A Responsabilidade Civil II
A Responsabilidade Civil II
A Responsabilidade Civil II
... parece que perante uma situação concreta, sendo aplicáveis paralelamente as
duas espécies de responsabilidade civil de harmonia com o assinalado princípio, o facto
tenha, em primeira linha, de considerar-se ilícito contratual. Sintetizando: de um prisma
dogmático o regime da responsabilidade contratual «consome» o da extracontratual. Nisto
se traduz o princípio da consunção - BMJ 468-407, citando A. Costa, Obr., 6ª, ed., 455 e
ss.
Vaz Serra (RLJ 102-312 e 313) ensina: «a solução que se afigura preferível é a de
que são aplicáveis as regras de ambas as responsabilidades, à escolha do lesado, pois a
solução contrária representaria para este um prejuízo grave quando as normas da
responsabilidade extracontratual lhe fossem favoráveis, e não é de presumir que ele tenha
querido, com o contrato, afastá-las, não sendo mesmo válida uma convenção prévia de
exclusão de algumas delas ... A responsabilidade contratual não exclui a delitual».
1
empreitada) mas antes ser aplicável a prescrição do nº 1 do art. 498º cujo prazo ainda não
decorrera.
Outras Diferenças
2
A tendência actual da doutrina vai no sentido da unificação das duas espécies de
responsabilidades - Calvão da Silva, Pedro Albuquerque e Meneses Cordeiro, citados
no BMJ 445-492.
Funções da resp. civil:
A) - Por Culpa
Tanto pode ser um facto positivo, acção, como traduzir-se num facto negativo,
abstenção ou omissão. Mas neste caso, só quando havia, por força da lei ou do negócio
jurídico, o dever de praticar o acto omitido - 486º.
É o caso do doido que foge do hospital - que o devia vigiar - em que estava internado
e é atropelado (Bol. 349-516), da falta de vedação em obra de construção civil (BMJ 300-
391), da empresa de alarmes que não providenciou em caso de assalto (Col. 94-5-223) do
cão que, atropelado na auto-estrada, provoca danos no automóvel (Col. 96-2-303), por
pedras ou areia (Col. 96-4-149 e 197), por poça de água e consequente despiste do carro
(Col. 97-2-32). Sendo a notícia veiculada por um órgão de informação audiovisual
(televisão), são igualmente responsáveis por ela o produtor do programa e o director de
informação, apesar de não terem conhecimento da notícia por, ao contrário do que devia,
não terem pré-visionado a informação – Col.. STJ 01-III-21.
3
Idênticos ensinamentos são transmitidos por Antunes Varela, Das Obrigações em
Geral, vol. 1, 6ª ed., pág. 497; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª ed., 448 e Vaz
Serra, Obrigação de Indemnização, Bol. 84-108 – Ac. STJ de 22.4.93, no BMJ 426- 461,
em que se absolveu os RR do pedido indemnizatório formulado por sócios de uma
sociedade por incumprimento de contrato promessa de arrendamento celebrado entre os RR
e aquela sociedade.
Fora do domínio da responsabilidade civil ficam apenas os danos causados por
causas de força maior ou pela actuação irresistível de circunstâncias fortuitas ou forças
naturais invencíveis.
4
mesmo sentido e versando pedido indemnizatório formulado por Valle e Azevedo pode ver-
se a Col. 01-II-103; Informação anotada em ficha de Banco - 93-II-171 STJ; em carta
dirigida a autoridades - BMJ 406-623. Não se exige animus iniuriandi vel difamandi - BMJ
467-577. Ainda sobre violação do bom nome através da imprensa (Televisão) pode ver-se o
caso Subtil na Col. Jur. (STJ) 2001-III-21 e através do exercício do direito de queixa na
mesma Col.. (STJ) 2001-III-122: A ofensa do crédito ou do bom nome de uma pessoa está
subordinada aos princípios gerais da responsabilidade delitual; a afirmação ou divulgação de
um facto pode não ser ilícita se corresponder ao exercício regular de um direito, faculdade
ou dever.
5
III - Culpa ou Nexo de imputação do facto ao lesante - Só pode dizer-se que
alguém agiu com culpa quando esse alguém é imputável e no caso concreto podia e
devia ter agido de outro modo. Só então é possível formular um juízo de censura, de
reprovação, de culpa.
6
2 . Necessário - não querendo directamente o facto ilícito, o agente todavia
previu-o como uma consequência necessária, segura, da sua conduta.
3 . Eventual - sempre que o agente, ao actuar, não confiou em que o efeito
possível da sua actividade se não verificaria;
Prova da culpa
No mesmo sentido decidiu o mesmo STJ em 9.7.98, por Ac. no BMJ 479-592:
Existe inobservância do direito estradal quando se realiza a ultrapassagem de outro
veículo sem que se respeite uma prudente distância relativamente a ele, o que faz
presumir a culpa na produção dos danos dela decorrentes.
A responsabilidade fundada na culpa - culpa presumida é o mesmo que culpa
efectivamente provada - permite formular uma pretensão indemnizatória que ultrapassa os
limites fixados para a que se baseia no risco, caso em que não há lugar à aplicação do nº l
do artigo 508º do Código Civil.
Mais recentemente - ac. de 8.6.99, no BMJ 488-323 - decidiu-se que tem sido
orientação praticamente constante do Supremo Tribunal de Justiça aquela segundo a qual a
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prova da inobservância das leis e regulamentos faz presumir a culpa na produção dos danos
dela decorrentes, dispensando a prova em concreto da falta de diligência.
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493º, 1 - Coisas ou animais - responsabilidade de quem detém a coisa ou animal
com o dever de vigilância. Trata-se aqui de sancionar a presunção de que o detentor -
proprietário, comodatário, depositário, pastor - não tomou as medidas necessárias para
evitar o dano. Presunção ilidível, nos termos dos art. 350º, 2 e parte final do nº 1 do art.
493º.
Exemplos: - toiro na feira que ataca um vitelo e a pessoa que segurava este - Col.
82-II-361; cavalos que fogem do cercado e atropelam um automóvel - BMJ 369-693; bois
que invadem a estrada e provocam acidente - Col. STJ 00-III-169; águas vindas do andar
superior, desabitado, que danificam o andar inferior - Col. 97-I-48; árvore que cai em cima
do automóvel - Col. 89-III-74; morro que desaba sobre a via férrea- BMJ 320-145 ; Câmara
que deixa obstáculo na via pública, como tampa de saneamento elevada em relação ao
piso, vala não sinalizada - Ac. Doutrinais do STA, Ano XXXIV - nº 30.
A actividade pode ser perigosa tanto pela sua natureza como pelos meios
utilizados.
Exemplos : - exercícios militares - BMJ 407-234; construção civil - BMJ 446-217;
monda química por avião - Col. 85-IV-293; transporte de produtos inflamáveis - Col. 80-II-
183; lançamento de foguetes - STJ 94-III-47; Ralye automóvel - BMJ 411-647; oficina de
pirotecnia Col. 90-V-49; uso de Caterpillar que danifica cabos telefónicos - STJ 95-III-153;
locomotiva a carvão e incêndios que provoca - RLJ 112-268; ruptura de cano da Epal
quando se entenda a condução subterrânea de água como actividade perigosa (vista Col.
STJ 98-I-138); escavações em trincheira - BMJ 493-367; armazenamento e transporte de
resinas e materiais inflamáveis – Col. STJ 02-I-114; karting – Col. 01-V-251.
RESPONSABILIDADE CIVIL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
CONCULPABILIDADE DO LESADO
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causalidade entre este e determinado dano e a imputação do acto ao agente em
termos de culpa, apreciada como regra em abstracto, segundo a diligência de um «bom pai
de família».
II - A causa juridicamente relevante de um dano é - de acordo com a doutrina da
causalidade adequada adoptada pelo artigo 563º do Código Civil aquela que, em abs-
tracto, se revele adequada ou apropriada à produção desse dano, segundo regras da ex-
periência comum ou conhecidas do lesante.
III - Ocorrendo a violação de normas de perigo abstracto, tendentes a proteger de-
terminados interesses - como o são as regras do Código da Estrada definidoras de in-
fracções em matéria de trânsito rodoviário - a investigação de um nexo de causali-dade
adequada entre a conduta e o dano serve para excluir da responsabilidade decorrente de
certo facto as consequências que não sejam típicas ou normais.
IV - A prova da inobservância de leis ou regulamentos faz presumir a culpa na pro-
dução dos danos dela decorrentes, dispensando a correcta comprovação da falta de dili-
gência.
V - Para que se verifique conculpabilidade do lesado, justificativa de eventual re-
dução ou exclusão da indemnização nos termos do artigo 570º, nº 1, do Código Civil, é
necessário que a conduta daquele possa considerar-se uma concausa do dano, em con-
corrência com o facto do responsável.
VI - Tendo um veículo pesado de mercadorias invadido a faixa de rodagem oposta,
ao descrever uma curva a pelo menos 60 km/h, e em consequência embatido num
velocípede a motor a menos de 50 cm do eixo da via, é de entender que, para além da
responsabilidade do condutor daquele veículo, existiu conculpabilidade do condutor do
velocípede, na medida em que não respeitara a regra do Código da Estrada que manda
transitar «o mais próximo possível das bermas e passeios» mas não já, porque não
adequada à causação do acidente, em função da violação, também cometida, da regra
concernente à distância a manter em relação ao veículo que o precedia.
VII - É adequada em relação ao acidente assim descrito a repartição de responsa-
bilidade entre o condutor do veículo pesado de mercadorias e o do velocípede a motor nas
percentagens de 80% e 20%, respectivamente - STJ, Ac. de 10.3.98, BMJ 475-635
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Na fixação do montante da indemnização ganha particular relevo a equidade, aliada
às circunstâncias referidas no art. 494º - 1ª parte do nº 3 do art. 496º.
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Danos patrimoniais - despesas médicas, de assistência e socorro, hospitalares, de
funeral, como previsto nos nº 1 e 2 do art. 495º;
- de alimentos a quem o lesado os prestava, tanto em
cumprimento de obrigação natural como legal (2009º) - nº 3 do art. 495º.
Compreendem-se aqui os alimentos prestados pelo falecido à pessoa que com ele
vivia em união de facto – Col. STJ 97-III-61 - ideia agora reforçada pela Lei nº 7/2001.
- outros, a tratar a propósito da obrigação de indemnizar,
designadamente salários e rendimentos perdidos, por incapacidade parcial ou total
permanente, com ou sem perda de salários.
Esta questão tem sido objecto de forte polémica, como se vê do Ac. do STJ, de
9.5.96, no BMJ 457-280:
O artigo 496º, nº 2, do Código Civil, refere-se aos titulares activos dos direitos de
indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelo de cujus em caso de lesão de que
proveio a morte.
A este respeito, a doutrina tem-se dividido, defendendo:
uns, que tais direitos de indemnização cabem primeiramente ao de cujus e depois se
transmitem sucessoriamente para os seus herdeiros legais ou testamen-tários (Galvão
Telles Direito das Sucessões, 1971, págs. 83 a 87);
outros, que tais direitos após terem cabido ao de cujus se transmitem
sucessoriamente para as pessoas mencionada no nº 2 do artigo 496º do Código Civil (Vaz
Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 103º, pág. 172; Leite Campos, A
Indemnização do Dano da Morte, 1980, pág. 54), e
ainda outros que esses direitos de indemnização são adquiridos directa e
originariamente pelas pessoas indicadas no nº 2 do artigo 496º do Código, não havendo
lugar por isso a transmissão sucessória (Antunes Varela, Direito das Obrigações, vol. I, 6.ª
ed., pág. 583; Pires de Lima e Antunes Vareja, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed., pág. 500.
Nesta polémica doutrinal (e também jurisprudencial, cfr. acórdãos deste Supremo
Tribunal de 16 de Março de 1973, Boletim do Ministério da Justiça nº 225, pág. 216, e de 13
de Novembro de 1974, Boletim do Ministério da Justiça, nº 241, pág. 204), propendemos
para a orientação que os danos não patrimoniais sofridos pelo morto nascem, por direito
próprio, na titularidade da pessoas designadas no nº 2 do artigo 496º, segundo a ordem e
nos termos em que nesta disposição legal são chamadas. Esta adesão radica-se na
argumentação utilizada quer por Antunes Varela - ob. cit., pág. 585 - quer por Capelo de
Sousa - Lições de Direito das Sucessões, vol. I, 3ª ed., págs. 298 a 304 - argumentação esta
sólida no que se refere aos trabalhos preparatórios do Código, os quais revelam, em termos
inequívocos, que o artigo 496º, na sua redacção definitiva, tem a intenção de afastar a
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natureza hereditária do direito a indemnização pelos danos morais sofridos pela
própria vítima (Capelo de Sousa, op. cit., 298, nota 433).
Basta ver que o cônjuge aparece aqui como beneficiário da indemnização quando só
com a reforma de 1977 ele passou a ser herdeiro.
Sobre esta matéria convém ler as Lições de Família e Sucessões, de Leite de
Campos, as Sucessões, de Capelo de Sousa, de P. Coelho, as Obrigações (8ª ed. 619 e ss)
e Comentário de A. Varela na RLJ 123 - 185 e ss, citado no BMJ 466-450, com cópia.
Pelo que esta decisão negou legitimidade e indemnização quer por perda de
alimentos quer por danos não patrimoniais ao neto que vivia com o falecido avô mas tendo
este deixado cônjuge e filhos.
Causa virtual é o facto real ou hipotético (veneno) que tenderia a produzir certo dano
(morte) se este não tivesse sido causado por um outro facto que é a causa real (tiro). Salvo
em casos excepcionais - 491º, 492º e 493º, nº 1 - irreleva a causa virtual. Ver A. Varela,
Obrigações, 9ª ed., I, 639 a 643.
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IV - A nossa lei civil (artigo 563º do Código Civil) consagra a teoria da causalidade
adequada, teoria esta que admite duas variantes: a positiva e a negativa.
Na variante positiva, que é mais restritiva e mais conexionada com a valoração ética
do facto (pelo que é utilizada para a fixação do nexo causal no âmbito do direito criminal) a
previsibilidade do agente tem que se referir ao facto e à amplitude dos danos que dele
emergem; ou seja, o agente só é culpado do que previu, quanto ao facto que praticou e
quanto aos danos que perspectivou.
Na variante negativa - a que está consagrada no artigo 563º do Código Civil - que é
mais ampla e que tem um sentido ético da culpa menos restrito (por isso que é mais
utilizada no direito civil, na teoria da responsabilidade), a previsibilidade do agente reporta-
se ao facto e não aos danos, o que significa que o agente será sempre responsável por
danos que jamais previu, desde que provenham de um facto - condição deles - que ele
praticou e que visualisou. Assim, um facto é causal de um dano quando é uma de entre
várias condições sem as quais o dano não se teria produzido.
V - Não há nexo causal entre o acidente e a morte do acidentado quando não há
qualquer facto provado que permita considerar o acidente como condição causal da morte,
sendo certo que a causalidade entre facto e dano tem de ser provada pelo autor porque é
um facto constitutivo (artigo 342º, nº 1, do Código Civil) que, se essa prova se não fizer,
quem sofre o respectivo ónus é a parte a quem incumbia essa prova (artigo 346º, in fine, do
Código Civil).
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Salva a hipótese de morte da vítima, o direito de indemnização por danos não
patrimoniais apenas cabe ao directamente lesado com o facto ilícito. Di-lo-no, desde logo, o
nº 1 do artigo 483º do Código Civil.
Em sede de responsabilidade civil por factos ilícitos e pelo risco, o correspondente
crédito de indemnização, tanto do dano patrimonial como do dano não patrimonial, entronca
no titular do direito ou do interesse imediatamente violados, só excepcionalmente se
estendendo a terceiros.
Estão neste último caso as hipóteses consideradas nos diferentes números do artigo
495º do Código Civil (cuja epígrafe fala, precisamente, em «indemnização a terceiros em
caso de morte ou lesão corporal») e no nº 2 e na segunda parte do nº 3, ambos do artigo
496º do mesmo Código.
Estender, por argumento de analogia, o comando do nº 2 do artigo 496º a situações
como a dos autos carece de validade, visto que não procede, neste, a razão justificativa da
extensão a terceiros do direito de indemnização pelo dano não patrimonial, e que é,
precisamente, a morte da vítima; como norma excepcional, ela seria, aliás, insusceptível de
aplicação analógica, nos termos do artigo 11º do Código Civil.
Não há, na hipótese, caso omisso, carecido de integração, nos termos do artigo 10º
do Código Civil, mas, tão-só, um caso deliberadamente não regulado.
Por mais intensas e atrozes que tenham sido as dores morais dos pais, elas não
deixam de ser uma consequência indirecta, reflexa, do acto lesivo da integridade física do
menor.
Porém, a omissão causadora dos danos implicou directamente com o poder-dever
legal dos pais de velarem pela segurança e saúde do filho (artigo 1878º, nº 1, do Código
Civil).
Se do incumprimento do dever contratual da Santa Casa resultaram danos corporais
para o menor, então não foi só o direito absoluto deste à integridade física que ficou
directamente violado, mas, também, e directamente, o, também absoluto, direito (que
também é dever) dos pais ao são e harmonioso desenvolvimento físico do seu filho menor,
direito que a lei lhes garante e reconhece através da atribuição/imposição do poder paternal
e do reconhecimento da paternidade e da maternidade como valores fundamentais, de
matriz constitucional.
Enquanto titular do poder paternal, o progenitor tem não só o dever de garantir a
segurança e a saúde do filho como, também, o direito de o ver crescer e desenvolver-se em
saúde, por força do nº 1 do artigo 68º da Constituição.
Tal direito, como direito absoluto, é violado directamente pela acção ou pela omissão
de que resultam danos pessoais para o filho menor, e, por isso, a sua violação pode
implicar, ao abrigo do nº 1 do artigo 496º do Código Civil, indemnização por danos não
patrimoniais; sem necessidade, pois, do recurso espúrio ao argumento de analogia tirado da
norma do nº 2 do mesmo artigo.
No caso dos autos, a grave omissão (artigo 486º do Código Civil) dos funcionários da
Santa Casa (165º e 500º, nº 1) causou directamente dano ao referido direito dos autores
maiores e os danos não patrimoniais resultantes são de gravidade indiscutível, na
perspectiva indemnizatória.
Tomando agora em conta todos os factores que, supra, foram relevados para efeitos
de determinação do montante indemnizatório devido ao menor, e considerando, ainda, que
os autores (pais) sofreram «um desgosto e uma dor moral de proporções máximas», «de par
com enorme preocupação pelas consequências das lesões e pelas hipóteses de um mínimo
de recuperação», entendem que tais danos não patrimoniais dos progenitores devem ser
compensados com a quantia de 1.000 000$00, para cada um.
15
Prescrição do direito à indemnização - 498º, já visto.
B ) - R. Ext. RISCO
I - Comitente - 500º
Por comitente, entende-se a pessoa que, por livre nomeação ou mera designação de
facto, encarrega outra de um serviço ou comissão, quer gratuita, quer retribuída, no seu
próprio interesse, permanente ou ocasional (pressupõe uma relação de autoridade).
Por comissário, entende-se aquele que aceita voluntariamente o encargo, ficando
sob as ordens ou instruções do comitente, mesmo que este se proponha utilizar os
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conhecimentos ou melhor preparação técnica daquele (pressupõe sempre uma relação de
subordinação, a apreciar no caso concreto, segundo as circunstâncias).
No “Código civil Anotado”, 4ª ed., pág. 507, dos Profs. Pires de Lima e Antunes
Varela, lê-se que o termo «comissão» não tem aqui o sentido técnico preciso, que reveste
nos arts. 266º e segs., do Cód. Comercial, mas o sentido amplo de serviço ou actividade
realizada por conta e sob a direcção de outrem, podendo essa actividade traduzir-se
num acto isolado ou numa função duradoura, ter carácter gratuito ou oneroso, manual
ou intelectual.
O Prof. Menezes Cordeiro entende que a comissão abrange toda a tarefa de que o
comissário foi incumbido pelo comitente e surge para efeitos de responsa-bilidade desde
que exista uma escolha de comissário, o comissário actua por conta do comitente e se
estabelece uma relação de subordinação do primeiro para com o segundo - Col. STJ 01-I-
130.
I - Para que o banco como pessoa colectiva responda por actos do seu funcionário, é
necessário que sobre este recaia igualmente a obrigação de indemnizar e que o acto
danoso tenha sido praticado no exercício da função confiada àquele mesmo funcionário.
II - A responsabilidade do banco não é afastada se os actos dolosos do agente,
embora praticados em vista de fins pessoais, estiverem integrados formalmente no
quadro geral da sua competência e o agente infiel aproveita uma aparência social que cria
um estado de confiança do lesado na lisura do comportamento daquele.
III - O comissário responde a título de culpa e o comitente a título de responsabilidade
objectiva, sendo este um dos casos em que existe obrigação de indemnizar
independentemente de culpa.
Mais recentemente o STJ, por Ac. de 28.4.99, na Col. STJ 99-II-185 reafirmou esta
doutrina, decidindo que
17
esteja conexionado com o quadro geral da competência ou com os poderes que lhe são
conferidos, sendo certo que o comitente apenas responde pelos actos ilícitos praticados
pelo comissário, mesmo que cometidos intencional-mente ou contra as instruções
daquele, desde que a comissão seja adequada ou idónea desses eventos.
Verifica-se essa responsabilidade objectiva de uma companhia de seguros quando
um dos seus funcionários, enquanto técnico comercial, contacta um dos ofendidos
propondo-lhe uma aplicação financeira naquela seguradora, com boas condições de
rentabilidade, apresentando uma carta na qual escreveu o nome do gerente de uma
delegação, simulando que fora escrita e assinada pelo mesmo, dando a aparência e criando
a confiança de que os ofendidos estavam a contratar com a respectiva seguradora.
Não impede essa responsabilidade da companhia de seguros, ainda que o arguido
tenha manifestamente excedido as instruções daquela, desde que o seu comportamento se
insira no exercício das funções que então desempenhava na mesma.
Culpa do comissário - 500º, nº 1, in fine. Mas esta culpa do comissário pode ser a
simples culpa presumida, por não ilidida a presunção do 503º, nº 3, 1ª parte e 506º, 1.
Assim e na análise do art. 503, conjugado com este 500º, temos que:
- acidente sem culpa (provada ou presumida) do comissário - responde só o
comitente - 503º, 1;
- comissário fora do exercício da comissão - só ele, comissário, responde -
503, nº 3, 2ª parte.
O comitente é essencialmente um garante da indemnização perante o lesado, sendo
o comissário subordinado dele e economicamente débil.
II
Estas pessoas respondem tanto por actos de gestão pública como por actos de
gestão privada.
A doutrina e a jurisprudência estabeleceram o critério de que a distinção entre actos
de gestão publica e privada se deve orientar pela natureza funcional ou não do acto ou da
omissão do exercício de um poder público, sendo que nos actos de gestão pública há o
exercício de um jus imperii – Ac. do STJ, de 17.3.93, BMJ 425-463, com muita doutrina e
jurisprudência.
18
exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo
para outrem.
- o teor literal deste artigo leva a considerar a responsabilidade do Estado por actos
legislativos, bem como por actos jurisdicionais, ainda que os titulares desses
órgãos legislativos ou jurisdicionais possam não ser civilmente responsáveis,
como acontece com os Deputados (arts. 157º, nº 1) e com os Juizes (216º, nº 2).
Caso de responsabilidade civil pelo exercício da função legislativa pode ver- -se no
Ac. do STJ, de 24.2.94, no BMJ 434-396 e ss, (militares saneados pelo Dec-lei nº 309/74,
de 8 de Julho) e por leis de arrendamento que congelaram as rendas, adiante referido.
Por omissão de oportuno e capaz exercício da função legislativa, veja-se cópia do
Ac. do STJ, de 7.2.2002, na Col. Jur. (STJ) 2002-I-86 (Despachantes oficiais).
1
- Constituição da República Portuguesa, Notas ao art. 22º, de que vai cópia.
19
pelo prof. Canotilho a Ac. do STA, de 7 de Março de 1989, na RLJ ano 123, pág. 293 e ss -
cópia cujo estudo se aconselha vivamente.
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- Embora a referência do art. 22º à responsabilidade solidária das entidades
públicas e titulares de seus órgãos, agentes ou funcionários aponte, em primeiro
lugar, para acções ou omissões ilícitas - só nesse caso se justifica a
responsabilidade solidária - o âmbito normativo-material do preceito não pode
deixar de abranger também as hipóteses de responsabilidade do Estado por
actos lícitos e de responsabilidade por risco, podendo apenas a lei exigir certos
requisitos quanto ao prejuízo ressarcível (ex.: exigência de um dano especial e
grave). De outro modo, ficaria lesado o princípio geral da reparação dos danos
causados a outrem.
- Não distingue a lei entre acto e omissão, que tanto um como outra podem ser
lesivos de direitos dos cidadãos.
Exemplos de omissão podem ver-se naqueles casos em que a Polícia não defende
os direitos do cidadão ameaçado por uma multidão enfurecida, como aconteceu numa
manifestação alegadamente anticomunista em Famalicão, omissão de que resultou o saque
e destruição do escritório dum conhecido advogado e político local, o Dr. Lino Lima - BMJ
333-284; da criança que é deixada sozinha, com os colegas, na sala de aula, sem qualquer
vigilância e que aí sofre acidente - Col. 99-III-261; do doido internado que, por falta de
vigilância, foge do hospital e é atropelado.
Ou naqueloutro caso em que o Ministro da Justiça, com violação do dever jurídico-
funcional de um comportamento consequente, não nomeou para o STA um Juiz, como lhe
fora proposto - Comentário do Prof. Canotilho, na RLJ 125-174 e ss, com estudo dos
pressupostos da responsabilidade civil do Estado, em geral (facto, ilicitude, culpa, dano
e nexo de causalidade entre a conduta e dano).
- Este art. 22º está integrado na Parte I, Direitos e Deveres Fundamentais, pelo que
não pode deixar de ser considerado como um direito de natureza análoga à dos direitos,
liberdades e garantias, constantes do Título II, com o regime de aplicação directa
característica destas - art. 18º - e pode ser invocado pelos particulares para fazer valer uma
pretensão de indemnização contra o Estado.
21
danos ao particular não é imputável a um funcionário ou agente individualizável mas sim ao
próprio serviço, é justo que se admita a responsabilidade da própria Administração e o
correspondente dever de indemnizar os danos causados ao particular. De outro modo,
deixar-se-ia o particular sem tutela de um dos seus direitos fundamentais: o direito ao
ressarcimento de danos causados por outrem. Tal direito deve ser respeitado quer a
violação seja imputável a um qualquer particular, quer à própria Administração2.
Como disposto no nº 4 deste art. 271º, o direito de regresso das entidades públicas
contra os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes efectiva-se perante os Tribunais
Administrativos e de acordo com o Dec-lei nº 48051.
O âmbito normativo deste preceito é mais vasto do que o nº 1, visto que regula o
direito de regresso do Estado e demais entidades públicas não apenas contra os
funcionários e agentes, mas também contra os titulares de cargos políticos prevista no art.
117º, nº 1, caso em que o Estado e demais entidades públicas também respondem
solidariamente, quanto à responsabilidade civil.
Para além destes duas fundamentais normas constitucionais - 22º e 271º - outras -
algumas já referidas - há dispersas pela Constituição, referidas em Estudo de Maria José
Rangel de Mesquita, na obra coordenada pelo Prof. Fausto de Quadros 4, de que se destaca:
2
- Obra citada em nota 4, 112.
3
- Ensaio sobre a Resp. Civil do Estado por Actos Legislativos, 86 e ss.
4
- Resp. Civil Ext. da Administração Pública, Almedina, 1995, 95 e ss.
22
1 - Responsabilidade do Estado por privação da liberdade contra o disposto na
Constituição e na Lei: artigo 27º, nº 5. Desenvolvem o regime aplicável os art. 225º e 226º
do CPP.
2 - Responsabilidade por danos causados por condenações injustas: artigo 29.°, n.°
6. Interessam aqui os art. 449º e ss, designadamente o art. 462º, todos do CPP.
Nos termos do art. 216º, nº 2, da Constituição, os juizes não podem ser
responsabilizados pelas suas decisões, salvas as excepções consignadas na lei. O mesmo
se diz no art. 5º da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, o E.M.J.
As excepções consignadas na lei são as constantes do art. 1083º do CPC:
condenação por crime de peita, suborno, concussão ou prevaricação, casos de dolo,
imposição por lei expressa e denegação de justiça.
3 - Responsabilidade por (actos lícitos) requisição e expropriação por utilidade
pública - 62º, nº 2, da Constituição.
4 - Responsabilidade por lesão dos direitos dos consumidores, saúde pública,
qualidade de vida, ambiente e património cultural.
São conhecidas as leis de defesa do consumidor, do ambiente e de defesa do
património cultural, tendo esta, em conjugação com os art. 308º e 309º, 3, a) do C.P. de
1982 e 213º, n 1, d) do Cód. de 1995, levado à condenação de particular que destruiu uma
estação arqueológica.
5 - Responsabilidade dos titulares de cargos políticos - 117º, nº 1, da Constituição:
é a concretização do princípio geral de responsabilidade civil previsto no artigo 22º, na
medida em que os titulares dos cargos políticos devem responder civilmente pelos danos
causados a terceiros por acções ou omissões praticados no exercício das suas funções e
por causa desse exercício, nos termos de qualquer titular de um órgão do Estado ou
entidade publica.
23
Por último, numerosos actos políticos são insusceptíveis de violar direitos subjectivos
ou interesses legalmente protegidos dos particulares e, nessa medida, os danos que
possam causar não têm de ser ressarcidos5.
Veja-se, a propósito desta matéria, o Ac. do STJ, no BMJ 499-323, acima referido.
5
- Rui de Medeiros, op. cit., 125.
24
Sobre pressupostos da obrigação de indemnizar por actos legislativos formula
o Autor que vimos citando as seguintes
CONCLUSÕES
25
b) - O problema da imputação ao Estado legislador dos danos causados por
actos de aplicação de uma lei inconstitucional depende, em última análise, da existência de
um nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano. Tudo se resume à questão de saber
se, para o Direito, o acto de aplicação da lei é consequência da conduta do legislador e,
nessa medida, se esta é causa dos danos suportados pelos particulares.
c) - Nos casos em que os órgãos e agentes administrativos são obrigados a
cumprir a norma inconstitucional, a aprovação da lei contrária à Constituição é,
seguramente, causa adequada dos danos que resultam imediatamente da execução da lei e
a obrigação de indemnizar só poderá recair sobre o Estado legislador.
d) - Nos casos em que a entidade administrativa executa uma lei
inconstitucional, apesar de a lei não ser obrigatória, actua ilicitamente e, havendo culpa, será
responsável, em forma solidária com o autor material do facto ilícito. Mas, frequentemente,
conseguir-se-á também demonstrar que, no caso concreto, a execução da norma legislativa
nula (ou inexistente) constitui uma consequência previsível do comportamento do legislador
e, por conseguinte, poder-se-á igualmente admitir uma responsabilidade civil do Estado por
actos legislativos.
Também aqui tem aplicação o disposto no art. 570º do CC, sempre que o lesado
concorreu para a produção ou agravamento dos danos: se não recorreu contenciosamente
(268º, nº 4), embora o art. 7º, in fine, do Dec-lei nº 48051, seja incompatível com a
Constituição na medida em que nega indemnização se o lesado não recorreu ou teve
negligente conduta processual.
26
Acidentes de viação com veículo militar do Estado, gestão pública e privada,
comissão, exercício de funções - RLJ 110º - 308, assim sumariado:
I - A gestão privada compreende a actividade do ente público subordinada à lei
aplicável a quaisquer actividades análogas dos particulares; pelo contrário, a gestão pública
pressupõe o exercício do ius imperii.
II - A responsabilidade do comitente pelos actos dos comitidos não deve existir
apenas quando o acto seja praticado rigorosamente na execução do encargo pois, se assim
fosse, tal responsabilidade desapareceria praticamente ou, pelo menos, reduzir-se-ia a bem
pouco, dado que os actos ilícitos dos comitidos constituem sempre ou em regra uma evasão
das funções.
III - O Estado - e, analogamente, as outras pessoas colectivas públicas - tem
responsabilidade pelos excessos unicamente tornados possíveis por causa das funções
confiadas a quem os praticou.
IV - O Estado é responsável pela indemnização devida a um particular atropelado por
viatura do mesmo Estado, no seguinte quadro fáctico:
a) condução por militar designado chefe da viatura, conquanto não encartado,
devida a súbita indisposição do condutor habilitado;
b) no desempenho de missão que lhe fora confiada e que, devido a referida
indisposição, não pôde ser executada nos precisos termos que lhe foram
transmitidos;
c) com necessidade de optar pela alternativa, não prevista, de assumir a condução
da viatura, que representou desvio da incumbência recebida;
d) agindo, ainda assim, no interesse do mesmo Estado;
e) com perda do domínio da viatura, após descrever uma curva a velocidade entre
quarenta e cinquenta quilómetros horários, saindo fora da respectiva mão de marcha
e colidindo com o veículo do lesado, que se encontrava parado na faixa que lhe
competia.
27
IV - Nesta área de actividade de gestão pública, o Estado e as outras pessoas co-
lectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos ou das
disposições legais destinadas a proteger os seus interesses resultantes, não só de actos
ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no
exercício das suas funções e por causa desse exercício (artigo 2º, nº 1, do Decreto - Lei nº
48 051), como também de factos lícitos praticados em idênticas circunstâncias (artigo 9º, nº
1, do mesmo diploma legal).
V - O meio processual adequado para formular o pedido de indemnização a título de
desvalorização de viatura apreendida em processo crime e declarada perdida a favor do
Estado, mas cuja restituição foi posteriormente ordenada, não é a acção cível, mas sim
recurso aos mecanismos previstos nos artigos 11º e 13º do Decreto-Lei nº 31/85, de 25 de
Janeiro, onde é facultada aos eventuais lesados a possibilidade de composição judicial do
litígio no próprio processo onde foi decretada a apreensão.
VI - Independentemente dessa desvalorização pode entender-se que a privação da
viatura durante o período de apreensão implica, nos dias de hoje, para o seu proprietário,
encargos ou prejuízos que, sendo considerados especiais ou anormais, envolvem a
obrigação de indemnização por parte do Estado, a título de responsabilidade civil pela
prática de actos lícitos, nos termos do disposto pelos artigos 22º da Constituição da Re-
pública Portuguesa e 9º, nº 1, do Decreto-Lei nº 48 051, de 21 de Novembro de 1967.
Sobre responsabilidade civil emergente de acto médico pode ver-se os Ac. do STA,
de 23.4.96 e 17.12.96, referidos em nota no BMJ 485-155.
No mesmo Boletim, a págs. 173 publica-se Ac. do STA, de 24.3.99, que na parte
interessante diz:
28
do Código da Estrada, então vigente, o dever de zelar pela conservação e reparação das
estradas a seu cargo, para bem da respectiva segurança e comodidade de circulação, bem
como sinalizar de forma visível todos os locais que possam oferecer perigo para a circulação
rodoviária.
Ora, resultando provado dos autos que existia na faixa de rodagem um buraco com
cerca de 1 m de diâmetro e cerca de 20 cm de profundidade, que não estava sinalizado, por
causa do qual já haviam ocorrido anteriormente vários acidentes [n.os 3), 4) e 6) da matéria
de facto], é indubitável a verificação do requisito da ilicitude, por violação dos deveres de
manter as vias nas devidas condições de segurança e no de sinalizar os obstáculos nelas
existentes (cfr. artigo 6º do Decreto-Lei nº 48 051, de 2l de Novembro de 1967).
E, face à definição ampla de ilicitude constante do citado artigo 6º do Decreto-Lei nº
48 051, torna-se difícil estabelecer uma linha de fronteira entre os requisitos da ilicitude e da
culpa, de tal modo que estando em causa a violação de deveres como os acima referidos,
violação essa que se manifesta através de uma conduta omissiva ilegal, o elemento culpa
dilui-se na ilicitude, isto é, a culpa assume o aspecto subjectivo da ilicitude que se traduz na
culpabilidade do agente, ainda que no caso em apreço não seja possível a sua
individualização, tratando-se da chamada culpa de serviço ou culpa administrativa - cfr.
acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 10 de Março de 1988, recurso nº 25
468, de 27 de Setembro de 1994, recurso nº 33 992, e de 17 de Dezembro de 1996, recurso
nº 38 481.
Deste modo, os factos provados são suficientes para preencher os requisitos da
ilicitude e da culpa.
Alega, porém, o recorrente, a este respeito, que o autor «foi o maior culpado, senão o
único culpado, na produção do acidente», pois «tinha obrigação de avistar o buraco e, se tal
não sucedeu, foi porque conduzia sem a diligência a que era obrigado ou não teve a perícia,
a que também era obrigado, para evitar cair nele com o seu veículo».
Todavia, dos factos provados não resulta qualquer elemento donde se possa concluir
a falta de diligência ou a imperícia do autor, ou que a velocidade de 50 km/hora fosse
excessiva para o local ou que o buraco em causa fosse visível por forma a que um condutor
normal, naquelas circunstâncias, pudesse evitar o acidente.
Por outro lado, de acordo com a corrente maioritária da jurisprudência deste Supremo
Tribunal Administrativo, é aplicável à responsabilidade civil extracon-tratual das
autarquias locais por acto ilícito de gestão pública a presunção de culpa estabelecida
no artigo 493º nº 1, do Código Civil - cfr., entre muitos, os acórdãos de 16 de Maio de
1996...
Porém, o município ora recorrente não fez qualquer prova de cumprimento dos
apontados deveres, antes resultando dos factos provados que já haviam ocorrido outros
acidentes no local, por causa do buraco existente na via, sem que aquele tivesse,
entretanto, tomado qualquer providência para os evitar.
É aplicável à responsabilidade do Estado, autarquias ou pessoas colectivas de direito
público em geral o regime do CC em tudo o que não esteja previsto naquele Dec-lei nº
48051 e não colida com os princípios nele acolhidos.
29
Também se entendeu aplicável a presunção do nº 1 do art. 493º CC (quem tiver em
seu poder coisa móvel ou imóvel)... estrada ou rua com tampa de saneamento levantada e
que danifica automóvel que nela bate) em acção contra a CM de Matosinhos, dona daquela
rua no ac. STA, de 29.4.98, BMJ 476-157):
Presunção de culpa
30
praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício de que resulte
violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.»
Por sua vez, o artigo 271º da Constituição, sob a epígrafe «Responsabilidade dos
funcionários e agentes», determina, no n.º 1, que «os funcionários e agentes do Estado e
das demais entidades públicas são responsáveis civil, criminal e discipli-narmente pelas
acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício
de que resulte violação dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos, não
dependendo a acção ou procedimento, em qualquer fase, de autorização hierárquica»;
segundo o n.º 4, a lei «regula os termos em que o Estado e as demais entidades públicas
têm direito de regresso contra os titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes».
6
- Rui Medeiros, Ensaio sobre a responsabilidade civil do Estado por actos legislativos; João Caupers, Introdução ao
Direito Administrativo.
7
- Fermiano Rato, em Dic. Jur. da Adm. Pública
8
- Carlos Cadilha, Revista do MºPº, Abril a Junho de 2001, n.º 86, pág. 10.
31
Consideram-se ilícitos, para este efeito, «os actos jurídicos que violem as normas
legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam
estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que
devam ser tidas em consideração» (artigo 6º).
A apreciação da culpa, nos termos do n.º 1 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 48051, é
feita de acordo com o disposto no artigo 487º do Código Civil, ou seja, «a culpa é apreciada,
na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das
circunstâncias de cada caso».
Quanto ao prejuízo, que tanto abrange o dano patrimonial como o dano não
patrimonial, e no que respeita ao nexo de causalidade, «sempre se entendeu que se deviam
aplicar ao caso os princípios gerais do direito civil».
Os artigos 8º e 9º do Decreto-Lei n.º 48051 tratam, respectivamente, da
responsabilidade fundada no risco e da responsabilidade por factos lícitos.
9
- Actos praticados pelos órgãos ou agentes da Administração no exercício de um poder publico, ou seja, no exercício de
uma função pública, sob o domínio de normas de direito público, ainda que não envolvam ou representem o exercício de
meíos de coerção» (cf. Ac. do T Conflitos, de 5.11.81, no BMJ 311-195.
32
Enquanto que o art. 493º presume a culpa do vigilante, o art. 502º consagra a
responsabilidade pelo risco de quem utiliza os animais no seu próprio interesse, desde
que os danos resultem do perigo especial que envolve a sua utilização.
Ex. : gansos que atacam passante - Col. 81-5-145; toiros - BMJ 325-553.
«Quando a lei se refere ao perigo especial que envolve a utilização dos animais, não
quer aludir a um perigo específico..., mas a todas as situações perigosas que resultam dos
animais, conforme a sua espécie e modo como são utilizados... O termo sua espécie e modo
como são utilizados... O termo “especial”, empregado no art. 502º do CC, tem por finalidade
esclarecer que o risco há-de variar conforme a espécie dos animais utilizados, e não que,
desprezando o risco geral do seu aproveitamento, os utentes deles só respondam por riscos
específicos, criados por circunstâncias anormais» - RLJ 111-279 e ss.
RESPONSABILIDADE CIVIL
- Responsabilidade objectiva
- Instalações de condução de energia eléctrica
-«Força maior»
(Ac. do STJ, de 3 de Outubro de 2002)
33
SUMÁRIO:
Col. STJ 96-II-26 - fio eléctrico descarnado que, caindo em poça de água, mata
pessoa a cavalo. Responsabilidade por culpa, omissão do dever de conservação e
vigilância - 486º- Culpa. Não limites da indemnização.
Col. 94-II-5 - entrega de energia eléctrica de voltagem superior à contratada que, por
isso, provoca danos em electrodomésticos. Resp. objectiva e obrigação de indemnizar.
ASSENTOS
nº 1/83, no D.R. IA, de 28.6.83
A primeira parte do nº 3 do artigo 503º do Código Civil estabelece uma
presunção de culpa do condutor do veículo por conta de outrem pelos danos que
causar, aplicável nas relações entre ele como lesante e o titular ou titulares do direito
a indemnização.
34
relações de responsabilidade objectiva do condutor em nome de outrem e o dono do
veículo.
Questão solucionada - dado que a lei não distingue entre culpa provada e culpa
presumida e desde que o Assento de 1983 criou uma verdadeira presunção de culpa contra
o condutor - comissário, é claro que se não aplicam os limites do 508º, expressamente
legislados para o risco. A limitação da indemnização devida por responsabilidade fundada
na culpa apenas está prevista nos casos de mera culpa e de acordo com os critérios do art.
494º.
Questão solucionada: não basta ser proprietário para ser comitente. Comissão
significa serviço ou actividade realizada por conta e sob a direcção de outrem, podendo
esta actividade traduzir-se num acto isolado ou numa função duradoura, ter carácter gratuito
ou oneroso, manual ou intelectual.
No entanto, decidiu-se muito recentemente - Col. STJ 01-I-127 - que
35
V - Neste caso, a responsabilidade de ambos é solidária, mas o comitente tem direito
de regresso contra o comissário - Ac. STJ, de 20.02.01.
36
Com base em A. Varela, Obr., 7ª ed., I vol., 651 e ss, o STJ - BMJ 470-582 - decidiu
que o locador mantém, com o locatário, a direcção efectiva, no aluguer sem condutor.
503º
RESPONSABILIDADE CIVIL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DIRECÇÃO EFECTIVA DO VEÍCULO
SEGURO OBRIGATÓRIO DO GARAGISTA CONDUTOR SEM CARTA DE
CONDUÇÃO FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
37
II - A responsabilidade civil do proprietário do veículo e da sua seguradora está
excluída quando o acidente de viação, causado por condutor sem carta de condução, e que
não foi expressa ou tacitamente autorizado a conduzir o veículo, pelo seu proprietário, é
devido a uma causa estranha à vontade deste, numa modalidade de circulação da viatura
que se não efectua no interesse do mencionado proprietário.
III Enquanto na legislação sobre o seguro obrigatório de 1979 (constante do Decreto-
Lei n.” 408/79, de 25 de Setembro) se não previam seguros do garagista e do condutor, e se
determinava que a obrigação de segurar recaía sobre o proprietário do veículo (salvo nos
casos de usufruto, venda com reserva de propriedade ou locação financeira), mas que era
válido o seguro do veículo feito por pessoa diversa daquelas, ao mesmo tempo que se
estipulava que, no caso de concorrência de seguros, a obrigação de indemnizar recaia sobre
o seguro feito por terceira pessoa, na legislação de 1985 (constante do Decreto-Lei n.º
522/85, de 31 de Dezembro) criou-se um seguro obrigatório do garagista, dando-se vida
legal a um seguro que já existira antes (o seguro de carta ou de condutor), e estabeleceu-se
um regime de responsabilizações sucessivas, do qual fica afastado o seguro feito pelo
proprietário do veículo – Ac. do STJ, de 21.10.92, no BMJ 420-531:
Deve notar-se que o combóio tem prioridade absoluta nas passagens de nível, mas o
maquinista responde como condutor comissário, tendo contra si a presunção de culpa do
nº 3 do art. 503º - Col. STJ 96-II-124.
RESUMO
Viatura conduzida por um condutor por conta de outrem (no exercício de funções)
quando ele age com culpa ou não ilida a presunção do artigo 503º, n.° 3 do Código civil:
- responde o mero condutor, por culpa, podendo beneficiar dos limites do artigo 494°
e, solidariamente com este, responde aquele que detém a direcção efectiva
dessa viatura e a utiliza no seu interesse, ou seja o comitente, sem os limites do
508º - 497º, nº 1, 500º, n.os 1 e 3, 503º, nº 1 e 507º, 1, Assento 7/94, Col. 87-3-95, V.
Serra e A. Varela, acima citados.
38
Por força da consideração autónoma dos três números em que o corpo do artigo
503º do Código Civil se divide, o comissário responde por todos os danos que causar por
acidente de viação, desde que não consiga elidir a presunção de culpa que a lei faz incidir
sobre ele. O detentor do veículo, por conta de quem este seja conduzido, responde nesse
caso, não por força do disposto no n.° l do artigo 503º, mas em obediência à doutrina que o
artigo 500º do Código Civil estabelece para a responsabilidade do comitente pelos danos
que o comitido causar - A Varela, RLJ 121-46.
Vista a nova redacção dada a este art. 504º pelo Dec-Lei nº 14/96, de 6 de Março,
que aplicou a Portugal a Directiva nº 90/232/CEE, de 14.5.90, a questão que se levantava
em relação aos gratuitamente transportados deixou de ter interesse: só beneficiavam de
indemnização se provassem a culpa do condutor - 504º, 2; agora também são abrangidos
na responsabilidade pelo risco, mas só por danos pessoais, sendo nula, quanto a pessoa
transportada, cláusula em contrário - 504º, 3 e 4.
A nova redacção do art. 504º apenas é aplicável aos casos ocorridos depois da sua
entrada em vigor - BMJ 491-207.
A Relação do Porto, por ac. de 26 de Junho de 2001, decidiu, de acordo com
Jurisprudência do TJCE, que
39
montantes máximos de indemnização inferiores aos montantes mínimos de
garantia fixados por esses artigos quando, não havendo culpa do condutor
do veículo que provocou o acidente, só haja lugar a responsabilidade civil
pelo risco.
Daí que e por força desta Directiva, a indemnização por acidente sem culpa, só pelo
risco, não possa limitar-se ao dobro do valor da alçada da Relação, como resultaria do
comando do art. 508º do CC. Antes deve indemnizar todos os danos, dentro do limite do
seguro obrigatório.
Transporte gratuito - é o não pago, gracioso, por cortesia, a boleia - BMJ 459-527.
Provando-se apenas que o condutor de um veículo não teve culpa no acidente e não
se provando culpa da vitima, de terceiro ou caso de força maior, existe responsabilidade
pelo risco a cargo de quem tiver a direcção efectiva da viatura e a utilizava no seu próprio
interesse - 505º e 503º, 1 - Col. 82-I-95.
Acidente de viação
Responsabilidade pelo risco
Culpa não provada
Condutor/proprietário do veículo
Peão
40
I - Num acidente de viação entre um veículo automóvel e um peão, face à ausência
de culpa provada, pelo afastamento da responsabilidade subjectiva de ambos os
intervenientes, a questão terá de ser analisada sob o prisma da responsabilidade pelo risco,
com fundamento no nº 1 do artigo 503º do Código Civil
II - Tal responsabilidade apenas será de excluir se o acidente for imputável ao próprio
lesado ou a terceiro, ou houver resultado de causa de força maior estranha ao
funcionamento do veículo.
III - É, também, de afastar a presunção de culpa do nº 3 do artigo 503º do Código
Civil quando o condutor do veículo atropelante for também seu proprietário - STJ 23.3.2000,
BMJ 495-298
2) - SEM CULPA
a) - Danos nos dois veículos :
No caso de colisão de veículos prevista no artigo 506.°, n.°1, do Código Civil, em que
ambos os condutores tenham contribuído para os danos e não haja culpa de nenhum deles,
há que somar todos os danos resultantes da colisão (não só os causados nos próprios
veículos como também os causados nas pessoas ou nas coisas neles transportadas) e
repartir a responsabilidade total na proporção em que cada um dos veículos houver
contribuído para a produção desses danos, sendo que, em caso de dúvida, se considera
41
igual a medida de contribuição de cada um dos veículos para os danos, nos termos do n.° 2
do mesmo artigo - BMJ 439-538 e art. 506º, nº 1, 1ª parte.
Havendo vários responsáveis, ainda que um responda por culpa e outro pelo
risco, é solidária a responsabilidade de todos, designadamente quando o comissário
responde por culpa presumida e o comitente pelo risco, como garante da indemnização.
Pelo que o lesado pode exigir de qualquer deles a indemnização por inteiro - 512º, 1.
Porém, se o lesado tiver contribuído para o acidente, verá proporcionalmente
reduzido o montante indemnizatório a que teria direito - Col. 00-I-268
Precisamente porque se trata aqui de responsabilidade sem culpa, a lei fixou limites
à indemnização devida por responsabilidade objectiva. São esses limites os fixados no art.
508º.
Em Ac. de 1.10.96, na Col. Jur. (STJ) 96-III-28, o STJ (Cons.º Aragão Seia) decidiu
que
«A directiva comunitária apresenta-se como um processo de legislação indirecta,
pois, não é directamente aplicável.
42
Nos termos do art.º 189º do TCEE só os Estados membros podem ser destinatários
das directivas, que necessitam de ser transportadas para as ordens jurídicas nacionais - Cfr.
Louis Cartou, L`Union Européenne, Precis Dalloz,1994.
As directivas têm carácter obrigatório e para se assegurar o seu efeito útil deve
reconhecer-se aos particulares o direito de se prevalecerem delas em Juízo.
O efeito directo resulta, assim, da necessidade de proteger os cidadãos contra a
inércia do Estado.
Há que examinar em cada caso se a natureza e os termos da disposição em causa
são susceptíveis de produzir efeito directo na relação entre o destinatário da directiva - o
Estado e terceiros - Ac. Van Duyn de 4/12/1974, proc. 41/ 74 -, o que se verifica quando a
disposição em causa é incondicional e suficientemente precisa - Ac. Van Cant de 1/7/1993,
C-1 54/92 - cfr. Philippe Manin, Les Communautes Europeennes. L´ Union Europeenne,
Pedone,1 993.
A jurisprudência comunitária distingue entre efeito directo vertical e efeito directo
horizontal
O primeiro, consiste na possibilidade de o particular invocar num tribunal nacional
uma norma comunitária contra qualquer autoridade pública; o segundo, em o particular
invocar em Tribunal uma norma comunitária contra outro particular.
O Tribunal de Justiça das Comunidades aceitou o efeito directo vertical das directivas,
mas tem recusado o efeito horizontal - Acs. Marshall de 26/2/1986, proc. 152/84, e Faccini
Dori de 14/7/1994, proc. C- 91/92.
A directiva pode, portanto, ser invocada contra qualquer entidade pública, mesmo que
se trate de administração descentralizada estadual - Ac. Fratelli Constanzo de 22/6/ 1989,
proc.103/88 - mas não pode, em caso algum, ser invocada contra um particular, pessoa
singular ou colectiva.
Pelo exposto conclui-se que o que a recorrente alega quanto ao efeito directo das
directivas, ainda não transpostas para a ordem jurídica portuguesa, não se aplica ao
presente caso.
Só teria cabimento numa acção contra o Estado».
O STJ tem decidido no mesmo sentido, como se vê dos Ac. na Col. Jur. (STJ)
2002-III-46 e 167.
Ver o Ac. do STJ de 24.01.2002, na Col. Jur. (STJ) 2002-I-54, de que vai cópia.
43
O art. 18º do Dec-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, Lei do Seguro Obrigatório,
manda aplicar as disposições do referido Dec-Lei aos acidentes simultaneamente de viação
e de trabalho
A pensão de sobrevivência que a viúva da vitima vem recebendo não deve ser
tomada em consideração no cálculo da indemnização por danos patrimoniais, já que se
baseia nos descontos efectuados pela própria vítima para a segurança social - Col. STJ 93-
III-250.
Responsabilidade médica
Estudo no BMJ 332-21 e ss, dos Prof. Figueiredo Dias e Sinde Monteiro, nas
vertentes criminal e civil, respectivamente.
10
- Instituições de Segurança Social a nível distrital.
11
- (Dec-lei nº 96/92, de 23 de Maio)
44
essa diversidade não tem qualquer influência na necessidade de obter um
consen-timento informado do doente, antes da intervenção concreta.
RESPONSABILIDADE CIVIL
Assistência médica
Deveres do médico
Onus de prova
Tutela contratual e delitual
No último Curso o Senhor Professor Costa Andrade proferiu importante lição sobre
Direito Penal Médico. É distribuída cópia dos apontamentos dessa lição, como coligidos
por uma Colega.
Acidentes em auto-estradas
45
C - Contrato com eficácia de protecção para terceiros que resultaria das
obrigações da concessionária, constantes do contrato de concessão (Base XXXVI, nº 2),
mesmo quanto a estradas em que não há portagem (SCUTs).
A - Resp. delitual - Neste prisma, tendo a Brisa em seu poder a auto-estrada no seu
todo, não só o piso como também as vedações (que não impedem a entrada de animais),
aplicar-se-ia a presunção de culpa do nº 1 do art. 493º CC, consistindo a ilicitude na violação
de disposição destinada a proteger interesses alheios: a Base XXII, nº 5, al. a) do contrato
de concessão, aprovado pelo Dec-Lei nº 294/97, de 24 de Outubro, que contempla o dever
de vedação em toda a extensão, disposição com eficácia externa relativamente às partes
no contrato.
O mesmo se diz no respeitante à Base XXXVI, nº 2, que consagra o dever de
assegurar a circulação em boas condições de segurança e comodidade, a implicar
responsabilidade por pavimento irregular, neve, gelo, manchas de óleo, etc.
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causa bens jurídicos (vida, integridade física, propriedade) que gozam de tutela delitual
geral, por integrarem verdadeiros direitos subjectivos (art. 483º, nº 1), a razão de ser do
instituto consiste justamente em permitir aos beneficiários usufruírem de certas vantagens
do regime jurídico contratual, das quais, no direito português, a mais importante concerne ao
ónus da prova da culpa.
Isto quanto a aspectos de regulamentação ou de regime jurídico. Quanto à
construção técnico-jurídica, não inteiramente pacífica, é geralmente apontado um certo
hibridismo do instituto, situado a meio caminho entre o contrato e o delito.
Em resumo12:
12
- Sinde Monteiro, RLJ 132º-94 a 96
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Decreto-Lei de aprovação de tal contrato), a qual obriga à demonstração por parte da
concessionária de que as falhas de segurança foram provocadas por «caso de força maior».
I - Quando o utente pretende circular por certo troço de auto-estrada, entre ele próprio
e a Brisa, como concessionária da sua exploração, estabeleceu-se um contrato inominado,
em que ao pagamento da "taxa-portagem", por parte do utilizador, corresponde a prestação
por parte da concessionária, de aceder à circulação pela auto-estrada, com comodidade e
segurança.
II - Não obstante os danos provocados no veículo circulante em consequência de
despiste determinado por um cão a vaguear na auto-estrada ou do impacto de pedras
arremessadas de "passagem aérea", não têm que ser indemnizados pela Brisa, por o não
cumprimento do contrato ficar a dever-se não a conduta ilícita e culposa daquela con-
cessionária mas de terceiro, eventualmente desconhecido.
O acto pode ser lícito porque visa satisfazer um interesse colectivo ou um interesse
qualificado de uma pessoa de direito privado, mas pode não ser justo que para satisfação
desses interesses se sacrifique os direitos de uma ou mais pessoas sem nenhuma
compensação.
São exemplos o estado de necessidade - 339º, nº 2 -, 1367º (apanha de frutos em
prédio confinante), 1347º a 1349º (instalações, escavações e passagem forçada
momentânea para obras, p. ex.) e, sobretudo, as expropriações. Não seria justo e contraria
o princípio da igual repartição dos encargos públicos, que fosse um só ou vários
proprietários a ficar sem os seus bens para construção de uma obra pública que vai servir
toda a comunidade. Por isso a Constituição - 62º, nº 2 - e a lei - 1310º CC e Cód. Exp. - art.
1º - obrigam a entidade expropriante a indemnizar o ou os expropriados.
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