1 - Dissert - Desafio Gestao Recursos Hidricos AM PDF
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MANAUS, AM
2015
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MANAUS, AM
2015
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Catalogação na fonte
Elaborada pela Universidade do Estado do Amazonas/UEA
Q1d Quadros, Jefferson Rodrigues de
Os desafios na gestão dos recursos hídricos e os comitês de bacias
hidrográficas no Estado do Amazonas /Jefferson Rodrigues de Quadros.
– Manaus: Universidade do Estado Amazonas, 2015.
257 fls.: Il; 30 cm
TERMO DE APROVAÇÃO
AGRADECIMENTOS
“O mundo não será destruído por aqueles que fazem o mal, mas por
aqueles que os olham e não fazem nada.”
(Albert Eisten)
10
RESUMO
ABSTRACT
The multiple uses and interests on waters have revealed a worrying context of scarcity and
water pollution. The unequal distribution and inadequate use have produced conflicts and put
into question the guarantee of this resource for present and future generations. Modify this
context and establish agreements between the various uses require institutional arrangements
capable of reconciling the various interests and the collective production of solutions, which
necessarily passes through the enviromental law, while human science endowed with
interdisciplinary capacity to dialogue with other branches of science. In this sense, and in
order to contribute to solving this problem, international law were establishing and
conferences were held that culminated in producing policy guidelines that guided the
Brazilian legislation on water management , in particular, by law 9.433 / 97. Among the water
management tools employed by the Brazilian standard the creation the Hydrographic Basin
Committees as an expression of the principle of participation and as a legal instrument to
assist in the management of water resources programs, being a collegiate body of
participation and integration between government , users and society to the decision-making
on how to conduct the management of water resources. And here lies the core of the research:
the Hydrographic Basin Committees and the challenge of implementation of its statutory
duties. Considered that the creation of Hydrographic Basin Committees endowed with
institutional strength and financial autonomy to fulfill their duties represent the embryo for
the realization of a participatory and efficient water management policy, and converging such
a design/ concept to the existing factual context in Amazonas State for the management of its
water resources, the theme of this research came. Thus, the timely topic of the dissertation
deals with the Water Law, specifically in relation to the challenges for the management of
water resources in the State of Amazonas, especially in relation to the Committees of Basin
Tarumã-Açu River and the Rio Puraquequara, located around the city of Manaus, from the
difficulties encountered in the implementation of their management. Thus, the overall
objective of the study is to analyze the challenges to be faced to the Committees as essential
instrument for the management of water resources, will fulfill its legal duties in the state of
Amazonas, for the construction of proposals from the difficulties encountered in the
implementation of their management. With the aim of guiding the study, we used the method,
qualitative, descriptive, application, deductive, extract from official public sources, from
legislation, from scientific and doctrinal papers and developed field research.
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE ANEXOS
ANEXO D – Ata de reunião do CERH/AM que dispõe sobre a divisão da bacia hidrográfica
no Estado do Amazonas
LISTA DE SIGLAS
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 20
2.1 ENTENDENDO O DIREITO DE ÁGUAS .................................................................... 31
2.1.1 Classificação dos usos e interesses sobre os Recursos Hídricos ......................... 34
2.1.1.1 Abastecimento humano ......................................................................................... 35
2.1.1.2 Energia hidrelétrica ............................................................................................... 35
2.1.1.3 Irrigação e agropecuária ........................................................................................ 37
2.1.1.4 Indústria................................................................................................................. 38
2.1.1.5 Mineração .............................................................................................................. 39
2.1.1.6 Navegação e hidrovias .......................................................................................... 40
2.1.1.7 Pesca ...................................................................................................................... 42
2.1.1.8 Proteção ambiental ................................................................................................ 43
2.1.1.9 Turismo e lazer ...................................................................................................... 45
2.1.2 Conflitos pelas Águas ............................................................................................. 47
2.1.3 Direito à água e o direito de águas ........................................................................ 49
2.1.4 Fontes do direito de águas ..................................................................................... 51
2.2 MARCOS HISTÓRICOS E PRINCIPAIS INSTRUMENTOS DE PROTEÇÃO LEGAL
DAS ÁGUAS ........................................................................................................................ 53
2.2.1 Carta Européia da Água/1968............................................................................... 55
2.2.2 Tratado da Bacia do Prata/1969 ........................................................................... 56
2.2.3 Conferência de Estocolmo/1972 ............................................................................ 59
2.2.4 Conferência de Mar del Plata (ONU)/1977 .......................................................... 60
2.2.5 Tratado de Cooperação Amazônica/1977 ............................................................ 61
2.2.6 Conferência sobre Água e Meio Ambiente de Dublin/1992................................ 62
2.2.7 Declaração Universal dos Direitos das Águas...................................................... 64
2.2.8 Declaração do Rio/1992 - Agenda 21 .................................................................... 65
2.2.9 Convenção de Helsink/1992 ................................................................................... 68
2.2.10 Convenção sobre o direito relativo à utilização dos cursos de águas
internacionais para fins diversos dos de navegação/1997 ............................................ 69
2.2.11 Conferência Internacional da Água e Desenvolvimento Sustentável –
Paris/1998 ......................................................................................................................... 71
2.2.12 Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável (Rio+20)/2012 .............................................................................................. 71
2.3 ORGANISMOS INTERNACIONAIS SOBRE RECURSOS HÍDRICOS ..................... 75
2.3.1 Conselho Mundial da Água ................................................................................... 75
2.3.2 Comissão das Nações Unidas sobre águas............................................................ 78
3 PRINCÍPIOS INFORMADORES DO DIREITO DE ÁGUAS ...................................... 80
3.1 PRINCÍPIO DO DIREITO À ÁGUA COMO DIREITO FUNDAMENTAL DA
PESSOA HUMANA ............................................................................................................. 80
3.2 PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL ....................................... 84
3.3 PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL ................................................. 88
17
1 INTRODUÇÃO
que o Estado do Amazonas, enquanto guardião de grande parte da maior bacia hidrográfica do
mundo, atualmente, não dispõe de nenhum Comitê de Bacia Hidrográfica em pleno
funcionamento, o que está a revelar um quadro, extremamente preocupante.
O perímetro urbano da cidade de Manaus tem em seu âmbito de abrangência quatro
micro-bacias hidrográficas, as quais contribuem para a formação da Bacia do Rio Negro, a
saber: as micro-bacias do Rio São Raimundo e do Rio Educandos, alocadas dentro da cidade;
e as micro-bacias do Rio do Tarumã-Açu e do Rio Puraquequara, localizadas na área urbana.
Estas duas últimas micro-bacias hidrográficas, as quais constituem o cenário da pesquisa,
albergam significativo mosaico ambiental que atuam diretamente sobre a qualidade de vida da
sociedade manauara, bem como de outras comunidades tradicionais ribeirinhas, indígenas e
quilombolas que ocupam o seu entorno.
Albergando uma das maiores coberturas vegetais de floresta amazônica situada no
entorno de Manaus, bem como sendo habitat de espécies silvestres e nativas da fauna da
região, a biodiversidade existente nos ecossistemas das bacias hidrográficas do Tarumã-Açu e
Puraquequara se encontram comprometidas devido à ameaça do desordenado e avassalador
avanço demográfico na zona urbana da cidade.
Assim, a temática abordada na pesquisa está adstrita à análise da gestão dos recursos
hídricos e a efetividade das atribuições legais dos Comitês de Bacia Hidrográficas do Rio
Tarumã-Açu (CBH-T) e Puraquequara (CBH-P), ambos afluentes do Rio Negro, localizados
na região metropolitana de Manaus, com base nas suas experiências vivenciadas, enquanto
ferramentas para a gestão dos recursos hídricos no Estado do Amazonas.
Portanto, o epicentro jurídico da pesquisa encontra-se sob o cenário do processo de
gestão dos recursos hídricos nas bacias hidrográficas do Rio Tarumã-Açu e Puraquequara,
especificamente, no que tange à atuação dos seus respectivos Comitês e os desafios quanto ao
cumprimento das suas atribuições, conforme a formatação concebida pelos diplomas
normativos internacionais, nacional e estadual.
Em decorrência da relevância desta problemática, justificada pelo desejo de produzir
uma contribuição para a gestão dos recursos hídricos, a partir de 2014, enquanto discente do
Programa de Pós-Graduação do Mestrado em Direito Ambiental da Universidade do Estado
do Amazonas (PPGDA/UEA), passou-se a desenvolver esta pesquisa visando realizar uma
análise da experiência de Gestão dos Recursos Hídricos no Estado do Amazonas, sobretudo,
em relação aos Comitês de Bacias Hidrográficas (CBH´s), para a produção de subsídios
voltados a compreender os obstáculos que comprometem a efetividade das atribuições destes
23
órgãos, e sob o viés propositivo produzir alternativas a partir das dificuldades encontradas na
implementação das suas gestões.
Diante da dimensão desse contexto e considerando as experiências de gestão
vivenciadas pelo Comitê de Bacia do Rio Tarumã-Açu (CBH-T), atualmente, estagnado,
deixando de cumprir com as suas atribuições, e o recém-constituído Comitê do Rio
Puraquequara (CBH-P), o qual se encontra em processo de organização, consoante apontado
anteriormente, verificou-se que o Estado do Amazonas, embora albergue parte significativa da
maior bacia hidrográfica do mundo, atualmente, não dispõe de nenhum CBH em pleno
funcionamento e cumprindo, efetivamente, com as atribuições definidas pelos ordenamentos
jurídicos, razão pela qual elaborou-se a seguinte pergunta problema:
Quais são os desafios a serem enfrentados para que os Comitês (CBH-T e CBH-P),
enquanto ferramentas fundamentais para a gestão dos recursos hídricos venham a cumprir
com as suas atribuições legais no Estado do Amazonas?
Com o intuito de responder à problemática levantada, o objetivo geral da pesquisa foi
analisar a gestão dos recursos hídricos no Estado do Amazonas e os desafios a serem
enfrentados para que os CBH´s venham a cumprir com as suas atribuições legais no sentido
de serem construídas proposições a partir das dificuldades encontradas na implementação das
suas respectivas gestões.
Para atingir tal objetivo geral foram fixados alguns objetivos específicos que
orientaram a própria execução da pesquisa, a saber:
a) contextualizar juridicamente os modelos de gestão dos recursos hídricos no
mundo, no Brasil e no Estado do Amazonas;
b) identificar a efetivação (ou não) do cumprimento dos princípios de Direito de
Águas na conjuntura da política hídrica do Estado do Amazonas;
c) verificar como se constituem os atuais processos de gestão dos recursos hídricos
no Estado do Amazonas com enfoque aos desafios para o cumprimento das
atribuições dos Comitês das Bacia Hidrográfica do Rio Tarumã-Açu (CBH-T) e
Puraquequara (CBH-P);
d) realizar uma análise entre às experiências vivenciadas pelos CBH-T e CBH-P;
e) compreender o princípio da participação em relação à gestão dos recursos hídricos,
bem como entender os fundamentos para a constituição dos CBH´s;
f) conhecer os modos de participação no CBH-T e no CBH-P;
g) identificar os principais desafios em relação à gestão do CBH-T e do CBH-P;
24
e domínios dos recursos hídricos, com destaque à Política Nacional de Recursos Hídricos, os
seus objetivos, órgãos e instrumentos de regulação quanto aos usos da água.
A seção 5 tem como enfoque os Comitês de Bacias Hidrográficas com destaque ao
princípio da participação para a compreensão da sua extensão, enquanto instrumento de
integração e participação entre o Estado e a sociedade civil no sistema de gerenciamento dos
recursos, bem como outros aspectos inerentes à sua constituição, formação, objetivos, entre
outros temas relevantes.
A seção 6 ingressa na temática específica sobre a gestão dos recursos hídricos no
Estado do Amazonas, realizando uma análise sobre o contexto hídrico e sociocultural
regional, a Política Estadual de Recursos Hídricos, os instrumentos de regulação, bem como
oferece destaque minucioso sobre os Comitês de Bacia Hidrográficas dos rios Tarumã-Açu e
Puraquequara, os seus modelos de gestão, suas atividades, seus problemas estruturais,
dificuldades e desafios, sendo, por fim, apresentadas alternativas propositivas para cada um
deles visando à remoção dos entraves que obstruem a consecução dos seus objetivos
institucionais;
Na seção 7 são apresentas as considerações finais, onde se buscou sintetizar os
resultados e demonstrar como as hipóteses foram confirmadas para que, com o viés
propositivo, pudessem ser produzidas alternativas e ferramentas para a construção de um
modelo de gestão hídrica eficiente e economicamente viável para o Estado do Amazonas, e
suscetível de aplicação para os demais Estados da Amazônia brasileira.
31
A crise da água constitui um fenômeno global, razão pela qual é preciso repensar os
seus usos múltiplos, interesses envolvidos, bem como a forma de gestão dos recursos hídricos.
Apresentadas as noções introdutórias que balizam o estudo proposto, nesta seção,
preliminarmente, discorre-se sobre os múltiplos interesses envolvidos em relação aos usos da
água, os seus fundamentos, as fontes e os principais institutos legais internacionais que
constituem o direito de águas. Em outro momento, apresenta-se os contornos conceituais
sobre o “direito à água” e “direito de águas” para efeito de orientar o decurso do trabalho.
Posteriormente, são abordadas as fontes do direito de águas. E por derradeiro, pelo fato do
direito de águas ter como um das suas fontes principais os Tratados, Convenções,
Conferências e Declarações Internacionais, é realizada uma incursão sobre os principais
diplomas internacionais que fomentaram a constituição do direito de águas enquanto
ferramenta para a gestão dos recursos hídricos.
A água está na pauta da vida, seja enquanto necessidade fisiológica de qualquer ser
vivo, seja em qualquer agenda socioeconômica. Nos dias atuais, ao se assistir a televisão, ler o
jornal ou ouvir o rádio, de uma coisa pode-se ter a certeza: em algum momento, direta ou
indiretamente, algo será dito em relação à água. Arrefecida a cultura de que a água trata-se de
um recurso natural inesgotável, a questão da água ganha maior relevo diante de quadros
climáticos caóticos que comprometem as necessidades humanas, a qualidade de vida e o
equilíbrio do ecossistema. Água de mais, ou água de menos, é uma das principais causas dos
conflitos geopolíticos que tendem a se acentuar no decurso do Século XXI, razão pela qual a
água figura presente na agenda das mais diversas pautas socioeconômicas da pós-
modernidade. A matéria, antes restrita às discussões ambientalistas e técnicas, foi ganhando
espaço e hoje ocupa lugar de destaque, uma vez que na medida em que aumentaram as
demandas pelos usos das águas, também se intensificaram os interesses por parte de diversos
setores sociais e econômicos, sendo neste contexto que se insere o direito de águas,
especificamente, no âmbito da gestão dos recursos hídricos cujo objeto diz respeito ao
equacionamento entre a oferta e demanda de água por meio da utilização de ferramentas de
gestão.
32
Granziera (2014, p. 12), por sua vez, tomando emprestado parte do conceito
formulado por Pompeu (2006), define o direito de águas como sendo:
(2014, p. 512) que “a bacia hidrográfica abrange cursos de água, que são catalogados como
´principal´ e/ou tributário” e que “ não está necessariamente abrangendo os aquíferos, ou seja,
a bacia hidrogeológica”, a qual para existir deve conter pelo menos um aquífero de extensão
significativa.
Tal conceito deve ser interpretado sob um viés híbrido, sobretudo de natureza
normativa e científica. O conceito de bacia hidrográfica foi apresentado pela Lei de Política
Agrícola – Lei 8.171/91, produzida antes da Lei 9.433/97, que em seu art. 20, já dispusera
sobre o conceito, e que ainda continua em vigor: “As bacias hidrográficas constituem-se em
unidades básicas de planejamento do uso, da conservação e da recuperação dos recursos
naturais”.
Oportunamente, com o advento da Lei 9.433/97, no seu artigo 1º, inciso V, restou
apresentado um conceito limitado de bacia hidrográfica estabelecendo que “a bacia
hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos
Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.”
Na seara da engenharia ambiental, apresentam-se relevantes as afirmações e
particularidades quanto as bacias hidrográficas averbadas por Rodrigues e Mediondo (2013,
p.48). Estes autores afirmam que:
A bacia hidrográfica pode ser conceituada como sendo uma área delimitada por
divisores topográficos e drenada por um curso de água e seus afluentes, que
conduzem as águas superficiais para uma seção fluvial de saída, denominada
exutório. Os divisores topográficos ou divisores de água, por sua vez, são compostos
pela ligação entre os pontos mais elevados do terreno, separando o recolhimento da
precipitação por duas bacias adjacentes.
A vertente da bacia hidrográfica abrange diversos processo hidrológicos, ecológicos
e uma crescente antropização, na forma de atividades agrícolas, industriais e
comerciais, bem como a expansão de núcleos urbanos. Parte das consequências
dessa ocupação é refletida, de modo significativo, na quantidade e qualidade da rede
de drenagem da bacia. A bacia hidrográfica proporciona uma visão abrangente e
sistêmica, que analisa e leva em conta tanto as imposições climáticas naturais como
o resultado das alterações da paisagem causadas pelo Homem.
Entretanto, a adoção de bacia hidrográfica como unidade de gestão possui alguns
aspectos negativos, um dos quais reside no fato de que esta não controla o fluxo de
águas subterrâneas, importante fonte de recursos hídricos. Além disso, os campos de
atuação dos aspectos econômicos e políticos não coincidem com os limites da bacia
hidrográfica. Portanto, existem certas dificuldades para se lidar com esse recorte
geográfico, uma vez que os resultados hídricos exigem a gestão compartilhada com
a administração pública. Desse modo, o principal desafio ocorre no sentido de que o
Brasil ainda necessita aprimorar sua base territorial de unidades de planejamento e
gestão de recursos hídricos, bem como tipologias e gerenciamento, que poderão não
coincidir, em sua totalidade, com as bacias hidrográficas predefinidas. Assim, é
imprescindível que a tomada de decisão nos níveis regional e municipal seja
coerente às necessidades e ao próprio planejamento das bacias hidrográficas.
34
Segundo a hidrologia, os usos dos recursos hídricos podem ser classificados como
“consuntivos” e “não consuntivos”. Os usos consuntivos são aqueles em que existe perda de
água entre o que é derivado e o que retorna ao curso natural, servindo como exemplo o
abastecimento público, os usos de água pelas indústrias, a irrigação, etc. Os usos não
consuntivos, por seu turno, são aqueles em que a perda de água é quase nula, tendo como
exemplos a geração de energia elétrica, a navegação, a pesca e a preservação, entre outros.
Embora a água seja considerada bem de domínio público e de uso comum do povo,
tal como previsto na Constituição Federal, sendo preconizado, portanto, um tratamento
equânime para todos os usuários, os usos múltiplos da água determinam interesses
multifacetados que não raras vezes se colidem, provocando tensões sociais.
Para melhor análise quanto ao espectro dos usos e interesses envolvidos quanto à
água, passamos a abordar alguns deles.
35
Neste sentido, a natureza foi muito generosa com o Brasil, pois além de oferecer
água doce em abundância, as condições geológicas propícias de grande parte do território
nacional, sobretudo, nas regiões sul e sudeste, também contribuem significativamente para a
produção desta modalidade de energia.
A relação existente entre a água e a produção de energia é tamanha que o derrogado
Código de Águas representado pelo Decreto 24.643/34, inspirado por políticas públicas
privacionistas decorrentes do Código Civil de 1916, foi concebido no sentido de dedicar
especial atenção ao segmento hidrelétrico, enquanto ferramenta para o desenvolvimento
econômico nacional.
Na região norte do Brasil, especificamente, na região da Amazônia legal, existe água
doce em abundância, todavia, diversamente do que ocorre nas regiões sul e sudeste, as
37
características geológicas não permitem a produção de energia hidrelétrica, sendo que quando
construídas hidrelétricas os seus impactos ambientais são significativos em decorrência das
inundações de grandes áreas pelas barragens que alagam parte expressiva da floresta que,
diga-se de passagem, é tropical úmida, provocando não somente uma modificação substancial
na fauna e flora da região, nas terras ocupadas tradicionalmente por populações indígenas,
quilombolas e ribeirinhas, mas também sobre a quantidade e a qualidade do pescado, o que
acaba comprometendo a qualidade de vida destas populações e, em especial, as pessoas
menos favorecidas economicamente.
Um dos exemplos mais enfáticos em relação à insanidade deste modelo de produção
de energia na região amazônica pode ser verificado na hidrelétrica de Balbina/AM, a qual o
impacto ambiental e econômico aos pescadores e ribeirinhos desta região foi em muito
superior à quantidade de energia produzida.
A título ilustrativo quanto às nefastas consequências decorrentes da construção de
hidrelétricas na região amazônica, pode-se observar a dimensão das discussões políticas,
sociais, econômicas e ambientais que vem sendo debatidas em torno da usina de Belo Monte,
a qual inundará uma extensão territorial maior do que muitos países da Europa.
Desta forma, o âmago da discussão diz respeito à análise comparativa axiológica que
se encontra em jogo e que, necessariamente, perpassa por uma decisão antropológica: por um
lado, a capacidade de desenvolvimento econômico e melhor qualidade de vida dos habitantes
da região norte mediante a produção em grande escala de energia hidrelétrica; e de outro, os
efeitos negativos decorrentes deste modelo energético, uma vez que não somente a fauna e
flora de parte da região amazônica serão afetadas, mas, sobretudo, as comunidades
tradicionais e indígenas que têm o pescado como principal fonte de subsistência.
2.1.1.4 Indústria
A água representa insumo imprescindível para o setor industrial, uma vez que em
razão das suas diferentes propriedades está presente em todo o processo da cadeia produtiva.
Discorrendo sobre tal temática, conforme acentua Kulay (2006, p. 367), “a água é o único
líquido inorgânico encontrado na natureza e é também o único composto químico que ocorre
39
naturalmente nos três estados físicos: sólido, líquido e vapor a utilização da água”. Outrossim,
Kulay (2006, p. 367) afirma que a água tem uma diversificada gama de aplicações na
indústria, tais como:
2.1.1.5 Mineração
desprovida de valores ou sem propósitos, mas sim para a construção de algo produtivo e que
venha a ser útil para a humanidade; por sua vez, quando o autor emprega o termo “precisar”
na função de substantivo, o emprega para explicar que não existem certezas nesta vida, a qual
é possível saber-se onde, com quem, como e quando começa, porém, não se sabe onde, como,
quando e na companhia de quem se termina.
Nas margens dos rios desenvolveram-se as grandes civilizações. A história demonstra
que o principal uso dos rios sempre foi a extração de água para o abastecimento das atividades
humanas, para a dessedentação de animais e irrigação, todavia, também ilustra que desde os
tempos mais remotos, na época das primeiras civilizações, se utilizavam de embarcações a
remo ou à vela para o transporte de carga e passageiros. Neste período longínquo já se
realizavam obras para melhorar as condições de navegação.
A dinâmica socioeconômica hodierna, sobretudo, acrescida após o advento da
sociedade tecnológica e da informação, resultou no encurtamento das distâncias de
comunicação, porém, não geográficas. Devido a este fenômeno, o transporte de bens e
pessoas se intensifica cada vez mais, demandando a construção de logísticas alternativas. Tão
importante quanto à produção de energia, o setor de transportes consiste em critério
imprescindível para o desenvolvimento econômico e social.
Em um país com a extensão territorial como o Brasil, a logística para o trânsito de
bens e pessoas é algo complexo, resultando imprescindível o uso da navegação que além de
ser o principal responsável pelo escoamento da produção nacional para o exterior, também
atinge regiões longínquas desprovidas de rodovias, como é o caso de inúmeras cidades da
região amazônica.
A extensão hidrográfica existente no território brasileiro dá o tom da sua vocação
hidroviária, no entanto, o país precisa enfrentar problemas estruturais significativos de
logística de transportes, uma vez que carece de corredores ferroviários e de navegação fluvial,
o que não apenas limita o escoamento da produção agrícola, mineral e industrial, mas,
também, enquanto consectário lógico, torna-se uma barreira intransponível para o
desenvolvimento socioeconômico. E isto tem uma explicação pela própria história do Brasil: a
sua ocupação começou pela costa, com pouca inserção para o seu interior, desprezando os rios
porque eles não apresentavam condições de navegabilidade compatíveis com as embarcações
daquela época.
Neste diapasão, merece destaque o enfrentamento destas adversidades naturais
ocorridas no início do século passado, sobretudo, no período do ciclo da borracha, na bacia
42
amazônica, em face do desafio para o transporte e logística desde a produção até o consumo
final.
Atualmente, perpassado quase um século daquele contexto, e embora a indústria da
navegação tenha evoluído significativamente em decorrência da tecnologia das embarcações,
ainda existem complexidades inerentes à navegação fluvial.
As condições de navegação representam o ponto nevrálgico: largura mínima dos
canais de navegação, profundidades mínimas navegáveis, velocidades da água e, ainda, os
seus impactos ambientais que, em que pesem mínimos na comparação com outros meios de
logística e usos da água, produzem danos ambientais não apenas devido a movimentação de
terras no fundo dos rios, comprometendo o ambiente aquático, mas também pelo potencial
poluidor das cargas transportadas em caso de eventual acidente hidroviário; isso, sem
considerar o fenômeno que vem ocorrendo em relação aos crustáceos e algas alojados nas
embarcações que culminam em comprometer a biodiversidade aquática de outras regiões mais
sensíveis a estes predadores, dentre outros danos qualitativos em relação às águas. Nesta
esteira, Santos (2006, p. 557) arrola alguns impactos advindos da navegação:
Diante de todo exte contexto, enquanto segmento pautado por objetivos e interesses
econômicos, pode-se, suscinta e o objetivamente, dizer que, atualmente, a preocupação do
setor de navegação e hidrovias reside nas condições das hidrovias, especificamente, em
relação ao nível de água, condições de navegação e dimensão do calado dos rios para efeito de
viabilizar melhores condições logísticas.
2.1.1.7 Pesca
Desde os tempos mais remotos, a pesca sempre foi uma das principais fontes para a
satisfação das necessidades alimentares humanas, também servindo como elemento para a
cadeia alimentar dos demais seres vivos da espécie animal.
43
relevante merece a atuação do Ministério Público e das ONG´s ambientais, uma vez que
dispõem de estrutura organizada para atacar os eventuais e não raros cometimentos de
agressões ambientais que muitas das vezes são protagonizados pelas próprias políticas
governamentais justificadas pelo objetivo do crescimento econômico.
No contexto hodierno, diante da complexa dimensão dos bens ambientais suscetíveis
de proteção e da tamanha ineficácia - para não dizer conivência - dos órgãos públicos na
proteção do meio ambiente, sobretudo, quanto às águas, o que se está a assistir no Brasil é um
fenômeno crescente da judicialização da proteção ambiental, quando então a intervenção do
Poder Judiciário compele os infratores, sejam quem eles forem (públicos ou privados), a
adotarem as medidas preconizadas pelo ordenamento jurídico.
Desta forma, estes múltiplos atores, independentemente da sua conotação ideológica
como antropocentrista, biocentrista ou ecocentrista, enquanto agentes comprometidos com a
proteção ambiental, inclusive, no que tange aos critérios quali-quantitativos de proteção das
águas, desempenham relevante papel na orientação, condução e fiscalização da política
hídrica, a qual deve se pautar por critérios de descentralização e participação, na forma
concebida pela base principiológica que reveste o direito de águas.
[...] há uma valorização dos recursos naturais como nichos de mercado estruturando
distintos projetos, despertando a população para o conhecimento das questões
ambientais e atuação em prol da qualidade do ambiente, à medida que
prazerosamente aprende com o divertimento e sorvem a cultura transmitida pelas
atividades de ecoturismo.
das atividades turísticas aquáticas, pois além de margeado pela costa do Oceano Atlântico,
também dispõe de diversos rios e lagos que compõem as suas bacias hidrográficas.
A história do Brasil começou pela sua margem costeira através das expedições e
navegações, e daí se expandiu para o resto do território nacional. A maioria da população
brasileira reside próximo às margens do oceano Atlântico ou de rios e lagos, e quando não
residentes, frequentam tais regiões a lazer, turismo ou negócios, o que culminou em elevar
significativamente a densidade demografia nestas regiões e, consequentemente, provocar
danos ambientais, sobretudo, nas águas.
Pode-se citar diversos exemplos, porém, o mais enfático e atual constitui o que está
acontecendo no Rio de Janeiro, especificamente, na Baía de Guanabara: a cidade está prestes
a receber as Olimpíadas no ano de 2016, todavia, as águas da Baía de Guanabara, onde estão
marcadas as competições náuticas estão poluídas em face do despejo de rejeitos pelas
indústrias, destinação incorreta de resíduos sólidos e lançamentos do esgotamento sanitário
sem tratamento.
Embora avençado o compromisso com a despoluição hídrica da Baía de Guanabara
como condição para a realização das Olímpiadas no Rio de Janeiro, o elevado custo para o
tratamento destas águas é expressivo e o Estado do Rio de Janeiro, nem o Brasil, dispõem de
tempo hábil e sequer recursos financeiras para remediar os danos ambientais decorrentes de
muitos anos de descaso para com a qualidade das águas. Sendo as Olimpíadas um megaevento
de proporções mundiais, tal fato, inevitavelmente, compromete não somente a integridade
física dos atletas que terão de enfrentar as águas contaminadas da Bacía de Guanabara para
competirem, mas também macula a imagem do Brasil, enquanto país sede e descomprometido
com a qualidade das suas águas.
O Brasil tem grande potencial turístico hídrico e precisa fortalecer cada vez mais a
qualidade deste setor de serviços para dispor de melhores condições para competir com outros
países. Tendo uma orla maravilhosa banhada pelo Atlântico, bem como diversos rios e lagos
que ilustram a diversidade dos seus biomas, a riqueza gerada pelo ecoturismo hídrico é
significativa no âmbito brasileiro e representa parte significativa da receita de muitas cidades
e regiões com esta vocação, razão pela qual esta temática se encontra disciplinada não apenas
na legislação federal, mas também nas leis estaduais e municipais, sobretudo, nos Planos
Diretores dos Municípios, enquanto instrumentos de políticas ambientais e de
desenvolvimento sustentável.
Nesse contexto, discorrendo sobre as atividades do ecoturismo, Bruna (2006, p. 462)
explica:
47
[...] o ecoturismo mostra-se como uma atividade com poder de atrair população para
pontos de interesse do meio ambiente e merece atenção, pois, para receber os
ecoturistas, acaba precisando de atividades de apoio, como acomodações, com um
mínimo de oferta de comércio e serviços. É preciso assim conciliar essa ocupação de
apoio com o uso sustentável do território, tanto em relação à conservação dos
recursos naturais, quanto com a preservação do patrimônio histórico e cultural.
uma disputa entre diferentes atores sociais usuários de água, sobre o acesso, o uso ou
a forma de administrar o recurso água. Por sua vez, o conflito entre os usos das
águas, como na abordagem clássica, seriam disputas entre diferentes setores de uso
da água, como irrigação, navegação, geração hidrelétrica, pela mesma
disponibilidade.
Discorrendo sobre os conflitos das águas, Dourado Júnior (2014, p 42) os classifica
como: “conflitos de destinação de uso”, que ocorre, por exemplo, quando da retirada de água
de uma reserva ecológica para irrigação; “conflitos de disponibilidade qualitativa”, que
constitui a situação típica do uso em corpos de água poluídos; e os “conflitos de
disponibilidade quantitativa”, que decorre do esgotamento da disponibilidade quantitativa,
devido ao uso intensivo, citando, por exemplo, quando o uso intensivo da água para irrigação
impede outro usuário de captá-la.
Além destes conflitos citados, ainda é possível pensar nos conflitos decorrentes do
crescimento das demandas hídricas devido ao aumento demográfico, bem como as
consequências dos usos em relação ao assoreamento dos cursos de água e a urbanização não
planejada em relação ao controle de inundações e desastres climáticos oriundos da força das
águas.
No Brasil, na Amazônia e no Estado do Amazonas tal contexto não é diferente:
todavia quem sofre mais com a contaminação hídrica são os pobres, que pelo fato de não
disporem de recursos financeiros para se engajar no microssistema social e mercantilista da
água, estão assistindo a contaminação das águas superficiais e subterrâneas, donde satisfazem
as suas necessidades básicas enquanto seres humanos. Neste sentido, discorrendo sobre a
questão da água, os nefastos efeitos da atual política hídrica sobre os pobres, e ainda acerca do
desperdício, merece destaque a colocação feita na Carta Encíclica do Sumo Pontífice
Francisco (2015, p. 25):
Com efeito, os conflitos pela água vão se acentuar ainda mais no decurso do tempo e
as suas nefastas consequências vão recair, sobretudo, aos pobres, como já ocorre em relação a
outros fenômenos como as mudanças climáticas, uma vez que muitas comunidades estão
vulneráveis e despreparadas para enfrentar este perverso contexto.
Assim, permite-se compreender que os conflitos pelas águas constituem uma
realidade do nosso tempo que irá se acentuar muito mais em um curto espaço de tempo, o que
justifica a adoção de medidas preventivas pelos atores políticos no sentido de evitar que estas
disputas venham a “derramar sangue” ou provocar a migração de refugiados ambientais para
as regiões com água em abundância.
Sob outro ângulo, pelo viés biocentrista, Shiva (2006, p. 52) apresenta nove princípios
em relação à democracia das águas, dentre os quais destacamos dois, os quais exteriorizam os
seus fundamentos em relação ao direito à água:
O direito à vida é anterior aos outros direitos. “A relação que existe entre o homem e
a água antecede o direito. É elemento intrínseco à sua sobrevivência” (in, Granziera,
2001, p. 232). A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 reafirma a
garantia à inviolabilidade do “direito à vida” (art. 5º, caput). As expressões
“necessária disponibilidade de água” e “efetivo exercício do direito de acesso à
água” estão presentes na Lei 9.433/1997. Destaque-se que essa lei quer – e não
poderia deixar de querer – que todos tenham água.
Logo, pode-se conceber que, pela essencialidade da sua carga axiológica para a
existência de vida, o “direito à água” goza de natureza supralegal, enquanto direito universal
de primeira geração, representando o fundamento que justifica a gestão das águas,
especificamente, pelo “direito de águas”.
Desta forma, o “direito de águas” tem relação com a gestão dos recursos hídricos
enquanto sistema complexo e multidisciplinar de gestão hídrica normatizada pelo
ordenamento jurídico, tendo como objetivo de fundo a efetivação do direito universal à água,
ou seja, da razão da sua própria existência que é o “direito à água”.
Mais uma vez, emprestados os conceitos concebidos por D´lsep (2010, p. 65), a
doutrinadora explica que:
O direito de águas tem por finalidade garantir a proteção das águas, a fim de
assegurar o desempenho e desenvolvimento de suas diversas funções (ambiental,
social, econômica, hidrológica, etc.), sintetizadas na função hídrica responsável pela
dignidade hídrica.
51
temática da água ainda é muito incipiente, porém, relevante para a construção das fontes do
direito de águas.
A grande dimensão do território brasileiro, composto por climas, biomas,
geomorfologias e características etnográficas diferenciadas, tem influência direta na formação
hidrossocial, razão pela qual os costumes (sobretudo das regiões que dispõem de água a mais
ou água a menos), também, constituem-se em fontes do direito de águas – o que
posteriormente será verificado tomando-se, por exemplo, a comparação da quantidade de
Comitês de Bacia Hidrográficas entre os Estados do Norte que dispõem de água em
abundância, do Nordeste que por se encontrarem em regiões áridas ou semi-áridas, sofrem
com a escassez de água e, finalmente, os do Sul e Sudeste que por força da alta densidade
demográfica demandam por maior quantidade de águas.
Portanto, diante de tudo isso, resulta permitido conceber que diferentemente do que
ocorre com outros ramos do direito, a complexidade de interesses que envolvem o direito de
águas, as suas fontes são constituídas por um mosaico de fatores que não podem ser
explicados por apenas uma área do conhecimento, mas sim por um conhecimento
interdisciplinar a ser produzido sob um viés local e global.
agenda política das nações. No que tange, especificamente, à água, vários eventos foram
realizados e documentos internacionais foram celebrados para orientar a temática hídrica.
Enquanto uma das fontes do direito de águas, tal como ocorre em relação ao direito
ambiental, as premissas aplicáveis às águas tem a sua origem no direito internacional, seja por
meio de Tratados, seja através de Conferências Internacionais em decorrência da preocupação
da comunidade internacional em relação à escassez, à poluição e ao uso racional das águas
doces, enquanto recurso natural finito e elemento vital para a manutenção da vida no planeta.
Dentre todos os instrumentos, destaque especial merecem a Carta Européia da Água de 1968,
o Tratado da Bacia do Prata de 1969, a Conferência de Estocolmo sobre Meio Ambiente de
1972, a Conferência das Águas de Mar del Plata de 1977, a Declaração de Dublin sobre Água
e Desenvolvimento Sustentável de 1992, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, a qual produziu a Agenda 21, a Convenção
das Nações Unidas sobre o direito relativo à utilização dos cursos de água internacionais para
fins diversos dos de navegação de 1997, a Conferência Internacional sobre Água e
Desenvolvimento Sustentável, realizada em Paris, em 1998, e a Conferência das Nações
Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), realizada no Rio de Janeiro, em 2012.
Além destes diplomas e eventos internacionais, outros tantos foram realizados tendo a
água como objeto de pauta, sobretudo, quanto ao seu acesso, destacando-se: o Protocolo sobre
Água e Saúde de Londres, de 1999, que no seu art. 5º, inciso I, preconizou como princípio
que: “um acesso equitativo à água, adequado do ponto de vista tanto quantitativo como
qualitativo, deverá ser assegurado a todos os habitantes, especialmente às pessoas
desfavorecidas ou socialmente excluídas”; a Conferência de Berlim, de 2004, realizada pela
International Law Association (ILA), a qual no seu art. 17, reza que: “cada indivíduo tem o
direito de acesso à água, de forma suficiente, segura, aceitável, fisicamente acessível e
oferecida, para alcançar as necessidades humanas vitais”; e ainda a Convenção de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, de 1996, a qual incorporou o direito à água entre outros
direitos humanos - o que fora, internacionalmente, reconhecido pela ONU, por meio do
Comentário Geral nº 15 de abril de 2011 e da Resolução 16/2 de novembro de 2002.
Muito embora celebrados Tratados e realizadas Conferências internacionais tendo a
política hídrica como objeto de discussão, atualmente, inexiste um instrumento jurídico
suscetível de plena efetividade e organismo internacional capaz de cobrar e aplicar sanções no
sentido de compelir os países a cumprirem com os compromissos ajustados, uma vez que para
a satisfação das suas necessidades hídricas tal decisão esbarra no poder soberano de cada país
55
que, dependendo do grau de comprometimento da sua demanda hídrica, pode tornar-se presa
fácil da cobiça e interesses geopolíticos, como o que já ocorre em setores da economia.
Neste sentido, discorrendo sobre a geopolítica da água, Ribeiro (2008, p. 75) aponta
sobre tal problemática e, ainda, faz um alerta:
Os diplomas e tratados internacionais que dispõem sobre águas não se limitam aos
anteriormente referidos, existem outros tantos celebrados bilateralmente ou em conjunto por
outros países, todavia, para efeito de fomentar o estudo ora proposto, passa-se a abordar
apenas os quais entende-se como os principais, que constituíram marcos históricos em relação
ao direito de águas e contribuíram para a construção do modelo hidrojurídico hodierno.
Para efeito de dar efetividade aos objetivos propostos, foi constituído o Comitê
Intergovernamental da Bacia, denominado Comité Intergovernamental del Cuenca (CIC),
enquanto organismo de execução do Tratado, composto por membros indicados pelos países
que compuseram o Tratado, sendo este organismo o responsável pelo cumprimento das
diretrizes fixadas e divido em áreas.
No que tange ao estudo ora proposto, especificamente, em relação à gestão dos
recursos hídricos, relevante salientar a formulação do “Programa Marco para a Gestão
Sustentável dos Recursos Hídricos da Bacia do Prata”. Esta ferramenta considera os efeitos
decorrentes da variabilidade e Mudanças Climáticas para informar e orientar os governos e os
demais atores sociais envolvidos na gestão dos recursos hídricos da Bacia do Prata. Através
desta plataforma é possível atualizar a “Análise de Diagnóstico Transfronteiriço” (ADT) e
formular o “Plano de Ações Estratégicas da Bacia do Prata”, o qual tem a função de servir de
marco legal e institucional como mecanismo de participação pública, comunicação e
educação, e ainda viabilizar o Plano de Monitoramento e Avaliação, o qual tem a função de
promover a gestão integrada de recursos hídricos, elaborar o balanço hídrico integrado, fazer a
avaliação e monitoramento de qualidade e quantidade de água, realizar a gestão integrada de
águas subterrâneas e dos ecossistemas aquáticos, promover estudos e pesquisas quanto à
avaliação de vulnerabilidades e gestão do risco, bem como adotar medidas de adaptação e
conscientização pública, segundo registrado no portal do Comité Intergovernamental del
Cuenca (CIC).
As consequências do Tratado da Bacia do Prata foram significativas para os países
que o celebraram, e representaram um marco institucional para o desenvolvimento da
América do Sul, que até então não dispunha de um instrumento desta magnitude política e
cooperativa na sua dimensão estrutural. Muitos projetos de infraestrutura tiveram neste
Tratado o seu embrião, podendo-se citar a usina hidrelétrica de Itaipú (Brasil-Paraguai), bem
como o projeto de proteção ambiental e desenvolvimento sustentável do Sistema Aquífero
Guarani (SAG), cujo objetivo foi conceber um modelo de gestão e uso sustentável do SAG no
sentido apoiar os quatro países na elaboração e implementação de um marco comum
institucional, legal e técnico para gerir e preservar o SAG para as gerações atuais e futuras,
sendo financiado com recursos oriundos de doações do Fundo para o Meio Ambiente Mundial
(GEF) e implementados pelo Banco Mundial.
59
Os atores deste evento foram múltiplos, contando não apenas com os países
europeus, mas também de outros continentes e, ainda, de ONG´s. Entretanto, a Conferência
não foi universal, pois alguns países não participaram do evento em solidariedade à Alemanha
Oriental, que não era membro da ONU, e como medida de protesto a União Soviética e outros
países do leste europeu resolveram por boicotar.
As temáticas discutidas na Conferência não foram respaldadas pela unanimidade.
Pelo contrário, evidenciaram-se as divergências entre os países desenvolvidos e em
desenvolvimento, pois enquanto uns consideravam que o desenvolvimento era a causa dos
problemas ambientais, com ênfase à poluição decorrente dos processos de industrialização,
outros, sobretudo, os países em desenvolvimento, inclusive o Brasil, defendiam que o
desenvolvimento era a solução para a equalização das acentuadas desigualdades sociais e
econômicas, e apontavam para a necessidade de considerar os custos de medidas ambientais
para os países em desenvolvimento.
Neste diapasão, representa esclarecedor o apontamento feito por Silva (2010, p. 29)
quanto à participação do Brasil nesta discussão:
60
A Conferência das Nações Unidas de Mar del Plata ocorreu em 1977, na cidade
argentina de Mar del Plata, situada às margens do Rio do Prata, sendo o primeiro grande
encontro internacional que envolveu inúmeros países para tratar temas significativos sobre a
gestão dos recursos hídricos no mundo, sobretudo, no sentido de estabelecer uma cooperação
internacional para a construção de mecanismos visando evitar uma crise de água.
Esta conferência teve ao menos dois resultados importantes: o Plano de Ação e a
idealização da Década Internacional da Água. O Plano de Ação produziu recomendações em
que se destacam a busca da eficiência no uso da água, o controle da poluição hídrica, as suas
consequências sobre a saúde humana, o planejamento da gestão dos recursos hídricos,
investimentos na educação e pesquisa sobre recursos hídricos e estímulo à cooperação
regional e internacional, sendo ajustado que os países membros deveriam promover políticas
públicas de acesso quanti-qualitativo à água e saneamento básico para as suas respectivas
populações, fixando até o ano 1990 o marco para o cumprimento de tais metas. As resoluções
produzidas, por seu turno, focaram particularidades regionais específicas que já sinalizavam
para um quadro de escassez e estresses hídricos.
Ela se destaca porque foi a primeira do ciclo de grandes conferências organizadas
pela ONU, as quais serão tratadas nos tópicos seguintes.
61
Ainda no ano 1992, foi realizada a Conferência das Nações Unidas para o Ambiente
e Desenvolvimento (CNUMAD), também conhecida como Rio-92 ou Eco-92. Nesse evento,
representantes de 170 nações referendaram os princípios de Dublin e aprovaram uma agenda
mínima de preservação e recuperação do meio ambiente – a Agenda 21.
Um dos textos internacionais mais completos sobre a temática da água constitui a
Agenda 21 global.
A Agenda 21 global, resultado da Declaração do Rio de Janeiro, oriunda Conferência
das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, realizada em 1992, marco institucional para um
modelo desenvolvimento sustentável, reserva um capítulo inteiro para abordar a problemática
e diretrizes sobre a água.
No seu art. 18, a Agenda 21 global, firma sob um viés holístico e global a
preocupação da comunidade internacional sobre a água, especialmente, sobre a problemática
existente em relação ao abastecimento de água potável e saneamento básico, fixando,
expressamente, no seu título “D”, as diretrizes programáticas para a formatação de bases de
ação, objetivos, atividades e os meios de implementação que deve(ria)m ser observados pelos
atores internacionais, na forma dos seus tópicos 18.47 a 18.55.
Dando ênfase à problemática relacionada ao acesso à água e saneamento básico, o
tópico 18.47 da Agenda 21 global, apresenta rica fundamentação como instrumento de base
para a ação, in verbis:
18.47. Uma oferta de água confiável e o saneamento ambiental são vitais para
proteger o meio ambiente, melhorando a saúde e mitigando a pobreza. A água
salubre é também crucial para muitas atividades tradicionais e culturais. Estima-se
que 80 por cento de todas as moléstias e mais de um terço dos óbitos dos países em
desenvolvimento sejam causados pelo consumo de água contaminada e, em média,
até um décimo do tempo produtivo de cada pessoa se perde devido a doenças
relacionadas com a água.
66
18.50. Todos os Estados, segundo sua capacidade e recursos disponíveis e por meio
de cooperação bilateral ou multilateral, inclusive as Nações Unidas e outras
organizações pertinentes, quando apropriado, podem implementar as seguintes
atividades:(a) Meio ambiente e saúde: (i) Estabelecimento de zonas protegidas para
as fontes de abastecimento de água potável; (ii) Eliminação sanitária dos
excrementos e do esgoto, usando sistemas adequados para tratar os resíduos líquidos
em zonas urbanas e rurais; (iv) Expansão do abastecimento hidráulico urbano e rural
e estabelecimento e ampliação de sistemas de captação de água da chuva,
particularmente em pequenas ilhas, acessórios à rede de abastecimento de água; (v)
Tratamento e reutilização segura dos resíduos líquidos domésticos e industriais em
zonas urbanas e rurais; (vi) Controle das moléstias relacionadas com a água; (b)
Pessoas e instituições: (i) Fortalecer o funcionamento dos Governos no manejo dos
recursos hídricos e, ao mesmo tempo, reconhecer plenamente o papel das
autoridades locais; (ii) Estimular o desenvolvimento e manejo da água com base em
uma abordagem participativa que envolva usuários, planejadores e formuladores de
políticas em todos os níveis; (iii) Aplicar o princípio de que as decisões devem ser
adotadas no nível mais baixo apropriado, com consultas ao público e participação
dos usuários no planejamento e execução dos projetos hídricos; (iv) Desenvolver os
recursos humanos em todos os níveis, incluindo programas especiais para a mulher;
(v) Criar programas educacionais amplos, com particular ênfase em higiene, manejo
local e redução de riscos; (vi) Introduzir mecanismos de apoio internacional para o
financiamento, a implementação e o acompanhamento dos programas; (c) Manejo
nacional e comunitário: (i) Apoiar e dar assistência às comunidades para que
administrem seus próprios sistemas sobre base sustentável; (ii) Estimular a
população local, especialmente as mulheres, os jovens, os populações indígenas e as
comunidades locais, a participar do manejo da água; (iii) Vincular os planos hídricos
nacionais ao manejo comunitário das águas locais; (iv) Integrar o manejo
comunitário da água no contexto do planejamento geral; (v) Promover a atenção
primária à saúde e ao meio ambiente no plano local, inclusive com o treinamento de
comunidades locais em técnicas adequadas de manejo da água e atenção primária à
saúde; (vi) Ajudar os organismos que prestam serviços para que se tornem mais
eficazes em relação aos custos e respondam melhor às necessidades dos
consumidores; (vii) Dar mais atenção às zonas rurais mal atendidas e às periferias
urbanas de baixa renda; (viii) Reabilitar os sistemas defeituosos, reduzir o
desperdício e reutilizar com segurança a água e os resíduos líquidos; (ix) Estabelecer
programas de uso racional da água e de garantia de operação e manutenção; (x)
Pesquisar e desenvolver soluções técnicas adequadas; (xi) Aumentar
substancialmente a capacidade de tratamento dos resíduos líquidos, de acordo com o
aumento de seu volume; (d) Criação de consciência e informação/participação
públicas: (i) Fortalecer o monitoramento de setor e o manejo de informação nos
planos subnacional e nacional; (ii) Processar, analisar e publicar anualmente os
resultados do monitoramento nos planos local e nacional, como instrumento para o
manejo do setor e criação de interesse e conscientização; (iii) Utilizar indicadores
setoriais limitados nos planos regional e global para promover o setor e levantar
fundos; (iv) Melhorar a coordenação, o planejamento e a implementação do setor,
com a ajuda de um manejo mais eficaz do monitoramento e da informação, a fim de
aumentar a capacidade de absorção do setor, em especial nos projetos comunitários
de auto- ajuda.
18.59. Todos os Estados, segundo sua capacidade e recursos disponíveis, e por meio
de cooperação bilateral ou multilateral, inclusive com as Nações Unidas e outras
organizações pertinentes, quando apropriado, podem implementar as seguintes
atividades: (a) proteção dos recursos hídricos contra o esgotamento, a poluição e a
68
degradação; (b) distribuição eficaz e equitativa dos recursos hídricos; (c) reformas
institucionais/jurídicas/administrativas; (d) promoção a participação pública; (e)
Apoio ao desenvolvimento da capacidade local; (f) e o acesso melhor aos serviços
de saneamento.
Vários foram os focos de discussão, desde o tratamento dos efluentes por parte das
indústrias e os decorrentes dos usos urbanos, até o transporte de cargas perigosas suscetíveis
de contaminação das águas, inclusive, fomentando a difusão de políticas públicas quanto à
aplicação de tecnologias e métodos de produção e padrões de consumo com respeito ao meio
ambiente. Além disso, enquanto exteriorização do princípio da cooperação internacional,
preconizou o intercâmbio de informações, o monitoramento, assistência e sistema de alerta, e
a elaboração de regras e obrigações comuns entre os países que compartilham as águas.
Pautada por inúmeros princípios de direito ambiental, a Convenção de Helsink
dispensa destacada ênfase à gestão dos recursos hídricos internacionais por meio dos
princípios da prevenção e precaução, preconizando a utilização racional dos recursos hídricos,
o seu compromisso intergeracional e estabelecendo instrumentos para a efetivação do
princípio do poluidor-pagador.
2.2.10 Convenção sobre o direito relativo à utilização dos cursos de águas internacionais
para fins diversos dos de navegação/1997
Para efeito de dotar de melhor conhecimento este tópico relativo à Convenção sobre
o direito relativo à utilização dos cursos de águas internacionais para fins diversos dos de
navegação, antes de mais nada, importante se apresenta a definição do conceito do que são os
cursos de águas internacionais.
Tomando por emprestado o conceito de curso de água concebido por Jiuyong Shi,
Machado (2009, p. 39) explica que: “curso de água significa um sistema de águas de
superfície e subterrânea que, em virtude de sua relação física, constitui um conjunto unitário e
normalmente fluindo para uma desembocadura comum”.
Quanto ao conceito de rios internacionais, Rezek (2008, apud MACHADO, 2009,
p.38) afirma que:
Rio internacional é todo o curso de água que banha mais de um Estado soberano.
Uma distinção preliminar costuma fazer-se entre rios limítrofes (ou contíguos, ou de
fronteira) e os rios de cursos sucessivos. Contudo, os mais importantes rios
internacionais, em sua maioria, ostentam as duas características”.
E acrescenta:
limítrofe entre Peru e Colômbia – ainda sob o nome de Marañon – numa pequena
extensão da fronteira, antes de entrar definitivamente no Brasil.
Por fim, considerando os fundamentos propostos por Jiuyong Shi (1994, apud
MACHADO 2009, p. 38-39), Rezek afirma que:
Rio+20 sequer chegaram ao limiar da utopia do que se idealizava, ficando muito aquém das
conquistas que emergiram da Conferência de 1992.
Enquanto cientista e pesquisador na área ambiental, teve-se a oportunidade de
participar de alguns dos eventos realizados na Rio+20. O cenário que pairava no ar, nesta
ocasião, era sombrio, pois o contexto econômico internacional – não muito diferente dos dias
atuais – indicava para o retrocesso das conquistas de 1992, sobretudo, no sentido de mitigar
algumas premissas relativas ao desenvolvimento sustentável, agregadas ao fato de que alguns
dos países mais ricos e poluidores, citando-se como exemplo, os Estados Unidos, desde antes
e da mesma forma que se comportaram em relação ao Protocolo de Kyoto já afirmavam que
não iriam ratificar acordo algum, razão pela qual o papel dos juristas, pesquisadores e
ambientalistas consistiu na mobilização de pressionar os governantes para que não fossem
autorizadas políticas que viessem a comprometer o ideário do desenvolvimento sustentável,
ou seja, daquilo tudo que já fora conquistado em 1992.
O ambiente que se encontrava nos bastidores do evento, sobretudo, em relação ao
contexto brasileiro, era paradoxal e conflituoso, conforme restou evidenciado no encontro
realizado no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que contou com a presença de
membros do Poder Judiciário, Ministério Público, advogados, pesquisadores, cientistas
brasileiros renomados, autoridades públicas e parlamentares, e no qual teve-se a oportunidade
de participar. Poucos dias antes deste megaevento, o Congresso Nacional aprovara o novo
Código Florestal, representado pela Lei 12.651, de 25 de maio de 2012, o qual representou
um retrocesso quanto à proteção das florestas e dos corpos hídricos, uma vez que reduziu
significativamente a proteção das áreas de preservação permanente (APP´s), como nascentes e
encostas de morros.
Tal contexto não apenas invocou a irresignação de cientistas, pesquisadores das mais
diversas universidades do Brasil, juristas e ambientalistas que não foram consultados para
efeito da elaboração do novel diploma florestal, cuja essência no processo de elaboração foi
política, sobretudo, da bancada ruralista e da agroindústria (e não científica), como também
desvendava uma política internacional ambiental paradoxal, pois ao mesmo tempo que o país
estava dispensando significativos recursos financeiros naquele megaevento de repercussão
internacional no sentido de viabilizar o desenvolvimento sustentável, simultaneamente, no
âmbito nacional, os seus legisladores e a política federal estavam a desproteger os recursos
naturais.
Dentre tantos temas relevantes que foram abordados, merece ser ilustrado uma
situação inusitada que fora destacada, especificamente, quanto à incompatibilidade da
73
aplicação do novo Código Florestal ao contexto da Amazônia, pois em razão da região ter
características bem definidas com os fenômenos sazonais de enchentes e vazantes, impensável
a possibilidade de serem estabelecidas as áreas de preservação permanente no leito dos seus
corpos hídricos, como se fosse a natureza que tivesse de cumprir a lei, e não o contrário – o
que revelou, senão uma manobra de interesses econômicos representados pela classe política,
o vergonhoso despreparo científico do legislador brasileiro.
No encontro de juristas internacionais, realizado no Jardim Botânico do Rio de
Janeiro, no qual também teve-se a oportunidade de participar, foram apresentados inúmeros e
significativas palestras, seminários e painéis, contando com nomes importantes do direito
ambiental brasileiro e internacional. Dentre tantas significativas apresentações que assistimos,
chamou a atenção a palestra do Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Min. Hermann
Benjamin, o qual iniciou o seu discurso fazendo a seguinte afirmação e questionando:
Todos que estão aqui já sabem do resultado deste grandioso e oneroso evento:
nenhum. Mas então pergunto: diante de tantos problemas ambientais existentes no
Brasil e, em especial, nos países mais pobres, os quais exigem investimentos para
atenuar tal problemática, por qual razão a ONU e o Brasil fizeram aportes de alguns
milhões de dólares para a realização de um evento desta magnitude que não
produzirá nada ?
O direito subjetivo à água não é apenas o bastante para sobreviver. O direito vai
além quando resguarda o mínimo existencial. Esse mínimo deve proporcionar uma
vida com dignidade. É por isso que o direito humano fundamental abrange o acesso
à água em quantidade e qualidade adequadas para uma vida digna.
Desta forma, sendo a água um componente basilar para a existência da vida com um
mínimo de dignidade, não apenas o seu acesso em quantidade e qualidade, mas também o seu
tratamento por meio de políticas de saneamento básico, constituem um direito humano
fundamental, consagrado não apenas pela Constituição Federal, mas também por outros
instrumentos internacionais que reafirmam tal direito humanitário e que servem de fontes para
a construção do Direito de Águas.
Neste sentido, para justificar que o direito à água constitui um direito fundamental
decorrente da solidariedade hídrica, D´lsep (2010, p. 60) afirma:
O direito à água tem naturezas jurídicas diferenciadas, que se alteram sob a ótica em
que ele é analisado. Tem natureza jurídica de direito fundamental, se observado sob
o ponto de vista do direito do homem à vida, logo legítima, em seu socorro sendo
usado o sistema procedimental dos direitos humanos. O que se percebe ao longo da
história é a jurisdicionalização dos direitos do homem, em que pese a sua
dificuldade de instrumentalização. [...].
A consequência da solidariedade hídrica pretendida com a Carta Social da Água é
um exemplo dos efeitos jurídicos decorrentes da natureza de direito fundamental.
Isto é, os direitos fundamentais revelam uma concepção social universalista, que
teve por efeito jurisdicionalizar a solidariedade pelo desenvolvimento do gênero
humano. É, portanto, um direito que, por sua natureza de direito fundamental,
pressupõe e impõe a solidariedade.
Esta relação entre o acesso à água enquanto condição para a consecução do direito à
dignidade da pessoa humana foi destacado por Petrella (2002), idealizador da construção de
um Contrato Mundial da Água.
Para Petrella (2002, p. 131), o Contrato Mundial da Água é constituído por dois
objetivos principais, sendo que um deles é o acesso básico à água para todos os seres
humanos enquanto corolário de dignidade, preconizando que a comunidade pode consumir a
quantidade de água necessária e indispensável para as necessidades da economia e do
82
O acesso básico para todos os seres humanos significa que ele ou ela pode desfrutar
da quantidade mínima de água doce potável que a sociedade considera necessária e
indispensável para uma vida digna, e que a qualidade dessa água está de acordo com
as normas mundiais de saúde.
Desta forma, sendo a água um componente basilar para a existência da vida com um
mínimo de dignidade, não apenas o seu acesso em quantidade e qualidade, mas também o seu
tratamento por meio de políticas de saneamento básico constituem direitos humanos
fundamentais consagrados pela Constituição Federal e por outros instrumentos internacionais
que reafirmam tal direito humanitário. Neste sentido, o art. 5º, inciso I, do Protocolo sobre
Água e Saúde de Londres, de 1999, preconizou como princípio que “um acesso equitativo à
água, adequado do ponto de vista tanto quantitativo como qualitativo, deverá ser assegurado a
todos os habitantes, especialmente às pessoas desfavorecidas ou socialmente excluídas”.
Sob o viés humanitário, a Conferência de Berlim de 2004, por sua vez, estabeleceu
no seu art. 17 que “cada indivíduo tem o direito de acesso à água, de forma suficiente, segura,
aceitável, fisicamente acessível e oferecida, para alcançar as necessidades humanas vitais”.
83
Não obstante o direito à água constituir um direito fundamental, tal direito somente
foi reconhecido, internacionalmente, em novembro de 2002, por meio da Convenção de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1996, a qual incorporou o direito à água entre
outros direitos humanos.
Quanto ao saneamento básico, foi somente em 2010, que o mesmo restou
reconhecido, internacionalmente, como direito fundamental. A Organização das Nações
Unidas (ONU), por meio da Resolução nº 64/292, de 3 de agosto de 2010, firmada pela
Assembléia Geral das Nações Unidas, reconheceu, expressamente, o direito humano à água e
ao saneamento básico, reafirmando que a água potável e o saneamento básico são essenciais
para a realização de todos os direitos humanos.
Os diplomas e eventos internacionais que deliberaram sobre as águas, inspirados
pelas obras científicas produzidas pelas mais diversas áreas do conhecimento humano que
alertavam para os perigos decorrentes dos movimentos de privatização das águas, culminaram
por influenciar a sistemática de gestão adotada pelo Brasil, sobretudo, após a promulgação da
Constituição Federal de 1988, a qual publicizou e extinguiu a propriedade privada dos
recursos hídricos que até então vinham sendo orientados pelos preceitos privacionistas
decorrentes do Código Civil de 1916, bem como pelo derrogado Decreto nº 24.643/34 que
dispunha sobre o Código de Águas.
Nesta esteira, após afirmar que o acesso à água em quantidade e qualidade adequadas
para uma vida digna constitui direito humano fundamental para efeito de justificar a
desprivatização da água no Brasil, Viegas (2012, p. 17) questiona e conclui:
Como efetivar esse direito ? Eis um dos problemas mais relevantes! Cabe também
ao legislador essa tarefa. O primeiro passo foi dado com a própria Constituição de
1988, que extinguiu a propriedade privada dos recursos hídricos no Brasil,
publicizando-os integralmente. Qual foi finalidade dessa mudança radical ? Ora, se
há escassez de água, e sendo esta um bem fundamental para o desenvolvimento das
atividades mais essenciais do ser humano, é adequado que o Estado, a quem
incumbe a satisfação do bem-estar social, passe a gerenciar a água como forma de
estabilizar ou reduzir a crise e promover a justiça social (art. 3º da CF). A
regulamentação da administração da água deu-se com a Lei 9.433/97, que
estabeleceu a gestão descentralizada e participativa (art. 1º, VI).
cronológico, perfazendo uma incursão sobre o reflexo de tais fenômenos entre as fronteiras
que demarcam a soberania dos Estados para efeito de delimitação dos denominados “locais
geracionais”, os quais constituem critérios para a construção do conceito, razão pela qual tal
metodologia é merecedora de especial destaque:
[...] fazendo-se o seu cotejo com as teorias econômicas que tratam do capitalismo,
pode-se deduzir que na pós-modernidade as várias fases da vida de um indivíduo
foram rigidamente estruturadas em torno de uma ordem, ao mesmo tempo
econômica, mas também cronológica, em que destacam-se as etapas: 1) vida escolar,
2) vida profissional, 3) vida política, 4) vida contemplativa (fase de quietude,
quando o indivíduo retira-se de sua ocupação cotidiana, período que é sinônimo de
aposentadoria). A passagem do indivíduo por essas fases econômico-cronológicas
irá determinar a sua posição geracional, fazendo aqui uma analogia ao termo “locais
geracionais” de Mannheim. Foi falado anteriormente que uma das subjetividades
coletivas que mais decisivamente contribuem, hoje, para demarcar as fronteiras de
uma geração é o Estado moderno nacional, por meio de sua produção legislativa e
de suas intervenções judiciais na vida social. Acoplando-se esse modelo de
ordenação social instaurado pelo capitalismo, de fundo econômico, com a ordenação
jurídica que o Estado oferece à sociedade, de fundo político, ter-se-á assim um
critério jurídico para definir de forma objetiva o que é uma geração passada, o que é
uma geração presente e o que é uma geração futura.
Perfazendo uma relação entre as colocações apresentadas por Ramos Jr. e à gestão
dos recursos hídricos, verifica-se que o elemento “água” se encontra como condição
imprescindível, independentemente do “local geracional”, para a formação do conceito
gerações, sejam os econômicos e cronológicos, sejam através dos critérios jurídicos
constituídos pela ordenação jurídica da soberania de cada Estado.
Neste sentido transnacional, sobretudo, no continente da América do Sul, a primeira
vez que o tema sobre as “futuras gerações” foi objeto de um diploma normativo internacional,
foi através do Tratado da Bacia do Prata de 1969, assinado pela Argentina, Bolívia, Brasil,
Paraguai e Uruguai, que preconiza entre os seus objetivos assegurar a preservação dos
recursos naturais para as futuras gerações através da utilização racional dos aludidos recursos,
conforme se percebe, in verbis:
Tratado da Bacia do Prata de 23 de abril de 1969, recepcionado pelo Brasil por meio
do Decreto nº 67.084 de 20 de agosto de 1970:
Objetivo:
Permitir o desenvolvimento harmônico e equilibrado, assim como o ótimo
aproveitamento dos grandes recursos naturais da região, e assegurar sua preservação
para as gerações futuras através da utilização racional dos aludidos recursos.
sim, na forma bem observada pela exposição de Ramos Jr., tem os seus traços demarcados
pela soberania dos Estados por meio da delimitação de fronteiras geracionais representadas
pela produção legislativa e intervenção na vida social.
Outrossim, dando continuidade aos estudos para a construção do conceito jurídico de
futuras gerações, Ramos, Jr. (2012, p. 147) enfatiza a responsabilidade da geração presente
para com as futuras, afirmando que:
[...], após a análise dos diversos significados de gerações, tanto na sociologia como
também na antropologia, na economia e na filosofia, chegou-se à conclusão de que
no capitalismo pós-moderno a definição das fronteiras entre gerações vem sendo
estabelecida por mecanismos de desencaixe e reencaixe, associados às diferentes
fases da vida política e econômica de uma pessoa, sem que isso signifique o
abandono dos critérios biológico, cronológico, genealógico e cultural. Nesse sentido,
o termo geração presente será usado para designar uma subjetividade coletiva
formada pelo conjunto de indivíduos política e economicamente ativos, ou seja, tais
indivíduos são considerados os que possuem a mais alta capacidade de impactar as
vidas das futuras gerações, pois são eles que podem efetivamente decidir, no campo
político e agir no campo econômico de uma tal maneira que das suas decisões
presentes dependerão a qualidade de vida, a dignidade e o bem-estar das futuras
gerações ou a ruína irreversível dos seus destinos. Portanto, quando a Constituição
Federal brasileira estabelece, no seu art. 225, o dever das gerações presentes de
defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as futuras
gerações, é a esse grupo que o Texto Constitucional impõe referido dever: os
política e economicamente ativos.
A lucidez do pensamento formatado por Ramos Jr. (2012, p. 74) teve como premissa
a Declaração da Unesco de 12 de novembro de 1997, aprovada pela 29ª Conferência Geral
cujo objeto de pauta foi Declaração sobre Responsabilidades das Gerações Presentes para as
Futuras Gerações. Conforme referido pelo aludido pesquisador, tal documento se destaca das
outras declarações e tratados internacionais porque todo seu conteúdo é dedicado ao tema da
justiça intergeracional.
Em que pese não gozar de força vinculante, o referido documento representa uma
sintetização de medidas e providências a serem adotadas pela presente geração com o objetivo
de preservar as necessidades e os interesses das futuras gerações, de modo que a perpetuação
da espécie humana acaba sendo o objetivo de fundo da Declaração.
O âmago da Declaração está desenhado diretamente no seu preâmbulo. Um dos
motivos justificados para a proteção das futuras gerações é a consciência de que “no atual
ponto da história, a própria existência da espécie humana e do seu meio ambiente estão
ameaçados”, sendo destacado que “o respeito pleno pelos direitos humanos e pelos ideais da
democracia constituem uma base essencial para a proteção das necessidades e dos interesses
das futuras gerações” (UNESCO, 1997, p. 69-72,). Outrossim, no seu preâmbulo, tal
87
O destino das futuras gerações depende em grande extensão das decisões e ações
que forem tomadas hoje, e que os problemas dos dias atuais, incluindo a pobreza, o
subdesenvolvimento material e tecnológico, o desemprego, a exclusão, a
discriminação e as ameaças ao meio ambiente, devem ser solucionados no mútuo
interesse das presentes e futuras gerações.
Disto tudo, derivou o que Ramos Jr. (2012, p.368) chamou de “dignidade
geracional”, dispensando a atenção ao “dever das gerações presentes de não expor as futuras
gerações à poluição que possa colocar em risco sua saúde e sua própria existência”, pois
segundo ele “as gerações presentes devem preservar para as futuras gerações recursos naturais
suficientes para garantir a vida humana e o desenvolvimento sustentável”.
Outrossim, conforme acentuado por Ramos, Jr. (2012, p.367), “o princípio da
dignidade geracional busca proteger as futuras gerações contra o poder apocalíptico da
geração presente de arruinar irreversivelmente a vida dos que ainda virão, isto é, contra o
risco de extinção da humanidade”. Explica, ainda, que “a dignidade” é um atributo de todas as
gerações, inclusive da presente, ressaltando “especial preocupação ao art. 225 da Constituição
Federal que, ao incorporar as necessidades e os interesses das coletividades vindouras, faz do
futuro um novo e revolucionário fundamento de validade do direito infraconstitucional”, bem
como “das decisões judiciais tomadas no presente”. Para ele, “o princípio da dignidade das
futuras gerações funciona como um mecanismo de freios e contrapesos intergeracionais, uma
espécie de muralha jurídica que serve de referência normativa para o juiz promover a
ponderação de valores em um contexto intertemporal”. Segundo o autor, "esse princípio é o
escudo protetor das futuras gerações contra as decisões da geração presente, que nem sempre
são tomadas com o olhar voltado para o futuro”.
Desta forma, considerando a robustez dos argumentos apresentados por Ramos, Jr.,
resulta possível fazer-se uma incursão do princípio da dignidade geracional sobre o direito de
águas, uma vez que os problemas de gestão dos recursos hídricos representam um problema
atual que, inexoravelmente, produzirá sequelas sobre o direito à água das futuras gerações.
88
A Carta Constitucional brasileira, no seu art. 4º, inciso IX, estabelece como princípio
nas relações internacionais a “cooperação entre os povos para o progresso da humanidade”.
Nesta esteira, afirma Milaré (2013, p. 278):
a bacia hidrográfica amazônica precisam voltar os seus olhos com mais atenção à gestão dos
seus recursos hídricos, pois uma gestão eficiente representa o passaporte para uma maior
inserção política no cenário internacional.
Todavia, na realidade e, em especial, no contexto da bacia hidrográfica amazônica,
apresenta-se acentuado o distanciamento existente entre o dever de cooperação e a efetiva
cooperação internacional. E isto ocorre porque o dever de cooperar, na forma exposta, não
possui exequibilidade: os acordos e declarações internacionais são manifestações de vontades
genéricas, cabendo às políticas públicas dos Estados soberanos a internalização jurídica das
obrigações e responsabilidades relacionadas ao compartilhamento da gestão cooperativa dos
recursos hídricos.
recursos naturais. No mesmo sentido, a Convenção para a proteção e utilização dos Cursos de
Água transfronteiriços e dos Lagos Internacionais, realizada em Helsink, em 1992, fomentou
a realização da cooperação internacional para a conservação e despoluição dos cursos de água
transfronteiriços e dos lagos internacionais, sendo que no seu art. 3º, alínea “i” preconizou que
tendo por finalidade a prevenção, o controle e a redução do impacto transfronteiriço, os países
partes devem desenvolver, adotar, aplicar e, sempre que possível, compatibilizar medidas
jurídicas, administrativas, econômicas, financeiras e técnicas relevantes de modo a assegurar
“a gestão sustentada dos recursos hídricos, incluindo uma abordagem ecossistêmica, seja
encorajada”.
Em que pese a relevância dos resultados da Conferência de Estocolmo e a
Convenção de Helsink, o marco institucional quanto a um modelo de desenvolvimento
sustentável consistiu a Declaração do Rio de Janeiro de 1992, a qual já contava com os
expressivos avanços oriundos das discussões conduzidas por aqueles outros eventos. A
Declaração do Rio de Janeiro tem 27 princípios, sendo que em 11 deles (princípios 1, 4, 5, 7,
8, 9, 12, 20, 21, 22 e 27) menciona, expressamente, o vocábulo “desenvolvimento
sustentável”, e ainda no princípio 3, embora não empregada a expressão “desenvolvimento
sustentável”, reitera a responsabilidade intergeracional enquanto instrumento de
desenvolvimento.
Não obstante, permitir-se conceber que a Declaração do Rio de 1992, constitui o
instrumento mais completo em relação ao princípio do desenvolvimento sustentável, outros
tantos diplomas internacionais reafirmaram tal compromisso, podendo-se citar a Convenção
da Diversidade Biológica de 1992, o Acordo de Implementação de Livre Comércio Norte-
Americano de 1993, a Conferência de Copenhage sobre Desenvolvimento Social de 1995, a
Declaração de Nova Dehli de Princípios de Direito Internacional relativo ao Desenvolvimento
Sustentável de 2002, a Conferência Africana sobre Recursos Naturais, Meio Ambiente e
Desenvolvimento de 2003, a Conferência de Berlim sobre Cursos de Águas Internacionais de
2004, e a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável de 2012, no
Rio de Janeiro (Rio+20).
Com fundamento neste robusto arcabouço jurídico de direito internacional, pode-se
depreender que o princípio do desenvolvimento sustentável representa não apenas mais um
princípio de direito internacional, mas muito mais do que isso, reproduz a preocupação da
comunidade internacional no sentido de orientar uma forma de repensar o modelo
insustentável de vida que vem se adotando na modernidade.
96
Até pouco tempo sustentava-se que a água era um recurso natural inesgotável devido
a sua condição cíclica. Entretanto, embora seja um recurso natural renovável, a água
é um recurso natural finito, uma vez que vários fatores interferem na sua
disponibilidade.
A amplitude do princípio da água ser bem dotado de valor econômico não está
limitado à cobrança pelo uso da água ou decorrente de poluição hídrica, mas também pelo
pagamento a título de serviços ambientais àqueles que protegerem os recursos hídricos,
conforme doravante restará demonstrado com mais detalhes.
O princípio do poluidor pagador impõe ao agente econômico que inclua entre seus
custos de produção a poluição ambiental por ele gerada. Esse valor integrará o preço
da externalidade positiva (produto), e quem o suportará, ao final, serão os
beneficiários de coisa gerada. Não pretende, contudo, que a poluição seja tolerada
mediante um preço. Seu fim é a prevenção do dano, não a compensação econômica
pela degradação da natureza.
princípio do poluidor pagador tem como fundamento a premissa de que tais encargos
precisam ser internalizados, razão pela qual os agentes econômicos devem leva-los em conta
ao elaborar os custos de produção. Desta forma, busca-se atribuir ao poluidor o custo social da
produção por ele gerada enquanto mecanismo de responsabilidade por dano ecológico,
abrangente dos efeitos da poluição não apenas sobre os bens e pessoas, mas também sobre
toda a natureza, o que na seara da economia ambiental se denomina de internalização dos
custos externos.
Segundo afirma Machado (2014, p. 90), “este princípio tem por objetivo fazer com
que estes custos não sejam suportados nem pelos Poderes Públicos, nem por terceiros, mas
pelo utilizador”. Para o referido autor (2014, p. 91):
O princípio não tem por finalidade tolerar a poluição mediante um preço, nem se
restringe a compensar os danos causado, mas sim, evitar o dano ao ambiente. Nesta esteira, o
pagamento pelo lançamento de efluentes, por exemplo, não alforria condutas inconsequentes,
de modo a ensejar o descarte de resíduos fora dos padrões e das normas ambientais. A
cobrança só pode ser efetuada sobre o que tenha respaldo na lei, sob pena de se admitir o
direito de poluir.
Para efeito de melhor compreensão acerca da interpretação do princípio do poluidor-
pagador e dizimar a confusão com o “pagador-poluidor”, merece destaque a simplicidade
gramatical com que Milaré (2013, 268) destaca o seu fundamento, enfatizando que “trata-se
do princípio do poluidor-pagador (poluiu, paga os danos), e não pagador-poluidor (pagou,
então pode poluir)”.
Não diferente dos demais recursos naturais, no que tange à água, o princípio do
poluidor-pagador é aplicável e merece ser objeto de efetivação pelos gestores públicos, pois
se em outrora a água poderia ser utilizada indiscriminadamente, o atual contexto hídrico de
degradação e escassez vem revelando a necessidade de reprimir o desperdício e o uso
irracional.
Discorrendo sobre a gestão dos recursos hídricos e a sua interface em relação ao
princípio do poluidor-pagador, Granziera (2014, p. 48), enfatiza que:
O artigo 1º, inciso II, da Lei 9.433/97, afirma que os recursos hídricos são bens
dotados de valor econômico, decorrendo disto o fundamento para a cobrança pelo uso da água
que está sendo objeto de pauta e provocando conflitos entre os setores usuários, cada um
representando interesses particulares às suas áreas de atuação, como os pescadores, as
101
donos da terra. É justo, portanto, que tais pessoas recebam incentivos da parte que se
beneficia.
No Brasil, sobretudo, no que toca à gestão da água, existe caso análogo ao exemplo
que ocorre nos Estados Unidos. Em território brasileiro, o princípio do protetor recebedor de
águas está consubstanciado no “Projeto Produtor de Água” desenvolvido pela ANA, o qual é
um programa que visa remunerar os proprietários rurais ribeirinhos que venham a adotar
práticas preservacionistas dos mananciais.
Conforme veiculado no sítio oficial da Agência Nacional de Águas (ANA), o
Programa Produtor de Água tem como foco o estímulo à política de Pagamento por Serviços
Ambientais (PSA) voltados à proteção hídrica no Brasil. Para tanto, o programa apoia, orienta
e certifica projetos que visem a redução da erosão e do assoreamento de mananciais no meio
rural, propiciando a melhoria da qualidade, a ampliação e a regularização da oferta de água
em bacias hidrográficas de importância estratégica para o país.
Esses projetos, de adesão voluntária, são voltados a produtores rurais que se
proponham a adotar práticas e manejos conservacionistas em suas terras com vistas à
conservação de solo e água. Como os benefícios advindos das práticas implementadas
ultrapassam as fronteiras das propriedades rurais, beneficiando os demais usuários da bacia,
os projetos preveem a remuneração dos produtores participantes com base nos benefícios
gerados em sua propriedade.
Trata-se de um programa moderno, alinhado com a tendência mundial de pagamento
por serviços ambientais e perfeitamente ajustado ao princípio do provedor-recebedor,
largamente adotado na gestão de recursos hídricos, que prevê bonificação aos usuários que
geram externalidades positivas em bacias hidrográficas.
O referido programa prevê o apoio técnico e financeiro para o estabelecimento de
arranjos que viabilizem o pagamento por serviços ambientais e a execução de ações em
diversos projetos espalhados por vários estados brasileiros. Entre as ações elegíveis estão a
construção de terraços e de bacias de infiltração, readequação de estradas vicinais,
recuperação e proteção de nascentes, reflorestamento das áreas de proteção permanente e
reserva legal, saneamento ambiental, entre outros.
A remuneração aos produtores rurais será sempre proporcional ao serviço ambiental
prestado e dependerá de prévia inspeção na propriedade. Além disso, para serem
contemplados com a marca “Produtor de Água”, todos os projetos de PSA devem obedecer a
uma série de condicionantes e diretrizes estabelecidas pela ANA, segundo fixado no seu
portal oficial, a saber: sistema de monitoramento dos resultados, que visa quantificar os
104
Desta forma, o direito à informação tem o seu espectro de abrangência não apenas
quanto às temáticas ambientais como também ao direito de águas exteriorizado por meio da
gestão dos recursos hídricos, e sob este viés merece especial atenção à problemática em
relação à precariedade quanto à disponibilidade das informações sobre a gestão dos recursos
hídricos, embora a exigência da informação esteja prevista como instrumento da PNRH, na
forma do seu art. 5º, inciso VI, da Lei 9.433/97, no art. 4, inciso V e art. 9º, inciso VII, ambos
da Lei 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente), art. 2º, inciso VIII, da Lei
10.650/2003 (Lei de acesso público aos dados e informações existentes nos órgãos e entidades
integrantes do SISNAMA), art. 40 da Lei 11.105/2005 (Lei de Biossegurança), bem como no
Princípio 10 da Declaração do Rio de Janeiro de 1992 e no Capítulo 40 da Agenda 21.
Enquanto premissa basilar do Estado de regime democrático, o princípio da
informação visa assegurar aos cidadãos o acesso às informações cujas relevâncias temáticas
poderão orientar as suas posições culturais, políticas e ideológicas, bem como se pronunciar
sobre a matéria informada.
Para Canotilho (1993, p. 225), o direito à informação integra três níveis: direito de
informar, o qual consiste na “liberdade de transmitir ou comunicar informações a outrem, de
acesso às mesmas, bem como de as difundir sem impedimentos”; direito de se informar, que
constitui-se na “liberdade de recolha de informação”; e o direito a ser informado, que
representa a “versão positiva do direito de se informar e se manter informado pelos meios de
comunicações disponíveis e pelos poderes públicos”.
Conforme foi visto anteriormente, o princípio da informação na seara ambiental
decorreu de avanços consubstanciados em Convenções e Tratados internacionais que foram
celebrados ao longo dos anos e após a ocorrência de alguns eventos que produziram
consequências nos territórios dos países vizinhos. Esse princípio está elencado na Declaração
do Rio de Janeiro de 1992, sob nº 10, cujo teor é o seguinte: “no nível nacional, cada
indivíduo deve ter acesso adequado a informações relativas ao meio ambiente de que
disponham as autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades
perigosas em suas comunidades”. O Tratado da Bacia do Prata contempla expressamente a
troca de informações entre os países membros, sendo o CIC o agente executivo responsável
para tais atribuições. O Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), no seu art. VII, faz
referência que a troca de informações deve estar inserida em “um sistema regular” em que
haja a apresentação de um relatório. Outros tantos diplomas internacionais também
contemplam o princípio da informação, porém entendendo-se justificado pelo âmbito do
106
de Políticas Públicas nas áreas da saúde, assistência social e de forma mais recente na área de
meio ambiente. Trata-se de espaços privilegiados de negociação entre os atores interessados
em determinada política.
Como exemplo, pode-se citar o orçamento participativo, iniciado em 1989, em Porto
Alegre, e em 1993 em Belo Horizonte, o qual permitiu a participação direta dos moradores
das aludidas cidades no estabelecimento do direcionamento de parte do orçamento municipal,
destinando a aplicação de parte dos recursos públicos. Outro exemplo de participação direta
dos cidadãos representam os Planos Diretores Municipais, denominados de Planos
Participativos Diretores Urbanos, que passaram a ser elaborados a partir da década de 1990.
O grande mérito desta mecânica participativa é representado pela redução do
distanciamento entre o poder público e o cidadão, que é o efetivo destinatário de todas as
políticas públicas, representando a exteriorização dos mais lídimos princípios preconizados
pela democracia, mitigando o amplo poder discricionário adotado pelo Governo na orientação
das políticas públicas, e constituindo relevante ferramenta para a construção de uma
sociedade, efetivamente, democrática, justa e solidária, com poder de intervenção nas
decisões governamentais.
Segundo versa o princípio da gestão descentralizada, consignado no art. 1º, inciso VI,
da Lei 9.433/97, a gestão requer a efetivação do princípio da participação, pois expressamente
estabelece que a gestão deve ser orientada com a participação do Poder Público, dos usuários
e das comunidades. Conforme acentua Milaré (2013, p. 902) ao discorrer sobre o modelo de
funcionamento do princípio da participação na gestão dos recursos hídricos:
Outra particularidade que merece especial atenção diz respeito a evitar interpretações
errôneas quanto às competências ou atribuições para a gestão das águas com a competência
para legislar sobre águas. Debruçando-se sobre tal tema, Machado (2014, p 516) explica que:
Não é de ser confundida a gestão das águas com a competência para legislar sobre
águas. A descentralização recomendada e instaurada pela Lei 9.433/97 foi no
domínio da gestão, pois a competência para legislar sobre as águas é matéria
concernente à Constituição Federal e continua centralizada nas mãos da União,
conforme o art. 22, IV. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar
sobre águas (art. 22, parágrafo único, da CF), sendo que até agora não existe tal lei.
dotado de natureza pública, dispõe de capacidade para externar a sua liberdade crítica e
influenciar na tomada de decisão administrativa que deverá orientar a política de Estado.
Dito isso, pode-se conceber que o princípio da participação representa um dos mais
destacados expoentes que devem orientar as políticas hídricas, pois na gestão dos recursos
hídricos ele representa um vetor que, dotado de capacidade deliberativa em face do princípio
da descentralização da gestão hídrica, serve de instrumento para orientar as políticas hídricas.
A expressão precaução significa o que se faz por prevenção, ou seja, trata-se de uma
medida antecipada que visa prevenir um mal. Este princípio constitui o âmago do direito
ambiental e está expressamente contemplado no princípio 15 da Declaração do Rio de Janeiro
de 1992, o qual estabelece:
Esse princípio indica uma atuação „racional‟ para com os bens ambientais, com a
mais cuidadosa apreensão possível dos recursos naturais, [...] que vai além das
simples medidas para afastar o perigo. Na verdade, é uma „precaução contra o risco‟,
que objetiva prevenir já uma suspeição de perigo ou garantir uma suficiente margem
de segurança da linha do perigo.
111
do lençol freático, diminuindo o nível da água, podendo atingir até a umidade da terra. Não se
sabe qual o impacto ambiental do consumo excessivo de água de poços.
Os riscos pelo consumo de água de fontes alternativas são elevados , e abrangem a
saúde pública e o meio ambiente, razão pela qual deve ser combatido o uso de água
subterrânea quando o seu usuário for abastecido por rede geral de distribuição. Na esteira do
princípio da precaução a água de poço deveria ser vista como fonte de reserva, para o uso
quando necessário, uma vez que desconhecidos pela ciência os efeitos decorrentes de tais
atividades para às presentes e futuras gerações; todavia, isso não ocorre na prática.
Desta forma, permite-se conceber que é um colapso antropológico o que a sociedade
pós-industrial está presenciando. Na verdade, um período de transições acentuadas e de
incertezas científicas que serão reveladas mais cedo ou mais tarde, cujos contornos também
convergem para fundamentar o princípio da prevenção, doravante abordado.
4.1.1 Gestão dos recursos hídricos na França e a influência sobre a norma brasileira
Comitê Nacional de Água: [...] tem por missão deliberar sobre a circunscrição
geográfica da bacia e do grupo de bacias, projetos de gerenciamento e repartição de
águas e problemas que envolvam dois ou mais comitês de bacias ou agências de
águas.
Comitês de bacia: mais próximos do interesse local, por aplicação igualmente do
princípio da ´subsidiariedade`, são compostos por representantes das regiões e
coletividades locais, representantes dos usuários e representantes do Estado. São
órgãos consultivos que podem se manifestar a peido do presidente do conselho de
administração da agência de bacia sobre os problemas relativos a ela. Têm
competência financeira para se pronunciarem sobre a cobrança recebida pela agência
da bacia.
Agência de água: as agências são organismos públicos, dotados de personalidade
civil e de autonomia financeira. Contribuem com o fundo financeiro para a execução
de estudos, pesquisas e obras de interesse comum da bacia. São formadas por
Conselho de administração, presidente e um diretor. A organização e o
funcionamento das agências são regidos pelo Decreto 66-700, de 14.09.1966.
Comunidade local de água: é reconhecida à coletividade territorial, ou seus grupos,
no intuito de auxiliar a realização dos objetivos do SAGE, a possibilidade de se
associar numa comunidade ou comissão local da água, encarregada de promover
estudos ou medidas que representem caráter de interesse geral ou de urgência, tais
como luta contra a poluição, defesa contra inundações, abastecimento de água,
monitoramento da águas pluviais etc.
Podem-se identificar também estabelecimentos públicos evocados de maîtrise
d´ouvrage (MISE) que podem ser criados por decreto do Conselho do Estado, para a
defesa e gerenciamento das águas. Existe ainda o Fundo Nacional de Água, com a
missão de coordenar os financiamentos para a adução de água e atuar como fundo
nacional de solidariedade da água.”
No que tange às águas subterrâneas, para reafirmar o teor do art. 26, inciso I, da CF,
no sentido de que “as águas subterrâneas integram os bens dos Estados”, o art. 1º, inciso I, art.
12, inciso II, e art. 49, caput e inciso V, todos da Lei nº 9.433/97, estabelecem que as águas
subterrâneas passam a fazer parte do domínio público, pois está sujeita à outorga pelo Poder
Público a “extração da água de aquífero subterrâneo para consumo final ou insumo de
processo produtivo”, o que culminou em expandir significativamente o domínio dos recursos
hídricos estaduais e, consecutivamente, demandar a adoção de modelos de planejamento e
gestão hídrica pelos Estados, culminando na produção das normas que tratam sobre as
Políticas Estaduais de Recursos Hídricos (PERH´s).
118
Assim, embora os entes federados não disponham de competência para legislar sobre
águas, cuja produção das normas gerais compete à União, lhes está autorizado a legislar sobre
119
a administração dos bens públicos que se encontrem no seu domínio, ou seja, a gestão dos
mesmos, e aqui se inclui as águas enquanto bem jurídico desta natureza, uma vez que a
temática sobre “a criação, alteração e extinção de direitos sobre a água é bem diversa da
instituição de normas administrativas referentes à utilização, preservação e recuperação do
recurso hídrico na qualidade de bem público”, conforme acentuado por Cid Tomanik Pompeu
(apud, Granziera, 2010, p. 59).
A par destes fundamentos e com amparo no art. 26, inciso I, da CF, foram instituídas
as políticas hídricas estaduais que representam a exteriorização desta competência dos
Estados para, mediante a adoção de regras administrativas, promover o planejamento e a
gestão dos recursos hídricos.
Neste sentido, especial destaque merece o diagnóstico feito por Granziera (2010, p.
67), a qual afirma que “o domínio dos recursos hídricos, dessa forma, está muito mais
próximo do dever de zelar do que de exercer o poder sobre algo. Esse poder, no sentido de
propriedade, dá lugar à responsabilidade pela condução do gerenciamento das águas.”
Desta forma, diante da natureza pública da água e extirpado o conceito privacionista,
seja de particular ou de qualquer dos entes federados, houve uma mudança substancial quanto
à lógica do domínio sobre as águas no Brasil, uma vez que inaugurado um novel conceito de
domínio, agora caracterizado pela adoção dos encargos de cuidado e de zelo,
instrumentalizados pelas políticas de planejamento e gestão dos recursos hídricos.
Não menos importante, merece especial destaque o acesso à água, que por força do
novel paradigma constitucional, estabeleceu a universalidade do seu acesso aos cidadãos,
mesmo quando que para se ter acesso ao corpo hídrico haja a necessidade de perpassar por
propriedades privadas, desautorizando, portanto, a existência de praias particulares.
Nesta senda, sobretudo, quanto ao acesso aos corpos hídricos, relevante se apresenta
a afirmação averbada por Machado (2014, p. 502):
O domínio hídrico público deve dar acesso à água àqueles que não sejam
proprietários dos terrenos em que as nascentes aflorem, àqueles que nãos estão em
prédios à jusante das nascentes e àqueles que não são ribeirinhos ou lindeiros dos
cursos d‟água.
Os teores do art. 20, inciso III, e do art. 26, iniciso I, ambos da CF, estabeleceram os
critérios quanto ao domínio hídrico para distinguir quando as águas são bens da União ou são
bens dos Estados, restando, portanto, excluído o domínio das águas pelos Municípios, razão
pela qual se justifica uma abordagem para analisar sobre quais são os bens de domínio da
União e os bens que são de domínio dos Estados, o que consiste tema das seções
subsequentes.
Segundo inteligência firmada pelo disposto no inciso III, do art. 20, da CF,
constituem bens da União: “os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos do seu
domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, se
estendam a territórios estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e
praias fluvias.”
123
Segundo estabelece o art. 26, inciso I, da CF, incluem-se entre os bens dos Estados e
do Distrito Federal “as águas superficiais e subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito,
ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União”. Assim dispondo
quanto às águas pertencentes aos Estados, a Carta Constitucional adotou o princípio da
exclusão: as águas dos Estados são aquelas que não pertencem à União.
Se alguma dúvida existia antes do advento da nova ordem constitucional quanto ao
domínio das águas subterrâneas pela União ou pelos Estados, tal questão restou dizimada: as
águas subterrâneas são bens dos Estados. No entanto, o ordenamento constitucional não
apontou diretriz alguma para interpretar a questão relativa aos aquíferos que ultrapassam os
territórios dos Estados, uma vez que o uso indiscriminado desses mananciais por um Estado
pode afetar outro(s) que compartilham as mesmas águas subterrâneas.
Assim, enquanto de domínio dos Estados, o desafio quanto às águas subterrâneas
consiste na articulação institucional e na gestão integrada para garantir que esses importantes
mananciais não sofram superexplotação nem fiquem contaminados.
Por força da competência material da União lastreada no artigo 21, inciso XIX, da
CF, cujo teor determina a “instituição do sistema nacional de gerenciamento de recursos
hídricos e a definição de critérios de outorga de direitos quanto aos seus usos”, foi instituída a
Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), a qual tem por finalidade orientar o
planejamento hídrico nacional.
A Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) constitui-se em uma plataforma
de gestão representada por uma norma de planejamento hídrico com essência similar a do
planejamento econômico visando atingir objetivos: ambos possuem metodologias de
planejamento dotadas de princípios e instrumentos para alcançar metas propostas.
Destacando a importância do estabelecimento de metas no planejamento hídrico e a
interface entre os campos econômicos e financeiros necessários para atender os objetivos
preconizados pela política hídrica, Granziera (2014, p. 114) afirma que:
125
os valores a serem cobrados pelo uso dos recursos hídricos”, conforme estabelece o art., 4º,
inciso VI da Lei 9.984/2000.
A composição do CNRH está prevista pelo Decreto nº 4.613, de 11 de março de
2003, estabelecendo a participação de 57 membros. Enquanto órgão da Administração Pública
direta, diferentemente do que ocorre em relação à composição dos Comitês de Bacia
Hidrográfica, no CNRH a representação do Poder Público predomina (51%). E essa
conotação política tem reflexo, não raras vezes, à desestruturação de projetos em face às
mudanças de governo. A articulação institucional entre as políticas hídricas federais e
estaduais é um desafio a ser enfrentado com maturidade pelos agentes públicos.
De acordo com Granziera (2014, p. 156),
O art. 1º, inciso VI, da Lei 9.433/97, estabelece que “a gestão dos recursos hídricos
deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das
comunidades”. Por força do domínio hídrico ter natureza pública, as águas jamais poderão ter
uma gestão totalmente privada. Discorrendo sobre a forma de gestão (pública e/ou privada)
apta para a gestão dos recursos hídricos, Machado (2014, p. 516) averba:
Segundo o art. 47, incisos I a V, da Lei 9.433/97, são consideradas organizações civis
de recursos hídricos: os consórcios e associações intermunicipais de bacias hidrográficas; as
associações regionais, locais ou setoriais de usuários de recursos hídricos; as organizações
técnicas e de ensino e pesquisa com interesse na área de recursos hídricos; as organizações
não-governamentais com objetivos de defesa de interesses difusos e coletivos da sociedade; e
outras organizações reconhecidas pelo Conselho Nacional ou pelos Conselhos Estaduais de
Recursos Hídricos.
Neste cenário, enquanto concebida como organização civil de recursos hídricos,
embora efetivamente seja órgão de Estado, foi concebida a figura do Comitê de Bacia
Hidrográfica, que representa a exteriorização do princípio da participação e a descentralização
na gestão dos recursos hídricos, sendo estruturado por um colegiado composto por órgãos do
Estado e da sociedade para deliberar sobre a política de gestão hídrica em determinada bacia
hidrográfica.
A seção 5 percorre minuciosa análise sobre os Comitês de Bacias, razão pela qual
maiores esclarecimentos podem ser obtidos mediante visitação a tal tópico.
respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica o enquadramento dos corpos de água nas classes
de uso, os valores a serem cobrados pelo uso de recursos hídricos, o plano de aplicação dos
recursos arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos e o rateio de custo das
obras de uso múltiplo, de interesse comum ou coletivo.
Na forma dos artigos 42 e 43 da Lei nº 9.433/97, a sua criação está condicionada à
autorização pelo CNRH, por meio de solicitação de um ou mais Comitês de Bacia, e desde
que atendidos alguns requisitos, sobretudo, a existência prévia de Comitês de Bacia
Hidrográfica, bem como a viabilidade financeira assegurada pela cobrança do uso dos
recursos hídricos na sua área de atuação.
Embora preconizadas neste ordenamento hidrojurídico, algumas particularidades
sobre as Agências de Água foram alterados ao longo dos anos, promovendo uma outra
roupagem. Conforme salienta Granziera (2010, p. 164): “as experiências vivenciadas na Bacia
do Rio Paraíba do Sul, pioneira na implantação da cobrança, apontaram para a possibilidade
de associações civis receberem delegação para atuarem como Agências de Água”.
Esta nova formatação culminou com a produção da Lei nº 10.881/04, que
instrumentalizou as entidades civis de recursos hídricos como de legatárias do CNRH para
atuarem como Agências de Bacia, salvo quanto à cobrança, que permanece como
competência da ANA.
A Agência Nacional de Águas (ANA) foi instituída pela Lei nº 9.984 de 17 de julho
de 2000. A ANA constitui uma autarquia, com autonomia administrativa e financeira,
vinculada o Ministério do Meio Ambiente. A agência é comandada por uma diretoria
colegiada, composta de cinco membros e nomeada pelo Presidente da República.
Conforme firmado pela Lei nº 9.433/97, a articulação de planejamento nacional das
águas constitui atribuição do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), sendo a
ANA, enquanto autarquia, o órgão de execução das diretrizes do Conselho.
As atribuições da ANA podem ser divididas em dois eixos: competências relativas à
Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH); e atribuições sobre as águas de domínio da
União.
Segundo afirma Machado (2014, p. 563):
131
Na forma expressa pelo art. 6º da PNRH, “os Planos de Recursos Hídricos são planos
diretores que visam a fundamentar e orientar a implementação da Política Nacional de
132
Recursos Hídricos e o gerenciamento dos recursos hídricos”. No plano devem ser definidas
metas de racionalização de uso, para o aumento de quantidade e a melhoria da qualidade dos
recursos hídricos disponíveis, bem como os programas e projetos destinados ao atendimento
dessas metas.
O art. 7º, por sua vez, estabelece que “Os Planos de Recursos Hídricos são planos de
longo prazo, com horizonte de planejamento compatível com o período de implantação de
seus programas e projetos. Os incisos I a X deste artigo estabelecem o seguinte conteúdo
mínimo para a formação do plano: diagnóstico da situação atual dos recursos hídricos; análise
de alternativas de crescimento demográfico, de evolução de atividades produtivas e de
modificações dos padrões de ocupação do solo; balanço entre disponibilidades e demandas
futuras dos recursos hídricos, em quantidade e qualidade, com identificação de conflitos
potenciais; metas de racionalização de uso, aumento da quantidade e melhoria da qualidade
dos recursos hídricos disponíveis; medidas a serem tomadas, programas a serem
desenvolvidos e projetos a serem implantados, para o atendimento das metas previstas;
prioridades para outorga de direitos de uso de recursos hídricos; diretrizes e critérios para a
cobrança pelo uso dos recursos hídricos; e propostas para a criação de áreas sujeitas a
restrição de uso, com vistas à proteção dos recursos hídricos.
No plano são definidas as prioridades para outorga de direito de uso da água,
estabelecidas as condições de operação dos reservatórios, além de orientações e regras a
serem implementadas pelo órgão gestor de recursos hídricos na concessão de outorgas, sendo
que no plano também estarão os critérios para a cobrança pelo uso dos recursos hídricos.
Enfim, o plano, como principal ferramenta técnica, reúne as informações estratégicas
para a gestão das águas na respectiva bacia hidrográfica, devendo os mesmos serem
elaborados por bacia hidrográfica, por Estado e para o país, consoante preceitua o art. 8º da
Lei nº 9.433/97; sendo que os Comitês de Bacia Hidrográficas, necessariamente, devem
participar do processo de elaboração.
como objetivo zelar para que o resultado das atividades antrópicas não comprometam as
características de quantidade e qualidade das águas para atender às demandas das atuais e
futuras gerações, conforme inteligência do art. 9º da Lei nº 9.433/97.
Por se tratar de matéria inerente à ciência bioquímica que, portanto, foge do alcance
do conhecimento do legislador, este preferiu remeter para a legislação ambiental a produção
dos critérios para efeito da classificação das classes dos corpos de água, segundo preconizado
pelo art. 10 da Lei 9.433/97.
Desta forma, visando complementar a referida norma em branco, resultou concebida
a Resolução 357 do CONAMA, – Conselho Nacional do Meio Ambiente -, de 17 de março de
2005, a qual, na forma do seu art. 3º, dividiu as águas dos corpos hídricos em doces, salobras
e salinas para efeito de classifica-las em classes (especial, 1, 2, 3 e 4) quanto aos seus
respectivos usos e destinações, conforme preconiza o seu art. 4º.
A importância deste instrumento de enquadramento é significativa, pois mais do que
estabelecer a proteção do atual estado qualitativo dos corpos hídricos, em homenagem aos
princípios da precaução e prevenção, visa a estabelecer os níveis de qualidade pretendidos a
longo prazo, por meio de fixações de metas. Outrossim, além de constituir relevante
instrumento de gestão ambiental, o enquadramento tem reflexo no uso e ocupação do solo na
medida em que o estabelecimento do uso de um determinado corpo hídrico define a natureza
das atividades que poderão ser realizadas no seu entorno, na forma estabelecida pela
Resolução.
No entanto, na mesma linha que se apresenta o déficit de efetividade quanto à grande
parte das normas ambientais, este relevante instrumento de enquadramento dos corpos de
água também padece de aplicabilidade em muitas regiões do Brasil.
Nesta esteira, tentando entender sobre este vácuo de efetividade quanto à norma,
Granziera (2014, p. 147) explica que:
quando for o caso”, sendo que o uso dos recursos hídricos deverá preservar o uso múltiplo
destes, na forma do seu parágrafo único.
Conforme o art. 16 e 17, incisos I a VI, da Lei nº 9.433/97, “toda outorga de direitos
de uso de recursos hídricos far-se-á por prazo não excedente a trinta e cinco anos, renovável”;
todavia poderá ser suspensa parcial ou totalmente, em definitivo ou por prazo determinado,
nas seguintes circunstâncias: não cumprimento pelo outorgado dos termos da outorga; a
ausência de uso por três anos consecutivos; por necessidade premente de água para atender a
situações de calamidade, inclusive as decorrentes de condições climáticas adversas; pela
necessidade de se prevenir ou reverter grave degradação ambiental; pela necessidade de se
atender a usos prioritários, de interesse coletivo, para os quais não se disponha de fontes
alternativas; ou pela necessidade de serem mantidas as características de navegabilidade do
corpo de água.
Segundo averba o art. 19, incisos I a III, da Lei 9.433/97, “A cobrança pelo uso de
recursos hídricos objetiva: reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma
indicação de seu real valor; incentivar a racionalização do uso da água; obter recursos
financeiros para o financiamento dos programas e intervenções contemplados nos planos de
recursos hídricos. O art. 20 da Lei 9.433/97, por sua vez, estabelece que serão cobrados os
usos de recursos hídricos sujeitos a outorga. Para a fixação dos valores a serem cobrados pelo
uso dos recursos hídricos, o art. 21, incisos I e II, fixa que devem ser observados, dentre
outros usos: nas derivações, captações e extrações de água, o volume retirado e seu regime de
variação; e nos lançamentos de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, o volume
lançado e seu regime de variação e as características físico-químicas, biológicas e de toxidade
do afluente.
O art. 22, incisos I e II, por seu turno, reza que os valores arrecadados com a
cobrança pelo uso de recursos hídricos deverão ser aplicados prioritariamente na bacia
hidrográfica em que foram gerados e serão utilizados no financiamento de estudos,
programas, projetos e obras incluídos nos Planos de Recursos Hídricos, e no pagamento de
despesas de implantação e custeio administrativo dos órgãos e entidades integrantes do
Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
137
Conforme demonstrado na seção 2.2., os interesses sobre o uso das águas são
múltiplos, representados por segmentos socioeconômicos que defendem interesses que, em
várias situações, são conflitantes. A diversidade de interesses sobre o uso da água, a
distribuição desigual e o uso inadequado têm gerado conflitos e ameaçado a garantia desse
138
recurso para as gerações presentes e futuras. Rever esse quadro e estabelecer acordos entre os
múltiplos usos demandam arranjos institucionais que permitam a conciliação dos diferentes
interesses e a construção coletiva das soluções. Conflitos como esses não deveriam ser
tratados ou solucionados em espaços confinados, orientados somente pelas diretrizes
governamentais ou soluções técnicas, sem um ambiente público que permitisse a
transparência do processo de negociação e a participação de todos os sujeitos envolvidos,
direta ou indiretamente, no problema. Nesse sentido, o Comitê se constitui num ambiente
favorável à resolução de tais conflitos. Uma das atribuições mais relevantes dos CBH´s é
estabelecer um conjunto de mecanismos e de regras, decididas coletivamente, de forma que os
diferentes interesses sobre os usos da água na bacia sejam discutidos e negociados
democraticamente em ambiente público, com transparência no processo decisório, buscando
prevenir e dirimir conflitos. Essas regras devem ser avaliadas sob o aspecto da bacia
hidrográfica, após considerados os aspectos técnicos e os diferentes pontos de vista dos
membros dos CBH.
Art. 38. Compete aos Comitês de Bacia Hidrográfica, no âmbito de sua área de
atuação:
I - promover o debate das questões relacionadas a recursos hídricos e articular a
atuação das entidades intervenientes;
II - arbitrar, em primeira instância administrativa, os conflitos relacionados aos
recursos hídricos;
III - aprovar o Plano de Recursos Hídricos da bacia;
IV - acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da bacia e sugerir as
providências necessárias ao cumprimento de suas metas;
V - propor ao Conselho Nacional e aos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos as
acumulações, derivações, captações e lançamentos de pouca expressão, para efeito
de isenção da obrigatoriedade de outorga de direitos de uso de recursos hídricos, de
acordo com os domínios destes;
VI - estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos e sugerir
os valores a serem cobrados;
IX - estabelecer critérios e promover o rateio de custo das obras de uso múltiplo, de
interesse comum ou coletivo.
Oportuno salientar que, na forma concebida pelo artigo 38 da Lei nº 9.433/97, dentre
outras atribuições, compete aos Comitês de Bacia Hidrográfica aprovar e executar o Plano de
Recursos Hídricos da bacia, propor ao Conselho de Recursos Hídricos os critérios de pouca
expressão para efeito de isenção de obrigatoriedade de outorga, bem como estabelecer
mecanismo de cobrança pelo uso de recursos hídricos e sugerir valores a serem cobrados:
Considerando que o Plano de Recursos Hídricos da bacia representa o instrumento
“âncora” para a gestão da bacia, tendo de ele ser, necessariamente, aprovado pelo respectivo
Comitê que lhe dará exequibilidade e estabelecerá os mecanismos de cobrança pelo uso dos
recursos hídricos, percebe-se que a constituição de CBH´s organizados e pautados por um
modelo de gestão com autonomia política, administrativa e financeira, representa condição
sine qua non para a viabilização econômica e implementação efetiva das políticas de recursos
hídricos.
A composição do Comitê de Bacia Hidrográfica, por sua vez, está prevista no art. 39
da PNRH, a qual delimita o número de participantes dos setores interessados no Comitê,
discorre sobre os Comitês em zona de fronteira, bem como estabelece critérios para a
formação dos Comitês em terras indígenas, in verbis:
Desta forma, sendo o CBH o parlamento das águas no âmbito de uma bacia
hidrográfica, ele constitui fórum participativo e de integração entre o Estado e a sociedade
civil na gestão dos recursos hídricos, razão pela qual as suas deliberações ostentam
significativa importância não apenas de ordem socioeconômica regional, mas também de
geopolítica hídrica, que por razões plausíveis, em certas situações, reservam a participação da
União e dos indígenas, conforme o art. 39, §§ 2º e 3º, incisos I e II, da Lei 9.433/97.
Esta Resolução do CNRH foi concebida para atender o disposto no parágrafo único
do art. 37, bem como o art. 39, inciso I, § 2º, da Lei 9.433/97. Quando da existência de rios
transfronteiriços, os Comitês de Bacia destas regiões hidrográficas demandam procedimento
especial para a sua formação, justificado por política de segurança nacional. O parágrafo
único do art. 37 estabelece que “a instituição de Comitês de Bacia Hidrográfica em rios de
domínio da União será efetivada por ato do Presidente da República”.
No mesmo sentido, e justificada por política de segurança nacional, esta Resolução
tem o fim de complementar o disposto no art. 39, inciso I, § 2º, o qual exige que a União
venha a compor os CBH´s, por um representante do Ministério das Relações Exteriores, nas
bacias de rios fronteiriços e transfronteiriços de gestão compartilhada.
Estes CBH´s devem contar com a participação da União Federal que atuará em
articulação com o Estado, conforme exige a Resolução nº 05, de 10 de abril de 2000, do
CNRH, o que torna mais complexo o processo, porém, necessário. Todavia, se por um lado tal
procedimento especial torna a constituição do CBH mais complexa, por outro pode agregar
mais força política, científica e tecnológica em face da intervenção da União, como
demonstrado pela elaboração do Plano Estratégico dos Afluentes da Margem Direita do Rio
Amazonas (MDA).
141
Nos dias de hoje, a desestatização da água como foi definida antes envolve um novo
sistema de regulamentação e controle que, ao seguir os princípios, regulamentos e
estrutura do Contrato Mundial da Água, confia o gerenciamento integrado da água a
organismos públicos tais como comunidades locais, grupos de cidadãos, redes de
aldeias ou cidades e sociedades cooperativas.
da sociedade civil; cientistas, intelectuais e mídia; e sindicatos. Definindo que esses quatro
setores devem:
Nesse sentido, refletiu os esforços dos movimentos sociais que conceberam arranjos
institucionais e viabilizaram a participação de segmentos da sociedade comprometidos com a
gestão dos recursos hídricos, sendo o CBH o “motor” dessa nova forma de fazer política:
descentralizada por bacia hidrográfica e com a participação do Poder Público, das
organizações da sociedade civil e dos usuários.
Neste contexto, oportunos se apresentam as inferições produzidas pela ANA -
Agência Nacional de Águas (2011, p. 18) quanto às formas de participação (consultivas e
deliberativas) dos Comitês de Bacia na gestão dos recursos hídricos:
qual foi investigado para efeito de elaboração da pesquisa que consubstancia o presente
trabalho.
O COMITESINOS foi criado em 1988, pelo Decreto Estadual 32.774, antes da
promulgação da Lei Estadual de Recursos Hídricos (Lei nº 10.350/94); ou seja, o Comitê foi
concebido antes da Lei Federal nº 9.433/97.
Em entrevista realizada com a Secretaria Executiva do COMITESINOS, Profa. Dra.
Viviane Nabinger (ANEXO D), restou possível resgatar um pouco da história e das atividades
deste Comitê que tem 26 anos de experiência, sendo que ela, a entrevistada, participa há 25
anos.
Segundo a entrevistada, o COMITESINOS foi criado por força dos fortes
movimentos ambientalistas, associações e ONG´s existentes na região do Vale dos Sinos que,
na década de 1980, passaram a se insurgir contra a contaminação hídrica produzida pela
indústria calçadista e de cortumes que, tradicionalmente, exercem as suas atividades na região
do Rio dos Sinos.
A Universidade do Rio dos Sinos (UNISINOS), cujo campus se encontra a sede do
Comitê, é a sua grande parceira. Para orientar o Comitê, inicialmente, a UNISINOS promoveu
a capacitação de alguns professores para conhecer o modelo adotado na França – e assim
concebeu a sua estrutura organizacional. Além da sede do COMITESINOS, a UNISINOS
oferece estrutura mediante telefone, internet e computadores. O COMITESINOS é composto
por diversas instituições públicas e privadas e conta com um grupo técnico capacitado,
formado não apenas por pesquisadores, professores e alunos da UNISINOS, mas também de
outras instituições. A UNISINOS não remunera nenhum dos membros dos COMITESINOS.
As receitas auferidas pelo COMITESINOS são decorrentes de verbas do Governo do Estado
(R$100.000,00 no ano de 2015) e projetos ambientais que participa. Estes projetos ambientais
são a principal fonte de receita do COMITESINOS. Nestes projetos, o COMITESINOS
engaja alguns membros do corpo docente da UNISINOS, bem como os acadêmicos, os quais
somente passam a ser remunerados dependendo da extensão, complexidade e volume de
recursos oriundos dos projetos. Um exemplo destes projetos é o “VerdeSinos”, patrocinado
pelo programa Socioambiental da Petrobrás, cujo objetivo é o processo de recuperação da
mata ciliar para a conservação das áreas úmidas remanescentes na Bacia Hidrográfica do Rio
dos Sinos. Em outros projetos, com o apelo à educação ambiental, o COMITESINOS engaja a
própria comunidade para a coleta de dados visando à produção da pesquisa científica, como
por exemplo o Projeto Dourado, que visa capacitar agentes promotores da educação na região
144
sobre a bacia dos Sinos, seus aspectos ambientais e da gestão de recursos hídricos para que
tais informações possam ser difundidas para a população local dos Municípios.
Outro grande parceiro do COMITESINOS é o Ministério Público do Estado do Rio
Grande do Sul. Muitas das atividades desenvolvidas pelo Ministério Público na Bacia dos
Sinos são concatenadas com o COMITESINOS. Quando questionada sobre esta articulação
institucional entre o Ministério Público e o Comitê, a entrevistada foi taxativa: “qualquer
coisa em tema de águas na região da bacia dos sinos, o Ministério Público consulta o
COMITESINOS”.
O engajamento do COMITESINOS com a sociedade civil, as entidades da indústria
e as instituições públicas é de tal forma que atualmente está trabalhando em mais de 30
projetos simultâneos. As reuniões do Comitê que eram para se realizar bimestralmente,
ocorrem duas vezes por mês.
Em análise ao material de apoio dispensado pelo COMITESINOS para a elaboração
desta pesquisa, pode-se observar que a participação da sociedade permeia os mais diversos
setores. Existe, efetivamente, uma gestão participativa e integrada em relação aos recursos
hídricos, sem intervenções de natureza político-ideológica ou partidária.
Atualmente, o Presidente do COMITESINOS é representante da indústria dos
cortumes. Questionado à entrevistada se o fato do atual presidente do COMITESINOS ser
representante da indústria não compromete as atividades do Comitê, ela foi enfática:
“Absolutamente. Os empresários da região atingiram um grau de maturidade que eles mesmos
apoiam e tomam iniciativas quanto às atividades do Comitê. Não existe como o empresário
não se comover com a relevância das atividades desenvolvidas. Elas são muito importantes
para a comunidade. Durante um período, foi o empresariado da região, mediante
contribuições voluntárias, que sustentaram financeiramente o COMITESINOS.”
Em conclusão à pesquisa desenvolvida no COMITESINOS, permite-se conceber que
o mesmo constitui um modelo a ser seguido, haja vista o grau de maturidade política e
financeira que constituiu ao longo dos seus 26 anos de existência.
145
margens dos corpos hídricos. A relação existente entre o homem da Amazônia e às águas é
umbilical, porquanto às águas se fizeram presentes em todo o processo sociocultural da região
desde os tempos mais remotos até os dias atuais, representando muito mais do que meros
vínculos geográficos circunstanciais, mas também uma identidade etnográfica que o
diferencia dos povos de outras regiões. Fazendo menção a tal fenômeno, Fonseca (2011, p.
173) justifica que:
Fazendo uma incursão sobre a obra citada de autoria de Tocantins, a qual se constitui
um clássico da cultura da Amazônia, merece destaque a sua descrição (2000, p.228) quanto ao
contexto histórico de Manaus de meados para o final do século XIX e início do século XX:
De uma aldeola dos índios manaus, o antigo lugar da Barra se transformara num dos
mais importantes centros do mundo tropical, graças à vitalidade econômica da
borracha, que lhe deu vida, riqueza e encantos, como na antiguidade o comércio
intenso no Mediterrâneo e no Adriático possibilitou a Roma, Florença e Veneza um
papel preponderante na economia, nas artes, nas letras e na arquitetura da Europa.
E não deixa de impressionar a obra urbanizadora da capital, creditada ao Governador
Eduardo Ribeiro, o “Pensador” (assim os amazonenses costumavam chamá-lo). A
topografia da cidade, antes de Eduardo Ribeiro, vislumbrava-se em cortes
hidrográficos: era o Igarapé do Salgado, o igarapé Castelhana, o igarapé da Bica, o
igarapé do Espírito Santo, o igarapé de Manaus, o igarapé da Cachoeirinha, o
igarapé de São Raimundo, o igarapé dos Educandos.
Se o “Pensador” quisesse teria transformado Manaus numa Veneza tropical, onde
não faltaria o tráfego intenso de embarcações, varando os quintais das casas,
abordando as fachadas e os jardins dos palacetes. Mas o Governador Eduardo
Ribeiro preferiu aterrar os caudais em benefício de um urbanismo funcional, que
lutou contra a natureza até fazer secar os pequenos cursos d‟água, transformados
agora, em amplas vias públicas.
importante fonte de poluição difusa; III) Contaminação das águas subterrâneas por
despejos industriais e domésticos por meio dos tanques sépticos, e vazamentos dos
sistemas de esgoto sanitário e pluvial; IV) Depósitos de resíduos sólidos urbanos que
contaminam as águas superficiais e subterrâneas, funcionando como fonte
permanente de poluição; V) Ocupação do solo urbano sem controle adequado do seu
impacto sobre o sistema hídrico.
Como bem ilustra a foto acima, nem mesmo os animais que se encontram no interior
das Unidades de Conservação, onde, em tese, deveriam estar protegidos, se encontram a salvo
da poluição hídrica dos igarapés.
Outro crasso problema existente na região diz respeito ao uso indiscriminado das
águas subterrâneas por meio da perfuração de poços para suprir o abastecimento público e
privado cada vez mais profundos em face da contaminação decorrente da ausência de
saneamento básico, o que está a rebaixar a camada hídrica em alguns pontos excessivamente
urbanizados.
No mesmo diapasão de preocupação quanto à gestão hídrica urbana de Manaus,
sobretudo, discorrendo sobre o uso indiscriminado das águas subterrâneas, a deficiência dos
serviços de saneamento básico e a poluição hídrica em Manaus, Nozawa (2010, p. 135)
descreve :
Muito embora a bacia amazônica tenha significativa parte das suas áreas protegidas
ambientalmente, a poluição hídrica urbana decorrente da inefetividade de políticas públicas de
saneamento básico e proteção dos recursos hídricos produzida pelo modelo econômico e
expansão demográfica desordenada está comprometendo a qualidade dos recursos hídricos de
grande parte das comunidades, sobretudo, as mais pobres, as alijando do acesso à água
potável e as deixando vulneráveis a doenças provenientes da contaminação hídrica.
Neste sentido, realizando uma incursão sobre os efeitos genéricos da contaminação
hídrica e explicando sobre as doenças infecciosas e tratamento de água, Hespanhol (2006, p.
273) apresenta classificação de acordo com os modos de propagação de doenças associadas à
água, englobando quatro categorias:
O mapa acima citado foi concebido por força 25ª reunião ordinária do Conselho
Estadual de Recursos Hídricos (CERH), conforme se observa no Anexo E. Segundo este
instrumento normativo, a bacia hidrográfica do Estado está dividida em nove regiões
hidrográficas, abrangendo as seguintes cidades:
159
pesquisadores e cientistas do INPA, entre os anos de 2009 e 2011, foram coletadas 306
(trezentas e seis) amostras de águas em 49 (quarenta e nove) afluentes, nos períodos de cheia,
precipitações e estiagem, em 29 (vinte e nove) locais, com o propósito de identificar as
características das águas do Rio Amazonas e seus tributários para o fim de adaptação à
Resolução CONAMA 357.
Desenvolvida esta árdua pesquisa, composta por diversos pesquisadores e cientistas
altamente capacitados, o resultado do estudo concluiu que em decorrência das acentuadas
diferenças quanto à composição bioquímica (PH) das diferentes águas (pretas, claras e
brancas) e da baixa densidade demográfica, e ainda considerando que no Estado do Amazonas
não existe enquadramento dos corpos de água, classificando-se, portanto, em classe 2 como
referência, conforme estabelece o art. 44 da Resolução CONAMA 357, os critérios
estabelecidos pela referida norma são incondizentes às peculiaridades da região amazônica,
pois não obstante em alguns rios os valores de PH encontrem-se abaixo de 5,5 (águas ácidas),
ou seja, fora dos padrões para classe 2, inconcebível aceitar que nesta região não existam
ambientes aquáticos com condições melhores que a classe 2, a qual não admite dentre outras
tantas atividades, a pesca e as atividades de embarcações, o que é um contra-senso à vocação
cultural e econômica da Amazônia.
Em meio a esta discussão e, atualmente, inexistindo enquadramento de classes em
corpos de água no Estado do Amazonas, a parte que mais sofre com a omissão dos poderes
públicos são os corpos hídricos, uma vez que desprovidos de qualquer regulação protetiva em
relação aos efeitos das atividades antrópicas, o que, inegavelmente, mais cedo ou mais tarde,
certamente, produzirá nefastas consequências, seja à sociedade e aos diferentes atores que
usam as águas, seja ao próprio bioma da região.
A pesquisadora Maria do Socorro, em entrevista à Revista “Ciência para Todos” do
INPA (2013, p. 38), discorrendo sobre as conclusões da pesquisa, afirma:
A população ainda não está preparada para perceber as ameaças que podem
comprometer suas futuras gerações. São raras as vezes em que as comunidades se
organizam voluntariamente para se defender contra atividades que ameaçam ao seu
sustento (a guerra do peixe é a mais famosa). Normalmente, a população é induzida
a cuidar de sua máquina de produção (a natureza), até perceber que isto lhe traz
benefício – exemplo a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá.
[...].
É necessário, portanto, uma intervenção do poder público para que seja iniciado um
processo visando obter enquadramento, ainda que provisório, de nossas águas, a fim
de poder controlar as atividades econômicas existentes ou que venham a se instalar
na região.
164
Por fim, a pesquisadora Josiane Santos, responsável pela matéria científica veiculada,
acentua que (2013, p. 39):
Dito tudo isto, permite-se conceber que o enquadramento da classificação dos corpos
de água em classes constitui um significativo instrumento de gestão dos recursos hídricos,
porém, na forma que foi concebido pela Resolução CONAMA 357, a sua efetividade se
encontra comprometida por diversas razões políticas, econômicas, culturais, etc., sendo que
dentre delas, destaca-se, inclusive, a sua incompatibilidade de adaptação em algumas regiões
hidrográficas, como no caso do Estado do Amazonas, pois não parece cientificamente correto
depreender que a ausência de enquadramento de corpos hídricos venha a produzir um
resultado semelhante em todas as diferentes regiões do país, ou seja, colocando tudo no
mesmo “pacote” sem considerar as peculiaridades ambientais, sociais, culturais,
demográficas, econômicas e hidrográficas de cada região, até mesmo porque inconcebível
exigir da natureza que ela venha a se adaptar à lei dos homens – mais fácil (e lógico) é o
homem se adaptar às leis da natureza - , o que exige repensar o modelo deste relevante
instrumento de gestão para compatibilizá-lo ao contexto da Amazônia.
6.2.2.3 Outorga
Com a reforma administrativa feita pelo Governo do Estado em 2015, o IPAAM não
mais exerce tal atribuição acerca do procedimento de outorga, na forma contemplada pelo art.
49 e seguintes do Decreto nº 28.678 de 16 de junho de 2009; portanto, inexistindo no Estado
do Amazonas qualquer controle qualitativo ou quantitativo acerca dos usos da água quanto à
derivação ou captação de água, lançamentos de esgotos ou efluentes líquidos, etc.
6.2.2.4 Cobrança
estas não forem constituídos, pelas organizações civis de recursos hídricos legalmente
constituídas.
Diante da importância destes órgãos que compõe o SEGRH, justifica-se a
necessidade de conhecê-los um pouco mais, sobretudo, em relação às suas atribuições e
atividades para que se possa avaliar a eficiência dos instrumentos de gestão hídrica no Estado,
enquanto objetivo deste trabalho.
a extinta Secretaria de Mineração e Recursos Hídricos, a qual foi transferida para outra
Secretaria, hoje, sendo lotados em um departamento.
Neste diapasão, cumpre esclarecer que no ano de 2015 houve uma profunda reforma
administrativa pelo Governo do Estado do Amazonas em que algumas pastas e Secretarias
foram extintas e transferidas para outras, adotando a mesma práxis empregada por outros
Estados da Federação visando a contenção de gastos públicos. Dentre elas estava a Secretaria
da Mineração e Recursos Hídricos que hoje dispõe de estruturação técnica e financeira
totalmente incompatível e incondizente com as necessidades que são demandadas,
considerando a dimensão da bacia do Estado do Amazonas.
Desta forma, permite-se conceber que o modelo preconizado pela PERH não
representa o modelo da atual gestão que vem sendo adotada pelo Estado, o que justifica a
afirmativa de que não apenas a lei, ou seja, o planejamento hídrico do Estado precisa ser
revisto, mas, fundamentalmente, também as decisões de políticas de Governo no sentido de
dispensar investimentos políticos, estruturais e, principalmente, econômicos, na gestão dos
recursos hídricos.
O CBH-P, por sua vez, constituído há pouco mais de um ano, ainda está se
organizando. Todavia, indispõe de recursos financeiros para desempenhar com as suas
atribuições, cujas despesas estão sendo desembolsadas às custas dos seus representantes que
são moradores da Vila do Puraquequara.
Caso não modificado o contexto perverso que culminou na mais absoluta letargia do
Comitê de Bacia do Rio Tarumã-Açu, o Comitê de Bacia do Rio Puraquequara estará fadado
ao mesmo caminho: o da inefetividade.
A falência da representação das instâncias sociais quanto à participação na gestão
dos recursos hídricos no Estado pode ser explicada pela debilidade dos Comitês de Bacia
Hidrográficas que enquanto órgãos representativos da sociedade civil na gestão dos recursos
hídricos, não conseguem desempenhar as suas atribuições legais pela mais absoluta
impossibilidade técnica e financeira.
Uma dentre outras razões para explicar a tamanha falta de efetividade dos CBH´s no
Estado do Amazonas, pode ser respondida pela incapacidade de gestão financeira, pois uma
vez não sendo a água cobrada no Estado, os organismos carecem de recursos para o
cumprimento das suas atribuições, ficando reféns não apenas dos recursos financeiros que lhe
são destinados pelo Governo do Estado Amazonas, mas também subordinados às ingerências
políticas governamentais e, assim, desprovido de autonomia institucional.
Assim, tendo apenas dois Comitês de Bacia, um em estado letárgico (Tarumã-Açu) e
outro recém constituído (Puraquequara), atualmente, o Estado do Amazonas está totalmente
desprovido de Comitês de Bacias, o que, logicamente, compromete a gestão dos seus recursos
hídricos.
indisponíveis”, bem como pela função institucional de “promover a ação civil pública para a
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e
coletivos”, estabelecida pelo art. 129, inciso III, da CF, encontra-se constitucionalmente
legitimada a atuação do Ministério Público para atuar na defesa e proteção do meio ambiente.
Em defesa da ordem jurídica ambiental, não raras são as intervenções do Ministério
Público, seja no âmbito judicial por meio de Ação Civil Pública, seja no extrajudicial, como
órgão preventivo de controle ou através da celebração de Termo de Ajustamento de Conduta
– TAC, como ferramenta de compromisso com o infrator no sentido fazer ou não fazer algo,
ou então pagar determinado valor.
No âmbito do Estado do Amazonas, observa-se que a atuação do Ministério Público
Estadual em relação à proteção ao meio ambiente limita-se aos crimes e infrações ambientais
urbanas, intervindo quando, por exemplo, ocorre a poluição de um igarapé situado dentro de
uma cidade. Quanto à gestão dos recursos hídricos, ele pouco intervém, passando
desapercebidas as suas atuações pela sociedade por serem demasiadamente burocráticas.
No entanto, diversamente do que ocorre com o Ministério Público Estadual, a
atuação do Ministério Público Federal (MPF) do Estado do Amazonas, não muito
diferentemente do que ocorre em relação aos demais Estados da Amazônia, quanto à gestão
dos recursos hídricos é muito efetiva e dinâmica.
No mês de novembro de 2014, o Ministério Público Federal (MPF) de todos os
Estados que compõem a Amazônia ingressaram com ações civis públicas para exigir o
planejamento do uso dos rios e a proibição da ANA de emitir outorgas sem Planos de
Recursos Hídricos, conforme pode ser observado no material abaixo veiculado pela Secretaria
de Comunicação do Ministério Público Federal do Pará, cujo título é “Na Amazônia, onde
está a maior parte da água do país, a Agência Nacional de Águas nunca exigiu o planejamento
do uso dos rios e mesmo assim concede outorgas”, publicado na página institucional oficial
do MPF na internet, no dia 19 de novembro de 2014:
tanto que a lei prevê escutar populações indígenas e a Fundação Nacional do Índio",
disse em entrevista coletiva hoje a subprocuradora-geral da República Deborah
Duprat.
Nas ações, o MPF pede que a ANA seja proibida de emitir a chamada Declaração de
Reserva de Disponibilidade Hídrica para quaisquer empreendimentos que estejam
em licenciamento nas bacias dos rios Tapajós, Teles Pires, Madeira, Ji-Paraná,
Negro, Solimões, Branco, Oiapoque, Jari, Araguaia, Tocantins e Trombetas. A
necessidade de planejamento no uso dos recursos hídricos é uma preocupação
incluída na Constituição brasileira e, mesmo assim, nunca foi aplicada na Amazônia,
onde está o maior volume de águas do país, tanto em corpos subterrâneos (aquíferos)
quanto superficiais (rios).
O MPF cobra o cumprimento da Política Nacional de Recursos Hídricos, instituída
pela Lei das Águas (9.433/97). A Política trouxe, como principais fundamentos, a
convicção de que “a água é um recurso natural limitado” (art. 1º, II) e de que, “em
situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e
a dessedentação de animais (art. 1º, III)”. E tem, como objetivos, “assegurar à atual e
às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade
adequados aos respectivos usos”; “ a utilização racional e integrada dos recursos
hídricos”; e “a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem
natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais”.
A Política Nacional também instituiu que a gestão dos recursos hídricos deve ser
descentralizada e contar com a participação do poder público, dos usuários e das
comunidades. Na Amazônia, onde boa parte da população tem a sobrevivência
baseada nos rios, essa participação se torna ainda mais relevante. Mas sem comitês
de bacia instalados, não há participação, nem planejamento, os principais pilares da
política. São os comitês de bacia, constituídos com participação social, que podem
fazer o plano de uso dos recursos hídricos.
O Conselho Nacional de Recursos Hídricos, ciente dos riscos com a intensificação
das atividades econômicas nos rios amazônicos, aprovou, em 2011, o que o MPF
classifica de “arremedo” de planejamento, o Plano Estratégico de Recursos Hídricos
dos Afluentes da Margem Direita do Rio Amazonas (PERH-MDA). O Plano previa
que fossem instalados os comitês de bacia para que planejamentos fossem
formulados para cada bacia. Mas até hoje, passados três anos, nenhum comitê foi
instalado.
Questionada pela organização International Rivers Network, a ANA admitiu, em
documento datado de setembro de 2014, que “não dispõe de acompanhamento
sistemático da implantação do PERH-MDA”. “De acordo com a Lei nº 9.437/97, em
seu art. 37, cabe ao Comitê de Bacia o acompanhamento da execução do Plano de
Recursos Hídricos da bacia e sugestão das providências necessárias ao cumprimento
de suas metas. Como inexiste tal colegiado com atuação que abranja toda a região da
MDA, foi criado pela Resolução CNRH nº 128/2011, um Colegiado Gestor com
responsabilidade de auxiliar na implementação do PERH-MDA. Destaca-se que tal
colegiado ainda não foi instalado.”, diz o documento.
Mesmo assim, a agência vêm concedendo normalmente outorgas para usinas
hidrelétricas, mineradoras e empreendimentos agropecuários, em flagrante violação
da legislação. “A consequência das omissões e do arremedo de Plano de Bacia é que
a ANA vem concedendo, no processo de licenciamento ambiental de
empreendimentos na Amazônia, Declaração de Reserva de Disponibilidade Hídrica
(DRDH), e sua posterior outorga, sem levar em consideração a participação dos
usuários e das comunidades e o uso múltiplo das águas, fato de graves
repercussões”, diz o MPF nas ações.
Diz a Lei de Águas: “Toda outorga estará condicionada às prioridades de uso
estabelecidas nos Planos de Recursos Hídricos e deverá respeitar a classe em que o
corpo de água estiver enquadrado e a manutenção de condições adequadas ao
transporte aquaviário, quando for o caso. A outorga de uso dos recursos hídricos
deverá preservar o uso múltiplo destes.” Tudo vem sendo desrespeitado,
principalmente em empreendimentos hidrelétricos na Amazônia.
“A falta de comitês de bacia e de planos de recursos hídricos de cada bacia
hidrográfica na Amazônia faz com que a decisão administrativa seja centralizada,
sem qualquer controle social. As águas da bacia ficam asseguradas a apenas um uso:
178
para o setor elétrico. Todos os demais, como, por exemplo, transporte, turismo,
abastecimento, dessedentação, etc. ficam prejudicados. O prejuízo será sentido não
só por esta geração, mas compromete a utilização da água pelas futuras gerações”,
dizem os procuradores da República nas ações iniciadas hoje.
Para o MPF, o fato de vivermos atualmente uma crise de abastecimento de água de
graves proporções no sudeste do país, assim como o desaparecimento de trechos
inteiros do rio São Francisco, no nordeste, são alertas para o que pode ocorrer na
Amazônia, a maior bacia hidrográfica do país e do mundo, se for mantido o atual
padrão de total falta de planejamento e precaução.
“O que ocorre no sudeste e no nordeste é um vislumbre do risco que correm os rios
da bacia Amazônica, em pior situação por nem sequer se observar a precaução
obrigatória da gestão participativa dos recursos. E a Amazônia, como demonstra o
conhecimento científico mais recente, é um ecossistema que funciona como
regulador hidrológico para o continente sul-americano e principalmente, para as
regiões sul, sudeste e centro-oeste do Brasil, diretamente beneficiadas pela umidade
transportada da floresta”, dizem as ações judiciais.
O MPF cita o recente relatório do professor Antônio Donato Nobre, que posiciona o
ecossistema amazônico como o coração do ciclo hidrológico brasileiro, fornecendo
umidade sobretudo para as regiões sul, sudeste e centro-oeste, que poderiam ser
desérticas se não fosse a existência da floresta tropical ao norte. Para os
procuradores da República, beira a irresponsabilidade o comportamento do governo
brasileiro ao insistir em grandes empreendimentos nos rios amazônicos sem
nenhuma espécie de planejamento sobre o uso dos corpos d'água.
No caso da bacia do rio Madeira, o MPF lembra que estão previstos mais três usinas
hidrelétricas em um momento em que não se sabe ainda a influência das duas
barragens já existentes (Jirau e Santo Antônio) na trágica enchente de 2014, que está
sob investigação. “Se com apenas dois desses empreendimentos os desdobramentos
chegaram a patamares nunca antes observados e ainda não se tem certeza da exata
influência da construção das barragens nos acontecimentos, que dirá do impacto
sinérgico deles com mais outros três (um deles, inclusive, com porte semelhante)?
Qual o tamanho da irresponsabilidade governamental?”, diz a ação ajuizada em
Rondônia.
Além da ação em Porto Velho, sobre a bacia do rio Madeira, foram ajuizadas ações
em Manaus, sobre as bacias do Negro e do Solimões, em Boa Vista, sobre a bacia do
rio Branco, em Cuiabá, sobre a bacia dos rios Tapajós e Teles Pires, em Oiapoque e
Laranjal do Jari, sobre os rios Jari e Oiapoque, em Redenção, sobre a bacia
Araguaia-Tocantins e em Santarém, sobre o rio Trombetas.
foi exigida na região amazônica e entrou, no ano passado, com seis ações judiciais
cobrando o planejamento.
A chamada Declaração de Reserva de Disponibilidade Hídrica, posteriormente
convertida em outorga, é o documento emitido pela Ana que autoriza
empreendimentos como usinas hidrelétricas, mineradoras e captação de água nas
bacias hidrográficas. Pela Lei 9.433/97, que estabelece a Política Nacional de
Recursos Hídricos, qualquer empreendimento em um rio só pode ser autorizado após
aprovação de um planejamento.
“É essencial a existência de Plano de Bacia Hidrográfica para a expedição de
outorga de uso de água, sendo tal determinação igualmente aplicada às declarações
de reserva de disponibilidade hídrica”, diz a decisão judicial assinada pelo juiz
federal Rodrigo Bentemuller. “Neste momento processual, não se avalia a
necessidade de instalação de Comitês de Bacias Hidrográficas, mas apenas a
imperiosa necessidade de discussão e efetivação do Plano da Bacia Hidrográfica do
Rio Oiapoque, antes de qualquer outorga de uso de água e/ou declaração de reserva
de disponibilidade hídrica a ser deferida na mencionada bacia hidrográfica”, ressalta
a decisão.
Essa é a segunda liminar concedida pela Justiça Federal na região amazônica em
resposta às ações do MPF que buscam assegurar o planejamento do uso dos recursos
hídricos da região, que estão entre os mais significativos do planeta. Nas ações, o
procuradores da República pediram a proibição de outorgas para quaisquer
empreendimentos que estejam em licenciamento nas bacias dos rios Tapajós, Teles
Pires, Madeira, Ji-Paraná, Negro, Solimões, Branco, Oiapoque, Jari, Araguaia,
Tocantins e Trombetas.
O MPF cobra o cumprimento da Política Nacional de Recursos Hídricos, que trouxe,
como principais fundamentos, a convicção de que “a água é um recurso natural
limitado” (art. 1º, II) e de que, “em situações de escassez, o uso prioritário dos
recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais (art. 1º, III)”. E
tem, como objetivos, “assegurar à atual e às futuras gerações a necessária
disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos”;
“a utilização racional e integrada dos recursos hídricos”; e “a prevenção e a defesa
contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso
inadequado dos recursos naturais”.
A Política Nacional também instituiu que a gestão dos recursos hídricos deve ser
descentralizada e contar com a participação do poder público, dos usuários e das
comunidades. Na Amazônia, onde boa parte da população tem a sobrevivência
baseada nos rios, essa participação se torna ainda mais relevante. Mas sem comitês
de bacia instalados, não há participação, nem planejamento, os principais pilares da
política. São os comitês de bacia, constituídos com participação social, que podem
fazer o plano de uso dos recursos hídricos.
A ação tramita na Vara Única Federal do Oiapoque, sob o número 0000399-
79.2014.4.01.3102
Em outra parte da região hidrográfica, com seus igarapés e praias fluviais, o Tarumã
também consiste em um espaço de entretenimento, turismo e lazer, onde se situam diversos
restaurantes, bares flutuantes e marinas, conforme acusam as ilustrações representadas pelas
Figura 11 e 12, abaixo:
Além dos hotéis, dentre outros empreendimentos que existem no Tarumã, há uma
quantidade significativa de marinas náuticas que guardam embarcações e jet-skis, consoante
demonstra a Figura 14, abaixo:
Em outros pontos da BH-T existem praias particulares cujos ingressos são vedados
ao público, uma vez que o acesso exige que se passe por propriedades particulares, as quais os
proprietários vedam o acesso de terceiros, ou exigem pagamento. Conforme pode ser
observado na Figura 15, a seguir.
Não muito diferente do que ocorre em outros lugares Brasil à fora, a privatização das
praias é uma prática usual no Estado do Amazonas. Isto é uma prática que ocorre em quase a
totalidade da região hidrográfica do Tarumã, obstruindo o acesso das pessoas aos corpos
hídricos.
Conforme apreciado nas seções anteriores, a água é bem público de uso comum do
povo. Nada justifica a privatização dos corpos hídricos, haja vista a publicidade da água na
forma concebida pela CF. Todavia, tal como ocorre em outras atividades que não se assiste a
intervenção alguma pelo Estado, o controle e fiscalização sobre as construções e outras
atividades antrópicas nas águas da BH-T é praticamente inexistente.
Com tudo isso, é permitido dizer que devido à expansão demográfica da cidade de
Manaus, nos últimos anos, vem ocorrendo um aumento significativo na ocupação do solo do
Tarumã que, seguindo o mesmo modelo adotado para a cidade, cresceu de forma
desordenada, avançando sobre a floresta com diversos pontos de ocupação e urbanização,
conforme pode-se observar na Figura 16, abaixo:
189
Figura 16: Carta de uso e cobertura do solo na BH-T para o ano de 2008
Desta forma, pode-se interpretar que o mapa acima revela um contexto ainda mais
preocupante, pois ele diz respeito ao ano de 2008, ou seja, o cenário atual ocupação é ainda
maior.
Sendo, originariamente, uma área de floresta amazônica nativa, a qual foi desmatada,
a velocidade do processo de urbanização do Tarumã não apenas produziu um cenário de
carência mínima de infra-estrutura, como também de serviços de esgotamento sanitário e
limpeza pública que, consequentemente, resultam em contaminar as águas em determinados
pontos da BH-T.
Em razão da falta de investimentos e estações de tratamento, o despejo das águas
pluviais transporta grande quantidade de poluição orgânica e de metais que atingem o rio nos
períodos chuvosos. Em pontos da BH-T, depósitos de resíduos sólidos urbanos a céu aberto
são transportados para o rio pelas águas pluviais, quando não raro são despejados diretamente
no rio, pois segundo o jargão popular; “o rio leva tudo ..., até o lixo”. Embora não se tenha
190
feito algum estudo laboratorial sobre a qualidade das águas da BH-T, permite-se conceber que
em determinados pontos as águas subterrâneas e superficiais estão contaminadas por
esgotamento sanitário, despejos residenciais e domésticos.
Enquanto floresta tropical úmida, os fenômenos hidrológicos de vazantes
decorrentes da evaporação das águas devido às altas temperaturas na região que ocorrem em
determinadas épocas do ano, agravam o contexto que acomete a BH-T, ficando mais evidente
a contaminação hídrica pelos esgotamentos domiciliares e os resíduos descartados de forma
indevida pelas atividades antrópicas que ocupam o seu entorno, conforme acusam as Figuras
17 a 21, abaixo:
O que ocorre no Tarumã não é muito diferente de outras regiões de Manaus em que
as políticas públicas quanto à distribuição de água tratada e saneamento básico não
acompanharam o crescimento demográfico. Em determinados pontos do Tarumã é possível
verificar esgotamento sanitário a céu aberto, águas servidas correndo, e alguns taludes para
escoamento das águas pluviais atolados de resíduos sólidos funcionando como fonte
192
águas não parece ser uma prioridade para a sociedade, razão pela qual tal fenômeno reproduz
a ausência de prioridade quanto às políticas governamentais.
A atividade de pesca gera renda no Puraquequara, por ali se encontrar uma Colônia
de pescadores e hoje tem aproximadamente 5.856 habitantes, segundo estimativa do
senso 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.
Atualmente, o lago é cenário de desenvolvimento de múltiplas atividades
econômicas, principalmente, as relacionadas ao lazer e a recreação. Na região
existem hotéis de “selva”, de padrão internacional, que oferecem pacotes com
agencias de turismo e movimentam a economia local. Todavia, as atividades de
entretenimento atendem as mais variadas classes sociais, pousadas e hotéis mais
modestos, garantem a diversão aos usuários do lago no fim de semana.
Uma parte da bacia do Puraquequara é ocupada para uso agrícola. Esta parte é o
limite oriental da Área Urbana de Manaus, e embora mantenha muitas de suas
características naturais, ali já se faz sentir os efeitos da expansão da cidade.
Nesta região localiza-se um cenário natural na Amazônia: “O encontro das águas”
que se origina quando o rio Negro, que banha a orla sul da cidade de Manaus e tem
suas nascentes localizadas na depressão do Orenoco, após percorrer 1.550km
deságua no Solimões, formando o rio Amazonas.
Diversamente do que ocorre no CBH-T, o CBH-P existe de fato; mas não de direito.
A sede do CBH-P está estabelecida na mesma sede da Associação dos Moradores da Vila do
Puraquequara. O Presidente CBH-P, Sr. Elton de Jesus Correa de Souza, também é o
Presidente da Associação de Moradores. Em entrevista realizada no dia 04 de agosto de 2015
com o Presidente do Comitê da Bacia do Puraquequara, representante dos usuários,
196
capacitado em gestão ambiental, foram feitos diversos questionamentos, que constituem parte
do ANEXO D.
Pode se observar que o contexto do CBH-P foi concebido de forma semelhante ao do
CBH-T, em região com características de acentuadas tensões sociais e hídricas. Enquanto
depreendido da pesquisa realizada em trabalho de campo, mediante entrevistas direcionadas
com membros da Secretaria do Conselho Estadual de Recursos Hídricos, bem como com o
Presidente, restou possível verificar que existe participação, sobretudo, social, uma vez que a
comunidade, por meio da Associação dos Moradores da Vila do Puraquequara, “adotou” o
Comitê contando com o apoio burocrático dado pela Secretaria de Estado.
Ocorre que existe a ata de criação do CBH-P e mais nada. O CBH-P não tem estatuto
nem regimento. Por isso que ainda não tem Decreto expedido pelo Governador do Estado para
reconhecê-lo de direito. Existe a participação da comunidade, porém eles estão desamparados
política e financeiramente pelo Estado. Historicamente, o Poder Público não dispensa a
atenção merecida ao Puraquequara.
Na região existe o polo industrial e outras atividades nocivas à qualidade dos corpos
hídricos superficiais e subterrâneos. O fato de inexistir outorga e a ausência do Poder Público
na região fomentam as transgressões ambientais.
O CBH-P não tem estrutura alguma: não tem computador, não tem internet, etc. As
pessoas que conduzem o CBH-P são o Presidente e o vice, e eles arcam com todas as despesas
para impulsionar as atividades do CBH-P.
O fato do CBH-P não ser reconhecido de direito constituí um obstáculo para receber
qualquer aporte técnico ou financeiro do Estado. Na verdade, o CBH-P está sendo conduzido
em conjunto com a Associação dos Moradores da Vila do Puraquequara porque ele não tem
estrutura alguma. Segundo afirmado pelo Presidente do CBH-P, embora os empresários
tenham sido convidados a participar, nenhum demonstrou-se interessado.
São extremamente preocupantes as violações e danos provocados aos corpos
hídricos no Puraquequara. São diversos crimes ambientais que estão ocorrendo na BH-P:
açoreamento de nascentes, poluição hídrica industrial, devastação de mata, matadouro
clandestino, ocupações irregulares, lixão a céu aberto e lançamentos de águas servidas.
Também chama a atenção a mais completa falta de compromisso com o meio ambiente e os
recursos hídricos por parte das empresas do polo industrial que estão contaminados as águas
do Puraquequara. A ausência do Poder Público na região alimenta uma sensação de
impunidade e contribuindo para um cenário de degradação.
197
6.4.5 Incremento da atuação dos órgãos públicos na gestão dos recursos hídricos
Uma vez internalizando tal entendimento, resulta possível afirmar que diante deste
significativo potencial de vapor d´água produzido anualmente, não apenas o Estado do
Amazonas, mas também os demais Estados que compartilham a bacia amazônica, desde
sempre, prestam relevantes serviços ambientais. Não se pode mais olvidar o reconhecimento
dos serviços que as comunidades que habitam a região amazônica vem provendo para o
Brasil, para o continente sul americano e para o mundo, em face à significativa quantidade de
água em estado de vapor que produzem por força da “bomba biótica” representada não apenas
pela evaporação das águas superficiais e zonas úmidas, mas também pelos processos de
evapotranspiração, os quais contribuem, determinantemente, para a formação das chuvas no
continente da América do Sul, segundo preconizado pelas teoria dos “Rios Voadores”
concebida por Nobre (2014), reconhecida pela ciência ambiental e pelos órgãos de Estado.
Não diferente de outras áreas do conhecimento, o ordenamento jurídico está ultrapassado e
não acompanhou o avanço do conhecimento científico. Não raramente, ouve-se vozes acerca
da poluição e desmatamento na Amazônia, sendo a população amazônica reputada como
degradadora do meio ambiente. Todavia, a falência de políticas públicas despidas de
embasamento científico corrobora de forma significativa para este pernicioso contexto. Os
“Rios Voadores” são uma realidade, porém desprezados pelo ordenamento jurídico e político
que, mais uma vez, estão na contramão do desenvolvimento, efetivamente, sustentável, para a
região e em detrimento dos povos da Amazônia, que há longos anos vem contribuindo, sem
nada receber, para a preservação dos corpos hídricos e da floresta amazônica. Entende-se que
este é um caminho sem volta e chegou a hora do povo da Amazônia apresentar esta “fatura” a
título de pagamento pelos relevantes serviços ambientais que presta ao continente.
Outrossim, cumpre destacar que as águas que banham o Estado do Amazonas não
podem ser classificadas segundo os critérios fixados pela CONAMA 357. É preciso o avanço
do legislador para regular tal questão. Da mesma forma, é preciso que sejam estabelecidos
critérios para delimitar as Áreas de Preservação Permante (APP´s). Os fenômenos
climatológicos da região que ocorrem anualmente e provocam a seca dos rios ou a cheia dos
mesmos afetam diretamente o que pode ser considerado APP. As definições fixadas no art. 4º,
incisos I a IV, da Lei 12.651/2012, são insuscetíveis de aplicação na região amazônica. Isso
precisa ser discutido entre o legislador infraconstitucional e o Governo do Estado para realizar
um diagnóstico acerca da viabilidade das medidas, ou seja, analisar o plano empírico e da
efetividade, sob pena de permanecer-se assistindo o fenômeno da inflação legislativa por meio
de mais uma lei desprezada e insuscetível de aplicação na prática.
Por derradeiro, alguns elementos técnicos merecem ser revistos e pensados, sobretudo,
acerca da funcionalidade do atual modelo de CBH´s no Estado. Diante do contexto hídrico do
Estado do Amazonas, estudos e levantamentos feitos por especialistas em recursos hídricos
acenaram para um mecanismo alternativo à atual concepção de CBH´s, sobretudo, por meio
do “método de representações por calhas”, o que seria o mais compatível ao contexto do
Estado do Amazonas. Tudo isso merece ser repensado pelo legislador infraconstitucional.
209
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
único meio de acesso entre muitas delas, demandando em não raros casos mais de dias de
viagem.
Ocorre que as políticas hídricas para o Estado do Amazonas, não diferente do que
acontece nos demais Estados da Amazônia, são concebidas fora da região, ou seja, sem a
participação do povo da Amazônia. O fato da grande maioria dos rios da região serem
transfronteiriços e interestaduais eles constituem-se bens de domínio da União, na forma do
art. 20, inciso III da CF, justifica a competência da União Federal. A grande maioria dos rios
da região são caudais, o que por força da norma constitucional atrai a competência da União
para intervir como ocorre, por exemplo, em relação às outorgas de uso que são emitidas pela
ANA. Todavia, o âmbito de abrangência da norma também absorveu diversas peculiaridades
hidrográficas da região, mas deixou de regulamentá-las, como por exemplo ocorre com os
igarapés das BH-T e BH-P. A legislação federal nem a Estadual tratam sobre os igarapés. No
âmbito da sua competência legislativa concorrente, o Estado do Amazonas tem legitimidade
para fazer isso.
Desta forma, no plano empírico, verifica-se que o modelo preconizado pela
Legislação Federal apresenta-se compatível às características dos demais Estados da
Federação, porém, na região amazônica, o contexto é bem diferente, o que exige repensar a
construção de outras alternativas enquanto mecanismos de gestão hídrica.
Não bastasse a grandeza da sua extensão territorial, o Estado dispõe de uma baixa
densidade demográfica. A cultura de desvalor da água, justificada pela baixa taxa de uso dela
em relação à sua oferta, tem reflexo direto na despreocupação social perpassada por gerações
dos habitantes do Estado. Esta cultura da abundância de disponibilidade de água não apenas
culminou em resultar no desinteresse da comunidade em discutir questões concretas de gestão
hídrica, mas também reproduziu numa carência de políticas públicas direcionadas à
efetividade de uma correta gestão dos seus recursos hídricos. Ainda que inexistentes conflitos
acentuados, todos aqueles usos e interesses relativos às águas elencados na seção 2.1.1, com
maior ou menor intensidade, podem ser colocados na dimensão do Estado do Amazonas.
Conforme foi observado no decorrer do estudo desenvolvido, embora a PERH do
Estado do Amazonas constitua-se um instrumento avançado tecnicamente, no âmbito da
prática ressente-se da falta de efetividade, sobretudo, em relação aos seus instrumentos. Isto
porque muitos dos seus dispositivos são incondizentes com o contexto da gestão hídrica
estadual; por exemplo, a classificação dos corpos de água preconizados pela Resolução
Conama 357 são inaplicáveis na dimensão da bacia do Estado.
212
Tarumã e Puraquequara, portanto, demandando uma mudança cultural da sociedade que deve
ter como seu ponto de partida a educação ambiental.
Não se pode exigir de imediato do povo do Estado do Amazonas o mesmo grau de
valorização à água dispensado pelas regiões sul, sudeste e nordeste do Brasil, cujas culturas
estão sendo construídas com problemas relacionados à escassez da água. No Estado do
Amazonas, da mesma forma que nos demais Estados da Amazônia, o problema diz respeito à
abundância, e não à escassez, o que acaba produzindo outros efeitos.
Não é possível pensar o Estado do Amazonas, e a Amazônica como um todo, de
forma igual. Conforme pode ser identificado na pesquisa realizada, algumas peculiaridades
existentes na região, como a baixa densidade demográfica, conjugada à dimensão territorial
do Estado, provoca dificuldades na formação de vínculos cooperativos em torno da água,
enquanto requisito de participação social, influenciando negativamente na essência concebida
pelo ordenamento hidrojurídico.
Pôde ser observado pela pesquisa realizada as diferentes formas de uso das águas e
participação comunitária entre as bacias hidrográficas do Tarumã e Puraquequara (BH-T e
BH-P): enquanto a BH-T está ocupada e explorada pelos “novos ricos”, proprietários de
embarcações e empreendimentos vultuosos, com influências políticas e interesses econômicos
estratégicos sobre alguns pontos específicos da bacia, e compartilhada com a companhia dos
“novos pobres” que invadem a região devido à crise habitacional e a desordenada expansão
demográfica da cidade de Manaus, e que, portanto, não se interessam sobre os problemas
quanto à qualidade das águas na região; na BH-P, por sua vez, a comunidade “dos pobres” e
pescadores se interessa, uma vez que a poluição hídrica está produzindo impacto direto nas
suas vidas a um elevado custo social.
Neste sentido, cumpre enfatizar que a Lei Federal nº 9.433/97, a qual criou o sistema
de gestão dos recursos hídricos, adotou o modelo da sistemática liberal lei francesa,
concebendo a criação de Comitês de Bacias Hidrográficas como um dos integrantes do
referido sistema em homenagem ao princípio da participação e gestão democrática das águas.
Todavia, os CBH´s no âmbito do Estado do Amazonas constituem meras ilustrações
jurídicas, pois enquanto um existe de direito e não existe de fato (CBH-T), o outro existe de
fato, mas não existe de direito (CBH-P). As áreas de abrangência destes CBH´s estão sendo
diuturnamente atacadas e as águas superficiais e subterrâneas contaminadas à revelia da
intervenção do Poder Público e produzindo um elevado custo social e ambiental.
A ausência de CBH´s estruturados compromete a elaboração do Plano de Recursos
Hídricos, uma vez que a participação deles na elaboração constitui exigência legal, o que foi
214
determinante para que a Justiça Federal viesse a proibir a ANA em expedir licenças de
outorga, a pedido do MPF. Nesta senda, e corroborado com o que foi possível verificar na
pesqusisa realizada, o Brasil está assistindo o fenômeno de judicialização da gestão hídrica
em face às constantes violações ao ordenamento hidrojurídico. Na órbita do Estado do
Amazonas, pode-se observar uma atuação muito positiva do Ministério Público Federal
(MPF), todavia, no que tange ao Ministério Público Estadual, não se pode dizer o mesmo. Isto
pode ser explicado pelo fato de que a grande maioria dos rios que banham o Estado do
Amazonas sejam rios de domínio da União, o que atrai a competência do Ministério Público
Federal. No entanto, não justifica a paralisia da atuação do Ministério Público Estadual, uma
vez que também é atribuição sua zelar pela proteção do meio ambiente, sobretudo, em relação
às atividades antrópicas que comprometem a qualidade das águas urbanas superficiais e
subterrâneas e, consequentemente, a saúde da população. Outro exemplo de inércia do
Ministério Público Estadual diz respeito ao que ocorre em relação à privatização das águas
públicas na BH-T: a sociedade não está dispondo de acesso às águas públicas, enquanto “bem
público de uso comum do povo”, à revelia do órgão ministerial. Uma melhor articulação
entre os CBH´s e os Ministérios Públicos Federal e Estadual pode contribuir na produção de
resultados mais efetivos.
Segundo identificado pela pesquisa, o CBH-T está desativado desde 2011, ou seja,
encontra-se inoperante. A pesquisa realizada no CBH-P, por sua vez, demonstrou à flagrância
a sua total falta de estruturação material e econômica. O CBH-P é carente de articulações
institucionais que lhe permitam cumprir com as suas atribuições. A tramitação da
formalização do CBH-P está emperrada em face das modificações na estrutura administrativa
feita pelo Governo do Estado, o que desorientou o planejamento elaborado anteriormente e,
assim, inviabilizando o procedimento para o reconhecimento de direito do CBH-P por meio
de Decreto do Governador do Estado.
Não obstante os instrumentos concebidos pelo art. 4º da Lei Estadual nº 3.167/2007
padecerem de efetividade, o Estado carece de Comitês de Bacias Hidrográficas atuantes que
venham a cumprir com as atribuições legais – o que talvez possa conduzir na explicação de
muitos questionamentos acerca da tamanha inefetividade das políticas hídricas.
Portanto, insatisfeitas as competências legais atribuídas aos Comitês, seja pela sua
inexistência ou pelas dificuldades na sua gestão para cumprir com as suas atribuições
definidas pela norma, inalcançável serão os objetivos preconizados pela política de recursos
hídricos, o que autoriza a pensar em um outro modelo de gestão mais efetivo, em especial,
215
Diante deste contexto, pode-se conceber que os desafios quanto à gestão hídrica no
Estado do Amazonas são “amazônicos” e requerem um esforço não apenas do Estado, no
sentido de descentralizar a orientação no comando das políticas hídricas, mas participativo e
integrado também por outras instituições públicas (Forças Armadas, autarquias federais de
pesquisa, fundações públicas, etc.) e privadas, bem como de toda a sociedade, sobretudo,
mediante a cooptação das instituições de ensino públicas e privadas, as quais dispõe de corpo
técnico, científico altamente capacitados para auxiliar neste complexo processo – e a
academia tem uma responsabilidade inarredável neste processo de mudança.
Como pode ser observado no decurso do estudo, a gestão dos recursos hídricos tem
um espectro de abrangência muito maior do que a lei, pois demanda uma articulação entre
diversas áreas do conhecimento como a biologia, ecologia, sociologia, antropologia,
geografia, geologia, entre outros, inclusive o direito.
Não é possível pensar o direito sem finalidade funcional. Por isso, para efeito de
elaboração de um novel ordenamento jurídico compatível ao contexto do Estado do
Amazonas, que é uma necessidade, é preciso diálogo entre as áreas do conhecimento,
sobretudo, por meio do aparato científico existente nos diversos órgãos federais e estaduais,
sob pena da falência de qualquer modelo de gestão que venha a ser idealizado.
Permite-se conceber que para efeito de uma gestão eficiente quanto aos recursos
hídricos no Estado do Amazonas, dadas as suas características hidrográficas e hidrossociais,
qualquer rumo a ser adotado deve perpassar, necessariamente, pela integração e participação
entre o Estado e os atores sociais, seja por meio do fortalecimento dos Comitês de Bacia
existentes e a criação de novos Comitês, articulados política e institucionalmente, seja através
do repensar outros mecanismos de gestão mais condizentes às peculiaridades sociais,
hidrográficas e demográficas da região da bacia.
Somente com a redefinição do modelo de gestão dos recursos hídricos para ser
implementado na Amazônia e no Estado do Amazonas, poderão ser alcançados os objetivos
da política de recursos hídricos que, na verdade, é o que justifica qualquer processo de gestão,
pois no contexto da hidrografia amazônica alguns mecanismos de gestão adotados em outras
regiões hidrográficas do Brasil e do mundo, não são compatíveis com a região.
Por derradeiro, considerando que todos estes aspectos diagnosticados pela pesquisa
quanto à gestão dos recursos hídricos no Estado do Amazonas perpassam pela eleição de
prioridades de políticas governamentais, o questionamento que se faz é o seguinte: como
equacionar os problemas de gestão hídrica?
217
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Aos quatro dias do mês de julho de dois mil e seis, às 09h00 horas, no Auditório Marly
Soares, do Instituto de Pesos e Medidas do Estado do Amazonas - IPEM, situado à Avenida
André Araújo, nº 242 – Aleixo, Manaus/AM, foi realizada a primeira reunião do Comitê da
Micro Bacia do Tarumã-Açu, para discutir a seguinte pauta: Constituição da Diretoria;
Aprovação do Estatuto; Definição das Ações Emergenciais para a Micro Bacia do Tarumã-
Açu; Outros assuntos. Em primeiro momento foi assinada a lista de freqüência, sendo
registrada a presença dos seguintes membros do Comitê e suas respectivas instituições:
FUNDAÇÃO ECOAMAZÔNIA (Maria Cristina Mendonça – Representante e Jaime
Avelino), CONSELHO REGIONAL DE QUÍMICA XIV REGIÃO (Sérgio Roberto Bulcão
Bringel), IAAN (Maria Raimunda Barbosa Lima), FEPI (Katheem Samira da Silva Machado),
MANAUS ENERGIA(Maria Dayse Magalhães Amaral), ABIH (Marilce Paula da Fonseca),
FFV (James Pereira), SEMMA (Marco Antônio Vaz de Lima), CEULM/ULBRA (Paulo
Rodrigues de Souza), SEARH (Solange Batista Andrade, Neliton Marques da Silva e Luciely
Nunes), INFRAERO (Hebert Jansen Trindade e Josinaldo Lima de Araújo), IAAN (Evandro
Batista Lima), CONSELHO NHÃA-BÉ (Pedro Ramaw e Sra. Kutera), IPAAM (Juscelino
Batista), UNINILTONLINS (Daniel Rocha), SOS RIO TARUMÃ-AÇU (Ana Maria
Scognamiglio e Paula Aliomar Ribeiro Beltrão), SEMMA (Maria do Socorro Monteiro da
Silva), SEDUC (Marlete Siqueira Tupinambá) e AFLORAM (Marisa Cristina Vasques). O
Secretário de Recursos Hídricos, Neliton Marques, deu as boas vindas a todos e declarou
abertos os trabalhos. A seguir, procedeu-se à análise do capitulo IV do Estatuto. Na
oportunidade foi franqueada a palavra para as discussões, onde a advogada Marisa Vasquez
explanou sobre o estatuto, exemplificando cada capítulo. Após ampla discussão deliberou-se
pelo encaminhamento da minuta do Estatuto a Secretaria de Recursos Hídricos, com as
devidas ressalvas e alterações até o dia 10/07/06, devendo o mesmo ser aprovado na próxima
reunião do Comitê marcado para o dia 14/07/06. Em seguida o Secretário Neliton sugeriu que
os trabalhos da próxima reunião do Comitê iniciasse com a elaboração do Plano de Gestão da
Bacia, e que se trabalhasse um cronograma de ações. Prosseguindo a reunião, foram abertas as
discussões para escolha da diretoria do Comitê, onde ficou estabelecido, por consenso, chapa
única, sendo então por aclamação os seguintes nomes: Presidente – Ana Maria Scognamiglio
- Associação de Moradores do Rio Tarumã Açu; Vice Presidente – Jaime Avelino -
228
CAPÍTULO I
DA CONSTITUIÇÃO E NATUREZA
CAPÍTULO II
DOS OBJETIVOS
Art. 3.º Em consonância com a Lei n.° 3.167, de 28 de agosto de 2007, o Comitê da Bacia
Hidrográfica do Rio Tarumã-Açu tem por objetivos:
X - promover o debate das questões relacionadas a recursos hídricos e articular a atuação das
entidades intervenientes;
XI - arbitrar, em primeira instância administrativa, os conflitos relacionados aos recursos
hídricos;
XII - aprovar o Plano de Recursos Hídricos da Bacia;
XIII - acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da Bacia e sugerir as
providências necessárias ao cumprimento de suas metas;
XIV - propor ao Conselho Nacional e ao Conselho Estadual de Recursos Hídricos as
acumulações, derivações, captações e lançamentos de pouca expressão, para efeito de isenção
da obrigatoriedade de outorga de direitos de uso de recursos hídricos, de acordo com os
domínios destes;
231
CAPÍTULO III
DA COMPETÊNCIA
Art. 4.° Compete ao Comitê:
VII - promover o debate das questões relacionadas a recursos hídricos e articular a atuação
das entidades intervenientes;
VIII - arbitrar, em primeira instância administrativa, os conflitos relacionados aos recursos
hídricos;
IX - acompanhar a execução do Plano de Bacia Hidrográfica e tomar as providências
necessárias ao cumprimento de suas metas;
X - propor ao Conselho Estadual de Recursos Hídricos as acumulações, derivações, captações
e lançamentos considerados insignificantes, para efeito de isenção da obrigatoriedade de
outorga de direitos de uso de recursos hídricos;
XI - elaborar e aprovar o Plano de Bacia Hidrográfica e encaminhá-lo à Secretaria Executiva
de Geodiversidade e Recursos Hídricos, da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável;
XII - elaborar e manter disponível Relatório de Situação do Plano de Bacia Hidrográfica, com
periodicidade anual.
Parágrafo único. Das decisões dos Comitês de Bacia Hidrográfica caberá recurso ao
Conselho Estadual de Recursos Hídricos.
CAPÍTULO IV
DAS DIRETRIZES DA POLÍTICA ESTADUAL
232
CAPÍTULO V
DA COMPOSIÇÃO E DA ORGANIZAÇÃO DO COMITÊ
233
Art. 6.° O Comitê assegurará a paridade entre o Poder Público, o Setor de Usuários e a
Sociedade Civil e será composto pelas seguintes organizações:
I – representantes do Setor Público:
a) Órgãos e Entidades Federais:
1. Superintendência da Zona Franca de Manaus - SUFRAMA;
2. Sistema de Proteção da Amazônia - SIPAM;
3. Universidade Federal do Amazonas - UFAM;
4. Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA;
5. Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA;
6. Confederação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira - COIAB.
b) Órgãos e Entidades Estaduais:
1. Secretaria Executiva de Geodiversidade e Recursos Hídricos - SEGEORH/SDS;
2. Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas - IPAAM;
3. Fundação Estadual dos Povos indígenas - FEPI;
4. Secretaria de Estado da Educação e Qualidade de Ensino - SEDUC;
5. Empresa Estadual de Turismo - AMAZONASTUR;
6. Universidade do Estado do Amazonas - UEA.
c) Órgãos e Entidades Municipais:
1. Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico Local - SEMDEL;
2. Secretaria Municipal de Educação - SEMED;
3. Secretaria Municipal de Meio Ambiente - SEMMA;
4. Fundação Municipal de Turismo - MANAUSTUR;
5. Secretaria Municipal de Assistência Social e Cidadania – SEMASC;
II – representantes do Setor de Usuários:
a) Empresa Concessionária de Serviços de Água e Esgoto - ÁGUAS DO AMAZONAS;
b) Setor Energético - MANAUS ENERGIA;
c) Empresa Brasileira de Infra-Estrutura.
III – representantes da Sociedade Civil:
a) Centro Universitário Luterano de Manaus - CEULM/ULBRA;
b) Centro Universitário Nilton Lins - UNINILTONLINS;
c) Faculdade Salesiana Dom Bosco - FSDB;
d) Recofarma Indústria do Amazonas Ltda;
e) Fundação Floresta Viva - FFV;
f) Fundação Ecoamazônia;
234
Parágrafo único. Considera-se Usuário, pessoa física ou jurídica que efetivamente utiliza e
usufrui dos recursos naturais ou artificialmente modificados da Bacia Hidrográfica.
Art. 7.º Cada organização deverá indicar um representante titular e um suplente, escolhidos
por cada instituição dos segmentos, que terão direito a voz e voto durante as reuniões do
Comitê, na ausência do titular.
§ 1.° O mandato de cada representante será de dois (02) anos, com direito a uma (01) uma
recondução, por determinação expressa e formal do segmento representado.
§ 2.° As entidades que pleitearem representação deverão apresentar interesse por escrito
oficialmente à Secretaria Executiva do Comitê.
§ 3.° Os membros integrantes do Comitê devem exercer ações ou estar sediados dentro do
perímetro da Bacia Hidrográfica do Rio Tarumã-Açu.
§ 4.° Nas reuniões ordinárias do Comitê poderão ser acrescentadas novas substituições com a
aprovação de mais de 50% (cinquenta por cento) do Comitê.
Art. 8.° O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Tarumã-Açu poderá propor ao Conselho
Estadual de Recursos Hídricos, alterações na sua composição.
Art. 9.° O Comitê, integrado por órgãos Federais, Estaduais, Municipais, Sociedade Civil e
Usuários, na forma do artigo 6.º deste Regimento, será estruturado da seguinte forma:
I - Plenário;
II - Diretoria Executiva formada por 01 (um) Presidente (a), 01 (um) Vice-Presidente (a), 01
(um) Secretário-Executivo (a) e 01 (um) Vice-Secretário Executivo (a).
III - Câmaras Técnicas.
235
Parágrafo único. O Plenário será constituído pelos membros do Comitê convidados e demais
interessados.
CAPÍTULO VI
DA INDICAÇÃO DOS MEMBROS
Art. 10. A indicação dos representantes e seus respectivos suplentes dar-se-á no prazo
máximo de 30 (trinta) dias, após o recebimento da solicitação da indicação encaminhada pelo
Presidente do Comitê aos órgãos e entidades representadas.
Parágrafo único. A indicação referida no caput deste artigo será comunicada por ofício
dirigido ao Presidente do Comitê, assinada pelos titulares dos órgãos e Presidentes das
Associações.
Art. 11. A aprovação das indicações das Entidades, bem como dos nomes dos respectivos
suplentes, para a composição do Comitê, será efetivada através de ato do Governador do
Estado, à vista de proposta do Presidente do Conselho Estadual de Recursos Hídricos do
Amazonas.
CAPÍTULO VII
DAS CÂMARAS TÉCNICAS
Art. 12. O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Tarumã-Açu é composto pelas seguintes
Câmaras Técnicas:
I - Câmara Técnica para Acompanhamento de Projetos;
II - Câmara Técnica de Outorga e Cobrança pelo uso de Recursos Hídricos;
III - Câmara Técnica de Captação e Lançamento de Efluentes;
IV - Câmara Técnica de Educação Ambiental.
§ 1.° As Câmaras Técnicas terão sua composição, atribuição e duração definidas em
instrumento específico.
§ 2.° Os membros das Câmaras Técnicas que faltarem a mais de 02 (duas) reuniões
sequenciais ou 03 (três) intercaladas serão substituídos.
§ 3.° Os membros das Câmaras Técnicas serão indicados pelos seus respectivos
representantes no Comitê, com mandato de 02 (dois) anos, renovável por igual período.
Art. 13. Além das Câmaras Técnicas já especificadas poderão ser criadas, a qualquer tempo,
outras Câmaras permanentes ou temporárias, mediante deliberação do Plenário.
236
Art. 14. As Câmaras Técnicas têm por atribuição o exame de matérias específicas, do ponto
de vista técnico e científico, para subsidiar a tomada de decisões por parte dos membros do
Plenário, competindo-lhes:
I - elaborar propostas de normas de acordo com a legislação pertinente;
II - emitir parecer sobre assuntos que lhe forem encaminhados pelo Presidente do Comitê;
III - relatar e submeter à aprovação do plenário, assuntos a elas pertinentes;
IV - convidar especialistas para prestar informações sobre assuntos de sua competência.
Art. 15. Os membros da Câmara Técnica terão direito à voz e voto.
§ 1.° As decisões das Câmaras Técnicas serão tomadas por votação da maioria simples de
seus membros, cabendo o voto de desempate a sua Presidência.
§ 2.° No caso da impossibilidade de comparecimento do titular ou do suplente da Câmara
Técnica poderá ser dada a substituição, através de documento escrito pelo titular, que indicará
um outro representante do setor para representá-lo apenas naquele ato, ficando o mesmo com
direito a voz e voto.
Art. 16. As Câmaras Técnicas serão convocadas por suas respectivas presidências com, no
mínimo, 07 (sete) dias de antecedência.
Art. 17. As Câmaras Técnicas serão presididas por um de seus membros, eleito na primeira
reunião ordinária, por maioria simples dos votos dos seus integrantes.
§ 1.° Os Presidentes das Câmaras Técnicas Permanentes terão mandato de 01 (um) ano,
permitida uma única recondução subsequente, por igual período.
§ 2.° Os Presidentes das Câmaras Técnicas poderão relatar matérias ou designar um relator a
cada reunião.
Art. 18. A ausência não justificada de membros de Câmara Técnica, a 03 (três) reuniões
consecutivas ou a 05 (cinco) alternadas, no decorrer do ano, implicará na sua automática
exclusão.
Parágrafo único. A substituição de membro excluído, na hipótese prevista no caput deste
artigo, será proposta pelos demais membros da Câmara Técnica ou por membros do Comitê,
para aprovação pelo Plenário.
Art. 19. As reuniões das Câmaras Técnicas deverão ser registradas através de atas, aprovadas
pelos seus membros e assinadas pelo seu Presidente.
Art. 20. As questões omissas neste Regimento Interno, referentes às Câmaras Técnicas,
deverão ser resolvidas através de deliberação de seus membros.
237
CAPÍTULO VIII
DA DIRETORIA EXECUTIVA E DO PLENÁRIO
Art. 21. O Comitê será presidido por um de seus membros, eleito pelo Plenário, com mandato
de dois (02) anos, com direito a reeleição.
§ 1.° O Comitê elegerá seus dirigentes em assembléia, para mandato de 02 (dois) anos,
cabendo uma reeleição.
§ 2.° O Plenário do Comitê da Bacia Hidrográfica definirá qual segmento ocupará
determinado cargo, ficando vedada a ocupação de mais de 01 (um) cargo, por segmento.
§ 3.° Cada segmento indicará seu representante, pessoa física, dentre os membros do Comitê,
para o cargo definido pelo Plenário.
§ 4.° No caso de afastamento definitivo do Presidente e Vice-Presidente, por qualquer motivo,
assumirá a função, interinamente, o Secretário Executivo, tendo este o prazo máximo de 60
(sessenta) dias para convocar eleição e empossar o novo Presidente e Vice-Presidente, que
deverão assumir para concluir o mandato em vigência.
§ 5.° Havendo, também, o afastamento definitivo do Secretário Executivo, por qualquer
motivo, assumirá a função uma comissão provisória formada pelos Coordenadores das
Câmaras Técnicas, tendo o prazo máximo de 60 (sessenta) dias para empossar a nova
Diretoria Executiva, que deverá assumir a conclusão do mandato em vigência.
§ 6.° Ocorrendo o previsto nos parágrafos anteriores, e estendendo-se o mandato interino por
12 (doze) meses, o mesmo será considerado para fins de reeleição.
§ 7.° Caberá ao Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Tarumã-Açu deliberar pela destituição
do Presidente, Vice-Presidente e Secretário Executivo, no caso de improbidade e outros atos
assemelhados, com quorum mínimo de dois terços de seus membros.
Art. 22. Ao Presidente do Comitê, além das atribuições expressas neste Regimento ou que
decorram de suas funções, caberá:
I - representar o Comitê, ativa e passivamente;
II - presidir as reuniões do Plenário;
III - determinar a execução das deliberações do Plenário, através da Secretaria Executiva;
IV - tomar medidas de caráter urgente, submetendo-as, na reunião imediata, à homologação
do Plenário;
V - manter o Comitê informado sobre as discussões em pauta no Conselho Estadual de
Recursos Hídricos CERH/AM;
VI - representar o Comitê no Conselho Estadual de Recursos Hídricos - CERH/AM;
238
VII - propor a criação de novas Câmaras Técnicas, as quais deverão ser submetidas à
aprovação do Plenário.
Art. 23. O Comitê contará com um Vice-Presidente, eleito pelo Plenário, com mandato
coincidente ao da Presidência, cabendo uma reeleição.
Parágrafo único. Caberá ao Vice-Presidente substituir o Presidente em seus impedimentos.
Art. 24. O Comitê contará com uma Secretaria Executiva, coordenada por um Secretário
Executivo eleito pelo Plenário do Comitê, coincidente ao da Presidência.
Parágrafo único. Os membros do Comitê terão acesso a todas as informações de que
disponha sua Secretaria Executiva.
Art. 25. São atribuições da Secretaria Executiva, além daquelas expressas neste Regimento e
das funções atribuídas pelo Comitê:
I - promover a convocação das reuniões, organizar a pauta, secretariar e assessorar as reuniões
do Comitê;
II - adotar medidas necessárias para o funcionamento do Comitê e dar encaminhamento às
deliberações, sugestões e propostas;
III - publicar, no Diário Oficial do Estado e demais órgãos da imprensa local, as decisões do
Comitê;
IV - secretariar as reuniões do Comitê, preparar sua agenda, elaborar atas e preparar as suas
convocações;
V - exercer a fiscalização das normas técnicas aprovadas pelo Comitê;
VI - encaminhar e fazer cumprir as decisões e deliberações do Comitê;
VII - instruir os processos a serem submetidos aos membros do Comitê ou às Câmaras
Técnicas;
VIII - relatar os assuntos a serem levados aos exames do Comitê;
IX - organizar a documentação técnica e administrativa de interesse do Comitê;
X - organizar e manter os serviços de protocolo, distribuição, fichário e arquivo do Comitê;
XI - acompanhar e fiscalizar a execução de convênios, acordos, ajustes e termos de
responsabilidade;
XII - responsabilizar-se pela divulgação dos atos do Comitê;
XIII - manter balanço atualizado da disponibilidade de recursos hídricos;
XIV - manter o cadastro de usuários de recursos hídricos;
239
XXIX - cumprir encargos outros que lhe forem atribuídos pelo Presidente ou pelo Plenário,
necessários ao desenvolvimento das atividades do Comitê.
Art. 26. Aos membros do Comitê, além das atribuições, já expressas, compete:
I - Apresentar proposta, pedir vista de documentos, discutir e votar as matérias submetidas ao
Comitê;
II - solicitar ao Presidente a convocação de reuniões extraordinárias, na forma prevista no
Regimento;
III - votar e ser votado para os cargos previstos neste Regimento;
IV - indicar, quando necessário, pessoas ou representantes de entidades, públicas ou privadas,
para participar de reuniões específicas do Comitê, que terão direito à voz, obedecidas as
condições previstas neste Regimento.
Art. 27. As funções de membro do Comitê não são remuneradas sendo, porém, consideradas
como de serviço público relevante.
CAPÍTULO IX
DAS REUNIÕES E DOS PROCEDIMENTOS
Art. 28. O Comitê reunir-se-á, ordinariamente, 04 (quatro) vezes por ano, sendo uma reunião
por trimestre, e extraordinariamente, quando convocado pelo seu Presidente, ou por número
equivalente à maioria simples do total de votos do Comitê.
Parágrafo único. Após 03 (três) faltas consecutivas ou 04 (quatro) alternadas, não
justificadas, a entidade perderá assento no Comitê.
Art. 29. As reuniões ordinárias e extraordinárias do Comitê serão públicas, tendo todos os
cidadãos presentes direito à voz, obedecendo-se o quorum mínimo de um terço de seus
membros.
Parágrafo único. O Presidente poderá estabelecer a quantidade de solicitações para uso da
palavra, bem como o tempo máximo de fala dos solicitantes, respeitando a ordem das
solicitações e priorizando os membros do Comitê com direito a voto.
Art. 30. As convocações para as reuniões ordinárias do Comitê serão feitas com antecedência
mínima de 15 (quinze) dias, e para as reuniões extraordinárias ou em caráter de urgência, com
antecedência mínima de 05 (cinco) dias.
§ 1.° O Edital de convocação indicará expressamente a data, hora e local em que será
realizada a reunião, pauta e normas de participação.
§ 2.° A divulgação do Edital será feita mediante a publicação no Diário Oficial do Estado e
outros meios de comunicação.
241
CAPÍTULO X
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS E TRANSITÓRIAS
Art. 38. Enquanto não estiver aprovado o Plano de Bacia Hidrográfica, caberá ao Comitê
propor ao Conselho Estadual de Recursos Hídricos, ações e medidas necessárias ao controle
do uso dos recursos hídricos na Bacia Hidrográfica do Rio Tarumã-Açu.
242
Art. 39. O Comitê deve aprovar seu Regimento, decidir sobre os casos omissos e deliberar
instruções normativas, quando necessário.
Art. 40. O Presente Regimento Interno poderá ser modificado por proposição de qualquer
membro do Comitê da Bacia Hidrográfica do Tarumã-Açu, necessitando para tal, de
aprovação por no mínimo dois terços dos seus membros.
Parágrafo único. A modificação do Regimento Interno poderá ocorrer somente em reunião
convocada para este fim.
243
CERH/AM
Ao vigésimo sexto (26) dia do mês de fevereiro de dois mil e quatorze (2014), de 9h00 as
12h00 horas, no Auditório Ernani Leão de Freitas (FIEAM), sito à Av. Joaquim Nabuco, n.
1919 – Centro, Manaus/AM, foi realizada a 25ª Reunião Ordinária do Conselho Estadual de
Recursos Hídricos, onde discutiu-se a seguinte pauta: 1. Aprovação da Ata da XXIV Reunião
Ordinária do CERH e da Ata da Reunião Extraordinária, de 03/12/13; 2. Leitura e
Deliberação da Resolução que trata sobre a definição das Regiões Hidrográficas do Estado do
Amazonas, após as propostas de alteração encaminhadas pelos Conselheiros; 3. Informes.
Estiveram presentes as seguintes Instituições e seus respectivos conselheiros: Jane Crespo
(SEMGRH), Kleber Renan Veríssimo (ALE/AM), Carlos Benedito Santana Soares (SIPAM),
Sissy Correa Santos (ARSAM), Paula Aliomar (CBHT), Odinelza Pinho (COSAMA), ?
(CPRM), Sérgio Bringel (CRQ XVI-AM), Gisely Pereira de Souza (DEFESA CIVIL
AMAZONAS), Cleodivan Menezes de Paula (DEFESA CIVIL MANAUS), Muni Lourenço
Silva Junior (FAEA), Alexandre Kadota (FIEAM), Renée Fagundes Veiga (FIEAM), Kelmer
Passos (FUNASA), Antonio dos Santos (FRA), Raquel Oliveira (FVS), Maria Socorro R.
Silva (INPA), Jose R. Rabello (IPAAM), Ivan Marquezini (PETROBRAS), Valdemir Ferreira
de Souza (SEDUC), Anderson Criston Nascimento (SEMMAS), Elton Correa (CBHP), Jose
Maria Junior (SDS), Mario Bessa (UEA). Estiveram ausentes as seguintes instituições: AAM,
CENTRAIS ELETRICAS, CRBIO06, FETAGRI, UNILaSalle, MANAUS AMBIENTAL,
UFAM, UNINORTE, SINDARMA, SINDNAVAL, SUFRAMA. Estiveram presentes como
convidados: Sergio Gonçalves (Instituto Amazônia), Joel Castro (SNPH), Carlos Roberto
Koch (SINDISUL-APUI), Tiago Nicolay Freitas (Marinha do Brasil-9ºDN), Marcelo Oro de
Carvalho (Marinha do Brasil-9ºDN). A Secretária Executiva de Estado de Mineração,
Geodiversidade e Recursos Hídricos, Jane Crespo, iniciou a 25ª Reunião Ordinária do
Conselho Estadual de Recursos Hídricos dando boas vindas a todos os conselheiros e
informando a ausência do Presidente Titular do CERH/AM, Daniel Borges Nava, por motivo
de férias. Em seguida, convidou os senhores conselheiros Antonio dos Santos (FRA), Marcelo
Oro de Carvalho (Marinha do Brasil-9ºDN) e Alexandre Kadota (FIEAM) para
acompanharem-na junto à mesa dos trabalhos. Colocou o primeiro ponto de pauta “Aprovação
da Ata da XXIV Reunião Ordinária do CERH e da Ata da Reunião Extraordinária, de
03/12/13” em discussão. Com a palavra, o Sr. Muni Lourenço (FAEA) solicitou em relação à
ordem do dia que a deliberação da pauta que trata sobre comitê de bacias fosse realizada na
próxima reunião e que hoje houvesse apenas as discussões para melhor compreensão da
Resolução, sob a justificativa de que, como representante 38 dos usuários da água, há
estabelecimento no referido texto de outorga e cobrança pelo uso da água, com a instalação de
hidrômetros, matéria delicada aos produtores rurais. Contudo, a presidente da mesa esclareceu
que, a discussão e deliberação da Resolução sobre cobrança não está prevista na pauta da
Reunião do dia de hoje e pediu desculpas aos conselheiros pelo envio equivocado do texto da
Resolução, destacando que por este motivo a Resolução sobre Regiões Hidrográficas ficará
para ser deliberada apenas na próxima reunião, sendo hoje apenas realizada a discussão. O Sr.
Muni compreendeu o ocorrido e agradeceu a atenção, destacando que o texto daquela
244
Resolução citava a deliberação da outorga e cobrança por comitês de bacias como urgentes,
motivo porque da sua preocupação em deter maior tempo para melhor analisar o seu
conteúdo. Ademais, acrescentou que não é desejável a instalação de comitês que
eventualmente não tenham estrutura de funcionamento, para que não venham apenas existir
como criação de condição para viabilizar a cobrança da água. Destacou que a agricultura no
Amazonas ainda está no inicio de seu desenvolvimento e que a cobrança pelo uso da água já
neste momento pode ser um fator inibidor do desenvolvimento do Estado, principalmente
com relação ao uso de técnicas como a irrigação. A presidente apontou que esta Resolução é
pauta prioritária de análise da Câmara Técnica própria do Conselho (CTOCC/CERH), estando
ainda esta sob estudos, inclusive no que diz respeito às condições necessárias dos comitês de
bacias para a implementação da cobrança, bem como às peculiaridades do setor primário no
Estado do Amazonas. Dando prosseguimento, a presidente passou para o primeiro assunto da
pauta da Reunião e após leitura dinâmica das Atas, aprovaram se ambas por unanimidade. A
seguir, a presidente da mesa passou para o segundo assunto da pauta “Leitura e Deliberação
da Resolução que trata sobre a definição das Regiões Hidrográficas do Estado do Amazonas,
após as propostas de alteração encaminhadas pelos Conselheiros”. Dada manifestação do
conselheiro Muni (FAEA), apresentou-se apenas o histórico dos estudos interinstitucional que
motivaram o texto da referida Resolução e discutiu-se. A presidente da mesa expôs que a
Resolução trata sobre a definição das 9 (nove) Regiões Hidrográficas do Estado do Amazonas
e que, no Amazonas, a delimitação de Regiões Hidrográficas é imprescindível para um
adequado gerenciamento do uso dos recursos hídricos e para a implementação da Política
Estadual de Recursos Hídricos, que se constitui em processo dinâmico e contínuo. Informou
que, em 02/06/2003, houve a primeira discussão pelos membros do Grupo de Trabalho
Interinstitucional na SDS para a construção de Proposta do Plano de Bacias Hidrográficas do
Estado do Amazonas. E, que foram formadas duas equipes de trabalho para tratar sobre: 1.
critérios a serem adotados para a subdivisão do território do Estado do Amazonas para fins de
gerenciamento administrativo das respectivas bacias, e 2. definição do traçado dos limites em
mapa. A presidente lembrou da importante participação dos Conselheiros Sergio Bringel
(CRQ) e Ivan Marquezini (PETROBRAS) nos estudos e na construção do texto e do mapa
ilustrativo da Resolução. O estudo realizado pelo grupo considerou, dentre outras questões, os
aspectos relacionados às peculiaridades Amazônicas e à disponibilidade de 75 infraestrutura e
recursos humanos para apoio a implantação de sistema de gestão estadual de recursos
hídricos; à situação privilegiada do Estado na relação tanto dos aspectos quantitativos quanto
qualitativos entre a abundância dos recursos hídricos e as pressões antrópicas locais; à
necessidade urgente de se estabelecer critério único de subdivisão estadual para o
gerenciamento dos recursos hídricos no Amazonas; bem como, à realidade do homem
amazônico, seu histórico de ocupação territorial e outros aspectos socioeconômicos e
ambientais. A presidente acrescentou que, nesta época, não estava bem definida a Lei
Estadual de Recursos Hídricos (L. 3167/2007), não havia um órgão gestor especifico, o
CERH ainda não estava bem consolidado, não havia apoio institucional do Governo Federal
para que se fortalecesse a gestão dos recursos hídricos, a prioridade da governança das águas
no Estado ainda não estava em pauta, de forma que aos poucos o tema foi evoluindo. Assim,
em 2009, o grupo concluiu pela necessidade de criação das seguintes Regiões Hidrográficas:
R.H. do Rio Negro, R.H. do Japurá/Médio Solimões, R.H. do Alto Solimões, R.H. do Juruá,
R.H. do Purus, R.H. do Madeira, R.H. de Careiro-Autazes, R.H. de Manaus, R.H. do Baixo
Amazonas. Chegou-se a este determinante, tendo em vista a observância pelo grupo de
estudos de que a codificação de Bacias Hidrográficas pelo método de Otto, nível 2 (método de
subdivisão e codificação de bacias hidrográficas, utilizando algarismos, diretamente
relacionados com a área de drenagem dos cursos d‟água, cuja aplicação uso é orientada pela
Resolução nº 30, de 11/12/2002, do CNRH), não se aplica de forma plena à gestão de recursos
245
Resolução, posto que esta subentende a criação futura, após a aprovação das Regiões
Hidrográficas, de Comitês de Bacias, os quais possuem competência para realizar cobrança
pelo uso de água. Este pedido também foi acompanhado pela conselheira Renné Fagundes
(FIEAM) e o conselheiro Antonio dos Santos (FRA). O Conselheiro Muni espera que não se
repita, no que diz respeito à recursos hídricos, o fato de se criar mais uma carga para o setor
produtivo, haja vista que gestão de recursos hídricos não se resume na outorga e cobrança
pelo uso da água. Disse ser importante que a Resolução já estabeleça a estrutura de
funcionamento para esses Comitês de Bacias, inclusive prazos, pois criar no papel e o Comitê
de fato não existir, visando apenas estabelecer a cobrança, é inadmissível. Atualmente, vive-
se uma escassez de alimentos e o Amazonas usa a técnica da irrigação na agricultura e na
pecuária, desta forma observa-se que a instalação de hidrômetros para cobrança do uso da
água é assunto delicado. Os EUA não cobra dos produtores rurais americanos pelo uso da
água, para eles é prioridade a gestão dos recursos hídricos, mas também é importante a
produção de alimentos, não só para a sua população, mas também para a estrutura saudável da
economia americana. Do ponto de vista ambiental, tem-se que, com a cobrança pelo uso da
água para atividade agricultura, a perspectiva de aumentar a produtividade em áreas já aberta
se inibe para uma pressão maior de abertura de novas áreas, o que não é desejável no nosso
Estado. Com a palavra, o Conselheiro Antonio dos Santos (FRA) expôs que é importante
fazer estudo de quantos hectares existem no Estado para as áreas irrigadas, bem como, se esta
irrigação ira impactar o volume de agua disponível para outros múltiplos usos. O Estado que
mais usa água para irrigação na Amazônia é Roraima, seria interessante o CERH estabelecer
contato para troca de informações. Com relação à cobrança de uso de água no Amazonas,
muito ainda há de ser feito no Estado antes de se dar inicio e que deve ser bastante discutida
na Câmara Técnica especifica antes de deliberação pelo Conselho. Com a palavra, o
Conselheiro Sergio Bringel (CRQ) lembrou que o assunto cobrança pelo uso de água já foi
discutido em alguma reunião anterior da CERH e que não se chegou a acordo porque se
queria introduzir uma Resolução de um Conselho do Nordeste, momento em que os
representantes da piscicultura se manifestaram não saber como definir o valor a ser pago por
eles ou cobrado pelo Comitê. Com a palavra, o conselheiro Muni (FAEA) expôs que no
Nordeste se cobra pelo uso da água dada a escassez. La o valor econômico da água é efetivo,
enquanto que aqui no Amazonas, dada a enorme disponibilidade, não se necessita de
estabelecimento de prioridades. Com a palavra, a presidente da mesa esclareceu que a
Resolução ora em analise trata exclusivamente da definição das Regiões Hidrográficas do
Amazonas que comporão planos e projetos de gerenciamento de recursos hídricos, não
abordando, portanto, sobre outorga e cobrança. Informou que, na região norte do Brasil, o
único Comitê de Bacia instituído legalmente e em operação é o do Taruma, pois ali se
identificou o atendimento à mínima estrutura, e o próximo será o do Puraquequara.
Certamente a definição das Regiões Hidrográficas servira como motivação para a criação de
novos Comitês de Bacias. O Amazonas possui muita água, mas a preocupação do Estado é
com a distribuição. Com a palavra, o conselheiro José Laune (SDS) questionou como se dará
a espacialização das Regiões Hidrográficas definidas, se já existe algum estudo, qual base será
usada e a escala. A presidente da mesa esclareceu que a abrangência e os limites serão
estabelecidos no Plano Estadual de Recursos Hídricos, considerando o mapa orientativo
elaborado pelo grupo de estudo e após discussão na Câmara Técnica especifica. Com a
palavra, o conselheiro Anderson Criston (SEMMAS) solicitou que lhe fosse enviado os
arquivos digitais das delimitações. A presidente da mesa informou que serão encaminhados,
inclusive a apresentação em ppt. Com relação ao prazo solicitado pelos Conselheiros para
análise da Resolução e consulta sobre o tema junto aos setores a que representam, definiu-se,
em consenso, a data final de 08/04/2014 (terça-feira) para apresentação de manifestação do
texto final da Resolução e a data de deliberação para a próxima reunião ordinária do CERH,
247
como o estabelecimento das prioridades para 2014 de cada Câmara Técnica. Por fim, com a
palavra, o conselheiro Elton de Jesus (CBHP) informou que no dia 28/02 (sexta-feira), na
PLAN, ocorrera importante reunião com a participação de várias entidades e órgãos, inclusive
a EMGRH, a qual proporcionara andamento nas deliberações sobre Pólo Naval, momento que
se fará presente. Passo seguinte, a presidente dos trabalhos retomou nova abertura de espaço
para os informes dos conselheiros presentes e não havendo mais nenhuma manifestação,
agradeceu e deu por encerrada a Reunião, e eu, Lana Elisa M. G. Barbosa, secretaria
executiva do CERH, lavrei a presente Ata, a qual segue com lista de presença assinada por
todos os Conselheiros presentes.
ANEXO E - ENTREVISTAS
Entrevista 1
Resposta: Quem age pelo CBH-P é ele e o vice. As despesas para a manutenção do
CBH-P são arcadas por mim e pelos próprios moradores que também constituem a
Associação da Vila do Puraquequara. Estes moradores são pessoas humildes, em sua maioria,
pescadores. Para a realização das atividades externas são usados os veículos particulares e
embarcações dos próprios membros da comunidade, e que as despesas de combustível são
desembolsadas com recursos próprios. O CBH-P não tem aparato técnico nem logística
alguma. Não conta com apoio financeiro do Governo do Estado nem com qualquer outro
órgão de governo. A sede do CBH-P é a mesma da Associação de Moradores da Vila do
Puraquequara, que fica na garagem da minha própria casa. Pela mais absoluta inviabilidade
financeira o CBH-P não tem como desempenhar as suas atribuições. Não recebemos nenhuma
verba do Estado, nenhum auxílio de ninguém.
Quais as características das pessoas que compõem o CBH-P ?
Resposta: Os membros da comunidade que participam do CBH-P tem uma forte
relação de afetividade com o Puraquequara. Os membros que participam do CBH-P tem uma
visão ambientalista. Desejam a preservação e a conservação da bacia. No CBH-P não existe
vaidade.
Quais as principais atividades econômicas da comunidade da Vila do
Puraquequara ?
Resposta: Pescado, comércio de alimentos, estiva, agricultura de farinha de mandioca
e hortaliças, não tem gado.
Existe desmatamento e invasões na BH-P ?
Resposta: Sim, existe desmatamento, direto. Também existem invasões, como a
invasão do Tiririca e do Giró que são dois igarapés que são afluentes. Ocorre que o CBH-P
não tem força política. Fizemos placas para não invadirem, tentamos interagir com os
invasores, mas tudo não resultou em nada positivo.
Existe tribos indígenas na BH-P ?
Resposta: Não tem tribo indígena, mas existe um sitio arqueológico.
Qual a periodicidade das reuniões dos membros do CBH-P ?
Resposta: O CBH-P não tem periodicidade para fazer reuniões. Os problemas que
provocaram a extinção da Secretaria de Recursos Hídricos estão provocando a falta de
formalização do CBH-P, que sequer regimento ou estatuto tem. O CBH-P somente tem a ata
de constituição.
Quais as instituições que participam do CBH-P ?
253
Entrevista 2
viabilizando os projetos para o mapeamento social desta área devido ao problema da falta de
ordenamento na ocupação do solo. A Caixa Econômica Federal não faz licenciamento de
áreas. A CEF é omissa em não fazer esta análise. A área é de risco ou não é área de risco ?
Alguém precisa definir isto. O Município autoriza as construções e a CEF não faz qualquer
análise sobre as características ambientais da região do empreendimento. É dinheiro público
que está sendo empregado na construção de moradias em áreas de risco. As áreas estão sendo
mapeadas e no dia 21 vai ser assinado um termo de cooperação com Caixa Econômica
Federal (CEF) com o Ministério Público Federal (MPF) para se comprometer a não financiar
empreendimentos na planície da inundação. O objetivo é criar ferramentas de controle. Estão
construindo nas áreas que são das águas. Vai repercutir no setor imobiliário e nas Prefeituras.
Isto tudo decorre de um conhecimento que foi construído no meio acadêmico e concebido
para fora: diversos trabalhos acadêmicos apontam sobre as consequências das construções nas
planícies de inundação, mas o que adiante apenas ficar teorizando sobre o problema ? É
preciso trabalhar para resolvê-lo. O COMITESINOS vem brigando com o Conselho Estadual
do Meio Ambiente (CONSEMA) em razão das expedições de licenciamento quando
degradadas a mata ciliar. O CONSEMA justifica a ocupação de mata ciliar com o argumento
na dimensão geopolítica e social. Na verdade, a mata ciliar tem a finalidade assegurar uma
qualidade de água. Não é proteger o curso da água. Não estamos aqui para fazer gestão, mas
para resolver os problemas das pessoas. Esta sendo desenvolvido um mapa solidário através
de fotos tiradas pela sociedade para demonstrar os problemas relacionados às inundações.
Vende-se a imagem de um programa social, de fazer habitação social em um lugar digno,
porém o que realmente ocorre são tragédias sociais. Não há como não se comover. O nosso
interesse principal é na proteção das áreas úmidas de banhado, agora, quando envolve
interesses sociais e recursos públicos envolvidos, o olhar do Ministério Público sobre o
problema é diferenciado, uma vez que tais temas constituem as suas atribuições
constitucionais. No COMITESINOS não acha nada. São feitas pesquisas sobre projetos
ambientais e analisadas as linhas de pesquisa do COMITE. Tem grupos técnicos para o
desenvolvimento dos projetos dependendo da finalidade de cada um deles. Estes grupos estão
associados a uma linha de pesquisa pré-definida dentro das linhas de atuação do Comitê. A
pesquisa é descrita no projeto e ele é avaliado pela equipe da Petrobrás Socioambiental que
faz publicar Editais Públicos.
Como funciona esta articulação entre o COMITESINOS e o Ministério Público
(MP/RS) ?
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operadoras de água e saneamento tem que fazer distribuição de água e saneamento; o MP tem
que agir na forma das suas atribuições constitucionais.
Pelo que conhece do contexto hídrico na região do Estado do Amazonas quais os
aprendizados que o COMITESINOS poderia compartilhar para a estruturação das
atividades dos Comitês no Estado ?
Resposta: O contexto da bacia hidrográfica amazônica é diferente. Os aspectos sociais
e econômicos da bacia hidrográfica do Estado do Amazonas são diferentes. São universos
distintos. Por exemplo, no Amazonas os rios tem capacidade grande de diluição, nos Sinos
não tem. É preciso um modelo diferente. O sistema do Rio Grande do Sul não tem como
implantar no Amazonas. Algumas coisas similares podem ser compartilhadas, mas o contexto
é bem diverso. O COMITESINOS foi pioneiro porque houve conflitos. Se há abundância de
água não existe como ter conflitos. Não há problema. E quando não tem problema não é
preciso Comitê. Acredita-se que a articulação entre o Comitê e as instituições públicas e
privadas de diversos setores econômicos, sociais e ambientais foi determinante para o
COMITESINOS conseguir desempenhar as suas atribuições. No Estado do Amazonas é
preciso um olhar diferenciado sobre os grandes usuários, os quais poderiam devolver a
exploração da água por meio de serviços à sociedade como água potável. Para isso é preciso
semear uma política de recursos hídricos por meio de articulação institucional de negociações
e parcerias com as empresas, com o Ministério Público, trazer para dentro do Comitê
instituições de pesquisas e pessoas capacitadas que tenham base científica de conhecimento
para, por exemplo, desenvolver estudo comprovando a redução da pesca pela contaminação
hídrica com fundamentação científica. Estas medidas podem resultar na celebração de acordos
de cooperação com o MP para obter parte dos recursos das multas das TAC´s impostas e
reverter nas atividades do Comitê. É possível fazer parcerias com ONG´s. O COMITESINOS
teve ajuda da WWF. Está se analisando outra parceria com a WWF para desenvolver
atividades no sul: o observatório que está sendo organizado pela WWF para acompanhar a
evolução dos sistemas de recursos hídricos em todo o Brasil. Já participamos em experiências
para a formação de Comitês de Bacia do Ceará. O REBOB foi idealizado com base nas trocas
de experiências.