sobre o seu papel como
educadores. Quais são as características que eles consideram importantes
para ser um docente? Como trabalhar para que conceitos e as melhores práti-

99
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

cas profissionais sejam efetivamente apreendidas pelos estudantes? Quando


e de que forma será dado o feedback? Como privilegiar os conhecimentos
prévios dos estudantes?

4.7 Considerações Finais

O estudante no método da problematização observa a realidade local, in-


tegra-se com a equipe multiprofissional de saúde, desenvolve a habilidade de
trabalhar em grupo e cria oportunidade de aproximação e entrosamento com a
comunidade. O objetivo é priorizar a busca de propostas de intervenção aliando
teoria à prática, que posteriormente irão se materializar com ações diretas e/ou
projetos de intervenção futura.
Esta transformação e conscientização quanto ao desenvolvimento das prá-
ticas profissionais pressupõe trabalho em equipe, acolhimento dos usuários,
produção de vínculo entre eles e as equipes, responsabilização com a saúde
individual e coletiva, atendimento das necessidades dos usuários, assim como
resolubilidade dos problemas de saúde detectados.
A partir de um conceito de ensino-aprendizagem ativo, centrado no es-
tudante, como a problematização e a aprendizagem baseada em problemas, a
missão das instituições de educação superior visa gerar um espaço que pro-
picie a aprendizagem permanente e a formação de profissionais qualificados,
autônomos, responsáveis e prospectivos, cidadãos que participem ativamente
na sociedade, que promovam, gerem e difundam conhecimentos por meio da
investigação, capazes de compreender, interpretar, preservar, reforçar, fomentar
e difundir as culturas nacionais e regionais, internacionais e históricas, que con-
tribuam para proteger e consolidar os valores da sociedade e que cumpram uma
função ética.

4.8 Bibliografia Consultada

Pan American Health Organization. Competencies of the Pharmacist for the Development of Phar-
maceutical Services Based on Primary Health Care and Good Pharmacy Practice. Technical
Group for the Development of Competencies for Pharmaceutical Services; 2013. Disponível
em http://www.paho.org/hq/index.php?option=com_content&view=category&layout=blog&
id=1265&Itemid=1177&lang=en&limitstart=5. Acesso em 11/04/2013.
Novaes MRCG, Lolas F, Quezada A. Ética y Farmácia. Una perspectiva Latinoamericana. Monografias
de Acta Bioethica n° 02. Programa de Bioética da OPS/OMS, 2009.
Quirino BCT, Del Muro Delgado R, Noguez MNA, Macin CSA. La formación farmacéutica mediante el
modelo de enseñanza-aprendizaje por Objetos de Transformación (Problem-Based Learning).
Arq Pharmaceutica 2000; 41(3): 279-286.

100
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Ceccim RB, Feuerwerker LCM. O Quadrilátero da Formação para a Área da Saúde: Ensino, Gestão,
Atenção e Controle Social PHYSIS: Rev Saúde Coletiva 2004;14(1):41- 65.
Pintrich PR. A Motivational Science perspective on the Role of Student Motivationin Learning and
Teaching Contexts. In: Journal of Educational Psychology 2003;95(4): 667-686.
Simons PRJ. Transfer of learning: paradoxes for learners. International Journal of Educational
Research 1999;31:557 – 589.
Berbel NAN. A problematização e a aprendizagem baseada em problemas. Interface Comun Saúde
Educ 1998; 2:139-54.
Cyrino EG, Toralles-pereira ML. Trabalhando com estratégias de ensino-aprendizado por descoberta
na área da saúde: a problematização e a aprendizagem baseada em problemas. Cad. Saúde
Pública, 2004, 20(3): 780-788.
Mamede S, Penaforte J, Schmidt H, Caprara A, Tomaz JB, Sá H. Aprendizagem baseada em proble-
mas: anatomia de uma nova abordagem educacional. Fortaleza: Escola de Saúde Pública/São
Paulo: Editora Hucitec; 2001.
Epstein RJ. Learning from the problems of problem-based learning. BMC Medical Education 2004.
Sitio en Internet. Disponível em http://www.biomedcentral.com/content/ pdf/1472-6920-
4-1.pdf. Acesso em 05/01/2011.
Vasconcellos MMM. Aspectos Pedagógicos e Filosóficos da Metodologia da Problematização. In:
Berbel NN. Metodologia da Problematização: fundamentos e aplicações. Londrina: EDUEL,
1999.
Bordenave JD, Pereira A. Estratégias de Ensino-Aprendizagem. 29ª ed., Petrópolis: Vozes, 2008.
NOVAES MRCG, Lima ACV, Nogueira DY, Cerqueira F, Mello GF, Souza HS, Chiari KD, Cotta Junior
L, Gueiros MV, Leão MA, Ribeiro VC. Estudo etnográfico e de satisfação de profissionais e
usuários do Programa de Saúde da Família em Samambaia, Distrito Federal. Comunicação em
Ciências da Saúde 2010;21:289-300.
Albuquerque VS, Gomes AP, Alves de Rezende CH, Sampaio MX, Dias OV, Lugarinho RM. A Integra-
ção Ensino-serviço no Contexto dos Processos de Mudança na Formação Superior dos Profis-
sionais da Saúde. RBEM 2008; 32 (3): 356–362.
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. Saúde da Família: uma estratégia
para a reorientação do modelo assistencial. Brasília. Ministério da Saúde, 1997.
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. O trabalho do agente comunitário de
saúde / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, 2009
Novaes MRCG, Silva AP, Brito CHMG, Silva HLD; Araújo IO, Silvério JS, Feitosa JAS, Araújo MPB,
Gonçalves RC, Pinto SHM, Lima TSR, Barros TTA. Conflito intergeracional na família. Relato
de caso de um projeto terapêutico singular. Comunicação em Ciências da Saúde 2013. Prelo.
Silverthorn DU. Teaching and learning in the interactive classroom. Advanced Physiology Edu-
cation 2006. Sitio en Internet. Disponível em http://advan.physiology.org/cgi/ content/
full/30/4/135. Acesso em 18/12/2007.

101
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Brasil. Ministério da Saúde. Clínica Ampliada e Compartilhada. Brasília: Ministério da Saúde, 2009.
Coelho FLG, Savassi LCM. Aplicação de Escala de Risco Familiar como instrumento de prioriza-
ção das Visitas Domiciliares. Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade 2004;
1(2):19-26.
Rebelo L. Genograma familiar. O bisturi do Médico de Família. Rev Port Clin Geral 2007; 23:309-17.
Athayde ES, Gil CRR. Possibilidades do uso do genograma no trabalho cotidiano dos médicos das
equipes de saúde da família de Londrina. Revista Espaço para a Saúde, Londrina 2005;6(2):13-
22.
Eva KW. What every teacher needs to know about clinical reasoning, in: Medical Education
2004;39:98-106.
Dunphy BC & Williamson SL. In Pursuit of Expertise. In: Advances in Health Science Education
2004;9:107,-127.
Gomes AJPS, Ortega LN, Oliveira D. Dificuldades da avaliação em um curso de farmácia. Avaliação
2010;15(3):203-221.
Gil AC. Didática do ensino superior. Ed Atlas, 2006.

102
Capítulo 5
Estudo de Casos
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

5 - Estudo de Casos
Autor: Geraldo Alécio de Oliveira

5.1 Introdução

Conforme discutido no capítulo II, um bom estudo de casos, como ferra-


menta ativa de ensino, deve contemplar características como ser construtivista
(aprendizagem significativa), com aprendizagem colaborativa (em grupo), in-
terdisciplinar (integralidade – avaliar a situação em sua totalidade), contextua-
lizado (realidade), reflexivo (ética e valores), crítico, investigativo (aprender a
aprender), humanista (social), motivador (emoção) e desafiador. Contudo, não
é uma tarefa fácil selecionar um caso que contemple todos estas peculiaridades,
mas sempre é mais produtivo, do ponto de vista de ensino, procurar o caso mais
adequado possível.
O primeiro passo após selecionar o caso, é elaborar o planejamento dos
objetivos da aprendizagem que devem ser orientados pela Taxonomia de Bloom.
O estudo de casos sempre permite trabalhar com níveis de raciocínio elevados
como análise, interpretação, comparação, discussão, elaboração de hipóteses de
solução, tomada de decisão e reflexão. Além do domínio cognitivo, também per-
mite trabalhar os domínios psicomotor e socioafetivo possibilitando cuidar da
formação integral do estudante nos seus aspectos técnicos, pessoais e sociais.
Outro item que deve ser ressaltado durante o planejamento do ensino envolve
privilegiar situações de aprendizagem que compreendam discussão, aprender
fazendo e ensinar os outros, pois são nestas estratégias de aprendizagem onde
estão as maiores taxas de retenção.
Para a melhor compreensão desta ferramenta de ensino e homogeneizar al-
guns conceitos, é preciso diferenciar relato de caso, discussão de caso e estudo
de caso:

Relato de Caso: disponível em revistas científicas e aborda temas específi-


cos. Em geral, não estimula discussões, pois está limitado a um assunto focado,
com baixa interdisciplinaridade, geralmente expositivo e com conclusões claras e
manifestas. Não permite ao estudante visualizar o todo para a tomada de decisão
ou a decisão já é estabelecida.
Discussão de Caso: mais utilizada num modelo tradicional de ensino, quan-
do o professor leva um caso para a sala de aula, estimula a leitura imediata e
promove uma discussão subsequente. Muito utilizada em encontros profissio-
nais, como encontros clínicos. Assemelha-se à técnica de discussão em classe.

105
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Estudo de Casos: ferramenta ou técnica ativa de aprendizagem que aborda


a situação de maneira integral, onde são analisados todos os pontos que podem
interferir no problema. Como os estudantes analisam o todo de maneira inte-
grada, satisfaz o conceito de formação generalista, visto que estimula o uso de
cérebro total na tomada de decisão, permitindo uma avaliação mais profunda e
uma decisão mais assertiva. Uma característica marcante do estudo de caso é a
visão do todo.
Ainda, como ferramenta de aprendizagem, estudo de casos também é dife-
rente do relato de casos clínicos ou case report encontrado em revistas científi-
cas da área da saúde. Um relato de caso publicado em revista é uma descrição
focada de um caso clínico, objetivo e claro, delimitado, cuja finalidade é discu-
tir um diagnóstico, eficácia de um tratamento, apresentar um doença rara etc.
Como diferença, o paciente não é avaliado em sua totalidade biopsicossocial.
Portanto, um relato de caso ou case report, para ser transformado num estudo de
caso pedagógico, precisa ser modificado e complementado com uma visão mais
abrangente e integral da situação.
Trata-se de uma ferramenta de ensino e investigação especialmente ade-
quada quando procuramos compreender, explorar ou descrever acontecimentos
e contextos complexos, nos quais estão simultaneamente envolvidos diversos
fatores. Consiste em apresentar fatos ou resumos narrativos de situações ocorri-
das com pessoas, comunidades, empresas ou outras instituições com vistas à sua
análise pelos estudantes. Para isso, é necessária uma coleta de dados detalhada
envolvendo varias fontes de informação. Como já mencionado, uma característi-
ca marcante do estudo de casos do ponto de vista pedagógico é a capacidade de
analisar o problema em sua integralidade, avaliando todos os fatores que podem
interferir na tomada de decisão.
A situação é apresentada sem qualquer interpretação, podendo também in-
cluir narrações, declarações de personagens envolvidos, organogramas, cópias
ou trechos de relatórios, vídeos, declarações verbais, entre outras. Os estudan-
tes, individualmente ou em grupo, passam a trabalhar podendo consultar as
fontes bibliográficas ou não que desejarem. As soluções, apreciações ou críticas
dos aprendizes são finalmente apresentadas à classe e discutidas, para que sejam
apontadas as mais válidas. Esta técnica habitua o estudante a analisar as situa-
ções sob seus aspectos positivos e negativos, antes de tomar uma decisão. Daí,
seu forte caráter crítico e reflexivo na formação profissional.
O caso não é apenas um exemplo, deve ser um fato verídico, descrito em
uma, duas ou três páginas, com o maior número possível de detalhes, seguindo-
-se um roteiro de trabalho para resolvê-lo com base nas vertentes teórico-prático
estudadas. Além de favorecer a participação ativa, é muito dinâmico e estabele-
ce excelentes correlações com o real, sendo, portanto, altamente motivador.

106
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Não é uma metodologia, mas uma ferramenta ou técnica didática que deve
ser alternada com outras metodologias ou técnicas de aprendizagem. Logo, pode
ser utilizada tanto num currículo tradicional quanto num currículo inovador ba-
seado em metodologias ativas. Para ser considerada uma técnica ativa de apren-
dizagem, deverá estar centrada no estudante que é o ator responsável pelo
estudo, análise da situação e resolução do problema.
Sempre que, no ensino, é preciso levar o estudante a compreender uma
situação e a interpretar fatos como fundamento para uma ação posterior,
o método de casos pode e deve ser usado. Por meio dele, estimula-se a
formação de juízos da realidade e de juízos de valores. O estudante pode
aperfeiçoar-se no âmbito da comunicação e das relações humanas, quando se
penetra na fase da discussão do caso. Deve-se, portanto, procurar desenvol-
ver o espírito de grupo, o trabalho em equipe, a aprendizagem colaborativa,
a aceitação da opinião dos colegas, favorecendo a participação do maior
número de educandos e orientando-os no processo interativo que está em
processo.
Apesar de ser uma excelente ferramenta de aprendizagem, um currículo in-
teiro ministrado por meio de estudo de casos raramente será integrado, comple-
to e com adequada fundamentação teórica. Por isso, geralmente, esta ferramenta
é utilizada intercalada com outras técnicas ou metodologias. Vale a pena lembrar
que a variedade no uso de técnicas pode criar uma motivação especial para a
aprendizagem e para o envolvimento dos discentes. Aprender a usar uma ampla
variedade de técnicas capacita também o professor a se adaptar a qualquer am-
biente de aprendizagem e qualquer tipo de público estudantil que possa encon-
trar em sala de aula.
O estudo de casos em grupo, por tratar-se de técnica coletiva de aprendiza-
gem, traz algumas vantagens diferentes das técnicas usadas para aprendizagens
individuais, pois colabora para outras aprendizagens que não serão possíveis de
acontecer individualmente. Um estudante ensinando os outros sempre é uma
forma eficiente de aprendizagem que deve ser explorada nos ambientes de ensi-
no. Como outras técnicas de aprendizagem colaborativa, o caso apresenta várias
justificativas positivas para seu uso em educação superior:

a) Capacidade de estudar um caso prático em equipe;


b) Permite a discussão e o debate, superando a simples justaposição de
ideias;
c) Aprofunda a discussão de um tema chegando a conclusões;
d) Aumenta a flexibilidade mental mediante o reconhecimento da diversida-
de de interpretações sobre um mesmo assunto;

107
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

e) Ter oportunidade de desenvolver a participação do aluno em grupos, sua


verbalização, seu relacionamento em equipe e sua capacidade de obser-
vação e crítica do desempenho grupal;
f) Comporta o aprender a aprender uma vez que o estudante deverá buscar
informações adicionais para resolver o caso com maior profundidade e
assertividade;
g) Possibilidade de aprender também com os colegas (além do professor) e
valorizar os feedback que eles podem lhe oferecer para a aprendizagem;
h) Valoriza o trabalho em equipe, hoje uma das exigências para a atividade
de qualquer profissional;
i) Estimula o estudante a analisar o todo, permitindo o uso do cérebro total
na tomada de decisão;
j) Favorece a formação generalista, crítica e refletiva.

Na apreciação de um caso, é preciso prevenir os estudantes de que nem


sempre se chega a uma solução convincente e mesmo a uma solução única,
aceita por todos (com o consenso geral), sancionada pelo professor. É um
trabalho interativo e dinâmico que está centrado na participação de todos.
O estudante necessita dedicar tempo para estudar o caso, investigar, buscar
novas informações com profundidade e o professor atua como facilitador do
processo, estruturando e orientando a discussão nos momentos de maior
dificuldade. Cabe ao estudante analisar de maneira detalhada todas as hipó-
teses de solução e desenvolver a habilidade de tomar decisões. Aprender a
considerar outras soluções com responsabilidade, ética, maturidade e profis-
sionalismo.
A técnica de estudo de casos é uma estratégia eficaz para aprender e con-
solidar a aprendizagem. Durante as atividades, os educandos devem colocar em
prática atitudes e valores tais como honestidade, responsabilidade, respeito à
dignidade das pessoas, humildade, espírito de equipe, cultura de trabalho, ati-
tudes empreendedoras e outras. O propósito é permitir a expressão de diversas
atitudes e formas de pensar.
Se o caso for selecionado e escrito com habilidades, os estudantes se tor-
nam “ativos e motivados”, oferecendo ideias, levantando questões, construindo
uma análise coletiva, reconstruindo competências, se baseando nas declarações
uns dos outros, reenquadrando as discussões, desafiando os professores e apren-
dendo integradamente uns com os outros. Onde quer que seja aplicado, o mé-
todo de casos tem sido bem sucedido para aprender e aplicar ideias ao mundo
real, em razão da forte identificação pessoal que os estudantes sentem com o
ambiente profissional e os problemas que eles enfrentam.

108
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Apesar do amplo uso em educação superior e pós-graduação, o estudo de ca-


sos, como ferramenta metodológica de ensino e pesquisa, sofre algumas críticas:
falta padronização na coleta de dados; falta de rigor metodológico; influência
do investigador (falsas evidências, visões viesadas); fornece pouquíssima base
para generalizações; são muito extensos e, às vezes, demandam muito tempo
para serem concluídos. Contudo, embora apresente pontos negativos, estas li-
mitações podem ser minimizadas com o rigor técnico na condução das etapas
metodológicas e as várias vantagens poderiam ser exploradas em benefício da
aprendizagem e da pesquisa.

5.2 O Estudo de Casos como Ferramenta de Aprendizagem

Quando se pretende trabalhar com casos é preciso ter em mente que o


caso é um todo complexo, e não a mera soma de suas partes constituintes.
Desta maneira, deve-se analisar uma ampla gama de aspectos do objeto
em estudo para que seja possível compreender seu caráter unitário e evitar
interpretações reducionistas. O estudante, portanto, eventualmente ver-se-
-á frente à necessidade de integrar dados de diferentes ordens, sejam elas
sociais, biológicas, psicológicas, culturais, econômicas, políticas ou de qual-
quer outra natureza, com o intuito de não perder de vista a multidimensio-
nalidade do caso.
Na área da saúde, o objetivo desta prática é conhecer o paciente integral-
mente, seus problemas fisiológicos, sociais e espirituais, com a finalidade de rea-
lizar um estudo profundo dos transtornos e necessidades do paciente, da família
e comunidade, com a possibilidade de elaborar estratégias para solucionar ou
reverter os problemas encontrados. Em verdade, trata-se de uma estratégia pe-
dagógica de amplo uso, quando se pretende responder às questões ‘como’ e ‘por
que’ determinadas situações ou fenômenos ocorrem, principalmente quando se
dispõe de poucas possibilidades de interferência ou de controle sobre os eventos
estudados.
De acordo com a metodologia científica, analisar um caso significa separar
e analisar as partes de maneira individualizada, definir a relação das partes com
o todo e, somente após, extrair conclusões sobre uma dada situação. Ao final,
como as partes se relacionam umas com as outras e com o caso como um todo,
é possível elaborar propostas de solução e obter conclusões com maior asserti-
vidade. A separação das partes pode ser sistematizada por meio da elaboração
de questões orientadoras de estudo. Esta etapa é fundamental, pois somente é
possível analisar uma situação com profundidade quando as partes são examina-
das e, em seguida, analisadas de maneira integrada. Por isso, o estudo de casos
é uma ferramenta poderosa de interdisciplinaridade.

109
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Mas o que caracteriza um estudo de casos? Somente pode ser considerado


um caso passível de análise científica um sistema delimitado, integrado, unitário
e multidimensional, ou seja, um todo composto por distintas facetas. Logo, es-
tudo de casos não é uma ferramenta para ensinar tudo a todos. Sua aplicabilida-
de em educação superior, apesar de ampla, apresenta algumas restrições quando
o estudante não possui conhecimentos básicos para compreender e discutir o
todo.
Para iniciar um estudo de caso, seja a área qual for, é necessário construir
um manual de orientação, com o objetivo de instruir o estudante ou profissional
quanto aos aspectos mais importantes relacionados à ferramenta de ensino,
como etapas, responsabilidades, critérios de avaliação, além de incentivar a
reflexão acerca dos resultados encontrados e fornecer uma “sequência” para a
apresentação do caso e elaboração do relatório. Trata-se de roteiro para o desen-
volvimento do estudo de caso, com a finalidade de guiar o estudante e assegurar
que não sejam esquecidos ou omitidos dados considerados essenciais. Como
exemplo, um roteiro instrucional elaborado para a condução do caso pode ser
constituído por: (1) identificação (do local, pessoa ou problema em estudo); (2)
análises das informações; (3) levantamento de questões orientadoras de estudo;
(4) resumo dos problemas identificados; (5) fundamentação teórica; (6) alter-
nativas ou propostas de solução; (7) ações implementadas ou recomendas; (8)
discussão; (9) tomada de decisão e (10) reflexão.
Outra estratégia importante disponível para a condução do estudo de casos
é usar da metodologia do ABP, que utiliza sete passos para a resolução do pro-
blema conforme apresentado no capítulo III.
Um grande desafio para o professor-facilitador é evitar a superficialidade na
interpretação do caso. Geralmente os estudantes tendem a propor discussões e
interpretações superficiais, muitas vezes incompletas, sem a devida investigação
e aprofundamento nos conhecimentos dos temas propostos para estudo. Apesar
do aprendiz ter conhecimentos prévios para a compreensão do caso, é necessário
estimular e desafiar a busca de novas informações, reconstruir competências já
elaboradas, refletir a atuação profissional, para que o resultado final seja um
ganho no processo de formação. Outro ponto importante é assegurar que todos
os objetivos de aprendizagem sejam alcançados. Para isto, o professor deve ter
clareza de todos os temas que deverão ser investigados e analisados. Um ponto
essencial para o sucesso da aprendizagem nesta técnica é a elaboração das ques-
tões orientadoras de estudo, que deverão estar relacionadas aos objetivos de
ensino descritos no plano de aula. Do mesmo modo, a teorização é a etapa que
irá orientar as atividades de investigação e estudo, resgatando conhecimentos
de semestres anteriores e propondo estudos complementares para suportar as
propostas de análise e solução dos problemas observados.

110
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Estudo de casos é uma estratégia de ensino e pesquisa derivada da metodo-


logia científica. Por isso, pode apresentar resultados muito promissores na ini-
ciação científica, na integração ensino-pesquisa, como técnica de aprendizagem
nos encontros de estágios supervisionados, como ferramenta para elaboração
dos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC), além de trazer resultados atraentes
na integração graduação pós-graduação.

5.3 O Uso de Estudo de Casos em Educação na Área da Saúde

Estudo de casos é uma ferramenta educacional que pode ser utilizada em


todas as áreas do ensino superior. Na área da saúde é amplamente utilizada no
ensino de Ciências Biológicas, Enfermagem, Farmácia, Medicina, Medicina Vete-
rinária, dentre outras profissões. Em Farmácia, pode ser explorada em todas as
áreas de ensino como bioquímica, morfologia humana, matemática, química, fí-
sica, farmacologia, tecnologia (alimentos, cosméticos, medicamentos), atenção
farmacêutica, análises clínicas, saúde coletiva, gestão, controle de qualidade,
deontologia e legislação, ética etc.
Um caso pode ser utilizado de maneira isolada em uma disciplina como
farmacologia ou tecnologia farmacêutica ou integrado em várias disciplinas. É
uma excelente ferramenta para a promoção de interdisciplinaridade horizontal
em disciplinas paralelas que acontecem num mesmo semestre, que juntas traba-
lharão o caso podendo ter duração semanal ou quinzenal. Casos mais complexos
podem ter duração mensal ou mesmo semestral.
Durante a graduação, pode ser utilizada em qualquer etapa do curso e em
qualquer disciplina ou módulo, independente de ser um currículo tradicional
ou baseado em metodologias ativas, mas apresenta resultados mais promisso-
res quando empregada a partir da fase intermediária do curso. Isto porque os
estudantes já possuem conhecimentos básicos suficientes que suportem maior
compreensão, discussão e elaboração de soluções para as situações apresenta-
das. Como exemplo, pode-se avaliar o prontuário de um paciente, um problema
observado na comunidade, propor uma nova rotina num laboratório de análises
clínicas, discutir interferência de medicamentos em exames laboratoriais, elabo-
rar uma nova rotina de compras de medicamentos em farmácia hospitalar, rever
o processo de uma linha de produção de cosméticos, dentre outras.
Por ser uma estratégia de aprendizagem desafiadora e motivadora aplica-
da às situações reais de exercício profissional, quando planejada adequada-
mente, pode trazer resultados expressivos naquelas disciplinas consideradas
desmotivantes para os estudantes. Em deontologia e legislação farmacêutica,
por exemplo, seu emprego tem revolucionado o ensino em algumas universi-
dades.

111
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Outro exemplo de sucesso é o uso de estudo de casos em análises clínicas.


Os estudantes são matriculados num módulo chamado interpretação clínica dos
exames laboratoriais, no qual os estudantes discutem os resultados de diversos
setores do laboratório de análises clínicas como hematologia, hemostasia, bio-
química, imunologia, endocrinologia, urinálise e microbiologia, simulando a li-
beração de um laudo e integrando-os às demais áreas das ciências farmacêuticas.
Ainda podem ser discutidos, temas como interferentes pré-analíticos e interfe-
rência por medicamentos, revendo os conhecimentos básicos e integrando-os
aos profissionalizantes. O resultado final é um egresso mais confiante e autôno-
mo para atuar no mercado profissional.
Conforme já citado, estudo de casos é uma ferramenta de ensino-apren-
dizagem naturalmente integradora. Seu uso permite desenvolver a interdisci-
plinaridade tanto no eixo vertical com resgate de conhecimentos de semestres
anteriores quanto no eixo horizontal. Na formação generalista possui grande im-
pacto na aprendizagem, pois permite integrar conteúdos das áreas de alimentos,
medicamentos e análises clínicas. É importante salientar que muitos docentes,
devido terem uma formação farmacêutica altamente especializada, apresentam
dificuldades para conduzir esta integração de conteúdos. Neste caso, a técnica
conduz naturalmente à integração cabendo ao professor facilitar e orientar o
processo.
A técnica de casos também pode ser uma ferramenta de escolha para con-
duzir os programas multiprofissionais. Estes programas podem ser encontros de
estudantes de diversos cursos da área da saúde, preferencialmente da fase final
dos cursos, que reúnem em torno de um caso clínico para propor soluções em
equipe. Ao final, é proposto um único protocolo de cuidados ao paciente, sem
um posicionamento individualizado das profissões, construindo nos egressos a
visão de equipe multiprofissional.
Ainda, como ferramenta humanista e reflexiva, favorece a formação nos eixos
temáticos sugeridos para a educação farmacêutica como ética, atenção farma-
cêutica e promoção de saúde. Contudo, é necessário um planejamento detalhado
para alcançar os melhores resultados. Cada caso deverá ter seus objetivos de
aprendizagem definidos, devidamente apresentados nos planos de aprendizado,
conhecidos por todos os professores e organizados sequencialmente, de maneira
que permita a formação de todas as competências e habilidades necessárias ao
exercício profissional.
Finalmente, estudo de casos é também uma ferramenta eficiente para estudo
de situações de aprendizagem associadas aos serviços públicos de saúde, como
atuação do farmacêutico no SUS, no Programa Saúde da Família, no Pró-Saúde,
no PET-Saúde, como agente de promoção e de educação em saúde. A visão hu-
manista pode ser facilmente explorada quando se trabalha diretamente com o

112
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

paciente e a comunidade. Muitos estudos de casos podem ser extraídos da inte-


ração ensino-serviço-comunidade.

5.4 O Uso de Estudo de Casos em Sala de Aula

O caso é algo que aconteceu e, portanto, é uma experiência verdadeira. Por


si mesmo, isto já é um fator motivador de estudo, pois reflete um ambiente real
cujo resultado objetiva uma tomada de decisão. Em outras palavras, possibilita
a aproximação da sala de aula com a realidade.
Para resolver um estudo de casos, os estudantes necessitam de dois conjun-
tos de habilidades: 1 - Capacidade de analisar o caso conferindo-lhe um signi-
ficado a partir de seus pontos chaves e questões orientadoras; e 2 - Capacidade
de comunicar seu pensamento de maneira clara e efetiva. Ao mesmo tempo, o
estudo de casos consiste em emitir e comparar opiniões, aprendendo com as di-
ferenças e semelhanças. A capacidade de pensar com clareza e de comunicar-se
de modo convincente sempre constitui uma importante habilidade de profissio-
nais de sucesso. Igualmente, as diferenças de opinião precisam ser negociadas a
fim de que a tomada de decisão possa ser mais inteligente e adequada.
Como o estudo de casos simula ou imita uma situação real, coloca o estu-
dante no papel de participante da situação. São os estudantes que fornecem os
conteúdos para a discussão do caso, portanto eles são indispensáveis para a
geração de conhecimento. Assim, se eles não comparecerem à aula bem prepara-
dos, a técnica não atinge seu objetivo. Deste modo, deve-se estabelecer critérios
de avaliação que estimulem a participação efetiva do estudante.
Os instrutores/tutores/professores do estudo de casos normalmente não for-
necem um resumo final dos fatos e argumentos apresentados, tampouco emitem
opiniões pessoais sobre as conclusões e os planos de ação dos estudantes. Eles
até podem ensinar conceitos para analisar os casos estudados em aula, mas de
modo algum anunciam conclusões mais ou menos plausíveis. Com efeito, os es-
tudantes entram e saem da sala de aula como os responsáveis pelos resultados
da discussão.
Os casos geralmente retratam uma multiplicidade de situações com todos os
fatos transversais e delimitações incluindo questões secundárias, informações
incompletas ou em quantidade demasiada. Na prática “um bom estudo de caso”
deve apresentar características como:

1 Questão ou questões profissionais significativas;


2 Informações suficientes nas quais basear raciocínio crítico e hipóteses
de solução;
3 Ausência de conclusões manifestas;

113
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

4 Requerer mais informações para a resolução;


5 Ter mais de um caminho para alcançar a conclusão – estudantes podem
seguir raciocínios diferentes para alcançar o mesmo resultado;
6 Ser ambíguo e duvidoso.

A motivação dos estudantes para participarem da discussão advém de uma


sensação de cordialidade e empatia na relação entre mestre e aprendizes. O
professor atua como líder, tutor ou coating, um motivador capaz de ouvir, pois o
que interessa é aquilo que o estudante irá dizer. A discussão é uma modalidade
de relação social que envolve troca, com manifestações de emoção, pois todas
as pessoas têm necessidades de relacionamentos prazerosos. Isto exige amplo
planejamento e preparo do professor.
Para alcançar este equilíbrio dentro do processo de discussão, as regras de-
vem ser previamente definidas e os papeis de cada ator discutidos e esclarecidos.
É necessário definir princípios e regras a serem observados ao longo de todo o
processo de aprendizagem. Da mesma maneira, é importante planejar e negociar
horário, duração, lugar e limites. O professor deve-se preocupar permanente-
mente em quebrar “sensação de irrelevância” na discussão. Em outras palavras,
é necessário estabelecer o rapport - quebra do gelo entre professor e estudantes
e entre os grupos.
Ainda, para maior rendimento da discussão, o professor deverá lançar mão
das questões estimuladoras de discussão. Estas são perguntas previamente ela-
boradas pelo docente, que deverá utilizá-las todas as vezes que perceber que
a discussão esta esvaecendo-se devido desmotivação do grupo. Abaixo estão
exemplificadas algumas perguntas:

1. Questões hipotéticas

Solicita-se ao estudante que informe o que faria ou não faria em deter-


minada situação. Estas questões geralmente iniciam com as palavras “se ou
suponha”. Por exemplo: suponha que você.... O que faria? Questões deste
tipo geralmente fornecem indicações do conhecimento dos estudantes a cer-
ca do tema abordado.

2. Questões “advogado do diabo”

Desafia-se o estudante a considerar a possibilidade oposta. Por exemplo: A


quem afirme que ..... O que você (o grupo) poderia dizer a esse respeito? Ques-
tões deste tipo estimulam o estudante a manifestar sua opinião.

114
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

3. Questões sobre “situações ideais”

Solicita-se ao estudante que descreva uma situação ideal. Por exemplo: Qual
você acredita ser a forma (o procedimento) ideal para? Estas questões são muito
úteis para avaliação do nível cognitivo.

4. Questões interpretativas

Você poderia afirmar que a ....... Estas questões se constituem numa tenta-
tiva de confirmar a interpretação do que foi dito pelos estudantes.
Outros exemplos de perguntas que exigem menor grau de raciocínio também
podem estimular a discussão como: Poderia me contar um pouco mais a respei-
to? Qual a causa, no seu entender? Qual a sua ideia em relação a este ponto?
Em outros momentos quando o estudante responde “não sei”, mas na verdade
não se dispõe a pensar, pode-se usar de perguntas como “Entendo que este é um
problema que geralmente não preocupa as pessoas, mas gostaria que me falasse
um pouco mais a respeito”.
Estas são estratégias para manter um ambiente agradável e prazeroso dentro
de sala de aula, mas o professor não deve esquecer que todo este processo faz
parte de um modelo de avaliação e o estudante está sendo pontuado por suas
práticas.

5.5 Planejamento e Avaliação

A primeira etapa para quem vai trabalhar com estudo de casos é o treina-
mento docente. É necessário aprofundar no domínio da técnica de ensino para
alcançar os melhores resultados na aprendizagem.
Outro ponto importante é o planejamento dos objetivos de aprendiza-
gem. O professor deverá ter o controle da sequência dos objetivos alcançados
de acordo com o escalonamento dos níveis de raciocínio. É necessário que o
estudante conheça, compreenda, interprete, analise, compare, discuta, ela-
bore proposta de solução, tome decisões e reflita sobre as decisões tomadas.
Portanto, dentro da sala de aula, o encadeamento das atividades deve seguir
esta ordem de raciocínio.
Outro ponto essencial é a escolha do caso. Conforme já descrito, um estudo
de caso é uma situação real. Portanto, uma situação não deve ser alterada ou
adaptada para atender as necessidades do ensino. Se necessário, os ajustes de-
vem ser os mínimos possíveis para alcançar os objetivos propostos, sem perder a
veracidade do ocorrido. Se o caso sofrer muitas alterações, deixa de ser um caso
é passa a ser um problema construído artificialmente. Por isso, muitos casos dis-

115
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

poníveis, apesar de serem reais, não atendem o pressuposto de um bom estudo


de caso para o ensino. Quando um estudo de caso é entregue aos estudantes e
estes são capazes de discutir sem a necessidade de estudos adicionais, significa
que este caso é basal e não deve ser aplicado naquela etapa do ensino, talvez
em semestres anteriores.
Uma vez escolhido o caso, procura-se definir qual a duração da técnica.
Geralmente casos que envolvem vários pontos chaves de estudo necessitam de
um tempo maior para teorização. Logo, um estudo de caso pode demorar uma
semana, um mês ou ainda mais tempo. Em adição, o uso de estudo de casos em
currículos híbridos de ensino demora tempo maior quem num currículo baseado
puramente em metodologias ativas.
Desde que a Anhembi Morumbi implantou a Escola de Ciências da Saúde num
modelo integrado, baseado em metodologias ativas, com visão transdisciplinar
e de formação de equipe multiprofissional, o estudo de casos tornou-se uma das
principais ferramentas de ensino. Mas para implantar este projeto foi necessário
criar um ambiente de mudança, em todos os cenários do ensino, desde a infraes-
trutura como laboratórios, biblioteca e salas de aulas, passando pelo treinamen-
to docente e planejamento acadêmico, até a introdução de critérios de avaliação
compatíveis. Abaixo está apresentado um esquema do modelo de condução dos
estudos de casos em sala de aula padronizado na Anhembi Morumbi. Conforme
observado, 2 encontros podem ser suficientes para finalizar um caso simples.
Casos mais complexos podem exigir maior tempo para resolução.

Leitura e interpretação do caso


Encontro 1
Análise e discussão em grupo
duração média de 2 horas
Elaboração das questões orientadores de estudo
Duração semanal,
Teorização - estudos independentes ou em grupo
quinzenal ou maior
Discussão do assunto em grupo
Elaboração de hipóteses de solução
Encontro 2 Discussão do caso entre os grupos
duração média de 4 horas Reelaboração de hipótese de solução
Tomada de decisão
Reflexão
Figura 12 - Modelo simplificado planejado para o ensino por meio do estudo de casos.

116
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Para introduzir o estudo de casos como ferramenta de ensino padronizada


num curso ou instituição é necessário uniformizar os critérios de avaliação. Di-
ferente do modelo tradicional baseado em aulas expositivas, um estudo de casos
somente terá o comprometimento efetivo dos estudantes se houver critérios de
avaliação capazes de valorar a participação destes em todas as etapas. Além de
avaliar o domínio cognitivo (saber) por meio do trabalho escrito apresentado
pelo grupo e também pelas discussões, também é necessário pontuar os domí-
nios psicomotor (saber fazer - práticas e habilidades) e o socioafetivo (saber ser
– postura, ética e valores). Somente com essa avaliação integral do estudante
será possível cuidar da sua formação técnico-profissional, pessoal e social e ga-
rantir a execução da técnica segundo as “Boas Práticas de Ensino”.
A seguir, está apresentado o modelo de avaliação psicomotora introduzido
na Anhembi Morumbi, mas que pode ser adaptada de acordo com o curso. Lem-
brando que este é somente um exemplo para orientar os colegas interessados em
trabalhar com esta técnica de ensino.

Seminário Integrativo - Estudos de Caso


Avaliação Psicomotora
Data / /
Desempenho Estudante Estudante Estudante Estudante Estudante Estudante
Realizou a análise e interpretação do caso con-
forme metodologia científica
Levantou questões orientadoras de estudos
pertinentes (ponto chave)
Participou na elaboração de objetivos de
Integrou as dimensões biopsicossociais
Buscou informações relevantes (teorização)
Analisou criticamente as fontes de informação
Formulou hipótese com base em evidências
Participou ativamente das discussões em classe
Justificou os comenhtários com referências
adequadas (metodologia científica)
Realizou integração do(s) caso(s) com as dis-
ciplinas do curso
Definiu com clareza os critérios para a tomada
de decisão
Participou ativamente da tomada de decisão e
do processo de reflexão
Figura 13 – Modelo de avaliação psicomotora utilizado no estudo de casos.

117
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

A avaliação socioafetiva acontece por meio de observação contínua com


feedback permanente de elementos como capacidade de reconhecer e lidar com
sentimentos (amor, ódio, medo, dor, culpa, perda, inveja, ciúme, insegurança
etc.) do paciente e de si próprio; capacidade de ouvir, observar, utilizar lingua-
gem adequada em cada situação; respeito (valores, cultura, religião…), postu-
ra, atitudes, ética, assiduidade, pontualidade, comprometimento, participação,
relacionamento interpessoal, comunicação adequada, outros. O exemplo abaixo
apresenta o modelo de avaliação socioafetiva adotado na Universidade Anhembi
Morumbi.

5.6 Considerações Finais

O estudo de casos é uma das técnicas de ensino ativas que apresenta maior
interdisciplinaridade, contemplando a visão de formação de profissional gene-
ralista, crítico e reflexivo, pois permite analisar a situação de maneira integral.
Quando planejado adequadamente, estimula o estudante a usar o cérebro total
durante a aprendizagem, favorecendo ao aluno alcançar níveis máximos de ra-
ciocínio de acordo com a Taxonomia de Bloom, além de substanciar a formação
psicomotora e socioafetiva.
Além de provocar a participação ativa dos estudantes, também estimula a
capacidade de aprender a aprender. Mas, para tal, é necessário definir princípios
e regras a serem observados ao longo de todo o processo de aprendizagem. Al-
guns fatores que favorecem o uso do estudo de casos como ferramenta ativa de
ensino são: planejamento detalhado, discussão da metodologia com os estudan-
tes (Taxonomia de Bloom, objetivos, cronograma de ações, critérios de avaliação

118
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

etc.), elaboração das questões motivadoras de discussão, a concepção da matriz


curricular num modelo híbrido de ensino, o preparo do professor e a fundamen-
tação na metodologia científica.

5.7 Exemplos de Estudos de Casos em Educação Farmacêutica

Estudo de caso 1:
Trata-se de caso julgado pelo TJ/SP no qual uma usuária vinha efetuando
tratamento em estabelecimento farmacêutico com Noripurum injetável, sem re-
ceber orientação sobre os efeitos colaterais do medicamento.
Após certo tempo de uso, começou a surgir manchas nas nádegas da usuá-
ria, que continuou com o tratamento após ser informada pelo aplicador que as
manchas sumiriam com o tempo.
Como as manchas foram aumentando e não sumiram, ela ajuizou ação con-
tra a drogaria, sendo que na perícia realizada nos autos, ficou registrado que as
manchas surgiram pela não utilização da técnica de aplicação em “Z” conforme
disposto na bula, fato confirmado em prova testemunhal.
Este é um estudo de caso real que integra conhecimentos das áreas de mor-
fologia, bioquímica, fisiologia, patologia, farmacoterapia, atenção farmacêutica,
aplicação de injetáveis, ética, deontologia e legislação farmacêutica. Também
podem se discutidos temas relacionados a química orgânica, físico-química e
tecnologia farmacêutica.

Estudo de caso 2:
Em março de 2010, um farmacêutico responsável técnico por uma drogaria
de uma grande rede do estado de São Paulo deparou-se com a seguinte situação
profissional: Estava conferindo o estoque de sua loja quando entrou um cliente
do sexo masculino, funcionário de uma empresa de construção civil local, com
cerca de 45 anos, que procurou pelo farmacêutico. O farmacêutico dirigiu-se
até o balcão onde se identificou. O senhor, que estava impaciente, reclamou de
coceira e ardor na virilha. Relatou que teve estes sintomas a uns 2 anos e que
por indicação de um amigo tratou com uma pomada. “Não lembrava o nome da
pomada”. Após algumas perguntas para conhecer melhor a história do usuário,
o farmacêutico orientou-o a procurar um médico. Indeciso, o cliente reclamou
que não tinha plano de saúde e que o agendamento de uma consulta na unidade
de saúde de seu bairro demorava mais de 60 dias. Após um tempo em silêncio,
o usuário solicitou uma “pomada de miconazol” referindo-se ao nome comercial
de um medicamento antifúngico que havia visto num comercial de TV no ano
anterior. O farmacêutico dispensou miconazol creme e orientou o usuário sobre
o uso adequado do medicamento.

119
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Baseado na descrição, pode-se observar que a discussão é aberta e cabem


múltiplas interpretações para o caso. Como exemplos, podem ser estudados e
discutidos assuntos como: deontologia, legislação e ética profissional; serviços
farmacêuticos (RDC 44); farmacologia dos antifúngicos; formas farmacêuticas
(creme, pomadas, pós); genéricos e bioequivalência; anamnese e atenção far-
macêutica; automedicação; propaganda e marketing de medicamentos; estilo de
vida e promoção de saúde; políticas públicas de saúde e Sistema Único de Saúde;
administração e atuação profissional.

Estudo de Caso 3:
Na Indústria de laticínios:
Com o objetivo de fixar a identidade e os requisitos mínimos de qualidade
que deve ter o leite pasteurizado, a instrução normativa governamental nº 51,
de 18 de setembro de 2002 aprovou os regulamentos técnicos de produção,
identidade e qualidade do Leite tipo A, do Leite tipo B, do Leite tipo C, do Leite
Pasteurizado e do Leite Cru Refrigerado. Dentre as definições de qualidade esta-
belecidas nessa instrução, está a abaixo descrita:
“Definição 2.1.1.2: Imediatamente após a pasteurização o produto assim
processado deve apresentar teste negativo para fosfatase alcalina, teste positivo
para peroxidase e coliformes 30/35ºC (trinta/trinta e cinco graus Celsius) menor
que 0,3 NMP/mL (zero vírgula três Número Mais Provável /mililitro) da amostra”
Com base na informação anterior, analise o caso abaixo:
“A Empresa de Laticínios Queijão Ltda., pasteuriza o leite cru, tipo A desti-
nado ao preparo de seus queijos. Diariamente, amostras de leites pasteurizados
seguem para análise no laboratório. Em novembro/2009, durante a vistoria da
vigilância sanitária, ao pesquisar as enzimas fosfatase alcalina e peroxidase,
obteve o seguinte resultado: fosfatase alcalina (+), peroxidase (+), peróxido de
hidrogênio (+), hidróxido de sódio (-) e coliformes totais menor que 0,3 NMP/
mL. Na recepção do leite enviado pela cooperativa de produtores, o teste de
estabilidade ao alizarol 72 % (v/v) mostrou resultado estável. Outros aspectos
analisados foram:

Testes realizados Referência Resultados


Gordura (g/%) Min. 3,0 2,7
Acidez, em g de ácido láctico/100 mL 0,14 a 0,18 0,18
Densidade relativa, 15/15ºC, g/mL 1,028 a 1,034 1,026
Sólidos Não-Gordurosos(g/%): mín. 8,4 7,5
Índice crioscópico máximo -0,530ºH (-0,512ºC ) -0,450ºC
Proteína Total (g/%) mín. 2,9 2,9
Redutase (TRAM) Mín. 5 h positivo

120
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Este caso permite discutir temas como bioquímica dos alimentos, controle
de microrganismos (limpeza, desinfecção e esterilização), metabolismo micro-
biano, tecnologia de alimentos, Boas Praticas de Fabricação, validação e con-
trole de qualidade de alimentos, erros analíticos, saúde coletiva, toxicologia,
resistência bacteriana e uso de antimicrobianos em medicina veterinária, e ética
profissional.

5.8 Bibliografia Consultada

CIMADON, A. – Ensino e Aprendizagem na Universidade: Um Roteiro de Estudo. 3ª edição, Joaçaba,


Editora Unoesc, 2008.
DUARTE, J.B. - Estudos de caso em educação. Investigação em profundidade com recursos redu-
zidos e outro modo de generalização. Revista Lusófona de Educação, v.11, p.113-132, 2008.
FARHOOMAND, A. - Writing Teaching Cases: A Quick Reference Guide. Communications of the Asso-
ciation for Information Systems, v.12, p.103-107, 2003.
GALDEANO, L.E.; ROSSI,L.A.; ZAGO, M.M.F. – Roteiro instrucional para a elaboração de um estudo
de caso clínico. Rev Latino-am Enfermagem, v.11(3), p.371-375, 2003.
GIL, A.C. – Metodologia do Ensino Superior. 4ª edição, São Paulo, Editora Atlas, 2008.
GIL, A.C. – Estudo de Caso: Fundamentação Científica, Subsídios Para Coleta e Análise de Dados e
Como Redigir o Relatório. 1ª edição, São Paulo, Editora Atlas, 2009.
LOWMAN, J. – Dominando as Técnicas de Ensino. São Paulo, Editora Atlas, 2004.
MARTINS, G.A. - Estudo de caso: Uma reflexão sobre a aplicabilidade em pesquisas no Brasil. Re-
vista de Contabilidade e Organizações – FEARP/USP, v. 2, p. 8-18, 2008.
MAZZOTTI, A.J.A. – Uso e abusos dos estudos de caso. Cadernos de Pesquisa, v. 36, p.637-651,
2006.
PONTE, J. P. – O estudo de caso na investigação em educação matemática. Quadrante, v.3(1),
p.3-18, 1994.
RANGEL, M. – Métodos de Ensino para a Aprendizagem e a Dinamização das Aulas. 3ª edição, São
Paulo, Editora Papirus, 2007.
SÁ, L.P.; FRANCISCO, C.A.; QUEIROZ, S.L. - Estudos de caso em química. Quím. Nova [online],
vol.30, p. 731-739, 2007.
VENTURA, M.M. - O Estudo de Caso como Modalidade de Pesquisa. Pedagogia Médica, Rev.SOCERJ,
v.20(5), p.383-386, 2007.
YIN, Robert K. – Estudo de Caso: Planejamento e Métodos. 2ª edição, Porto Alegre, Editora Book-
man, 2001.

121
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

122
Capitulo 6
Aprendizagem Baseada em Projetos
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

6 - Aprendizagem Baseada em Projetos


Autoras: Ana Lúcia Jacques Faria
Maria Lúcia Cocato

6.1 Contextualizando

Aprendizagem hoje pode ser entendida como um processo que coordena, dá


sentido e integra um conjunto de experiências. É a capacidade de atribuir signi-
ficado às situações, fatos, objetos e conceitos, contrapondo-se à abordagem tra-
dicional onde aprender era sinônimo de assimilar, reproduzir, reter informações,
o que Paulo Freire chamava de “educação bancária”.
A aprendizagem é entendida como um processo de construção de saberes,
que respeita o repertório do educando e convive (pacificamente) com a provi-
soriedade do conhecimento. Nessa perspectiva, ensinar é criar as possibilidades
para a produção ou construção do conhecimento, garantindo ao aprendiz o ins-
trumental necessário ou suficiente para construir e elaborar soluções/saberes
diante de problemas.
A formação do farmacêutico é um processo interdisciplinar, permanente,
dinâmico e contínuo de aquisição, construção e reconstrução de conhecimen-
tos relativos a diferentes contextos: social, cultural, educacional e profissional.
Ao professor cabe um papel de mediação na relação do estudante com esses
conhecimentos, o que exige uma docência crítica e comprometida com a apren-
dizagem. Essa formação deve trazer uma aprendizagem ancorada na intenciona-
lidade, que ofereça possibilidades de transformação, troca e superação.
Ao professor compete criar situações que permitam um aprender significa-
tivo, o que representa buscar contextualização, aplicabilidade e utilidade para
aquilo que estamos ensinando.
Para isso precisamos de:

1. metodologias diversificadas
2. conteúdos relevantes
3. valorização do grupo

6.2 Caminhos e Estratégias

A Aprendizagem Baseada em Projetos (que neste capítulo chamar-se-á de


“Aprendizagem por Projetos – APP ou projetos”, para diferenciar da ABP dis-
cutida em capítulo anterior) pode ser definida como “método sistemático de

125
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

ensino que envolve os estudantes na aquisição de conhecimentos e habilidades


por meio de um processo de investigação estruturado em torno de um projeto”.
Ou seja, elege-se um projeto para ser o eixo orientador de uma ou mais discipli-
nas. É uma metodologia de ensino/aprendizagem derivada da ABP e da proble-
matização, que busca aproximar da ferramenta gestão de projetos utilizada em
administração.
O objetivo da APP não é somente ensinar a desenvolver bons produtos,
melhorar serviços ou transformar a comunidade. Acredita-se que sua principal
contribuição esteja no ensino de conhecimentos e habilidades que vão além das
que são importantes na simples ação de projetar, onde exige-se maior grau de
raciocínio. Sabe-se que no meio profissional, são requeridos conhecimentos e
habilidades superiores, importantes para o crescimento e o sucesso, tais como,
liderança, comunicação, argumentação, autogestão, auto avaliação, trabalho em
equipe, entre outras. Desta forma, através da aplicação desse modelo de aprendi-
zagem no ensino superior, pretende-se: (1) envolver os estudantes em projetos
que tenham conexões com a realidade, (2) motivá-los a investigar novas possibi-
lidades, aplicar e demonstrar o que aprenderam, (3) orientá-los a colaborar entre
si e com a sociedade e comunicar suas expectativas, (4) incentivá-los a discutir
e refletir sobre a importância de suas ações no contexto social no qual estão
inseridos e (5) convidá-los a planejar e projetar soluções e produtos realmente
inovadoras.
A APP surgiu como uma resposta às mudanças nos modelos cognitivos e
comportamentais de aprendizagem onde fica patente a relação entre conheci-
mento, pensamento, ação e contexto. Sabemos hoje que nossos alunos têm uma
grande necessidade de usar ativamente o que sabem para construir soluções para
os problemas que se apresentam.
A APP oferece ao estudante a oportunidade de:

 Trabalho em grupo
 Confrontar-se com problemas inesperados
 Ensinar o que aprendeu

Somadas, essas possibilidades levam o estudante a apropriar-se do saber,


permitindo o desenvolvimento de habilidades e competências que se esperam
do futuro farmacêutico. É uma forma de aprendizagem experiencial, prática e
dirigida pelo aprendiz.
Sabemos que o mercado exige profissionais com alto desempenho, que se-
jam capazes de planejar, trabalhar em equipe e se comunicar. A nós, professores,
cabe criar práticas de ensino que sejam um reflexo do mundo real, através da APP
pode-se permitir que os estudantes aperfeiçoem sua capacidade de:

126
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Criatividade = Os estudantes são desafiados a propor novas soluções para


antigos problemas, criar novos produtos, montar empresas, desenvolver novos
modelos profissionais, propor novas rotinas e processos, entre outras propostas.
A originalidade é um dos pontos centrais de projetos.
Comunicação = No desenvolvimento do projeto, o estudante é convidado
a falar em público e debater. No processo de construção, ele invariavelmente
aprende a persuadir.
Apresentação = Planejar e fazer apresentações orais faz parte da rotina dos
projetos.
Escrita = A redação técnica e escrita expositiva são valorizadas nessa
metodologia.
Tradução = Os estudantes aprendem a converter informações de um formato
para outro.
Síntese = Os resumos são ferramentas importantes nos projetos
desenvolvidos.
Tecnologia da Informação = Para construção de “produto ou serviço”, os
estudantes lançam mão de editoração eletrônica, constroem plantas, montam
ilustrações e outros.
Ouvir = O trabalho em grupo ensina o estudante a “ouvir”, no seu sentido
mais puro de “escutar atentamente”.
Resolução de conflitos = O projeto exige a elaboração de estratégias de
conciliação e colaboração pelo próprio grupo. Essa habilidade é muito importan-
te para os farmacêuticos, dos quais se espera um papel de liderança.
Comunicação = A comunicação no projeto é valorizada em várias dimen-
sões: escrita, verbal e não-verbal.
Planejamento = Como todo o projeto é traduzido em metas, os estudantes
vêm-se obrigados a planejar, estrategicamente, o desenvolvimento do trabalho.
É importante salientar que, assim como outros modelos de aprendizagem,
a APP requer a conscientização dos professores para que compreendam que seu
papel como educadores tende a se modificar. Provavelmente, não serão mais
reconhecidos como centro do conhecimento e sim, como gestores de projetos.
Serão convidados a orientar e motivar seus aprendizes a realizar seus projetos
de forma autônoma e independente. Por outro lado, estudantes que estão envol-
vidos em projetos têm oportunidades de tomar decisões sobre como pretendem
realizar seus projetos e quais resultados pretendem alcançar. Para isso, terão que
assumir riscos e desenvolver o pensamento crítico, a disciplina e a capacidade de
organização e planejamento, e principalmente, a iniciativa para a investigação.

127
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino de Far-


mácia (2002), a formação do farmacêutico tem por objetivo, dotar o profissio-
nal dos conhecimentos necessários para o exercício da liderança - envolvendo
compromisso, responsabilidade, empatia, habilidade para tomada de decisões e
gerenciamento de forma efetiva e eficaz. O desenvolvimento de projetos oferece
aos estudantes um excelente exercício de:

 Gerenciamento do tempo = para cumprimento dos prazos.


 Gerenciamento de tarefas = para otimização dos resultados.
 Gerenciamento de recursos = para atendimento das metas

As diretrizes trazem ainda algumas competências e habilidades específicas


que se espera do farmacêutico, dentre as quais vale destacar: respeitar os princí-
pios éticos inerentes ao exercício profissionale atuar em todos os níveis de aten-
ção à saúde, comprometidos com o ser humano, respeitando-o e valorizando-o,
exercendo sua profissão de forma articulada ao contexto social. O farmacêutico
deve considerar o paciente em todos os seus condicionantes, em suas relações
com outras pessoas e o meio em que vive, agregando saberes para promover o
seu bem-estar, sob a ótica da integralidade das ações de saúde. Assim, tornam-
-se essenciais aspectos como informação e comunicação, numa relação de parce-
ria com o paciente que resulta em motivação, aceitação e adesão ao tratamento
e promoção de saúde no âmbito coletivo. Nesse sentido a APP nos ajuda por
permitir ao estudante utilizar estratégias de tomadas de decisões e aperfeiçoar
o relacionamento interpessoal.
Na formação do farmacêutico, a aproximação ao “fazer real” com sua im-
previsibilidade e com todos os aspectos emocionais envolvidos, cria espaços de
aprendizagem significativa, em sintonia com as demandas sociais e, nessa pers-
pectiva, responde aos atuais desafios da ética, da crítica, e da cidadania. Trata-
-se, enfim, de explorar possibilidades que estimulem a postura ativa na busca e
produção do conhecimento, integrando aspectos conceituais, procedimentais e
atitudinais da aprendizagem. Sob essa ótica a APP cria espaço para desenvolver
o “pensamento inventivo”; adaptabilidade e capacidade de gerenciar situações
complexas; curiosidade, criatividade e tomada de risco com responsabilidade;
responsabilidade pessoal e social. Do ponto de vista estritamente pedagógico, a
APP é uma ferramenta que:

 Supera a dicotomia saber / fazer


 Favorece a comunicação
 Estimula a cooperação
 Melhora a inteligência relacional
 Motiva o estudante

128
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Durante o desenvolvimento do projeto, o estudante deve revisitar compe-


tências e habilidades apreendidas em etapas anteriores, ao mesmo tempo em
que constrói novos conhecimentos criando uma espiral da aprendizagem. Como
sua evolução ocorre de maneira espiralada, o que permite compreendê-lo como
um método que evolui em torno de uma ideia central, que vai evoluindo à me-
dida que novas técnicas e métodos forem experimentados e executados. A me-
táfora da espiral também permite demonstrar com certa facilidade, os retornos
e realimentações que o processo eventualmente exige para que os resultados
sejam satisfatórios.

6.3 Projetos Baseados no Arco de Maguerez

Para a construção de projetos, o ponto de partida pode ser o Arco de Charles


Maguerez, onde os estudantes têm como orientação a realidade social, a partir
de cinco etapas:

 Observação da Realidade;
 Pontos-Chave;
 Teorização;
 Hipóteses de Solução e
 Aplicação à Realidade.

O processo “ensino-aprendizagem” começa com os estudantes observando a


realidade em si, com seus próprios olhos. Nesse momento eles podem expressar
suas percepções pessoais, fazendo assim uma primeira “leitura sincrética” ou
ingênua da realidade.
Em um segundo momento, os estudantes separam no material produzido (o
que foi observado),o que é verdadeiramente importante do que é superficial ou
contingente. É o momento de identificar os pontos-chave do projeto, lançando
um olhar profissional sobre o tema para verificar as reais necessidades que se
apresentam.
No momento seguinte, passam à teorização do projeto, perguntando o por-
quê das coisas observadas. Nessa etapa o papel do professor é de fundamental
importância. Com uma teorização bem fundamentada, o estudante passa a “en-
tender” o projeto e seus determinantes. Essa etapa de teorização é altamente
enriquecedora e permite o crescimento intelectual dos participantes, com possi-
bilidades de generalização e extrapolação dos saberes construídos. Diferente de
projetos de gestão, quando emprega-se projetos como metodologia de aprendi-
zagem o mais importante não é o produto final ou a nova rotina estabelecida.
O principal objetivo é o estudo, a investigação, a busca ativa por novas infor-

129
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

mações, a construção e a reconstrução de competências e habilidades. O profes-


sor deverá estar atento para evitar a superficialidade da teorização e estimular
constantemente o aprofundamento da justificativa teórica para os fenômenos
observados.
A quarta fase, de formulação de soluções para o projeto valoriza a originali-
dade e a criatividade, levando o estudante a pensar de maneira inovadora.
Na última fase, o estudante põe em prática as propostas elaboradas pelo
grupo e desenvolve um novo produto, cria um novo serviço ou transforma uma
realidade, como reflexo concreto daquilo que foi apreendido e que retorna para
a realidade observada.
No trabalho do professor identificamos os seguintes passos:

 Supervisão do projeto, mas com autonomia para os aprendizes;


 Monitoramento das etapas necessárias ao trabalho
 Identificação das necessidades teóricas (junto com os estudantes)

A partir do momento em que as necessidades são identificadas, os próprios


estudantes são capazes de determinar o que precisa ser fundamentado do ponto
de vista teórico. Ao professor, cabe direcionar o conteúdo de acordo com seus
objetivos pedagógicos.
Nesse momento surge uma questão importante: quais projetos podem ser
desenvolvidos com nossos estudantes? As sugestões são inúmeras:

 Montagem/abertura de empresas farmacêuticas;


 Planejamento de áreas específicas (Farmácias hospitalares e de manipu-
lação, drogarias, laboratórios de análises clínicas etc.);
 Desenvolvimento de novos produtos (medicamentos, cosméticos, ali-
mentos);
 Melhorias de serviços e processos (atendimento em drogarias, gestão
em farmácias hospitalares, melhoria na coleta de exames laboratoriais,
seleção de novas tecnologias analíticas, outros);
 Elaboração de protocolos de atendimento e de atenção farmacêutica;
 Criação de material educativo.

6.4 Projetos como Metodologia de Ensino e Aprendizagem

Os projetos podem ser breves (ter duração de aproximadamente quatro se-


manas), bimestrais ou semestrais. Podem também ser uni ou multidisciplinares.
O tempo destinado ao projeto determina o grau de participação dos estudantes
na escolha do tema. Quanto maior o tempo disponível para sua construção,

130
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

maior a abertura em relação a temas e possibilidades. O tempo baliza também a


escolha dos assuntos que serão aprofundados. É fundamental que esses assuntos
surjam das necessidades apontadas pelos próprios estudantes, durante discus-
sões em sala de aula. Ao professor cabe direcioná-los de acordo com seus ob-
jetivos pedagógicos. APP é uma tendência no ensino superior, pois proporciona
maior objetividade no processo deensino-aprendizagem, estimula o trabalho em
equipe e a interdisciplinaridade.
Para garantir o sucesso da estratégia é fundamental a observância dos se-
guintes critérios:

 Autenticidade = Os projetos devem partir da observação da realidade e ter


aplicabilidade no mundo real.
 Originalidade = As propostas devem ser inéditas, lançando um novo olhar
sobre a realidade.
 Rigor acadêmico = A APP valoriza a construção do saber acadêmico, in-
centiva o uso de linguagem científica e privilegia a pesquisa.
 Aprendizagem aplicada = Todo projeto deve resultar em uma possibilida-
de concreta e palpável de aprendizagem.
 Exploração ativa = A pesquisa na APP estimula a curiosidade e cria no
estudante uma postura pró-ativa na construção do saber.
 Conexão profissional = A elaboração do projeto aproxima o estudante da
realidade, da linguagem técnica, da postura profissional e reforça sua
identidade farmacêutica.
 Avaliação coerente = A transparência no momento da avaliação, com
critérios justos e pré-estabelecidos é fundamental para se alcançar os
resultados desejados.

Uma armadilha que deve ser evitada, pois condena a APP ao insucesso, é
nivelar a tarefa por baixo, julgando os estudantes pouco competentes ou des-
preparados para o trabalho. Quanto mais desafiador for o projeto melhores serão
os resultados.
A APP inova ao propor um planejamento que começa pelo fim. Para a cons-
trução do projeto precisamos pensar onde queremos chegar, com um olhar vol-
tado para a realidade profissional do estudante, para a comunidade e principal-
mente para a saúde do cidadão. Para a primeira aproximação é fundamental uma
postura empreendedora, que valoriza e estimula a proatividade, a autonomia e a
responsabilidade.
Alguns determinantes devem ser observados para que a APP traga os melho-
res resultados:

131
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

 Estudantes “mais velhos” – O sucesso da APP depende de uma identidade


profissional, que é conquistada depois de alguns semestres no ensino
superior.
 Maturidade – A autonomia necessária para o desenvolvimento do projeto
requer um estudante mais maduro.
 Disciplinas específicas - As disciplinas que contemplam as áreas de atua-
ção do farmacêutico costumam apresentar melhores resultados na cons-
trução de projetos.
 Centro da disciplina – O projeto deve ser obrigatoriamente, o eixo orien-
tador e organizador da disciplina.
 Regras claras – O primeiro momento de construção do projeto é a apre-
sentação das regras que vão conduzi-lo. Os estudantes devem ser apre-
sentados a todos os critérios para a elaboração e de avaliação a que
estarão submetidos.
 Avaliações em grupo e individuais – Considerando-se a amplitude de
objetivos e propósitos dos projetos é importante que as avaliações acon-
teçam tanto em grupo quanto individualmente.

As avaliações, aliás, representam um ponto crucial para o sucesso da APP.


Nesse quesito é fundamental observar que:

 Todas as habilidades a serem desenvolvidas sejam avaliadas;


 O roteiro de avaliação seja previamente apresentado aos estudantes;
 Os estudantes conheçam o valor das avaliações; os critérios que vão ser
avaliados em grupo e aqueles que serão avaliados individualmente.

Dentre os critérios a serem avaliados pode-se destacar:

 Conhecimento – O principal aspecto a ser avaliado refere-se à capacidade


de construção dos conhecimentos diante das situações complexas que se
apresentam durante a elaboração do projeto;
 Compreensão – As leituras e pesquisas relacionadas à elaboração do pro-
jeto demandam um processo de compreensão que deve ser avaliado no
contexto do processo.
 Aplicação - Os estudantes “traduzem” as informações coletadas e devem
ser capazes de aplica-las em diferentes contextos;
 Análise
 Síntese

132
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

 Apresentação e uso adequado dos recursos visuais - Os estudantes, por


apropriarem-se do conhecimento, devem ser capazes de fazer apresen-
tações orais para “defesa” de seus projetos. A tecnologia da informação
deve ser usada para incrementar esses momentos.
 Originalidade/Criatividade – Uma vez que são requisitos fundamentais
para a APP.
 Completude
 Diversidade de fontes de informação – Os estudantes devem ser recom-
pensados pela busca ativa de informações, em fontes selecionadas e
científicas.
 Correção e ética – Uma postura reta, compatível com os princípios éticos
que norteiam a profissão precisam ter um espaço privilegiado na avalia-
ção do projeto.
 Adequação
 Pontualidade/cumprimento de prazos e uso do tempo com eficiência.
 Assiduidade
 Comprometimento
 Responsabilidade
 Cumprimento das tarefas

A APP impõe ao professor uma grande carga de planejamento. São necessá-


rios:

 Organização de tarefas e atividades = Quanto maior o grau de detalha-


mento, maior a possibilidade de sucesso do professor.
 Divisão de tarefas
 Cronograma aula a aula - a ser apresentado aos estudantes no primeiro
dia de aula.
 Sistema rigoroso de controle de entrega de material – que é essencial
para uma avaliação justa e coerente.
 Atribuição de nota para pontualidade
 Estabelecimento de penalidade para atrasos
 Feedback semanal – Os estudantes precisam de um retorno rápido, pois
todos os passos dependem de uma avaliação positiva da etapa anterior.

Um ponto importante a ser lembrado é que a afetividade é um elemento fa-


cilitador da APP, éum ingrediente fundamental para esse processo. Esse recurso

133
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

nos permite conquistar o estudante, nos aproximar dele. A afetividade remete


invariavelmente a respeito, por isso vale lembrar a importância de valorizar o
estudante, seus saberes, sua história e seu repertório durante a avaliação.
A fase final do projeto é a apresentação do resultado, que pode ser um
novo produto, serviço, uma melhoria de processo ou uma transformação social.
Esse momento deve ser cercado de muito “glamour”. Para a apresentação final,
recomenda-se convidar outras turmas, vários professores e, sempre que possível,
profissionais das áreas contempladas. Esses farmacêuticos podem ser convidados
a compor um júri externo, que auxilia o professor na avaliação do projeto. A ideia
é reproduzir, dentro dos limites possíveis, o clima de um evento profissional.
Sob essa perspectiva, é válido oferecer aos estudantes, além da nota, uma
premiação, mesmo que simbólica. Valem: diplomas, medalhas, troféus, faixas,
tudo aquilo que remeta a um diferencial. Não necessariamente precisa-se “esca-
lonar” os projetos. Caso o professor julgue interessante, todos os grupos podem
ser premiados, mesmo que em categorias diferentes, como por exemplo: aplica-
bilidade, criatividade, originalidade, apresentação, entre outros.

6.5 Projetos no Contexto do Ensino Superior

Na prática docente, projetos pode ser uma técnica educacional ou uma me-
todologia de ensino-aprendizagem. Enquanto técnica pode ser definida como
um instrumento ou ferramenta utilizada no processo de ensino e aprendiza-
gem. Como metodologia compreende o conjunto, quando define os tipos de
abordagens de conteúdo, as técnicas didáticas utilizadas, os recursos didáticos
envolvidos, a estrutura das aulas e do curso, as atitudes e postura do professor
ao organizar e acionar os referidos elementos, e as ferramentas de avaliação da
aprendizagem. Neste capítulo, projetos será considerada uma metodologia de
ensino-aprendizagem uma vez que compreende todas as etapas do processo de
aprendizagem, desde o planejamento até a avaliação educacional.
Promover a formação acadêmica e profissional por meio da APP é uma das
abordagens inovadoras surgidas nos últimos anos, que está ocupando cada vez
mais espaço no ensino. É uma metodologia condizente com as demandas e ne-
cessidades sociais, uma vez que, projetos como ferramenta de gestão é uma
técnica muito utilizada para formalizar processos administrativos em ambientes
empresariais e de negócios. Em ambientes empresariais qualquer alteração ou
implementação de rotina, aquisição de nova tecnologia, ampliação de quadro de
colaboradores, investimento para aumento de produtividade, dentre outras, deve
ser suportada por um projeto de gestão. Assim, a experiência de trabalhar com
APP em ambientes acadêmicos subsidia a preparação do egresso para atuar no
mercado profissional.

134
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Nessa abordagem, os projetos se constituem em planos de trabalho e con-


junto de atividades que podem tornar o processo de aprendizagem mais dinâ-
mico, significativo e interessante para o aprendiz, deixando de existir a impo-
sição dos conteúdos de maneira autoritária. A partir da escolha de um tema, o
aprendiz realiza pesquisas, investiga, registra dados, formula hipóteses, analisa,
aplica e avalia o artefato construído.
Em um projeto, a responsabilidade e a autonomia dos aprendizes são es-
senciais. Os aprendizes são co-responsáveis pelo trabalho e pelas escolhas rea-
lizadas ao longo do desenvolvimento do projeto. Em geral, essas escolhas são
realizadas em equipe, motivo pelo qual a cooperação está também quase sempre
associada ao trabalho de projetos. A cooperação é necessária uma vez que o
desenvolvimento de um projeto envolve complexidade e resolução de problemas.
O objetivo central do projeto constitui um problema que exige o planejamento e
a execução de uma ou mais atividades para sua resolução.
Com a experiência adquirida na APP ao longo da vida acadêmica, os estu-
dantes aprendem a criar e estruturar projetos, desde a definição dos objetivos,
as análises, as teorias, os experimentos, as sínteses, as soluções possíveis e as
aceitáveis, o cronograma e controle de prazos, até as conclusões, a avaliação e
as consequências. Existe uma correlação dinâmica entre a prática estudantil e o
mercado profissional.
Na aprendizagem por projetos, o estudante pode propor a resolução de um
problema real ou criar um projeto para a pesquisa e desenvolvimento de um novo
produto como cosmético, alimento, kit reagente ou nova forma medicamentosa,
como uma ração medicamentosa para uso veterinário. Ou ainda, pode propor a
melhoria de uma rotina ou processo num ambiente profissional. Deste modo,
projetos podem ser empregados em disciplinas tecnológicas, como tecnologia
de alimentos, cosméticos ou medicamentos, integrado com outras disciplinas ou
mesmo com estudantes de outros cursos como engenharia, nutrição, medicina
ou medicina veterinária.
Assim como problematização, a APP é uma excelente metodologia para in-
tegração ensino-serviço-comunidade e ensino-pesquisa. Os projetos podem estar
relacionados com cuidados ao paciente, promoção de saúde, acompanhamento
farmacoterapêutico, atuação do farmacêutico no Programa da Saúde da Família,
qualidade de vida, meio ambiente, sustentabilidade e podem ser utilizados desde
o primeiro semestre do curso. Contudo, a estruturação dos objetivos torna-se
mais complexa com a evolução do curso. Assim, projetos em fazes intermediárias
ou finais tendem a ser mais elaborados que de primeiro ano, por exemplo. Em
pesquisa, basta lembrar que os estudantes devem elaborar projetos de iniciação
científica e projetos de pesquisa para adentrar à pós-graduação e solicitar uma
bolsa de estudo ou verbas de fomento.

135
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Como metodologia de ensino, a APP pode ser estruturada nas seguintes


etapas:

 Definição do tema: Os estudantes devem definir com liberdade de esco-


lha. Dever ser uma ideia criativa, inovadora e prazerosa.
 Objetivos: Devem ser claros e práticos com foco na aprendizagem inter-
disciplinar. Quais resultados desejam-se obter com o projeto?
 Formação profissional: Para que os projetos tenham um viés acadêmico
e não somente prático – “aprender a fazer”, devem ser definidas as com-
petências, habilidades, atitudes e valores que serão desenvolvidos nas
várias etapas.
 Teorização (questões orientadoras): Devem orientar os estudos e a inves-
tigação. Serem abertas, integradoras, desafiadoras e motivadoras.
 Materiais e metodologia: Onde desenvolver o projeto? Quais os métodos
utilizados? Onde obter materiais? Quais equipamentos e infraestrutura
são necessários? Estes itens podem ser redefinidos durante o projeto.
 Resumo temático: Elaborado pelos estudantes, deve ser uma síntese das
propostas estabelecidas. É essencial para que os estudantes não se des-
viem dos objetivos.
 Organização de tarefas e atividades: O que deve ser feito primeiro? Qual
a duração do projeto? Montar cronograma com reuniões, ações, compro-
missos, metas e prazos. O professor acompanha o cronograma e o ritmo
do projeto. O cronograma deve ser estabelecido no início do semestre ou
no primeiro dia de aulas.
 Liderança: Rodízio de líderes e relatores. Todos os estudantes deverão
assumir posição de liderança durante o projeto.
 Avaliação: Deve ser transparente e completa, avaliando os domínios cog-
nitivos, psicomotores e sócio afetivos. Os professores e organizadores
devem definir como serão feitos o acompanhamento e a avaliação das
etapas do projeto. Como serão medidos os efeitos do projeto? Como será
transmitido o que se aprendeu?

A formação das equipes ou grupos deve envolver 06 (seis) membros e ser de


livre iniciativa dos aprendizes. Contudo, o facilitador deve evidenciar a possibi-
lidade de utilização de uma técnica que facilite a formação, como por exemplo,
a técnica de seleção do fraco-forte, de modo que haja uma compensação.
A motivação, o desafio, o comprometimento, a criatividade e a inovação são
marcantes nesta metodologia. Ao final, o estudante terá em mãos um projeto

136
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

idealizado e desenvolvido por ele, muitas vezes aplicável à realidade, que po-
derá ser apreciado com muita expectativa pelo empregador. É comum o egresso
ser contratado baseado nos seus projetos desenvolvidos durante a vivência no
ensino superior. Para o estudante trabalhador, o projeto também pode ser uma
oportunidade de mostrar sua melhoria de formação, uma vez que pode usar de
assuntos associados ao seu ambiente profissional.
Além do viés empreendedor, a APP também pode ser uma metodologia re-
volucionária para aprimorar a formação profissional em saúde pública. Os pro-
jetos podem ter forte cunho social e contemplar, por exemplo, a melhoria dos
procedimentos e serviços em ambientes públicos. Alinhar a metodologia com as
orientações governamentais para a formação de profissional na área da saúde,
incluindo os programas Pró-Saúde, PET-Saúde e residências multiprofissionais,
pode permitir alcançar resultados mais promissores.

6.6 Considerações Finais

Sem dúvida, a Aprendizagem por Projetos representa uma ferramenta de


grande valia para o docente em Farmácia. À médio prazo, os projetos tendem a
crescer nas faculdades, conquistando novos professores e transformando-se em
realizações interdisciplinares. Com alguma dose de utopia podemos pensar, no
futuro, em projetos multiprofissionais, permitindo criar em nossos estudantes
uma perspectiva real do trabalho em equipe na Saúde.
Atualmente, no Curso de Farmácia da Universidade Anhembi Morumbi, 3
disciplinas foram transformadas em aprendizagem por projetos: Montagem e
Administração de Drogarias e Farmácias, Tecnologia de Cosméticos e Tecnolo-
gia de Alimentos. Nestas disciplinas não há mais aulas expositivas e todos os
conteúdos foram inseridos nos projetos onde os estudantes deverão estudar para
construir o projeto e alcançar os resultados propostos.
De concreto, temos hoje estudantes motivados, responsáveis pela constru-
ção de seus saberes, criando uma forte identidade profissional, desenvolvendo
uma postura ética e científica e resgatando seu papel de relevância junto à
sociedade. Ao seu lado, nós professores, orgulhosos da nossa mediação, recom-
pensados pelos resultados e encantados com o poder de transformação que en-
xergamos em nossos alunos.

137
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

6.7 Bibliografia Consultada

ARAÚJO, U.L.; SASTRE, G. – Aprendizagem Baseada em Problemas no Ensino Superior. São Paulo,
Summus Editorial, 2009.
Buck Institute for Education – Aprendizagem Baseada em Projetos, 2ª edição. Editora Artmed,
2008.
GRAFF, E.; KOLMOS, A. – Management of change – Implementation of problem-based and projet-
based learning in ingineering. Roterdã: Sense Publishers, 2007.
KRISTEN, W. - Project-Based Learning Around the World. Learning & Leading with Technology,
2007. Http://www.iste.org/Content/NavigationMenu/
EducatorResources/YourLearningJourney/ProjectBasedLearning/PBL-around-the-world.pdf. Aces-
so em 11/01/2010.
KURZEL, F.; RATH, M. - Project Based Learning and Learning Environments. Issues in Informing
Science and Information Technology, v.4, p.503-507, 2010.
MOESBY, E. – Implementing project oriented and problem-based learning - POPBL – in institu-
tions or sub-institutions. World Transactions on Engineering and technology Education, v.5,
p.45-52, 2006.
SANTORO, F,.M; BORGES, M.R.S.; SANTOS, N. - Modelo de Cooperação para Aprendizagem Baseada
em Projetos: Uma Linguagem de Padrões. http://equipe.nce.ufrj.br/mborges/publicacoes/
SLPlop.pdf. Acesso em 11/01/2010.
TEIXEIRA, S.G.; SILVA, R.P.; SILVA, T.L.K.; HOFFMAN, A.T. - Implementação da aprendizagem basea-
da em projetos na geometria descritiva. 2007. http://www.degraf.ufpr.br/artigos_graphica/
IMPLEMENTACAO.pdf. Acesso em 11/01/2010.
THOMAS, J. - A review of research on project-based learning. Relatório técnico. Autodesk Founda-
tion, 2000. http://www.autodesk.com/foundation Acesso em 18/07/2008.

138
Capítulo 7
Avaliação da Aprendizagem Baseada em Problemas
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

7 - Avaliação da Aprendizagem Baseada em Problemas


Autoras: Angela Salvi
Flávia Morais

A avaliação é a mediação entre o ensino do professor e as


aprendizagens do professor e as aprendizagens do aluno, é o fio
da comunicação entre formas de ensinar e formas de aprender.
É preciso considerar que os alunos aprendem diferentemente,
porque têm histórias de vida diferentes, são sujeitos históri-
cos, e isso condiciona sua relação com o mundo e influencia
sua forma de aprender. Avaliar, então, é também buscar infor-
mações sobre o aluno (sua vida, sua comunidade, sua família,
seus sonhos...) é conhecer o sujeito e seu jeito de aprender.

Paulo Freire

7.1 Introdução

Este guia é um instrumento de orientação para as atividades do tutor/pre-


ceptor e tem o objetivo de colaborar com os diversos momentos da avaliação da
aprendizagem, com os quais esses sujeitos se deparam diariamente, abrangendo
a função de emitir juízo de valor a respeito da realidade apresentada pelos estu-
dantes sob sua responsabilidade.
Esperamos que a leitura aqui proposta seja um referencial importante para o
esclarecimento de possíveis dúvidas que possam surgir ao longo do processo de
avaliação da aprendizagem.
Lembramos que nenhuma das abordagens sobre a temática apresentada se esgo-
ta aqui. Por isso, orientamos sempre a sua busca para esclarecer possíveis dúvidas.
Quais são os objetivos (geral e específicos) traçados para esse guia sobre
avaliação da aprendizagem?

a) Objetivo Geral
Promover o aprofundamento sobre a avaliação da aprendizagem da Ins-
tituição de Ensino Superior (IES), através de reflexões críticas sobre as
fundamentações teóricas que orientam a proposta ABP.

b) Objetivos Específicos
• Aprofundar os conhecimentos teórico-conceituais básicos na área de
avaliação;

141
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

• Ampliar o desenvolvimento crítico reflexivo sobre os critérios de ava-


liação utilizados nos instrumentos da avaliação;
• Adquirir maior apropriação a respeito das estratégias e dos vários
instrumentos utilizados para a avaliação da aprendizagem.

7.2 Avaliação da Aprendizagem nos Diferentes Ambientes do ABP

Introduzindo o tema de avaliação é importante destacar que os processos de


ensino e aprendizagem estão intimamente articulados ao processo de avaliação,
os quais se fundamentam em várias concepções. A discussão sobre avaliação e
as perspectivas de inovação nesse campo têm provocado debates e reflexões no
meio acadêmico.
Nesse princípio, a avaliação deve ser vista como um meio para a percepção,
o diagnóstico e a análise dos avanços e dificuldades no processo de ensino –
aprendizagem, e não como fim, em si mesma. Não adianta ter os registros das
produções da aprendizagem dos estudantes e não identificar as possíveis inter-
venções em relação a eles, principalmente quando nos apontam dificuldades
nessa construção. Afinal, para que avaliamos?

Avaliamos para
conhecer a
realidade em foco.

Indo por esse caminho, com relação aos desenhos curriculares que tomam
como referência os princípios da metodologia ativa e, consequentemente, mu-
danças no perfil profissional dos estudantes, torna-se imprescindível ressaltar
que os pressupostos que fundamentam essa teoria devem conduzir os objetivos
de aprendizagem, os métodos de ensino-aprendizagem e as atividades de ava-
liação, para que de forma articulada possam dar suporte aos estudantes a fim de
que alcancem objetivos definidos, desenvolvendo, assim, atividades de avaliação
que possibilitem a obtenção dos resultados desejados.
É nesse cenário que a discussão acerca da avaliação do ensino e da aprendi-
zagem intensifica-se. Discussão essa que se insere no debate da crise do modelo

142
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

educacional predominante, que propõe o ensino como centro do processo, no qual


o professor se propõe a ensinar de forma linear e pontual, cabendo a cada estu-
dante, unicamente, independente do seu perfil, a responsabilidade de aprender.
Esse padrão vem sendo superado e substituído influenciado pelos prin-
cípios da aprendizagem significativa, que parte do conhecimento pré-
vio do estudante e onde o aprender a aprender é a principal estratégia.
É nessa proposta pedagógica que os cursos que escolhem métodos de en-
sino referenciados pelos princípios da metodologia ativa ancoram-se, pois está
voltada para a formação integral do estudante, que requer um acompanhamento
processual, contínuo e cumulativo da construção do conhecimento, habilidades
e atitudes, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), nº 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, estabelece em seu Art. 24. Parágrafo V que a verificação do rendimen-
to escolar observará os seguintes critérios: a) avaliação contínua e cumulativa
do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os
quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas
finais. Com esse texto, a LDB fortalece a proposta da avaliação formativa, que
flexibiliza o valor da nota/conceito final e deixa claro, que um teste cognitivo,
isoladamente, não pode e não deve refletir o todo da formação de um sujeito.
Diante dessas premissas, as quais corroboramos, convidamos a fazer
uma reflexão sobre a atitude avaliativa que vimos tomando diante da apren-
dizagem dos nossos estudantes. Para isso, precisamos perguntar: O que é
avaliar? Por que avaliar? Para que avaliar? Quanto avaliar? Como avaliar?

[...] desde o início do processo civilizatório houve al-


guma forma de avaliação. Ousaríamos dizer que a
avaliação surgiu com o próprio homem, se entender-
mos por avaliação a visão apresentada por Stake – o
homem observa o homem julga, isto é, avalia.

7.3 O que é Avaliar?

De acordo com Luckesi, a avaliação deve refletir um julgamento de valor so-


bre a realidade, com intenção de tomada de decisão. Destacam-se desse modo:
a realidade a ser avaliada (o objeto da avaliação), os padrões de referência (os
critérios), e o juízo valor (valor atribuído aos estudantes).
Para além da verificação de objetivos, considera-se que na avaliação há
uma descrição com um julgamento onde se destacam os objetivos de ensino.
Perrenoud contribui com essas reflexões, por seu lado, considerando que a ava-
liação participa na gênese da desigualdade existente ao nível da aprendizagem

143
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

e do êxito dos estudantes. A avaliação da aprendizagem, na sua forma atual,


favorece uma avaliação de caráter normativa, que contribui para favorecer as
desigualdades sociais e culturais, sem permitir uma referência singular.
Posteriormente, encontramos a reflexão quanto à importância da avaliação
como diagnóstico (o que o estudante sabe, o que ainda não sabe, o que precisa
saber) e a intervenção de acordo com as dificuldades identificadas no percurso
formativo, pois só vale a pena avaliar se for para tomar decisões a respeito
dos resultados. A avaliação é um processo que permite colocar sobre a mesa as
nossas concepções sobre a sociedade, sobre a escola, sobre a educação, sobre o
trabalho dos professores”.
E então, agora que nos aproximamos de alguns conceitos de avaliação, po-
deremos perguntar:

Quais as suas
Qual o seu
experiências
conceito de
como avaliado
avaliação?
e avaliador?

Reflita sobre isso, antes de seguir adiante, pois essas reflexões serão impor-
tantes para as suas atitudes diante do processo de avaliação dos seus estudan-
tes.
Dando continuidade ao nosso tema, por que avaliar? Será que é importante ava-
liar? Ou melhor, para que se avalia?
Se a avaliação da aprendizagem tem a finalidade de diagnosticar as fragilidades
e potencialidades na construção de conhecimento e, a partir das informações,
tomar a decisão de como ajudar a superar as possíveis fragilidades encontradas,
então, avaliar é uma das etapas mais importantes do processo ensino-aprendi-
zagem.
Ao se concordar que a finalidade do processo de ensino – aprendizagem é a
de que o estudante aprenda, vamos precisar de estratégias e instrumentos que
nos ajudem a identificar se eles estão aprendendo. E ao se escolher um método
de aprendizagem, baseado nos princípios da metodologia ativa, essas estraté-
gias e instrumentos precisam ser coerentes com essa opção.
Diante disso, será que essa é a finalidade das provas cognitivas? E se é, será
que ela nos oferece subsídios suficientes para saber como o estudante aprendeu
os conhecimentos e habilidades que ele precisa para aquela determinada fase/
período?

144
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Desse modo, será que as provas, por si só, tem potencial para subsidiar de-
cisões no sentido de superar dificuldades e avaliar as habilidades e atitudes, que
articulados aos conhecimentos construídos de forma teórica, podem e devem
revelar o perfil de competência esperado para aquela área temática curricular?
Ao tentarmos responder essa pergunta, devemos considerar que as provas,
por elas, só podem avaliar uma parte da estrutura cognitiva que é o conhecimen-
to elaborado da forma escrita, por suas limitações (tempo e forma).
Então, é possível, que o leitor esteja se perguntando: como controlar os
estudantes para que estudem se não através das provas? Será que o estudante
estudará se não tiver prova?
Não se trata de abolir a prova ou teste cognitivo, mas de compreender que
estes não podem ser os únicos instrumentos de avaliação, quando a proposta é
de formação integral, baseada em princípios ativos de aprendizagem. Geralmen-
te, fazemos perguntas de controle para garantir que o estudante estude, mas
precisamos de novas perguntas para novas situações. Vejamos:
Será que as estratégias de avaliação planejadas, conseguem fornecer um
diagnóstico aproximado do quanto o estudante conseguiu aprender?
Será que os instrumentos estão elaborados de forma adequada para que se
possa identificar as dificuldades que ainda permanecem, a partir do que elabora-
mos, ao final de cada processo, e os quais julgamos pertinentes?

Essas perguntas mudam a abordagem!


O processo está em jogo,
não só o estudante!

É preciso cuidado para não se cair na antiga armadilha do autoritarismo. O


tutor tem em suas mãos o poder oficial de aprovar e reprovar. Para ameaçar e
submeter os estudantes basta se utilizar deste poder, que é exercido frequente-
mente nos espaços de ensino.
Pensamos que é necessário buscar caminhos mais coerentes com o que vi-
mos discutindo durante o nosso caminhar. Entre muitos outros, um deles é fazer
da avaliação, verdadeiramente avaliação, com função não só somativa, mas tam-
bém formativa, comprometida com o acompanhamento sistemático do processo
e, a partir dos resultados, tomem-se decisões transformadoras diante as fragili-
dades identificadas.

145
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

A partir das nossas construções até o momento, é possível verificar que


a avaliação não é um processo no qual se deve ter apenas o domínio das téc-
nicas avaliativas. O tutor/preceptor precisa refletir acerca de algumas ques-
tões: Quem julga? Por que e para que se julga? Quais os aspectos da realidade
que devem ser julgados? Deve-se partir de que critérios? Esses critérios se
baseiam em quê? A partir dos resultados do julgamento, quais são os tipos
de decisões tomadas?
O Projeto Pedagógico de Curso deve ser o instrumento norteador das
estratégias de avaliação da aprendizagem, pois nele constam os referenciais
filosóficos, metodológicos e as diretrizes curriculares, os quais devem ser
debatidos e construídos coletivamente com os tutores e demais sujeitos da
comunidade acadêmica, que são estratégicos para esse fim. A partir dessas
informações serão identificados meios e instrumentos para servirem de fonte
diagnóstica da aprendizagem.
Por concordarmos que a avaliação transcende a dimensão técnica de
conteúdos para uma percepção que inclui opções, escolhas, ideologias, cren-
ças, posições políticas, vieses e representações, é necessário que os critérios
através dos quais será julgada uma realidade sejam claramente estabelecidos
e compartilhados com quem será avaliado. Eles deverão estar elaborados de
acordo com os objetivos traçados para aquele cenário de aprendizagem.
Ressalta-se que partindo da concepção de que a avaliação da aprendiza-
gem não é um julgamento de valor apenas acerca do estudante, mas também
acerca da prática do tutor e curricular, que tem como resultado a aprendiza-
gem do estudante, é necessário que nas estratégias de avaliação sejam consi-
derados critérios que consigam informações a respeito dos diversos cenários
envolvidos nesse processo, para uma tomada de decisão que tenha potencial
de intervenção transformadora. Segundo Paulo Freire, a avaliação não é um
ato pelo qual A avalia B, mas sim um processo pelo qual A e B avaliam uma
prática educativa.

Nesse sentido, Manuel e Méndez (2002) nos dizem


que: “A avaliação deve ser um exercício transpa-
rente em todo o seu trajeto, no qual seja garantido
a publicidade e o conhecimento dos critérios que
serão aplicados. Na avaliação, os critérios de va-
lorização e de correção deverão ser explícitos, pú-
blicos e publicados, negociados entre o professor e
os alunos.”

146
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

7.4 Modelo de Avaliação Orientado por Metodologias Ativas


de Aprendizagem

O sistema de avaliação, numa concepção ativa de aprendizagem, objetiva


em seu processo avaliativo operacional mensurar as competências nos eixos
cognitivos, psicomotor e afetivo de modo articulado, contínuo e sistemático,
incluindo, ainda, em sua proposta, o acompanhamento de todas as demais va-
riáveis envolvidas no processo de ensino e aprendizagem, utilizando métodos
coerentes com os princípios psicopedagógicos e sociais expressos no currículo.
A proposta pedagógica deverá estar voltada para a formação de competên-
cias pelo estudante, na perspectiva de desenvolver processos que os mobilizem
para o enfrentamento de problemas concretos do cotidiano do trabalho em saú-
de, desencadeando na sua dinâmica e nos espaços de reflexão teórico/prático.
Nesse contexto, é preciso a adoção de um sistema de avaliação que deve
ser visto como um meio para a percepção, diagnóstico e análise dos avanços e
dificuldades na vida acadêmica e tomadas de decisões a partir dos resultados
obtidos.
Coerente com o Projeto Pedagógico da IES, o processo avaliativo pode ser
promovido por diversas abordagens (figura 14), pois considera o fato de que toda
avaliação tem um caráter subjetivo, pois emite julgamento de valor e, com isso,
deverá se fundar na ética assegurando o respeito tanto aos sujeitos envolvidos,
como à comunidade, na perspectiva do desenvolvimento e do bem-estar de todos.

Figura 14 – Modelo de avaliação da aprendizagem.

De acordo com o modelo acima instituído no processo avaliativo, é possível


perceber que ele se fundamenta numa perspectiva de avaliação que cumpre pelo
menos duas funções: formativa e somativa.

147
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

A avaliação formativa pode ser entendida como toda prática de avaliação


contínua que pretenda melhorar as aprendizagens em curso, contribuindo para
o acompanhamento e orientação dos estudantes durante todo seu processo de
formação. É formativa toda a avaliação que ajuda o estudante a aprender e a se
desenvolver, que participa da regulação das aprendizagens e do desenvolvimento
no sentido de um projeto educativo.
Portanto, avaliar várias vezes durante o processo de ensino-aprendiza-
gem e não tomar decisões a respeito dos resultados dessas avaliações, não
é formativo, necessitando-se de intervenções adequadas a cada necessidade
percebida a tempo de prevenir e garantir a superação das dificuldades. Estas
podem não só ser do estudante, mas do tutor, do conteúdo, das ferramentas
e estratégias de mediação e, também, por que não, dos instrumentos de ava-
liação utilizados.
Do outro lado, a avaliação somativa tem o caráter classificatório, ao final
de um processo, quando é emitida uma nota, um conceito, um parecer, que a
caracteriza como julgamento de valor sobre algo ou alguém. Assim, sabendo que
toda avaliação é classificatória, o importante é que ao emitir um julgamento,
ele seja fundamentado através de várias fontes de informações sobre o objeto /
sujeito a ser avaliado.
Com a intenção de esclarecer, vamos agora especificar melhor as formas de
avaliação nos diversos ambientes de aprendizagem utilizados no método ABP e
com isso também sugerir os parâmetros para esta avaliação:

Os parâmetros são:
Muito satisfatório 5
Satisfatório 4
Pouco satisfatório 3
Insatisfatório 2
Muito insatisfatório 1

7.5 Avaliação nos Grupos Tutoriais

Avaliação nos grupos tutoriais – acontece a cada encontro. Nesses encon-


tros o tutor, através de sistema on line, avalia o estudante a partir de critérios
pré-determinados de acordo com o que se espera a ser desenvolvido em um
grupo tutorial. Os estudantes, individualmente, acompanham esta avaliação.
Quais são os critérios para avaliação no grupo tutorial?

148
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Q1 - pontualidade (considerar 1 ou 5).


Esse critério tem suscitado muitas dúvidas a respeito do que venha a ser
pontualidade dentro dos parâmetros estabelecidos (1 a 5). Recomendamos que
para evitar muitas distrações, sejam considerados 1 para quem não chega na
hora estipulada para começar as atividades dos grupos tutoriais e 5 para os que
chegam.
E ponto final! Afinal pontualidade é pontualidade. O que é pontualidade?
Segundo o dicionário, pontualidade é a qualidade do que é pontual, rigoroso
com o tempo.

Q2 - uso do conhecimento prévio para explicar o problema (considerar se o


estudante aplicou o conhecimento prévio na discussão do problema) – (princípio
da aprendizagem contextualizada).
O uso do conhecimento prévio é considerado pela teoria da aprendizagem
significativa de Ausubel, como o fator isolado mais importante na determinação
do processo de ensino. Os teóricos cognitivistas, nos quais ancoramos nossa
concepção de aprendizagem, corroboram com isso, pois acreditam que existe na
mente do indivíduo uma estrutura na qual a organização e a integração se pro-
cessam para dar significado ao novo conhecimento. Novas ideias e informações
podem ser aprendidas e retidas na medida em que conceitos, ideias ou propo-
sições relevantes e inclusivos estejam adequadamente claros e disponíveis na
estrutura cognitiva do indivíduo e, dessa forma, funcionam como “ancoradouro”
para novas ideias, conceitos ou proposições.

Q3 - participação no fórum e contribuição com as informações (considerar


se o estudante contribuiu com as discussões no fórum participando da constru-
ção do conhecimento com o grupo) – (princípio da aprendizagem colaborativa).
Considerando que a estratégia de utilizar o fórum como mais um recurso de
aprendizagens significativas, é importante acompanhar as contribuições dos es-
tudantes com a construção do conhecimento nesse ambiente. Colaborar significa
acrescentar para o grupo a partir de outras leituras (referenciadas), que venham
dar continuidade ao que já foi iniciado no grupo tutorial e que contribua signi-
ficantemente para a resolução do problema.

Q4 - bom desempenho da função no grupo como: coordenador, secretário ou


membro (considerar se o estudante seguiu as orientações dos papéis desempe-
nhados contribuindo para a construção coletiva do conhecimento) – (princípio
da aprendizagem colaborativa).
Esse critério pode ser bem objetivado à medida que há clareza por parte de
todos, quanto aos papéis de cada um no grupo.

149
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Papel do coordenador (estudante)


Papel do secretário (estudante)
Papel dos demais participantes (membros) (estudantes)

Q5 - exposição de ideias de forma sintética, clara e organizada no grupo


(considerar se o estudante apresentou questões claras de aprendizagem de forma
a facilitar o entendimento do grupo sobre o tema) - (princípio de aprendizagem
auto-dirigida).
Nesse critério, pretendemos perceber se o estudante consegue comunicar o
que esta compreendendo do novo conhecimento e se consegue fazer-se entender
pelos demais membros. Envolve questões de textualidade, oralidade e intertex-
tualidade.

Q6 - interação harmônica com os demais membros do grupo. (considerar se


o estudante teve relação positiva com o grupo – receptividade aos feedbacks do
grupo e tutor) – (princípio do relacionamento interpessoal).
Esse critério foi definido por considerar a importância de um clima de em-
patia e compartilhamento entre os integrantes do grupo, para que haja fluência
da aprendizagem. Quando o grupo não se encontra harmônico, percebe-se o
comprometimento dos princípios de aprendizagem que orientam a aprendizagem
baseada em problemas.

7.6 Avaliação Cognitiva (teste cognitivo)

A avaliação dos módulos utilizando o teste cognitivo, geralmente, acon-


tece ao final de cada módulo. No entanto, quando necessário, já visualizamos
a potencialidade de realizá-lo mais vezes durante o módulo, isso quando
identificado pelo NDE e colegiado de curso. Esta estratégia, pode ser adotada
diante de conteúdos densos ou extensos, pois permite aos tutores melhor acom-
panhamento da construção desses conteúdos e aos estudantes melhor aprofun-
damento nos estudos.
Sobre a construção das questões que compõem o teste cognitivo, recomen-
damos que deve ser elaborada pelos tutores e validadas entre seus pares, além
de ser necessário o aval da coordenação de tutor e, também, da coordenação de
curso, antes de serem submetidas aos estudantes.
Uma referência que auxilia na construção dessas questões é a teoria da
Taxonomia de Bloom, pois suporta a proposta do método ABP, que visa uma
aprendizagem que abranja o desenvolvimento dos aspectos cognitivos, afetivos
e psicomotor do estudante, assim como a escala de complexidade de sua aborda-
gem.

150
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Os modelos de questões devem estar coerentes com os conteúdos e objeti-


vos que se pretende atingir, considerando extensão, densidade, complexidade e
tempo.

7.7 Avaliação dos Pares

Na avaliação dos pares, espera-se que os estudantes avaliem os seus pares


de acordo com um instrumento baseado em critérios, no qual ele deverá fazer a
avaliação dos membros que participaram do seu grupo tutorial e fórum.
Ela acontece ao final do módulo, através do ambiente on line, onde o estu-
dante resguarda o seu anonimato. É gerada uma nota a qual comporá a média
do estudante. Esse exercício visa potencializar a capacidade crítica do estudante
com o seu aprendizado e o comprometimento com o do outro e do grupo. Assim,
o estudante desenvolve a habilidade em julgar e amadurece para também ser
julgado dentro de um grupo.
Os estudantes (membro) avaliam seus pares com critérios semelhantes aos
utilizados pelo tutor a cada encontro, mas na visão do estudante:

Q1 - pontualidade (considerar a pontualidade nas atividades do grupo tuto-


rial)
Q2 - uso do conhecimento prévio para explicar o problema (considerar se o
estudante contribui com o conhecimento prévio que possui sobre o conteúdo)
Q3 - participação no fórum e contribuição com as informações (considerar
se o estudante participa dos fóruns interagindo e trazendo contribuições de re-
ferências pesquisadas e ou outras opiniões sobre o debate)
Q4 - exposição de ideias de forma sintética, clara e organizada no grupo
(considerar a importância do foco nos objetivos de aprendizagem e como foi sua
elaboração escrita no fórum)
Q5 - bom desempenho da função no grupo (coordenador, secretário, mem-
bro); (considerar como foi o desenvolvimento destas funções de coordenador,
secretário, membro)
Q6 - interação harmônica com os demais membros do grupo. (considerar se
o estudante se comporta de forma equilibrada respeitando o tempo e o limite de
cada um no próprio desempenho em grupo)

7.8 Autoavaliação

Na autoavaliação, também ao final do módulo, o estudante deverá se autoa-


valiar, o que não é tão simples para jovens em formação e em desenvolvimento
de suas responsabilidades, mas é relevante e necessário com vistas ao compro-
metimento com a sua aprendizagem e formação. Os critérios utilizados devem

151
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

ser os mesmos para avaliação dos pares. No início, pode acontecer resistência
ou pouco comprometimento com uma avaliação responsável e construtiva, mas
com a orientação do tutor que deverá ter um papel importante em consolidar a
função e responsabilidade de cada membro ativo no processo, isso aos poucos
vai sendo superado.
Também ao final do módulo, os estudantes devem avaliar o coordenador
de tutor e o tutor, além do módulo (conteúdo, objetivos de aprendizagem, bi-
bliografia disponível), que são fundamentais para consolidar modificações nas
possíveis fragilidades identificadas.

7.9 Avaliação do Coordenador de Tutor

Devem ser apontados critérios que avaliem o desempenho do coordenador


de tutor quanto ao seu papel (funções), ao estímulo a aprendizagem, as suas
orientações quanto ao alcancem dos objetivos de aprendizagem, além do seu
relacionamento com o grupo e sua conduta profissional.
Critérios propostos:
Q1 – desempenha seu papel quando faz exposição dos módulos e dos casos
dos grupos tutoriais (considerar se a exposição do módulo contribuiu para uma
melhor aprendizagem)
Q2 – estimula ao interesse e curiosidade do estudante (considerar se o coor-
denador de tutor utiliza estratégias para aprendizagem)
Q3 – faz atendimento oportuno às solicitações e as necessidades do grupo/
indivíduo (considerar se o coordenador de tutor soube identificar as necessida-
des do grupo/indivíduo)
Q4 – demonstra objetividade, pertinência e segurança nas intervenções
(considerar se o coordenador de tutor conduziu as orientações com foco nos
objetivos de aprendizagem)
Q5 – relaciona-se e integra-se com o grupo (considerar se o coordenador de
tutor mantém uma atitude de integração e relacionamento com o grupo de forma
harmônica)
Q6 – é um exemplo de conduta profissional (considerar se há por parte do
coordenador de tutor procedimentos que sejam adequados a sua ética).

7.10 Avaliação do Tutor

Alguns critérios podem ser semelhantes ao coordenador de tutor, sendo


acrescentados de outros mais pertinentes ao seu papel facilitador dentro
do grupo tutorial, por exemplo, considerando seu estímulo ao raciocínio
crítico do grupo, identificação das dificuldades individuais, pertinência nas

152
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

intervenções em busca dos objetivos de aprendizagem e se este sabe receber


críticas.
Q1 – faz orientação para o alcance dos objetivos de aprendizagem
Q2 – estimula a participação ativa e auxilia na condução do grupo
Q3 – estimula o interesse e a curiosidade
Q4 – orienta no uso dos recursos de aprendizagem
Q5 - estimula ao raciocínio crítico
Q6 – contribui para o relacionamento harmônico do grupo
Q7 – identifica as dificuldades individuais
Q8 – tem objetividade, pertinência e segurança nas suas intervenções
Q9 – acolhe críticas
Q10 – apresenta postura ética diante do cargo ocupado

7.11 Avaliação dos Módulos

Segue uma orientação de critérios fundamentais que visam facilitar nossas


revisões de problemas e de manuais ao final de cada período. Então, o estudante
avalia o conteúdo proposto, os objetivos cognitivos atingidos, a bibliografia
oferecida e os recursos humanos disponíveis.
São sugeridos, os critérios abaixo para o estudante avaliar:
Q1 – o conteúdo proposto
Q2 – os objetivos cognitivos atingidos
Q3 – bibliografia oferecida
Q4 – recursos humanos disponíveis

Para conduzir todas estas avaliações torna-se necessário a formação de uma


equipe de avaliação que disponibilize a compilação dos resultados. Estes resul-
tados devem chegar à coordenação do curso e, consequentemente, esta deve
disponibilizá-los e discuti-los com o coordenador de tutor e tutor para, em
seguida, apresentá-los aos estudantes e, assim, poderá agir enquanto é tempo,
sobre as fragilidades apontadas.
Porém, é importante ressaltar que estamos falando de uma avaliação
fundamentada nos princípios de formação integral do sujeito, com caráter
formativo. Nesse sentido, o foco deixa de ser exclusivamente o resultado,
para se situar no cerne do processo de ensino-aprendizagem, sendo o sujeito
da avaliação não apenas o estudante, mas também todos que interajam e
intervém no processo.
Não podemos esquecer que estamos falando de “avaliação por competên-
cias”, então, é necessário iniciarmos a abordagem de nossas avaliações voltadas
para as habilidades e atitudes. A “avaliação por competência é um processo pelo

153
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

qual se compilam evidências de desempenho e conhecimentos de um indivíduo


em relação a competências profissionais requeridas”.

7.12 Avaliação dos Laboratórios

Para o curso de Farmácia que tem uma característica experimental, a avalia-


ção dos laboratórios merece um capítulo a parte, mas se fará uma simplificação
da descrição desse processo.
A cada encontro é realizada uma avaliação, que foca a atenção no desenvol-
vimento dos conhecimentos, habilidades e atitudes. É preciso que o tutor esteja
preparado nesse tipo de avaliação. O estudante ao desenvolver uma atividade
prática associará conhecimentos cognitivos à habilidade de execução.
É necessário mensurar através de uma avaliação – Teste de Habilidades e
Competências (THC) – este conhecimento (prévio, adquirido e construído). Para
salientar a importância de todos os conhecimentos que compõem a matriz cur-
ricular e que tem como base as diretrizes curriculares, é prudente realizar o THC
específico por laboratório e outro THC, integrado, contemplando todos os labo-
ratórios de cada período.
Acreditamos que assim, temos como acompanhar as habilidades desenvol-
vidas por laboratório e na composição deles. Além desta avaliação, deverá ser
realizada a avaliação formativa compreendendo os critérios de conhecimento
(cognitivo), os procedimentais e os atitudinais, compondo assim, a proposta
conceitual de competência e o perfil de formação do egresso, de acordo com o
Projeto Pedagógico do Curso.

7.13 Ambientes da Vivência da Prática Profissional

Já que estamos falando sobre prática laboratorial, partiremos agora para a


avaliação dos ambientes de prática que são externos a IES (estágios e vivência
de prática profissional).
O primeiro grande desafio é tornar a proposta de formação no método ABP
compreensível para os preceptores extramuros da IES, pois, a maioria, pelas
especificidades de formação, não conhece o método e, sobretudo, como por ele
se avalia. Para isso, recomendamos fazer uma apresentação do método ABP e da
matriz curricular do curso, com todos os seus instrumentos de avaliação para os
preceptores dos serviços que deverão acompanhar os estudantes de acordo com
o sistema de avaliação proposto pela IES.
A partir desse procedimento, definimos se inserimos ou não o nosso estu-
dante no campo de prática. Vale à pena ponderar se é mais importante a vaga ou
a formação e, sem dúvida, devemos priorizar a formação.

154
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

O acompanhamento de cada estudante deverá ser efetivado pelo super-


visor de estágio (tutor da IES) e, reuniões mensais deverão acontecer para
compartilhar experiências, fragilidades, potencialidades, com a presença de
todos os sujeitos do processo. O preceptor, orientado pelo tutor supervisor
de estágio, fará a avaliação de cada estudante e, para isto, precisa estar
capacitado.
O estudante poderá ter sua rotina prática acompanhada pela elaboração de
portfólio, onde poderá compô-lo com as atividades de resenhas e / ou relatórios
e diário reflexivo.

7.14 Teste Progressivo ou Teste do Progresso

Esse teste é uma avaliação cognitiva longitudinal, com conteúdo final do


curso, e que tem por finalidade avaliar a instituição e o desempenho cognitivo
dos estudantes.
Esse instrumento é aplicado, a cada semestre, ao seu final, em um mesmo
período do calendário acadêmico para todos os estudantes do curso, devendo
corresponder ao nível de dificuldade de um teste de residência ou de certificação
das áreas. Ele se aplica, principalmente, para responder as seguintes pergun-
tas: O ganho de conhecimento por parte do estudante é contínuo e progressi-
vo? O conhecimento adquirido nas áreas básicas é progressivo?
Os resultados são divulgados unicamente para o estudante (número de acer-
tos) junto com a média de desempenho da sua classe. Esses resultados possibili-
tam uma visão da correlação entre o escore do teste do progresso, o desempenho
na graduação e a entrada na residência. Não valem NOTA!
A partir dos resultados, estabelecem-se discussões com o corpo docente
para reestruturação dos problemas a serem discutidos em grupos tutorias,
redefinição de objetivos de aprendizagem, fortalecimento de fragilidades de
conteúdo, ao mesmo tempo que se mede a apreensão de conhecimento du-
rante sua formação.

7.15 Avaliação dos Preceptores, Tutor Supervisor e Ambientes de Práticas

Os estudantes, ao final de cada semestre, avaliam os preceptores e os am-


bientes de prática, através de sistema on line. Nessa avaliação eles deverão
expressar o seu nível de satisfação a respeito da atuação dos preceptores, super-
visor de estágio e infraestrutura.
Ressalta-se que os resultados dessas avaliações, assim como, de todas as
demais, devem ser retornados para os estudantes e outros sujeitos do processo,
a tempo de discussões e tomada de decisões.

155
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

7.16 Autoavaliação Institucional

Ela deve ser realizada pela Comissão Própria de Avaliação (CPA) que coor-
dena e articula o processo interno de avaliação. Para que haja uma participação
significativa nessa avaliação, devem ser definidas estratégias de mobilização
articuladas com o setor de marketing, que garantam envolvimento, interesse e
engajamento da comunidade acadêmica, pois ela deverá orientar o planejamento
e gestão da IES com vistas a atingir o que preconiza a missão institucional.
A análise dos resultados promove mudanças que influenciam o processo de
aprendizagem proporcionando melhorias institucionais. Para consolidar de todos
estes processos avaliativos, torna-se necessário a elaboração de um Manual de
Avaliação da IES.

7.17 Considerações Finais

Procuramos através desse guia proporcionar uma leitura resumida e autoex-


plicativa dos processos de avaliação propostos e desenvolvidos numa concepção
de formação por competências, baseada nos princípios de metodologia ativa,
especificamente nesse caso, no método ABP.
Contextualizada no cerne de um processo de formação profissional em saú-
de e compreendida de forma mais ampla com a formação por competências, a
avaliação deve ter como referência o perfil profissional estruturado no Projeto
Pedagógico de Curso, com seus padrões de competências, os quais serão desen-
volvidos a partir das diversas oportunidades de compilação das evidências de de-
sempenho, no que se refere à articulação entre os conhecimentos, às habilidades
e às atitudes.
É necessário enfatizar que sua efetivação deverá ocorrer de maneira
progressiva e contínua, pois a avaliação por competências visa a um aprimo-
ramento constante, orientado para a formação teórica e articulada à prática do
serviço.
Propomos, diante disso, um rompimento com a concepção apenas classifi-
catória e punitiva da avaliação, para uma proposta de comprometimento perma-
nente, onde estudante, tutor, preceptor e demais sujeitos que interajam nesse
processo, estejam integrados nessa formação, que é educativa e requer perspec-
tivas de construções e reconstruções, geradas através dos conflitos advindos das
articulações dialéticas teórico-práticas, as quais poderemos fundamentar:

“[...] a configuração de atributos que compõem


uma competência profissional é sempre o resulta-
do das maneiras peculiares pelas quais as pessoas

156
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

experimentam as várias situações que enfrentam, e


que a capacidade de uma pessoa é uma qualidade
integrada: uma integração de conhecimentos, des-
trezas e qualidades pessoais usadas efetiva e apro-
priadamente em resposta a várias circunstâncias,
familiares ou não. Por outro lado, as competências
de um profissional de saúde, aplicadas em seu tra-
balho, devem resultar em transformação das condi-
ções de uma pessoa ou grupo de pessoas.” (Brasil,
2001).

7.18 Bibliografia Consultada

BRASIL. MEC. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), nº 9.394. Estabelece as diretrizes da
educação nacional. In: Diário Oficial da União. Brasília, 20 de dezembro de 1996.
VIANNA, HERALDO MARELIM. Avaliação Educacional. São Paulo: IBRASA, 2000.
LUCKESI, CIPRIANO CARLOS. Avaliação da aprendizagem escolar. São Paulo: Cortez, 1996.
SCRIVEN, M.. The Methodology of Evaluation. In R. Stake, Monograph Series on Curriculum Evalu-
ation, 1. Chicago: Rand Macnally, 1967.
PERRENOUD, PHILLIPE. Avaliação: da excelência à regularização das aprendizagens: entre duas
lógicas. Porto Alegre, Artmed, 1998.
DEMO, PEDRO. Universidade, aprendizagem e Avaliação. Porto Alegre: Mediação, 2004.
SANTOS GUERRA, MIGUEL ÁNGEL (1996). In BOGGINO, NORBERTO. A avaliação como estratégia de
ensino. Avaliar processos e resultados. Revista de Ciências da Educação, nº 9, mai/ago, 2009.
MANUEL, JUAN; MÉNDEZ, ÁLVAREZ. Avaliar para conhecer. Examinar para excluir. São Paulo: Art-
med, 2002.
PERRENOUD, PHILIPE.. Avaliação. Da Excelência à Regulação das Aprendizagens. Porto Alegre:
Artmed, 1999.
PERRENOUD, PHILIPE.. Os Ciclos de Aprendizagem: Um Caminho para Combater o Fracasso Escolar.
Porto Alegre: Artmed, 2003.
RAMOS, MARISE NOGUEIRA. Avaliação por competências. Disponível em http://www.epsjv.fiocruz.
br/dicionario/verbetes/avacom.html. Acesso em fevereiro de 2013.
BRASIL. Ministério da Saúde. Profae. Formação: humanizar cuidados de saúde – uma questão de
competência. Brasília, 2001.

157
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

Considerações Finais

Uma instituição que queira se diferenciar no mercado de ensino superior por


meio da qualidade acadêmica, obrigatoriamente, deverá passar por um processo
de reestruturação da matriz curricular para fortalecer a formação interdiscipli-
nar e pelo replanejamento das técnicas de ensino para favorecer a aprendizagem
com níveis de raciocínio mais elevados. É necessário construir currículos cada
vez mais integrados e ensinar por meio de técnicas que permitam análise, com-
paração, discussão, elaboração de hipóteses de solução, enfim, tomada de deci-
são e reflexão. O resultado destas ações conjuntas será a formação de profissio-
nais capazes de analisar o todo, com elevada capacidade de raciocínio e decisões
mais assertivas. Isto refletirá diretamente na credibilidade e na empregabilidade.
Esta mudança não envolve altos custos e alteração significativa de infraestrutu-
ra, mas sim reconstrução do projeto pedagógico do curso, replanejamento das
técnicas de ensino e capacitação docente.
O modelo tradicional de ensino deixa o estudante numa posição passiva,
dependente da informação do professor. Quando este profissional alcança o mer-
cado continua na mesma posição, depende da informação de alguém. Este é um
grande prejuízo para a profissão. Como existe uma relação direta entre modelo de
ensino e profissional de alto desempenho, significa que não estamos formando
os melhores profissionais para o mercado. É necessário mudar a sala de aula para
atividades de raciocínio permanentes, onde o estudante será capaz de construir
o próprio caminho, se sinta mais seguro quanto ao seu potencial, com maior
autoestima e maior autonomia.
Sair do modelo tradicional de ensino, para um modelo ativo, baseado na
autonomia do estudante, privilegia a criatividade e a inovação. No modelo tradi-
cional, qualquer tentativa por parte do aluno para fugir das regras definidas pelo
professor é vista como subversão e erro. Com isso, o ambiente de ensino baseia-
-se puramente na reprodução sem abertura para a criatividade. Este ambiente,
ao longo da graduação, estimula condutas e posturas passivas dos estudantes,
que transferido para o ambiente de trabalho, gera profissionais passivos, condi-
cionados para reproduzir tecnologias e seguir condutas padronizadas, com baixo
espaço para experimentação e mudanças. Para o país isto é um grande prejuízo,
pois conduz a atitudes pré-condicionadas a reprodução de informação, copia de
tecnologias ao invés de criá-las.
É esta mudança que precisamos estimular e apoiar na educação farmacêutica.
A ABENFARBIO tem trabalhado com este objetivo, estimulando a criação de
ferramentas para acelerar a transformação. Apesar existir um número de farma-
cêuticos elevado no país, em algumas áreas, tem-se a falsa percepção de faltar
profissionais, mas isto porque não existe uma boa formação para estas áreas

158
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

específicas. Ou seja, as vagas estão disponíveis, mas não há farmacêuticos devi-


damente capacitados. Assim, o problema não é quantitativo e sim qualitativo.
Quando avaliamos as Diretrizes Curriculares Nacionais, podemos afirmar
que foram escritas por profissionais com ampla visão de educação e de mer-
cado profissional, possivelmente, educadores futuristas. Apresentam vários
pontos cruciais para um ensino de qualidade e sucesso dos egressos no mercado
profissional. Contudo, coordenadores e professores ainda não conseguiram trans-
formá-las em ações planejadas nos projetos pedagógicos de curso e em sala de
aula. Ainda, alguns colegas, devido sua forte formação tecnicista e especialista
ou por convicção, apresentam vigorosa resistência à novos modelos de ensino.
A consequência é um atraso no processo de mudanças e de evolução do ensino
farmacêutico, que culmina, muitas vezes, com a formação de um profissional
despreparado para o mercado atual, com um amplo conjunto de conhecimentos
descontextualizados, adquiridos num ambiente predominantemente disciplinar e
com baixa integração, num modelo passivo.
Finalmente, a ABENFARBIO entrega aos colegas envolvidos na educação
farmacêutica, mais este livro, fruto do trabalho de vários colaboradores que
contribuem de maneira voluntária com as atividades da ABENFARBIO e, conse-
quentemente, com a melhoria do ensino. O resultado deste trabalho advém do
“espírito de equipe” daqueles que lutam incansavelmente pela melhoria da nossa
profissão.

Agradecido pelo apoio sempre cordial e amigo!

Carlos Cecy
Presidente da ABENFARBIO

159
Metodologias Ativas
Aplicações e Vivências em Educação Farmacêutica

160

Você também pode gostar