Que Negro É Esse Da Cultura Popular?

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%20cultura%20popular%20negra%20-%20Stuart%20hall.pdf

Notas sobre a leitura “Que ‘negro’ é esse na cultura popular negra?” de Stuart Hall, 1992.

• O momento conjuntural impulsiona uma questão: “que tipo de momento é este em que se
coloca a questão da cultura negra de massa?”; é um momento conjuntural, pois é resultado
de condições históricas que aparentam ser “continuidades” ou “semelhantes ao passado”,
mas que são específicas. Além da especificidade do momento, essa mistura de entre o que é
similar e diferente configura uma questão específica.

• Cornel West como base para a genealogia conjuntural atual: sustenta-se em três coordenadas
gerais de deslocamento
◦ O paradigma de “alta cultura” europeia não é mais central na produção cultural da
atualidade;
◦ Deslocamento do centro de produção e circulação da cultura global a medida que o
poder hegemônico se deslocou para os EUA, redefinindo “cultura” como um paradigma
de consumo massivo, “tecnológico e mediado pela imagem”;
◦ Descolonização do Terceiro Mundo, “marcada culturalmente pela emergência das
sensibilidades descolonizadas” ( autor entende descolonização no sentido de Franz
Fanon… não sei o que isso implica)

• Outros fatores peculiares: a ressignificação cultural através dos EUA implica na inclusão das
ambiguidades norte-americanas quanto a sua relação com a Europa e diferentes etnias, isto
é, o universalismo europeu só via diferenças étnicas no Outro, enquanto que os EUA sempre
encararam sua estrutura cultural como etnicamente fragmentada. Portanto, a nova dinâmica
de circulação e produção de cultura global tem uma maior aceitação, ou, pelo menos, diz ter,
do caráter plural da cultura, impactando diretamente sobre o abandono do modelo de “alta
cultura” eurocêntrico.

• “Pós modernismo global” é um conceito vazio, a medida que sua pretensa multipolarização
do poder se mantém nos grandes centros, mas também é um conceito que abarca o que o
autor pretende chamar de “mudanças estilísticas na dominante cultural”. Logo, o pós
modernismo não configura uma “nova época” cultural, “mas somente modernismo nas
ruas”.

• Deslocamento das grandes narrativas: porém, é um momento demarcado pelo deslocamento


das grandes narrativas para as narrativas populares. “Este descentramento ou deslocamento
abre caminho para novos espaços de contestação”, apresentando-se “como uma estratégica e
importante oportunidade para a intervenção na esfera cultura popular”.

• O paradigma pós moderno se sustenta numa ambivalente fixação pela diferença: étnica,
sexual, racial, cultural, etc. Porém, essa atenção às diferenças pode ser compreendida como
um “quê exótico”, uma continuidade das formas de silenciamento do “moderno”. Sustenta-
se uma diferença que não faz diferença alguma.

◦ Hal Foster escreve “o primitivo é um problema moderno, uma crise na identidade


cultural”, o primitivo opera como um conceito que cria “reconhecimentos e
desconhecimentos fetichistas”, mas sempre administrados pela hegemonia. A
contemporaneidade está marcada pela proliferação das diferenças no campo da cultura
pelas periferias, e junto disso temos a proliferação de grupos de interesse, de lutas
políticas e de novas dinâmicas para as políticas culturais.

• A armadilha binária: observar somente o lado positivo dessa “abertura” mantém uma lógica
discursiva que se baseia em “vitoriosos” e “vencidos”, aqueles que conseguiram se manter
íntegros e os que foram incluídos pelo sistema. Devemos ir além da lógica binária”

• “O que nós estamos tratando diz respeito à luta pela hegemonia cultural que está,
nesses dias, empreendida tanto na cultura de massas quanto em qualquer outro lugar”.
Hall coloca que o pos moderno esta deslocando justamente a oposição popular-erúdito.

• Tratando-se de um conflito hegemônico, não há vitória pura ou total dominação, é uma


dinâmica que rompe com a lógica das “inversões”; “trata-se sempre de mudanças nas
disposições e configurações do poder cultural das quais não se poder fugir”. Assumir que
“nada muda, e o sistema sempre vence” é burrice.

• Espaços conquistados pela periferia são dispersos entre sí e meticulosamente administrados.


O uso de instrumentos legislativos, do capital, da mídia cria um ambiente de seleção no
campo da cultura. Há “uma visibilidade segregada que é cuidadosamente regulada” que
substitui a antiga invisibilidade, porém observar apenas esse lado é dar novamente com a
cara na lógica binária de “vitória total” ou “total incorporação” ( ou/ou).

• Para o autor a tensão da “dialética cultural acabou”; mas essa proliferação multicultural é
um ataque direto e indireto aos movimentos que tentam retomar o “universal”(eurocêntrico).
Estes novos elementos que formam a conjuntura criam a necessidade de “desconstruir o
popular”

• A tensão dialética e a desconstrução do popular: o significante “popular” propõe que seu


produto cultural tem uma ligação direta com as experiências locais, tradicionais, cotidianas –
o que foi colocado como “vulgar” por Bakhtin. Daí que a cultura das elites é considerada
como distinta da vulgar, é concebida como a “alta cultura”, racionalizada. Há autores que
propunham uma dialética entre alto e baixo, seus conceitos se alterariam com o tempo, mas
sempre haveria uma tensão dialética. Essas transformações catalisariam diferentes morais
estéticas, de estéticas sociais, de ordenamento da cultura, abrindo as portas do jogo de poder
para grupos que antes não tinham acesso, ou não existiam. Daí que Gramsci atribui ao
conceito de cultura “nacional popular” uma importância estratégica essencial, pois enfatiza o
significante “popular” como uma expressão autentica para o ordenamento cultural e social,
sendo capaz de romper com o paradigma das elites.

• No momento atual, a cultura popular tem se tornado a forma dominante da cultura global,
sendo difundida em conjunto com outras tecnologias dominantes, como o capital. Este
fenômeno trata de administrar as expressões populares por meio das burocracias culturais
que as processa. “Ela [cultura popular] está enraizada na experiência popular e, ao mesmo
tempo, disponível para expropriação”. E, segundo o autor, isso é inevitável e necessário.

• A Cultura Popular Negra: “Por definição, a cultura popular negra é um espaço


contraditório”. É um local de contestação estratégica que vai além dos conceitos binários
utilizados habitualmente para caracterizá-la, como resistência x incorporação, autentico x
inautêntico, etc.

◦ O autor defende que nenhuma luta consegue se apropriar da cultura popular,


independente do uso. Por que isso acontece?
• Os negros e as tradições e comunidades negras são sempre representadas como
“incorporados”, deformados, porém a cultura popular sempre recorre as suas experiências
como a musica, a oralidade, o corpo. E isso implica numa difusão de novas formas de
pensar, de sentir e viver, até mesmo na cultura comercial (argumento semelhante ao de
Hampate Ba quanto a oralidade formal um ser humano diferente, uma ser e viver diferente).

• Existem particularidades nas tradições diaspóricas; o uso do corpo como espaço de


manifestação, uma nova possibilidade ao mundo logocêntrico, mediante a oralidade, e a
preocupação com a estética. O autor argumenta que isso decorre de uma transmissão
decorrente da situação dispórica, o corpo foi a única coisa que nos restou, e isso estimulou
conexões seletivas futuras de incorporação de diversas manifestações, tanto diaspóricas
quanto europeias, gerando uma nova linguagem cultural. “...na cultura popular negra,
estritamente falando, etnograficamente falando, não existe nenhuma forma pura. Estas
formas são sempre produto de sincronização parcial, de engajamento através de fronteiras
culturais (argumento semelhante ao de Homi Bhabha acerca do “Local da Cultura” em que
toda cultura tem uma eclosão em fronteiras de indefinição, de contradição entre
experiências), da confluência de mais de uma tradição cultural, das negociações de posições
dominantes e subalternas, das estratégias subterrâneas de recodificação e transcodificação.”

• “No que Kobena Mercer chama de a necessidade de uma estética diaspórica, somos
compelidos a reconhecer que elas são o que o moderno é.”

• Estas marcas apreendidas pelo significante negro – um sujeito formado a partir da


experiência diaspórica – é o que distingue a “cultura popular” da “cultura popular
negra”, ambas contraditórias por definição. A persistência da experiência negra, da
estética negra e das contranarrativas negras no “fazer” cultura popular negra é o que
caracteriza sua “autenticidade”, sua “boa prática”.

• O essencialismo estratégico: o significante “negro” foi utilizado como um instrumento


definidor do caráter essencial da “cultura negra”. Isso implica conceber o fenômeno como
exclusivo e autossuficiente; porém o autor propõe um movimento que rejeite essa lógica
binária “ou/ou”, para uma “lógica posicional” de cultura, isto é, elaborar políticas culturais
que levem em consideração as múltiplas dimensões do “ser negro”. Deve-se rejeitar a
definição binária ou “negro ou inglês” (isso é num contexto específico). Manter a lógica
binária cria um ambiente de contestação constante, enquanto que substituir o “ou”
excludente por um “e” inclusivo, não esgota as possibilidades de identidade do ser negro
(pode-se muito bem ser “negra”, “britânica”, “mulher”). Sustentar o essencialismo hoje
enfraquece as lutas políticas, pois retira o fundo histórico que permeia nossa formação
contraditória, confundo elementos biológicos com históricos, políticos e culturais (esse
argumento fica fraco no caso da mulher).

• “No momento em que o significado ‘negro’ é arrancado de seu encaixe histórico,


cultural e político, e é alojado em uma categoria racial biologicamente construída, nós
valorizamos, pela inversão, a própria base do racismo que estamos tentando
desconstruir”.

◦ As marcas do fenômeno diaspórico caracterizam um “ser negro” que não anula a critica
do essencialismo negro feito pelo autor, pois as transmissões culturais da diáspora são
um fenômeno ativo e contraditório, enquanto que o “ideal de negritude” implica em
conceber o “ser negro” fora dos processos históricos, como autossuficiente, como um
fenômeno que não depende da representação. É como se já se soubesse o que é ser
negro.

• Da mesma forma que a cultura popular é um fenômeno contraditório, permeado por


constantes negociações, para Hall, a identidade também é um fenômeno ativo de
negociações entre múltiplos antagonismos que se recusam em alinhar-se de forma
organizada. A população negra está permeada pelas oposições de gênero, etnia, sagrado, etc.
“Estamos constantemente em negociação, não com um único conjunto de oposições que nos
situa sempre na mesma relação uns com os outros, mas com uma série de diferentes
posicionalidades”.

• As complexas formas como fomos inseridos no sistema social pós-diáspora criou um


ambiente propenso à fragmentação entre o povo negro, porém isso não anula a
potencialidade de criar uma unidade para as políticas negras.

• Por fim, Hall argumenta que a “cultura popular, mesmo que mercantilizada e estereotipada
como é, não é, como às vezes pensamos, a arena onde encontramos quem realmente somos,
a verdade da nossa experiência. Ela é uma arena que é profundamente mítica. É um teatro
dos desejos populares.”

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