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Região

Metropolitana
do Vulnerabilidades
das Megacidades
Brasileiras
às Mudanças
Climáticas:
R M RJ E AS V U LNE R A B ILI DADE S ÀS M U DANÇAS C LIM ÁTI C A S

EXPEDIENTE
PROJETO MEGACIDADES,VULNERABILIDADES E MUDANÇAS CLIMÁTICAS COORDENAÇÃO GERAL PROJETO MEGACIDADES,
VULNERABILIDADES E MUDANÇAS CLIMÁTICAS
Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Instituto Carlos Nobre | INPE
Daniel Joseph Hogan ( in memorian ) | NEPO / UNICAM P
Nacional de Pesquisas Espaciais | CST/ INPE

Núcleo de Estudos de População da Universidade COORDENAÇÃO RELATÓRIO RMRJ


Paulo P. de Gusmão | LAGET/ IGEO / UFRJ
Estadual de Campinas | NEPO / UNIC AM P

RELATÓRIO REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO EQUIPE TÉCNICA

Secretaria Municipal de Meio Ambiente da Prefeitura Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro

da Cidade do Rio de Janeiro | SMAC/PCRJ Nelson Moreira Franco | Gerente de Mudanças Climáticas
Secretaria Municipal de Meio Ambiente | SMAC/PCRJ
Instituto Pereira Passos | IPP/ PCRJ
Sergio Besserman Vianna | Presidente da Câmara Técnica de
Fundação GeoRio | GeoRio/ PCRJ Desenvolvimento Sustentável/ PCRJ

Companhia Municipal de Limpeza Urbana | Comlurb/ PCRJ Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos | IPP/PCRJ
Luiz Roberto Arueira da Silva e Felipe Cerbella Mandarino
Instituto de Geociências da Universidade Federal Fundação GeoRio | PCRJ
do Rio de Janeiro | IGEO / UFRJ Ricardo D’O rsi

Coordenação de Programas de Pós-graduação em Engenharia Cia. Municipal de Limpeza Urbana | COMLURB/PCRJ


da Universidade Federal do Rio de Janeiro | COPPE / UFRJ José Henrique Penido Monteiro

Escola Politécnica da Universidade Federal Universidade Federal do Rio de Janeiro | UFRJ


do Rio de Janeiro | Poli/ UFRJ
Instituto de Geociências | IGEO
Instituto de Biologia da Universidade Federal Cláudio A.G . Egler, Paulo P. de Gusmão, Dieter Muehe, André Avelar,
Ana Luiza Coelho Neto ( Geografia)
do Rio de Janeiro | IB/UFRJ
Claudine P. Dereczynski, Maria Gertrudes A. Justi da Silva, Isimar de
Faculdade de Oceanografia da Universidade Azevedo Santos (Meteorologia)
do Estado do Rio de Janeiro | FAOC/ UERJ
Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca Engenharia |COPPE
da Fundação Instituto Oswaldo Cruz | FIOCRUZ Paulo C. C. Rosman ( Programa de Engenharia Oceânica - PENO),
José Paulo Soares de Azevedo ( Programa de Engenharia Civil -
PEC), Giovannini Luigi ( Laboratório Interdisciplinar de Meio Ambien -
te - LIM A), Lázaro Costa Fernandes (Programa de Engenharia Civil
– PEC, Doutorando)

Escola Politécnica | POLI


Marcelo Gomes Miguez ( Programa de Engenharia Ambiental – PEA ,
Programa de Engenharia Urbana – PEU), Isaac Volschan Jr ( Depar -
tamento de Recursos Hídricos e Meio Ambiente)

Instituto de Biologia | IB
Alex Enrich- Prast e Luiz Fernando Jardim Bento ( Laboratório de
Biogeoquímica, Departamento de Ecologia)

Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais | INPE


José A. Marengo (Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Institu -
to Nacional de Pesquisas Espaciais - C ST)

Universidade do Estado do Rio de Janeiro | UERJ


Mário Luiz Gomes Soares, Paula Maria Moura de Almeida,Viviane
Fernandez Cavalcanti, Gustavo Calderucio Duque Estrada, Daniel
Medina Corrêa Santos (Núcleo de Estudos em Manguezais)

Fundação Instituto Oswaldo Cruz | FIOCRUZ


Ulisses E.C. Confalonieri (Centro de Pesquisa Réne Rachou), Diana
P. Marinho ( Escola Nacional de Saúde Pública) e Martha Barata
( Instituto Oswaldo Cruz)

PROJETO GRÁFICO
Ana Tereza Barrocas | IPP/ PCRJ

2
ÍNDICE
Apresentação Pág. 4
Contexto Pág. 5
Parte 1 Impactos sobre o meio físico Pág. 8
Parte 2 Vulnerabilidades dos sistemas naturais Pág. 15
Parte 3 Vulnerabilidades sócio-econômicas Pág. 22
Adaptação Pág. 31

3
RMRJ e a s v u l n er a b i li dad es Às mudanÇas cli mÁti ca s

A
Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) e o Estado, de um modo geral, têm sido castigados por
eventos de chuvas intensas que geram tragédias e grandes transtornos à população. Os exemplos mais
recentes e também mais dramáticos ocorreram em 2010 e 2011.
No início de abril de 2010, a RMRJ foi atingida por sistemas de tempestades associados ao desloca-
mento de uma frente fria. Os totais pluviométricos atingiram 323 mm em 24 horas, provocando deslizamentos que
causaram 167 mortes em Niterói e 66 no Rio de Janeiro, deixando mais de 3 mil desabrigados e 11 mil desalojados.
Enchentes, quedas de árvores, problemas de transmissão de energia elétrica e ressacas com ondas de até 5 metros
paralisaram a RMRJ.
Em janeiro de 2011, a região serrana do Estado foi devastada por chuvas intensas ocasionadas pela chegada
de um sistema frontal. Em apenas 12 horas, foram registrados 222 mm de precipitação. De acordo com o Banco de
Dados Internacional de Desastres, com sede na Bélgica, foi o desastre natural mais severo da história do país, com
cerca de 900 mortes (em Nova Friburgo,Teresópolis, Petrópolis, Sumidouro, São José do Vale do Rio Preto e Bom Jardim,
sendo as duas primeiras as cidades com maior número de vítimas), mais de 9.000 desabrigados e mais de 11.000
desalojados. As fortes chuvas deflagraram avalanches e enchentes que removeram solo, rochas e árvores, gerando
um cenário de destruição nos locais afetados.
Não dá para afirmar que as mudanças climáticas desencade- Como área costeira, a RMRJ é particu-
adas pelo aquecimento global são responsáveis por essas tragé- larmente vulnerável a dois aspectos inter-
dias. Eventos extremos sempre ocorreram. Além disso, a ocupação ligados: a elevação do nível do mar e a
histórica de áreas de risco, aliada à falta de um sistema de alerta ocorrência de eventos extremos, como ven-
de enchentes e de treinamento das populações para lidar com tos intensos, ondas de tempestade, chuvas
essas situações, oferece um ambiente propenso a tragédias. Mas torrenciais e períodos de seca mais prolon-
essas catástrofes dão um vislumbre do que poderemos enfrentar gados. Combinados, eles podem produzir
com cada vez maior frequência ao longo do século se nada for efeitos devastadores na zona costeira, com
feito para diminuir as situações de risco. A análise de séries históri- impactos sociais, econômicos, de infraes-
cas na capital mostra que as chuvas intensas estão mais frequen- trutura e ecológicos.
tes e os totais pluviométricos anuais estão em elevação. Os dias e Vale lembrar que a inundação é um pro-
as noites quentes também estão mais frequentes, ao contrário dos cesso natural e necessário para o funciona-
mais frios, o que consiste com um cenário de aquecimento global. mento do sistema fluvial. O que o transforma
Os modelos climáticos futuros indicam que essa tendência em calamidade pública são as profundas
deve se seguir, com o clima no Rio de Janeiro ficando mais quen- alterações resultantes da retirada da vege-
te até o final do século 21. As projeções indicam aumento da tação ripária, da impermeabilização do solo
maior temperatura máxima anual e da frequência de ocorrên- na área drenada, do assoreamento das
cia de dias e noites quentes, redução de dias e noites frios e calhas dos sistemas de drenagem e do es-
aumento da duração das ondas de calor. Não foram feitas mo- treitamento deles face à ocupação de suas
delagens para as precipitações, mas se espera maior frequência margens por construções entre o rio e sua
e intensidade nas chuvas. planície de inundação.
Além da preocupação com a elevação
do nível do mar, a cidade do Rio de Janeiro tem experimentado uma maior vulnerabilidade decorrente das cha-
madas marés meteorológicas, que provocam aumento do nível do mar e aproximação de grandes ondas e de
ressacas, produzidas por ciclones no Atlântico Sul. Este cenário somado a eventos de chuvas extremas causará inun-
dações ainda mais difíceis de escoar.

Os dados apresentados neste trabalho buscaram ampliar e aprofundar os estudos sobre os impactos das mudanças climáticas na cidade do Rio de Janeiro apresentados
em 2008 no livro Rio Próximos 100 Anos: o aquecimento global e a cidade – um esforço da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, através do Instituto Pereira Passos.
O trabalho atual foi desenvolvido dentro do projeto “Megacidades, Vulnerabilidades e Mudanças Climáticas”, concebido e coordenado pelo Instituto Nacional de
Pesquisas Espacial (INPE) e pelo Núcleo de Estudos de População (Nepo), da Unicamp, para avaliar os riscos das regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro. O
relatório sobre a RMSP foi publicado em junho de 2010.

4
A Região Metropolitana do Rio de Janeiro é a maior rios demandam cuidado, porque se há incertezas em
aglomeração urbana da costa brasileira, com uma po- relação a eles, maiores ainda são as incertezas sobre
pulação de cerca de 11,5 milhões de habitantes em a dimensão e timing dos efeitos e impactos que po-
2010. Sua importância na escala nacional também dem gerar.
está associada ao seu papel econômico e logístico. Na falta de bases de dados e diante de uma carto-
O complexo portuário formado pelos portos do Rio de grafia de baixa resolução, consideramos as chamadas
Janeiro e Itaguaí é fundamental para o comércio exte- zonas costeiras de baixa elevação (LECZ, na sigla em
rior brasileiro pela movimentação de minério de ferro e inglês) como as de maior vulnerabilidade, tanto à pró-
carvão siderúrgico e pelo embarque e desembarque pria elevação do nível dos oceanos, quanto à ocorrên-
de contêineres e veículos leves de carga. Destaque es- cia de eventos extremos, principalmente inundações.
pecial deve também ser dado ao papel dos terminais Essas áreas correspondem principalmente às pla-
e dutos situados na orla da Baía de Guanabara que nícies de inundação dos rios que deságuam nas baí-
movimentam petróleo, gás natural e derivados. as da Guanabara e Sepetiba e ao entorno das lagoas
A RMRJ compreende os municípios de Rio de Ja- costeiras das baixadas de Jacarepaguá e de Mari-
neiro, Belford Roxo, Duque de Caxias, Guapimirim, Ita- ca (veja mapa 5 na pág. 14). São locais que foram
boraí, Japeri, Magé, Maricá, Mesquita, Nilópolis, Niterói, profundamente alterados por obras de canalização
Nova Iguaçu, Paracambi, Queimados, São Gonçalo, e drenagem desde a primeira metade do século 20.
São João de Meriti, Seropédica, Tanguá e Itaguaí. O Suas margens são altamente urbanizadas e servem
presente trabalho considerou também o município de para o esgotamento de resíduos urbanos lançados
Mangaratiba porque, além de ele assim constar da de- nos rios sem tratamento. Alterações no sistema rio-pla-
limitação usada pelo IBGE em pesquisas demográficas nície de inundação combinadas com a elevação do
e econômicas, seu território está sendo afetado pela nível do mar e a possibilidade de chuvas torrenciais
expansão metropolitana na orla da Baía de Sepetiba, nas encostas da Serra do Mar conferem a essas áre-
um dos vetores dinâmicos mais importantes da RMRJ. as um elevado grau de vulnerabilidade às mudanças
Trata-se de um “município-fronteira”, climáticas, principalmente considerando sua elevada
objeto de disputa entre a expansão densidade demográfica e produtiva.
urbano-industrial-portuária e as ativida-
des de turismo e pesca historicamente Distribuição populacional
associadas ao patrimônio natural que Segundo os resultados do censo de 2010, 75% dos habitantes
ainda abriga. do Estado vivem na RMRJ. Entre 2000 e 2010, a velocidade do cres-
Para analisar as vulnerabilidades cimento dos municípios não-metropolitanos foi superior à apresen-
da RMRJ, é preciso considerar os ce- tada pela RMRJ pela primeira vez desde 1940, apontando para a
nários de elevação do nível do mar. emergência de um novo padrão demográfico no Estado.
Os valores modelados na escala glo- Há uma redistribuição espacial da população, destacando-se
bal são controversos na própria co- o crescimento em algumas áreas da capital, como a zona oeste,
munidade científica, variando entre a região da Barra da Tijuca e Jacarepaguá, a estabilização na
aumentos modestos, em torno de 20 zona suburbana e uma redução na população residente nas zo-
cm, como no cenário otimista do 4º nas central, sul e norte.
relatório de avaliação (AR4) do Painel
Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas (IPCC), de 2007, até valores
superiores a 1 metro, considerando o
comportamento não linear do degelo
das calotas polares, segundo estudo
de Tad Pfeffer e colegas publicado na
revista Science, em 2008. Esses cená-

5
RMRJ e a s v u l n er a b i li dad es Às mudanÇas cli mÁti ca s

E apesar de municípios da e São Gonçalo. Essas áreas se tornam especialmente vulneráveis por
borda da RMRJ apresentarem conta da carência de serviços coletivos, principalmente saneamento
taxas de crescimento mais ace- básico, oferecidos à população.
leradas, como Itaguaí ou Maricá, Entre 1990 e 2010, a baixada de Sepetiba (zona oeste do município
a população continua se expan- do Rio de Janeiro, Itaguaí, Seropédica, Japeri, Queimados e a porção
dindo nos municípios do entorno de Nova Iguaçu que drena para Sepetiba) foi a principal área de incor-
da Baía de Guanabara, como poração de novas terras ao tecido metropolitano. Também é relevante
Duque de Caxias, Nova Iguaçu a expansão na orla oriental da Baía de Guanabara, onde estão sendo

MAPA 1: Taxa de crescimento populacional 1991-2010 dos municípios da RMRJ


Fonte: IBGE

0.9 - 1.0
1.1 - 1.3
1.4 - 1.5
1.6 - 2.0
2.1 - 2.7

paracambi duque de caxias


nova iguaçu
japeri
magé

queimados belford roxo


seropédica
são joão
mesquita do meriti

nilópolis
itaguaí

Mangaratiba
rio de janeiro

6
abertos loteamentos em Magé, Guapimirim, Itaboraí e São Gonçalo em -siderúrgicas da Baía de Sepetiba.
áreas com risco de inundações. Essa infraestrutura pesada
Parte significativa dessa expansão é estimulada pela implantação nas vizinhanças de LECZ reforça
do Arco Rodoviário Metropolitano, que interliga a orla oriental da Baía as tendências de litoralização da
da Guanabara, onde está sendo implantado o Comperj (Complexo Pe- economia fluminense e estimula
troquímico do Rio de Janeiro), o entorno da Reduc (refinaria de Duque a expansão metropolitana para
de Caxias), onde é grande a concentração da indústria petroquímica zonas de maior vulnerabilidade
e gás-química, o porto de Itaguaí e as grandes implantações minero- à elevação do nível do mar e à
ocorrência de eventos climáticos
extremos, assim como à combina-
ção desses efeitos.
Há também uma série de investimentos em cur-
so, como projetos dos PACs 1 e 2, programas como
Minha Casa Minha Vida e Morar Carioca e implan-
tação/ampliação das redes de drenagem e esgo-
tamento sanitário na zona oeste e na Baixada de
Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. É preciso avaliar se
esses investimentos estão considerando as hipóteses
associadas às mudanças climáticas e desde já ini-
ciar um processo contínuo e sistemático de monito-
cachoeiras de ramento das condições oceânicas e meteorológicas
macacu
guapimirim na busca de medidas de adaptação pró-ativa e mi-
tigação dos seus impactos.
Alguns municípios, que já podem se encontrar
em condições bastante precárias em termos de in-
fraestrutura e serviços, tenderão a experimentar mais
dificuldades que outros para promover a adaptação
itaboraí às mudanças climáticas. Dependendo das novas
pressões que recebam em consequência da eleva-
ção do nível do mar combinada aos eventos climá-
tanguá
ticos extremos, é admissível uma evolução cada vez
mais desequilibrada da equação pressões x capaci-
são gonçalo dade de resposta.
Atenção especial para os municípios localizados
na parte leste da bacia da Baía de Guanabara já
niterói maricá
que eles combinam, simultaneamente: áreas signifi-
cativas situadas na zona de risco de alagamentos
(abaixo de 10 m em relação ao nível médio atual do
mar); taxas de crescimento econômico e populacio-
nal acima da média dos municípios metropolitanos;
e o fato de abrigar o maior investimento realizado na
RMRJ (o Comperj, que tem um orçamento da ordem
de US$ 8,7 bilhões).

10 5 0 10 20 30 km

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RMRJ e a s v u l n er a b i li dad es Às mudanÇas cli mÁti ca s

IMPACTOS
PARTE 1

SOBRE O MEIO
FÍSICO

O
aquecimento global pode mudar o clima
da RMRJ, promovendo impactos na orla e
redefinindo a linha da costa. A expectativa é que
a região se torne mais quente e úmida até o final
do século. As praias podem perder areia e as zonas costeiras
de baixa elevação podem sofrer ainda mais com inundações.
Mudanças no clima
A partir da análise de séries históricas de variáveis ao efeito de ilha de calor urbana. O aquecimento
meteorológicas das estações Alto da Boa Vista (de extra gerado pela ilha de calor no Rio de Janeiro pos-
janeiro de 1967 a dezembro de 2007) e Santa Cruz sivelmente altera a direção e intensidade das brisas
(de janeiro de 1964 a dezembro de 2009) do INMET marítima e terrestre, que por sua vez podem alterar
(Instituto Nacional de Meteorologia), pudemos ob- os padrões de transporte de umidade no município.
servar como já vem mudando o clima do Rio Com relação à temperatura do ar, as análises
Mesmo sendo apenas duas estações, como elas mostram que o clima está se tornando mais quente
estão localizadas em ambientes distintos, foi possível na capital fluminense e provavelmente também na
comparar condições urbanas extremas: um ambien- RMRJ. O número de dias no ano em que a temperatu-
te florestado, com menor expansão e adensamento ra máxima é superior a 25 °C exibe forte elevação no
urbano (Alto da Boa Vista); e uma área de alto cres- Alto da Boa Vista, com aumento de 1,5 dia/ano, en-
cimento da malha urbana (Santa Cruz, na zona oes- quanto os dias mais frios estão menos frequentes. Já
te). Com os dados diários, indicadores de extremos o índice que mostra o número de dias no ano quan-
climáticos associados com precipitação e com as do a temperatura mínima é superior a 20 °C exibe
temperaturas máxima e mínima do ar foram calcu- tendência de elevação, com elevação de 0,9 dia/
lados com o programa RClimDex, desenvolvido pelo ano para a estação de Santa Cruz, mas não para
Serviço Meteorológico Canadense. a estação do Alto da Boa Vista, enquanto as noites
Pelas análises, percebe-se que o clima no muni-
cípio do Rio de Janeiro está se tornando mais úmido, principalmente na região florestada. Os
totais pluviométricos anuais estão em elevação (7,8 mm/ano no Alto da Boa Vista e 2,5 mm/
ano em Santa Cruz), assim como o número de dias com precipitação maior ou igual a 30 mm
e 50 mm tem ocorrido com maior frequência. As tendências na precipitação são mais mar-
cantes no Alto da Boa Vista do que em Santa Cruz. Essa diferença pode estar associada tanto
com uma mudança na circulação em escala sinótica, quanto com a circulação local devido

8
frias estão em declínio. Uma explicação para as al- TABELa 1: Tendências observadas dos extremos climáticos
relacionados a precipitação, temperatura máxima e
terações mais pronunciadas na temperatura mínima temperatura mínima do ar no Alto da Boa Vista e em Santa Cruz
em Santa Cruz poderia ser pelo fato de a região ur- Alto da
Indicador Santa Cruz
bana ser mais fortemente influenciada pelo efeito da Boa Vista

ilha de calor urbano. Outro indicador mostra que as +7,6 +2,5


chuva total no ano mm/ano mm/ano
ondas de calor, ou seja, os períodos com temperatu-
+11,8 Sem
ra máxima elevada, estão se tornando mais longos. dias muito úmidos mm/ano tendência

De forma geral, no município do Rio de Janeiro +3,4 Sem


dias extremamente úmidos mm/ano tendência
as chuvas intensas estão mais frequentes e os totais
+0.07 (mm/ +0.01 (mm/
pluviométricos anuais estão em elevação. Há mais intensidade da precipitação dia)/ano dia)/ano
dias e noites quentes, enquanto os dias e noites frios +0,07 +0,03
dias c/ precip. >= 30 mm mm/ano mm/ano
estão ocorrendo em menor frequência, o que consis-
+0,1 Sem
te com um cenário de aquecimento global. A tabela dias c/ precip. >= 50 mm mm/ano tendência
1 (ao lado) apresenta um sumário das tendências +1,0 -0,9
precip. máxima em 1 dia mm/ano mm/ano
observadas para os indicadores de extremos climá-
+1,5 -0,5
ticos relacionados a chuva, temperatura máxima e precip. máxima em 5 dias mm/ano mm/ano
temperatura mínima. Sem Sem
dias secos consecutivos tendência tendência

Projeções das mudanças dias úmidos consecutivos


Sem
tendência
Sem
tendência
climáticas futuras +1,5 +0,4
As projeções das mudanças climáticas futuras nº dias temp. máxima é > 25 °C dia/ano dia/ano

para o Rio de Janeiro foram analisadas com o Mode- +1,5% +1,5%


dias quentes dia/ano dia/ano
lo Regional Eta/CPTEC, que tem sido usado no INPE
+-0,2% +-0,1%
para realizar previsões de tempo e climáticas sazonais dias frios dia/ano dia/ano
desde 1996. A versão climática foi adaptada para re- +0.01ºC +0.01ºC
maior temp. máx. diária /ano /ano
alizar integrações em escalas decadais, com foco nos
+0,19 +0,04
cenários de mudanças climáticas relacionadas com duração de ondas de calor dia/ano dia/ano
diferentes níveis de concentração de CO2. +0,9 +0,3
dias no ano temp. min. > 20 °C dia/ano dia/ano
Para estudos do clima presente (1961-1990) con-
+0,03 +0,17
siderou-se a concentração do CO2 igual a 330 ppm noites quentes dia/ano dia/ano
e para o clima futuro (2011-2099) foi considerado o -0,03% -0,06%
cenário A1B de emissões de CO2 do Special Report noites frias dia/ano dia/ano

on Emissions Scenarios (SRES) do IPCC. Apesar dos


elevados níveis atuais de CO2 (391,76 ppm em fevereiro de 2011), no
cenário A1B a concentração do gás inicia com 371 ppm em 2011, sobe
para 413 ppm até 2040, para 525 ppm até 2070 e finalmente para 680
ppm até 2100.
Infelizmente, a maior parte dos indicadores climáticos associados à
precipitação não é representada adequadamente pelo modelo Eta no
clima presente. Assim, apenas as tendências futuras relacionadas com
a temperatura do ar (máxima e mínima) serão apresentadas.
O índice de maior temperatura máxima diária começa com 33,8 °C
no período de 1961-1990, passa para 35,5 °C no período 2011-2040, para
37 °C em 2041-2070, chegando a 38,6 °C em 2071-2099. Isso significa um
aumento da temperatura máxima de 4,8ºC até o final do século 21. Os
mapas 2 e 3 na página seguinte mostram um padrão diferenciado para
a área continental e a marítima, com maiores valores de temperatura
máxima nas áreas continentais, contudo se elevando até o final do sé-
culo para toda a região apresentada.

9
RMRJ e a s v u l n er a b i li dad es Às mudanÇas cli mÁti ca s

Em relação à temperatura mínima (número de dias no ano com mí- As ondas de calor, ou seja, o
nima superior a 20 °C), o modelo aponta 166,9 dias ao ano no clima número de dias consecutivos no
presente; 237,6 dias em 2011-2040; 276,7 dias em 2041-2070 e finalmente ano com temperaturas máximas
311,6 dias em 2071-2099. Isso representa um aumento de quase 87% em acima do percentil 90, também
relação ao clima presente. Como esperado, os valores são maiores so- exibem forte tendência de eleva-
bre o oceano do que sobre o continente. Por outro lado, o aquecimento ção, em torno de 0,24 dia/ano. Os
até o final do século é menor sobre os oceanos devido a sua maior índices relacionados com a tem-
capacidade térmica. peratura mínima indicam: prová-
vel aumento das noites tropicais
com temperatura mínima superior
MAPA 2: Variação do índice de maior temperatura máxima diária
a 20 °C, a uma taxa de 1,33%dia/
ano; aumento da frequência de
ocorrência de noites quentes a
uma taxa de 0,28%dia/ano e re-
dução na frequência de ocorrên-
cia de noites frias a uma taxa de
- 0,09%dia/ano.
Conclui-se que o clima no
Rio de Janeiro deverá ficar mais
quente até o final do século 21,
seguindo o padrão já observado
no clima presente. Projeta-se au-
mento da maior temperatura má-
1961-1990 2071-2099 xima anual, da ocorrência de dias
e noites quentes e da duração
As projeções indicam que o número de dias no ano com temperatu- das ondas de calor e redução na
ra máxima superior a 25 °C poderá se elevar a uma taxa de 1 dia/ano ocorrência de dias e noites frios.
até o final do século. A porcentagem de dias quentes no ano apresen-
ta tendência de aumento, com taxa de 0,19%dia/ano. A porcentagem Impactos na orla
de dias frios apresenta-se em declínio a uma taxa de -0,08%dia/ano. A costeira
maior temperatura máxima anual também poderá aumentar até o final A vulnerabilidade física da
do século a uma taxa de 0,04 °C/ano. zona costeira da capital e da
RMRJ a uma elevação do nível
do mar se caracteriza, em geral,
MAPA 3: Variação de dias no ano com temperatura mínima superior a 20 °C pelos riscos de erosão e de inun-
dação intensificados pela recor-
rência de ressacas, ventos fortes e
chuvas intensas.
Os principais efeitos espera-
dos com as mudanças climá-
ticas em zonas costeiras são a
elevação do nível médio do mar
(NMM); aumento de extremos cli-
máticos (períodos de secas mais
prolongados e eventos de tem-
pestades com mais ventos e chu-
vas mais fortes) e possível mudan-
ça na direção de propagação
1961-1990 2071-2099 das ondas devido a alterações

10
na circulação atmosférica, seme-
lhante ao que já acontece com
o El Niño. Esses efeitos ocorrem
em sinergia, gerando consequ-
ências cumulativas.

Consequências da
elevação do nível
médio do mar1
T- Tendência de translação das relativo, reduzem-se os desníveis e a velocidade dos escoamentos,
praias e cordões de dunas em por consequência.
direção a terra. Aumento da profundidade média de lagoas costeiras e baías. Isso
Praias limitadas por muros, representa um efeito de rejuvenescimento, em contraposição ao en-
calçadões, avenidas e outras velhecimento representado pelo assoreamento.
construções ficam impedidas Aumento da intrusão salina em zonas estuarinas levando ao aumen-
de se ajustar por meio de retro- to ou à diminuição de manguezais; mais para montante, potencial
gradação (recuo da barreira problema de captação de água salobra em locais que hoje captam
arenosa) e tenderão a perder água doce.
areia, com risco de as ondas
atingirem diretamente as ben- Consequências do aumento
feitorias públicas. de extremos climáticos2
Recuo das linhas de orla em Com tempestades mais intensas no mar, as ondas ficam mais altas e
regiões de baixadas de lagoas as marés meteorológicas mais elevadas. Portanto, onde houver ruas
costeiras e baías, em função e avenidas após a praia haverá sérios problemas de erosão e pos-
da subida do nível médio rela- sível destruição de muros, ruas e avenidas devido à diminuição das
tivo do mar que, nestes locais, faixas de areia.
é provável que seja superior à Mais secas causam diminuição da vazão dos rios. Este efeito associa-
média, visto que se trata de re- do à subida do nível médio relativo do mar e eventualmente somado
giões sedimentares geologica- a efeitos de marés meteorológicas mais altas tende a aumentar a
mente recentes, cujos terrenos intrusão salina em regiões estuarinas, causando incremento de man-
tendem a sofrer subsidências. guezais e potencial problema de captação de água salobra em lo-
Problemas de macrodrenagem cais que hoje captam água doce.
em águas interiores, especial- Frequentemente marés meteorológicas estão associadas às passa-
mente em zonas urbanas situ- gens de frentes frias, que por vezes trazem chuvas intensas. A soma
adas em baixadas de baías e dessas situações com os efeitos de subida do nível médio relativo do
lagoas costeiras, aumentando mar irá ocasionar sérios problemas de macrodrenagem em zonas
a tendência de alagamentos. urbanas situadas em baixadas de baías e lagoas costeiras, com ala-
Com a subida do nível médio gamentos e inundações crescentes.

Consequências das mudanças


1 os As estimativas atuais para a taxa média de subida no clima de ondas3
do nível do mar, em termos globais, são da ordem de 0,5
m em relação ao NMM atual até o final do século. Mas Tendência de realinhamento de linhas de praia em busca de novos
para ações de engenharia, é importante considerar a
variação do nível médio relativo do mar, que resulta
arcos de equilíbrio diante das novas direções dominantes de propa-
da soma das taxas de variação do nível médio do mar gação das ondas que atingem a praia.
e de variação do nível do terreno. Por exemplo, em uma
região estiver com abaixamento do terreno na taxa de Por se tratarem de efeitos persistentes, esse novo alinhamento poderá
0,5 cm/ano, a taxa de subida do nível médio relativo do
mar na região seria de 1,0 cm/ano. trazer sérios problemas em arcos de praia em zonas urbanas, como
2 Secas mais longas e ocorrências de chuvas de tem-
pestade mais intensas e frequentes.
as praias oceânicas do Rio de Janeiro, Niterói e adjacências.
3 Alteração das estatísticas pertinentes à direção de
propagação, ao período e à altura das ondas inci-
dentes.

11
RMRJ e a s v u l n er a b i li dad es Às mudanÇas cli mÁti ca s

Essas alterações são particular- da praia. Se nada for feito, as consequências de elevação do NMM,
mente importantes por afetarem em sinergia com as ressacas e marés meteorológicas mais intensas
diretamente o alinhamento natural (que tendem a reduzir ainda mais o estoque de areia), acarretará
das praias – formações sedimenta- em episódios de destruição de calçadas e avenidas de forma cres-
res muito dinâmicas que continu- cente, chegando a inviabilizar áreas residenciais em frente às praias.
amente se realinham de acordo Em praias com urbanização leve, provavelmente será mais econômi-
com o clima de ondas que as atin- co retroceder as benfeitorias públicas, como estradas, do que engor-
ge. Conforme as praias ao longo dar as praias. Já em zonas costeiras que vierem a ser urbanizadas no
de um arco (por exemplo, Arpoa- futuro, é imperativo respeitar uma maior distância em relação à linha
dor-Ipanema-Leblon) são atingidas de orla e, em nenhuma hipótese, ocupar ou aprisionar a primeira
por ondas típicas de bom tempo linha de dunas sob avenidas ou calçadas. Basicamente, este é o erro
ou por ondas de ressacas, a areia em quase todas as cidades costeiras. Nas praias do município do
vai sendo transportada de um lado Rio de Janeiro, avenidas e calçadas foram construídas desse modo,
para o outro, de modo que às ve- retirando a areia das dunas do estoque estratégico para proteção
zes uma ponta fica com mais sedi- da praia e do litoral.
mento do que outra, e vice-versa. Ações em áreas rebaixadas de baías e sistemas lagunares. Essas são
Ao longo dos anos, porém, tende as intervenções mais complexas social e politicamente, por envolve-
a haver um equilíbrio nesse volume rem a transferência das pessoas para outras áreas e o desmanche
transportado. da urbanização nas áreas de depressões natu-
Vez por outra, no entanto, fe- rais, mais vulneráveis a alagamentos ou que pas-
nômenos naturais causam um forte desequilíbrio, sarão a ter crescentes problemas de inundação.
como em anos de El Niño forte, quando a circula- Na sequência, as áreas desocupadas devem ser
ção atmosférica alterada muda os ventos e o clima rapidamente transformadas em parques ou áreas
de ondas. Ainda no exemplo da praia do Arpoador- de recreação para uso da população. O objetivo
-Ipanema-Leblon, nessas ocasiões o balanço do vai além do lazer. Em situações de marés altas e
transporte de sedimentos se desequilibra, levando a chuvas intensas, essas áreas funcionariam como
um grande acúmulo no Leblon e déficit no Arpoador.
Com as mudanças climáticas, espera-se que efeitos MAPA 4: Áreas vulneráveis a redefinição da linha
de costa pela elevação do nível médio do mar
assim tornem-se persistentes.
As consequências podem ser graves, visto que
Região metropolitana
as praias são as melhores estruturas para proteção
1 - 1.5
do litoral. Tanto a turbulência na arrebentação das
0.5 - 1
ondas, causada pelas profundidades decrescentes
até 0.5
em direção ao litoral, quanto a existência de gran-
de quantidade de areia para ser transportada pelas
paracambí duque de
correntes, são muito eficientes para dissipar a ener- caxias
gia das ondas de uma ressaca. Isso acaba se o esto- japerí nova iguaçu
que de areia for limitado, e as ondas começarem a
queimados belford
atingir estruturas na retro-praia. roxo
são joão
seropédica
Ações de engenharia para mesquita do mirití

prevenção e remediação nilópolis


itaguaí
Basicamente dois grupos de intervenções de en-
genharia são primordiais para prevenir, mitigar e re-
rio de janeiro
mediar as consequências das mudanças climáticas
em zonas costeiras urbanizadas:
Em praias oceânicas em áreas urbanas ou com
estruturas na retro-praia, a melhor solução é au-
mentar o estoque de areia – fazer o engordamento mangaratiba

12
zonas estratégicas de amortecimento e acumulação de água (po- como áreas contíguas à linha de
tenciais piscinões naturais), de modo a mitigar efeitos que de outra costa que tenham altitude menor
forma ocorreriam mais intensamente em áreas vizinhas. do que 10 metros acima do nível
Para as regiões propensas a alagamentos crescentes, mas em que é do mar em toda RMRJ.
muito difícil transferir a população e desfazer a urbanização, a sugestão O mapa 4 (abaixo) mostra
é que se projetem sistemas de diques e comportas. Mas a alternativa as possíveis consequências da
deve ser restrita a casos excepcionais, uma vez que envolve alto custo e elevação do NMM para a linha
dificuldades operacionais. de costa da RMRJ. É possível no-
Para lidar melhor com as regiões mais vulneráveis a alagamentos e tar que três áreas se destacam
inundações, é importante fazer sua demarcação precisa, com levan- como mais vulneráveis a altera-
tamentos topográficos com altimetria detalhada, pelo menos entre as ções: o litoral do município do Rio
cotas do NMM e de 2,5m acima. Nesta faixa, as linhas de nível devem de Janeiro voltado para a Baía
ser definidas no mínimo a cada 0,5m. de Sepetiba; a Baixada e o Sis-
Nessas regiões, também há que se considerar o potencial problema tema Lagunar de Jacarepaguá,
de captação de água salobra, decorrente da maior intrusão salina devi- também no município do Rio; e a
do à subida persistente do NMM e na sinergia com as marés meteoroló- porção nordeste da linha de cos-
gicas, para o qual deve-se prever a realocação dos pontos de captação. ta da Baía de Guanabara, onde
se localiza a APA (Área de Prote-
Redefinição da linha de costa ção Ambiental) de Guapimirim,
Mapeamento feito pelo Instituto Pereira Passos proje- conhecida por sua extensa vegetação de mangue.
tou como será redefinida a linha de costa no município Nos três cenários, Rio de Janeiro, São Gonçalo
do Rio de Janeiro e de toda a orla da Baía de Guana- e Guapimirim aparecem como os municípios mais
bara a partir de três diferentes cenários de elevação do afetados. No cenário mais pessimista, o Rio pode ter
NMM (0,5 metro, 1 m e 1,5 m). Foram avaliadas apenas mais de 10% de sua área total atingida, São Gonçalo,
as áreas com base cartográfica disponível e de quali- 8%, e Guapimirim, 6%.
dade satisfatória com escala de no mínimo 1:10.000 O caso que pode ser considerado o mais crítico na
Também foram mapeadas as LECZ, definidas capital é o da Baixada de Jacarepaguá, onde o sis-
tema lagunar de mesmo nome pode ver seu espelho
d´água se expandir e atingir muitas áreas ocupadas
que estão em sua faixa marginal, como o bairro do Ita-
nhangá, a comunidade de Rio das Pedras e as áreas já
inundáveis da região das Vargens. Também na capital,
cachoeira
de macacu seriam afetadas áreas adjacentes à Baía de Sepetiba,
guarapirim
compostas, ao sul, por vegetação preservada de man-

magé

TABELA 2: Área atingida por município para cada cenário de


elevação do NMM e quanto isso representa de sua área total

Área atingida Área atingida


Municípios
acumulada (km2) relativa (%)
itaboraí
Até 0,5m Até 1,0m Até 1,5m até 1,5m
tanguá Belfort Roox 0,0005 0,37 0,72 0,9%
Duque de caxias 2,01 3,38 10,50 2,2%
são gonçalo
Guapimirim 2,48 14,73 21,37 5,9%
Itaboraí 3,36 10,52 15,33 3,6%
niterói maricá Magé 0,84 3,09 8,63 2,2%
Niterói 0,29 0,80 1,98 1,5%
Rio de Janeiro 29,66 83,02 124,67 10,3%
São Gonçalo 3,17 12,77 20,27 8,1%

10 5 0 10 20 30 km S. João de meriti 0,00 0,0029 0,03 0,1%

13
RMRJ e a s v u l n er a b i li dad es Às mudanÇas cli mÁti ca s

gue e de restinga, que são protegidas por unidades palmente em sua parte sudoeste, a região oceânica
de conservação (Reserva Biológica e Arqueológica de de Niterói, a porção sul dos municípios de Seropédica e
Guaratiba e APA da Orla da Baía de Sepetiba). Itaguaí e algumas baixadas confinadas pela Serra do
Fora do município sede metropolitano, a região que Mar em Mangaratiba, além das regiões de Caju, Maré,
mais se destaca no mapeamento é a dos manguezais Ilha do Fundão e Ilha do Governador no município do
de Guapimirim, abrangendo os municípios de Guapi- Rio. No noroeste da Baía de Guanabara, as obras das
mirim, São Gonçalo, Itaboraí e Magé. Parte desta área futuras instalações do Comperj também têm parte de
tem algumas semelhanças com Guaratiba, como sua área inserida nas LECZs.
o fato de ser protegida por uma unidade de conser- É importante considerar esses dados diante das ta-
vação (APA de Guapimirim). Mas algumas áreas de xas de crescimento populacional, como mostrado no
Magé e São Gonçalo apresentam ocupação, gerando mapa 1 (págs. 6 e 7).
potenciais impactos na população local. As altas taxas de crescimento populacional dos
Quanto às LECZ, os novos cálculos mostraram que municípios de Maricá e Mangaratiba chamam a
elas representam 18% da área da RMRJ, ou seja, 1202 atenção, visto que os dois locais apresentam exten-
km² se enquadram nessa categoria. Em todo o mun- sas áreas vulneráveis, de acordo com o mapeamen-
do, quase dois terços dos assentamentos urbanos com to das LECZ. Itaboraí também merece destaque, já
mais de 5 milhões de pessoas estão total ou parcial- que seu relevante crescimento populacional deve
mente inseridos em LECZ. Estimativa para o ano 2000 se intensificar com as obras e a entrada em opera-
era de que essas zonas ocupariam 2% da superfície ção do Comperj. Por situação semelhante passam
terrestre e conteriam 10% da população mundial. As- Itaguaí e a região do Distrito Industrial de Santa Cruz,
sentamentos urbanos localizados nessas regiões confi- na capital, que são alvo de grandes investimentos
guram um cenário de risco. e passam por crescimento populacional, em uma
Neste mapeamento mais abrangente, destacam-se área costeira com uso portuário que os dois mapea-
como áreas vulneráveis o município de Maricá, princi- mentos destacam como vulnerável.

MAPA 5: Zonas Costeiras de Baixa Elevação (LECZ) na RMRJ


Fonte dos dados básicos: Imagens SRTM

Região metropolitana
LECZ

cachoeira
de macacu
guarapirim
magé
nova iguaçu duque
paracambí de
caxias
japerí
belford
queimados roxo
seropédica são joão itaboraí
mesquita do mirití tanguá
itaguaí nilópolis
são gonçalo

mangaratiba niterói maricá


rio de janeiro

10 5 0 10 20 30 km

14
VULNERABILIDADES
PARTE 2

DOS SISTEMAS
NATURAIS

A
biodiversidade da Mata Atlântica, os manguezais
e as lagoas do Rio de Janeiro já estão bastante
impactados por atividades antrópicas. Com
as mudanças climáticas, aumenta o risco de
extinção de espécies, os mangues têm sua
integridade ambiental ameaçada e as lagoas podem sofrem
com o aumento do nível do mar.

Impactos na biodiversidade quais são indicados cenários de perda de espécies


A RMRJ está inserida em um dos setores do bio- da fauna e flora em níveis sem precedentes, ainda
ma Mata Atlântica mais ricos em biodiversidade, o para este século.
que se deve, em grande parte, à variedade de paisa- Na RMRJ, o aumento da frequência e intensidade
gens naturais que ocorrem desde o nível do mar até de eventos meteorológicos extremos e alterações na
as maiores elevações (cerca de 2.000 m) da serra temperatura e precipitação promoverão a perda de
dos Órgãos, a norte. A conservação dessa diversida- habitats e alterações na composição geral das espé-
de já vem sendo severamente afetada por ativida- cies. Nos ecossistemas terrestres, as áreas mais afeta-
des antrópicas diversas, o que reflete no crescente das serão as encostas das serras e
número de espécies da fauna e flora vulneráveis ou dos maciços litorâneos, onde são
criticamente ameaçadas de extinção. E os impactos observados os remanescentes de
das mudanças climáticas devem aumentar as chances de extinção, vegetação nativa mais significa-
particularmente de espécies com reduzida ou ausente capacidade de tivos, em extensão e qualidade.
locomoção, associadas a espaços geográficos muito restritos e particu- Modelagem feita por Alexandre F.
lares ou incapazes de efetuar ajustamentos fisiológicos aos novos pa- Colombo, da Unicamp, em 2007,
drões climáticos. com 38 espécies de árvores da
O conhecimento acumulado, até o momento, sobre os impactos das Mata Atlântica, projetou uma re-
mudanças climáticas na biodiversidade brasileira é bastante limitado, a dução de área de ocorrência de
despeito de o país deter a maior biodiversidade do planeta. Restringe-se 25%, no cenário otimista, e de 50%,
a apontamentos gerais sobre os efeitos nos principais biomas, para os no pessimista4, para o conjunto
das espécies.
4 Para o cenário otimista, foi previsto um aumento anual de 0,5% na concentração de CO2 e aumento médio da tem- Há, também, claras evidências
peratura de até 2 °C. No cenário pessimista, o aumento médio na concentração de CO2 atmosférico seria de 1%, com
elevação de 4 °C na temperatura até 2050 (Colombo, 2007). de que nas latitudes mais quen-

15
RMRJ e a s v u l n er a b i li dad es Às mudanÇas cli mÁti ca s

tes as florestas tropicais de altitude poderão se tornar mais secas e se- Com relação à fauna, algu-
rem invadidas por espécies de altitudes mais baixas, conforme sugere mas espécies de peixes continen-
o artigo publicado por J. Alan Pounds e colegas na revista Nature, em tais endêmicos da bacia drenan-
1999. No caso da RMRJ, as regiões mais elevadas poderão ser progres- te a Baía de Guanabara podem
sivamente ocupadas por elementos típicos de paisagens abertas de ser particularmente prejudicadas
biomas vizinhos, como o Cerrado. por alterações em seus habitats,
As mudanças climáticas apresentam, também, o potencial de inter- como é o caso dos peixes-das-
ferir na distribuição, na abundância e nos impactos causados por espé- -nuvens (Leptolebias spp). Sete
cies invasoras. A dispersão desses organismos pode ser potencializada das nove espécies do gênero ha-
pela retração de área de vida das espécies nativas que competem pe- bitam brejos sazonais das restin-
los mesmos recursos naturais e tendem a sucumbir às novas condições gas de Maricá e florestas densas
climáticas. Este pode ser o caso específico de um grupo de símios da do médio curso de pequenos rios
família Callithrycidae encontrado no Parque Nacional (Parna) da Serra que descem da região serrana.
dos Órgãos. O sagui-de-tufos-brancos (Callithryx jacchus) e o sagui-de- Devido a drásticas alterações an-
-tufos-pretos (Callithryx penicillata), típicos representantes da Caatinga trópicas no ambiente natural des-
e do Cerrado, respectivamente, vêm ocupando, progressivamente, a ses peixes, duas espécies podem
área de vida do sagui-da-serra-escuro (Callythryx aurita), espécie endê- já estar extintas, sendo que as
mica e ameaçada que habita as matas úmidas dos estados de Minas demais encontram-se altamente
Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. ameaçadas de extinção. O gru-
Os ecossistemas aquáticos continentais, por seu turno, sofrerão com po é, portanto, extremamente vul-
sucessivos períodos de déficits hídricos, em cenários climáticos de re- nerável a mudanças no regime
dução progressiva da precipitação. A qualidade da água também po- hídrico de pequenos rios e brejos
derá ser afetada, em função dos que possam se manifestar no lon-
processos erosivos a montante, go prazo, e por fenômenos hidro-
que determinariam alterações na meteorológicos extremos, já no curto prazo.
quantidade e qualidade da ma-
téria orgânica que aporta a es- Savanização da vegetação
ses ecossistemas, interferindo na Modelagens feitas por Carlos Nobre e colegas do INPE-CPTEC e pu-
biomassa total, produtividade e blicadas em 2008 sugeriram que, até o final deste século, o clima da
composição de espécies, promo- Região das Baixadas Litorâneas será compatível com uma vegetação
vendo rupturas nas teias tróficas. de “savana”, com redução no porte e densidade das plantas. Savanas

16
também ocuparão a porção norte do Estado, substituindo a escassa e
altamente fragmentada floresta estacional remanescente. Nas regiões
Centro-sul e Médio Paraíba, a floresta ombrófila cederia espaço para
uma vegetação estacional.
As implicações desses resultados para a vegetação do Rio de Ja-
neiro são perturbadoras. Muito embora a resolução espacial do mode-
lo não permita determinar alterações na vegetação com a precisão
necessária para avaliar as reais consequências na biodiversidade, as
mudanças apontadas com relação à distribuição espacial das duas
principais fitofisionomias – as florestas ombrófila e estacional – apontam
para o potencial recrudescimento quali-quantitativo do universo de es-
pécies da fauna e flora.
Atualmente, a Floresta Ombró-
fila Densa, por ação antrópica Diante desse quadro e da precariedade material, técnica e humana
(queimadas, abertura de estra- das unidades de conservação do Estado, o futuro não é muito promissor
das, ocupação irregular de áre- para a biodiversidade regional. Os hiatos entre os remanescentes de
as de risco, expansão da malha vegetação nativa que, hoje, já restringem deslocamentos da fauna e
urbana e da agricultura e, até dispersão de espécies da flora, no futuro representarão barreiras geo-
mesmo, poluição) está reduzida a gráficas intransponíveis para espécies que, eventualmente, poderiam se
uma coleção de fragmentos pul- deslocar livremente para se adaptarem as novas condições de clima.
verizados no espaço, dos quais Premidas de sua área de vida ou de corredores de deslocamento e
somente cerca de 2,3% possuem dispersão, espécies “criticamente ameaçadas” poderão ser extintas, ao
mais de 100 hectares. A fragmen- passo que as “ameaçadas” ou “vulneráveis” serão mais raras ou tam-
tação da vegetação nativa é um bém desaparecerão, nas próximas décadas.
dos principais vetores de extinção
de espécies, que, em sinergia com Vulnerabilidade dos manguezais
eventos meteorológicos extremos, Um ecossistema que merece uma atenção especial em relação aos
pode causar danos irreparáveis impactos das mudanças climáticas são os manguezais, conjunto de ve-
aos ecossistemas. De fato, cicatri- getação que ocupa as áreas entremarés. De um modo geral eles são
zes erosivas no manto florestal das vitais na manutenção da integridade ambiental, social e econômica das
encostas potencializam o efeito regiões costeiras. Talvez sua função mais conhecida seja a de área de
de borda, sujeitando a vegeta- abrigo, reprodução, desenvolvimento e alimentação de espécies mari-
ção adjacente a aumentos dos nhas, estuarinas, límnicas e terrestres. Mas os manguezais também são
níveis de insolação, temperatura, fonte de matéria orgânica para as águas costeiras adjacentes, constituin-
ventos e redução da umidade do a base da cadeia trófica de espécies de importância econômica e/
do ar. Além disso, rupturas mal ou ecológica. Eles ainda: atuam na proteção da linha de costa, evitando
“cicatrizadas” podem induzir no- sua erosão e o assoreamento dos corpos d’água adjacentes; controlam
vos processos de deslizamento de a vazão, previnem contra inundações e protegem contra tempestades;
massa em áreas adjacentes, po- absorvem produtos químicos, servindo como filtro de poluentes e sedi-
tencializando a perda de habitats mentos, além de tratarem de esgotos em seus diferentes níveis.
em décadas. Alguns dos grandes O Núcleo de Estudos em Manguezais da Faculdade de Oceanogra-
deslizamentos ocorridos em 1996 fia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (NEMA/UERJ) tem mo-
no maciço da Tijuca, na cidade nitorado essas florestas desde 1996, possuindo uma singular série tem-
do Rio de Janeiro, por exemplo, poral de sua dinâmica. A partir dessa base de dados, analisamos como
manifestaram-se em áreas con- os manguezais devem se comportar diante de uma elevação do nível
tíguas a clareiras originadas das relativo do mar.
chuvas intensas de 1988. Foram avaliados os municípios da RMRJ que possuem fronteira com
ambientes marinho ou estuarino: Itaguaí, Rio de Janeiro, Duque de Ca-
xias, São Gonçalo, Itaboraí, Magé, Guapimirim, Niterói e Maricá, distribuí-

17
RMRJ e a s v u l n er a b i li dad es Às mudanÇas cli mÁti ca s

MAPA 6: Remanescentes de manguezal na RMRJ

arco metropolitano

itaguaí

3
4
2 csa
mangaratiba
rio de janeiro
1 5

6
7

baía de sepetiba 9
8
10

18
guaramirim

magé

duque de caxias

19 20
18

itaboraí
17 21
16

15 baía de
GUANABARA comperj
22

14

são gonçalo

13

niterói maricá

23

11 12

12 Lagoa Rodrigo de Freitas


1 Ilha Itacuruçá 13 Ilha do Fundão
2 Itacuruçá 14 Jequiá (Ilha do Governador)
3 Coroa Grande 15 Duque de Caxias
4 Ilha da Madeira 16 REDUC
5 Sepetiba Oeste) 17 Mauá
6 Sepetiba (leste) 18 Rio Suruí
7 Pedra de... 19 Rio Iriri
8 Restinga da Marambaia 20 Piedade
9 Guaratiba 21 Área de Proteção Ambiental Guapimirim
10 Grumari / Estação Ecológica Guanabara
11 Sistema Lagunar Jacarepaguá 22 Itaóca
- Barra da Tijuca 23 Lagoa de Itaipu

19
RMRJ e a s v u l n er a b i li dad es Às mudanÇas cli mÁti ca s

dos em dois sistemas principais – baías de Sepetiba e Guanabara. Neles


foram identificados todos os remanescentes de manguezais, com base nutenção dessas florestas, pela
no conhecimento prévio da região e na análise de imagens de satélites. duplicação da avenida das Amé-
A principal resposta esperada para os manguezais da RMRJ é a ricas, que pode se tornar uma
acomodação, através de retração em direção à planície costeira em barreira à migração do sistema
regiões onde houver área que possibilite essa migração. Todavia, a ma- em direção ao continente, e a
nutenção dessas florestas no novo cenário dependerá da ocupação expansão urbana nessa direção,
urbana nas áreas vizinhas. Os manguezais foram classificados quanto que inclui a construção do túnel
a sua vulnerabilidade à elevação do nível médio do mar, considerando da Grota Funda.
taxas de 0,5 metro, 1 m e 1,5 m até o final do século. Os manguezais encontrados
As florestas classificadas como de alta vulnerabilidade foram aque- na porção central da APA Gua-
las localizadas em regiões sem área disponível para sua acomodação/ pimirim e da Estação Escológica
retração, como aquelas próximas a montanhas ou associadas a planí- Guanabara, entre os rios Guapi
cies altamente urbanizadas ou ainda com algum tipo de obstáculo a e Guaxindiba, se encontram em
sua retração em direção ao continente (como estradas e vias urbanas). uma situação semelhante. Apesar
Destaca-se nessa categoria grande parte dos remanescentes localiza- de também atualmente classifica-
dos na Baía de Guanabara (Duque de Caxias, REDUC, Jequiá, Fundão dos como de baixa vulnerabilida-
e Itaóca), na Baía de Sepetiba (Coroa Grande, leste da Ilha da Madeira, de, podem ter esse status alterado
oeste de Sepetiba e Pedra de Guaratiba), além dos sistemas lagunares com a instalação do Comperj e
de Jacarepaguá, Rodrigo de Freitas e Itaipu. a construção do Arco Metropolita-
Merece atenção o caso da faixa de mangue que se estende ao lon- no do Rio de Janeiro.
go da orla que vai de Sepetiba ao limite dos municípios do Rio de Janei- As atividades do complexo pe-
ro e Itaguaí. Em 2008, a região foi considerada de baixa vulnerabilidade. troquímico podem afetar o vigor
Passados dois anos, a porção oeste dessa faixa foi inserida na categoria e a integridade dos manguezais
de alta vulnerabilidade pela perda de sua área de acomodação devi- dessas duas UCs, aumentando
do à instalação da Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA). sua vulnerabilidade à elevação do
Esse é um exemplo de como o planejamento inadequado pode nível do mar. O empreendimento e
comprometer os ecossistemas. Também reforça a necessidade urgente o Arco Metropolitano representam
de se internalizar nos processos de planejamento urbano e de licen- vetores de crescimento local por
ciamento ambiental as variáveis relacionadas às mudanças climáticas, atrair outras empresas, que tam-
incluindo os aspectos associados às adaptações a tais mudanças. bém representam risco de conta-
Foram considerados com baixa vulnerabilidade os poucos manguezais minação desses manguezais, e
associados a uma planície costei- catalisar a ocupação e expansão
ra não urbanizada ou com baixa urbana sobre essa que é a ultima
urbanização, caracterizando uma área com baixa ocupação no entorno da Baía de Guanabara.
possível área para acomodação/
retração frente à elevação do ní- Vulnerabilidade das lagoas
vel do mar. É o caso da região de Os ecossistemas aquáticos continentais da RMRJ também podem
Guaratiba, onde a presença de ser impactados pela elevação no nível do mar. Do ponto de vista ecos-
planícies hipersalinas associadas sistêmico, as mudanças globais podem causar alterações nas lagoas
às florestas de mangue, bem como costeiras, como: substituição das comunidades animais e vegetais; ex-
de uma planície costeira quaterná- tinção de espécies (e perda de diversidade); aumento da concentra-
ria, já permite que os manguezais ção total de sais; aumento das concentrações de nutrientes; aumen-
migrem progressivamente em dire- to dos níveis de poluição; assoreamento; aumento de sua área total;
ção ao continente. mudança da fisionomia e descaracterização do ecossistema; aumento
Contudo, dependendo da da produção de gases tóxicos (gás sulfídrico e outros); perda de uso
taxa de elevação do nível médio contemplativo e recreativo; aumento da possibilidade da proliferação
relativo do mar, poderá haver no de algas tóxicas; e alteração da biodisponibilidade de metais pesados.
futuro um problema para a ma- Veja a seguir as projeções para os três principais sistemas:

20
Lagoa Rodrigo de Freitas peixes muito comuns na região
Por possuir maior cota altimétrica na sua área de entorno, ela não deve devido ao já avançado processo
apresentar grande expansão em área nem mesmo no cenário de maior de eutrofização.
elevação do nível do mar (1,5 m). Pontos no seu entorno que atualmente
sofrem com alagamentos durante períodos de chuvas extremas, como o Baixada de
Parque dos Patins, porém, podem ter uma incidência maior de inundações, Jacarepaguá
visto que se espera a ocorrência, com maior frequência, de eventos com- As lagoas dessa região são as
binados de mais chuva e marés de sizígia (as mais altas, que ocorrem nas mais vulneráveis à elevação do
luas nova e cheia). nível do mar. Um dos resultados
imediatos seria o aumento em
Complexo lagunar Piratininga-Itaipu área de seu espelho d’água e a
Apesar de a área de entorno apresentar uma cota altimétrica re- criação de novas áreas alagadas
lativamente alta, projetos que visam uma conexão fixa da lagoa com pela entrada de água marinha e
o mar podem trazer consequências diretas para a população em um também devido à elevação do
cenário de elevação do nível do nível do lençol freático. A amplitu-
mar. Além disso, o forte assorea- de desses novos pontos alagados
mento tanto do complexo quan- será determinada pelo nível da
to dos rios que fazem parte da elevação e topografia local. Os maiores aumentos de área lacustre são
sua bacia de drenagem, que já esperados para o complexo da Barra da Tijuca, mesmo no cenário mais
causou repetidos eventos de ala- otimista de elevação do nível do mar, se expandindo para os bairros Re-
gamento de regiões próximas, creio dos Bandeirantes e Vargem Grande. Como a ocupação das mar-
podem se tornar cada vez mais gens dessas lagoas ocorreu de forma desordenada, também se pode
comuns com um nível do mar esperar que a inundação de moradias seja mais regular, principalmente
mais elevado. A maior ocorrência em períodos de chuvas intensas ou de elevadas marés. A qualidade da
de eventos de fortes chuvas pode água dessas lagoas já é de forma geral baixa, e a expectativa é que
também aumentar a frequência piore com a maior ocorrência de eventos extremos, tornando-se um pro-
de episódios de mortandade de blema de saúde pública.

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RMRJ e a s v u l n er a b i li dad es Às mudanÇas cli mÁti ca s

VULNERABILIDADES
PARTE 3

SÓCIO-
ECONÔMICAS

A
s alterações esperadas para o clima nas
próximas décadas podem agravar os
problemas decorrentes de uma urbanização
desorganizada e causar sérios impactos na
infraestrutura de serviços públicos das cidades,
em especial sobre os sistemas de drenagem urbana, o
saneamento básico e a gestão dos resíduos sólidos.
infraestrutura de etapas dos sistemas de drenagem5, seja por erro de concepção, por falta
drenagem urbana de manutenção, por obsolescência ou pelo crescimento urbano desor-
Os registros de perdas econô- denado. Com as mudanças climáticas, e o provável aumento de ocor-
micas decorrentes de inundações rência de fenômenos extremos, é de se esperar que os atuais sistemas
e outras catástrofes climáticas em fiquem sobrecarregados e falhem com mais frequência, uma vez que
áreas urbanas ao longo das últi- maiores precipitações aumentarão as vazões geradas pelo ambiente ur-
mas décadas mostram uma ten- bano impermeabilizado. Em cidades costeiras, a elevação do nível médio
dência de aumento dos prejuízos do mar poderá restringir a descarga do sistema de drenagem.
associados a eles. De forma sim- O aumento da intensidade das chuvas extremas demanda amplia-
ples, pode-se dizer que a origem ção da rede de drenagem. O aumento do nível do mar, por sua vez,
das cheias está relacionada com gera uma restrição de descarga na foz, afetando a capacidade de es-
as chuvas intensas. Uma parcela coamento e fazendo o sistema de drenagem perder eficiência.
desta precipitação fica retida na Os efeitos gerados pela nova configuração dos eventos hidrológi-
copa vegetal e em depressões do cos para o futuro podem alterar fortemente a abrangência espacial de
terreno; parte se evapora. alagamentos, fazendo-os chegar
A urbanização, porém, atrapalha esse processo, uma vez que ocorre a locais antes não alagáveis. A
com remoção de vegetação nativa, aumento de impermeabilização população fica mais vulnerável e
do terreno e ocupação de áreas ribeirinhas. Além disso, a implantação
de uma rede de drenagem artificial acaba aumentando de forma sig-
5 Em geral, esses sistemas são formados por dois sub-
nificativa a velocidade de escoamento e dos picos de vazões de cheia. sistemas principais: a microdrenagem, composta pelos
pavimentos das ruas, sarjetas, bocas de lobo, galerias
Sem contar a obstrução de bocas de lobo, galerias e o assoreamento de águas pluviais e canais de pequenas dimensões; e a

de canais. macrodrenagem, constituída por canais de maiores


dimensões, que recebem as contribuições da microdre-
As cheias urbanas estão diretamente associadas a falhas nas várias nagem e as lançam no corpo receptor

22
23
RMRJ e a s v u l n er a b i li dad es Às mudanÇas cli mÁti ca s

aumentam os prejuízos materiais e perdas de vidas. de drenagem, favorecendo grandes extravasamentos


Considerando a extensão do município do Rio de da calha do rio.
Janeiro e a complexidade dos problemas de drena-
gem urbana, para os quais não existe uma solução- Bacia do Rio Joana
-padrão, é necessário analisar caso a caso quais Esta bacia possui uma área de drenagem de cer-
medidas estruturais e não estruturais podem ser ado- ca de 11 km². É densamente urbanizada e composta
tadas. A seguir, são apresentados prognósticos para pelos bairros do Grajaú, Andaraí, Vila Isabel, Tijuca e
as bacias do rio Acari e Joana, localizados na zona Maracanã, boa parte deles de classe média. A ba-
norte da cidade. Essas bacias foram selecionadas cia é atravessada por importantes vias de acesso
por serem áreas fortemente urbanizadas e sujeitas a ao centro do município e à região de Jacarepaguá,
alagamentos e por disporem de uma base de mo- como a rua São Francisco Xavier e as avenidas Ra-
delagem computacional desenvolvida em estudos dial Oeste e Maracanã.
contratados anteriormente pela Subsecretaria de O rio Joana está totalmente canalizado e segue
Águas Municipais do Rio de Janeiro . 6
boa parte de sua trajetória paralelo à rua Maxwell,
seguindo em direção à UERJ e ao Maracanã. Na se-
Bacia do rio Acari quência, atravessa a avenida Radial Oeste até con-
A bacia do rio Acari possui uma área de drena- fluir para o rio Maracanã e desaguar no Canal do
gem de cerca de 107 km² e é composta por diversos Mangue, para chegar à Baía de Guanabara. Tam-
bairros densamente povoados, como Jardim América, bém faz parte da bacia o rio Trapicheiro, que pas-
Acari, Parque Colúmbia, Coelho Neto, Barros Filho e sa por baixo da Praça da Bandeira, um dos locais
Pavuna. A região apresenta grande quantidade de mais emblemáticos na cidade em alagamentos,
pessoas carentes, bem como serviços de saneamen- por afetar seriamente a ligação
to ambiental inadequados ou ineficientes, com diver- viária entre as zonas sul, norte e o
sas áreas de urbanização irregular. centro em eventos chuvosos mais
O rio Acari se encontra com o rio Pavuna para for- severos.
mar o rio São João de Meriti, que As regiões de Andaraí e Ma-
deságua na Baía de Guanabara. Importantes vias de tráfego atraves- racanã, próximo à foz, são os lo-
sam a bacia, como, por exemplo, as avenidas Brasil e Martin Luther King; cais que já apresentam maiores
a rodovia Presidente Dutra e a linha Vermelha. Durante a ocorrência de alagamentos, com a água alcan-
grandes tempestades, observam-se lâminas de alagamento variando en- çando altura de 0,75 m. Nas pro-
tre 0,20 m e 2 m. jeções futuras, porém, as lâminas
Atualmente já existem pontos críticos de alagamento na bacia. No de alagamento da bacia quase
bairro Acari, na margem esquerda do rio, o alagamento passa de 0,75 m não se alteraram nos diferentes
de altura. Próximo à avenida Brasil, na altura de Barros Filho e na comuni- cenários de mudanças da preci-
dade Parque Bela Vista, a situação atual também é crítica. As alturas de pitação e maré.
alagamento são superiores a 1 m. Dois motivos podem explicar
Considerando um aumento de 10% na precipitação máxima e três essa pequena alteração, mesmo
cenários de elevação do nível do mar (0,5 metro, 1 m e 1,5 m), a região com uma elevação de 1,50 m no
da foz do rio e a margem direita na altura do bairro Acari são as mais afe- nível do mar: a distância da foz
tadas. Na foz do rio Acari, locais em que hoje a altura da água é de até à Baía da Guanabara e a pre-
0,15 m, podem passar a ter alagamento de até 1,50 m no pior caso. Já sença de grandes áreas alaga-
no bairro Acari, a margem direita, que já registra alturas da ordem de 0,30 das junto à foz do rio, bem como
m, aparece no pior cenário com cotas de até 1 m. Apesar deste rio não da foz até o deságue na bacia,
desaguar diretamente na Baía de Guanabara, a elevação de 1,5 m no ní- incluindo a região da Praça da
vel médio do mar restringiria os escoamentos e comprometeria o sistema Bandeira. Essas áreas funcionam,
indesejavelmente, como reser-
6 Foram usados os modelos MODCEL (Miguez, 2001; Mascarenhas & Miguez, 2005) para a análise do comportamento vatórios e permitem um grande
da bacia e de intervenções de controle de cheias que permite mapear manchas de inundação para toda a região
modelada, e o Sistema HIDROFLU (Magalhães et al., 2005), que integra e automatiza uma série de estudos hidrológicos
armazenamento da água de
aplicáveis a bacias de pequeno e médio porte. chuva na forma de alagamen-

24
tos. Analisando a cota de alagamento da Praça da próximas ao mar, porém, pode demandar medidas
Bandeira, a água chega hoje a uma altura máxima mais drásticas, como a proposição de polders para
de 1,20 m. Nos cenários futuros, ocorre um acrésci- a proteção das áreas urbanizadas. Esta solução, de
mo de até 0,50 m. caráter corretivo tradicional, combinaria o uso de
Diante dessas previsões, e do cenário atual de diques, controlando a saída da rede de drenagem
inundações no município, é preciso adotar medidas para o mar através de comportas. Só que isso gera a
estruturais e não estruturais. As primeiras, que modifi- necessidade de grandes áreas de armazenamento
cam a paisagem da bacia com intervenções dentro temporário de volumes de água, agravando o risco
e fora da rede de drenagem, são particularmente ne- de acidentes pela possibilidade de ruptura de uma
cessárias em locais de urbanização intensa em que dessas estruturas.
os problemas de cheia já ocorrem. As obras podem É recomendável, também, adotar um sistema de
minimizar os impactos de enchentes e permitir a reor- alerta e um plano de contingência no caso de even-
denação dos escoamentos no tempo e no espaço. tos excepcionais. E criar um plano diretor de drena-
As medidas não-estruturais buscam estabelecer con- gem urbana que considere os cenários futuros de
dições de convívio harmonioso com a ocorrência de mudanças climáticas e prepare a cidade para lidar
enchentes e são importantes no planejamento a mé- com este problema, buscando uma interação mais
dio e longo prazo. Podem estar associadas ao zone- harmônica com o ambiente.
amento de cheias, ao estabelecimento de limites de
impermeabilização, à confecção de planos diretores saneamento
de manejo de águas pluviais e a ações de educação ambiental. ambiental
Tendo em vista as mudanças climáticas, é preciso pensar também São várias as formas como as
em medidas mais sustentáveis que visem resgatar a capacidade de mudanças climáticas poderão
armazenagem e infiltração da bacia. Assim é possível diminuir a depen- afetar a disponibilidade hídrica
dência do sistema de drenagem em relação às dimensões da rede e da e a prestação dos serviços de
capacidade de descarga no exutório, passando a ter uma prevenção abastecimento d’água e esgota-
contra os efeitos de possíveis mudanças climáticas. Essas medidas fo- mento sanitário. Dentre elas vale
cam a causa do processo, ou seja, a própria geração de escoamentos. destacar:
O agravamento do problema de cheias em áreas muito baixas e
modificações na sazonalidade,
na distribuição espacial e nos
regimes das chuvas influencia-
rão na disponibilidade e qua-
lidade dos recursos hídricos e
podem levar a disputas pelo
uso da água.
prolongadas e frequentes
estiagens também podem
comprometer a qualidade de
mananciais superficiais e sub-
terrâneos - com menos chuvas,
diminui a diluição de poluen-
tes provenientes de esgotos sa-
nitários e efluentes industriais
não tratados.

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RMRJ e a s v u l n er a b i li dad es Às mudanÇas cli mÁti ca s

mais chuvas intensas e menor da mesma forma, poderão estar sujeitas aos mesmos efeitos as in-
permeabilidade do solo decor- dústrias localizadas próximas a estuários que captam água direta-
rente de longos períodos de mente nos rios.
seca farão com que a recarga a elevação do nível do mar poderá impedir o escoamento hidráulico
dos aquíferos subterrâneos seja em superfície livre que usualmente rege o lançamento de efluentes
insuficiente. tratados de estações de tratamento de esgotos em corpos d’água
em áreas costeiras, a elevação receptores.
do nível do mar sujeitará os cur- sempre que ocorrerem inundações de áreas urbanas pela elevação
sos d’água de planície e aquí- do nível do mar, as estações de tratamento de esgoto (ETEs) poderão
feros à influência das águas ser fisicamente afetadas pelo fato de usualmente serem localizadas
salgadas. próximas aos corpos d’água receptores.
a elevação da temperatura po- o incremento da frequência e da intensidade de chuvas também
derá significar o aumento da tenderá a promover a elevação do lençol freático subterrâneo e a
perda física de água pelos sis- saturação do solo, comprometendo o funcionamento de poços ab-
temas através da evaporação sorventes de esgotos tratados – do tipo “sumidouros”.
em reservatórios. áreas urbanas desprovidas de rede coletora de esgotos e de gale-
a elevação do nível do mar po- rias de águas pluviais e que hoje em dia ainda contam com valas
derá impor o reassentamento negras para o escoamento conjunto de águas pluviais e esgotos sa-
de populações e talvez a ne- nitários, estarão em situação sanitária-ambiental ainda mais adversa
cessidade de recorrer a novos no caso de chuvas mais intensas e frequentes
mananciais e infraestrutura
para a prestação dos serviços gestão dos resíduos sólidos
de abastecimento de água e Segundo o Panorama Nacional dos Resíduos Sólidos de 2009 orga-
esgotamento sanitário. nizado por Abrelpe (Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pú-
a elevação da temperatura po- blica) e Secretaria Estadual do Ambiente, são gerados cerca de 18.800
derá fazer o consumo de água toneladas/dia de resíduos no Estado, sendo 75% deles na RMRJ. Do total
crescer em até 20%, o que de- coletado, 33% ainda são dispostos em aterros controlados e lixões. Além
mandará a extração de maio- da disposição inadequada, os serviços de coleta não são universali-
res quantidades de água de zados. Onde eles não chegam, é comum o descarte dos resíduos em
mananciais que eventualmen- encostas, logradouros, rios e canais, o que causa danos ao meio am-
te já poderão apresentar sinais biente, à saúde pública e aos sistemas de micro e macro drenagem,
de esgotamento. além de provocar deslizamentos que comprometem vidas e destroem
em corpos d’água poluídos, o bens materiais.
aumento da temperatura po- Tanto o governo estadual quanto os municipais da maioria das cida-
derá acelerar a velocidade das des da RMRJ estão se mobilizando para gerir melhor os resíduos, com
reações de decomposição de a construção de aterros sanitários mais seguros e o desenvolvimento
poluentes e de solubilidade de de programas de adequação, recuperação e encerramento das uni-
gases, afetando ainda mais a
qualidade da água.
com o aumento das chuvas intensas e do escoamento, as águas
dos mananciais superficiais tendem a apresentar sobre-elevação da
turbidez, da contaminação fecal e de outros parâmetros físico-quí-
micos, requerendo um esforço maior nas Estações de Tratamento de
Águas para chegar ao padrão de potabilidade, o que tende a elevar
os custos dos serviços e as tarifas cobradas aos usuários.
o aumento das inundações devidas ao escoamento instantâneo do
volume de água represado também ameaça a segurança estrutural
das barragens de nível.

26
dades existentes. É preciso, no en- to de estudos específicos das prefeituras, que deverão criar pon-
tanto, implementar mecanismos tos para armazenamento em cotas topográficas mais elevadas.
que permitam a sustentabilida- O aumento de episódios de tempestades também pode piorar o já
de econômica dos novos aterros existente cenário de lixo sendo arrastado pelas chuvas para logra-
para impedir que eventuais dificul- douros, rios, lagoas e baías, contribuindo ainda mais para seu assore-
dades financeiras das prefeituras amento, a redução da qualidade da limpeza e a poluição ambiental
transformem-nos em lixões, o que de corpos hídricos.
ocorre com frequência no país. E
num cenário de mudanças climá- O aumento da frequência e da intensidade de rajadas de ventos e
ticas, é recomendável pensar em chuvas também irá alterar bastante os serviços de varrição de ruas
todas as etapas da cadeia do lixo: e áreas públicas das cidades.
Rajadas de ventos e ciclones
O acondicionamento precário dos resíduos e a irregularidade nos causam o desfolhamento pre-
serviços de coleta, ou mesmo sua inexistência em alguns lugares, maturo de árvores, aumentan-
já são um problema quando ocorrem fortes precipitações, uma vez do a quantidade de resíduos
que os resíduos são carregados para os sistemas de drenagem de a serem varridos. Nas cidades
águas pluviais, obstruindo galerias e canais e causando grandes mais arborizadas, os fortes ven-
alagamentos nas cidades. Com o aumento previsto da intensidade tos associados a tempestades
e da ocorrência de grandes tempestades, este mau comportamento já têm causado o entupimento
da população e um precário serviço público em comunidades situa- dos sistemas de drenagens pe-
das em encostas poderão aumentar ainda mais os riscos de desliza- las folhas e pelos resíduos não
mentos em função da provável obstrução dos canais de drenagem. varridos, aumentando os ala-
Nas áreas de baixadas, que são suscetíveis a inundações por in- gamentos. Rios e canais que
tensas precipitações ou pelo aumento no nível de oceanos e não estiverem com seus leitos
baías, o sistema de acondicionamento de lixo deverá ser obje- limpos e desobstruídos não

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RMRJ e a s v u l n er a b i li dad es Às mudanÇas cli mÁti ca s

mapa 7 na pág. ao lado). A elevação do nível do mar poderá causar


alagamento parcial ou total dos aterros Itaóca, em São Gonçalo, e
o de Jardim Gramacho, em Duque de Caxias (a principal unidade
de destinação final de resíduos sólidos da RMRJ, que recebe 70% dos
resíduos coletados na capital), ambos situados às margens da Baía
de Guanabara.
O pior cenário será o de combinação de fortes tempestades com
marés de sizígia. Nessa situação, a elevação do nível da Baía de
Guanabara e a expansão do espelho d’água impedirá que os
atuais sistemas de drenagem de águas pluviais funcionem ade-
quadamente, retendo o chorume e a água de chuva nos aterros.
Essa retenção poderá causar erosões nos taludes acabados, in-
filtração de água nos maciços de lixo, desestabilização dos ta-
suportarão a vazão excedente ludes e finalmente, a ruptura dos aterros, com o chorume sendo
das tempestades e transborda- carregado em grandes quantidades para a Baía de Guanabara.
rão, alagando as faixas margi- No Aterro de Gramacho, a situação é ainda mais crítica, pois ele
nais e destruindo habitações ir- está localizado próximo à foz dos rios Iguaçu e Sarapuí. Uma rup-
regulares construídas em áreas tura do aterro com o consequente assoreamento do leito desses
não edificantes. Nas orlas das rios poderá ocasionar o alagamento de grandes áreas na Baixa-
cidades a maior frequência de da Fluminense, com prejuízos humanos e materiais incalculáveis.
ressacas marítimas aumentará Em aterros situados em encostas como, por exemplo, o ater-
a quantidade de resíduos trazi- ro do Morro do Céu em Niterói, a situação é também muito gra-
dos para as areias das praias, e ve, pois tempestades mais intensas poderão provocar desliza-
as vias ao redor das orlas deve- mentos de terra e lixo, com o soterramento de grandes áreas.
rão ser tomadas por areia, obri- O principal aterro para resíduos industriais perigosos do Estado, loca-
gando as prefeituras a realiza- lizado em Belford Roxo, também fica às margens do Rio Sarapuí, em
rem dispendiosas e constantes área potencialmente alagável.
operações de limpeza. Grandes tempestades também poderão provocar a interdição de
aterros sanitários, com o alagamento das células preparadas para rece-
Os processos de tratamento de ber os resíduos. Isso deixaria o sistema de coleta sem alternativas para
lixo poderão ser afetados de dispor o lixo. Isso foi observado em janeiro de 2011 com as fortes chuvas
forma indireta pelas mudan- que atingiram a região Serrana do Estado. Por estarem situados próxi-
ças climáticas. O aumento da mos a encostas, os aterros de Petrópolis, Nova Friburgo e Teresópolis so-
temperatura ambiente, as va- freram com deslizamentos de terra, alagamentos de células e frentes de
riações na umidade relativa do trabalho e rupturas de sistemas
ar e as alterações na intensidade dos ventos poderão alterar as ca- de drenagem de chorume e de
racterísticas físicas do lixo e os parâmetros de implantação de insta- águas pluviais. O aterro de Tere-
lações de tratamento de resíduos sólidos. Mudanças no clima pode- sópolis foi o mais atingido, tendo
rão, por exemplo, alterar o teor de umidade dos resíduos orgânicos, sido interditado temporariamente
obrigando a adequação de usinas de incineração e de composta- para recebimento de resíduos co-
gem. Usinas de compostagem poderão, também, ter seus pátios de letados na cidade.
bioestabilização alagados por tempestades não suportáveis pelos É oportuno destacar que os
sistemas de drenagem das unidades. O alagamento de pátios de problemas causados pelas mu-
compostagem inviabilizará a produção de composto orgânico em danças climáticas persistirão mes-
processos aeróbios. mo após o encerramento da ope-
ração desses aterros sanitários.
Os principais problemas causados pelas mudanças climáticas ocor-
rerão nos aterros sanitários situados em encostas e áreas potencial-
mente alagáveis ao lado de rios de grande porte e de baías (veja

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MAPA 7: Unidades de destinação de resíduos sólidos sensíveis às mudanças climáticas

cachoeira
de macacu
duque de guarapirim
paracambí caxias magé
ATR Adrianópolis
japerí
nova iguaçu
queimados belford Aterro de
Aterro Industrial roxo Gramacho
seropédica - tribel itaboraí
mesquita são joão Aterro Itaóca
do mirití tanguá
itaguaí nilópolis são gonçalo
Morro do Bumba
mangaratiba
maricá
rio de janeiro Morro do Céu

niterói

aterros sanitários sitiados em áreas sujeitas a inundações


aterros sanitários sitiados em encostas com riscos de deslizamentos

saúde pública não à mudança climática global. Mesmo assim são evidências de que
O AR4 do IPCC, de 2007, reco- diante de aumentos extremos de precipitação, a ocorrência de surtos
nheceu três mecanismos pelos de doenças como leptospirose, por exemplo, cresce também.
quais as mudanças climáticas Especificamente para o município do Rio de Janeiro, foram conside-
podem afetar a saúde humana: radas suas vulnerabilidades com base em estudos de caso e conheci-
efeitos diretos (como reações fi- mento histórico sobre as relações entre variabilidade climática e saúde
siológicas a ondas de calor ou no país:
acidentes decorrentes de inunda-
ções ou deslizamentos de terra); Epidemias de leptospirose
efeitos sobre o ambiente, afetan- A doença transmitida por uma bactéria que vive em roedores tem
do a produção de alimentos, a ocorrido frequentemente na RMRJ na época mais chuvosa do ano. A
oferta e a qualidade de água e a água de inundações normalmente é contaminada pela urina desses
ecologia de vetores de doenças animais, chegando assim até o ser humano. A maior epidemia foi regis-
infecciosas; e efeitos sobre pro- trada em 1996, com 1790 casos e 49 mortes em menos de três meses – o
cessos sociais, como migrações que faz com que esta seja uma das maiores do mundo. Essa situação
provocadas por secas prolonga- confere à região uma vulnerabilidade importante em um cenário de
das. Em especial para países eu- mudanças climáticas, considerando o modelo regionalizado de 2007
ropeus, há vários trabalhos sobre desenvolvido por José Marengo e colegas do Inpe, que aponta para
impactos já observados das mu- uma provável elevação dos eventos climáticos extremos nas regiões Sul
danças climáticas na saúde. e Sudeste do país.
No Brasil, trabalho organizado
por Ulisses Confalonieri, da Fio- Precipitação e acidentes
cruz, e publicado pelo Centro de A relação entre chuvas intensas de verão e acidentes com risco de
Gestão e Estudos Estratégicos em morte é também bastante conhecida do habitante do Rio de Janeiro e
2009, fez uma revisão da situação de outros municípios do Estado, como se pôde observar na região Ser-
da saúde no Brasil em situações rana no início de 2011. As principais ocorrências são de deslizamentos,
de mudanças do clima. Mas os quedas de árvores, afogamentos em estruturas de drenagem, eletrocus-
registros epidemiológicos referem- são e acidentes de trânsito. É de se esperar que todos eles piorem em
-se a observações de impactos à eventos climáticos extremos.
variabilidade natural do clima e

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RM SP e as v u l n er a b i li dad es Às mudanÇas cli mÁti ca s

Dengue estrutura de saneamento, como tubulações de esgotamento sanitário,


Introduzida no Rio de Janeiro resultando em contaminação ambiental.
em 1986, é desde então a princi- Outro impacto que a cidade pode sofrer é a retomada de alguns
pal epidemia prevalente da cida- fluxos migratórios dos chamados “refugiados ambientais” de outras re-
de. O número de casos aumen- giões do país, em especial Norte e Nordeste. Os modelos regionais de
ta naturalmente no verão, uma clima apontam para ambas um cenário de aumento de temperatura
vez que as altas temperaturas e e redução da precipitação. Segundo o estudo “Mudanças Climáticas,
maior precipitação favorecem o Migrações e Saúde: 2000 – 2050”, de 2008, conduzido por Alisson Flá-
ciclo de vida do mosquito Aedes vio Barbieri, da CEDEPLAR, e Ulisses Confalonieri, da FIOCRUZ, o Nordeste
aegypti, que transmite o vírus. Por deve experimentar uma piora da aridez, com extrema dificuldade de
ora, o que pode ser dito é que se acesso à água e redução na produção de alimentos, afetando milhões
o aquecimento global estender de pessoas no interior da região, que podem migrar para pólos urbanos
as condições de temperatura e de outras regiões, além de novos destinos em sua própria região. Essa
umidade típicos de verão para o população pode levar consigo doenças endêmicas crônicas (esquis-
período de outono, há a possibili- tossomose, leishmaniose visceral, doença de Chagas) e, assim, poten-
dade de aumento do número de cialmente promover uma sobrecarga de demanda sobre serviços de
dias e meses por ano mais favorá- saúde que já se encontram em situação vulnerável.
veis à ocorrência de dengue. Diante desse cenário, é necessário interferir nas situações que dei-
Espera-se que as mudanças xam a população mais vulnerável. Ineficiências na infraestrutura ha-
climáticas tragam um estresse adi- bitacional e de transporte, nos serviços de saneamento, educação e
cional sobre situações-problema médico-hospitalar são determinantes históricos de danos a saúde hu-
já existentes, podendo aumentar mana na cidade do Rio de Janeiro. O Planejamento Estratégico (2009-
sua intensidade, gravidade, dura- 12) estabelecido para a cidade pretende reverter esta situação. Caso
ção ou ampliar a sua distribuição medidas de prevenção não sejam adotadas, o advento das mudanças
no espaço geográfico. Além dos climáticas deverá exacerbar os efeitos sobre a saúde humana e os ser-
itens mencionados acima, para o viços médicos em grandes cidades. O custo de estabilizar o clima é sig-
município do Rio de Janeiro pode- nificativo, mas controlável. A demora pode ser danosa e mais cara nos
-se esperar impactos adicionais aspectos de saúde, econômico, social e ambiental.
em relação aos seguintes agra-
vos: estresse pós-traumático devi-
do a eventos extremos ou perda
de patrimônio e possível aumen-
to de distúrbios respiratórios pela
maior concentração de poluen-
tes atmosféricos, principalmente o
ozônio, cuja formação é catalisa-
da pela temperatura do ar.
O aumento do nível do mar
também traria consequências
para a saúde pública através
dos seguintes mecanismos: sa-
linização de depósitos naturais
de água no solo, com perda da
qualidade para consumo trazen-
do problemas para o abasteci-
mento; redução na produção de
alimentos em zonas agricultáveis
costeiras, com aumento na inse-
gurança alimentar; danos à infra-
N
ão restam dúvidas de que ficas e dos territórios municipais, até alcançar a escala de áreas especí-
a combinação sinérgica da ficas (encostas, lagoas, manguezais etc) identificadas, por exemplo, se-
elevação do nível do mar com os gundo seus respectivos graus de vulnerabilidade.
eventos climáticos extremos tende Mas também é preciso ter em mente que o espaço não será atingido
a agravar os já corriqueiros proble- nem terá como responder de modo homogêneo às mudanças climáti-
mas de inundações, alagamentos cas e seus efeitos-impactos. A RMRJ comporta elementos (relevo, cober-
e escorregamentos de encostas, tura vegetal, infraestruturas, atividades produtivas etc), fluxos (de pessoas,
assim como as também conhe- veículos, cargas, serviços etc) e vulnerabilidades (propensão a desliza-
cidas consequências em termos mentos de encostas, disponibilidade/qualidade das águas e riscos asso-
de vidas e patrimônios desperdi- ciados a complexos industriais etc) que se combinam de forma diferente
çados, de degradação das condi- conforme a parcela do espaço metropolitano que se analise.
ções sanitárias/ambientais, assim As condições político-institucionais atuais da RMRJ não se coadunam,
como de deterioração da infraes- entretanto, com tais requisitos. Cada território municipal é tratado como
trutura urbana. As dúvidas quanto se pudesse ser considerado um caso diferente e isolado. Será necessário
ao timing e as dimensões desses haver cooperação e coordenação entre municípios seja por força da in-
efeitos não interferem no fato de suficiência dos recursos disponíveis ou pelo fato de compartilharem uma
que vivemos na condição de uma mesma oportunidade/ameaça.
metrópole em risco. A gestão ambiental urbana se ressente, ainda, de uma maior coopera-
O fato de partirmos de um nível ção e coordenação entre os agentes “reguladores” (que exercem o poder
de incerteza e nos defrontarmos de polícia tais como urbanismo e meio ambiente) e os “empreendedores”
com efeitos sinérgicos ainda não (que realizam intervenções concretas como obras, habitação, transpor-
devidamente dimensionados au- te etc), setores que estarão envolvidos diretamente com as medidas de
mentam a necessidade de com- adaptação às mudanças climáticas em qualquer metrópole. O distancia-
binar prevenção e agilidade em mento entre eles cria um clima que conspira contra a ideia de que os
termos de reação, o que não se diversos elementos da cidade compõem um mesmo objeto de gestão e
faz sem conhecimento. As respos- intervenção. A formulação das políticas públicas deve ser entendida numa
tas dependerão de bases de da- perspectiva matricial em que desenvolvimento urbano, meio ambiente e
dos consistentes e de instrumentos saúde pública sejam vistos como
de previsão e monitoramento em objetos de políticas transversais.
tempo real, em suma, da produção de conhecimento e metodologias Após tantos e tão graves aci-
que permitam aumentar a previsibilidade dos fenômenos e seus efeitos. dentes, especialmente os que se
É fundamental acompanhar o comportamento do nível do mar, não repetem a cada grande chuva, a
apenas quanto ao seu nível de base, mas também quanto às marés e expectativa generalizada é de que
ondas de tempestade, bem como – considerando a diversidade de situa- a vida na metrópole deva se afastar
ções climáticas presentes no sítio metropolitano – monitorar permanente da incompetência administrativa
e detalhadamente as variações nos indicadores de temperatura e plu- e das soluções emergenciais po-
viosidade. Planos de contingência deverão ser elaborados considerando pulistas. A prevenção custa menos
riscos de inundações e deslizamentos que não devem restringir-se aos que a remediação, até porque per-
limites desse ou aquele município, mas mobilizar todos os recursos em das de vidas não são remediáveis.
escala metropolitana visando minimizar os danos à população, ao patri- Além do conhecimento científico e
mônio natural e construído e às atividades produtivas. da tecnologia, é preciso mobilizar a
A adaptação aos efeitos das mudanças climáticas exigirá, assim, vontade política necessária à con-
ações integradas e coordenadas envolvendo diferentes escalas e temas. cretização das ações consideradas
Elas contemplarão ações no âmbito metropolitano, das bacias hidrográ- necessárias.

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REALIZAÇÃO APOIO

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