R - D - Marina Zminko Kurchaidt PDF
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CURITIBA
2017
MARINA ZMINKO KURCHAIDT
CURITIBA
2017
Catalogação na publicação
Mariluci Zanela – CRB 9/1233
Biblioteca de Ciências Humanas e Educação - UFPR
CDD 303.6
à energia que me carrega,
ao amor dos meus amores,
David e Tayla
AGRADECIMENTOS
À Mariana, foi amor à primeira vista. Minha irmã mais velha que me ajudou
a desbravar, entender e enlouquecer com a cultura institucional acadêmica. Nossas
intensas trocas acadêmicas, intelectuais, filosóficas e terapêuticas me trouxeram até
aqui, somos resistência feminina-feminista. À Elena, pela grande amizade em forma
de chás reconfortantes, pela sempre presença de apoio e encorajamento, também
pelas crises partilhadas e por todos os momentos de loucura feliz e divertida que
aliviaram toda a pressão. Obrigada por acreditarem em mim e por demonstrarem isso
através de todo tipo de ajuda que seria impossível elencar aqui. Sem vocês, esse
trabalho não existiria, ou seria muito indiferente. Vocês são proteção e também
inspiração!
Aos de casa. A minha mãe, Sueli, e ao meu pai, João, por continuarem
apoiando incondicionalmente minhas escolhas. Sem vocês, não estaria onde me
encontro hoje. Obrigada por suportarem e tentarem entender – eu sei que não é muito
fácil - minhas infinitas ausências ocasionadas por este trabalho. À Sabrina, minha
amada irmã, pelo companheirismo de toda hora, pelo equilíbrio que alcançamos por
sermos tão diferentes e, ao mesmo tempo, por menos tempo, tão parecidas. Obrigada
por dividir essa experiência comigo, nunca saindo do meu lado, me socorrendo com
café e açúcar sempre que precisei. Não tenho como agradecer todos os momentos
em que sua alma libriana foi sobrecarregada e sufocada pelas lamúrias de uma
canceriana e, mesmo assim, você ficou. A todos nós, por essa linda fase de rupturas
e renascimentos em que estamos descobrindo, cada um do seu jeitinho, novas formas
de ser. Esse trabalho também é para vocês.
A todos os caminhantes com que cruzei durante esses dois anos que, de
alguma maneira, contribuíram na construção desse trabalho.
Todo se criminaliza,
Todo se justifica en la noticia,
Todo se quita, todo se pisa,
Todo se ficha y clasifica.
The objective of this study is to understand the relations of power established between
the three formal spheres of power – Executive, Legislative and Judiciary – of State of
Paraná and between the Military Police during the event that was chosen to be called
“The April 29th Massacre”, that happened in the city of Curitiba in 2015. These relations
will be conceived inside of the social control key in a broader context of militarization
of the brazilians patterns of policing and social order while thinking the continuities and
ruptures process of the Military Police as the official agency that control the “dangerous
classes”. In this analysis, the Judiciary’s authoritarian foundations and the role played
by the Paraná state representatives of the “Bible-Cattle-Bullet Congressional Caucus”
are fundamental issues.
1. Introdução ......................................................................................................... 13
1.1 Algumas considerações sobre os caminhos da pesquisa ..................... 15
1.2 Meu lugar no mundo social ....................................................................... 20
2. “E qual o problema se quem está morrendo são bandidos?” - uma localização
da agenda política da segurança pública no Congresso brasileiro ................... 24
2.1 – Bancada do Boi, da Bíblia e da Bala .......................................................... 26
3. O “Massacre do dia 29 de abril” – uma reconstrução fática ........................... 43
3.1- “Eu apoio os professores” – fevereiro, o início de tudo ........................... 43
3.2 – “Acredito que estamos na iminência de cometermos um flagrante abuso
de autoridade” – abril, o massacre ..................................................................... 63
4. “A bomba não é aqui dentro, então vamos votar” – um olhar por dentro da
“Operação Centro Cívico” ...................................................................................... 77
4.1 – “A gente visualizou as granadas voando por cima de nós, sem parar, e
vai e vai e tiro, tiro e tiro” - As representações da atuação policial no teatro de
operações ............................................................................................................. 77
4.2 – “O militarismo faz o policial virar um cachorro” – uma discussão sobre a
militarização do modelo de segurança brasileiro e da Polícia Militar ........... 100
5. “Ninguém entraria era a ordem suprema” - uma reflexão sobre o controle
social perverso praticado pelo complexo judicial-policial ................................ 116
6. Considerações finais ..................................................................................... 133
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 138
13
1. Introdução
Neste trabalho, de maneira geral, discuto como tema o controle social. Essa
chave, dentro da linha argumentativa adotada, desdobra-se em mais de um tipo ideal
de controle social, em suas formas positiva e negativa. De maneira mais específica,
tento compreender a violência policial exercida pela Polícia Militar operacionalizada
dentro dessa chave. Em outras palavras, minha análise concentra-se na hipótese da
Polícia Militar (PM) realizar controle social sobre a população e, caso isso se confirme,
qual dos tipos seria.
Por fim, no quinto capítulo, “A ordem era soberana: ninguém vai entrar” -
uma reflexão sobre o controle social perverso praticado pelo complexo judicial-policial,
começo apresentando as diferenças determinantes entre o episódio de fevereiro e o
episódio de abril em relação à atual da PM e foco, então, no papel do Poder Judiciário
nos episódios. Apresento, também, uma reflexão teórica sobre as práticas judiciárias
no Brasil, suas raízes e relações de poder articuladas.
Eu tive acesso aos autos, ainda, da ação civil pública movida pelo Ministério
Público do Paraná de responsabilização por atos de improbidade administrativa do
comando superior civil e militar da operação. Esta ação foi protocolada em 29 de junho
de 2015. No momento de finalização deste trabalho, encerrou-se o prazo de defesa
prévia dos réus e os autos aguardam manifestação judicial. Esse processo contém
vasto material a ser trabalhado no campo, especialmente para analisar a atuação do
Poder Judiciário. No entanto, o volume do processo é muito amplo. Apenas a peça de
defesa preliminar do réu Fernando Francischini, por exemplo, contém 153 páginas. O
processo virtual possui mais de 20 volumes. A mesma situação ocorreu com o
Inquérito Policial Militar aberto para investigar os policiais envolvidas na ação,
Entrevistei ao todo com onze policiais militares. Procurando uma visão mais
abrangente possível dos fatos e das suas impressões, consegui conversar com
homens e mulheres, policiais que à época exerciam funções nas tropas regulares, nas
tropas dos Batalhões de Operações Policiais Especiais (BOPE) e em cargos
administrativos. Dos onze policiais, dois deles são oficiais. Dos onze policiais, quarto
são mulheres. Por questões éticas, resguardei as identidades de todos, a não ser
quando fui autorizada do contrário. Isso inclui não apenas seus nomes, mas qualquer
característica que possa identificá-los, como suas funções no momento da ações
policiais, gênero etc. Assim, decidi me referir a todos como o/os policial/policiais, sem
empregar flexão de gênero feminina quando existia.
.policial administrativo 1
.policial administrativo 2
.policial administrativo 3
.policial regular 1
.policial regular 2
.policial regular 3
.policial ROTAM3 1
2 Essa diferenciação não permite com que eles sejam identificados, mas é um dado importante dentro
da análise da construção dos discursos e posicionamentos dos entrevistados.
3 Rondas Ostensivas de Tático Móvel.
18
.policial ROTAM 2
.policial BOPE 1
.policial BOPE 2
.oficial 1
.oficial 2
Um fato que se mostrou interessante, pois aleatório quando do contanto
com os entrevistados, é que dos onze policiais, oito são bacharéis em Direito, e um é
estudante do curso, ainda que o concurso para ingresso na Escola de Soldados não
exija curso superior (entrada dos praças; aos oficiais é exigida formação superior). Em
conversa com eles, afirmaram que esse é um fato recorrente dentro da corporação, já
que a profissão os coloca em contato direto com o mundo jurídico, e muitos aspiram
sair da posição de praça e prestar concurso para oficial de polícia e também para a
Polícia Federal, pelas melhores condições de trabalho e melhores salários.
respondeu “para dar entrada no sistema”. Achei melhor não insistir. Voltei, então, ao
primeiro andar. A primeira funcionária que havia me atendido acessou o sistema em
seu computador, conferiu meu cadastro recém realizado, e anotou em uma pequena
ficha de papel meu número de cadastro, o nome do livro e seu valor. Entregou-me a
ficha e pediu para que eu fosse realizar o pagamento na tesouraria, que era naquele
mesmo andar, em outra sala. Fui até a tesouraria, paguei, entregaram-me um recibo.
Precisei, então, voltar à sala de livros, mostrar à funcionária o recibo, e, só, então, ela
me entregou o manual e agradeceu pela compra, dizendo que o processo todo seria
mais fácil da próxima vez que eu fosse ali.
Uma das primeiras e grandes dúvidas que tive no início da pesquisa, após
a escolha do meu tema de investigação, foi em como realizar tal empreitada. Howard
Becker (2014) considera que os cientistas, por vezes, desperdiçam demasiada
energia em detalhes filosóficos que muitas vezes têm pouco ou nada a ver com o que
os pesquisadores fazem, por isto, acredita que se deve prestar menos atenção em
enunciados teóricos e mais em como os investigadores trabalham tais posições na
prática.
4 A ementa é uma breve apresentação do conteúdo dos projetos de lei que permite o conhecimento
imediato da matéria tratada pelo projeto.
5 A ementa e a íntegra do PL 60/2015 podem ser acessadas no link
http://portal.alep.pr.gov.br/index.php/pesquisa-legislativa/proposicao?idProposicao=52752. Acesso em
14 de janeiro de 2017.
25
Assim, estou analisando uma ação sindical – greve – proposta pela APP-
Sindicato, como reação a uma medida governamental, a que posteriormente uniram-
se demais categorias estaduais e grupos sociais, como estudantes secundaristas e
universitários. Irei nos próximos capítulos especificar as relações destes atores no seu
sistema social, formado pela Polícia Militar, representada pelos agentes policiais; pelo
Poder Legislativo, representado pelos deputados estaduais; pelo Poder Executivo,
representado pelo então governador do estado, Beto Richa, e pelo então secretário
de segurança pública, Fernando Francischini; pelo Poder Judiciário, representado
pelos juízes e desembargadores, e pelo Ministério Público, representado pelos
promotores e procuradores públicos envolvidos nas ações judiciais movidas durante
o episódio.
7 Agência federal estadunidense responsável pela aplicação doméstica das leis federais sobre política
de drogas e por coordenar investigações envolvendo uso e comércio de drogas dos Estados Unidos
no exterior.
8 Agência federal estadunidense responsável pela imigração e alfândega do país. É composta por três
Colombiano, é acusado de mandar matar 15 pessoas nos EUA e 300 na Colômbia. Em 2007, planejava
sequestrar Fábio Luiz Lula da Silva, filho do então presidente do Brasil Lula da Silva, em parceria com
Fernandinho Beira-Mar, líder da facção criminosa Comando Vermelho, atualmente preso em um
presídio de segurança máxima, acumulando sentenças que somam mais de 320 anos de prisão por,
entre outros crimes, tráfico de drogas e homicídio. Abadia foi condenado pela Justiça Federal a 30 anos
e 5 meses de prisão pelos crimes de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, corrupção ativa, uso
de documento falso e falsificação de documento público, que teria cometido no Brasil, e foi preso por
Francischini e sua equipe da Polícia Federal na Operação Farrapos. A pedidos da DEA (delegacia
federal antidrogas dos EUA), o Supremo Tribunal Federal decidiu pela extradição de Abadia aos EUA.
Francischini, em 2010, publicou um livro intitulado “Em nome da lei”, em que narra os bastidores da
prisão do colombiano. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/bastidores-
da-prisao-de-abadia-1zvonydbplbugyf7v9y7u34ge. Acesso em 10 de janeiro de 2017.
13 Grupo formado por representantes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para investigar
entre os anos de 2005 e 2014, relacionadas à compra da Refinaria de Pasadena, no Texas (EUA),
pagamento de propina a funcionários da estatal e superfaturamento na construção de refinarias. Foi
aberta no ano de 2014 e arquivada em 2016 com seu relatório final indiciando 52 pessoas e 17
empresas supostamente envolvidas em esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro.
28
obrigatória, transmitida nos canais de televisão, dizia que “o dinheiro que deveria ir
para nossa saúde, educação e segurança pública está indo para o ‘ralo da corrupção’”
e contava que era também autor de um projeto de lei, pronto à época para ser votado
na Câmara dos Deputados, que tornaria a corrupção crime hediondo15. Seu slogan
era ‘lugar de corrupto é na cadeia. Coragem tem nome, Delegado Francischini,
7777’”16. O nome que escolheu para ser tratado na Câmara dos Deputados é
Delegado Francischini, denotando o apelo a uma figura de combatente da
criminalidade nacional.
15 O crime hediondo é considerado de extrema gravidade pela nossa legislação e recebe um tratamento
mais rigoroso do que os demais crimes. A Lei nº 8.072/98 considerou hediondos, em suas formas
tentadas ou consumadas, os crimes de homicídio praticado em atividade típica de grupo de extermínio,
homicídio qualificado, latrocínio, extorsão qualificada pela morte, extorsão mediante sequestro e na
forma qualificada, estupro, estupro de vulnerável, epidemia com resultado de morte, favorecimento da
prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança, adolescente ou vulnerável. A
Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, XLIII, equiparou à qualidade de hediondo os crimes de
tortura e tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e tratou todos – hediondos e equiparados - como
inafiançáveis ou insuscetíveis de graça ou anistia.
16 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=4fsP0v1hgMY. Acesso em 20/06/2016.
17 Disponível em: https://www.facebook.com/FernandoFrancischiniBR/about/?entry_point=p
age_nav_about_item&tab=page_info. Acesso em 20/06/2016.
18 Comissão Parlamentar de Inquérito. Grupo formado por representantes da Câmara dos Deputados
ou do Senado Federal para investigar denúncias de irregularidades cometidas no setor público. Sua
diferença para a CPMI é que esta não é mista, tramitando em apenas uma das Casas do Congresso
Nacional.
29
PM. Certa vez, afirmou que a PM evita homicídios ao matar bandidos, questionando
“e qual o problema se quem está morrendo são os bandidos?” (GALINDO, 2015b).
fazendo referência ao modelo de revólver mais usado pela Polícia Militar; 64, “em
homenagem a nossa revolução democrática20”; ou, por fim, 99, “para ser bem
diferente de tudo mesmo” (DEPUTADO, 2014).
20 Aqui o deputado refere-se ao golpe militar de Estado deflagrado em 1964 no Brasil contra o governo
legalmente constituído de João Goulart e que instaurou um regime militar que se estendeu até o ano
de 1985.
21 A legislação brasileira atual permite que apenas as atividades-meio das empresas podem ser
terceirizadas. A atividade-meio é aquela que envolve um serviço necessário, mas não inerente ao
objetivo principal da empresa, e a atividade-fim é aquela que envolve o objetivo principal da empresa,
que geralmente está expresso no seu contrato social.
22 Art. 208 do Código Penal.
35
referindo-se ao material como “kit gay” e afirmando que o objetivo desta inciativa era
o de “estimular o homossexualismo [sic] e a promiscuidade” (BOLSONARO, 2011). A
ofensiva foi tamanha que a então presidenta Dilma Rousseff vetou vários conteúdos
do kit e o MEC voltou atrás em sua proposta inicial para analisar o material, que não
foi distribuído até hoje.
O debate envolvendo temas de gênero também é visto por maus olhos pela
“Bancada BBB”. Em 2014, o Plano Nacional da Educação (PNE) das diretrizes
educacionais dos próximos dez anos entrou em tramitação no Congresso Nacional e
a questão de gênero foi retirada do texto, por iniciativa de veto da “Bancada da Bíblia”,
quando seus representantes afirmaram que essas expressões seriam uma forma de
“ideologia de gênero” corromperiam o modelo tradicional da família baseado nos
conceitos tradicionais de homem e mulher. O texto original estabelecia como meta "a
superação de desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da igualdade
racial, regional, de gênero e de orientação sexual" (MUNDIM, 2015) e, depois de
vetado, foi aprovado sem fazer menção ao gênero e orientação sexual, ficando a cargo
dos níveis municipais e estaduais decidir como tratariam a questão. Em 2015, houve
discussões dos planos municipais e estaduais da educação nas câmaras municipais
e assembleias legislativas de todo país.
da presidência da Câmara dos Deputados. Três projetos de lei de sua autoria foram
discutidos – todos acarretam em perdas de direitos já consolidados que garantem a
igualdade entre homens e mulheres. O PL 5069/13 modifica a Lei de Atendimento às
Vítimas de Violência Sexual e traz como justificativa um alerta para uma conspiração
internacional que utiliza o aborto como meio de controle populacional23, foi aprovado
na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania; o PL 7443, de 2006, que tem como
proposta incluir a prática de aborto no rol dos crimes hediondos, foi desengavetado;
assim como o PL 1545, de 2011, que prevê aumento na pena e perda da licença
profissional para profissionais da medicina que praticarem aborto quando não se tratar
de um dos casos admitidos pelo ordenamento brasileiro.
24 Desde que o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, aceitou acusação contra
a presidenta Dilma Rousseff por crime de responsabilidade, o país viveu uma onda de protestos contra
e a favor do processo de impeachment. O que chamou a atenção nestes protestos foram os grupos
sociais que compuseram cada um deles e o modo de agir da PM – repressor e truculento nas
manifestações contra; pacífico e à distância nas manifestações a favor, com diversos relatos de
policiais e soldados posando para fotos com os cidadãos (disponível em:
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/201 5/04/150413_salasocial_pm_selfies_protesto_rb. Acesso
em 19/02/2017). As manifestações “Fora Temer” ocorreram desde que o vice-presidente Michel Temer
assumiu a gaga presidencial e pedem sua saída, por considera-lo ilegítimo a permanecer no poder.
39
Presidente, como delegado da Polícia Federal, meu voto vai para o fim da
facção criminosa lula-petista, fim da pelegagem26 da CUT27, fim da CUT e
seus marginais, viva a Lava Jato, a República de Curitiba28, e a minha
bandeira nunca será vermelha. Sim, Presidente29.
Perderam em 64, perderam agora em 2016. Pela família e pela inocência das
crianças em sala de aula, que o PT nunca teve. Contra o comunismo, pela
nossa liberdade, contra a Folha de S. Paulo, pela memória do Coronel Carlos
Alberto Brilhante Ulstra – o pavor de Dilma Rousseff. Pelo exército de Caxias,
pelas nossas Forças Armadas, por um Brasil acima de tudo, e por Deus acima
de todos, o meu voto é sim30.
26 “Pelego” é um termo que comporta vários significados. Nesta caso, e na política, é usado para se
referir a um par que age contra os interesses de seus colegas, mais especificamente, trabalhadores
que aceitam tudo o que governo e patrão impõem, sem fazer questionamentos.
27 Central Única dos Trabalhadores.
28 A expressão “República de Curitiba” ficou famosa quando um juiz federal de primeira instância, em
uma das fases da operação Lava Jato, vazou para a imprensa áudios de um grampo telefônico entre o
ex-presidente Lula da Silva e a presidenta Dilma Roussef. No áudio, Lula fala para Dilma que está
assustado com a “República de Curitiba”, usando o termo de forma pejorativa e fazendo referência à
“República de Platão”, nome dado pela imprensa ao inquérito policial militar que apurou o atentado que
sofreu Carlos Lacerda durante o governo de Getúlio Vargas na década de 1950. Em Curitiba, opositores
ao PT e entusiastas da operação Lava Jato e do processo de impeachment da presidenta Dilma
passaram a usar o termo de forma positiva, expressando orgulho por morar nesta cidade.
29 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=omU-Y7vLkz4. Acesso em 17/07/2016.
30 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2LC_v4J3waU. Acesso em 17/07/2016.
31 Michel Temer é um presidente tão legítimo quanto foi, por exemplo, o General Ernesto Geisel, durante
mas a presidente veta. Precisamos conversar mais com Michel para ter a possibilidade
existentes. O projeto previa que 33.556 beneficiários com 73 anos ou mais fossem
transferidos do Fundo Financeiro, que é de responsabilidade do Tesouro Estadual,
para o Fundo Previdenciário, formado por contribuições dos servidores e do poder
público. Com a união, o governador desejava equilibrar as contas, economizando
mensalmente R$ 125 milhões.
(Democratas – DEM), ficando no cargo até o final de 2014, quando tomou posse, a
convite do governador Beto Richa, da Secretaria da Fazenda do Paraná37. Em
entrevista ao jornal Folha de S. Paulo sobre o cenário paranaense de greve, Mauro
Ricardo defendeu o ajuste fiscal afirmando que o Paraná “está contando os centavos”
e declarando “É traumático? É. Porque todos estavam acostumados a viver num
mundo irreal. Agora, vamos ter que viver num mundo real” (CARAZZAI, 2015a).
Entretanto, os dados do Portal da Transparência, citados anteriormente, apontam
superávit nas contas do estado, fazendo-nos questionar do que se trata essa realidade
que Costa se refere. Essa política de planos de ajuste e austeridade fiscal é prática
recorrente de gestões políticas do PMDB e PSDB.
- Não pagamento de 1/3 das férias, o que equivale a cerca de R$ 150 milhões;
em 02/02/2017.
46
- Retomada de portaria antiga sobre o porte de escola, que reduz horas para direção das
escolas, número de pedagogos e pedagogas, funcionários em número insuficiente para
manter as escolas em condições de atender adequadamente os estudantes;
38Depois de todos os acontecimentos, a praça foi rebatizada simbolicamente por populares com o
nome de “Praça 29 de abril”. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/node/32163/. Acesso em
14 de fevereiro de 2017.
48
Acho que porque foi pego de surpresa, a polícia não estava preparada pra
atender essa demanda. E isso também influencia no resultado, né, o policial
fica mais nervoso, desatento, situações que não deveriam acontecer. (...) Nos
primeiros dias, foi mais complicado. Depois, parece que foi até se adequando
(policial administrativo 2).
A ordem que a gente tinha era que estava tudo tranquilo, os professores
estavam reivindicando um direito constitucional e estávamos ali pra garantir
a segurança dos próprios professores. Foi bem tranquilo. Os professores
ajudavam dando água pros policiais, que estavam no sol e não tinha água
suficiente pra todos, compartilharam água, comida, lanche. Acho que a APP
que estava fazendo essa parte logística. Foi bem amistoso (policial
administrativo 3).
violência policial nas populações pobres e negras das periferias brasileiras (BODÊ DE
MORAES; BORDIN, 2017, no prelo).
como eram muitos manifestantes e poucos policiais, depois que a barreira foi
rompida, só a tropa de choque e uso da força pra tirar eles de lá, e isso nem
os policiais nem a instituição PM queria passar por esse desgaste, porque
nós sabíamos que eram professores, trabalhadores. Eu não lembro de
receber nenhuma ordem pra tirar eles de lá, depois que eles entraram,
falaram “deixem eles lá” (policial administrativo 3).
não expulsaram quem já estava dentro do prédio. O policial regular 3 relatou que o
papel da PM era o de contenção de alguns setores da ALEP para que não houvesse
aumento, principalmente na parte dos gabinetes dos deputados, da ocupação –
palavra utilizada por ele, que disse que prefere ocupação à invasão.
42 “Caveirão” é o nome pelo qual ficou conhecido o carro blindado utilizado pelo BOPE da PM do Rio
de Janeiro em incursões nas favelas da cidade. É um carro de transporte e não de combate, preto, com
o símbolo do BOPE que é uma caveira encravada por uma adaga, daí o nome “caveirão”. A justificativa
do uso do “caveirão” pelos agentes de segurança pública é a garantia da vida dos policiais empregados
em operações consideradas por ele de risco, notadamente na “pacificação” das comunidades cariocas
contra o tráfico de drogas. O seu uso é criticado por várias organizações internacionais de direitos
humanos, pelo uso desse veículo violar vários direitos e também por contribuir na manutenção da
percepção do imaginário social de uma situação de constante guerra nos territórios das favelas cariocas
que as forças de segurança têm o dever de combater a fim de garantir a segurança dos cidadãos contra
a imagem do inimigo traficante. Numa tentativa de quebrar esse imaginário negativo que carregam os
57
moradores das comunidades e de questionar o modelo segurança pública adotada pelo estado do Rio
de Janeiro, em 2006, as ONGs REDE, Anistia Internacional, Justiça Global e o Centro de Defesa de
Direitos Humanos de Petrópolis lançaram a “Campanha contra o Caveirão”. Disponível em:
http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Direitos-Humanos/Organizacoes-lancam-campanha-contra-uso-do-
%27caveirao%27-no-Rio/5/9253. Acesso em 10/02/2017.
43
Eram eles: Cristina Silvestri (PPS), Claudia Pereira (PSC), Luiz Carlos Martins (PSD), Cantora Mara
Lima (PSDB), Artagão Junior (PMDB), Gilberto Ribeiro (PSB), Guto Silva (PSC), Paulo Litro (PSDB),
Mauro Moraes (PSDB), Hussein Bakri (PSC), Maria Victória (PP), Francisco Buhrer (PSDB), Jonas
Guimarães (PMDB), Plauto Miró (DEM), Ademar Traiano (PSDB) – Presidente da ALEP, Cobra
Repórter (PSC), Nelson Justus (DEM), Tião Medeiros (PTB), André Bueno (PDT), Fernando Scanavaca
(PDT), Wilmar Reichembach (PSC), Bernardo Ribas Carli (PSDB), Romanelli (PMDB), Pedro Lupion
(DEM), Evandro Junior (PSDB), Felipe Francisquini (SD) e Tiago Amaral (PSB).
58
foi uma situação muito triste quando nós verificamos o quanto estava sendo
utilizada a força pra impor a vontade de um governante. No momento em que
o camburão entrou, pra mim foi, olha... realmente, o nosso país não tem jeito,
não tem democracia, vai ser feita a vontade de quem está no poder. Não
adianta a vontade popular imensa estar na frente que vai conseguir mudar
(policial regular 3).
Quando questionei qual foi a ordem que receberem nesse dia (12), o
policial administrativo 2 me disse que “no último dia da votação, foram feitas três
barreiras, a minha era a última, e era pra segurar ali, não deixar passar. Caso
passassem, como aconteceu, a gente tinha que manter ali até quanto a gente
60
A ordem era simples e clara: conter, “contenha e não utilize o bastão. Não
teve uma ordem ‘se tiver tal procedimento, você toma tal atitude’”, lembrou o policial
regular 3. Ao que parece, o governo estadual decidiu não usar toda a força policial
disponível para conter essa manifestação. A principal atuação nas manifestações de
fevereiro foi das tropas regulares. As tropas de choque também estavam lá, em um
número pequeno, e escondidos. O policial administrativo 3 me explicou a tática militar
utilizada pelo BOPE:
que não iriam voltar às salas de aula na data combinada com o governo46. A greve
continuava.
Já no dia 25, mais de 1,1 mil (ANÍBAL; RIBEIRO, 205) policiais militares
foram até a Praça Nossa Senhora de Salette e formaram um cerco nas redondezas
da ALEP para prevenir futuras ocupações do prédio por manifestantes. O contingente
policial contou com policiais deslocados do interior do estado que ficaram de
65
prontidão. Também fizeram parte deste corpo o Batalhão de Fronteira, que patrulha
as fronteiras do país, e membros da Polícia Ambiental (PEREIRA, 2016). Ainda nesse
dia, em assembleia, a categoria de profissionais da educação, reunida em mais de 4
mil pessoas em Londrina, decidiu também voltar as atividades de greve no Centro
Cívico (PEREIRA, 2016: 29). Essa assembleia, destaca-se, ocorreu após a medida
liminar ter sido deferida. Em outras palavras, a decisão judicial em garantir reforços
policiais em caso de esbulho ou turbação da posse da ALEP foi tomada sem que
houvesse violência ou ameaça de invasão da propriedade, que são os requisitos
jurídicos necessários para concessão da ação preventiva do interdito proibitório. No
dia 24 de abril, dia da decisão judicial, os sindicatos ainda não haviam decidido
retomar as atividades da greve no Centro Cívico.
47Teatro de operações é um termo nativo das policiais e forças armadas que irei abordar no próximo
capítulo.
67
oficial salientou várias vezes que o êxito da operação policial se deu pela centralidade
e força da principal ordem do dia: “a operação foi muito planejada. ‘Ninguém entraria’
era a ordem suprema”. Nesse planejamento, o destaque é para a pessoa de
Francischini. “Choqueano”, como chamado pelo oficial, pois já fez parte do BOPE,
hoje é um civil que conhece toda essa estratégia muito bem, por isso a ênfase nas
ordens. Para ele, quem desencadeou o “jogo”, como chamou, foi Francischini, “o
Comandante-geral era carta fora do baralho. Era Francischini com o comandante do
BOPE. O Richa largou nas mãos deles, a pasta era dele”.
acampar e que caso houvesse tentativa de acessar a ALEP, a polícia iria reagir
(PEREIRA, 2016: 29). A justificativa dada quanto à proibição de acampamento foi a
montagem de estrutura no local para festividades do dia 1º de maio, que ocorreria dali
uma semana. No fim da manhã, cerca de 5 (cinco) mil pessoas saíram da praça 19
de Dezembro rumo à ALEP e os dois caminhões de som que os acompanhavam foram
impedidos de adentrar o cerco militar que havia se formado ao redor da praça,
conseguindo passagem depois de negociações (PEREIRA, 2016: 29).
A diferença no valor das multas entre os diferentes sindicatos expressa mais uma vez
a centralidade do papel da APP-Sindicato nesse movimento. No fim da tarde,
manifestantes montaram acampamento em frente à ALEP.
Pouco antes das 15h, o começo da sessão foi anunciado. A polícia usou
bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo, spray de pimenta, balas de borracha e o
“caveirão” para jogar água nos manifestantes, não apenas para fazer recuar os que
estavam a frente, mas para acertar todos os manifestantes presentes (PEREIRA,
2016: 29). As bombas atiradas pelos policiais e pelo helicóptero seguiam o fluxo da
multidão em fuga. Haviam policiais atirando por todos os lados. Atiradores de elite
também se posicionaram no teto do Palácio Iguaçu e em prédios laterais. A APP-
70
Sindicato teve que abandonar o primeiro caminhão de som, que não parava de ser
alvejado por bombas. Os manifestantes estavam cercados e não tinham para onde
correr.
caminhão de som, onde muitas pessoas feridas chegavam. O então prefeito Gustavo
Fruet (PDT – Partido Democrático Trabalhista) também cedeu o interior da prefeitura
para quem precisasse de cuidados médicos e primeiros socorros. Todos estávamos
acuados atrás da rotatória, sem avançar, e mesmo assim o ataque policial continuou
por muito tempo, com bombas sendo jogadas muito próximas da prefeitura, em
manifestantes parados. A senadora Gleisi Hoffmann e o senador Requião subiram no
caminhão de som e, individualmente, junto a seus discursos sobre a situação,
pediram, em nome do Senado Federal, para que a repressão parasse, sem sucesso.
O avanço policial só cessou depois que o resultado final da votação foi anunciado: o
“pacotaço” foi aprovado por 31 votos favoráveis contra 2049.
49 Votaram a favor do projeto os deputados estaduais Alexandre Curi (PMDB), Alexandre Guimarães
(PSC), André Bueno (PDT), Artagão Jr. (PMDB), Bernardo Ribas Carli (PSDB), Claudia Pereira (PSC),
Cobra Repórter (PSC), Cristina Silvestri (PPS), Dr. Batista (PMN), Elio Rusch (DEM), Evandro Jr.
(PSDB), Felipe Francischini (SD), Fernando Scanavaca (PDT), Francisco Bührer (PSDB), Guto Silva
(PSC), Hussein Bakri (PSC), Jonas Guimarães (PMDB), Luiz Carlos Martins (PSD), Luiz Claudio
Romanelli (PMDB), Marcio Nunes (PSC), Maria Victoria (PP), Mauro Moraes (PSDB), Missionário
Ricardo Arruda (PSC), Nelson Justus (DEM), Paulo Litro (PSDB), Pedro Lupion (DEM), Plauto Miró
(DEM), Schiavinato (PP), Tiago Amaral (PSB), Tião Medeiros (PTB) e Wilmar Reichembach (PSC).
Votaram contra o projeto os deputados estaduais Adelino Ribeiro (PSL), Ademir Bier (PMDB), Anibelli
Neto (PMDB), Chico Brasileiro (PSD), Evandro Araújo (PSC), Gilberto Ribeiro (PSB), Gilson de Souza
(PSC), Marcio Pacheco (PPL), Marcio Pauliki (PDT), Nelson Luersen (PDT), Nereu Moura (PMDB), Ney
Leprevost (PSD), Palozi (PSC), Pastor Edson Praczyk (PRB), Péricles de Mello (PT), Professor Lemos
(PT), Rasca Rodrigues (PV), Requião Filho (PMDB), Tadeu Veneri (PT) e Tercílio Turini (PPS). Não
votaram os deputados estaduais Cantora Mara Lima (PSDB), Leonardo Paranhos (PSC) e Ademar
Traiano (PSDB), por ser presidente da Casa, ao qual só cabe voto em caso de empate49.
50 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Ram0jFobI2s. Acesso em 10/02/2017.
72
51O TCO é o auto de prisão em flagrante delito para os crimes de menor potencial ofensivo – aqueles
que prescrevem pena de até dois anos de cerceamento de liberdade ou multa. Funciona como se fosse
um boletim de ocorrência que irá informar o juiz durante o processo criminal.
73
foi uma ação cruel, desmedida e violenta por parte dos policiais militares
e Tropa de Choque contra todos os manifestantes e não apenas
objetivando “conter aquelas que tentavam ultrapassar o bloqueio”. (...)
A postura tal qual adotada pelas forças de segurança do governo do Estado
do Paraná no dia 29/04/2015 não tem lugar em um estado democrático de
direito. Pouco importando quais fossem as reivindicações dos
manifestantes, não há qualquer justificativa para o uso desmedido da
violência. A imagem da tropa de choque avançando contra pessoas
desarmadas que tentavam escapar da repressão policial, digna de
regimes truculentos, reflete exatamente o que aconteceu no dia 29 de abril
(grifos no original) (PARANÁ, 2015a).
4. “A bomba não é aqui dentro, então vamos votar” – um olhar por dentro da
“Operação Centro Cívico”
4.1 – “A gente visualizou as granadas voando por cima de nós, sem parar, e vai
e vai e tiro, tiro e tiro” - As representações da atuação policial no teatro de
operações
Quando ocorrem eventos que perturbam a ordem pública e criam uma crise
policial, de acordo com instruções de uma apostila do curso de formação de sargentos
da PM do estado de São Paulo, oferecendo riscos e danos a indivíduos ou patrimônio
e agentes policiais precisam intervir, haverá um gerente de crise. Esse gerente é um
policial responsável por identificar e aplicar os recursos necessários para que aquela
crise seja resolvida. A primeira coisa que esse profissional deve fazer ao chegar ao
local da crise é estabelecer um perímetro de segurança da operação, que é chamado
de teatro de operações, “que corresponde à área circundante ao ponto crítico e
abrange um determinado espaço físico que deve ser isolado no intuito de ali se
estabelecer um gabinete de gestão e de gerenciamento, onde serão deliberadas as
ações policiais a serem adotadas” (ZAUPA; ROSA, 2015: 10).
O policial ROTAM 2 contou que “no dia da votação, todas as tropas foram
colocadas na frente em prontidão desde o começo, já sabendo o que poderia
acontecer. Chegaram umas 9h, é normal chegar umas 5 ou 6 horas de antecedência.
A gente tava preparado pra ficar 18 horas se fosse necessário”. Em todos os
momentos que falou sobre a atuação policial no cerco, referiu-se aos momentos após
os manifestantes terem atirado pedras.
A partir dos grupos táticos é que havia realmente uma reação com munições
não letal, granadas e gás lacrimogêneo. A partir da 3ª fase de contenção
haveria sim uma resposta, digamos assim, escalonamento de força, do uso
gradual da força, na verdade.
À medida que os manifestantes vieram pra cima da tropa, essa tropa regular
com escudo bem menor e um escudo bem mais fraco acabou sendo
imprensada contra os escudos nossos. Porque assim que os alambrados
foram derrubados, os grupos táticos, que eram nós, fecharam os escudos e
fez a barreira de contenção que em tese seria impossível, impossível não, se
tentaria evitar totalmente a passagem de alguém. Só que a partir do momento
em que não se esperava, não se estudou, e eu digo até que foi uma burrice
a PM não ter pensado nessa hipótese, a partir do momento que venceu o
primeiro obstáculo, contenção física, os alambrados, toda aquela multidão
veio pra cima da tropa regular, que não tem treinamento adequado (policial
ROTAM 2).
52 Ver p. 65.
83
destas provas pode ser questionada, na medida em que a PM poderia ter usado
desproporcionalmente a força e usado material posterior para justificar sua ação. De
qualquer maneira, está nítido que a corporação não foi pega de surpresa. Para o
Ministério Público, em sua ação civil pública de improbidade administrativa contra os
responsáveis pela “Operação Centro Cívico”, restou comprovado que as evidências
foram forjadas:
Somado a isso, um dos fatos mais ressaltados pelo policial ROTAM 2 é que
a PM sabia anteriormente que os manifestantes iriam pra cima do cerco:
Por várias vezes, ele me disse que a PM havia colhido informações antes
do início do “confronto”, infiltrada no protesto. E, logo depois, contradizia-se afirmando
que o possível excesso de força utilizada pelos policiais fundava-se no elemento
surpresa da ação dos manifestantes. Continuou, sem eu ter feito questionamentos
quanto a uma provável falta de preparo para a situação, justificando o cenário:
Aí vamos dizer assim “ah mas treinaram já”, treinaram há quanto tempo isso,
a utilização de um escudo? E o grupo tático treina mais frequentemente, 2 ou
3 vezes por mês você treina a utilização do escudo, como se faz a contenção,
aí criou-se um problema momentâneo que a tropa teve que resolver na hora
e isso, muitas vezes, sem precisar da ordem do comando, devido ao barulho,
você não tem como depender do comando ali dizendo “faça isso”, não, (...)
nós tivemos que abrir e começar a puxar os policiais por baixo, alguns
policiais começaram até a ser pisoteados (policial ROTAM 2).
84
Eu acho que já era minha terceira, e eu ainda acho pouco. Tem cara ali que
já esteve em várias, que é técnico nisso, que sabe quando efetuar um disparo,
onde lançar uma granada, deslocamento de vento, umidade, tudo isso tem
que ser levado em consideração. Tinha policial lá disparando em cima de
prédio, porque não sabe manusear aquilo, entendeu? Nunca pegou aquela
arma na mão, nunca disparou um tiro real com ela. Tava quebrando vidro de
apartamento e o efeito do gás foi pra dentro do apartamento da pessoa, já
pensou? (policial BOPE 1)
E outra coisa, você que tá fora disso, você concorda em pegar alguém que é
do administrativo pra colocar em confronto? É um trabalho diferente. Quem
trabalha no administrativo, devia ser só administrativo. Coloca pessoal
terceirizado nisso e policial na rua. Você vai no mecânico quando tá doente?
(policial BOPE 1)
Comentei com o oficial 2 que o gás das bombas havia chegado no CMEI,
ao que ele respondeu não ter tomado conhecimento desta informação nem saber de
qual creche eu me referia, porém garantiu que se existisse a mínima possibilidade da
PM prever que isso aconteceria, ela teria solicitado à população, pelos canais de
imprensa, que não levassem suas crianças para creche e escolas das proximidades
naquele dia. Insistiu que essa é uma questão que não esteve no controle da
corporação:
86
54 Essa informação foi retirada de imagens de vídeo da sessão legislativa do dia 29 de abril reproduzidas
no documentário “29”, produzido pelo professor Carlos Alberto Machado, da Universidade Estadual do
Centro-Oeste. O documentário retrata o “Massacre do dia 29 de abril” a partir de entrevistas de vários
professores, estudantes, agentes penitenciários, policiais que participaram do evento, bem como a
partir de material midiático veiculado sobre o acontecimento.
88
Não existe nenhum tipo de preparo pra atividade de polícia ostensiva igual a
PM desempenha que chegue à realidade do próprio evento. Tentam fazer
treinamento que chegue próximo a um confronto armado, um treinamento
específico pra se evitar agressão do jeito que é manifestação... Por mais que
você tenha uma base da estrutura de um treinamento, que eu diria que é
ínfima na polícia, a não ser o grupo de choque que é extremamente treinado
pra isso (policial ROTAM 2).
Bodê de Moraes e Bordin (2017, no prelo) notam que não há como não
associar violência policial com formas de diversão e manifestação artística da
população negra e jovem. Essa associação pode ser estendida para o agir da PM com
movimentos e manifestação sociais que protestam por garantia de direitos. Não há,
portanto, despreparo por parte da tropa:
Vergonha. Eu posso dizer que acho que todos com quem eu conversei
estavam sentindo vergonha, porque foi um evento não contra meliantes, mas
contra trabalhadores que estavam brigando por uma coisa que era pra gente
também. Era como se a gente tivesse revoltado por algo que eles tavam
lutando pela gente (policial ROTAM 1).
Policial regular 1: BOPE abraça mais a causa “ah eu sou BOPE”, agora pra
mim é diferente, pra mim foda-se.
90
Policial regular 1: por um orgulho da parte deles, eles são uma força que não
pode ser desrespeitada, eles não aceitam atentado, não aceitam a população
vir em cima. Tão ali pra controle da população, esse é o foco deles, não é o
patrimônio em si. E eles abraçam a causa, honram a pátria e têm uma mente
fixada em servir o Estado pro que for determinada a missão deles. Eu digo a
minha visão já eu digo como pessoa, não é porque eu sou policial que vou
deixar de pensar como sociedade, eu penso a favor da sociedade.
Já o policial BOPE 1 acredita que o excesso ficou por conta das tropas
regulares:
Houve excesso da polícia? Houve excesso. Não precisava ter usado tanto
material de guerra química, não precisava ter dado tanto disparo. Houve
excesso porque foi colocado policial que não estava preparado pra estar ali.
Quem tava preparado tava ali, a nossa tropa gastou muito pouco, tem pessoal
do interior que nunca viu esse tipo de coisa, eles gastaram material que não
precisava (policial BOPE 1).
O mesmo policial BOPE 1 acredita que a culpa não foi isolada, “foram
cagadas mútuas”. Ele disse que
Richa, pois “foi ele quem passou as ordens, ele que já tinha gasto todo o dinheiro do
Estado e não tinha mais saída” (policial BOPE 2).
E eu vou falar uma coisa pra você, e eu falo isso pra você com absoluta
certeza: 80% da tropa, com exceção do pelotão de choque, todo o efetivo que
estava lá, se os professores tentassem romper à força, iam vencer, iam
entrar. A causa era nossa também. Ninguém ia encostar a mão em um
professor. Tanto é que se você pegar as poucas filmagens que tem de
agressão, agressão com cassetete, aquela agressão que, até em tese, é sem
necessidade. Na sua grande maioria, é sem necessidade. Foi de oficial. Foi
de oficial e foi de algum policial do pelotão de choque. Por quê? Porque é
igual você treinar um cachorro. Se você só treinar pra um tipo de evento, no
dia que acontece esse evento, o cachorro tá solto. Assim, na minha opinião,
o pelotão de choque agiu no dia (policial ROTAM 2).
Eu vou defender 80% dos policiais que tavam ali. A partir do momento que a
tropa de choque entrou e começou de maneira desordenada simplesmente a
despejar granadas e tiro, ali começou o grande problema. Por quê? Porque é
uma força descomunal e não tinha necessidade. O que que na minha opinião,
tecnicamente, nos meus 12 anos de polícia, com um pouco de experiência
que tenho que deveria ter sido feito? Tropa de choque assume a frente de
todas as tropas, se posiciona, faz o cordão, utiliza tiro de calibre 12 de
munição menos letal pontualmente com o endereço certo. Endereço certo pra
quem? Pra aqueles que estão juntando pedra e atirando. Isso seria
profissionalmente correto, utilizando o pelotão de força (policial ROTAM 2).
A tentativa de jogar a culpa para outras tropas apareceu também nas falas
quando alguns policiais comentaram os armamentos utilizados. O policial ROTAM 2
disse que seu pelotão usou granadas de dispersão, que são as bombas de efeito
moral, apenas para dispersar os manifestantes que derrubaram as grades e foram pra
cima das tropas regulares:
92
O policial BOPE 1 já havia dito que sua tropa utilizou muito pouco material
químico, ficando a cargo das demais tropas o excesso de armamentos empregados,
contrariando este relato do policial ROTAM 2.
Essa visão toda destoante entre policiais de tropas distintas nos pareceu
um padrão durante as entrevistas e não uma questão pontual ou individualizada de
algum deles. Policiais do BOPE apresentado como ferrenhos servidores do Estado e
da missão que lhes foi dada, heróis que estão dispostos a dar suas vidas em troca do
cumprimento da ordem recebida, contra tropas regulares despreparadas na
contenção da multidão, desnecessariamente utilizando os armamentos de munição
não letal. Os equipamentos também distinguem-se em uniformes, veículos e
armamentos ainda mais militarizados utilizados pelo BOPE. Como mais um símbolo
de distinção, o Choque, no Paraná, tem um símbolo próprio – uma cobra enrolada em
uma espada em posição de ataque exibindo as presas; o BOPE, no Rio de Janeiro,
apresenta a famosa caveira trespassada por um punham e ornada por duas armas de
fogo e o lema “missão dada é missão cumprida”.
A divisão entre praças (de soldado até subtenente) e oficiais (tenentes até
coronéis) nas polícias militares é herança da estrutura e da ação política das
Forças Armadas do país, que organizaram as instituições policiais. Indo além
da análise das instituições militares, podemos ver claramente essas divisões
em outras instituições de segurança pública, em especial nas polícias civil e
federal que possuem cargos de base (investigadores, agentes de polícia e,
93
Após citados no processo judicial, os réus tiveram prazo para juntar aos
autos uma peça de defesa prévia, momento em que puderam expor suas versões dos
fatos. As defesas prévias de todos foram juntadas entre novembro e dezembro de
2015 e até o momento de finalização deste trabalho, não houve decisão judicial de
mérito.
legal para tal substituição era do Coronel Kogut, pois Comandante-Geral da PM,
questionando “poderia o Peticionário recusar tal determinação?” (PARANÁ, 2015b).
Excelência, mais uma vez se busca auxílio na “muleta” que responde pelo
nome de “Coronel Chehade”, e muleta é nome adequado porque surge como
a solução para tentar sustentar a existência de um ato coletivo de
improbidade, como que se houvesse uma comunhão de desígnios entre os
Coronéis requeridos, o Secretário de Segurança Pública e o Governador do
Estado do Paraná. Isso não passa de teoria de conspiração frequente em
filmes americanos sensacionalistas (PARANÁ, 2015b).
55O princípio do contraditório é um princípio constitucional que garante que todo acusado terá direito
de resposta contra a acusação que sofreu, contradizendo-a, podendo utilizar, para tanto, todos os
meios de defesa admitidos pelo ordenamento jurídico.
97
Alegou também que todos seus atos seguiram o exercício regular de direito
e o estrito cumprimento do dever legal, causas essas que excluem a responsabilidade
do agente.
56 Típica é toda conduta (ação ou omissão) descrita em lei como infração penal (crime ou
contravenção).
100
Os policias do BOPE não fazem cordão, eles empregam outras técnicas, com
bomba, escudo. O cordão é uma estratégia passiva, né, esperando as
pessoas virem. E a estratégia do BOPE, normalmente, é de ganhar terreno,
é extremamente militar, quase de guerra, eles avançam e não esperam, os
manifestantes são obrigados a recuar. Eles não ficam na situação passiva
como fica a tropa regular.
P: Mas ainda continuavam jogando muitas bombas e não parecia ter mais
ninguém próximo da barreira.
O: Mas daí você percebe que são pequenos grupos, quatro ou cinco
pessoas que insistem, até por provocação. Como eu falei, se o objetivo da
polícia fosse dispersar todo mundo, nós teríamos avançado na rotatória,
shopping, praças. Mas a gente manteve ali. E essas explosões e tiros foram
contra esses pequenos grupos que ficavam arrancando pedras pra jogar
contra os policiais.
O: Sim.
O: Se você for ver, mais de 90% desses depoimentos são de pessoas que
não tiveram lesões. Elas foram na delegacia, prestaram depoimento, mas
não foram depois no IML realizar os exames, por que qual foi a alegação
delas? Passaram mal por efeito do gás lacrimogêneo. E o passar mal é
momentâneo, quando ela estava no meio da nuvem. E eu garanto que quem
estava no meio da nuvem não era quem estava lá atrás fazendo
manifestação, era quem estava lá na frente.
58 Ver p. 72.
104
59Dentre outras pessoas que sofreram graves danos, Taciane, estudante do ensino médio, perdeu 60%
da audição: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/sequelas-da-batalha-do-centro-civico-
7f8lfemmqsf3vxa70fvpqjtlg. Acesso em 29/01/2017.
105
ser adotadas por qualquer pessoa em manifestações e protestos públicos. Seu objetivo principal é
garantir a autodefesa dos participantes contra a violência policial, não constituindo um movimento de
pessoas, portanto. A tática é originária da Europa e popularizou-se no Brasil em 2013 nas
manifestações nacionais contra o aumento do valor das passagens de transporte público.
106
Para Heloisa Fernandes (1974), a força policial foi em toda sua história
baseada na estrutura militar, o que, além da hierarquia, disciplina, armamento e
uniforme, pressupõem uma força com funções claramente militares, mas que,
contudo, em alguns momentos, exerce funções tipicamente policiais. Neste ponto,
importante destacar que a função policial, que visa proporcionar o funcionamento
ordenado dos resultados do processo de urbanização, é essencialmente diferente da
função militar, que mantém e reestabelece a ordem social. A função militar é política,
enquanto a função policial é estritamente jurídica.
107
62 A Força Nacional é composta por policiais militares, bombeiros militares, policiais civis e peritos e foi
criada em 2004 para atender às necessidades emergenciais dos estados, em questões onde se fizerem
necessárias a interferência maior do poder público ou for detectada a urgência de reforço na área de
segurança. Disponível em: http://www.justica.gov.br/sua-seguranca/forca-nacional. Acesso em
29/01/2017.
108
Mas a ordem era única e clara: não deixar ninguém passar o cerco policial,
usando a força necessária para a contenção. Todos os policiais entrevistados focaram
neste ponto, a ordem era soberana: “da PM é o seguinte: a partir do momento que o
governador do Estado disse ‘não vai entrar’, não vai entrar” (policial ROTAM 2). Por
outro lado, as opiniões deles sobre a proporcionalidade e razoabilidade da ordem em
relação à manifestação variou de acordo com as funções exercidas dentro da PM.
Ele foi bastante enfático com essa questão, voltando sempre a ela, no
decorrer da conversa, como o pivô da atuação policial com uso da força. Mesmo
demonstrando apoio à causa dos professores:
de pimenta, jatos de água e balas de borracha, demonstrando que o uso da força não
empregado apenas como reação à ação dos manifestantes.
A gente que conhecia professor, tem parente professor, pediu pra eles não
invadirem, porque a ordem era ir pra cima. E se a gente descumpre ordem, a
gente sofre punição, podendo perder até o cargo, e é isso que as pessoas
não entendem. Não é que a gente quer fazer, a gente trabalha pro governo e
a nossa missão ali era defender o prédio da Assembleia. O que o governador
mandava, a gente tinha que fazer (policial ROTAM 1).
Então, colocando a tropa lá, qual era a ordem? Era específica: não vai deixar
entrar, mediante comando. Se é mediante comando, alguém tá por trás de
mim. A tropa se excedeu, alguém era responsável. Teve ordem do
governador: “usem a força que for precisa, que eu respaldo vocês”, e foi isso
que aconteceu. Agora, na vara da auditoria militar, o Ministério Público da
auditoria militar não ter oferecido denúncia contra os policiais, entendo que é
o mínimo mesmo, porque se fosse pra oferecer, teria que oferecer para os
comandantes, não conta a tropa. Como contra os comandantes estão
mexendo com política, fica tudo elas por elas (policial ROTAM 2).
E ainda ver tanto policial do choque já é uma afronta, policial do choque não
fica ostensiva, fica escondido, a grande maioria estava escondido. Mas tinha
pessoal olhando pro policial, e querendo ou não, aquela farda, o capacete...
o manifestante não vê aquilo como ser humano, vê aquilo como “aquilo ali tá
ali pra me arrebentar”. E de fato, é um impacto psicológico que a gente quer
mesmo, só que não ostensivo. É caso aconteça alguma coisa. O simples fato
de uma tropa de choque entrar numa manifestação já dá um “opa, chega”, já
passa mensagem, o caminhão blindado já passa a mensagem “opa, ferrou,
os cara tão com blindando, vão jogar gás lacrimogêneo na gente”, na cabeça
do cara já incute aquilo pra ele ir embora. Agora, se você mostrar a principal
força pra conter o negócio, acaba o efeito surpresa (policial BOPE 1).
Eles chegaram a declarar que “se impedir o policial de matar, nós não temos
como trabalhar”. “Eu era tido como exemplo, eu era tido como um policial
bom, linha de frente, eu era premiado como policial do mês, policial do ano,
e de repente eu fui preso e chegaram pra mim e falaram 'você é culpado pelas
nossas mazelas'” (SOUZA, 2013).
maneira praticamente idêntica desde seus primórdios. Não por outro motivo que
políticos da “Bancada da Bala” e suas agendas montadas a partir de princípios da
doutrina de “lei e ordem” são sistematicamente reeleitos.
sistema justamente por estar “acima” dele. Para Fernandes (1974), a ideologia militar
incorporou a ideologia do Estado, fazendo com que o policial se enxergasse enquanto
categoria social homogênea, quando na realidade era subdividida. Para ser um bom
militar, é necessário negar a sua própria classe social e assumir o projeto do Estado.
Outro falou que havia alimentação e local para descansar, mas eram
horríveis. Ele teve que dormir dentro do ônibus da PM, porque não tinha outro lugar
para ficar no período de descanso. E não havia banheiros suficientes para a
quantidade de profissionais. Ele reclamou do total descaso do Estado com a profissão,
afirmando que não leva em consideração características e necessidades individuais
dos policiais, pois só precisam de números de policiais nas ruas. Essa situação, para
ele, gera resultados negativos no desempenho do trabalho policial:
O código da PM também é antigo. Tudo isso daí devia ser reformulado. Tem
propostas no congresso, mas é subordinado ao Poder Executivo, e ele nos
usa a seu bel-prazer. Se tivesse um regulamento que permitisse maior
liberdade de expressão, aí talvez não teria tanto controle sobre a tropa. Eu
não vejo esperança de mudanças, porque não tem vontade política (policial
administrativo 2).
A Polícia Militar atravessou séculos e se consolida até hoje desde seu início
formada de pessoas oriundas das classes mais baixas que se submetem à rígida
disciplina hierárquica e militar do Exército, incutidas com a lógica corporativista,
116
Outro ponto em comum na fala da maior parte dos entrevistados foi a forma
da articulação política dos interesses em fevereiro e em abril. Eles acreditam que os
ânimos, de maneira geral, tanto da polícia, como dos manifestantes e também do
governador estavam mais calmos em fevereiro porque o projeto de lei ainda estava
em fase de negociações, quando ainda havia opções para enfrentar a questão.
119
Mas veja só, se a polícia militar quer, se a tropa quer, ela esvaziava a
assembleia em fevereiro a hora que ela quisesse. O Estado é mais forte, as
forças policiais, não adianta, elas são mais fortes, quando é dado autorização
e quando existe uma tropa com esse interesse (policial administrativo 3).
relação do tipo de tropa com a ordem também parece ter pesado no resultado dos
eventos:
E outro fator que eu acho que pode ter influenciado bastante é o tipo de tropa
que foi colocado lá, que é a tropa de choque. É um outro perfil de policial que
faz o que manda. Se mandar tirar da praça, vão tirar, não interessa se for
professor, trabalhador. Eles tem esse perfil assim... É o militarismo na sua
versão mais concentrada, mais potencializada. Uma ordem mais incisiva e
um perfil de policial pra cumprir essa ordem. É um perfil de
comprometimento irrestrito com o cumprimento de ordem. Se você
disser que tem que tirar um grupo de manifestantes dali, eles vão tirar, seja
na base da força, com bala de borracha, o que for, eles vão usar todos os
meios pra cumprir a ordem (policial administrativo 3).
É uma cultura diferente dentro da própria PM. Claro, a tropa regular também
tem que cumprir ordens, a gente tem um regime jurídico específico, se você
não cumprir uma ordem, você pode estar cometendo um crime militar, você
pode ser preso, condenado e tudo o mais. Mas a tropa de choque tem esse
perfil potencializado. Então, pra uma tropa ordinária, se você manda retirar
os professores, eles vão pensar um pouco, tentar não fazer muita força, saber
que aí tem trabalhadores também, estão lutando pelos direitos que eram
nossos também. Tanto que no dia que eu fui, em fevereiro, vários policiais se
solidarizando com os professores, vários policiais chorando mesmo com eles
(policial ROTAM 1).
63 Ver p. 66.
121
comando centrada no apoio de um batalhão que iria tomar todas as medidas para
cumpri-la.
afirmando que seria sua obrigação garantir o funcionamento da ALEP e impedir sua
“invasão”, função a qual sequer poderia se opor. Essa referência Beto Richa apensou
em sua defesa.
Roberto Kant de Lima (1999: 32) aponta que o juiz, e não o Estado, é visto
como um profissional esclarecido, “quase clarividente, capaz de formular um
julgamento racional, imparcial e neutro, que descubra não só a “verdade real” dos
fatos, mas as verdadeiras intenções dos agentes”.
Michel Foucault (2013) fala em uma luta pela verdade, ou algo em torno da
verdade, que consiste em um conjunto de regras que separa o falso do verdadeiro e
designa ao verdadeiro efeitos de poder. Tal criação de verdade é entendida dentro de
uma “economia política” da verdade, estabelecida nas formas que os discursos
científicos são produzidos pelas instituições através de permanentes pressões
políticas e econômicas. Essa verdade, além de produzida, é então disseminada pelo
controle de certos aparelhos dominantes, como a mídia, o exército, as universidades
e, no caso que discutimos, o sistema de justiça brasileiro. O poder não é a origem
desse discurso produzido, já que Foucault (2012) o considera como relação, não
existindo por si só, mas através de práticas e relações de poder.
“‘ciência normativa’”, que tem por objetivo o controle de uma população sem
educação, desorganizada e primitiva. Os modelos jurídicos de controle social,
portanto, não tem nem poderiam ter como origem “a vontade do povo”,
enquanto reflexo de seu estilo de vida, mas são resultado destas formulações
legais especializadas, legislativa ou judicialmente”. Nessas circunstâncias
não é difícil compreender que, ao não ser considerada como fórmula ideal a
“aplicação da lei pelo povo”, valores legais, quando se aplicam, tendem a ser
vistos como constrangimentos externos ao comportamento dos indivíduos
(KANT DE LIMA, 1999: 24)
discurso” (KANT DE LIMA, 1999: 25). Predomina, assim, o confronto entre teses
opostas do qual só sairá uma vencedora: a que tiver saber mais “autoritativo” do que
a outra. De modo que a res pública, nesse sistema, como é o nosso, é controlada pelo
Estado em oposição a uma aplicação universal acessível a todos, de acordo com as
inacessíveis regras do Estado,
onde tudo é possivelmente permitido, até que seja proibido ou reprimido pela
“autoridade”, que detém não só o conhecimento do conteúdo mas,
principalmente, a competência para a interpretação correta da aplicação
particularizada das prescrições gerais, sempre realizada através de formas
implícitas e de acesso privilegiado (KANT DE LIMA, 1999: 25).
Partindo desta discussão, um modelo analítico composto por dois tipos ideias
weberiano (compostos por abstrações e não encontrados em sua forma pura na
sociedade) irá nos ajudar a viabilizar a análise posterior que pretendemos realizar. O
tipo controle social normal, através da chave da integração, produziria uma
organização social que, por sua vez, produziria ciclos virtuosos de indivíduos
integrados, ao passo que o controle social perverso produziria ciclos viciosos de
estados de medo e insegurança (BODÊ DE MORAES, KUILATIS: 2013). Para
complementar esta análise, tomemos a importância do conflito na teoria de George
Simmel (1983), para quem tal elemento não está em oposição à ordem social, mas,
sim, é seu constituidor. Em outras palavras, “a ordem seria constituída a partir e pelo
conflito, que teria origem na diferença entre as classes e o indivíduo” (BODÊ DE
MORAES, KUILATIS: 2013, 4).
Dessa forma, através dos meios de controle social normal, segurança pública
significa bem-estar do indivíduo, estabilidade social, política, econômica para planejar
um futuro seguro. Como as diferenças são inexoráveis em qualquer sociedade, neste
modelo, o Estado de bem-estar social empregaria políticas públicas nas mais diversas
áreas (saúde, educação, moradia, lazer etc) a fim de minimizar as diferenças entre os
indivíduos para impedir que elas se tornem desigualdades. Isto seria segurança
pública. As diferenças, ou alteridades sociais, estão, principalmente, na classe, no
gênero, na etnia-racial, nos referenciais geourbanos e geracionais e no uso de drogas
lícitas e ilícitas dos indivíduos (BODÊ DE MORAES, KUILATIS: 2013).
Por outro lado, no modelo de controle social perverso, que entende a diferença
enquanto conflito o toma como elemento negativo, a segurança pública é resumida a
caso de polícia. O direito penal é utilizado como prima ratio, sendo acionado pelo
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Sistema de Justiça Criminal para o mesmo grupo social que o tipo ideal normal tenta
proteger. É uma ordem que está focada na produção, reprodução e garantia de
privilégios para certas pessoas (BODÊ DE MORAES, KUILATIS: 2013).
Desde D. João VI, cuja coroa enfeita o brasão de nossa Polícia Militar do
Estado do Rio de Janeiro, até o ethos repressivo que permeia nossa Polícia
Civil, está, sempre, a polícia, a serviço do Rei, do Estado, para conciliar
forçadamente ou para reprimir conflitos e não para resolvê-los, garantindo a
ordem estatal pública e não negociando e disciplinando, preventivamente, a
ordem dos cidadãos (KANT DE LIMA, 1999: 35).
6. Considerações finais
reflexão iluminada que produz a verdade dos fatos, autoritária, pois advinda deste
douto saber acessível por poucos, através do qual controlam a população
desorganizada e sem educação, acionando, para garantir suas ordens, o aparato
policial.
(...) o conjunto dos meios pelos quais é possível fazer as forças do Estado
cresceram, mantendo ao mesmo tempo a boa ordem deste Estado. Em
outras palavras, a polícia vai ser o cálculo e a técnica que possibilitarão
estabelecer uma relação móvel, mas apesar de tudo estável e controlável,
entre a ordem interna do Estado e o crescimento de suas forças (2008: 421).
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d. Material visual
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Coprodução Eliana Soarez e James Darcy. Brasil. 2007. Ação. DVD (116 min).
Colorido.
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