Pulverulência Do Emboço - Carasek
Pulverulência Do Emboço - Carasek
Pulverulência Do Emboço - Carasek
Valda Gomes Mendonça (1); Helena Carasek (2); Oswaldo Cascudo (3)
(1) Universidade Federal de Goiás, Láter Engenharia Ltda, [email protected]
(2) Universidade Federal de Goiás, [email protected]
(3) Universidade Federal de Goiás, [email protected]
RESUMO
O presente trabalho relata um caso acontecido numa obra com aproximadamente 1.000 m2 de área
construída, em Salvador – BA, onde o revestimento de argamassa (constituída de cimento, areia,
caulim e aditivo plastificante) apresentou problemas de pulverulência e baixa resistência superficial,
uma semana após a aplicação da argamassa. Foi então realizado o ensaio de resistência de aderência à
tração para averiguar a qualidade do revestimento, já que sobre este emboço seria ainda aplicado
revestimento cerâmico. Os resultados obtidos, entre 0,13 e 0,22 MPa, foram bem inferiores aos
prescritos pela especificação de revestimentos. Como solução do problema manifestado, foi aplicado
um produto endurecedor de superfície à base de silicatos, que diluído em água na proporção adequada
penetra pelos poros do revestimento formando cristais insolúveis de cálcio, magnésio e ferro, selando
as superfícies e conferindo maior resistência ao desgaste superficial. Após sua aplicação, foram
realizados novos ensaios de resistência de aderência à tração, para verificar a eficiência do produto. Os
resultados melhoraram consideravelmente, variando entre 0,31 e 0,51 MPa, ficando todos os pontos
testados superiores a 0,30 MPa (valor mínimo exigido pela especificação). Assim, neste artigo, com
base em uma caracterização detalhada dos materiais constituintes e traço empregado, bem como em
uma observação em lupa esteroscópica, apresenta-se o diagnóstico do problema, além da terapia
adotada, abordando o mecanismo de funcionamento do endurecedor de superfície.
Palavras-chave: argamassa, revestimento, pulverulência, resistência superficial, endurecedor de
superfície.
1. INTRODUÇÃO
O uso de solos contendo uma fração argilosa na argamassa é uma prática constante, pois sua área
específica elevada confere uma boa plasticidade às argamassas. Mas seu uso indiscriminado, sem
maiores critérios técnicos e sem controle tecnológico, resulta em grandes incidências de manifestações
patológicas nos revestimentos produzidos com essas argamassas. (Carasek, 1996)
O saibro, conhecido na região metropolitana de Salvador – BA como arenoso e caulim, é uma adição
mineral muito empregada em argamassas de revestimento e assentamento, desde a construção das
primeiras edificações do estado. Tradicionalmente o arenoso é empregado nas argamassas destinadas
ao assentamento dos componentes de alvenarias, no revestimento de fachadas e como emboço para
revestimento cerâmico. Já o caulim é incorporado às argamassas de revestimento interno, geralmente
constituído de uma única camada e, em alguns casos, como reboco externo. Por serem estes materiais
de certo modo inertes, as suas incorporações à argamassa tem como finalidade básica melhorar as
propriedades inerentes a trabalhabilidade podendo interferir em outras propriedades relacionadas à
durabilidade e à qualidade dos revestimentos. (Gomes, 2000)
Neste sentido, o presente trabalho tem por objetivo relatar um estudo de caso, no qual registrou-se a
ocorrência de um problema patológico de pulverulência excessiva no revestimento interno de uma
obra de cerca de 1000 m2 de área construída na cidade de Salvador – BA, que representou algo em
torno de 1031 m2 de área de revestimento de argamassa. A patologia se manifestou principalmente no
emboço a ser utilizado como base para revestimento cerâmico e, no que concerne à argamassa
especificada, utilizou-se em seu proporcionamento um saibro tipicamente empregado na região, o
caulim. Assim, neste artigo discute-se as causas e efeitos do problema, ou seja, apresenta-se o
diagnóstico da manifestação patológica incidente, bem como se descreve a solução técnica adotada em
sua terapia.
2. MATERIAIS E MÉTODOS
2.1.1 Cimento
O cimento utilizado foi do tipo CP II Z – 32. Na Tabela 1 está apresentada a caracterização química,
física e mecânica do cimento.
Tabela 1 – Caracterização química, física e mecânica do cimento empregado.
Propriedades Determinadas
Teores
CP II Z-32
resíduo na peneira 200 (75 µm) (%) 0,68
Finura resíduo na peneira 325 (45 µm) (%) 6,26
área específica - Blaine (cm²/g) 375
Inicio de Pega (h:min) 2:13
Tempos de Pega
Fim de Pega (h:min) ---
3 dias 26,6
Resistência à
7 dias 29,7
Compressão (MPa)
28 dias 37,3
perda ao fogo 5,85
Análise Química (%) resíduo insolúvel 13,96
trióxido de enxofre (SO3) 2,61
Distribuição Granulométrica
P eneira # 200 # 40 # 10 #4
100s
90
80
70
60
50
40
30
20
10 γ s =25,1 kN/m 3
0
0.001 0.01 0.1 1 10 100
Ta ma n ho da s P a r t í c ul a s ( mm)
De acordo com a NBR 7211 (ABNT, 1983), tanto a areia como o caulim empregados na argamassa
são considerados muito finos (veja Tabela 4, com faixas granulométricas da areia).
Tabela 4 – Faixas granulométricas da areia, conforme NBR 7211 (ABNT, 1983).
Porcentagem retida acumulada, em massa, nas peneiras
Tipo
6,3 mm 4,8 mm 2,4 mm 1,2 mm 0,6 mm 0,3 mm 0,15 mm
Muito fina 0a3 0a5 0a5 0 a 10 0 a 20 50 a 85 85 a 100
Fina 0a7 0 a 10 0 a 15 0 a 25 21 a 40 60 a 88 90 a 100
Média 0a7 0 a 11 0 a 25 10 a 45 41 a 65 70 a 92 90 a 100
Grossa 0a7 0 a 12 5 a 40 30 a 70 66 a 85 80 a 95 90 a 100
Traço em Volume
Consumo No de
Materiais massa para 1 saco
(Kg/m3) padiolas
unitária de cimento
Cimento 1 153 50 kg 1 saco
Areia * 7,22 1104 300 litros 6 padiolas
Caulim * 2,41 368 100 litros 2 padiolas
Água 1,7 260 85 litros 85 litros
Aditivo 0,004 612 ml 200 ml 200 ml
* Peneirar na malha 3/16” (0,48 mm)
Segundo Gomes et al. (2002), de acordo com a Tabela 6, a recomendação do consumo de cimento por
metro cúbico de argamassa para revestimento interno do tipo emboço é entre 160 e 180 kg. O
consumo utilizado no traço aplicado neste caso foi 153 kg, como se observa na Tabela 5.
Tabela 6 – Faixas de consumos de cimento em kg por m3 de argamassa (Gomes et al., 2002)
USO OU APLICAÇÃO
TIPO DE ARGAMASSA
Interna Externa
Assentamento de blocos 150 – 180 160 – 190
Chapisco (sem adição) 380 – 430 410 – 470
Emboço 160 – 180 180 – 210
Reboco 160 – 170 170 – 190
Camada única 160 – 180 180 – 210
Base para cerâmica 180 – 210 190 – 220
Base para laminado 210 – 240 -----
Contrapiso 235 – 320 270 – 450
Assentamento 250 – 350 250 – 350
2.4 Revestimento
2.4.1 Espessura
O revestimento utilizado teve como espessura média 2 cm.
3. MANIFESTAÇÃO PATOLÓGICA
Uma semana após a aplicação da argamassa, foi observada a patologia no revestimento com as
seguintes características:
9 Pulverulência;
9 Baixa resistência superficial ao risco.
Os aspectos gerais do revestimento de argamassa podem ser visualizados nas fotografias a seguir
(Figura 2 e Figura 3).
Figura 2 – Fotografia mostrando a baixa resistência superficial ao risco do revestimento.
Apesar da manifestação generalizada da patologia nos revestimentos, houve uma maior incidência nas
paredes que tiveram maior exposição ao sol, devido à obra ainda não se encontrar com a cobertura
concluída.
De acordo com Cincotto et al. (1995), a resistência ao desgaste superficial ou à abrasão é influenciada
pelo teor de aglomerante, pela granulometria da areia e sua natureza, sendo especificamente
prejudiciais os finos de natureza argilosa.
Tendo em vista as patologias apresentadas, foi solicitado um ensaio de resistência de aderência à
tração, de acordo com a NBR 13528, para averiguar a qualidade do revestimento, já que em alguns
locais seria aplicado o revestimento cerâmico.
A Tabela 7 apresenta os resultados obtidos de resistência de aderência, com idade de 28 dias.
Tabela 7 – Resistência de aderência à tração do revestimento, aos 28 dias.
4. DIAGNÓSTICO DO PROBLEMA
Diante do que foi considerado anteriormente, pode-se discorrer sobre o diagnóstico, ressaltando que a
presente manifestação patológica é decorrente basicamente de uma dosagem ou proporcionamento
inadequado dos materiais constituintes da argamassa especificada. O teor de finos presente nos
agregados é excessivo, uma vez que se empregou o caulim, que se trata de um material naturalmente
fino, além de uma areia também demasiadamente fina. Tendo-se, portanto, uma elevada superfície
específica da mistura e tendo em vista uma quantidade de aglomerante relativamente pequena face a
esta circunstância, o resultado é uma carência de pasta aglomerante para envolver a totalidade dos
agregados, o que implica em pulverulência da argamassa endurecida, ou seja, há a ocorrência de
partículas de agregados não suficientemente retidas na matriz cimentícia. Isto se reflete em baixa
resistência superficial, com as partículas de agregados desprendendo-se e desagregando-se facilmente
do revestimento.
De modo não excludente, é provável que esteja contribuindo para esta elevada pulverulência, o fato de
se empregar normalmente em misturas de elevada superfície específica dos agregados, uma maior
quantidade de água por metro cúbico para se garantir uma adequada trabalhabilidade do material
fresco. Com isto, reduz-se a relação água/cimento, o que significa a obtenção de uma pasta de baixa
resistência, que naturalmente possui uma pobre capacidade aglomerante.
Alia-se a este quadro, o fato de haver sido empregado um aditivo plastificante, cujo mecanismo de
ação principal é a incorporação de ar na mistura fresca. Isto agrava mais a situação, uma vez que as
microbolhas produzidas pela incorporação de ar auxiliam ainda mais nesta deficiente ligação entre a
pasta de cimento e os agregados. Na realidade, ocorre, parcialmente, uma interposição de bolhas de ar
entre a já insuficiente pasta aglomerante e os agregados, diminuindo desta forma a superfície de
contato pasta-agregado e, por conseguinte, ajudando a piorar a aderência entre estes dois elementos.
5. TERAPIA ADOTADA
Os revestimentos onde foram aplicadas pinturas não sofreram nenhum tipo de tratamento, tendo em
vista apresentarem-se em condições para receber este tipo de acabamento.
Após o diagnóstico do problema, nos revestimentos para assentamento de placas cerâmicas, foi
aplicado um aditivo endurecedor de superfície a base de sais de silício, com o nome comercial de
Fortemassa EPR, fabricado pela Concremassa.
5.1 Modo de aplicação
A seguir estão descritas as etapas adotadas para a aplicação do endurecedor de superfície:
9 Limpeza da superfície, com aplicação de água e escovação, um dia antes da aplicação da
mistura;
9 Diluição do produto em água na proporção 1: 5 (fortemassa EPR: água);
9 Aplicação generosa da mistura com trincha sobre a área a ser tratada, até a saturação
(Figura 4);
9 Secagem e aplicação uma nova demão da mistura, após 24 horas.
O consumo do aditivo foi de aproximadamente 80 ml/m2 e o revestimento cerâmico foi aplicado 2 dias
após o término da aplicação da solução endurecedora sobre o emboço.
Figura 5 – Revestimento de argamassa: região (a) com solução endurecedora aplicada e região (b) sem
aplicação.
5.2 Mecanismo de ação do produto
O mecanismo de ação do endurecedor de superfície é o seguinte: através de troca iônica ele penetra
nos poros capilares e nos poros de gel da pasta de cimento e reagem em especial com o hidróxido de
cálcio. Essa reação permite a formação de cristais de cálcio, magnésio e ferro no interior dos poros,
cristais estes menores, de elevada dureza e maior estabilidade química. Isso resulta no selamento da
superfície, conferindo maior resistência ao desgaste superficial. (Oliveira et al., 2002). Esta aplicação é
recomendada em argamassas e concretos com idade superior a 14 dias. No caso em estudo o
revestimento já possuía idade superior a 28 dias.
O efeito do endurecedor de superfície pode ser claramente visualizado através da observação do
revestimento em lupa esteroscópica. Nas Figuras 6 e 7 a seguir, pode-se ver os aspectos da superfície,
respectivamente, a argamassa sem a aplicação do endurecedor e após a sua aplicação.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A dosagem da argamassa em questão desobedeceu a uma recomendação importante do fabricante do
aditivo plastificante utilizado, qual seja, a de que a granulometria do agregado miúdo deveria resultar
em um material classificado como de finura média. O uso do agregado miúdo muito fino, como a areia
natural e o caulim empregados, implicou em quantidade insuficiente de pasta aglomerante e, por outro
lado, exigiu um consumo maior de água, o que ocasionou o enfraquecimento da argamassa. Somou-se
a isto, o uso de um aditivo plastificante, cujo princípio é o da incorporação de ar na mistura, que
provoca a interposição de microbolhas de ar na interface pasta/agregado. Estes três aspectos
certamente causaram a pulverulência excessiva do revestimento.
Destaca-se ainda que o proporcionamento da argamassa foi considerado pobre no que tange ao teor de
aglomerante, pois teve um uso de cimento aquém do que se considera razoável do ponto de vista
técnico. Segundo Gomes et al. (2002), para um revestimento de características similares ao do presente
estudo de caso, a recomendação é de um consumo de cimento de 160 kg/m3 a 180 kg/m3; no caso em
questão, utilizou-se um consumo de 153 kg/m3. Com efeito, argamassas pobres possuem baixa
capacidade de aglomeração, permitindo a ocorrência de pulverulência e desagregação do revestimento
(Carasek, 2001).
A aplicação do aditivo endurecedor de superfície à base de silicatos sobre o revestimento resolveu o
problema da argamassa deste estudo, que tinha boas propriedades em relação à aderência ao substrato,
mas que se mostrava excessivamente pulverulenta e com baixa resistência superficial ao risco.
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