APALAI e BARREIROS Artes Gráficas e Educação
APALAI e BARREIROS Artes Gráficas e Educação
APALAI e BARREIROS Artes Gráficas e Educação
Ereu Apalai1
Jussara de Pinho Barreiros2
RESUMO: O artigo discute os usos dos grafismos em cestos, como expressão cultural da arte produzida
pelos indígenas Aparai, que moram na aldeia Parapará no Parque Nacional da Montanha do Tumucu-
maque, localizado no Estado do Pará, Brasil. Realizou-se pesquisa bibliográfica com relação aos aspectos
históricos e dados populacionais dos indígenas Aparai. Além disso, observação e técnica de entrevista
temática foram os instrumentos de coleta de dados aplicados na Aldeia Parapará, caracterizando a pes-
quisa qualitativa. Cada grafismo tem significado mítico-estético, de acordo, com a tradição e os tipos de
marcas indígenas, que tem padrão gráfico de animais interpretados como seres sobrenaturais pelos
indígenas Aparai. Os grafismos desenhados em cestos, têm como mito fundante o Turupere, que é a
representação dos desenhos do corpo de um lagarto, sendo o seu domínio as águas, além de outros
animais que habitam a floresta Amazônica. As cestarias Aparai são produzidas de tala de arumã, madei-
ras, sementes, algodão, plumagem e tabocas. A maioria dos objetos artesanais são feitos manualmente
para uso doméstico ou para caça e pesca, e, são comercializados nas cidades de Oiapoque, Macapá e
Belém. O conhecimento indígena é transmitido de geração em geração pela oralidade na Educação Indí-
gena e precisa ser valorizado no ensino de arte, e, na Educação Escolar Indígena como parte do patri-
mônio cultural intangível ou imaterial.
Palavras-chave: Ensino de Ciência, Ciência da Linguagem, Cultura Aparai no Ensino, Grafismo em Cesto.
ABSTRACT: The paper discusses the uses of graphics in baskets as a cultural expression of the art pro-
duced by Aparai natives, who live at Parapará village in the Tumucumaque Mountains National Park,
located at State of Pará, Brazil. The bibliographical research conducted on the historical aspects and
population data of the Aparai natives. Besides that, observation and thematic interviews were the in-
struments of data collection applied at Parapará village, characterizing qualitative research. Each graphic
has a mythical-aesthetic meaning, according to tradition and types of indigenous marks, which has a
graphic pattern of animals, interpreted as supernatural beings by Aparai natives. The graphics designed
in baskets have as founding myth the Turupere, which is the representation of the drawings of the body
of a lizard, being its domain the waters, besides other animals that inhabit the Amazon forest. The
Aparai baskets are produced from splint of arumã, wood, seeds, cotton, plumage and “tabocas.” Most
craft objects are made manually for domestic use, hunting, and fishing, and, they commercialized in the
cities of Oiapoque, Macapá, and Belém. Indigenous knowledge is transmitted from generation to gener-
ation through orality in Indigenous Education and needs to be valued in the teaching of art, and in the
Indigenous School Education as part of the immaterial or intangible cultural heritage.
Keywords: Teaching of Science, Science of Language, Aparai Culture in Teaching, Graphic in Basket.
1
Graduada em Licenciatura Intercultural Indígena pela Universidade Federal do Amapá, com habilitação em Linguagens e Códi-
gos, professora efetiva do Governo do Estado do Amapá, lotada na Escola Indígena Estadual Amatare e pesquisadora do Nú-
cleo de Pesquisa História da Ciência e Ensino. E-mail: [email protected]
2
Doutoranda em História da Ciência pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, professora assistente da Universidade
Federal do Amapá, Curso de Licenciatura Intercultural Indígena, pesquisadora do Grupo História da Ciência e Ensino: Constru-
indo interfaces e do Núcleo de Pesquisa História da Ciência e Ensino. E-mail: [email protected]
1. INTRODUÇÃO
Com relação as terras ocupadas pelos indígenas Aparai, segundo Velthem e Lin-
ke (2010, p.14) “há relatos de que os Aparai viviam na região situada entre o baixo curso
dos rios Paru d’ Este e Jari, onde se relacionavam com outros povos dessa região, os A-
pama e os Aracayu”. Estes autores afirmam ainda, que ao longo da história, os livros
escritos pelos historiadores documentaram mais informações sobre o passado dos Wa-
yana do que dos Aparai.
Conforme IBGE (2011) sabe-se que a população da etnia Aparai3, segundo o úl-
timo censo demográfico era de 402 (quatrocentos e dois). Este grupo étnico é falante da
língua Karib e faz parte das etnias pertencentes às outras famílias linguísticas não classi-
ficadas em troncos.
Velthem e Linke (2010, p. 15) explicam com relação à ocupação de terras pelos
indígenas Wayana e Aparai:
3
No referido documento a grafia de “aparai” é apresentada como “Apalaí”. Mas optamos neste artigo em mencioná-lo como
aparai, pois é a maneira mais referendada em fontes impressas.
A presença dos grafismos na confecção das cestarias é marcante como padrões decora-
tivos, que constituem um objeto de representação gráfica da arte Aparai, envolvendo na
arte de entrelaçar o tarumã na confecção de cestos, conhecimento indígenas transmiti-
dos de geração em geração entre os Aparai.
Espera-se que o resultado desta pesquisa contribua com a valorização do co-
nhecimento indígena como “patrimônio cultural imaterial”4 na Educação Escolar Indíge-
na, em especial, no ensino de arte.
Para explicar a obtenção dos grafismos, a narrativa começa indicando que Tu-
lupere − Turupere habitava em uma serra junto ao igarapé Asiki − Axiki, um a-
fluente do rio Paru de Leste. Segundo os Waiana, o sobrenatural vivia com se-
res que para ele trabalhavam, uns caçando como uma onça, denominada
Ëglainsïmë e outros transportando a caça, como a centopeia Kumepepïmë
(VELTHEM; LINKE, 2010, p. 25).
4
Para definição de patrimônio cultural imaterial, vide: GALLOIS, D. T. Patrimônio cultural Imaterial e Povos Indígenas: Exemplos
no Amapá e norte do Pará, p. 10.
5
VELTHEM, L. H. V. Das cobras e largatas: a iconografia Wayana, p. 53.
Velthem defende que “como não existe algo chamado “índios do Brasil”, não e-
xiste também a arte de “nossos índios”. Cada povo tem um nome e uma produção es-
pecífica e os artistas também possuem nomes e uma identidade pessoal definida 6. Con-
tudo, Vidal discute a temática como dimensão cosmológica em relação aos padrões grá-
ficos, o que também é entendido como grafismo indígena.
Entretanto, as marcas representam uma linguagem simbólica, por meio, dos
motivos geométricos. Já na interpretação de Vidal (2009, p. 56) “as marcas formam um
conjunto expressivo e específico de motivos decorativos, pintados, gravados, traçados,
recortados, em diferentes suportes, objetos da vida cotidiana ou cerimonial”. Os pa-
drões técnicos e artísticos dessas marcas estão associados ao mundo mítico da cultura
indígena.
Por outro lado, a arte gráfica indígena está profundamente enraizada na sua vi-
vência e mitologia. Em virtude disso, as representações iconográficas de identidades
étnicas são afirmadas, assim como a produção artesanal para fins outros, que não os da
subsistência e as maneiras como vêm sendo utilizados (RIBEIRO, 1986).
Estes se remetem aos sistemas organização social e mitos, bem como aos pa-
péis rituais. Ainda Ribeiro (1986) esclarece que os sistemas representacionais expressam
a estrutura formal e semântica dos desenhos e os simbolismos socioculturais, e, que
estudam os significados explícitos dos signos plásticos das artes indígenas.
De acordo, com a tradição ancestral, os motivos geométricos e ornamentos ge-
ométricos são formas de desenhos que representam o mundo do sobrenatural, como
afirma Vidal (2009). Estas marcas são sempre motivos geométricos, abstratos e nomea-
dos, que representam ícones, espécimes da flora e da fauna, especialmente a pele, as
escamas ou o casco de animais e cascas de árvores que apresentem desenhos, mas
também caminhos, rastros e outras representações são feitas.
Com relação ao modo de vida dos indígenas Wayana e Aparai sabe-se que:
A visualidade gráfica expressada nos artefatos, por meio, dos grafismos Wayana
e Aparai representam um universo simbólico de seres sobrenaturais que transcendem
as relações entre humanos. Esta admite diversos seres e forças da natureza, com os
quais estabelecem relações de cooperação e intercâmbio, com fim de adquirir e assegu-
rar determinadas qualidades gráficas, de uma tradição milenar de épocas e identidades
6
VIDAL, L. B. Grafismo Indígena: estudos de antropologia estética, p. 290.
étnicas diferentes.
Para exemplificar, a visualidade gráfica, referendamos o trabalho de Gerdes
(2002). Ele analisou os motivos de ornamentação geométrica de cestos produzidos por
indígenas do Norte do Brasil, abordando sobre a aritmética na ornamentação de cestos
cilíndricos de fundo circular e quadrado, que são feitos a partir dos entrelaçamentos de
tiras do material usado pelos indígenas.
7
Ref. aos indígenas Paliku, Galibi Kali’na, Galibi-Marworno e Karipuna.
2. METODOLOGIA
8
Linha de pesquisa: Ensino de Ciências, Qualidade de Vida e Cultura Indígena do Núcleo de Pesquisa História da Ciência e Ensi-
a
no (NUPHCE/UNIFAP/CNPq), orientadora pela Prof. Ma. Jussara de Pinho Barreiros.
9
Para a discussão sobre as fontes iconográfica, vide: PEREIRA, S. M. C. Considerações sobre a fonte iconográfica na escrita da
História Indígena. Revista Eletrônica História em Reflexão, p. 1-13.
Os grafismos na confecção dos cestos Aparai são feitos pela habilidade da pes-
soa que trabalha com a arte das cestarias. O grafismo é sempre padronizado e
numerado. Todos os grafismos têm nomes na língua Karib. Nos cestos Aparai,
os desenhos dos grafismos representam a onça (kaikuxi), o lagarto (pirituma-
re), a raiz de arumã (aruma mity), o pássaro (touserere), o focinho do caititu
(pakira otuhtopõpyry), a flor da sororoca (anaxinekuru), o lagarto (atãta) e ou-
tros.
Figura 4 - Cestos grandes com os entrelaçados dos grafismos atãta, irikai, meri e kaikuxi
A (Figura 4) mostra três cestos10 que são feitos de tala de arumã, onde obser-
vamos quatro tipos de grafismos. No terceiro cesto notamos a representação de lagar-
tos (grafismo atãta) acompanhados de um pequeno peixe (grafismo irikai). Já segundo e
primeiro cestos observaram as representações de esquilos (grafismo meri) e onças (gra-
fismo kaikuxi).
Estes cestos são feitos pelos indígenas Aparai a partir dos conhecimentos
transmitidos oralmente pelos mais velhos aos aparais mais jovens, como também ob-
servando a confecção dos cestos. No planejamento na Educação Escolar Indígena, os
professores indígenas ou não indígenas podem incluir o tema sobre a arte de entrelaçar
a tala de arumã para fazer os cestos aparai e outros artefatos como um conteúdo espe-
cífico no ensino de arte.
Quanto a sua experiência de trabalhar a arte aparai na Educação Escolar Indíge-
na, Maerapo Apalai (2013), Cecília Awaeko Apalai (2013) e Paulo Ronaldo Apalai (2013)
falaram:
10
A tradução da palavra “cesto” em língua Karib é “ruto”.
Já Cecília Awaeko Apalai (2013) e Paulo Ronaldo Apalai (2013) destacaram que o
ensino da arte aparai é importante em curso do ensino fundamental na Educação Esco-
lar Indígena, como uma forma de se conhecer a arte indígena. Um exemplo de um con-
teúdo da disciplina de arte pode ser os usos dos grafismos na arte de entrelaçar a tala
do arumã para confeccionar vários artefatos e objetos.
Este assunto pode ser discutido em sala de aula, como temas relacionados com:
a- Arte, expressão e conhecimento, b- Arte e pluralidade cultural, c- Arte, patrimônio e
identidade, conforme proposto no Referencial Curricular Nacional para Escola Indígena.
(BRASIL, 1998, p. 296).
Na (Figura 5) observamos um abano aparai que é um objeto utilitário. Na maio-
ria das vezes, ele é confeccionado pelos indígenas Aparai, tendo como matéria prima
(talas de arumãs, varas do mato, flechas e linhas feitas de recursos naturais). Geralmen-
te, este artefato é usado pelas mulheres Aparai para abanar o fogo durante a produção
da farinha de mandioca, como também para virar e retirar o beiju do forno. No centro
deste abano aparai notamos a representação de dois esquilos que estão se olhando ao
mesmo tempo (grafismo de meri).
Para Apalai é muito importante os grafismos nas cestarias para não esquecer a
minha cultura e para não esquecer como fazer os cestos. Eu quero que meu fi-
lho no futuro não se esqueça de que eu repassei para ele, o conhecimento in-
dígena.
rai.
Para os indígenas Aparai, o uso do grafismo é bastante valorizado, pois se rela-
ciona com a mitologia dos Povos Indígenas do Amapá e Norte do Pará. Assim, significa a
herança cultural deixada pelos seus ancestrais. Como também a representação dos de-
senhos dos grafismos são formas de identificar a arte Aparai entre outras manifestações
das artes indígenas.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
5. REFERÊNCIAS
ANDRADE, U. G. (Org.). Turé dos Povos Indígenas do Oiapoque. Rio de Janeiro, São Pau-
lo: Museu do Índio/Iepé, 2009.
APALAI, C. A. Entrevista concedida à Ereu Apalai. Aldeia Parapará, 2013.
APALAI, J. Entrevista concedida à Ereu Apalai. Aldeia Parapará, 2013.
APALAI, J. Entrevista concedida à Ereu Apalai. Aldeia Parapará, 2013.
APALAI, M. Entrevista concedida à Ereu Apalai. Aldeia Parapará, 2013.
APALAI, P. R. Entrevista concedida à Ereu Apalai. Aldeia Parapará, 2013.
APALAI, E. Fotografia de abano, com entrelaçado grafismo meri. Aldeia Parapará, 2011.
APALAI, E. Fotografia de cesto pequeno, com entrelaçado do grafismo de toserere. Al-
deia Parapará, 2011.
APALAI, E. Fotografia de sacola pequena, com entrelaçado do grafismo piritumare. Al-
deia Parapará, 2011.
APALAI, E. Artesanato Aparai: O Uso de grafismos nas cestarias dos povos da Terra In-
dígena Rio Paru d’Este, no norte do Pará. (Monografia da Licenciatura Intercultural
Indígena). Universidade Federal do Amapá. Oiapoque, 2014.
APIWA. Fotografia de cesto com o entrelaçado dos grafismos atãta, irikai, meri e kaikuxi.
Macapá, 2008.
APIWA. Fotografia de cesto pequeno com o entrelaçado do grafismo pakira ekuhtopõp-
yry. Macapá, 2008.
BARBERO, E. P. B.; STORI, N. Artes Indígenas: Diversidade e relações com a história da
arte brasileira. Rev. Cient./FAP, Curitiba, v. 5, n. 5, p. 111-124, Jan./Jun., 2010.
BARBOSA, G. C. Os Aparai e Waiana e suas Redes de Intercâmbio. (Tese de (Doutorado
em Antropologia Social). Universidade de São Paulo. São Paulo, 2007. Disponível em:
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8134/tde-27112009-104126/pt-br.php,
Acesso: 20/08/2017.
BRASIL. Referencial Nacional Curricular para Escola Indígena. Brasília: MEC/SEF, 1998.
______. Lei nº 11.645 de 10 março de 2008. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que Estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de
ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura AfroBrasileira e Indígena”.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l1164
beres e a arte de viver. 2a ed. Rio de Janeiro: Museu do Índio e Iepé, 2009.
WAYANA, A. A. Entrevista concedida à Ereu Apalai. Aldeia Parapará, 2013.
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