Joana Borges de Faria PDF
Joana Borges de Faria PDF
Joana Borges de Faria PDF
PUC-SP
São Paulo
2017
Joana Borges de Faria
São Paulo
2017
Banca examinadora
Agradecimentos
Este trabalho somente foi possível com a ajuda e o apoio de muitas pessoas e instituições, que
contribuíram de alguma forma para a sua concretização. Agradeço ao CNPq pelo fomento
durante os quatro anos da Pesquisa e à CAPES pela bolsa de estágio de doutorado sanduíche
do programa CAPES-PSDE, realizado no Instituto de Historia do Consejo Superior de
Investigaciones Científicas (CSIC) em Madrid/ Espanha entre setembro de 2015 e maio de
2016. E também ao CSIC e seus profissionais que tão bem me receberam e acolheram em suas
instalações.
À professora Katya Zuquim Braghini pelo incentivo ao estudo dos quadros parietais, por
compartilhar comigo suas fotografias do acervo do CRE Mario Covas – E.E. Caetano de
Campos, pela leitura atenta ao texto de qualificação, por participar das bancas de qualificação
e defesa e pelas conversas e bons momentos que compartilhamos nos últimos anos.
À professora Circe Bittencourt, por tudo que aprendi com ela sobre disciplinas escolares e
ensino de História e por ter aceito o convite para participar da banca de defesa. À professora
Rosa Fátima de Souza, pela leitura cuidadosa e importantes apontamentos feitos no exame de
qualificação e por participar da banca de defesa.
À professora Grabriela Ossembach Sauter, que fez de tudo o que esteve ao seu alcance para que
o estágio de doutorado sanduíche fosse o mais proveitoso possível. Ao professor Agustín
Escolano Benito, pela recepção e atenção cuidadosa oferecida durante visita realizada ao Centro
Internacional de la Cultura Escolar – CEINCE, em Berlanga de Duero.
Aos professores Rafael Martín Villa, que me recebeu e permitiu que eu ajudasse na higienizasse
e organização da coleção de quadros parietais do IES San Isidro. Às professoras Carmen Masip
Hidalgo e Encarnación Martínes Alfaro, que me guiaram em uma visita aos laboratórios e
biblioteca do IES Isabel la Católica. Ao professor Francisco Ruiz Collantes, mais conhecido
como Paco, por acompanhar a visita ao acervo do IES Cardenal Cisneros. Foi inspirador
conhecer todos estes professores e ex-professores espanhóis e ver o cuidado e carinho que têm
pelos acervos destes institutos! À Beatriz Romero Sanz, ou Bea, pela ajuda e calorosa recepção
no Museo/ Laboratorio de Historia de la Educación Manuel Bartolomé Cossío.
Aos funcionários de todos os arquivos e acervos onde pesquisei no Brasil para a realização
deste trabalho, pela paciência e por ajudarem da forma que puderam. Em especial ao Felipe, do
CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos, pela disposição e cuidado em me atender nas
muitas visitas ao acervo.
Aos amigos que fiz durante o estágio sanduíche em Madrid, Victoria, Ángel, Andrea, Jaime,
Mariano e Luis, que contribuíram para que esta experiência tivesse sido tão maravilhosa. À
Rubita e ao Ignacio, por me receberem em sua casa em Madrid e terem sido o meu esteio na
Espanha. À nova amiga Simele, que tão carinhosamente me recebeu em sua casa quando
precisei.
Aos meus pais, Ana Cristina e João, pelo amor, incentivo, carinho e paciência. À minha mãe,
pela leitura final do texto. À Elisa e Domi, por tudo! À minha família, Ana Rita, Ana Maria,
Cida, Eca, Dario, Caio, Gab e Nuno, por acreditarem em mim, me apoiarem, pelo amor
incondicional e por fazerem a minha vida mais feliz. Ao Hernán, companheiro que esteve ao
meu lado durante todo este percurso, pelo amor, amizade, apoio, paciência, compreensão e
pelos momentos felizes e também os difíceis que vivemos juntos nestes últimos anos.
Resumo
Palavras-chave: quadro parietal; cultura material escolar; cultura visual; material didático;
métodos ativos.
Abstract
The wall chart is type of didactic material used to transmit school knowledge. It is the graphic
representation on a flat surface of a determined subject matter. They are called wall charts
because they are hung on the wall or within other apparatuses so that they can be viewed by all
students simultaneously. Upon taking into consideration that these wall charts were widely
utilized in schools across Brazil and in other occidental countries from the second half of the
19th Century until the middle of the 20th century, this research seeks to discover the history of
this kind of didactic material in Brazil, focusing on how they were circulated, the individuals
and companies involved in their production and distribution, their materiality, and their
pedagogical functions, taking into consideration the school subjects of reference, the subject
matter broached, and the visual language employed. For this purpose, the research used as
source material the wall charts found in the following archives: CRE Mario Covas - Acervo da
E.E. Caetano de Campos; Memorial do Colégio São Luís; Colégio Marista Glória e Centro de
Memória da Educação Brasileira do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro.
Additional sources included the catalogues of companies that sold wall charts, mainly the
French company Maison Deyrolle; manuals explaining the use of wall charts; work done by
students of the Intituto de Educação do Rio de Janeiro from the 1950s and 1960s; photographs
of classrooms, natural history, physics and chemistry classrooms, educational museums in
schools, libraries, and dental clinics from schools in São Paulo; official documents like
legislation and teaching programs for the primary and secondary schools of São Paulo and Rio
de Janeiro, inventory logs as well as annual reports from directors and school inspectors; guides
and visitors logs to universal expositions that occured in the second half of the 19th century;
educational periodicals like Revista Pedagógica, Revista de Ensino, Revista Escolar, and
Revista do Ensino do Rio Grande do Sul; and online databases related to scientific and
educational heritage. The wall chart is an artefact and a visual image at the same time. For this
reason, the study considers its principle theoretical references to be studies in material culture,
in the material culture of schools, and in visual culture.
Key words: wall chart, material culture of schools, visual culture, teaching material, active
methods.
Sumário
Agradecimentos 4
Resumo 6
Lista de figuras 10
Introdução 16
Capítulo 1
O quadro parietal como artefato didático da escola moderna 42
1.1. O privilégio conferido à visão na cultura ocidental 42
1.2. A ilustração científica e os quadros parietais 45
1.3. O método intuitivo e a valorização da observação 48
1.4. Finalidades dos quadros parietais como materiais didáticos 56
1.5. Materialidade 63
1.6. Primeiros indícios do uso de quadros parietais no Brasil 67
1.7. Os quadros parietais ganharam as paredes das escolas do Sudeste
brasileiro 74
1.8. Armazenamento e exposição 82
Capítulo 2
As coleções de quadros parietais: origens, datas e disciplinas de referência 92
2.1. Centro de Referência Mario Covas – Acervo da E.E. Caetano de Campos 93
2.2. Centro de Memória da Educação do Instituto Superior de Educação do
Rio de Janeiro 126
2.3. Memorial do Colégio São Luís 137
2.4. Colégio Marista Glória 141
Capítulo 3
As séries de quadros parietais: sujeitos e instituições envolvidos em sua produção e
distribuição 146
3.1. Émile Deyrolle/ Les Fils d’Émile Deyrolle/ Établissements Deyrolle 146
3.2. Série Pfurtscheller’s zoölogische wandplaten 160
3.3. Cia. Melhoramentos de São Paulo/ Edições Melhoramentos 166
3.4. Revista do Ensino do Rio Grande do Sul 186
3.5. Série Quadros elementares de História Natural organizados pelo Museu
Nacional do Rio de Janeiro 189
3.6. Séries Ausländische Kulturpflanzen in farbigen Wandtafeln e Plantas de
cultivo extranjera, editadas pela Friedrich Vieweg & Sohn 192
3.7. Séries Tablas de Engleder para la enseñanza de ciencias naturales.
Botánica e Tablas de Engleder. Zoologia, editadas pela J. F. Schreiber 194
3.8. Séries editadas pela E. Steiger & Co. 196
3.9. Série ecossistemas brasileiros 199
3.10. Editoras portuguesas: Livraria Simões Lopes de Domingos Barreira/
Editorial Domingos Barreira e Livraria Escola Progredidor 200
Capítulo 4
Quadros parietais de ciências naturais e história do Brasil: conteúdo, função
pedagógica e linguagem visual 206
4.1. Os quadros parietais destinados ao ensino de ciências naturais 210
4.2. Os quadros parietais destinados ao ensino de história do Brasil 266
Fontes 290
Anexos 296
10
Lista de figuras
Gráfico 2.1. Porcentagem dos quadros parietais do CRE Mario Covas – EE Caetano de
99
Campos por país de fabricação
Gráfico 2.2. Distribuição dos quadros parietais do CRE Mario Covas – EE Caetano de
101
Campos por data e país de fabricação
Gráfico 2.3. Distribuição dos quadros parietais do CRE Mario Covas – EE Caetano de
116
Campos por grau de ensino e país de fabricação
Gráfico 2.4. Porcentagem de séries/ quadros parietais do CRE Mario Covas –EE Caetano
117
de Campos por disciplina escolar
Gráfico 2.5. Séries/ quadros parietais do CRE Mario Covas – EE Caetano de Campos
120
por disciplina escolar e grau de ensino
Gráfico 2.6. Séries/ quadros parietais do CRE Mario Covas – EE Caetano de Campos
121
por disciplina escolar e país de fabricação
Gráfico 2.7. Porcentagem de quadros parietais de ciências do CRE Mario Covas –
125
Acervo da EE Caetano de Campos por conteúdos comuns
Gráfico 2.8. Porcentagem dos quadros parietais do CMEB-ISERJ por país de fabricação 130
Gráfico 2.9. Distribuição dos quadros parietais do CMEB-ISERJ por país de fabricação
131
e conteúdo
Gráfico 2.10. Porcentagem dos quadros parietais de ciências do CMEB-ISERJ por
132
conteúdos comuns
Gráfico 2.11. Porcentagem dos quadros parietais do Memorial do Colégio São Luís por
139
país de fabricação
Gráfico 2.12. Porcentagem dos quadros parietais do Memorial do Colégio São Luís por
141
disciplina escolar
Gráfico 4.1. Porcentagem das séries e quadros parietais totais pesquisados de acordo com
209
sua função pedagógica
Quadro 2.1. Séries/ quadros parietais produzidos no Brasil e adquiridos pela Escola
105
Normal nas décadas de 1920 e 1930
Quadro 2.2. Séries/ quadros parietais produzidos no Brasil e adquiridos pela Escola
106
Normal nas décadas de 1940 e 1950
Quadro 2.3. Séries/ quadros parietais produzidos no Brasil e adquiridos pela Escola
108
Normal nas décadas de 1960 e 1970
Quadro 2.4. Séries/ quadros parietais da Escola Normal sem data de aquisição
109
identificada
Tabela 2.1. Total de quadros parietais da coleção do CRE Mario Covas - EE Caetano de
95
Campos
Tabela 2.2. Distribuição das séries/ quadros parietais do CRE Mario Covas - EE Caetano
98
de Campos por data de aquisição
Tabela 2.3. Total de quadros parietais da coleção do CMEB-ISERJ 128
15
Tabela 2.4. Total de quadros parietais da coleção do Colégio São Luís 138
16
Introdução
Integrei o projeto História das disciplinas escolares e do livro didático do Programa de Estudos
Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade da PUC-SP como bolsista de
iniciação cientifica em 2007 e de mestrado entre março de 2010 e fevereiro de 2012, tendo
focado meus estudos na história da disciplina História, suas finalidades educativas, conteúdos
disciplinares e métodos pedagógicos.
Ao longo desse percurso entrei em contato com novas discussões e bibliografias que, ao
despertar novas inquietações, começaram a delinear esse projeto de pesquisa. Em especial,
discussões e leituras realizadas no curso “Disciplinas escolares e materiais didáticos”,
ministrado pela Professora Doutora Circe Maria Fernandes Bittencourt; e nas Atividades
Programadas “Seminário sobre a Educação dos Sentidos” e “Seminário de pesquisa em História
da Educação”, organizadas pelo Professor Doutor Kazumi Munakata, a partir das quais passei
a me interessar pelo estudo dos materiais didáticos para pensar a história das disciplinas
escolares e a cultura escolar.
No entanto, foi a partir das discussões propostas e conversas realizadas durante a Atividade
Programada “Seminário: estudos sobre a cultura material”, oferecida pelo EHPS no primeiro
semestre de 2013, organizada pela Professora Doutora Katya Braghini, que decidi pesquisar,
dentre os diversos materiais didáticos usados na mediação do ensino e aprendizagem, os
quadros parietais. Esta pesquisa está inserida no tópico 3, “A ascensão das coisas”, do projeto
A educação dos sentidos na escola contemporânea brasileira (séculos XIX-XX): projetos,
práticas, materialidades, coordenado pelo Prof. Dr. Kazumi Munakata.
Portanto, esta pesquisa tem como tema os quadros parietais, com foco na sua relação com os
sujeitos que os produziram e usaram, ou seja, em sua materialidade, visualidade e como material
didático utilizado por professores e alunos na mediação entre ensino e aprendizagem do ensino
primário e secundário das escolas do Sudeste do Brasil, entre os anos de 1890 e 1970.
A escolha pelo Sudeste se deu pelo fato de ter sido nesta região que surgiram as primeiras
iniciativas no que diz respeito à implantação do método intuitivo no Brasil, com as discussões
que ocorreram em decorrência da Reforma de Leôncio de Carvalho, de 1879; os pareceres de
Rui Barbosa acerca desta proposta que visava reformar o ensino primário e outras instituições
17
Para tanto foram escolhidas 4 coleções de quadros parietais encontrados nos acervos de
instituições de ensino públicas e privadas e dedicadas tanto ao ensino primário quanto ao
secundário, que funcionaram desde o final do século XIX ou início do XX na região Sudeste:
CRE Mario Covas – EE Caetano de Campos, que abriga o acervo da antiga Escola Normal de
São Paulo, em São Paulo, capital; Memorial do Colégio São Luís, escola confessional jesuíta
fundada em Itu e transferida para a cidade de São Paulo em 1917; Colégio Marista Glória,
também religiosa e nesta mesma cidade; e Centro de Memória da Educação Brasileira do
Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (CMEB-ISERJ), que reúne os documentos da
Escola Normal do Município da Corte, posteriormente transformada em Instituto de Educação,
que inclui entre seus materiais o espólio do Pedagogium.
A escolha pelo estudo de 4 coleções, o que resultou numa amostra relativamente grande de
1.136 quadros parietais, 55 séries e 19 quadros isolados, foi feita com a intenção de tentar
perceber como se deu a circulação deste material no Brasil, em instituições diferentes, públicas
e privadas e dedicadas ao ensino de graus distintos. Teve o objetivo de observar esse material
didático desde uma perspectiva comparada e mais ampla, que pudesse identificar semelhanças
e diferenças nas escolhas e padrões de consumo de cada uma das escolas.
A decisão por abranger tanto o ensino primário quanto o secundário deu-se pelo fato de os
quadros parietais terem se tornado um objeto de ensino usado em abundância na mediação do
ensino e aprendizagem, desde o final do século XIX, em todos os graus de ensino e, desse modo,
observar como se deu sua utilização na prática tanto no primário como no secundário pôde
revelar particularidades sobre a abordagens do ensino das várias disciplinas escolares e também
dos métodos e práticas empregados em cada uma das etapas escolares.
O período de estudo foi determinado a partir dos indícios apontados pelas fontes acerca dos
usos dos quadros parietais no contexto escolar. A década de 1890 foi o período em que o método
intuitivo foi oficialmente implementado no Brasil, assim como a data de aquisição das séries
mais antigas encontradas nos quatro acervos estudados. E 1970 é a última década sobre a qual
18
se debruça a pesquisa, por terem sido encontrados nos acervos da E. E. Caetano de Campos, do
Colégio Marista Glória e no Centro de Memória Institucional do Instituto Superior de Educação
do Rio de Janeiro quantidade razoável de quadros parietais produzidos nestes anos. Pelo fato
de a pesquisa compreender um longo período de estudo, o trabalho pode revelar as mudanças e
permanências na materialidade e na linguagem visual do objeto, nas concepções de ensino, nos
métodos e práticas escolares, nos conteúdos representados nas imagem e nas funções
pedagógicas assumidas pelas imagens parietais destinados ao ensino de cada uma das diferentes
disciplinas escolares.
O uso sistemático dos mais diversos materiais didáticos na escola está associado às mudanças
ocorridas na virada do século XIX. Ao longo do século XIX, as humanidades, padrão de ensino
então consolidado, passaram a ser criticadas. Em contraposição ao ensino denominado
“livresco”, preocupado com a valorização das palavras e da memorização, evoca-se o contato
direto com as coisas, por meio da observação e experimentação (MUNAKATA, 2012).
Dessas críticas, a partir da segunda metade do século XIX, surgiram novas propostas
pedagógicas que valorizaram a experiência, a observação e a manipulação das coisas, entre elas:
o Kindergarten froebeliano, no ensino infantil; o método intuitivo, na escola elementar; e a
introdução de novos procedimentos e novas práticas no ensino secundário (MUNAKATA,
2012), como por exemplo, a introdução e, com o correr dos anos, o espaço que ganham as
disciplinas científicas no currículo.
A escola, de qualquer nível de ensino, estava preocupada com a educação dos sentidos de seus
alunos. Para observar, manipular, experimentar, na tentativa educar os sentidos, se fez
necessária a utilização de instrumentos e objetos (MUNAKATA, 2012). Souza também
esclarece:
19
Assim, as coleções de objetos para o ensino foram incorporadas nas escolas brasileiras a partir
das últimas décadas do século XIX. Nestes anos, as ideias pedagógicas que advogavam o uso
de artefatos no processo educativo circularam pelo mundo e chegaram também ao país, em
decorrência da participação de brasileiros nas exposições internacionais, grandes difusoras das
inovações educacionais, do contato com publicações e de visitas a estabelecimentos
estrangeiros (PETRY e SILVA, 2013).
Nestes eventos, estados-nação expunham em seus pavilhões 1 aquilo que tinham de mais
moderno e avançado para que fosse visto, comparado e adotado ou comprado pela grande massa
que visitava as exposições. Estes espaços de progresso e modernidade uniram o nacional e o
local com o internacional e global e neste contexto forjaram um novo cenário educativo
transnacional, no qual não apenas ideias pedagógicas eram apresentadas e apropriadas, mas
também objetos pedagógicos eram comercializados para novos mercados. Estas exposições
eram espaços de divulgação e comércio destes novos modelos pedagógicos acima mencionados
e suas tecnologias correspondentes (LAWN, 2009).
Embora estes novos padrões de escolarização, com seus métodos, práticas e objetos escolares,
fossem usados para garantir a unificação de cada estado-nação, eram universais e circularam
1
Segundo Barbuy (1996) os uso de pavilhões nacionais para as exposições somente passaram a ser uma prática na
Exposição de Filadélfia, em 1876, antes disso as exibições eram organizadas em grandes edifícios.
20
por todo o globo, tendo as exposições universais como uma de suas principais propulsoras
(LAWN, 2009).
Estudar os materiais didáticos é voltar-se para um campo de investigação durante muito tempo
marginalizado por historiadores e historiadores da educação: a cultura material, em especial, a
cultura material escolar. Contudo, esse objeto de estudo ganhou relevo nos últimos anos entre
os estudos históricos e também da educação.
O estudo da cultura material escolar despontou no bojo dos estudos da cultura material, que
floresceram entre as décadas de 1980 e 1990 a partir dos estudos realizados pela terceira geração
da escola dos Annales e, mais recentemente, pela Nova História Cultural. A valorização da
cultura material foi impulsionada pelas pesquisas acerca da vida privada e, nessa perspectiva,
os estudos dos objetos em seu contexto e na relação com os indivíduos que os produzem,
manipulam e também o transformam e, assim, são transformados, ganharam sentido (SOUZA,
2007).
Em balanço realizado por Souza (2007), percebe-se que ao longo da última década a cultura
material escolar despontou no Brasil como objeto de estudo e fonte para pensar a escola, os
objetos escolares passaram a ser considerados “vestígios e registros das finalidades culturais da
escola” (SOUZA, 2007, p. 170). As primeiras pesquisas desenvolvidas nessa perspectiva
21
tinham como recorte temático principal a história das instituições educativas, em especial, os
grupos escolares, e a história da leitura e da escrita.
No âmbito das investigações acerca das instituições educativas, ganharam força as pesquisas
sobre o espaço, arquitetura escolar e os materiais escolares para a concretização de
determinados métodos de ensino, em especial, aqueles utilizados pelos método intuitivo na
virado do século XX (SOUZA, 2007).
No que concerne a relação entre a cultura material e a história da leitura e da escrita, passaram
a ser investigados os manuais didático, livros de leitura, cartilhas, programas de ensino, em
resumo, todo tipo de suporte material da escrita e da leitura. Esse campo de estudo está bastante
consolidado no Brasil atualmente. Há ainda a relação entre cultura material e patrimônio
histórico escolar, campo de investigação que vem crescendo no Brasil (SOUZA, 2007).
Um trabalho bastante significativo que teve como foco o estudo da cultura material, foi a
dissertação defendida por BARRA (2001), na qual a autora traçou o itinerário da lousa no século
XIX e relacionou o seu emprego como material didático à implantação do sistema simultâneo
de ensino.
Desde então, e principalmente nos últimos cinco anos, foram conduzidas novas pesquisas, que
centraram seus estudos especificamente nos artefatos escolares e suas trajetórias de vida, sua
circulação e apropriação e que buscam compreender a relação entre os objetos e o currículo, o
espaço escolar e os métodos de ensino. São exemplos as investigações conduzidas nos âmbitos
dos projetos de pesquisa A educação dos sentidos na escola contemporânea brasileira (séculos
XIX-XX): projetos, práticas, materialidades, coordenado pelo professor doutor Kazumi
Munakata; A história da escola por seus objetos: Estudos etnohistóricos da escola brasileira
(séc. XIX e XX) e Museu Escolar do Colégio Marista Arquidiocesano de São Paulo (fase 1):
planejamento e organização do inventário dos instrumentos científicos, coordenados pela
professora doutora Katya Braghini; Instrumentos antigos de valor histórico e o ensino de Física
na primeira metade do Século XX, coordenado pela professora doutora Maria Cristina Zancul;
Múltiplas estratégias de escolarização da infância: contrastes de uma história transnacional da
educação, coordenado pela professora doutora Diana Vidal; Objetos em Viagem: Discursos
pedagógicos acerca do provimento material da escola primária em países ibero-americanos
(1870-1920), coordenado pela professora doutora Vera Lucia Gaspar da Silva; Da recolha à
22
No entanto, como apontou Souza (2007), mesmo que anos atrás, ainda há muito o que pesquisar
no que se refere aos estudos da cultura material escolar. Outro balanço conduzido, em 2009,
sob orientação de Vera Lucia Gaspar Silva, tomando como base empírica os trabalhos
apresentados nos Congressos Brasileiros de História da Educação e os artigos publicados na
Revista Brasileira de História da Educação, confirma essa lacuna. O estudo identificou que
apenas uma pequena parcela das investigações usa a cultura material como fonte (6% nos
CBHEs e 11% na RBHE). Aponta ainda que grande parte desses estudos não centra o estudo
nos artefatos, mas tem como foco de interesse a discussão acerca de determinados métodos de
ensino, em especial o intuitivo (SILVA, PETRY, 2009). Vidal e Silva (2010) também advertem
para a necessidade de se fazer mais estudos que contem a trajetória dos objetos escolares.
Dizem:
No caso dos utensílios escolares carecemos de estudos que revelem com mais
precisão conexões entre a idealização dos artefatos, as defesas de seus usos e
sua fabricação e comercialização, ou seja, o mapa das rotas entre idealização,
fabricação, comercialização e usos. (VIDAL, SILVA, 2010)
chamados de parietais, pois são pendurados nas paredes ou em outros dispositivos para serem
observados por todos os alunos simultaneamente.
Várias investigações acerca desse recurso didático já foram conduzidos em países europeus.
Segundo estudos realizados por pesquisadores da Europa Central, os quadros parietais tem sua
origem nas ilustrações de livros didáticos, que, com a melhoria nas técnicas de impressão,
puderam ser ampliados, produzidos em cores e impressos em massa. Por isso, consideram que
Comenius e Johann Bernard Basedow estão entre os precursores dessa tecnologia pedagógica.
Isso se deve ao fato de Comenius ter publicado em 1658 a obra Orbis sensualium pictus, um
manual que contava com 150 gravuras sobre madeira projetadas para ensinar crianças a ler
relacionando palavras a objetos. Da mesma forma, o pedagogo alemão Johann Bernard
Basedow, em 1774, anexou ao seu manual da escola elementar, Elementarwerk, um atlas com
a reprodução de mais de cem gravuras em cobre do artista Daniel Nicolas Chodowiecki, um
conhecido gravurista da Europa de então. Essas gravuras seriam usadas como prêmios de boa
conduta e poderia também ser coladas em papelão, cobertas com vidros e penduradas nas
paredes das salas de aula (BUCCHI, 2006).
A partir de meados do século XIX, esse recurso didático se popularizou e disseminou por vários
países. Começaram a ser produzidos e vendidos em grande quantidade, se diversificaram e
passaram a retratar um grande número de temas: históricos, geográficos, científicos, religiosos.
O seu uso rapidamente se espalhou do ensino primário para todos os outros graus de ensino,
inclusive universitário. Entre 1860 e 1960 foram indispensáveis para o ensino (BUCCHI, 2006).
Já os franceses e espanhóis relacionam o origem do uso dos quadros parietais na região com a
aparição do sistema de ensino mútuo. Por isso, os quadros não possuíam imagens, mas textos;
e sua principal utilidade era a fixação de conteúdos estudados nos semicírculos. É somente com
a implementação do ensino simultâneo, por volta de 1840, que novos quadros são elaborados.
Nos anos posteriores, os parietais se diversificaram e passaram a ser usado como suporte para
o ensino de Religião, Geografia, História e Ciências Naturais. Com isso, eles se popularizaram,
se disseminaram por toda a Europa e, em torno desse material didático, se desenvolveu um
grande mercado internacional (POZO ANDRÉS, 2013).
Da mesma forma, informações contidas no website do International Project Europe and Identity
– History on wall charts in an European Perspective, organizado por instituições da Alemanha,
Holanda e Dinamarca e financiado pela União Europeia, com o objetivo de promover o
conhecimento sobre aproximações e diferenças no ensino nos diferentes países da Europa a
partir do estudo dos quadros parietais de História, apontam que esse recurso didático esteve no
centro da educação europeia desde a segunda metade do século XIX até a segunda metade do
século XX e junto com livros didáticos estão entre os materiais didáticos mais importantes para
o processo de ensino e aprendizagem nos países europeus a partir de meados do século XIX.
Segundo o website:
foram usados como decoração de paredes, o que apenas contribuiu para esse
processo2.
Os quadros parietais também aparecem como objeto de estudo num artigo escrito pelos
holandeses, ligados aos Museu Nacional de Educação de Rotterdam, Dane, Earle e Van Ruiten
(2011), que tem por objetivo identificar as possibilidades de investigação da sala de aula em
seu âmbito material. Embora não tenham centrado sua investigação apenas nos parietais,
também mostram preocupação em abordar esse material de ensino e suas possibilidades para a
história da educação.
Num outro trabalho, o pesquisador espanhol Escolano Benito (1998), preocupado em investigar
a função curricular desempenhada pela arquitetura e espaço escolar na aprendizagem na
Espanha, trata do uso das paredes das escolas para fixar desde símbolos religiosos e políticos
até cartazes repletos de conteúdos. O pesquisador encontra já em 1838, no Regulamento das
Escolas Públicas, prescrições acerca da ocupação das paredes, que determinavam a colocação
de uma imagem de Jesus Cristo e de “grandes cartazes ou pranchas, cuja superfície apresente
lições impressas ou manuscritas, com abecedário, tábuas de multiplicação, pesos e medidas”
nas salas de aula (ESCOLANO BENITO, 1998, p. 41). Pode-se dizer, desse modo, que os
quadros parietais apresentam um aspecto estético para além do pedagógico. Esse objeto didático
e também artístico faz parte de uma estética escolar que procura educar os sentidos por meio da
visão. Os quadros estão nas paredes para serem contempladas, observados. Os alunos se tornam
também espectadores (LOPES, 2004).
Os estudos conduzidos na Europa ainda indicam que o uso dos quadros parietais foi muito
importante no ensino de ciências. Para Guerra (2007), em sua dissertação Memória e
materialidade no ensino liceal: um percurso pelo patrimônio didáctico do Liceu de Portalegre,
na qual faz uso dos materiais didáticos usados nesse Liceu entre meados do século XIX e
meados do século XX para investigar o ensino de ciências na instituição, foi possível aos alunos
adquirir, visualmente, por meio dos quadros parietais, um vasto conhecimento sobre espécimes,
estruturas, sistemas e situações, impossíveis de serem captadas de outra forma.
2
Texto disponível no site historywallcharts.eu
26
Lopes (2004) e Bucchi (2006), observam ainda como os parietais, com suas imagens e cores,
seu tamanho e posição em que ficavam nas salas de aula, fixados num lugar de destaque nas
paredes, se tornaram um meio adequado de ensinar os conteúdos ligados às áreas científicas,
especialmente de botânica e zoologia.
Identificar o todo pelas partes, observar os detalhes, tanto externos quanto internos, são
pressupostos de uma concepção de ciência que tem por objetivo conhecer a natureza por meio
de ordenações e classificações determinadas justamente pelas partes que compõem os
elementos da natureza (POSSAS, 2013). A escola e os quadros parietais nela utilizados foram,
portanto, responsáveis pela difusão de determinados modelos, concepções e discursos
científicos.
Em sua tese que enfoca os materiais científicos para compreender como se deu ensino da
botânica nas instituições educativas de Murcia, na Espanha, Marín (2014) também faz um
levantamento das principais séries de quadros parietais utilizados no ensino desta disciplina na
região, destacando seus conteúdos e os principais sujeitos envolvidos em sua produção.
Os quadros parietais foram ainda objeto de estudo de três trabalhos importantes realizados na
Europa, um deles na Bélgica e dois em Portugal. Os três têm como foco principal os próprios
quadros parietais usados em seus países. Catteeuw (2005) desenvolveu uma tese extensa
explorando o mercado pedagógico dos quadros parietais na Europa, o processo de
regulamentação dos usos deste material didático na Bélgica, as prescrições de uso e analisou as
imagens de várias séries de parietais utilizados neste país com o objetivo de perceber as
27
Lopes (2004, 2013) fez da coleção de quadros parietais do Liceu Nacional de Passos Manuel
(Portugal) seu objeto de estudo em suas pesquisas de mestrado e doutorado. No primeiro
trabalho realizado, fez um levantamento dos quadros parietais existentes na escola levando em
conta sua materialidade, os temas e conteúdos abordados e os seus usos pedagógicos. A partir
da análise desta mesma coleção, em seu trabalho de doutorado, o pesquisador português buscou
analisar os significados e discursos presentes nas imagens parietais, responsáveis por inculcar
por meio da visão e de forma natural um conjunto de valores e princípios admitidos como
verdadeiros.
As três pesquisas trazem contribuições importantes para pensar a história deste material
didático, sua circulação e apropriação; os sujeitos envolvidos na sua produção, escolha e usos;
sua materialidade; suas linguagens visuais; os temas conteúdos abordados; as disciplinas que
lançaram mão deste objeto pedagógico; e também os significados presentes nas imagens.
Estes trabalhos já realizados fora do Brasil apontaram indícios importantes para compreender
o que justifica a popularidade que esse objeto escolar adquiriu e a difusão dessa tecnologia
pedagógica por todo o mundo ocidental no final do século XIX e ao longo do XX, entre eles: a
disseminação de novos métodos de ensino, principalmente o intuitivo; a emergência de um
mercado internacional voltado ao comércio de artefatos pedagógicos; o avanço na tecnologia
de impressão; a concepção de ciência que tem a observação e a experimentação como principais
fontes de conhecimento; e a percepção moderna da visão como o sentido mais importante.
Embora os quadros parietais já tenham sido objeto de estudo de várias pesquisas na Europa, no
Brasil não existem trabalhos que se dediquem exclusivamente ao estudo deste material didático.
Breves apontamentos aparecem em estudos sobre a disseminação dos pressupostos do Método
Intuitivo no Brasil 3 , sobre Museus Escolares 4 , sobre a circulação de modelos e artefatos
pedagógicos5, em artigos que assinalam a cultura material escolar como importante vestígio e
3
Ver SHELBAUER, 2003.
4
Ver VIDAL, 1999; VIDAL, 2004; VIDAL, SILVA, 2010; PETRY, SILVA, 2013; SILVA, 2015.
5
Ver VIDAL, 2004.
28
registro sobre da cultura escolar6 e que abordam a relação entre os materiais didáticos e o ensino
de determinadas disciplinas, especialmente de ciências7.
A leitura dos trabalhos que abordam aspectos da história dos quadros parietais no Brasil
permitiu constatar que até a segunda década do século XX, esse material, era proveniente
principalmente de países estrangeiros, principalmente da França, Itália, Alemanha e Bélgica. A
introdução deste objeto de ensino no contexto escolar brasileiro está relacionada à circulação
dos pressupostos do método intuitivo a partir do final dos anos de 1860, que ocorreu em
decorrência das Exposições Universais, conferências pedagógicas, de livros e manuais de
ensino. A partir da segunda década do século XX, empresas nacionais ou instituições públicas
ligadas ao ensino, como é o caso do Museu Nacional do Rio de Janeiro, começaram a
confeccionar esse material no país.
Embora Vidal (2004) aponte 1910 como a década de desaparecimento dos quadros parietais das
escolas, foi possível perceber que isso não ocorreu. Vidal afirma que os parietais "quase não
sobreviveram, nem como objetos das escolas, nem como recurso de ensino" (VIDAL, 2004, p.
216). Ao contrário disso, a análise dos conjuntos de quadros parietais dos acervos visitados para
essa pesquisa mostraram que a partir da segunda década do século XX, as escolas brasileiras,
pelo menos do Sul e Sudeste, adquiriram muitos mapas murais, não só de empresas estrangeiras,
como de brasileiras. Entre as empresas nacionais, destaca-se a Companhia Editora
Melhoramentos, que produziu diversas séries deste material de ensino, abrangendo diversos
temas e destinado ao ensino de várias disciplinas. Verificou-se ainda que até o fim década de
1960, os parietais ainda compunham os materiais didáticos das escolas investigadas.
Petry (2012) também constata que o emprego dos quadros parietais foi grande nas escolas de
Santa Catarina no início da década de 1940. Ao analisar as listas de inventários de 1941 e 1942
remetidas pelas escolas ao Departamento de Educação do Estado de Santa Catarina, a aponta
que "os quadros, ou pranchas pedagógicas" foi o item que mais apareceu.
6
Ver VIDAL, SILVA, 2010.
7
Ver BOCCHI, 2013; SILY, 2008; SILY, 2012; BASTOS, BUSNELLO, 2004.
29
E ainda reforça,
Apesar do que foi constatado por meio da bibliografia consultada, ainda é pouco o que se sabe
sobre a história deste material didático no Brasil. Diante dessa lacuna e da necessidade de uma
investigação mais sistemática acerca dos quadros parietais, a presente pesquisa se faz bastante
relevante.
Ao levar em consideração que os quadros parietais foram amplamente utilizados nas escolas
brasileiras e dos países ocidentais em geral a partir da metade do século XIX até meados do
século XX, esta pesquisa tem como objetivo conhecer a história deste material didático no
Brasil, enfocando como se deu a sua circulação, os sujeitos e empresas envolvidos em sua
produção e distribuição, a sua materialidade, suas funções pedagógicas levando em
consideração as disciplinas escolares de referência, os conteúdos abordados e as linguagens
visuais empregadas.
A pesquisa utilizou como fontes os próprios quadros parietais localizados em quatro acervos
escolares: CRE Mario Covas - Acervo da E.E. Caetano de Campos, Memorial do Colégio São
Luís, Colégio Marista Glória e Centro de Memória da Educação Brasileira do Instituto Superior
de Educação do Rio de Janeiro; catálogos de empresas que vendiam quadros parietais,
principalmente da francesa Maison Deyrolle; manuais explicativos dos usos dos parietais;
30
trabalhos de alunos do Instituto de Educação do Rio de Janeiro das décadas de 1950 e 1960;
fotografias de salas de aula, gabinetes ou salas de história natural, física e química, Museu
Pedagógico, Biblioteca e gabinetes dentários de escolas paulistas; documentos oficiais, como
legislação e programas de ensino das escolas primárias e secundárias paulistas e cariocas, livros
de inventário e relatório anuais de diretores e de inspetores de ensino; guias e relatórios de
visitas às exposições universais que ocorreram na segunda metade do século XIX; periódicos
educacionais, como: Revista Pedagógica, Revista do Ensino, Revista Escolar e Revista do
Ensino do Rio Grande do Sul; e banco de dados online relacionados à patrimônio científico e
educativo8.
Brasil: Centro de Referência Mario Covas - Acervo E.E. Caetano de Campos; Memorial e
Biblioteca do Colégio São Luís; Colégio Marista Glória; Centro de Memória da Educação
Brasileira do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro; Arquivo Público do Estado de
São Paulo; Arquivo da Assembleia Legislativa de São Paulo; Biblioteca do Livro Didático da
FE-USP.
8
A citação das fontes utilizadas neste trabalho serão feitas em notas de rodapé ao passo que as indicações
bibliográficas constarão no próprio corpo do texto.
31
em Madrid/ Espanha entre setembro de 2015 e maio de 2016, sob a orientação do Professor
Doutor Leoncio López-Ocón Cabrera.
As atividades realizadas nestes nove meses de estágio foram divididas em duas etapas: 1) leitura
de bibliografia sobre cultura visual, história da ciência e cultura material escolar de difícil
acesso no Brasil; 2) pesquisa de documentos históricos relacionados aos quadros parietais, isto
é, à produção, distribuição e ao uso deste material de ensino nos arquivos espanhóis e na
Biblithèque Nationale de France. Dessa forma, foi possível reunir fontes sobre as séries de
parietais encontradas nos acervos das instituições de ensino pesquisadas e também conhecer
aquelas que foram usadas nas escolas destes países, para uma posterior comparação ou estudo
que possa pensar este material didático desde uma perspectiva transnacional.
O quadro parietal é ao mesmo tempo um artefato e uma imagem visual, por isso, a metodologia
de análise teve como referência tanto os estudos da cultura material como da cultura visual. Ela
foi desenvolvida levando em consideração suas particularidades como objeto e como imagem,
usados em contexto pedagógico, e também as perguntas de pesquisa.
Os estudiosos da cultura material entendem que os artefatos são mediadores das relações
sociais, fazem o intermédio entre o indivíduo e o mundo. Logo, são documentos históricos que
revelam a própria cultura, pois são suportes materiais da vida em sociedade.
Apesar de serem preteridos em relação às fontes escritas pelos historiadores, os objetos como
fonte histórica podem revelar outros ou novos aspectos daquilo que está sendo estudado,
especialmente no que diz respeito aos aspectos daquilo que é cotidiano. Meneses (1983) ainda
afirma que, não somente por isso, a análise dos artefatos traz vantagens em relação ao dos
documentos textuais.
32
Estudar os artefatos é pensá-los como produtos e também como vetores de relações sociais
(MENESES, 1983):
Nessa perspectiva, pensar os objetos é identificar que sujeitos estão implicados em sua
idealização, produção e uso a partir de que normas culturais; quais relações sociais revelam, na
medida em que são usados como mediadores; como modificam o ambiente que lhe é exterior e
os sujeitos que com eles interagem; e como se transformam ao longo do tempo na relação com
os indivíduos.
Fleming (1974) propõem um modelo de análise de artefatos dividido em duas partes. Num
primeiro momento é necessário fazer um levantamentos das cinco propriedades elementares de
um objeto: sua história, seu material, sua construção, seu design e sua função. Posteriormente,
uma vez coletadas estas informações iniciais, deve ser realizada a análise em quatro operações,
a identificação, a avaliação, a análise cultural e a interpretação.
A identificação está focada em entender o que é determinado objeto, qual a sua função, levando
em conta a época em que foi feito, seu autor, seu material, quem o usou. A avaliação pretende
aferir sobre as qualidades estéticas e de construção do objeto, pensando em seu custo e raridade,
por exemplo. A análise cultural busca compreender como determinado objeto está relacionado
a determinados comportamentos humanos e de determinadas culturas; como são usados e com
qual utilidade; que ideias, valores, emoções e sentidos produzem. E, por fim, a interpretação
deve entender os usos dos objetos, relacionar seus aspectos a ideias e valores de seus usuários
e quais significados transmitem. Ainda que este modelo de Fleming não tenha sido usado para
esta investigação, serviu de referência para o desenvolvimento da metodologia utilizada.
33
O quadro parietal não é somente um objeto, mas um objeto que veicula uma imagem. Portanto,
a análise deste artefato precisou lançar mão também dos referenciais teóricos e metodológicos
dos estudos da Cultura Visual. Segundo Paulo Knauss (2003), este campo de pesquisa é recente.
Nasceu nos Estados Unidos na década de 1990, e há apenas poucos anos chegou aos meios
acadêmicos brasileiros.
Há diferentes formas de definir cultura visual, que variam conforme as escolas de pensamento
surgidas no interior de diferentes instituições e grupos de estudo. As definições, no entanto, se
enquadram em duas grandes categorias: a primeira delas se resume a uma compreensão de
cultura visual mais restrita, a qual corresponde à cultura ocidental, seja a partir da perspectiva
da hegemonia da cultura ocidental pela ciência, seja pela interpretação da cultura visual como
equivalente de cultura contemporânea, na qual há um privilégio do uso da visão em decorrência
da abundância de imagens virtuais e digitais, como consequência do desenvolvimento
tecnológico; a segunda compreensão é mais abrangente e leva em consideração a historicidade
da cultura visual; isto é, pensar a cultura visual é pensar "diferentes experiências visuais ao
longo da história em diversos tempos e sociedades" (KANUSS, 2003, p. 110). Para a realização
desta pesquisa, adoto a categoria que pensa a cultura visual de maneira mais abrangente, a qual
entende que o olhar é uma construção social e histórica.
Segundo Mitchell (1987), a palavra imagem pode designar muitas coisas diferentes e, ao mesmo
tempo, estas coisas podem não ter nada em comum entre si. Portanto, o autor organizou as
imagens em famílias nas quais são compartilhadas características semelhantes, como a imagem
gráfica, ótica, perceptual, mental e verbal. No caso específico dos parietais, trata-se de imagens
gráficas, que são percebidas por meio do sentido da visão.
Ainda assim, dizer isso não revela muita coisa, pois mesmo as imagens gráficas são bastante
complexas, podem ter intenções múltiplas, ser veiculadas em diversos meios de comunicação
e ter significados e despertar emoções e respostas diferentes para diferentes pessoas ou grupos
sociais (STURKEN, CARTWRIGHT, 2001).
Por isso, fazer uma análise deste tipo pressupõe compreender que uma imagem não é nunca um
produto inocente, transparente e que se mostra tal como é na realidade. Ao contrário, é uma
construção social feita a partir de práticas, tecnologias e saberes específicos (ROSE, 2016).
34
Para este trabalho, portanto, uma imagem é vista como uma representação, isto é, resultado de
processos de produção de sentido em contextos culturais. Pensar a imagem como representação
é partir do pressuposto de que o mundo ao nosso redor se organiza em sistemas de
representações, como a linguagem por exemplo, com regras e convenções próprias. Estes
sistemas de representação não são reflexos da realidade existente, eles organizam, constroem e
medeiam o entendimento da realidade, das emoções e da imaginação (STURKEN,
CARTWRIGHT, 2001).
Pensar a imagem na perspectiva de sua visualidade é, deste modo, conhecer quem a produziu,
fazendo uso de quais tecnologias, com quais intenções, por onde e em quais meios circulou,
qual o seu papel nos diferentes espaços em que é exibida, como é interpretada pelos diferentes
espectadores, quais significados produz e que diferenças sociais e de identidade e relações de
poder ela naturaliza (STURKEN, CARTWRIGHT, 2001).
Como adverte Berger (1972), é importante levar em consideração os modos de ver que uma
imagem implica, uma vez que o que se sabe ou acredita interfere no modo de ver as coisas.
Aquilo que é visto é uma relação entre quem vê e aquilo que é visto. Dessa forma, as imagens
encarnam modos de ver ao passo que foram recriadas ou reproduzidas por um sujeito. Ao
mesmo tempo, quando esta imagem é olhada por outro indivíduo, este a percebe ou aprecia
através do seu próprio modo de ver. Neste ato de olhar a imagem, encontram-se, portanto, dois
modo de ver que podem ser distintos, e que, neste momento, estabelecem uma relação um com
o outro. É por isso que pensar uma imagem é sempre pensá-la em função de seu produtor, mas
também de seu espectador (BERGER, 1972).
De acordo com Rose (2016), uma análise crítica de materiais visuais deve levar em
consideração o lugar de produção, o lugar da imagem mesma, o lugar da circulação e o lugar
da audiência. Além disso, cada um desses lugares devem ser analisados a partir de três aspectos
principais, o tecnológico, que diz respeito à tecnologia envolvida desde a confecção da imagem
até a sua exibição; o composicional, que corresponde aos aspectos materiais da imagem, seu
35
conteúdo, cor, organização espacial etc; e o social, que abrange as relações econômicas, sociais
e políticas, as instituições e as práticas subjacentes à produção, circulação e exibição de uma
imagem. É importante analisar as imagens desde cada um destes lugares, pois o que ocorre em
cada um deles pode interferir na forma da imagem, no seu significado e também nos efeitos que
produz.
O primeiro banco de dados foi elaborado com o objetivo de levantar aspectos relativos aos
lugares de produção, de circulação e de audiência (ROSE, 2016), ou as propriedades
elementares dos quadros parietais, isto é, questões relativas à sua história como objeto didático,
observações sobre sua materialidade e ao seu design (FLEMING, 1874) e modos de uso. O
banco de dados buscou responder especificamente às seguintes indagações sobre o artefato:
A partir da análise das informações reunidas neste primeiro banco de dados foi possível
conhecer bem sobre a história dos quadros parietais, sua função como material didático, quem
eram os sujeitos envolvidos em sua produção e circulação, como este objeto circulou no mundo
ocidental e passou a ser usado no Brasil, qual era o seu formato principal, quais materiais foram
usados na sua confecção, quais disciplinas foram contempladas com esse objeto pedagógico e
como foram armazenados e expostos nas instituições escolares.
Um segundo momento da pesquisa consistiu na análise das imagens mesmas, com foco em seu
conteúdo e sua apresentação de acordo com determinadas linguagens visuais. Interessava
perceber o que as próprias imagens dos quadros parietais podiam revelar sobre a história deste
37
A análise das imagens se deu de forma bastante intuitiva, a partir da observação atenta de cada
uma delas9, já que os principais objetivos que se pretendeu alcançar foram identificar conteúdos
priorizados, formas de organização deste conteúdo no espaço do quadro, linguagens visuais
usadas ao longo do tempo e as funções pedagógicas assumidas pelas imagens parietais nas
diferentes disciplinas escolares. Neste caso também foi feito um banco de dados onde as
informações percebidas eram computadas. Este levantamento inicial buscou responder as
seguintes questões:
9
Há uma grande quantidades de metodologias que podem ser usadas para analisar materiais visuais. A escolha do
método de análise ou da combinação de métodos deve levar em consideração as perguntas de pesquisa. Entre os
métodos existentes estão: interpretação composicional, análise de conteúdo, análise cultural, semiótica,
psicanalítica, análise do discurso, métodos etnográficos, métodos digitais ou métodos de pesquisa visual (ROSE,
2016).
38
Para que pudesse ser feita uma comparação entre as imagens e, assim, perceber conteúdos
priorizados, organização das ilustrações no espaço do quadro e transformações nas linguagens
visuais ao longo do tempo, foi feita uma primeira classificação de análise, os quadros parietais
foram divididos pelo tipo de conteúdo abordado, como matemática, português, geografia,
história do Brasil, zoologia, botânica, anatomia/ fisiologia etc. Assim também foi possível
relacionar as imagens dos quadros parietais às disciplinas escolares de referência, suas
finalidades, seus programas e suas metodologias de ensino próprias.
Mesmo na análise das imagens, houve a preocupação de não perder de vista seu contexto de
produção, circulação e sua audiência. Somente assim foi possível perceber transformações ao
longo do tempo, dependendo do local de produção e circulação. A questão da audiência é,
também, bastante importante em se tratando das imagens parietais. Ainda que, para esta
pesquisa, não tenha sido possível conhecer como os alunos de fato atribuíram significados às
imagens que viram, ter o aluno como audiência já diz muito sobre estes quadros que adentraram
as escolas. As imagens parietais precisavam estar de acordo com as metodologias e os
programas de ensino vigentes, deveriam ser didáticas o suficientes para serem compreensíveis
e, certamente, entravam na escola com caráter de verdade. Aquilo que era visto na imagem era
considerado realidade. No entanto, se ao olhar criticamente para estas imagens não podemos
captar o que o aluno viu exatamente, podemos pelo menos identificar o que os sujeitos
40
envolvidos na elaboração dos parietais queriam que os alunos vissem, que significados
buscavam transmitir na escola. Desse modo, pensar a imagem levando em consideração o lugar
da audiência e da produção, pôde mostrar valores que se queria inculcar, construções sociais
que se queria projetar e discursos que se queria afirmar através da educação escolar.
Houve, portanto, a preocupação em analisar os quadros parietais e suas imagens pela sua
produção, circulação, materialidade, visualidade, conteúdo e apontando também alguns
significados que produziram entre os alunos das escolas do Sudeste brasileiro.
A tese de doutorado está dividida em 4 capítulos. O primeiro deles aborda a relação entre o
advento dos quadros parietais como materiais didáticos e o privilégio conferido ao sentido da
visão no mundo ocidental no período moderno e especialmente a partir do século XIX; o que
são as ilustrações científicas e como os mapas murais seguem a tradição moderna de
organização de imagens em forma de tableaux; os pressupostos do ensino intuitivo e o
significado que a observação adquiriu no século XIX e XX como faculdade essencial a ser
exercitada para a aquisição do conhecimento, seja para aprender determinado conteúdo
imediato ou como ponto de partida para o desenvolvimento de outras faculdades; as finalidades
dos usos dos quadros parietais no contexto pedagógico; as características materiais deste
artefato pedagógico ao longo do período em que foi adquirido e usado para o ensino e
aprendizagem; os primeiros indícios de uso deste material didático no Brasil; e os locais de
armazenamento e exibição dos quadros parietais nas instituições de ensino do Sudeste
brasileiro.
No segundo capítulo são apresentadas as coleções de quadros parietais dos acervos do CRE
Mario Covas – E.E. Caetano de Campos, do Memorial do Colégio São Luís, do Colégio Marista
Glória e do Centro de Memória da Educação Brasileira do Instituto Superior de Educação do
Rio de Janeiro (CMEB-ISERJ), especificando a quantidade de séries e quadros parietais
encontrados, os países onde foram produzidos, as datas em que foram confeccionados e que
circularam, os graus de ensino e as disciplinas escolares as quais estavam destinados.
suas funções pedagógicas de acordo com a disciplina escolar de referência, seus conteúdos, sua
organização no espaço do quadro, suas linguagens visuais e transformações sofridas desde o
final do século XIX até a década de 1970 do XX.
42
Capítulo 1
O quadro parietal como artefato didático da escola moderna
Estudiosos da cultura visual tem conferido status privilegiado ao sentido da visão para a
compreensão e percepção do mundo na cultura ocidental posterior ao Renascimento. Nessa
perspectiva, a visão assumiu o lugar de sentido dominante e mais importante ao passo que a
audição, o olfato, o paladar e o tato foram considerados sentidos inferiores (SMITH, 2007).
Estudos posteriores, no entanto, passaram a criticar o que foi chamado de ocularcentrismo, isto
é, o lugar central conferido à visão na produção e interpretação do conhecimento, da verdade e
da realidade (SMITH, 2007). As críticas ao privilégio que a visão assumiu no período moderno
estão relacionadas às pesquisas que começaram a ser conduzidas a respeito dos outros sentidos
e que pensaram a história não somente a partir da vista. Estes estudos deixaram de ignorar os
outros quatro sentidos e, assim, os retiraram paulatinamente do obscurantismo ou passaram a
olhá-los desde uma perspectiva multissensorial, na qual a percepção do mundo se dá não
somente por um dos cinco sentidos, mas pela combinação do uso de dois ou mais deles. Dessa
forma, ainda que a visão mantenha a sua primazia na interpretação da cultura ocidental
moderna, estes novos estudos mostraram que os outros sentidos também foram importantes
neste período (SMITH, 2007).
O sentido da visão foi também considerado importante para a ciência, especialmente a partir
dos séculos XVIII e XIX. O olho era o principal instrumento utilizado pelo cientista para
observar e, assim, conhecer o mundo. Era também o único com o poder de verificar se aquilo
que havia sido observado era mesmo verdadeiro. A ciência também fez da visão uma importante
fonte de verdade e conhecimento (SMITH, 2007).
Em meados do século XIX a visão era também considerada como o sentido mais importante
para o senso estético. Desse modo, a apreciação estética e a percepção do bom ou mau gosto
passavam pelo olhar, não mais pelo toque, que havia se tornado perigoso e incivilizado
(SMITH, 2007). A ascensão e a valorização das coisas materiais em decorrência da cultura que
se desenvolveu em torno do capitalismo industrial também fortaleceram o olhar como modo
privilegiado de perceber o mundo. As coisas precisavam estar expostas para serem vistas,
apreciadas, desejadas e consumidas. O mundo material era apreendido prioritariamente pela
visão e por meio deste sentido se apreendia conceitos e valores.
44
As exposições universais realizadas durante os séculos XIX e XX são exemplos destes espaços
onde as coisas ficavam expostas, como em vitrines, para serem vistas. Elas eram exibidas a
partir de padronizações e classificações que as relacionavam ou diferenciavam entre si e, desse
modo, impunham uma alfabetização visual para seus observadores (LAWN, 2009). As visitas
às exposições requeriam, portanto, que seus participantes seguissem determinadas regras de
comportamento e formas específicas de observação do mundo material, dominadas pela visão,
que direcionavam o modo como este observador percebia e sentia o mundo (BARBUY, 1999).
A urbanização e reorganização dos espaços públicos dos séculos XIX e XX também foram
direcionadas ao olhar e ao mesmo tempo fortaleceram este sentido. Das cidades medievais
escuras, com espaços apertados e ruas apinhadas de gente, as cidades foram convertidas em
espaços projetados, com largas avenidas, passagens arquitetadas geometricamente e bastante
iluminadas (SMITH, 2007). Nas ruas podiam ser vistas vitrines de lojas, edifícios suntuosos e
mesmo as multidões, os quais eram objeto de observação das pessoas que passavam e
passeavam pelas ruas. O espaço público se constituiu em um lugar para ver e ser visto, a vida
cotidiana era registrada pelo olhar como um espetáculo (BRESCIANI, 1982).
Houve ainda a preocupação com a iluminação pública, primeiro a gás e depois elétrica, por
meio da qual as pessoas podiam enxergar à noite. A ideia de cidade moderna era a de cidade
iluminada. A iluminação era consequência do aumento da produtividade econômica, mas
também da necessidade de segurança que a nova ocupação da cidade impunha. Era necessário
enxergar a noite para poder circular e também para estar protegido (SMITH, 2007).
Portanto, ainda que a visão não tenha sido de fato o sentido mais importante para perceber,
conhecer e se relacionar com o mundo, a partir do qual conceitos e valores foram inculcados e
novas subjetividades criadas, os indícios acima apresentados evidenciaram que a ele foi
conferido, na modernidade, por diversos sujeitos e instituições, um lugar proeminente em
relação à audição, o olfato, o paladar e o tato. É somente a partir dessa tradição visual do século
XIX, que se pode entender a entrada e o uso prolongado dos quadros parietais no contexto
educativo. Uma das razões pelas quais este material didático foi incorporados às instituições
educativas é justamente, a importância atribuída à visão como o sentido mais importante para
a observação, por aqueles que pensaram a educação.
45
As ilustrações científicas são dispositivos visuais que não constituem simples ilustrações
daquilo que é objeto de estudo da ciência, ao contrário, são entendidas como os próprios objetos
do conhecimento, “são entidades ativas e operativas que organizam e regulam o processo do
conhecimento” (BREDEKAMP, DÜNKEL, SCHNEIDER, 2015, p. 11). Elas são o registro de
processos em andamento ou de resultados obtidos nas pesquisas conduzidas nas ciências da
observação (DASTON, GALISON, 2010).
As imagens científicas não são os objetos naturais, mas representações a partir das quais a
ciência é construída. Isso significa que muitas vezes um campo de saber se constituiu
principalmente com bases na observação e comparação das imagens difundidas e não dos
espécimes naturais. As imagens científicas são, portanto, evidências que revelam
conhecimentos, modos de olhar a natureza, princípios teóricos, discursos científicos e práticas
de observação e experimentação, além de implicar autores, ilustradores, produtores e leitores.
Por se tratarem de objetos do conhecimento, as ilustrações da ciência estão carregadas de
camadas de significados que fazem referência à diferentes concepções de ciência e virtudes
epistemológicas, isto é, formas históricas de investigar e ilustrar a natureza (BREDEKAMP,
DÜNKEL, SCHNEIDER, 2015, DASTON, GALISON, 2010).
Foi por meio das imagens que a ciência pôde ser compartilhada, verificada, replicada,
reproduzida e mesmo contestada. As ilustrações científicas serviram para a difusão e
disseminação da ciência para além das academias individuais; para que outros pesquisadores
pudessem ter contato com espécimes desconhecidos ou distantes temporal e espacialmente; e
para que os estudos em andamento e as descobertas pudessem ser preservados e fossem mais
facilmente guardados na memória. As imagens permitiram que a ciência pudesse ser coletiva e
não restrita a pequenos grupos isolados (BREDEKAMP, DÜNKEL, SCHNEIDER, 2015,
DASTON, GALISON, 2010).
46
Desde o renascimento, a partir da invenção da imprensa, o livro impresso foi escolhido pelos
naturalistas como o melhor meio para a difusão científica. Por meio deste dispositivo palavras
e imagens puderam se articular na construção do conhecimento. Por meio deste dispositivo, a
ciência pôde se disseminar para além das fronteiras locais e figuras e formas de representação
da realidade foram padronizados (PEDRO, 1999).
Desde então, as imagens, ainda que muitas vezes acompanhadas de textos, assumiram um papel
central na produção e disseminação do conhecimento científico. O principal formato de
exposição destas ilustrações científicas desde o início do período moderno, compartilhadas
tanto pelas ciências físico-químicas quanto naturais, era o de tableaux. Isto é, numa área ou
espaço, diferentes elementos pictóricos eram dispostos e organizados a partir das relações que
tinham uns com os outros (BREDEKAMP, DÜNKEL, SCHNEIDER, 2015).
O termo tableaux tem sido utilizado na história da arte para designar painel ou
pintura. Desde o século XIX, no entanto, um segundo significado apareceu
para incluir visões gerais em contextos científicos, nos quais elementos
individuais de uma imagem estão dispostos um ao lado do outro em um quadro
ilustrado. Estas visões gerais podem mostrar um animal em vários estágios de
desenvolvimento, perspectivas, proporções, etc., com elementos individuais
posicionados um ao lado do outro através da imagem. Isso permite uma
representação simultânea de fenômenos cronologicamente e espacialmente
separados para fins de exibição comparativa. Os tableaux fornecem uma visão
geral, transmitem informações e têm sido utilizados como quadros no ensino
e como quadros ilustradas em textos científicos, muitas vezes em contextos
educacionais. Assim, muitas vezes contribuem para popularizar o
conhecimento científico. (BREDEKAMP, DÜNKEL, SCHNEIDER, 2015, p.
81).
Ainda que os autores apontem o século XIX como o momento em que este termo passou a ser
designado para tratar do formato de exibição das imagens científicas, uma breve análise de
ilustrações científicas pôde evidenciar que a tradição da ilustração naturalista em tableaux é
47
mais antiga. É possível reconhecê-la nos atlas científicos dos séculos XVII e XVIII, nas
ilustrações usadas na Enciclopédia organizada por Diderot e d’Alambert do século XVIII e
também nos quadros parietais dos séculos XIX e XX.
Figura
Figura 1.1 Tab. X. Turnera. LINNAUS, C. Hortus cliffortianus: plantas exhibens quas in hortis tam vivis quam
siccis, hartecampi in Hollandia, 1937, p. 112.
Figura 1.2 Histoire naturelle. Carangueijo, carangueijo de água doce, lagosta, lagostim. DIDEROT, D,
D’Alambert, J. R. Enciclopédia, ou dicionário razoado das ciências, das artes e dos ofícios. Volume 3: Ciências
da natureza, 2015, p. 365.
Isto significa que este formato em tableaux de disposição das imagens científicas perdurou
séculos e esta tradição foi mantida quando da elaboração dos quadros parietais destinados ao
ensino de ciências nos vários graus de ensino. Como poderá ser visto no capítulo 4, houve
diferentes linguagens visuais para estes quadros parietais, mas todas estão organizadas nesta
forma de tableaux.
48
O processo de escolarização está inserido nas transformações ocorridas durante o século XVI,
quando foram realizadas reformas pedagógicas, preocupadas com novas formas de organização
e método educacionais, que resultaram na passagem do ensino individualizado para o ensino de
classe (HAMILTON, 1992).
Percebe-se, desse modo, que a instituição escolar não se constituiu por meio de um percurso
linear contínuo, mas foi o resultado de apropriações, recusas e variações das tradicionais
instituições de educação, assim como de transformações dentro da própria escola, que “teve
também de inventar, de produzir o seu lugar próprio, e o fez, também, em íntimo diálogo com
outras esferas e instituições da vida social” (FARIA FILHO, 2000, p. 136). Assim, as
transformações políticas, sociais, culturais e também aquelas que aconteceram no interior dos
variados espaços de instrução foram determinantes para a consolidação da escola brasileira e
de suas bases.
Num contexto de renovação pedagógica, a partir da segunda metade do século XIX, nos países
europeus e nos Estados Unidos; e da década de 1870, no Brasil, iniciaram-se discussões acerca
do método de ensino mais eficaz para educar as crianças nesta nova escola. Intelectuais ligados
à área da educação passaram a tecer críticas às práticas pedagógicas empregadas,
49
O padrão de ensino então consolidado, as humanidades, passou a ser criticado. Para esses
intelectuais, as práticas pedagógicas então empregadas nas escolas baseavam-se
exclusivamente nas palavras dos mestres e dos compêndios. Privilegiavam o ensino de
definições, princípios gerais, sínteses, generalizações e regras abstratas, de modo que os alunos
aprendiam a partir da repetição excessiva do que escutavam e liam nos manuais, o que
requisitava apenas o uso passivo da memória. Desse modo, o aprendizado era maquinal e não
era exigido do aluno o exercício da reflexão (SCHELBAUER, 2003).
Em função disso, era um ensino que não prendia a atenção e tampouco despertava a curiosidade
dos alunos. Por tudo isso, Rui Barbosa, nos pareceres que elaborou em 1882 para a Câmara dos
Deputados, como redator da Comissão de Instrução Pública, a respeito do decreto n. 7.247, de
19 de abril de 1879, que propunha a reforma do ensino primário e secundário no município da
Corte e do superior em todo o Império, redigida por Leôncio de Carvalho, a respeito do método
de ensino oferecido nas escolas brasileiras, dizia: "não é o método de ensinar; é, pelo contrário,
o método de inabilitar para aprender"10.
Os críticos deste modelo ainda afirmavam que o tipo de conhecimento priorizado não tinha
relação com a vida dos alunos, isto é, abrangia uma prática pedagógica e conteúdo demasiado
teórico sem conexão com a realidade ou possibilidade de aplicação prática. Nos pareceres,
Barbosa (1947b) faz uso das palavras do ministro italiano Thiers, proferidas em discurso
parlamentar, para condenar esse modelo de ensino:
10
BARBOSA, 1947b, p. 33.
50
enfim, a instrução careça desse viço, dessa lucidez, desse valor de aplicação,
dessa tendência prática, de onde lhe advém a sua maior utilidade, uma vez que
seu fim é preparar os homens para verem com perspicácia e fazerem alguma
coisa no mundo, em vez de se apascentarem de palavras e vagas
representações11.
Preocupado com uma instrução que pudesse ensinar os alunos a pensarem, a refletirem, a
aplicarem o conhecimento aprendido na escola e "fazerem alguma coisa no mundo", Barbosa,
assim como outros intelectuais ligados à área da educação, propuseram, em contraposição a
esse ensino denominado “livresco”, o emprego do método intuitivo.
Este método, cujas ideias tinham como referência direta as proposições de Pestalozzi e Froebel,
amparava-se na epistemologia empirista de Francis Bacon, John Locke e David Hume, que em
meados do século XIX já estava bastante aceita e disseminada. Segundo essa concepção, os
sentidos humanos consistem na verdadeira fonte de conhecimento humano. A experiência
sensível permite aos homens conhecer o mundo diretamente e são as percepções geradas pelos
sentidos e a observação e experimentação das coisas que promovem o entendimento, a reflexão
e o juízo (VALDEMARIN, 2004).
Fundamentado nesta concepção de conhecimento, o método intuitivo tem como base a intuição,
considerada como a forma mais natural e espontânea da inteligência humana, pois é uma
faculdade inerente ao ser humano, que possibilita que o conhecimento da realidade seja feito
pelo próprio indivíduo, sem intermediários, no seu contato com as coisas do mundo; e de forma
involuntária, sem a necessidade de grande empenho (SCHELBAUER, 2003). Por isso mesmo,
no verbete intuition e méthode intuitive do Dictionaire de Pédagogie et d'Instruction Primaire,
publicado sob direção de F. Buisson, percebe-se que os intelectuais ligados à educação
advogavam pelo uso deste método pedagógico no ensino escolar, especialmente no ensino
primário.
11
THIERS, 1880, p. 606, apud BARBOSA, 1947b, p. 82-83.
51
inerente ao espírito humano e constitui por sua vez o modo de afirmação mais
legítimo e mais acessível a todos, será então realmente o método do ensino
popular. (BUISSON, 1911, apud SCHELBAUER, 2003, p. 28-29)
Para Ferdinand Buisson, intelectual e educador francês cujas ideias pedagógicas influenciaram
de forma decisiva intelectuais brasileiros, existiam três tipos de intuição: a sensível, a mental e
a moral. A primeira delas é a intuição que ocorre a partir dos sentidos; a intuição mental é a
capacidade de fazer reflexões, abstrações sem o uso dos sentidos; e a intuição moral é a que
remete à consciência. A intuição sensível foi o tipo de intuição mais divulgado pelo método
intuitivo a partir da segunda metade do século XIX e ficou conhecido, também, por lição de
coisas. Suas principais referências são as ideias esboçadas pelo pedagogo Pestalozzi
(SCHELBAUER, 2003).
De acordo com as proposições do método intuitivo, então, o conhecimento deve partir dos dados
empíricos, obtidos por meio da observação e da experimentação direta das coisas, e, somente
então, a partir daquilo que foi percebido por meio do uso dos sentidos, partir para as definições,
generalizações, abstrações e formulação de princípios. O aprendizado deve ir do concreto ao
abstrato; das partes para o todo; e do simples para o difícil.
Desta forma, os alunos tinham contato com as coisas, isto é, aprendiam a partir da realidade
mesma e não pelo que liam nos livros ou escutavam dos mestres e, desta forma, podiam
interpretar o mundo sem o intermédio de outros. A respeito das coisas, Barbosa (1947b), nos
pareceres, citando as palavras de Comênio, diz:
É pela intuição real, não por descrições verbais, que o ensino deve começar.
Dessa intuição dimana o conhecimento. Não são as sombras das coisas, mas
as coisas mesmo, que atuam na inteligência, nas faculdades imaginativas, e,
portanto, devem estar submetidas sempre à atenção da mocidade. Colocai as
coisas em presença do espírito. Intuição é evidência. (...) É erro fundamental
principiar pelo ensino pela língua, e terminar pelas coisas, pelas matemáticas,
pela história natural; porquanto as coisas são a substância, o corpo, e as
palavras o acidente, o hábito. Convem unirem-se estas duas partes do
conhecimento; mas importa começar pelas coisas, objeto do pensamento e da
palavra. Habituemo-nos, quanto ser possa, a formar a ciência, nos moços, não
extraindo-as dos livros, mas da contemplação do céu e da terra; isto é,
ensinando-os a perceberem, e escrutarem diretamente as coisas. (...) Pelos
sentidos há de principiar a instrução. O que penetra na inteligência humana
pela intuição sensível, imprime-se pelos sentidos na memória, para nunca mais
deslembrar. Começa o homem por se utilizar dos sentidos; emprega depois a
memória; em seguida, o entendimento; por último, o juízo. Não ensinemos
meramente a entender, senão também a enunciar o que se entende. A palavra
e o conhecimento das coisas devem andar pari passu. O ensino das coisas e o
52
da palavra devem caminhar mão por mão. Palavras, sem o conhecimento das
coisas, são palavras vãs12.
As coisas devem, portanto, vir antes das palavras. Primeiramente observa-se a coisa, depois a
nomeia. É somente por meio do uso dos sentidos para a observação das coisas que se pode
chegar à memória inteligente, ao seu entendimento e juízo13.
Essa pedagogia, que privilegiava o contato direto com as coisas para chegar ao conhecimento
do mundo, despertava a curiosidade do aluno, prendia sua atenção, desenvolvia suas faculdades
perceptivas e criava o hábito da observação e da experimentação. Desse modo, segundo
acreditavam esses educadores, o método intuitivo não proporcionava às crianças a
memorização passiva do conteúdo ensinado na escola, mas, ao educar seus sentidos, as
preparava para descobrir e interpretar o mundo a sua volta e, consequentemente, poder atuar
nele. Preocupava-se, portanto, em oferecer um ensino prático, usual, que tinha proximidade
com a realidade dos alunos e que pudesse ser imediatamente útil.
Por tudo isso, o foco do ensino intuitivo deixa de ser o professor e passa a ser o aluno. Citando
as palavras de Buisson na Conferência proferida durante a Exposição Universal de Paris, em
1878, Barbosa (1947b) fala sobre a atuação do professor e sua relação com os alunos.
É o aluno, portanto, o maior colaborador do mestre na sua própria instrução, é o ator que,
mediante o uso dos seus sentidos, no contato direto com as coisas, pode vir a conhecer e
interferir no mundo em que vive. Cabe a escola promover, desse modo, uma educação que lance
mão dos sentidos das crianças, uma vez que, de acordo com o método intuitivo, os sentidos são
12
COMÊNIO, s. d., apud BARBOSA, 1947b, p. 202-203.
13
BARBOSA, 1947b.
14
BUISSON, 1878, p. 333, apud. BARBOSA, 1947b, p. 214.
53
Segundo o professor norte-americano Normal Alisson Calkins (1886), em seu livro Primeiras
Lições de Coisas - Manual de ensino elementar para uso dos paes e professores 15 , o
conhecimento das coisas tem início pelos sentidos, os quais são a ponte entre o sujeito e o
mundo exterior. As sensações levam à percepção das coisas e a atenção dedicada ao que foi
percebido induz à observação. É justamente aquilo que foi apreendido por meio da observação
que possibilita o entendimento e também o juízo. A partir da observação das coisas, é possível
compará-las, enumerá-las, associá-las, classificá-las etc., e por meio desse procedimento
exercitar o raciocínio e a reflexão, assim, alcançando o conhecimento.
Os intelectuais que defendiam a aplicação do método intuitivo nas escolas primárias, pedagogia
inspirada justamente nesta concepção de construção do conhecimento, priorizavam, desse
modo, em seus discursos, o desenvolvimento da faculdade de observação. Calkins, citando o
pedagogo Pestalozzi, escreve no prefácio da primeira edição da obra acima referida:
Barbosa também considera que as crianças são instintivamente observadoras, por isso, para o
intelectual, "impõem-se à escola a necessidade de educar as faculdades de observação, que
raiam no espírito da criança com o primeiro despontar da inteligência"17. O pedagogo francês
Paul Robin, diz ainda que o emprego metódico dos sentidos "constitue o primeiro modo de
exploração científica: a observação" 18 . Nessa perspectiva, observar é manipular de forma
racional os sentidos, de modo que, se a educação deve iniciar-se pelos sentidos, é por meio da
15
Obra traduzida/ adaptada para o português por Rui Barbosa em 1886. Foi aprovada pelo Conselho Superior da
Instrução Pública da Bahia, pelo Conselho Diretor da Corte, adotado como obra de referência para o ensino de
Lição de Coisas pelo Governo Imperial e também na província de São Paulo. A partir dos últimos anos do século
XIX até a os anos de 1920 seu uso disseminou-se pelo país.
16
PESTALOZZI, s.d., apud CALKINS, 1883, p. XVII.
17
BARBOSA, 1947b, p. 62.
18
ROBIN, P., s. d., apud BARBOSA, 1947b, p. 63.
54
observação que os sentidos devem ser apurados para servir de base a toda a atividade intelectual
da criança.
Segundo Francis Bacon, "o homem, ministro e intérprete da natureza, faz e entende tanto quanto
constata, pela observação dos fatos ou pelo trabalho da mente, sobre a ordem da natureza, não
sabe bem pode mais"19. A partir desta afirmação é possível perceber que a observação é uma
faculdade importante dentro do processo de aquisição do conhecimento. É a partir da
"observação dos fatos", da comparação e do registro do que foi observado, da comprovação dos
resultados por meio de teste, verificação e demonstração é que se pode chegar aos princípios,
generalizações e noções e de fato conhecer a natureza (VALDEMARIN, 2004).
Essa nova concepção de ciência apropriada pela escola coloca a observação num patamar
privilegiado em detrimento de outras faculdades. Observar, nessa nova tradição que se inaugura
na escola, significa usar os sentidos para conhecer o mundo: a visão, a audição, o olfato, o
paladar e o tato. A maioria dos discursos pesquisados apontam que uma observação mais
apurada somente pode ser alcançada a partir da manipulação de mais de um sentido por vez. A
esse respeito, Barbosa diz:
A observação completa, portanto, se dava por meio da manipulação dos cinco sentidos.
Entretanto, Braghini (2013) afirma, em sua pesquisa, por meio da qual procurou entender como
os instrumentos usados no ensino de ciências educaram os sentidos dos alunos, que, embora a
documentação de fato sustentasse que a combinação de dois ou mais sentidos produzisse uma
observação mais aguçada; e que os resultados da sua investigação tivessem apontado para a
relevância do sentido do tato na educação, observar significava olhar. Para a historiadora,
19
BACON, F., 1894b, p. 5, apud VALDEMARIN, 2004, p. 44.
20
BARBOSA, 1947b, p. 63.
55
Essa ideia da naturalização do sentido da visão como o mais importante do mundo moderno é,
mesmo, evidente no discurso de Barbosa (1947b). Embora, em várias passagens, o intelectual
advogue pela combinação de dois ou mais sentidos para uma observação mais apurada das
coisas, mesmo porque a visão pode resultar em percepções "muito rápidas e vagas, que devem
ser ratificadas pelos outros sentidos"21, há diversas passagens nos pareceres em que o autor usa
a observação e o olhar como análogas, como, por exemplo, quando exalta o método das lições
de coisas, diz: "Esse método habitua o aluno, pouco a pouco, a ver por si mesmo e ele poderá,
depois de sair da escola, aumentar seus conhecimentos e suas observações (...)"22.
Ainda fazendo referência ao ensino das lições de coisas, diz: "O ver é uma das prendas mais
raras, que a poucos cabe em a sorte"23. E continua, citando Bussé, diretor da escola superior de
meninas de Berlim:
Ao tratar do ensino de desenho, mais uma vez equivale a observação ao olhar: "(...) O estudo
do desenho, na sua primeira instância, desenvolve a inteligência do menino, ensinando-o a ver.
Ver com a percepção do desenhador é criar o sentimento de observação exata e da análise fiel
(...)"25. E continua, "Não é a vista o principal instrumento dado à criança pela natureza, para
analisar o mundo exterior? (...) Sigamos, pois, as sábias instruções da natureza; ensinemos a
criança a observar, fornecendo-lhe um novo instrumento. Ela traduzirá com crayon, na tábua,
ou na lousa, o pequeno mundo que absorveu em si, e, vendo então novamente o objeto que
reproduziu, comparará insensivelmente o retrato com o original (...)"26.
21
BARBOSA, 1947b, p. 38.
22
Ibid., p. 40-41.
23
MAURY, A., s.d., apud BARBOSA, 1947b, p. 197.
24
BUSSÉ, 1880, p. 432, apud BARBOSA, 1947b, p. 198.
25
M. LAJOLAIS, s.d., apud BARBOSA, 1947b, p. 129
26
BARBOSA, 1947b, p. 142.
56
Em artigo publicado na Revista do Ensino do Estado de São Paulo, em 1903, um artigo separa
os sentidos em cinco e os hierarquiza, considerando a visão o mais importante, seguida da
audição, olfato, paladar e tato. Segundo o autor, o sentido da visão era o mais importante, "pelo
alcance e delicadeza de suas percepções, as quais enriquecem nossos conhecimentos e nos
proporcionam alguns dos mais requintados e puros gozos; taes são os que offerecem a luz, a
cor, a fórma, tamanho, extensão e espaço"27.
O quadro parietal, representação gráfica de conteúdos escolares para serem vistos à distância
por todos os alunos simultaneamente, foi usado com o principal objetivo de fazer ver as coisas
a partir das quais o ensino, segundo o método intuitivo, deveria ser conduzido. Como afirma
Buisson28, os mapas murais não são texto para serem lidos à distância, mas representações de
objetos que o professor não tem à mão ou que não são acessíveis. Não somente o intelectual
francês fez este alerta, mas também Rui Barbosa 29 e o pedagogo e professor de botânica
espanhol Ricardo Rubio (MARÍN, 2014), assim como as indicações metodológicas que
acompanham os programas de ensino da escola pública paulista de 192530. As imagens parietais
deveriam ser utilizadas apenas nos casos em que a coisa ensinada não estivesse disponível. O
ensino deveria sempre privilegiar os objetos e quando o seu uso não fosse possível, apenas
então, poderiam ser substituídas por imagens.
Como muito daquilo que estava prescrito nos currículos não era de fato acessível, os quadros
parietais, muitas vezes, assumiram esse papel de dar a ver as coisas. O interior do corpo
humano, os animais de lugares distantes, os diferentes acidentes geográficos, a arquitetura de
27
REVISTA DE ENSINO, ano 2, n. 2, 1903, p. 131.
28
BUISSON, 1911.
29
BARBOSA, 1947b.
30
SÃO PAULO..., 1941.
57
outros países, os retratos de homens ilustres, etc., só puderam ser conhecidos por meio das
ilustrações exibidas em sala de aula. Esse caráter de substituição das coisas mesmas acabou por
conferir à imagem usada em contexto didático um status de realidade. No cotidiano escolar ver
a imagem parietal correspondia a ver a própria coisa, já que as ilustrações deste material eram
sempre figurativas e procuravam ser muito realistas. Além disso, não se fazia nenhuma
problematização sobre o significado de uma imagem ser na realidade uma representação de um
objeto.
A partir de meados do século XX esse cuidado em fazer imagens realistas para serem usadas
no contexto escolar começou a diminuir, como veremos no capítulo 4. Por isso, é possível que,
a partir deste momento, a imagem tenha deixado de ser usada como uma substituição dos
objetos, como se fosse o próprio objeto; e que aprender pela observação direta das coisas tenha
perdido o sentido.
As imagens permitiram, desde que começaram a ser usadas para o ensino e aprendizagem, que
as coisas pudessem ser observadas. Desse modo, eram educadas as faculdades de observação
do aluno, único meio verdadeiro de construção do conhecimento de acordo com os pressupostos
do método intuitivo. Ver uma imagem significava aprender a fazer descrições, comparações,
distinções, estabelecer relações, perceber semelhanças e diferenças, ordenar, classificar e, a
partir disso, era possível refletir, generalizar, emitir juízos e chegar ao conhecimento abstrato.
O desenvolvimento intelectual se dava a partir daquilo que era apreendido pela observação, por
isso esta faculdade precisava ser treinada.
Sempre que se lançava mão do uso de uma imagem, alguma dessas funções servia como
justificativa. O curioso é que, embora o uso de imagens tenha se disseminado por todas as
disciplinas escolares, elas nem sempre tiveram as mesmas funções pedagógicas. Podiam sempre
cumprir o propósito de colocar o aluno em contato com o objeto sobre o qual se queria aprender,
mas algumas vezes serviam para explicar determinado conteúdo, outra vezes para que algo
fosse identificado, em alguns casos eram meramente ilustrativas ou serviam como amparo para
58
De todo modo, foi possível perceber que as imagens parietais serviram como recurso didático
em praticamente todas as disciplinas escolares, ainda que em maior ou menor grau. Cada uma
delas fez uso de um tipo diferente de imagem com um tipo específico de linguagem visual, de
modo que a ilustração pudesse transmitir determinados conteúdos, seguindo determinados
métodos e com o objetivo de atingir as finalidades próprias de cada disciplina.
Ainda que o uso dos parietais tenha se consolidado ao longo do final do século XIX e da
primeira metade do XX, este material didático também sofreu algumas críticas. Estas críticas
diziam respeito ao seu aspecto pouco artístico31, à qualidade das impressões, ao tamanho do
quadro, à veracidade das representações e também à escolha de parietais cujos temas não tinham
nenhuma relação com a realidade de determinada escola ou aluno. Além disso, advertia-se que
o uso do mapa mural deveria ter sempre o apoio de atividades práticas (MARÍN, 2014).
Foi possível perceber que pouco mudou, material e esteticamente, nos quadros parietais e suas
imagens em decorrência da circulação dos pressupostos da escola nova. Estas ideias
pedagógicas que estavam circulando no país desde a década de 1920 resultaram na publicação,
em 1932, do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova 32, documento organizado por um
grupo de intelectuais que via na educação a solução do Brasil e que estabeleceu as bases para
um projeto de renovação educacional no país.
O Manifesto fazia críticas ao que esses intelectuais chamaram de escola tradicional, por a
considerarem isolada do meio social; destinar-se a apenas uma pequena parcela da população,
com renda suficiente para financiar seus estudos; oferecer uma formação demasiado literária; e
que, consequentemente, não preparava os alunos para as transformações tecnológicas,
industriais e sociais que vivia o Brasil naquele momento. Advogava, desse modo, por uma
escola que promovesse o desenvolvimento individual de seus alunos, a partir de suas próprias
habilidades naturais e não de acordo com sua classe social, para que pudessem contribuir com
o desenvolvimento coletivo da sociedade brasileira. Uma escola, portanto, que preparasse seus
31
SLUYS, 1905.
32
AZEVEDO, 2010.
59
alunos para conhecer e compreender as condições e os problemas do país em que viviam, para
que, assim, pudessem atuar nele de acordo com suas capacitações e promover a cooperação
entre os indivíduos em prol do seu desenvolvimento, político, econômico e social.
As reformas sociais ocorreriam, portanto, de forma lenta, dentro da ordem capitalista, a partir
de uma reforma na educação que formaria novos indivíduos prontos para experimentar a
democracia plena e não apenas no plano político, mas também social, pois que daria as mesmas
oportunidades a todos justamente, por meio dessa educação escolar. Por isso, a escola, para os
escolanovistas, devia ser única, pública, laica, gratuita e obrigatória; devia ser descentralizada,
para garantir a multiplicidade na unidade e, consequentemente, a democracia; devia ser
estruturada levando em conta os pressupostos científicos e realizado por educadores e técnicos
com autonomia pedagógica, administrativa e econômica para dirigir a função educacional. Essa
nova escola era, segundo eles a condição para o desenvolvimento do Brasil.
A principal mudança observada nesse sentido dizia respeito a introdução nos quadros parietais
de conteúdos que privilegiavam o conhecimento da realidade nacional, de modo que pudessem
educar os alunos para serem cidadãos conscientes da situação do país onde viviam e, depois
poder, consequentemente, atuar nele de acordo com suas capacidades próprias e disposições.
No que diz respeito às mudanças que podem ter ocorrido nos usos que foram feitos dos quadros
parietais a partir destas novas ideias pedagógicas em relação ao método intuitivo, pouco pode
ser dito, pois a pesquisa encontrou muito poucos indícios de como, na prática, este material
didático foi utilizado.
Um único sinal percebido nesse sentido é um tipo específico de atividade realizada pelos alunos
a partir da década de 1930, a confecção de cartazes em cartolina, verdadeiros mapas murais,
feitos a partir da observação das próprias imagens parietais. É possível que, com o tempo, ao
ensino pela observação dos quadros tenha sido paulatinamente, adicionada a prática de
confeccionar parietais, o que certamente, tem relação direta com os pressupostos da escola
nova, segundo os quais, o ensino estava centrado no aluno e a aprendizagem se dava, em um
primeiro momento, pela ação, pela realização de atividades e pela prática de fazer as coisas
(TEIXEIRA, 1934). Dessa maneira, os alunos não aprendiam apenas pela observação, mas
também pela execução por meio da cópia e da elaboração de seus próprios materiais didáticos.
60
Figura 1.3
Figura 1.4
Figura 1.4. Colégio São Luís, 1943. Fotografias avulsas. Acervo: Biblioteca do
Colégio São Luís.
61
Figura 1.5
As fotografias de várias instituições escolares de São Paulo33, interior e capital, das décadas de
1930 e 1940 revelam que dentre as atividades realizadas pelos alunos e exibidas nas exposições
escolares havia cartazes com ilustrações de conteúdos introdutórios de ciências físicas e
naturais. Esses trabalhos escolares apresentavam as mesmas linguagens visuais dos quadros
parietais. Da mesma forma, no acervo do CMEB-ISERJ foram encontrados vários cartazes
desse tipo realizados por alunos na década de 1960.
33
RELATÓRIO..., 1933a; RELATÓRIO..., 1933b; RELATÓRIO..., 1934; Caixa de fotografias nº 20, 28 e 39.
Acervo: CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos; Fotografias avulsas. Biblioteca do Colégio São Luís.
62
Por volta da década de 1970 esse material passou a ser menos usado e, aos poucos, foi
desaparecendo da escola. Alguns exemplares ainda foram produzidos e vendidos nas décadas
seguintes, mas o seu uso sistemático certamente acabou. As razões para que isto tivesse
acontecido não são claras, porém, é necessário levar em consideração os novos formatos de
livros didáticos que passaram a ser produzidos nessa década, com tamanho maior e a presença
de muitas imagens coloridas (FARIA, 2007). É possível que as imagens parietais não fossem
mais tão necessárias, pois a partir de então o próprio livro didático trazia imagens em
abundância que podiam ser trabalhadas nas aulas.
Em artigo escrito para o periódico The journal of education, o professor norte-americano Robert
MacCurdy (1951) sugeria o reaproveitamento dos velhos quadros parietais abandonados nas
escolas, fazendo uso do verso destes mapas e de algumas de suas ilustrações para a confecção
própria de parietais atualizados. Ainda propunha o envolvimento dos próprios alunos na
realização desta atividade.
O autor descobriu que estes quadros parietais ‘inúteis’ podem ser muito
valiosos. Ele os repara, geralmente salvando partes, para que de vários
destroços um bom quadro de trabalho seja obtido. Agora estes quadros estão
prontos para serem convertidos.
Os usos que podem ser feito dessa superfície limpa são quase ilimitados. Nós
professores fazemos constantemente diagramas, desenhos, tabelas e listas nas
lousas. Se este auxílio visual pode ser feito de forma permanente, nós podemos
nos permitir gastar mais tempo os preparando para a sua máxima efetividade34.
O artigo dá indícios de que já na década de 1950 as séries de quadros parietais antigos estão
deixando de ser usados, mas que as imagens, gráficos, diagramas etc. seguem necessários ao
ensino e aprendizagem. Isso significa que, mesmo que o quadro parietal como material didático
tenha caído em desuso, o emprego de imagens no contexto didático não foi rejeitado. Elas
34
MACCURDY, 1951.
63
adentraram a escola a partir da implementação do método intuitivo para não mais sair, se
tornaram parte fundamental da cultura escolar.
1.5. Materialidade
A entrada dos parietais na escola somente pode ser entendida no contexto da implementação do
método intuitivo nas escolas primárias brasileiras e das disciplinas científicas no currículo; da
valorização da visão como o sentido mais importante para o conhecimento do mundo; e do
aperfeiçoamento das técnicas de reprodução de imagens, em especial da litografia.
Foi somente na era da reprodutibilidade técnica que imagens puderam ser feitas recursos
didáticos escolares. Benjamin (1955) fez uso deste termo para definir o momento, a partir do
início do século XIX, em que as obras de arte passam a ser reproduzidas em massa e de forma
acelerada em decorrência do desenvolvimento de novas técnicas de impressão e tecnologias,
como a litografia e, posteriormente, a fotografia. Para o intelectual, interessado principalmente,
na interferência do processo industrial na produção artística, a reprodutibilidade técnica retirava
da obra de arte sua aura, isto é, sua autenticidade garantida por sua materialidade e elementos
espaciais e temporais que a caracterizavam originalmente. A reprodução fazia com que a obra
de arte perdesse o seu caráter único e assumisse outras funções sociais.
1. Preparação da pedra: A pedra a ser utilizada para desenho deve estar plana
e polida (...).
2. Desenho: Uma vez preparada a pedra e estando ela seca, pode-se realizar o
desenho. (...) Valendo-se de alguma tinta ou material gorduroso (em geral,
tousche, crayon ou lápis litográficos), executa-se o desenho (...). O desenho
terminado, a pedra deve descansar por ao menos 24 horas.
A litografia foi a técnica utilizada para a impressão dos quadros parietais durante quase todo o
período em que o material circulou, tanto de peças estrangeiras como nacionais. Por volta da
década de 1950 começam a ser encontrados alguns mapas murais impressos com a técnica
offset, sistema gráfico que passou a dominar o mercado a partir de então (VIEIRA, 2008).
específico e o conjunto total daquilo que se queria dar a conhecer era apresentado nos vários
mapas que compunham a série.
Os quadros parietais tiveram vários tamanhos; pequeno, médio e grande. O pequeno tinha cerca
de 0,50x0,60m; o médio ficava entre 0,70 e 0,90x0,90 e 1,20m; e o grande media uma média
de 1,30x1,40m. Os pequenos foram mais usados para o ensino primário. Já os médios e grandes
puderam ser encontrados em séries e quadros de todos os graus de ensino e disciplinas. A
maioria das imagens era feita por meio de técnicas de desenho ou pintura; poucos mapas
fizeram uso da fotografia. Esta tecnologia apareceu apenas numa minoria de parietais,
produzidos principalmente em meados do século XX.
Os quadros de ambos os padrões eram, em sua maioria em cores, e impressos por meio da
técnica litográfica. Uma opção oferecida pelas empresas que produziam esse objeto pedagógico
era o de dar um acabamento de verniz à imagem impressa. Essa prática foi mais usada a partir
das primeiras décadas do século XX. O principal objetivo de sua aplicação era o de
impermeabilizar e proteger o quadro para que este pudesse ter maior durabilidade. O que foi
percebido, no entanto, é que as peças envernizadas acabaram ficando amareladas com o tempo
e com aspecto de envelhecidas. Além disso, como pôde ser observado no manuseio dos quadros
ao longo da pesquisa, muitas vezes o verniz brilhante dificulta a visibilidade da imagem
dependendo de como a luz incide sobre a sua superfície. Pode gerar pontos muito luminosos ou
muito escuros.
O primeiro padrão consistia numa impressão feita em papel de gramatura fina que era colada
sobre um papel cartão bem grosso. Dessa forma, o quadro era resistente o suficiente para ficar
suspenso nas paredes, apoiado em cavaletes ou mesmo na lousa e também ser carregado de uma
sala a outra, por exemplo. Para que pudesse ser pendurado, havia em sua borda superior, em
alguns exemplares também na inferior, furos com ilhoses de metal, nos quais eram amarradas
cordas. Este tipo material de parietal foi usado nas séries destinadas ao ensino primário
publicadas pela francesa Maison Deyrolle e também em algumas séries editadas pela Cia.
Melhoramentos de São Paulo.
66
Um segundo padrão e, provavelmente, o mais comum entre o final do século XIX e a década
de 1940, era a impressão em papel de gramatura fina colada sobre tecido, o que impedia rasgos.
Nas bordas superior e inferior havia uma vareta de madeira para sustentação. Na vareta da borda
superior eram fixados um ou dois ganchos de metal para que o quadro pudesse ser pendurado
nas paredes ou nos armários. Os parietais deste tipo eram mais maleáveis e mais fáceis de serem
armazenados, já que podiam ser enrolados.
Na maioria dos casos, as empresas ofertavam em seus catálogos de venda a folha impressa solta
ou o quadro já montado – papel impresso colado sobre papel cartão ou tecido – o que tinha um
custo adicional. Com o passar do tempo, dois novos padrões materiais surgiram, certamente
como resultado do aparecimento de novos tipos de papel.
Um deles, muito usado nas séries da Cia. Melhoramentos de São Paulo, era a dos quadros
parietais em formato de bloco. Os quadros eram vendidos num bloco, como um calendário de
parede, com capa e unidos por uma mola ou varetas de madeira prensadas na borda superior.
Na maioria das vezes o papel não eram grosso, mas tampouco tinha uma gramatura tão fina.
O que foi possível perceber dentre os parietais analisados é que, na maioria das vezes, estes
blocos eram desfeitos e cada quadro era montado individualmente na própria escola. Algumas
vezes as montagens eram bastante toscas, com a imagem colada em uma cartolina ou um
papelão qualquer, sem acabamento nenhum. Em outros casos, entretanto, estas peças eram
coladas sobre papel cartão grosso, colocadas em molduras artesanais e tinham cordas amarradas
para que pudessem ser pendurados. Por vezes títulos e textos eram cortados e somente a imagem
do quadro era aproveitada.
De algum modo, os quadros sempre sofreram algum tipo de intervenção, mesmo quando já
eram adquiridos montados. Apontamentos sobre o conteúdo podiam ser escritos a lápis próximo
às legendas ou imagens; marcas como o sinal de “certo” eram feitas à caneta; outras ilustrações
eram coladas para acrescentar alguma informação que considerassem que estivesse faltando; e
legendas eram modificadas ou nomes acrescentados.
O último padrão material encontrado foi o usado, principalmente, a partir da década de 1950,
que consistia na impressão sobre um papel de gramatura média. Estas impressões, por serem
feitas num papel um pouco mais grosso, não eram coladas sobre papel cartão ou sobre tela.
67
Apenas alguns exemplares tinham molduras nas bordas superior e inferior de metal prensado.
É evidente que os quadros produzidos neste momento não tinham a pretensão de serem tão
duráveis quanto aqueles produzidos anteriormente.
As séries de quadros parietais eram acessíveis, mas bastante caras, por isso, eram muito bem
preservadas para serem usadas por muitos anos. Isso é notório nas análises conduzidas, que
evidenciou que séries adquiridas no final do século XIX e início do XX ainda eram usadas na
década de 1930, por exemplo. Da mesma forma, séries adquiridas na década de 1930 seguiam
em uso até a década de 1950.
A análise dos quadros parietais mostrou que, embora tenha havido alguns padrões materiais na
confecção deste objeto pedagógico, também houve mudanças ao longo das décadas de estudo,
como consequência, principalmente, do desenvolvimento nas técnicas de impressão e da
indústria papeleira.
Uma das primeiras iniciativas, no Brasil, de aplicação dos princípios intuitivos de forma prática,
corresponde aos esforços de Alambary Luz de modernizar a Escola Normal da província do Rio
de Janeiro, durante o período em que permaneceu como seu diretor, entre 1868 e 1876.
Modernização naquele momento significava se apropriar das propostas pedagógicas adotadas
pelos países europeus e Estados Unidos e que estavam sendo apresentadas nas Exposições
Universais, isto é, implementar o ensino intuitivo e possibilitar que tal empreendimento fosse
68
levado a cabo. Para tanto, seria necessária a aquisição de materiais de ensino que colocassem
os alunos em contato com as coisas (SCHELBAUER, 2003).
Segundo aponta Villela (2002), as mudanças empreendidas por Alambary Luz consistiam na
"utilização de métodos novos (lições de coisas), pela importação de materiais didáticos
sofisticados, modificação do espaço físico das salas de aula, distribuição racional do tempo,
organização da biblioteca (...)" (VILLELA, 2002, apud SCHELBAUER, 2003, p. 84). Dentre
os "materiais sofisticados" e mais modernos comprados pelo diretor, destinados especialmente
às atividades desenvolvidas nas escolas anexas, destacavam-se a Caixa de lição de coisas35 de
Pape-Carpentier e a Lanterna Mágica. Os quadros parietais também estiveram entre materiais
ditos modernos para o ensino das lições de coisas em que Alambary investiu (VILLELA, 2002).
Um dos grandes pioneiros na difusão do ensino intuitivo no Brasil e, igualmente, do uso dos
parietais como material de ensino foi Joaquim José Menezes Vieira (1848-1897).36 Médico e
educador, foi professor no Instituto dos Surdos-Mudos entre 1872 e 1888; fundador e diretor
do Colégio Menezes Vieira, no Rio de Janeiro, de 1875 a 1887, anexo ao qual abriu, em 1875,
o Jardim das Crianças, o primeiro jardim de infância do Brasil, dirigido por sua esposa, D.
Carlota Menezes Vieira; foi sócio fundador de várias instituições de ensino, entre as quais a
Associação Promotora da Instrução do Rio de Janeiro (1874), a Associação Mantenedora do
Museu Escolar Nacional (1883) e a Sociedade Liga do Ensino (1884); participou ativamente de
vários eventos relacionados à educação, como as Conferências Populares da Freguesia da
Glória (1874), a Exposição Pedagógica e Congresso da Instrução Pública (1883) e da Exposição
Universal de Paris (1889); e foi fundador e diretor, entre 1890 e 1897, do Pedagogium
(BASTOS, 2000).
O Instituto dos Surdos-Mudos figura entre as instituições educacionais brasileiras que merecem
destaque no relatório 37 apresentado pelo Governo Imperial sobre o Império do Brasil na
35
"A caixa de Lição de Coisas de Mme. Pape-Carpentier, está dividida em três compartimentos principais,
subdivididos em pequenos compartimentos, onde estão classificadas as amostras dos materiais que o homem
emprega para a satisfação de suas necessidades: alimentação, vestuário, habitação, metais. É como uma "biblioteca
de coisas", um instrumento para as lições sobre a origem, a história e a fabricação das principais coisas de uso
geral na vida cotidiana. Tem os meios necessários para desenvolver os sentidos, cativar a atenção das crianças e
comentar, de maneira interessante, o livro de leitura corrente". (CATALOGUE..., 1892, apud BASTOS, 2001, p.
40 - nota 22.
36
Sobre Joaquim José Menezes Vieira ver BASTOS, 1999; BASTOS, 2000; BASTOS, 2001; BASTOS, 2002.
37
O Imperio do Brazil na Exposição Universal de 1876 em Philadelphia. Rio de Janeiro: Typographia Nacional,
1875.
69
É também curiosa a frase "as aulas estão providas dos principaes objectos de ensino". É possível
deduzir que a pessoa que redigiu o relatório considerasse as estampas, mapas, quadros
iconológicos e globos terrestres como objetos essenciais para empreender a tarefa da instrução,
já que para ela, são os "principaes objectos de ensino". Isso evidencia que já nestes anos
circulava pelo Brasil os pressupostos do método intuitivo, ensino que evocava o contato direto
com as coisas; e mostra que entre estas coisas estavam, e eram relevantes, os parietais.
Como professor do Instituto de Surdos-Mudos, certo é que Menezes Vieira esteve em contato
com esse material, ou mesmo, pode ter participado do grupo que sugeriu a aquisição dos
artefatos e sua adesão para o ensino. O que é evidente, é que foi significativa sua atuação como
divulgador do método intuitivo no Brasil, principalmente a partir do momento em que fundou
o Colégio Menezes Vieira, em 1875. Tanto no curso primário como no Jardim de Infância,
38
Id. Ibid., p. 232-233.
39
Escola Politécnica, Imperial Observatório Astronômico, Faculdade de Medicina da Bahia, Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro, Faculdade de Direito de São Paulo, Faculdade de Direito de Recife, Instituto
Comercial do Rio de Janeiro, Imperial Instituto dos Meninos Cegos, Instituto dos Surdos-Mudos, Academia de
Belas Artes, Conservatório de Música e Escola de Minas.
70
Segundo Bastos (2000, 2001, 2002), Menezes Vieira entrou em contato com os pressuposto do
método intuitivo a partir da literatura pedagógica especializada e em viagens à Europa, onde
visitou vários centros educacionais, estabeleceu contato com vários educadores e tornou-se
"conhecedor profundo da ciência pedagógica (...) um discípulo aproveitado de Pestalozzi,
Froebel, Girard, Mme. Pape-Carpentier e outros importantes apóstolos da educação popular"
(BASTOS, 2002, p. 43, apud SCHELBAUER, 2003, p. 85 – nota 11).
40
No original: "L'enseignement par les yeux".
71
uma frase da Bíblia. A coleção era acompanhada de um manual, no qual eram sugeridas as
lições de História Santa (BASTOS, 2001).
No que diz respeito à coleção de "quadros do ensino pelos olhos, noções de artes e indústrias e
de história natural", que seguia as indicações de Mme. Pape-Carpentier, Bastos (2001) aponta
que podem se tratar tanto da coleção "Quadros Murais para a Escola Maternal e Classes
Infantis", publicado pela empresa francesa Deyrolle, que compreende quadros que medem 82
x 63 cm, coloridos, colados sobre papelão e que abrange os temas: vinho, gás, eletricidade,
aquecimento, laranja, lã, cânhamo e linho, pão, sopa, chá, café, porta e janela, ninhos, laticínio,
limpeza, geléias; como da coleção de imagens para as salas de asilo, da Librairie Hachette, com
50 x 35 cm e que tem como temas: árvores, arbustos e plantas (6 quadros), artes e ofícios (10
quadros), cultura e emprego do trigo (6 quadros) e noções industriais (10 quadros).
Tanto pelas coleções de objetos estrangeiras que apresentou, como pelos quadros que produziu,
o Colégio Menezes Vieira ganhou o terceiro lugar dos diplomas de 2ª classe concedido pela
comissão, que esclareceu os motivos da premiação:
Pode-se perceber, como aponta a própria comissão da Exposição, todos os materiais usados no
Colégio Menezes Vieira, com exceção dos quadros por ele confeccionados, são estrangeiros.
Isso indica que até aquele momento, ainda não havia empresas no Brasil que elaborassem
quadros parietais, tanto que Menezes Vieira produziu seus próprios quadros, provavelmente, a
partir das demandas de sua escola. Como indica o relato da comissão, a tecnologia usada na
impressão no Brasil tampouco era boa e aquela que reproduzia estampas "nítidas e
convenientemente coloridas" era demasiado cara. No entanto, suscita o questionamento: era
mais barato importar esses materiais da Europa a confeccioná-los e imprimi-los aqui?
Além do Colégio de Menezes Vieira, o Colégio Abílio também expôs seus materiais de ensino
na Exposição Pedagógica e foi premiado por sua "riquíssima coleção de objetos estrangeiros
destinados ao ensino intuitivo" (SCHELBAUER, 2003, p. 108). Entre os artefatos de seu
colégio também existiam quadros parietais, que, assim como os do Colégio Menezes Vieira,
eram provenientes de fora do país. Entre os materiais, constavam:
A primeira Exposição Pedagógica foi um excelente meio para divulgação do método intuitivo
e também de as empresas estrangeiras anunciarem e propagandearem os objetos que poderiam
ser usados na concretização deste ensino intuitivo, entre eles os quadros parietais. É importante
considerar que embora se tratasse de materiais dedicados à instrução, a comercialização desses
objetos também gerou um grande mercado consumidor transnacional. A escola passou a fazer
parte da lógica do mercado, uma vez que as empresas respondiam às necessidades educacionais,
mas, ao mesmo tempo, criavam novas demandas. As Exposições eram verdadeiras vitrines de
inovações pedagógicas (VIDAL, 2004; VIDAL, SILVA, 2010; BRAGHINI, 2013).
O evento aconteceu num momento em que, pela primeira vez, oficialmente, o método das lições
de coisas havia sido indicado para compor o currículo da escola primária. Em 1879, Carlos
Leôncio de Carvalho promoveu a reforma do ensino primário e secundário do município da
73
corte e do superior em todo o Império,41 na qual estava prevista a disciplina "Noções de Cousas"
e também era indicada a fundação de bibliotecas e museus escolares em cada distrito dos
municípios e bibliotecas e museus pedagógicos nas cidades onde houvesse escolas normais.
A Exposição ocorreu, portanto, nesse contexto em que as ideias acerca desse modelo
pedagógico estavam mais disseminadas que dez anos antes e que a aplicação prática de seus
pressupostos deixava de corresponder a iniciativas isoladas como as da Escola Normal da
Província do Rio de Janeiro, do Instituto dos Surdos-Mudos, do Colégio Menezes Vieira e do
Colégio Abílio.
Do expositor italiano G. B. Paravia, que ocupou a sessão número 2, da sala 2, havia 30 mapas
"Arti e Mestiere - Daí Vocabolari di Carena e Fanfani" (PRIMEIRA Exposição Pedagógica...
Apud SCHELBAUER, 2003, p. 106, nota 73).
Dentre os expositores franceses, que ocuparam a sala de número 10, foram observados duas
coleções de quadros parietais. A Casa W. Walcker apresentou o "Musée scolaire pour leçons
41
Decreto n. 7247 de 19 de abril de 1879. Reforma o ensino primário e secundário do município da corte e o
superior em todo o Império.
42
GUIA para visitantes da Exposição Pedagógica. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 1883.
74
A partir das duas últimas décadas do século XIX os usos dos quadros parietais e de outros
artefatos de ensino deixaram de ser iniciativas isoladas e se tornaram uma questão nacional
importante para a implantação do método intuitivo e, consequentemente, para a consolidação
de uma renovação pedagógica que pudesse contribuir para a modernização e o progresso
científico do país, seja pela formação das camadas populares a partir da escola primária, seja
pela instrução das elites a nível secundário (SOUZA, 2000).
É neste contexto que surgiram iniciativas de espaços que procuraram oferecer subsídios aos
professores e educadores para promover tal renovação, como o Museu Escolar Nacional.
Inaugurado em 2 de dezembro de 1883, tendo como base de seu acervo os materiais expostos
na primeira Exposição Pedagógica 45 , o museu "tinha por objetivo oferecer uma exibição
comparativa de objetos e publicações representantes dos últimos progressos obtidos nos
métodos de ensino e sistemas educativos no mundo" (VIDAL, 2004, p. 206). Embora tivesse
recebido o nome de museu escolar, consistia, na realidade, num museu pedagógico, o primeiro
existente no Brasil.
43
Existem diversas concepções de Museu Escolar, uma delas é: coleções de quadros parietais, como este produzido
pela empresa francesa Maison Deyrolle. Para maiores informações sobre os Museus Escolares vide PETRY, 2012;
PETRY, SILVA, 2013; SILVA, 2015.
44
O Museu Industrial Escolar Delagrave correspondia a quadros parietais que reuniam pequenas amostras de
produtos do dia a dia, relacionados à alimentação, vestuário, habitação etc.
45
Os materiais expostos na primeira Exposição Pedagógica foram doados à Associação Mantenedora do Museu
Escolar Nacional.
75
De acordo como Manoel José Pereira Frazão, em parecer para a organização do Congresso da
Instrução do Rio de Janeiro, realizado em 1884, havia diferença entre as concepções de museu
pedagógico e museu escolar (VIDAL, 2004). Os museus pedagógicos eram definidos por:
O Museu Escolar Nacional tratava-se, então, de um museu pedagógico que visava oferecer aos
professores subsídios para entrarem em contato com o que havia de mais novo no que diz
respeito aos modelos pedagógicos e materiais de ensino. Segundo Bastos, o estabelecimento
cumpriu seu objetivo entre os anos de 1884 e 1887, já que promoveu exposições escolares
anuais (VIDAL, 2004, p. 206).
A coleção reunida pelo Museu Escolar Nacional foi doada, em 1890, para o Pedagogium,46
museu pedagógico oficial, estabelecido a partir da reforma que regulamentava a instrução
primária e secundária no Distrito Federal, empreendida por Benjamin Constant, logo após a
proclamação da República. De acordo com o regulamento, nas escolas primárias de 1º grau,
"em todos os cursos será constantemente empregado o methodo intuitivo, servindo o livro de
simples auxiliar (...)".47 Não há prescrição do uso do método intuitivo no 2º grau, no entanto,
46
A associação Mantenedora do Museu Escolar, accedendo ao que lhe fôra proposto pelo actual Sr. Inspector
geral da instruccção primaria e secundaria, resolveu entregar ao Governo o Museu para que lhe desse mais
completo e proveitoso desenvolvimento.
Do secretário da associação recebeu (sem inventário) o Sr. Inspector geral os livros da bibliotheca, os modelos
de mobilia escolar, instrumentos e apparelhos didacticos nas respectivas estantes (...).
Por decreto n. 667 de 16 de Agosto creado o Pedagogium entrou na posse daquelles objectos (...). (REVISTA
PEDAGÓGICA, tomo 1, n. 3, 1890)
47
Decreto n. 981 de 8 de novembro de 1890. Approva o Regulamento da Instrução Primaria e Secundaria do
Districto Federal. Art. 3º, p. 2.
76
os pressupostos deste modelo pedagógico podem ser identificados a partir do artigo 9º, que
prevê que
cada escola primária terá além das salas de classe e outras dependencias, sua
bibliotheca especial, um museo escolar provido de collecções mineralogicas,
bothanicas e zoologicas, de instrumentos e de quanto for indispensavel para o
ensino concreto, um gymnasio para exercícios physicos, um pateo para jogos
e recreios, e um jardim preparado segundo preceitos pedagógicos.48
A mudança de regime político não correspondeu a uma mudança profunda no que diz respeito
as proposições pedagógicas. As medidas acima referidas mostram que as ideias e práticas que
estavam circulando pelo Brasil e mundo afora desde algumas décadas permaneceram nos
discursos dos republicanos e, ainda, medidas foram tomadas, no plano público, para que tal
modelo pedagógico pudesse ser implementado. Pela primeira vez, o método intuitivo foi
prescrito em âmbito nacional; preocupou-se com a criação de edifícios escolares com
infraestrutura para a implantação dessa pedagogia; e foi prevista a criação do Pedagogium, "um
estabelecimento de ensino (...) destinado a offerecer ao publico e aos professores em particular
os meios de instrucção profissional de que possam carecer, a exposição dos melhores methodos
e do material de ensino mais aprefeiçoado"49.
48
Ibid., Art, 9º, p. 3.
49
Ibid., Art. 24º, p. 5.
50
A professora Amelia F. da Costa e o professor Luiz dos Reis ambos enviaram ao Pedagogium materiais que
compraram ou mandaram confeccionar nos países que visitaram. Sobre a relação do material que enviaram, entre
eles quadros parietais. Ver REVISTA PEDAGÓGICA, tomo 2, n. 2, 1891, p. 129 e REVISTA PEDAGÓGICA,
tomo 3, n. 4, 1891, p. 149.
77
Menezes Vieira foi convidado para dirigir a instituição e como tal foi um grande incentivador
do uso dos parietais na mediação do ensino e aprendizagem.
(...) como defendia Menezes Vieira, os quadros 'para o ensino pelos olhos'
revestiam todas as 'paredes internas do edifício, escadas, salas, corredores' da
sede do Pedagogium (R. Visconde de Rio Branco, n. 13). Proviam da França,
Itália, Bélgica e Inglaterra, dentre outros, e eram editados por ‘Émile Deyrole,
Paravia, Armengaud, Reynold, Appleton, Pape-Carpentier, Callawert,
Johnson etc’. (REVISTA PEDAGÓGICA, n. 18, 1892, p. 334, apud VIDAL,
2004, p. 210)
Uma das poucas iniciativas encontradas de quadros produzidos e vendidos no Brasil partiu do
próprio Menezes Vieira. Entre os materiais recebidos pelo Pedagogium em seus primeiros anos
de funcionamento, estavam os “quadros lithographados para o ensino objectivo nas famílias e
nas escolas brasileiras”, coleção denominada de A imagem e a palavra, de 188651.
No ano de 1891 foi realizada no Pedagogium uma exposição em uma das salas do museu que
pretendeu exibir materiais escolares de produção nacional e trabalhos realizados por alunos de
escolas do Distrito Federal. Foram escolhidos para a sua avaliação dois professores
recentemente enviados à Europa e aos Estados Unidos para conhecer e reportar sobre a situação
da educação destes países, Amelia F. da Costa e Luiz Augusto dos Reis. Em parecer enviado
ao diretor Menezes Vieira o professor destacou que a exposição poderia ter sido maior,
considerando a pouca quantidade de escolas do Rio de Janeiro que enviou trabalhos para
participarem do evento, mas que as atividades dos alunos ali exibidas demonstraram que os
professores estavam se empenhado em seguir os programas estabelecidos, a partir da reforma
da instrução pública e utilização do método intuitivo.
No entanto, no que diz respeito à segunda sessão, na qual deveriam estar expostos “compêndios,
cartas, quadros, mappas, instrumentos e apparelhos, parte esta que compreende os livros de
51
REVISTA PEDAGÓGICA, tomo 6, n. 34, 35, 36, 1894.
78
No que diz respeito à produção e comercialização de quadros parietais, de fato, o final do século
XIX viu muito pouco ser feito no Brasil. A maioria das coleções usadas nas escolas brasileiras,
como já percebemos pelo material exposto no Pedagogium e como veremos adiante, quando da
apresentação das coleções de mapas parietais utilizados nas instituições de ensino estudadas
para esta tese, eram produzidas e impressas em países estrangeiros, especialmente países
europeus.
Para remediar a situação, já que este artefato pedagógico havia agradado os educadores
brasileiros, assim como o fez também, a educadores dos ditos países civilizados do mundo,
desde a metade do século XIX, as empresas estrangeiras responsáveis pela confecção do
material, com o objetivo de atingir outros mercados que não apenas as instituições de ensino de
seu próprio país, faziam a tradução dos textos dos quadros para outras línguas. Conforme
informa Menezes Vieira, contando “com a boa disposição dos editores francezes e norte-
americanos, acredito que será fácil obter os quadros murais com as legendas em portuguez”54.
O que de fato ocorreu muitas vezes.
No entanto, ainda que Menezes Vieira sugerisse a tradução dos textos dos quadros parietais
estrangeiros para o português, o educador estava muito preocupado com o desenvolvimento de
uma produção nacional de quadros parietais e de materiais didáticos em geral que pudessem
representar a realidade nacional de modo a impulsionar a modernização do país. A questão não
era apenas traduzir os textos, mas apresentar conteúdos que tivesse maior relação com o
contexto brasileiro. Numa primeira iniciativa como diretor do Pedagogium promoveu,
conforme previa o Regulamento da instituição 55 , concursos para a elaboração de materiais
didáticos para as escolas públicas primárias56. A abertura do concurso foi publicada no Diário
52
REVISTA PEDAGÓGICA, tomo 3, n. 16, 17, 1892, p. 266.
53
Ibid.
54
REVISTA PEDAGÓGICA, tomo 1, n. 3, 1891, p. 259.
55
Decreto n. 980 de 8 de novembro de 1890. Dá novo regulamento ao Pedagogium da Capital Federal.
56
"Concursos para os livros e material classico das escolas publicas primarias" (Id. Ibid., Art. 2º, p. 1); "O
Pedagogium abrirá annualmente um concurso com o fim de crear ou melhorar o material classico: mobilias,
79
Oficial da União no dia 11 de novembro de 189057. As condições para a confecção dos quadros
eram:
(...)
2ª. A dimensão dos quadros será calculada de modo que não exceda cada uma
0,70 sobre 0,50. Os quadros serão de cartão ou de tela, de fundo pardo, branco
ou preto, e sem moldura.
(...)58.
A criação dos quadros foi prevista pelos elaboradores do concurso para as disciplinas de Lições
sobre Objetos, com a confecção de “principais fórmas de animaes: mamíferos, aves, reptis,
peixes, de preferencia os mais conhecidos; reprodução em estampas coloridas, ou figuras de
cartão ou caoutchouc e estampa mural colorida do corpo humano”,59 sendo que “esta colleção
será acompanhada de um succinto manual explicativo para os professores”60; de História Pátria;
de Noções de Agronomia, com “quadros muraes, representando as principaes arvores
fructiferas do Brazil, e os animaes que prestam serviço á agricultura”61; e de Desenho, com
“Quadros muraes, segundo o methodo de Gisors, para o ensino de desenho na 1ª classe, do
curso elementar”62.
Ao solicitar que os quadros tivessem esse formato e características gráficas e estéticas, fica
claro que Menezes Vieira seguia como diretriz os modelos dos quadros estrangeiros com os
quais havia tido contato, porém, ao especificar os conteúdos, privilegia os assuntos que dizem
respeito as características brasileiras, por exemplo, como os quadros que representavam as
árvores frutíferas do Brasil, os animais úteis à agricultura nacional, os grandes personagens da
collecções technologicas, quadros decorativos, mappas, instrumentos, apparelhos das escolas publicas primarias.
(Ibid., Art. 24, p. 3).
57
REVISTA PEDAGÓGICA, tomo 1, n. 4, 1891, p. 208.
58
Ibid., p. 208.
59
Ibid., p. 210.
60
Ibid., p. 210.
61
Ibid., p. 210.
62
Ibid., p. 211.
80
Segundo Vidal (2004), é provável que Menezes Vieira tenha estabelecido contato com
representantes da empresa francesa quando esteve em Paris como delegado brasileiro no
Congrès International de L'Enseignement Primaire, que ocorreu como parte dos trabalhos da
Exposição Universal de 1889. Este contato rendeu não somente, a possibilidade de nacionalizar
a coleção de quadros parietais Musée scolaire pour leçons de choses, denominada Museu
escolar brasileiro, como também rendeu ao Pedagogium todo o material que compunha o seu
gabinete de História Natural, fornecido pelo próprio Émile Deyrolle63. Dentre os exemplares
escolhidos para compor a coleção de História Natural do museu, Menezes Vieira selecionou
“os typos da fauna e flora do Brasil”64.
O Pedagogium foi municipalizado em 1897 e em 1919, a instituição foi extinta. Seu espólio foi
doado ao Instituto de Educação do Rio de Janeiro65. Ainda assim, o Pedagogium, que continha
em seu acervo coleções de materiais didáticos de diferentes países ocidentais, foi grande difusor
de métodos de ensino e práticas educativas, assim como um importante promotor de empresas
transnacionais especializadas na comercialização de artefatos de ensino.
63
REVISTA PEDAGÓGICA, tomo 3, n. 18, 1892, p. 334.
64
Ibid., p. 324.
65
Ao que indica um relatório do Instituto de Educação do Rio Janeiro, de 1936, o acervo de seu Museu Escolar
era composto entre também do espólio do Pedagogium. ARQUIVOS..., 1936.
81
Figura 1.6
É possível inferir que o Pedagogium e seu primeiro diretor, Menezes Vieira, tenham sido
grandes responsáveis pela divulgação dos produtos da empresa de Émile Deyrolle no Sudeste
66
REVISTA PEDAGÓGICA, tomo 1, n. 3, 1891, p. 251.
67
REVISTA PEDAGÓGICA, tomo 2, n. 1, 1891, p. 51.
82
brasileiro, já que suas coleções para o ensino, principalmente das ciências, podem ser
encontradas entre os acervos de diversas instituições de ensino desta região (MADI FILHO,
2010, BRAGHINI, 2013, SILVA, 2015). Dentre as quatro coleções de quadros parietais
analisadas para esta tese, três delas contam, em seu espólio, com grande número de exemplares
de mapas murais produzidos pela Deyrolle. Ouso inferir que a escola que não os possui, o
Colégio Marista Glória de São Paulo, certamente adquiriu e fez uso das coleções de quadros da
empresa francesa nas primeiras décadas do século XX, já que em seu acervo há catálogos
publicados pela Deyrolle.
Ao comparar o acervo de quadros parietais das escolas estudadas para esta tese e dos Institutos
madrilenos de Enseñanza Secundaria de Madrid, na Espanha, é possível perceber que nas
escolas madrilenhas, as séries de mapas murais produzidas pela Maison Deyrolle não são tão
significativas quanto nas coleções brasileiras, figuram apenas como mais uma dentre várias
outras provindas de países como Alemanha, Holanda, Bélgica etc.
O Pedagogium foi, portanto, uma vitrine que divulgava para os visitantes de todo o Brasil aquilo
que havia de mais moderno em educação nos países ditos civilizados e, ao fazer isso, promovia
grandes empresas europeias e norte-americanas especializadas na comercialização de objetos
pedagógicos. A disseminação do método intuitivo e de materiais didáticos usados em todos os
graus de ensino, especialmente no ensino das ciências, se deu também em decorrência do grande
mercado que surgiu no contexto da renovação pedagógica iniciada na segunda metade do século
XIX e das ações de comercialização desses objetos pedagógicos por essas empresas
transnacionais.
A partir das duas últimas décadas do século XIX, no Brasil, há evidências de que a prática de
ensino mediante a observação de quadros parietais se disseminou e se tornou cada vez mais
comum. Como ficou evidente, esse quadros eram provenientes de empresas estrangeiras, com
exceção de algumas iniciativas isoladas.
Mas com o que as salas de aula podem pretender que farão a educação estética
das crianças, é, sobretudo, com a decoração mural. Importa estabelecer aqui
uma distinção que se descuida com demasiada frequência. Entreis em nossas
escolas: quando não virdes as paredes completamente peladas, como acontece
83
(...) O que se necessita para adornar as paredes de nossas escolas são obras
cujo fim não é ensinar, mas serem belas68.
Conforme adverte o professor autor deste artigo, há uma diferença grande entre os usos que se
devem fazer dos quadros parietais destinados ao ensinos dos conteúdos escolares e os quadros
voltados à educação estética. Os primeiros devem ser usados no contexto da aula como auxílio
visual do ensino oral; já os segundos devem ser imagens belas pendurados nas paredes da sala
de aula e do restante da escola, permanentemente, de modo que formem o bom gosto, “elevem
o espírito e sugiram a bondade, o valor, a virtude”69.
Em visita, em 1891, à escola da Rua Ampère, em Paris, a professora Amélia F. da Costa relatou
que viu pendurado nas paredes das salas de aula “diversos quadros para nomenclatura, mapas
geográficos”70. A respeito da visita à Escola Feminina da Rua Vautour, de Bruxelas, disse: “no
vestíbulo estão affixados diversos quadros com belas máximas, mandando tambem o município
affixar quaesquer cartazes que apareçam e que sejam relativos ao bem estar ou saúde pública.
Na ocasião em que visitei as escolas da Bélgica, achavam-se os cartazes contra o alcoolismo"71.
Tanto os relatos da professora Amélia, quanto as advertências feitas por Braunschvig (1914) e
Sluys (1905), oferecem indícios de que os quadros parietais eram usados indistintamente como
68
BRAUNSCHVIG, 1914, p. 83-84.
69
SLUYS, 1905, p. 354
70
REVISTA PEDAGÓGICA, tomo 3, n.º 1, 1891, p. 38.
71
REVISTA PEDAGÓGICA, tomo 3, n.º 4, 1891, p. 72.
84
material didático e também como quadros decorativos nas paredes das salas de aula das escolas
europeias, ainda que houvesse de fato estes dois tipos de mapas destinados à educação.
Fotografias de escolas paulistas evidenciam que isso também ocorreu no estado; algumas vezes
os quadros parietais com conteúdos escolares estavam expostos nas paredes apenas com função
decorativa e não necessariamente pedagógica. Como podem ser observados na imagem
abaixo72, de uma aula de leitura da sessão masculina da Escola Normal de São Paulo, presente
num álbum de 1908, há quadros parietais para o ensino de tecnologia, na parte superior das
paredes esquerda e do fundo da sala. Dispostas desta forma, dificilmente esses quadros eram
usados para o ensino. Para que isto ocorresse, os alunos teriam que virar demasiado os seus
pescoços ou mesmo suas cadeiras e carteiras. Ainda assim, as ilustrações estão penduradas
muito altas, o que também dificultaria a visibilidade das ilustrações. Por isso, o mais provável
é que estes parietais tenham sido colocados para decorar a sala de aula ou mesmo para que o
ambiente parecesse decorado na fotografia, buscando mostrar com a imagem como a escola era
equipada com os materiais didáticos mais modernos.
Figura 1.7
Figura 1.7. Sala de leitura da sessão masculina. Escola Normal de São Paulo, 1908.
Album da Escola Normal e Annexas de São Paulo, 1908. Acervo: CRE Mario
Covas – E.E. Caetano de Campos.
72
Album da Escola Normal e Annexas de São Paulo, 1908. Acervo CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos.
85
O mesmo pode ser observado na fotografia seguinte, que mostra uma sala de aula da Escola
Normal Peixoto Gomide de Itapetininga73. Os mapas geográficos e o quadro parietal “Cobras”,
da série A fauna brasileira, estão pendurados na parede do fundo da sala, enquanto as alunas
têm os seus corpos direcionados para a frente dela. Aprender vendo as imagens representadas
no quadro provocaria, também, um desconforto nas alunas. Parece ser mais um exemplo de
quadros parietais que serviram a fins decorativos e não pedagógico.
Figura 1.8
Figura 1.8. Sala de aula. Escola Normal Peixoto Gomide, Itapetininga, sem data
identificada. Caixa de fotografias nº 20. Acervo: CRE Mario Covas – E.E. Caetano
de Campos.
A observação das fotografias das escolas paulistas revelou ainda, que muitas vezes, as salas
onde eram feitas as exposições anuais dos trabalhos escolares dos alunos tinham suas paredes
decoradas com os quadros parietais existentes na escola, mesmo que não tivessem relação
alguma com os trabalhos realizados e exibidos. Como pode ser visto na fotografia abaixo74, na
parede da sala onde estão expostos os trabalhos manuais dos alunos do Grupo Escolar Matilde
73
Não há informação sobre a data da fotografia, no entanto o quadro parietal que está pendurado na parede,
“Cobras” da série A fauna brasileira, foi editado pela Cia. Melhoramentos de São Paulo na década de 1930, por
isso, é certo que a fotografia foi tirada nesta década ou nas décadas seguintes. Caixa de fotografias nº 20. Acervo
CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos.
74
RELATÓRIO..., 1940.
86
Vieira, de Avaré, estão pendurados dois quadros parietais de história do Brasil editados pela
Cia. Melhoramentos de São Paulo.
Figura 1.9
Os quadros parietais de fato serviram como peças de ornamentação, seja para decorar o
ambiente escolar no cotidiano ou quando da realização de fotografias que exibiriam a escola
em álbuns escolares, relatórios oficiais etc. De acordo com Buisson75, os mapas murais não
deveriam ser usados para decorar as salas de aula como uma obra de arte, mas serem utilizados
apenas no momento das lições para o qual fossem destinados. Desse modo, o material deveria
ficar armazenado em outro lugar que não a sala de aula e, somente levado a este espaço e
colocado à vista dos alunos, quando de fato fosse ser utilizado para o ensino de determinado
conteúdo. Segundo o intelectual francês, o uso móvel deste material didático seria mais eficaz
do que mantê-lo sempre exposto, pois cada nova imagem poderia despertar novo interesse,
ajudar na manutenção da atenção e renovar as emoções.
Como vimos, em alguns casos os quadros parietais de fato ficaram pendurados de forma mais
duradoura em salas de aulas ou em outros ambientes escolares. No entanto, também foi possível
75
BUISSON, 1911.
87
constatar que o uso móvel indicado como mais eficaz por Buisson também ocorreu. Foi,
provavelmente, o modo de utilização mais comum. Este material didático era bastante caro, por
isso, uma mesma série deveria ser compartilhada por todas as turmas e professores da escola,
quando houvesse mais de uma. Em função disso, os quadros não podiam ficar numa só sala de
aula, deveriam estar à mão para todos os professores que os quisessem utilizar.
Figura 1.10
É possível também que na maioria dos estabelecimentos de ensino menores e com menos
recursos que a Escola Normal de São Paulo, os quadros parietais não ficassem pendurados nas
paredes, mas guardados enrolados ou pendidos todos juntos em armários ou na parede mesmo.
Como pode ser visto na fotografia abaixo 76 , há quadros fixados na parede, mas há outros
também que estão amontoados num mesmo lugar, armazenados juntos para serem retirados e
usados quando necessário.
Figura 1.11
Figura 1.11. Sala de ciências físicas e naturais. Escola Normal Peixoto Gomide,
Itapetininga, sem data identificada. Caixa de fotografias nº 20. Acervo: CRE
Mario Covas – E.E. Caetano de Campos.
Outro lugar onde guardaram os parietais foram os museus escolares ou bibliotecas. Numa
fotografia do Museu Pedagógico 77 , anexo à biblioteca e sala de leitura da Escola Normal
Caetano de Campos, é possível perceber que ali estavam armazenados, em um móvel próprio
para guardar este tipo de material, os parietais da série Quadros para o ensino intuitivo, editada
pela Cia. Melhoramentos de São Paulo. É muito provável que estes mapas estivessem sob a
guarda da biblioteca, que os emprestava para os professores que quisessem usá-los em suas
aulas.
A partir da análise destas fotos é possível inferir, portanto, que os quadros parietais eram
compartilhados pelos professores das instituições de ensino e armazenados em outros espaços
76
Caixa de fotografias nº 20. Acervo CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos.
77
Caixa de fotografias nº 18. Acervo CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos.
89
que não a sala de aula. É provável que os professores pegassem os quadros que necessitavam
para determinada aula e os exibissem em frente à classe, pendurando-os na parede, na lousa ou
mesmo os apoiando em cavaletes próprios para este tipo de material.
Figura 1.12
Figura 1.13
Figura 1.13. Sala de aula da sessão masculina. Grupo Escolar de Duartina, primeiros
anos da década de 1930. Relatório da Delegacia Regional de Ensino de Bauru, 1933.
Acervo: Arquivo Público do Estado de São Paulo.
90
Como pode ser observado na fotografia acima78, na frente da classe há dois cavaletes nos quais
estão expostos um mapa geográfico e um quadro parietal. O professor está posicionado ao lado
do objeto, de modo que os alunos podem olhar para ele ao mesmo tempo em que observam a
imagem e também a lousa, se isso for necessário para a realização da lição.
O uso dos quadros parietais respeitava a forma escolar moderna em que os alunos atuavam
como expectadores e interlocutores dos professores e daquilo que lhes era mostrado da frente
da classe. Embora a construção do conhecimento pelo uso do quadro parietal privilegiassr o
sentido da visão, o papel do professor e da sua fala não podiam ser ignorados. A compreensão
do conteúdo se dava pela observação das imagens e pela audição dos comentários e
apontamentos feitos pelo professor sobre aquilo que estava sendo exibido. A visão era muitas
vezes guiada pelas falas e gestos do professor. Determinados aspectos das ilustrações podiam
ser ressaltados em detrimento de outros. O uso dos parietais deve ser entendido a partir desta
relação entre imagem e explicação do professor.
Figura 1.14
78
RELATÓRIO..., 1933a.
91
Figura 1.15
Como pode ser visto nas duas imagens acima79, os quadros também foram usados em outras
dependências escolares, como nos centros de puericultura e gabinetes dentários. Nestes casos,
os quadros parietais, por seu caráter pedagógico, extrapolaram as salas de aulas e ganharam
outros espaços. Serviram para conscientizar as crianças da importância da higiene bucal e da
alimentação, por exemplo. Este tipo de cartaz não se restringiu às escolas; pôde ser encontrado
também em postos de saúdes, hospitais, consultórios médicos e dentários etc. Foi um material
didático apropriado para outros fins, também pedagógicos, porém fora das instituições de
ensino.
79
RELATÓRIO..., 1942; Caixa de fotografias nº 18. Acervo CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos.
92
Capítulo 2
As coleções de quadros parietais: origens, datas e disciplinas escolares de referência
Para os capítulos 2 e 3 optou-se por analisar os quadros parietais de cada uma das instituições
de ensino separadamente, tratando o conjunto dos quadros de cada uma das instituições como
coleções. De acordo com Fleming (1974) coleções são agrupamentos de objetos a partir de
critérios estabelecidos pelo próprio pesquisador e realizados através da identificação de
semelhanças comuns de ordem cultural, geográfica, relativas à produção, etc. O objetivo de
designar coleções é o de perceber como os sujeitos de determinada cultura, área geográfica ou
mesmo uma instituição de ensino interagem com determinados artefatos, isto é, produzem ou
fazem uso deles.
A partir desta perspectiva, a análise das informações coletadas nesta primeira etapa da pesquisa,
especificamente no que diz respeito à história do artefato, possibilitou traçar um panorama das
características principais das coleções de quadros parietais de cada uma das instituições
investigadas, isto é, conhecer o período em que estes materiais foram produzidos e adquiridos
pelas escolas; quais quadros e séries foram escolhidos para comporem o material didático da
escola ao longo do tempo; quais foram as empresas que produziram e imprimiram os quadros
e quem são os seus autores e ilustradores, isto é, quem são os sujeitos envolvidos na produção
e comercialização desse material de ensino; relacionar os quadros parietais aos métodos de
ensino adotados, aos conteúdos e disciplinas escolares privilegiados em cada uma das coleções
de parietais.
Fazer a análise de cada uma das coleções de quadros parietais das instituições de ensino
pesquisadas permitiu perceber as relações entre os sujeitos de cada escola e as escolhas por
determinadas séries de quadros, empresas, países e conteúdos. A análise evidenciou, portanto,
semelhanças e diferenças entre escolas estudadas, nos padrões de adoção de determinados
materiais, empresas, países e também de usos, relacionando objetos à metodologias de ensino,
currículo e práticas de uso.
Dessa forma, a análise separada dos quadros parietais de cada uma das instituições e posterior
cruzamento das análises realizadas individualmente revelou afinidades na adoção de séries de
determinadas empresas e de determinados países e permitiu traçar padrões de compras e usos
de séries de quadros parietais no Sudeste brasileiro; evidenciou como estes objetos pedagógicos
93
O acervo da E.E. Caetano de Campos, administrado pelo CRE Mario Covas, reúne os
documentos históricos da primeira escola normal pública de São Paulo. A instituição foi
fundada em 1834 com o objetivo de formar professores para as escolas do estado e existe até
os dias atuais. Ao longo de todo este período passou por mudanças na estrutura, organização,
edifício, nível de ensino, currículo e até mesmo em seu nome, em resposta às transformações
sociais, políticas e às finalidades educativas do estado e país.
Dentre os documentos que estão sob guarda do CRE Mario Covas podem ser encontrados
documentos oficiais da instituição como prontuário de alunos, livros de inventários, livros de
ofícios, relatórios dos diretores, entre outros; livros didáticos e periódicos educacionais que
compunham a biblioteca da escola; além de um importante conjunto de artefatos pedagógicos
que conta com instrumentos e objetos usados no ensino infantil, de física, química e história
natural80.
80
A respeito dos objetos didáticos que compuseram o museu escolar da instituição ver SILVA, 2015.
94
Dentre as quatro coleções de quadros parietais estudadas para esta pesquisa, a do acervo da E.E.
Caetano de Campos é a maior delas. Ela agrega quadros de diferentes níveis de ensino e abarca
mapas produzidos e usados num período bastante amplo, desde a década de 1890 até a década
de 1970. Acredito que a extensão da coleção se deva ao fato desta ser uma escola que funcionou
ativamente por muito tempo, mas, também, por se tratar de uma instituição de ensino
considerada importante para a história da cidade e estado de São Paulo e da educação brasileira.
É possível que tenha havido a preocupação e o cuidado, ainda que de forma precária, de guardar
seus documentos, os livros e periódicos de suas bibliotecas e os objetos usados no contexto
educativo, mesmo aqueles que foram deixando de ser usados ao longo dos anos pelas mudanças
sofridas no currículo ou metodologias de ensino.
A coleção de quadros parietais desta escola conta com 591 exemplares (ANEXO), conforme
mostra a Tabela 2.1. Deste total, 118 são quadros repetidos81, isto é, pode haver mais de um
exemplar de um mesmo quadro. As repetições são mais comuns entre os quadros produzidos
por empresas brasileiras e adquiridos a partir das décadas de 1920 e 1930. Acredito que isso se
deva à maior facilidade de acesso aos produtos, já que eram nacionais; e, também, ao provável
81
Para ser considerado repetido, um quadro deve ser exatamente igual ao outro. Quando havia pequenas alterações
editoriais, como mudanças na orientação do quadro (retrato ou paisagem) ou alterações em partes das imagens
(como por exemplo mudanças na roupa de um personagem ou no lado para o qual um animal está virado), o quadro
não foi considerado repetido.
95
barateamento no custo da compra dos mapas murais. Como eram produzidos e impressos no
país, não havia mais os gastos despendidos com os impostos aduaneiros cobrados pela
importação de artigos estrangeiros.
A coleção pode ser dividida em 29 séries82 e 12 quadros parietais que não pertencem a série
nenhuma, que foram comercializados como uma unidade. Os quadros vendidos desta forma
foram produzidos por empresas brasileiras e confeccionados a partir da década de 1940,
momento em que o uso de imagens para o ensino estava já há muito consolidado, mas em que
o comércio desse artefato de ensino havia crescido e se transformado consideravelmente no
Brasil, conforme veremos adiante.
Tabela 2.1
Total de quadros parietais da coleção do CRE Mario Covas - E.E. Caetano de Campos
Total
Quadros parietais 591
Quadros parietais repetidos 118
Séries de quadros parietais 29
Quadros parietais que não pertencem à séries 12
Fonte: Coleção de quadros parietais do CRE Mario Covas – EE Caetano de Campos.
Conforme dito anteriormente, há parietais no acervo que datam da década de 1890 e peças
publicadas nos anos 70 do século XX, quer dizer, a coleção de quadros didáticos da E.E.
Caetano de Campos abarca pelo menos 80 anos da história da escola e da educação paulista.
Esse material didático ganhou as paredes da instituição, provavelmente, nas duas últimas
décadas do século XIX, momento em que era conduzido um novo projeto de educação,
instituído oficialmente a partir da reforma da instrução pública promulgada em 189283, que
pudesse difundir os valores da república recém instaurada. Neste contexto se deu a expansão
da escola pública primária na forma de Grupos Escolares, estabelecimentos modernos,
projetados em edifícios especialmente aparelhados para levar a cabo esse novo modelo
educativo, que propunha uma nova organização didático-pedagógica e novos métodos de
ensino e programas (SOUZA, 1998).
82
Há 4 séries de quadros parietais nas quais só resta apenas um quadro em cada uma delas no acervo. Por razões
desconhecidas, os demais exemplarem se perderam. As séries são: duas séries de nomes desconhecidos produzidas
pelo editor italiano Antonio Vallardi; a série também de nome desconhecido publicada pela Revista de Educación
de Buenos Aires, da Argentina; e a série Quadros de Anatomia da Cia. Melhoramentos de São Paulo.
83
SÃO PAULO (Estado). Lei n. 88 de 8 de setembro de 1892. Reforma a instrucção publica do Estado.
96
A Escola Normal da capital adquiriu lugar central na condução dessa renovação pedagógica
paulista, instituição responsável pela formação dos futuros educadores do estado e espaço
privilegiado para a experimentação de novos programas, metodologias de ensino e práticas
pedagógicas. Por sua relevância como instituição promotora dos valores republicanos, a Escola
Normal ganhou em 1894 novo edifício, na Praça da República, região central da cidade de São
Paulo. O novo prédio dispunha de espaços que possibilitavam a implantação do novo projeto
pedagógico: andar dedicado especificamente para as aulas da Escola Normal e outro para as
turmas da Escola Modelo; salas de aula que seguiam as orientações mais modernas de higiene;
salas separadas para a secretaria, as diretorias e para os professores da Escola Normal;
anfiteatro; biblioteca; gabinete de física; laboratório de química; museu de ciências naturais;
sala de anatomia e fisiologia; sala de história natural; espaço dedicado à comissão
meteorológica; ginásio; e pavilhão e pátio para o recreio dos alunos84.
Não houve a preocupação de explicitar no relatório as empresas que produziram estes artefatos.
Ainda assim é possível afirmar que os exemplares de história, desenho e astronomia não
integram a coleção atual do acervo da Caetano de Campos, portanto, não foi possível descobrir
seus fabricantes. Quanto aos quadros de história natural, é aceitável que ainda existam
remanescentes, pois há pelos menos 2 séries de quadros parietais na coleção que foram
84
RELATÓRIO..., 1895.
85
RELATÓRIO..., 1893, p. 4.
86
Ibid., p. 16.
87
Ibid., p. 16.
97
produzidas e podem ter sido compradas nessa época. Ambas têm origem francesa, sendo uma
delas publicada pela G. Masson, Editeur e a outra pela Émile Deyrolle.
Certo é que já nesta data a escola fazia todos os esforços para implementar o método intuitivo
de ensino e preocupava-se com a aquisição de objetos que auxiliassem o ensino das disciplinas
científicas do programa. Para tanto, os mapas figuravam como um dos materiais de ensino que
faziam da aplicação dessa nova metodologia e desse programa possíveis.
Por meio da análise da coleção de parietais ainda existente no acervo da E.E. Caetano de
Campos foi possível identificar 4 séries/ quadros88 adquiridos nas décadas de 1890, 1900 e
1910. Não foi fácil identificar com precisão as datas em que as peças passaram a integrar a
coleção, por se tratar de objetos antigos, ainda não organizados e catalogados. Alguns quadros
trazem as datas na própria imagem, outros têm as datas de sua aquisição no seu verso, algumas
coleções aparecem em livros de inventários ou nos relatórios elaborados pelo diretor do
estabelecimento, no entanto, as informações sobre a grande maioria precisaram ser buscadas
em documentos relacionados às histórias das empresas que os produziram, seus autores ou
ilustradores. Algumas vezes foi necessário buscar vestígios nos aspectos materiais dos quadros,
nas características estéticas das imagens representadas ou mesmo nos conteúdos abordados. Em
12 casos específicos, que representam 29,3% do total das séries/ quadros estudados, foi
impossível precisar a data de aquisição das peças, conforme pode ser visto na Tabela 2.2
Assim, a maioria das datas identificadas não é precisa, mas aproximada. Por isso, distribuí as
séries/ quadros parietais entre: décadas de 1890, 1900 e 1910; décadas de 1920 e 1930; décadas
de 1940 e 1950; e décadas de 1960 e 1970. Essa divisão não é aleatória, foi feita a partir da
própria análise dos artefatos e da percepção de que estes períodos reúnem mapas com
características semelhantes entre si e, também, caracterizam diferentes padrões de compra do
material pela instituição.
88
Refiro-me a série/ quadros, pois como a coleção abrange tanto séries de quadros parietais como quadros parietais
unitários (que, como já disse, não pertenciam a série nenhuma).
98
Tabela 2.2
Distribuição das séries/ quadros parietais do CRE Mario Covas - EE Caetano de Campos por
data de aquisição
Data de aquisição Unidade Porcentagem89
(séries/ quadros) (%)
Décadas de 1890, 1900 e 1910 4 9,8
Décadas de 1920 e 1930 8 19,5
Décadas de 1940 e 1950 13 31,7
Décadas de 1960 e 1970 10 24,4
Data não identificada 12 29,3
Fonte: Coleção de quadros parietais do CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos.
Como dito anteriormente, nas décadas de 1890, 1900 e 1910 foram compradas 4 séries/ quadros
parietais pela escola, o que representa 9,8% do total de 41 séries/ quadros adquiridos e que
compõem hoje em dia a coleção do acervo da E.E. Caetano de Campos. No entanto, das 11
séries com datas não identificadas, existem 4, sendo três da editora italiana Antonio Vallardi e
uma da francesa Emile Deyrolle, que podem ter sido adquiridas nestas décadas, pois certamente
já eram produzidas e comercializadas em vários países ocidentais90 neste momento. Um total
de 19,5% de séries/ quadros, 8 unidades, passou a compor o acervo nas décadas de 1920 e 1930.
Nos anos de 1940 e 1950 houve a maior porcentagem de compra de séries/ quadros, foram
adquiridos pela escola 13 séries quadros, o que corresponde a 31,7% do total. Por fim, houve
uma pequena queda no comportamento de compra da escola nas décadas de 1960 e 1970,
quando a instituição adquiriu 10 séries/ quadros ou 24,4% do total comprado ao longo de 80
anos que abarcam a coleção.
A análise evidencia que houve um crescimento na aquisição deste material de ensino até a
década de 1950 e que nos anos seguintes essa prática diminuiu. Também é necessário levar em
consideração, que esta coleção representa apenas uma amostra do total de quadros parietais que
foram de fato comprados ou adquiridos pela instituição ao longo desses anos, já que certamente
uma quantidade considerável do material se perdeu. Isto é perceptível pelos mapas de história,
desenho e astronomia, inventariados no relatório do diretor da Escola Normal de 1893, que não
89
A soma total das porcentagens não dá 100%, pois há algumas séries/ quadros parietais que foram compradas em
mais de um dos períodos estabelecidos.
90
No que diz respeito às coleções da Antonio Vallardi Editore, há indícios de que a maior produção e
comercialização de quadros parietais aconteceu nas três primeiras décadas do século XX, conforme dados
coletados nos bancos de dados Verzameling in beeld, da Holanda; e Catálogo Colectivo del Patrimonio
Bibliográfico Español. A respeito da série vendida pela francesa Deyrolle, é possível identificar esta informação a
partir de seus catálogos, nos quais é oferecida entre os anos de 1897 e 1934.
99
sobreviveram e também pelas séries incompletas que compõem o acervo. Da mesma forma,
alguns exemplares podem ser provenientes de outras instituições de ensino e ter sido
incorporado ao acervo posteriormente. Ainda assim, é uma amostra rica que revela muito sobre
o próprio quadro parietal como material de ensino, os padrões de compra de materiais didáticos,
as empresas produtoras e impressoras deste material, a circulação deste material de ensino entre
o Brasil e Europa, o surgimento e crescimento da indústria editorial e gráfica brasileiras, as
metodologias e práticas pedagógicas adotadas pela instituição, seja no nível normal ou primário
e a história das disciplinas que privilegiaram o uso deste material, especialmente as científicas.
Todas as séries compradas pela escola nas décadas de 1890, 1900 e 1910 foram produzidas e
impressas na França, país que depois do Brasil foi o que mais vendeu quadros parietais para
escola, conforme pode ser verificado no gráfico 2.1.
Gráfico 2.1
Porcentagem dos quadros parietais do CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos por país
de fabricação
2,4 Argentina
7,4
Bélgica
12,3 Brasil
França
Holanda
Itália
70,7
País não identificado
Fonte: Coleção de quadros parietais do CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos.
A partir da análise do gráfico 2.1 é possível perceber que do total de séries/ quadros parietais
que compõem o acervo, a grande maioria foi produzida no próprio Brasil, 29 unidades ou
70,7%. O segundo país que mais proveu o acervo da Escola Normal foi a França, como dito
anteriormente, com 5 séries, o que corresponde a 12,3% do total. Em terceiro lugar está a Itália,
país do qual foram compradas 3 séries, 7,4% do total da coleção. Argentina, Bélgica e Holanda
venderam para a instituição apenas 1 série, 2,4%, cada um. Houve apenas 1 série que não foi
100
possível identificar sua procedência, pois não foi encontrada informação alguma sobre as
peças91.
Das séries/ quadros produzidos no Brasil, 23, o que corresponde a 79,3%, foram produzidos no
estado de São Paulo; 3 ou 10,3% no estado do Rio de Janeiro; e 2, 6,9% do total de séries/
quadros brasileiros, são do Rio Grande do Sul. Houve 2 séries/ quadros parietais que não
tiveram os locais de sua produção no Brasil identificados.
A grande maioria dos quadros parietais que compõem a coleção da E.E. Caetano de Campos
foi produzida no Brasil, especificamente, no estado de São Paulo. A partir do gráfico 2.2. é
possível perceber que as séries/ quadros brasileiros somente foram adquiridos pela instituição
a partir das décadas de 1920 e 1930. Antes disso, a totalidade das séries/ quadros parietais eram
trazidos de países europeus, especialmente da França.
As séries/ quadros adquiridos nas décadas de 1890, 1900 e 1910 são exclusivamente francesas,
como já foi dito: Planches murales d’histoire naturelle de P. Gervais, da G. Masson, Éditeur;
Musée scolaire pour leçons de choses, da empresa Émille Deyrolle; Museu escolar brasileiro,
também da Émile Deyrolle; e Museu escolar industrial para lições de coisas, da recém
intitulada Les Fils d’Émille Deyrolle, Éditeur92.
Como dito anteriormente, há 4 séries parietais dentre as que não tiveram suas datas identificadas
que, possivelmente, se não foram compradas nestas 3 primeiras décadas, foram adquiridas nas
duas décadas seguintes, 1920 e 1930. São as coleções Tableaux d’histoire naturelle de Gaston
Bonnier, produzidas pela empresa Les Fils d’Émile Deyrolle; e as séries da italiana Antonio
91
Quando observados os países de impressão dos quadros parietais, é possível perceber que a maioria das séries/
quadros foi impressa no mesmo país em que foi produzida. Com exceção da série Pfurtscheller’s zoölogische
wandplaten, produzida pela holandesa Martinus Nijhoff e impressa na Áustria e Alemanha, a maioria das demais
séries/ quadros foram impressas nos seus países de edição. Sobre a única série impressa nos Estados Unidos não
há nenhuma informação sobre quem a fabricou ou quando. Os dados de impressão são: Áustria/ Alemanha – 1;
Bélgica – 1; Brasil – 21; Estados Unidos – 1; França – 5; Séries/ quadros sem informação sobre impressão – 12.
92
Os filhos de Émile Deyrolle assumiram a empresa na última década do século XIX, quando mudaram o nome
da empresa de Émile Deyrolle para Les Fils d’Émile Deyrolle. A partir da análise dos catálogos da empresa é
possível perceber que nos que datam de 1893 (MAISON..., 1893) e 1894 (MAISON..., 1894) o nome da empresa
aparece como Maison Émile Deyrolle, Les fils d’Émile Deyrolle. No catálogo de 1897 (LES FILS..., 1897) já
passa a ser somente Les Fils de Émile Deyrolle, nome que será mantido até pelo menos a metade da década de
1930, quando se encontram também catálogos como o nome Établissements Deyrolle
(ÉTABLISSEMENTS...,1938).
101
Vallardi Editore, Corpo Umano e duas outras, de anatomia/ fisiologia e de botânica, sem título
identificado.
No que diz respeito às décadas de 1920 e 1930, conforme indica o gráfico 2.2, há 3 séries/
quadros parietais adquiridos pela Escola Normal comprados na Europa e 6 no Brasil. As três
séries compradas em países europeus neste período foram: Pfurtscheller’s zoölogische
wandplaten, produzida pela editora holandesa Martinus Nijhoff; uma série belga para o ensino
da religião católica, sem título identificado, produzida pelo Apostolat Liturgique Abbaye de St
André, Lophem-lez-Bruges; e novos exemplares da série da francesa Les Fils d’Émille
Deyrolle, Museu industrial escolar para lições de coisas.
Gráfico 2.2
Distribuição dos quadros parietais do CRE Mario Covas – EE Caetano de Campos por data e
país de fabricação
14
12
10 4
8
6 3 13
10 7
4
2 4 5
0 1
Décadas de 1890, Décadas de 1920 e Décadas de 1940 e Décadas de 1960 e Data não
1900 e 1910 1930 1950 1970 identificada
Fonte: Coleção de quadros parietais do CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos.
Essa análise demonstra que nas décadas de 1890, 1900 e 1910 os quadros parietais foram
exclusivamente comprados em países europeus, principalmente na França, especialmente na
francesa Deyrolle. Com o passar dos anos, a partir da década de 1920, a escola passou a adquirir
também quadros parietais produzidos no Brasil, ainda que continuasse a comprar quadros
estrangeiros até a década de 1930, como vimos no gráfico 2.2. Dentre estes quadros estrangeiros
comprados nestas duas décadas, percebe-se que a instituição seguiu comprando quadros
parietais da francesa Deyrolle, no entanto, também adquiriu peças de outras empresas
estrangeiras, provindas da Holanda e Bélgica e, possivelmente, Itália.
102
A relação comercial entre a Escola Normal e a empresa de Émile Deyrolle se estende, pelo
menos, desde a última década do século XIX até a década de 1930 do século XX, se tratando,
certamente, da fabricante de quadros parietais estrangeira mais significativa no contexto
educativo nacional, não somente da Caetano de Campos, mas de muitos estabelecimentos de
ensino públicos e privados brasileiros. Isto é interessante se considerarmos que a empresa
francesa é apenas mais uma fabricante deste material de ensino no âmbito europeu. Ao observar
o banco de dados de quadros parietais holandês, Verzameling in Beeld93; o Catálogo Colectivo
del Patrimonio Bibliográfico Español94; as coleções de mapas dos institutos madrilenhos de
ensino secundário Cardenal Cisneros, San Isidro e Isabel la Católica95; o inventário online do
Património Museológico da Educação96; e dados sobre a coleção de parietais do Liceu de Passos
Manuel (LOPES, 2004), de Lisboa, fica evidente que existe uma profusão de séries de quadros
parietais produzidos em diversos países europeus, muitas vezes traduzidas para diferentes
línguas. Dentre os quadros parietais que circularam por países como Portugal e Espanha a
maioria é de origem germânica. No caso holandês, ainda que haja maior número de quadros
produzidos no próprio país, o segundo país que mais forneceu esse material de ensino para as
instituições de ensino foi também a Alemanha. Certamente uma investigação que analisasse
mais a fundo a circulação deste material entre os países do globo seria bastante interessante. No
entanto, somente a partir destes breves dados observados é possível inferir que a França não foi
o principal exportador de quadros parietais na Europa, ainda assim, foi uma importante
fornecedora estrangeira para as instituições de ensino, pelo menos, do Sudeste brasileiro.
Como dito anteriormente, é possível que os produtos da empresa Deyrolle tenham sido tão
usados e por tanto tempo nas escolas brasileiras em decorrência, entre outros fatores, da relação
estabelecida entre o educador Menezes Vieira e o próprio Émile Deyrolle. O contato com os
produtos Deyrolle pode ter acontecido no próprio Pedagogium, onde ampla coleção desta
empresa foi exibida e servia de modelo para professores e educadores se inspirarem para
construírem seus próprios museus escolares. Ao mesmo tempo, pode ter havido um
investimento por parte da empresa francesa para que seus produtos atingissem o mercado
brasileiro. Certo é que a empresa juntamente com Menezes Viera confeccionaram na última
década do século XIX a série Museu escolar brasileiro, nacionalização do Musée scolaire pour
93
Disponível em: < http://www.collectiontrade.nl/cms/index.php>.
94
Disponível em: < http://catalogos.mecd.es/CCPB/cgi-ccpb/abnetopac/O12280/ID7fc1a222/NT1?ACC=101>.
95
No estágio de doutorado sanduíche realizado em Madrid, Espanha, pude visitar os acervos dos três
estabelecimentos de ensino acima mencionados e observar as coleções de quadros parietais de cada um deles.
96
Disponível em: < http://edumuseu.sec-geral.mec.pt/default.aspx>.
103
leçons de choses. Nos últimos anos deste século, a Deyrolle produziu também a série Museu
industrial para lições de coisas, que tinha duas versões, uma delas destinada aos países de
língua espanhola e outra aos países de língua portuguesa.
Houve, portanto, um trabalho de edição dos quadros destinados à escola francesa para torná-los
viáveis ao ensino nas instituições educativas de países da América Central e do Sul97. De acordo
com o catálogo de 1897, quando esta coleção aparece pela primeira vez para venda, a série “foi
feita especialmente para responder ao ensino nos países centrais e sul-americanos” 98. Quer
dizer, a Deyrolle mirava e fazia esforços para atingir estes mercados. E, como mostra a coleção
de quadros parietais dessa escola, assim como outros trabalhos que estudam o patrimônio
científico escolar99, de fato a empresa francesa teve presença marcante entre os materiais que
compuseram as escolas do sudeste do Brasil.
Assim como o mercado de livros didáticos no Brasil no final do século XIX e início do XX
esteve profundamente marcado pela relação entre editoras brasileiras e francesas, seja a partir
de edições de obras inteiras francesas consumidas pelo público brasileiro ou mesmo pela
impressão de livros nacionais no país europeu (BITTENCOURT, 1993), também os quadros
parietais usados neste período evidenciam uma estreita relação comercial e cultural entre os
dois países.
É curioso perceber que os quadros parietais brasileiros somente passaram a ser comprados a
partir das décadas de 1920 e 1930. O que poderia explicar isso? Ou, por que não havia quadros
parietais brasileiros nas escolas estudadas antes destas décadas?
97
LES FILS..., 1897.
98
Ibid., p. 30.
99
A esse respeito ver: BRAGHINI, 2013; MADI FILHO, 2013; SILVA, 2015.
100
REVISTA PEDAGÓGICA, tomo 8, n. 43, 1896.
104
É possível, portanto, que no final do século XIX e início do século XX as poucas editoras
brasileiras ainda não se interessassem por produzir este tipo de material e que a produção de
quadros com estampas não fosse facilmente realizável no país, por certo era escassa a tecnologia
litográfica e existissem poucos ateliês que atendessem uma grande demanda. A própria Alves
& C. por vezes fazia impressões na França ou em Portugal, dependendo do livro e daquilo que
era exigido pelo autor (LIMA, 1985).
A técnica da litografia foi trazida ao Brasil ainda com vinda da família real em 1808 e esteve
presente no cenário carioca desde então, primeiro por meio das impressões oficiais do Império
e, posteriormente, com a publicação de revistas, folhetins, cartazes etc (REZENDE, 2009). As
décadas de 1850 a 1870 representaram a época de ouro das oficinas litográficas, não somente
no Rio de Janeiro, mas também em outras grandes cidades brasileiras, como São Paulo e Porto
Alegre. No entanto, nas décadas seguintes, houve uma queda na quantidade de oficinas
tipográficas e na quantidade de trabalhos deste tipo realizados. Essa queda pode ter relação com
o surgimento de novas técnicas de impressão e mesmo da fotografia (REZENDE, 2009).
Independente de qual seja o motivo, fato é que havia poucos lugares para imprimir quadros
parietais em grandes quantidades. No entanto, não se pode dizer que não existia a tecnologia
para impressão deste material didático no Brasil.
O mercado editorial de obras didáticas do final do século XIX e início do XX esteve marcado
pela concentração das publicações por poucas empresas nacionais, geralmente situadas no Rio
de Janeiro; e pela presença de obras de editoras estrangeiras, principalmente portuguesas e
105
francesas (BITTENCOURT, 1993). É possível perceber, desse modo, que o próprio mercado
de livros didáticos estava nascendo e se consolidando no Brasil neste momento. É provável,
portanto, que o desenvolvimento de outros materiais didáticos precisou esperar mais alguns
anos.
Assim, a produção de quadros parietais dependeu mais da disposição de sua elaboração por
parte de editoras ou instituições dedicadas à promoção do ensino do que da falta de tecnologia
para a sua confecção, ainda que possivelmente a demanda por litografias no Brasil fosse maior
que a capacidade das oficinas de produzi-las.
Quadro 2.1
Séries/ quadros parietais produzidos no Brasil e adquiridos pela Escola Normal nas décadas
de 1920 e 1930
Título Série (S) ou Fabricante
Quadro (Q)101
Quadros para o ensino de leitura, Cia. Editora Melhoramentos de
S
linguagem e aritmética São Paulo
Cia. Editora Melhoramentos de
Quadros para o ensino intuitivo S
São Paulo
Cia. Editora Melhoramentos de
A fauna brasileira S
São Paulo
Cia. Editora Melhoramentos de
Iniciação geográfica Q
São Paulo
Esta he a carta verdadeira da revolução
que houve no Estado de São Paulo no anno Q -
de MCMXXXII
Fonte: Coleção de quadros parietais do CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos.
101
Trata-se de série (reúne vários quadros parietais numa lógica para publicação) ou de um quadro individual (não
pertence a série nenhuma, isto é, foi publicado como um quadro individual).
106
Quadro 2.2
Séries/ quadros parietais produzidos no Brasil e adquiridos pela Escola Normal nas décadas
de 1940 e 1950
Título Série (S) ou Fabricante
Quadro (Q)
Quadros para o ensino de leitura, Cia. Editora Melhoramentos de
S
linguagem e aritmética São Paulo
Cia. Editora Melhoramentos de
A fauna brasileira S
São Paulo
Quadros para o ensino intuitivo – Cia. Editora Melhoramentos de
S
Riquezas vegetais São Paulo
Cia. Editora Melhoramentos de
Quadros de riquezas animais S
São Paulo
Cia. Editora Melhoramentos de
Quadros de anatomia S
São Paulo
Alimentação – Quadros para uso nas Cia. Editora Melhoramentos de
S
escolas São Paulo
Cia. Editora Melhoramentos de
Panteão nacional S
São Paulo
Quadros de história pátria para o curso Cia. Editora Melhoramentos de
S
primário São Paulo
Cia. Editora Melhoramentos de
Sistema métrico Q
São Paulo
Brasil S.A. Indústrias Graphicars
Esqueleto humano S
– F. Lanzara
Revista do Ensino do Rio Grande
Série histórica S
do Sul
Revista do Ensino do Rio Grande
Suplemento didático da Revista do Ensino S
do Sul
Instituto Histórico e Geográfico
Bandeiras do Brasil Q
Brasileiro - IHGB
Fonte: Coleção de quadros parietais do CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos.
Nas décadas seguintes, a Escola Normal deixou de adquirir quadros parietais provindos de
países europeus e passou a comprar o material quase que exclusivamente 102 em terras
brasileiras. Conforme mostra o quadro 2.2, foram adquiridos 13 séries/ quadros nas décadas de
1940, sendo que 9 deles são da Cia. Melhoramentos de São Paulo. Houve, portanto, um
crescimento importante na produção de quadros parietais por parte da empresa, que continuou
102
Uso o termo “quase que exclusivamente”, pois há um quadro no acervo produzido na Argentina que
possivelmente foi adquirido nas décadas de 1940 e 1950 ou décadas de 1960 e 1970. Além disso, por se tratar de
uma amostra é possível que algum quadro comprado fora do país não tenha sobrevivido e não faça parte da coleção
estudada, por isso, o cuidado de não afirmar que somente foram adquiridos quadros parietais brasileiros.
107
publicando as séries/ quadros confeccionados nas décadas anteriores, mas também editou e
imprimiu novos.
A prática de aquisição de quadros parietais nacionais ainda persistiu nas décadas de 1960 e
1970, sendo que 10 séries/ quadros parietais nacionais passaram a fazer parte do acervo. Neste
período, reduziu-se a compra de séries de quadros parietais produzidos pela Melhoramentos,
ainda que algumas séries da editora seguissem sendo publicadas e constassem na relação de
1967 de materiais didáticos aprovados pela Comissão Estadual do Livro Didático, Uniformes e
Distintivos Escolares do governo de São Paulo para uso nas escolas103.
103
SÃO PAULO..., 1967.
108
Quadro 2.3
Séries/ quadros parietais produzidos no Brasil e adquiridos pela Escola Normal nas décadas
de 1960 e 1970
Título Série (S) ou Fabricante
Quadro (Q)
Cia. Editora Melhoramentos de
Panteão nacional S
São Paulo
Quadros de história pátria para o curso Cia. Editora Melhoramentos de
S
primário São Paulo
Revista do Ensino do Rio Grande
Suplemento didático da Revista do Ensino S
do Sul
Mural pedagógico brasileiro – Símbolos Gráfica – Editora Michalany S.A
S
nacionais
Corpo humano Q Editorial Focus Ltda
Editorial Focus Ltda./ Polimapas
O esqueleto Q
Editora Ltda
Esqueleto humano – vista anterior, vista Casa Especializada Mapas –
Q
posterior Biagio B. Gagliardi
Mapa histórico – A revolução de março –
Q Editôra Artenova Ltda
Presidentes da República
República Federativa do Brasil –
Q Bahia Editora Ltda
Presidentes e Vice-Presidentes
As doenças mais importantes da Instituto Veterinário Rhodia –
Q
avicultura Mérieux S.A
Fonte: Coleção de quadros parietais do CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos.
Dentre as 12 séries/ quadros parietais que não tiveram suas datas precisadas, 4 foram, como
dito anteriormente, adquiridas até a década de 1930 e tiveram produção e impressão europeias,
especificamente, publicadas na Itália e França. Uma série foi produzida na Argentina e as
demais são brasileiras, provavelmente impressas a partir, também, dos anos 30 do século XX.
O quadro intitulado Castor pertence a uma série de conteúdos zoológicos produzida pela
Revista de Educación de Bueno Aires. A série argentina foi seguramente confeccionada entre
1956 e 1974, anos em que o periódico esteve em circulação, no entanto, não foi possível precisar
o ano em que foi adquirido pela escola. Este quadro é um exemplar isolado e possivelmente foi
incorporado ao acervo por meio da obtenção do periódico. A revista argentina deve ter
elaborado a série de quadros com o objetivo de oferecer um material que pudesse auxiliar os
professores em suas práticas pedagógicas. Possivelmente os exemplares vinham como encarte.
A prática de elaboração de séries de quadros parietais por periódicos educacionais não é
estranha, no caso brasileiro, a Revista do Ensino do Rio Grande do Sul fez a mesma coisa, como
veremos adiante. Assim, com a aquisição da revista, a escola adquiriu também o mapa mural,
109
que passou a integrar sua coleção. Como não encontrei nenhum exemplar da revista na relação
de periódicos do acervo do E E. Caetano de Campos, dificilmente outros quadros da série
tenham chegado a fazer parte do acervo.
Por meio da análise realizada fica evidente que a partir da década de 1920 grande parte das
séries de quadros parietais comprados pela Escola Normal foi produzida pela Cia.
Melhoramentos de São Paulo, isto é, das 31 séries/ quadros adquiridos pela Escola Normal a
partir desta data, 17 foram confeccionadas e impressas pela editora paulista104, sendo quatro
séries/ quadros comprados nas décadas de 1920 e 1930, nove nas décadas de 1940 e 1950, dois
nos anos de 1960 e 1970 e dois sem data de aquisição identificada. A Melhoramentos foi
certamente líder na produção deste material de ensino no Sudeste brasileiro e, talvez, a única
que sistematicamente elaborou e publicou séries e quadros parietais por um longo período,
desde a década de 1920 até, pelo menos, o final da década de 1960. A respeito da empresa e
suas séries, trataremos adiante.
Quadro 2.4
Séries/ quadros parietais da Escola Normal sem data de aquisição identificada
Título Série (S) ou Fabricante
Quadro (Q)
? [anatomia/ fisiologia] S
Antonio Vallardi Editore
? [botânica] S
Antonio Vallardi Editore
Corpo umano S
Antonio Vallardi Editore
Tableaux d’histoire naturelle Les Fils d’Émile Deyrolle
S
Revista de Educación de Buenos
? [zoologia] S
Aires
Cia. Editora Melhoramentos de
? [história do Brasil] S
São Paulo
Cia. Editora Melhoramentos de
Mapas para o ensino de aritmética S
São Paulo
? [exploração do petróleo] S ?
Os nossos dentes S ?
A dentadura humana Q Pasta Dentrífica Odol
Cia. Brasileira de Linhas para
Pontos de bordado - Ancora S
Coser – São Paulo
Cia. Brasileira de Linhas para
Pontos de crochê - Corrente Q
Coser – São Paulo
Fonte: Coleção de quadros parietais do CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos.
104
Na realidade há 13 séries/ quadros parietais da Cia. Melhoramentos de São Paulo na coleção da E.E. Caetano
de Campos, neste caso somam 17, pois há mais de um exemplar de algumas das séries/ quadros.
110
É curioso perceber também, como a prática de publicar quadros parietais individuais, que não
pertencem a série nenhuma, aumentou nas décadas de 1960 e 1970. Se nos anos de 1920 e 1930
e nas décadas de 1940 e 1950 foram incorporados ao acervo, dois quadros individuais em cada
um, nos anos de 1960 e 1970 houve seis aquisições. Inclusive, foram adquiridos mais quadros
individuais que séries neste período. Este é o momento em que os quadros parietais estavam
deixando de ser usados para intermediar o ensino e aprendizagem, ainda assim, a escola
comprava novos quadros, mesmo que estes assumissem novas formas.
Alguns destes mapas individuais, como é o caso do Corpo Humano, da Editorial Focus Ltda,
acabaram por congregar num único quadro o conteúdo que anteriormente, desde o final do
século XIX, eram explorados no contexto da série, isto é, tinham seus temas divididos entre
vários exemplares que compunham a coleção. O quadro individual traz num mesmo espaço
sistema nervoso, aparelho respiratório, aparelho digestivo, órgãos do sentido etc., quando
anteriormente cada um destes assuntos era trabalhado em apenas um parietal. Isso evidencia
uma mudança na própria finalidade deste material e também nas práticas de seus usos, pois um
quadro com imagens tão pequenas não podia ser visto à distância, como o eram os mais antigos
que possuíam ilustrações grandes de um único tema. Certamente, o professor não usava essas
imagens para mostrar para todos os alunos simultaneamente, como funcionava determinado
aparelho do corpo humano. Talvez, neste momento, os alunos já pudessem acompanhar as
explicações dos professores a partir das ilustrações em cores em seus livros didáticos e um
quadro como este, desde que estivesse pendurado em alguma das paredes da sala de aula,
servisse para consultas, para fixar a memória ou mesmo para decorar as paredes.
111
Figura 2.1
Figura 2.1. Corpo humano. Publicado por Editorial Focus Ltda. Acervo: CRE
Mario Covas – Acervo E.E. Caetano de Campos, São Paulo.
Outros destes quadros individuais tinham mais finalidade propagandística do que servir
propriamente, como material didático no contexto de ensino e aprendizagem, como é o caso do
Mapa histórico – A revolução de março – Presidentes da República, da Editôra Artenova Ltda.
O quadro, ainda que tenha o tamanho médio dos quadros parietais, não segue a estética desse
objeto pedagógico, está repleto de textos com letras pequenas e possui apenas três retratos,
também pequenos, no topo do layout. Impossível que um professor usasse um quadro destes
em aula, ele não cumpre nenhuma das funções que um mapa mural poderia ter, como visualizar
a “coisa” em si a partir da representação, conhecer ou reconhecer personagens históricos
relevantes, estabelecer comparações entre tipos diferentes ou mesmo para atrair a atenção e
despertar o interesse do aluno. Um quadro deste tipo tem outra finalidade, se foi pendurado,
seja em sala de aula, nos corredores, diretoria ou qualquer outro espaço da escola, o objeto foi
usado para demonstrar suporte ao regime militar. Seu objetivo pedagógico era o de fazer
propaganda, defender o regime autoritário recém-instaurado no país e também o de promover
o culto aos militares que presidiram o país até aquele momento, Castelo Branco, Costa e Silva
e Garrastazu Médici.
112
Figura 2.2
Os quadros individuais também apresentavam outra característica interessante, alguns deles não
foram feitos por editoras especializadas na venda de livros ou materiais didáticos, mas por
empresas que produziam artigos variados. Se uma empresa vendia um produto que pudesse ter
qualquer relação com conteúdo abordados na escola, aproveitava-se desta ferramenta de ensino
para divulgar suas mercadorias. É o caso dos quadros A dentadura humana, da Pasta Dentrífica
Odol; Pontos de bordado – Ancora e Pontos de crochê – Corrente, publicados pela Cia.
Brasileira de Linhas para Coser – São Paulo; e As doenças mais importantes da avicultura, da
Instituto Veterinário Rhodia – Mérieux S.A.
Neste casos, os quadros de fato trazem conteúdos abordados nos programas de ensino e, por
isso mesmo, podem facilmente ter sido usados em sala de aula. A peça A dentadura humana,
por exemplo, traz ilustrações com textos explicativos sobre o desenvolvimento da arcada
dentária, a anatomia do dente, os diferentes tipos de dentes, o desenvolvimento da cárie e sobre
como fazer uma boa escovação para preveni-la. Por fim, apresenta imagens das embalagens dos
113
produtos juntamente com um texto que aborda os benefícios da pasta dental Odol para a higiene
bucal. De fato a higiene da boca era uma preocupação presente no currículo, principalmente,
da escola primária. A higiene escolar, seja como disciplina escolar ou conteúdo abordado em
aula, seja por meio da instalação de gabinetes dentários, seja a partir da regulamentação de
órgãos públicos encarregados dos cuidados higiênicos e sanitários de professores e alunos das
instituições de ensino, está presente no currículo e organização da escola pública paulista já a
partir do final do século XIX, ainda que as noções de higiene tenham se transformado ao longo
de tantas décadas.
Figura 2.3. Pontos de bordado – Âncora. Publicado por Cia. Brasileira de Linhas para Coser - São Paulo. Acervo:
CRE Mario Covas – Acervo E.E. Caetano de Campos, São Paulo.
Figura 2.4. Pontos de crochê – Corrente. Publicado por Cia. Brasileira de Linhas para Coser - São Paulo. Acervo:
CRE Mario Covas – Acervo E.E. Caetano de Campos, São Paulo.
Estes artefatos podem também ter extrapolados os muros das escolas e ter sido usados em outros
contextos, como por exemplo em postos de saúde, consultórios médicos e de dentistas,
hospitais, no caso do quadro da Odol; e em armarinhos, no caso dos quadros Pontos de bordado
– Ancora e Pontos de crochê – Corrente. Não importa onde estejam fixados, nas paredes das
escolas ou fora delas, apresentam um conteúdo com potencial educativo.
No que diz respeito à origem dos quadros parietais que compõem o acervo da E.E. Caetano de
Campos, podemos dizer que a maior parte deles foi produzida por empresas brasileiras,
principalmente, pela Cia. Melhoramentos de São Paulo. No entanto, quadros produzidos por
países europeus também integram a coleção, principalmente séries produzidas na França,
especificamente, pela empresa de Émile Deyrolle. Os quadros estrangeiros foram adquiridos a
partir de 1890 até a década de 1930, quando este artefato passou a ser confeccionado e impresso
sistematicamente no sudeste brasileiro. A partir de então, prevaleceu a compra e aquisição de
quadros parietais brasileiros, o que ocorreu até a década de 1970.
Grau de ensino
A maioria dos autores ou empresas que produziu quadros parietais, geralmente definia o grau
de ensino a que era destinada as séries quando da sua publicação. É comum encontrar nos
catálogos das empreses informações sobre o público ao qual eram destinados; ao jardim da
infância, ensino primário, secundário e superior. No entanto, ainda que houvesse essa prescrição
de separação das séries por grau de ensino, é possível intuir que, no cotidiano escolar, essa
divisão tivesse sido bem menos óbvia. Por se tratar de imagens e do ensino de um determinado
conteúdo a partir de sua observação, o uso que o professor fez delas certamente tornou estes
limites menos rígidos. Da mesma forma, muitas vezes, há conteúdos semelhantes trabalhados
nos programas de ensino do primário e secundário, o que varia apenas é o quanto se aprofunda
em determinado assunto, como é o caso dos quadros de anatomia/ fisiologia do corpo humano.
O quadro de um esqueleto humano, por exemplo, pode ser apropriado para uso nos dois graus
de ensino, o que muda é o que se olha na imagem, de acordo com as orientações do professor.
115
Muitas vezes a identificação do grau de ensino destinado, quando não foi possível a partir do
catálogo ou manual de uso, ocorreu por meio da análise dos conteúdos abordados, da
comparação com outras séries que tratavam dos mesmos temas ou com os programas de ensino
da escola. Algumas vezes, estas observações levaram à conclusão de que determinadas séries
ou quadros parietais eram indicados a mais de um grau de ensino, ao primário e secundário ou
secundário e superior.
Das 41 séries/ quadros parietais que fazem parte da coleção da E.E. Caetano de Campos, 28
delas podiam ser usadas nas classes primárias, 13 no curso secundário e normal, três no
superior105 e, em oito não foi possível identificar com segurança. Portanto, a maior parte das
séries do acervo privilegiaram o ensino primário.
Dentre as séries estrangeiras adquiridas entre o final do século XIX e primeiras décadas do
século XX há um certo equilíbrio, cinco delas são destinadas ao ensino primário e seis ao
secundário. No entanto, dentre as séries/ quadros produzidos no Brasil, a partir da década de
1920, a maioria deles tem como alvo principal o ensino primário, 22 dedicados a este grau de
ensino e seis ao secundário. Todas as 17 séries/ quadros parietais publicados pela Cia.
Melhoramentos de São Paulo que compõem o acervo foram confeccionados para serem usados
nas aulas do ensino primário.
105
Todas as séries destinadas ao curso superior também o são ao secundário e, por isso, fazem parte da coleção
estudada.
116
Gráfico 2.3
Distribuição dos quadros parietais do CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos por grau
de ensino e país de fabricação
30
25 6
20
15
10 22
6
5
5
0 1 1
Séries européias Séries brasileiras Série argentina País de produção não
identificado
Fonte: Coleção de quadros parietais do CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos.
Como dito no capítulo 1, os quadros parietais não eram materiais descartáveis, era comum que
fossem usados por décadas. Por isso, o fato de que poucas séries tenham sido comprados para
o ensino do curso secundário e normal a partir da década de 1920, não significa que o objeto
não estivesse entre os materiais didáticos deste grau de ensino, ao contrário, significa que,
provavelmente, as mesmas coleções adquiridas anteriormente continuavam sendo utilizados
por professores e alunos no contexto de ensino e aprendizagem.
ensino agrícola, geografia, higiene, história do Brasil, lições de coisas/ ensino intuitivo,
matemática, multidisciplinar, português, trabalhos manuais.
Gráfico 2.4
Porcentagem de séries/ quadros parietais do CRE Mario Covas – EE Caetano de Campos por
disciplina escolar
2,4 4,9
2,4 Ciências naturais
4,9 31,7 Educação moral e cívica
Ensino religioso
Geografia
Higiene
História do Brasil
9,8
Lições de Coisas/ Ensino
Intuitivo
12,3 Matemática
7,3
4,9 2,4 2,4
Fonte: Coleção de quadros parietais do CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos.
Conforme mostra o Gráfico 2.4, a maior porcentagem de séries/ quadros parietais que compõem
a coleção, 31,7%, é destinada ao ensino de ciência naturais. As séries/ quadros de lições de
coisas/ ensino intuitivo figuram como a segunda maior do acervo, o que representa 14,6% do
total. Na realidade, os quadros parietais de ciências naturais e de lições de coisas/ ensino
intuitivo, assim como os de higiene, que correspondem a 7,3% dos mapas da coleção, abarcam
conteúdos científicos.
No final do século XIX, Leôncio de Carvalho e Rui Barbosa discordaram do que seriam as
lições de coisas, uma disciplina ou um método de estudo respectivamente. No decreto de 19 de
abril de 1879, que reformou o ensino primário e secundário do município da Corte, Leôncio de
Carvalho incluiu dentre as disciplinas escolares a serem ministradas nas escolas primárias de 1º
grau as “Noções de Cousas”. Em seus pareceres, Rui Barbosa criticou esta posição e advogou
pela adoção das lições de coisas como método de estudo de todas as disciplinas do programa
(BOCCHI, 2013).
118
Havia, portanto, dois entendimentos distintos do que seriam as lições de coisas. Pelo que
indicam os programas do ensino primário de São Paulo de 1894106, 1905107, 1918108 e 1921109,
o estado optou pela adoção das lições de coisas como método de estudo. No entanto, no
programa de 1925110, usado nas escolas primárias paulistas até 1949, as “Lições de Cousas”
apareceram como disciplina escolar nos dois primeiros anos do curso, na qual deveria ser dada
as primeiras noções de ciências físicas e naturais. Nos 3º e 4º anos a disciplina recebia o nome
de Ciências Físicas e Naturais.
No momento em que o ensino intuitivo e as lições de coisas passaram e ser criticados como
metodologia de ensino pelo movimento da Escola Nova, as lições de coisas assumiram um
papel específico no currículo, se tornou uma disciplina introdutória aos conhecimentos
científicos. A análise dos quadros parietais destinados ao ensino de lições de coisas/ ensino
intuitivo mostrou que, em verdade, os conteúdos abordados nestas séries estiveram sempre
relacionados aos temas trabalhados nas disciplinas de ciências.
As coisas das lições de coisas, conforme afirma MUNAKATA (2012), a partir da análise de
livros didáticos espanhóis elaborados para o ensino deste conteúdo escolar, provém dos reinos
animal, vegetal e mineral, da natureza em geral ou são resultado da ação humana. Estas coisas,
entretanto, somente existem na relação com o ser humano, na medida em que lhe são úteis ou
nocivas.
Os quadros parietais de lições de coisas/ ensino intuitivo analisados também revelam estas
características, abordam coisas do mundo natural desde sua utilidade ou prejuízo ao ser
humano, porém, podiam incluir também conteúdos específicos de zoologia, botânica, anatomia/
fisiologia e geologia/ mineralogia que tratassem da natureza por si mesma, sem qualquer relação
com o ser humano, respeitando as classificações científicas modernas.
106
SÃO PAULO..., 1894.
107
SÃO PAULO..., 1905.
108
SÃO PAULO..., 1918.
109
SÃO PAULO..., 1921.
110
SÃO PAULO..., 1941.
119
de coisas/ ensino intuitivo foram considerados como séries que contemplam conteúdos
científicos.
111
Isso ainda sem incluir os 10 quadros parietais destinados ao ensino de anatomia/ fisiologia da série
multidisciplinar Suplemento didático da Revista do Ensino, publicada pela Revista do Ensino do Rio Grande do
Sul.
120
Gráfico 2.5
Séries/ quadros parietais do CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos por disciplina
escolar e grau de ensino
16
14
12
10
8 15
6 11
4 3 3
2 2
2 1 1 1 1 1
0
Ensino Primário Ensino Secundário
Ciências Educação moral e cívica Geografia
Higiene História do Brasil Matemática
Multidisciplinar Português
No que diz respeito aos quadros parietais comprados na Europa até a década de 1930, das dez
séries adquiridas pela Escola Normal, nove eram destinadas ao ensino de ciências –
considerando que entre elas havia três dedicadas às lições de coisas – e um abrangia conteúdos
relacionados ao ensino religioso, conforme pode ser visto no gráfico 2.6. A maioria das séries/
quadros parietais nacionais comprados pela instituição também privilegiavam os temas
científicos, 15 do total de 29 séries/ quadros, somando as séries de ciências naturais, lições de
coisas e higiene.
de ensino contemplou temas diversos e que atendiam aos interesses das mais variadas
disciplinas escolares que compunham o programa.
Gráfico 2.6
Séries/ quadros parietais do CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos por disciplina
escolar e país de fabricação
7 6 6
6 5
5 4
4 3 3 3
3 2 2
2 1 1 1 11 1 1
1
0
Séries européias Séries brasileiras Série argentina País de produção não
identificado
Fonte: Coleção de quadros parietais do CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos.
112
SÃO PAULO..., 1941, p. 59.
122
As imagens se tornaram com o passar do tempo, não somente na forma de quadros parietais,
importantes ferramentas didáticas, elas não eram mais somente a representação gráfica das
coisas, como sugeria o método intuitivo, pois que a ideia de aprender pelas coisas vai perdendo
o sentido, elas podiam ser usadas de diversas formas nas diferentes disciplinas escolares a partir
da metodologia adotada em cada uma delas e de suas finalidades. Ainda que a utilização de
imagens fosse feita num contexto educativo ativo, que privilegiava o ensino pela observação,
experimentação, investigação, solução de problemas em detrimento de uma educação dita
tradicional, um ensino que seguia fazendo uso dos sentidos e da ação do próprio aluno para a
construção do conhecimento, cada disciplina escolar fez usos das imagens de um jeito e com
sentidos diferentes para atingir suas finalidades pedagógicas.
Observar imagens não tinham o mesmo significado nas disciplinas de português, história do
Brasil, geografia, educação moral e cívica, trabalhos manuais, ciências etc; e nem tinha a mesma
função pedagógica, como veremos no capítulo 4, ainda assim, há indicações para o seu uso nos
programas de 1925 de quase todas as disciplinas escolares da escola primária.
113
REVISTA ESCOLAR, n. 2, 1925, p.10.
123
Com relação aos mapas murais adquiridos na Europa, entre as décadas de 1890 e 1930, no
entanto, a Escola Normal privilegiou as séries destinadas ao ensino de ciências. Não há na
coleção, para este período, quadros estrangeiros de história, de geografia, para o ensino da
linguagem escrita e oral, para a educação moral e cívica, ainda que fossem muito comuns nas
escolas de vários países europeus114. A escola adquiriu quase que exclusivamente, mapas de
ciências. Os usos de imagens parietais nas aulas da Escola Normal tiveram início, então, com
os quadros de zoologia, botânica e anatomia/ fisiologia vindos da Europa, principalmente da
França. Foi somente com o passar dos anos que os conteúdos abordados neste objeto
pedagógico foram se diversificando no Brasil para atender principalmente às demandas do
ensino primário, ainda que quadros destinados a outras disciplinas já existissem na Europa
desde meados do século XIX.
Os quadros parietais que tratam de temas abordados nas aulas de ciências, que compõem a
coleção da E.E. Caetano de Campos, fazem parte de séries de história natural, zoologia,
botânica, anatomia/ fisiologia, geologia/ mineralogia, lições de coisas/ ensino intuitivo e
higiene. Como vimos, até meados do século XX a maioria dos quadros parietais eram vendidos
em séries e estas séries congregavam na maioria das vezes mapas murais com conteúdos afins,
por isso, era possível encontrar séries destinadas especificamente à zoologia ou à botânica, por
exemplo; ou mesmo congregar em uma só série de história natural quadros de zoologia,
botânica, anatomia/ fisiologia e geologia/ mineralogia. Há também os parietais de lições de
coisas, que reuniam quadros de todos os ramos da história natural, mas também que enfocavam
a exploração humana dos reinos vegetal, animal e mineral, seja por meio da atividade agrícola
ou industrial, seja pelos usos que faziam destes produtos.
Para analisar os quadros de ciências, por congregar diferentes áreas do conhecimento juntas,
foi necessário separá-los em grupos de afinidades, por conteúdos comuns. Para tanto, foram
usadas as próprias áreas, nas quais se dividem as ciências naturais, como também inseridas
outras classificações que dizem respeito, principalmente, aos quadros de lições de coisas/ ensino
intuitivo, como exploração vegetal, exploração animal, exploração mineral e indústria. Quando
um quadro mostrava, por exemplo, a morfologia da abelha, seu ciclo de vida e seu habitat
natural, pertencia aos quadros de zoologia; quando, de outro modo, enfocava a produção de mel
114
CATTEEUW, 2005; LOPES, 2004; POZO ANDRÉS, 2013; UPHOLF, 2009; VERZAMELING in Beeld;
CATÁLOGO Colectivo del Patrimonio Bibliográfico Español; PATRIMÓNIO Museológico da Educação.
124
pela abelha ou ilustrava centros de apicultura, o quadro inseria-se naqueles que abordavam a
exploração animal. Em indústria estavam quadros que tinha como conteúdo principal o
funcionamento de determinada indústria ou, especificamente, que traziam imagens que
mostravam as máquinas e processos usados pelo ser humano, para transformar determinada
matéria prima em produto; como a fabricação do vidro, da porcelana, do papel, do zinco, por
exemplo.
O gráfico 2.7 evidencia que dentre os 330 quadros parietais destinados ao ensino de ciências
que fazem parte da coleção, 145 são de zoologia, o que corresponde a 43,9% do total; 53 ou
16,1% abordam temas de anatomia/ fisiologia; 48 exemplares, isto é, 14,5% dos parietais
mostram a exploração vegetal feita pelo ser humano; 11,5% ou 38 quadros destinam-se ao
ensino de botânica; os 23 quadros que abarcam temas da higiene representam 6,9% do total dos
quadros de ciência; 2,8% ou nove exemplares apresentam ilustrações que tratam da exploração
animal; os quadros que trabalham assuntos relacionados à indústria e a exploração mineral
correspondem a 1,8%, seis unidades, do total cada; e dois quadros, isto é 0,7%, são destinados
ao ensino de geologia/ mineralogia.
A maioria dos quadros da coleção era destinada, como é possível perceber, ao ensino da
zoologia. Os quadros que retratavam os animais compunham tanto as séries destinadas ao
ensino primário como ao secundário, o que diferia era a forma como os animais eram
representados, dependendo da finalidade de cada um dos graus, conforme veremos no capítulo
4. Os mapas murais de anatomia/ fisiologia também apareciam em grande quantidade e podiam
do mesmo modo ser usados nos dois graus de ensino. Estavam presentes tanto em séries para a
escola primária como para a secundária. Ainda que algumas vezes, esteja explicitado no manual
de uso que tem como público alvo um ou outro grau de ensino, as imagens não variavam tanto
assim. Possivelmente, o que diferia era a forma como o professor abordava a ilustração e
orientava que os alunos vissem, no primário, apenas as partes principais do corpo, identificação
dos órgãos etc., enquanto que no secundário, aos alunos era requerido entender como funcionam
os órgãos e aparelhos, por exemplo. As representações do corpo humano nos quadros de
anatomia/ fisiologia mudaram ao longo dos 80 anos, mas não variaram, como no caso da
zoologia, por se destinar a um grau de ensino ou de outro, e sim por outras questões que veremos
adiante.
125
Gráfico 2.7
Porcentagem de quadros parietais115 de ciências do CRE Mario Covas – E.E. Caetano de
Campos por conteúdos comuns
1,8 Zoologia
1,8 6,9
Botânica
Anatomia/ Fisiologia
14,5
43,9 Geologia/ Mineralogia
Fonte: Coleção de quadros parietais do CRE Mario Covas – Acervo da E.E. Caetano de
Campos.
Os mapas murais de botânica apareciam em menor quantidade que aqueles que abordavam a
exploração vegetal pelo ser humano. Na maioria dos casos os quadros que tratavam da
morfologia e anatomia das plantas eram destinados ao ensino secundário, enquanto que aqueles
que mostravam a exploração vegetal compunham as séries de lições de coisas, que tinham como
público alvo os anos escolares iniciais. É um indício de que o conteúdo de botânica no primário
115
Neste caso específico o cálculo da porcentagem foi feito em cima do número de quadros parietais e não de
séries/ quadros parietais. Optamos por assim fazer para poder incluir os quadros de ciências que compunham a
séries multidisciplinar Suplemento Didático da Revista do Ensino, publicada pela Revista do Ensino do Rio Grande
do Sul, e também para poder detalhar os conteúdos abordados nos diversos mapas murais dedicados aos temas
científicos.
116
SÃO PAULO..., 1894.
117
SÃO PAULO..., 1905.
118
SÃO PAULO..., 1918.
119
SÃO PAULO..., 1921.
120
SÃO PAULO..., 1941.
126
enfocava principalmente, os seres vegetais na sua relação com o ser humano, como eram úteis
ou mesmo nocivos ao homem. A morfologia, anatomia e histologia das plantas, fases de
crescimento e reprodução eram conteúdos aprofundados no ensino secundário.
O que é bastante curioso perceber nesta análise é que não há sequer um quadro em toda a
coleção destinada ao ensino de física ou química. Ao considerar que estiveram bastante
presentes nos programas de ensino para a escola primária e secundária, infere-se que este
material de ensino não foi escolhido para a transmissão destes conteúdos escolares. Certamente,
os professores optaram nestes casos, por explorar os experimentos realizados com instrumentos
científicos nos laboratórios de física e química ou mesmo experiências simples em sala de aula.
121
SÃO PAULO..., 1894.
122
SÃO PAULO..., 1941.
123
SÃO PAULO..., 1905.
124
SÃO PAULO..., 1918.
125
SÃO PAULO..., 1921.
127
O Centro de Memória Institucional do ISERJ, primeiro nome que recebeu o Centro de Memória
da Educação do ISERJ, foi criado em 2005 com o objetivo de reunir, organizar e preservar os
diversos documentos da instituição. O acervo do CMEB-ISERJ acumula atualmente
documentos oficiais da instituição, material iconográfico, livros didáticos e materiais escolares
variados, entre os quais podem ser encontrados quadros parietais, placas epidoscópicas,
instrumentos de laboratório, espécimes de animais, modelos anatômicos etc. É portanto, assim
como o da E.E. Caetano de Campos, um importante acervo com o potencial de revelar aspectos
ainda não desvelados sobre a educação infantil, primária, secundária e normal do Rio de Janeiro
e do Brasil, assim como sobre o patrimônio educativo e científico do país.
A maioria das séries de quadros parietais que compõe a coleção do CMEB-ISERJ foi localizada
no Laboratório de Biologia, espaço ainda usado nos dias atuais nas aulas de ciências da
instituição. Os quadros estavam desorganizados e distribuídos entre as gavetas de um armário
de aço do tipo mapoteca. Entre os mapas murais havia trabalhos de alunos da década de 1960,
ilustrações coloridas de botânica realizadas em cartolinas com caneta hidrográfica e lápis de
cor, verdadeiros quadros parietais elaborados pelos próprios alunos. Por alguma razão foram
guardados até os dias de hoje juntamente com os mapas murais publicados por empresas e
adquiridos pela escola.
128
A coleção desta instituição é menor e com algumas características distintas a da E.E. Caetano
de Campos (ANEXO). Ela conta com 310 quadros parietais, sendo seis repetidos, 12 séries,
dois quadros unitários e um que não foi possível identificar se pertenceu a uma série ou não,
conforme pode ser visto na tabela 2.3.
Tabela 2.3
Total de quadros parietais da coleção do CMEB-ISERJ
Total
Quadros parietais 310
Quadros parietais repetidos 6
Séries de quadros parietais 12
Quadros parietais que não pertencem a séries 2
Sem identificação se sé série ou não 1
Fonte: Coleção de quadros parietais do CMEB-ISERJ.
Assim como na Caetano de Campos, o início do uso dos quadros parietais na Escola Normal
do Município da Corte esteve relacionado às tentativas de implementação do método intuitivo
na escola primária e a introdução das disciplinas científicas no currículo secundário. Certamente
a instituição comprou quadros parietais, entretanto, parte de seu acervo foi composto de peças
incorporadas ao patrimônio da escola por meio da aquisição do espólio do Pedagogium.
O Museu Pedagógico Nacional foi municipalizado em 1897 e em 1919 a instituição foi extinta.
Ao que indica um relatório do Instituto de Educação do Rio Janeiro126 de 1936, o acervo de
materiais didáticos era composto também dos artefatos pedagógicos herdados do Pedagogium.
O gabinete de história natural
Não foi possível identificar ao certo quais séries/ quadros parietais vieram do Pedagogium e
quais foram compradas pela própria escola, há apenas alguns indícios que nos permitiram fazer
algumas inferências, já que tampouco a coleção de parietais do Museu Pedagógico era
126
ARQUIVOS..., 1936.
127
Ibid., p. 126.
129
conhecida em seus pormenores. É aceitável que alguns exemplares publicados pela Deyrolle
pertencessem ao espólio do Pedagogium, pois, como já vimos anteriormente, as dependência
do Museu estavam repletas de objetos pedagógicos para o ensino da história natural doados
pela empresa francesa e, também, pela nacionalização da série Musée scolaire pour leçons de
choses feita pelo diretor do Museu Pedagógico, Menezes Vieira.
Da mesma forma, é possível que as séries Leutemann's Zoölogical Wall Charts/ Steiger's
Zoölogical Wall Charts, Leutemann's Animal Kingdom e Natural History Charts, publicadas
pela editora norte-americana E. Steiger & Co., tenham pertencido ao Pedagogium, pois a
Revista Pedagógica afirma que no ano de 1891 Menezes Vieira recebeu a visita de um
representante de uma grande companhia editora dos Estados Unidos, que prometeu o envio ao
Museu de “uma série completa de trabalhos didacticos para a collecção norte americana”128. A
suspeita se sustentou ainda ao constatar que nenhuma das outras escolas estudadas comprou
quadros parietais de empresas norte-americanas, isto é, não era comum adquirir quadros
parietais deste país. No entanto, nenhuma afirmação pode ser mesmo feita a esse respeito.
O que este relatório pode indicar, entretanto, é que em 1936 o gabinete de história natural estava
repleto de séries de quadros parietais, não só provindos do Pedagogium, mas também
comprados naquele momento: quadros de geologia, morfologia e histologia vegetal, zoologia,
anatomia comparada e anatomia humana. O interessante é que não há, dentre os quadros da
coleção investigada, exemplares dedicados à geologia. Isso nos permite inferir que alguns
quadros que outrora pertenceram à coleção se perderam. Mais uma vez é importante salientar
que a coleção estudada constitui apenas de uma amostra do total quadros parietais que foram
usados na instituição ao longo de décadas.
Foi muito difícil precisar a data de aquisição das séries/ quadros parietais adquiridos pela
instituição. Foram encontrados apenas indícios que apontavam as datas em que foram
produzidos ou por quanto tempo circularam, mas não de quando passaram a integrar o acervo
da escola. A maioria das séries que compunha o acervo tem seus quadros confeccionados ainda
nas últimas décadas do século XIX. São séries que tiveram várias edições, inclusive em
128
REVISTA PEDAGÓGICA..., 1891, p. 51.
130
diferentes línguas, circularam por muitos anos por países europeus, pelos Estados Unidos e
também Brasil.
O Brasil aparece como o país que mais séries/ quadros parietais produziu, como pode ser visto
no gráfico 2.8. No entanto, a parte nacional não foi tão significativa em relação à dos demais
países juntos, como ocorreu no conjunto da E.E. Caetano de Campos. Há apenas 5 séries/
quadros brasileiros, o que representa 33,3% do total. O segundo país que mais confeccionou os
mapas murais que fazem parte do acervo do CMEB foi a Alemanha, com quatro séries, 26,7%
da coleção. As três séries norte-americanas representam 20% e as duas francesas, 13,3% do
total do acervo. Há uma série/ quadro que não teve sua procedência de fabricação identificada.
Gráfico 2.8
Porcentagem dos quadros parietais do CMEB-ISERJ por país de fabricação
6,7
26,7 Alemanha
França
Estados Unidos
33,3
Brasil
20
Como pode ser percebido, essa coleção apresentou poucos quadros parietais nacionais, a
maioria deles vieram de fora do Brasil. Curiosamente, os quadros franceses tampouco foram os
que prevaleceram no acervo e sim os alemães. Inclusive, duas das três coleções publicadas pela
norte-americana E. Steiger & Co. utilizavam imagens originalmente produzidas na Alemanha
em 1878 para compor séries do próprio país. As mesmas ilustrações, no entanto, foram
encontradas não somente nos já mencionados mapas murais dos Estados Unidos, como também
da Holanda. Nenhuma das séries leva o mesmo nome e todas foram publicadas por editoras
diferentes. Há somente a indicação nos nomes das séries de que se tratava dos quadros parietais
131
Gráfico 2.9
Distribuição dos quadros parietais do CMEB-ISERJ por país de fabricação e conteúdo
12
10
6 10
4
2
2 1 1 1
1
0
Ciências Ensino agrícola História Matemática Português
129
VERZAMELING in Beeld.
132
Gráfico 2.10
Porcentagem dos quadros parietais130 de ciências do CMEB-ISERJ por conteúdos comuns
2,5
Anatomia/ Fisiologia
Botânica
47,7
Exploração animal
46,9
Exploração vegetal
Zoologia
2,5 0,4
Fonte: Coleção de quadros parietais do CMEB-ISERJ.
No que diz respeito ao grau de ensino foi possível encontrar entre os exemplares do acervo
quadros para os dois níveis. Mais uma vez prevaleceram aqueles destinados ao ensino primário,
ainda que a diferença entre as séries/ quadros para os dois graus não fosse tão grande assim, há
130
Neste caso específico, assim como foi feito para a coleção da E.E. Caetano de Campos, o cálculo da
porcentagem foi feito em cima do número de quadros parietais e não de séries/ quadros parietais. Optou-se por
assim fazer para poder detalhar os conteúdos abordados nos diversos mapas murais dedicados aos temas
científicos.
133
nove séries/ quadros que foram usadas no primário, seis no secundário, cinco no superior e dois
não foi possível afirmar ao certo a que público estavam destinadas131.
Dentre as séries brasileiras, duas delas, Quadros para o ensino de leitura, linguagem e
aritmética e Mapas para o ensino de aritmética, foram publicadas pela Cia. Melhoramentos de
São Paulo. Ambas são destinadas ao ensino primário e foram encontradas também entre os
quadros parietais da coleção da E.E. Caetano de Campos.
Outros dois quadros parietais brasileiros que fazem parte da coleção do CMEB-ISERJ são
Diagramma de um Plano Systematico para a Solução dos Problemas da Guerra e a Segurança
da Paz Mundial, de Theodoro Figueira de Almeida, sem informação sobre qual empresa o
publicou; e Cochonilhas parasitas – Coccidae, organizado pelo Instituto Biológico de Defesa
Agrícola.
O primeiro deles se trata de um quadro que acompanha a 4ª edição do livro A missão americana,
publicada em 1924. A imagem traz o texto de 12 declarações com soluções para a preservação
da paz no mundo dentro da representação de um portal. Suas colunas estão repletas de nomes
de homens ilustres da história da América Central e do Sul. A coluna direita traz apenas nomes
de brasileiros, entre os quais encontram-se referências a políticos, intelectuais, generais e os
ditos heróis das lutas e conquistas do país. A fachada, sustentada pelas duas colunas, traz o
nome Washington ao centro, cercado pelos nomes dos homens notáveis norte-americanos, com
destaque para Monroe e Wilson.
131
Não somam o total de 15 séries/ quadros que compõem o acervo, pois algumas séries eram destinadas a mais
de um grau de ensino.
134
de liderança dentro de uma nova era das relações internacionais (PIRES, 2014). Nesse sentido,
o manifesto da Liga propunha:
O conteúdo do quadro pode ter sido trabalhado no contexto das aulas de história ou educação
moral e cívica, mas dificilmente era visto pelos alunos à distância, a estrutura do portal e os
nomes em destaque talvez, mas as declarações estão escritas em fonte pequena e certamente
impossíveis de serem lidas de longe. É claro que o professor pode ter lido em voz alta, mas
também é possível que o quadro tenha sido emoldurado e fixado em alguma das paredes da
escola, servindo ao propósito da instituição de se posicionar contra a guerra a favor da paz. Este
tipo de quadro, ainda que seja um parietal, se foi usado, isso ocorreu de modo distinto do uso
regular deste material didático. Sua utilização no contexto de ensino e aprendizagem não
pressupõe sua observação pelos alunos e a construção do conhecimento a partir dela, o que mais
interessa é conhecer suas declarações e isso só poderia ser feito, neste caso, mediante leitura ou
escutando o que diz o professor. É evidente, portanto, que o mapa mural, mesmo que fosse uma
ferramenta de ensino naquele momento já estabelecida e popular nas várias matérias, adquiriu
formas de usos distintos, dependendo da estética da imagem e também do significado do uso
das ilustrações em cada disciplina escolar. Neste caso específico, a estética da imagem aponta
para outros usos que não os pautados pela observação direta das ilustrações.
O quadro Cochonilhas parasitas – Coccidae foi elaborado pelo Instituto Biológico de Defesa
Agrícola, posterior Instituto Biológico, e provavelmente distribuído às escolas. O conteúdo do
quadro aborda um tipo específico de inseto parasita, os coccídeos, nocivos às plantas. O foco
do quadro é mostrar por meio de ilustrações e textos as espécies de coccídeos que existem, qual
o seu aspecto exterior, que tipo de planta atacam, quais são mais comuns no Brasil, como
135
parasitam as cascas das árvores e como podem ser combatidas. Trata-se, portanto, de um quadro
com conteúdo bastante específico, pouco comum à realidade da maioria dos alunos, mesmo
àqueles que viviam no campo. Possivelmente, trata-se de um quadro destinado ao ensino
agrícola, já que abarca temas específicos do cultivo de árvores frutíferas, com destaque para as
laranjeiras. Poderia, no entanto, ter sido usado numa aula de ciências que trabalhasse o tema
dos insetos nocivos ao ser humano
Figura 2.5
O quadro foi produzido entre os anos de 1927 e 1937, quando a instituição era denominada
Instituto Biológico de Defesa Agrícola. Em 1937 o seu nome mudou para Instituto Biológico.
O ilustrador do mapa foi Santos Lahera y Castillo, desenhista fotógrafo contratado do
instituto132. Antes disso, por volta de 1921, Santos Lahera já havia trabalhado na ilustração de
alguns parietais das sessões de zoologia e botânica que compuseram a série Quadros
elementares de História Natural organizados pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro (SILY,
2012).
O contato estabelecido entre o ilustrador e o Museu Nacional pode ter acontecido por meio de
Edgard Roquette-Pinto, que foi professor e chefe da 4ª seção de Antropologia e Etnografia e,
132
ANNUARIO..., 1926, p. 627.
136
Como vimos no primeiro capítulo, a ilustração é uma prática comum de registro científico, o
processo de ilustrar aquilo que é estudado faz parte do próprio processo de produção do
conhecimento. Ilustrar é fazer ciência, é por meio das imagens que o conhecimento científico
pôde ser divulgado, disseminado e compartilhado entre cientistas de diferentes lugares do
mundo. Por isso, era comum que os cientistas em geral, naturalistas, biólogos, botânicos,
estudiosos das anatomia e fisiologia humana e animal etc., estabelecessem parcerias com
artistas que pudessem traduzir em imagens aquilo que estava sendo observado (DASTON,
GALISON, 2010). Essa prática pode ser percebida também, no caso de Santos Lahera e na
confecção da maioria dos quadros parietais destinados ao ensino de ciências, não somente no
Brasil, mas também entre as séries produzidas na Europa e Estados Unidos.
Dentre as 11 séries que abordam conteúdos científicos que compõem o acervo do CMEB-
ISERJ, apenas uma é nacional, Quadros elementares de História Natural organizados pelo
Museu Nacional do Rio de Janeiro. Todas as demais foram produzidas fora do Brasil, em países
europeus ou nos Estados Unidos. As séries francesas que fazem parte do acervo são Museu
escolar brasileiro e Museu industrial para lições de coisas, editadas e publicadas pela Deyrolle.
É possível que entre os exemplares estejam alguns que compunham o espólio do Pedagogium
e outros adquiridos pela própria instituição entre o final do século XIX e as primeiras décadas
do século XX. A apresentação destas coleções pode ser vista no Capítulo 3.
A maioria dos quadros que compõem o acervo foram destinados ao ensino de ciências,
especificamente de zoologia e botânica, e provinham da Alemanha, França, Estados Unidos e
também Brasil. Diferentemente da coleção da E.E. Caetano de Campos, a maioria dos quadros
estrangeiros não eram franceses, mas sim alemães. Isso evidencia que entre o final do século
XIX e primeiras décadas do XX esse material didático, produzido principalmente em diferentes
regiões da Europa, circulou pelo ocidente e foi apropriado para o uso nas escolas de diversos
países. A coleção do CMEB-ISERJ mostra que o Brasil não privilegiou somente materiais
franceses, mas também de outros países como Alemanha e Estados Unidos.
Os quadros brasileiros abrangiam conteúdos mais variados e apenas uma série destinou-se ao
ensino de história natural. Dentre os quadros brasileiros, destacaram-se, mais uma vez, as séries
produzidas pela Cia. Melhoramentos de São Paulo, provavelmente a editora brasileira que mais
investiu na publicação deste tipo de material didático durante um longo período do século XX.
A identificação dos autores e ilustradores dos mapas murais também evidenciou, como veremos
nos capítulo 3, que havia um grupo de intelectuais por trás da produção desse material. Um
pesquisador de determinada área específica concebia a ideia do quadro e um ilustrador, por ele
contratado, traduzia a ideia em imagem. Isso ocorreu, como pode ser percebido, tanto no Brasil,
como no exterior.
O Colégio São Luís foi fundado por jesuítas na cidade de Itu, interior de São Paulo, em 1867.
Nas duas últimas décadas do século XIX a população da cidade e, por consequência, os padres
e professores e também os alunos foram assaltados por surtos de varíola e febre amarela. Neste
contexto, o andamento das aulas ficou comprometido por alguns anos pela falta de professores
e a escassez de alunos. No início do século XX, em decorrência dos problemas enfrentados com
as doenças, a instituição foi transferida para a cidade de São Paulo. O Colégio São Luís foi
instalado na Avenida Paulista, onde existe até os dias atuais, e iniciou suas atividades em 1918.
Trata-se, portanto, de uma instituição de ensino confessional que se dedicava ao ensino
secundário. O primário somente foi inaugurado em 1968. Diferencia-se das escolas anteriores
justamente por ser particular e não pública e por concentrar-se exclusivamente no secundário.
138
A coleção de quadros parietais está armazenada no Memorial do Colégio São Luís, em uma
sala onde estão reunidos em armários antigos de madeira e vidro e estantes com prateleiras
vários objetos utilizados na escola ao longo do século XX. Podem ser encontrados animais
taxidermizados, esqueletos, espécimes de minerais, instrumentos de física e química,
instrumentos mecânicos, digitais e eletrônicos, como máquina de escrever, computador e
calculadora, objetos indígenas e mapas murais.
O acervo do Colégio São Luís possui 129 quadros parietais, sendo que seis são repetidos
(ANEXO). Há nove séries e quatro parietais que não pertencem a série nenhuma, como pode
ser visto na Tabela 2.4
Tabela 2.4
Total de quadros parietais da coleção do Memorial do Colégio São Luís
Total
Quadros parietais 129
Quadros parietais repetidos 6
Séries de quadros parietais 9
Quadros parietais que não pertencem a séries 4
Fonte: Coleção de quadros parietais do Memorial do Colégio São Luís.
Por alguma razão, somente foram preservados os mapas destinados ao ensino de ciências, talvez
por ficarem armazenados nos gabinetes e laboratórios científicos, não tenham sido jogados fora.
Pode ser, entretanto, que somente tenham sido encontrados quadros desta disciplina, por terem
sido usados no ensino secundário, somente para o estudo das Ciências Naturais e Físico-
químicos. Como vimos a partir da análise das coleções da E.E. Caetano de Campos e do CMEB-
ISERJ, a maioria das séries e quadros usados no secundário eram de ciências.
Ainda que algumas das séries existentes no acervo sejam destinadas ao ensino primário, como
é o caso de A fauna brasileira, ou primário/ secundário, foram apropriadas para uso exclusivo
no secundário, já que a escola somente passou a ministrar aulas para os anos iniciais a partir de
1968.
A maioria das séries/ quadros encontrados no acervo são estrangeiros, ainda que o país com
mais séries na coleção seja o Brasil. Há seis séries/ quadros nacionais, o que corresponde a
46,1% do total; quatro ou 30,8% são portugueses; da França, Itália e Holanda a coleção conta
139
com uma série, o que representa 7,7%, de cada um destes países, como foi evidenciado no
gráfico 2.11.
Gráfico 2.11
Porcentagem dos quadros parietais do Memorial do Colégio São Luís por país de fabricação
Brasil
30,8
França
46,1
Itália
Holanda
7,7 Portugal
7,7
7,7
A coleção do Colégio São Luís conta com séries que também faziam parte dos dois acervos já
analisados, como Pfurtscheller's zoölogische wandplaten, da Martinus Nijhoff; Tableaux
d’histoire naturelle, produzida pela Deyrolle; A fauna brasileira, da Cia. Melhoramentos de
São Paulo; Quadros de anatomia, também publicada pela editora paulista; e a série Quadros
elementares de História Natural organizados pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro.
É possível intuir, portanto, que houve um determinado rol de séries estrangeiras e nacionais que
circularam e foram usadas em diferentes escolas do Sudeste brasileiro, como é o caso das acima
citadas. As séries Deyrolle, por exemplo, foram muito utilizadas no Brasil; a série zoológica de
Pfurtscheller, também; da mesma forma, diferentes séries da editora italiana Antonio Vallardi
chegaram ao Brasil. Isto quer dizer, que mesmo que tenha havido especificidades em cada uma
das escolas estudadas – no caso do CMEB-ISERJ, prevaleceram as séries alemãs; no São Luís,
há muitas séries portuguesas – houve algumas séries e empresas que apareceram repetidas
vezes, em diferentes instituições.
As séries portuguesas adotadas pelo Colégio foram produzidas por duas empresas distintas,
Livraria Simões Lopes de Domingos Barreto/ Editorial Domingos Barreto e Livraria Escola
140
Progredidor, ambas do Porto. Do Brasil, é possível encontrar duas séries da Cia. Melhoramentos
de São Paulo, uma da Apoio S.A., uma da Casa Especializada em Mapas G. Gagliardi, uma
produzida pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro e uma organizada pelo Depto. de Ecologia
Geral do Instituto de Biociências da USP/ Associação de Defesa do Meio Ambiente (ADEMA-
SP)/ CAPES-PADCT Sub-programa Educação para a Ciência.
Foi difícil identificar as datas de compra dos quadros parietais do Colégio São Luís, já que não
foram encontrados documentos de compra do material ou livros de inventários da instituição.
As datas de produção e circulação de dez das 13 séries/ quadros parietais foram, no entanto,
detectadas.
A maioria das peças foi publicada e circulou entre os anos de 1920 e 1960 e, deve ter sido,
provavelmente, nestes anos, que foram compradas e usadas nas aulas do Colégio. A série da
Deyrolle, Tableaux d’histoire naturelle, pode ter sido adquirida antes disso, pois foi publicada
pela primeira vez ainda no final do século XIX; e a Série ecossistemas brasileiros, do Depto.
de Ecologia Geral do Instituto de Biociências da USP/ Associação de Defesa do Meio Ambiente
(ADEMA-SP)/ CAPES-PADCT Sub-programa Educação para a Ciência, foi produzida depois
deste período em que a maioria dos quadros foi adquirido, em 1995.
Esta análise evidenciou que, diferentemente do padrão de compra da Caetano de Campos, que
a partir da década de 1920 e 1930 passou a adquirir mais mapas murais nacionais que
estrangeiros, o Colégio São Luís adquiriu tanto séries/ quadros de fora do país como brasileiros.
Isso pode ter acontecido, pois não havia muita produção no país de parietais destinados ao
ensino de ciências no secundário. Logo, a instituição precisou recorrer também às séries
produzidas no exterior.
Dentre os conteúdos de ciência abordados nos quadros parietais há três séries de história natural,
duas de zoologia, uma de botânica, cinco de anatomia/ fisiologia humana, uma de ecologia e
uma de química. Ao separar os quadros das coleções de história natural pelos conteúdos
específicos, evidenciou-se que a maior parte dos parietais da coleção era de botânica, que
representa 39,5% do total. Em segundo lugar estavam os de zoologia, que correspondiam a
36,4% do acervo de parietais; os mapas de anatomia e fisiologia humana representavam 20,1%
da coleção; 1,6% compreendiam peças destinadas ao ensino de antropologia; e os quadros de
geologia/ mineralogia, ecologia e química correspondiam a 0,8% cada um.
141
Gráfico 2.12
Porcentagem dos quadros parietais do Memorial do Colégio São Luís por disciplina escolar
Anatomia/ Fisiologia
20,1
Antropologia
36,4 1,6 Botânica
Ecologia
Geologia/ Mineralogia
39,5 Química
0,8
0,8 0,8
Zoologia
É possível perceber que, assim como as coleções do E.E. Caetano de Campos e CMEB-ISERJ,
os quadros de zoologia apareceram em grande quantidade. Nesse acervo, entretanto, ganha
destaque também a coleção de quadros de anatomia/ fisiologia humana. Diferentemente dos
acervos anteriores, apareceram neste colégio quadros destinados ao ensino de ecologia e de
química. O parietal de química trazia, na realidade, uma representação da tabela periódica. A
imagem impressa em cores foi colada sobre tecido, as bordas superior e inferior possuíam
molduras de madeira. A peça foi publicada pela editora Apoio S.A.
Vê-se que a coleção do Colégio são Luís não é tão extensa e heterogênea quanto as da E.E.
Caetano de Campo e do CMEB-ISERJ, mas é bastante interessante, pois revela a partir da
comparação, as séries mais comuns entre as escolas estudadas e também evidencia que houve
especificidades nas adoções feitas por cada instituição. Da mesma forma dá a possibilidade de
tomar conhecimento a respeito de mais séries de quadros parietais que circularam no século
XIX e XX.
A coleção de quadros parietais do Colégio Marista Glória, escola confessional dos irmãos
Maristas fundada em 1902, é bastante diferente dos conjuntos das três outras instituições
142
educativas estudadas. Ela é pequena e somente apresenta quadros parietais produzidos por uma
única empresa francesa, Éditions Rossignol.
A coleção reúne cinco séries, 106 mapas murais no total (ANEXO). Todas as séries são
destinadas ao ensino de ciências no ensino primário. Os quadros medem 0,75x0,90m, foram
impressos frente e verso em papel brilhante com gramatura alta. Foi, portanto, utilizada uma
nova tecnologia de impressão, a offset, e também um novo tipo de papel, já com tratamento
brilhante de fábrica. Isso ocorreu, pois os quadros foram produzidos depois da década de 1950,
quando a tecnologias de impressão offset já estava consolidada na Europa. O Brasil viu sua
indústria gráfica se modernizar definitivamente apenas na década de 1960.
Os quadros vinham acompanhados de uma moldura de madeira não fixa, que lembra a estrutura
de um porta-retratos. Dentro da moldura era encaixado o papel impresso e, sobre ele, era
colocada uma placa fina de madeira. A placa ficava presa à moldura por meio de hastes móveis.
Dessa forma, os quadros podiam ser inseridos e trocados na moldura de acordo com a vontade
do professor. A moldura podia ser fixada na parede ou mesmo apoiada num cavalete para que
a imagem pudesse ser observada simultaneamente por todos os alunos.
A Éditions Rossignol foi fundada na França, em 1946, inicialmente com o nome de Édition
Nightingale, pelo casal de professores do ensino primário André e Madeleine Rossignol. A
empresa especializou-se na edição de livros e materiais didáticos, entre os quais estão os
parietais. Entre as décadas de 1950 e 1970 os produtos Rossignol foram amplamente adotados
nas escolas francesas133.
A escolha por incluir esta coleção de parietais na pesquisa se deu justamente pelos quadros
Rossignol terem sido muito usados nas escolas francesas, provavelmente, num momento em
que os parietais da Deyrolle começaram a ser deixados de lado. Quer dizer, essa substituição
dos quadros Deyrolle por Rossignol poderiam apontar mudanças pedagógicas nos conteúdos
abordados, e também em sua materialidade e forma das representações gráficas e pictóricas.
Por isso, a análise destas séries apontava uma mudança na história deste material de ensino.
133
ROSSIGNOL, 2008.
143
A Éditions Rossignol editou e publicou muitas séries de quadros parietais que abrangiam
conteúdos variados, destinados ao ensino da linguagem oral e escrita, história, geografia,
educação cívica e ciências em geral. No acervo do Colégio Marista Glória somente foram
encontradas séries de ciências. Há uma série de zoologia; uma de botânica; uma de anatomia/
fisiologia humana; uma de introdução às ciências naturais, que anteriormente foi o conteúdo
trabalhado nas lições de coisas; e uma de química.
O autor das séries e dos quadros foi o próprio André Rossignol, que contratou desenhistas para
ilustrar seus quadros. As imagens da série de zoologia foram feitas por M. Demony e a de
introdução às ciências naturais por Henry Dimpre e Melansay. Não foi possível encontrar o
nome das séries na sua versão em português. Algumas delas são adaptações das séries francesas.
A série de zoologia, por exemplo, reúnia quadros de duas séries francesas diferentes Les
animaux e La faune africaine; e a de botânica congrega mapas das séries Les plantes e La flore
africaine.
A representante da Rossignol no país era a Librairie Hachette S.A. do Brasil. A editora francesa
instalou-se no Rio de Janeiro em 1953 e seguiu com suas atividades até a década de 1990134.
Não foi possível saber ao certo onde foi feita a impressão dos quadros, se na França ou aqui no
Brasil, pois na peça há as duas indicações: “Printed in France” e “Texto impresso pela Gráfica
Barthel S.A.”.
134
BRASIL. Decreto n.º 33.156, de 25 de junho de 1953.
144
Figura 2.6
Figura 2.7
Figura 2.7. O ar. Série: sem título [Química]. Publicado por Éditions Rossignol.
Acervo: Colégio Marista Glória.
145
A partir da análise desta coleção ficou evidente que a partir da década de 1950 novas técnicas
de impressão começaram a ser usadas na produção dos quadros parietais, assim como ocorreram
modificações nas representações pictóricas, como veremos no capítulo 4.
146
Capítulo 3
As séries de quadros parietais: sujeitos e instituições envolvidos em sua produção e
distribuição
A empresa foi fundada na década de 1830 136 pelo entomologista Jean-Baptiste Deyrolle e
dedicava-se à venda de insetos e equipamentos de caça para coleções de história natural. O filho
Achiles logo se juntou ao pai na empreitada dedicando-se principalmente, à taxidermização de
animais. Em 1966, Émile Deyrolle, neto do fundador, assumiu a companhia e diversificou os
produtos oferecidos ao mercado. Seguiu com a venda de insetos, animais taxidermizados e
equipamentos de caça, porém ampliou o catálogo ofertando também livros de história natural e
quadros parietais para o ensino deste conteúdo. Ao longo das décadas seguintes, os produtos
vendidos pela empresa diversificaram-se ainda mais, para atender às demandas de um tipo de
instrução que via na observação das coisas pelos sentidos a forma mais eficiente de ensino.
Em meados da década de 1890, a empresa passou aos cuidados dos filhos do naturalista e o seu
nome mudou de Émile Deyrolle para Les Fils d’Émile Deyrolle, que perdurou até o final de
1930, quando a casa passou a ser chamada de Établissement Deyrolle137.
135
Séries da Maison Deyrolle podem ser encontrados nos acervos: CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos,
CMEB-ISERJ e Memorial do Colégio São Luís.
136
O site da Deyrolle diz que a empresa foi fundada em 1831, enquanto alguns catálogos dizem que foi 1836.
137
A mudança do nome da empresa foi percebida a partir da análise de catálogos da empresa publicados entre
1871 e 1938. Como só tive acesso aos catálogos até 1938, não é possível falar das mudanças posteriores.
147
A Maison Deyrolle foi, durante muitas décadas, uma importante empresa produtora de material
educativo, principalmente para o ensino de ciências. Seus produtos foram vendidos e ficaram
conhecidos em muitos países, inclusive no Brasil, como já vimos. Das quatro coleções
estudadas, há quadros parietais da empresa francesa em três delas. Não acredito que não tenham
sido adquiridos pelo Colégio Marista Glória, somente não foram guardados até os dias atuais,
há catálogos da empresa em seu arquivo, assim como objetos Deyrolle em seu acervo, como
modelos anatômicos, animais taxidermizados, entre outros.
Figura 3.1
138
DEYROLLE, 1971.
148
139
LES FILS..., 1934.
140
ÉMILE..., 1886; ÉMILE..., 1889; ÉMILE..., 1892; ÉMILE..., 1893a; MAISON..., 1894; LES FILS..., 1897b;
LES FILS..., 1925; LES FILS..., 1928; LES FILS..., 1934 ; ÉTABLISSEMENT..., 1938.
141
ÉMILE..., 1886; ÉMILE..., 1887; LES FILS..., 1897b; LES FILS..., s.d.; LES FILS..., 1898; LES FILS..., 1925;
LES FILS..., 1928; LES FILS, 1934; LES FILS..., 1936; ÉTABLISSEMENT..., 1938.
142
Não há oferta desta série em nenhum dos catálogos encontrados para esta pesquisa. Porém, exemplares podem
ser encontrados nos acervos da E.E. Caetano de Campos e do Centro de Memória da Educação do Instituto
Superior de Educação do Rio de Janeiro. Além disso, há menções sobre a série em alguns exemplares da Revista
Pedagógica, publicação do Pedagogium, já que sua nacionalização foi feita pelo primeiro diretor do Museu,
Menezes Vieira.
143
LES FILS..., 1897; LES FILS..., 1934.
144
O catálogo de 1886 (ÉMILE..., 1886) oferece uma série de 24 quadros parietais para as escolas elementares e
maternais. A mesma série, com 1 quadro a menos e com o nome École maternelles et classes enfantines. Tableaux
muraux, é ofertada no catálogo de 1897 (LES FILS..., 1897). A série traz quadros do corpo humano, de animais e
plantas úteis e sobre as cores. Junto à série há um manual de uso, Nos bêtes (em português, Os animais), que traz
explicações sobre os quadros com representações de animais. No catálogo de 1925 (LES FILS..., 1925) esta série
muda de público-alvo, passa a destinar-se somente às classes infantis. O seu novo nome é Tableaux muraux pour
les classes enfantines. Os dois quadros sobre o corpo humano são suprimidos e a série passa a ter 22 mapas no
total. A série ainda é acompanhada do manual de uso Nos bêtes e, segundo informações do catálogo, segue o
método de Mademoiselle Matrat, inspetora geral das escolas maternais. Neste mesmo catálogo, a escola maternal
ganha nova série, Tableaux muraux pour les écoles maternelles, com 16 quadros. Os quadros foram elaborados
por Mademoiselle Delannoy, professora em Paris. No catálogo de 1934 as duas ainda são oferecidas com os
mesmos quadros. No entanto, a partir desta data há também edições em espanhol e português com os títulos
Cuadros Murales para las clases infantiles (Série A – En Español)/ Quadros murais para as classes infantis (Série
B – Em Português); Cuadros murales para las escuelas de parvulos (Série A – En Español)/ Quadros murais para
as escolas de crianças (Série B – Em Português).
145
A série Tableaux muraux du système métrique apareceu pela primeira vez num catálogo de 1897 (LES FILS...,
1897). Ela é anunciada novamente nos catálogos de 1925 (LES FILS..., 1925), de 1928 (LES FILS..., 1928) e 1934
(LES FILS..., 1934). A série contém desde o início de sua publicação os mesmos 4 quadros, com medidas de
comprimento, volume, capacidade, peso e monetárias. No catálogo de 1934 aparecem edições em espanhol e
português: Cuadros murales del sistema métrico (Série A – En Español); Quadros murais do systema métrico
(Série B – Em Português).
146
LES FILS..., 1897b; LES FILS..., s.d.; LES FILS..., 1925; LES FILS..., 1928.
147
LES FILS..., 1897a; LES FILS..., 1925; LES FILS..., 1928; LES FILS..., 1934.
148
LES FILS..., 1925; LES FILS..., 1934.
149
A Musée scolaire pour leçons de choses foi, provavelmente, concebida na década de 1870 pelo
próprio Émile Deyrolle e destinava-se ao ensino primário. Ao menos algumas das ilustrações
ficaram a cargo de seu familiar, Théophile Deyrolle, que era pintor. Alguns quadros tem a sua
assinatura e outros trazem seu nome no rodapé. Não foi possível, entretanto, saber se foi o
responsável pelas ilustrações de todos os mapas ou somente de alguns exemplares. Tampouco,
se desenhou apenas os primeiros ou se seguiu como ilustrador da Deyrolle nos anos que viriam.
O primeiro catálogo encontrado que oferece a série é de 1886158. No entanto, ela já havia sido
publicada antes disso, já que obteve a medalha de ouro na Exposição Universal de Paris de
1878. Os quadros mediam 47x58cm, podiam ser encomendados já montados; colados em papel
149
LES FILS..., 1925; LES FILS..., 1928; LES FILS..., 1934.
150
LES FILS..., s.d.; LES FILS..., 1925; LES FILS..., 1928; LES FILS..., 1934.
151
LES FILS..., s.d.; LES FILS..., 1925; LES FILS..., 1928; LES FILS..., 1934.
152
A série Tableaux muraux de phisique é oferecida nos catálogos de 1897 (LES FILS..., 1897); de 1925 (LES
FILS..., 1925); de 1928 (LES FILS..., 1928); e de 1934 (LES FILS..., 1934). Neste último também há uma edição
em espanhol: Cuadros murales de fisica (Série A – En Español).
153
LES FILS..., 1897.
154
LES FILS..., 1934.
155
LES FILS..., 1925; LES FILS..., 1928; LES FILS..., 1934.
156
LES FILS..., 1934.
157
LES FILS..., 1938.
158
ÉMILE..., 1886.
150
cartão com moldura preta e ilhoses de ferro, ou eram vendidas as folhas impressas sem suporte
nenhum. Podiam ser comprados individualmente, por partes ou a série inteira.
A série era composta de 110 quadros coloridos, sendo que alguns deles tinham amostras in
natura fixadas com um tipo de arame na superfície. Elas podiam estar ao alcance da mão, como
é o caso de pelos de animais, fios de lã e tecidos em geral, ou podiam estar dentro de pequenos
recipientes de vidro fechado, que carregavam, por exemplo, grãos de cereais e amostras de
plantas. Os quadros tinham desenhos em tamanho natural ou reduzidos a partir do uso de escala.
A série era dividida em duas outras séries, que chamarei aqui de subsérie. A primeira delas
correspondia aos quadros da L’Enseignement des sciences naturelles dans les écoles primaires,
já citada anteriormente. Era vendida em francês, inglês e espanhol e acompanhada do manual
de uso. A série continha em 1971, 19 quadros. Em 1886, um quadro de geologia foi acrescido,
deixando a subsérie com 20 mapas totais.
A segunda subsérie contava com 90 parietais que tratavam das ciências naturais e da aplicação
dos reinos animal, vegetal e mineral à agricultura, indústria, habitação, alimentação e à
confecção de vestimentas. Era dividida em oito partes: elementos da agricultura, plantas
alimentares, plantas industriais, plantas venenosas, cogumelos, tecnologia, história da Terra e
animais úteis e nocivos. Abordava, portanto, o mundo natural desde a perspectiva de sua relação
com os seres humanos, como podiam servir ou prejudicá-los.
Nos últimos anos do século XIX a série foi reorganizada, porém permaneceu com 110 mapas
murais no total. Alguns quadros foram deixados de lado, outros tiveram seus conteúdos
mesclados e, ainda outros foram acrescentados. Continuava dividida em duas subséries, sendo
que as alterações foram feitas principalmente na segunda, a primeira permaneceu igual,
mudaram apenas alguns dos títulos159.
A partir de então, a segunda subsérie passou a ser dividida em 21 partes, mais específicas que
as anteriores: elementos da agricultura, plantas alimentares, plantas industriais, madeiras
industriais, plantas venenosas, cogumelos, papel, carvão, metalurgia, cerâmica e vidro, couro,
lã – pelos têxteis, história da terra, insetos nocivos, insetos úteis, animais úteis e nocivos –
159
LES FILS..., 1897.
151
invertebrados, animais úteis e nocivos – peixes e répteis, animais úteis e nocivos – aves, animais
úteis e nocivos – mamíferos, zootecnia e anatomia humana.
Vale salientar que os quadros relacionados ao corpo humano estavam, na versão anterior,
inseridos na parte animais úteis e nocivos e, a partir desta reorganização, passaram a integrar
uma única parte, anatomia humana. Além disso, seis outros quadros destinados ao tema foram
acrescentados aos quatro que já existiam, somando dez no total.
A análise do catálogo da Deyrolle de 1925 160 mostrou que a série sofreu novamente
transformações, principalmente com o acréscimo de muitos exemplares. A série passou de 110
mapas em 1897 para 188. Algumas destas mudanças não ocorreram, no entanto, em 1925
necessariamente, mas entre os anos de 1897 e 1925, período em que não foi encontrado nenhum
catálogo. É possível afirmar que alguns acréscimos foram feitos antes de 1925, pois há
exemplares iguais com números distintos nos acervos, o que quer dizer, que quando surgiram
pela primeira vez na série, tinham uma determinada numeração e, a partir do catálogo de 1925,
ou mesmo antes, ganharam novo número. Houve, pois, certamente, uma grande mudança entre
1897 e 1925, que somente ficou evidente para esta pesquisa por este último catálogo.
Em meados da década de 1920, portanto, a série contava com 188 quadros divididos, a partir
de então, em 4 subséries. A primeira delas, denominada Generalidades, permaneceu a mesma
desde que a série foi organizada pela primeira vez. A segunda subsérie, Tecnologia, perde a
parte de anatomia humana, mas continua com a mesma organização. São adicionados dois
quadros à parte de elementos da agricultura e dois à de cogumelos.
As terceira e quarta subséries, que não existiam no catálogo de 1897, foram chamadas de Tipos
comparados e Anatomia humana respectivamente. A primeira delas tem como foco a zoologia,
a geologia e a mineralogia. Em um mesmo quadro eram inseridas várias ilustrações que podiam
ser observadas e comparadas entre si. A parte de anatomia humana cresceu bastante, saltou de
dez para 31 quadros e se tornou uma subsérie. Anteriormente só havia parietais com
representações do esqueleto humano, dos músculos, dos órgãos do tórax e abdômen, do sistema
nervoso, do cérebro, da circulação do sangue e da dentição. Posteriormente, foram
acrescentados quadros sobre osteologia humana, aparelho digestivo, sistema excretor, sistema
160
LES FILS..., 1925.
152
linfático, sistema nervoso, sistema respiratório, órgãos dos sentidos e pelo menos um quadro
destinado especificamente a cada um dos sentidos; vista, olfato, audição, tato e paladar. Quer
dizer, tudo aquilo que deveria ser aprendido sobre o corpo humano foi distribuído entre vários
quadros parietais que compunham a série. De acordo com o catálogo de 1934161, a subsérie de
Anatomia humana ganhou mais dois quadros parietais, novas representações dos músculos.
Figura 3.2. Homme – Organes des sens. Série: Musée scolaire pour leçons de choses. Publicado por
Émile Deyrolle. Acervo: CRE Mario Covas – Acervo E.E. Caetano de Campos, São Paulo. Fotografado
por Marco Aurelio Olimpio. Imagem cedida pela Prof. Dra. Katya Braghini.
Figura 3.3. Champignons comestibles. Série: Musée scolaire pour leçons de choses. Publicado por
Émile Deyrolle. Acervo: CRE Mario Covas – Acervo E.E. Caetano de Campos, São Paulo.
Por volta de 1938, a série Musée scolaire pour leçons de choses deixou de existir. Seus quadros
continuaram a ser vendidos da mesma forma, mas foram reorganizados para comporem uma
nova série, Tableaux muraux d’histoire naturelle. Foram separados em três partes, de zoologia,
anatomia humana e botânica. É possível que isso tenha acontecido, pois as lições de coisas
estavam sendo criticadas em decorrência das proposições da escola ativa. Os quadros ainda
serviam e podiam ser usados, mas o nome da série e sua organização não se adequavam mais,
por isso, tiveram que ser trocados.
161
LES FILS..., 1934.
153
A série Museu Escolar Brasileiro, como dito anteriormente, foi organizada por Menezes Vieira
no início da década de 1890 e editada no Brasil pela F. Briguiet & Comp. Ao que parece, a
Émile Deyrolle enviava os exemplares produzidos por eles e impressos pela Imp. Monrocq à F.
Briguiet & Comp., que os vendia no país. Menezes Vieira recebeu direitos autorais por seu
trabalho, tanto que ofereceu os valores recebidos até 31 de dezembro de 1895 ao Grêmio
Comemorativo e Beneficente do Instituto Benjamin Constant162.
No que diz respeito à sua materialidade e estética, os quadros eram iguais aos da série francesa
de referência, tinham o mesmo tamanho, eram colados sobre papel cartão, possuíam bordas
pretas e ilhoses de ferro. Tinham um cabeçalho que dizia: “Museu Escolar Brasileiro –
Nacionalização do Musée scolaire Deyrolle”. Há ainda alguns exemplares em que foi
acrescentado “por Menezes Vieira, Director do Pedagogium do Brasil”.
162
REVISTA PEDAGÓGICA..., tomo 7, nº 40, 41, 42, 1894.
163
Ibid.
164
Ibid., p. 304.
154
Figura 3.4. Mammiferos – Mammalicos – Animais que tem mamas. Série: Museu escolar brasileiro. Publicado por
Émile Deyrolle. Acervos: CRE Mario Covas – Acervo E.E. Caetano de Campos, São Paulo e CMEB-ISERJ.
Figura 3.5. Vinha. Série: Museu escolar brasileiro. Publicado por Émile Deyrolle. Acervos: CRE Mario Covas –
Acervo E.E. Caetano de Campos, São Paulo e CMEB-ISERJ.
A análise dos exemplares encontrados nos acervos da E.E. Caetano de Campos e CMEB-ISERJ
mostra que outros quadros foram produzidos além destes, pelo menos outros 4 de zoologia e
um de botânica. A Revista Pedagógica anunciou também, em 1895, que estavam chegando o
restante de quadros da primeira série165. Não foi possível, entretanto, identificar com precisão
quantos quadros foram publicados ao todo, quais foram e quando a parceria foi encerrada. Certo
é que num catálogo da Deyrolle de 1897166, apareceu para venda uma nova série, denominada
Museu escolar industrial, com quadros em espanhol e português e organizada especialmente
para atender os mercados da América do Sul e Central. É possível que a Deyrolle tenha decidido
elaborar ela própria, as adequações de seus quadros para atender às demandas do ensino nos
países americanos e não tenha dado seguimento à parceria estabelecida com Menezes Vieira.
Talvez não quisesse ter que pagar direitos autorais ao intelectual brasileiro. Ou pode até ser que
a parceria tenha sido interrompida pela morte de Menezes Viera, em 1897.
165
REVISTA PEDAGÓGICA..., tomo 8, nº 43, 1895.
166
LES FILS..., 1897.
155
O fato é que os exemplares encontrados são provavelmente aqueles que foram adquiridos na
década de 1890 mesmo, não há novos quadros dessa série em nenhum dos acervos. Sua
produção foi encerrada ainda naqueles anos e em seu lugar surgiu o Museu escolar industrial.
Há inclusive um quadro, Mammiferos – roedores, na coleção do CMEB-ISERJ, que foi
impresso originalmente para compor a série Museu escolar brasileiro, pois o nome da série
estava escrito no cabeçalho, porém foi reusada e vendida como parte do Museu escolar
industrial. Há um papel colado sobre o cabeçalho original com os dizeres: “Museo escolar
industrial – Quadros de história natural – (Ensino Intuitivo)”. Quer dizer, o quadro impresso
outrora para pertencer à série de Menezes Vieira foi reaproveitado e passou a integrar a nova.
O Museu escolar industrial seguia, portanto, a mesma linha do Musée scolaire pour leçons de
choses e, assim como o Museu escolar Brasileiro, tinha as mesmas características materiais e
estéticas que a série original e destinava-se também ao ensino primário.
De acordo com o catálogo de 1897, a série tinha 75 quadros e era dividida em 3 subséries:
elementos de ciências naturais; os animais e vegetais úteis; e indústrias extrativas – a tecnologia.
Foram usados os mesmos quadros da Musée scolaire pour leçons de choses. Pelo que foi
observado a partir da comparação entre os mapas das duas séries, não há variações entre eles,
a apropriação ocorreu a partir da seleção de alguns dos quadros da série original e sua tradução
para as línguas espanhola e portuguesa ̶ diferente da série de Menezes Vieira, que de fato
propôs novas ilustrações e reorganizou as imagens dos mapas originais para corresponder à
realidade nacional.
O Museu escolar industrial, assim como sua série de referência, ganhou novos quadros com o
passar dos anos. No catalogo de 1934167, a série passou a ter 154 quadros e cinco subséries:
elementos de ciências naturais; os animais e os vegetais; as indústrias extrativas; anatomia
humana; e tipos comparados. Foram acrescentados, portanto, assim como ocorreu na Musée
scolaire, quadros de anatomia humana e os chamados tipos comparados.
167
LES FILS..., 1934.
156
Figura 3.6. Mammiferos – Roedores. Série: Museu escolar industrial. Publicado por Émile Deyrolle/ Les Fils
d’Émille Deyrolle. Acervo: CMEB-ISERJ, Rio de Janeiro.
Figura 3.7. Reptis-Batracianos. Série: Museu escolar industrial. Publicado por Émile Deyrolle/ Les Fils d’Émille
Deyrolle. Acervo: CMEB-ISERJ, Rio de Janeiro.
Figura 3.8. O trigo e o pão. Série: Museu escolar industrial. Publicado por Émile Deyrolle/ Les Fils d’Émille
Deyrolle. Acervo: CMEB-ISERJ, Rio de Janeiro.
Figura 3.9. Pellos têxtis. Série: Museu escolar industrial. Publicado por Émile Deyrolle/ Les Fils d’Émille
Deyrolle. Acervo: CMEB-ISERJ, Rio de Janeiro.
157
A quarta série que faz parte dos acervos escolares estudados é Tableaux d’histoire naturelle.
Diferentemente das três anteriores analisadas, foi destinada ao ensino secundário. O tamanho
dos quadros parietais também difere, são maiores, medem 120x90 cm. As folhas são vendidas
avulsas ou o quadro podia ser adquirido já montado, isto é, o papel impresso era colado sobre
tecido e recebia molduras de madeira nas bordas superior e inferior. A Maison Deyrolle parece
fazer uma escolha intencional, material e estética para diferenciar as coleções destinadas ao
ensino primário e secundário. As imagens também eram diferentes na maioria das vezes, mas
não é necessário analisá-las para saber se pertencem a uma série ou outra, é só olhar a própria
materialidade do quadro que já se sabe de qual se trata.
A série foi elaborada por Gaston Bonnier, professor de botânica da Sorbonne. Foi autor de
diversas obras de história natural, entre as quais há livros didáticos para os cursos secundário,
normal e também primário.
Inicialmente, a série era oferecida em seus catálogos com os quadros divididos pelos anos dos
currículos dos liceus e colégios franceses, de acordo com o programa oficial estabelecido168.
Segundo o catálogo da Émile Deyrolle de 1886169, a série foi organizada por uma comissão de
ciências naturais do Ministério da Instrução Pública. Isso quer dizer que, provavelmente, esta
comissão estabeleceu quais quadros seriam usados em cada ano do currículo. A partir de
1897170 a série passou a ser ofertada sem levar em consideração como seria usada nos anos de
estudo, estava dividida em três partes, mapas de zoologia, botânica e geologia. A série toda
168
ÉMILE..., 1886; EMILE..., 1887.
169
ÉMILE..., 1886.
170
LES FILS..., 1897.
158
contava com 70 quadros. Num catálogo seguinte171, sem data identificada, a série passa a ter 82
quadros, foi adicionada uma parte destinada ao ensino de paleontologia.
Com mínimas alterações, a série permaneceu igual, fez uso dos mesmos quadros, até cerca de
1934172. No catálogo de 1925173, foi possível perceber que houve pequenas alterações em alguns
parietais em relação ao de 1897, que podiam ter sido inclusive apenas em seu título.
Em 1934 a série ganhou novo nome, passou a se chamar Grands tableaux d’histoire naturelle
e a parte de zoologia adquiriu seis novos parietais, todos relacionados ao ensino de anatomia
humana. Nesta série, desde sua criação, os quadros de anatomia e fisiologia humana estiveram
sempre inseridos na parte de zoologia. No caso do Musée scolaire pour leçons de choses, houve
a separação entre os dois conteúdos, como já foi evidenciado.
Figura 3.10. Systéme circulatoire de l’homme. Série: Tableaux d’histoire naturelle. Publicado por Les Fils
d’Émille Deyrolle. Acervo: CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos, São Paulo.
Figura 3.11. La carotte. Série: Tableaux d’histoire naturelle. Publicado por Les Fils d’Émille Deyrolle. Acervo:
CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos, São Paulo.
171
LES FILS..., s.d.
172
LES FILS..., 1934.
173
LES FILS..., 1936.
159
Os autores das séries, como foi o caso do próprio Émile Deyrolle e Gaston Bonnier, eram
naturalistas e também estavam envolvidos com a educação. O primeiro como elaborador de
materiais didáticos e Bonnier como professor e também autor de diversos livros didáticos e
materiais escolares destinados à implementação do método intuitivo e das ciências naturais no
currículo. Eram naturalistas preocupados, por um lado, com a disseminação e divulgação da
ciência e que viram na escola um lugar privilegiado para isso; por outro, com o desenvolvimento
de uma metodologia de ensino eficiente para o ensino de ciências. Também não é possível
desconsiderar o viés mercadológico da venda de materiais didáticos no contexto da
implementação de método intuitivo. Comercializar quadros parietais, certamente, trazia muitos
lucros para a empresa que o fazia. Tendo o governo francês como seu principal cliente, a
Deyrolle cresceu muito no final do século XIX e primeiras décadas do XX.
No que diz respeito aos ilustradores, sabemos apenas que Théophile Deyrolle se encarregou de
alguns quadros, especialmente dos primeiros elaborados pela casa. Era pintor de belas artes,
mas talvez, por sua relação com a família de naturalistas, foi convidado pelos parentes para
fazer as ilustrações científicas dos parietais que a casa comercializava. É bastante interessante
perceber que o pintor é relativamente conhecido pelas obras que pintou, seus trabalhos foram
expostos nos salões de arte franceses no final do XIX e hoje pertencem a acervos públicos e
privados no país. No entanto, pouco se fala sobre sua produção como ilustrador científico, ainda
que muitos de seus quadros publicados pela empresa de seus familiares sejam verdadeiras obras
160
As ilustrações que compõem a coleção foram feitas a partir da observação direta dos animais,
isto é, das próprias preparações zoológicas de Pfurtscheller, mas algumas vezes foram utilizados
modelo de desenhos que eram encontrados nos livros didáticos mais usados na época. Como
tinha como objetivo fazer ver à distância, seus quadros apresentavam uma imagem grande de
um ser vivo e mais duas ou três pequenas que remetiam a esse mesmo animal. O professor
queria, com os quadros, mostrar a organização interna do animal sem prejudicar sua aparência
geral exterior178.
No texto em que apresenta a coleção no catálogo da A. Pichler's Witwe & Sohn179, empresa
que a comercializou entre 1902 e cerca de 1925180, Pfurtscheller afirmou que pretendia usar os
174
A série Pfurtscheller’s zoölogische wandplaten pode ser encontrada nos acervos: CRE Mario Covas – EE
Caetano de Campos e Memorial do Colégio São Luís.
175
O catálogo holandês de quadros parietais de produzidos por países europeus Verzameling in beeld aponta 1902
como o ano em que iniciou-se a comercialização da coleção de quadros parietais de zoologia de Paul Pfurtscheller
(VERZAMELING in beel). Além disso, A revista Nature, de Londres, publicou uma crítica à coleção no ano de
1903 (A. PICHLER..., [19--]).
176
A ideia inicial do professor Pfurtscheller era fazer uma coleção que compreendesse 68 ou 69 exemplares, no
entanto, a série somente chegou a ter 39 no total, o professor morreu antes que pudesse concluí-la.
177
A. PICHLER..., [19--].
178
Ibid.
179
O catálogo está sem a data, no entanto, há indícios de que sua publicação tenha ocorrido entre 1908, quando foi
publicado um artigo no periódico alemão Pädagogische Reform, o qual aponta que a coleção do professor
Pfurtscheller contava com 20 quadros parietais já disponíveis para venda (WESTPHAL, 1908), e 1926, quando a
série já estava completa, com 39 parietais. O catálogo em questão anunciava uma a coleção com 25 quadros.
180
Sabe-se que em 1925 os quadros já eram comercializados pela empresa Martinus Nijhoff, de Haia, Holanda
(CULTURA..., 1925).
161
quadros em suas classes, mas que também tinha a intenção de reproduzi-los. É possível que o
professor tivesse percebido que havia uma demanda crescente para esse tipo de material no
mercado pedagógico, por isso, a comercialização da coleção ocorreu antes mesmo de ele
finalizar a produção de todos os quadros que pretendia fazer181. Ao que tudo indica, em 1902
estavam à disposição nos catálogos da empresa apenas os cinco primeiros quadros da série. Na
realidade, os quadros que compunham a coleção foram sendo produzidos ao longo dos anos e
o último exemplar, de número 39, só começou a ser comercializado depois de 1927182.
Os parietais da coleção tinham 130 x 140 cm e eram impressos em cromolitografia, com o uso
de dez a 15 cores. De acordo com o catálogo da A. Pichler's Witwe & Sohn acima
mencionado183, existiam diferentes opções para compra dos quadros: os exemplares de um a 21
podiam ser adquiridos colados sobre papel, com bordas de tecido e varetas nas extremidades
ou colados em tecido diretamente e com varetas nas extremidades; já os parietais 22-25,
provavelmente os últimos confeccionados do catálogo, somente estavam disponíveis colados
em tecido e também com varetas nas extremidades. Os preços variavam de acordo com o
material escolhido184.
Os quadros tinham pouco texto, o nome do ser vivo representado estava escrito em latim
centralizado no topo do parietal. Além disso, algumas letras indicavam as partes que importava
ao professor destacar no animal. Os nomes destas partes e suas funções eram especificadas num
manual de uso que oferecia instruções sobre o conteúdo abordado. Cada quadro era
acompanhado de um manual de uso próprio. É provável que a escolha pelas letras de indicação,
ao invés de um texto que nomeasse no próprio desenho as partes do animal, tivesse sido a
escolha de Pfurtscheller, assim não comprometeria o tamanho das ilustrações.
181
A. PICHLER..., [19--].
182
MARTINUS..., 1927.
183
A. PICHLER..., [19--].
184
Não há informação de preço no catálogo.
185
O envio ocorreu certamente antes de 1903, pois entre as críticas há uma, a do periódico Nature, de Londres,
que foi publicado em 1903 (A. PICHLER..., [19--]).
162
Figura 3.12
186
Pequenos trechos das críticas feitas por 39 especialistas destes países foi publicado no catálogo já mencionado.
Somente através deste documento é impossível saber se exemplares foram enviados para mais especialistas além
destes citados. A empresa pode ter selecionado os trechos dos que mais lhe interessavam comercialmente, deixando
alguns de fora; ou mesmo alguns especialistas podem ter recebido os exemplares e a solicitação, mas ignorado o
pedido ou não aceitado realizar o trabalho.
163
Pfurtscheller. E por meio das opiniões destes ilustres científicos sobre a coleção, divulgadas no
catálogo, muitos professores e pessoas ligadas ao ensino de zoologia puderam também saber da
existência e suposta qualidade da coleção. O catálogo da A. Pichler's Witwe & Sohn em questão
foi encontrado no acervo da Residencia de Estudiantes 187 , em Madrid, e está escrito em
Espanhol. Isto é, a empresa austríaca de fato comercializava seus produtos em diferentes países,
tanto que chegou a produzir um catálogo em outra língua, de modo que seus produtos pudessem
ser acessíveis a outros mercados188.
De acordo com os especialistas consultados, a coleção de Pfurtscheller era muito bem realizada
tanto no que diz respeito à sua qualidade artística quanto ao rigor científico; tinha excelente
qualidade de impressão; e contava com um excelente tamanho, maior que a maioria dos quadros
parietais produzidos e disponíveis na época. Na realidade, a principal vantagem da coleção
apontada pelos críticos parece ser a mesma apontada por Pfurtscheller, o tamanho dos quadros,
eram bastante grandes e seu conteúdo podia mesmo ser visualizado à grande distância. Outros
quadros parietais de zoologia também procuraram mostrar os seres vivos interna e
externamente, porém eram muitas vezes pequenos e, por isso, a visibilidade dos alunos ficava
comprometida189.
A análise deste catálogo permite inferir que nas primeiras décadas do século XX os quadros
parietais editados e ilustrados pelo Professor Pfurtscheller eram usados no contexto educacional
de vários países europeus e, possivelmente, em algumas regiões dos Estados Unidos.
Além do catálogo em língua espanhola da A. Pichler's Witwe & Sohn encontrado em Madrid,
há evidencias de que a coleção foi amplamente utilizada e por várias décadas em instituições
escolares espanholas190. Os quadros de Pfurtscheller fazem parte dos acervos dos institutos de
187
No Acervo Documental de la Residencia de Estudiantes.
188
A. PICHLER..., [19--].
189
A. PICHLER..., [19--].
190
No catálogo da exposição A Pedagoxía intuitiva. As láminas educativas realizada pelo Museo Pedagóxico de
Galicia - MEPUGA entre maio de 2012 e janeiro de 2013 (XUNTA DE GALICIA... [201-]), que reuniu quadros
parietais usados nas escolas galegas nos séculos XIX e XX, é possível encontrar o quadro de nº 10, Chelonia. Ele
pertence a Instituição de Educação Secundária Otero Pedrayo, de Ourence, e foi adquirido no ano de 1922.
164
191
Entre 1 de janeiro de 2008 e o dia 30 de junho de 2012 foi realizado o programa Ciencia y educación en los
institutos madrileños de enseñanza secundaria a través de su patrimonio cultura (1837-1936) - CEIMES, por meio
do qual investigadores do CSIC e de universidades madrilenhas e professores do ensino secundário desenvolveram
um programa de salvaguarda, revalorização e estudo do património científico educativo dos quatro institutos de
ensino secundário mais antigos de Madrid: I.E.S Isabel la Católica (anteriormente Instituto-Escuela), I.E.S.
Cardenal Cisneros, I.E.S. San Isidro, I.E.S. Miguel de Cervantes. Os quadros parietais se encontram nos acervos
escolares organizados em cada uma destas instituições.
192
No IES San Isidro podem ser encontradas os quadros de nº 9, nº 11, nº 13, nº 17, publicados por Martinus
Nijhoff; e a nº 25, publicado por A. Pichler's Witwe & Sohn.
193
No IES Cardenal Cisneros podem ser encontrados os quadros de nº 3, nº 4, nº 9, nº 12, nº 13, nº 18, nº 20 e nº
24, publicados por A. Pichler's Witwe & Sohn e revendidos na Espanha por Gustav. A. Rietzschel; e nº 2, nº 3, nº
4, nº 7, nº 9, nº 10, nº 13, nº 17, nº 27, nº 30, nº 32, nº 33, nº 34, nº 35, nº 36, nº 37 e nº 38, publicados por Martinus
Nijhoff.
194
No IES Isabel la Católica Podem ser encontrados os quadros de nº 15, nº 17 e nº 35, publicados pela Martinus
Nijhoff.
195
De acordo com dados apresentados no Catalogo Colecctivo del Patrimonio Bibliográfico do Ministerio de
Educación, Cultura y Deporte da Espanha.
196
Os catálogos publicados pela Cultura Eimler-Basanta-Haase em 1925 (CULTURA..., 1925, p. 14) e 1934
(CULTURA..., 1934, p. 138) anunciavam a venda da coleção de quadros parietais zoológicos do professor Paul
Pfurtscheller publicada pela empresa holandesa Martinus Nijhoff.
197
Não foi possível precisar ao certo o ano em que foi feita a negociação, porém é possível inferir que ocorreu
entre os anos de 1922 e 1925. Conforme já foi citado, há pelo menos um exemplar da coleção de Pfurtscheller no
acervo Instituição de Educação Secundária Otero Pedrayo, de Ourence, Galicia, que foi publicado pela casa de A.
Pichler's Witwe & Sohn e adquirido em 1922 (XUNTA DE GALICIA... [201-]). Porém, já no catálogo da
distribuidora Cultura Eimler - Basanta - Haase de 1925 estão disponíveis para vendas os quadros da coleção de nº
1 a 36 (e não apenas até o nº 28), ou seja, quando a coleção já estava nas mãos da Martinus Nijhoff (CULTURA...,
1925).
198
Não há indícios dos motivos que levaram a A. Pichler's Witwe & Sohn a vender seu estoque e o direito à
publicação da coleção para a Martinus Nijhoff.
199
MARTINUS..., 1927.
165
A Martinus Nijhoff também teve o cuidado de traduzir o nome da coleção tanto nos próprios
quadros, quanto em seus catálogos para outras línguas além do alemão, como: holandês, inglês,
francês, italiano, espanhol e dinamarquês. Além disso, os manuais de uso que acompanhavam
os quadros também foram produzidos e distribuídos em diferentes línguas202.
Não foi possível identificar de que forma esta coleção chegou às escolas paulistas, no entanto,
é certo que suas aquisições ocorreram posteriormente ao ano de 1925207, pois, embora haja
200
CULTURA..., 1925; MARTINUS..., 1927.
201
CULTURA..., 1934.
202
Tomei conhecimento de manuais de uso em francês, inglês e espanhol.
203
O acervo da E.E. Caetano de Campos está sob responsabilidade do Centro de Referência Mario Covas, que
guarda a coleção de documentos, mobiliário, livros, periódicos e materiais didáticos pertencentes à antiga Escola
Normal de São Paulo.
204
Os quadros parietais do Colégio São Luís estão armazenados no Museu de História Natural, espaço que reúne
os materiais didáticos remanescentes usados no ensino de ciências no colégio desde sua fundação, em 1867.
205
No acervo da E.E. Caetano de Campos podem ser encontrados os quadros de nº 2, nº 5, nº 7, nº 8, nº 9, nº 14,
nº 15, nº 17, nº 19, nº 21, nº 23, nº 24, nº 25, nº 28, nº 31, nº 32, nº 33, nº 34 e nº 36.
206
No acervo do Colégio São Luís podem ser encontrados os quadros de nº 1-22 e nº 24-38.
207
É possível que as coleções tenham sido compradas antes de 1934, pois a série existente no Colégio São Luís
está praticamente completa, porém falta a de nº 39. Este quadro foi impresso nos últimos anos da década de 1920
e no catálogo de 1934 da Cultura Eimler-Basanta-Haase já estava disponível para compra (CULTURA..., 1934, p.
138).
166
alguns exemplares publicados pela A. Pichler's Witwe & Sohn, a maioria possui o logotipo da
Matinus Nijhoff impresso. Suspeito que as peças publicadas pela primeira editora da coleção
façam parte do estoque comprado pela segunda208.
Não foi possível encontrar os fios que ligam a Martinus Nijhoff às duas instituições educativas
brasileiras que fizeram uso da coleção de quadros parietais zoológicos de Paul Pfurtscheller. Se
houve representantes comerciais da Martinus Nijhoff no Brasil; se os educadores conheceram
a coleção ao receberem os catálogos da editora; se intelectuais brasileiros tomaram
conhecimento da coleção ao viajarem ao exterior em visita às exposições universais e às
instituições educativas, ou mesmo, ao participarem de conferências pedagógicas, isso precisa
ser melhor averiguado. Certo é que a coleção do professor Pfurtscheller – tão popular em países
europeus – chegou ao Brasil e foi usada em, pelos menos, duas instituições educativas do país.
A fusão da Cia. Melhoramentos de São Paulo com o Estabelecimento Gráfico Weiszflog Irmãos
ocorreu em dezembro de 1920. No entanto, Razzini (2007) considera o período de 1907 a 1920
como uma primeira fase da empresa, na qual a Weiszflog empreendeu esforços para consolidar-
se no mercado de livros e materiais didáticos. Antes da fusão, esta empresa já havia criado a
208
MARTINUS..., 1927.
As séries da Cia. Melhoramentos de São Paulo podem ser encontradas nos acervos: CRE Mario Covas – E.E.
209
Coleção Biblioteca Infantil, lançando várias obras didáticas e materiais de ensino, como
cadernos de caligrafia, mapas geográficos e duas coleções de quadros parietais, Mapas de
Parker para o ensino da aritmética nas escolas primárias e Quadros para o ensino de leitura,
linguagem e aritmética.
Nas páginas da frente há cenas coloridas de página inteira que retratam o cotidiano infantil:
crianças brincando com seus brinquedos, em ambientes da casa, no campo, na escola; animais
domésticos; animais de fazenda; vista de uma rua de uma grande cidade;
Figura 3.13
A série foi organizada pelos professores Arnaldo de Oliveira Barreto, Mariano de Oliveira e
Ramon Roca Dordal. Os três intelectuais diplomaram-se na Escola Normal de São Paulo nas
últimas décadas do século XIX e fizeram parte de
Ocuparam cargos como professores e na direção das escolas normais do estado de São Paulo,
estiveram envolvidos nas redações ou foram colaboradores de periódicos educacionais e
redigiram várias obras didáticas relacionadas ao ensino da leitura e da escrita. Estiveram entre
os principais divulgadores e responsáveis pela implementação do método analítico nas escolas
públicas paulistas, que ocorreu entre 1909 e 1910 na gestão de Oscar Thompson na Diretoria-
169
Geral da Instrução Pública 210 . Juntos redigiram, em 1914, o documento oficial intitulado
Instruções praticas para o ensino da leitura, pelo methodo analytico – modelo de lições, que
tinha como objetivo contribuir para a uniformização do modo como os professores do estado
ensinavam a leitura.
De acordo com o método analítico, o ensino da leitura deveria ser também intuitivo, partir do
conhecido para o desconhecido, daquilo que era passível de observação para a abstração, do
global para o particular, do simples para o complexo. Isto significou abandonar os tradicionais
métodos de fonação-soletração-silabação e adotar um método que chegava à sílaba e à letra a
partir de sentenças e palavras (DARRÓZ, SCHELBAUER, 2007). Por exemplo, “toma-se a
palavra (BOLO), analisam-se as sílabas (BO-LO), desenvolve-se a família silábica da primeira
sílaba que a compõe (BA-BE-BI-BO-BU) para finalmente chegar às letras” (MENDONÇA,
2003, p.37 apud DARRÓZ, SCHELBAUER, 2007, p. 79).
O ensino de leitura era feito, portanto, a partir de historietas baseadas na observação direta de
objetos ou de estampas. Desse modo, os alunos deveriam observar e compor sentenças
relacionadas umas às outras, de modo que o todo formasse uma pequena história descritiva
daquilo que foi visto. Conforme as lições avançavam, os alunos iam conhecendo as palavras,
as sílabas e por fim as letras.
A série de quadros parietais Quadros para o ensino de leitura, linguagem e aritmética foi
produzida certamente para auxiliar no ensino da leitura pelo método analítico. O uso dos mapas
permitia que todos os alunos observassem simultaneamente as estampas, ao contrário de
ficarem centrados em suas próprias cartilhas. Com os quadros, os alunos podiam olhar ao
mesmo tempo para o professor, para a imagem e para a lousa, onde eram escritas as sentenças
e palavras elaboradas. As estampas das séries eram também grandes e coloridas, o que,
210
Para conhecer mais sobre os três intelectuais, ver BERNARDES, 2015; PASQUIM, 2015; SOBRAL, 2007.
170
Esta série foi publicada pela editora Cia. Melhoramentos de São Paulo pela primeira vez em
1915 e circulou até 1955, teve nove edições e foram vendidos 47 mil exemplares211. A série
sofreu alterações ao longo dos anos de circulação, novos quadros foram acrescidos e algumas
alterações foram feitas nas imagens, como a troca de alguns personagens retratados ou
mudanças em suas roupas e penteados, provavelmente para adequar-se à moda do momento, já
que a série durou 40 anos e, certamente, houve mudanças na forma de se vestir das crianças ao
longo desse período.
O ilustrador da série foi Franta Richten, porém, como a série teve algumas de suas imagens
alteradas, é possível que outro desenhista tivesse trabalhado também na coleção, o que não foi
possível saber. Franz Richten era um artista tcheco que se radicou em São Paulo e aqui se tornou
Francisco Richten. O pintor ilustrou quase todos os volumes da Biblioteca Infantil e outras
séries de livros da Cia. Melhoramentos de São Paulo. Foi um dos principais ilustradores da
editora paulista na primeira metade do século XX.
O método analítico foi, portanto, a forma encontrada para ensinar a leitura e a escrita de modo
intuitivo. Ainda que tenha havido tensões em como de fato deveria ser aplicado212, este método
foi adotado e se consolidou ao longo da primeira metade do século XX. O Programa de Ensino
das escolas primárias do estado de São Paulo de 1925213, usado como base até o ano de 1949,
o entendia como o único capaz de seguir o desenvolvimento natural da inteligência infantil, por
isso, estava prescrito para o ensino nas escolas públicas primárias. Mesmo com as críticas que
começavam a serem feitas ao método intuitivo e o aparecimento das ideias defendidas pelos
escolanovistas, o método analítico continuou sendo utilizado da mesma forma. Por isso mesmo
211
RAZZINI, 2007. Na relação da produção editorial e produção didática de 1907 a 1940 da Cia. Melhoramentos
de São Paulo (Tabela 3) a autoria da série é somente de Arnaldo de Oliveira Barreto, já na capa da série encontrada
no acervo do CMEB-ISERJ estão indicados como autores o próprio Arnaldo de Oliveira Barreto e também
Mariano de Oliveira e Ramon Roca Dordal. Há ainda no site do CRE Mario Covas a informação de que houve
uma segunda série intitulada Cromo para linguagens e Composições Escolares, produzida por Jucy Neiva, também
publicada pela Melhoramentos, que também apresentava cenas do cotidiano infantil. No entanto, quando
comparadas as imagens, é possível perceber que as duas séries usam as mesmas ilustrações. Por isso, não sei se de
fato foi outra série ou se é uma das nove edições da série já citada. Para este trabalho considerei todas as ilustrações
como se pertencessem a uma mesma série que sofreu mudanças ao longo do tempo em que circulou.
212
Para conhecer as tensões em torno da aplicação do método analítico para o ensino da leitura ver DARRÓZ,
SCHELBAUER, 2007.
213
SÃO PAULO..., 1941.
171
A série Mapas para o ensino de aritmética também foi publicada pela Cia. Melhoramentos de
São Paulo e foi reorganizada por Manuel Bergström Lourenço Filho. Assim como Quadros
para o ensino de leitura, linguagem e aritmética, os mapas murais foram organizados num
bloco de flip chart preso por uma vara de madeira na borda superior. Podiam ser pendurados na
parede ou apoiados num cavalete e mostrados simultaneamente a todos os alunos da sala. No
caso desta série, as ilustrações eram todas em preto e branco.
Na realidade, esta série já era publicada pela editora paulista e antes dela pela Weiszflog Irmãos
& Cia. desde 1909. Se tratava da adaptação das Cartas de Parker no formato de quadros
parietais. O método, que foi desenvolvido pelo norte-americano Francis Wayland Parker (1837-
1902) para o ensino do cálculo aritmético no curso primário, procurava possibilitar que a
matemática também pudesse ser ensinada com base nos pressupostos do método intuitivo
(VALENTE, 2014).
Desde o final do século XIX esta metodologia para o ensino da aritmética ganhou adeptos entre
os educadores paulistas. Uma das primeiras iniciativas que impulsionou o uso deste método foi
a publicação das Cartas de Parker na sessão Pedagogia prática da Revista de Ensino/ São Paulo.
Os professores podiam adotá-lo por meio da cópia das ilustrações na lousa (VALENTE, 2014).
Já em 1904 as Cartas de Parker estavam entre os materiais didáticos indicados para o ensino da
aritmética nas escolas públicas paulistas. No entanto, foi somente a partir de 1909 que esse
método foi materializado no formato de quadro parietal e transformado em material didático
propriamente. A partir de então a Weiszflog Irmãos & Cia. e posteriormente Cia.
Melhoramentos de São Paulo fizeram diversas edições da série Mapas de Parker para o ensino
da aritmética nas escolas primárias, que circularam não somente pelas escolas paulistas, mas
de todo o Brasil (VALENTE, 2014).
172
Lourenço Filho, depois de ser convidado a assumir o lugar de Arnaldo de Oliveira Barreto na
direção da Coleção Biblioteca Infantil e associar-se à editora Melhoramentos, incumbiu-se, em
1927, da reorganização da Mapas de Parker. Em sua 12ª edição a série passou a chamar Mapas
para o ensino de aritmética e sofreu algumas alterações nos textos de orientação de uso dos
mapas para os professores e também reduziu o “(...) expediente de uso de coisas para
objetivação do ensino de Aritmética” (VALENTE, 2014, p. 72). Ainda que o uso das Cartas de
Parker começasse a ser criticado internacionalmente, a partir da década de 1930 no bojo da
rejeição ao método de ensino intuitivo, este material didático permaneceu em uso e muito
vendido no Brasil até a década de 1960 (VALENTE, 2014).
Além destas duas coleções, que estiveram presentes nos catálogos da Cia. Melhoramentos de
São Paulo desde o início até meados do século XX, pelos menos outras nove séries e dois
quadros parietais unitários foram publicados pela editora paulista até, pelo menos, a década de
1970: dois de história do Brasil, um de educação cívica, três de lições de coisas ou,
posteriormente, ciências naturais para o ensino primário, um de zoologia, um de anatomia
humana, um de higiene, um de geografia e um para o ensino sobre o sistema métrico.
O quadro Iniciação geográfica foi publicado pela primeira vez em 1921 e circulou até 1956
(RAZZINI, 2007), sendo que a edição encontrada na coleção da E.E. Caetano de Campos é de
1948. Não foi possível encontrar informações sobre os autores e ilustradores do mapa. O quadro
mede 0,75x1,20m, tem um tamanho mediano e pode ser visto à distância. É em cores, foi
173
impresso em papel grosso, está envernizado e há moldura de madeira nas bordas inferior e
superior.
O quadro era destinado ao ensino de geografia no ensino primário e traz duas representações
principais. Na primeira delas, que ocupa a parte superior do mapa, há oito quadrinhos, quatro
em cima e quatro embaixo. Os quadrinhos de cima mostram a representação da fachada de uma
escola, de um bairro, de uma cidade e de uma região. Nos quadrinhos imediatamente abaixo,
há plantas com escalas numéricas que fazem referência à imagem do quadrinho de cima. Com
esta representação, os alunos aprendiam a ler e elaborar plantas e mapas geográficos fazendo
uso de escalas. A sequência dos quadrinhos também pressupõe a lógica que deve seguir o ensino
de geografia, partir do conhecido para o desconhecido, por isso, o aluno primeiro aprende sobre
a escola, depois o bairro, a cidade e posteriormente sobre a região.
Figura 3.14
A segunda imagem consiste numa paisagem em que estão congregados vários acidentes
geográficos, partes que compõem uma cidade e várias intervenções humanas à paisagem. Estão
174
retratados, portanto, montanha, lago, lagoa, rio, baía, vulcão adormecido, istmo, gruta, praia,
arquipélago, serra, pico, planície, cemitério, subúrbio, alfândega, armazéns, estrada de
rodagem, túnel, ponte metálica, aterro, porto marítimo, forte etc. Certamente, uma
representação elaborada para tornar visível os conceitos ensinados em geografia, uma
representação ficcional, já que é praticamente impossível encontrar uma região, que de fato
abarque todos estes acidentes geográficos juntos. É a representação de um lugar que na
realidade não existe, ele foi inventado para servir aos propósitos do ensino deste conteúdo.
Curioso que o autor tenha escolhido colocar todos estes elementos juntos numa mesma
paisagem, ainda que não corresponda à realidade, ao invés de fazer várias ilustrações separadas
de cada um dos elementos que pretendia mostrar. Quer dizer, uma representação fiel à realidade
não é tão relevante, quanto transmitir aquilo que se quer por meio de uma imagem.
O quadro Sistema métrico encontrado no acervo não faz parte de uma série e são poucas as
informações conseguidas sobre a peça. Como o parietal Iniciação geográfica, este também foi
impresso em papel grosso, envernizado e moldura de madeira nas bordas inferior e superior.
Mede 1,25x0,70m e está na posição paisagem.
Diferentemente da maioria dos quadros parietais, este não faz uso de muitas ilustrações, há
imagens suficientes para chamar a atenção dos alunos, mas seu principal conteúdo é transmitido
por meio de esquemas com textos e números. O quadro apresenta esquemas para as unidades
de comprimento, de capacidade, de massa, de área e de volume; e representações da trena, do
metro, da correspondência entre o volume de um quilo e um litro de água e de um quadrante da
terra. O objetivo do quadro não foi o de construir o conhecimento a partir de sua observação,
dificilmente um aluno compreendia o que seria ou o que significaria um metro, por exemplo,
olhando para o parietal. O quadro pode ter servido para que os estudantes memorizassem as
unidades de medida ou as consultassem na realização de uma atividade.
Os quadros parietais sobre o sistema métrico eram bastante comuns desde o século XIX, a
Deyrolle mesmo, como já vimos, produziu uma série com este conteúdo. No caso da empresa
francesa, foram elaborados quatro mapas e cada um deles trazia uma unidade de medida
diferente. A Melhoramentos, no entanto, optou por colocar todas as informações juntas em
apenas um quadro.
175
A série Quadros para o ensino intuitivo foi publicada pela primeira vez na década de 1920214 e
editada e distribuída até que Quadros para o ensino intuitivo – Riquezas vegetais,
provavelmente produzida após 1948215 veio para substitui-la. Ambas foram organizadas por
Renato Sêneca Fleury e ilustradas por Ernesto Klasing.
Renato Sêneca Fleury foi um dos diplomados da Escola Normal de São Paulo, em 1912, ocupou
cargos na administração educacional, auxiliou na organização de instituições educativas e
produziu materiais didáticos para serem usados nas escolas brasileiras. No início de sua carreira
deu aulas em escolas rurais do interior de São Paulo e também em grupos escolares de Sorocaba,
sua cidade natal. Ao longo do tempo ocupou o cargo de diretor e ajudou na organização de
grupos escolares e ginásios do estado. Fleury publicou cerca de 60 obras: pedagógicas,
didáticas, literárias e de literatura infantil (MESSEMBERG, 2012). Foram 35 títulos editados
pela Biblioteca Infantil da Cia. Melhoramentos de São Paulo. O educador consta como um dos
principais colaboradores da coleção (RAZZINI, 2007). Um de seus primeiros trabalhos
publicados pela editora paulista foi juntamente a série Quadros para o ensino intuitivo.
Ernesto Klasing, o ilustrador da série, trabalhou na produção das imagens de muitos livros
publicados pela Cia. Melhoramentos de São Paulo (RAZZINI, 2007), inclusive em outras séries
de parietais. Poucas informações foram encontradas sobre o desenhista e pintor, o que se sabe
apenas é que participou ativamente na produção de livros didáticos na primeira metade do
século XX.
Os quadros que compunham a série, presentes no acerco do CRE Mario Covas – E.E. Caetano
de Campos, tinham 0,56x0,79m ou 0,54x0,70m, eram coloridos e impressos em
cromolitografia. Há dois exemplares da série na coleção. Um deles, o maior, tem as folhas
impressas coladas sobre papel cartão grosso, bordas pretas e ilhoses de ferro. O outro é menor,
pois o texto existente no rodapé do mapa foi cortado, por isso, tem 9 cm a menos de
comprimento. A folha impressa foi colada num papel cartão bem fino, não há bordas feitas e os
furos usados para amarrar uma corda para que pudesse ser pendurado, foram feitos à mão no
próprio papel. É possível que os exemplares sejam diferentes pela montagem dos quadros ter
214
Em reportagem sobre a série A fauna brasileira publicada pelo Correio Paulistano em 30 de agosto de 1928, é
mencionado que a Cia. Melhoramentos de São Paulo já havia editado a coleção Quadros para o ensino intuitivo
(CORREIO..., 1928).
215
Em alguns quadros da série Quadros para o Ensino Intuitivo - Coleção Riquezas Vegetais há a informação em
um mapa de que ele retrata as zonas produtoras em 1948, quer dizer, a série só pode ter sido editada depois disso.
176
sido feita na própria escola, por seus professores. A maioria das séries da Cia. Melhoramentos
de São Paulo eram vendidas na forma de blocos, com um espiral ou uma vareta de prensa unindo
as folhas pela borda superior. Não foi possível descobrir, entretanto, se a editora ofereceu, em
algum momento, a opção de compra dos quadros já montados.
Figura 3.15. A borracha. Série: Quadros para o ensino intuitivo. Publicado por Cia. Melhoramentos de São Paulo.
Acervo: CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos, São Paulo.
Figura 3.16. A seda. Série: Quadros para o ensino intuitivo. Publicado por Cia. Melhoramentos de São Paulo.
Acervo: CRE Mario Covas – E..E Caetano de Campos, São Paulo.
A série reunia 20 quadros parietais para o ensino intuitivo que abrangiam as riquezas vegetais,
animais e minerais. O olhar sobre estas riquezas nacionais estava sempre relacionado ao fato
de serem úteis ou nocivas ao ser humano. A série procurou explorar também os produtos
importantes da economia brasileira. Tanto as imagens, quanto o texto de rodapé que
acompanhavam o mapa, que certamente não podiam ser lidos pelos alunos à distância,
exploravam as principais características do vegetal, do animal ou do mineral; sua história; dados
sobre a sua produção, exportação e comercialização no Brasil e no mundo; e informações sobre
os seus principais usos.
177
Os quadros representavam as seguintes riquezas: café, algodão, cana, borracha, arroz, milho,
mate, cacau, coco, fumo, óleos vegetais, produtos tropicais, trigo, seda, insetos nocivos, amigos
da lavoura e madeiras de lei.
Por alguma razão, a série foi reduzida de 20 para oito quadros parietais e passou a ser chamada
de Quadros para o ensino intuitivo – Riquezas vegetais. A série passou a enfocar apenas as
riquezas vegetais: café, algodão, cana, borracha, arroz, milho, mate, cacau e madeiras de lei.
Dos oito quadros da nova série, dois permaneceram com as mesmas ilustrações e seis deles
ganharam imagens novas. Porém, o conteúdo explorado permaneceu o mesmo.
Figura 3.17
Uma terceira série ilustrada por Ernesto Klasing foi Quadros de riquezas animais, também
existente no acervo do CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos. Não foi possível,
entretanto, conhecer seu autor. A estética da imagem é bastante similar a Quadros para o ensino
intuitivo – Riquezas vegetais, mas não há texto no rodapé. Provavelmente foi vendida como um
bloco e os próprios professores montaram os quadros. Eles medem 0,56x0,79m, as folhas
178
impressas estão coladas sobre papel cartão grosso, com borda dourada e corda para pendurar,
também desta cor. A impressão é em cores e foi feita pela técnica da cromolitografia.
Figura 3.18
A série tem seis quadros que trazem representações das riquezas animais do Brasil: bovinos;
suínos; galinhas; marrecos e patos; ovinos; e equinos e asininos. As ilustrações exploram as
diferentes espécies, o modo de criação dos animais e como estes animais são usados pelo ser
humano. Em todas as três séries, os mundos vegetal, animal e mineral são vistos desde a
perspectiva de sua utilidade para o ser humano e para a economia do país.
Já a série A fauna brasileira, também destinada ao ensino de ciências naturais, apresenta uma
abordagem diferente, procura mostrar os animais por eles mesmos, a partir de suas
classificações científicas modernas. A série foi organizada por Conrado Guenther, zoólogo e
professor da Universidade de Friburgo, na Alemanha. O pesquisador passou alguns anos no
Brasil, provavelmente na década de 1920, contratado pelo governo de Pernambuco para estudar
as pragas agrícolas. No entanto, também viajou pelo país para observar sua flora e fauna, assim
179
É provável que a concepção da série, a ideia de como seriam feitos os quadros, de fato seja do
biólogo alemão, pois os mapas apresentam uma tradição pictórica comum em quadros parietais
alemães, como é o caso das séries Kleinvö, nutz - und singvögel, publicado no início do século
XX pela Friedrich Vieweg; e também da série de Hugo Tauber, Biologisch – geographische
Charakterbilder aus allen zonen, editado pela K. G. Lutz.
A coleção tem 20 quadros que foram produzidos ao longo de alguns anos, o primeiro mapa da
série a ser publicado foi o de número um, em 1926; o último, o de número 18, em 1940217
(RAZZINI, 2007). Mesmo que não estivesse completa, desde a década de 1920, os quadros já
estavam à venda. No acervo da E.E. Caetano de Campos, há 74 exemplares. Todos eles tem
1,32x0,85m, estão na orientação de paisagem, são coloridos e tem moldura de madeira nas
bordas superior e inferior. Algumas peças têm a folha impressa colada sobre uma tela, outras
não. Alguns mapas têm uma demão de verniz sobre a impressão e outros não. Isso mostra que
ocorreram várias levas de compras destes quadros pela escola. A série circulou certamente até,
pelo menos, a década de 1950.
216
Em inglês: A naturalist in Brazil. The flora and fauna and the people of Brazil (GUENTHER, 1931).
217
A publicação não ocorreu de acordo com a sequência numérica da própria série, o quadro de nº 18 foi publicado,
por exemplo, depois do quadro de nº 20.
180
Figura 3.19
Figura 3.19. Insectos I. Série: A fauna brasileira. Publicado por Cia. Melhoramentos de
São Paulo. Acervo: CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos, São Paulo.
Como os quadros foram sendo produzidos e publicados aos poucos, tiveram três ilustradores
diferentes. Um deles foi Franta Richter, que, como dito anteriormente, foi um grande
colaborador da Melhoramentos e ilustrou diversos livros didáticos e também outras séries de
parietais. Paulo Sandig, executor dos quadros de nº 16, 17 e 18, era desenhista contratado do
Museu Nacional na década de 1920 e também foi o ilustrador dos mapas murais de
antropologia, organizados por Roquette-Pinto, da série Quadros elementares de História
Natural organizados pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro. Os quadros 19 e 20 foram
ilustrados por Walter Dittrich, outro importante colaborador da editora paulista.
Nos quadros de nº 16, 17 e 18 há a informação de que a série foi organizada por Conrado
Guenther, mas que estas três peças foram “concebidas” por Paulo F. Schirch. Não foi possível
descobrir se os demais quadros também foram concebidos por outras pessoas ou se isto somente
ocorreu neste caso. Schirch fazia parte da equipe da Seção de Assistência ao Ensino – SAE do
Museu Nacional do Rio de Janeiro, fundada por Roquette-Pinto em 1927.
envolvidos justamente, com o suporte e a disponibilização de material escolar para o ensino das
ciências naturais. Ao levar isso em consideração, é possível inferir que se tratou de uma
iniciativa da própria Melhoramentos, que foi, provavelmente, quem administrou a produção
destes quadros e as diversas pessoas que trabalharam para a sua concretização.
Outra série destinada ao ensino de ciências produzida pela editora foi Quadros para o ensino
de Anatomia. Ainda que pareça se tratar de uma série, somente foi encontrado um exemplar, o
mapa de número um, O esqueleto humano. Há poucas informações sobre esta série, não foi
possível identificar seu autor e ilustrador. O quadro encontrado no acervo foi publicado em
1952. A peça mede 0,57x1,52m, é em cores, foi impressa em papel grosso e tem varetas de
madeira nas bordas superior e inferior. O mapa traz uma representação de um esqueleto humano
visto de frente e ao lado desta imagem principal há a ilustração de uma vértebra e do corte
longitudinal do cotovelo.
A Cia. Melhoramentos de São Paulo produziu duas séries de parietais dedicadas à higiene da
alimentação: Vida higiênica: Nossa alimentação, de Pedro Deodato de Morais; e Alimentação
– Quadros para uso na escola, organizada por Hélion Povoa e Dante Costa. A segunda pode
ser encontrada no acervo da E.E. Caetano de Campos.
A série, como maioria publicada pela Melhoramentos, vinha organizada num bloco que tinha
as folhas presas na borda superior por duas varetas que faziam pressão. As varetas haviam sido
retiradas, o que significa que provavelmente os quadros foram usados separadamente, de acordo
com o interesse do professor. Os mapas mediam 0,57x0,78m, eram um pouco menores que a
maioria dos parietais. Eram em cores e foram impressos em folhas grossas.
Figura 3.20. Alimentos de combustão. Série: Alimentação – Quadros para uso na escola. Publicado por Cia.
Melhoramentos de São Paulo. Acervo: CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos, São Paulo.
Figura 3.21: A hora da refeição. Série: Alimentação – Quadros para uso na escola. Publicado por Cia.
Melhoramentos de São Paulo. Acervo: CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos, São Paulo.
A série foi elaborada por Hélion Povoa e Dante Costa, ambos trabalharam no Serviço de
Alimentação da Previdência Social do Ministério do Trabalho e no Serviço de Nutrição da
Policlínica Geral do Rio de Janeiro e estiveram, portanto, envolvidos com iniciativas
relacionadas a questão da alimentação e nutrição no país.
O debate sobre a alimentação como uma questão de saúde pública ganhou força no mundo
especialmente, depois da primeira Guerra Mundial. No Brasil, este tema começou a ser
discutido no âmbito acadêmico nos anos de 1930. Uma série de trabalhos, dentro do campo da
medicina, começaram a investigar as relações existentes entre a precário regime de alimentação
no Brasil e as endemias, doenças e problemas físicos e sociais do país. Trabalhos começaram a
ser desenvolvidos no sentido de pensar a alimentação desde uma perspectiva científica, uma
alimentação racional; e, ao mesmo tempo, inciativas foram tomadas com o objetivo de educar
a população a respeito da importância da alimentação saudável (BEZERRA, 2012).
183
Neste contexto, cartilhas que orientavam à boa alimentação e nos cuidados com a nutrição
foram desenvolvidas e, também, instituições foram fundadas com o objetivo de promover
políticas que visassem a melhoria da situação nutricional brasileira, como foi o caso do Serviço
de Alimentação da Previdência Social do Ministério do Trabalho, criado em 1940, com o
objetivo de adotar medidas que auxiliassem na melhora da alimentação especificamente das
classes trabalhadoras (EVANGELISTA, 2008). Instituição da qual Hélion Povoa foi diretor e
na qual Dante Costa trabalhou.
Para o ensino de História do Brasil, a Cia. Melhoramentos de São Paulo editou duas séries,
ambas encontradas no acervo do CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos. A respeito de
uma delas não foi encontrada nenhuma informação relativa ao seu título, quem foi seu autor ou
ilustrador. Foi provavelmente publicada no início da década de 1930. Os quadros são em cores,
medem 0,47x0,59m, estão colados em papel cartão grosso, as bordas foram forradas com papel
preto e há 2 ilhoses de ferro na borda superior, onde pode ser amarrada uma corda para pendurar
o quadro na parede.
A série conta com 26 quadros organizados na sequência cronológica da história do Brasil, desde
a chegada dos portugueses até o governo de Washington Luiz (1926-1930). Cada quadro aborda
um tema canônico da história do país, como a chegada dos portugueses, os jesuítas no Brasil, a
invasão holandesa, as bandeiras, a independência, a guerra do Paraguai, a abolição da
escravatura, a proclamação da República etc.
A segunda série que aborda este conteúdo é Quadros de história pátria para o curso primário.
Foi organizada por Haddock Lobo Filho, professor da Escola Normal do Brás e do Colégio
Dante Alighieri e autor de várias obras didáticas para o ensino de história e história do Brasil,
184
algumas inclusive editadas pela Melhoramentos. O ilustrador oficial da série foi Ernesto
Klasing, porém algumas imagens também são assinadas por Fernando Dias da Silva.
Figura 3.22. Capitanias e governos-gerais. Série: Quadros de história pátria para o curso primário. Publicado por
Cia. Melhoramentos de São Paulo. Acervo: CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos, São Paulo.
Figura 3.23. A economia nacional. Série: Quadros de história pátria para o curso primário. Publicado por Cia.
Melhoramentos de São Paulo. Acervo: CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos, São Paulo.
A série tem 20 quadros coloridos que medem 0,56x0,79m cada um. As folhas impressas estão
coladas sobre papel cartão grosso, com molduras douradas e dois furos feitos à mão na borda
superior, onde foi amarrada uma corda fina, também dourada. Assim como a série anterior, os
quadros trazem representações sobre os períodos em que é comumente dividia a história do
Brasil. Estão organizados de modo a contar a história do Brasil de modo cronológico. Também
inicia com a chegada dos portugueses e termina com os governos republicanos. Nesta série,
entretanto, há também 4 mapas que extrapolam a história cronológica para ressaltar a evolução
literária, artística, do transporte e das ciências conquistadas pelo país; assim como um que trata
da economia nacional.
185
Além destas duas séries destinados ao ensino de história do Brasil, há o Panteão nacional, que
pode ter sido usado nas aulas desta disciplina, mas também de educação moral e cívica ou
mesmo nas de linguagem. A série conta com cerca de 50 quadros pequenos, com 0,35x0,50m,
que correspondem a retratos dos brasileiros ilustres, quase todos homens. A série começou a
ser publicada na década de 1930 e os quadros seguiram sendo produzidos até a década de 1960.
Assim como A fauna Brasileira, os quadros não foram confeccionados todos juntos, mas ao
longo de muitos anos.
O ilustrador dos quadros foi o desenhista, pintor, escultor e cenógrafo José Lanzellotti. O artista
ficou conhecido por suas obras nas quais retratou os costumes e tradições das diferentes regiões
brasileiras e dos indígenas. Também ilustrou livros didáticos e de literatura infantil.
A análise das séries editadas pela Cia. Melhoramentos de São Paulo revelou que a editora
preocupou-se com a publicação deste material didático na primeira metade do século XX, tanto
que produziu 11 séries e dois quadros parietais unitários, além de tentar abranger uma grande
quantidade de conteúdos escolares, como matemática, leitura e escrita, história do Brasil,
educação moral e cívica, higiene, geográfica, lição de coisas e ciências naturais. Era,
possivelmente, um material bastante procurado pelas escolas, especialmente primárias, do
contrário os esforços para a sua produção não teriam acontecido.
No acervo da E.E. Caetano de Campos foram encontrados exemplares de duas séries de quadros
parietais editadas e publicadas pela Revista do Ensino do Rio Grande do Sul219. O periódico
educativo, que voltou a circular em 1951 depois de nove anos de interrupção em sua publicação,
a partir da iniciativa das professoras primárias Maria de Louredes Gastal, Gilda Garcia Bastos
e Abigail Teixeira, tinha como objetivo oferecer orientações didáticas que pudessem ajudar os
professores primários na prática diária de suas atividades, “divulgando diretrizes técnico-
pedagógicas, material didático e legislação relativa ao ensino” (BASTOS, 2004).
Dentre os materiais elaborados pela revista para dar suporte ao professores primários e pré-
primários estavam os quadros parietais. Os mapas vinham como um encarte da sessão “O
Suplemento do mês”, que trazia também orientações para o aproveitamento do material
didático. A sessão não mantinha uma continuidade, havia números em que era publicada e
outros em que não. Em alguns momentos, os quadros foram vendidos separados da revista
(BASTOS, 2004).
Entre 1951 e 1956 foram publicadas 3 séries: série de história, série de linguagem e série
zoológica. Apenas a primeira pôde ser encontrada no acervo da E.E. Caetano de Campos. De
acordo com Bastos (2004), os quadros mediam 0,44x0,37m, entretanto, os mapas da série
histórica encontrados eram maiores, tinham 0,56x0,79m. Eram coloridos e assim como outras
séries da instituição, foram colados sobre papel cartão grosso, tinham bordas douradas e foram
218
As séries da Revista do Ensino do Rio Grande do Sul podem ser encontradas no acervo CRE Mario Covas –
E.E. Caetano de Campos.
219
A revista tinha o apoio institucional da Secretaria de Educação e Cultura do Rio Grande do Sul e a partir de
1956 se tornou uma publicação oficial do Centro de Pesquisas e Orientações Educacionais – CPOE/RS. Durante
os 26 anos de sua circulação a revista publicou 170 números, teve tiragem inicial de 5000 exemplares, chegando
a atingir na década de 1960, 50000 (BASTOS, 2004).
187
fixados ilhoses nos quais uma corda também dourada foi pendurada. Isto é, os professores
montaram quadros mais resistentes para que pudessem ser de fato pendurados nas paredes.
Figura 3.24
Figura 3.25
A série histórica contava com 22 mapas parietais que abordavam os temas da história do Brasil,
assim como as séries de história da Cia. Melhoramentos de São Paulo, de forma cronológica.
Há dois tipos de imagens diferentes na série, até o quadro seis e do quadro sete ao 22, que serão
analisadas no capítulo 4. As ilustrações foram feitas por Jorge Ticey e Glenda Cruz.
No acervo da E.E. Caetano de Campos há 27 exemplares, sendo que alguns deles são repetidos.
Os quadros desta nova série são diferentes material e graficamente da série histórica. Estão
impressos em papel grosso, por isso não são colados em papel cartão, apresentam molduras de
ferro de pressão nas bordas superior e inferior. São coloridos, envernizados e um pouco
maiores, com 0,91x0,61m.
De acordo com Bastos (2004), havia na revista uma equipe permanente para a produção dos
suplementos didáticos, para o planejamento; orientação e layout; e desenhos. No caso dos
mapas confeccionados pelo periódico havia o emprego do ilustrador e também de um
profissional responsável pela organização dos conteúdos (textos, gráficos e imagens) no plano
do quadro.
Entre os profissionais responsáveis pelo planejamento dos quadros estão: Maria Aparecida
Grendene, Ercila T. Ambros, Paulina Vissoky, Flávia Maria Rosa, Valmíria Piccinini, Ester
Malamut, Cláudia Strauss, Gilda Garci, Liba Juta Knijnik, Iria Lucí M. Poças, Ester Grossi,
Nilda C. Athaide, Miguel Bombin, Maria Cecília Rockett, Maria da Graça Bulhões e Esther
Pillar Grossi.
A orientação e layout da maioria das peças foi feita por Magdalena Lutzemberger. Nos últimos
quadros Elsy Pires Ferreira, Loudes C. de Oliveira, Maria Luiza Ricciardi e Eleonora A. Vianna
ficaram responsáveis por esta tarefa.
189
Os ilustradores dos quadros da série foram: Carl Ernst Zeuner, Elsy Pires Ferreira, Julio Costa
e Nilza Grau Haertel. A série fez uso também de fotografias, tiradas por Vitor Haertel, Antonio
Macedo, Dimitri Lambu e José A. Silva. Algumas fotos foram cedidas pela Empresa Brasileira
de Turismo – EMBRATUR.
3.5. Série Quadros elementares de História Natural organizados pelo Museu Nacional do
Rio de Janeiro220
Dentre as atribuições do Museu Nacional como casa de ensino e pesquisa responsável pela
divulgação das Ciências Naturais, estava a organização de mapas murais. A confecção desse
material didático atendeu a uma demanda, de 1891, quando o então ministro de Estado dos
Negócios e da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, Benjamin Constant, solicitou ao diretor
do Museu Nacional que preparasse pequenas coleções de história natural para o ensino
elementar com o fim de serem distribuídas nas escolas (SILY, 2008).
A partir da Reforma Benjamin Constant de 1890, o Museus Nacional passou a fazer parte do
Conselho Diretor da Instrução Primária e Secundária do Distrito Federal, numa clara tentativa
de vincular o museu à educação. Em 1892, a instituição se firmava definitivamente como uma
"casa de ensino e pesquisa (...), desenvolvendo atividades e práticas educativas em diferentes
áreas do conhecimento, relacionadas à História Natural" (SILY, 2008, p. 5). No entanto, durante
as duas primeiras décadas do século XX, as atividades do museu ficaram restritas à "pesquisa,
organização e divulgação de seu acervo" (SILY, 2008, p. 5).
A partir de 1916, tornou-se uma das finalidades do museu "estudar, ensinar e divulgar a história
natural" (SILY, 2008, apud PETRY, SILVA, 2013, p. 86). Para tanto, a instituição desenvolveu
uma série de medidas para a divulgação da história natural, conforme afirma o diretor Bruno
Álvares da Silva Lobo:
220
A série Quadros elementares de História Natural organizados pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro pode ser
encontrada nos acervos: CMEB-ISERJ e Memorial do Colégio São Luís.
190
E a respeito das coleções didáticas e dos quadros parietais ainda afirma que:
(...) Com o auxílio das colleções didácticas e dos mappas muraes será possível
ensinar a História Natural, nos diversos estabelecimentos de ensino,
documentando o professor a prelecção com os elementos do solo, flora e fauna
do Brasil. Demais, representa um dos meios de melhor tornar conhecido o
nosso paiz aos que se iniciam na vida prática (RELATÓRIO DO MUSEU
NACIONAL, 1919, p. 51, apud SILY, 2008, p. 8-9).
Os quadros parietais serviriam, segundo o diretor, não somente para ensinar a história natural
de modo prático, como também para fazer com que os alunos conhecessem as riquezas naturais
do Brasil. Entre 1919 e 1922, o Museu Nacional elaborou 14 quadros, entre os quais dois de
antropologia, a respeito da ordem dos primatas; sete de zoologia, três sobre aves, dois sobre
mamíferos, um sobre répteis e batráquios e um sobre peixes; dois de geologia, um sobre rochas
eruptivas e um sobre rochas sedimentares; e três de botânica, um sobre classificação das plantas,
um sobre morfologia externa e interna da folha e um sobre caule e raiz (SILY, 2012).
A coleção foi confeccionada pelas equipes de especialistas, dentre eles professores, auxiliares
e desenhistas-calígrafos das seções do Museu Nacional 221 , a partir da orientação de seus
diretores. Os quadros da seção de Antropologia e Etnografia (Arqueologia) foram organizados
por Roquette-Pinto; da seção de Zoologia por Hermilio Bourguy Macedo de Mendonça; da de
Botânica por Julio César Diogo; e da seção de Mineralogia, Geologia e Paleontologia por
Alberto Betim Paes Leme (SILY, 2012).
Entre os ilustradores das peças de zoologia estão Mercêdes de Andrade Braga, Antonio Leal e
Santos Lahera y Castilho. Os quadros de botânica foram desenhados por Guilherme Santos e,
também, por Santos Lahera y Castilho. Paulo Sandig ilustrou os mapas de antropologia e A.
Martins, de Geologia. É possível perceber que havia, portanto, no Brasil, um grupo de artistas
que se dedicava especificamente à ilustração científica, trabalhando junto a cientistas e em
instituições dedicadas à produção científica no país (SILY, 2012).
221
No momento da produção dos quadros parietais as seções do Museu Nacional estavam organizadas em: 1ª seção
– Mineralogia, Geologia e Paleontologia; 2ª seção – Botânica; 3ª seção – Zoologia; 4ª seção – Antropologia e
Etnografia (Arqueologia) (KEULLER, 2008).
191
Figura 3.26. Ordem dos primatas. Série: Quadros elementares de História Natural organizados pelo Museu
Nacional do Rio de Janeiro. Publicado por Museu de História Natural do Rio de Janeiro. Acervo: Memorial do
Colégio São Luís, São Paulo; CMEB-ISERJ, Rio de Janeiro.
Figura 3.27. Classificação das plantas. Série: Quadros elementares de História Natural organizados pelo Museu
Nacional do Rio de Janeiro. Publicado por Museu de História Natural do Rio de Janeiro. Acervo: Memorial do
Colégio São Luís, São Paulo; CMEB-ISERJ, Rio de Janeiro.
Segundo Sily (2012) a série foi distribuída entre 1920 e 1942 em escolas públicas e privadas,
religiosas e laicas, do Distrito Federal, do estado do Rio de Janeiro e de Minas Gerais.
Entretanto, no decorrer dessa pesquisa também foram encontrados exemplares na cidade de São
Paulo, especificamente no Colégio São Luís, o que indica que a série pode ter chegado a outros
estados também.
físicas e naturais no que diz respeito ao conteúdo científico propriamente dito, tanto que foram
adquiridas ao longo de, pelo menos, meio século. No entanto, deixavam a desejar no que diz
respeito a um ensino que possibilitasse aos alunos conhecer e valorizar as riquezas naturais da
pátria. Assim, em determinado momento, parietais que contemplassem a realidade natural do
país se tornaram necessárias e, em decorrência disso, surgiram esforços nesse sentido, tanto no
âmbito público como privado.
Assim como Quadros elementares de História Natural organizados pelo Museu Nacional do
Rio de Janeiro, as séries produzidas em países estrangeiros também foram organizadas por
cientistas em parceria com artistas dedicados à ilustração científica. É o caso do naturalista
Hermann Zippel e do ilustrador e litógrafo Carl Bollmann, que juntos elaboraram, entre 1879 e
1899, três séries de quadros parietais de botânica na Alemanha, que tinham como foco a
divulgação de plantas cultivadas fora do país. Duas destas séries podem ser encontradas no
acervo do CMEB-ISERJ, Ausländische Kulturpflanzen in farbigen Wandtafeln e Plantas de
cultivo extranjeras, publicada pela editora alemã Friedrich Vieweg & Sohn. Uma delas teve
textos na língua original, alemão, e a outra foi traduzida para o espanhol.
Os quadros foram feitos, segundo Hermann Zippel, na tentativa de suprir a carência da escola
alemã que não tinha material para estudar as plantas consumidas no país que eram cultivadas
no exterior 224 . Possivelmente, as séries de botânica existentes até então contemplavam
principalmente as plantas nativas. Os mapas trouxeram representações de espécimes vegetais
de países do Oriente e da América, como café, chá chinês, tabaco, louro, canela de Ceilão,
pimenta negra, pimenta da Jamaica, gengibre, noz moscada, cravo da índia, baunilha, tâmara,
banana, figueira, batata, algodão, milho, arroz, cacau, cana de açúcar, coco, borracha, guta-
percha, mogno, bambu, entre outras.
222
Traduzido para o português seria Culturas estrangeiras em quadros parietais coloridos.
223
As séries Ausländische Kulturpflanzen in farbigen Wandtafeln e Plantas de cultivo extranjera somente podem
ser encontradas no acervo do CMEB-ISERJ.
224
FRIEDRICH..., 1880.
193
As ilustrações foram feitas a partir da observação de espécimes naturais e, quando isso não foi
possível, recorreram à representações já realizadas de algumas dessas plantas. Ao que parece,
usaram como principal fonte o acervo do Jardim Botânico de Leipzig e contaram com a ajuda
de botânicos da instituição para a confecção das estampas225.
Figura 3.28. Gewürznelkenbaum. Série: Ausländische Kulturpflanzen in farbigen Wandtafeln; Plantas de cultivo
extranjeras. Publicado por Friedrich Vieweg & Sohn. Acervo: CMEB-ISERJ, Rio de Janeiro.
Figura 3.29. Café. Série: Plantas de cultivo extranjeras. Publicado por Friedrich Vieweg & Sohn. Acervo: CMEB-
ISERJ, Rio de Janeiro.
Os quadros eram destinados a todos os níveis de ensino de acordo com o manual de uso da série
Ausländische Kulturpflanzen in farbigen Wandtafeln. O foco das ilustrações recaia sobre a
morfologia e anatomia vegetal, externa e interna. O quadro congregava várias imagens juntas,
havia sempre uma que retratava a vista exterior da planta inteira com todas as suas estruturas;
as outras podiam variar, mas geralmente mostravam em tamanhos aumentados, detalhes
externos e internos das partes que compõem o vegetal, como das folhas, do fruto, da flor, da
225
Ibid.
194
raiz etc. O interior da planta era sempre mostrado a partir de cortes transversais ou longitudinais
nas estruturas, de modo que os detalhes ocultos pudessem ficar à vista.
São quadros que foram usados tanto no ensino primário, como no secundário, pois os
professores podiam optar por fazer uma abordagem mais profunda das imagens, retirando das
ilustrações informações sobre a distinção das características gerais dos grupos de plantas e suas
classificações, o funcionamento de suas estruturas, aspectos sobre o ciclo de vida e reprodução
etc.; mas também podiam usar a imagem de um modo mais superficial, apenas levando os
alunos ao reconhecimento exterior de determinadas plantas, ensinando os nomes das principais
partes e mesmo trabalhando a relação entre o tipo de planta e o local no mundo onde eram
cultivadas. O manual de uso já mencionado procura dar explicações sobre as imagens, de modo
que todos estes aspectos estivessem contemplados.
3.7. Séries Tablas de Engleder para la enseñanza de ciencias naturales. Botánica e Tablas
de Engleder. Zoologia, editadas pela J. F. Schreiber226
Duas outras séries alemãs que compõem a coleção do CMEB-ISERJ foram publicadas pela J.
F. Schreiber, editora bastante popular na Alemanha no final do século XIX justamente pela
publicação de quadros parietais para o ensino. As séries encontradas no acervo foram
originalmente editadas por Franz Engleder e contemplaram temas de botânica e zoologia.
Esta série abordava a morfologia e anatomia vegetal, as plantas selecionadas foram aquelas
úteis aos seres humanos. São 73 quadros com representações de vegetais como martagão,
trovisco, azinheira, batata, tabaco da Virginia, lúpulo; feijão da Espanha, beladona; sabugueiro,
226
As séries Tablas de Engleder para la enseñanza de ciencias naturales. Botánica e Tablas de Engleder. Zoologia
somente podem ser encontradas no acervo do CMEB-ISERJ.
195
maça, valeriana, tilo, bordo, nenúfar, rosa silvestre, violeta, linho, morango, ranúnculo,
groselha, chicória, trigo, aveia, orquídea salpicada, avelã, maçã, cânhamo, cereja comum,
rabanete, videira, amapola, beterraba, cicuta, milho, café, chá, algodoeiro, primavera, trigo
sarraceno, tulipa, moranga, malva-branca, alfafa, framboesa, castanha da índia, boletos,
cogumelos, samambaia, cana de açúcar, gerânio, coqueiro.
Figura 3.30
É interessante perceber que, ainda que tenham existido séries de botânica que abrangessem
diferentes áreas da disciplina, como histologia vegetal, geobotânica, fisiologia, por exemplo, as
quatro instituições estudadas focaram suas aquisições em mapas murais de morfologia e
anatomia vegetal. Nos acervos da E.E. Caetano de Campos e do CMEB-ISERJ só foram
encontradas séries que contemplavam este conteúdo.
A série Tablas de Engleder. Zoologia também teve duas edições, como a série de botânica. A
primeira delas foi elaborada por Franz Engleder e publicada nos últimos anos do século XIX,
já a segunda teve a colaboração de G. Wasdorff e datava dos primeiros anos do século XX. A
segunda edição teve as imagens de alguns dos quadros da série refeitas e é a que foi encontrada
196
no acervo do CMEB-ISERJ227. Também circulou por diferentes países europeus e foi importada
ao Brasil pela Casa Borlido - Moreira Barbosa e Cia.
A série, em sua primeira edição, continha 48 quadros. Na coleção estudada puderam ser
encontrados somente seis exemplares, que retratavam uma raposa e uma cabeça de lobo; um
tigre e uma tigresa; uma vaca; um leão e uma leoa; um gorila; e um galo, uma galinha e alguns
pintinhos. As imagens representavam, na maioria das vezes, o animal inteiro e com elementos
que pudessem caracterizar o seu habitat natural ou alguma especificidade marcante da espécie,
como por exemplo uma galinha ciscando ou uma raposa caçando um pato. Alguns quadros
também traziam ilustrações menores do esqueleto ou de alguns ossos do animal.
Figura 3.31
Três séries de zoologia que compõem o acervo são Leutemann's Zoölogical Wall Charts/
Steiger's Zoölogical Wall Charts, Leutemann's Animal Kingdom e Natural History Charts,
publicadas pela editora norte-americana E. Steiger & Co. As duas primeiras, como já foi
227
VERZAMELING in Beeld.
228
As séries editadas pela E. Steiger & Co. somente podem ser encontradas no acervo do CMEB-ISERJ.
197
As séries de Leutemann foram comercializadas pela primeira vez no final da década de 1870,
mas seguiram circulando por décadas. O número de quadros da série foi aumentando ao longo
das décadas, o que significa que novos quadros foram sendo produzidos. Por volta de 1912 a
série foi revista e algumas ilustrações dos quadros originais foram substituídas. Os novos
quadros foram feitos por outros ilustradores, que não somente os responsáveis pelas ilustrações
dos primeiros publicados, Wilhelm Kuhnert, Alfred Purtscher, Anton Hoffman e Rudolf
Schramm.
As imagens das duas séries de Leutemann apresentaram características bastante similares entre
si. Ambas foram indicadas às lições de coisas e ao ensino da História Natural no Jardim da
Infância e primário. No catálogo da E. Steiger & Co. de 1900, as duas séries foram, inclusive,
apresentadas juntas.
As duas séries seguintes (...) são, desde o ponto de vista do ensino como do
naturalista e artístico, de incomparável excelência. O animal é sempre
representado na sua pose mais característica e, quando o tamanho do quadro
permitir, no seu tamanho real. O fundo fornece inúmeros objetos para
discussão. Ele mostra o habitat natural do animal, seu modo de vida etc. No
quadro do ganso, por exemplo, nós encontramos parte de uma vila
representada, com o pássaro em casa tanto em terra seca quanto na água,
buscando seu alimento no lago como tomando da mão de uma criança. Outros
quadros também, como o do cavalo, o dromedário e o da rena, mostram como
estes animais são feitos para servir o homem. Feras são representadas na sua
habitação natural, o leão e a leoa no deserto, o tigre na floresta, sempre de jeito
mais fiel à natureza. (E. STEIGER, 1900, p. 69)
destinada ao ensino de lições de coisas e a segunda para as aulas de história natural, no entanto,
as representações eram tão parecidas que acabaram por ser usadas, ambas, à transmissão dos
dois conteúdos indistintamente. No acervo do CMEB-ISERJ os quadros se misturam e há uma
mesma numeração, à lápis, na borda, para as duas séries.
Figura 3.32
Figura 3.32. Indian elephant. Série: Leutemann’s Zoological Wall Charts. Quadro:
Publicado por E. Steiger & Co. Acervo: CMEB-ISERJ, Rio de Janeiro.
Os quadros tinham ilustrações de animais como cachorro, gato, ganso, lebre, cavalo, vaca,
cabra, ovelha, corvo, galinha, cegonha, ganso, cobra, sapo, carpa, borboleta, aranha, lagosta,
burro, cisne, veado, chimpanzé, leão africano, tigre, lobo, raposa, urso polar, urso, lontra,
elefante indiano, bisonte, dromedário, girafa, canguru, coelho, castor, toupeira, esquilo,
hamster, baleia, foca, morcego, águia, condor, coruja, pica-pau, pomba, pavão, avestruz,
pelicano, pato, tartaruga do mar, crocodilo, lagarto, salmão, abelha, bicho-da-seda, libélula,
escorpião, aranha, formiga, besouro, ostra, água viva, anêmona do mar e coral.
A série Natural History Wall Chart também trazia ilustrações de animais com estas mesmas
características, mas tratavam também de mostrar em detalhes vistas externas de partes do corpo
do animal, seu esqueleto ou um conjunto de ossos (do crânio, pata etc.). Normalmente a imagem
que aparecia juntamente com a representação de corpo inteiro do animal enfocava uma
característica relevante da espécie, marca esta, que a inseria em determinado grupo de animais.
199
Por seu tratamento científico foi, portanto, uma série destinada ao ensino secundário. Não foi
possível identificar seu autor e ilustrador, apenas que foi editada pela E. Steiger & Co também
no final do século XIX e início do XX.
Figura 3.33
229
A Série ecossistemas brasileiros somente pode ser encontrada no Acervo do Memorial do Colégio São Luís.
200
A série foi elaborada por Sérgio Almeida Rodrigues, biólogo e professor do Instituto de
Biociências da Universidade de São Paulo, uma das instituições responsáveis, como já foi dito,
pela organização e publicação do material.
Figura 3.34
Dentre as séries encontradas somente no acervo do Colégio São Luís estão as produzidas em
Portugal pela Livraria Simões Lopes de Domingos Barreira/ Editorial Domingos Barreira, que
editou a Quadros de botânica e a de anatomia/ fisiologia humana denominada O corpo humano.
A primeira delas foi elaborada por Manuel Cabral de Rezende Pinto, botânico e professor da
Faculdade de Ciência da Universidade do Porto; e revisada pelo médico e biólogo Américo
230
As séries portuguesas editadas pela Livraria Simões Lopes de Domingos Barreira/ Editorial Domingos Barreira
e Livraria Escola Progredidor somente podem ser encontradas no acervo do Memorial do Colégio São Luís.
201
Pires de Lima, que foi professor e diretor da Faculdade de Farmácia e da Faculdade de Ciências,
ambas na Universidade do Porto. A série foi publicada entre 1939 e 1940 e enfocava a fisiologia
vegetal de algas, fungos, líquens e plantas, como samambaia, pinheiro e lírio. Diferentemente
de todas as outras séries de botânicas encontradas nos quatro acervos pesquisados, que
abordavam sempre a morfologia e anatomia das plantas, esta privilegiava a fisiologia.
Esteticamente era, também, uma série diferente, as ilustrações não eram em cores, o fundo preto
e os desenhos feitos com a cor branca. Os quadros mediam 0,55x0,75m, a folha impressa foi
colada sobre tecido e passada uma demão de verniz e as bordas superior e inferior possuíam
uma moldura de madeira. O fundo preto e o verniz prejudicaram razoavelmente a visibilidade
das imagens, dependendo do ponto de vista e da incidência da luz, o quadro produzia um reflexo
e impedia que parte do seu conteúdo fosse visto.
Figura 3.35
A outra série produzida por esta editora foi destinada ao ensino de anatomia/ fisiologia humana.
Os quadros foram elaborados por Júlio Guilherme Bethencourt Ferreira e Justino Pinto de
Oliveira, este último foi também o ilustrador dos parietais. Bethencourt Ferreira era médico e
naturalista, integrou o grupo de profissionais da sessão de zoologia do Museu Nacional de
202
É possível perceber, a partir desta análise, que os principais colaboradores dos quadros
científicos da Livraria Simões Lopes de Domingos Barreira/ Editorial Domingos Barreira eram
professores ou pesquisadores da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Neste caso,
também, os profissionais envolvidos na produção dos quadros parietais de ciências eram ligados
ao espaço de pesquisa e produção de conhecimento científico, agora, entretanto, as faculdades
das universidades começavam a aparecer como um destes lugares de saber.
A série contava com oito quadros, que mediam 0,90x1,15/ 1,30231. As folhas impressas também
estavam coladas em tecido e possuíam moldura de madeira nas bordas superior e inferior. Os
mapas eram coloridos e o seu fundo branco, não preto como a série anterior. Alguns exemplares
tinham uma demão de verniz e outros não. Os quadros traziam representações de: órgãos do
tórax e do abdômen, aparelho circulatório, esqueleto, órgãos urinários, órgãos dos sentidos
(aparelho visual, aparelho auditivo e aparelhos olfativo, gustativo e do tato) e sistema nervoso
central.
231
Há mais de um exemplar da série, há quadros que medem 0,90x1,15m e outros com 0,90x0,30m.
203
Figura 3.36
Dois outros quadros existentes no Memorial do Colégio São Luís também foram produzidos
por uma editora portuguesa, a Livraria Escola Progredidor: Esqueleto humano e Corpo humano.
Ambos os quadros eram unitários, que não pertenciam a série nenhuma. Mediam 0,56x079m,
eram coloridos, colados sobre tecido e tinham moldura de madeira nas bordas superior e
inferior. Foram revisados por Mario de Castro, médico formado pela Universidade de Coimbra.
Não havia a preocupação de informar quem era o autor do quadro, mas sim que houve um
profissional da medicina que revisou e atestou que as ilustrações representavam a realidade.
Isto apontava para uma mudança em relação às séries já analisadas: se antes havia um
pesquisador ou professor especialista em determinado conteúdo que elaborava os quadros, neste
momento este profissional não era mais necessário para garantir a qualidade científica do
trabalho. O quadro podia ser elaborado pela própria editora ou alguém que não fosse
especialista no conteúdo, desde que houvesse um profissional que revisasse e confirmasse sua
qualidade.
O quadro Esqueleto humano traz a representação do esqueleto nas suas vistas anterior e
posterior. O quadro O corpo humano aborda a anatomia/ fisiologia humana, mas reúne num
204
único espaço toda a informação que quer passar sobre o corpo humano. Está dividido em vários
retângulos, nos quais podiam ser encontradas ilustrações pequenas dos órgãos, aparelhos e
sistemas, esqueleto, músculos e partes do corpo humano. O que em outras publicações era
distribuído em vários quadros de uma série, agora estava congregado num único mapa. Os
quadros foram produzidos pela Livraria Escola Progredidos, impressos pela Lito-Maia-Porto,
em Portugal, e seu representante no Brasil era Casa Especializada em Mapas de Biagio B.
Gagliardo.
É bastante curioso que num determinado momento a Casa Especializada em Mapas de Biagio
B. Gagliardo passou a publicar ela mesma um quadro denominado O corpo humano. Não se
tratava do mesmo quadro, pois a editora brasileira figurava como sua produtora, porém, a
organização do quadro era igual, as ilustrações foram refeitas, mas idênticas as do quadro da
editora portuguesa. Foi praticamente uma cópia. Quer dizer, é possível que em determinado
momento, a Biagio B. Gagliardo tenha decidido fazer ela mesma o quadro e não ser apenas a
importadora e revendedora do quadro português. Isso pode ter acontecido, pois a Livraria
Escolar Progredido deixou de produzir o material ou mesmo porque a Biagio B. Gagliardo
queria lucrar mais com a venda do produto. A revisão do quadro foi feita pelo professor de
ciências J. M. Manzoni.
Figura 3.37
Figura 3.37. O corpo humano. Publicado por Livraria Escolar Progredidor. Acervo:
Memorial do Colégio São Luís, São Paulo.
205
Figura 3.38
Estes parietais confirmaram também uma mudança no padrão da representação das imagens
parietais de anatomia/ fisiologia humanas por volta da metade do século XX, já percebida na
análise do acervo da E.E. Caetano de Campos, quando as ilustrações do corpo humano foram
congregadas em apenas um quadro ao invés de estarem distribuídas em toda uma série de
mapas.
Capítulo 4
Quadros parietais de ciências naturais e história do Brasil: conteúdo, função pedagógica
e linguagem visual
A análise dos quadros parietais neste capítulo abriu mão da classificação das coleções por
instituição educativa e considerou o total de artefatos presentes nas quatro escolas. Portanto, a
análise foi feita sobre o conjunto total de 1.136 quadros parietais, 55 séries e 19 quadros
isolados. Neste momento interessou menos pensar os quadros por instituição que pelos
conteúdos ou os significados que lhes foram atribuídos.
Por isso, como dito na Introdução, foi feita uma análise preocupada com a identificação dos
conteúdos e suas formas de representação ao longo do tempo, buscando estabelecer relação com
as finalidades da disciplina escolar, seus programas e métodos de ensino e, conjuntamente, uma
análise interessada nos significados que podem ter sido atribuídos a estas imagens parietais.
Um primeiro olhar sobre o total dos quadros parietais que faz parte da pesquisa mostrou que as
imagens utilizadas nas peças das diversas disciplinas escolares, sua organização no espaço do
quadro, os elementos que lançavam mão e, também, sua função pedagógica no contexto de
ensino e aprendizagem eram bastante diferentes entre si. Foi possível perceber, da mesma
forma, que a linguagem visual era diferente nos quadros de cada disciplina escolar. Isso não
podia ser ignorado e a análise precisava levar em consideração as especificidades de cada uma
destas imagens na relação com suas disciplinas de referência.
As disciplinas escolares não são transposições didáticas das ciências de referência, mas se
constituíram dentro da escola. Seus conteúdos e métodos foram selecionados, desenvolvidos e
se transformaram ao longo do tempo no interior da própria escola com o objetivo de alcançar
determinadas finalidades sociais para a instrução e a educação (CHERVEL, 1990).
Ainda que os quadros parietais tenham sido apropriados para uso nas mais diversas disciplinas
que compõem o currículo, principalmente do ensino primário, sua função e formas de uso não
foram as mesmas. Isso está relacionado justamente com o fato de as disciplinas escolares terem
histórias, finalidades, conteúdos e metodologias diferentes entre si. Cada uma delas se
desenvolveu no interior da própria escola, a partir de influências externas e internas, com o
objetivo de transmitir determinados conteúdos, de determinados modos específicos, em função
das finalidades educativas as quais a escola se propõe. Nesse sentido, cada disciplina escolar,
melhor dito, os sujeitos históricos envolvidos no seu desenvolvimento selecionaram seus
próprios conteúdos e definiram os melhores métodos de ensiná-los de modo que suas
finalidades pudessem ser atingidas.
Por isso, ainda que os quadros parietais tenham adentrado nas escolas a partir da implementação
do método intuitivo e das disciplinas científicas no currículo, isso não significa que tiveram as
mesmas funções, que empregavam os mesmos tipos de imagens, mesmas linguagens visuais e
que foram usados da mesma forma no ensino das diferentes disciplinas, como veremos adiante.
Tratou-se de um material didático amplamente utilizado nas diferentes disciplinas escolares da
escola, mas que foi adaptado para o uso em cada uma delas, apresentando imagens com gêneros
e funções pedagógicas distintas.
No conjunto dos quadros parietais foram encontrados vários gêneros de imagens, ainda que
todas pedagógicas: científica, esquema, cenas do cotidiano, cenas históricas, cenas bíblicas,
acidentes geográficos, retrato, paisagem, exploração vegetal, exploração animal, exploração
mineral, indústria, tecnologia, atividades manuais e números.
As imagens esquema foram usadas nos quadros parietais que trazem gráficos, tabelas, linhas
do tempo, mapas históricos etc., formas simplificadas de apresentação de determinados
conteúdos. As imagens esquema aparecem nos parietais destinados ao ensino de vários
conteúdos, como química, matemática, ciências naturais, história do Brasil e geografia.
Os demais gêneros falam por si mesmos, os nomes foram colocados levando em consideração
exatamente aquilo que estava representado na imagem parietal. Cada um destes gêneros, ou
mais que um, é privilegiado em uma determinada disciplina escolar. Os quadros com
representações de cenas do cotidiano podem ser encontrados nas séries destinadas ao ensino de
história do Brasil, de língua portuguesa, de educação moral e cívica ou de religião; as cenas
históricas e retratos são exclusivas dos mapas murais de história do Brasil e de educação moral
e cívica; as cenas bíblicas compõem os quadros de religião; o gênero de imagens de acidentes
geográficos são encontrados nos quadros de geografia; os quadros com números foram usados
no ensino da matemática; os de trabalhos manuais na disciplina escolar que recebe este mesmo
nome; e os quadros com representações que mostram como se dava a exploração humana dos
mundos vegetal, animal e mineral, a indústria e a tecnologia fazem parte das séries de
introdução aos estudos de ciências físicas e naturais ou lições de coisas.
A análise geral dos quadros parietais ainda apontou a existência de imagens que assumem
diferentes funções pedagógicas no contexto de ensino e aprendizagem, elas podem ter um
propósito decorativo, ilustrativo, explicativo ou procedimental, de identificação/ comparação e
operativo.
Ilustrativa: Utilizada para ilustrar um texto, uma ideia ou uma teoria, isto é, a imagem
não era exatamente necessária.
Operativa: Usada com o principal objetivo de amparar e dar base a outras atividades,
como o desenvolvimento da linguagem ou a produção de um texto por exemplo.
Como pode ser visto no gráfico abaixo, a maioria das imagens parietais analisadas pertencente
às quatros instituições de ensino pesquisadas, tem a função pedagógica explicativa/
procedimental e de identificação e comparação. As imagens com estas funções foram
encontradas nos quadros para o ensino de ciências, higiene, educação moral e cívica, trabalhos
manuais, religião e alguns quadros de história do Brasil e geografia.
Gráfico 4.1
Porcentagem das séries e quadros parietais totais pesquisados de acordo com sua função
pedagógica
100
90 83,8
78,4
80
70
60
50
40
30
20 12,2 10,8
10 4,1
0
Decorativa Explicativa/ Identificação/ Ilustrativa Operativa
Procedimental Comparação
Fonte: Coleção de quadros parietais do CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos; CMEB-
ISERJ; Memorial do Colégio São Luís; e Colégio Marista Glória.
Segundo Ferdinand Buisson, em seu dicionário pedagógico 232 , as ciências naturais eram
divididas em três ramos principais, a zoologia; a botânica; e a geologia e mineralogia. É
justamente a partir desta divisão que são elaboradas as séries de quadros parietais. Algumas são
de quadros de história natural, as quais congregam mapas destes três ramos; outras, no entanto,
contemplam apenas quadros de alguma destas áreas, há séries específicas de botânica e de
zoologia, por exemplo.
Foi possível perceber que no final do século XIX e início do XX, os quadros de anatomia/
fisiologia integravam as séries de zoologia. No programa de ensino da escola primária do estado
de São Paulo de 1894233, por exemplo, os estudos de anatomia e fisiologia do corpo humano
estavam inserido no conteúdo de zoologia. No entanto, com o tempo, os quadros parietais que
traziam representações do corpo humano deixaram de integrar as séries zoológicas para ganhar
séries próprias.
Os programas de ensino da escola primária paulista da primeira metade do século XX234 reúnem
todos os ramos das ciências naturais e físico-químicas numa mesma disciplina. Incluem ainda,
232
BUISSON, 1911.
233
SÃO PAULO..., 1894.
234
SÃO PAULO..., 1894; SÃO PAULO..., 1905; SÃO PAULO..., 1918; SÃO PAULO..., 1821; SÃO PAULO...,
1841.
211
Ainda que os quadros parietais de história natural – que são os que abundam nos acervos das
quatros instituições de ensino estudadas, lembrando que há apenas uma série e um quadro
unitário de química em todo o conjunto de parietais estudados – compreendam ilustrações
científicas e apresentem semelhanças entre si, as imagens parietais de zoologia, botânica,
geologia e mineralogia e anatomia/ fisiologia humana exibem linguagens visuais próprias,
distintas entre si. Por isso, os quadros de cada um destes ramos das ciências naturais foram
analisados separadamente.
Nesta parte serão analisados os quadros parietais usados no ensino de ciências físicas e naturais
para o primário, especificamente as imagens parietais que exploram os gêneros: exploração
vegetal, exploração animal, exploração mineral e indústria. Todos os quadros que lançam um
olhar sobre o mundo natural desde a sua utilidade e prejuízo ao ser humano.
235
Tomei como base os programas de ensino do Colégio Pedro II, já que se tratava da instituição de ensino
secundário modelo, a partir da qual as demais escolas secundárias do país buscavam equiparação e, portanto,
adotavam currículos semelhantes (VECHIA, LORENZ, 1998).
212
Há nos quatro acervos estudados sete séries com imagens parietais deste gênero. São as séries
Musée scolaire pour leçons de choses, Museu escolar brasileiro e Museu escolar industrial,
produzida pela Maison Deyrolle entre o final do século XIX e primeira metade do século XX;
Quadros para o ensino intuitivo, Quadros para o ensino intuitivo – Riquezas vegetais e
Quadros de riquezas animais, editadas pela Cia. Melhoramento de São Paulo entre as décadas
de 1920 e 1960; e a de ciências para o ensino primário, sem título encontrado, publicada pela
Éditions Rossignol na França na década de 1950.
No que diz respeito aos quadros parietais, as lições de coisas e o conteúdo introdutório de
ciências físicas e naturais se confundiam. O conteúdo e a metodologia de ensino das ciências
físicas e naturais no ensino primário correspondiam justamente, àquilo que era proposto pelas
lições de coisas. Como dito anteriormente, as coisas das lições de coisas compreendiam os
estados físicos da matéria e os seres vivos dos reinos animal, vegetal e mineral, especialmente
na forma como se relacionavam com os seres humanos, por meio de sua produção, de sua
utilização ou de como lhes podiam ser nocivos (MUNAKATA, 2012).
Por isso, mesmo que não tenha havido um acordo em torno do fato das lições de coisas serem
uma disciplina ou um método de ensino, foi por meio dela, que tinha um conteúdo e
metodologia de ensino bastante específicos, que as noções introdutórias de ciências físicas e
naturais adentraram nas escolas primárias. Por vezes, este conteúdo e metodologia eram
chamados de lições de coisas, como é o caso do programa de ensino da escola primária do
Distrito Federal de 1891236 e da escola primária paulista de 1925237 e até mesmo a série de
quadros parietais Musée scolaire pour leçons de choses da francesa Deyrolle; outras, de ciências
236
REVISTA PEDAGÓGICA, tomo 1, n. 6, 1891, p. 386.
237
SÃO PAULO..., 1925.
213
físicas e naturais, como aparece nos programas de ensino da escola pública paulista de 1905,
1918 e 1921238.
O método intuitivo propõe que o ensino deve partir sempre da contemplação das coisas pelos
sentidos em direção às nomenclaturas e conceitos. Estas coisas devem ter também relação com
a realidade do aluno para que seja despertada a curiosidade e provocar o seu interesse. Assim,
por meio da observação e da experimentação, o aluno pode construir o seu próprio
conhecimento ao invés de obtê-lo por meio da leitura de livros ou da palavra do professor. É,
portanto, compreensível que as coisas das lições de coisas sejam sempre de fácil
reconhecimento dos alunos e que façam parte de sua realidade cotidiana. O que é, no entanto,
curioso, é a adoção da perspectiva utilitárias destas coisas no ensino.
O mundo natural sempre foi passível de observação pelos seres humanos. Antes do período
moderno existiram várias formas de classificação dos vegetais, animais e minerais, muitas delas
pautadas na relação com os seres humanos. As plantas, por exemplo, eram classificadas a partir
de seus usos, principalmente medicinal. Os animais eram ordenados por sua estrutura
anatômica, habitat e modo de reprodução, mas também por seu valor alimentício, medicinal e
de símbolos morais. Foram classificados de acordo com seu relacionamento com o ser humano
em três categorias: em comestíveis e não-comestíveis; ferozes e mansos; úteis e inúteis
(THOMAS, 1988).
Desde o início do período moderno, entretanto, houve uma mudança significativa na forma de
classificar o mundo natural, feita mais com base em suas características estruturais intrínsecas
e menos na sua utilidade ou relação com o ser humano (THOMAS, 1988).
238
SÃO PAULO..., 1905; SÃO PAULO..., 1918; SÃO PAULO..., 1921.
214
Os seres do mundo natural passaram, portanto, a ser estudados por si próprios e não mais a
partir de um viés antropocêntrico. A natureza a partir do século XIX começou a ser vista de
outra maneira, como objeto de estudo das ciências naturais, enquanto que o antigo modo de
perceber o mundo natural era atribuído à ignorância popular. Houve, então, uma ruptura entre
as visões popular e erudita sobre o mundo natural (THOMAS, 1988).
Por um lado, atende aos pressupostos do ensino intuitivo de aproximar o conteúdo estudado da
realidade do aluno, sendo, assim, mais interessante; por outro, entretanto, indica que o ensino
de ciências tem outras finalidades que não apenas a de formação intelectual dos alunos, a de
que a ciência tem um caráter utilitário mesmo, ela serve não só para conhecer o mundo e seu
funcionamento, mas para possibilitar que o ser humano atue sobre ele, remetendo à relação
entre conhecimento científico e desenvolvimento tecnológico e industrial em prol do progresso
da nação. Uma terceira inferência ainda pode ser feita: o mundo natural e o humano estão
separados, sendo que o primeiro está subjugado ao segundo.
Os quadros parietais encontrados nos acervos estudados destinados ao ensino de ciências físicas
e naturais no ensino primário ou às lições de coisas apresentam características comuns e
também diferentes entre si. A partir da análise realizada foi possível perceber que a maioria
destas imagens parietais tem conteúdos distintos, mas sua função é semelhante. A principal
característica que compartilham é justamente, a abordagem utilitária dos seres do mundo
natural.
Como é possível observar nas imagens abaixo, os parietais das três coleções editadas pela
Maison Deyrolle, já mencionadas, que abordam a exploração vegetal e animal apresentam esta
215
mesma linguagem visual. Trazem uma representação da vista exterior da planta ou do animal,
podendo destacar também os detalhes externos do ser vivo, tais como folhas, flores, frutos etc.,
no caso das plantas; pelos, pele, ossos etc., nos animais. Geralmente os animais também são
mostrados em seus habitats naturais, em suas poses características e realizando atividades
comuns entre os membros de sua espécie. Juntamente a esta ilustração principal, pode ser vista
uma amostra in natura do produto que tal planta ou animal gera para o consumo humano. Esta
amostra pode estar ao alcance da mão ou armazenadas em pequenos recipientes de vidro fixados
no quadro.
Figura 4.1. Plantas alimentícias. Série: Museu escolar industrial. Publicado por Les Fils d’Émile Deyrolle. Acervo:
CMEB-ISERJ, Rio de Janeiro.
Figura 4.2. Pellos têxtis – Dos ruminantes. Série: Museu escolar industrial. Publicado por Les Fils d’Émile
Deyrolle. Acervo: CMEB-ISERJ, Rio de Janeiro.
O detalhe escolhido para ser evidenciado na ilustração está sempre relacionado ao produto que
o ser vivo gera. Portanto, como podemos ver na imagem do craveiro da índia do quadro “Plantas
alimenticias”, há uma pequena ilustração ao lado da imagem principal que mostra exatamente
o botão floral que vai se tornar o cravo da índia.
Estas imagens parietais levam o aluno a conhecer o ser vivo, algumas de suas características
morfológicas, qual a sua origem, em que região do mundo é mais comum, em que habitat vive,
216
etc., assim como o produto que gera e como ele pode ser útil ao ser humano. A ideia é ir
apresentando as plantas e os animais e suas classificações científicas a partir daquilo que é
familiar, como os produtos gerados e que possivelmente sejam consumidos pelos alunos em
seu cotidiano, como alimentos, bebidas e tecidos, por exemplo.
Outro tipo de imagem parietal abordado nas séries da Deyrolle para o ensino primário são
aquelas que procuram mostrar como uma matéria-prima é transformada em produto a partir de
determinada tecnologia. São as imagens do gênero denominado indústria. No acervo da E.E.
Caetano de Campos há seis quadros desse gênero, que abordam a produção do gás de
iluminação, do zinco, do vidro, da porcelana, da cerâmica e do papel.
Estas imagens parietais buscam explicar por meio de ilustrações e textos o processo de
transformação da matéria-prima em produto. Interessa mostrar todo o processo, o passo a passo,
até a confecção do produto final. Há a preocupação de dar nome aos processos físicos e
químicos utilizados. O foco principal das imagens, no entanto, são as máquinas e tecnologias
usadas na produção, como é o seu aspecto exterior e interior, quais são e como funcionam suas
partes.
217
Figura 4.3. O papel. Série: Museu escolar industrial. Publicado por Les Fils d’Émile Deyrolle. Acervo: CRE Mario
Covas – E.E. Caetano de Campos.
Figura 4.4. O zinco. Série: Museu escolar industrial. Publicado por Les Fils d’Émile Deyrolle. Acervo: CRE Mario
Covas – E.E. Caetano de Campos.
É a imagem das máquinas e fornos que aparecem em destaque, são sempre grandes em relação
aos demais elementos e, na maioria dos casos, ocupam o centro do quadro. Há também a
preocupação em mostrar operários atuando sobre elas. Tanto os textos como as ilustrações
evidenciam que o funcionamento das máquinas e fornos depende do trabalho do operário, é ele
quem alimenta o fogo nas caldeiras, é ele quem recolhe o zinco líquido quando pronto, é ele
quem coloca os trapos junto com a cal e a soda na barreleira, isto é, o operário é quem garante
que os equipamentos funcionem e possam transformar a matéria-prima em produto final. No
entanto, as máquinas e fornos são os protagonistas, enquanto que os operários são seus
auxiliares no processo.
dos quadros parietais do gênero indústria, os processos de transformação de uma coisa em outra
são tão importantes quanto a relação entre elas.
No caso específico dos quadros parietais para o ensino intuitivo produzidos no Brasil, a partir
da década de 1920, as escolhas de seus conteúdos não recaíram sobre a produção industrial, ao
contrário, abordavam em sua maioria a produção agrícola e mineira, ou como os próprios
elaboradores denominaram; as riquezas vegetais, animais e minerais do Brasil. Não, que não
houvesse desenvolvimento industrial no país, mas era indispensável dar a conhecer os produtos
mais importantes para o desenvolvimento passado e presente da economia brasileira, provindos
basicamente do campo e das minas.
A produção deste tipo de material didático estava em consonância com as ideias da Escola Nova
que estavam circulando no país desde a década de 1920. O desenvolvimento do país passava,
portanto, pela compreensão da realidade social, política e econômica nacional pelos alunos
formados nas escolas brasileiras. As séries brasileiras sobre as riquezas naturais responderam
prontamente a esta finalidade. Renato Sêneca Fleury, autor de duas delas; e a Cia.
Melhoramentos de São Paulo, lançaram mão deste tipo de recurso didático, já muito utilizado
desde a segunda metade do século XIX, para atingir estes novos propósitos da escola brasileira.
219
Figura 4.5. A canna. Série: Quadros para o ensino intuitivo. Publicado por Cia. Melhoramentos de São Paulo.
Acervo: CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos, São Paulo.
Figura 4.6. Pedras preciosas. Série: Quadros para o ensino intuitivo. Publicado por Cia. Melhoramentos de São
Paulo. Acervo: CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos, São Paulo.
O foco era dar a conhecer as riquezas naturais do país: café, borracha, arroz, milho, mate, cacau,
coco, fumo, óleos vegetais, produtos tropicais, trigo, seda, madeira de lei, ferro, manganês,
pedras preciosas e ouro. Na maioria dos mapas, a imagem em destaque é a da própria planta ou
animal. Os mapas da série Quadros para o ensino intuitivo reúnem um grande número e
variedade de imagens, que estão dispostas como ilustração de fundo e em boxes retangulares
ou redondos distribuídos pelo espaço. As imagens são múltiplas e carregam diferentes sentidos.
No rodapé há um texto relativamente grande, com letras pequenas que certamente não são vistas
à distância, que aborda a mesma temática das imagens. É uma explicação textual do que pode
ser visto, mas oferece maiores detalhes sobre alguns aspectos, como a origem de tal planta no
mundo, principais países exportadores, produtos básicos feitos a partir de determinada matéria-
prima etc.
A maioria das imagens destes parietais procura expor o ser vivo como ele é no seu aspecto
natural exterior; como ele é cultivado, como é sua plantação, sua extração ou sua exploração;
220
quais máquinas e tecnologias são utilizadas para transformar a matéria-prima em produto final;
que outros produtos são feitos a partir dele e como são usados pelos seres humanos; e um mapa
do Brasil no qual são mostradas as principais regiões produtoras. Por exemplo, no caso da cana-
de-açúcar, o quadro traz ilustrações da própria planta da cana, de um canavial, de uma usina,
de um engenho à tração animal, de máquinas como moendas e usadas na preparação do açúcar,
de açúcar refinado, cristal e mascavo, de um vidro de álcool e de um mapa das zonas produtoras
de cana de açúcar.
Outros quadros exploram, também, a partir de suas ilustrações, ainda que isso não seja evidente
em todos os mapas da série, o lugar onde determinado produto é comercializado, se se trata de
um produto para exportação ou para consumo nacional. No quadro sobre o café e o ouro, por
exemplo, há uma ilustração de um navio em um porto, mostrando que são produtos destinados
à exportação; e no mapa mural da borracha, há uma imagem de uma feira deste produto em
uma vila no Amazonas, um dos centros comerciais típicos da borracha então.
Conhecer as riquezas do país é, portanto, saber sobre as propriedades naturais do próprio ser
vivo, pelo menos saber reconhecer seu aspecto exterior; como é o seu cultivo; regiões onde são
cultivados; onde e como são transformados em produto finais; quais outros produtos podem
gerar; e como são usados pelo homem. Quer dizer, significa conhecer a riqueza natural em todos
os seus aspectos, natural, econômico, social e cultural.
A maior parte dos trabalhadores retratados no trabalho do campo, na indústria, nas minas e na
extração vegetal é de homens. Eles aparecem fazendo os trabalhos braçais pesados e perigosos,
221
como carregar peso, colher trigo, extrair ouro e pedras preciosas em minas subterrâneas ou a
céu aberto e nas máquinas das indústrias metalúrgicas. São também os homens que sempre
aparecem dirigindo tratores e outras máquinas agrícolas. Os trabalhos realizados pelas mulheres
resumem-se às atividades domésticas, como cozinhar e dar de comer aos animais; na indústria
têxtil, seja no cuidado do bicho-da-seda, nas fábricas de produção de tecido ou mesmo como
costureiras; na lapidação de pedras preciosas; e também no campo, especialmente nas colheitas
de café e algodão. Há, portanto, diferenciações claras nos tipos de trabalho realizados pelos
diferentes gêneros. Se naturalizava a partir das imagens parietais profissões masculinas e
profissões femininas. Às mulheres estão sempre associados os trabalhos domésticos ou mais
delicados.
Figura 4.7
Figura 4.7. O fumo (detalhe do quadro). Série: Quadros para o ensino intuitivo. Publicado por Cia. Melhoramentos
de São Paulo. Acervo: CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos, São Paulo.
A diferenciação de classe também pode ser percebida no quadro dedicado ao fumo. Nele há
duas imagens, uma ao lado da outra, que mostram o tipo de fumo que os homens de cada classe
social fumam. O homem com vestes simples, provavelmente trabalhador do campo, descalço,
agachado num chão de terra e em frente à parede descascada, é visto cortando o seu fumo de
corda para poder fumar. Na imagem ao lado, um burguês, vestido de fraque, sentado numa
poltrona numa sala elegante, iluminada, com quadros nas paredes e tapete, fuma o seu charuto
e tem feições de contemplação. Nestas imagens fica claro que há o homem simples e o burguês,
que eles frequentam lugares diferentes, que se vestem de forma diferente, que tem ocupações
distintas e que, também, tem hábitos de fumo diferentes.
222
A série Quadros para o ensino intuitivo – Riquezas vegetais é uma adaptação da série acima
analisada, contém apenas os mapas que exploram as riquezas vegetais do país. Há menos
exemplares, somente oito em vez de 20. O motivo desta redução não foi identificado, talvez
tenha relação com o alto custo para compra, talvez seja apenas uma nova cara para um mesmo
material didático, que já havia circulado por pelo menos 20 anos. Houve alterações na ilustração
da maioria dos quadros. Não há mais uma imagem de fundo e boxes com diferentes formatos
distribuídos pelo espaço, os quadros foram organizados em boxes retangulares dispostos em
grade. Essa nova organização das imagens nos quadros certamente, facilitou a sua leitura. Havia
a partir de então, uma ordem um tanto mais clara para a observação das ilustrações, de cima
para baixo, da esquerda para a direita. No que diz respeito aos conteúdos abordados e aquilo
que o aluno deveria conhecer sobre as riquezas naturais, não houve nenhuma mudança.
223
Figura 4.8. O café. Séries: Quadros para o ensino intuitivo. Publicado por Cia. Melhoramentos de São Paulo.
Acervo: CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos, São Paulo.
Figura 4.9. O café. Séries: Quadros para o ensino intuitivo – Riquezas vegetais. Publicado por Cia. Melhoramentos
de São Paulo. Acervo: CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos, São Paulo.
O foco das imagens recai, desse modo, nas diferentes espécies de um mesmo grupo de animais
e onde e como são criados. A representação de cada espécie serve para que os alunos possam
observá-las, compará-las entre si e identificá-las. Assim ficam conhecendo espécies, grupos de
animais e as respectivas nomenclaturas. Há a preocupação também de mostrar machos, fêmeas
e filhotes. Da mesma forma, observam onde e como cada um desses grupos de animais são
criados. Há uma representação um tanto idílica destes criadouros, sempre muito limpos, muito
espaçoso e sempre com vastas áreas verdes nas quais os animais estão circulando de certa forma
livres. Nesta série, a habilidade de comparação também é requerida aos alunos. Conhecer as
riquezas animais é também compará-las para poder reconhecer cada grupo de animal e espécie.
Figura 4.10. Bovinos. Série: Quadros de riquezas animais. Publicada por Cia. Melhoramentos de São Paulo.
Acervo: CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos, São Paulo.
Figura 4.11. Ovinos. Série: Quadros de riquezas animais. Publicada por Cia. Melhoramentos de São Paulo. Acervo:
CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos, São Paulo.
Se os quadros da Deyrolle para o ensino das lições de coisas tinham uma perspectiva mais
universal, já que foram comercializados para diversos países diferentes e, portanto, precisavam
adequar-se às mais diferentes realidades culturais, sociais, políticas e econômicas, os quadros
produzidos aqui no Brasil focaram nas particularidades do próprio país. Todas as séries para
225
este ensino, entretanto, buscavam olhar para o mundo natural a partir da mesma perspectiva, na
sua relação com os seres humanos. A observação de todas estas imagens levava os alunos a
relacionar matéria-prima e produto final, compreender processos de produção e os introduzir
no estudo das ciências físicas e naturais.
A série de ciências publicada na década de 1950 pela Éditions Rossignol também aborda o
mundo natural numa perspectiva utilitária, porém, se compradas com as séries acima analisadas,
as imagens apresentam linguagem visual diferente e o conteúdo é enfocado de maneira distinta,
introduzem também conceitos de física e química em vez de restringir-se apenas ao conteúdo
das ciências naturais, como ocorreu nas séries já mencionadas.
Figura 4.12
Figura 4.12. O mel e a cêra. Série: sem título. Publicada por Éditions Rossignol.
Acervo: Colégio Marista Glória, São Paulo.
Os quadros são maiores, com ilustrações maiores e legendas grandes o suficiente para serem
vistas à distância. Quer dizer, ver a imagem passa a englobar também o que a legenda diz sobre
ela. Se nas séries anteriores, a observação recaía somente na imagem e possivelmente na
explicação dos professores sobre as mesmas; nestes quadros, observar significa ver a imagem
e ler a legenda que a explica. Há, portanto, uma mudança na forma de ver as imagens na escola.
226
Além disso, as ilustrações são menos realistas que as presentes nos quadros Deyrolle e mesmo
da Cia. Melhoramentos de São Paulo. Por realista, entendo uma imagem que faz o possível por
representar a coisa, seja um objeto, uma planta, um animal, um ser humano etc., da maneira
mais fiel à realidade possível, que, para tanto, vale-se de técnicas de desenho e pintura que
fazem uso da perspectiva, de cores, texturas, luz e sombra. É curioso que os quadros da Éditions
Rossignol sempre apresentam pelo menos, uma ilustração bastante realista, enquanto as demais
são mais simples, usam menos texturas, as luzes e sombras são bem chapadas e há o emprego
de menos matizes de cores e degradés. É como se tivesse havido uma simplificação nas
ilustrações e que elas não precisassem mais ser realizadas por artistas, desenhistas ou pintores
profissionais. Como se pudesse, a partir de então, ficar evidente que a imagem se tratava apenas
de um desenho ou pintura da coisa e não houvesse a pretensão de que a imagem fosse a coisa
mesma.
Diferentemente das séries anteriormente analisadas, a maioria das imagens parietais desta série
tem como principal foco os produtos finais e não os seres que provêm do mundo natural. Há
uma inversão nesta série, parte-se do produto para chegar de onde foi retirado: do mel se chega
à abelha; do chocolate ao cacau; do açúcar à beterraba e à cana-de-açúcar; do sal às salinas; da
madeira à árvore; da gasolina ao petróleo; do giz às rochas calcárias. Isso é evidente não
somente pelo título dos quadros como também pelo foco principal das imagens. Nos quadros
da Deyrolle, por exemplo, há um equilíbrio nas imagens de vegetais, animais e minerais e os
produto deles extraídos. Há alguns mapas, ainda, que tratam especificamente de um produto e
não fazem referência de onde na natureza ele é retirado, como é o caso do chumbo, do plástico,
do nylon e do couro. O foco da maioria destes parietais é o que é produzido pelos seres humanos
para os seres humanos a partir de variadas matérias-primas. Nos quadros da Deyrolle, por
exemplo, conhecer os produtos finais era importante, mas também, uma forma de introduzir um
tema que fizesse parte da realidade do aluno, para então partir para aquilo que era desconhecido,
o próprio mundo natural. Nos quadros da Éditions Rossignol, conhecer o próprio produto é o
mais importante. Saber de onde foi retirado faz parte do conjunto de coisas que se deve saber
sobre ele.
impermeável à água e ao ar, a gasolina não se mistura com a água, a madeira flutua, o sal crepita,
o chocolate desfaz-se ao calor, a lã cheira à chifre quando queimada, por exemplo. Conhecer
os produtos é saber quais as características físicas e químicas de suas matérias.
Há também nestes quadros, a preocupação que o aluno compreenda a relação entre matéria-
prima e produto final, no entanto, o foco não recai sobre o mundo natural, isto é, como é a
planta ou o animal de onde foi retirado, mas sobre o produto final. Conhecê-lo é saber quais
são suas propriedades físicas e químicas. Por isso, a maioria das ilustrações buscam mostrar
experimentos que demonstrem as propriedades dos produtos: mãos manuseando um pedaço de
argila para mostrar como é plástica; um pedaço de giz mergulhado num pote de tinta mostrando
como ele é permeável; mãos tentando rasgar uma folha de plástico para evidenciar como é
resistente; uma camiseta de náilon comprimida em um formato de bola e outra logo ao lado
esticada sem ruga explicando como este produto não amassa, por exemplo. O conhecimento se
dá pela observação do experimento traduzido em imagem.
Figura 4.13
Figura 4.13. O chumbo. Série: sem título. Publicada por Éditions Rossignol. Acervo:
Colégio Marista Glória, São Paulo.
A análise dos quadros destinados ao ensino de ciências físicas e naturais ou lições de coisas
evidenciou que suas imagens exploram o mundo natural a partir de sua relação com o ser
humano, como o homem usa os seres do mundo vegetal, animal e mineral para os transformar
em produtos para consumo próprio. As imagens requerem dos alunos que as observam que
saibam relacionar a matéria-prima ao produto final e, algumas vezes, conheçam os processos
usados nessa transformação. Viu-se que as imagens parietais da Deyrolle, que mantinham um
enfoque nas coisas do mundo natural, buscavam dar a conhecer as plantas e animais. Fazer isso,
significava ver a coisa na totalidade, isto é, no seus aspectos exterior e interior. No caso dos
quadros da Éditions Rossignol, entretanto, como o foco era o próprio produto, importava
demonstrar suas propriedades físicas e químicas, por isso, as ilustrações privilegiavam a
ilustração de experimentos com as coisas ao invés das coisas em si.
Portanto, as principais funções das imagens parietais usadas nestas disciplinas eram a
explicativa e a de identificação/ comparação. As ilustrações levavam os alunos a identificarem
as coisas retratadas e remetiam à explicações sobre elas.
Botânica
Uma história natural dos seres vegetais no século XIX e início do XX significava fazer a
descrição morfológica e organográfica dos organismos, isto é, de sua forma geral, de suas partes
239
SÃO PAULO..., 1894; SÃO PAULO..., 1905; SÃO PAULO..., 1918; SÃO PAULO..., 1821; SÃO PAULO...,
1841.
240
BUISSON, 1911.
230
e de seus órgãos; assim como anatômica e histológica, ou seja, das estruturas internas de suas
partes e tecidos. A observação dos múltiplos seres do mundo vegetal apontou para a necessidade
de sua divisão em grupos de afinidades, o ramo da botânica que se encarregou disso foi a
taxonomia (MARÍN, 2014).
Ao longo do século XX, os ramos da botânica foram se diversificando a partir de outros olhares
sobre os seres do mundo vegetal. No início do século XX, quando o estudo das estruturas das
plantas e de suas relações já estava bastante avançado, as preocupações recaíram especialmente
sobre a fisiologia e as explicações ecológicas das plantas. Esta segunda era fortemente
influenciada pelas ideias evolucionistas de Darwin. De acordo com a sua teoria, os seres vivos
não eram imutáveis, as espécies se diversificavam ao longo do tempo por meio de processos de
adaptação ao meio ambiente em que viviam. Por isso, os novos estudos botânicos estavam
preocupados também em conhecer os vegetais na relação com o seu meio ambiente. São estudos
deste tipo que darão origem à Ecologia como uma área da Biologia nas décadas seguintes
(MARÍN, 2014).
Ainda que os ramos da botânica já estivessem bem alargados no início do século XX, com
estudos sobre os seres do mundo vegetal que abrangiam sua morfologia, organografia,
anatomia, histologia, citologia, fisiologia, fitografia, ecologia e, também, às áreas da botânica
aplicada, a farmacognosia e a botânica agrícola (MARÍN, 2014), por exemplo, o que pode ser
visto nos quadros parietais encontrados é o foco principal nos vegetais desde seu aspecto
morfológico.
241
VECHIA, LORENZ, 1998, p. 169.
242
Ibid., p. 398.
231
No decorrer da primeira metade do século XX, cada um destes conteúdos vai sendo aprimorado
a partir das técnicas microscópicas que permitiram novas descobertas anatômicas e fisiológicas
sobre os já conhecidos membros e órgãos dos vegetais. É evidente, por exemplo, a partir do
programa de 1931244, que as funções vitais dos seres vegetais vão adquirindo mais espaço e
importância nos currículos, como a nutrição, a respiração e a reprodução. Quer dizer, não
importava mais somente a morfologia das partes e órgãos das plantas, mas também conhecer
sua fisiologia.
Os programas também passaram a ensinar a botânica e explicar o mundo vegetal a partir dos
sistemas de classificação adotados então. No programa de 1915 245, que adota o sistema de
classificação de Jussieu, há partes dedicadas exclusivamente ao estudo das acotiledôneas, das
monocotiledôneas e dicotiledôneas, isto é, as principais características das plantas de cada um
dos grupos que constituíam este sistema. Já o programa de 1926246 propunha que as plantas
fossem estudadas a partir da classificação de Van-Thieghen ou Engler e há partes que tratam
especificamente das caraterísticas de cada um dos grupos nos quais se dividia o reino Plantae:
Talófitas, Muceneas, Criptógamas vasculares, Fanerógamas gimnospermas e Fanerógamas
angiospermas; dentre as angiospermas havia as monocotiledôneas e as dicotiledôneas.
Portanto, ainda que haja diferentes ramos na botânica e que esta ciência tenha se diversificado
ao longo da primeira metade do século XX, isso não repercutiu nos quadros parietais
encontrados. Como já foi dito, a área de estudo da botânica privilegiada nas peças encontradas
nas escolas pesquisadas foi a morfologia vegetal, ainda que possam ser encontrados alguns
parietais específicos que abordem anatomia, histologia e fisiologia. Talvez a principal razão
disso, seja o fato de a maioria destas séries ter sido produzida no final do século XIX e início
243
Ibid., p. 194.
244
Ibid., p. 343.
245
Ibid., p. 233.
246
Ibid., p. 267.
232
do XX. Mesmo que tenha circulado por muito tempo depois, mantiveram o mesmo enfoque e
os mesmos quadros e ilustrações.
As imagens parietais das séries encontradas seguem uma mesma linguagem visual, o espaço do
quadro é ocupado por uma representação da planta inteira, algumas vezes há somente um galho
ou um ramo da planta, mas o que importa é dar uma noção do aspecto exterior total da planta;
acompanhada de várias outras ilustrações menores de suas partes e órgãos, que podem ser
visões externas ou internas das estruturas. A imagem principal é sempre maior e está em
destaque, centralizada ou em alguma das laterais do parietal com as demais ilustrações no seu
entorno. Os quadros são, em sua maioria, em cores e possuem fundo branco, há quatro, no
entanto, que utilizam o fundo negro. Os quadros não apresentam textos, alguns tem legendas
pequenas junto às imagens e outros somente letras e números que remetem à legendas escritas
no rodapé ou dispostas em outro dispositivo. Fato é que as legendas não podem ser lidas à
distância, seja pelo tamanho pequeno ou porque não estão à mão para todos os alunos.
Essa organização das imagens botânicas no espaço de um quadro segue a tradição moderna de
disposição de imagens científicas em forma de tableaux, que pode ser encontrada nos atlas
usados para divulgação científica (DASTON, GALISON, 2010) e também nas ilustrações da
Enciclopédia dos iluministas247.
O enfoque principal das imagens parietais de botânica é, como já foi dito, o de dar a conhecer
a planta, suas partes e seus órgãos externa e internamente. A maior parte das séries compreende
um grande número de quadros, entre 13 e 70 exemplares; e cada um deles traz a representação
de uma única planta, que é como uma planta tipo, uma espécie que vai cumprir o papel de
representante, para o ensino, da sua própria espécie e mesmo do grupo vegetal ao qual pertence.
Normalmente, as séries editadas procuram usar espécies mais familiares, árvores, flores,
legumes e frutas que fazem parte da realidade cotidiana dos alunos. Portanto, a partir de um
exemplo, aprende-se sobre a espécie e, muitas vezes, também, sobre seus grupos vegetais.
É a partir da observação desta planta e de suas partes e órgãos que o aluno vai tomando
conhecimento do mundo vegetal. Ele observa em conjunto e compara como são as folhas, como
são as raízes, como são as flores, como são os frutos e vai, juntamente com o professor,
247
DIDEROT, ALAMBERT, 2015.
233
inserindo cada uma delas dentro do seu grupo vegetal. Ao mesmo tempo, vai tomando
conhecimento dos tipos que existem de cada uma destas partes. O conhecimento, portanto, não
parte das definições e nomenclaturas, mas das próprias coisas, que depois de observadas,
comparadas e julgadas recebem uma definição e um nome. Quadro a quadro observado leva o
aluno ao reconhecimento das plantas e dos sistemas aos quais pertencem.
Figura 4.14. Trigo. Série: Tablas de Engleder para la enseñanza de las Ciencias Naturales – Botánica. Publicada
por J. F. Schreiber. Acervo: CMEB-ISERJ, Rio de Janeiro.
Figura 4.15. La pomme de terre. Série: Tableaux d’histoire naturelle. Publicada pela Les Fils d’Émile Deyrolle.
Acervo: CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos, São Paulo.
É possível perceber também nesses parietais que, muitas vezes, as ilustrações que acompanham
a imagem principal são dos frutos e das partes e órgãos que compõem as flores, como as sépalas
e pétalas; o estame (antera e filete); o pedúnculo; o receptáculo; e o carpelo (estigma, estile e
ovário). Tanto frutos como flores são mostrados sempre externa e internamente. Conhecê-los é
saber como é o seu exterior e o seu interior. Isso mostra uma predileção por usar representações
dos seres vegetais chamados de superiores, ou seja, as gimnospermas e especialmente as
angiospermas, monocotiledôneas ou dicotiledôneas. Da mesma forma, há preferência por
explorar as estruturas envolvidas na reprodução das plantas.
234
Figura 4.16. Ciliegio. Série: sem título. Publicada por Antonio Vallardi Editore. Acervo: CRE Mario Covas – E.E.
Caetano de Campos, São Paulo.
Figura 4.17. Echte Kokospalme. Série: Ausländische Kulturpflanzen in Farbigen Wandtafeln. Publicada pela
Friedrich Vieweg & Sohn. Acervo: CMEB-ISERJ, Rio de Janeiro.
Ainda que o enfoque seja morfológico, estas imagens parietais podem servir de ponto de partida
para estudar as funções e funcionamento de cada uma destas partes ou órgãos. Os órgãos das
flores ou os frutos e suas sementes podiam servir para explicar tipos de reprodução dos vegetais;
raízes, caules e folhas para explicar sobre a nutrição nas plantas etc. Dependendo de como as
imagens foram utilizadas pelos professores, elas podem ter cumprido diferentes funções no
ensino da botânica; ter servido para a identificação da planta, de suas partes e órgãos, suas
funções, as funções vitais do vegetal; e também para explicar as classificações do reino Plantae.
Podem até mesmo ter servido para ministrar aulas sobre educação sexual.
Outro tipo de imagem parietal é aquele formado por peças que procuram reunir num único
quadro os vários tipos de uma determinada parte ou órgão da planta, como por exemplo tipos
de folhas, tipos de flores (seja pela pelo tipo de pétala, de estame, de carpelo etc.), tipos de raiz
etc. É uma forma de fazer com que os alunos observem, comparem e percebam as semelhanças
e diferenças e, consequentemente, conheçam os tipos existentes de uma mesma estrutura.
Figura 4.18. Raízes. Série: Planches Murales d'Histoire Naturelle de P. Gervais. Públicada G. Masson Editeur.
Acervo: CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos, São Paulo.
Figura 4.19. Botânica nº 2 - Folhas. Série: Quadros elementares de História Natural do Brasil organizados pelo
Museu Nacional do Rio de Janeiro. Publicada pela Museu Nacional do Rio de Janeiro. Acervo: Memorial do
Colégio São Luís, Rio de Janeiro.
A série Tableaux d’histoire naturelle, editada pela Maison Deyrolle, é a única entre os quadros
de morfologia que também incluiu quadros que abordam a anatomia e a fisiologia vegetal, ainda
que em menor quantidade. Há um quadro que mostra a estrutura interna das raízes e outra dos
caules a partir de uma visão microscópica destas estruturas. Outros três parietais exploram a
fisiologia da germinação e da reprodução das criptógamas sem raiz e das criptógamas com raiz.
Nestes quadros de fisiologia, é requerido aos alunos que observem mais que as partes e órgãos
da planta, mas também os processos de transformação.
236
Figura 4.20. Anatomie de la tige. Série: Tableaux d'Histoire Naturelle. Publicada por Les Fils d’Émile Deyrolle.
Acervo: CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos, São Paulo.
Figura 4.21. Graine, germinación. Série: Tableaux d'Histoire Naturelle. Publicada por Les Fils d’Émile Deyrolle.
Acervo: CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos, São Paulo.
Uma série que se diferencia bastante das demais é a série portuguesa Quadros de Botânica,
editado pela Livraria Simões Lopes de Domingos Barreira Editor nos anos de 1939 e 1940,
portanto, de produção posterior à maioria das séries de botânica analisadas nesta pesquisa. Ela
reúne 13 parietais que abordam especificamente os diferentes tipos de reprodução vegetal. É a
única série que não tem imagens em cores, o fundo do quadro é preto e as ilustrações são feitas
com traços brancos. O foco não é a identificação da planta, tanto que sua representação não é
nada realista. O que importa observar são os órgãos envolvidos na reprodução e,
principalmente, como ela acontece, isto é, os processos de transformação. Esta série é um
indício de como a fisiologia vai ganhando espaço nos currículos da escola e novos tipos de
representação na botânica vão aparecendo.
237
Figura 4.22. Chlamydomonas Sp. Série: Quadros de botânica. Publicada por Livraria Simões Lopes de Domingos
Barreira Editor. Acervo: Memorial do Colégio São Luís, São Paulo.
Figura 4.23. Lilium candidum lin (Acucena). Série: Quadros de botânica. Publicada por Livraria Simões Lopes de
Domingos Barreira Editor. Acervo: Memorial do Colégio São Luís, São Paulo.
Outro tipo de quadro, com outra linguagem visual, que apareceu duas vezes durante a pesquisa
foi o da representação das classificações por meio de um esquema, com textos e imagens. Neste
caso específico, as imagens são apenas ilustrativas, servem para dar visibilidade a um conceito,
a um grupo vegetal específico. Por se tratar de um esquema, muitas vezes as imagens são muito
pequenas, certamente não podem ser vistas à distância. Um parietal desse tipo pode ter servido
para uma aula em que o professor pretendesse ensinar sobre as próprias classificações
taxonômicas; ou para consulta no caso da realização de uma atividade, por exemplo.
O caso específico deste exemplar, da série Quadros elementares de História Natural do Museu
de História Natural do Rio de Janeiro, pertencente ao acervo do CMEB-ISERJ, é bastante
interessante, pois acima ou abaixo dos nomes dos grupos vegetais originais foram coladas
etiquetas com outros nomes. Sobre “Muscineas” foi colocado “Brióftos”; abaixo de
“Cryptógamos vasculares” foi inserido “Pteridóftos”; sob “Phanerógamos” foi posto
“Espermatófitos”. Foi feita, portanto, uma alteração na própria imagem do parietal para que
estivesse adequado ao modo como o conteúdo deveria ser ministrado. Possivelmente estes
nomes alternativos eram os mais usuais no momento em que houve a intervenção.
238
Figura 4.24
Como vimos até aqui, houve poucas mudanças no conteúdo e linguagem visual entre as séries
de quadros de botânica encontrados. A mais significativa foi a séries Quadros de botânica, que
abordou a fisiologia da reprodução vegetal em vez de focar na morfologia das plantas. A série
de botânica, sem título identificado, publicada pela Éditions Rossignol na década de 1950,
também se diferencia das demais, não por seu enfoque, que também é o de reconhecimento das
plantas e de suas estruturas externas e internas, mas pela técnica de desenho e pintura usada e
a estética da imagem.
239
Figura 4.25
Figura 4.25. O cacaueiro. Série: sem título. Publicada por Éditions Rossignol.
Acervo: Colégio Marista Glória, São Paulo.
Assim como a série já analisada, desta mesma editora, destinada ao ensino de ciências físicas e
naturais desde uma perspectiva utilitária, as imagens destes parietais são bem menos realistas,
usam menos matizes de cores, menos luz e sombra e menos texturas. Como dito anteriormente,
parecem não pretender ser a própria coisa, mas sim um desenho dela. O mais importante era
que fosse didática o suficiente para que o conteúdo fosse transmitido. A imagem continuava
fundamental para isso, seria muito difícil fazer com que os alunos compreendessem onde se
localiza na flor o estame ou o pistilo, por exemplo, ou as diferentes nervuras das folhas apenas
por meio de descrição verbal, sem ver a própria planta ou uma ilustração dela. No entanto, ela
não precisa ser mais tão realista.
Este é um indício de que houve, portanto, a partir de meados do século XX, uma mudança
significativa no que diz respeito à estética das ilustrações científicas usadas no ensino primário
e secundário. Elas deixam de ser a realidade mesma e se tornam ilustrações das coisas do
mundo. Dificilmente um aluno vai olhar para o cacau acima e dizer que se trata de um cacau
mesmo, ele sabe que aquilo é um desenho do fruto. Não que antes não fosse assim também, as
imagens são sempre representações da realidade e não a realidade em si mesma, mas desde que
a imagens adentraram a escola na forma de quadros parietais na segunda metade do século XIX
havia a ideia de que elas eram as coisas mesmas, tanto que as substituíam quando estas não
podiam ser usadas.
Uma imagem didática no final do século XIX e início do XX significava, entre outras coisas,
remeter às coisas mesmas, em meados do século, entretanto, isso não fazia mais sentido, tanto
que a estética das imagens mudou radicalmente a ponto de a imagem passar a ser de fato
entendida como uma representação das coisas.
A partir da análise das imagens parietais de botânica foi possível perceber que houve pouca
variação nos conteúdos abordados pelos quadros e que pouco mudou neste sentido ao longo das
décadas. Houve um privilégio no uso de quadros de morfologia, mas que aos poucos foi
cedendo espaço à fisiologia vegetal, com destaque para a função da reprodução das plantas. Por
outro lado, a estética da imagem parietal de botânica mudou a partir de meados do século XX,
se tornando menos realista.
As imagens parietais de botânica são fundamentais para o ensino deste conteúdo, sua função é
a de levar os alunos à identificação, comparação e explicação sobre os seres do mundo vegetal.
A exceção são os quadros destinados ao ensino das classificações taxonômicas, que, pelo
tamanho das imagens, são usados mais de forma ilustrativa que para identificação ou
explicação.
Aprender botânica pelos quadros parietais se faz por meio da observação do geral e dos
detalhes; das estruturas externas e internas; da identificação e comparação de partes, espécies e
241
grupos vegetais, que podiam apontar semelhanças e diferenças e levar ao conhecimento das
classificações biológicas do mundo vegetal.
Zoologia
Há 16 séries dentre as analisadas para esta pesquisa que contam com quadros parietais de
zoologia, dez delas são destinadas ao ensino primário, quatro ao secundário e duas não tiveram
o grau de ensino de destino identificados. Foi possível perceber que havia diferenças entre as
imagens dos quadros para o primário e para secundário, por isso, a análise levou, neste caso, o
nível de ensino em consideração.
No que diz respeito a organização das imagens no espaço, assim como os quadros de botânica,
os de zoologia também seguem a tradição moderna de disposição de imagens científicas em
forma de tableaux. Os quadros deste ramo apresentam algumas linguagens visuais distintas,
como veremos adiante.
A maioria dos quadros apresenta legendas próximas às imagens ou indicadas com letras e
números para serem consultadas em outro dispositivo. A maioria delas não pode ser lida à
distância. Os mapas destinados ao ensino primário costumam ter mais legendas junto às
imagens, assim como pequenos textos explicativos. Os parietais usados no secundário têm
legendas menores ou fazem uso do esquema com letras e números. Isso se deve, possivelmente,
ao fato de os quadros destinados a este grau de ensino privilegiarem o tamanho grande das
imagens em detrimento de ocupar espaço ou chamar atenção para textos.
Os parietais trazem representações de todo tipo de animal, há séries que privilegiam os animais
domésticos, outras os vertebrados, algumas compreendem exemplares de todos os grupos de
animais existentes. Há também séries em que os animais são apresentados não somente por suas
características intrínsecas, mas também por serem nocivos ou úteis aos seres humanos.
Geralmente, as séries destinadas ao primário contam com maior número de peças de animais
vertebrados que os demais, principalmente de mamíferos e aves.
Foi possível identificar quatro tipos de linguagens visuais diferentes para os quadros parietais
destinados ao ensino primário. A primeira delas corresponde à representação de um único
animal na imagem. Ele está localizado no centro do espaço do quadro, visto geralmente de perfil
242
ou perfil parcial. É sempre mostrado em sua pose supostamente mais natural e com gestos e
hábitos característicos de sua espécie. Está normalmente representado em seu habitat natural.
Quer dizer, o animal está dentro de uma cena criada para ensinar ao aluno suas principais
características físicas e hábitos em relação com seu habitat. Por isso, dependendo do animal,
algumas vezes são mostrados em contextos domésticos ou numa fazenda; e em outros, na vida
selvagem. Gatos brincando na sala de uma casa; porcos na lama em frente a um curral, por
exemplo. Em alguns quadros, os animais também são apresentados a partir de sua utilidade para
o ser humano, para transporte de carga ou de pessoas, como produtor de alimento etc. O que
importa nestas imagens parietais é fazer com que os alunos observem, identifiquem o animal,
conheçam o seu nome e saibam relacioná-lo ao seu contexto.
Figura 4.26. Giraffe. Série: Leutmann's zoölogical wall charts - Steiger's zoological wall charts. Publicada por E.
Steiger and Co. Acervo: CMEB-ISERJ, Rio de Janeiro.
Figura 4.27. Cat. Série: Leutmann's animal kingdom. Publicada por E. Steiger and Co. Acervo: CMEB-ISERJ,
Rio de Janeiro.
As poses, os gestos e os hábitos são bastante performáticos, justamente para que o aluno possa
identificar determinada espécie com suas características mais marcantes e que os insere em seu
grupo animal. Portanto, é possível encontrar imagens que mostram animais carnívoros, como
cachorros, raposas ou lobos com suas bocas abertas como se fossem morder algo ou em posição
de ataque; leões e tigres caçando e se alimentando de sua presa; uma vaca pastando; galo,
galinha e pintinhos ciscando e posicionados em frente a um galinheiro; e girafas próximas a
243
árvores muito altas. A paisagem, os objetos, as poses, gestos e hábitos representados nas
imagens ajudam na criação da ideia sobre quem é determinado animal de determinado grupo.
Este tipo de linguagem visual remonta a uma tradição de representação iconográfica zoológica,
proposta pelo naturalista francês Buffon e difundida nos séculos XVIII e XIX em contraposição
à imagem taxonômica e sistemática, que havia prevalecido anteriormente. De acordo com este
novo modelo, a imagem deveria corresponder a uma representação cenográfica, como se fosse
um retrato do animal do jeito que vive em seu hábitat natural (PEDRO, 1999). Nesta linguagem
visual
A segunda linguagem visual encontrada é muito parecida com a primeira. Há, geralmente, uma
imagem principal, maior e que ocupa o centro ou uma das laterais do quadro; e algumas
ilustrações, entre uma e cinco, em seu entorno ou no restante do espaço disponível. Poucas
vezes aparecem duas ou três imagens de igual tamanho. A imagem principal retrata, na maioria
das vezes, um único animal. Em alguns casos, pode haver a representação de um casal, um
macho e uma fêmea da mesma espécie; ou de um bando. Ao redor desta imagem principal há
ilustrações de suas partes externas ou internas. Quando há representação de imagens internas
nestes quadros destinados ao ensino primário, o foco recai sobre o esqueleto, o crânio ou outros
ossos do corpo, como dentes ou patas.
Como ocorre no caso anterior, os animais também são retratados em cenas que evidenciam suas
poses, gestos, hábitos e habitat natural e também podem ser mostrados na relação com o ser
humano. Nesses quadros, entretanto, há a preocupação de mostrar algo além da aparência
exterior e o contexto, o de caracterizar as suas partes, na maioria das vezes, partes que os
diferenciam como espécie e os inserem em determinado grupo animal. Estas partes aparecem
como ilustração e nas séries editadas pela Maison Deyrolle como amostras in natura.
244
Figura 4.28. Mammiferos – Pachidermas, Proboscidianos. Série: Museu escolar industrial. Publicada por E. Steiger
and Co. Acervo: CMEB-ISERJ, Rio de Janeiro.
Figura 4.29. Goose and Stork. Série: Natural history charts. Publicada por E. Steiger and Co. Acervo: CMEB-
ISERJ, Rio de Janeiro.
Como pode ser visto na imagem acima, há o cuidado de mostrar além da aparência externa do
elefante e o seu papel no transporte do ser humano, os detalhes de seus dentes molar e incisivo.
O molar por meio de ilustração e o incisivo como uma amostra in natura do marfim que serve
ao ser humano. Da mesma forma, no quadro do ganso e da cegonha aparecem detalhes de suas
patas. Os alunos podem, dessa forma, tomar conhecimento de que há mais de um tipo de pata
nas aves, quais são os dois retratados e, também, saber as classificações das aves por esta parte
de seu corpo. Assim como nos quadros de botânica, o aluno toma conhecimento das
nomenclaturas e dos sistemas de classificação biológica a partir da observação dos próprios
animais ou de suas representações em imagens.
A terceira linguagem visual é a que foi denominada de tipos comparados. No espaço do quadro
ficam expostos em forma de grade vários animais que apresentam algum tipo de semelhança
ou que pertencem a um mesmo grupo animal, de modo que podem ser observados e comparados
entre si. Estas imagens parietais apresentam entre seis e 25 animais.
245
Figura 4.30. Borboletas. Série: Museu Escolar Industrial. Publicada por Les Fils d’Émile Deyrolle. Acervo:
CMEB-ISERJ, Rio de Janeiro.
Figura 4.31. Protozoários. Série: Museu Escolar Industrial. Publicada por Les Fils d’Émile Deyrolle. Acervo: CRE
Mario Covas – E.E. Caetano de Campos, São Paulo. Fotografado por Marco Aurelio Olimpio. Fotografia cedida
pela Prof. Dra. Katya Braghini.
A subsérie “Tipos comparados” começou a ser publicada pela Les Fils d’Émile Deyrolle
provavelmente nas duas primeiras décadas do século XX. Alguns exemplares com imagens
deste tipo já haviam sido editados anteriormente em outras subséries, como é o caso dos quadros
de cogumelos. No entanto, é somente a partir deste momento que a empresa passou a elaborar
quadros específicos com esta linguagem visual. Foram produzidos quadros de tipo comparado
que abordavam temas de zoologia, botânica, geologia e também de paleontologia. Por isso, é
possível encontrar mapas deste tipo que reúnem mamíferos, aves, peixes, insetos, borboletas,
répteis e batráquios, micróbios e bactérias, micróbios patogênicos, protozoários, flores, árvores,
musgo, minerais e fósseis.
O ensinar ciências por meio da comparação entre serres vivos ganhou, possivelmente, espaço
nos currículos ao longo das primeiras décadas do século XX, tanto que a Maison Deyrolle
editou uma subsérie só de quadros deste tipo. Estas imagens exigiam que os alunos observassem
a aparência e partes exteriores dos animais, comparassem e percebessem aquilo que tinham de
comum e diferente. Podiam identificar as principais características, ordená-los e relacionar
246
determinado animal com o seu grupo biológico. Chegavam, mais uma vez, às classificações a
partir da comparação de espécies com características semelhantes entre si. Estas ilustrações
permitiam aos alunos conhecer as diferentes espécies de animais, saber quais eram aparentadas
e por quê.
Aparecem nesta subsérie também imagens parietais que trazem representações de seres vivos
não visíveis a olho nu, somente percebidos pela lente do microscópio, como podemos ver no
quadro “Protozoários”.
A quarta linguagem visual também repousa sobre o modelo dos tipos comparados e tem como
única representante a série brasileira A fauna brasileira, editada pela Cia. Melhoramentos de
São Paulo. Cada mapa parietal aborda um grupo de animais que estão dispostos arbitrariamente,
como se pudessem de fato ser vistos todos juntos, num determinado ecossistema. Portanto há
quadros, por exemplo, com representações de aves na floresta amazônica; aves de rapina e do
sertão num ambiente árido; aves aquáticas e paludículas numa região de mata próxima a um
rio; peixes de água doce num rio; macacos americano pendurados em árvores numa mata
fechada. Os animais retratados são de fato representantes da fauna brasileira. O autor da série,
o professor alemão Conrado Guenther, a elaborou a partir das observações que realizou sobre
a fauna nacional quando de sua viagem pelo país, no início do século XX.
Os animais também são representados fazendo poses e com hábitos característicos de suas
espécies, como por exemplo, pássaros próximos a ninhos, pássaros se alimentando de frutas,
patos nadando num rio, urubus comendo carne de uma carcaça, bicho-preguiça pendurado num
galho, tatu em forma de bola, rato roendo um galho, macaco pendurado em galho e aranha sobre
a teia.
247
Figura 4.32
Figura 4.32. Simios platyrhinos ou macacos americanos. Série: A fauna brasileira. Publicada por
Cia. Melhoramentos de São Paulo. Acervo: CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos, São
Paulo.
Estes quadros permitiam que os alunos conhecessem mais profundamente os animais que fazem
parte da fauna brasileira, seu aspecto exterior e seus hábitos. A série foi publicada no contexto
da difusão das ideias da Escola Nova, nas décadas de 1920 e 1930, por isso também a
preocupação em fazer os alunos conhecerem a realidade natural do país, sua fauna, flora e seus
ecossistemas, e da publicação de séries deste tipo.
248
Figura 4.33
Figura 4.33. Vogels. Série: Kleinvö, nutz - und singvögel. Publicada por Friedrich Vieweg.
Primiera publicação em 1901. Disponível em:
<http://www.collectiontrade.nl/cms/index.php?option=com_virtuemart&page=shop.browse&c
ategory_id=2107&Itemid=35>. Acesso em: 25 de maio de 2017.
Figura 4.34
Figura 4.34. En el interior de Ceilán. Série: Biologisch – geographische charakterbilder aus allen
zones. Autor: Hugo Täuber. Publicada por K. G. Lutz Verlag. Acervo: Instituto de Educación
Secundaria San Isidro, Madrid.
249
Aprender zoologia com esta série significava exercitar a observação, a comparação, a ordenação
para identificar e memorizar os animais que compunham a fauna brasileira, seus grupos
biológicos de referência e sua relação com os ecossistemas habitados.
Como já foi dito no capítulo 3, a linguagem visual desta série não é nova, ela remete a outras
publicadas anteriormente na Alemanha, as séries Kleinvö, nutz - und singvögel, publicado no
início do século XX pela Friedrich Vieweg; e também da série de Hugo Tauber, Biologisch –
geographische charakterbilder aus allen zoner, editado pela K. G. Lutz.
Como pode ser percebido nas imagens, há uma mesma linguagem para a representação da flora
e da fauna de determinados ecossistemas. No caso de A fauna Brasileira e da Kleinvö, nutz -
und singvögel o foco recai sobre os animais; na série de Hugo Täuber, ao contrário, o mais
importante é o ecossistema em geral de determinada região do mundo. Ainda assim, as três
séries compartilham uma mesma linguagem visual, que busca retratar a paisagem de um
ecossistema específico em que estão representados alguns organismos de sua flora e fauna.
Todas elas tem como proposta olhar para o mundo natural de modo conectado, isto é, não é
possível conhecer integralmente um animal ou vegetal sem relacioná-lo ao meio ambiente onde
nasce, cresce e se desenvolve.
É possível inferir, portanto, que as imagens parietais seguem determinadas linguagens visuais,
que aparecem em diferentes regiões do mundo, editadas por autores e editoras diversas, mesmo,
quando não há relação alguma evidente entre estes atores. Cada autor, ilustrador ou editor foi
se apropriando de linguagens já estabelecidas e criando e recriando suas próprias séries de
quadros parietais, como ocorreu com A fauna brasileira. Isso se dá também, pelo fato de estas
linguagens corresponderem a determinados paradigmas científicos que resultam em modelos
de representações visuais do mundo natural.
250
Figura 4.35. Mammiferos - Cetaceos. Série: Museu Escolar Industrial. Publicada por Les Fils d’Émile Deyrolle.
Acervo: CMEB-ISERJ, Rio de Janeiro.
Figura 4.36. Greenland Whale. Série: Leutmann's Zoölogical Wall Charts - Steiger's Zoological Wall Charts.
Publicada por E. Steiger and Co. Acervo: CMEB-ISERJ, Rio de Janeiro.
Isso pode ser observado também na representação de alguns animais em diferentes séries de
parietais. Ainda que sejam feitas por autores, editoras e em países diferentes, usam os mesmos
elementos para caracterizar os mesmos animais. A imagem da baleia é um bom exemplo: o
animal aparece na superfície do oceano e jorrando água pelo espiráculo; ao fundo pode ser visto
um grande barco parado; e próximo à baleia há um ou dois botes com homens com arpões em
punho tentando capturá-la. Pode-se dizer, portanto, que há uma tradição de representação de
imagens parietais destinadas ao ensino, em todos as áreas do conhecimento, não somente em
zoologia. Há linguagens visuais, objetos e gestuais estabelecidos que foram usadas e adaptadas,
servindo de referência para a elaboração de imagens, ao longo das muitas décadas em que este
material circulou.
Ao observar todas as séries de parietais encontradas destinadas ao ensino primário, foi possível
perceber que foram elaborados quadros com diferentes linguagens visuais e que cada uma deles
atendia a uma necessidade do ensino de zoologia. Uma mudança identificada nos quadros deste
ramo do conhecimento foi a introdução dos mapas de tipo comparado e dos quadros que
abordavam a relação entre a fauna e o seu ecossistema. Além disso, no caso específico do Brasil,
houve a edição de uma série dedicada exclusivamente à fauna nacional. Outra mudança
251
importante que pôde ser evidenciada a partir da análise dos parietais de zoologia estudados foi
a mudança estética nas ilustrações dos quadros publicados pela Éditions Rossignol na década
de 1950. Assim como no caso dos quadros usados na introdução do ensino de ciências físicas e
naturais e de botânica, os quadros de zoologia editados pela empresa francesa seguiram a
mesma estética já mencionada, com ilustrações menos realistas. Quer dizer que houve de fato
uma transformação significativa estética nas imagens parietais na metade do século XX,
mudança esta que, como já foi dito, remete à um novo olhar sobre as ilustrações didáticas, que
passam a ser representações daquilo que é estudado e não mais a própria coisa em si.
Os quadros de zoologia do ensino primário demandavam dos alunos que eles observassem e
identificassem os animais a partir de sua aparência externa, seus detalhes anatômicos exteriores
e, em menor quantidade, interiores; por meio de suas poses, gestos e hábitos; e na relação com
o seu meio ambiente. No caso de A fauna brasileira, exigiam também, que os alunos pudessem
reconhecer os animais nacionais e seus ecossistemas de referência. Partindo do conhecimento
obtido a partir da observação das imagens parietais é que os alunos chegariam a conhecer as
nomenclaturas e os grupos biológicos aos quais pertenciam. Chegar a este conhecimento
requeria dos alunos as habilidades de observar, identificar, comparar, ordenar, relacionar,
interpretar e memorizar.
Os quadros parietais de zoologia para o ensino secundário apresentaram duas linguagens visuais
diferentes. A primeira delas se assemelha bastante a segunda linguagem dos quadros do ensino
primário, aquela em que estão representados o animal em contexto (pose, gestos, hábitos e
habitat) juntamente com ilustrações menores que trazem detalhes anatômicos externos e
internos do animal em questão.
A segunda linguagem visual consiste na representação do animal a partir de seu aspecto interior,
esqueleto, órgãos, sistemas e aparelhos etc. Estas ilustrações pretendem que o aluno conheça a
localização de determinado organismo dentro do corpo do animal, qual a sua função e como é
o seu funcionamento. Conhecer o animal no ensino secundário é conhecer o seu interior e o seu
funcionamento. Em alguns casos, há também uma ilustração do aspecto externo do animal para
que o aluno possa identificá-lo.
252
Figura 4.37. Anatomie sommaire de l’escargot. Série: Tableaux d’histoire naturelle. Publicada por Les Fils
d’Émile Deyrolle. Acervo: CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos, São Paulo.
Figura 4.38. Echinoidea. Série: Pfurtscheller’s Zoölogische Wandplaten. Publicada por Martinus Nijhoff.
Acervo: CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos, São Paulo.
Como pode ser visto nas imagens acima, as ilustrações podem ser realistas ou uma
representação esquemática. As do segundo tipo servem para que seja mostrado, fora do contexto
do corpo humano, um órgão, sistema ou aparelho específico, de modo que sua localização e
suas partes fiquem mais visíveis, como é o caso dos sistemas digestivo, nervoso e circulatório
do caramujo.
Em outros casos, como os quadros do Dr. Pfurtscheller, os animais e suas estruturas são
mostradas tanto da perspectiva de seu exterior como de seu interior. Parte da ilustração
evidencia sua aparência externa e outra parte como o animal é por dentro. Como são seus
órgãos, onde estão localizados, com o que estão interligados etc. As imagens que privilegiam o
interior podem mostrar tanto os órgãos e sistemas e aparelhos vistos por fora como por dentro.
Há, por exemplo, quadros que buscam mostrar como é a aparência externa e interna do
estômago de um mamífero roedor. O interior dos corpos é sempre mostrado a partir de um corte
no seu corpo, que pode ser frontal, transversal ou longitudinal, dependendo de qual imagem se
quer ter.
253
Há ainda alguns quadros que enfocam exclusivamente o esqueleto ou ossos específicos dos
animais e outros que buscam mostrar o ciclo de vida de alguns animais, como do sapo, da
galinha e do bicho da seda.
Com estas imagens parietais que privilegiam a anatomia animal é possível fazer os alunos
conhecerem as partes externas e internas que compõem os animais de cada grupo, suas funções
e funcionamento. Por meio de animais tipo, os professores podem usar os quadros para
apresentar cada grupo animal, a estrutura de seus corpos e suas características biológicas
específicas. Desse modo, por meio das imagens dos animais os alunos tomam também
conhecimento das nomenclaturas e dos sistemas de classificação.
Há 12 séries que dispõem de parietais de anatomia/ fisiologia humana e seis quadros individuais
que contemplam esse ramo das ciências naturais. Diferentemente dos mapas de zoologia, não
há diferenças significativas nas imagens do corpo humano retratadas nas peças destinadas ao
ensino primário e secundário. Certamente as mesmas ilustrações foram usadas de forma
diferente pelos professores de cada um dos graus de ensino.
Os programas das escolas primárias paulistas da primeira metade do século XX248, por exemplo,
evidenciam que neste grau de ensino o foco era a anatomia humana. Quais as principais partes
exteriores do corpo humano; os principais ossos do corpo humano; os principais órgãos e
aparelhos, sua localização e função. Os principais órgãos estudados eram os dos sentidos e
aqueles que compunham os aparelhos digestivo, circulatório, respiratório e nervoso. O corpo
humano, seus órgãos e aparelhos eram pensados não só desde uma perspectiva anatômica, mas
248
SÃO PAULO..., 1894; SÃO PAULO..., 1905; SÃO PAULO..., 1918; SÃO PAULO..., 1821; SÃO PAULO...,
1841.
254
também higiênica. Quando trata do aparelho digestivo, fala-se também sobre a higiene da
alimentação e dos dentes; quando aborda o sistema respiratório, introduz também às questões
relacionadas à higiene da respiração. Por isso, no ensino primário, o estudo da anatomia humana
está muito relacionado aos temas da higiene.
Por isso, ainda que os dois níveis de ensino façam uso dos mesmos mapas parietais ou com
imagens semelhantes – abordam o corpo humano desde uma perspectiva anatômica e em alguns
exemplares, fisiológica – certamente o fazem de forma diferente e para ministrar conteúdos
distintos. Uma característica que pode ser vista nas séries destinadas ao primário é o cuidado
com o uso de legendas maiores e textos explicativos. Os quadros da Maison Deyrolle e também
da Éditions Rossignol, por exemplo, fazem uso destes recursos. As imagens parietais do
secundário, ao contrário, têm legendas menores e distantes das suas ilustrações de referência,
no rodapé, em boxes nas laterais do quadro ou em outro dispositivo, como o manual de uso.
Há duas linguagens visuais principais nos parietais de anatomia/ fisiologia humana. A primeira
delas se trata da representação do esqueleto ou dos músculos do corpo humano. Os mapas do
249
VECHIA, LORENZ, 1998, p. 231; 266-297; 310-311; 343-344; 386-387.
250
Ibid., p. 386-387.
255
esqueleto humano foram produzidos durante todo o período estudado, compõem séries ou
foram produzidos para serem comercializados individualmente. Aparecem em todos os
tamanhos, pequenos, médios e grandes. Os grandes são aqueles que as ilustrações ocupam dois
quadros de tamanho normal para serem montados no momento do uso. Podem ser encontrados
nas séries da Maison Deyrolle, da Antonio Vallardi Editore e também da Cia. Melhoramentos
de São Paulo.
É também comum que tanto a representação do esqueleto quanto dos músculos seja feita desde
a perspectiva anterior e posterior, por isso, algumas vezes as séries trazem dois quadros do
esqueleto e dois dos músculos; outras vezes as duas visões são colocadas no mesmo quadro ou
apenas a visão anterior é mostrada. As imagens com as duas representações juntas ou que
trazem apenas o corpo visto de frente são geralmente de mapas produzidos depois da década de
1930. As séries do final do XIX e início do século XX normalmente eram compostas por muitos
quadros, sendo que cada um explorava um tema específico. Por isso, havia mais de um quadro
para a representação do esqueleto e dos músculos. Essa prática de séries com muitos mapas vai
mudando ao longo do século XX. A maioria das novas séries criadas a partir da década de 1920
vai compreender menos exemplares, até cerca de 25. Em função disso, cada quadro passou a
abarcar uma quantidade maior de conteúdos e representações.
256
Figura 4.39
Figura 4.40
É interessante perceber que as representações dos esqueletos e músculos das imagens parietais
do final do século XIX e início do XX são de algum modo performáticas. Como pode ser visto
na imagem do esqueleto acima, há um braço apontando para cima e o outro para baixo, a cabeça
está levemente virada e os joelhos e calcanhares estão flexionados. Na imagem dos músculos,
o braço esquerdo está levantado e com o cotovelo dobrado em 90 graus, a coluna vertebral está
levemente flexionada para trás, o joelho direito está dobrado e com o pé apoiado sobre um bloco
e a perna direita está alongada.
referência ao sagrado, conduzindo a visão do expectador a Deus, criador daquilo que está sendo
visto na imagem.
Estas imagens fazem alusão à tradição renascentista de ilustração anatômica, que tem em
Andrea Versalio o seu principal expoente. O médico e cirurgião elaborou em conjunto com
artistas em meados do século XIX a De humanis fabrica corporis, ou simplesmente De fabrica,
como é mais conhecida, obra com fins didáticos que lançou as bases da moderna ciência
anatômica. Para o médico e cirurgião, as imagens anatômicas deveriam ser o resultado da
observação e experimentação no corpo humano, assim como ter valor artístico e estético
(PEDRO, 1999).
Estas imagens parietais do final do século XIX e início do XX apresentam um valor artístico
assim como científico. As representações de esqueletos e músculos elaboradas nas décadas
seguintes se tornam mais objetivas no sentido de fazer ilustrações o mais fiel à realidade
possível, mas sem pretensões artísticas. Não se pode esquecer, entretanto, que se tratam também
de representações com finalidade didática, portanto, utilizam recursos para transmitir aquilo
que se quer ensinar. Por isso, é possível ver que uma perna ou um braço é visto de frente
enquanto o outro é visto de lado, de modo que se tenha diferentes perspectivas dos ossos e das
articulações. Da mesma forma, pequenas ilustrações de vértebras específicas, dos ossos do pé
ou da mão etc., por exemplo, podem ser inseridas ao redor da imagem principal para colocar
em destaque determinadas partes sobre as quais se quer ensinar.
A imagem parietal responde não somente ao caráter realista da ilustração científica, mas
também às finalidades didáticas que lhe são impostas, isto é, o que se quer mostrar do esqueleto
humano e como, aos alunos da escola primária e secundária, não necessariamente é o mesmo
que se quer apresentar no ensino superior, que estará formando profissionais, de diferentes
especialidades médicas, que precisarão aprender, também pela imagem, para fazer de fato
intervenções no corpo humano.
259
Figura 4.41
A segunda linguagem visual é a que consiste no uso do quadro para a representação de órgãos,
aparelhos, sistemas e ossos do corpo humano. Essas imagens compreendem prioritariamente
visões do interior do corpo humano; do interior dos órgãos, tecidos e vasos; e também à nível
celular. Por isso, congregam imagens feitas pelo olho nu, assim como com o auxílio do
microscópio.
Um mesmo quadro pode conter apenas ilustração dos órgãos do tórax; de um órgão específico;
de vários órgãos juntos; de um aparelho ou sistema; de ossos de uma determinada parte do
corpo. Da mesma forma, pode conter apenas imagens anatômicas ou fisiológicas ou pode
combinar ilustrações dos dois tipos.
É comum encontrar ilustrações que congregam a imagem dos aparelhos e dos órgãos que os
compõem; e de partes importantes para o seu funcionamento, como os dentes, os vasos, as
glândulas, as células, por exemplo. Como podemos ver na imagem parietal abaixo sobre a
circulação do sangue, há ilustrações de como se dá a circulação pelo corpo passando pelos
órgãos e extremidades do corpo; e, especificamente do coração, de sua face posterior e também
de seu interior por meio de um corte. A outra imagem mostra o aparelho digestivo com todos
os seus órgãos; e também partes específicas que garantem a função da digestão, como os dentes,
260
Figura 4.42. Systéme circulatoire de l’homme. Série: Tableaux d’histoire naturelle. Publicada por Les Fils d’Émile
Deyrolle. Acervo: CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos, São Paulo.
Figura 4.43. Orgãos da digestão. Série: Museu escolar brasileiro. Publicada por Émile Deyrolle. Acervo: CRE
Mario Covas – E.E. Caetano de Campos, São Paulo.
As ilustrações científicas de anatomia e fisiologia humana fazem uso dos recursos necessários,
para poder colocar à vista do aluno aquilo que ele precisa aprender sobre o corpo humano, a
localização dos órgãos e aparelhos, suas funções e como se dá seu funcionamento. Algumas
vezes é necessário apenas usar imagens anatômicas registradas pelo olho nu; em outras é preciso
lançar mão de imagens microscópicas, que podem adentrar no interior de tecidos e órgãos, ver
glândulas, fazer observações a nível celular.
Conhecer o corpo humano é, portanto, conhecê-lo por dentro, nas suas diversas camadas. É
basicamente, o estudo do que ocorre em seu interior. Por isso mesmo, as imagens parietais
ganharam tanta importância no estudo desta disciplina, olhá-las significava o mesmo que olhar
um corpo dissecado, pois dificilmente, seria usado um cadáver ou partes dele numa escola
261
primária ou secundária. A imagem era um dos recursos didáticos mais acessíveis para o ensino
deste conteúdo.
Estudar o corpo humano pelas imagens é o mesmo que dissecá-lo, se faz por camadas, por
partes: identifica-se as partes exteriores nas quais se divide o corpo humano; toma
conhecimento dos músculos, dos diferentes ossos, localiza-se os órgãos e aparelhos, conhece
as suas funções, descobre-se como se dá seu funcionamento à nível macro e microscópico.
Conhecer o corpo humano integralmente é entender o todo pelas partes. Parte-se do exterior
para adentrar-se cada vez mais em seu interior. O corpo humano das imagens parietais
encontradas é o corpo do discurso médico, é o corpo máquina, cujas leis e funcionamento são
estudadas de forma fragmentada e em partes cada vez menores com o auxílio da tecnologia.
Estas imagens parietais requerem dos alunos, portanto, uma observação cuidadosa, a
identificação dos órgãos, aparelhos e estruturas microscópicas que garantem o seu
funcionamento e, a percepção da relação existente entre eles para a realização de uma
determinada função vital do corpo humano. Na leitura das imagens do corpo humano é
importante não apenas observar, identificar e relacionar, mas também entender processos de
funcionamento.
A maioria dos quadros de anatomia/ fisiologia humana encontrados para a pesquisa requer estas
habilidades dos alunos que os observam. No entanto, nas imagens parietais destinadas ao ensino
primário posteriores à década de 1950 outra habilidade, para além destas, se fez necessária para
a compreensão das funções e funcionamento do corpo humano, a leitura de analogias.
262
Figura 4.44. A respiração. Série: sem título identificado. Publicada por Éditions Rossignol. Acervo: Colégio
Marista Glória, São Paulo.
Figura 4.45. Corpo humano – 2º da série. Série: Suplemento didático da Revista do Ensino. Publicada por Revista
do Ensino do Rio Grande do Sul. Acervo: CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos, São Paulo.
Para entender, portanto, como ocorre a inspiração e expiração na respiração era necessário
pensar no encher e esvaziar de uma bexiga dentro de um recipiente redondo contido em um
vidro ou do fole. Para compreender como se dá a circulação do sangue no corpo humano pode-
se fazer a relação com a circulação dos carros por uma autopista. Neste segundo caso a legenda
diz: “Como carros que correm ordenadamente em sentido oposto numa autopista, o sangue vai
a todas as partes de nosso corpo circulando através de artérias e veias”. Quer dizer, para
entender os funcionamentos da respiração e da circulação do sangue as imagens parietais
lançaram mão de analogias com coisas familiares do dia-a-dia dos alunos ou mesmo
experimentos fáceis de serem realizados. Somente a ilustração científica não era mais
suficiente, eram necessárias analogias que exemplificassem com mais facilidade determinados
conceitos.
263
Figura 4.46. Circulação linfática. Série: Planches murales d’histoire naturelle de P. Gervais. Publicada por
G. Masson, Editeur. Acervo: CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos, São Paulo.
Figura 4.47. Órgãos principais da vida humana ou vegetativa. Série: O corpo humano. Publicada por
Livraria Simões Lopes de Domingos Barreira/ Editorial Domingos Barreira. Acervo: Memorial do Colégio
São Luís, São Paulo.
Figura 4.48. O corpo humano. Série: sem título identificado. Publicada por Editions Rossignol. Acervo:
Colégio Marista Glória.
264
Estas séries e quadros parietais publicados a partir da década de 1950 também apresentaram
duas outras modificações em relação às imagens produzidas nas décadas anteriores, a inclusão
de outros conteúdos que não costumavam aparecer anteriormente e uma nova estéticas para as
imagens. No que diz respeito aos conteúdos, os quadros passam a incluir imagens do sistema
excretor, do sistema simpático e dos aparelhos reprodutores feminino e masculino, além de
tratar da composição do sangue.
Como pode ser observado nas imagens acima, houve uma mudança estética nas ilustrações de
anatomia/ fisiologia humana entre o final do século XIX e meados do XX. Ao observar a
primeira imagem parietal, uma ilustração da circulação linfática produzida pelo cientista e
professor francês especialista em zoologia, Paul Gervais, nos anos de 1880, é possível perceber
que se trata de uma imagem hiper-realista. A impressão que se tem ao ver a imagem é a de que
se está olhando para um cadáver dissecado.
A segunda imagem, que compõe a série O corpo humano é publicada pela Livraria Simões
Lopes de Domingos Barreira/ Editorial Domingos Barreira no final dos anos de 1930, é ainda
realista, mas menos que a anterior. Faz uso de perspectiva, texturas e cores para parecer que se
está olhando mesmo para a carne e os órgãos de um cadáver. No entanto, é uma imagem mais
humanizada, pois o tronco é acompanhado pela cabeça com cabelo, orelha, boca, nariz etc.
Houve, portanto, uma preocupação de adequar a imagem ao público a quem era destinada;
crianças e jovens.
Figuras 4.49
Figura 4.49. Corpo humano. Publicado por Livraria Escolar Progredidor. Acervo:
Memorial do Colégio São Luís, São Paulo.
No que diz respeito à materialidade, também houve uma mudança significativa. Se antes o
conteúdo de anatomia e fisiologia se estendia e era dividido nos diversos quadros parietais que
compunham uma série, com o passar do tempo isso vai se alterando. As primeiras séries
encontradas contam com muitos exemplares, com pelo menos mais que 30 para cada ramo do
conhecimento científico. As séries produzidas depois da década de 1930 tem esse número
reduzido para cerca de 10 quadros, o que exige que determinados conteúdos sejam colocados
numa mesma peça. A partir da década de 1940 surge um novo tipo de quadro parietal de
anatomia/ fisiologia. Ele congrega num mesmo espaço todas as informações que se quer dar a
conhecer sobre o corpo humano, ilustrações do esqueleto humano, dos músculos, de órgãos e
de aparelhos e sistemas. As imagens são pequenas e dificilmente podem ser vistas à distância.
Esta nova característica material transforma também a sua forma de uso no contexto didático.
O uso de imagens no ensino de história tem uma função pedagógica diferente daquela
empregada no ensino das ciências. Se no ensino dos conteúdos científicos a visualização das
ilustrações é fundamental para a identificação e explicação sobre os diferentes grupos
biológicos do mundo natural e também sobre a anatomia, funções e funcionamento do corpo
humano; no ensino de história isso não acontece. O uso de imagens nesta disciplina, na primeira
metade do século XX, não teve este sentido explicativo, a ilustração histórica assumiu, na
maioria das vezes, uma função ilustrativa, isto é, consistia num recurso auxiliar ao texto do
livro didático ou à fala do professor.
No ensino de ciências a imagem fala por si mesma, ao olhar uma flor é possível ver que ela é
composta por determinadas partes; quando comparada com outra flor, o aluno pode perceber
que elas são diferentes e que tem estruturas e formas distintas; ao ver o aparelho de um corpo
humano, se pode identificar os órgãos que dele fazem parte, como são e de que modo estão
interligados para o seu funcionamento. Olhar para a ilustração científica tinha o mesmo
significado de olhar para as próprias plantas, animais e corpo humano e era por meio da
observação apurada que se obtinha o conhecimento. Era necessário ver – assim como tocar,
cheirar e escutar – para conhecer, para entender a função e o funcionamento das coisas. No caso
do ensino de história, entretanto, na maioria das vezes, ver não era imprescindível. Era possível
conhecer a história da chegada dos portugueses ao que seria o Brasil sem ver imagens; era
possível saber dos feitos do Marechal Deodoro da Fonseca sem ver seu retrato; e era possível
saber da batalha de Guararapes sem visualizar o conflito.
Naquele momento o sentido da visão tinha pouca utilidade efetiva para a produção de
conhecimento histórico e também para o ensino deste conteúdo na escola. Ainda assim, as
imagens foram usadas, por meio dos quadros parietais, dos álbuns de gravuras, de projeções
fixas ou mesmo impressas nos livros didáticos.
no entanto, a partir dos anos de 1960 que as imagens em cores abundaram nos livros didáticos
(BUENO, 2003).
Isso quer dizer que desde o final do século XIX a imagem é um recurso utilizado nas aulas de
história e que, num contexto em que os livros didáticos continham poucas ilustrações e em preto
e branco, os quadros parietais, que eram em cores e podiam ser vistos simultaneamente por
todos os alunos e usados por mais de uma classe, despontaram como um material escolar
acessível para suprir esta necessidade.
Os quadros parietais tiveram a função, no ensino de história, de chamar a atenção dos alunos;
despertar o interesse para o assunto estudado; ilustrar aquilo que era ensinado no texto ou pela
fala do professor, como tornar visíveis personagens, episódios, lugares e outros tempos da
história; e, em menor quantidade, explicar por esquemas, ideias ou acontecimentos, como é o
caso do uso de mapas históricos.
Quando uma cena histórica, um personagem, um lugar, por exemplo, são estampados em
imagens - por se tratar e ser apresentada como uma ilustração daquilo que é contado no texto e
pelo professor, sem que houvesse um olhar crítico - elas imediatamente assumiam caráter de
verdade, pois correspondiam a uma representação real daquilo que se queria mostrar. Eram
verdades da história em forma de imagem. Por isso, olhar para uma imagem correspondia a ver
uma representação fiel da realidade.
251
BARBOSA, 1883b, p. 351.
268
Por isso, as imagens entram nas aulas de história, e também nas das demais disciplinas
escolares, como representações fiéis da realidade e, desse modo, contribuem para a
naturalização de valores, discursos, convenções sociais e interpretações da história.
As séries de quadros parietais encontradas para esta pesquisa destinavam-se ao ensino primário.
Nesta parte serão analisadas as cinco séries de história do Brasil encontradas, todas elas
pertencentes ao acervo da E.E. Caetano de Campos: série sem título identificado, Quadros de
história pátria para o curso primário e Panteão nacional, publicadas pela Cia. Melhoramentos
de São Paulo; e Série histórica e os parietais destinados ao ensino de história do Brasil que
compunham o Suplemento didático da Revista do Ensino, publicadas pela Revista do Ensino
do Rio Grande do Sul.
Com exceção do Panteão nacional, que reunia apenas retratos em tamanho médio dos
principais vultos nacionais, as demais séries de quadros parietais estavam organizados em
ordem cronológica. Cada um dos mapas destacava um dos períodos ou acontecimentos da
história do Brasil; como as viagens portuguesas e espanholas ultramarinas do século XV e XVI,
a chegada dos portugueses ao Brasil, a colonização, o papel dos jesuítas, os indígenas, sistema
de capitanias hereditárias, as invasões estrangeiras, os bandeirantes, as revoltas nativistas e
emancipacionistas, a chegada da família real e abertura dos portos, a independência do Brasil,
252
HIPPEAU, s. d., p. 66-67, apud BARBOSA, 1883b, p. 351-352.
269
Figura 4.50. A independência. Série: sem título identificado. Série: Quadros da história pátria para o ensino
primário. Publicada por Cia. Melhoramentos de São Paulo. Acervo: CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos,
São Paulo.
Figura 4.51. Os mártires da independência. Série: Quadros da história pátria para o ensino primário. Publicada por
Cia. Melhoramentos de São Paulo. Acervo: CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos, São Paulo.
Há quatro tipos de linguagens visuais diferentes entre os quadros parietais de história do Brasil.
Na primeira delas, o espaço do quadro é ocupado por retratos de homens ilustres, pinturas
cânones da história do país ou adaptações destas obras feitas especialmente para a série,
paisagens ou vistas de cidades e mapas do Brasil. Todas as imagens estão emolduradas como
se fossem obras de arte. A impressão que se tem é que se está olhando para uma parede com
várias obras penduradas. Além disso, outros elementos gráficos são usados para preencher o
fundo do quadro, como ramos de folhas e flores, armas, bandeiras e faixas com nomes e datas.
Todas as imagens recebem legendas que não podem ser lidas à distância.
A história contada por meio destas imagens é a dos grandes homens, que aparecem como fios
condutores da história do país. Tanto é assim que o foco imagético recai quase sempre nos
270
A maioria dos retratos, em tons de cinza ou marrom, traz representações dos homens com idade
acima dos 60 anos, a maioria possui cabelos, barbas e bigodes grisalhos ou brancos. São retratos
que transmitem uma impressão de respeitabilidade ao expectador. Crianças e jovens somente
aparecem em quadros em que é imprescindível relacionar o momento histórico à idade da
pessoa, como é o caso de D. Pedro II, que é representado criança no quadro da regência; ou
porque estes homens morreram antes de envelhecerem, como é o caso de Tiradentes ou de
Antônio Filipe Camarão, o índio Poti.
Raras vezes aparecem mulheres, negros, indígenas e pobres. As exceções no caso das mulheres,
são as princesas Leopoldina e Isabel. No caso dos negros, na série Quadros de história pátria
para o curso primário há um retrato de Henrique Dias, que lutou na guerra contra os holandeses
na reconquista de Pernambuco. Além dele, no quadro da abolição, podem ser encontrados
retratos de Luís Gama, de José do Patrocínio e duas ilustrações, adaptações de gravuras de
Rugendas, nas quais negros escravos estavam num porão de navio negreiro e trabalhando no
preparo de farinha de mandioca. Ainda assim, mesmo se tratando do mapa que aborda a
emancipação negra, o retrato em destaque é o da Princesa Isabel, situada no centro e no topo
do quadro e em maior tamanho que os demais. O relevo garante à monarca a posição de grande
redentora dos negros. Ainda há um retrato de Machado de Assis no quadro dedicado à evolução
literária brasileira, entretanto, o fato de o escritor ser mulato não pode ser percebido na imagem,
ele parece tão branco quanto os homens brancos retratados ao seu lado. É evidente a tentativa
de branqueamento do literato.
O quadro “A redempção dos captivos”, da série sem título identificado, publicada pela
Melhoramentos, é composto também pelos retratos de José do Patrocínio, Luís Gama e, em
destaque, a princesa Isabel, além de outros homens que fizeram parte do movimento
abolicionista. Junto da monarca, neste quadro, o Visconde de Rio Branco, autor da Lei do
Ventre Livre, proclamada em 1871, é retratado como salvador dos negros brasileiros e ocupa a
imagem central do quadro, de terno e sapato, em meio a um cenário bucólico com montanhas
ao fundo. Ajoelhada aos seus pés está uma mulher negra, com vestes simples e sem sapatos,
271
abraçada a uma menina e um menino negros. A mulher olha para o visconde com feições de
agradecimento e reverência. O homem, a meio passo de distância dos três, olha em direção ao
pintor ao invés de dar atenção à negra, porém, suas mãos estão sobre o ombro da mulher e na
cabeça do menino. O quadro não só confere a vitória da abolição principalmente aos brancos,
como à princesa e ao visconde, praticamente apagando os negros como sujeitos da história de
suas próprias lutas; como também faz uso de uma iconografia que, mesmo meio século depois
do fim da escravidão, lança um olhar sobre a raça negra como inferior, submissa e subserviente
aos brancos.
Figuras 4.52
Não é somente nos quadros de história do Brasil e de lições de coisas que o racismo estrutural
brasileiro é evidente. Na realidade, ele está presente em todo o conjunto dos parietais
analisados, seja pela naturalização da ideia de que o corpo humano é branco, quando não há
sequer uma representação de homens ou mulheres de pele negra nos quadros de anatomia/
fisiologia; quando as crianças representadas nos quadros destinados ao ensino das mais diversas
disciplinas escolares são sempre brancas; quando as famílias representadas nas séries de higiene
nunca são da raça negra. Quer dizer, os sujeitos negros, quando representados, sempre aparecem
272
A iconografia indígena também revela muito sobre as visões dos elaboradores destes materiais
didáticos sobre os primeiros habitantes do Brasil. A primeira observação importante é de que
os indígenas somente fazem parte da história do Brasil colonial, estão retratados somente nos
quadros que mostram a chegada dos portugueses ao Brasil e a colonização. Depois disso, eles
desaparecem, não são mais considerados sujeitos da história do país.
A maioria das imagens nas quais estão representados os indígenas, enfoca o encontro deles com
os portugueses nos momentos iniciais da colonização e correspondem a reproduções originais
ou adaptadas de pinturas cânones. Nestas imagens, os indígenas aparecem sempre apartados
dos portugueses e como expectadores daquilo que os europeus estão fazendo. Na maioria das
imagens, os portugueses estão rezando em frente à cruz, enquanto os indígenas os observam.
Os indígenas são retratados seminus e descalços, com adornos, especialmente de penas, na
cabeça, pescoço e orelha; enquanto os portugueses estão completamente vestidos com roupas
pesadas, meias e sapatos ou botas. Ambos portam armas, os indígenas, flechas de madeira; e os
europeus, espadas. Reforça-se, com esta iconografia, a interpretação do indígena como povo
bárbaro, modo de vida simples e sem fé; e dos portugueses como civilizadores, povo
responsável por trazer a esta terra o progresso e a religião.
Na série Quadros de história pátria para o curso primário há um quadro exclusivo para abordar
a cultura indígena. Nele estão reunidas ilustrações de um indígena repleto de adornos, uma taba,
uma cena de luta entre indígenas, um mapa com as distribuições das raças pelo Brasil, armas e
objetos de uso doméstico. Estas ilustrações foram usadas para dar aos alunos uma ideia geral
de quem eram e como viviam os indígenas brasileiros. Ainda que houvesse a preocupação de
mostrar que existiam diferentes etnias no Brasil, que elas habitavam regiões distintas do Brasil
e apresentavam algumas características próprias que as distinguia das demais, o quadro passa
uma imagem homogeneizada dos indígenas brasileiros, como se todos usassem os mesmos tipos
de armas, utensílios e ornamentos, vivessem em tribos e morassem em tabas, fossem guerreiros,
violentos e sem religião.
273
Figuras 4.53
Além dos retratos dos grandes homens e das imagens acima mencionadas, estes quadros trazem,
também, representadas paisagens e vistas de cidades e edifícios, como, por exemplo, da cidade
de Ouro Preto, no quadro da Inconfidência Mineira; do Colégio de São Paulo, no dos jesuítas;
de Olinda no do domínio holandês de Pernambuco; de Recife no mapa sobre a Confederação
do Equador; e da praia de Botafogo no quadro da chegada da família real.
Também são frequentes as reproduções originais ou adaptadas das pinturas cânones da história
do Brasil. Podem ser encontradas as obras A primeira missa, Batalha de Guararapes, A batalha
do Riachuelo, de Victor Meirelles; A elevação da cruz em Porto Seguro, de P. José Pinto Peres;
Fundação da capitania de São Vicente e A frota de Martim Afonso de Sousa em São Vicente,
de Benedito Calixto; Partida das monções, de Almeida Júnior; Execução de Filipe dos Santos
e Padre Miguelinho durante o tribunal, de Antonio Parreiras; O grito do Ypiranga, de Pedro
Américo; e Proclamação da República, de Henrique Bernadelli.
274
Todas estas obras de arte reproduzidas nos parietais naturalizaram determinadas interpretações
da história do Brasil; por exemplo, enalteceram o papel da Igreja Católica e dos jesuítas no
projeto civilizacional brasileiro; conferiram importância a São Paulo ao inserirem
representações da fundação da capitania de São Vicente e de Martim Afonso de Sousa; alçaram
personagens da história a grandes heróis nacionais, como os bandeirantes e Tiradentes;
mitificaram a independência do Brasil como um grande ato heroico de D. Pedro I; e ajudaram
na consolidação da República como resultado do progresso do país.
Estes quadros parietais representaram e naturalizaram uma história de Brasil que é vista por
uma perspectiva eurocêntrica, na qual o homem branco e a Igreja Católica, representada pelos
Jesuítas, são responsáveis por civilizar e pôr fim à barbárie em que viviam os indígenas
brasileiros; em que os indígenas somente fazem parte da história do país no momento da
colonização e, mesmo então, são estereotipados e tem suas diferenças culturais apagadas; em
que os negros somente entram na história no contexto da abolição da escravatura e nem sequer
aparecem como atores de suas próprias lutas e conquistas; em que não há espaço para as
mulheres, os negros, os pobres e os indígenas, uma história conduzida apenas por homens
brancos pertencentes às elites; e em que o que importa são as grandes batalhas e os grandes
heróis nacionais.
Os mapas parietais deste tipo servem para que os alunos olhem as imagens, reconheçam os
personagens, os associem aos episódios narrados no livro e/ ou pelo professor, visualizem os
locais onde os acontecimentos tiveram lugar e as cenas que representam estes acontecimentos.
São mesmo imagens ilustrativas que podem despertar a atenção do aluno e fazer com que o
conteúdo seja mais facilmente guardado na memória. No entanto, mesmo que assumam apenas
uma função ilustrativa, são imagens carregadas de significados e, portanto, responsáveis por
naturalizar interpretações sobre o Brasil, valores e discursos.
A série Quadros de história pátria para o curso primário também acrescenta mapas que
procuram olhar a história do Brasil desde a perspectiva das transformações ocorridas na arte,
na ciência, nos transportes e na economia. Ainda que prevaleçam as divisões cronológicas
tradicionais da historiografia brasileira na série, há uma tentativa de abordar a história do país
por outra perspectiva que não os períodos demarcados a partir dos acontecimentos políticos.
275
A segunda linguagem visual pode ser encontrada na Série histórica, publicada entre 1951 e
1956 pela Revista do Ensino do Rio Grande do Sul. É mantida a mesma organização
cronológica da história do Brasil utilizada nas séries analisadas acima. Os quadros, entretanto,
apresentam uma linguagem visual bastante distinta. Ainda há o foco nos retratos dos grandes
vultos nacionais em alguns parietais, mas em outros a história é mostrada por meio de cenas.
Os quadros congregam quadrinhos, cada um representando uma cena histórica diferente. Há
uma proposta de ver a história de uma forma mais narrativa, inclusive quando se trata de ver
imagens.
Figura 4.54
Figura 4.54. Brasil colônia. Série: Série histórica. Publicada por Cia.
Melhoramentos de São Paulo. Acervo: CRE Mario Covas – E.E. Caetano de
Campos, São Paulo.
Em outros quadros da série, a história é contada por meio do uso do mapa de Brasil e, sobre
ele, ilustrações de objetos que servem como símbolos de determinados episódios históricos,
como o uso da alegoria de uma bomba explodindo sobre uma região do Brasil, para mostrar
que ali aconteceu um conflito; e a imagem de um livro e de um periódico simbolizando a
instalação da imprensa régia quando da vinda de D. João VI ao Brasil.
No que diz respeito aos conteúdos, temas representados e significados atribuídos às imagens,
não foi possível identificar muitas variações em relação as outras duas séries. A única mudança
significativa foi a preocupação em retratar cenas do cotidiano colonial. Há no mapa duas
reproduções adaptadas das gravuras Engenho de açúcar de Johan Moritz Rugendas e Uma
276
senhora brasileira em seu lar de Jean-Baptiste Debret. Nelas estão representadas a vista da sala
de uma casa grande e a interação entre a família do senhor de engenho e os escravos; e uma
visão dos escravos e animais trabalhando num engenho de açúcar. Em nenhuma delas há os
créditos das imagens originais. Há também a ilustração de uma cena de rua, onde podem ser
vistos típicas construções coloniais, meios de transporte, pessoas com trajes da época e armas
usadas na época da colonização. É um quadro que busca mostrar o período colonial por uma
perspectiva cultural, ao invés de apenas econômica e política, como ocorria anteriormente.
Figura 4.55
Estas duas últimas séries analisadas evidenciam, portanto, que houve uma mudança no sentido
de trazer também uma abordagem cultural e social para a história do Brasil, apresentando
imagens do cotidiano da colônia ou que problematizam a vinda do imigrante para o país. Para
tanto, novos tipos de ilustrações começaram a ser usadas, que não somente as pinturas cânones
da história nacional.
A quarta linguagem visual e a que mais se diferencia das demais se trata da série Panteão
nacional, que reúne retratos em cores e em tamanho médio dos grandes homens da história do
Brasil. Era importante que os alunos identificassem os personagens para além de escutar suas
façanhas, era um bom recurso para despertar o interesse e também facilitar a memorização.
Os quadros parietais de história do Brasil foram usados, como já foi dito, com um sentido
prioritariamente ilustrativo. Deveriam ajudar a despertar o interesse, conservar a atenção e
ajudar na memorização dos conteúdos aprendidos. As séries analisadas também evidenciaram
que houve pouca variação nos conteúdos, sua forma de apresentação e sua organização no
período estudado. Entretanto, as duas últimas séries analisadas apontaram para o aparecimento
de outras abordagens histórica, cultural e social.
278
Considerações finais
O que pretendi com este trabalho foi, por um lado, contar a história de um material escolar
muito popular nas escolas do Sudeste do Brasil entre o final do século XIX e meados do
XX, que foi por muito tempo esquecido ou ignorado pela historiografia da educação. Por
outro, tornar este artefato pedagógico mais conhecido e visível na tentativa de colaborar
para a sua preservação, já que se trata de um objeto de valor artístico e científico para
além de educativo.
A partir do final da segunda década do século XX teve início a produção nacional deste
material didático. O Museu Nacional do Rio de Janeiro confeccionou uma série de
quadros de História Natural e a Cia. Melhoramentos de São Paulo iniciou a fabricação
deste tipo de objeto pedagógico que durou até a década de 1960. As coleções da editora
paulista eram destinadas prioritariamente ao ensino primário e abrangiam temas variados;
imagens parietais para o ensino da linguagem, da aritmética, de lições de coisas e de
ciências. Mesmo a partir da década de 1920, quando a produção nacional de mapas murais
cresceu, as instituições de ensino estudadas seguiram comprando quadros estrangeiros,
especialmente de conteúdos científicos.
Os quadros parietais eram geralmente concebidos por um autor especialista no tema a ser
apresentado e um ou mais ilustradores que realizavam os desenhos e pinturas a partir das
orientações do idealizador. A maior parte dos autores eram professores de instituições de
ensino de todos os graus, que buscavam confeccionar materiais que os auxiliasse em suas
aulas e também pudessem ser comercializados. Os ilustradores eram artistas, que se
aprimoravam na execução de ilustração científica ou mesmo de materiais didáticos. Foi
possível perceber que no Brasil, a partir da década de 1920, houve um grupo de
profissionais ligados aos institutos de pesquisa, como o próprio Museu Nacional do Rio
de Janeiro, experto em ilustrações científicas. Com o passar dos anos, os autores vão
280
dando lugar a revisores, uma determinada imagem não era mais elaborada, mas revisada
por um profissional especialista em determinado conteúdo.
A maior parte dos quadros encontrados nos quatro acervos estudados era destinado ao
ensino de ciências. Havia também, no CRE Mario Covas – E.E. Caetano de Campos,
muitas peças de história do Brasil. A análise das imagens parietais evidenciou, que ainda
que elas tivessem sido incorporadas à escola no contexto da implementação do método
intuitivo e da introdução das disciplinas científicas no currículo, num momento em que a
visão era considerada o sentido mais importante para a observação e apreensão do mundo,
elas apresentaram funções pedagógicas e linguagens visuais diferentes de acordo com o
conteúdo representado ou dependendo da disciplina escolar a que se destinavam. As
imagens variaram de acordo com os conteúdos, metodologias, finalidades próprias de
cada disciplina e, também, a partir de mudanças na estética da imagem. Os quadros de
ciências, por exemplo, podiam assumir funções pedagógicas tais como a de identificação,
explicação ou de demonstração de processos de determinados conteúdos, ao passo que os
de história do Brasil tinham prioritariamente uma função ilustrativa.
Os diversos quadros analisados mostraram que inclusive, uma mesma disciplina ou área
do conhecimento pôde ter diferentes linguagens visuais ao longo do tempo, entretanto, o
que foi identificado como comum aos parietais como um todo foi a passagem de
ilustrações mais realistas dos quadros produzidos no final do século XIX e início do XX,
para imagens menos preocupadas com a representação fiel da realidade, presentes nos
parietais comercializados por volta da década de 1950. As imagens parietais sempre
corresponderam à representações da realidade, mas a partir de meados do século XX
houve uma preocupação menor com a produção de ilustrações realistas e artísticas para
serem usadas em contextos pedagógicos.
Ainda que os quadros parietais tivessem linguagens visuais diferentes, que se adequavam
ao conteúdo e como se queria transmiti-lo no contexto escolar, todos eles tinham seus
elementos visuais organizados na forma de tableaux, tradição de apresentação de imagens
especialmente de ilustrações científicas no período moderno.
Apesar daquilo que ficou conhecido a partir desta pesquisa sobre a história dos quadros
parietais usados nas escolas do Sudeste do Brasil, todavia restam perguntas que podem
281
ser respondidas pela análise deste rico material didático. Ainda precisam ser feitas
análises sistemáticas sobre as coleções de mapas murais usados em outras regiões do
Brasil e também de outros países latino-americanos e europeus, na tentativa de fazer
comparações e pensar a circulação deste artefato pedagógico desde uma perspectiva mais
ampla e transnacional.
Outra abordagem necessária dos mapas murais é a de como se deu o seu uso na prática,
como de fatos professores e alunos fizeram usos destas imagens no cotidiano escolar.
Além disso, é importante analisar as imagens parietais utilizadas em outras disciplinas
escolares que não somente as de ciências e de história do Brasil e, assim, identificar
também os conteúdos, suas formas de organização, linguagens visuais e funções
pedagógicas utilizados no ensino de geografia, educação moral e cívica, matemática,
língua portuguesa, trabalhos manuais etc.
Além das pesquisas que ainda precisam ser conduzidas a respeito dos quadros parietais
usados nas escolas brasileiras, também se faz necessário um esforço de preservação desse
patrimônio, com a criação de bancos de dados que congreguem informações sobre estes
dispositivos, digitalização das imagens parietais e trabalhos de restauração e conservação
nas peças encontradas. A visita, realizada durante o estágio de doutorado sanduiche na
Espanha, aos acervos dos Institutos de Enseñanza Secundaria Cardenal Cisneros, Isabel
la Católica e San Isidro, em Madrid, que fizeram parte do projeto Ciencia y educación em
los institutos madrilenos de enseñanza secundaria a través de su património cultural
(1837-1936) – CEIMES, ressaltou a importância da realização de um trabalho conjunto
entre acadêmicos, profissionais especializados de diversas áreas, professores escolares e
alunos com o intuito de preservar estes importantes conjuntos de artefatos que
descortinam aspectos da história da educação e das disciplinas escolares, da cultura
escolar e também do patrimônio cultural, artístico e científico, brasileiro.
282
Referências bibliográficas
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Dissertação de Mestrado em Educação: História e Filosofia da Educação da Pontifícia
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291
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<http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/1894/decreto-248-
26.07.1894.html>. Acesso em: 22 de maio de 2017.
SÃO PAULO (Estado). Decreto n.º 1281, de 24 de abril de 1905. Approva e manda
observar o programma de ensino para as escholas modelo e para os grupos escolares.
Disponível em: <http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/1905/decreto-
1281-24.04.1905.html >. Acesso em: 22 de maio de 2017.
SÃO PAULO (Estado). Decreto n.º 2944, de 8 de agosto de 1918. Approva o regulamento
para a execução da Lei n.º 1579, de 19 de dezembro de 1917, que estabelece diversas
disposições sobre a Instrucção Publica do Estado. Disponível em:
<http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/1918/decreto-2944-
08.08.1918.html>. Acesso em: 22 de maio de 2017. História do Brazil:
SÃO PAULO (Estado). Decreto n.º 3356, de 31 de maio de 1921. Regulamentação a Lei
n.º 1450, de 8 de dezembro de 1920, que reforma a Instrucção Publica. Disponível em:
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31.05.1921.html>. Acesso em: 22 de maio de 2017.
Relatórios:
Relatorio apresentado ao Sr. Dr. Cesario Motta Junior, secretario dos negocios do interior
por Gabril Prestes, director da Escola Normal. São Paulo: Typographia do Diario Official,
1895.
Relatorio do movimento letivo de 1933, apresentado ao Exmo. Snr. Dr. Francisco Azzi,
D. D. Diretor Geral do Ensino, por João Teixeira de Lara, Delegado Regional. Delegacia
Regional do Ensino de Botucatu, 1933b.
Relatorio Geral dos Trabalhos Escolares da Região de Jaboticabal apresentado pelo Prof.
Dorival Dias Minhoto, Delegado Regional do Ensino. Delegacia Regional do Ensino de
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Fotografias:
Album da Escola Normal e Annexas de São Paulo, 1908. Acervo CRE Mario Covas – EE
Caetano de Campos.
Album Photographico da Escola Normal de São Paulo, 1895. Acervo: CRE Mario Covas
– EE Caetano de Campos.
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LINNAUS, C. Hortus cliffortianus: plantas exhibens quas in hortis tam vivis quam siccis,
hartecampi in Hollandia. Amstelaedami: Med. Doet. & Ac. Imp. N. C. Soc., 1737.
Émile Deyrolle (Paris/ França) Les Fils D'Émile Deyrolle, Éditeurs (Paris/ França)
Revista de Educação durou entre 1956- Placas produzidas em 1923-1924; em 1939 placas foram
1974 vendidas em países da América Latina
0,75x0,55m 0,41x0,61
Colorido Colorido
Espanhol Francês
Zoologia Ensino religioso
? ?
1 10
24. Castor. 19. Dimanche dan l'Octave de l'Épiphanie (Domingo,
Oitava da Epifania); 21) 2me Dimanche aprés l'Épiphanie
(2º Domingo após a Epifania); 37. 1er Dimanche du
Careme (1º Domingo da Quaresma); 49. Dimanche des
Rameaux (Domingo de Ramos); 52. Dimanche in Albis -
Deuxième apparition de Jésus au Cénacle (II) (Domingo
em Albis - Segunda aparição de Jesus no Cenáculo); 55.
Quatrième Dimanche après Pàques (Quarto domingo
depois da Páscoa); 57. Cinquième Dimanche après Pâques
(Quinto domingo depois da Páscoa); 61. Dimanche dans
l'Octave de l'Ascension (Domingo, Oitava da Ascensão);
91. Douzième Dimanche après la Pentecôte - Le bom
Samaritain (Duodécimo Domingo depois do Pentecostes -
O bom Samaritano); 99. Quinzième Dimanche après la
Pentecôte - La Veuve de Naïm (Décimo quinto domingo
depois do Pentecostes - A Viuva de Naim).
Planches murales
- -
d'histoire naturelle
Aggêu José Nönoya Filho, Natanael Alves
da Silva, Manuel Salvador da Silva,
Valdecir B. de Lima (equipe técnica); João
João Odúlio Teixeira Filho Odúlio Teixeira Filho (orientação e
P. Gervais; Henry Gervais
(orientação e revisão) revisão)/ Aggêu José Nönoya Filho,
Natanael Alves da Silva, Manuel Salvador
da Silva, Valdecir B. de Lima (equipe
técnica)
Editorial Focus Ltda. (São Editorial Focus Ltda./ Polimapas Editora G. Masson, Editeur (Paris/
Paulo/ Brasil) Ltda. (São Paulo/ Brasil) França)
Comp. Melhoramentos de São Paulo (Weiszllog Irmãos Companhia Melhoramentos de São Paulo
Inc.) (São Paulo/ Brasil) (São Paulo/ Brasil)
Comp. Melhoramentos de São Paulo (Weiszllog Irmãos Companhia Melhoramentos de São Paulo
Inc.) (São Paulo/ Brasil) (São Paulo/ Brasil)
Companhia Melhoramentos de São Paulo (São Companhia Melhoramentos de São Paulo (São
Paulo/ Brasil) Paulo/ Brasil)
Companhia Melhoramentos de São Paulo (São Companhia Melhoramentos de São Paulo (São
Paulo/ Brasil) Paulo/ Brasil)
? ?
1957-1978 ?
0,91x0,65m 0,35x0,55m
Colorido Colorido
Português Português
Multidisciplinar Higiene
? 10
27 10
127. Acidentes geográficos (2 exemplares); 128. Corpo 2) Os dentes temporários ou de leite; 3) Os
humano (1º da série) - Ossos - Alicerces do nosso corpo dentes permanentes; 4) Como os dentes são
(ed. 1) (3 exemplares); 128. Corpo humano (1º da série) - construídos; 5) Como os dentes são
Ossos - Alicerces do nosso corpo (ed. 2) (2 exemplares); construídos; 6) Como os dentes são
129. Ficando coletivos; 130. A vida brasileira na época destruídos; 7) Os dentes cariados oferecem
colonial II (2 exemplares); 131. Corpo humano (2ª série) - perigo; 8) Como se podem perder os dentes;
Aparelho digestivo/ Aparelho circulatório/ Aparelho 9) Consequências da falta de cuidado com
urinário/ Aparelho genital (4 exemplares); 132. Jogos os dentes; 10) Dez regras básicas para ter
sobre atributos; 135. Você conhece os símbolos da nossa bons dentes.
pátria?; 136. Conhecendo nossa história - D. João VI no
Brasil - 1808-1821; 138. Conhecendo nossa história -
Independência - 1822 (2 exemplares); 139. Análise
sintática; 141. Nos transportes o homem emprega...; 142.
O trânsito na comunidade (2 exemplares); 143.
Conhecendo nossa história - Regências - 1831-1840; 144.
Conhecendo nossa história - II Reinado (1840-1889) - 1ª
parte; 146. Conhecendo nossa história - I Reinado (1822-
1831); ?. Corpo humano (3º da série) - Sistema Nervoso
Central.
Mural pedagógico brasileiro - Símbolos
- -
nacionais
Douglas Michalany, Ciro de Moura Ramos
? (Comentários históricos)/ José Gomes dos ?
Santos
Instituto Histórico e
Gráfica - Editora Michalany S.A. (São
? Geográfico Brasileiro (Rio
Paulo/ Brasil)
de Janeiro/ Brasil)
Gráfica - Editora Michalany S.A. (São Off. Graph. Mauá (Rio de
?
Paulo/ Brasil) Janerio/ Brasil)
? Década de 1970 1941
0,51x0,67m 0,55x0,84m ?
Colorido Colorido Colorido
Português Português Português
Geografia Instrução Moral e Cívica Instrução Moral e Civica
10 13 -
10 13 1
1) A geografia do 1) Bandeira nacional; 2) Apresentação da Bandeiras do Brasil.
petróleo;2) O petróleo no bandeira nacional; 3) Evolução histórica
subsolo;3) Procurando o das bandeiras I; 4) Evolução histórica das
petróleo;4) Perfurando o bandeiras II; 5) Desenho modular da
poço;5) A conservação do bandeira nacional; 6) Armas nacionais/ Selo
petróleo;6) Decompondo o nacional; 7) Hino nacional brasileiro; 8)
petróleo;7) Reagrupando Hino à bandeira nacional; 9) Hino da
moléculas;8) O transporte do independência; 10) Hino da proclamação da
petróleo;9) Petróleo e república; 11) Canção do marinheiro/
civilização;10) Energia, Canção do Exército/ Hino dos aviadores
tempo e espaço. brasileiros/ Ardor do inante; 12) Patrono
das Forças Armadas/ Patrono do Serviço
Militar; 13) Mandamentos cívicos.
Pontos de bordado - Ancora - -
? ? ?
? ? ?
? ? ?
Franz Engleder (1ª edição)/ Prof. Dr. G. Wasdorff (2ª edição)/ Matzdorff
?/ H. Leutemann/ Friedrich Specht (Giraffe, Indian Elephant, Tiger, Wolf)/ Emil Schmidt (estes três são
os ilustradores da série original)/ Wilhelm Kuhnert (African Lion, Golden Eagle) (fez parte das
ilustrações revistas)
? ?
Émile Deyrolle (Paris/ França) Les Fils D'Émile Deyrolle (Paris/ França)
Comp. Melhoramentos
Companhia
de São Paulo (Weiszflog Museu Nacional do Rio de Janeiro (Rio de Janerio/
Melhoramentos de São
irmãos incorporada) (São Brasil)
Paulo (São Paulo/ Brasil)
Paulo e Caieiras/ Brasil)
Comp. Melhoramentos
Estabelecimento Gráfico FGR/ Companhia Companhia
de São Paulo (Weiszflog
Litográfica Ypiranga ( São Paulo e Rio de Janeiro/ Melhoramentos de São
irmãos incorporada) (São
Brasil) Paulo (São Paulo/ Brasil)
Paulo e Caieiras/ Brasil)
Circulou entre 1915 e Confeccionados entre 1919 e 1922; distribuidos até Circulou entre as
1955 1942 décadas de 1930 e 1950
0,57x0,48m 0,80x1,0m 0,58x0,72m
colorido colorido PB
Português Português Português
Português/ Matemática História Natural Matemática
25 14 40
25 1 40
nº 1 ao 25. Botânica - 1. Classificação das plantas. nº 1 ao 40.
Memorial do Colégio São Luís
0,55x0,75m 0,85x1,32m
3 cores (preto, branco e vermelho) colorido
Português Português
Botânica Zoologia
13 (?) 20
13 9
1) Chlamydomonas Sp [alga verde].; 2) Spirogyra 1. Passaros; 3. Passaros; 4. As lindas aves do
Longata Kütz (Espirogira) [alga verde]; 3) Amazonas; 5. Corujas e galinhas (2 exemplares); 6.
Oedogonium Ciliatum Pringsheim (Édogonio) Aves aquaticas e paludiculas; 7. Aves de rapina e
[alga]; 4) Fucus Platycarpus Thur (bodelha) [alga]; do sertão; 8. Edentados, marsupiaes, tapirus,
5) Polysiphonia Fibrillosa Grev. (Polisifônia) suinos; 12. Cobras.
{alga]; 6) Mucor Mucedo Lin (Bolor branco do
pão); 7) Pyronema Confluens Tul. (Pironema)
[funfo]; 8) Funaria Hygrometrica Sibth. (Funaria)
[fungo]; 9) Polypodium Vulgare Lin. (Polipódio)
[samambaia]; 10) Selaginella Denticulata Lin
(Selaginela) [planta rastejante ou ascendente]; 11)
Pinus Maritima Lamk. (Pinheiro Bravo); 12)
Lilium Candidum Lin. (Acucena) [ lírio]; 13)
Parmélia [líquen].
Quadros de anatomia O corpo humano
1952 1937/ ?
? 1995
? ?
colorido colorido
Italiano Português
História Natural Ecologia
3 ?
3 1
Regno Animale; Regno Vegetale; Regno Minerale. O manguezal e a sua fauna.
- -
? 1950
0,56x0,79m 0,56x0,79m
colorido colorido
Português Português
Anatomia-Fisiologia Anatomia-Fisiologia
- -
1 2
Corpo humano. Corpo humano (2 exemplares).
- -
Livraria Escolar Progredidor (Porto/ Portugal) Apoio S.A. (São Paulo/ Brasil)
? ?
colorido colorido
Português Português
Anatomia-Fisiologia Química
- -
2 1
Esqueleto humano (2 exemplares). Classificação peródica dos metais.
Colégio Marista Glória