Poemas Álvares de Azevedo

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Álvares de Azevedo – Poemas

Álvares de Azevedo – Poemas

Por que mentias?

Por que mentias leviana e bela?

Se minha face pálida sentias

Queimada pela febre, e minha vida

Tu vias desmaiar, por que mentias?

Acordei da ilusão, a sós morrendo

Sinto na mocidade as agonias.

Por tua causa desespero e morro…

Leviana sem dó, por que mentias?

Sabe Deus se te amei! Sabem as noites

Essa dor que alentei, que tu nutrias!

Sabe esse pobre coração que treme

Que a esperança perdeu por que mentias!

Vê minha palidez – a febre lenta

Esse fogo das pálpebras sombrias…

Pousa a mão no meu peito!

Eu morro! Eu morro!

Leviana sem dó, por que mentias?

( Álvares de Azevedo )

*
Se eu morresse amanhã

Se eu morresse amanhã, viria ao menos

Fechar meus olhos minha triste irmã;

Minha mãe de saudades morreria

Se eu morresse amanhã!

Quanta glória pressinto em meu futuro!

Que aurora de porvir e que manhã!

Eu perdera chorando essas coroas

Se eu morresse amanhã!

Que sol! Que céu azul! Que doce n’alva

Acorda a natureza mais louçã!

Não me batera tanto amor no peito

Se eu morresse amanhã!

Mas essa dor da vida que devora

A ânsia de glória, o dolorido afã…

A dor no peito emudecera ao menos

Se eu morresse amanhã!

( Álvares de Azevedo )

Lembranças de Morrer

Quando em meu peito rebentar-se a fibra,

Que o espírito enlaça à dor vivente,

Não derramem por mim nem uma lágrima


Em pálpebra demente.

E nem desfolhem na matéria impura

A flor do vale que adormece ao vento:

Não quero que uma nota de alegria

Se cale por meu triste passamento.

Eu deixo a vida como deixa o tédio

Do deserto, o poento caminheiro

- Como as horas de um longo pesadelo

Que se desfaz ao dobre de um sineiro;

Como o desterro de minh’alma errante,

Onde o fogo insensato a consumia:

Só levo uma saudade – é desses tempos

Que amorosa ilusão embelecia.

Só levo uma saudade – é dessas sombras

Que eu sentia velar nas noites minhas …

De ti, ó minha mãe! pobre coitada

Que por minha tristeza te definhas!

De meu pai… de meus únicos amigos,

Poucos – bem poucos – e que não zombavam

Quando, em noites de febre endoudecido,

Minhas pálidas crenças duvidavam.

Se uma lágrima as pálpebras me inunda,

Se um suspiro nos seios treme ainda,

É pela virgem que sonhei… que nunca

Aos lábios me encostou a face linda!


Só tu à mocidade sonhadora

Do pálido poeta destes flores…

Se viveu, foi por ti! e de esperança

De na vida gozar dos teus amores.

Beijarei a verdade santa e nua,

Verei cristalizar-se o sonho amigo …

Ó minha virgem dos errantes sonhos,

Filha do céu, eu vou amar contigo!

Descansem o meu leito solitário

Na floresta dos homens esquecida,

À sombra de uma cruz, e escrevam nela:

Foi poeta – sonhou – e amou na vida.

Sombras do vale, noites da montanha

Que minha alma cantou e amava tanto,

Protegei o meu corpo abandonado,

E no silêncio derramai-lhe canto!

Mas quando preludia ave d’aurora

E quando à meia-noite o céu repousa,

Arvoredos do bosque, abri os ramos.

Deixai a lua pratear-me a lousa!

( Álvares de Azevedo )

alvares-de-azevedo
*

Meu Sonho

Eu

Cavaleiro das armas escuras,

Onde vais pelas trevas impuras

Com a espada sangüenta na mão?

Por que brilham teus olhos ardentes

E gemidos nos lábios frementes

Vertem fogo do teu coração?

Cavaleiro, quem és? o remorso?

Do corcel te debruças no dorso.

E galopas do vale através.

Oh! da estrada acordando as poeiras

Não escutas gritar as caveiras

E morder-te o fantasma nos pés?

Onde vais pelas trevas impuras,

Cavaleiro das armas escuras,

Macilento qual morto na tumba?.

Tu escutas. Na longa montanha

Um tropel teu galope acompanha?

E um clamor de vingança retumba?

Cavaleiro, quem és? – que mistério,

Quem te força da morte no império

Pela noite assombrada a vagar?

O Fantasma
Sou o sonho da tua esperança,

Tua febre que nunca descansa,

O delírio que te há de matar!.

( Álvares de Azevedo )

À T…

Amoroso palor meu rosto inunda,

Mórbida languidez me banha os olhos,

Ardem sem sono as pálpebras doridas,

Convulsivo tremor meu corpo vibra:

Quanto sofro por ti! Nas longas noites

Adoeço de amor e de desejos

E nos meus olhos desmaiando passa

A imagem voluptuosa da ventura…

Eu sinto-a de paixão encher a brisa,

Embalsamar a noite e o céu sem nuvens,

E ela mesma suave descorando

Os alvacentos véus soltar do colo,

Cheirosas flores desparzir sorrindo

Da mágica cintura.

Sinto na fronte pétalas de flores,

Sinto-as nos lábios e de amor suspiro.

Mas flores e perfumes embriagam,

E no fogo da febre, e em meu delírio

Embebem na minh’alma enamorada

Delicioso veneno

Estrela de mistério! Em tua fronte


Os céus revela, e mostra-me na terra,

Como um anjo que dorme, a tua imagem

E teus encantos onde amor estende

Nessa morena tez a cor de rosa

Meu amor, minha vida, eu sofro tanto!

O fogo de teus olhos me fascina,

O langor de teus olhos me enlanguesce,

Cada suspiro que te abala o seio

Vem no meu peito enlouquecer minh’alma!

Ah! vem, pálida virgem, se tens pena

De quem morre por ti, e morre amando,

Dá vida em teu alento à minha vida,

Une nos lábios meus minh’alma à tua!

Eu quero ao pé de ti sentir o mundo

Na tua alma infantil; na tua fronte

Beijar a luz de Deus; nos teus suspiros

Sentir as vibrações do paraíso;

E a teus pés, de joelhos, crer ainda

Que não mente o amor que um anjo inspira,

Que eu posso na tu’alma ser ditoso,

Beijar-te nos cabelos soluçando

E no teu seio ser feliz morrendo!

( Álvares de Azevedo )

Adeus, meus sonhos!

Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro!

Não levo da existência uma saudade!


E tanta vida que meu peito enchia

Morreu na minha triste mocidade!

Misérrimo! Votei meus pobres dias

À sina doida de um amor sem fruto,

E minh’alma na treva agora dorme

Como um olhar que a morte envolve em luto.

Que me resta, meu Deus?

Morra comigo

A estrela de meus cândidos amores,

Já não vejo no meu peito morto

Um punhado sequer de murchas flores!

( Álvares de Azevedo )

Amor

Amemos! Quero de amor

Viver no teu coração!

Sofrer e amar essa dor

Que desmaia de paixão!

Na tu’alma, em teus encantos

E na tua palidez

E nos teus ardentes prantos

Suspirar de languidez!

Quero em teus lábio beber

Os teus amores do céu,

Quero em teu seio morrer

No enlevo do seio teu!

Quero viver d’esperança,


Quero tremer e sentir!

Na tua cheirosa trança

Quero sonhar e dormir!

Vem, anjo, minha donzela,

Minha’alma, meu coração!

Que noite, que noite bela!

Como é doce a viração!

E entre os suspiros do vento

Da noite ao mole frescor,

Quero viver um momento,

Morrer contigo de amor!

( Álvares de Azevedo )

Anjos do céu

Tenho um seio que delira

Como as tuas harmonias!

Que treme quando suspira,

Que geme como gemias!

II

Tenho músicas ardentes,

Ais do meu amor insano,

Que palpitam mais dormentes

Do que os sons do teu piano!

III
Tenho cordas argentinas

Que a noite faz acordar,

Como as nuvens peregrinas

Das gaivotas do alto mar!

IV

Como a teus dedos lindinhos

O teu piano gemeu,

Vibra-me o seio aos dedinhos

Dos anjos loiros do céu!

Vibra à noite do mistério,

Se o banha o frouxo luar,

Se passa teu rosto aéreo

No vaporoso sonhar!

VI

Como tremem teus dedinhos

O saudoso piano teu,

Vibram-me n’alma os anjinhos,

Os anjos loiros do céu!

( Álvares de Azevedo )

*
Cismar

Fala-me, anjo de luz! és glorioso

À minha vista na janela à noite,

Como divino alado mensageiro

Ao ebrioso olhar dos froixos olhos

Do homem que se ajoelha para vê-lo,

Quando resvala em preguiçosas nuvens

Ou navega no seio do ar da noite.

Romeu Ai! Quando de noite, sozinha à janela,

Co’a face na mão te vejo ao luar,

Por que, suspirando, tu sonhas donzela?

A noite vai bela,

E a vista desmaia

Ao longe na praia

Do mar!

Por quem essa lágrima orvalha-te os dedos,

Como água da chuva cheiroso jasmim?

Na cisma que anjinho te conta segredos?

Que pálidos medos?

Suave morena,

Acaso tens pena

De mim?

Donzela sombria, na brisa não sentes

A dor que um suspiro em meus lábios tremeu?

E a noite, que inspira no seio dos entes

Os sonhos ardentes,

Não diz-te que a voz

Que fala-te a sós

Sou eu?

Acorda! Não durmas da cisma no véu!


Amemos, vivamos, que amor é sonhar!

Um beijo, donzela! Não ouves?

No céu A brisa gemeu…

As vagas murmuram…

As folhas sussurram: Amar!

( Álvares de Azevedo )

Desânimo

Estou agora triste. Há nesta vida

Páginas torvas que se não apagam,

Nódoas que não se lavam… se esquecê-las

De todo não é dado a quem padece…

Ao menos resta ao sonhador consolo

No imaginar dos sonhos de mancebo!

Oh! voltai uma vez! eu sofro tanto!

Meus sonhos, consolai-me! distraí-me!

Anjos das ilusões, as asas brancas

As névoas puras, que outro sol matiza.

Abri ante meus olhos que abraseiam

E lágrimas não tem que a dor do peito

Transbordem um momento…

E tu, imagem,

Ilusão de mulher, querido sonho,

Na hora derradeira, vem sentar-te,

Pensativa e saudosa no meu leito!


O que sofres? que dor desconhecida

Inunda de palor teu rosto virgem?

Por que tu’alma dobra taciturna,

Como um lírio a um bafo d’infortúnio?

Por que tão melancólica suspiras?

Ilusão, ideal, a ti meus sonhos,

Como os cantos a Deus se erguem gemendo!

Por ti meu pobre coração palpita…

Eu sofro tanto! meus exaustos dias

Não sei por que logo ao nascer manchou-os

De negra profecia um Deus irado.

Outros meu fado invejam… Que loucura!

Que valem as ridículas vaidades

De uma vida opulenta, os falsos mimos

De gente que não ama? Até o gênio

Que Deus lançou-me à doentia fronte,

Qual semente perdida num rochedo,

Tudo isso que vale, se padeço!

Nessas horas talvez em mim não pensas:

Pousas sombria a desmaiada face

Na doce mão e pendes-te sonhando

No teu mundo ideal de fantasia…

Se meu orgulho, que fraqueia agora,

Pudesse crer que ao pobre desditoso

Sagravas uma idéia, uma saudade…

Eu seria um instante venturoso!

Mas não… ali no baile fascinante,

Na alegria brutal da noite ardente,


No sorriso ebrioso e tresloucado

Daqueles homens que, pra rir um pouco,

Encobrem sob a máscara o semblante,

Tu não pensas em mim. Na tua idéia

Se minha imagem retratou-se um dia

Foi como a estrela peregrina e pálida

Sobre a face de um lago…

( Álvares de Azevedo )

Conheça também:

Álvares de Azevedo – Wikipedia

(Seleção de Fabio Rocha)

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