A Responsabilidade Civil II

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Responsabilidade Civil

é a obrigação imposta a alguém de reparar os danos sofridos por terceiro.

Contratual - é a proveniente da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos


contratos, de negócios unilaterais ou da lei, quando as obrigações em sentido técnico
provêm da lei.
Extracontratual - resultante da violação de direitos absolutos ou da prática de actos
que, embora lícitos, causam prejuízo a outrem. Na responsabilidade extracontratual, a
obrigação de indemnizar nasce, em regra, da violação de uma disposição legal ou de um
direito absoluto que é inteiramente distinto dela.
A responsabilidade contratual vem regulada nos art. 798º e ss, no campo do
incumprimento e mora, enquanto que a extracontratual encontra guarida própria no
Capítulo fontes das obrigações, art. 483º e ss.
Para além de os efeitos serem comuns e de a culpa ser apreciada nos mesmos
termos, os da responsabilidade civil (799º, 2 e 487º, 2, bom pai de família, embora na
contratual o ónus da prova recaia sobre o devedor - 799º, 1 e na extracontratual caiba ao
lesado, salvo beneficiando de presunção legal de culpa, provar a culpa do autor da lesão -
487º, nº 1) - o que leva a que se reuna na obrigação de indemnizar - 562º e ss - as
regras comuns da causalidade entre o facto e o dano, cálculo e formas de indemnização,
também o mesmo acto pode envolver para o agente, simultaneamente, responsabilidade
contratual (por violar uma obrigação) e responsabilidade extracontratual (por infringir ao
mesmo tempo um dever geral de abstenção ou o direito absoluto correspondente. Será o
caso do motorista que, com culpa e no mesmo acidente, provoca ferimentos nos
passageiros que contratualmente transporta - contratual - e nos transeuntes que atropela -
extracontratual.

... parece que perante uma situação concreta, sendo aplicáveis paralelamente as
duas espécies de responsabilidade civil de harmonia com o assinalado princípio, o facto
tenha, em primeira linha, de considerar-se ilícito contratual. Sintetizando: de um prisma
dogmático o regime da responsabilidade contratual «consome» o da extracontratual. Nisto
se traduz o princípio da consunção - BMJ 468-407, citando A. Costa, Obr., 6ª, ed., 455 e
ss.

Vaz Serra (RLJ 102-312 e 313) ensina: «a solução que se afigura preferível é a de
que são aplicáveis as regras de ambas as responsabilidades, à escolha do lesado, pois a
solução contrária representaria para este um prejuízo grave quando as normas da
responsabilidade extracontratual lhe fossem favoráveis, e não é de presumir que ele tenha
querido, com o contrato, afastá-las, não sendo mesmo válida uma convenção prévia de
exclusão de algumas delas ... A responsabilidade contratual não exclui a delitual».

Exemplos - Rebentamento de cilindro solar que provoca danos na casa: duas


indemnizações (uma referente ao equipamento danificado e outra aos danos na habitação),
duas responsabilidades (contratual e extra contratual) e duas prescrições ou caducidade
(prazo ordinário de 20 anos pelos danos na habitação e do art. 921º, nº 3, do CC, quanto à
venda, podendo esta ser impedida pelo reconhecimento do direito pelo obrigado – 325º, nº 1
e 331º, nº 2 CC - 92-I-237; Resp. contratual e extra contratual em contrato de empreitada
para construção de muro de suporte que, por violação das normas de segurança na
construção (RGEU ou impostas pelas autarquias) acaba por ruir e provocar danos - BMJ
370-529. Julgou-se não ocorrer caducidade (1220º e 1225º, na redacção então vigente, pela

1
empreitada) mas antes ser aplicável a prescrição do nº 1 do art. 498º cujo prazo ainda não
decorrera.

I - O facto de se celebrar um contrato de transporte em navio não significa que todo e


qualquer dano causado ao transportado na ocasião do transporte deva ter solução jurídica
com base nas normas da responsabilidade contratual.
II - A circunstância de ter ocorrido lesão do direito à saúde (os direitos absolutos,
como a saúde e a vida, gozam de protecção legal, não necessitando de contrato para a sua
protecção) do transportado na fase do cumprimento do contrato de transporte (por o navio,
indo das Berlengas para Peniche ter colidido com uma traineira, de tal colisão resultando
anos para o passageiro autor na acção) não é suficiente para descaracterizar o tipo de
responsabilidade civil que recai sobre o transportador nem impede a aplicação das regras
relativas à responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, incluindo as relativas à
prescrição - STJ, 13.2.01, Col. STJ 01-I-117.

O mesmo se passa com a responsabilidade civil e criminal resultante de facto


ilícito, do mesmo acidente, sendo o condutor condenado em pena criminal e em
indemnização, correspondendo cada uma à respectiva responsabilidade.

A responsabilidade extracontratual funda-se em geral na culpa (483º,1),


excepcionalmente (483º, 2) no risco (499º), preocupação social de indemnização de
lesados sem culpa destes e, em casos residuais, em factos lícitos (1348º, 2 - obrigação de
indemnizar os donos dos prédios vizinhos por danos causados por escavações, 1349º, 3 -
por acto em estado de necessidade - 339º, nº 2 - por passagem forçada momentânea,
expropriações - 1310º).

Outras Diferenças

a) - a responsabilidade delitual é menos exigente, quanto a alguns dos seus


pressupostos, quando por facto de terceiro. Porém, compare-se o disposto no art. 500º -
independentemente de culpa, responsabilidade puramente objectiva, na comissão, na
resp. extracontratual, em paralelo com o estatuído no art. 800º para os simples auxiliares do
devedor na resp. contratual;
b) - a mora é necessária na responsabilidade contratual (804º e 805º), não na
responsabilidade delitual que tem um especial regime de mora (805º, 3, parte final) e de
indemnização suplementar para além dos juros (806º, 3, in fine);
c) - as convenções de irresponsabilidade seriam nulas na responsabilidade delitual,
mas não na contratual (800º, 2);
d) - a solidariedade constitui a regra na responsabilidade delitual (497º), ao passo que
na responsabilidade contratual o regime normal é o da conjunção (513º), pois a
solidariedade de devedores só existe se resultar da lei ou da vontade das partes;

e) - só a responsabilidade delitual está sujeita a prescrição de curto prazo (498º e


309º).
f) - graduação da indemnização na resp. extracontratual (494º), salvo P. Jorge que
aplica esta norma à resp. contratual.
g) - Onus da prova a cargo do lesado da resp. extracontratual - 487º - e presunção de
culpa do devedor na contratual - 799º. Também na Resp. extracontratual consagra a lei
casos de presunção de culpa, como nos art. 491º a 493º e 503º, nº 3.

2
A tendência actual da doutrina vai no sentido da unificação das duas espécies de
responsabilidades - Calvão da Silva, Pedro Albuquerque e Meneses Cordeiro, citados
no BMJ 445-492.
Funções da resp. civil:

- reparadora ou compensatória - em regra a indemnização não excede o dano


sofrido.
- punitiva, sancionatória - o montante da indemnização varia consoante o grau de
culpa - 494º e 497º, 2 ; 570º.

Resp. Ext. por FACTOS ILÍCITOS - PRESSUPOSTOS - 483º

A) - Por Culpa

I - Facto voluntário - no sentido de dominável, controlável pela vontade humana; só


em relação a factos assim pode falar-se de ilicitude e de culpa. Mas não tem o acto que ser
querido: negligência inconsciente, distracção, actos de incapazes - 488º,1 e 489º, 1 e
2. Motorista que adormece - BMJ 279-160 – ou que, sentindo-se doente, insiste em conduzir
e causa danos em consequência de acidente vascular cerebral que o acometeu.

Tanto pode ser um facto positivo, acção, como traduzir-se num facto negativo,
abstenção ou omissão. Mas neste caso, só quando havia, por força da lei ou do negócio
jurídico, o dever de praticar o acto omitido - 486º.

É o caso do doido que foge do hospital - que o devia vigiar - em que estava internado
e é atropelado (Bol. 349-516), da falta de vedação em obra de construção civil (BMJ 300-
391), da empresa de alarmes que não providenciou em caso de assalto (Col. 94-5-223) do
cão que, atropelado na auto-estrada, provoca danos no automóvel (Col. 96-2-303), por
pedras ou areia (Col. 96-4-149 e 197), por poça de água e consequente despiste do carro
(Col. 97-2-32). Sendo a notícia veiculada por um órgão de informação audiovisual
(televisão), são igualmente responsáveis por ela o produtor do programa e o director de
informação, apesar de não terem conhecimento da notícia por, ao contrário do que devia,
não terem pré-visionado a informação – Col.. STJ 01-III-21.

Todos os incumprimentos contratuais, mesmo considerando unicamente aqueles que


resultam da omissão de uma prestação de facere ou de dare são susceptíveis de
fundamentar a responsabilidade delitual do devedor perante terceiros. É necessário,
porém, que a prestação omitida (ou cumprida defeituosamente), vise a protecção de
terceiros perante determinados riscos ou perigos.
«Não são, portanto, todas as omissões de deveres contratuais que podem originar a
responsabilidade delitual do devedor perante terceiros prejudicados, mas apenas aquelas
que ocasionam os prejuízos que o cumprimento da prestação visa evitar» ... «o contrato cuja
eficácia fundamenta uma responsabilidade delitual do devedor perante terceiros
prejudicados com o seu incumprimento exige que o cumprimento da prestação vise a
preservação de certos riscos ou perigos»
«Do princípio de neminem laedere pode deduzir-se um dever geral de absten-
ção de actos lesivos, mas a omissão de um dever de actuação só releva quando este
dever de agir for imposto, por lei ou convenção, a alguém que se coloca,
relativamente a um certo resultado, numa posição de garante do artigo 486º do
Código Civil» (O Concurso de Títulos de Aquisição da Prestação, págs. 323 a 324).

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Idênticos ensinamentos são transmitidos por Antunes Varela, Das Obrigações em
Geral, vol. 1, 6ª ed., pág. 497; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª ed., 448 e Vaz
Serra, Obrigação de Indemnização, Bol. 84-108 – Ac. STJ de 22.4.93, no BMJ 426- 461,
em que se absolveu os RR do pedido indemnizatório formulado por sócios de uma
sociedade por incumprimento de contrato promessa de arrendamento celebrado entre os RR
e aquela sociedade.
Fora do domínio da responsabilidade civil ficam apenas os danos causados por
causas de força maior ou pela actuação irresistível de circunstâncias fortuitas ou forças
naturais invencíveis.

II - Ilicitude - é a reprovação da conduta do agente no plano geral e abstracto da


lei, antes da culpa que se reporta já a um concreto comportamento.

a) - Violação de um direito de outrem, direitos reais, de personalidade, de autor.


São os casos de inclusão de nome na lista telefónica quando fora contratada a
confidencialidade (Col. 93-3-132 STJ); de nome de médico, nas páginas amarelas, com
deficiências (93-I-17), publicação de anúncio de massagens, em jornal, com telefone de
outrem, sem que o jornal tenha averiguado a identidade do autor do anúncio (89-2-139),
abuso de liberdade de imprensa e ruídos ou actividades que não permitem dormir, já
aflorados a propósito dos direitos de personalidade - art. 70º - e de que é exemplar o ac. no
BMJ 453-417 que trata do direito à vida, direitos de personalidade, colisão de direitos do
dono do talho barulhento e dos habitantes dos andares superiores.
b) - Violação de lei que protege interesses alheios, de leis que não conferem um
direito subjectivo a essa tutela - leis penais, de trânsito, de certas actividades como a
construção civil, electricidade, elevadores cuja porta abre sem que o elevador se encontre
nesse patamar (BMJ 412-438), leis administrativas - que visam principalmente a protecção
de interesses colectivos, como a concorrência, a saúde pública, mas não deixam, também,
de atender aos interesses particulares de indivíduos ou de grupos e visam prevenir o
simples perigo de dano, em abstracto.

Neste concreto tipo de ilicitude é indispensável que se verifiquem três requisitos:


1º- Que à lesão dos interesses do particular corresponda a violação de uma
norma legal. O agressor do artista não terá que indemnizar o empresário prejudicado
pelo cancelamento do espectáculo (?).
2º - Que a tutela dos interesses particulares figure entre os fins da norma
violada, não mero reflexo dos interesses colectivos. Será este o caso de um electricista
que morre electrocutado quando fazia uma ligação eléctrica e os familiares pretendiam
valer-se do Regulamento de Segurança das I. U. E. eléctrica (BMJ 453-484).
3º - Que o dano se tenha registado no círculo de interesses privados que a lei
visa tutelar. Não haverá responsabilidade se o ilícito - queda de cimento - ocorre em
espaço vedado ao público ou reservado a certas pessoas que não o lesado -
estacionamento de médico em lugar reservado à direcção da clínica.

Factos ilícitos especialmente previstos na lei

484º - Imprensa - Caso Cadilhe - 94-I-106 e os fornecidos aquando do estudo do art.


70º, designadamente o BMJ 448-384 e notas;
Col. STJ 99-I-120 a 122, com estudo da ofensa do direito de personalidade através
de imprensa, direito ao bom nome e dever de informar, direito de liberdade de imprensa; No

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mesmo sentido e versando pedido indemnizatório formulado por Valle e Azevedo pode ver-
se a Col. 01-II-103; Informação anotada em ficha de Banco - 93-II-171 STJ; em carta
dirigida a autoridades - BMJ 406-623. Não se exige animus iniuriandi vel difamandi - BMJ
467-577. Ainda sobre violação do bom nome através da imprensa (Televisão) pode ver-se o
caso Subtil na Col. Jur. (STJ) 2001-III-21 e através do exercício do direito de queixa na
mesma Col.. (STJ) 2001-III-122: A ofensa do crédito ou do bom nome de uma pessoa está
subordinada aos princípios gerais da responsabilidade delitual; a afirmação ou divulgação de
um facto pode não ser ilícita se corresponder ao exercício regular de um direito, faculdade
ou dever.

485º - dever de informação de Banco BMJ 411-527 (sobre a natureza e


consequências de certa operação bancária) e Parecer de F. Correia sobre informação em
OPV na Col. 93-4-25.
486º - Os atrás referidos, doido que foge do hospital; criança gravemente queimada
em infantário, caso este decidido pelo STJ por Ac. de 25.11.98, no BMJ 481-470 tratando de
forma exaustiva as questões assim sumariadas:

RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL


E POR FACTOS ILÍCITOS
DANO NÃO PATRIMONIAL
DANOS FUTUROS
EQUIDADE
CULPA IN VIGIIANDO
QUEIMADURAS DE 3º GRAU EM CRIANÇA
NUM INFANTÁRIO
INDEMNIZAÇÃO A FAVOR DOS PROGENITORES

I - A omissão dos deveres de socorro e de prevenção do perigo, derivados das obri-


gações contratuais de vigilância e de assistência assumidas pela ré, sobre as crianças
recolhidas num seu infantário, omissão que foi causadora de lesões de direitos absolutos
daquelas, implica responsabilidade, quer contratual quer extra-contratual, para com os
respectivos pais.
II - Na noção geral de dano não patrimonial, acolhida pelo nº 1 do artigo 496º do
Código Civil, cabem a dor física e moral, a perda do sentimento de auto-estima e a ampu-
tação da alegria de viver, devendo a compensação monetária de um tão grande desvalor ser
feita com recurso à equidade, nos termos do nº 3 do mesmo normativo.
III - Os prejuízos irreversíveis sofridos por bebé de 7 meses de idade resultantes de
aleijões nas mãos e da desfiguração da face, implicando privação de uma parte importante
da futura capacidade de ganho, são susceptíveis de indemnização (564º, nº 2, equidade -
566º, nº 3), não valendo contra-argumentar que, face à tenra idade do lesado, dar como
assente o lucro cessante ou o respectivo montante constitui um exercício de futurologia.
IV - Enquanto titulares do poder paternal, os pais têm o direito de ver o filho menor
crescer e desenvolver-se em saúde, por força do nº 1 do artigo 68º da Constituição da
República Portuguesa. A directa violação de tal direito, absoluto, pela grave omissão dos
funcionários da ré, de que resultaram danos pessoais para o menor implica indemnização,
por danos não patrimoniais, a favor dos progenitores.

Alusão às causas justificativas ou de exclusão de ilicitude - acção directa (336º),


Legítima defesa (337º), estado de necessidade (339º) e consentimento do lesado (440º),
também referidas naquele ac. na Col. STJ 99-I-120 a 122.

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III - Culpa ou Nexo de imputação do facto ao lesante - Só pode dizer-se que
alguém agiu com culpa quando esse alguém é imputável e no caso concreto podia e
devia ter agido de outro modo. Só então é possível formular um juízo de censura, de
reprovação, de culpa.

Imputabilidade - capacidade de entender e querer - 488º- Inimputáveis presumidos


- nº 2 do 488º.

Responsabilidade das pessoas obrigadas à sua vigilância - 491º (BMJ 451-39) -


fotocópia - e dos próprios inimputáveis - 489º (equidade e impossibilidade de obter a
reparação das pessoas a quem incumbe a vigilância - BMJ 436-168: maior criminalmente
inimputável, sem vigilante por não interdito ou com vigilante mas este sem bens, deve
indemnizar:

Depois de fixar o princípio da irresponsabilidade civil do inimputável, o legislador veio


admitir a sua condenação por danos resultantes de factos ilícitos que cometa, isto por
motivos de equidade, verificado que seja todo um requisitório que o Professor Antunes
Varela assim articula: cfr. Das Obrigações em Geral, 2ª ed., vol. I, págs. 441:
a) - Que haja um facto ilícito;
b) - Que esse facto tenha causado danos a alguém;
c) - Que o facto tenha sido praticado em condições de ser considerado culposo;
d) - Que haja entre o facto e o dano o necessário nexo de causalidade;
e) - Que a reparação não possa ser obtida à custa do vigilante do inimputável;
f) - Que a equidade justifique a responsabilidade total ou parcial do autor, em face
das circunstâncias concretas do caso;
g) - Que a obrigação de indemnizar seja fixada em termos de não privar o inimputável
dos meios necessários aos seus alimentos ou ao cumprimento dos seus deveres legais de
alimentos.
Simplesmente, a esta impossibilidade económica de o vigilante poder reparar os
danos produzidos pelo inimputável é inteiramente equiparável aquela outra hipótese de este
último ser maior, de não estar interditado e de, portanto, não ter representante legal. A
circunstância de a lei não contemplar expressamente a situação concreta que se nos depara
não é intransponível, tudo dependendo de se poder ou não recorrer à analogia como
processo de preencher a lacuna encontrada.

Culpa - é fundamental neste tipo de responsabilidade que se possa estabelecer um


nexo psicológico entre o facto e a vontade do lesante, que esse nexo seja passível de um
juízo de censura. Nos termos do art. 483º, n.os 1 e 2 - só existe obrigação de indemnizar
independentemente de culpa nos casos especificados na lei.

Este juízo de censura pode revestir as modalidades de dolo e negligência ou mera


culpa.
No caso de dolo, juízo de censura mais intenso, a indemnização não pode ser
inferior ao valor dos danos. Não já no caso de mera culpa - 494º e 497º, 2 e 570º

Modalidades da culpa em sentido lato: - 483º - dolo e mera culpa.

DOLO - 1 . Directo - o lesante representa e quer o resultado, apesar de conhecer a


ilicitude desse resultado;

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2 . Necessário - não querendo directamente o facto ilícito, o agente todavia
previu-o como uma consequência necessária, segura, da sua conduta.
3 . Eventual - sempre que o agente, ao actuar, não confiou em que o efeito
possível da sua actividade se não verificaria;

Mera culpa, negligência consciente - o agente só actuou porque confiou em que o


resultado não se produziria, o agente previu (como possível) a produção do facto e não
tomou as medidas necessárias para o evitar.
Mera culpa ou negligência inconsciente - imprevidência, descuido, imperícia ou
inaptidão, omissão do dever de diligência.

A Culpa é apreciada em abstracto - 487º, 2 - diligência de um bom pai de família,


em face das circunstâncias de cada caso.

Prova da culpa

Nos termos do art. 342º, 1, sendo a culpa elemento constitutivo do direito à


indemnização, cabe ao A. fazer a prova dela - 487º, 1 - a menos que beneficie de
presunção; não assim na responsabilidade contratual, onde a falta de culpa funciona como
excepção e, por isso, cumpre ao devedor provar que o incumprimento não se deve a culpa
sua - 342º, 2 e 799º1.

Presunções de culpa - 487º, 1 – (não são casos de responsabilidade objectiva)


Presunção judicial por violação de norma - Nas acções de indemnização por facto
ilícito, embora caiba ao lesado a prova da culpa do lesante, a posição daquele será
frequentemente aliviada por intervir aqui, facilitando-lhe a tarefa, a chamada prova de
primeira aparência (presunção simples): se a prova prima facie ou por presunção judicial
produzida pelo lesado, apontar no sentido da culpa do lesante, cabe a este o ónus da
contraprova; em princípio, procede com culpa o condutor que, em contravenção aos
preceitos estradais, causar danos.
Provado que a condução do automóvel era feita em manifesta violação da regra
enunciada no artigo 13º, n.° 1, do Código da Estrada (fora de mão), demonstrada ficou, em
princípio, a culpa do réu condutor, culpa presumida que só resultaria afastada se os réus
tivessem provado que aquela condução pela esquerda da meia faixa de rodagem à direita
do condutor se encontrava justificada por ocorrer situação de facto subsumível a qualquer
das excepções previstas naquele artigo 13º - antigo art. 5º - do Código da Estrada - BMJ
414 -533, com muita informação.

No mesmo sentido decidiu o mesmo STJ em 9.7.98, por Ac. no BMJ 479-592:
Existe inobservância do direito estradal quando se realiza a ultrapassagem de outro
veículo sem que se respeite uma prudente distância relativamente a ele, o que faz
presumir a culpa na produção dos danos dela decorrentes.
A responsabilidade fundada na culpa - culpa presumida é o mesmo que culpa
efectivamente provada - permite formular uma pretensão indemnizatória que ultrapassa os
limites fixados para a que se baseia no risco, caso em que não há lugar à aplicação do nº l
do artigo 508º do Código Civil.

Mais recentemente - ac. de 8.6.99, no BMJ 488-323 - decidiu-se que tem sido
orientação praticamente constante do Supremo Tribunal de Justiça aquela segundo a qual a

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prova da inobservância das leis e regulamentos faz presumir a culpa na produção dos danos
dela decorrentes, dispensando a prova em concreto da falta de diligência.

Presunções legais de culpa - ... responde ... Salvo se... 350º, 2


491º - pessoas obrigadas, por lei ou negócio jurídico, à vigilância de incapazes
naturais. Respondem por facto próprio, por culpa in vigilando – Estudar aquele Bol. 451-
39, com voto de vencido.
Ciclista menor que atropela peão - responsabilidade dos pais - BMJ 421-420, também
referido no voto de vencido agora visto.
Menor que mata o amigo: relacionar este art. 491º com os art. 122º, 123º, 1878º, nº 1
e 1881º, nº 1, conforme decidido pelo STJ, em 28.10.92, no BMJ 420-565:
CULPA IN VIGILANDO
DEVER DE VIGILÂNCIA DE MENORES
INDEMNIZAÇÃO
RESPONSABILIDADE DOS PAIS

I - A responsabilidade que recai sobre os pais e encarregados da vigilância de


menores funda-se na culpa, resultante de, nessa vigilância, terem descurado os deveres
próprios do exercício de tal função.
II - Essa culpa deve ser apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face
das circunstâncias de cada caso (artigo 487º nº 2, do Código Civil), recaindo sobre o
eventual responsável a obrigação de provar ter cumprido o seu dever de vigilância ou que os
danos se teriam produzido ainda que o tivesse cumprido (artigo 491º do Código Civil).
III - Um vulgar pai de família não está obrigado a um dever de vigilância que preveja
que dois rapazes amigos, considerados pelos conhecidos como especialmente bem
comportados, em passeio mais ou menos habitual de exploração das matas da zona, se
envolvam em confronto físico, em resultado de observações desprimorosas para a família
feitas pelo que veio a ter a posição de vítima.
IV - A circunstância de ambos, numa exploração daquele tipo, serem portadores de
armas cortantes não é, sequer, factor que justifique uma obrigação acrescida de vigilância e
cuidado, por se configurar como normal o respectivo transporte no concreto
circunstancialismo do caso, atendendo à idade de ambos e à natureza da deslocação que
empreendiam, em espírito de aventura, e sem que, em outras ocasiões anteriores, tivessem
sido criadas quaisquer dúvidas sobre a idoneidade dos mesmos para se fazerem
acompanhar da referida espécie de armas.
492º - Danos causados por edifícios ou obras - embora o artigo 492º C.C.
estabeleça uma presunção de culpa que favorece o lesado, tal presunção só funciona
após a prova, ónus do lesado, de o evento se ter ficado a dever a vício de construção
ou defeito de conservação. O lesado apenas tem de provar o facto que serve de base
à presunção. A presunção onera tanto o proprietário como o possuidor, devendo
considerar-se possuidor quem (o empreiteiro, p. ex.,) leva a cabo a obra, quem tem a coisa
à sua guarda - Col. STJ 01-I-39 e BMJ 493-367; queda de muro sobre automóvel
estacionado – Col. Jur. (STJ) 02-III-51.

Col. STJ 96-I-77 e III-122 - Ruptura de cano da EPAL.


Este caso de ruptura de cano da Epal com inundação e danos a terceiros foi decidido
pelo STJ, por Ac. na Col. STJ 98-I-138, como actividade perigosa subsumida à previsão
do nº 2 do art. 493º do CC. Longo voto de vencido entende que não se trata de actividade
perigosa mas antes de obra com o regime do art. 492º, nº 1, cabendo ao lesado provar os
pressupostos de presunção de culpa ali consagrada.

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493º, 1 - Coisas ou animais - responsabilidade de quem detém a coisa ou animal
com o dever de vigilância. Trata-se aqui de sancionar a presunção de que o detentor -
proprietário, comodatário, depositário, pastor - não tomou as medidas necessárias para
evitar o dano. Presunção ilidível, nos termos dos art. 350º, 2 e parte final do nº 1 do art.
493º.

O proprietário ou quem utilize o animal no seu próprio interesse pode ainda


responder pelo risco quando os danos resultem do perigo especial que a utilização dos
animais envolve - 502º.

Exemplos: - toiro na feira que ataca um vitelo e a pessoa que segurava este - Col.
82-II-361; cavalos que fogem do cercado e atropelam um automóvel - BMJ 369-693; bois
que invadem a estrada e provocam acidente - Col. STJ 00-III-169; águas vindas do andar
superior, desabitado, que danificam o andar inferior - Col. 97-I-48; árvore que cai em cima
do automóvel - Col. 89-III-74; morro que desaba sobre a via férrea- BMJ 320-145 ; Câmara
que deixa obstáculo na via pública, como tampa de saneamento elevada em relação ao
piso, vala não sinalizada - Ac. Doutrinais do STA, Ano XXXIV - nº 30.

493º, 2 - actividades perigosas - Há obrigação de reparar os danos, excepto se o


lesante mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o
fim de os prevenir. Não basta provar, como nos casos anteriores, que os danos se teriam
produzido por outra causa, mesmo que o agente tivesse adoptado todas as providências
exigidas pelas circunstâncias.

A actividade pode ser perigosa tanto pela sua natureza como pelos meios
utilizados.
Exemplos : - exercícios militares - BMJ 407-234; construção civil - BMJ 446-217;
monda química por avião - Col. 85-IV-293; transporte de produtos inflamáveis - Col. 80-II-
183; lançamento de foguetes - STJ 94-III-47; Ralye automóvel - BMJ 411-647; oficina de
pirotecnia Col. 90-V-49; uso de Caterpillar que danifica cabos telefónicos - STJ 95-III-153;
locomotiva a carvão e incêndios que provoca - RLJ 112-268; ruptura de cano da Epal
quando se entenda a condução subterrânea de água como actividade perigosa (vista Col.
STJ 98-I-138); escavações em trincheira - BMJ 493-367; armazenamento e transporte de
resinas e materiais inflamáveis – Col. STJ 02-I-114; karting – Col. 01-V-251.

ASSENTO de 21.11.79, no D.R. de 29.1.80: o disposto no artigo 493º, n.° 2, do


Código Civil, não tem aplicação em matéria de acidentes de circulação terrestre».

Em matéria de culpa é importante notar que a culpa concorrente do lesado na


produção ou agravamento dos danos pode levar à redução ou, até, à exclusão da
indemnização - art. 570º:

RESPONSABILIDADE CIVIL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
CONCULPABILIDADE DO LESADO

I - Constituem pressupostos da responsabilidade civil, nos termos dos artigos 483º


e 487º, nº 2 do Código Civil, a prática de um acto ilícito, a existência de um nexo de

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causalidade entre este e determinado dano e a imputação do acto ao agente em
termos de culpa, apreciada como regra em abstracto, segundo a diligência de um «bom pai
de família».
II - A causa juridicamente relevante de um dano é - de acordo com a doutrina da
causalidade adequada adoptada pelo artigo 563º do Código Civil aquela que, em abs-
tracto, se revele adequada ou apropriada à produção desse dano, segundo regras da ex-
periência comum ou conhecidas do lesante.
III - Ocorrendo a violação de normas de perigo abstracto, tendentes a proteger de-
terminados interesses - como o são as regras do Código da Estrada definidoras de in-
fracções em matéria de trânsito rodoviário - a investigação de um nexo de causali-dade
adequada entre a conduta e o dano serve para excluir da responsabilidade decorrente de
certo facto as consequências que não sejam típicas ou normais.
IV - A prova da inobservância de leis ou regulamentos faz presumir a culpa na pro-
dução dos danos dela decorrentes, dispensando a correcta comprovação da falta de dili-
gência.
V - Para que se verifique conculpabilidade do lesado, justificativa de eventual re-
dução ou exclusão da indemnização nos termos do artigo 570º, nº 1, do Código Civil, é
necessário que a conduta daquele possa considerar-se uma concausa do dano, em con-
corrência com o facto do responsável.
VI - Tendo um veículo pesado de mercadorias invadido a faixa de rodagem oposta,
ao descrever uma curva a pelo menos 60 km/h, e em consequência embatido num
velocípede a motor a menos de 50 cm do eixo da via, é de entender que, para além da
responsabilidade do condutor daquele veículo, existiu conculpabilidade do condutor do
velocípede, na medida em que não respeitara a regra do Código da Estrada que manda
transitar «o mais próximo possível das bermas e passeios» mas não já, porque não
adequada à causação do acidente, em função da violação, também cometida, da regra
concernente à distância a manter em relação ao veículo que o precedia.
VII - É adequada em relação ao acidente assim descrito a repartição de responsa-
bilidade entre o condutor do veículo pesado de mercadorias e o do velocípede a motor nas
percentagens de 80% e 20%, respectivamente - STJ, Ac. de 10.3.98, BMJ 475-635

IV - DANO - dano real - morte, ferimentos, amolgadela do carro, destruição da coisa;


É a lesão causada no interesse juridicamente tutelado.
- dano patrimonial - reflexo deste dano real sobre a situação patrimonial do
lesado: despesas e prejuízos causados pelo dano real. Abrange tanto o dano emergente -
prejuízos causados em bens ou direitos já existentes à data da lesão - como o lucro
cessante - benefícios que o lesado deixou de obter, mas a que ainda não tinha direito à
data da lesão.
- dano não patrimonial - insusceptível de avaliação pecuniária, atinge bens
que não fazem parte do património do lesado; tais danos apenas podem ser compensados,
mais que indemnizados - dor física ou moral, honra, bom nome, beleza, perfeição física
e estética, disfunção sexual, impotência ...
Sobre as várias espécies de danos e métodos de cálculo dos danos futuros pode ver-
se a longa anotação no BMJ 451-39 e ss, maxime 52, e recente estudo do Cons.º Sousa
Dinis, na Col. STJ 01-I-5

Hoje não sofre dúvida a indemnizabilidade do dano não patrimonial, como


claramente resulta do art. 496º. Ponto é que pela sua gravidade, medida por padrões
objectivos, tal dano mereça a tutela do direito.

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Na fixação do montante da indemnização ganha particular relevo a equidade, aliada
às circunstâncias referidas no art. 494º - 1ª parte do nº 3 do art. 496º.

DNP na responsabilidade contratual?

Ver divergências doutrinais e jurisprudência dominante em sentido afirmativo, tudo


no acórdão do STJ, de 21.3.95, no BMJ 445-487, assim sumariado:

I - Os danos não patrimoniais são ressarcíveis no âmbito da responsabilidade


contratual, além do mais porque os artigos 798º e 804º, nº 1, do Código Civil não
estabelecem qualquer restrição ou limitação relativa aos prejuízos indemnizáveis com
esse fundamento.
II - O simples incumprimento de contrato não origina, todavia, por si só, o
ressarcimento dos danos não patrimoniais dele resultantes.
III – Essa reparação só se justifica, face ao disposto no art. 496º, nº 1, do CC - que
reflecte um princípio geral válido para toda a responsabilidade civil -, quando a especial
natureza da prestação o exigir, ou se as circunstâncias que acompanhem a violação do
contrato contribuírem decisivamente para uma grave lesão de bens ou valores não
patrimoniais.
IV – São ressarcíveis, a título de danos não patrimoniais, a preocupação, a angústia,
o incómodo e o desgosto causados aos compradores de uma parcela de terreno em
empreendimento turístico que se viram impossibilitados de utilizar a casa que nele
construíram por a sociedade vendedora e promotora do empreendimento não ter, ao
contrário daquilo a que contratualmente se obrigara, criado as infra-estruturas (estradas de
acesso, fornecimento de água e electricidade) necessárias à respectiva habitabilidade.

Também pode ser devida indemnização por DNP na responsabilidade extracontratual


por factos lícitos - BMJ 457-317:

I - O proprietário que procede a escavações no seu prédio responde civilmente pelos


danos produzidos nos prédios vizinhos, nos termos do artigo 1348º, nº 2, do Código Civil,
ainda que aquelas escavações tenham sido efectuadas por empreiteiro. mediante contrato
de empreitada celebrado com o dono da obra.
III - A admissibilidade da reparação dos danos não patrimoniais corresponde a um
princípio imanente no nosso direito, havendo lugar a indemnização por tais danos quando se
trate de responsabilidade civil extracontratual emergente quer de actos lícitos quer de actos
ilícitos.

Danos por MORTE da vítima

É jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça que a lesão do direito à


vida - sendo a vida o bem supremo do homem e origem da sua personalidade - é
indemnizável - BMJ 404 - 454.

Em caso de morte da vítima há, normalmente, vários danos a ressarcir, tanto


patrimoniais como não patrimoniais, e várias pessoas com direito a indemnização. Por isso
convém, na fixação da indemnização, discriminar uns e outros danos, tanto na origem deles
como nos seus destinatários. Assim:

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Danos patrimoniais - despesas médicas, de assistência e socorro, hospitalares, de
funeral, como previsto nos nº 1 e 2 do art. 495º;
- de alimentos a quem o lesado os prestava, tanto em
cumprimento de obrigação natural como legal (2009º) - nº 3 do art. 495º.
Compreendem-se aqui os alimentos prestados pelo falecido à pessoa que com ele
vivia em união de facto – Col. STJ 97-III-61 - ideia agora reforçada pela Lei nº 7/2001.
- outros, a tratar a propósito da obrigação de indemnizar,
designadamente salários e rendimentos perdidos, por incapacidade parcial ou total
permanente, com ou sem perda de salários.

Danos não patrimoniais - a) - sofridos pelo falecido, enquanto vivo, como as


dores físicas ou morais, a angústia da proximidade da morte.
Radicaram-se na esfera jurídica do falecido e, de acordo com certa corrente
doutrinária e jurisprudencial, são transmissíveis por via sucessória de acordo com as
regras respectivas - 496º, 3, início da parte final.
b) - sofridos pelas pessoas referidas no nº 2,
especialmente chegadas ao finado - 496º, 3, in fine.
c) - Dano da própria morte, pela supressão do direito
à vida - 496º, 2 - é indemnizável e cabe, jure proprio, originário, não por via sucessória,
aos familiares referidos no nº 2 do art. 496º e pela ordem aí indicada.

Esta questão tem sido objecto de forte polémica, como se vê do Ac. do STJ, de
9.5.96, no BMJ 457-280:

O artigo 496º, nº 2, do Código Civil, refere-se aos titulares activos dos direitos de
indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelo de cujus em caso de lesão de que
proveio a morte.
A este respeito, a doutrina tem-se dividido, defendendo:
uns, que tais direitos de indemnização cabem primeiramente ao de cujus e depois se
transmitem sucessoriamente para os seus herdeiros legais ou testamen-tários (Galvão
Telles Direito das Sucessões, 1971, págs. 83 a 87);
outros, que tais direitos após terem cabido ao de cujus se transmitem
sucessoriamente para as pessoas mencionada no nº 2 do artigo 496º do Código Civil (Vaz
Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 103º, pág. 172; Leite Campos, A
Indemnização do Dano da Morte, 1980, pág. 54), e
ainda outros que esses direitos de indemnização são adquiridos directa e
originariamente pelas pessoas indicadas no nº 2 do artigo 496º do Código, não havendo
lugar por isso a transmissão sucessória (Antunes Varela, Direito das Obrigações, vol. I, 6.ª
ed., pág. 583; Pires de Lima e Antunes Vareja, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed., pág. 500.
Nesta polémica doutrinal (e também jurisprudencial, cfr. acórdãos deste Supremo
Tribunal de 16 de Março de 1973, Boletim do Ministério da Justiça nº 225, pág. 216, e de 13
de Novembro de 1974, Boletim do Ministério da Justiça, nº 241, pág. 204), propendemos
para a orientação que os danos não patrimoniais sofridos pelo morto nascem, por direito
próprio, na titularidade da pessoas designadas no nº 2 do artigo 496º, segundo a ordem e
nos termos em que nesta disposição legal são chamadas. Esta adesão radica-se na
argumentação utilizada quer por Antunes Varela - ob. cit., pág. 585 - quer por Capelo de
Sousa - Lições de Direito das Sucessões, vol. I, 3ª ed., págs. 298 a 304 - argumentação esta
sólida no que se refere aos trabalhos preparatórios do Código, os quais revelam, em termos
inequívocos, que o artigo 496º, na sua redacção definitiva, tem a intenção de afastar a

12
natureza hereditária do direito a indemnização pelos danos morais sofridos pela
própria vítima (Capelo de Sousa, op. cit., 298, nota 433).

Basta ver que o cônjuge aparece aqui como beneficiário da indemnização quando só
com a reforma de 1977 ele passou a ser herdeiro.
Sobre esta matéria convém ler as Lições de Família e Sucessões, de Leite de
Campos, as Sucessões, de Capelo de Sousa, de P. Coelho, as Obrigações (8ª ed. 619 e ss)
e Comentário de A. Varela na RLJ 123 - 185 e ss, citado no BMJ 466-450, com cópia.

Não obstante não se encontrarem na acção todas as pessoas com direito a


indemnização a que alude o art. 496º, nº 2, do CC, tal não obsta a que o Tribunal fixe, desde
logo, a quota indemnizatória dos presentes.
É que apesar da lei, naquele artigo, usar a expressão «em conjunto», tal não
significa que o Tribunal não deva descriminar a parte que concretamente cabe a cada um
dos beneficiários, de acordo com os danos por eles sofridos, já que «terem direito à
indemnização em conjunto» significa que os descendentes não são chamados só na falta
do cônjuge, como sucede com os beneficiários do 2º e 3º grupos indicados no mesmo nº 2,
para os quais vigora o principio do chamamento sucessivo – Col. STJ 97-III-61.

A expressão usada no nº 2 do art. 496º ... filhos ou outros descendentes não


significa que os descendentes que não sejam filhos (netos ou bisnetos) concorrem com o
cônjuge e filhos. Deve entender-se que o direito à indemnização caberá pois em conjunto,
não ao cônjuge, aos filhos «e» outros descendentes, mas sim ao cônjuge e aos filhos e
também (ou) a outros descendentes que eventualmente hajam sucedido a algum
desses filhos, pré-falecidos, por direito de representação - BMJ 485-393.

Pelo que esta decisão negou legitimidade e indemnização quer por perda de
alimentos quer por danos não patrimoniais ao neto que vivia com o falecido avô mas tendo
este deixado cônjuge e filhos.

Por acórdão de 19.6.2002, no DR, II, de 24.7.02, o Tribunal Constitucional julgou


inconstitucional, por violação do n.º 2 do art. 36º da Constituição, conjugado com o princípio
da proporcionalidade, a norma do n.º 2 do art. 496º do CC na parte em que, em caso de
morte da vítima de um crime doloso, exclui a atribuição de um direito de indemnização por
danos não patrimoniais pessoalmente sofridos pela pessoa que convivia com a vítima em
situação de união de facto, estável e duradoura, em condições análogas às dos cônjuges.

V - NEXO DE CAUSALIDADE entre o facto e o dano - 563º.

Causa virtual é o facto real ou hipotético (veneno) que tenderia a produzir certo dano
(morte) se este não tivesse sido causado por um outro facto que é a causa real (tiro). Salvo
em casos excepcionais - 491º, 492º e 493º, nº 1 - irreleva a causa virtual. Ver A. Varela,
Obrigações, 9ª ed., I, 639 a 643.

Embora a causalidade adequada vá ser mais profundamente analisada no âmbito


da obrigação de indemnizar, deixa-se transcrito o sumário de Ac. do STJ (Cons.º Noronha
Nascimento), de 3.12.98, no BMJ 482-207:

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IV - A nossa lei civil (artigo 563º do Código Civil) consagra a teoria da causalidade
adequada, teoria esta que admite duas variantes: a positiva e a negativa.
Na variante positiva, que é mais restritiva e mais conexionada com a valoração ética
do facto (pelo que é utilizada para a fixação do nexo causal no âmbito do direito criminal) a
previsibilidade do agente tem que se referir ao facto e à amplitude dos danos que dele
emergem; ou seja, o agente só é culpado do que previu, quanto ao facto que praticou e
quanto aos danos que perspectivou.
Na variante negativa - a que está consagrada no artigo 563º do Código Civil - que é
mais ampla e que tem um sentido ético da culpa menos restrito (por isso que é mais
utilizada no direito civil, na teoria da responsabilidade), a previsibilidade do agente reporta-
se ao facto e não aos danos, o que significa que o agente será sempre responsável por
danos que jamais previu, desde que provenham de um facto - condição deles - que ele
praticou e que visualisou. Assim, um facto é causal de um dano quando é uma de entre
várias condições sem as quais o dano não se teria produzido.
V - Não há nexo causal entre o acidente e a morte do acidentado quando não há
qualquer facto provado que permita considerar o acidente como condição causal da morte,
sendo certo que a causalidade entre facto e dano tem de ser provada pelo autor porque é
um facto constitutivo (artigo 342º, nº 1, do Código Civil) que, se essa prova se não fizer,
quem sofre o respectivo ónus é a parte a quem incumbia essa prova (artigo 346º, in fine, do
Código Civil).

Titulares do direito a indemnização - o lesado; os terceiros - só nos casos vistos


(495º e 496º, nº 3, in fine) de responsabilidade extracontratual.
Enquanto que o Ac. do STJ, de 2.11.95 (www.dgsi.pt/jstj) decidiu que apenas são
passíveis de tutela os danos não patrimoniais sofridos pelo próprio ofendido, outras decisões
atenderam aos DNP sofridos por terceiro, danos que, de acordo com as regras gerais (496º,
nº 1 e 563º CC), são claramente indemnizáveis.
Assim, os Ac. publicados na Col. 91-V-71 e 182 indemnizaram com mil contos o dano
não patrimonial sofrido pelos pais pela perda da filha, jovem licenciada, e idêntico dano de
uma filha adolescente pela perda da mãe.
A indemnização destes danos resulta do disposto na parte final do nº 3 do art. 496º,
pois a vítima morreu.
A Relação do Porto, por ac. de 30.3.2000, na Col. 00-II-209 - entendeu ser devida ao
nascituro indemnização pela perda do pai, caso aquele venha a nascer - 66º, n.os 1 e 2,
CC.
O recente e notável Ac. do STJ, de 25.11.98, já atrás sumariado, foi mais longe e
julgou indemnizável o dano não patrimonial sofrido pelos pais de uma criança gravemente
queimada, mas em que não ocorreu a morte, com base nos art. 496º, nº 1, do CC e 68º, nº
1, da Constituição.

Pode ler-se no texto do acórdão e no tocante a este assunto:

Danos não patrimoniais sofridos pelos pais do menor.


Não é difícil imaginar o seu sofrimento moral.
Diz o processo que «o acidente e suas sequelas causaram aos autores um desgosto
e uma dor moral de proporções máximas».
Nem era preciso dizê-lo.
Mas, apesar de tudo, não é apodíctico que seja um dano indemnizável.

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Salva a hipótese de morte da vítima, o direito de indemnização por danos não
patrimoniais apenas cabe ao directamente lesado com o facto ilícito. Di-lo-no, desde logo, o
nº 1 do artigo 483º do Código Civil.
Em sede de responsabilidade civil por factos ilícitos e pelo risco, o correspondente
crédito de indemnização, tanto do dano patrimonial como do dano não patrimonial, entronca
no titular do direito ou do interesse imediatamente violados, só excepcionalmente se
estendendo a terceiros.
Estão neste último caso as hipóteses consideradas nos diferentes números do artigo
495º do Código Civil (cuja epígrafe fala, precisamente, em «indemnização a terceiros em
caso de morte ou lesão corporal») e no nº 2 e na segunda parte do nº 3, ambos do artigo
496º do mesmo Código.
Estender, por argumento de analogia, o comando do nº 2 do artigo 496º a situações
como a dos autos carece de validade, visto que não procede, neste, a razão justificativa da
extensão a terceiros do direito de indemnização pelo dano não patrimonial, e que é,
precisamente, a morte da vítima; como norma excepcional, ela seria, aliás, insusceptível de
aplicação analógica, nos termos do artigo 11º do Código Civil.
Não há, na hipótese, caso omisso, carecido de integração, nos termos do artigo 10º
do Código Civil, mas, tão-só, um caso deliberadamente não regulado.
Por mais intensas e atrozes que tenham sido as dores morais dos pais, elas não
deixam de ser uma consequência indirecta, reflexa, do acto lesivo da integridade física do
menor.
Porém, a omissão causadora dos danos implicou directamente com o poder-dever
legal dos pais de velarem pela segurança e saúde do filho (artigo 1878º, nº 1, do Código
Civil).
Se do incumprimento do dever contratual da Santa Casa resultaram danos corporais
para o menor, então não foi só o direito absoluto deste à integridade física que ficou
directamente violado, mas, também, e directamente, o, também absoluto, direito (que
também é dever) dos pais ao são e harmonioso desenvolvimento físico do seu filho menor,
direito que a lei lhes garante e reconhece através da atribuição/imposição do poder paternal
e do reconhecimento da paternidade e da maternidade como valores fundamentais, de
matriz constitucional.
Enquanto titular do poder paternal, o progenitor tem não só o dever de garantir a
segurança e a saúde do filho como, também, o direito de o ver crescer e desenvolver-se em
saúde, por força do nº 1 do artigo 68º da Constituição.
Tal direito, como direito absoluto, é violado directamente pela acção ou pela omissão
de que resultam danos pessoais para o filho menor, e, por isso, a sua violação pode
implicar, ao abrigo do nº 1 do artigo 496º do Código Civil, indemnização por danos não
patrimoniais; sem necessidade, pois, do recurso espúrio ao argumento de analogia tirado da
norma do nº 2 do mesmo artigo.
No caso dos autos, a grave omissão (artigo 486º do Código Civil) dos funcionários da
Santa Casa (165º e 500º, nº 1) causou directamente dano ao referido direito dos autores
maiores e os danos não patrimoniais resultantes são de gravidade indiscutível, na
perspectiva indemnizatória.
Tomando agora em conta todos os factores que, supra, foram relevados para efeitos
de determinação do montante indemnizatório devido ao menor, e considerando, ainda, que
os autores (pais) sofreram «um desgosto e uma dor moral de proporções máximas», «de par
com enorme preocupação pelas consequências das lesões e pelas hipóteses de um mínimo
de recuperação», entendem que tais danos não patrimoniais dos progenitores devem ser
compensados com a quantia de 1.000 000$00, para cada um.

15
Prescrição do direito à indemnização - 498º, já visto.

Mesmo depois de decorrido o prazo de três anos, e enquanto a prescrição ordinária


se não tiver consumado, o lesado pode requerer indemnização correspon-dente a qualquer
novo dano de que só tenha tido conhecimento dentro dos três anos anteriores - A. Varela,
Obrig., 9ª, I, 650, citado no BMJ 482-216.
Se o lesado não tiver conhecimento do dano aplica-se a prescrição ordinária (vinte
anos - art. 309º); conhecendo novo dano dentro desse período, começa a correr a
prescrição trienal.

B ) - R. Ext. RISCO

Este tipo de responsabilidade nasceu da necessidade de reparar danos


reconhecidamente indemnizáveis mas produzidos sem culpa, antes resultantes da forma de
organização do trabalho e da utilização de máquinas com consequente diluir de
responsabilidades; assenta na ideia ubi commoda ibi incommoda. Também a
responsabilidade sem culpa estimulará o empresário a aperfeiçoar a organização e por aí
diminuir a sinistralidade.
Esta mesma ideia de socialização do risco levou a alargar a responsabilidade sem
culpa à circulação rodoviária, criando-se o seguro obrigatório e até o Fundo de Garantia
Automóvel para os casos de falta de seguro ou de seguro ineficaz.
A responsabilidade pelo risco prescinde da culpa e, por vezes, da própria
ilicitude, como acontece na responsabilidade por factos naturais, de terceiro ou do
próprio lesado.

Mas na regulação desta responsabilidade faz-se frequente apelo às regras da


resp. por culpa, pois é a lei - 499º - que determina a aplicabilidade à responsabilidade
pelo risco das normas da responsabilidade por factos ilícitos.

I - Comitente - 500º

É claro caso de responsabilidade objectiva, pois o comitente responde


independentemente de culpa e mesmo que o comissário tenha agido contra as
instruções recebidas. Restar-lhe-á o reembolso pelo comissário, de duvidosa
solvabilidade.
Mas são necessários três requisitos:
a) - Comissão - que implica liberdade de escolha (?) pelo comitente e
subordinação do comissário ao comitente, que tem o poder de direcção, de dar instruções
ou ordens - nº 1.
b) - exercício da função - nº 2, in fine - com a fórmula legal quis-se afastar da
responsabilidade do comitente os actos que apenas têm um nexo temporal ou local com
a comissão.
c) - responsabilidade do comissário. Em princípio o comitente só responde,
se tiver havido culpa do comissário.

Por comitente, entende-se a pessoa que, por livre nomeação ou mera designação de
facto, encarrega outra de um serviço ou comissão, quer gratuita, quer retribuída, no seu
próprio interesse, permanente ou ocasional (pressupõe uma relação de autoridade).
Por comissário, entende-se aquele que aceita voluntariamente o encargo, ficando
sob as ordens ou instruções do comitente, mesmo que este se proponha utilizar os

16
conhecimentos ou melhor preparação técnica daquele (pressupõe sempre uma relação de
subordinação, a apreciar no caso concreto, segundo as circunstâncias).

No “Código civil Anotado”, 4ª ed., pág. 507, dos Profs. Pires de Lima e Antunes
Varela, lê-se que o termo «comissão» não tem aqui o sentido técnico preciso, que reveste
nos arts. 266º e segs., do Cód. Comercial, mas o sentido amplo de serviço ou actividade
realizada por conta e sob a direcção de outrem, podendo essa actividade traduzir-se
num acto isolado ou numa função duradoura, ter carácter gratuito ou oneroso, manual
ou intelectual.
O Prof. Menezes Cordeiro entende que a comissão abrange toda a tarefa de que o
comissário foi incumbido pelo comitente e surge para efeitos de responsa-bilidade desde
que exista uma escolha de comissário, o comissário actua por conta do comitente e se
estabelece uma relação de subordinação do primeiro para com o segundo - Col. STJ 01-I-
130.

Mantém-se a responsabilidade do comitente: o facto danoso deve estar numa


relação de causalidade ou conexão com a função», «deve ser praticado com os meios
postos à disposição do comissário em razão das suas funções», «deve ser inspirado
pelo interesse do comitente», «a incumbência feita ao comissário deve ser
pressuposto indispensável do dano, de tal sorte que o comissário não teria praticado
o facto fora da comissão» - BMJ 413- 496: - gerente de banco que angariava aceites de
favor para encobrir financiamentos que o Banco de outra forma não faria; Col. Jur. (STJ)
01-III-27: sociedade dona de discoteca não é responsável por agressão dos seus
seguranças a terceiros se praticada a agressão, ainda que na discoteca, por razões
pessoais e por vingança de anteriores agressões dos clientes da discoteca aos agora
seguranças.

O gerente de uma sociedade por quotas que conduz um veículo da sociedade é


comissário desta – Col. STJ 2001-II-23.

Sobre responsabilidade da pessoa colectiva por actos ou omissões de seus


agentes, representantes ou mandatários (art. 165º e 500º) pode ver-se a Col. STJ 96-II-
142, com cópia, bem como o Ac do STJ, na Col. STJ 99-I-127, com o seguinte sumário:

I - Para que o banco como pessoa colectiva responda por actos do seu funcionário, é
necessário que sobre este recaia igualmente a obrigação de indemnizar e que o acto
danoso tenha sido praticado no exercício da função confiada àquele mesmo funcionário.
II - A responsabilidade do banco não é afastada se os actos dolosos do agente,
embora praticados em vista de fins pessoais, estiverem integrados formalmente no
quadro geral da sua competência e o agente infiel aproveita uma aparência social que cria
um estado de confiança do lesado na lisura do comportamento daquele.
III - O comissário responde a título de culpa e o comitente a título de responsabilidade
objectiva, sendo este um dos casos em que existe obrigação de indemnizar
independentemente de culpa.

Mais recentemente o STJ, por Ac. de 28.4.99, na Col. STJ 99-II-185 reafirmou esta
doutrina, decidindo que

A responsabilidade do comitente prevista no art. 500º do CC só existe quando o acto


do comissário é praticado no exercício das suas funções, bastando, no entanto, que ele

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esteja conexionado com o quadro geral da competência ou com os poderes que lhe são
conferidos, sendo certo que o comitente apenas responde pelos actos ilícitos praticados
pelo comissário, mesmo que cometidos intencional-mente ou contra as instruções
daquele, desde que a comissão seja adequada ou idónea desses eventos.
Verifica-se essa responsabilidade objectiva de uma companhia de seguros quando
um dos seus funcionários, enquanto técnico comercial, contacta um dos ofendidos
propondo-lhe uma aplicação financeira naquela seguradora, com boas condições de
rentabilidade, apresentando uma carta na qual escreveu o nome do gerente de uma
delegação, simulando que fora escrita e assinada pelo mesmo, dando a aparência e criando
a confiança de que os ofendidos estavam a contratar com a respectiva seguradora.
Não impede essa responsabilidade da companhia de seguros, ainda que o arguido
tenha manifestamente excedido as instruções daquela, desde que o seu comportamento se
insira no exercício das funções que então desempenhava na mesma.

Culpa do comissário - 500º, nº 1, in fine. Mas esta culpa do comissário pode ser a
simples culpa presumida, por não ilidida a presunção do 503º, nº 3, 1ª parte e 506º, 1.
Assim e na análise do art. 503, conjugado com este 500º, temos que:
- acidente sem culpa (provada ou presumida) do comissário - responde só o
comitente - 503º, 1;
- comissário fora do exercício da comissão - só ele, comissário, responde -
503, nº 3, 2ª parte.
O comitente é essencialmente um garante da indemnização perante o lesado, sendo
o comissário subordinado dele e economicamente débil.

II

Estado e outras pessoas col. públicas - 501º

Estas pessoas respondem tanto por actos de gestão pública como por actos de
gestão privada.
A doutrina e a jurisprudência estabeleceram o critério de que a distinção entre actos
de gestão publica e privada se deve orientar pela natureza funcional ou não do acto ou da
omissão do exercício de um poder público, sendo que nos actos de gestão pública há o
exercício de um jus imperii – Ac. do STJ, de 17.3.93, BMJ 425-463, com muita doutrina e
jurisprudência.

Responsabilidade civil extracontratual

Do Estado por actos de gestão pública e privada e por danos decorrentes da


função política, legislativa e jurisdicional

Como ficou dito aquando do estudo da responsabilidade civil em geral, a


responsabilidade do Estado e demais entidades públicas, bem como dos seus funcionários e
agentes, tem assento constitucional e na lei ordinária.
Começando pela Constituição e sem prejuízo de outras normas que em pormenor se
verão, tal responsabilidade resulta do disposto nos art. 22º e 271º.
Assim e nos termos do
art. 22º - O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis,
em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por
acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse

18
exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo
para outrem.

Segundo G. Canotilho e Vital Moreira1, deste art. 22º resulta:

- a consagração do princípio da responsabilidade patrimonial directa das


entidades públicas (todas as administrações, estadual, local, autónoma e
institucional, sem excepção) por danos causados aos cidadãos;

- da imputação a título directo às entidades públicas, da responsabilidade por


danos causados pelos titulares dos seus órgãos ou pelos seus funcionários ou
agentes e da forma solidária perante o cidadão lesado resulta que o cidadão
pode demandar quer o Estado, quer os funcionários ou agentes, quer ambos
conjuntamente.

- o teor literal deste artigo leva a considerar a responsabilidade do Estado por actos
legislativos, bem como por actos jurisdicionais, ainda que os titulares desses
órgãos legislativos ou jurisdicionais possam não ser civilmente responsáveis,
como acontece com os Deputados (arts. 157º, nº 1) e com os Juizes (216º, nº 2).

A responsabilidade dos funcionários e agentes vem regulada no art. 271º:

1. Os funcionários e agentes do Estado e das demais entidades


públicas são responsáveis civil, criminal e disciplinarmente pelas
acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por
causa desse exercício de que resulte violação dos direitos ou
interesses legalmente protegidos dos cidadãos, não dependendo a
acção ou procedimento, em qualquer fase, de autorização
hierárquica.
2. É excluída a responsabilidade do funcionário ou agente que actue no
cumprimento de ordens ou instruções emanadas de legítimo superior
hierárquico e em matéria de serviço, se previamente delas tiver
reclamado ou tiver exigido a sua transmissão ou confirmação por
escrito.
3. Cessa o dever de obediência sempre que o cumprimento das ordens
ou instruções implique a prática de qualquer crime.
4. A lei regula os lermos em que o Estado e as demais entidades
públicas têm direito de regresso contra os titulares dos seus órgãos,
funcionários e agentes.

Caso de responsabilidade civil pelo exercício da função legislativa pode ver- -se no
Ac. do STJ, de 24.2.94, no BMJ 434-396 e ss, (militares saneados pelo Dec-lei nº 309/74,
de 8 de Julho) e por leis de arrendamento que congelaram as rendas, adiante referido.
Por omissão de oportuno e capaz exercício da função legislativa, veja-se cópia do
Ac. do STJ, de 7.2.2002, na Col. Jur. (STJ) 2002-I-86 (Despachantes oficiais).

Exemplo de responsabilidade civil do Estado por danos provenientes da função


jurisdicional - atraso de processos ou demora anormal em proferir sentença - comentário

1
- Constituição da República Portuguesa, Notas ao art. 22º, de que vai cópia.

19
pelo prof. Canotilho a Ac. do STA, de 7 de Março de 1989, na RLJ ano 123, pág. 293 e ss -
cópia cujo estudo se aconselha vivamente.

Responsabilidade civil extracontratual do Estado por actos legislativos:


pressupostos - Extinção de contrato de trabalho, despedimento sem justa causa e
inconstitucionalidade de norma legal

I - A emissão de uma norma viciada de inconstitucionalidade, quer orgânica, quer


formal, é susceptível de gerar responsabilidade civil do Estado, não dependendo o direito à
indemnização de lei ordinária.
II - Havida como despedimento sem justa causa a extinção de um contrato de
trabalho fundada na norma do artigo 398º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais,
ulteriormente julgada inconstitucional, e tendo a entidade patronal sido condenada no
pagamento de indemnização, por causa do despedimento, estão reunidos os pressupostos
da responsabilidade civil extracontratual do Estado: o facto é ilícito, os titulares do órgão
legislativo agiram com negligência grave, há dano e verifica-se nexo de causalidade
indirecta.

S. T. J., Ac. de 26.9. 2000, BMJ 499-323


Processo n.” 1739/2000

Quanto a decisões alegadamente erradas e por isso geradoras de danos para os


particulares pode ver-se o Ac. do STJ de 8.7.97, no BMJ 469-395, assim sumariado:

I - São da competência dos tribunais comuns as acções para apuramento de res-


ponsabilidade do Estado por actividade jurisdicional
II - A responsabilidade civil por exercício de função jurisdicional só vem
expressamente concebida, quanto ao Estado, nos artigos 27º, nº 5, e 29º, nº 6, ambos da
Constituição da República Portuguesa.
III - O artigo 22º da Constituição da República Portuguesa abrange manifesta-mente a
responsabilidade civil da actividade administrativa, também consagra idêntica
responsabilidade com referência a prejuízos causados pela actividade jurisdicional, para
além dos casos específicos em que é prevista.
IV - No reconhecimento, em concreto, de uma obrigação de indemnizar, por parte do
Estado, por facto do exercício da função jurisdicional, não basta a discordância da parte que
se diz lesada, nem sequer a convicção, que em processo como o presente sempre será
possível formar, de que não foi justa ou a melhor a solução encontrada no julgamento que
vier questionado.
Impõe-se que haja a certeza de que um juiz normal e exigivelmente preparado e cui-
dadoso não teria nunca julgado pela forma a que se tiver chegado, sendo esta inadmissível
e fora dos cânones minimamente aceitáveis.

Ainda nesta parte e no tocante a prisão preventiva ilegal ou a que se seguiu


absolvição pode ver-se o Bol. 453-405, que deve ser vista à luz dos art. 27º, nº 5 da
Constituição e do C. P. Penal; no caso de revisão de sentença por condenação injusta,
regem os art. 29º, nº 6 da Constituição e atinentes daquele Código.
Comentário desfavorável de G. Canotilho a decisão do STA e com bons
ensinamentos na matéria pode ver-se na RLJ 124-83 e ss

20
- Embora a referência do art. 22º à responsabilidade solidária das entidades
públicas e titulares de seus órgãos, agentes ou funcionários aponte, em primeiro
lugar, para acções ou omissões ilícitas - só nesse caso se justifica a
responsabilidade solidária - o âmbito normativo-material do preceito não pode
deixar de abranger também as hipóteses de responsabilidade do Estado por
actos lícitos e de responsabilidade por risco, podendo apenas a lei exigir certos
requisitos quanto ao prejuízo ressarcível (ex.: exigência de um dano especial e
grave). De outro modo, ficaria lesado o princípio geral da reparação dos danos
causados a outrem.

- Não distingue a lei entre acto e omissão, que tanto um como outra podem ser
lesivos de direitos dos cidadãos.

Exemplos de omissão podem ver-se naqueles casos em que a Polícia não defende
os direitos do cidadão ameaçado por uma multidão enfurecida, como aconteceu numa
manifestação alegadamente anticomunista em Famalicão, omissão de que resultou o saque
e destruição do escritório dum conhecido advogado e político local, o Dr. Lino Lima - BMJ
333-284; da criança que é deixada sozinha, com os colegas, na sala de aula, sem qualquer
vigilância e que aí sofre acidente - Col. 99-III-261; do doido internado que, por falta de
vigilância, foge do hospital e é atropelado.
Ou naqueloutro caso em que o Ministro da Justiça, com violação do dever jurídico-
funcional de um comportamento consequente, não nomeou para o STA um Juiz, como lhe
fora proposto - Comentário do Prof. Canotilho, na RLJ 125-174 e ss, com estudo dos
pressupostos da responsabilidade civil do Estado, em geral (facto, ilicitude, culpa, dano
e nexo de causalidade entre a conduta e dano).

Por omissão de legislação pode ler-se o caso do Aquaparque na Col. 97-I-107,


agora com comentário na RLJ 134-202, e por pretensos danos resultantes das restritivas
leis de arrendamento que mantiveram as rendas congeladas, leia-se o Ac. da R.ão de
Lisboa, na Col. 97-III-91, confirmado pelo STJ, no BMJ 489-320, maxime 324 a 328, de
que vai cópia.

- Exigindo que as acções ou omissões lesivas tenham sido praticadas no exercício


de funções e por causa desse exercício, requer-se que o acto caiba no âmbito do escopo
funcional ou que, pelo menos, se verifique uma aparência de relação funcional
justificativa da boa-fé e confiança do cidadão lesado. Exclui-se, assim, o «critério do mera
ocasionalidade» e o «critério da ocasionalidade necessária».

- Este art. 22º está integrado na Parte I, Direitos e Deveres Fundamentais, pelo que
não pode deixar de ser considerado como um direito de natureza análoga à dos direitos,
liberdades e garantias, constantes do Título II, com o regime de aplicação directa
característica destas - art. 18º - e pode ser invocado pelos particulares para fazer valer uma
pretensão de indemnização contra o Estado.

- Nos termos do art. 266º, nº 1, a Administração Pública visa a prossecução do


interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos
cidadãos.
Por isso, abrange este art. 22º a chamada faute du service: Se determinado serviço
administrativo funcionou mal (ou seja, não funcionou como seria legítimo esperar de um
serviço administrativo moderno que se pretende justo e eficiente), e o facto lesivo que causa

21
danos ao particular não é imputável a um funcionário ou agente individualizável mas sim ao
próprio serviço, é justo que se admita a responsabilidade da própria Administração e o
correspondente dever de indemnizar os danos causados ao particular. De outro modo,
deixar-se-ia o particular sem tutela de um dos seus direitos fundamentais: o direito ao
ressarcimento de danos causados por outrem. Tal direito deve ser respeitado quer a
violação seja imputável a um qualquer particular, quer à própria Administração2.

- Deve considerar-se terem caducado por inconstitucionalidade superveniente as


normas do Dec-lei nº 48.051 e da Lei das Autarquias (Dec.- Lei nº 100/84) que afastavam a
responsabilidade solidária e apenas consagravam a responsabilidade exclusiva do Estado e
mais entidades públicas.

Rui de Medeiros3 aponta variadas (cinco) razões, inclusive de história parlamentar


do art. 22º para, em contrário do Parecer nº 54/82 da PGR, considerar aplicável esta norma
à responsabilidade do Estado por facto de leis.
Ao contrário de Canotilho e Vital Moreira, entende este Autor que o art. 22º, ao
consagrar a responsabilidade solidária, pressupõe unicamente a responsabilidade do
Estado por factos ilícitos e culposos e não responsabilidade por factos lícitos ou pelo
risco.
Mas na indemnização incluem-se os danos não patrimoniais.
Ainda nos termos do
art. 271º, nº 1, da Constituição,

Os funcionários e agentes do Estado e das demais entidades publicas são


responsáveis civil, criminal e disciplinarmente pelas acções ou omissões praticadas no
exercício das suas funções e por causa desse exercício de que resulte violação dos
direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos, não dependendo a acção ou
procedimento, em qualquer fase, de autorização hierárquica.

Como disposto no nº 4 deste art. 271º, o direito de regresso das entidades públicas
contra os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes efectiva-se perante os Tribunais
Administrativos e de acordo com o Dec-lei nº 48051.
O âmbito normativo deste preceito é mais vasto do que o nº 1, visto que regula o
direito de regresso do Estado e demais entidades públicas não apenas contra os
funcionários e agentes, mas também contra os titulares de cargos políticos prevista no art.
117º, nº 1, caso em que o Estado e demais entidades públicas também respondem
solidariamente, quanto à responsabilidade civil.

Os casos e condições de exclusão de responsabilidade do funcionário por dever de


obediência vêm regulados nos n.os 2 e 3, em termos que não suscitam dúvidas.

Para além destes duas fundamentais normas constitucionais - 22º e 271º - outras -
algumas já referidas - há dispersas pela Constituição, referidas em Estudo de Maria José
Rangel de Mesquita, na obra coordenada pelo Prof. Fausto de Quadros 4, de que se destaca:

2
- Obra citada em nota 4, 112.
3
- Ensaio sobre a Resp. Civil do Estado por Actos Legislativos, 86 e ss.
4
- Resp. Civil Ext. da Administração Pública, Almedina, 1995, 95 e ss.

22
1 - Responsabilidade do Estado por privação da liberdade contra o disposto na
Constituição e na Lei: artigo 27º, nº 5. Desenvolvem o regime aplicável os art. 225º e 226º
do CPP.
2 - Responsabilidade por danos causados por condenações injustas: artigo 29.°, n.°
6. Interessam aqui os art. 449º e ss, designadamente o art. 462º, todos do CPP.
Nos termos do art. 216º, nº 2, da Constituição, os juizes não podem ser
responsabilizados pelas suas decisões, salvas as excepções consignadas na lei. O mesmo
se diz no art. 5º da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, o E.M.J.
As excepções consignadas na lei são as constantes do art. 1083º do CPC:
condenação por crime de peita, suborno, concussão ou prevaricação, casos de dolo,
imposição por lei expressa e denegação de justiça.
3 - Responsabilidade por (actos lícitos) requisição e expropriação por utilidade
pública - 62º, nº 2, da Constituição.
4 - Responsabilidade por lesão dos direitos dos consumidores, saúde pública,
qualidade de vida, ambiente e património cultural.
São conhecidas as leis de defesa do consumidor, do ambiente e de defesa do
património cultural, tendo esta, em conjugação com os art. 308º e 309º, 3, a) do C.P. de
1982 e 213º, n 1, d) do Cód. de 1995, levado à condenação de particular que destruiu uma
estação arqueológica.
5 - Responsabilidade dos titulares de cargos políticos - 117º, nº 1, da Constituição:
é a concretização do princípio geral de responsabilidade civil previsto no artigo 22º, na
medida em que os titulares dos cargos políticos devem responder civilmente pelos danos
causados a terceiros por acções ou omissões praticados no exercício das suas funções e
por causa desse exercício, nos termos de qualquer titular de um órgão do Estado ou
entidade publica.

Extremamente difícil é definir os termos em que se pode admitir a responsa-bilidade


civil do Estado por actos políticos ou de governo.
Convém começar por precisar que o conceito de acto político não deve ser recortado
a partir da lei, mas deve resultar da Constituição de 1976. A noção de acto político “há-de
encontrar-se na síntese das competências dos órgãos políticos de soberania e das regiões
autónomas.
A função administrativa não cobre "actos que definam relações de Direito
Constitucional entre os órgãos de soberania. E o mesmo se diga de actos pelos quais o
Estado entra em relações de Direito Internacional Público com outros Estados”. Em
contrapartida, os pretensos restantes "actos de governo" são verdadeiros actos
administrativos.
Nos termos do art. 22 CRP, os actos políticos, definidos de acordo com a
Constituição, também podem fazer incorrer o Estado em responsabilidade. Deve, no
entanto, reconhecer-se que a obrigação de indemnizar do Estado fracassará, em muitos
casos, por não verificação dos pressupostos da responsabilidade civil.
Por um lado, não existe, no actual estádio do Direito português, forma de tutela
jurisdicional oponível a esta categoria de actos juridico-públicos.
Por outro lado, mesmo que se entenda, com JOSÉ CARLOS SOARES, que "da
insusceptibilidade de anulação contenciosa não resulta - porque são duas categorias
jurídicas absolutamente distintas e independentes - a impossibilidade de exigir
responsabilidade por esses actos, quando ilegais e causadores de prejuízos", a ampla
discricionariedade na prática de actos políticos reduz enormemente os casos de actuação
ilícita.

23
Por último, numerosos actos políticos são insusceptíveis de violar direitos subjectivos
ou interesses legalmente protegidos dos particulares e, nessa medida, os danos que
possam causar não têm de ser ressarcidos5.

Há quem pretenda afastar a obrigação de indemnizar por acto ilícito legislativo


sempre que a lei é julgada - com efeitos ex tunc, art. 282º da Constituição -
inconstitucional porque destruída fica a eficácia da lei inconstitucional desde a data da sua
entrada em vigor. Mas não é assim, porque
1. Os efeitos da inconstitucionalidade não se esgotam na desvalorização da conduta
inconstitucional. A obrigação de indemnizar é um efeito secundário da inconstitucionalidade.
2. a) O direito de indemnização distingue-se da realização específica do direito ou
interesse violado e, por isso, a extinção do direito ou interesse "principal" não impede o
nascimento de um direito de indemnização autónomo, desde que se verifiquem os
pressupostos específicos da responsabilidade civil;
b) A indemnização cobre, não só a falta do próprio bem devido, mas também
os outros danos patrimoniais e os danos morais causados pelo facto ilícito.
3. a) - A eficácia ex tunc da decisão de inconstitucionalidade implica a destruição
dos efeitos jurídicos da norma legislativa inconstitucional; não elimina, ao invés, o problema
da responsabilidade civil do Estado legislador pelos danos causados directamente pela lei,
sem dependência de um acto de execução;
b) - A invalidade originária da lei inconstitucional determina a anulação
retroactiva dos actos administrativos nela baseados: a Administração deve, na execução da
sentença anulatória, reintegrar o direito ou interesse violado ou reconstituir in natura a
situação do particular; havendo uma causa legítima de inexecução, o lesado pode exigir
uma indemnização que cubra o valor objectivo do bem sacrificado. A restituição do bem
devido ou a atribuição de um bem equivalente não repara os outros danos patrimoniais e os
danos morais causados pelo acto ilegal e, por isso, não afasta o problema da
responsabilidade subjectiva do Estado.
4. - A retroactividade da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória
geral não atinge, em princípio, as situações consolidadas. Mas o direito de indemnização,
efeito secundário da inconstitucionalidade, não é posto em causa nos casos em que a lei
inválida produz os seus efeitos principais.
5. a) - A limitação dos efeitos de inconstitucionalidade, prevista no art. 282º, n º4
CRP, mesmo na sua modalidade mais radical de destruição da norma com eficácia ex nunc,
não afecta, em princípio, a responsabilidade civil do Estado pelo ilícito legislativo;
b) - Todavia, o interesse público de excepcional relevo pode exigir a limitação
do direito à reparação dos danos causados por uma lei inconstitucional. Esta limitação é
compatível com a natureza do direito de indemnização, direito fundamental de natureza
análoga à dos direitos, liberdades e garantias;
c) - A possibilidade de limitar a indemnização dos danos causados por actos
legislativos contrários á Constituição vale igualmente no domínio da fiscalização concreta,
difusa ou concentrada. O art. 282º, nº4, CRP permite, assim, ultrapassar os receios de que a
admissibilidade duma responsabilidade do Estado legislador se tome um encargo
insuportável para as finanças públicas.

Veja-se, a propósito desta matéria, o Ac. do STJ, no BMJ 499-323, acima referido.

5
- Rui de Medeiros, op. cit., 125.

24
Sobre pressupostos da obrigação de indemnizar por actos legislativos formula
o Autor que vimos citando as seguintes

CONCLUSÕES

1 - Pressupostos da responsabilidade civil do Estado por actos legislativos são, nos


termos do art. 22 CRP, o facto ilícito, a culpa do legislador e o dano indemnizável.

2. a) - O facto ilícito não equivale à existência de uma lei inconstitucional.


b) - Por um lado, o dever jurídico violado pode constar de normas
infraconstitucionais.
c) - Por outro lado, não basta a inconstitucionalidade (ou ilegalidade) para estar
verificado o pressuposto da ilicitude.
Assim, desde logo, não há facto ilícito legislativo nos casos de inconstitucionalidade
(ou ilegalidade) superveniente: a essência do ilícito civil está na acção e o legislador, no
momento em que aprova a lei, não viola nenhum dever jurídico a que esteja adstrito.
Além disso, a ilicitude, pressuposto da responsabilidade civil, não se reconduz à
violação de qualquer norma jurídica em vigor no momento da prática do facto: o facto ilícito
pressupõe a violação de um direito ou interesse legalmente protegido dos particulares, inde-
pendentemente de terem ou não natureza patrimonial; a violação de normas orgânicas ou
formais também pode constituir um facto ilícito.
d) - Se ilicitude não é sinónimo de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade), a
verdade é que pressupõe a violação de uma disposição ou princípio constitucional (ou
infraconstitucional). Da decisão do tribunal que concede uma indemnização, porque
considera a lei inconstitucional (ou ilegal), cabe recurso para o Tribunal Constitucional, nos
casos e nos termos previstos pelo art. 280 CRP.

3. a) - A análise da culpa nos vários domínios em que opera a responsabilidade


civil revela que a crescente objectivação da culpa facilita a formulação de um juízo de
reprovação mas não equivale à consagração de uma responsabilidade objectiva: a culpa
continua a pressupor que o autor do facto ilícito, em face das circunstâncias concretas da
situação, podia e devia ter agido de outro modo.
b) - Não se podem aceitar as concepções que sustentam que a
inconstitucionalidade consubstancia in re ipsa a culpa. Tão-pouco se aceitam as afirmações
de que só em hipóteses excepcionais haverá culpa do legislador.
c) - Verifica-se a culpa do legislador quando este podia e devia ter evitado a
aprovação da lei inconstitucional. Há casos nítidos em que a aprovação da lei
inconstitucional não é censurável, mas, em contrapartida, são frequentes os erros
indesculpáveis do legislador.

4. - O artigo 22º da Constituição garante o direito à reparação de todos os danos


patrimoniais danos emergentes e lucros cessantes resultantes da violação ilícita de qualquer
direito ou interesse legalmente protegido do particular, bem como, no caso de violação dos
direitos, liberdades e garantias, o direito à compensação dos danos não patrimoniais
sofridos pelo lesado.
5. a) - A ideia de que a lei não pode causar danos é inaceitável. Não admira, por
isso, que a controvérsia se centre hoje na questão de saber se os danos imputáveis ao
legislador são apenas os que decorrem directamente da lei ou igualmente os que resultam
da concretização da norma legislativa inconstitucional.

25
b) - O problema da imputação ao Estado legislador dos danos causados por
actos de aplicação de uma lei inconstitucional depende, em última análise, da existência de
um nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano. Tudo se resume à questão de saber
se, para o Direito, o acto de aplicação da lei é consequência da conduta do legislador e,
nessa medida, se esta é causa dos danos suportados pelos particulares.
c) - Nos casos em que os órgãos e agentes administrativos são obrigados a
cumprir a norma inconstitucional, a aprovação da lei contrária à Constituição é,
seguramente, causa adequada dos danos que resultam imediatamente da execução da lei e
a obrigação de indemnizar só poderá recair sobre o Estado legislador.
d) - Nos casos em que a entidade administrativa executa uma lei
inconstitucional, apesar de a lei não ser obrigatória, actua ilicitamente e, havendo culpa, será
responsável, em forma solidária com o autor material do facto ilícito. Mas, frequentemente,
conseguir-se-á também demonstrar que, no caso concreto, a execução da norma legislativa
nula (ou inexistente) constitui uma consequência previsível do comportamento do legislador
e, por conseguinte, poder-se-á igualmente admitir uma responsabilidade civil do Estado por
actos legislativos.

6. a) - A doutrina e a jurisprudência admitem, por vezes, que o Estado não é


obrigado a indemnizar os danos causados por actos praticados em violação de normas
orgânicas ou formais, porque ele poderia ter causado o mesmo dano através de uma
actuação conforme com a Constituição e as leis.
b) - Ora, esta questão reconduz-se, no fundo, ao problema da relevância
negativa da causa virtual, nos casos em que a causa virtual constitui um facto lícito do
lesante.
c) - Para a eventual relevância negativa da causa virtual não basta afirmar que
o Estado pode refazer a norma inválida; é necessário que ele aprove, de facto, uma nova
norma de conteúdo idêntico à anterior, sem repetir o vício que determinou a invalidade.
d) - Mas a simples reaprovação da lei não exclui necessariamente o direito de
indemnização. Há que distinguir: nos casos em que os danos sofridos pelo particular
consistem no valor do bem, objecto do direito ou interesse, pode afirmar-se que para
exonerar o Estado basta, nos termos gerais, que a nova lei só disponha para o futuro; nos
casos em que os danos decorrem da falta de disponibilidade do bem durante o período em
que vigorou a norma orgânica ou formalmente inconstitucional, a responsabilidade do
Estado pelo ilícito legislativo só é excluída se a nova lei tiver eficácia retroactiva.

Também aqui tem aplicação o disposto no art. 570º do CC, sempre que o lesado
concorreu para a produção ou agravamento dos danos: se não recorreu contenciosamente
(268º, nº 4), embora o art. 7º, in fine, do Dec-lei nº 48051, seja incompatível com a
Constituição na medida em que nega indemnização se o lesado não recorreu ou teve
negligente conduta processual.

A responsabilidade do Estado por actos de gestão pública efectiva-se perante os


Tribunais Administrativos, como no Ac. agora citado que julgou ser o T. A. de Círculo o
competente para julgar acção de responsabilidade contra a J. A. Estradas por vala aberta na
estrada em que caiu um automóvel.

A responsabilidade por actos de gestão privada, nos termos do art. 501º, é da


competência dos Tribunais Comuns, como também a competência para acções contra o
Estado para indemnização por prisão ilegal (Tribunal de Conflitos, BMJ 453-152 ou para
fixar a indemnização devida por expropriação por utilidade pública (acto lícito).

26
Acidentes de viação com veículo militar do Estado, gestão pública e privada,
comissão, exercício de funções - RLJ 110º - 308, assim sumariado:
I - A gestão privada compreende a actividade do ente público subordinada à lei
aplicável a quaisquer actividades análogas dos particulares; pelo contrário, a gestão pública
pressupõe o exercício do ius imperii.
II - A responsabilidade do comitente pelos actos dos comitidos não deve existir
apenas quando o acto seja praticado rigorosamente na execução do encargo pois, se assim
fosse, tal responsabilidade desapareceria praticamente ou, pelo menos, reduzir-se-ia a bem
pouco, dado que os actos ilícitos dos comitidos constituem sempre ou em regra uma evasão
das funções.
III - O Estado - e, analogamente, as outras pessoas colectivas públicas - tem
responsabilidade pelos excessos unicamente tornados possíveis por causa das funções
confiadas a quem os praticou.
IV - O Estado é responsável pela indemnização devida a um particular atropelado por
viatura do mesmo Estado, no seguinte quadro fáctico:
a) condução por militar designado chefe da viatura, conquanto não encartado,
devida a súbita indisposição do condutor habilitado;
b) no desempenho de missão que lhe fora confiada e que, devido a referida
indisposição, não pôde ser executada nos precisos termos que lhe foram
transmitidos;
c) com necessidade de optar pela alternativa, não prevista, de assumir a condução
da viatura, que representou desvio da incumbência recebida;
d) agindo, ainda assim, no interesse do mesmo Estado;
e) com perda do domínio da viatura, após descrever uma curva a velocidade entre
quarenta e cinquenta quilómetros horários, saindo fora da respectiva mão de marcha
e colidindo com o veículo do lesado, que se encontrava parado na faixa que lhe
competia.

Indemnização por prisão preventiva - T. de Conflitos: T. Comuns - BMJ 453-152;


Sobre acção por prisão preventiva ilegal ou com absolvição - Ac. de 31.1.96, no
BMJ 453-405;
Sobre responsabilidade do Estado, em geral, mesmo por actos lícitos, convém
ver o Ac. do STJ, de 28.4.98, BMJ 476-137, assim sumariado:

I - O artigo 22º da Constituição da República Portuguesa abrange a responsabilidade


do Estado por acções ou omissões praticadas no exercício da junção jurisdicional de que
resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.
II - O direito de indemnização consagrado no artigo 22º da Constituição está sujeito
ao regime dos direitos, liberdades e garantias (artigo 17º da Constituição da República
Portuguesa), sendo nessa medida uma norma dotada de eficácia imediata, pelo que
directamente aplicável, vinculando as entidades públicas e privadas e não dependendo de
lei para poder ser invocado pelo lesado (artigo 18º, nº 1, da Constituição da Replica
Portuguesa).
III - No que concerne ao prejuízo causado a terceiros pelos órgãos, funcionários e
gentes do Estado ou das demais pessoas colectivas de direito público -
responsabilidade extracontratual - rege o Decreto-Lei nº 48 051, de 21 de Novembro de
1967, cujo regime é aplicável ao pedido de indemnização por actos praticados por órgãos do
Estado, nomeadamente pelos tribunais.

27
IV - Nesta área de actividade de gestão pública, o Estado e as outras pessoas co-
lectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos ou das
disposições legais destinadas a proteger os seus interesses resultantes, não só de actos
ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no
exercício das suas funções e por causa desse exercício (artigo 2º, nº 1, do Decreto - Lei nº
48 051), como também de factos lícitos praticados em idênticas circunstâncias (artigo 9º, nº
1, do mesmo diploma legal).
V - O meio processual adequado para formular o pedido de indemnização a título de
desvalorização de viatura apreendida em processo crime e declarada perdida a favor do
Estado, mas cuja restituição foi posteriormente ordenada, não é a acção cível, mas sim
recurso aos mecanismos previstos nos artigos 11º e 13º do Decreto-Lei nº 31/85, de 25 de
Janeiro, onde é facultada aos eventuais lesados a possibilidade de composição judicial do
litígio no próprio processo onde foi decretada a apreensão.
VI - Independentemente dessa desvalorização pode entender-se que a privação da
viatura durante o período de apreensão implica, nos dias de hoje, para o seu proprietário,
encargos ou prejuízos que, sendo considerados especiais ou anormais, envolvem a
obrigação de indemnização por parte do Estado, a título de responsabilidade civil pela
prática de actos lícitos, nos termos do disposto pelos artigos 22º da Constituição da Re-
pública Portuguesa e 9º, nº 1, do Decreto-Lei nº 48 051, de 21 de Novembro de 1967.

Sobre responsabilidade civil emergente de acto médico pode ver-se os Ac. do STA,
de 23.4.96 e 17.12.96, referidos em nota no BMJ 485-155.
No mesmo Boletim, a págs. 173 publica-se Ac. do STA, de 24.3.99, que na parte
interessante diz:

Conforme jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, os pressupostos da


responsabilidade civil extracontratual da Administração por actos de gestão pública
correspondem aos da responsabilidade civil de índole privatística, consagrada no
artigo 483.° do Código Civil.
Assim, constituem requisitos da obrigação de indemnizar, a cargo das autarquias
locais:
a) - A prática por esta, através de um seu órgão ou agente, de um acto ilícito (positivo
ou omissivo), no exercício de funções públicas ou por causa delas (ilicitude);
b) - Que esse acto lhe seja imputável, a título de dolo ou mera culpa (culpa);
c) - Que dele tenham resultado prejuízos (dano).
d) - Verificação de um nexo de causalidade entre esse acto e os prejuízos (nexo
causal).
A sentença recorrida considerou verificados in casu todos os referidos pressupostos e
condenou o réu município, ora recorrente, a pagar ao autor a quantia de 221148$00 a título
de danos materiais, acrescida de juros desde a citação até integral pagamento, bem como
na quantia de 120 000$00, a título de danos morais.
A discordância do ora recorrente em relação ao decidido radica em três pontos:
- No montante atribuído a título de danos patrimoniais;
- No reconhecimento da existência de danos morais;
- Existência de culpa do autor na produção do acidente.

As partes estão, pois, de acordo relativamente à conduta ilícita do réu.


Com efeito, incumbe ao réu, por força das disposições conjugadas dos artigos 2.º e
28.º da Lei n.º 2110, de 19 de Agosto de 1961, 46º, n.º 1 e 3, 151º, nº 1, alínea h), e nº 4,
alíneas a) e e), do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março, e ainda do artigo 3º, n.os 1 e 3,

28
do Código da Estrada, então vigente, o dever de zelar pela conservação e reparação das
estradas a seu cargo, para bem da respectiva segurança e comodidade de circulação, bem
como sinalizar de forma visível todos os locais que possam oferecer perigo para a circulação
rodoviária.
Ora, resultando provado dos autos que existia na faixa de rodagem um buraco com
cerca de 1 m de diâmetro e cerca de 20 cm de profundidade, que não estava sinalizado, por
causa do qual já haviam ocorrido anteriormente vários acidentes [n.os 3), 4) e 6) da matéria
de facto], é indubitável a verificação do requisito da ilicitude, por violação dos deveres de
manter as vias nas devidas condições de segurança e no de sinalizar os obstáculos nelas
existentes (cfr. artigo 6º do Decreto-Lei nº 48 051, de 2l de Novembro de 1967).
E, face à definição ampla de ilicitude constante do citado artigo 6º do Decreto-Lei nº
48 051, torna-se difícil estabelecer uma linha de fronteira entre os requisitos da ilicitude e da
culpa, de tal modo que estando em causa a violação de deveres como os acima referidos,
violação essa que se manifesta através de uma conduta omissiva ilegal, o elemento culpa
dilui-se na ilicitude, isto é, a culpa assume o aspecto subjectivo da ilicitude que se traduz na
culpabilidade do agente, ainda que no caso em apreço não seja possível a sua
individualização, tratando-se da chamada culpa de serviço ou culpa administrativa - cfr.
acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 10 de Março de 1988, recurso nº 25
468, de 27 de Setembro de 1994, recurso nº 33 992, e de 17 de Dezembro de 1996, recurso
nº 38 481.
Deste modo, os factos provados são suficientes para preencher os requisitos da
ilicitude e da culpa.
Alega, porém, o recorrente, a este respeito, que o autor «foi o maior culpado, senão o
único culpado, na produção do acidente», pois «tinha obrigação de avistar o buraco e, se tal
não sucedeu, foi porque conduzia sem a diligência a que era obrigado ou não teve a perícia,
a que também era obrigado, para evitar cair nele com o seu veículo».
Todavia, dos factos provados não resulta qualquer elemento donde se possa concluir
a falta de diligência ou a imperícia do autor, ou que a velocidade de 50 km/hora fosse
excessiva para o local ou que o buraco em causa fosse visível por forma a que um condutor
normal, naquelas circunstâncias, pudesse evitar o acidente.
Por outro lado, de acordo com a corrente maioritária da jurisprudência deste Supremo
Tribunal Administrativo, é aplicável à responsabilidade civil extracon-tratual das
autarquias locais por acto ilícito de gestão pública a presunção de culpa estabelecida
no artigo 493º nº 1, do Código Civil - cfr., entre muitos, os acórdãos de 16 de Maio de
1996...

Com base nesta presunção, o município responde pelos danos provocados em


consequência de acidente de viação ocorrido com veículo automóvel que caiu num
buraco existente numa estrada municipal, se não demonstrar que os seus agentes
cumpriram o dever de fiscalizar e vigiar de forma sistemática as condições de
segurança e de conservação da via, designadamente sinalizando os obstáculos nela
existentes, por forma a prevenir acidentes.

Porém, o município ora recorrente não fez qualquer prova de cumprimento dos
apontados deveres, antes resultando dos factos provados que já haviam ocorrido outros
acidentes no local, por causa do buraco existente na via, sem que aquele tivesse,
entretanto, tomado qualquer providência para os evitar.
É aplicável à responsabilidade do Estado, autarquias ou pessoas colectivas de direito
público em geral o regime do CC em tudo o que não esteja previsto naquele Dec-lei nº
48051 e não colida com os princípios nele acolhidos.

29
Também se entendeu aplicável a presunção do nº 1 do art. 493º CC (quem tiver em
seu poder coisa móvel ou imóvel)... estrada ou rua com tampa de saneamento levantada e
que danifica automóvel que nela bate) em acção contra a CM de Matosinhos, dona daquela
rua no ac. STA, de 29.4.98, BMJ 476-157):

É aplicável a responsabilidade civil extracontratual das autarquias locais por acto


ilícito de gestão pública, a presunção de culpa estabelecida no artigo 493 º nº l, do Código
Civil.
Outros casos:
Por atrasos de processos - T. Adm. - BMJ 454-423; Resp. por acto legislativo - BMJ
434-396 - militares saneados; por legislação locatícia - Col. 97-II-91 e BMJ 489-320, atrás
visto e até por omissão de legislação - caso do Aquaparque de Lisboa e acidente ali
ocorrido - Col. 97-I-107 e RLJ 134-202.
O STA, em Ac. de 2.5.91, no BMJ 407- 234, entendeu que os exercícios de
preparação militar constituem actividade extremamente perigosa.

E em 1999 decidiu assim:


Responsabilidade civil extracontratual da Administração por actos de gestão
pública Falta de sinalização de obstáculos nas vias públicas Falta do serviço
— — —

Presunção de culpa

I - A responsabilização da Administração por factos ilícitos (acções ou omissões) no


âmbito da gestão pública não depende necessariamente da individualização, pelo lesado,
dos representantes ou agentes da Administração a quem sejam imputáveis factos ilícitos
concretos, podendo também resultar da chamada «falta do serviço», naquelas situações
em que os danos verificados não são susceptíveis de serem imputados a este ou àquele
comportamento em concreto de um qualquer agente administrativo, antes são consequência
do mau funciona-mento generalizado do serviço administrativo em causa.
II - É aplicável à responsabilidade civil extracontratual das autarquias locais por actos
de gestão pública a presunção de culpa consagrada no artigo 493.”, n.” 1, do Código Civil.
III - A sinalização de trabalhos em curso tem primacialmente em vista precaver os
condutores da eventualidade do surgimento de viaturas e máquinas em manobras e da
presença de trabalhadores nas faixas de rodagem, bem como da possível menor qualidade
transitória do pavimento da via, mas não constitui sinalização adequada ao surgimento, a
seguir a uma curva, de uma tampa de esgoto de tal maneira sobreelevada em relação ao
pavimento adjacente que o veículo do auto, ao passar sobre essa tampa, nela embateu com
a sua parte inferior do que resultou a danificação da caixa de velocidades.
S.TA., 7.12.99, BMJ 492-236

Responsabilidade civil extracontratual da Administração Pública


(resumo)

1 - Na ordem jurídica portuguesa, a matéria da responsabilidade civil extracontratual


da Administração Pública tem assento constitucional.
Na verdade, o artigo 22º da Constituição, que estabelece o princípio geral da
responsabilidade das entidades públicas por danos causados aos cidadãos, dispõe, sob a
epígrafe «Responsabilidade das entidades públicas»:
«O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma
solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por acções ou omissões

30
praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício de que resulte
violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.»
Por sua vez, o artigo 271º da Constituição, sob a epígrafe «Responsabilidade dos
funcionários e agentes», determina, no n.º 1, que «os funcionários e agentes do Estado e
das demais entidades públicas são responsáveis civil, criminal e discipli-narmente pelas
acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício
de que resulte violação dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos, não
dependendo a acção ou procedimento, em qualquer fase, de autorização hierárquica»;
segundo o n.º 4, a lei «regula os termos em que o Estado e as demais entidades públicas
têm direito de regresso contra os titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes».

2 - A responsabilidade civil extracontratual do Estado no domínio da função


administrativa é ainda hoje regulada, nuclearmente, pelo Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de
Novembro de 1967, que define os termos da responsabilidade do Estado e das demais
pessoas colectivas públicas por factos ilícitos culposos, por factos casuais e por factos
lícitos.
No que respeita à responsabilidade por factos ilícitos, o Estado responde perante
terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger
os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos
órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse
exercício (n.º 1 do artigo 2º), ficando com direito de regresso se os titulares do órgão ou os
agentes culpados houverem procedido com diligência e zelo manifestamente inferiores
àqueles a que se achavam obrigados em razão do cargo (n.º 2 do artigo 2º).
Ainda no campo dos factos ilícitos, o artigo 3º refere-se à responsabilidade dos
próprios titulares do órgão e dos agentes administrativos quando excederem os limites das
suas funções ou se, no desempenho destas e por sua causa, tiverem procedido
dolosamente, sendo, neste último caso, a pessoa colectiva solidariamente responsável com
o titular do órgão ou agente (n.º 1); em caso de procedimento doloso, o Estado e as outras
pessoas colectivas de direito público respondem solidariamente com os titulares dos órgãos
ou agentes respectivos (n.º 2).
A articulação dos artigos 2º e 3º do Decreto-Lei n.º 48 051 com os artigos 22º e 271º
da Constituição tem suscitado dificuldades, defendendo-se quer a inconstitu-cionalidade
daqueles artigos6 quer a sua derrogação7
No actual quadro legal, podem configurar-se as seguintes situações8:
«a) Responsabilidade exclusiva da Administração (actos praticados com negligência
leve);
b) Responsabilidade exclusiva da Administração com direito de regresso (actos
praticados com negligência grave);
c) Responsabilidade solidária da Administração (actos praticados com dolo);
d) Responsabilidade exclusiva dos titulares de órgãos, funcionários ou agentes (actos
que excedam os limites das funções).»

«A exemplo do que acontece no direito civil, são quatro os pressupostos do dever de


indemnizar: o facto ilícito, a culpa, o prejuízo e o nexo de causalidade, entendidos de modo
idêntico à compreensão que deles é feita no direito civil.»

6
- Rui Medeiros, Ensaio sobre a responsabilidade civil do Estado por actos legislativos; João Caupers, Introdução ao
Direito Administrativo.
7
- Fermiano Rato, em Dic. Jur. da Adm. Pública
8
- Carlos Cadilha, Revista do MºPº, Abril a Junho de 2001, n.º 86, pág. 10.

31
Consideram-se ilícitos, para este efeito, «os actos jurídicos que violem as normas
legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam
estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que
devam ser tidas em consideração» (artigo 6º).
A apreciação da culpa, nos termos do n.º 1 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 48051, é
feita de acordo com o disposto no artigo 487º do Código Civil, ou seja, «a culpa é apreciada,
na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das
circunstâncias de cada caso».
Quanto ao prejuízo, que tanto abrange o dano patrimonial como o dano não
patrimonial, e no que respeita ao nexo de causalidade, «sempre se entendeu que se deviam
aplicar ao caso os princípios gerais do direito civil».
Os artigos 8º e 9º do Decreto-Lei n.º 48051 tratam, respectivamente, da
responsabilidade fundada no risco e da responsabilidade por factos lícitos.

3 - Havendo danos decorrentes da actividade de gestão pública9, o Estado responde


por eles segundo as normas do Decreto-Lei n.º 48 501 e perante os tribunais
administrativos.
O Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril, que aprovou o Estatuto dos Tribunais
Administrativos e Fiscais, atribui aos tribunais administrativos de círculo a competência para
conhecer das acções sobre responsabilidade civil do Estado, dos demais entes públicos e
dos titulares dos seus órgãos e agentes por prejuízos decorrentes de actos de gestão
pública, incluindo acções de regresso [alínea h) do n.º 1 do artigo 51º.

No que respeita à competência territorial para as acções relativas a responsa-bilidade


civil extracontratual, o n.º 1 do artigo 55º daquele Estatuto estabelece que devem ser
propostas:
a) no tribunal do lugar em que ocorreu o acto se tiverem por fundamento a prática de
acto material;
b) no tribunal determinado por aplicação dos artigos 52º a 54º se tiverem por
fundamento a prática de acto jurídico;
c) no tribunal da residência habitual do réu, se se tratar de acções de regresso com
fundamento na prática de acto jurídico.
As acções propostas pelos particulares para efectivar a responsabilidade civil
extracontratual da Administração por danos resultantes de actos de gestão pública são
acções condenatórias, que seguem os termos do processo civil de declaração, na forma
ordinária, conforme o disposto no artigo 72º da Lei de Processo nos Tribunais
Administrativos, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho.
É de notar que a Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovada pelo
Decreto-Lei n.º 267/85, foi entretanto revogada pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, que
aprovou o Código de Processo nos Tribunais Administrativos, mas que só entrará em vigor
em 1 de Janeiro de 2004. De todo o modo, o n.º 1 do artigo 5º da Lei n.º 15/2002 prescreve
que «as disposições do Código de Processo nos Tribunais Administrativos não se aplicam
aos processos que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor».
Parecer da PGR, de 7.6.2003, no DR, II, de 18.7.2003

III - Animais - 502º

9
- Actos praticados pelos órgãos ou agentes da Administração no exercício de um poder publico, ou seja, no exercício de
uma função pública, sob o domínio de normas de direito público, ainda que não envolvam ou representem o exercício de
meíos de coerção» (cf. Ac. do T Conflitos, de 5.11.81, no BMJ 311-195.

32
Enquanto que o art. 493º presume a culpa do vigilante, o art. 502º consagra a
responsabilidade pelo risco de quem utiliza os animais no seu próprio interesse, desde
que os danos resultem do perigo especial que envolve a sua utilização.
Ex. : gansos que atacam passante - Col. 81-5-145; toiros - BMJ 325-553.

«Quando a lei se refere ao perigo especial que envolve a utilização dos animais, não
quer aludir a um perigo específico..., mas a todas as situações perigosas que resultam dos
animais, conforme a sua espécie e modo como são utilizados... O termo sua espécie e modo
como são utilizados... O termo “especial”, empregado no art. 502º do CC, tem por finalidade
esclarecer que o risco há-de variar conforme a espécie dos animais utilizados, e não que,
desprezando o risco geral do seu aproveitamento, os utentes deles só respondam por riscos
específicos, criados por circunstâncias anormais» - RLJ 111-279 e ss.

IV - Energia eléctrica e gás - 509º

As empresas que detêm a direcção efectiva das instalações de produção,


armazenagem, condução ou entrega de energia eléctrica ou gás respondem pelos
acidentes devidos a culpa dos seus órgãos, agentes, representantes ou comissários e,
objectivamente, pelos devidos ao mau funcionamento do sistema de condução ou entrega
e defeitos da própria instalação - nº 1.
Quanto à instalação, a responsabilidade será afastada se a empresa provar que
essa instalação, ao tempo do acidente, estava de acordo com as regras técnicas em vigor e
em perfeito estado de conservação - nº 1, in fine.
Também estão afastados os danos devidos a causa de força maior tal como definidos
no nº 2, ou imputáveis à própria vítima ou terceiro, pois é regra geral a de que culpa e risco
não convivem no mesmo saco - 505º.
Os danos causados por aparelhos de uso de energia - fogões, frigoríficos, televisão -
não estão sujeitos ao regime desta responsabilidade objectiva.

Mesmo inexistindo responsabilidade pelo risco, pode a EDP responder como


comitente, por culpa dos seus funcionários, se esses seus agentes, chamados várias
vezes a prédio que dava choque não cuidaram de averiguar as causas da anomalia, só o
fazendo após a morte de um indivíduo que morreu electrocutado no chuveiro - Col. STJ
97-III-132.

Limites de responsabilidade : 510º e remessa para o 508º.

Exemplos: BMJ 348-397 - A acção da força de ventos fortes não ciclónicos


concorrentes para o entrechoque dos cabos de rede de distribuição de energia eléctrica não
constitui força maior excludente da responsabilidade civil da empresa distribuidora pelos
danos provocados por esse entrechoque, como faíscas e incêndio. Dever de previsão e de
evitar esse entrechoque.
Col. 91-I-47 - Idem, estorninho que poisa num fio e provoca curto circuito noutro fio
que cai e é calcado por pessoa que morre electrocutada.

RESPONSABILIDADE CIVIL
- Responsabilidade objectiva
- Instalações de condução de energia eléctrica
-«Força maior»
(Ac. do STJ, de 3 de Outubro de 2002)

33
SUMÁRIO:

I - Os danos causados pela instalação ou entrega de energia eléctrica ou de gás,


correm por conta das empresas que as explorem.
II - Provando-se que um incêndio nas instalações da autora foi originado por um
«raio», que provocou uma descarga eléctrica, que por sua vez causou a queda de uma linha
de alta tensão, causadora do incêndio, e não se provando que a ré haja omitido qualquer
dever, seja de manutenção e conservação da linha eléctrica, seja na prevenção de
eventuais descargas eléctricas, falha o nexo de imputação do facto ao presuntivo lesante, ou
seja a respectiva culpa.
III - Ainda que os danos fossem advenientes da condução ou instalação de energia
eléctrica, sempre a responsabilidade da ré se encontraria afastada por ocorrência de motivo
de força maior.
Col. Jur. (STJ) 02-III-77

BMJ 431-441 - A Petrogal é responsável pela instalação de queima de gás que


instalou em restaurante, em que só ela pode mexer e de que, por isso, tem a direcção
efectiva.

Col. STJ 96-II-26 - fio eléctrico descarnado que, caindo em poça de água, mata
pessoa a cavalo. Responsabilidade por culpa, omissão do dever de conservação e
vigilância - 486º- Culpa. Não limites da indemnização.

Col. 94-II-5 - entrega de energia eléctrica de voltagem superior à contratada que, por
isso, provoca danos em electrodomésticos. Resp. objectiva e obrigação de indemnizar.

Responsabilidade objectiva do produtor de energia eléctrica e nuclear - pág.


608 e 628, respectivamente, de Calvão da Silva.

V - Veículos - 503 a 508º

ASSENTOS
nº 1/83, no D.R. IA, de 28.6.83
A primeira parte do nº 3 do artigo 503º do Código Civil estabelece uma
presunção de culpa do condutor do veículo por conta de outrem pelos danos que
causar, aplicável nas relações entre ele como lesante e o titular ou titulares do direito
a indemnização.

Não é inconstitucional por violação do princípio da igualdade entre o condutor por


conta de outrem, onerado com presunção de culpa e o condutor por conta própria ou
proprietário que apenas responde pelo risco ou por culpa provada pelo lesado. - T.C.
BMJ 438-71 e BMJ 428-540.

Questão resolvida pelo Assento - Segundo o acórdão de 24.11.77, a presunção de


culpa estabelecida no nº 3 do art. 503º opera nas relações entre o condutor lesante e o
lesado; pelo acórdão de 28.2.80 decidira-se que apenas tinha lugar essa presunção nas

34
relações de responsabilidade objectiva do condutor em nome de outrem e o dono do
veículo.

nº 3/94, no D.R. IA, de 19.3.94 e BMJ 433-69:

A responsabilidade por culpa presumida do comissário, estabelecida no art.


503°, nº 3, primeira parte, do Código Civil, é aplicável no caso de colisão de veículos
prevista no artigo 506º, n.° 1, do mesmo Código.

Questão resolvida pelo Assento - No acórdão recorrido decidiu-se que, ocorrendo


uma colisão entre dois veículos, um conduzido pelo seu proprietário e outro por comissário,
e não se tendo averiguado a culpa de qualquer deles, a responsabilidade devia ser repartida
na proporção do risco, ao passo que, naquele acórdão fundamento, se decidiu que, nas
mesmas condições, a responsabilidade devia ser atribuída ao proprietário do veículo
conduzido por comissário, por haver uma presunção legal de culpa contra este. Foi esta
tese que o Assento consagrou.

nº 7/94, no D.R. IA, de 28.4.94


A responsabilidade por culpa presumida do comissário, nos termos do artigo
503.°, n.°3, do Código Civil, não tem os limites fixados no n.° 1 do artigo 508º do
mesmo diploma.

Questão solucionada - dado que a lei não distingue entre culpa provada e culpa
presumida e desde que o Assento de 1983 criou uma verdadeira presunção de culpa contra
o condutor - comissário, é claro que se não aplicam os limites do 508º, expressamente
legislados para o risco. A limitação da indemnização devida por responsabilidade fundada
na culpa apenas está prevista nos casos de mera culpa e de acordo com os critérios do art.
494º.

D.R. II, 24.6.96: -


O dono do veiculo só é responsável, solidariamente, pelos danos causados
pelo respectivo condutor quando se alegue e prove factos que tipifiquem uma relação
de comissão, nos termos do artigo 500º, n.° 1, do Código Civil, entre o dono do
veículo e o condutor do mesmo.

Questão solucionada: não basta ser proprietário para ser comitente. Comissão
significa serviço ou actividade realizada por conta e sob a direcção de outrem, podendo
esta actividade traduzir-se num acto isolado ou numa função duradoura, ter carácter gratuito
ou oneroso, manual ou intelectual.
No entanto, decidiu-se muito recentemente - Col. STJ 01-I-127 - que

II - O facto de determinada pessoa ser proprietário do veículo causador do acidente


cria a presunção, naturalmente ilidível, de que o veículo circulava sob a sua direcção e no
seu interesse.
III - De facto, tais requisitos não são elementos constitutivos do direito do lesado,
mas, quando não se verificarem, factos impeditivos desse direito.
IV - O comitente responde pelo dano se o acto danoso foi praticado pelo comissário
no exercício das funções confiadas e no interesse do comitente, ainda que em concreto sem
ou contra as instruções deste.

35
V - Neste caso, a responsabilidade de ambos é solidária, mas o comitente tem direito
de regresso contra o comissário - Ac. STJ, de 20.02.01.

E em 6.12.2001, na Col. Jur. (STJ), 2001-III-141, decidiu o mesmo STJ que:


I - A propriedade faz presumir a direcção efectiva e o interesse na utilização do
veículo pelo seu proprietário.
II - Sendo tais requisitos de verificação cumulativa é, pois, sobre o proprietário do
veículo que incide o onus de demonstrar o contrário.

Tratava-se de veículo pertencente a uma sociedade, conduzido pela esposa de um


sócio, com autorização deste seu marido, a caminho da escola onde leccionava. Condenou-
se a Sociedade que não afastou aquela presunção dita em I.

... Com efeito, conforme jurisprudência e doutrina maioritárias, é perfilhado o


entendimento de que quem tem a direcção efectiva do veículo é aquele que o tem em uso
por conta própria e possui o poder efectivo de dispor dele. Se o põe em circulação, no seu
próprio interesse, é ele o criador do risco, e daí a sua responsabilidade objectiva. O
interesse pode ser material ou apenas moral, como o daquele que o empresta a outrem por
um dever de amizade ou de gratidão.
Por outro lado, tem sido praticamente uniforme a jurisprudência que temos por
acertada, que entende ser a propriedade do veículo o invólucro natural da direcção
efectiva e interessada dele.
Por isso, provada a propriedade, a primeira aparência de responsa-bilidade
assim criada, impõe sobre o proprietário o ónus de prova da utilização abusiva
excludente dessa mesma responsabilidade.
Portanto, provada a propriedade do veículo sinistrante sem que o dono afastasse a
presunção natural que sobre si impendia de ter a direcção efectiva e interessada dele, nos
precisos termos do art. 503º, nº 1, do Cód. Civil, responde ele pelos riscos inerentes ao
funcionamento de tal veículo, sendo de notar que não lhe aproveita a exclusão contemplada
no art. 505º do mesmo diploma, só porque o acidente foi causado por culpa (no caso
exclusiva) do condutor comitido.
Pelo contrário, tal caso é justamente dos que importam responsabilidade solidária
desse condutor culposo por força dos princípios gerais emergentes do art. 483º do CC, em
conjugação com a do comitente, segundo o disposto no art. 500º, n.os 1 e 2, do mesmo
diploma.
Aqui chegados, isto é, concluindo-se pela responsabilização civil - ainda que objectiva
- do dono do veículo sinistrante - no caso o demandado civil Mário Nunes - rapidamente se
atinge a conclusão de que não foi correcta a decisão de o absolver.
Repare-se mesmo que o art. 29º, nº 6, supra citado, do DL 522/85, não restringe a
intervenção litisconsorcial, ao lado do FGA, ao dono do veículo ou ao condutor dele: a causa
deve ser obrigatoriamente dirigida, além do Fundo de Garantia Automóvel, também contra o
responsável civil, expressão claramente mais abrangente que as primeiras.
Mas sendo assim, demonstrada que está a responsabilidade civil do dono do
motociclo conduzido pelo arguido Júlio Nunes, resulta evidente a razão do recorrente FGA,
ao pretender ver revogada a sentença na parte em que absolveu - STJ, Secção Criminal,
22.2.2001, Col. STJ 01-I-269

Em ALD o locatário não é comissário do locador-proprietário - Col. 97-V-192 - Idem


para o comprador com reserva de propriedade.

36
Com base em A. Varela, Obr., 7ª ed., I vol., 651 e ss, o STJ - BMJ 470-582 - decidiu
que o locador mantém, com o locatário, a direcção efectiva, no aluguer sem condutor.
503º

A responsabilidade do nº 1 (pelo risco) depende da conjugação de dois requisitos :


direcção efectiva do veículo - constitui uma fórmula de natureza normativa,
envolvendo um poder real ou material, de facto, de utilização e destino desse veículo, com a
inerente faculdade, quer de manutenção ou conservação, quer de superintendência ou
vigilância, com ou sem domínio jurídico. Não precisa ter o volante nas mãos. É o detentor.
E
utilização no próprio interesse - não tem que ser necessariamente uma utilização
proveitosa ou lucrativa, em sentido económico; pode haver nela um mero interesse de
gentileza, como quando se cede a viatura a um amigo, um interesse meramente recreativo,
o que não deixa de constituir aquela «posição favorável à satisfação de uma necessidade»,
na definição dada ao interesse por Carnelutti - D.M. Almeida, Manual de acidentes de
viação.

Visa este requisito afastar a responsabilidade objectiva do comissário, o interesse


pode até ser reprovável, como o empréstimo para um crime.
O comissário, porque não é criador de risco, não responde nunca pelo risco
enquanto comissário. Se deixa de ser comissário, porque conduz fora do exercício de
funções, então responde pelo risco, como comitente que passa a ser, nos termos da parte
final do nº 3 do art. 503º.

Havendo culpa (provada ou presumida) do comissário, perante o terceiro lesado


respondem solidariamente o condutor culpado e o detentor do veículo, sem sujeição aos
limites do 508º - BMJ 396-383: O comissário porque culpado - Assentos 1/83 e 7/94; O
comitente porque garante da indemnização total, sem limites, mas com direito de regresso
- 497º,1, 500º, 1 e 3, 503º,1, 507º, 1 e V. Serra, RLJ 112-263, n.1 e 109-278; A. Varela,
Obr., 8ª ed., 675; Col. 87-3-195; Assento nº 7/94.
Se o comissário conduz fora de funções, contra ou sem a vontade do detentor -
responde independentemente de culpa, como comitente - 503º, 1 e 3, parte final.

Comissário é também o ajudante de motorista ou o empregado da CP que dá a


partida ao combóio - Col. STJ 95-II-152.

RESPONSABILIDADE CIVIL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DIRECÇÃO EFECTIVA DO VEÍCULO
SEGURO OBRIGATÓRIO DO GARAGISTA CONDUTOR SEM CARTA DE
CONDUÇÃO FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL

I - O proprietário de uma viatura automóvel que a entrega a uma oficina para


reparação perde a direcção efectiva do veículo a favor deste, durante o período de
reparação e enquanto a viatura se encontrar em poder do garagista, o que, desde logo, é
indiciado pela existência de um direito de retenção do garagista sobre o proprietário, no caso
de não pagamento das despesas efectuadas por aquele (artigos 754.” e 755.”, n.” 1, alíneas
e) e d), do Código Civil).

37
II - A responsabilidade civil do proprietário do veículo e da sua seguradora está
excluída quando o acidente de viação, causado por condutor sem carta de condução, e que
não foi expressa ou tacitamente autorizado a conduzir o veículo, pelo seu proprietário, é
devido a uma causa estranha à vontade deste, numa modalidade de circulação da viatura
que se não efectua no interesse do mencionado proprietário.
III Enquanto na legislação sobre o seguro obrigatório de 1979 (constante do Decreto-
Lei n.” 408/79, de 25 de Setembro) se não previam seguros do garagista e do condutor, e se
determinava que a obrigação de segurar recaía sobre o proprietário do veículo (salvo nos
casos de usufruto, venda com reserva de propriedade ou locação financeira), mas que era
válido o seguro do veículo feito por pessoa diversa daquelas, ao mesmo tempo que se
estipulava que, no caso de concorrência de seguros, a obrigação de indemnizar recaia sobre
o seguro feito por terceira pessoa, na legislação de 1985 (constante do Decreto-Lei n.º
522/85, de 31 de Dezembro) criou-se um seguro obrigatório do garagista, dando-se vida
legal a um seguro que já existira antes (o seguro de carta ou de condutor), e estabeleceu-se
um regime de responsabilizações sucessivas, do qual fica afastado o seguro feito pelo
proprietário do veículo – Ac. do STJ, de 21.10.92, no BMJ 420-531:

«Dado o exposto, tem de se concluir que, contrariamente ao pretendido pelo


recorrente, a viatura causadora do acidente destes autos não possuía qualquer seguro
válido, e que, por tal motivo, a responsabilidade pela indemnização recai sobre o Fundo de
Garantia Automóvel, em harmonia com o disposto no art. 21º do Decreto-Lei n.° 522/85, de
31 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei n.° 122-A/86, de 30 de Maio, sem prejuízo do
direito de regresso que a este é conferido em relação ao condutor e ao garagista».

Riscos próprios do veículo - máquina-condutor; qualquer avaria mecânica, se não


culposa, integra estes riscos. O pneu que pode rebentar, o motor que pode explodir, a
manga de eixo ou a barra da direcção que podem partir, a abertura imprevista de uma porta
em andamento, a falta súbita de travões ou a sua desafinação, a pedra ou gravilha
ocasionalmente projectadas pela roda do veículo; uma vertigem momentânea, um súbito
colapso cardíaco, o encandeamento solar ou doutro veículo.
Sendo o acidente provocado por caso de força maior estranho ao funcionamento do
veículo (explosão provocada pelo raio de uma tempestade; choque ou colisão provenientes
de ciclone, enxurrada, deslocação de terras, queda de uma árvore, rajada de vento, abalo
de terra, vaga marítima, etc.), cessa a obrigação de indemnizar com base no risco, pois os
danos não são inerentes ao funcionamento do veículo.

Deve notar-se que o combóio tem prioridade absoluta nas passagens de nível, mas o
maquinista responde como condutor comissário, tendo contra si a presunção de culpa do
nº 3 do art. 503º - Col. STJ 96-II-124.

RESUMO

Viatura conduzida por um condutor por conta de outrem (no exercício de funções)
quando ele age com culpa ou não ilida a presunção do artigo 503º, n.° 3 do Código civil:

- responde o mero condutor, por culpa, podendo beneficiar dos limites do artigo 494°
e, solidariamente com este, responde aquele que detém a direcção efectiva
dessa viatura e a utiliza no seu interesse, ou seja o comitente, sem os limites do
508º - 497º, nº 1, 500º, n.os 1 e 3, 503º, nº 1 e 507º, 1, Assento 7/94, Col. 87-3-95, V.
Serra e A. Varela, acima citados.

38
Por força da consideração autónoma dos três números em que o corpo do artigo
503º do Código Civil se divide, o comissário responde por todos os danos que causar por
acidente de viação, desde que não consiga elidir a presunção de culpa que a lei faz incidir
sobre ele. O detentor do veículo, por conta de quem este seja conduzido, responde nesse
caso, não por força do disposto no n.° l do artigo 503º, mas em obediência à doutrina que o
artigo 500º do Código Civil estabelece para a responsabilidade do comitente pelos danos
que o comitido causar - A Varela, RLJ 121-46.

Beneficiários da responsabilidade - 504º

Vista a nova redacção dada a este art. 504º pelo Dec-Lei nº 14/96, de 6 de Março,
que aplicou a Portugal a Directiva nº 90/232/CEE, de 14.5.90, a questão que se levantava
em relação aos gratuitamente transportados deixou de ter interesse: só beneficiavam de
indemnização se provassem a culpa do condutor - 504º, 2; agora também são abrangidos
na responsabilidade pelo risco, mas só por danos pessoais, sendo nula, quanto a pessoa
transportada, cláusula em contrário - 504º, 3 e 4.
A nova redacção do art. 504º apenas é aplicável aos casos ocorridos depois da sua
entrada em vigor - BMJ 491-207.
A Relação do Porto, por ac. de 26 de Junho de 2001, decidiu, de acordo com
Jurisprudência do TJCE, que

Antes de esgotado o prazo para a sua transposição sempre se entendeu ser a


Directiva ininvocável pelos particulares perante os órgãos jurisdicionais nacionais.
Como se salientou naquele Acórdão do TJCE, proferido precisamente a propósito da
aplicabilidade da Terceira Directiva a acidente ocorrido em Fevereiro de 1995, quando o
prazo de transposição só se esgotava em 31 de Dezembro de 1995,
Há que salientar ainda que o acidente que está na origem do litígio no processo
principal ocorreu em 12 de Fevereiro de 1995, quer dizer antes da expiração do prazo fixado
para a transposição da Terceira Directiva pela República Portuguesa, isto é, 31 de
Dezembro de 1995. Esta directiva não pode, pois, ser invocada pelos particulares
perante os órgãos jurisdicionais nacionais (v. acórdão de 3 de Março de 1994,
Vaneetveld, C-316/93, Colect., p. I-763, n. 16).
E acabou por declarar que
1) - O artigo 3º da Segunda Directiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de Dezembro de
1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes
ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos
automóveis exige que o seguro obrigatório de responsabilidade civil resultante da
circulação de veículos automóveis cubra os danos corporais causados aos
passageiros membros da família do tomador do seguro, do condutor ou de
qualquer outra pessoa cuja responsabilidade civil decorrente de um sinistro se
encontre coberta pelo seguro automóvel obrigatório, transportados gratuitamente,
independen-temente da existência de culpa por parte do condutor do veículo
causador do acidente, únicamente no caso de o direito nacional do Estado-
Membro em causa impor essa cobertura dos danos corporais causados nas
mesmas condições a outros terceiros passageiros.
2) - Os artigos 1º, nº 2, e 5º, nº 3, na redacção que lhe foi dada pelo anexo I, Parte
IX, F, que tem por epígrafe «Seguros» do Acto relativo às condições de adesão do
Reino de Espanha e da República Portuguesa e às adaptações dos Tratados, da
Segunda Directiva obstam à existência de uma legislação nacional que prevê

39
montantes máximos de indemnização inferiores aos montantes mínimos de
garantia fixados por esses artigos quando, não havendo culpa do condutor
do veículo que provocou o acidente, só haja lugar a responsabilidade civil
pelo risco.
Daí que e por força desta Directiva, a indemnização por acidente sem culpa, só pelo
risco, não possa limitar-se ao dobro do valor da alçada da Relação, como resultaria do
comando do art. 508º do CC. Antes deve indemnizar todos os danos, dentro do limite do
seguro obrigatório.

Transporte gratuito - é o não pago, gracioso, por cortesia, a boleia - BMJ 459-527.

Exclusão da responsabilidade pelo risco - 505º

A responsabilidade prevista no art. 503º, nº l, só é excluída, nos termos do artº 505º,


quando o acidente for imputável, devido, atribuível, ao próprio lesado ou a terceiro, mesmo
animal, ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veiculo.

É terceiro o condutor por conta de outrem, acidentado, sem culpa, por


rebentamento de um pneu do carro que conduzia - Col. 96-II-5.
Podem dar causa a acidente menores e inimputáveis em geral, pelo que aí cessa a
responsabilidade pelo risco - BMJ 413-554: menor de sete anos atropelado com inteira
culpa dele.
Não há concorrência entre culpa de terceiro e risco. Pode é haver concorrência
de culpas, regulada no art. 570º, entre o condutor e terceiro.
Diferente entendimento do Prof. Calvão da Silva no seu ensino, como pode ver-se na
RLJ 134-115:
Sem prejuízo do concurso da culpa do lesado, a responsabilidade objectiva do deten-
tor do veículo só é excluída quando o acidente for devido unicamente ao próprio lesado ou a
terceiro, ou quando resulte exclusivamente de causa de força maior estranha ao
funcionamento do veículo.
Equivale isto a admitir o concurso da culpa da vítima com o risco próprio do veículo,
sempre que ambos colaborem na produção do dano, sem quebra ou interrupção do nexo de
causalidade entre este e o risco pela conduta da vítima como causa exclusiva do evento
lesivo. Afora o caso de o facto do lesado (como o facto de terceiro) ter sido a causa única do
dano, a responsabilidade fixada pelo n.º 1 do art. 503º não é afastada, admitindo-se que a
indemnização seja totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.

Força maior - tem de ser estranha ao funcionamento do veículo e inevitável com as


precauções normalmente exigíveis aos condutores.

Provando-se apenas que o condutor de um veículo não teve culpa no acidente e não
se provando culpa da vitima, de terceiro ou caso de força maior, existe responsabilidade
pelo risco a cargo de quem tiver a direcção efectiva da viatura e a utilizava no seu próprio
interesse - 505º e 503º, 1 - Col. 82-I-95.

Acidente de viação
Responsabilidade pelo risco
Culpa não provada
Condutor/proprietário do veículo
Peão

40
I - Num acidente de viação entre um veículo automóvel e um peão, face à ausência
de culpa provada, pelo afastamento da responsabilidade subjectiva de ambos os
intervenientes, a questão terá de ser analisada sob o prisma da responsabilidade pelo risco,
com fundamento no nº 1 do artigo 503º do Código Civil
II - Tal responsabilidade apenas será de excluir se o acidente for imputável ao próprio
lesado ou a terceiro, ou houver resultado de causa de força maior estranha ao
funcionamento do veículo.
III - É, também, de afastar a presunção de culpa do nº 3 do artigo 503º do Código
Civil quando o condutor do veículo atropelante for também seu proprietário - STJ 23.3.2000,
BMJ 495-298

Por o acidente ser claramente imputável a terceiro não pode a CP ser


responsabilizada por danos causados em passageiro por pedra arremessada por
desconhecido e que atingiu esse passageiro - Col. STJ 2001-I-75.

Colisão de veículos - 506º

1 - CULPA - provada ou presumida


a) - de ambos os condutores - cada um responde pelos danos correspondentes
ao facto que praticou - 483º e 570º. Em caso de dúvida considera-se igual a culpa de
cada um - 506º, in fine.

Quando para a produção de um acidente tenham concorrido vários veículos cujos


condutores agiam por conta de terceiro, e que não tenham logrado ilidir a presunção
estabelecida na primeira parte do nº 3 do art. 503º do Código Civil, consideram-se com o
mesmo grau de culpa para efeitos de reparação de danos causados a terceiros - Col. 90-I-
293 e Assento de 26.1.94, o nº 3/94, também publicado no BMJ 433-69.

No caso de colisão de veículos conduzidos por comissários, e não se provando a


ausência de culpa de algum deles, o acidente deve ser atribuído a culpa de ambos os
condutores, os quais são solidariamente responsáveis pelos danos causados a terceiros
(artigo 497.°, n.°1).
Em relação aos danos sofridos por ambos ou por algum desses condutores, deverá
atender-se, na fixação da indemnização, ao disposto no artigo 570º, n.° 1; o «facto culposo
do lesado», aí previsto, pode basear-se em simples culpa presumida, quando for desta
natureza a culpa do lesante, até pelo confronto com o disposto no n.° 2 desse artigo; há aí
culpas simultâneas e concorrentes, porque «à culpa de cada um dos condutores
corresponde a culpa de cada um dos lesados» - BMJ 426-471.

b) - de um só dos condutores - só ele responde por todos os danos: no outro


veículo, pessoas e coisas transportadas em ambos os veículos ou não.

2) - SEM CULPA
a) - Danos nos dois veículos :
No caso de colisão de veículos prevista no artigo 506.°, n.°1, do Código Civil, em que
ambos os condutores tenham contribuído para os danos e não haja culpa de nenhum deles,
há que somar todos os danos resultantes da colisão (não só os causados nos próprios
veículos como também os causados nas pessoas ou nas coisas neles transportadas) e
repartir a responsabilidade total na proporção em que cada um dos veículos houver
contribuído para a produção desses danos, sendo que, em caso de dúvida, se considera

41
igual a medida de contribuição de cada um dos veículos para os danos, nos termos do n.° 2
do mesmo artigo - BMJ 439-538 e art. 506º, nº 1, 1ª parte.

b) - Danos em um só dos veículos - idem; reparte-se a responsabilidade nesse


dano segundo a proporção em que o risco de cada um dos veículos para ele
contribuiu.

3 - Danos causados por um só dos veículos - só aquele que os produziu é


obrigado a indemnizar - 506º, 1, parte final.

Resp. Solidária - 497º (culpa) e 507º (risco)

Havendo vários responsáveis, ainda que um responda por culpa e outro pelo
risco, é solidária a responsabilidade de todos, designadamente quando o comissário
responde por culpa presumida e o comitente pelo risco, como garante da indemnização.
Pelo que o lesado pode exigir de qualquer deles a indemnização por inteiro - 512º, 1.
Porém, se o lesado tiver contribuído para o acidente, verá proporcionalmente
reduzido o montante indemnizatório a que teria direito - Col. 00-I-268

Limites máximos - 508º

Precisamente porque se trata aqui de responsabilidade sem culpa, a lei fixou limites
à indemnização devida por responsabilidade objectiva. São esses limites os fixados no art.
508º.

A interpretação desta norma não suscita dificuldades de maior. Notar-se-á, ainda


assim, que:
1 - Os limites máximos de indemnização também valem para o caso de colisão de
veículos que envolva duas ou mais viaturas ...
2 - De acordo com o artigo 12º, do Código Civil, a lei só dispõe para o futuro e só para
os factos novos quando dispõe sobre os seus efeitos. Assim os limites máximos do artigo
508º do Código Civil são os estabelecidos por este texto na redacção vigente ao tempo do
acidente de viação - BMJ 439-538.
3 - Os limites máximos de indemnização fixados no artigo 508°, na redacção aplicável
ao caso, só operam depois de repartida a responsabilidade pela forma determinada no
artigo 506º- BMJ 439-547.
4 - Este limite fixado no artigo 508º do Código Civil só funciona depois de
determinado concretamente o montante da indemnização que seria devida, abstraindo
desse limite - BMJ 420-468.
5 - Sobre este limite legal podem incidir juros de mora, se devidos, e ainda que a
seguradora tenha limite de capital seguro - BMJ 375-342, 428-572 e Col. 88-III-89. Os juros
são devidos pela mora e não por força do seguro.

Note-se, porém, o dito em nota ao art. 504º, sobre a eficácia da Terceira


Directiva:

Em Ac. de 1.10.96, na Col. Jur. (STJ) 96-III-28, o STJ (Cons.º Aragão Seia) decidiu
que
«A directiva comunitária apresenta-se como um processo de legislação indirecta,
pois, não é directamente aplicável.

42
Nos termos do art.º 189º do TCEE só os Estados membros podem ser destinatários
das directivas, que necessitam de ser transportadas para as ordens jurídicas nacionais - Cfr.
Louis Cartou, L`Union Européenne, Precis Dalloz,1994.
As directivas têm carácter obrigatório e para se assegurar o seu efeito útil deve
reconhecer-se aos particulares o direito de se prevalecerem delas em Juízo.
O efeito directo resulta, assim, da necessidade de proteger os cidadãos contra a
inércia do Estado.
Há que examinar em cada caso se a natureza e os termos da disposição em causa
são susceptíveis de produzir efeito directo na relação entre o destinatário da directiva - o
Estado e terceiros - Ac. Van Duyn de 4/12/1974, proc. 41/ 74 -, o que se verifica quando a
disposição em causa é incondicional e suficientemente precisa - Ac. Van Cant de 1/7/1993,
C-1 54/92 - cfr. Philippe Manin, Les Communautes Europeennes. L´ Union Europeenne,
Pedone,1 993.
A jurisprudência comunitária distingue entre efeito directo vertical e efeito directo
horizontal
O primeiro, consiste na possibilidade de o particular invocar num tribunal nacional
uma norma comunitária contra qualquer autoridade pública; o segundo, em o particular
invocar em Tribunal uma norma comunitária contra outro particular.
O Tribunal de Justiça das Comunidades aceitou o efeito directo vertical das directivas,
mas tem recusado o efeito horizontal - Acs. Marshall de 26/2/1986, proc. 152/84, e Faccini
Dori de 14/7/1994, proc. C- 91/92.
A directiva pode, portanto, ser invocada contra qualquer entidade pública, mesmo que
se trate de administração descentralizada estadual - Ac. Fratelli Constanzo de 22/6/ 1989,
proc.103/88 - mas não pode, em caso algum, ser invocada contra um particular, pessoa
singular ou colectiva.
Pelo exposto conclui-se que o que a recorrente alega quanto ao efeito directo das
directivas, ainda não transpostas para a ordem jurídica portuguesa, não se aplica ao
presente caso.
Só teria cabimento numa acção contra o Estado».

O STJ tem decidido no mesmo sentido, como se vê dos Ac. na Col. Jur. (STJ)
2002-III-46 e 167.

Contrariamente ao ensinamento do Prof. Calvão da Silva, na RLJ 134-118 e 192,


também o STJ decidiu, em 9.5.2002, na Col. Jur. (STJ) 2002-II-58, que o art. 508º, n.º 1, do
CC, não foi tacitamente revogado pelo art. 6º do Dec-lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro, que
fixa os limites do capital seguro:
«O entendimento segundo o qual a Segunda Directiva obsta à vigência do art. 508º,
n.º 1, apenas terá em Portugal reflexos quando se proceder à sua devida transposição para
o direito interno, o que ainda não foi feito, ou quando um lesado buscar, em eventual acção
de indemnização contra o Estado por deficiente exercício da função legislativa e deficiente
cumprimento da obrigação de transposição da directiva, a sua aplicabilidade directa vertical.
Não sendo este o caso, o dever de obediência à lei força o tribunal nacional a aplicar
aquele art. 508º, n.º 1».

Ac. de viação e de trabalho

Ver o Ac. do STJ de 24.01.2002, na Col. Jur. (STJ) 2002-I-54, de que vai cópia.

43
O art. 18º do Dec-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, Lei do Seguro Obrigatório,
manda aplicar as disposições do referido Dec-Lei aos acidentes simultaneamente de viação
e de trabalho

Pagamentos feitos pela Segurança Social

A pensão de sobrevivência que a viúva da vitima vem recebendo não deve ser
tomada em consideração no cálculo da indemnização por danos patrimoniais, já que se
baseia nos descontos efectuados pela própria vítima para a segurança social - Col. STJ 93-
III-250.

Os CRSS10 e o Centro Nacional de Pensões (gestor de pensões por invalidez,


velhice e morte11), sempre que haja terceiros responsáveis pelo facto determinante da
prestação de segurança social, ficam sub-rogados nos direitos do lesado (artigo 16º da Lei
n.° 28/84, Dec-lei nº 59/98, de 22 de Fevereiro) e só pode considerar-se sub-rogado em
relação às prestações que pagou (vide artigos 592º, n.° 1, e 593°, n° 1, do Código Civil), não
podendo pedir desde logo o «reembolso das quantias que vier a satisfazer ao lesado» - BMJ
443-99 e 109.
Mas podem e devem exigir dos responsáveis - ou dos beneficiários se estes
receberam indemnização do responsável - o reembolso dos subsídios de doença e outras
prestações provisoriamente suportadas pela Segurança Social. Para poderem formular
estes pedidos devem as I. S. S. ser notificadas da pendência de acção cível ou acção
penal - Dec-lei nº 59/89, de 22 de Fevereiro.
Se em consequência do acidente o lesado ficou incapacitado, o CNP, reconhecendo
embora o direito do lesado a pensão por invalidez, pode reter os pagamentos ou exigir o
reembolso do que tenha pago até ao limite da indemnização devida por perda da
capacidade de ganho, presumidamente de dois terços de toda a indemnização acordada
com o terceiro (art. 9º e 10º do Dec-lei nº 329/93, de 25 de Setembro.

O Estado goza de subrogação legal pelos vencimentos e mais despesas havidas


com funcionário seu, acidentado por culpa de outrem – Assento nº 5/97, no DR IA, de
27.3.97, e BMJ 463-35.

Responsabilidade médica

Estudo no BMJ 332-21 e ss, dos Prof. Figueiredo Dias e Sinde Monteiro, nas
vertentes criminal e civil, respectivamente.

Guilherme de Oliveira publicou estudo sobre Consentimento Informado na RLJ


125º-33 e ss, de que destacamos:
- a necessidade de obter o consentimento informado assenta na protecção dos
direitos à integridade física e moral do doente (25º da Constituição e 70º CC);
- esta protecção tem dignidade constitucional, e enquadra-se no tipo de normas
que gozam do privilégio da «aplicação imediata», vinculando directamente todos
os sujeitos de direito, públicos e privados (18º CRP);
- por esta razão, embora possa variar a estrutura jurídica em que se executa o acto
médico (clínica privada, em casas de saúde privadas ou em hospitais públicos)

10
- Instituições de Segurança Social a nível distrital.
11
- (Dec-lei nº 96/92, de 23 de Maio)

44
essa diversidade não tem qualquer influência na necessidade de obter um
consen-timento informado do doente, antes da intervenção concreta.

Em 5.7.2001 decidiu o STJ, por ac. na Col. Jur.(STJ) 2001-II-166:

RESPONSABILIDADE CIVIL
Assistência médica
Deveres do médico
Onus de prova
Tutela contratual e delitual

I - A assistência médica surge, em regra, por via de um contrato de prestação de


serviços, com carácter pessoal, de execução continuada, com vista ao tratamento do
doente, de modo a assegurar-lhe os melhores cuidados possíveis, no intuito de lhe restituir a
saúde, suavizar o sofrimento e salvar ou prolongar a vida.
II - O médico deve agir segundo as exigências da leges artis e os conhecimentos
científicos então existentes, actuando de acordo com um dever objectivo de cuidado, assim
como de certos deveres específicos, como seja o dever de informar sobre tudo o que
interessa à saúde ou o dever de empregar a técnica adequada, que pode prolongar-se
mesmo após a alta do paciente.
III - Tratando-se de uma obrigação de meios, cabe ao paciente demonstrar que o
médico, na sua actuação, atentas as exigências da leges artis e os conhecimentos
científicos então existentes, violou esses deveres objectivos de cuidado ou então qualquer
dever específico.
IV - A responsabilidade civil por assistência médica, tanto pode ter tutela contratual,
como extracontratual, como sucede com uma actuação do médico violadora dos direitos do
doente à saúde e à vida.

No último Curso o Senhor Professor Costa Andrade proferiu importante lição sobre
Direito Penal Médico. É distribuída cópia dos apontamentos dessa lição, como coligidos
por uma Colega.

Acidentes em auto-estradas

Estudo do Prof. Sinde Monteiro, na RLJ 131-41 e ss

Em 26 de Outubro de 1991, na região de Santarém, um cão atravessou a auto-


estrada e colidiu com num automóvel que, por isso, se despistou, do que resultaram danos
tanto no automóvel como nas pessoas transportadas.
O STJ, considerando tratar-se de responsabilidade extracontratual, não haver
presunção de culpa nem inversão do onus da prova nas bases da concessão aprovada pelo
Dec-Lei nº 315/91, de 20 de Agosto, e que os AA não provaram culpa da Brisa no
aparecimento do cão, confirmou a decisão de improcedência das instâncias.

Aquele Professor estuda a questão sob três diferentes pontos de vista:


A - Responsabilidade delitual por ser a disciplina potencialmente aplicável a toda a
causação de danos na vida social.
B - Responsabilidade contratual por a utilização de auto-estradas estar
normalmente condicionada ao pagamento de portagem.

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C - Contrato com eficácia de protecção para terceiros que resultaria das
obrigações da concessionária, constantes do contrato de concessão (Base XXXVI, nº 2),
mesmo quanto a estradas em que não há portagem (SCUTs).

A - Resp. delitual - Neste prisma, tendo a Brisa em seu poder a auto-estrada no seu
todo, não só o piso como também as vedações (que não impedem a entrada de animais),
aplicar-se-ia a presunção de culpa do nº 1 do art. 493º CC, consistindo a ilicitude na violação
de disposição destinada a proteger interesses alheios: a Base XXII, nº 5, al. a) do contrato
de concessão, aprovado pelo Dec-Lei nº 294/97, de 24 de Outubro, que contempla o dever
de vedação em toda a extensão, disposição com eficácia externa relativamente às partes
no contrato.
O mesmo se diz no respeitante à Base XXXVI, nº 2, que consagra o dever de
assegurar a circulação em boas condições de segurança e comodidade, a implicar
responsabilidade por pavimento irregular, neve, gelo, manchas de óleo, etc.

Nas restantes estradas mantém-se a presunção do nº 1 do art. 493º, mas em menor


grau, apenas em relação àqueles obstáculos anormais, como valas e outros não sinalizados,
em violação do art. 5º do C. Estrada. O menor dever de vigilância e a mais baixa velocidade
nessas estradas levam a esse afrouxamento da presunção de culpa.

B – Resp. contratual - O preço da portagem é mais o preço de uma prestação de


serviço do que taxa de direito público. Estaríamos em presença de contrato entre o utente e
a concessionária, empresa de direito privado e fim lucrativo.
A presunção de culpa resultaria aqui do art. 799º, nº 1, do CC.

C - Contrato com eficácia de protecção de terceiros - Há auto-estradas sem


portagem, pelo que nestas não é possível o apelo à responsabilidade contratual. O que está
agora em causa é o contrato de concessão enquadrável na figura dos contratos com
eficácia de protecção para terceiros.
O próprio preâmbulo do Decreto-Lei nº 294/97 alude a que algumas das bases do
contrato de concessão têm «eficácia externa relativamente às partes no contrato» (in fine).
Entre outras, integra-se nesse número a Base XXXVI, cujo nº 2 determina que «a
concessionária será obrigada, salvo caso de força maior devidamente verificado, a
assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a
circulação nas auto-estradas, quer tenham sido por si construí-das, quer lhe tenham
sido entregues para a conservação e exploração, sujeitas ou não ao regime de
portagem».
Esta garantia, ligada funcionalmente à observância do disposto em numerosas cláu-
sulas contratuais, tem em vista a protecção de terceiros, os utentes, que são quem vai
suportar os efeitos do bom ou defeituoso cumprimento das obrigações assumidas pela
concessionária, sem que todavia lhes caiba um direito à prestação, como corresponderia à
técnica do contrato a favor de terceiro.
Parece assim razoável a inclusão desses terceiros no âmbito de protecção do
contrato celebrado com o Estado, o que justifica a chamada à colação da figura dos «contra-
tos com eficácia de protecção para terceiros».

Com respeito ao grupo de casos mais recente (protecção do património), o que se


pretende essencialmente com o recurso a esta moderna figura de «quase-contrato» é
conseguir tutela jurídica para interesses (puramente patrimoniais) que, em princípio, não são
delitualmente protegidos. Mas a propósito do grupo de casos tradicional, no qual estão em

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causa bens jurídicos (vida, integridade física, propriedade) que gozam de tutela delitual
geral, por integrarem verdadeiros direitos subjectivos (art. 483º, nº 1), a razão de ser do
instituto consiste justamente em permitir aos beneficiários usufruírem de certas vantagens
do regime jurídico contratual, das quais, no direito português, a mais importante concerne ao
ónus da prova da culpa.
Isto quanto a aspectos de regulamentação ou de regime jurídico. Quanto à
construção técnico-jurídica, não inteiramente pacífica, é geralmente apontado um certo
hibridismo do instituto, situado a meio caminho entre o contrato e o delito.

Em resumo12:

a) - No plano da responsabilidade civil extracontratual, a aplicação do art. 493º, nº 1,


mas pelo ângulo do dever de vigilância sobre uma coisa imóvel, a auto-estrada, considerada
esta por um prisma funcional como uma globalidade.
À entidade gestora cabe garantir a segurança da utilização, sendo esses níveis defini-
dos, inter alia, pelo contrato de concessão, onde se contém a referida obrigação de vedação
em toda a extensão (que não encontramos no direito comparado).
Desde que se verifique uma falha objectiva (uma anormalidade) e exista um nexo de
causalidade entre essa falha e os danos, pode dizer-se que o acidente foi causado pela
coisa auto-estrada.
O aparecimento de um animal, bem como a verificação de outras «armadilhas»
(areia, buracos, deformações, pedras ou outros obstáculos) fazem presumir a omissão
culposa de um «dever no tráfico» ou «dever de prevenção de perigos» visando garantir a
segurança da circulação.
Dada a multiplicidade de modos possíveis de intromissão do animal, a demonstração
de que não teve lugar a violação de um dever (ou de que, em todo o caso, esta não é de
atribuir a culpa) parece requerer a prova histórica do acontecimento, aparecendo como
insuficiente ou inconclusiva a constatação de que não se detectaram falhas na vedação.

b) - Havendo lugar ao pagamento de portagem, um «contrato de utilização» de


direito privado, em que os deveres da concessionária, em matéria de segurança, se hão-de
medir pela bitola das obrigações assumidas face ao Estado (ver infra, al. c)). A actividade da
entidade gestora pode bem ser vista como um negócio (por detrás do manto diáfano do
serviço público), para mais explorada com fins lucrativos, não se vendo motivos decisivos
para distinguir o pagamento de um quantitativo pela utilização da auto-estrada, aliás
proporcional à distância percorrida, do da compra de um título de transporte ferroviário,
possa embora a lei baptizar aquele de taxa e não de preço (de direito privado).

c) - Em qualquer caso, haja ou não pagamento de portagem (mas sem interesse,


na primeira situação, para quem aceite existir contrato), um «contrato com eficácia de pro-
tecção para terceiros», dando-se este alcance ao contrato de concessão, desde logo com
apoio no próprio preâmbulo do Decreto-Lei aprovador das bases da concessão, que faz
alusão à «eficácia externa relativamente às partes no contrato».
A esta relação especial, tecnicamente do mesmo tipo da «culpa na formação dos con-
tratos» regulada no art. 227º do Código Civil (também aqui se está perante uma «relação
obrigacional sem deveres primários de prestação») é de aplicar o estatuto contratual e
com isso a inversão do ónus da prova previsto no art. 799º, nº 1, do Código Civil, com a
concretização da base XXXVI, nº 2 do contrato de concessão (constante do anexo ao

12
- Sinde Monteiro, RLJ 132º-94 a 96

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Decreto-Lei de aprovação de tal contrato), a qual obriga à demonstração por parte da
concessionária de que as falhas de segurança foram provocadas por «caso de força maior».

Quanto à eventual concorrência entre estes diversos fundamentos de uma pretensão


indemnizatória, só faz sentido colocar a questão do concurso entre o delito e o contrato ou,
em alternativa, entre o delito e o quase-contrato.
Admitindo-se que a utilização de uma auto-estrada com portagem configura a cele-
bração de um contrato de utilização, não faz sentido o recurso ao sucedâneo «contrato com
eficácia de protecção para terceiros»; mas o recurso a esta figura já tem todo o interesse,
mesmo em relação àquela espécie de auto-estradas, para quem rejeitar a ideia do contrato
de utilização.
A questão de fundo da admissibilidade abstracta dessa concorrência justificaria um
desenvolvimento autónomo. Na linha da posição defendida nos trabalhos preparatórios do
Código Civil como a melhor de iure condendo, temo-nos inclinado a favor de um concurso
de fundamentos de uma única pretensão indemnizatória, parecendo-nos que a ideia do non-
cumul des responsabilités délictuelle et contractuelle ostenta uma marca de origem
desadaptada à nossa cultura jurídica.

Estes ensinamentos do Prof. Sinde Monteiro foram repetidos a propósito de danos


por arremesso de pedras da passagem superior não vedada - Ac. STJ, de 17.2.2000 (Col.
Jur. STJ 00-I-107) - e aparecimento de cão na auto-estrada, (sentença de Santo Tirso) na
RLJ 133-17 a 32 e 59 a 66.

Naquele ac. do STJ decidiu-se que

I - Quando o utente pretende circular por certo troço de auto-estrada, entre ele próprio
e a Brisa, como concessionária da sua exploração, estabeleceu-se um contrato inominado,
em que ao pagamento da "taxa-portagem", por parte do utilizador, corresponde a prestação
por parte da concessionária, de aceder à circulação pela auto-estrada, com comodidade e
segurança.
II - Não obstante os danos provocados no veículo circulante em consequência de
despiste determinado por um cão a vaguear na auto-estrada ou do impacto de pedras
arremessadas de "passagem aérea", não têm que ser indemnizados pela Brisa, por o não
cumprimento do contrato ficar a dever-se não a conduta ilícita e culposa daquela con-
cessionária mas de terceiro, eventualmente desconhecido.

C) - Por factos lícitos danosos

O acto pode ser lícito porque visa satisfazer um interesse colectivo ou um interesse
qualificado de uma pessoa de direito privado, mas pode não ser justo que para satisfação
desses interesses se sacrifique os direitos de uma ou mais pessoas sem nenhuma
compensação.
São exemplos o estado de necessidade - 339º, nº 2 -, 1367º (apanha de frutos em
prédio confinante), 1347º a 1349º (instalações, escavações e passagem forçada
momentânea para obras, p. ex.) e, sobretudo, as expropriações. Não seria justo e contraria
o princípio da igual repartição dos encargos públicos, que fosse um só ou vários
proprietários a ficar sem os seus bens para construção de uma obra pública que vai servir
toda a comunidade. Por isso a Constituição - 62º, nº 2 - e a lei - 1310º CC e Cód. Exp. - art.
1º - obrigam a entidade expropriante a indemnizar o ou os expropriados.

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