Criatividade Musical
Criatividade Musical
Criatividade Musical
Educação Musical
Criatividade musical
conceitos e práticas
linguísticos e históricos
Criatividade musical
conceitos e práticas
Reitor
Targino de Araújo Filho
Vice-Reitor
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Pró-Reitora de Graduação
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Secretária de Educação a Distância - SEaD
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Coordenador do Curso de Educação Musical
Glauber Lúcio Alves Santiago
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Fred Siqueira Cavalcante
Criatividade musical
conceitos e práticas
© 2009, Fred Siqueira Cavalcante
Concepção Pedagógica
Daniel Mill
Supervisão
Douglas Henrique Perez Pino
Equipe de Ilustração
Jorge Luís Alves de Oliveira
Thaisa Assami Guimarães Makino
ISBN – 978-85-7600-170-6
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer
forma e/ou quaisquer meios (eletrônicos ou mecânicos, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qual-
quer sistema de banco de dados sem permissão escrita do titular do direito autoral.
........... Sumário
APRESENTAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
10
Unidade 1
Entender como, onde, quando e porquê ocorre uma criação é uma meta
que pode ser alcançada por meio de um exame de referenciais teóricos e vi-
venciais – tal entendimento depende de saber o que pensadores descobriram
a respeito, mas também depende de nossa percepção e reflexão a respeito do
mundo. Depende de que experimentemos os nossos próprios potenciais para
saber o quanto somos capazes de transformar a realidade em que vivemos.
Assim, aquela paisagem representada pela pintura e pela música poderá ser
totalmente reconstruída a partir da experiência e da imaginação do receptor, que
trará para a sua compreensão tudo o que lhe fizer sentido. O contorno melódico da
música, que a priori representaria o contorno da montanha, talvez seja apreendido
com outro sentido, por exemplo, o movimento de pássaros que voam subindo e
descendo, ou ficaria apenas num sentido abstrato, sem necessária relação com
algo do mundo visível. Já o traço que apenas separaria visualmente o céu da linha
do horizonte poderia ser compreendido simbolicamente como o encontro da ampli-
tude cósmica com a finitude terrena, uma delimitação imaginária entre os elemen-
tos da eternidade e os da transitoriedade.
1 É certo que o artista pode imprimir sentido de movimento a uma pintura, valendo-se de recursos
materiais e de linguagem da própria arte para transmitir tal impressão, mesmo que essa imagem
contenha o momento fixado, sem movimentos reais, estático na tela. Para que se tenha a ilusão
de movimento também é necessário que o receptor participe desse jogo de mensagens contidas
14 na obra.
Partindo das definições de criação que forem mais adequadas a este es-
tudo, veremos que seu significado pode ser avaliado como “ação humana de
conceber, de inventar, gerar, de dar existência ao que não existe, ou de dar nova
forma, novo uso a alguma coisa ou, ainda, de aperfeiçoar coisas já existentes”
(HOUAISS, 2005).
2 Segundo Houaiss (2005), domínio significa especialidade, pertença. Para Ferreira (1986, p. 607),
é o “âmbito de uma arte ou uma ciência”.
15
Ainda recorrendo ao dicionário, também podemos entender criação como
“produção artesanal, artística e/ou intelectual; tudo aquilo que é fruto do trabalho
e do talento humano, tudo que é produto da sua ação criadora” (HOUAISS, 2005)
ou ainda a “produção intelectual; elaboração de trabalho científico geralmente com
fins práticos, utilitários” (HOUAISS, 2005). Nesses casos estamos considerando
a função e a adequação do artefato à vida cotidiana, seja ele considerado um
produto, uma obra ou um objeto inventado por meio de algum processo de elabo-
ração do ser humano, e que derive resultado útil para seu bem estar – incluindo
resultados de fruição estética, especialmente almejados pelas artes. No entanto,
a partir dessa possibilidade conceitual, não valorizamos a perspectiva de originali-
dade para que um objeto seja julgado importante, bastando que ele seja artesanal
e sem necessariamente ter se submetido a um rigor extremado em sua feitura.
3 Produção literária aqui se refere não somente a tudo que se fez no domínio da arte literária, mas
também ao “conjunto das obras científicas, filosóficas etc., sobre um determinado assunto, ma-
16 téria ou questão; bibliografia” (HOUAISS, 2005).
Lançamos um olhar para a linha do tempo para constatarmos que o poten-
cial de criação humano é constituído, a cada momento pontual, por tradições
passadas e inovações que, como tais, se constituem assim de época em época,
muito embora, na maioria das vezes, tais inovações encontram-se enraizadas
em heranças de saberes e valores de práticas sociais outrora existentes. Por
esse mesmo olhar, é possível evidenciar progressões e relações entre contex-
tos culturais, entre elaboradores e seus pensamentos e intenções de criação, e
entre processos e produtos que se interligam em episódios contemporâneos ou
não e em espaços comuns ou não.
4 À luz da teoria de Feldman (1994 apud GARDNER, 1998, p. 136-137), a música pode ser
classificada como um domínio cultural se a considerarmos vinculada à realidade de todos
os indivíduos de uma mesma cultura. Nesse caso, todos deveriam conhecê-la a ponto de
incorporá-la na vida cotidiana, como acontece no caso da alfabetização para a maioria dos
contextos ao redor do mundo atual. No entanto, a arte sonora pode ser entendida como um
domínio disciplinar se for apreendida ao longo de alguns anos (geralmente por intermédio de
um contexto escolar e a mediação de um educador), embora, nesse caso, não haja exigência
de que todos de uma mesma sociedade venham a conhecê-la a fundo. 17
1.4 Considerações finais
Para saber mais sobre criação e criatividade, leia os textos dos seguintes
links:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Criatividade>
<http://www.scielo.br/pdf/pe/v8n1/v8n1a17.pdf>
<http://www.scielo.br/pdf/pe/v9n3/v9n3a10.pdf>
1.5.3 Referências
19
Unidade 2
Esta unidade foi elaborada com o objetivo de apresentar algumas das prin-
cipais teorias sobre a criatividade desenvolvidas em pesquisas recentes, espe-
cialmente aquelas que se aplicam à música e a educação musical. Como sugere
Barret (2000), abordaremos o assunto em três vias de entendimento: a pessoa, o
processo e o produto criativo.
Conforme nos apresenta Deliège & Richelle (2006, p. 1), criatividade mu-
sical é um fascinante assunto para todos aqueles interessados em criatividade
humana – em qualquer de seus significados – e em música, sejam eles compo-
sitores, intérpretes, ouvintes ou especialistas em uma das muitas facetas da arte
sonora.5
5 Poderíamos ainda incluir outros participantes de manifestações culturais diversas que se incluem
na música por tipos de atuação além das mencionadas nesse parágrafo. Muitas vezes tais atua-
ções incluem outras formas de arte como a poesia, a dança e as artes plásticas, como ocorrem,
por exemplo, nos movimentos do hip-hop.
23
assim consideradas? Que elementos são pertinentes ao processo de elabo-
ração musical? Em que sentido o produto é importante para tal processo? É
possível desenvolver a criatividade?
Margaret Barret (2000) observa que nas muitas áreas de atuação humana a
criatividade é avaliada socialmente e economicamente como uma boa qualidade,
como algo considerado positivo, o que fica evidenciado, por exemplo, em premia-
ções como o Nobel.6
Antes de procurar definir o termo, observemos o que para Barret (2000) são
as três áreas principais de conflito para conceituar a palavra dentro do domínio
da educação musical:
6 Ou, no caso específico das artes, por exemplo, nas premiações de festivais de música e cinema
em diversas localidades do mundo. Também fica evidenciado que criatividade é socialmente e
economicamente válida quando observamos a atenção exercida sobre as verbas, conforme as
instituições venham desembolsá-las destinando-as a projetos de importância social e a produções
artísticas inovadoras.
7 No entanto, o valor de uma elaboração não se baseia única e exclusivamente no seu teor de
criatividade, mas também em fatores que a tornem significativas num contexto social. Tal aspec-
to será abordado posteriormente nesta unidade.
8 Isso não quer dizer que esses tipos de atividades acarretam necessariamente resultados
criativos, pois tal condição será possível independentemente da função ou da especialidade
24 na área de música.
aprendizagem, sem exclusivamente se objetivar no potencial “criativo”
desse campo de atuação artístico (BARRET, 2000, p. 32).9
9 Este último item justifica em parte porque as atividades e técnicas de composição e improvisação
serão desenvolvidas posteriormente, na Unidade 3. Em outras palavras, essa unidade promo-
verá um enfoque motivador de aprendizagem e exploração de recursos sonoros e de estrutu-
ras da música. Por essas razões apontadas, mesmo que não sejam as únicas especialidades
musicais a indicar caminhos para a invenção (de acordo com o primeiro item), a composição
e a improvisação serão trabalhadas nessa unidade em possibilidades e propostas de desen-
volvimento da criatividade musical e em eventuais práticas em que elas não estejam assim
objetivadas, mas focadas no processo de aprendizagem (conforme o segundo item).
10 Haydn foi autodidata, um trabalhador paciente, persistente, metódico e regular, cujas obras
mais conhecidas foram elaboradas após a morte de Mozart, de quem foi amigo e a quem
influenciou e foi influenciado na arte de compor. Haydn e Mozart “representam o período clás-
sico, no mesmo sentido em que Bach e Haendel representam o barroco tardio” (GROUT, 1994,
p. 511).
11 Noel Rosa (1910-1937) é um dos grandes nomes da canção brasileira de todos os tempos.
Compôs melodias com harmonias ricas e foi pioneiro no uso da linguagem coloquial e na crítica
social. Fez parte de uma geração de sambistas cariocas de obras estruturalmente complexas
e de versos sofisticados (McGOWAN, 1998, p. 28), tornando-se uma das principais referências 25
para a música popular brasileira até os dias atuais.
2.3.1 A pessoa criativa
Para Elliot (1995, p. 229), a pessoa criativa é alguém que “tem um alto nível
de conhecimento prático-específico e a habilidade para usar este conhecimento
para produzir resultados originais e significativos em relação aos padrões e tradi-
ções de um domínio”.
• Independentes;
• Sensíveis;
• Imaginativos;
• Radicais;
• Inconformismo;
• Independência;
• Hostilidade;
• Caráter reservado;
• Antipatia;
• Falta de cordialidade;
Esse mesmo estudo ainda identifica traços não sociais, como os seguintes:
• Abertura à experiência;
• Imaginação;
• Impulsividade;
15 Conforme Houaiss (2005), o adjetivo expedito significa: “que desempenha tarefas ou resolve
problemas com presteza, rapidez; diligente, ativo”.
28
• Ansiedade;
• Sensibilidade emocional;
• Esperto/ingênuo;
• Espírito brincalhão/disciplina;
• Extroversão/introversão;
• Psicologicamente andrógeno;
• Paixão/objetividade;
É comum nos depararmos com análises de obras artísticas nas quais o pro-
cesso de criação de um importante escritor, de um eminente pintor ou de um ilustre
compositor é demonstrado. Isso é possível por meio de pelo menos três maneiras:
16 Esses aspectos estão diretamente relacionados ao flow, cujo significado será explorado adiante,
no subitem 2.3.2 O processo criativo.
17 Perceptíveis tanto por meio dos sentidos humanos (audição, tato, visão, olfato ou gustação)
quanto do intelecto (por meio de uma teoria de análise, por dedução lógica, por uma técnica
de categorização, etc.).
30 18 Esboços de uma composição podem nos apresentar elementos suficientes para supormos
quais foram os passos de elaboração do compositor.
Às vezes essas possibilidades se combinam e se colaboram na descrição
do processo criativo de uma obra de arte (muitas vezes apenas porque um es-
tudioso observa e entrevista um artista obtendo mais informações sobre como
elabora suas obras, tendo de antemão um entendimento analítico sobre ela). De
qualquer forma, para além de uma simples descrição de procedimentos, uma
análise é feita à luz de uma ou mais teorias, de forma a permitir a delimitação de
categorias dos eventos e dados coletados.
19 Veja que esse aspecto aparecerá no próximo subitem (2.3.2.2 Elementos presentes durante o
processo criativo) como um dos elementos principais no processo criativo de pessoas conside-
radas criativas. 31
ter se constituído a notação musical para nós brasileiros caso a Europa não tives-
se sido o continente de referência para a “nossa” notação musical? Tal pergunta
estimularia a criação de inúmeras respostas e hipóteses possíveis, sempre em
probabilidades constituídas por reflexões especulativas. A primeira resposta foi
gerada por pensamento convergente e a segunda divergente. “A primeira envolve
memória; a segunda, imaginação” (ARANHA, 1986, p. 376).
Para Deliège & Richelle (2006, p. 2), é uma referência frequente o clássico
modelo do que vai acontecendo no processo de criação, composto de quatro
fases sucessivas, que são distinguidas como preparação, incubação, iluminação
e elaboração.20 O modelo deriva essencialmente de relatórios de matemáticos e
configura os atos criativos como uma situação de resolução de problema – uma in-
terpretação amplamente aceita no paradigma cognitivista dominante e corrente.
• Preparação;
• Incubação;
• Iluminação;
• Verificação;
• Comunicação;
• Validação.
22 Que parece retornar ao estado ou ponto de origem (HOUAISS, 2007); que retorna ao ponto
de partida (FERREIRA, 1986, p. 1465).
23 O autor também foi professor de Ciências Sociais da Peter Drucker Scholl of Business, na
Universidade de Claremount, na Califórnia.
24 Flow (fluxo ou fluir para o português) é um termo escolhido pelo autor para nomear um fenômeno
de envolvimento e imersão numa atividade. Trata-se de um tipo de experiência descrita em di-
versos estudos não somente nos Estados Unidos, como também na Austrália e em países da 33
Europa.
Tal estado pode ser vivenciado em inúmeras atividades humanas, em epi-
sódios como o momento durante a prática de: esquiar (ou de surfar) em que se
desliza suavemente por um declive de uma montanha (ou com uma prancha, por
uma onda do mar); jogar futebol com disposição e felicidade num dia ensolarado;
contar histórias fabulosas para crianças, improvisando alguns episódios; compor
uma canção em um momento de inspiração; pintar um quadro motivado por um
insight;25 estar totalmente envolvido ao tocar um solo difícil com o seu instrumento
ou cantar uma bela melodia numa ocasião especial da vida; etc.
• Exclusão de distrações;
• Desaparecimento de autoconsciência;
Por esse levantamento, vemos que o Flow (experiência ótima) é mais frequen-
te em atividades como jogos, esportes e hobbies28 do que nas de lazer passivo, cuja
atenção é relativamente reduzida e de menor envolvimento, como assistir televisão.
O lazer ativo tende a produzir mais experiências ótimas a partir do equilíbrio entre
altos desafios e altas habilidades (CSIKSZENTMIHALYI, 1999, p. 69-70).
27 Csikszentmihalyi (1999, p. 18-23) afirma que a vida cotidiana é definida pelo que fazemos
(em três funções principais: produção, manutenção e lazer) e por aqueles com quem estamos
(com “estranhos”, ou seja, colegas de trabalho ou estudos; com familiares; ou na ausência de
outras pessoas, isto é, na solidão).
28 Entre as inúmeras possibilidades de hobbies, podemos incluir práticas musicais como: tocar
um instrumento, dirigir uma orquestra, cantar num coral, elaborar um arranjo para uma ban-
da, etc. – visto que nesses tipos de situações muitas pessoas desempenham suas funções
como amadores, ou seja, atuam não profissionalmente.
35
Csikszentmihalyi esclarece que o que ele denomina como Flow “costuma
ocorrer quando uma pessoa encara um conjunto claro de metas que exigem res-
postas apropriadas” e “tende a ocorrer quando as habilidades de uma pessoa estão
totalmente envolvidas em superar um desafio que está no limite de sua capacidade
de controle” e “geralmente envolvem um fino equilíbrio entre a capacidade do indi-
víduo de agir e as oportunidades disponíveis para a ação” (CSIKSZENTMIHALYI,
1999, p. 36-37).
Fazer algo que seja considerado significativo é o primeiro passo para que tal
feito seja estimado como uma legítima criação. Em outras palavras, a importância
de um produto criativo está relacionada à sua realização concreta (ELLIOT, 1962,
p. 139) e tal resultado, que é tangível para o contexto social em que o produto
foi feito, está frequentemente associado às características de novidade (origina-
lidade, diferença, algo invulgar, inesperado) e utilidade (ou o que é apropriado,
socialmente valioso).
• Função de divertimento;
• Função de comunicação;
29 Conforme Hummes (2004), destacam-se os trabalhos de Ibañes (1988), Gifford (1988), Freire
(1999), Souza (1992; 2000), Tourinho (1993; 1994), Swanwick (1997; 2003), Beyer (2001),
Del Bem e Hentschke (2002).
30 Veja as sugestões de leitura a respeito desse assunto no subitem Saiba mais, no final desta
unidade.
31 Segundo Freire (1977, p. 186), a invasão cultural em um grupo social, de uma cultura estranha
que o invade “sem respeito à potencialidade do ser, impondo-lhe a sua visão do mundo, freando
a sua criatividade e inibindo a expansão” de seus integrantes, é contrária ao conceito de síntese
cultural, que “consiste na incidência da ação dos atores sobre a realidade que deve ser trans- 37
formada em vista da libertação dos homens” (FREIRE, 1977, p. 219).
sentido compreendemos que a intervenção educativa deve ser, acima de tudo,
dialógica e colaborativa, com o propósito de fazer com que os anseios do grupo
sejam alcançados.
32 Para Csikszentmihalyi (1996), Gardner (1993), Gruber & Wallace (1999, p. 111) e Weisberg
(1999), tal período demandaria um prazo de amadurecimento de aproximadamente dez anos.
38
intermediação educativa, visando um tipo de aprendizagem mais inventiva e
motivadora.
<http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/educacao/0036f.html>
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-73722003000200016&script
=sci_arttext&tlng=in#n2>.
2.5.3 Referências
41
Unidade 3
Conforme foi abordado na unidade anterior, nem tudo o que é feito em com-
posição e improvisação pode ser considerado necessariamente criativo. Além
disso, tudo o que é criativo na música não se restringe a essas duas áreas, mas
pode se desenvolver também por meio de outras, em atividades como organizar
um ensaio, fazer arranjos, dirigir um grupo, mixar uma gravação, executar um ins-
trumento musical ou preparar uma aula de música.
Não será nosso objetivo para a presente unidade alcançar resultados origi-
nais, ou seja, produtos verdadeiramente criativos, mas sim estabelecer conexões
entre teorias e práticas musicais. Cabe ao tempo de trabalho, por meio do acú-
mulo de experiências significativas, o amadurecimento ao longo de um processo
gradual de desenvolvimento quando, enfim, começam a aparecer resultados e 45
elaborações consideradas criativas, no sentido de originalidade e inovação num
dado domínio.
Como ilustração de uma situação real, o som de uma cigarra pode ser repre-
sentado numa folha de papel por um desenho comprido (que demonstre o tempo
longo de duração de sua “cantoria”) e de largura cada vez maior em relação ao
tempo (que demonstre o parâmetro crescente da intensidade desse som).
46
Essa mesma grafia, por exemplo, permitirá a simulação desse som repre-
sentado pela execução de um chocalho pequeno e agudo,33 que pode imitar o
timbre, a duração e a intensidade crescente do canto desse inseto.
33 A escolha do chocalho é apenas uma das muitas opções possíveis para se representar o
som da cigarra por meio de um instrumento musical. 47
Figura 3 Representação de grafia livre dos sons de uma praça e de eventos sonoros
imaginários.
34 Mesmo que para um primeiro registro tenha sido utilizado um gravador para, em seguida,
grafar os eventos sonoros numa folha de papel – esta pode ser uma opção para esse tipo
de exercício.
49
imaginação –, no qual a grafia livre foi sugerida como uma ferramenta, um proce-
dimento, um ponto de partida para se ordenar os sons. Seguindo essa orientação,
podemos começar a elaboração de uma obra pela percepção auditiva e fazer uso
da memória e da imaginação para experimentar possibilidades e combinações
sonoras.
I. Uma maneira de compor uma peça completa é começar por inventar uma
ideia simples, que pode ser um fragmento rítmico, melódico e/ou harmônico, como
os exemplificados adiante:
51
Um passo final consiste em ordenar essas repetições, variações e contras-
tes numa sequência interessante, algo como sugere o exemplo adiante:35
Veja que a maioria das ideias ilustradas no Passo 1, bem como suas repe-
tições, variações e contrastes do Passo 2, foram aproveitadas e sequenciadas,
resultando na composição da partitura do Passo 3 apresentada anteriormente.
No entanto, há outros eventos que não haviam sido planejados e que foram en-
xertados à música, como a pausa de colcheia seguida de duas semicolcheias no
primeiro compasso (tocadas pelas flautas), os compassos 3, 5 e 7 tocados pelas
flautas (que são variações da primeira ideia inicial) e as frases melódicas dos xilo-
fones e do contrabaixo, tocadas nos três últimos compassos do tema ilustrado.
35 Observe que a partitura é para os quatro instrumentos (ou naipes de instrumentos) anunciados
no início da mesma (com indicações à esquerda do primeiro sistema), ou seja, para flautas,
xilofones, block e contrabaixo. No entanto, nos sistemas seguintes (segundo e terceiro), onde
eles são indicados por abreviaturas, nem todos estão presentes ao mesmo tempo, motivo pelo
qual esses sistemas se apresentam com três pentagramas e não com quatro, como no sistema
52 inicial (que deve apresentar todos os instrumentos participantes, mesmo que não venham a
tocar no início da música).
3.3.5 Explorando aspectos melódicos e harmônicos por meio de
improvisação livre
Uma estrutura binária pode ser resumida como A B, pois possui duas partes
distintas, uma A e uma B contrastante, cada qual com um número específico de
compassos que são normalmente organizados em torno da estrutura melódica:
53
Já uma estrutura ternária pode ser resumida como A B A, pois possui três seções
de partes A e de uma parte B contrastante (em geral as partes A inicial e A final são iguais
ou muito parecidas). Cada seção é estruturada com um número específico de compassos
que são normalmente organizados em torno da estrutura melódica:
Observe nos exemplos anteriores que as duas músicas, compostas nas es-
truturas binária e ternária, têm em cada uma de suas seções um número de com-
passos igual a um múltiplo de dois ou quatro. Tal disposição abriga quadraturas,
termo que para Ferreira (1986, p. 1422) significa “processo de organizar a melo-
dia por número par de frases, todas de tamanho igual”, o que consequentemente
condiciona a concepção por um número par de compassos.
54 36 Porém, tal estrutura existe desde antes do período clássico da música ocidental.
• A duração média das notas é maior: em B, boa parte dos compassos
contém mínimas ou é preenchida por mínimas pontuadas, enquanto em
A, quase todos os compassos contêm semínimas.
• A altura média das notas é maior: a segunda parte de B tem notas su-
periores às da seção A.
No entanto, outros elementos poderiam ter sido usados para enfatizar con-
trastes, tais como:
Por meio de sugestões sobre estruturas musicais foi possível explorar e ex-
perimentar ordenações e combinações que resultem em peças interessantes,
tanto sob o ponto de vista da qualidade, constatável no resultado final de cada
produto artístico, quanto do desenvolvimento musical idiomático ao longo de sua
formação artística e pedagógica.
37 Outros fatores ainda poderiam ser acrescentados aqui, no entanto, isso fugiria do enfoque
pedagógico que esta disciplina tem por objetivo, que é o de dar uma visão panorâmica das
práticas de composição, o que inclui uma variedade de conteúdos, mas não tem a pretensão
de esgotar possibilidades.
55
única obra nos servirão a cada momento como um feedback para constantemen-
te nos aperfeiçoarmos por meio de um processo criativo consciente, mas que não
exclui os potenciais da intuição. Provavelmente, tal processo em seu desenvolvi-
mento contribuirá para um melhor entendimento sobre muitas das possibilidades
de organização musical e sobre coisas afins existentes no universo perceptível,
incluindo a cada um de nós mesmos.
Para saber mais sobre composição musical, arranjo e etnografia leia o texto
do seguinte link:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Composi%C3%A7%C3%A3o_musical>
<http://www.dianagoulart.pro.br/bibliot/improedu.htm#2>
56
3.5.3 Referências
57
Sobre O Autor