O Mestre Ignorante
O Mestre Ignorante
O Mestre Ignorante
I–
O que todos os filhos dos homens aprendem melhor é o que nenhum mestre lhes pode
explicar – a língua materna. Fala-se a eles, e fala-se em torno deles. Eles escutam e
retêm, imitam e repetem, erram e se corrigem, acertam por acaso e recomeçam por
método, e, em idade muito tenra para que os explicadores possam realizar sua instrução,
são capazes, quase todos de compreender e falar a língua de seus pais.
E, então, essa criança que aprendeu a falar por sua própria inteligência e por intermédio
dos mestres que não lhe explicam a língua, começa a instrução, propriamente dita. Tudo
se passa, agora, como se ela não mais pudesse aprender com o recurso da inteligência
que lhe serviu até aqui, como se a relação autônoma entre a aprendizagem e a
verificação lhe fosse, a partir daí, estrangeira.
Compreender: essa simples palavra recobre tudo com um véu. Compreender é o que a
criança não pode fazer sem as explicações fornecidas, em certa ordem PROGRESSIVA,
por um mestre.
Tornar as explicações mais fáceis de serem compreendidas por aqueles que não as
compreendem.
A revelação de Jacotot: é preciso inverter a lógica do sistema explicador.
O embrutecedor não é o velho mestre obtuso que entope a cabeça de seus alunos de
conhecimentos indigestos, nem o ser maléfico que pratica a dupla verdade, para
assegurar seu poder e a ordem social. Ao contrário, é exatamente por ser culto,
esclarecido, de boa-fé que ele é mais eficaz. Mais ele é culto, mais se mostra evidente a
distancia que vai de seu saber à ignorância dos ignorantes. Ele dirá: é preciso que o
aluno compreenda e, para isso, que a ele se forneçam explicações cada vez melhores.
Todo o esforço, toda exploração, é tencionada pelo seguinte: uma palavra humana lhes
foi dirigida, a qual querem reconhecer e à qual querem responder – não na qualidade de
alunos, ou de sábios,mas na condição de homens; como se responde a alguém que vos
fala, e não a quem vos examina: sob o signo da igualdade.
Esse método da igualdade era, antes de mais nada, um método da vontade. Podia-se
aprender sozinho, e sem mestre explicador, quando se queria, pela tensão de seu próprio
desejo ou pelas contingencias da situação.
Os alunos haviam aprendido sem mestre explicador, mas não sem mestre.
Um homem pode precisar de um mestre quando sua vontade não é suficientemente forte
para colocá-la e mantê-la em seu caminho.
Emancipação: uma inteligência que obedece a ela mesma, ainda que a vontade obedeça
a uma outra vontade.
Pratica dos pedagogos: eles se distinguem pelos meios escolhidos para tornar sábio o
ignorante: métodos duros ou suaves, tradicionais ou modernos, passivos ou ativos.
A experiência de Jacotot mostrou que não era o saber do mestre que ensinava o aluno.
Jacotot ensinou o que ignorava.
Pode-se ensinar o que se ignora, desde que se emancipe o aluno, ou seja, que se force o
aluno a usar sua própria inteligência.
O ignorante aprenderá sozinho o que o mestre ignora se o mestre acredita que ele o
pode, e o obriga a atualizar sua capacidade
Não há homem sobre a terra que não tenha aprendido alguma coisa por si mesmo e sem
mestre explicador.
Ensino universal: todos aprendem alguma coisa por si mesmos, sem mestre
explicador.
O método do ensino universal é o mais velho do mundo. Esse ensino formou de fato,
todos os grandes homens.
Qndo necessário todos praticam esse método, mas ninguém está pronto a reconhecê-lo.
Ninguém quer enfrentar a revolução intelectual que ele implica.
O método do ensino universal é o verdadeiro método pelo qual cada um aprende e pelo
qual cada um descobre a medida de sua capacidade.
Quem emancipa não deve se preocupar com aquilo que o emancipado deve aprender.
Ele saberá que pode aprender porque a mesma inteligência está em ação em todas as
produções humanas, que um homem sempre compreender a palavra de um outro
homem.
Meio de realizar o ensino universal: aprender qualquer coisa e a isso relacionar todo o
resto, segundo o principio de que todos os homens tem igual inteligência.
II
De tudo o que o aluno aprender, lhe será pedido que fale, que diga o que ele vê, o que
pensa disso, o que faz com isso. somente uma condição lhe será imperativa: de tudo o
que disser deverá demonstrar a materialidade no livro. Tudo o que dirá, o mestre deverá
poder verificar a materialidade no livro.
O velho diria: é preciso aprender tal coisa, e depois tal e depois tal. Seleção, progressão,
incompletude, esses são os princípios do velho.
A cada nova etapa (de ensino progressivo no velho), cava-se o abismo da ignorância que
o professor tapa, antes de cavar um outro. Fragmentos se acrescentam, pecas isoladas de
um saber do explicador que levam o aluno a reboque de um mestre que ele jamais
atingirá. O livro nunca está inteiro, a lição jamais acabada. O mestre sempre guarda na
manga um saber, uma ignorância do aluno. P. 20
É preciso descobrir que nada há de escondido, não há palavras por taãs das palavras,
língua que diga a verdade da língua.
O método Jacotot não é melhor, é diferente. Começa-se pelo texto, e não pela gramática,
pelas palavras inteiras, e não pelas silabas. Não é que seja precisa aprender assim para
aprender melhor (mas o método Jacotot parte do pressuposto da igualdade, que a criança
não necessariamente tem que aprender como o velho ensina para conseguir aprender...)
O antigo método faz começar pelas letras porque dirige os alunos segundo o principio
da desigualdade intelectual e, sobretudo, da inferioridade intelectual das crianças. (esse
método pressupõe que a criança não tem capacidade para aprender Calipso, mas, antes
deve passar por todos os passos: C, C+a, Ca, Não é que não se aprenda assim, ou que o
método está errado, o que ocorre é que tal método se dá dessa forma por acreditar na
desigualdade das inteligências, que a inteligência da criança é inferior, por isso ela não
conseguiria aprender Calipso)
O velho não embrutece os alunos ao fazê-los soletrar, mas ao dizer-lhes que não podem
soletrar sozinhos.
Há sempre alguma coisa que o ignorante sabe e que pode servir de termo de
comparação, ao qual é possível relacionar uma coisa nova a ser conhecida. Os: exemplo
serralheiro pg 27
É o segredo dos bons mestres: com suas perguntas, eles guiam discretamente a
inteligência do aluno.
Quem quer emancipar um homem deve interrogá-lo à maneira dos homens e não à
maneira dos sábios.
O que pode um emancipado é ser emancipador: fornecer, não a chave do saber, mas a
consciência daquilo que pode uma inteligência, quando ela se considera como igual a
qualquer outra e considera qualquer outra como igual à sua.
Não há espírito superior que não encontre um mais superior ainda, para rebaixá-lo; não
há espírito inferior que não encontre outro mais inferior ainda, para desprezar.
III
Nosso problema não é provar que todas as inteligências são iguais. É ver o que se pode
fazer, a partir dessa suposição.
Não direi que ele é menos bem sucedido porque é menos inteligente. Direi que talvez
ele tenha realizado um trabalho menos bom porque trabalhou menos bem, que não viu
bem porque não olhou bem. Direi que ele dedicou a seu trabalho menor atenção.
Os homens do povo desenvolvem a inteligência que suas necessidades e as
circunstancias deles exigem
Onde a necessidade cessa, a inteligência repousa, a menos que uma vontade mais forte
se faca ouvir.
Resumindo: o homem é uma vontade servida por uma inteligência. Talvez o fato de
vontades desigualmente imperiosas seja suficiente para explicar a desigualdade das
performances intelectuais.
O primeiro vicio é o da preguiça. É mais fácil se ausentar, ver pela metade, dizer o que
não se vê, dizer o que se acredita ver.
O que nos interessa é a exploração dos poderes de cada homem, quando ele se julga
igual a todos os outros e julga todos os outros iguais a si.
O principio desta instrução: é preciso aprender qualquer coisa e a isso relacionar todo o
resto, segundo esse principio: todas as inteligências são iguais.
O problema não é fazer sábios, mas elevar aqueles que se julgam inferiores em
inteligência.
O ensino universal não é, nem pode ser um método social. Ele não pode se difundido
nas instituições da sociedade, nem por iniciativa delas.
É somente na família que a emancipação intelectual pode ser semeada com sucesso.
O ensino universal não vingará, ele não se estabelecerá na sociedade. Mas ele não
morrerá, porque é o método natural do espírito humano. O que os discípulos podem
fazer por ele é anunciar a todos os indivíduos, a todos os pais e mães de família, o meio
de ensinar aquilo que se ignora, segundo o principio da igualdade das inteligências.
Creio que Deus criou a alma humana capaz de se instruir por si própria, e sem mestres.