Do Theatron À Caixa Mágica Barroca PDF
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Sônia Siqueira
Professora Titular de Artes das Faculdades
Integradas Teresa D’Ávila.
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RESUMO:
A proposta deste texto é analisar dois grandes momentos
do teatro ocidental enquanto arquitetura e cenografia. No
primeiro, o grego, observaremos seu desprendimento do
puramente religioso para constituir-se como instituição que
englobou cenografia, texto, atores, cenografia e construção: o
theatron – lugar de se ver. No segundo momento, séculos XVII e
XVIII, transformou-se numa caixa mágica criada para entreter,
deslumbrar os espectadores: o teatro barroco.
PALAVRAS-CHAVE:
teatro grego; teatro barroco; arquitetura teatral; cenografia.
ABSTRACT:
The purpose of this paper is to analyze two great moments while
the western theater architecture and stage design. In the first,
the Greek, observe his detachment from the purely religious to
constitute itself as an institution which included set design, text,
actors, set design and construction: the theatron - place to see.
In the second, seventeenth and eighteenth centuries, became
a magic box created to entertain, dazzle the spectators: the
baroque theater.
KEY WORDS:
Greek theater; baroque theater, theater architecture, scenography
Desde a Pré-História, o homem estabeleceu e renascia na primavera. Para seus seguidores, este
relação com o divino por meio do teatro. Nas várias renascimento cíclico, acompanhado pela renovação da
cerimônias, os sacerdotes paramentados, com terra com o reflorescer das plantas e a nova frutificação
máscaras, falavam em nome do Deus ou buscavam das árvores, personificava a promessa da ressurreição
manter a harmonia do universo. Sabemos que os do deus. Para comemorar o renascimento os
egípcios, indianos, chineses, cretenses e mesmo participantes da festa, como outrora os companheiros
gregos, entre outros, usaram o teatro como elemento de Dioniso, se embriagavam cantando e dançando
religioso. Mas o teatro grego, nada tinha em comum freneticamente à luz dos archotes e ao som dos
com as cerimônias realizadas pelos demais povos da címbalos, até cair desfalecidos.
Antiguidade, a não ser no tocante à matéria-prima, ou Durante estas celebrações, em meio as procissões
seja, à religião. e com o auxílio de fantasias e máscaras, eram entoados
cantos líricos, os ditirambos, que mais tarde evoluíram
[...] colocando a religião como sua base, ergueu sobre ela para a forma de representação plenamente cênicas. Com
um edifício voltado para os problemas do homem. [...] Um o tempo, estes ritos foram adotando também algumas
teatro que, sem deixar de ser uma liturgia, embriagou-se do narrativas recitadas por poetas e representantes em
belo para celebrar o homem. Não apenas o homem grego,
mas o homem universal. (BRANDÃO, 1992, p.07)
ritos tumulares, baseadas em contos de ancestrais
ou heróis locais, sendo essa evolução facilitada pela
rápida ascensão da poesia grega. Estas narrativas
A proposta deste texto é analisar dois grandes
associadas às danças ditirâmbicas tornaram-se cada
momentos do teatro ocidental enquanto arquitetura
vez mais elaboradas. Os versos cantados em uníssono
e cenografia. No primeiro, o grego, observaremos
ou divididos entre os coros não demoraram a assumir
seu desprendimento do puramente religioso para
a forma de um diálogo individual.
constituir-se como instituição que englobou cenografia,
Segundo Brandão (1992) no princípio, tudo
texto, atores, cenografia e construção: o theatron –
era cantado, mas de acordo com uma passagem de
lugar de se ver. Ainda que mantivesse função litúrgica,
Aristóteles, o corista Téspis, com o rosto pintado de
sempre esteve ligado às festividades em honra ao deus
grés branco, colocou-se em pé sobre um tablado e
Dioniso, e tendência educativa, ganhou autonomia
dirigiu-se ao líder do coro, dizendo ser o deus Dioniso.
em termos de espaço, cenários, representação etc;
O tablado que, provavelmente, servia de altar para o
“Embriagou-se do belo para celebrar o homem
sacrifício animal tornou-se, assim, o primeiro esboço
universal”. No segundo momento, séculos XVII e
de um palco. Ainda consoante Brandão, “[...] Ésquilo
XVIII, transformou-se numa caixa mágica criada para
introduziu o segundo, diminuindo a importância do
entreter, deslumbrar os espectadores. O teatro barroco,
coro, intensificando o diálogo; Sófocles introduziu o
marcado pelas formas opulentas e cheias de contrastes
terceiro. [...]” (1992,p.53)
e pela tensão entre opostos irreconciliáveis, como
Em 535 a.C. Pisístrato2 promove um concurso de
arte e ciência, ceu e inferno, vida e morte, pode ser
peças teatrais, que trouxe para a cidade de Atenas um
definido por dois aspectos característicos: a exaltação
rústico festival dionisíaco. Dioniso torna-se o patrono
do movimento e o jogo das aparências.
do teatro sendo honrado em procissões elaboradas
que aconteciam na abertura das Dionísias Urbanas3.
Nessa procissão se transportava a estátua do deus do
1. ORIGEM DA PALAVRA
teatro, de seu templo, no sopé da Acrópole, até um
templo arcaico de Baco, perto da Academia. De lá
A palavra teatro “THEATRON” deriva do
passando pelo templo de Dioniso Eleutereu, o ícone
grego “THEAOMAI” – olhar com atenção, perceber,
era colocado na orquestra do teatro (Fig. 01) que até
contemplar. “Theaomai” não significa ver no sentido
hoje tem o nome do deus, e que fica ao lado do templo,
comum, mas sim ter uma experiência intensa,
de onde a estátua fora retirada.
envolvente, meditativa, inquiridora, a fim de
O teatro exerceu várias funções na civilização
descobrir o significado mais profundo; uma cuidadosa
grega como a cultural, de formação cívica e religiosa
e deliberada visão que interpreta seu objeto.
dos espectadores, levando-os a refletir sobre o sentido
da existência humana, seu destino, o poder dos deuses
e sua vingança para quem os desafiasse. Ele também
2. THEATRON: O TEATRO NA GRÉCIA
ensinava virtudes (ética, moderação, humanismo,
pacifismo, sabedoria, coragem); refletir sobre os vícios
O teatro surgiu na Grécia, por volta do século VI
do homem (adultério, ambição, maldade).
a.C., nos festivais religiosos em honra a Dioniso1. De
acordo com a tradição, Dioníso morria a cada inverno
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Foto: Doorneweerd (2011)
O teatro grego nasceu da religião e, mesmo após todas as as primeiras edificações em pedra, as quais poderiam
transformações por que passou, do século VI ao III a.C. não ter capacidade para 5.500 pessoas (em Delfos) ou 14 mil
perdeu de vista as suas origens. Da tentativa de conciliar a
Moira com a Dike, em Ésquilo, ao sorriso indulgente e epi-
pessoas (Teatro de Epidauro, Argolis), praticamente
curista de Pã no Dyscolos, de Menandro, tragédia e comédia toda a população da cidade, demonstrando assim
contraíram núpcias indissolúveis com Dioniso. (BRAN- sua popularidade e integração nos hábitos sociais e
DÃO, 1992, p.92) políticos gregos.
A construção do teatro grego geralmente se
integrava ao complexo de edificações onde se situavam
3. ORCHESTRA, SKENÉ E os templos e estádios esportivos, aproveitando a
THÉATRON – O TEATRO encosta da colina (Fig. 02,03).
MATERIALMENTE CONSTITUÍDO Seu elemento primeiro, situado no centro da
construção, era a orchestra, espaço circular, de terra
“O teatro grego é um edifício ao ar livre, tendo batida, em cujo centro se erguia o altar de Dioniso
por teto o céu azul da Hélade”. (BRANDÃO, 1992, – thymele. Neste espaço evoluía o coro. Em quase
p.98) As representações, portanto, só eram possíveis todos os teatros a orchestra era cercada por um canal
durante o dia e quando o tempo permitia. O edifício, concêntrico, que servia para escoamento das águas
assim como a tragédia, como já dissemos, nasceu pluviais e de passagem para o acesso do público. Este
do ditirambo. A multidão formava um círculo em espaço sempre foi domínio do coro, e atrás dele, os
torno dos coreutas, surgindo daí a forma circular atores começaram a evolucionar sobre um estrado.
da orchestra, elemento essencial, ao qual os demais Théatron, como já vimos, significa visão e, por
vieram, pouco a pouco, se juntando. extensão, lugar no qual os espectadores ficavam.
As primeiras apresentações teatrais se davam Consistia num semicírculo composto por diversos
na “ágora”4, em instalações provisórias de madeira. bancos que, a princípio, eram de madeira, mas
Posteriormente, entre os séculos V e IV a.C., surgiram evoluíram para um sistema de largos corredores a
4.1. CENÁRIOS
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segundo se crê, introduziu os chassis encostados à
parede dos fundos e os prismas de madeira (periactos), O edifício torna-se um corpo arquitetônico
colocados em cada uma das extremidades da cena, único, fechado e erigido em solo plano. A escolha do
em cujas três faces estavam pintados os diferentes local não mais depende da topografia ou da posição
elementos do cenário, o que permitia uma espécie de solar. A cávea, adotando geralmente a ordenação de
mutação à vista. O cenário da tragédia representava arcadas, tomou um aspecto exterior de importância
essencialmente a fachada de um palácio, o da comédia compositiva.
uma praça em frente a uma casa e o do drama satírico, A “orchestra”, cedeu uma parte de seu espaço
à beira-mar ou um bosque. para os convidados ilustres, o que ocasionou uma
Conhecemos alguns nomes de técnicos de reestruturação do espaço do anfiteatro através
cenários do final do século V como Apolodoro de de circulações radiais e anulares, seguindo uma
Atenas e Clístenes de Erétria. Existiam então alçapões hierarquia precisa, onde o lugar mais alto é menos
para as aparições, uma espécie de guindaste para as privilegiado. A “skené” é mais profunda e mais baixa
personagens voadoras, maquinaria primitiva que que a do teatro grego.
permitia a introdução em cena de uma magia simples O cenário do palco (Fig. 06) era, muitas vezes,
de cores e linhas. emoldurado por uma parede ricamente decorada
5. A CAIXA MÁGICA
5.1. ENTREATO UM
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5.4. A ARQUITETURA
TEATRAL BARROCA
O barroco iniciou-se por volta de 1600, em Roma, cidade de Bolonha. Desapareceram as arquibancadas,
e espalhou-se por toda a Europa. Diferentemente do substituídas por planos superpostos, formados por
estilo renascentista, que adotava formas despojadas camarotes segundo os raios de um círculo, cujo centro
e harmônicas, é marcado pelas formas opulentas e ficava exatamente no meio da linha da ribalta.
repletas de contrastes e pela tensão entre opostos
irreconciliáveis, como arte e ciência, ceu e inferno, vida Está assim constituído o chamado ‘teatro italiano’ dividido
e morte. Podemos defini-lo por meio de dois aspectos em três partes: a social, com entradas, foyers, circulação; a
característicos: a exaltação do movimento e o jogo das sala com camarotes para os mais nobres (eventualmente
transformada em galerias) para a burguesia e o povo em ge-
aparências.
ral; e o setor do palco que, com seus equipamentos técnicos,
Na arquitetura, apresenta muitos efeitos ocupará sempre mais da metade do edifício. (MENDONÇA,
decorativos e visuais, curvas, contracurvas, colunas 1982, p.79)
retorcidas, esculturas, violentos contrastes de luz e
sombra e pinturas com efeitos ilusionistas. O Barroco Aos pouco ampliou-se a distância entre o palco
foi o período por excelência da ópera, espetáculo total, e a plateia, separação necessária para aumentar a
que reuniu teatro, dança e música, cenário, canto etc. ilusão, uma vez que a proximidade realçava o ator e
A ópera, fortemente desenvolvida e apresentada não a personagem. Ela ficou mais evidente devido à
na Itália como edifício simbiótico, teatral e cênico, ribalta8 que dotou a cena de luz própria. Entretanto,
ultrapassou todas as fronteiras do espetáculo e tornou- não foi, ainda, a separação definitiva, pois, “[...] em
se o testemunho da inspiração dupla e contraditória, muitos momentos da época barroca o palco se une
que influenciou o teatro e as artes posteriores. à plateia e é quase cercado por ela.” (ROSENFELD,
A síntese do novo modelo surgiu em 1636, na
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a espontaneidade da reação da plateia baseavam-se na
percepção segundo a qual ator e espectador estavam
no mesmo mundo, que era a vida real, algo muito
próximo à plateia, que estava acontecendo ali. [...]”
(SENNETT, 1988, p.101) Desde então, ela passou a
aplaudir as boas atuações; deixar a sala de espetáculos
quando não lhe agradava a cena; retornar nos trechos
favoritos, conhecidos por todos, e ansiosamente
esperados, quando o ator vinha para o centro do palco
e dizia suas falas diretamente voltado para o público,
que respondia com assobios, lágrimas, pedidos de bis
etc.. A situação se invertia quando o ator esquecia suas
falas e era vaiado furiosamente. Como ainda subsistia
a presença de alguns espectadores privilegiados
no palco, muitas vezes eram confundidos com
os artistas, dialogavam com eles, interferiam no
texto, desfilavam desembaraçadamente pelo palco,
inclusive, acenando para amigos nos camarotes, mas
5.6. ENCENAÇÃO (FIG. 15) sobretudo, limitavam o espaço, deixando uma área
ínfima para a representação. O que importava era
A participação dos atores foi vital na consecução reviver-se na ilusão do drama, integrar-se na angústia
do objetivo de animar a caixa mágica do teatro da personagem.
barroco. Não só os bastidores criavam um mundo A ribalta ajudava a acentuar o caráter teatral da
fantasmagórico, em que nunca se sabia onde cena desenrolada no palco.
começava a realidade e terminava a aparência:
também as personagens entregavam-se ao disfarce O público, que antes comungava da mesma luz da cena
e ao equívoco. O que na comédia era simplesmente (quer do sol, quer das velas e lâmpadas), pouco a pouco é
uma encenação lúdica sem maiores consequências, envolto em penumbra, o palco, luminosa lanterna mágica,
tornava-se no drama exemplo da falsidade do mundo desenvolve para a plateia em trevas a sua força hipnótica.
(ROSENFELD, 1995, p.45)
e da arbitrariedade da fortuna. A vida, a realidade, o
cotidiano nada mais eram do que sonho e engano. O
teatro, na sua totalidade, transformou-se em símbolo
do mundo. Tudo era máscara, fantasia, dissimulação.
O mundo do teatro ensinava que o mundo irreal, no
Seiscentos, era tão irreal quanto ele próprio, que era
engano não produção com fins educativos. Entretanto,
este possuía a honestidade de se confessar teatro
e de saber que era engano. Por isso, a cortina subia
cedo demais enquanto no palco ainda se montavam
cenários e se experimentavam máquinas; a peça se
iniciava antes da peça, no seu próprio ensaio; os atores
brigavam, a plateia vaiava. A personagem cômica saía
do papel, torcia pelo público e contra os colegas.
A princípio, a participação do público era
discreta. Como os espetáculos eram patrocinados,
os atores, a Companhia estavam obrigados a
agradar ao mecenas. Normalmente, seu camarote
ocupava posição privilegiada, no centro da plateia e
durante a representação seus gestos, olhares eram
constantemente observados. Qualquer sinal de
desagrado, descontentamento, obrigava os artistas a
alterarem o texto ou a representação.
Entretanto, no decorrer do século aumentou a
participação do auditório na exibição, “[...] a abertura e
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Cavea – degraus em madeira destinados à plateia – contornada REFERÊNCIAS
pela galeria e uma colunata de ordem coríntia com estátuas; 2)
proscênio – área destinada ao desenvolvimento da ação cênica;
ALMEIDA, Anderson Diego da Silva. Do edifício teatral a
3) o scaenae frons – o cenário fixo construído em madeira e
arquitetura de interiores: o espaço habitado sob o olhar da
estuque com as três portas clássicas – em seu interior permanece
cenografia.
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