Quadro Nacional de Qualificações
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Quadro Nacional de Qualificações
QUADRO NACIONAL
DE QUALIFICAÇÕES
O que
a experiência
nos ensinou
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ÍNDICE
FUNDAMENTAÇÃO LÓGICA................................................................. 5
RESUMO............................................................................................ 6
1 INTRODUÇÃO................................................................................ 8
2 O QUE É UM QUADRO NACIONAL DE QUALIFICAÇÕES?................... 11
3 EXPERIÊNCIAS REALIZADAS NA ÁFRICA AUSTRAL ........................ 14
a) África do Sul . ........................................................................ 14
b) Uganda ................................................................................. 16
c) Malawi .................................................................................. 16
4 LIÇÕES APRENDIDAS .................................................................. 18
ABREVIATURAS E ACRÓNIMOS......................................................... 22
BIBLIOGRAFIA.................................................................................. 23
FUNDAMENTAÇÃO LÓGICA
Aprender através dos resultados obtidos no âmbito de outras experiências é uma aposta do
projecto FormPRO, na medida em que acreditamos ser essa a essência da gestão do conheci-
mento e a base para uma reflexão conjunta sobre as questões actualmente relevantes.
Ao longo dos quase 30 anos da guerra civil terminada em 2002, Angola esteve à margem
dos desenvolvimentos ocorridos noutras regiões, situação agravada pelo facto de se encontrar
no meio do jogo de forças entre o Oriente e o Ocidente. Por outro lado, o facto de, em geral,
as reflexões em curso recorrerem apenas às fontes disponíveis em língua portuguesa consti-
tui uma desvantagem adicional, já que não têm em conta algumas discussões importantes
que decorrem em língua inglesa.
O FormPRO considera importante que os debates realizados em língua inglesa sejam
integrados nas discussões em curso e que as conclusões desses debates possam ser assimila-
das pela base de conhecimentos de expressão portuguesa. Por outro lado, acreditamos que
as actuais reflexões nos países de expressão portuguesa podem enriquecer os debates que
decorrem a nível internacional. Nesta perspectiva, elaborámos alguns documentos sobre a
presente temática em língua inglesa, que foram posteriormente traduzidos para Português.
Tal como é usual em contribuições desta natureza, o presente artigo baseia-se na reflexão a
nível institucional (da GTZ/GIZ), na experiência pessoal e na pesquisa online, não preten-
dendo ser exaustivo. Ele constitui o início de um debate aberto e um convite à inclusão da
experiência angolana nas análises internacionais.
Edda Grunwald
Directora do Programa Formação Profissional para o Mercado de Trabalho (FormPRO)
De uma maneira geral, a adopção de sistemas demasiado complexos tem-se revelado inefi-
caz, sendo preferível a aplicação do sistema em três subsistemas paralelos, nomeadamente,
no ensino médio, na educação profissional e no ensino universitário, articulados através
de pontos de qualificação específicos determinados com base em competências. Num
extremo deste continuum, encontra-se a Validação de Aprendizagens Anteriores (VAA),
que responde à necessidade de os mais pobres, marginalizados e desempregados se pode-
rem integrar na aprendizagem ao longo da vida e entrar no sistema do QNQ (igualdade);
no outro extremo, está a relevância das qualificações profissionais e académicas para as
necessidades da economia, que conduz a um aumento da competitividade a nível nacional
e internacional, e requer parcerias eficazes entre a comunidade empresarial e a Educação
& Formação (E&F).
Embora os QNQ não sejam uma poção mágica para resolver os problemas da Educação
que os países em desenvolvimento enfrentam, quando associados a uma governação insti-
tucional de qualidade, a um cálculo realista sobre o tempo necessário para a obtenção de
resultados eficazes e a uma boa compreensão da relação entre os princípios e a prática, os
QNQ podem ser úteis, constituindo uma mais-valia para a E&F dos países em desenvol-
vimento.
Por seu lado, a GTZ/GIZ tem vindo a constatar com preocupação que algumas inovações
“anglo-saxónicas” não foram traduzidas da melhor forma para a situação dos países em
desenvolvimento (ver abaixo), identificando problemas como:
•• Falta de realismo:
Os Quadros são criados sob pressão de tempo, sujeitos a uma extensão de controle3
sobrecarregada e com uma avaliação deficiente dos custos que lhes estão associados.
Enquanto, por exemplo na Escócia, foram necessários 30 anos para desenvolver e
amadurecer um sistema adequado, no Nepal, os administradores acreditaram, erra-
damente, que seria possível criar um Quadro abrangente num lapso de seis meses.
•• Perfeccionismo e focalização no topo:
Alguns países receiam adoptar soluções parciais e optam por um Quadro totalmen-
te integrado, que inclui todos os níveis de qualificação até aos níveis académicos
mais elevados, concentrando por isso uma parte significativa dos esforços na criação
de articulações que só são relevantes para uma pequena minoria de aprendentes.
Este problema, surgido aquando do desenvolvimento do sistema na África do Sul,
tem como consequência a perda do foco nos níveis profissionais mais baixos, onde o
acesso, a inclusão e a equidade são problemas sociais prementes.
•• Importação-adopção-adaptação:
As competências para desenvolver padrões profissionais e instrumentos de avalia-
ção são elementos cruciais da capacidade de ETFP de cada país. O frequentemente
promovido “atalho” de usar o Quadro de outro país e, “rapidamente”, importar,
adoptar e adaptar as suas normas e instrumentos, pode facilmente resultar numa
falta de know-how, na falta de apropriação local e numa nova dependência perante o
país exportador.
A Cooperação Técnica Alemã (GTZ) - agora integrada na Agência Alemã para a Co-
operação Internacional (GIZ) - tem vindo a apoiar fortemente o ETFP e a Educação e
Formação Baseada em Competências (EFBC)4 e, como tal, não pode deixar de analisar e
ponderar em que medida a megatendência de criação de QNQ pode potenciar ou prejudi-
car o trabalho que o Governo alemão vem promovendo nesta área, a nível mundial. Nesse
sentido, após várias reuniões e discussões, foi realizado um encontro decisivo em 2009
visando definir um posicionamento comum da GIZ quanto à abordagem dos QNQ.
Concretamente, analisou-se a forma como a GIZ deveria:
•• lidar de forma construtiva e apoiar a estruturação de Quadros emergentes;
•• desenhar Quadros já previstos e ajudar a desenvolvê-los, com vista à optimização
das soluções;
•• assegurar que os aspectos singulares do ETFP alemã sejam considerados no Quadro
dos parceiros.
Estas reflexões conduziram a uma tomada de posição preliminar por parte da cooperação
alemã no que concerne aos Quadros de Qualificações, no âmbito da cooperação para o
desenvolvimento do ETFP.
O debate inicial, ocorrido dez anos atrás, entre os profissionais alemães responsáveis pelo
desenho de programas e os que trabalham em projectos revelou a existência de três po-
sicionamentos diferentes, nomeadamente, “assimilação”, “rejeição” e “adaptação”. Entre-
tanto, num workshop recente (2009), os participantes concluíram que nem a EFBC nem
a megatendência dos QQ deveriam ser ignoradas, mas que, pelo contrário, a actuação
deveria visar:
•• desenvolver e implementar - nos países onde houver um mandato para o fazer -
uma abordagem elaborada pelo próprio país que evite as desvantagens, limitações
e armadilhas dos modelos anglo-saxónicos e que corresponda às necessidades e às
potencialidades dos parceiros;
4 O termo “competence” deve entender-se como um conceito holístico e não, ao contrário do que
acontece frequentemente quando se fala de “competencies”, ser reduzido apenas a aspectos
comportamentais.
Sem dúvida que, antes de embarcarem em sistemas complexos que são dispendiosos e não
produzem necessariamente os benefícios previstos, os países podem e devem analisar os
diversos aspectos associados à abordagem de um QNQ, procurando não criar expectati-
vas demasiado elevadas, que, provavelmente, acabarão por ser defraudadas. Embora, num
breve artigo desta natureza, não seja possível apontar soluções para todos os problemas,
nem mesmo identificá-los todos, procuraremos destacar aqui algumas questões relacio-
nadas com os QNQ, contribuir para a compreensão da respectiva terminologia e ainda
referir o que funcionou e o que não funcionou nos vários países em desenvolvimento.
Ao contrário das detalhadas análises sobre diversas tentativas de implementação de um
QNQ, já realizadas no âmbito de diversos relatórios de investigação, o presente artigo visa
apresentar uma visão geral sucinta e referir aspectos que são determinantes para a criação
e o desenvolvimento de um QNQ.
Num sistema deste tipo, a obtenção de uma qualificação não depende da frequência de
cursos específicos, mas sim da acumulação de créditos pelo aprendente, num conjunto
estabelecido de resultados de aprendizagem que pode ter lugar no âmbito de uma apren-
dizagem a tempo inteiro, a tempo parcial ou à distância, no local de trabalho ou ainda
através de uma combinação entre estas modalidades, juntamente com a avaliação das
aprendizagens anteriores.
A grande questão que se coloca à GTZ/GIZ é como contribuir para o debate sobre os
QNQ de forma a promover o Desenvolvimento das Competências Técnicas e Profissio-
nais (DCTP) utilizando os QNQ existentes, estruturando os QNQ emergentes e apoian-
do a concepção de futuros QNQ.
O que pretendemos dizer é que, embora não seja uma forma totalmente nova de colocar
a questão, o QNQ representa um passo em frente no sentido de possibilitar a mobilidade
dos estudantes, aprendizes ou aprendentes, não só a nível nacional, mas também regional.
O objectivo visado é estabelecer um sistema de certificação transparente que crie acesso a
E&F e a emprego.
Não há dois QNQ que sejam absolutamente iguais e cada QNQ é desenvolvido num
contexto socioeconómico, político e histórico específico. Assim sendo, o grande desafio é
expressar os valores e princípios essenciais da forma mais simples possível para atingir os
objectivos estabelecidos.
a) África do Sul
A África do Sul foi um dos primeiros países a introduzir um QNQ na fase de pós-
libertação, tendo optado por um dos mais complicados sistemas e caído em algumas das
armadilhas anteriormente referidas. Assim sendo, faz todo o sentido analisarmos o que
não funcionou e observar de que maneira se está a encaminhar para algo que poderá vir a
ser “o adequado”.
b) Uganda
A introdução do sistema tipo QNQ no Uganda foi posterior, tendo sido precipitada pela
necessidade de dar resposta a questões prementes, tais como a falta de relevância para o
emprego dos cursos de Educação e Formação profissional existentes - com o subjacente
efeito nocivo para a produtividade das indústrias e das empresas - e a urgência de propor-
cionar acesso a qualificações profissionais e a emprego aos mais de 800 000 jovens que,
anualmente, abandonam a escola. Além disso, existia a expectativa de poder reduzir os
custos da formação suportados pelo Governo, através da introdução da formação modular
e do estímulo à formação no local de trabalho no sector privado.
c) Malawi
Durante muitos anos, o sector do Ensino Técnico e Formação Profissional e Empresarial
(ETFPE) do Malawi operou sem um instrumento próprio para a regulamentação e har-
monização das qualificações profissionais, dependendo excessivamente de entidades exa-
minadoras externas. Posteriormente, foi introduzido um Quadro de Qualificações para o
ETFPE (QQETFPE). Porém, continuou a aumentar no mercado de trabalho o número
de certificados duvidosos, com problemas de credibilidade e de valor duvidoso. Por seu
lado, os empregadores não tinham confiança no nível de empregabilidade dos graduados
5 Padrão de jure: Padrões regulamentados por um órgão oficialmente reconhecido (N.T.).
Qualquer país que pretenda utilizar um QNQ para solucionar estes problemas terá que
ter em conta certos princípios e aspectos práticos, o mais importante dos quais é o im-
perativo de não tornar o sistema demasiado complexo. Por exemplo, na África do Sul, a
proliferação de acrónimos produzidos pelo sistema na fase inicial tornou-o praticamente
incompreensível, até mesmo para quem estava directamente envolvido na sua implemen-
tação.
Neste ponto, vamos analisar algumas das lições resultantes do envolvimento da GTZ/
GIZ no desenvolvimento de alguns sistemas, bem como da observação de outros sistemas.
Provavelmente, a melhor forma de resumir este ponto é através de uma imagem que foi
publicada no Mail and Guardian (31 de Agosto de 2012), representando o que aconteceu
no sistema da África do Sul.
•• deixar-se “engolir” por esta tendência, em vez de interagirem com ela e analisarem
como pode ser enquadrada nos sistemas existentes, ou seja, confiarem demasiado
nas ideias “importadas” ao invés de desenvolverem ideias próprias e, portanto, mais
adequadas;
•• ter muita clareza quanto aos objectivos pretendidos. Na maioria dos casos, isso
significa promover a transparência, comparação e progressão do sistema de E&F,
aumentar a ligação entre a comunidade empresarial e o sistema de E&F e dar
uma certa credibilidade às qualificações nacionais, a nível regional e internacional.
Frequentemente, também se pretende incentivar a aprendizagem ao longo da vida.
Estes são, de certo modo, os “valores a atingir”, devendo ser encarados de forma
diferente dos outros objectivos, mais específicos, destinados a garantir o funciona-
mento do QNQ;
•• o processo deve promover a valorização do ETFP e das qualificações técnicas. O
QQ deve ser visto como um subproduto que resulta, a longo prazo, de um processo
de reforma do ETFP - e não como o ponto de partida desse processo;
•• interligar o QNQ com outras reformas de políticas em áreas como:
•• o desenvolvimento de padrões de competências;
•• a colaboração com o sector industrial;
•• a formação baseada em competências; e
•• a garantia da qualidade da E&F;
•• não pretender abarcar a totalidade de uma só vez, mas antes criar três Quadros
parciais, que abranjam os três principais sectores da E&F – geral, profissional e
superior – e implementá-los a nível de todo o país. O processo deverá ser conduzido
gradualmente, em particular quando os recursos são escassos. O objectivo de longo
prazo deverá ser interligar os Quadros parciais, a fim de possibilitar a progressão
nas qualificações; porém, essa intenção de progressão não deve ser encarada como
generalizada, devendo pois os três Quadros parciais conter em si próprios incentivos
à qualificação. Segundo parece, deve manter-se a separação dos “três pilares”, mas
assegurar a sua interligação - o redesenho do Quadro sul-africano leva a crer que
essa tenha sido uma das lições aprendidas através da sua experiência;
•• ter em conta que a unitização, i.e., a decomposição de uma profissão num grande
número de pequenas unidades que podem ser avaliadas e certificadas separadamen-
te, não produz os resultados desejados; a este respeito, mais uma vez a experiência
da África do Sul é elucidativa. Contudo, no Uganda, constatou-se que um certo
grau de unitização favoreceu a aprendizagem ao longo da vida;
•• não se deve esperar uma implementação imediata. Com o tempo, as entidades pú-
blicas e privadas provedoras de qualificações acabarão por satisfazer os critérios do
Quadro para poderem obter financiamento público. Por outras palavras, a formação
que providenciam deverá levar a qualificações reconhecidas, a fim de incentivar a uti-
lização do QNQ. Se o valor do QNQ for reconhecido pelos seus utilizadores, haverá
concorrência entre os provedores de serviços para facultarem as competências adequa-
das, o que, por sua vez, deverá reduzir os custos para o erário público. Deste modo, o
sector público terá maior interesse em financiar investimentos no QNQ;
•• o QNQ deve ser baseado em competências, ou seja centrado em resultados de
aprendizagem, e incluir a descrição de competências. Na maioria dos países em
desenvolvimento - e sem dúvida naqueles em que a GTZ/GIZ tem trabalhado -
esta já é a base curricular para as competências profissionais e portanto não deverá
representar uma mudança radical para os provedores de formação; no entanto, eles
poderão necessitar de apoio para o desenvolvimento de currículos que correspon-
dam estritamente às competências;
•• estabelecer uma estrutura organizacional que inclua um fórum num nível minis-
terial relevante: um órgão mandatado para assumir a responsabilidade geral pelo
desenvolvimento e a implementação do QNQ, órgãos responsáveis pelo desenvol-
vimento e a implementação dos Quadros parciais e órgãos responsáveis pelo desen-
volvimento de padrões de competências, como parte da iniciativa para o estabeleci-
mento de políticas de normalização.
Por último, outro factor-chave de sucesso parece ser a questão da harmonização dos do-
adores. A implementação de um QQ é morosa e dispendiosa e o risco de estagnação (ou
fracasso) aquando da retirada dos doadores é elevado. Para o evitar, é necessário estabe-
lecer alianças (atempadamente) e proceder a uma divisão adequada das tarefas entre os
doadores, a fim de assegurar a existência de recursos suficientes, durante tempo suficiente,
para pôr o sistema em funcionamento e assegurar a sua sustentabilidade.