4-A Noivinha Desencarnada
4-A Noivinha Desencarnada
4-A Noivinha Desencarnada
A NOIVINHA
DESENCARNADA
Era a tarde de um domingo quente de
dezembro. No Templo do Amanhecer, os
médiuns aguardam, pacientemente, a
chegada de Tia Neiva, para sua
costumeira aula. Os mestres e ninfas
emitem mantras, e vão se
harmonizando, mediunizando-se para
que fiquem mais receptivos à palestra
que irá se realizar daí a poucos minutos.
A Clarividente chega, toma seu lugar no
Radar, e segura o microfone. O silêncio
é completo. Ela olha todos os médiuns e, sorridente, começa:
- Meus filhos, Salve Deus! Eu nem acabara de contar a vocês a estória
do sargento recém desencarnado, quando ouvi uma voz chorosa que me
chamava, no plano invisível. Olhei, e me deparei com uma jovem vestida de
noiva, que segurava seu buquezinho de flores, com ar humilde e
constrangido. Senti que meu coração se apertava e, solícita, indaguei o que
ela queria de mim. Ela me olhou com o ar mais doce deste mundo, e me
disse:
- Tia Neiva, meu nome é Maria Lúcia, e sou um espírito que teve a
felicidade de passar aqui, pelo Templo do Amanhecer, depois de ter sofrido
muito. Apresento-me assim, com meu vestido de noiva, porque foi como
desencarnei. Ouvi a senhora contando a estória do sargento para seus
médiuns, e gostaria muito de também contar a minha vida para a senhora e
os médiuns do Vale.
Olhei para Mãe Yara, e ela fez sinal de que consentia. Vi, então, o
quadro de Maria Lúcia, e percebi que, de fato, a estória dela iria servir muito
para vocês. Convidei-a a vir hoje, e ela aqui está, do mesmo jeitinho que a vi
a primeira vez: o vestido branco, o véu, o buquezinho e o corpinho esguio.
A NOIVINHA DESENCARNADA FLS 2
Seu ar reflete um pouco de angústia, mas seu olhar, hoje, está firme. Ela está
ansiosa para que vocês conheçam a estória de sua vida, Como vocês não
podem vê-la nem ouvi-la, eu irei repassando o que ela me disser. Enquanto
isso, Mãe Yara irá me ajudando a ilustrar os episódios com sua Doutrina.
Um dia, eu ia pela rua, indo fazer compras para completar meu enxoval,
quando topei com a patota. Procurei mostrar-me cordial, expliquei o que
estava fazendo, já que iria me casar em poucos dias. Eles, então, me deram
uma grande vaia, e disseram que não faltariam ao meu casamento. Fiquei
apavorada com a algazarra que fizeram, embora soubesse que estavam
apenas brincando, e não o faziam por mal.
Mais tarde, ao encontrar-me com Marques, lembrei-me do incidente e
chorei copiosamente em seu ombro. Sentia enorme arrependimento do que
fizera, e roíam-me os maus presságios. Pensava comigo: Meu Deus, será
que chegou a hora de pagar pelo que tenho feito a meus pais?
Nessa noite, tive um terrível pesadelo. Estava numa grande mansão,
em companhia dos hippies. Lá fora, rugia forte tempestade, e eu sentia muito
medo. De repente, ouvimos fortes batidas na porta. Eu sabia que era
Marques, que viera me buscar, mas não fui abrir a porta.
Acordei, gritando apavorada, por minha mãe. Ela, me acariciando,
explicou que eu havia somente sonhado. Disse-me, também, que ela e papai
já me haviam perdoado por meus desatinos.
Desde aquela noite, minha angústia aumentou.
Minha relação com os hippies não era tão simples como parecia! Em
nosso meio prevaleciam os traficantes de drogas, bandidos perigosos, que
envolviam a gente, se aproveitando de nossas fraquezas e do desligamento
de nossas famílias, para incentivar nossos vícios.
O domínio dessa gente é terrível! Suas vítimas, em geral, são meninos
de bem, boas pessoas, que, apenas, têm seus desajustes com o meio em
que vivem, com isso de tornando presas fáceis para esses malandros.
Não contei ao Marques o encontro que tivera com a turma. Sentia
medo, mas me mantinha calada.
Um dia, estávamos sentados na calçada, em frente de casa, quando
chegou a turma.
Marques olhou-os friamente, como se não os estivesse vendo.
Eles, brincando jocosamente, disseram que tinham vindo avisar que
iriam comparecer ao nosso casamento!
Antes que eu ou Marques pudéssemos dizer alguma coisa, eles se
foram.
Marques, visivelmente irritado, virou-se para mim e disse:
- Se eles aparecerem em nosso casamento, eu vou embora e nunca
mais você vai saber notícias minhas!
Diante daquela ira, eu também me irritei e quase explodi. Mas temia
chegar ao ponto em que Marques pensasse que estava arrependida de
A NOIVINHA DESENCARNADA FLS 5
nosso noivado. Mas aquela cena, faltando apenas três dias para o
casamento, foi horrível!
Afinal, chegou o dia almejado! A cerimônia foi linda, com a igreja toda
decorada. Essa igreja ficava num outeiro, e o acesso era feito por uma
comprida escadaria.
Saímos sorridentes e, nem emergimos, quando nos deparamos com o
grupo, parado em frente à escadaria. Assim que nos viram, estouraram numa
vaia deprimente!
Não pude deixar de registrar, com tristeza, a referência que fizeram ao
meu vestido de noiva, levantando dúvidas quanto à minha pureza.
Na confusão que se seguiu, sem que eu notasse, Marques
desapareceu!
Desolada, cheia de vergonha, fui levada para a casa de meus pais.
Minha mãe tentava me consolar, mas eu estava certa de que Marques não
tardaria a aparecer. Ela perguntou se eu queria ficar ali, com eles. Eu, porém,
tentando aparentar uma calma que não tinha, disse-lhe que iria esperar
Marques em casa, na nossa casinha! Ele, talvez, estivesse lá, me esperando.
Cheguei ao lar tão sonhado, mas encontrei-o vazio. Marques não
estava lá.
Senti, então, que nada mais me restava neste mundo. Pensei em
morrer, porém uma leve esperança ainda alimentava meu coração.
Comecei a ficar tonta. Recostei-me no sofá e, então, começaram as
alucinações. Via e ouvia a turma, com suas risadas, os rapazes com suas
barbas longas a roçarem em meu rosto, e com suas mãos quentes me
acariciando... Invadiu-me estranha volúpia! Era tão intensa, que me senti
impelida a correr para onde eles se achassem naquele momento!...
Em meio a essa verdadeira obsessão, permaneci zonza, meio
acordada, meio dormindo, até que o dia amanheceu.
Despertei confusa, e a primeira coisa que me veio à mente foram as
palavras de Marques:
- Sumirei de sua vida, e nunca mais você me verá!
Tomei, então, uma decisão. Tinha em minha bolsa algumas drogas.
Manipulei uma dosagem e a ingeri. Tudo o que queria era fugir da realidade,
de mim mesma, daquele pesadelo, e voltar para a casa de meus pais. Sabia
que eles me aceitariam, como sempre me aceitaram. Confiava, a tal ponto,
na paciência e no amor deles, que cheguei a pensar que seria melhor voltar
para eles do que o retorno de Marques, que, com certeza, iria me maltratar.
Meus pais nunca fariam tal coisa! Engoli as drogas pensando nisso, sem
nenhuma intenção de morrer.
A NOIVINHA DESENCARNADA FLS 6
Oh, Tia, foi terrível! Comecei logo a “viajar”, porém, percebi de imediato
que essa era completamente diferente das minhas costumeiras “viagens”!
Cheguei a uma cidade escura e deserta. Apavorada, procurei por
alguém que pudesse me orientar, quando, subitamente, centenas de sinos
começaram a tocar. Era sino de todos os tamanhos, de diferentes sons, que
tangiam adoidados! Minha cabeça já estava a ponto de estourar, quando vi
um homem, vestido como um antigo romano, que se aproximou de mim. Seu
olhar era bondoso, e disse chamar-se Januário e que estava ali para me
ajudar. Pegou em minha mão e me conduziu para uma espécie de praça,
cercada por todos os lados. Os sinos haviam parado como que por encanto.
Sem que eu percebesse, Januário desapareceu e me senti só,
completamente só.
O que eu pensara ser uma praça era, na verdade, um bosque de relva
verde escura, com muitas árvores simétricas.
Naquela horrível solidão, comecei a sentir uma sensação de
arrependimento, de coisas que fizera e outras que deixara de fazer. Não
pensava na morte, nem na vida eterna. Para mim, tudo aquilo não passava
de uma ilusão, de um pesadelo, de uma péssima “viagem”!
Só uma coisa era constante em meu íntimo: a imensa ânsia de voltar
para a casa de meus pais. Mesmo Marques aparecia diluído, como uma
simples recordação.
Eu nunca tivera religião nem qualquer sentimento religioso. Só pensava
em voltar e enfrentar as minhas dificuldades, e ficar à mercê do meu destino.
Saí do meu transe com o som de uma voz que parecia sair do ar, e me
envolvia por todos os lados. A voz era firme e máscula, mas tinha, também,
um tom melodioso. Dizia ela:
- Preparem-se para voltar para a Terra. Cuidem de controlar suas
vibrações, pois não foi normal o que lhes aconteceu. Neste momento, vocês
se acham na Mansão dos Toxicômanos! Essa passagem que vocês fizeram
iria ser feita, somente, daqui a alguns anos, talvez vinte ou trinta anos. É por
isso que vocês não são espíritos normais, porque desencarnaram antes do
tempo. Mesmo assim, vocês não são considerados suicidas, não. São
apenas espíritos que desencarnaram antes do tempo previsto. É por isso,
também, essa atração irresistível pela Terra, por seus ambientes costumeiros.
E para a Terra vocês terão que ir. Preparem-se para viajar para a Terra!
Senti certo alívio quando percebi que ele se dirigia a outros além de
mim. Notei que ele nos chamara de espíritos. Sem dúvida, deveria haver
outros iguais a mim!
A partir de então, perdi a noção de tempo e de espaço. Meus estados
variavam, alternando-se entre angústia, saudade, esperança e desespero.
A NOIVINHA DESENCARNADA FLS 7
agora. É preciso que seus filhos nunca sintam medo! Se eu não tivesse tido
certeza do perdão dos meus pais, nunca teria voltado para casa. Teria sido
vítima dos bandidos do espaço ou, talvez, tivesse me tornado obsessora dos
meus antigos companheiros.
Salve Deus, Tia! Recomende aos seus médiuns para que contem a
minha estória para todos que puderem. Agradeça aos dois médiuns que me
atenderam com tanta generosidade.
Salve Deus!
SALVE DEUS!