Quadro Nacional de Qualificações

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FormPRO

Uma contribuição para a gestão de conhecimento

QUADRO NACIONAL
DE QUALIFICAÇÕES
O que
a experiência
nos ensinou

FormPRO – Formação Profissional para o Mercado de Trabalho em Angola


Editor
FormPRO - Formação Profissional para o Mercado de Trabalho em Angola
Deutsche Gesellschaft für Internationale
Zusammenarbeit (GIZ) GmbH
GIZ-FormPRO
Rua Luther King 143/145
Luanda
Angola

Responsável: Edda Grunwald


Tradução: Ana Maria Teixeira Moreno

Photo: Ralf Bäcker, version-foto


Desenho Gráfico: Mariette Junk, WARENFORM

Luanda, Setembro de 2012

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ÍNDICE

FUNDAMENTAÇÃO LÓGICA................................................................. 5
RESUMO............................................................................................ 6
1 INTRODUÇÃO................................................................................ 8
2 O QUE É UM QUADRO NACIONAL DE QUALIFICAÇÕES?................... 11
3 EXPERIÊNCIAS REALIZADAS NA ÁFRICA AUSTRAL ........................ 14
a) África do Sul . ........................................................................ 14
b) Uganda ................................................................................. 16
c) Malawi .................................................................................. 16
4 LIÇÕES APRENDIDAS .................................................................. 18

ABREVIATURAS E ACRÓNIMOS......................................................... 22
BIBLIOGRAFIA.................................................................................. 23
FUNDAMENTAÇÃO LÓGICA
Aprender através dos resultados obtidos no âmbito de outras experiências é uma aposta do
projecto FormPRO, na medida em que acreditamos ser essa a essência da gestão do conheci-
mento e a base para uma reflexão conjunta sobre as questões actualmente relevantes.
Ao longo dos quase 30 anos da guerra civil terminada em 2002, Angola esteve à margem
dos desenvolvimentos ocorridos noutras regiões, situação agravada pelo facto de se encontrar
no meio do jogo de forças entre o Oriente e o Ocidente. Por outro lado, o facto de, em geral,
as reflexões em curso recorrerem apenas às fontes disponíveis em língua portuguesa consti-
tui uma desvantagem adicional, já que não têm em conta algumas discussões importantes
que decorrem em língua inglesa.
O FormPRO considera importante que os debates realizados em língua inglesa sejam
integrados nas discussões em curso e que as conclusões desses debates possam ser assimila-
das pela base de conhecimentos de expressão portuguesa. Por outro lado, acreditamos que
as actuais reflexões nos países de expressão portuguesa podem enriquecer os debates que
decorrem a nível internacional. Nesta perspectiva, elaborámos alguns documentos sobre a
presente temática em língua inglesa, que foram posteriormente traduzidos para Português.
Tal como é usual em contribuições desta natureza, o presente artigo baseia-se na reflexão a
nível institucional (da GTZ/GIZ), na experiência pessoal e na pesquisa online, não preten-
dendo ser exaustivo. Ele constitui o início de um debate aberto e um convite à inclusão da
experiência angolana nas análises internacionais. 

Por que razão escrever um artigo sobre o Quadro Nacional de Qualificações?


•• A aprovação, pela SADC (Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral),
da proposta de criação de um Quadro Regional de Qualificações que tenha em conta
os Quadros Nacionais de Qualificações dos Estados Membros veio impulsionar a ten-
dência para a adopção de um Quadro Nacional próprio nos países da África Austral.
Angola, que, como é do conhecimento geral, faz parte da SADC, também pretende
avançar rumo a um QNQ, pelo menos para o subsector da Formação Profissional.
•• Por incumbência do BMZ, a GIZ vem apoiando o Governo de Angola no sentido de
aumentar a relevância e a qualidade da Formação Profissional. A prestação desse apoio só
é possível durante um período de tempo limitado, não permitindo acompanhar os par-
ceiros angolanos ao longo de todo o seu percurso para a criação e implementação de um
QNQ; porém, pretende-se facilitar o acesso a uma plataforma de aprendizagem ao nível
das políticas de QNQ. Este breve artigo pretende constituir um passo nesse sentido.
Indubitavelmente, antes de embarcarem em sistemas complexos que são dispendiosos e não
produzem necessariamente os benefícios previstos, os países podem e devem analisar os
diversos aspectos associados à abordagem de um QNQ, procurando não criar expectativas
demasiado elevadas, que, provavelmente, acabarão por ser defraudadas. Embora num breve
artigo desta natureza não seja possível apontar soluções para todos os problemas, nem sequer
identificá-los todos, procuraremos destacar algumas das questões associadas aos QNQ,
contribuir para a compreensão da respectiva terminologia e ainda referir o que funcionou
e o que não funcionou em vários países em desenvolvimento. Ao contrário das detalhadas
análises sobre diversas tentativas de implementação de um QNQ, já realizadas no âmbito de
diversos relatórios de investigação, o presente artigo visa apresentar uma visão geral sucinta e
referir aspectos que são determinantes para a criação e o desenvolvimento de um QNQ.

Luanda, Setembro de 2012

Edda Grunwald
Directora do Programa Formação Profissional para o Mercado de Trabalho (FormPRO)

QUADRO NACIONAL DE QUALIFICAÇÕES 5


RESUMO
O estabelecimento de um Quadro Nacional de Qualificações (QNQ) tornou-se uma
megatendência nos países em desenvolvimento. No entanto, até à data, embora muito se
tenha já aprendido sobre o que funciona e o que não funciona, são poucos ou nulos os
êxitos dignos de registo.

A SADC aprovou a ideia de um Quadro Regional de Qualificações, impulsionando assim


a tendência para a criação de Quadros Nacionais na região da África Austral.

De uma maneira geral, a adopção de sistemas demasiado complexos tem-se revelado inefi-
caz, sendo preferível a aplicação do sistema em três subsistemas paralelos, nomeadamente,
no ensino médio, na educação profissional e no ensino universitário, articulados através
de pontos de qualificação específicos determinados com base em competências. Num
extremo deste continuum, encontra-se a Validação de Aprendizagens Anteriores (VAA),
que responde à necessidade de os mais pobres, marginalizados e desempregados se pode-
rem integrar na aprendizagem ao longo da vida e entrar no sistema do QNQ (igualdade);
no outro extremo, está a relevância das qualificações profissionais e académicas para as
necessidades da economia, que conduz a um aumento da competitividade a nível nacional
e internacional, e requer parcerias eficazes entre a comunidade empresarial e a Educação
& Formação (E&F).

Embora os QNQ não sejam uma poção mágica para resolver os problemas da Educação
que os países em desenvolvimento enfrentam, quando associados a uma governação insti-
tucional de qualidade, a um cálculo realista sobre o tempo necessário para a obtenção de
resultados eficazes e a uma boa compreensão da relação entre os princípios e a prática, os
QNQ podem ser úteis, constituindo uma mais-valia para a E&F dos países em desenvol-
vimento.

O que significa para nós um Quadro Nacional de Qualificações?


1. Nos países em desenvolvimento, existe actualmente uma forte tendência para avan-
çar rumo à criação de um Quadro Nacional de Qualificações como forma de tornar
a Educação e Formação (E&F) - no sentido mais lato da mesma1- mais relevantes
para as necessidades da economia e de possibilitar a transição de um tipo de qualifi-
cação para outro, ou seja, do ensino superior para o profissional, deste para o acadé-
mico e vice-versa. Neste contexto, a articulação da E&F com o mundo do trabalho
é realizada através de padrões profissionais. Este impulso tem sido tão poderoso que
se tornou conhecido como uma megatendência.
2. A Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) aprovou um
Quadro Regional de Qualificações que permitirá ao titular de qualificações pro-
fissionais de um país da SADC progredir na escala de qualificação noutro país da
SADC.
3. Apesar de vários anos de experimentação com o QNQ em países da África Austral
não terem produzido sucessos muito directos devido às dificuldades enfrentadas
na sua concepção e implementação, o QNQ mantém um grande potencial. Assim,

1 Incluindo a E&F formal, não-formal e informal.

6 QUADRO NACIONAL DE QUALIFICAÇÕES


caso os problemas surgidos possam ser ultrapassados, o QNQ permitirá fazer face
às dificuldades existentes no que toca à Validação de Aprendizagens Anteriores
(VAA), com o subsequente efeito positivo de criar oportunidades de aprendizagem
ao longo da vida para os pobres e marginalizados. Assim, caso a E&F se torne mais
relevante para responder às necessidades da economia, a competitividade dos mes-
mos no mercado global aumentará, através de uma maior mobilidade e flexibilidade
baseada na garantia da qualidade.
4. Este efeito foi já parcialmente alcançado através de um modo de prestação de
formação modular muito embora, por vezes, se tenha verificado uma desagregação
em unidades fragmentadas, as quais, agrupadas, não resultam necessariamente num
conjunto significativo de qualificações.
5. O QNQ assenta numa abordagem da Educação e Formação Baseada em Com-
petências, ou seja, em que a ênfase é colocada nos resultados de aprendizagem, ao
invés de se centrar nos inputs e na duração da aprendizagem. O importante é que
o candidato seja capaz de demonstrar que sabe fazer o trabalho. Este foco permite
aumentar a competitividade entre os provedores de serviços tornando-os, portanto,
mais económicos. O QNQ baseia-se num sistema de atribuição de créditos pelos
resultados de aprendizagem alcançados. Por “resultado de aprendizagem” entende-
se, essencialmente, uma capacidade desenvolvida no aprendente, que reflecte uma
integração de conhecimentos e aptidões que podem ser compreendidos, aplicados e
transferidos para diferentes contextos.
6. A chave para o sucesso de um QNQ é um sistema de avaliação que seja justo e
meça resultados alcançados em função de normas nacionais claramente definidas.
O processo de avaliação deve envolver todos os actores-chave e, particularmente, o
sector da indústria, já que a sua participação activa na determinação das necessida-
des e dos resultados é essencial.
7. Verificou-se que o sistema funciona melhor na área vocacional e profissional da
E&F do que no ensino superior e universitário.
8. A experiência obtida em países como a África do Sul demonstrou que um sistema
excessivamente complexo, que vise ser abrangente e inclusivo, terá, por vezes com
grandes custos, que ser simplificado e direccionado, requerendo particular esforço
no que toca ao segmento inferior da escala de qualificações.
9. Os países que conseguiram implementar com maior sucesso o QNQ foram os que
consideraram o desenvolvimento do Quadro de Qualificações como complementar
à melhoria da capacidade institucional, e não como um substituto desta, ou como
via para configurar as instituições. Aspectos como a governança - a inclusão dos
actores-chave relevantes - e a clareza no estabelecimento de objectivos realistas são
também decisivos para a obtenção de sucesso.
10. Aos financiadores, como actores-chave, cabe o papel de promover um desenvolvi-
mento endógeno do QNQ, por oposição à adopção de um sistema já em funciona-
mento num contexto e país diferentes, e, em conjunto, assegurar suficiente apoio
para o sistema, a fim de garantir a sua sustentabilidade a longo prazo.

QUADRO NACIONAL DE QUALIFICAÇÕES 7


1 INTRODUÇÃO
Impulsionada pela globalização, pelos mercados livres e pela migração laboral, a adopção
de um Quadro Nacional de Qualificações (QNQ) tem vindo a dominar o modo como
os países em desenvolvimento - e também os desenvolvidos - tentam estruturar os seus
sistemas de E&F e interligar, de forma sistémica, teórica e prática, a Educação e Forma-
ção com o mundo do trabalho. Porém, quem já trabalha na área do Ensino Técnico e
Formação Profissional (ETFP) nos países em desenvolvimento há longos anos não tem
qualquer dúvida quanto à necessidade de se proceder a um exame e a uma avaliação mais
aprofundados dos pontos fortes e fracos desta megatendência.

Segundo uma publicação da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2010), mais


de 100 países (116, para sermos exactos) estão já a implementar, ou em processo de elabo-
ração ou de análise, um QNQ2. Actualmente, prevalece a ideia de que uma “boa pres-
tação de ETFP” só é possível no âmbito de um Quadro de Qualificações. Para a maioria
dos países, a melhoria da relação entre os sistemas de E&F e os mercados de trabalho é
um objectivo crucial. Tendo sido o primeiro governo que reconheceu a incongruência
entre o seu sistema de Educação e Formação, por um lado, e as necessidades em termos de
mão-de-obra da comunidade empresarial e comercial, por outro, o Reino Unido foi o país
que deu os primeiros passos para a elaboração de Qualificações Profissionais Nacionais
(QPN).

Por seu lado, a GTZ/GIZ tem vindo a constatar com preocupação que algumas inovações
“anglo-saxónicas” não foram traduzidas da melhor forma para a situação dos países em
desenvolvimento (ver abaixo), identificando problemas como:
•• Falta de realismo:
Os Quadros são criados sob pressão de tempo, sujeitos a uma extensão de controle3
sobrecarregada e com uma avaliação deficiente dos custos que lhes estão associados.
Enquanto, por exemplo na Escócia, foram necessários 30 anos para desenvolver e
amadurecer um sistema adequado, no Nepal, os administradores acreditaram, erra-
damente, que seria possível criar um Quadro abrangente num lapso de seis meses.
•• Perfeccionismo e focalização no topo:
Alguns países receiam adoptar soluções parciais e optam por um Quadro totalmen-
te integrado, que inclui todos os níveis de qualificação até aos níveis académicos
mais elevados, concentrando por isso uma parte significativa dos esforços na criação
de articulações que só são relevantes para uma pequena minoria de aprendentes.
Este problema, surgido aquando do desenvolvimento do sistema na África do Sul,
tem como consequência a perda do foco nos níveis profissionais mais baixos, onde o
acesso, a inclusão e a equidade são problemas sociais prementes.
•• Importação-adopção-adaptação:
As competências para desenvolver padrões profissionais e instrumentos de avalia-
ção são elementos cruciais da capacidade de ETFP de cada país. O frequentemente
promovido “atalho” de usar o Quadro de outro país e, “rapidamente”, importar,
adoptar e adaptar as suas normas e instrumentos, pode facilmente resultar numa
falta de know-how, na falta de apropriação local e numa nova dependência perante o
país exportador.

2 Em 2012, a ETF (European Training Foundation) menciona 146 países.


3 N. da T.: span of control: razão entre supervisores e supervisionados.

8 QUADRO NACIONAL DE QUALIFICAÇÕES


•• Unitização:
A tendência para segmentar (senão fragmentar) competências em pequenas unida-
des coloca em risco os princípios da mobilidade profissional, da aprendizagem con-
textual e do desenvolvimento de metacompetências. A unitização, frequentemente
considerada um pré-requisito para a Validação de Aprendizagens Anteriores (VAA),
tem um preço elevado na área da formação pré-laboral. Este é exactamente um dos
aspectos que cria maior incompatibilidade com a abordagem de ETFP “alemã”, já
que esta preconiza o desenvolvimento e o reconhecimento de competences - em vez
de competencies através da E&F.
•• Avaliação:
Um Quadro que prevê a certificação de competences / competencies requer um siste-
ma de avaliação fiável e economicamente viável. Caso esta área esteja comprometi-
da, por exemplo devido ao subfinanciamento ou à existência de corrupção, todo o
sistema perde credibilidade, pondo o Quadro em causa. O know-how e a experiên-
cia do sistema alemão nesta área parecem garantir a acessibilidade, objectividade e
equidade, podendo pois ser utilizados para “corrigir” o que está errado em sistemas
já estabelecidos.

A Cooperação Técnica Alemã (GTZ) - agora integrada na Agência Alemã para a Co-
operação Internacional (GIZ) - tem vindo a apoiar fortemente o ETFP e a Educação e
Formação Baseada em Competências (EFBC)4 e, como tal, não pode deixar de analisar e
ponderar em que medida a megatendência de criação de QNQ pode potenciar ou prejudi-
car o trabalho que o Governo alemão vem promovendo nesta área, a nível mundial. Nesse
sentido, após várias reuniões e discussões, foi realizado um encontro decisivo em 2009
visando definir um posicionamento comum da GIZ quanto à abordagem dos QNQ.
Concretamente, analisou-se a forma como a GIZ deveria:
•• lidar de forma construtiva e apoiar a estruturação de Quadros emergentes;
•• desenhar Quadros já previstos e ajudar a desenvolvê-los, com vista à optimização
das soluções;
•• assegurar que os aspectos singulares do ETFP alemã sejam considerados no Quadro
dos parceiros.

Estas reflexões conduziram a uma tomada de posição preliminar por parte da cooperação
alemã no que concerne aos Quadros de Qualificações, no âmbito da cooperação para o
desenvolvimento do ETFP.

O debate inicial, ocorrido dez anos atrás, entre os profissionais alemães responsáveis pelo
desenho de programas e os que trabalham em projectos revelou a existência de três po-
sicionamentos diferentes, nomeadamente, “assimilação”, “rejeição” e “adaptação”. Entre-
tanto, num workshop recente (2009), os participantes concluíram que nem a EFBC nem
a megatendência dos QQ deveriam ser ignoradas, mas que, pelo contrário, a actuação
deveria visar:
•• desenvolver e implementar - nos países onde houver um mandato para o fazer -
uma abordagem elaborada pelo próprio país que evite as desvantagens, limitações
e armadilhas dos modelos anglo-saxónicos e que corresponda às necessidades e às
potencialidades dos parceiros;

4 O termo “competence” deve entender-se como um conceito holístico e não, ao contrário do que
acontece frequentemente quando se fala de “competencies”, ser reduzido apenas a aspectos
comportamentais.

QUADRO NACIONAL DE QUALIFICAÇÕES 9


•• sempre que for possível, estruturar ou interpretar de forma inteligente os QQ exis-
tentes ou emergentes, a fim de mitigar ou ultrapassar as desvantagens, limitações e
armadilhas herdadas dos modelos anglo-saxónicos;
•• desenvolver estratégias e instrumentos para intervenções úteis de ETFP nos países
onde existe um Quadro de Qualificações, cujos procedimentos e desenho, mesmo
sendo prejudiciais, não possam ser ignorados.

Sem dúvida que, antes de embarcarem em sistemas complexos que são dispendiosos e não
produzem necessariamente os benefícios previstos, os países podem e devem analisar os
diversos aspectos associados à abordagem de um QNQ, procurando não criar expectati-
vas demasiado elevadas, que, provavelmente, acabarão por ser defraudadas. Embora, num
breve artigo desta natureza, não seja possível apontar soluções para todos os problemas,
nem mesmo identificá-los todos, procuraremos destacar aqui algumas questões relacio-
nadas com os QNQ, contribuir para a compreensão da respectiva terminologia e ainda
referir o que funcionou e o que não funcionou nos vários países em desenvolvimento.
Ao contrário das detalhadas análises sobre diversas tentativas de implementação de um
QNQ, já realizadas no âmbito de diversos relatórios de investigação, o presente artigo visa
apresentar uma visão geral sucinta e referir aspectos que são determinantes para a criação
e o desenvolvimento de um QNQ.

10 QUADRO NACIONAL DE QUALIFICAÇÕES


2 O QUE É UM QUADRO NACIONAL
DE QUALIFICAÇÕES?
O QNQ tem sido descrito como um instrumento para a classificação de qualificações, as
quais estão incorporadas em diferentes níveis do QNQ, de acordo com um conjunto de
critérios relativos à aprendizagem realizada.

Os aspectos essenciais a considerar no desenho e na estruturação de um QNQ são os


seguintes:
•• delinear o propósito global do QNQ, definindo os seus objectivos e benefícios;
•• ancorar o QNQ num programa de reforma (interligando-o com outras reformas
das políticas educativas);
•• clarificar a abrangência do QNQ quanto aos sectores de E&F;
•• clarificar o modo de implementação do QNQ: de forma voluntária, incentivada ou
por regulamentação;
•• basear a qualificação em resultados de aprendizagem, i.e., basear o QNQ em com-
petências;
•• definir o modo de envolvimento dos parceiros sociais (vínculos entre empregadores
e trabalhadores);
•• definir um enquadramento que assegure a garantia da qualidade do QNQ;
•• definir a estrutura organizacional do QNQ.
•• Traduzido em termos práticos, isto significa que um QNQ:
•• interliga a E&F e o mundo do trabalho através de padrões profissionais;
•• cria apropriação no sector empresarial;
•• providencia transparência para avaliar a competência da mão-de-obra (o facto de a
GTZ - agora GIZ - sempre ter apoiado o sistema de testes de aptidão profissional
para assegurar uma correspondência adequada com a Educação e Formação Basea-
da em Competências confere-lhe uma vantagem nesta área);
•• tem que prestar formação de forma flexível, com uma abordagem centrada nos
resultados da aprendizagem;
•• deve utilizar o currículo como instrumento para controlar o processo e para a ges-
tão da aprendizagem;
•• deve abrir a certificação profissional a todos (incluindo a Validação de Aprendiza-
gens Anteriores (VAA); porém, poderá acontecer que “a certificação baseada em
unidades” “inunde” o mercado de trabalho sem, no entanto, criar qualificações de
qualquer tipo, por concentrar a aprendizagem em competências definidas de forma
excessivamente restrita; para o evitar, é necessário contrariar essa tendência);
•• deve, acima de tudo, criar limiares de entrada mais baixos (mais uma vez, integran-
do a VAA no sistema);
•• assegura que, em vez de elementos de base isolados, se constituem conjuntos coeren-
tes que, no seu todo, formam um ponto de ingresso satisfatório para uma profissão;
•• assegura uma mobilidade no sentido vertical e horizontal que representa uma mais-
valia do certificado de competência, permitindo ao seu titular mover-se de uma área
do sistema de qualificações para outra; e
•• assegura o funcionamento do “sistema” através do envolvimento participativo dos
actores-chave - um aspecto que também constitui um ponto forte da GTZ/GIZ.

QUADRO NACIONAL DE QUALIFICAÇÕES 11


O QNQ baseia-se num sistema de créditos pela aquisição de resultados de aprendizagem.
Um resultado de aprendizagem é, essencialmente, a capacidade desenvolvida no apren-
dente que reflecte uma integração de conhecimentos e aptidões passível de ser compreen-
dida, aplicada e transferida para diferentes contextos.

Num sistema deste tipo, a obtenção de uma qualificação não depende da frequência de
cursos específicos, mas sim da acumulação de créditos pelo aprendente, num conjunto
estabelecido de resultados de aprendizagem que pode ter lugar no âmbito de uma apren-
dizagem a tempo inteiro, a tempo parcial ou à distância, no local de trabalho ou ainda
através de uma combinação entre estas modalidades, juntamente com a avaliação das
aprendizagens anteriores.

O QNQ é concebido para:


•• introduzir um sistema de avaliação justo que permita aferir os resultados alcançados
em função de normas nacionais claramente definidas;
•• estabelecer um sistema dinâmico e flexível capaz de se adaptar rapidamente a novas
evoluções no mercado de trabalho, no local de trabalho e na E&F;
•• encorajar mais pessoas a participarem na E&F de nível médio;
•• desenvolver uma aprendizagem que seja relevante e responda às necessidades dos
indivíduos, da economia e da sociedade;
•• promover o acesso à aprendizagem;
•• proporcionar uma diversidade de vias de acesso para as qualificações; e
•• viabilizar a garantia da qualidade a nível nacional.

Por outras palavras, os objectivos dos QNQ são:


•• igualdade: aumentar o acesso ao ETFP e a inclusão no sistema de E&F;
•• competitividade: competências mais relevantes para melhor emprego e rendimento;
•• crescimento: maior mobilidade e flexibilidade no mercado de trabalho e na E&F de
nível médio.

A GTZ/GIZ tem vindo a apoiar o desenvolvimento de algumas metodologias que podem


ser consideradas como forças motrizes da abordagem do QNQ, como, por exemplo, o
processo DACUM (Desenvolvimento de um Currículo), utilizado há vários anos a nível
mundial para a análise de profissões nas mais diversas áreas. Este método, utilizado sobre-
tudo para a actualização de programas e procedimentos de avaliação da E&F, é original
na medida em que envolve trabalhadores especialistas na definição de perfis profissionais e
no desenvolvimento curricular, evitando assim que o currículo seja elaborado apenas por
instrutores, professores universitários ou gestores da formação. Ao envolver os trabalha-
dores especialistas, o DACUM reduz o fosso entre o que normalmente é ensinado num
contexto de sala de aula e o know-how indispensável para alcançar a excelência no local
de trabalho. Naturalmente, a definição dos perfis profissionais requer o contributo de
peritos internacionais para possibilitar a antecipação de tendências futuras. Em geral, um
currículo elaborado através do método DACUM estabelece os objectivos e os conteúdos
da aprendizagem, a organização da aprendizagem (duração, sequenciação), os métodos e o
local da aprendizagem, os media e os materiais pedagógicos a utilizar, a avaliação (exa-
mes) e a certificação da aprendizagem. Estes elementos mantêm a sua validade, mesmo
no contexto de um sistema de QNQ. Com efeito, a existência destas referências permite
contornar alguns dos problemas inerentes à abordagem do QNQ, como, por exemplo, a
tendência para dividir a aprendizagem em pequenas unidades centradas em passos práti-

12 QUADRO NACIONAL DE QUALIFICAÇÕES


cos muito limitados que não promovem a metacompetência nas capacidades de execução
das tarefas, como sejam as capacidades de gestão das tarefas, capacidades de resposta a
contingências e capacidades em matéria ambiental.

A grande questão que se coloca à GTZ/GIZ é como contribuir para o debate sobre os
QNQ de forma a promover o Desenvolvimento das Competências Técnicas e Profissio-
nais (DCTP) utilizando os QNQ existentes, estruturando os QNQ emergentes e apoian-
do a concepção de futuros QNQ.

O que pretendemos dizer é que, embora não seja uma forma totalmente nova de colocar
a questão, o QNQ representa um passo em frente no sentido de possibilitar a mobilidade
dos estudantes, aprendizes ou aprendentes, não só a nível nacional, mas também regional.
O objectivo visado é estabelecer um sistema de certificação transparente que crie acesso a
E&F e a emprego.

Por outro lado, a existência de um Quadro deverá conduzir ao aumento da concorrência


entre as entidades prestadoras de E&F - em torno do alcance dos mesmos resultados espe-
cíficos, avaliados da mesma forma -, e, portanto, a uma redução dos custos. Isso significa
que, embora o ensino possa ser individualizado e o tempo necessário para a aquisição das
competências possa variar, o domínio do que foi aprendido será sempre avaliado da mes-
ma forma, através do resultado demonstrado pelo estudante, aprendiz ou aprendente.

Todavia, o desenvolvimento de um QNQ, por si só, não permite alcançar os benefícios


que é suposto produzir. Para que isso aconteça, terá necessariamente que estar associado
a políticas destinadas a melhorar o entrosamento com a comunidade empresarial, ao
desenvolvimento de normas e a mecanismos de garantia de qualidade. Um dos aspectos
negativos inerentes a um QNQ é o facto de poder tornar-se extremamente complexo; com
efeito, muito do trabalho realizado em vários países nos últimos dez anos consistiu em
simplificar o sistema de QNQ existente, a fim de o tornar mais fácil para os utilizadores.

Não há dois QNQ que sejam absolutamente iguais e cada QNQ é desenvolvido num
contexto socioeconómico, político e histórico específico. Assim sendo, o grande desafio é
expressar os valores e princípios essenciais da forma mais simples possível para atingir os
objectivos estabelecidos.

QUADRO NACIONAL DE QUALIFICAÇÕES 13


3 EXPERIÊNCIAS REALIZADAS
NA ÁFRICA AUSTRAL
O facto de, mais de 100 países a nível mundial, já terem estabelecido, estarem a desenvol-
ver e implementar, a planear e/ou desenhar ou, pelo menos, a estudar a possibilidade de
adopção de um QNQ mostra, sem qualquer dúvida, que se trata de uma megatendência.
Como tal, os países em desenvolvimento não podem deixar de a ter em conta; porém,
as experiências em que inicialmente se optou por uma complexidade desnecessária (ver
exemplo da África do Sul, em baixo), com a posterior necessidade de transição para prin-
cípios mais básicos e simples, demonstram que a sua implementação deverá ser analisada e
realizada com a maior precaução.

Os países membros da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC)


avançaram na introdução de um QNQ ao nível da África subsaariana, tendo nomeada-
mente a África do Sul, o Malawi e o Uganda já concebido e, em parte, implementado
um QNQ. O conceito de um Quadro Regional de Qualificações (QRQ) aprovado pela
SADC incluirá:
•• Directrizes em matéria de garantia da qualidade, estabelecendo normas mínimas de
garantia da qualidade na região da SADC; e
•• um Portal de Qualificações da SADC que irá conter as qualificações obtidas a
tempo inteiro e parcial formalmente reconhecidas nos Estados Membros da SADC.
O QRQ da SADC deverá contribuir para o desenvolvimento de um Quadro de
Qualificações a nível continental, visando o reconhecimento mútuo de diplomas e
qualificações que também contemple o ensino superior.

a) África do Sul
A África do Sul foi um dos primeiros países a introduzir um QNQ na fase de pós-
libertação, tendo optado por um dos mais complicados sistemas e caído em algumas das
armadilhas anteriormente referidas. Assim sendo, faz todo o sentido analisarmos o que
não funcionou e observar de que maneira se está a encaminhar para algo que poderá vir a
ser “o adequado”.

Entre os actores envolvidos na “experiência” da África do Sul, existe um amplo consenso


sobre as seguintes “lições aprendidas” ao longo dos anos:
•• compreensão das limitações: um QNQ não é uma panaceia para todos os proble-
mas existentes no sistema de E&F de um país;
•• deve-se evitar ser excessivamente burocrático e tecnicista;
•• a participação activa das partes interessadas e dos actores-chave é um requisito
essencial para a criação de relações que facilitem o trabalho em redes de coope-
ração, permitindo a concertação ao nível das percepções, dos significados e das
estratégias;
•• a comunicação e a advocacia são essenciais para informar a opinião pública sobre
o valor acrescentado que o sistema oferece. A concentração nas actividades opera-
cionais mais visíveis em detrimento da obtenção do aval público quanto ao valor
do sistema pode comprometer a eficácia do mesmo (e quanto mais complexo for o
sistema, mais difícil é obter o aval público necessário);

14 QUADRO NACIONAL DE QUALIFICAÇÕES


•• é necessário estabelecer um diálogo construtivo com os parceiros para assegurar a
existência de um ambiente que incentive a aprendizagem ao longo da vida e propi-
cie uma aprendizagem de qualidade e qualificações credíveis;
•• o envolvimento directo dos organismos profissionais foi uma componente primor-
dial do sistema sul-africano;
•• a inclusão da aprendizagem não-formal e informal num QNQ constitui um de-
safio, mas é, simultaneamente, um elemento fundamental da razão de ser de um
QNQ. Em última análise, os níveis de topo, sobretudo aqueles em que o sistema
abrange o âmbito académico, não são de longe tão essenciais como os níveis infe-
riores, que mediante a Validação de Aprendizagens Anteriores (VAA) através de
qualificações não-formais e informais, permitem passar para os níveis formalmente
reconhecidos e que podem, através do QNQ, conduzir a múltiplas vias de qualifica-
ção, possibilitando, inclusive, opções académicas. Em vários casos, constatou-se que
a ênfase colocada na forma como os percursos académicos podem ser “encaixados”
no sistema acabou por desviar a atenção dos níveis mais baixos tão carenciados,
onde se encontra a vasta maioria de jovens desempregados e onde se enfrenta direc-
tamente a realidade da pobreza e a necessidade de a superar;
•• na África do Sul, a passagem para organismos nacionais de normalização (para a
criação e o estabelecimento de normas) revelou-se demasiado difícil devido à falta
de capacidade da South African Qualifications Authority (SAQA, Autoridade de
Qualificações da África do Sul) para gerir eficazmente estes organismos. Os sectores
tradicionais ressentiram-se do facto de terem que submeter as suas qualificações
a um maior controle por parte de outros sectores que consideravam menos espe-
cializados no seu sector. A acreditação de órgãos estatutários já existentes e recém-
formados como organismos de garantia da qualidade da E&F, com autoridade para
garantir a qualidade das instituições e dos provedores de E&F, revelou ser uma
questão conflituosa. Por fim, acabaram por ser aceites três Conselhos de Qualidade,
exercendo simultaneamente as funções de normalização e de garantia da qualidade,
em cada um dos respectivos sectores. No contexto deste novo enquadramento, estão
agora a ser ajustadas abordagens específicas para cada sector, incluindo a preferência
pela abordagem centrada no currículo por parte dos sectores da escolaridade e do
ensino superior universitário. Nos sectores mais básicos, a ideia da aferição de resul-
tados prevaleceu em detrimento da medição de inputs e do período de frequência
necessário. Assim, existe agora um Quadro em rede (por oposição a uma aborda-
gem integrada) formado por três Conselhos de Qualidade, com sistemas separados
mas com estruturas comuns de modo a permitir a transferibilidade (qualificações
universitárias, qualificações gerais e do ensino médio e qualificações profissionais).
Pelo menos teoricamente, existe uma estrutura de governação interligada, no âmbi-
to da qual todas as actividades desenvolvidas visam a orientação, a condução/direc-
ção, o controle e a gestão das instituições, dos subsectores e dos processos associados
ao QNQ. Isso inclui a legislação, o papel das agências implementadoras e o finan-
ciamento, bem como o equilíbrio das necessidades e dos interesses potencialmente
contraditórios dos diferentes actores-chave. Foi também estabelecido um Conselho
da Qualidade para Ofícios e Profissões com o intuito de facilitar a transição de um
subsistema para outro;
•• de uma forma geral, o direccionamento da África do Sul para o QNQ é visto pelos
envolvidos como um passo positivo à luz da megatendência e da mobilidade por ele
proporcionada a nível nacional, regional e internacional. O Quadro está ainda em
fase de desenvolvimento e, segundo propõe o actual Livro Verde, não deverá ser im-

QUADRO NACIONAL DE QUALIFICAÇÕES 15


posta aos provedores a utilização de unidades padronizadas, mas antes assegurada
a avaliação centralizada. A tónica é colocada na criação de uma relação clara entre
as principais qualificações nacionais - ou, por outras palavras, na definição de “que
qualificação pode conduzir a que outra qualificação”. Caso as mudanças propostas
no Livro Verde forem aceites, as organizações de base comunitária poderão mais
facilmente desenvolver programas relevantes, designadamente programas de forma-
ção para jovens. O Livro Verde propõe ainda uma expansão substancial do ensino
médio e de Institutos de Formação e a criação de novas instituições para a educação
de adultos, o que, a acontecer, iria aumentar substancialmente as opções educativas
disponíveis para os jovens fora da escola e para os desempregados. Este aumento,
a par de um “aligeiramento” das complicadas especificações do modelo de qualifi-
cações e de garantia da qualidade, particularmente as que se referem às profissões,
contribuirá para a melhoria do modelo.

b) Uganda
A introdução do sistema tipo QNQ no Uganda foi posterior, tendo sido precipitada pela
necessidade de dar resposta a questões prementes, tais como a falta de relevância para o
emprego dos cursos de Educação e Formação profissional existentes - com o subjacente
efeito nocivo para a produtividade das indústrias e das empresas - e a urgência de propor-
cionar acesso a qualificações profissionais e a emprego aos mais de 800 000 jovens que,
anualmente, abandonam a escola. Além disso, existia a expectativa de poder reduzir os
custos da formação suportados pelo Governo, através da introdução da formação modular
e do estímulo à formação no local de trabalho no sector privado.

No Uganda, o foco do sistema está centrado num Quadro de Qualificações Profissionais


puramente subsectorial, o qual deverá integrar quatro níveis de qualificação, concebi-
dos para se iniciar num nível de entrada e progredir até ao quarto nível, conferindo este
um Diploma Nacional que habilita para aceder às qualificações do subsector do ensino
superior. Os padrões baseados em competências, sob a forma de pacotes de avaliação e
formação, pretendem ser padrões de jure5. Embora esta modalidade tenha um impacto
na prestação de formação, o sistema não tem que suportar o enorme peso dos sistemas
de provisão iniciais da África do Sul. Devido ao facto de a introdução do sistema ter sido
bastante lenta, o antigo sistema de testes de aptidão profissional foi interligado com o
novo sistema. A análise de funções através do método DACUM é utilizada para desen-
volver, com o envolvimento de trabalhadores especialistas da comunidade empresarial,
padrões profissionais baseados em competências. A avaliação também envolve profissio-
nais especializados, nomeadamente trabalhadores e instrutores do sector industrial. Está
ainda prevista a avaliação das Aprendizagens Anteriores.

c) Malawi
Durante muitos anos, o sector do Ensino Técnico e Formação Profissional e Empresarial
(ETFPE) do Malawi operou sem um instrumento próprio para a regulamentação e har-
monização das qualificações profissionais, dependendo excessivamente de entidades exa-
minadoras externas. Posteriormente, foi introduzido um Quadro de Qualificações para o
ETFPE (QQETFPE). Porém, continuou a aumentar no mercado de trabalho o número
de certificados duvidosos, com problemas de credibilidade e de valor duvidoso. Por seu
lado, os empregadores não tinham confiança no nível de empregabilidade dos graduados
5 Padrão de jure: Padrões regulamentados por um órgão oficialmente reconhecido (N.T.).

16 QUADRO NACIONAL DE QUALIFICAÇÕES


de ETFPE por estes não demonstrarem o nível de empregabilidade esperado pela comuni-
dade empresarial. Em 1999, foi estabelecida a Autoridade para o ETFPE como organismo
regulamentador e coordenador de todas as entidades formadoras para facilitar e promover
o Ensino Técnico e a Formação Profissional e Empresarial. A intenção deste organismo
foi reformar o subsector de ETFPE no sentido de deixar de ser um sistema orientado para
a oferta e passar a orientar-se para a procura. Para possibilitar esta transformação, foi
introduzida uma abordagem modular baseada em competências, bem como o QQETFP;
contudo, há ainda muitas questões por solucionar em termos de governança do sistema
ETFPE, no que se refere às funções, responsabilidades e linhas de comunicação.

Tal como na África do Sul, no Malawi a governação passou do Ministério do Trabalho


para o Ministério da Educação, o que tem a vantagem de consolidar todos os sectores
educativos, criando oportunidades para uma abordagem integrada da governação do
sector da Educação no seu todo e para o desenvolvimento de políticas educativas e de
aprendizagem ao longo da vida coerentes. Embora se tenham feito progressos no que toca
ao envolvimento da comunidade empresarial, este envolvimento ainda não está ancorado
de forma sistémica nos mecanismos de governação. Muitos actores-chave, em particular
os pertencentes à comunidade empresarial, estão preocupados com o facto de as limita-
ções dos mecanismos de governação do ETFPE existentes terem conduzido a uma fraca
execução das políticas, dando origem a atrasos, regulamentação excessiva e ineficiência
nas despesas. Embora as deficiências ao nível da governação não tenham permitido uma
harmonização da certificação, o nível 4 do QQETFP equivale ao Diploma, habilitando
para o acesso ao subsector do ensino superior; no entanto, esta possibilidade continua a
gerar controvérsia com o ensino superior. Por outro lado, no outro extremo do debate so-
bre a qualificação de entrada, a Validação de Aprendizagens Anteriores (VAA) ainda não
foi completamente implementada.

A grande maioria da formação realiza-se através de aprendizagens no sector informal,


à margem do sistema formal de ETFPE. A qualificação inadequada dos professores,
workshops sem qualidade, baixas taxas de transição e um desajuste entre a oferta e a
procura são apenas alguns dos sintomas das lacunas existentes ao nível da execução das
políticas. Componentes centrais tais como o QQETFP, padrões baseados em compe-
tências e o crescente envolvimento da comunidade empresarial poderão desencadear um
processo de inovação sustentável do sistema de ETFPE no Malawi, por forma a assegurar
que a oferta de ETFPE corresponda tanto às necessidades dos empregadores como às dos
desempregados.

QUADRO NACIONAL DE QUALIFICAÇÕES 17


4 LIÇÕES APRENDIDAS
Tendo em conta que outros países, especialmente da África Austral, pretendem seguir a
megatendência de adopção de um QNQ, é importante reconhecer que, por si só, as boas
intenções e a vontade de dar resposta aos problemas decorrentes de sistemas inadequados
de E&F, ao grave fosso existente entre a oferta e a demanda e às necessidades específicas,
tanto de empregadores como de trabalhadores e desempregados, não são suficientes para o
sucesso de um QNQ.

Qualquer país que pretenda utilizar um QNQ para solucionar estes problemas terá que
ter em conta certos princípios e aspectos práticos, o mais importante dos quais é o im-
perativo de não tornar o sistema demasiado complexo. Por exemplo, na África do Sul, a
proliferação de acrónimos produzidos pelo sistema na fase inicial tornou-o praticamente
incompreensível, até mesmo para quem estava directamente envolvido na sua implemen-
tação.

Neste ponto, vamos analisar algumas das lições resultantes do envolvimento da GTZ/
GIZ no desenvolvimento de alguns sistemas, bem como da observação de outros sistemas.
Provavelmente, a melhor forma de resumir este ponto é através de uma imagem que foi
publicada no Mail and Guardian (31 de Agosto de 2012), representando o que aconteceu
no sistema da África do Sul.

Segundo parece, quando iniciam o processo destinado a acompanhar a megatendência


dos QNQ, os países em desenvolvimento tendem a incorrer numa série de erros, entre os
quais se incluem:

•• deixar-se “engolir” por esta tendência, em vez de interagirem com ela e analisarem
como pode ser enquadrada nos sistemas existentes, ou seja, confiarem demasiado
nas ideias “importadas” ao invés de desenvolverem ideias próprias e, portanto, mais
adequadas;

18 QUADRO NACIONAL DE QUALIFICAÇÕES


•• embarcar em concepções complexas e não nas mais simples, optar pelas compli-
cadas e não pelas mais leves. Tentar abarcar a totalidade, em vez de reconhecer as
necessidades básicas;
•• perder-se numa unitização excessiva e desnecessária, que acaba por ser redutora
em vez de ser abrangente. A tendência para a segmentação (ou até mesmo frag-
mentação) das competências em pequenas unidades põe em risco os princípios da
mobilidade profissional, da aprendizagem contextualizada e do desenvolvimento de
metacompetências;
•• falta de co-determinação por parte da comunidade empresarial;
•• insuficiente avaliação. A avaliação é um elemento-chave do ETFP, devendo sê-lo
também do QNQ;
•• colocar a ênfase no segmento superior das qualificações, ao invés de a colocarem
no segmento inferior, bloqueando a Validação de Aprendizagens Anteriores (VAA)
e, consequentemente, impedindo que o sistema abranja os pobres, em relação aos
quais é suposto ter o maior impacto. Assim, ficam para trás os níveis profissionais
mais baixos e o domínio do pré-emprego - em que a excessiva unitização obstrui a
empregabilidade dos aprendentes -, sendo aí que o acesso, a inclusão e a igualdade
são os problemas mais prementes;
•• a criação dos Quadros está sujeita a grande pressão de tempo, dando pouca oportu-
nidade a que o sistema evolua e amadureça dentro do seu próprio contexto;
•• até à data, o sistema não tem correspondido a todas as expectativas;
•• o isolamento do Quadro Nacional de Qualificações Profissionais constitui um
sério problema; de facto, um QNQ tem que estar articulado com a oferta de ETFP
existente, integrado nas necessidades da economia e assentar numa base de valores
que dê resposta aos problemas mais prementes dos países em desenvolvimento,
nomeadamente a desigualdade, a pobreza e o desemprego. Para isso, o sistema tem
que atender às necessidades do sector informal;
•• frequentemente, nos QNQ ignora-se que, para melhorar as qualificações, é indis-
pensável formar os provedores de serviços. Os especialistas de ETFP (multiplica-
dores) necessitam de formação em métodos de desenvolvimento de normas para
o ETFP, tendo em vista contribuir para melhorar a permeabilidade horizontal e
vertical dos sistemas nacionais de ETFP, ou seja, contribuir para uma melhor arti-
culação;
•• não existe suficiente diálogo nem entrosamento em redes de cooperação entre os
intervenientes, actores-chave e decisores dos ministérios responsáveis, representan-
tes dos parceiros sociais a nível nacional, bem como, no caso de um QQ regional,
representantes de outros países envolvidos. Neste âmbito, deveriam ser discutidas as
estratégias para o desenvolvimento de Quadros Nacionais de Qualificação baseados
em padrões estabelecidos, o seu ajustamento a nível regional, a comparabilidade e a
Validação de Aprendizagens Anteriores (VAA).

Será então aconselhável que um país em desenvolvimento siga a megaten-


dência dos QNQ?
Será difícil evitá-lo, particularmente tratando-se dos países membros da SADC, a qual já
acordou a adopção de um QRQ. Como pode então um país aprender com as experiências
dos outros, evitando cometer os mesmo erros, e introduzir o conceito de um QNQ de
uma forma tão harmoniosa e produtiva quanto possível?

QUADRO NACIONAL DE QUALIFICAÇÕES 19


Para tal, sugerimos o seguinte:

•• ter muita clareza quanto aos objectivos pretendidos. Na maioria dos casos, isso
significa promover a transparência, comparação e progressão do sistema de E&F,
aumentar a ligação entre a comunidade empresarial e o sistema de E&F e dar
uma certa credibilidade às qualificações nacionais, a nível regional e internacional.
Frequentemente, também se pretende incentivar a aprendizagem ao longo da vida.
Estes são, de certo modo, os “valores a atingir”, devendo ser encarados de forma
diferente dos outros objectivos, mais específicos, destinados a garantir o funciona-
mento do QNQ;
•• o processo deve promover a valorização do ETFP e das qualificações técnicas. O
QQ deve ser visto como um subproduto que resulta, a longo prazo, de um processo
de reforma do ETFP - e não como o ponto de partida desse processo;
•• interligar o QNQ com outras reformas de políticas em áreas como:
•• o desenvolvimento de padrões de competências;
•• a colaboração com o sector industrial;
•• a formação baseada em competências; e
•• a garantia da qualidade da E&F;

•• não pretender abarcar a totalidade de uma só vez, mas antes criar três Quadros
parciais, que abranjam os três principais sectores da E&F – geral, profissional e
superior – e implementá-los a nível de todo o país. O processo deverá ser conduzido
gradualmente, em particular quando os recursos são escassos. O objectivo de longo
prazo deverá ser interligar os Quadros parciais, a fim de possibilitar a progressão
nas qualificações; porém, essa intenção de progressão não deve ser encarada como
generalizada, devendo pois os três Quadros parciais conter em si próprios incentivos
à qualificação. Segundo parece, deve manter-se a separação dos “três pilares”, mas
assegurar a sua interligação - o redesenho do Quadro sul-africano leva a crer que
essa tenha sido uma das lições aprendidas através da sua experiência;
•• ter em conta que a unitização, i.e., a decomposição de uma profissão num grande
número de pequenas unidades que podem ser avaliadas e certificadas separadamen-
te, não produz os resultados desejados; a este respeito, mais uma vez a experiência
da África do Sul é elucidativa. Contudo, no Uganda, constatou-se que um certo
grau de unitização favoreceu a aprendizagem ao longo da vida;
•• não se deve esperar uma implementação imediata. Com o tempo, as entidades pú-
blicas e privadas provedoras de qualificações acabarão por satisfazer os critérios do
Quadro para poderem obter financiamento público. Por outras palavras, a formação
que providenciam deverá levar a qualificações reconhecidas, a fim de incentivar a uti-
lização do QNQ. Se o valor do QNQ for reconhecido pelos seus utilizadores, haverá
concorrência entre os provedores de serviços para facultarem as competências adequa-
das, o que, por sua vez, deverá reduzir os custos para o erário público. Deste modo, o
sector público terá maior interesse em financiar investimentos no QNQ;
•• o QNQ deve ser baseado em competências, ou seja centrado em resultados de
aprendizagem, e incluir a descrição de competências. Na maioria dos países em
desenvolvimento - e sem dúvida naqueles em que a GTZ/GIZ tem trabalhado -
esta já é a base curricular para as competências profissionais e portanto não deverá
representar uma mudança radical para os provedores de formação; no entanto, eles
poderão necessitar de apoio para o desenvolvimento de currículos que correspon-
dam estritamente às competências;

20 QUADRO NACIONAL DE QUALIFICAÇÕES


•• envolver logo que possível e de forma inclusiva e adequada os parceiros sociais,
empregadores e trabalhadores no desenvolvimento do QNQ, a fim de os tornar ver-
dadeiros parceiros na tomada de decisões. O sucesso de um QQ depende do papel
assumido pela comunidade empresarial; assim, caso a comunidade empresarial seja
débil ou não esteja activamente envolvida, o mais provável é que o QQ profissional
seja ignorado;
•• repartir a responsabilidade pela garantia da qualidade entre as estruturas do QNQ,
os empregadores e os trabalhadores e incluir:
•• a descrição dos resultados de aprendizagem das qualificações
•• a garantia da qualidade dos resultados de aprendizagem e do desenvolvimento
das qualificações
•• a garantia da qualidade do próprio QNQ, i.e., a acreditação do enquadramento
das qualificações nos respectivos níveis do Quadro.

•• estabelecer uma estrutura organizacional que inclua um fórum num nível minis-
terial relevante: um órgão mandatado para assumir a responsabilidade geral pelo
desenvolvimento e a implementação do QNQ, órgãos responsáveis pelo desenvol-
vimento e a implementação dos Quadros parciais e órgãos responsáveis pelo desen-
volvimento de padrões de competências, como parte da iniciativa para o estabeleci-
mento de políticas de normalização.

Em 2010, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) levou a cabo um amplo estudo


sobre países que utilizam um QNQ que, embora não aponte para nenhum sucesso consi-
derável, afirma que, segundo os resultados da pesquisa, nos países em desenvolvimento é
necessária uma ponderação séria sobre as prioridades e a sequenciação das políticas.

Os QNQ não são instrumentos “mágicos” de reforma. Os países em que a implementa-


ção de um QNQ foi mais bem sucedida foram os que abordaram o desenvolvimento do
Quadro como um processo complementar à melhoria da capacidade institucional e não
o utilizaram em substituição desta nem como forma de reestruturar as instituições. “Por
outras palavras, parece ser mais provável que um QNQ tenha sucesso se os resultados
da formação forem vistos na sua relação com os inputs e se ambos forem alvo de atenção
política.”

Por último, outro factor-chave de sucesso parece ser a questão da harmonização dos do-
adores. A implementação de um QQ é morosa e dispendiosa e o risco de estagnação (ou
fracasso) aquando da retirada dos doadores é elevado. Para o evitar, é necessário estabe-
lecer alianças (atempadamente) e proceder a uma divisão adequada das tarefas entre os
doadores, a fim de assegurar a existência de recursos suficientes, durante tempo suficiente,
para pôr o sistema em funcionamento e assegurar a sua sustentabilidade.

QUADRO NACIONAL DE QUALIFICAÇÕES 21


ABREVIATURAS E ACRÓNIMOS
Bundesministerium für wirtschaftliche Zusammenarbeit und Entwicklung
BMZ (Ministério Federal Alemão para a Cooperação Económica e o Desen-
volvimento)
DACUM Develop A Curriculum (Desenvolvimento de um Currículo)
DCTP Desenvolvimento das Competências Técnicas e Profissionais
E&F Educação e Formação
EFBC Educação e Formação Baseada em Competências
ETFP Ensino Técnico e Formação Profissional
ETFPE Ensino Técnico e Formação Profissional e Empresarial
FP Formação Profissional
GIZ Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit
Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit (Cooperação Técnica
GTZ
Alemã)
OIT Organização Internacional do Trabalho
QNQ Quadro Nacional de Qualificações
QNQP Quadro Nacional de Qualificações Profissionais
QPN Qualificações Profissionais Nacionais
QQ Quadro de Qualificações
QQFP Quadro de Qualificações da Formação Profissional
QRQ Quadro Regional de Qualificações
QQETFPE Quadro de Qualificações do ETFPE
VAA Validação de Aprendizagens Anteriores
Southern African Development Commission (Comunidade para o Desen-
SADC
volvimento da África Austral)
South African Qualifications Authority (Autoridade de Qualificações da
SAQA
África do Sul)
TEVET Authority (Autoridade para o Ensino Técnico e Formação Profis-
TEVETA
sional e Empresarial)

22 QUADRO NACIONAL DE QUALIFICAÇÕES


BIBLIOGRAFIA
Allais, Stephanie The Implementation and Impact of National Qualifications Frame-
works, OIT, Geneva, 2010
Baur, Michaela Qualifications Frameworks and their Relevance for Development Co-
operation in TVET, BMZ, Bona 2010
Bengsten, Peter Khallash; National Qualifications Framework Essentials, Banco Mundial,
Washington, 2009
GIZ Innovation Network South East Asia for TVET and Sustainable Stan-
dards
GIZ Circular Design and Development, Alemanha, 2011
Heitman, Werner Lessons learned from selected NQFs in Sub-Saharan Africa, Burkina
Faso, 2012
Isaacs, Samuel Lessons from South African National Qualifications Framework,
SAQA, 2010
e-book, Capacity-building Education and Training: Coping with the Mega-
trend; http://www.saqa.org.za

QUADRO NACIONAL DE QUALIFICAÇÕES 23


Notas

24 QUADRO NACIONAL DE QUALIFICAÇÕES


Notas

QUADRO NACIONAL DE QUALIFICAÇÕES 25


Notas

26 QUADRO NACIONAL DE QUALIFICAÇÕES


O projecto “Formação Profissional
para o Mercado de Trabalho em Angola (FormPRO)”
O projecto “Formação Profissional para o Mercado de Trabalho em Angola (FormPRO)” tem
como objectivo: “Aumentar a qualidade e relevância das ofertas de qualificação e consultoria
em sectores económicos seleccionados – em especial no sector da construção civil.” A tónica
das intervenções deverá centrar-se não só nas ofertas de formação profissional como também na
orientação profissional e no emprego. O FormPRO é um projecto bilateral entre Angola e a Ale-
manha. A parte angolana é representada pelo Ministério de Administração Pública, Emprego
e Segurança Social (MAPESS), com o Instituto Nacional de Emprego e Formação Profissional
(INEFOP); do lado alemão, o Ministério Federal da Cooperação Económica e do Desenvol-
vimento (BMZ) incumbiu a Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ)
da implementação do projecto. Juntamente com actores estatais, do sector económico (câmaras
de comércio e indústria, associações, empresas) e a sociedade civil impõe-se agora alcançar este
objectivo ambicioso até Dezembro de 2012.
www.formpro-angola.org

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