Desenvolvimento Moral
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RESUMO
A moralidade tem sido estudada por vários psicólogos, quer do ponto de vista afectivo
(Psicanálise), quer do ponto de vista comportamental (behaviorismo, teoria de aprendizagem
social), como do ponto de vista cognitivista (Piaget e Kohlberg).
Piaget (1973), ao analisar o desenvolvimento moral, colocou em relevo a importância dos
pares no processo de socialização, defendendo que a relação de obediência da criança com o
adulto favorece o desenvolvimento de uma moral heterónoma. É através da cooperação entre
pares que a criança tornar-se-á capaz de uma moral autónoma. Isto porque, por mais que o adulto
procure compreender o ponto de vista da criança e procure estabelecer uma comunicação de igual
para igual, as relações entre eles permanecem hierarquizadas, propiciando apenas o respeito
unilateral da criança para com o adulto. As relações entre crianças, ao contrário, propiciariam a
descentração (cada um tornar-se-á capaz de se colocar no lugar do outro) e surgiriam os
sentimentos de reciprocidade e de respeito mútuo, elementos indispensáveis para a autonomia
(Camino & Moraes, 2003).
A teoria do julgamento moral de Kohlberg (1981) é única pelo facto de postular uma
sequência universal, da qual os estádios mais altos (5 e 6) constituem o designado pensamento
pós-convencional. Ao contrário da maior parte das explicações sociais e psicológicas, que
considerariam a internalização de valores da sociedade como o ponto terminal do
desenvolvimento moral (perspectivas de Durkheim, Freud e do behaviorismo), para Kohlberg a
maturidade moral seria atingida quando o indivíduo fosse capaz de entender que a justiça é
diferente da lei, que algumas leis existentes poderiam ser moralmente erradas e deveriam ser
modificadas. Todo indivíduo seria potencialmente capaz de transcender os valores da cultura em
que foi socializado, ao invés de incorporá-los passivamente (Biaggio, 1997).
Assim sendo, neste trabalho procurar-se-á analisar o modo como se desenvolve a moralidade
no ser humano, concedendo particular atenção à adolescência.
1. DESENVOLVIMENTO MORAL
A dimensão moral da obra de Jean Piaget acabaria por evoluir para um campo próprio em
1932, quando procurou conhecer as etapas pelas quais passariam as crianças no processo de
compreensão do comportamento moral. Piaget veio opor-se ao postulado empirista que defendia
o desenvolvimento moral como o resultado da interiorização de valores e regras sociais
exteriores ao sujeito. Para este autor, o desenvolvimento moral seria um processo de construção
que ocorreria no interior do indivíduo.
“Com efeito, ele crê que as relações de constrangimento (controlo exterior) não favorecem
o desenvolvimento moral, porque impedem o desenvolvimento da autonomia (controlo interno).”
(Kamii & Devries, 1970, p.47). As regras exteriores tornar-se-iam regras da criança só quando as
adoptasse e as construísse em liberdade; contudo, a maioria aprenderia as regras sócio-morais por
obediência aos adultos, detentores da autoridade. Kamii e Devries justificavam esta situação com
o facto da criança desejar receber um elogio ou evitar uma punição. Já quando a criança regula
voluntariamente o seu comportamento, sem pressões externas coercivas, fá-lo para obter
benefícios (como a conquista de confiança) mais amplos que os benefícios imediatos de fuga a
castigos. O sujeito construiria a sua regra moral quando fosse capaz de sacrificar certos
benefícios imediatos para promover a relação com outras crianças ou um adulto.
Por sua vez, a punição implicaria três tipos de consequências. A primeira seria o cálculo de
riscos, visto que, após uma punição, a criança tentaria evitar ser descoberta novamente ou
decidiria estoicamente por antecipação, compensando o castigo com o prazer obtido. Uma
segunda consequência seria a conformidade cega, visto este comportamento acarretar segurança e
respeitabilidade. Contudo, estas crianças limitam-se a obedecer, evitando tomar decisões. Por
último, a punição poderá levar à revolta, envolvendo comportamentos que poderão ser
identificados com delinquência. Apesar de se assemelharem aos actos autónomos, estas condutas
são distintas por se basearem na recusa do conformismo.
Kamii (1984) defende, também, que os comportamentos punitivos constituir-se-iam como
reforços da heteronomia das crianças, impedindo-as de se desenvolverem em autonomia.
Contudo, apesar de serem preferíveis, as recompensas assumiriam um efeito muito semelhante,
na medida em que a autonomia construir-se-ia com a redução do poder adulto e o incentivo à
construção de valores morais próprios.
Piaget defendia, ainda, que quando uma criança cooperasse autonomamente com outra
sentiria uma necessidade intrínseca de ser leal, com o intuito de perpetuar a confiança mútua.
Seria movido pelo desejo de ser aceite pelos outros e pela convicção de que seria útil tratar os
outros da forma como gostaria de ser tratada. Para Kamii e Devries (1970) esta atitude de
cooperação exigiria a descentração e a cooperação interindividual. Num estádio inicial marcado
pelo egocentrismo, o indivíduo não se aperceberia da existência de opiniões divergentes das suas.
Posteriormente, ir-se-ia apercebendo destas opiniões, mas ainda não conseguiria recusar a um
desejo imediato.
Segundo os estudos desenvolvidos por Piaget, parecem existir duas morais distintas nas
crianças: autonomia e heteronomia. Desta forma, defendeu que não se poderia falar em estádios
morais mas sim em fases caracterizadas pela heteronomia e pela autonomia. Esta distinção
pretende elucidar que é possível encontrar elementos da autonomia moral numa criança
predominantemente heterónoma e vice-versa (Piaget, 1973).
Azevedo (1994) analisa, também, a obra de Piaget no que respeita ao domínio do
desenvolvimento moral. Segundo ele, Piaget defenderia a existência de estádios apenas em
sentido lato, e não em sentido estrito como ocorreria na área do desenvolvimento cognitivo. Isto
suceder-se-ia porque o desenvolvimento nesta área seria um contínuo sem roturas, ainda que um
contínuo não linear, e visto não existirem estruturas definidoras do conjunto da vida psicológica
no que concerne à prática de diferentes conjuntos de regras ou à consciência destas (embora os
diferentes tipos de regras apresentem continuidade funcional e diferença de estrutura).
A moralidade heterónoma predominaria em indivíduos até aos 8-9 anos, caracterizando-
se pelo constrangimento, obediência e respeito unilateral da criança para com o adulto. Assim,
parece predominar o dever exterior e a obediência a adultos, de modo a evitar o castigo. Esta fase
será marcada pelo egocentrismo, sendo uma diferenciação entre o “eu” e o meio social (Piaget,
1973).
Para Lourenço (1992), este egocentrismo intelectual e moral relaciona-se com a dificuldade
que a criança parece sentir em distinguir o ponto de vista próprio e o ponto de vista do outro.
Piaget consideraria que, para a criança, as regras impostas pelos adultos seriam sagradas e
imutáveis. Relativamente à avaliação moral das transgressões, a criança orientar-se-ia pelo
resultado material das acções, ignorando as circunstâncias em que decorreu o acto. Isto é, não
seria capaz de discernir o objectivo do subjectivo, prevalecendo o realismo moral e a
responsabilidade objectiva.
Por outro lado, refere ainda que o castigo justo seria a sanção expiatória, para crianças com
idade inferior aos seis anos. Estas defendiam que o culpado deveria ser reconduzido à obediência
através da coação, aplicação de um castigo doloroso, retaliatório e arbitrário, por não se
relacionar com a transgressão cometida (Lourenço, 1992). Piaget referiu inclusivamente que,
perante uma punição com uma sanção expiatória, a criança não reincidiria em virtude de ter
experienciado o peso da correcção aplicada pela autoridade do adulto (Piaget, 1973).
Já quanto à moralidade autónoma, esta predominaria em crianças com mais de 9-11 anos,
constituindo-se no respeito mútuo e na intercooperação entre crianças e destas com o adulto. A
criança afastar-se-ia, então, do egocentrismo, baseando as suas relações na igualdade,
reciprocidade e acordo (Lourenço, 1992).
Ao libertar-se dos constrangimentos exercidos pela autoridade adulta, irá julgar de modo
mais autónomo e vai experimentar a necessidade de tratar os outros como gostaria de ser tratado.
Por outro lado, Lourenço refere que a criança irá considerar as regras como o produto de um
consentimento mútuo, necessário a um bom entendimento. Desta forma, perde-se o cariz sagrado
das regras, que passam a ser algo resultante de um acordo de vontades. Esta fase é, também,
caracterizada pela codificação de regras, sendo já admitida a possibilidade de modificação das
regras consoante as necessidades e o contexto situacional.
Relativamente à avaliação da transgressão, a criança já irá julgar a acção com base na
intenção (responsabilidade subjectiva) e não só pelas consequências materiais. “Nesta altura, a
mentira é tanto mais grave quanto mais verosímil for, e mentir a um colega é bastante mais grave
do que mentir a um adulto. Isto, porque a mentira prejudica a reciprocidade e o acordo mútuo.”
(Alves, 2002, p.72).
Este autor salienta que o sentido de justiça ir-se-á afastando da autoridade adulta, havendo
aproximação ao conceito de igualdade. Da mesma forma, assistir-se-á a uma prevalência da
justiça distributiva sobre a retributiva, com o desenvolvimento da sanção por reciprocidade. A
criança estaria ligada aos seus semelhantes por um vínculo de solidariedade, sendo levada a
assumir os seus actos. Assim, existiria uma relação entre o acto sancionado e a sanção, pelo que a
criança consideraria estas sanções mais justas e eficazes.
Piaget defende que seria importante oferecer ao indivíduo liberdade para optar e decidir,
pois assim poderia cooperar voluntariamente com os outros, construindo um sistema moral de
valores e convicções. “A autonomia é um poder que não se conquista senão de dentro e que não
se exerce senão no seio da cooperação.” (Piaget, 1932, p.299 in Kamii & Devries, 1970, p.50).
No entanto, a liberdade absoluta não seria desejada, de modo que apresentar-se-ia
impossível, em algum momento, evitar a coerção dos adultos, para que as crianças respeitassem
regras inevitáveis. Desta forma, os adultos exerceriam pressão sobre elas através de sanções que
podiam ser expiatórias ou sanções por reciprocidade. As primeiras caracterizam-se pela coerção e
pela arbitrariedade entre sanção e acto sancionado, pelo que a criança só alteraria o seu
comportamento para evitar a punição. Já as sanções por reciprocidade caracterizar-se-iam pela
existência de uma coerção mínima e pela relação lógica com o acto sancionado. Assim, a
mudança de comportamento seria entendida pela criança e não imposta externamente. Dentro
destas sanções, Piaget distingue as seguintes: “Excluir a criança do grupo social. (…) Deixar o
dano engendrar as suas consequências materiais, naturais ou lógicas. (…) Privar a criança de uma
coisa que tenha estragado. (…) Fazer à criança o que ela fez. (…) Encorajar a criança a reparar.
(…) Repreender a criança sem outra punição.” (Kamii & Devries, 1970, p.53-54).
Em sociedades ocidentais, o desenvolvimento do pensamento autónomo em crianças de 11-
13 anos é considerado desejável. No entanto, isso levanta problemas pois todas as regras podem
ser contestadas (quer num jogo, quer na escola, quer na família).
Como Piaget considerava a moralidade como algo intimamente relacionado com o respeito
pelas normas e regras, serviu-se de um jogo (“le jeu des billes”) para analisar o respeito que as
crianças possuíam pelas normas. Piaget (1973) distinguiu estádios de desenvolvimento referentes
à prática das regras e estádios referentes à consciência das regras. Metodologicamente, primeiro
levaria a criança a explicar-lhe o jogo do berlinde, depois, enquanto jogava o berlinde com ela, ia
questionando as regras, perguntando quando e como surgiram ou se poderiam ser alteradas.
Para professores e psicólogos, o interesse destas conclusões não reside no contexto do jogo
dos berlindes mas a um nível mais generalizado. É de referir que o estudo foi executado numa
sociedade democrática (Suíça francesa), onde o pensamento relativo (autónomo) é mais
valorizado que o absoluto. Sutherland (1996) levanta a dúvida se numa sociedade autoritária os
resultados seriam idênticos ou não.
Relativamente à prática das regras, sujeitos com cerca de 2-3 anos limitavam-se a
manipular os objectos exercitando os hábitos motores – regras motoras. O estádio puramente
motor e individual corresponderia à fase em que a criança manipula os berlindes segundo os seus
próprios desejos e hábitos motores, de acordo com esquemas ritualizados, sem quaisquer regras
colectivas (Piaget, 1973/1997).
Segundo Lourenço (1992), com 4-6 anos já aplicariam regras de modo egocêntrico,
querendo ganhar e nunca perder. Por sua vez, Azevedo (1994) afirma que o estádio egocêntrico
começa entre os dois e os cinco anos, quando a criança recebe as primeiras regras codificadas. A
criança, nesta fase, ora jogaria sozinha sem se preocupar com parceiros ora jogaria com outros
sem codificação das regras e sem unificação de procedimentos, de modo que todos pudessem
ganhar o mesmo jogo. O egocentrismo manifestar-se-ia nesta fase na imitação dos outros e no
uso individual dos exemplos recebidos.
Numa fase posterior (fase da cooperação nascente), entre os 7-10 anos, as crianças
cumpririam regras, tornando-se o jogo social e havendo codificação de vontades (Lourenço,
1992). Para Piaget (1973), o estádio de cooperação incipiente iniciar-se-ia com o aparecimento
da preocupação de controlo mútuo e de unificação das regras. Embora os parceiros chegassem a
um acordo na prática, o conjunto das regras seria, ainda, flutuante e explicado de forma
contraditória pelos vários jogadores.
Por último, após os 11-12 anos, as crianças já teriam um conhecimento exacto das regras a
seguir e das suas variações possíveis. A partir desta fase, os procedimentos do jogo estariam
fixos e o código das regras seria conhecido por todos (Azevedo, 1994). Na fase da codificação
das regras, os parceiros apresentariam perspectivas consistentes, acordando as regras a cumprir
antes do jogo – moralidade autónoma (Piaget, 1973/1997).
Relativamente à consciência das regras, existiriam três concepções diferentes. Na fase da
regra motora, as regras seriam percebidas como um ritual individual e motor, sem o carácter de
obrigatoriedade. Azevedo refere que “Primeiro, aparece o estádio das regras não coercivas,
correspondendo ao estádio prático motor e individual. Estas regras apresentam-se inicialmente
como meramente motoras e posteriormente como exemplos interessantes mas não obrigatórios,
até porque são recebidas sem tomada de consciência.” (1994, p.2-3).
Na fase da regra coerciva (6-10 anos), Lourenço (1992) refere que as regras já seriam
consideradas como sagradas e imutáveis, encaradas como emanação da vontade e poder do
adulto. Da mesma forma Azevedo refere que em “Segundo, surge o estádio das regras sagradas
e intocáveis, correspondendo ao apogeu do estádio prático egocêntrico (que começa entre os dois
e os cinco anos) e prolongando-se na primeira parte do estádio da cooperação (que vai até cerca
dos nove ou dez anos). As regras teriam origem no adulto e possuindo uma essência eterna; por
isso não podem ser modificadas sem transgressão.” (1994, p.3).
Por último, na fase da regra racional, a regra seria compreendida na sua essência como
resultante de um acordo de vontades, havendo respeito mútuo ou recíproco. Azevedo refere que
“Terceiro, surge o estádio das regras vistas como leis derivadas do consentimento mútuo,
correspondendo à segunda parte do estádio prático da cooperação (a partir de cerca dos nove ou
dez anos) e ao estádio de codificação das regras. Agora, as regras devem ser respeitadas em nome
da lealdade, mas podem ser alteradas por acordo generalizado.” (1994, p.3).
Assim, parece haver uma correlação entre os quatro estádios práticos de observância das
regras e os três estádios relativos à tomada de consciência das regras, embora essa correlação seja
moderada. A regra colectiva começa por ser externa e sagrada e posteriormente interioriza-se,
passando a ser considerada fruto do consentimento mútuo e da consciência autónoma.
Paradoxalmente, o respeito místico da regra é acompanhado pelo conhecimento rudimentar e
pela aplicação imperfeita do seu conteúdo enquanto o respeito relativizado e racional da regra é
acompanhado pela sua aplicação cuidada e efectiva (Lourenço, 1992; Azevedo, 1994).
Em suma, a teoria piagetiana possui inegável valor sendo ainda hoje uma referência no que
concerne ao desenvolvimento moral. Teve o mérito de ser suportada por várias investigações
empíricas, quer por Piaget quer pelos seus seguidores. Relativamente ao período da adolescência,
Piaget defendia que o estádio predominante seria o da autonomia, pelo que os adolescentes, ao
ingressarem no período das operações formais, tornar-se-iam capazes de construir os seus
próprios juízos e raciocinar moralmente de forma autónoma. As regras, para o adolescente,
deixariam de ser impostas e exteriores, havendo compreensão da relatividade das normas.
A semente inicial de Piaget seria colhida por Lawrence Kohlberg, que elaborou a teoria do
desenvolvimento moral, constituída por seis estádios. Tanto Piaget como Kohlberg vão beber a
Kant a noção de moralidade pré e pós-convencional (Sutherland, 1996). Ambos defenderam que
a consciência moral não se encontraria no sentimento (como Rousseau afirmava), mas na razão.
Defenderam a tese da génese gradativa da consciência moral e da possibilidade de educá-la. A
psicogénese da moralidade infantil residiria no afastamento gradual da consciência infantil da
heteronomia moral, das regras do grupo, em direcção à autonomia.
interpessoal, ou seja, uma tendência para a acção de modo a que o sujeito conquiste o respeito,
estima e consideração dos outros.
Tal como Kohlberg (1981) refere, neste nível do desenvolvimento moral, os sujeitos
possuiriam uma perspectiva sócio-moral de alguém que vive em sociedade e que sujeita os seus
interesses e as suas necessidades individuais às necessidades do grupo.
Alves refere que “(…) a pertença a este nível significa que os indivíduos são já capazes de
fazer a distinção entre moralidade e convenção social, privilegiando, no entanto, a moralidade
como um sistema de regras e papeis socialmente partilhados (2002, p.74).
Desta forma, ficam patentes diferentes orientações no que concerne à moralidade
característica deste estádio. O primeiro caso orientar-se-ia para o meio interpessoal, para um
estereótipo social, enquanto que o segundo indivíduo, apesar de também haver uma orientação
interpessoal, preocupar-se-ia em deixar transparecer uma boa imagem de si. Já o terceiro caso
denotaria uma orientação para a ordem, imparcialidade e consistência do sistema social.
De acordo com Alves (2002) a definição do bem e do mal contemplaria, além da obediência
a regras e à autoridade (temendo as consequências imediatas dos actos), a intenção de conquistar o
respeito, a estima, a consideração da família/grupo, procurando agir de modo a ser “bem visto”
aos olhos dos outros.
Todavia, a tónica comum parece residir no facto de se considerar o sujeito em causa (Heinz)
como um membro da sociedade, defendendo que a sua acção se deve reger pelas normas sociais e
pelas expectativas partilhadas. Segundo Kohlberg (1981), o indivíduo experimentaria,
relativamente às expectativas sociais e à ordem, um sentimento de lealdade, esforçando-se por
mantê-las e procurando identificar-se com pessoas e grupos que as mantenham.
Em suma, neste nível já haveria interiorização das normas e expectativas sociais, sendo que
o indivíduo se sentirá membro da sociedade, partilhando as suas opiniões e assumindo a lei como
elaborada por e para toda a gente (Colby & Kohlberg, 1987, in Alves, 2002).
O terceiro nível seria de designado de nível pós-convencional, ou da autonomia e dos
princípios morais. Apenas seria alcançado por uma fracção mínima e geralmente após os 20-25
anos, “(…) para quem o valor moral das acções depende menos da sua conformidade às normas
morais e sociais vigentes e mais da sua conformidade a princípios éticos universais, tais como
direito à vida, à liberdade ou à justiça.” (Lourenço, 1992, p.92).
Desta forma, seria o nível moral de um indivíduo que compreende as normas na sua
relatividade, como regras de acção cuja finalidade seria garantir o respeito por esses princípios em
determinados contextos. O mesmo autor refere que quando isso não fosse possível, as leis
deveriam ser transformadas e até desobedecidas. “Isto é, a manutenção da sociedade está para a
moralidade convencional assim como a sua transformação está para a moralidade pós-
convencional.” (Lourenço, 1992, p.93).
Tal como Kohlberg (1981) referia, neste nível o indivíduo procuraria conceber as normas
morais como manifestações imperfeitas de algo que se assumiria como um “absoluto moral”, pelo
que todas as pessoas dever-se-iam reger por elas em quaisquer circunstâncias. Esta perspectiva
seria a de um indivíduo que se comprometera com os princípios morais que deveriam suportar
uma sociedade boa e justa. Esta sociedade seria descabida se não estivesse ao serviço dos direitos
individuais fundamentais, isto é, reversíveis, prescritivos e universais. Estes aspectos seriam
cruciais na medida em que o indivíduo sentir-se-ia compulsivamente obrigado a respeitá-los, não
por imposição externa, mas por auto-imposição.
Analisando estes dados, verifica-se uma orientação para o relativismo legal e para a sua
subordinação a imperativos morais. Alves (2002) refere que a perspectiva de nível pós-
convencional estabelece uma distinção entre indivíduo e leis, havendo intenção de salvaguardar os
princípios morais que precedem a sociedade e lhe conferem uma dimensão de justiça e bondade.
Além dos três níveis de moralidade que foram analisados, a teoria de Kohlberg aponta para a
existência de seis estádios de desenvolvimento moral. Desta forma, procuraram-se delinear as
etapas do juízo moral na adolescência, através do desenvolvimento de um modelo de identificação
dos estádios do pensamento moral (Claes, 1990, in Alves, 2002).
Cada nível de moralidade comportaria dois estádios diferentes, correspondendo o segundo
estádio a uma fase moral e cognitivamente mais avançada e complexa que o anterior. Do ponto de
vista moral seria mais avançado por se aproximar da perspectiva moral-racional-universal-ideal.
“Cognitivamente mais complexo que o anterior, no sentido em que diferencia e integra
perspectivas de um ponto de vista cada vez mais geral e abstracto.” (Lourenço, 1992, p.94).
Seguidamente, ir-se-ão analisar as características fundamentais de cada um dos seis estádios de
Kohlberg.
definir-se-ia pela obediência e por decisões morais baseadas em formas de poder simples, físicas e
materiais. O comportamento seria regido pela intenção de evitar uma punição física severa de um
poder superior.
Lourenço refere que “(…) os valores morais são entendidos como se fossem propriedades
físicas das acções, nada tendo a ver com as intenções com que foram praticadas (realismo moral e
responsabilidade objectiva).” (1992, p.95).
O dever basear-se-ia nas necessidades externas e objectivas, sendo que a transgressão moral
conduziria ao castigo, encarado como uma reacção automática à violação (sanções expiatórias e
justiça imanente). A perspectiva moral predominante seria o egocentrismo, mais físico que
psicológico, e a nível cognitivo estaria presente o pensamento pré-operatório, centrado,
irreversível e figurativo.
de desenvolvimento moral (Colby & Kohlberg, 1987, in Lourenço, 1992). Desta forma, este
estádio deixou de ser atribuído a indivíduos de nível pós-convencional superior que passaram a
ser incluídos, globalmente no estádio 5.
No entanto, Lourenço (1992) refere que neste estádio existiria “(…) uma consciência clara
da universalidade, normatividade e reversibilidade dos princípios éticos.” Esta seria, talvez, a
diferença substancial relativamente ao estádio anterior, onde a autonomia moral dos sujeitos
poderia não ser completa, orientando-se mais para o princípio da utilidade social que para o
princípio da justiça.
Neste sexto estádio, os princípios éticos seriam afirmados categoricamente, havendo uma
orientação mais deontológica e processualista, pelo que o princípio de justiça ir-se-á sobrepor ao
princípio do maior bem para o maior número. Se assim não fosse, poder-se-ia defender que seria
lícito sacrificar uma vida para salvar muitas vidas, o que constituiria uma clara violação do
princípio de justiça ou do tratamento igualitário de todas as pessoas. Os indivíduos que
alcançassem o sexto estádio seriam capazes de atingir os pressupostos metaéticos. A orientação
predominante é direccionada ”(…) para os princípios éticos universais, prescritivos e reversíveis,
ou seja, orientado para o ponto de vista moral.” (Lourenço, 1992, p.110).
Kohlberg (1981) defende que uma característica importante será a tentativa de
balanceamento ideal ou uma aplicação de segunda ordem da regra de ouro, na medida em que já
não se procura um vencedor mas sim uma posição vitoriosa. O sujeito sentir-se-ia
compulsivamente coagido a agir moralmente, não por influências externas ou divinas, mas por
livre escolha e auto-imposição.
No âmbito da perspectiva sócio-moral, “(…) é a de um ponto de vista moral que todos os
seres humanos devem tomar uns para os outros como pessoas autónomas, livres e iguais, havendo
procedimentos que asseguram a honestidade, imparcialidade e reversibilidade na tomada de
perspectiva.” (Colby & Kohlberg, 1987, in Alves, 2002, p.88).
Lourenço refere, ainda, que os indivíduos seriam capazes de hierarquizar as perspectivas em
confronto de acordo com a perspectiva de um ser-moral-racional que regular-se-ia pelo imperativo
categórico, pelo véu de ignorância, ou pela situação de comunicação ideal. Para este autor, no
âmbito das operações de justiça, estas seriam coordenadas “ (…) por igualdade, reciprocidade,
equidade, universalidade e tomada de perspectiva com vista à salvaguarda dos direitos humanos
fundamentais, ou seja, à consideração da pessoa como fim, não como meio (1992, p.113).
Em suma, a sequência de estádios proposta por Kohlberg afigura-se como um dos
instrumentos mais fidedignos para identificar as mudanças ocorridas no domínio moral durante a
adolescência (Simões, 2002). Isto está patente na passagem do nível pré-convencional (estádio 1 e
2), característico da infância, para o nível convencional (estádio 3 e 4), aparentemente
característico da adolescência. Por último, após os 20-25 anos, atinge-se o nível pós-convencional,
próprio da idade adulta.
2. CONSIDERAÇÕES FINAIS
BIBLIOGRAFIA:
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Asa.
Camino, C., & Moraes, R. (2003). Morality and socialization: empirical studies on maternal
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Dias, A. A. (1999). Educação moral para a autonomia. Psicologia Reflexiva Crítica, 2 (12),
459-478.
Kamii, C., & Devries, R. (1970). A teoria de Piaget e a educação pré-escolar. Lisboa:
Socicultur.
Kohlberg, L. (1981). The philosophy of moral development: moral stages and idea of
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Martins, L., & Branco, A. (2001). Desenvolvimento moral: considerações teóricas a partir de
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Reimer, J. (1983). Promoting moral growth: from Piaget to Kohlberg. 2ª ed. New York:
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